Negociação no Contexto das Racionalidades
Autoria: Wendel Alex Castro Silva, Patrícia Carvalho Rocha, Caroline Miriã Fontes Martins,
Marlúcio Cândido
RESUMO
Uma das mais complexas questões nas civilizações culturalmente organizadas tem sido a
racionalidade. E, apesar de toda a sociedade moderna ter características em comum, as diferenças
estruturais e transculturais criam uma diversidade de valores afetando as relações sociais como
um todo. Assim, no micro-campo organizacional, onde constantemente ocorrem jogos de poder e
lutas pela conquista dos objetivos devido a uma maior variabilidade nas relações, desenvolvem-se
um panorama cada vez mais propício à negociação, que nos últimos anos tornou-se um dos
fatores-chave na busca por maior cooperação entre indivíduos e grupos. Nesse sentido, o texto irá
abordar a racionalidade no âmbito das negociações. Far-se-á, então, uma reflexão das principais
dimensões de uma ação racionalmente orientada ao resgatarem-se alguns de seus elementos que
possam ser aplicados em uma estrutura de negociação. Observar-se-á, a partir de um conjunto de
idéias, as principais implicações para o desenvolvimento de relações integradas, sobretudo o tipo
de relação gerada no contexto das racionalidades. Isso será demonstrado a partir da análise dos
principais tipos de racionalidades existentes: instrumental, substantiva e comunicativa,
objetivando-se compreender a influência dessas três abordagens nas relações sociais que
envolvam negociações entre indivíduos ou grupos.
1. INTRODUÇÃO
Devido a enorme difusão das organizações modernas, em grande parte das economias ao
redor do planeta vemos os efeitos de uma lógica instrumental cuja concepção é de um sistema
social que se estrutura em forma de poder. A idéia que as ações dos indivíduos são subordinadas
às razões e reivindicadas ao monopólio da racionalidade está conectada a o quê o indivíduo
considera como racionalmente lógico dentro de um processo organizacional. Isso, apesar das
críticas, constitui a principal fonte de controle das organizações contemporâneas. Nesse sistema
de dominação, os indivíduos se tornam parte do organismo funcional ao desenvolverem papéis
em cada um de seus compartimentos. Esse modelo funcional é extremamente criticado pelos
teóricos radicais justamente por acharem que o mesmo impõe limites à mente e ao
comportamento dos indivíduos nas organizações, sendo, talvez, uma negação da própria
liberdade (Motta & Pereira, 1981).
Neste ponto, a tese de William Whyte Jr. sobre o conformismo social contemporâneo,
mesmo com um aparente fundo ideológico, contribui para a descrição do novo indivíduo social
que é ao mesmo tempo produto e produtor da moderna organização e dessa progressiva
racionalidade – o homem da organização – que se tornou figura marcante nos países
industrializados. As suas ações são monitoradas por grupos sociais em que participa e sua forma
individual de atuar é quase mínima (apud. Gifford e Pinchot, 1994).
Seu saber deriva de seu dia-a-dia e, historicamente mantém estreita relação entre a
organização, a classe e o controle. Ele evolui juntamente com o aprimoramento das práticas
administrativas pois possui papéis organizacionalmente determinados. Entretanto, segundo
Weber (2000) o homem organizacional (social) está longe de ser um indivíduo passivo,
submetido a regras ou determinações superiores que não poderiam ser alteradas segundo a sua
1
vontade ou ação. Pelo contrário, ele é um ser dinâmico, ativo, e, certamente sujeito da sua própria
história.
Nesse sentido, nesse trabalho tem-se como premissa que um indivíduo está sempre presente
e atuante em algum modelo organizacional. Assim, toda possibilidade de transformação da ordem
ou mesmo geração de conflitos é fruto de sua ação organizacional. Lembrando-se que, embora
uma organização seja fruto de uma ação racional cujo intuito é atingir algum objetivo de gestão
econômica, uma organização não é algo unívoco, tendo pelo menos dois sentidos. Numa primeira
acepção, uma organização assemelha-se a um sistema social sendo uma instituição de regras e
valores, enquanto que num segundo significado, organização é a forma pela qual são estruturados
os elementos.
Porém, é na organização enquanto sistema social que as pessoas têm condições de descobrir
suas potencialidades de desenvolvimento. Nos últimos anos foi possível perceber tal dinâmica
nas sociedades ocidentais na passagem para uma civilização com organizações multifacetadas,
um ambiente onde os recursos de tecnologia social e cultural estão essencialmente a serviço do
próprio homem. Nesse ambiente ele consegue atribuir significação às suas ações sociais – a ação
organizacional – mesmo que essas ações sejam delineadas por um indivíduo cujo comportamento
pareça ser dificilmente influenciado por uma única razão. Na verdade, a harmonia organizacional
depende da compreensão das ações racionais, e dela resulta o equilíbrio e a integração dos
subsistemas organizacionais, que podem ser divididos em três categorias: o subsistema técnicocultural, o informativo-decisório e o econômico-social, todos eles coordenados por elementos
racionais, de caráter lógico, matemático, ou de caráter endopático como os afetivos.
Portanto, na tentativa de explorar melhor um relacionamento entre o processo de
racionalização e os subsistemas em estruturas sociais da atividade multiforme do homem
organizacional, analisaremos como a unidade mais elementar da cultura humana - a racionalidade
– pode ampliar o processo de entendimento na esfera organizacional. O propósito maior desse
trabalho é mostrar exatamente qual é o sentido que uma negociação toma perante uma ou outra
racionalidade, e qual o seu efeito na construção das relações sociais.
Em particular, a questão-chave do pensamento organizacional está sendo determinada pela
personificação do que é considerado racional, ou seja, a ação racional é tida como elemento
primordial para o desenho organizacional. Porém, os critérios de racionalidade são
particularmente difusos devido à complexidade das relações sociais. São vários os objetivos
colocados em uma única esfera organizacional. De maneira similar, pressupõe-se também que os
níveis de racionalidades mudam conforme a freqüência das relações sociais. Isso acontece
devido ao elemento subjetivo contido na ação social, o que nos permite concluir que nem toda
ação será puramente orientada em sentido unívoco.
Os valores e benefícios de um processo organizacional mudarão relativamente os critérios
de racionalidade contidos em uma relação social. E sempre um critério adotado e justificado por
um tipo racional criará duplo valor quando observado sobre outro ponto de vista.
Consequentemente, a relação social dentro das organizações configurar-se-á como uma relação
de extremidade: de um lado o consenso, e do outro o conflito. A partir daí tem-se como
pressuposto que para conviver socialmente em uma organização, independente do fim ou valor
que se dá a essa realidade, é preciso desenvolver um campo de negociação, fator esse
extremamente importante na busca do entendimento coletivo. Com relação a essa afirmativa,
autores como Bazerman e Neale (1998:17) têm considerado a negociação como um elemento
central nas organizações.
É importante observar que ao contrário do que se imagina, a negociação é algo que ocorre
não somente em ambientes de transação econômica. Ela ocorre entre todos os tipos relações
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sociais, ou seja, em cada tipo de ação racionalmente pretendida e compartilhada entre os
indivíduos. A negociação é um elemento gerador de consenso que une todas as expectativas
individuais em uma unidade de interesses – a organização. Mas, ela por si só não produz
conhecimento, ou seja, a negociação exige saberes anteriores, tais como a experiência de cada
participante na negociação, e/ou a capacidade de cognição individual e/ou do grupo.
Mas, por que a negociação tem atraído atenção no campo organizacional? Segundo
Bazerman (1998) recentes alterações sociais e econômicas trouxeram maior complexidade às
relações sociais e alteraram substancialmente a vida profissional dentro das organizações, a saber:
i. Primeiro, a chamada concorrência global permitiu ao homem organizacional
diversificar suas relações de maneira diferente. Em certos momentos, as relações
econômicas se misturam com as relações sociais e culturais.
ii.
Segundo, houve uma mudança étnica bastante genérica na força de trabalho. Isso pode
estar relacionado ao aumento de empresas multinacionais nos últimos anos, que se
instalam em lugares onde a formação e a cultura são extremamente diferentes. Além
disso, o comércio internacional tomou proporções ilimitadas. Nesse sentido, essa
grande diversidade está obrigando grande parte das organizações a adquirirem boas
habilidades de negociação.
iii. Terceiro, a desregulamentação do comércio internacional que tornou as transações dos
agentes tão rápidas, e que impede o individuo de tomar consciência de todos os fatores
que interferem na orientação da ação. Assim, certamente, seu comportamento será
condicionado à limitação da racionalidade.
iv. Quarto, o aumento da economia no setor de serviços, pois as negociações nesse setor
são mais difíceis de serem efetuadas do que as negociações no setor de manufatura.
v.
Quinto, um aumento das renegociações multilaterais entre países, empresas e órgãos
reguladores do comércio internacional, assim como também agências de fomento. Um
exemplo claro disso são as renegociações das dívidas externas.
Esse conjunto de fatos e fatores tem aumentado as relações sociais entre os indivíduos nas
organizações. Com uma maior intensidade há também um aumento na busca por sua maior
regularidade. Por detrás dessa questão, o que está em jogo é a liberdade de escolha individual
mediante uma ação racionalmente orientada, o que segundo Weber (2000) pode acontecer dentro
de uma moldura conceitual de adequação meio-fim, ou estar relacionada a valores os quais um
indivíduo consciente considera mais importante sem levar em conta os custos de sua obtenção.
Assim, apesar de nem toda relação ser estritamente econômica, a negociação pode estar
presente em todos os casos de relação social – principalmente em ações organizacionais. O
pressuposto é de que a negociação é a marca visível de um comportamento democrático, e sua
prática regular é a explicação concreta do consenso pois pode gerar confiança mútua. Dessa
maneira, a negociação permite democratizar os interesses diversos das ações orientadas quanto a
fins ou valores. Cabe, então, salientar que a negociação permite enquadrar alguns elementos da
ética por meio da racionalidade substantiva e da ação comunicativa na busca de entendimento
entre os agentes (intersubjetivo), reduzir conflitos, e promover o discernimento entre os
indivíduos em um determinado campo organizacional.
2. RACIONALIDADES E NEGOCIAÇÃO INSTRUMENTAL
Faz-se necessária aqui uma análise dos aspectos da negociação, utilizando-se de algumas
definições elaboradas pelos principais estudiosos nesta área. Buscar-se-á, portanto, enquadrar
cada definição no domínio das racionalidades. E, mesmo que cada tipo de racionalidade apresente
uma aventura particular sob um ponto de vista de reflexão mais aprofundada, seguiremos uma
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trajetória não linear, resgatando alguns pensadores que deram significado a esse termo, entre os
quais, particularmente: Max Weber, Habermas e Aristóteles.
Antes de cada explanação, seria importante responder a pergunta a seguir, óbvia talvez, mas
essencial para o desenvolvimento das idéias neste texto: O que é negociação? A princípio
observamos que a negociação tem sua utilização em suas várias formas de relação social, e entre
todos os tipos de pessoas - amigos, cônjuges, crianças, vizinhos, estranhos, entidades
empresariais e até mesmo entre nações. As negociações geralmente ocorrem quando os
indivíduos simplesmente correlacionam idéias que a grosso modo têm sentidos diferentes.
Sabemos entretanto que são várias as conceituações de negociação, e dentre tantas definições
encontradas na literatura foram selecionadas três categorias de bases teóricas de sustentação que
confirmam o pensamento contido nesse trabalho, ou seja, existem no campo da negociação, por
um lado, correntes de pensamentos que correspondem a cada tipo racional weberiano e, por outro
lado, existem aqueles mais adequados à razão comunicativa. Vejamos as duas definições a seguir:
i.
“Negociação é um campo de conhecimento e empenho que visa à conquista de
pessoas de quem se deseja alguma coisa” (Cohen, 1980: 13).
Nessa citação fica explícito o interesse ou finalidade em conseguir-se algo da outra parte. O
empenho visa à conquista do oponente, e caracteriza uma relação de dominação fundamentada
dentro de uma perspectiva weberiana. É compreensível que uma negociação nesse sentido tenha
forma de combate. A relação que predomina é originada pela busca de vantagens específicas às
custas de prejuízo da outra parte.
“Negociação é o uso da informação e do poder, com o fim de influenciar o
ii.
comportamento dentro de uma rede de tensão” (Cohen, 1980:14).
Nota-se que a definição acima refere-se a um tipo de negociação relacionada com
persuasão. Existe, porém, um outro elemento central em relação à assertiva anterior - o poder –
que é elemento constituinte e até mesmo determinante das relações sociais de negociação. O
poder tem forte caráter de desestruturação na relação entre dominados e dominantes. Certamente
o sentido da ação sofre inversões significativas mediante conflito de interesses, especificamente
quando o poder consegue afetar a ação de maneira significativa. No campo das racionalidades,
verifica-se a presença da racionalidade instrumental influenciando as duas proposições anteriores.
A negociação se torna o objeto da gestão econômica weberiana quando a ação é racionalmente
planejada com vista a um fim. É obviamente decisivo para um comportamento racional referente
a fins falar quando temos, por um lado, uma necessidade ou um complexo de necessidades, e por
outro, uma reserva de meios e ações para satisfazê-las.
Segundo Weber (2000), na orientação de uma ação social combinam-se resultados
econômicos e extra-econômicos (substantivos). Ou, também, pode-se não verificar nenhum dos
casos. Isso deve criar certo impasse no comportamento dos indivíduos, principalmente em casos
de inter-relação, como o que acontece em ambientes de negociações. É possível imaginar que o
limite entre essas categorias seja fluido. Para compreender melhor essa variação da ação racional
assentaremos nossa idéia fundamentalmente na dicotomia razão instrumental e valoresi. Isso faz
pressupor a existência de uma relação entre racionalidade, subjetividade e irracionalidade no
comportamento humano.
Especificamente em negociações, a razão pode tomar forma simplesmente de um cálculo,
isto é, adição e subtração das conseqüências de nomes gerais estabelecidos para marcar e
significar nossos pensamentos. Pode levar um conteúdo subjetivo não compartilhado pelo mundo
da natureza, e consequentemente mais difícil de ser compreendidoii. As manifestações de
irracionalidade, segundo definições weberianas, estão associadas à vontade livreiii do sujeito, sob
um ponto de vista lógico – incalculabilidade -, e separadas do “moral”. Isso, de certa maneira,
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responde porque muitas vezes as pessoas comportam-se de maneira incoerente até mesmo com
seus próprios interesses.
Em relações de negociação nós chamamos esse comportamento de escala irracional do
compromisso, e acontece quando o indivíduo vai além daquilo que seria recomendável por
análise racionaliv. Assim, podemos seguramente assumir que uma negociação constitui
certamente um propósito de atingir determinado objetivo de maximização de interesses. A
questão está em medir as conseqüências do excesso de valor a determinado fim. Essa situação
poderá acontecer sempre que algum dos lados da negociação não conseguir mudar seu ponto de
vista e seu comportamento em função de referências que podem não ser percebidas de forma
objetiva nem por ele próprio, nem por observadores interessados.
Por outro lado, nas negociações racionalmente estruturadas, se torna incompatível um
comportamento tendencioso em direção à vontade livre de um agente específico. Assim, a
tendência à vontade livre poderá criar barreiras à oportunidade e transformá-la em um
comportamento fora dos valores morais. Entre as principais tendências que ocorrem em
negociação e que levariam à escala irracional do compromisso poderíamos citar as seguintes: (1)
aumentar irracionalmente seu compromisso com o curso inicial de ação, mesmo quando este
curso deixa de ser a escolha mais benéfica; (2) presumir que seu ganho deva ser necessariamente
sair às custas do outro e perder oportunidades de trocas e concessões benéficas para ambos os
lados; (3) basear suas avaliações em informações irrelevantes, tais como uma oferta inicial de um
determinado bem ou serviço; (4) ser demasiadamente afetado pelo modo como as informações
são apresentadas; (5) depender demais de informações prontamente disponíveis; (6) deixar de
considerar o que pode ser apreendido ao colocar-se na perspectiva do outro lado na negociação;
(7) ter confiança demais na obtenção de resultados favoráveis.
De fato, alguns dos elementos que influenciam o comportamento anterior geralmente estão
fora do controle individual, mas em vez de tentar alterá-los é melhor aumentar a habilidade do
negociador. E é exatamente o que propõe a ação racional no sentido weberiano, ou seja, o “como
fazer” é a preocupação dominante da ação instrumental. Mais especificamente, a idéia central
seria como tornar uma negociação mais sistematicamente racional ou racionalmente estruturada
por meio de regras e procedimentos seqüenciais que orientem a análise instrumental da realidade.
Assim, num contexto em que o “como” é cada vez mais complexo, o sentido da ação só terá
validade normativamente, o que explica a crescente influência de quem detém este tipo de
conhecimento.
Se por um lado a característica instrumental da ação reduz a vontade livre dos agentes pelo
atributo de regras bem definidas que devem se seguidas para resolução de problemas, por outro, a
ênfase na racionalidade instrumental leva a uma distorção quanto ao significado do que é feito e,
possivelmente, representa uma tentativa de eliminação da criatividade e da dinâmica das relações
sociais. De fato, a racionalidade instrumental responde “como”, mas “o porquê” só será
respondido por meio da racionalidade substantiva ou ética. Esse tipo racional será abordado logo
a seguir. Por enquanto, apresentaremos em forma de esquema uma estrutura de negociação
baseada na racionalidade formal.
A
ou
B
Ilustração 1 - esquema de negociação racionalmente instrumental
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A ilustração 1 representa uma estrutura de negociação que se baseia no algoritmo da
racionalidade instrumental. A adoção de uma negociação nesse sentido será dicotômica,
distributiva, e com base no exercício do “poder”, ou seja, os maiores benefícios estão
relacionados à capacidade de dominação de um indivíduo ou grupo. É, portanto, um modelo de
negociação que geralmente envolve apenas uma questão, na qual o alcance do resultado será às
custas da outra parte. Nesse tipo de transação, a convergência de objetivos caminha em dois
extremos ou pontos: (A) e (B). Os diferentes lados agem segundo um único pensamento – a
mitológica “torta fixa” conforme discutida por Bazerman (1998) – ou seja, o que é bom para eles
deve ser ruim para nós. O tipo de relação quanto aos resultados é fortemente orientada pela perda
e pelo ganho. A aspiração de um lado elimina as expectativas do outro, que tende a ser (A) ou
(B), e esse tipo de negociação evolui de maneira unidimensional. Quanto aos aspectos cognitivos
dessa relação, apresenta-se a “torta fixa mítica”. Tal fixação inibe a resolução criativa de
problemas e as pessoas são muitas vezes incapazes de resolver problemas por causa das
pressuposições lógicas que têm dos mesmos.
Na prática, as atribuições da racionalidade instrumental levam as pessoas a seguirem certos
padrões pré-estabelecidos e prescritivos que acabam impedindo-as de encontrar uma solução
mais criativa fora dos limites dessas pressuposições auto-impostas. Quando olhamos para os
agentes isoladamente, vemos a figura de um “ganhador” e um “perdedor”, o que a princípio seria
natural no sistema econômico, porém, em um contexto mais amplo – o social - essa relação tende
a ser desmotivadora, pois a instrumentalidade da ação cria barreiras para a realização de trocas
benéficas.
Como conseqüência - da “torta fixa mítica” – podem ser criadas irracionalidades quanto aos
resultados, porque apesar do comportamento ser sistematicamente estabelecido, seus resultados
podem se tornar incontroláveis (incalculabilidade da ação) quando a negociação está ancorada
apenas em um único elemento; por exemplo, o preço de um bem, o lucro da empresa, entre
outros. Por outro lado, não arriscaríamos dizer como deveria ser o processo de negociação por
meio da racionalidade formal; é necessário compreender melhor as questões consideradas
subjetivas e fundamentais para o comportamento racional dentro de uma negociação. Assim,
remetemos a algumas hipóteses: (1) uma negociação estruturada racionalmente elimina o
comportamento imprevisível dos agentes, porém, não é capaz de controlar todas as variáveis
endógenas, por exemplo, o resultado das negociações; (2) a negociação formalmente estruturada
diminui o conflito entre os agentes, mas, não as diferenças e incompatibilidades; (3) as empresas
que possuem uma estrutura de negociação instrumentalmente racional induzem o indivíduo a agir
conforme a “mitológica torta fixa”; (4) quando há um único interesse pelo “como”, elimina-se a
possibilidade de serem feitas negociações que podem trazer benefícios mútuos.
Nesse sentido, antes de “como” deveria existir o “por que fazer”, ou seja, qual o quadro de
referência para o “como”? Portanto, é preciso observar a segunda dimensão da racionalidade – a
racionalidade substantiva.
2.1 COSTUME ÉTICO E NEGOCIAÇÕES SUBSTANTIVAS
Uma vez considerada a racionalidade como um atributo subjetivo, toda ação racional
deveria pressupor uma ética ou conjunto de valores que orientam uma escolha. Nessa visão, pelos
menos em negociação, não há como dissociar a instrumentabilidade e a substantividade de uma
ação. Mesmo porque a deliberação dos processos organizacionais e a própria organização são
substancialmente dependentes de fins, crenças e valores. A negociação, por ser fortemente
calcada no relacionamento humano, carece particularmente dos valores sociais de um mundo
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objetivo, e também, dos atributos relacionados com a filosofia da consciência, a qual conduz ao
discernimento da ação. Isso condiz com o pensamento de autores como Nierenberg (1981), Matos
(1989) e Mills (1993) ao definirem negociação:
iii.
“Negociação é uma atividade que pode afetar profundamente qualquer tipo de
relacionamento humano e produz benefícios duradouros para todos os
participantes” (Nierenberg, 1981).
Partindo desse conceito, observa-se que uma negociação pode ser internalizada como um
elemento do comportamento humano. Nota-se, nesse sentido, uma busca por interesses comuns
por meio de renúncia e concessões inexoráveis das partes negociantes. Em um outro aspecto, está
relacionado à aceitação de valores como busca de entendimento ou reciprocidade, o que parece
ser mais explícito na definição a seguir:
iv.
“...a negociação como filosofia implica a aceitação dos valores que embasam
uma administração participativa, os direitos humanos e justiça social, bem
como os pressupostos de corresponsabilização dos resultados” (Matos,1989:
241).
A definição anterior recai sobre a importância no processo de participação, bem como no
envolvimento de todos nos resultados, quer sejam positivos ou negativos. Esse tipo de relação
requer mais envolvimento, maior aproximação entre as pessoas, trabalho em equipe e, também,
um comportamento ético. Aliás, a racionalidade substantiva pressupõe uma ética ou conjunto de
valores que orientam uma determinada ação. Nesse ponto, acreditamos ser extremamente
importante o pensamento de Aristóteles como fonte filosófica no discurso da ética.
Nesse sentido, a ética talvez não seja – acreditem – o elemento principal nas negociações;
entretanto, é o principal atributo da racionalidade. Particularmente, é o ponto de referência da
racionalidade substantiva. Aliás, segundo Aristóteles (2001) a virtude ética requer escolha,
deliberação, discernimento; exatamente por debruçar-se sobre coisas passíveis de variação, e
portanto, contingentes. Ao contrário de realidades expressas por princípios invariáveis, há uma
parte dos objetos postos diante da razão humana para os quais pode haver cálculo e deliberação.
Todavia, não é simples o cálculo; não é fácil a escolha. Pelo contrário, às vezes é difícil decidir o
que devemos escolher e a que custo, e o que devemos suportar em troca de certo resultado, e
ainda é mais difícil firmar-nos na escolha pois em muitos dilemas deste gênero o mal esperado é
penoso.
Se a ação humana tem origem na escolha, e esta tem por fonte um raciocínio dirigido a um
fim e/ou valor, seria possível ao homem possuir a percepção da verdade e a impressão da
falsidade, sendo inteligência prática apreender a verdade conforme o desejo correto. Agora, para
deliberar sempre sobre um futuro necessariamente em aberto, o homem exercita a habilidade que,
de potência, se transmuta em ato: o discernimento.
Para refletir sobre essa faculdade regatamos um pouco de Aristóteles (2001), que valeu-se
das características intrínsecas às pessoas dotadas do atributo de saber discernir, que são de modo
geral aquelas capazes de deliberar bem acerca do que é bom e conveniente para si mesmas e para
os outros em um sentido mais amplo. Tal habilidade possibilita o reconhecimento do universal na
contingência da situação particular (uma negociação por exemplo). Assim discernir é considerado
necessariamente uma deliberação sobre aspectos variáveis cuja escolha permitirá sempre
especular sobre outras opções preteridas e não acionadas. É também, segundo Aristóteles (2001),
possuir e levar às últimas conseqüências intuições e pressentimentos de vida.
De fato, se o discernimento, nesse aspecto, relaciona-se com as ações humanas e coisas
acerca das quais é possível deliberar, podemos diz que deliberar bem é acima de tudo a função
das pessoas de discernimento, mesmo porque ninguém delibera a respeito de coisas invariáveis,
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ou de coisas cuja finalidade não seja um bem que possamos atingir mediante a ação. Assim o
discernimento se relaciona com a ação de tal modo que as pessoas devem possuir ambas as suas
formas, ou melhor, tanto o conhecimento dos fatos particulares, quanto o conhecimento dos
universais.
Das considerações acima tecidas decorre, a nosso ver, que a maior dificuldade das pessoas
em relação à prática do discernimento é justamente o fato desse tipo de sabedoria não se resumir
apenas ao conhecimento dos universais, envolvendo também a familiaridade com os particulares;
o que exige tempo e experiência.
Pode-se então encontrar exímios jogadores de xadrez ainda jovens, assim como existem
jovens matemáticos brilhantes. Mas para o caso da negociação, por exemplo, poderiam ser
encontrados notáveis jovens negociadores? Bem, se o comportamento em negociação necessita
de discernimento, e este por seu curso estaria atado ao fato particular, é provável que as pessoas
aprendam tais habilidades tão logo este quadro de referência possa ser generalizado socialmente,
ao mesmo tempo em que permita deliberações entre indivíduos e grupos. Nesse sentido, a
“expertise” está relacionada à capacidade de conjeturar para o estabelecimento de inferências
pertinentes, sobretudo e principalmente em negociação, dependendo do desenvolvimento das
potencialidades do limite de nossas faculdades humanas.
Outro aspecto a ser considerado em Aristóteles refere-se à generalidade das normas e leis
que os indivíduos promovem, o que acarreta, para a especificidade de cada situação particular,
possíveis desigualdades e conseqüentes injustiças. Esse primado de algum modo remete ao
modelo burocrático weberiano na medida em que as normas buscam reduzir a variabilidade da
ação individual. Havia, entretanto, para Aristóteles, uma faculdade capaz de por si própria
corrigir tais desvios, constituindo-se sob tal enfoque como ato fundamental de atualização da
justiça: a equidade.
Pela equidade na ação particular se poderia então chegar ao gesto da equidade no seu
sentido universal. Daí, mais uma vez, a tônica do pensamento aristotélico demarca a virtude
como um hábito que só se consolida na ação. Por não se tratar de assunto invariável, não seria
tema ensinável enquanto saber teórico. Note-se porém, que Aristóteles reconhece o mimetismo
como elemento fundador da vida social, e mais especificamente, do ensino. A idéia condutora de
tal concepção corresponderia em negociação, por exemplo, talvez ao anseio de buscar que um
negociador enfoque seu aprendizado no entendimento por meio do isomorfismo, ou seja, fazer o
que o grupo faz.
Aqui, a proposição de ética dirigida à disposição do caráter para relações amistosas exige
sobretudo boa vontade, expressão que Aristóteles (2001) define como sendo um início de
amizade, da mesma forma que o prazer de olhar é o início do amor. Porém, a ética de Aristóteles
não é uma disposição de coração: é a revelação da potência em ato, disposta a agir em direção ao
bem comum, à felicidade pública, ao entendimento coletivo.
Seria, contudo, possível pensar em um consenso aristotélico no plano das negociações?
Noções de bem, de bem comum, de felicidade, e até de amizade, teriam um mínimo comum
passível de ser posto como universal nesse contexto? Sabemos que em tal encruzilhada situam-se
inúmeros debates e impasses do mundo contemporâneo, particularmente no Ocidente. Por seu
turno, não nos parece nem suficiente, nem apropriado uma total universalização de valores. Isso
porque diferentes culturas ou comunidades projetam para si acepções diferenciadas de bem, e
isso deverá ser validado enquanto tal, posto que o fruto da tradição em cada comunidade é o
hábito. Nesse sentido, hábitos diferentes induzem à valores diferentes e, por seu curso, a culturas
também diferentes.
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Tal relativização da questão ética, bastante comum nos tempos atuais, reflete a noção de
que compete a cada grupo social estatuir seu próprio código de valores que tenha significado para
uma comunidade particular e que ao mesmo tempo seja condizente com o universo social, mas,
por decorrência da variância de valores culturais ainda que tacitamente, não se pensa mais sobre
o assunto, pois a pluralidade cultural levada ao seu limite tornaria a discussão sem sentido, posto
que cada comunidade se torna a medida de todas as coisas que nela tem lugar. O que leva a crer
que, a relativização da ética em certos casos será impossível.
Rawls (2000) sugere que a tradição do pensamento democrático teria por dever assinalar a
liberdade e a igualdade crítica dos direitos que firmam para o ser humano e para a coletividade a
competência do exercício desses direitos. Vê-se, nesse sentido, que a concepção de bem comum é
inerente à busca racional de uma relação de justiça. Ricoeur (1995: 162) define a ética mediante
relações de cuidado para com os outros; e os outros são sempre outros, e nunca serão eu mesmo.
Por outro lado, somente a partir de seu reconhecimento social é que se poderá, na coletividade,
assegurar critérios para regular as relações interpessoais. Assim, o outro não é senão aquele que
pode dizer eu como eu, e, como eu, ser considerado um agente, autor e responsável pelos seus
atos. Do contrário, nenhuma regra de reciprocidade seria possível. O milagre da reciprocidade é
que as pessoas são reconhecidas como insubstituíveis umas às outras na própria troca. Essa
reciprocidade dos insubstituíveis é o segredo da solicitude. Que a intenção do bem viver envolva
de algum modo o sentido da justiça, isso é exigido pela própria noção do outro. O outro é
também o outro do tu. Correlativamente, a justiça estende-se para além do face-a-face. Duas
asserções estão aqui em jogo: de acordo com a primeira, o viver bem não se limita às relações
interpessoais, mas estende-se à vida nas instituições; de acordo com a segunda, a justiça
apresenta traços éticos que não estão contidos na solicitude, a saber, essencialmente uma
exigência de igualdade de uma espécie diferente da daquela da amizade.
Pode-se, com efeito, compreender uma negociação como parte do elemento institucional do
sistema racional de partilha, de repartição, que se refere aos direitos e deveres, rendimentos e
patrimônios, responsabilidades e poderes; vantagens e encargos. Quando essa tem caráter
distributivo – no sentido amplo da palavra – põe um problema de justiça por não respeitar as
desigualdades. Além do caráter distributivo é necessário então cultivar a crença em valores de
caráter integrativo nessas relações sociais. Isso requer considerar o valor dado por cada indivíduo
para uma determinada ação.
Tendo como base as referências teóricas anteriores – quer sejam num campo mais
filosófico – condicionantes do domínio da racionalidade quanto a valores, a explanação sucinta
da ética foi desenvolvida sob a pretensão de explicar o conteúdo da racionalidade substantiva.
Vê-se, pois, tal perspectiva sob uma versão aristotélica que maneja conceitos de um entorno
social, e, do modo como se constitui a ética, abrem-se caminhos para uma análise da
substantividade da ação racional.
É eminente admitir uma realidade referencial como redutora da variabilidade de
julgamentos por meio de convergência de valores e crenças contidos em cada indivíduo. A ética
baseada nos pressupostos aristotélicos permite por em prática, ainda que confinada a certos
limites objetivos, a reciprocidade de perspectivas que embasam a interação social. E, o que se
pretende falar de uma realidade referencial da vida social – isso pode ser trazido também para as
negociações – é comparativamente, segundo tratamento aristotélico, deliberado sobre as
diferenças de valores entre os indivíduos, ao reconhecimento do universal e do particular, do
variável e do invariável. Essa divisão nos conduz a uma reflexão tanto da instrumentalidade,
quanto da substatividade da ação, sendo que o sentido instrumental da ação recai sobre os fatos
universais e invariáveis, o que influencia o particular. Dessa forma, a consolidação da
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racionalidade substantiva está especificada em cada sujeito, sociedade, e ação, e toma diferentes
formas conforme o grau de discernimento em determinado contexto.
Se a racionalidade substantiva tem ligação maior com os particulares, sofre desse modo
forte influência de fatores universais tais como cultura, normas, leis. Devemos portanto admitir o
grau de subjetividade na produção e consumação de razões. O grande desafio que se coloca entre
o nexo da razão coletiva e a ação individual seria a busca pela equidade. Parece ser prudente,
então, correlacionar o coletivo “universal” com a ação individual pelo hábito. Aqui está
incorporando-se a idéia aristotélica do discernimento, ou seja, pressupõe-se que a variação no
comportamento individual só seria reduzida por meio do discernimento, o que é possível somente
em virtude do hábito. Permite-se concluir que a dimensão da racionalidade relaciona com
elementos substantivos como crenças, valores, os quais têm precedência em virtude do hábito.
Com a convergência à virtude do hábito, presume-se criar a realidade referencial que leva a
construção subjetiva de um conjunto de crenças e valores que servem de base para a interação
social dado que o homem evolui mediante percepções e pensamentos gerados por suas atividades
cotidianas no processo de socialização. Adicionalmente a aceitação de valores e crenças é
pressuposto de uma racionalidade substantiva. Mas, admitir uma realidade referencial é
conseqüência do hábito na interação social. Em outras palavras, a ação convergente do real seria
a base da reciprocidade de perspectivas que embasam as relações sociais.
Retomemos a discussão no domínio das negociações. Afinal de contas, todos esses
conceitos permitem aferir as negociações dentro de um parâmetro de racionalidade. Desse modo,
se por um lado uma tendência à totalização da racionalidade instrumental também, demanda a
socialização do “como fazer”, por outro, a unidimensionalização da razão aliena por meio de
pressupostos lógicos resultantes da fixação do método distributivo. Contudo, existirão momentos
que a aplicação da lógica em negociações se tornará bastante adequada. Principalmente quando
há uma grande necessidade de síntese, do ponto de vista lingüístico, em um sistema formal.
Em sistemas formais, por exemplo – um leilão na internet – existem meios disponíveis com
regras pré-estabelecidas que impõem limites aos participantes. A racionalidade substantiva reside
no fato de haver uma decisão de participar ou não desse leilão segundo um referencial valorativo.
Com isso, é possível pressupor também que, não há como substituir os processos racionais
instrumentais por processo totalmente valorativo. Justamente porque o mundo em pleno séc. XXI
é universalmente baseado em sistemas automáticos, o que proporciona grande dificuldade em
ampliar-se os parâmetros da racionalidade substantiva. Desse modo, a racionalidade substantiva
integra a racionalidade instrumental na medida em que a primeira consiste nos processos de
associação simbólica que resulta nos fins e objetivos.
Uma vez analisados sucintamente alguns aspectos da racionalidade substantiva, faz-se
necessário sua adequação ou enquadramento aos processos de negociação. Assim, talvez, o
primeiro passo seria tentar responder a pergunta “por que negociamos?” Nesse sentido, qual será
a realidade referencial que irá encorajar ou levar um indivíduo a ter determinado propósito.
Inicialmente esta pergunta seria respondida pela virtude do hábito, o que leva a crer que as
pessoas negociam porque é habitual negociar em determinada sociedade. Existem, porém, certas
distorções de percepção do indivíduo que resultam em ilusões baseadas em necessidade – porém,
não é objetivo desse trabalho fazer tamanho aprofundamento em aspectos psíquicocomportamentais. Ao contrário, é preferível entender que as ilusões baseadas em necessidade
derivam de motivação, e fazem com que o individuo sinta-se mais seguro. Há pelo menos três
tipos de ilusões: (1) a ilusão de superioridade na qual um indivíduo baseia-se em sua autoimagem (Kramer, 1991); (2) a ilusão de otimismo, que leva as pessoas a não aceitarem situações
de riscos (Taylor et. al., 1988); (3) a ilusão de controle, que significa que as pessoas crêem ter
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maior controle sobre os resultados do que de fato têm – comportamento típico de um jogador
nato (Large, 1975).
As ilusões baseadas em necessidades levam as pessoas a verem o mundo não como é, mas
como gostariam que fosse. Cada parte de uma negociação passa a ver suas ações com pretensão
de validade dependente dos anseios dos outros. Aí, surge então a necessidade de negociar.
Negociar, nesse sentido é a busca de uma realidade de referência entre o eu e o outro. Mas, para
que isso aconteça é necessário integrar interesses múltiplos. Portanto, o elemento substantivo da
ação seria o mais adequado para melhorar o poder de antecipação das prováveis decisões
subseqüentes do comportamento dos oponentes, não para limitar sua ação, mas sim, para
compreender seu verdadeiro anseio para que haja uma troca mutuamente benéfica.
Numa negociação baseada na racionalidade substantiva, os agentes do ponto (A) ou (B)
caminham entre os extremos em uma relação ganha-ganha. Há uma convergência entre o viés de
expectativa (n) positivo ou negativo, que são os alvos de A, que permitem os seguintes
resultados: (A+n) ou (A-n), e B; (B+n) ou (B-n). Assim, a relação ganha-ganha é fruto de uma
negociação racional que permite prever seus resultados. A ilustração 2 representa uma estrutura
de negociação que se baseia na racionalidade substantiva:
A
Negociação
Integrativa
A+ n
B - n
B
Ilustração 2 - esquema de negociações racionalmente substantiva
A adoção de uma negociação integrativa acontecerá, portanto, no modelo substantivo de
negociação. O alcance de um resultado ótimo dependerá das potenciais conseqüências entre um
limite mínimo (A-n) ou (B-n) e as vantagens de um limite máximo (A+n) ou (B+n). Uma
convergência de objetivos acontece quando os dois lados conseguem atingir a melhor alternativa
de referência (α) que é um ponto entre (A-n) e (B+n) ou (B-n) e (A+n). Para atingir o acordo os
diferentes lados irão agir segundo uma conduta de valores e crenças. O tipo de relação quanto aos
resultados é fortemente orientada pela reciprocidade do ganho. Quanto aos aspectos cognitivos,
em uma negociação do tipo integrativa a possibilidade de acordo é resultado de ações criativas.
O pressuposto é que a negociação substantivamente estruturada limita alguns aspectos de
dominação, permitindo uma relação ganha-ganha. Ao mesmo tempo, reduz o conflito entre seus
membros promovendo maior integração e sinergia de resultados.
Essas são questões que consideramos fundamentais para o comportamento racional dentro
de uma negociação. Dessa forma, remetemos às seguintes hipóteses para futuros estudos: (1)
uma negociação substantivamente estruturada elimina o comportamento oportunista dos agentes;
(2) o comportamento dos agentes passa de reativo para pró-ativo ao realizar suas transações; (3) a
negociação racionalmente estruturada diminui o conflito entre os agentes e, ao mesmo tempo,
proporciona maior integração social; (4) a integração provoca maior sinergia de resultados no
longo prazo, pela congruência de objetivos (5) as empresas que possuem estruturas de negociação
crenças e valores geram maiores resultados.
11
2.3 AGIR COMUNICATIVO E INTERSUBJETIVIDADE EM NEGOCIAÇÕES
Nessa seção, focalizaremos a dinâmica das negociações bilaterais ou multilaterais no
sentido de contextualizar dois elementos. Um que represente contrapontos em um conjunto de
interesses – a argumentação – e outro que busque a conciliação de interesses – o intersubjetivo.
Para reproduzir esses dois elementos na práxis das negociações iremos situar um campo da
ação racional que consideramos bastante conflituoso. Ele deriva da filosofia analítica, e tem como
primado uma análise cognitiva prévia da ação racional. Nesse sentido, constitui o grande dilema
entre a argumentação da lógica interior e a comunicação. Isso se deu a partir da tipologia criada
por Habermas que ampliou a visão da racionalidade ao fornecer a filosofia pragmática da
linguagem partindo de uma razão encarnada no conhecimento, na fala e na ação dos indivíduos
(Habermas, 2004).
Habermas apresenta a partir daí uma racionalidade do entendimento mútuo. Assim, o que é
racional para ele seria (1) faculdade da prova da realidade (Freud), de aprender por enganos e
erros (Popper), de solucionar problemas em contextos de ação retroacoplados (Gehlen), de
escolher meios orientados afins (Weber). Para isso, ele não desconsiderou as outras raízes da
racionalidade, mas apenas transferiu o poder da prova para os atos da fala; mesmo porque a
racionalidade discursiva é um elemento no âmbito parcial. Então, nesse aspecto, o que é racional
é tudo aquilo que, em princípio, possa ser defendido quanto questionado. Essa fixação,
entretanto, ampliou o campo da irracionalidade pois introduziu uma nova dimensão da razão, a
intersubjetividade.
Feitas essas considerações iniciais, seguiremos o mesmo roteiro, ou seja, antes de tentarmos
descrever uma estrutura de negociação baseada na racionalidade comunicativa, apresentaremos
duas definições de autores que consideram a importância do agir comunicativo em negociações:
v.
“Negociação é um processo de comunicação bilateral, com o objetivo de se
chegar a uma decisão conjunta” (Fisher & Ury, 1985:30).
vi.
“Negociação é um processo de comunicação com o propósito de atingir um
acordo agradável sobre diferentes ideais e necessidades” (Acuff, 1993: 21).
As definições anteriores propõem uma conexão conceitual com o agir comunicativo. Pela
teoria habermasiana o conceito agir comunicativo apropria-se de um desdobramento dos saberes
espontâneos, segundo os quais a busca pelo entendimento estaria na linguagem e no sentido do
discurso existentes nos tipos de interação social. Nesse aspecto, Habermas (1990) concorda que o
principal mecanismo de controle da ação é a linguagem, pois exerce papel primordial nas
relações sociais. Desse modo, em sua primeira concepção, a linguagem tem como função
simplesmente transmitir informações; nesse sentido, torna-se integrante do agir estratégico.
Segundo, a linguagem presta-se como fonte de integração social, apropriando-se do agir
comunicativo. Porém, é no agir comunicativo que há o elemento consensual de um entendimento
lingüístico, ou seja, as energias de ligação da própria linguagem tornam-se efetivas para a
coordenação das ações.
O sentido da verdade emana da linguagem segundo um realismo cognitivo, ao passo que, o
efeito de coordenação depende da influência dos atores uns sobre os outros e sobre a situação da
ação, a qual é veiculada através de atividades não-lingüísticas. Sobre as ações de fala, agora,
restrito ao contexto da ação comunicativa, Habermas (1990) explica o processo de entendimento
por meio da linguagem que acontece quando os participantes da interação unem-se através da
validade pretendida de suas ações de fala, ou levam em consideração os dissensos constatados.
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Por meio das ações de fala são levantadas pretensões de validade criticáveis que apontam para
um reconhecimento intersubjetivo.
A oferta contida em um ato de fala adquire força obrigatória quando o falante garante,
através de sua pretensão de validez, que está em condições de resgatar essa pretensão, caso seja
exigido, empregando o tipo correto de argumento. As ofertas de atos de fala somente podem
desenvolver um efeito coordenador de ações porque a força contida em uma ação de fala,
compreensível para o ouvinte e aceita por ele, se difunde também para as conseqüências
relevantes da ação, que resultam do conteúdo semântico do proferimento. Quem aceita uma
ordem, sente-se obrigado a executá-la; quem faz uma promessa sente-se no dever de cumpri-la
caso seja necessário; quem aceita uma asserção, acredita nela e comporta-se de acordo com ela
(Habermas, 1990). O que leva o entendimento ao nível da plena compreensão é o elemento
intersubjetivo.
A intersubjetividade em um sentido natural, tal como elemento, implícito no racionalismo,
revela e sugere, ao mesmo tempo, um nivelamento entre “ego e alter-ego, e a reflexão”,
enquanto pensamento. Assim, se o “outro” se torna, de algum modo, obstáculo para o “eu”, se a
reflexão se apóia em si mesma, e se esta consciência interior soberana é o lugar da verdade, o
contato com “outrem” não faz sentido, e mesmo a sua existência pode ser desacreditada. Na
ordem prática, esta mentalidade tornou-se justificativa para toda manipulação absolutista para o
racionalista, resumindo numa relação direta a um “eu penso” sem intermediação do “outro”.
Porém, a noção de intersubjetividade nos mostra que o “eu” não está “só”, isto é, a
liberdade do “eu” está sendo afetada, desde o princípio, por outras liberdades que interferem na
do “eu”. E, se um “eu” particular deve contas a “outrem” por sua liberdade, deixa de ser o centro
totalitário e deixa de se pertencer a si mesmo de um modo total. Enfim, o “outro” não é
conhecimento, mas a presença de uma referência estranha ao “eu” absoluto, desbancando a
soberania como referência, o que cria uma articulação dialética da razão. A partir desse ponto,
podemos definir um sentido para as negociações baseadas no agir comunicativo, isto é, saber
como as condições de validade da ação racional se portam diante da práxis da argumentação. Os
pressupostos da negociação baseada no agir comunicativo são (1) a publicidade e total inclusão
dos envolvidos, (2) distribuição eqüitativa dos direitos de comunicação, (3) caráter não-coercitivo
do melhor argumento, e (4) probidade dos proferimentos de todos os participantes. A meta, seja
em uma negociação “bilateral” ou “multilateral”, é o entendimento pela argumentação.
A validade da negociação é dada dentro do conceito epistêmico do que é verdadeiro para
“nós”. Nesse sentido um negociador (p) irá tentar validar sua ação ou proposta mediante um
enunciado (є) sob a justificativa de legitimidade do mesmo. Em sentido oposto, o negociador (s)
levanta uma contra-argumentação (э) no sentido de justificar e legitimar seu ponto de vista. A
conexão entre a referencia verdadeira (t) e a argumentação da validade demonstrada ou conhecida
(є) e (э) é proporcional ao processo ideal de justificação de cada participante. Em termos práticos
agentes do ponto (A) e (B) caminham entre os extremos em uma relação de entendimento. A
convergência entre o viés de expectativa (n) positivo ou negativo, que são os alvos de A e B
permitem os seguintes resultados: A, (A+n) ou (A-n), e B, (B+n) ou (B-n). Porém, uma
negociação com pretensões de verdade não está relacionada com o conceito de sucesso, pois, a
direção da argumentação é semântica e subjetiva. A ilustração 3 representa uma estrutura de
negociação que se baseia na argumentação e intersubjetividade:
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Pretensão de Validade
Negociador A
A–n
A+n
Intersubjetividade e
Entendimento
A
Pretensão de Validade
Negociador B
B–n
A+n
B
Ilustração 3 - Intersubjetividade em negociações
.O alcance do resultado ótimo dependerá das potenciais conseqüências entre um limite
mínimo (A-n) ou (B-n) e as vantagens de um limite máximo (A+n) ou (B+n). Uma convergência
de objetivos acontece quando os dois lados conseguem atingir o nível de entendimento. Para
atingir o acordo os diferentes lados agem segundo aspectos semânticos, argumentativos, baseados
em fins ou valores. O tipo de relação quanto aos resultados é fortemente orientado pela
reciprocidade do entendimento. Quanto aos aspectos cognitivos, em uma negociação baseada na
racionalidade comunicativa a possibilidade de acordo é resultante da intersubjetividade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente estudo reuniram-se questões envolvendo a temática racional em negociações.
A ênfase foi dada aos elementos racionais, e o maior desafio foi justamente tentar enquadrá-los
ao propósito das negociações. Apesar de uma análise restrita, concentrou-se todo um esforço por
um maior entendimento dos tipos racionais e como isso se daria em negociações, o que sugere
uma análise mais profunda, pois pelo menos no campo teórico os diferentes conceitos
encontrados de negociação apresentarão forte relação ao um ou outro tipo racional. Nesse
aspecto, a negociação poderá se torna instrumental ou substantiva de acordo com o a variável
cultural presente em um grupo ou organização. Aliás, apesar do tema cultura ser muito pouco
explorado nesse trabalho, é possível que algumas questões que aqui ficaram sem respostas sejam
respondidas ao integrar o campo racional ao cultural.
Por agora, podemos somente acreditar que se existem negociações baseadas em relações
racionais instrumentais, estas serão fortemente estabelecidas pelo uso da informação em caracter
simplesmente distributivo, que visa uma partilha também distributiva e ao mesmo tempo
dicotômica, ou seja, os indivíduos passam a caminhar sempre em sentidos opostos. Nessas
relações, o uso do poder tem a finalidade de influenciar o comportamento dos negociadores na
medida em que permite sobrepor vários interesses. Ressaltamos, inclusive, que o poder foi outro
elemento pouco explorado nesse trabalho; dessa maneira, sugerimos maior atenção para com esse
elemento em futuras pesquisas nesse campo de conhecimento. Cremos que permitirá explicar
melhor porque em negociação existe demasiado empenho com vistas à conquista de pessoas de
quem se deseja alguma coisa.
As negociações substantivas, por seu curso, implicam na aceitação dos valores que
embasam uma administração participativa, os direitos humanos e justiça social, bem como os
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pressupostos de corresponsabilização dos resultados, enfim, torna a negociação mais
democrática, o que pode afetar profundamente qualquer tipo de relacionamento humano e
produzir benefícios duradouros para todos os participantes. Na prática, esse tipo de
relacionamento requer maior discernimento dos indivíduos e grupos, e isso é um processo lento,
gradual e depende de uma melhor consciência diante da verdade referencial que monitorará as
negociações. Devido à multiplicidade de valores culturais e ao desnivelamento quanto grau de
experiência dos negociadores, esse tipo de relacionamento, em alguns casos, se torna
impraticável e é substituído pelos interesses instrumentais da ação, ou seja, os indivíduos
começam a agir segundo o propósito meio-fim da ação.
Por outro lado, por meio da ação comunicativa será possível chegar ao entendimento.
Nesse momento a comunicação permite conjugar diferentes ideais em um único objetivo
promovendo um campo de ação de formação conjunta do conhecimento. A partir daí, se tenta
correlacionar também, os dois tipo racionais anteriores, e ao mesmo tempo reduzir a variabilidade
das ações sociais em negociações via integração de objetivos. Nesse sentido, o agir comunicativo
poderá aumentar as habilidades dos negociadores levando-os ao nível de entendimento mútuo e
busca de melhores decisões sob os diversos interesses.
Finalmente, consideramos que o indivíduo está sempre presente e atuante em algum
modelo organizacional, sendo toda possibilidade de transformação, de ordem ou até mesmo
geração de conflitos, fruto de sua ação organizacional. Verifica-se, ainda, que toda harmonia
resgatada pelo homem dependerá da compreensão das racionalidades, pois são seus elementos
que trazem o equilíbrio e a integração aos subsistemas da vida organizacional.
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i
A distinção weberiana entre racionalidade formal e substantiva foi fundamental para sua análise empírica da
moderna organização burocrática. Para Weber enquanto a racionalidade formal refere-se à calculabilidade dos meios
para se atingir determinado fim, a racionalidade substantiva refere-se ao relacionamento entre a ação e algum fim
substantivo com crença a valores. A burocracia e os sistemas administrativos, segundo Weber, são governados pela
racionalidade puramente formal.
ii
A subjetividade que Weber citava não se refere às ações denominadas irracionais. Ao contrário, este componente
íntimo do indivíduo está incluído no próprio comportamento racional.
iii
Nossa dignidade de seres racionais consiste precisamente em estarmos vinculados apenas às regras que
endossamos, regras que escolhemos livremente para nos vincularmos. Somos livres e racionais até a instituição das
normas, assim, se somos livres, mas não estamos ligados a qualquer norma racional, não somos mais racionais?
iv
Segundo Weber, a orientação com respeito a valores pode estar numa relação muito diversa da orientação racional
com respeito a fins. E, da perspectiva desta última, a primeira é sempre irracional. Como o exemplo do alpinista que
planeja e executa a escalada de uma montanha através de desfiladeiros de rocha de gelo. Alguém questionará porquê
subir essa montanha? As razões terão sentido racional para o alpinista devido ao valor dado a essa ação. Porém, outra
pessoa poderá considerar a mesma irracional.
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Wendel Alex Castro Silva, Patrícia Carvalho Rocha