CIM
O sódio como excipiente em medicamentos
O sódio é um dos excipientes de uma lista de 38 grupos de substâncias que podem provocar efeitos indesejáveis.1
Para algumas destas substâncias os efeitos indesejáveis estão associados a uma determinada via de administração e a uma dose limiar, ou seja, a dose máxima aceitável sem risco conhecido.1,2 No caso do sódio, a dose limiar
é de 200 mg por dia em formulações sistémicas destinadas a adultos.1,2 Mais recentemente a Food and Drug Administration (FDA) aprovou novas regras de rotulagem e informação ao doente para medicamentos não sujeitos a
receita médica obrigatória (MNSRMO) que contenham teores de cálcio, magnésio, sódio ou potássio que possam
ser prejudiciais a indivíduos com determinadas patologias.3 De acordo com estas regras:
• Deve ser especificado o teor de sódio quando este for igual ou superior a 5 mg por dose;
• Medicamentos para administração oral com mais de 140 mg de sódio na dose máxima diária devem conter informação que alerte indivíduos sujeitos a dietas com restrição de sódio a não tomar o medicamento sem antes
consultarem um profissional de saúde.
Em indivíduos hipertensos há evidência de que a restrição de sódio para valores inferiores a 100 mmol/dia, equivalente a 2.4 g Na+ ou 6 g de cloreto de sódio, provoca uma redução da pressão arterial sistólica de 2 a 8 mmHg,4
reduz a necessidade de fármacos anti-hipertensores5,6 e potencia a acção da terapêutica anti-hipertensores com
diuréticos e IECAs.7 A resposta tensional à redução de sódio é muito heterogénea, e em alguns doentes hipertensos é mínima ou mesmo nula.5,8 Os diabéticos, negros e idosos respondem melhor à redução de sódio do que a
população em geral9. Estima-se que o consumo médio de sal (NaCl) de cada português seja 12 g por dia,10 pelo
que importa recomendar restrição de sódio para valores inferiores a 2.4 g Na+ ou 6 g de cloreto de sódio a todos
os hipertensos. Esta medida não comporta riscos, uma vez que as necessidades fisiológicas de sódio são satisfeitas
com menos de 1 g de sal por dia,11 e beneficia os subgrupos de doentes mais sensíveis ao sódio.
Em insuficientes cardíacos recomenda-se uma dieta hipossalina, de modo a diminuir a volémia e compensar a retenção de sódio. Ao contrário do que sucede na hipertensão, parecem não existir ensaios clínicos controlados sobre
a restrição de sal no tratamento da insuficiência cardíaca (IC),12 mas a ingestão máxima aconselhada é normalmente 5 g de sal (equivalente a 2 g Na+),12 inferior à recomendada para os hipertensos. Vários autores recomendam uma ingestão que não ultrapasse os 3 g de sal por dia,13,14 o que se consegue não ingerindo alimentos ricos
em sal, não adicionando sal à mesa e cozinhando com pouco ou nenhum sal. Os doentes devem-se pesar diariamente, para detectar de forma precoce a retenção de fluidos, que pode obrigar a uma restrição severa da ingestão
de sódio. Esta passa por consumir apenas alimentos com baixo teor de sódio, eliminando alimentos como o leite,
pão, e alguns vegetais frescos, como os espinafres.15 Este tipo de dieta apresenta um paladar pouco apelativo, que
resulta em fraca adesão ou carências nutricionais; a presença de sódio como excipiente em medicamentos torna-se, neste caso, crítica.
No ambulatório, os medicamentos que mais problemas levantam quanto ao teor de sódio como excipiente são as
formulações efervescentes. Estas apresentam uma composição onde entra um ácido e um carbonato ou bicarbonato, capazes de reagir rapidamente em presença de água, libertando dióxido de carbono.16 Em muitos casos a
efervescência é conseguida à custa da reacção entre bicarbonato de sódio e um ácido.
O impacte das formulações efervescentes depende do teor de sódio (tabela 1), e da frequência de utilização (número de tomas diárias e duração do tratamento). Nalguns casos, a utilização de uma formulação efervescente na
dose máxima diária pode representar, por si só, mais de 50% da ingestão máxima diária recomendada de Na+ para
um hipertenso.
Pelas razões enunciadas, considera-se que as formulações efervescentes não devem ser utilizadas em doentes com
hipertensão e insuficiência cardíaca. Impõe-se como uma medida de bom senso a evicção destas formulações noutras situações que obrigam à restrição de sal na dieta, como edema e insuficiência renal. Esta forma farmacêutica pode, no entanto, ser vantajosa em casos específicos, como sejam os indivíduos com problemas na motilidade
esofágica.6
Doentes sujeitos a uma dieta com restrição de sódio devem ser informados pelos profissionais de saúde assistentes
sobre o conteúdo de sal das formulações efervescentes. O doente, como co-gestor da sua terapêutica, tem também a responsabilidade de ler o folheto informativo. Esta advertência consta na maioria dos folhetos informativos
(FI), de acordo com o ilustrado na Tabela 1, mas em linguagem que poderá não ser de fácil compreensão, pois
possivelmente muitos indivíduos sujeitos a uma dieta restrita em sal não estão familiarizados com o termo sódio.
O papel do farmacêutico reveste-se assim de primordial importância, sobretudo porque muitas das formulações
efervescentes são medicamentos não sujeitos a receita médica obrigatória (MNSRMO).
Foi ensaiada no Reino Unido, com sucesso, uma abordagem multidisciplinar para reduzir o consumo destas formulações.6 Esta intervenção consistiu em enviar para os Centros de Saúde e Farmácias de uma área geográfica
em Inglaterra informação postal sumária sobre as implicações clínicas de formulações efervescentes com elevado
conteúdo de sódio, bem como os consumos das mesmas na área em estudo. Esta informação foi acompanhada de
um frasco com a quantidade de sal presente na dose diária de um analgésico efervescente, como ajuda visual para
demonstrar o conteúdo de sal. Este estudo é um exemplo de como uma mensagem simples suportada por colaboração interdisciplinar se pode traduzir em potenciais ganhos em saúde.
ficha técnica n.º 63
centro de informação do medicamento
centro de informação do medicamento
CIM
Tabela 1 – Conteúdo de sódio de formulações efervescentes disponíveis no mercado∗
Especialidade
farmacêutica
Teor aproximado Na+
por unidade♦ (mg)
Advertência no FI
MSRMO
Brufen granulado carteiras
197
Nos doentes sujeitos a uma dieta hiposalina deve-se ter em consideração
que cada saqueta de Brufen granulado contém aproximadamente 197 mg
de sódio.
Dafalgan 1 g comp. eferv.
548
Em caso de regime dietético sem sódio ou com redução de sódio é preciso
ter em atenção o conteúdo em sódio (548 mg por comprimido)
Calcium D Sandoz comp.
eferv.

52
Fluimucil 600 comp. eferv.
137
Zantac 150 comp. eferv.
328
Zantac 300 comp. eferv.
479
-------------------Não deve ser usado em situações que obriguem à restrição do sal na
alimentação
Contém sódio, pelo que se recomenda precaução no tratamento de doentes
sujeitos a dieta restrita em sódio.
MNSRMO
Alka Seltzer
541
Poderá ser prejudicial a pessoas a fazer uma dieta pobre em sódio
Aspirina C
467
Poderá ser prejudicial a pessoas a fazer uma dieta pobre em sódio
Cebion 1 g comp eferv.
242
Em caso de regime sem sal, ou mesmo com o seu teor reduzido, ter em
atenção o facto de o comprimido conter sódio.
Efferalgan
412
Em caso de regime dietético sem sódio ou com redução de sódio, é preciso
ter em conta que cada comprimido de Efferalgan 500 contém cerca de
412,4 mg de sódio.
Guronsan
570
Panadol comp. eferv.
427
Supradyn
300
Trifene comp. eferv.
469

∗
♦
Em regimes isentos de sódio ou hiponatrémicos convém saber que os
comprimidos Guronsan contêm cerca de 570 mg de sódio
Este medicamento não é recomendado se estiver sujeito a uma alimentação
que restrinja a quantidade de sal.
Para os doentes sujeitos a uma dieta sem sal: os comprimidos
efervescentes contêm sais de sódio
Se estiver a fazer uma dieta com restrição da ingestão de sódio deve ter
em conta que cada Trifene efervescente contém 469 mg de sódio
Foi feita uma recolha não exaustiva das formulações efervescentes comercializadas.
No caso de a informação não constar no folheto informativo (Fluimucil, Calcium D Sandoz, Zantac) foram contactados os laboratórios produtores.
Mara Guerreiro
Farmácia Fialho, Portel
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