primeira pessoa | osgemeos
Revista do itaú PeRsonnalité n o 24 | ano 6
_
“a nossa bíblia”
O nascimento das ideias
da dupla de grafiteiros
OSGEMEOS, 39 anos, é sempre
registrado nos caderninhos
que Gustavo e Otávio Pandolfo
levam em mãos. “São mais
de cem diários, de vários
tamanhos, cheios de desenhos,
pensamentos, desabafos
e histórias. Eles juntos
são a nossa Bíblia.”
bebel gilberto
por millos kaiser; foto carol quintanilha
“Fiquei uma mulher
séria. dei uma
sossegada geral”
bob burnquist
hugo carvana
regina da
costa pinto
O “baú do tesouro” da dupla fica em seu ateliê,
exemplar
distribuído
naspoder ser consultado
no Cambuci
(SP), para
agências
sempre personnalité
que for preciso. Só os dois sabem
o que suas páginas guardam e inspiram
90
EDITORIAL
H
á seis anos a Revista Personnalité promove a prática de um jornalismo refinado e surpreendente. Personalidades reclusas têm aberto suas casas para
nós, e grandes jornalistas têm deixado, aqui, sua marca em textos irretocáveis.
Neste momento você pode se perguntar: mas por que um banco faz uma revista
que não traz notícias sobre economia, cartões, taxas e fundos? A resposta é simples: porque isso fazemos através de nossos gerentes. A revista fazemos para você,
leitor, alguém ávido por cultura e informação com qualidade e profundidade. É
por isso que nas páginas a seguir você não encontrará apenas uma entrevista com
a cantora e compositora Bebel Gilberto, mas, sim, um passeio por toda sua carreira, com o viés de um texto intimista, assinado pelo jornalista Eduardo Logullo,
amigo de nossa personagem de capa.
O mesmo podemos dizer da entrevista com o ator Hugo Carvana, que, aos 76
anos (e 91 longas-metragens na bagagem), abriu sua casa e seu bom humor para
uma conversa sobre vida e trabalho. Ali, ele revela que está preparando a aposentadoria da direção, mas garante que o envolvimento com comédia não largará jamais.
Talvez a melhor palavra para definir a entrevista seja: inspiradora. E é assim, usando a experiência de nossos perfilados, que desejamos seguir. Nessa mesma linha
trazemos um texto emocional e gastronômico sobre o tradicional restaurante francês Ledoyen, um dos mais antigos de Paris, que tem três estrelas no Guia Michelin.
Também em Paris visitamos a casa de Regina da Costa Pinto, baiana restauradora de obras como a Mona Lisa. Do lado de cá do Atlântico, fomos aos Estados
Unidos conhecer a propriedade do skatista Bob Burnquist, na Califórnia. Na casa
de Regina, deparamo-nos com um quadro e paredes brancas: tudo para descansar
seus olhos calejados por tantas cores e microscópios para restauração; no quintal
de Bob, vimos a megarrampa, pistas de skate em obras e seu xodó, um helicóptero.
Nossa 24ª edição comprova, mais uma vez, que ver tudo com os próprios olhos faz
toda a diferença para a revista que você começa a ler agora.
the new york times
Bob burnquist treina na megarrampa no quintal de casa, na
califórnia, onde recebeu a reportagem da revista personnalité
sandy huffaker/
Um abraço e boa leitura,
André Sapoznik
Itaú Personnalité
Colaboradores
expediente
Colaboradores
Editor Paulo Lima Diretor Superintendente Carlos Sarli Diretor
Editorial Fernando Luna Diretora de Criação Ciça Pinheiro Diretor
de Núcleo Tato Coutinho Diretor Financeiro Agenor S. Santos
Diretora de Publicidade e Circulação Isabel Borba Diretora de
Eventos e Projetos Especiais Proprietários Ana Paula Wehba
Luiz Antonio Ryff, 43 anos, é jornalista
há 21, quando começou a carreira no Jornal
do Brasil. Atualmente se dedica à direção de
conteúdo da Casa do Saber Rio e ao lançamento
do documentário sobre o clássico Fla x Flu,
dirigido por Renato Terra, do qual participa como
entrevistador. Aqui, Ryff relembra a sua saborosa
experiência no tradicional restaurante parisiense
Ledoyen. “Não vejo a hora de repetir a dose.”
A jornalista Fernanda Ezabella, 32 anos,
começou a trabalhar na Reuters de São Paulo
em 11 de setembro de 2001. Em 2008, foi para a
Folha de S.Paulo, trabalhou na “Ilustrada” e se
tornou correspondente do jornal na costa oeste
dos EUA. Nesta edição, foi até o sul da Califórnia
encontrar o skatista Bob Burnquist. “Ele é um cara
bacana, tranquilo e sem a afetação dos famosos
de Hollywood. Foi bom estar em um ambiente tão
brasileiro e falar português.”
fotos: arquivo pessoal e bruna dalcim (dalcim)
Formado pelos arquitetos Fabio Riff, Rodrigo
Oliveira, Thomas Frenk e Fabrizio Lenci,
todos com 25 anos, o estúdio Vapor324 fica no
edifício Copan. Lá tocam projetos gráficos e de
arquitetura. Recentemente, foram convidados
para a Trienal de Arquitetura de Lisboa e para a
Bienal de Arquitetura de São Paulo. Nesta edição,
ilustram o passeio de bike de Dico Tostes no Rio.
“Somos ciclistas. É um tema que achamos que
precisa ser discutido”, diz Fabrizio.
fotos: arquivo pessoal e divulgação (vapor 324)
O norte-americano Richard Wright já foi
bailarino na prestigiada companhia American
Ballet Theatre, tornou-se coreógrafo, ator e depois
fotógrafo. Traz na bagagem retratos de Samuel L.
Jackson, John Malkovich e Sean Penn. Seu projeto
atual é o livro Charactor, que traz retratos de atores
e suas inspirações. Nesta edição, fez as fotos de
Bob Burnquist. “Fotografar o Bob em sua casa foi
uma experiência deliciosa.”
Diretor de Redação Décio Galina Editora Lia Bock Produtora
Executiva Kika Pereira de Sousa Assistente de Produção Juliana
Carletti Departamento Comercial Supervisora de Projetos
Especiais e Planejamento Comercial Ana Carolina Costa
Oliveira Assistente Comercial da Diretoria Gabriela Trentin
Assistente de Arte Marketing Publicitário Fabiana Cordeiro
Gerentes de Contas Paulo Paiva e Roberta Rodrigues Gerente
de Contas On-line Marco Guidi Executiva de Contas On-line
Fernanda Siqueira Assistente de Tráfego Comercial Aline
Trida Para anunciar [email protected] Representantes
Internacionais Sales Multimedia, Inc. (USA) info@multimediausa.
com Argentina Roberto Rajmilevich [email protected] BA Romário
Júnior DF Alaor Machado MG Rodrigo Freitas PE Wladmir
Andrade PR Raphael Muller RJ Juliana Rocha RJ (Trip e Tpm)
X² Representação RS/SC Ado Henrichs SE Pedro Amarante SP
Interior Daniel Paladino Pesquisa de Imagens (coordenação)
Aldrin Ferraz Bibliotecário Daniel de Andrade Produção Gráfica
Walmir S. Graciano Produtor Gráfico Cleber Trida Tratamento
de Imagens Roberto Longatto e Roberto Oliveira Revisão Ecila
Cianni (coordenação), Adriana Rinaldi, Janaína Mello e Marcos
Visnadi Projetos Especiais e Eventos Coordenação Regina Trama
Editora de Arte Ana Luiza Gomes Assistente Mariana Beulke
Trade e Circulação Diretora Daniela Basile Analista de Trade
Renata Vilar Gerente de Circulação Adriano Birello Analista de
Circulação Vanessa Marchetti Projetos Digitais Diretor de Mídias
Eletônicas de Custom Publishing Beto Macedo Editores de
Arte Débora Andreucci e Diego Maldonado Assistente de Arte
Julia Vargas Gerente de Negócios Izabella Zuanazzi Núcleo de
Vídeo Coordenação Ana Rosa Sardenberg Videomaker Marco
Paoliello e Lucas Kiler Assistente de Produção e Finalização
Viviane Gualhanone Editor de Vídeo Pitzan Oliveira Produção
Bruno Oliveira TV Trip Direção Joana Cooper Diretora Assistente
Anice Aun Editora Daniela Guimarães Relações Públicas Taís
Neri Assistentes de RP Rafael dos Santos e Monalisa de Oliveira
Estagiária Verônica Centeno Colaboraram nesta edição Vanina
Batista (direção de arte), Cyntia Fonseca Zuliani e Kiki Tohmé
(designers), Edmundo Clairefont (edição de texto), Daniela
Fernandes da Costa, Eduardo Logullo, Fernanda Ezabella, Kelly
Cristina Spinelli, Luiz Antonio Ryff, Luiz Fernando Vianna, Jones
Rossi, José Nilton Dalcim, Millos Kaiser, Pedro Henrique França
(texto), Carol Quintanilha, Daryan Dornelles, Marcelo Correa,
Marcelo Naddeo, Nelson Mello, Pedro Meyer, Richard Wright
(fotos), Vapor324 (ilustração), Marina Brum (styling), Dani Kobert
(make), Ana Hora (produção)
Comitê Itaú responsável por esta edição Fernando Chacon,
André Sapoznik, Cristiane Portella, Danielle Sardenberg, Camila
Carneiro e Elisangela Bonamigo Colaboradores DPZ Propaganda
Marcello Barcelos e Elvio Tieppo Capa Daryan Dornelles
Tratamento de capa Regis Panato Photouch Quarta
capa Daryan Dornelles
Revista Personnalité é uma publicação trimestral da Trip Editora
e Propaganda em parceria com o Itaú Personnalité.
Endereço para correspondência: rua Cônego Eugênio Leite, 767,
05414-012, São Paulo, SP.
E-mail: [email protected]
www.tripeditora.com.br
A Trip Editora, cons­ci­en­te das questões am­bi­en­tais e sociais,
utiliza papéis Suzano com certificado FSC
(Forest Stewardship Council®) para
impressão deste material.
A Certificação FSC garante que uma
matéria-prima florestal provenha de
um manejo considerado social,
ambiental e economicamente
adequado. Impresso na Gráfica
Log&Print – Certificada na Cadeia de
Custódia – FSC
Ex-nadador profissional do Vasco, o carioca
Daryan Dornelles, 42 anos, é fotógrafo há
16. Colaborador de publicações como Rolling
Stone, GQ, Marie Claire e Serafina, no momento
cuida do lançamento do seu livro de retratos de
músicos do Brasil, previsto para março de 2014.
Para esta edição fez a capa com Bebel Gilberto.
“Foi lindo, astral dez! Como já nos conhecíamos,
tudo ocorreu da melhor maneira possível.”
A jornalista Daniela Fernandes da Costa
trocou São Paulo por Paris há 14 anos. Hoje,
aos 44, colabora regularmente com a BBC
Brasil e com o jornal Valor Econômico. Nesta
edição, assina o perfil da restauradora Regina
da Costa Pinto, uma das poucas pessoas que
podem encostar na Mona Lisa. “Ela é uma pessoa
interessante, culta e com muito humor. Tem mil
histórias para contar. Antenada na atualidade
brasileira e francesa.”
O jornalista Pedro Henrique França, 28
anos, começou a carreira no jornal O Estado de
S. Paulo, dirigiu o documentário Ecos e passou
pela revista Poder antes de partir para uma
temporada em Nova York. De lá, colaborou para
veículos como GQ, Serafina e Valor Econômico. Há
um ano radicado no Rio, o paulistano entrevistou
o ator Hugo Carvana. “Conversar por 2 horas com
um dos maiores mitos do cinema nacional foi um
presente inesquecível da profissão.”
Apaixonado por esportes, o jornalista José
Nilton Dalcim, 53 anos, é especializado em tênis
há 33. Criador do site tenisbrasil.com.br, que em
breve completa 15 anos, Dalcim toca projetos de
vídeos de instrução do esporte e o lançamento de
uma coleção de e-book. Para esta edição escreveu
sobre tênis em dupla. “Conheço o Bruno Soares
desde os tempos em que era juvenil, um cara
muito bem-humorado. Foi muito legal ver que,
apesar dos anos e do sucesso, ele continua
exatamente da mesma forma.”
sumário
10 Cá entre Nós
Música, gastronomia, viagem e futebol –
dicas de quem sabe viver bem
15 Prestígio
no céu, em hell
Ironicamente, foi em uma peça chamada Hell (inferno,
16
50
74
em inglês) que a atriz Bárbara Paz se viu onde gostaria
16 “Não deve ser fácil ser minha mãe”
O skatista brasileiro Bob Burnquist já venceu 26 X Games, quebrou
28 ossos, acumulou R$ 20 milhões e vive sob o risco de inventar
novas manobras
24 VIDA EM DUPLA
Com a vitória no Masters do Canadá, o mineiro Bruno Soares se
consolida na quarta posição do ranking mundial do tênis em dupla,
modalidade disputada desde 1879, em Wimbledon
34 A ARTE QUE NINGUÉM VÊ
É assim que uma das mais importantes restauradoras de obras de
arte do mundo define a profissão. Em Paris há 40 anos, Regina da
Costa Pinto é uma das poucas pessoas que encostaram na Mona Lisa
42 DE PERDER A CABEÇA
Diz a lenda que foi no Ledoyen a última refeição de Robespierre antes
de ser guilhotinado pela Revolução Francesa. De lá para cá, o mais
antigo restaurante de Paris segue oferecendo experiências definitivas
34
fotos: richard wright (bob); pedro meyer (regina); daryan dornelles (bebel) e marcelo correa (hugo)
de chegar quando saiu do Rio Grande do Sul
50 A seu bel-prazer
74 A ópera do malandro
Ao comentar as músicas do primeiro DVD com o amigo Eduardo
A vida, a obra, os amores e a despedida de Hugo Carvana,
Logullo, Bebel Gilberto revê histórias de vida e chega a conclusões
76 anos e 91 longas. O ator e cineasta prepara a aposentadoria
sobre o presente: “Agora decido quem fica ao meu lado”
da direção: “Mas continuo na comédia para sempre”
60 Grande elenco
84 DIÁRIOS DE BICICLETA
Para comemorar os 50 anos da gravadora que deu cara à bossa nova,
O ciclista Dico Tostes revela suas impressões ao testar o Bike Rio,
convidamos Cesar G. Villela, o lendário designer do selo carioca,
sistema de bicicletas públicas que a prefeitura criou em parceria
a relembrar as histórias por trás das capas clássicas da Elenco
com o Itaú: “É devagar que se sente o mundo”
66 voz de placa
do país, narram os melhores momentos da carreira e revelam
90 Primeira Pessoa
“a nossa bíblia”
as diferenças entre trabalhar para o rádio e para a televisão
O nascimento das ideias da dupla de grafiteiros OSGEMEOS é
José Silvério e Milton Leite, dois dos principais locutores esportivos
sempre registrado nos caderninhos que Gustavo e Otávio Pandolfo
levam à mão. “São mais de cem diários, de vários tamanhos”
cá entre nós
cá entre nós
viagem, gastronomia e cultura – convidados especiais abrem suas preferências Por Kelly Cristina Spinelli
_Passe a passe
Roger Moreira, músico
_trilha sonora
Pedro Andrade, jornalista
O gol de Gérson, no final da Copa de 1970, ficou na memória do líder do Ultraje
a Rigor: era um tricolor marcando num dos jogos mais importantes do Brasil
Das fitas cassete gravadas na infância aos temas de suas reportagens:
a música está na vida do apresentador do Manhattan Connection
3
1
2
5
7
1. “Three Little Birds”,
Bob Marley
Nasci no Rio de Janeiro e
costumava ir a Búzios na
infância; esta música me provoca
uma memória quase olfativa.
Me lembro de como era estar
sentado na rede, sentindo a brisa
da praia naquela época.
2. “Breath Me”, Sia
É a música que tocou no final
de A sete palmos, seriado da
HBO. Eu estava no final de um
relacionamento, curtindo uma
dor de cotovelo. É triste, é linda.
Combinou perfeitamente.
3. “Back to Black”,
Amy Winehouse
Sempre gostei de cantoras antigas.
Vi a Amy pela primeira vez em um
pub em Nova York, em 2005, e ela
me transportou no tempo. Nova
York é assim: gente toca num bar
intimista num dia; no outro, explode.
4. “Lisztomania”, Phoenix
Gosto do remix do Classixx. É
minha música levanta-defunto.
Posso estar num velório que, ao
escutá-la, saio dançando. Aliás, é a
minha música. A que meus amigos
colocaram quando entrei numa
festa surpresa que fizeram pra mim.
5. “Feeling Good”,
Nina Simone
Gosto desde sempre. A letra
tem a ver com quem sou: tento dar
valor às menores coisas, enxergar
o lado bom da vida. Traduz meu
estado de espírito.
6. “You and your heart”,
Jack Johnson
Viajei uma vez pra Costa Rica e
estava apaixonadíssimo. Foi a
música da viagem, na Praia Manuel
Antonio, que não deve nada pra
nenhuma praia do Caribe. O Jack
Johnson tem essa pegada de sol,
de mar, de praia, me identifico.
7. “Empire State of Mind”,
Jay-Z e Alicia Keys
A canção virou um hino de
10
8
Nova York. Logo que me mudei
pra cá, me apaixonei pela cidade,
e esta música representa isso.
Me arrepio só em falar dela.
8. “Moon Dance”,
Van Morrison
Esta eu ouvia meu pai cantando
alto no carro quando era criança. No
começo eu detestava, ficava
com vergonha. Mas depois acabei
me apaixonando.
fotos: divulgação
6
fotos: divulgação (roger) e empics sPorts/pa images/easypix
4
“Naquela época, a gente ainda torcia para que os jogadores do nosso
time fizessem gols em jogos da Copa. A corrente era pelo Brasil,
mas também pelo clube. Não tinha essa história de atletas vendidos
para equipes europeias. Eu tinha 13 anos, era torcedor do São Paulo,
sempre fui, é tradição, uma herança familiar. Nós nos reunimos todos
para ver a partida na TV. Era a decisão da Copa do Mundo de 1970,
Brasil contra Itália. Todo mundo assistiu aos jogos naquele ano: era a
primeira transmissão em cores de um Mundial.
O Pelé fez o primeiro gol, depois a Itália empatou. O gol do
Gérson, que jogava pelo São Paulo, foi lindo: a bola sobrou pra ele e
em um chute em curva no canto esquerdo, que nunca mais esqueci,
desempatou. Começava ali meu interesse de verdade por futebol.
Ainda lembro que eu estava participando de um bolão e tinha
apostado que o Brasil venceria por 3 a 1. A partida estava ganha e
faltava pouco pra terminar quando o Pelé tocou pro Carlos Alberto,
que veio correndo e marcou 4 a 1. Todo mundo vibrou, mas fiquei
bravo. Tinha perdido o bolão. Eu pensava: ‘A gente já ia ganhar
mesmo com o 3 a 1, precisava ter feito mais esse gol?’.”
gérson enche o pé para colocar o brasil na frente
do placar contra a itália, na final da copa de 70
FICHA TéCNICA
BRASIL 4 X 1 ITÁLIA
Domingo, 21/6/1970, estádio Azteca, no México
Brasil Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza,
Everaldo, Clodoaldo, Rivellino, Gérson, Jairzinho,
Tostão, Pelé.
Técnico: Zagallo.
itÁLIA Albertosi, Burgnich, Cera, Rosato,
Facchetti, Bertini (Juliano), Domenghini,
De Sisti; Mazzola, Boninsegna (Rivera), Riva.
Técnico: Ferruccio Valcareggi.
Gols Pelé aos 18 e Boninsegna aos 37 minutos
do 1º tempo; Gérson aos 21, Jairzinho aos 26
e Carlos Alberto Torres aos 41 do 2º tempo.
11
cá entre nós
cá entre nós
_sonhos
GUTO REQUENA, arquiteto
_água na boca
PATRÍCIA MARANHÃO, chef
Estudioso do impacto das novas tecnologias no design e na arquitetura,
ele se encanta com as cidades que misturam tradição e modernidade
O Nordeste invadiu o cardápio do Gardênia Pinheiros desde que a chef Patrícia Maranhão
assumiu o restaurante e levou aos pratos ingredientes como azeite de babaçu e arroz de cuxá
2. UM SABOR INDISPENSÁVEL.
morou em casa 45 anos, cozinhar. Era prima
do [compositor maranhense] João do Vale. Eu
adorava quando ela fazia capitão, que é um bolinho
amassado de arroz, com carne e feijão.
Pimenta-de-cheiro: é um sabor único, suave.
5. INSPIRAÇÃO.
3. O QUE NÃO PODE FALTAR NA COZINHA?
Sou apaixonada por pimentas. E azeite de babaçu,
que é ótimo para frituras e finalizações: aguenta
40 graus de temperatura.
4. PONTAPÉ INICIAL.
Me interessei por gastronomia vendo a Naura, que
Gosto muito de arte, de festas populares, de bumba
meu boi. Tudo isso influencia meus pratos.
6. UM PRATO MARANHENSE.
Arroz de cuxá. Nós não temos a erva apropriada
para fazer aqui em São Paulo, então, fico morrendo
de saudade.
12
BEIRUTE, 2013
jornada inesquecível
“A família de um dos meus melhores amigos é de
Beirute, então tinha curiosidade em conhecer a cidade.
Por coincidência, fui este ano a trabalho. Amei. Fiquei
impressionado com a mistura, o encontro do mundo árabe
com o católico, do trânsito barulhento com o som das
orações que saem dos alto-falantes das mesquitas. Beirute
tem uma arquitetura otomana que, infelizmente, está sendo
invadida pelas construções modernas, uma intensa cena de
galerias de arte, clubes de música eletrônica como o B018,
que fica em um bunker usado durante a guerra civil. E os
libaneses de Beirute são quase mineiros, te oferecem comida
o tempo todo (e as kaftas são incríveis!). Sem contar que
adoram brasileiros: muitos imigraram pra cá, todo mundo
tem um primo, irmão ou amigo no Brasil.”
Modo de preparo
Lave a carne e coloque-a para
dourar em uma panela com óleo
quente. Em seguida, acrescente
a cebola e o alho e deixe refogar.
Adicione o arroz e os pimentões e
misture bem. Acrescente o caldo
de legumes, e, por fim, a pimentade-cheiro. Abafe a panela até que
o arroz fique soltinho. Finalize com
cheiro-verde e sirva acompanhado
com ovo frito e banana frita.
Tempo de preparo: 30 minutos
Rendimento: 4 porções
Experimente
Gardênia Pinheiros
Praça dos Omaguás, 110, São Paulo.
Tel.: (11) 3815-9247
O Restaurante GARDÊNIA faz
parte do Menu Personnalité.
Conheça os pratos em: itau.com.br/
personnalite/experiencia
e picture net/corbis (toquio)
Salgado. Adoro temperos, ervas, condimentos.
Ingredientes
500 g de arroz
500 g de carne de sol ou
carne-seca em cubos
1 cebola média picada
5 dentes de alho picados
1 maço de cheiro-verde
½ pimentão verde cortado
em cubos pequenos
½ pimentão vermelho cortado
em cubos pequenos
3 pimentas-de-cheiro picadas
2 folhas de louro
4 bananas (para acompanhar)
4 ovos (para acompanhar)
1 litro de caldo de legumes
fotos: divulgação ANDRE KLOTZ; carma casula/age fotostock (beirute)
1. doce ou salgado?
Arroz de Maria Isabel
fotos: NELSON MELLO
O nome nos documentos é Patrícia Maia Borges, mas ninguém
a conhece assim. O estado onde essa chef nasceu, o Maranhão,
foi sempre tão influente em sua vida que tomou posse até
de seu sobrenome. Ela atende hoje por Patrícia Maranhão e é
responsável pelo cardápio do restaurante Gardênia Pinheiros,
que assumiu há um ano como chef proprietária, depois de
estagiar com Alex Atala, se formar no Senac e fazer cursos
na Le Cordon Bleu de Chicago. O carro-chefe do restaurante
continua sendo a paleta de cordeiro, mas, aos poucos, Patrícia
está introduzindo ingredientes, sabores e pratos da sua terra no
cardápio. O arroz de Maria Isabel, prato tipicamente nordestino
que ela divide com a Revista Personnalité, é um deles. “É leve e
ao mesmo tempo saboroso, tem cor, tem essência”, diz.
TÓQUIO
próxima parada
“Adoro viajar, gasto todo meu dinheiro em
viagens. Tóquio está no topo da lista das
próximas. A cultura do Japão é incrível,
desde a comida até a arquitetura. Eles são
tecnológicos, inovadores, digitais, mas ao
mesmo tempo são ligados às tradições. Quero
muito conhecer, se possível ainda este ano.”
13
Prestígio | bárbara paz
cá entre nós
_
no céu, em hell
_dica de mestre
Igor Mochizaki, desenvolvedor de receitas
Ironicamente, foi em uma peça chamada Hell (inferno em inglês) que a atriz
Bárbara Paz se viu onde gostaria de chegar quando saiu do Rio Grande do Sul
Especialista em criar delícias para a Häagen-Dazs, Mochizaki ensina
uma sobremesa gostosa e refrescante que pode ser feita em casa
A única coisa que pode ser melhor do que brownie, sorvete, banana e castanha é
juntar todos esses ingredientes em uma sobremesa só. Pois bem, essa é a dica de
Igor Mochizaki, formado em gastronomia pelo Senac e especialista em criar receitas
para marcas famosas, como a Nestlé, no passado, e, de dois anos para cá, a
Häagen-Dazs. A pedido da Revista Personnalité, ele preparou um quitute irresistível.
“Tem a ver com o clima e tem uma harmonização legal, além de ser fácil de fazer
em casa”, diz. A única dificuldade é escolher comer quente ou frio, o que fica
a gosto do freguês. Na dúvida, prove as duas opções.
Tropical Brownie
Ingredientes
50 g de manteiga em cubos
50 g de açúcar
2 ovos
250 g de chocolate meio amargo
140 g de farinha de trigo
1 colher (chá) de essência de baunilha
1 colher (chá) de bicarbonato de sódio
½ colher (chá) de canela em pó
140 g de amêndoas picadas
Manteiga para untar
Farinha de trigo para untar
(22x30 cm) com manteiga e farinha de trigo,
incluindo as laterais. Asse no forno
preaquecido a 180 ºC por 20 minutos.
Desenforme e deixe esfriar.
Corte o brownie fazendo pequenos
retângulos. Descasque a banana e corte em
pedaços. Coloque as bolas de sorvete sobre
o brownie e sirva com a banana. Utilize
a calda para fazer desenhos no prato.
Decore com as amêndoas.
14
A Häagen-Dazs é parceira
do Itaú Personnalité. Veja as
promoções exclusivas no site:
www.itau.com.br/personnalite/
experiencia
foto: divulgação
Modo de Preparo
Faça o brownie levando o chocolate meio amargo
ao fogo, em banho-maria, com a manteiga.
Mexa até ficar homogêneo. Adicione o açúcar e
mexa. Na batedeira, coloque os ovos, a essência
de baunilha e a canela em pó. Bata até ficar
com uma textura macia. Incorpore o chocolate.
Misture um pouco da farinha de trigo com o
bicarbonato de sódio e peneire. Aos poucos,
adicione o restante da farinha à mistura de
chocolate. Unte uma forma retangular padrão
fotos: divulgação (sorvete) e nelson mello
Para montar o prato:
1 bola de sorvete Häagen-Dazs
Vanila Caramel Brownie
1 bola de sorvete Häagen-Dazs Banoffe
50 ml de calda de chocolate
1 banana-nanica inteira
30 g de amêndoas laminadas
Hoje ninguém questiona o estofo de
Bárbara Paz para interpretar Edith, a
esposa prostituta de Félix (Mateus Solano), o grande vilão da trama da telenovela Amor à vida. Mas o momento da
virada de carreira, em que passou a ser
reconhecida como atriz, e não como
vencedora de reality-show (ganhou o
primeiro Casa dos artistas, em 2001),
veio bem antes disso. Foi quando subiu
ao palco em 2010, estreando a peça
Hell. “Era quase um monólogo, um
projeto idealizado por mim”, ela diz.
A adaptação do livro homônimo da
escritora francesa Lolita Pille era dirigida pelo então namorado, e hoje marido, Hector Babenco. Um papel denso:
de uma garota rica, fútil, consumista e
foto de cartaz de divulgação da peça
hell, de 2010, estrelada por bárbara paz
e dirigida por hector babenco
usuária de drogas. Sua atuação foi
elogiada por críticos de teatro. Entre
os especialistas, houve quem ressaltasse que o virtuosismo de Bárbara, aparente num papel difícil, justificava
a montagem.
“Foi uma peça que recebeu inúmeras críticas positivas, colocando meu
trabalho em outro patamar, de entrega,
de reconhecimento”, afirma. “Depois
de 17 anos de estrada, tive a sensação
de que cheguei onde gostaria. A estrada foi longa, árdua, mas muito, muito
prazerosa.”
O caminho citado por essa gaúcha
de Campo Bom teve início muito antes
de entrar na Casa dos artistas. Bárbara
se formou no Teatro Escola Macunaí-
15
ma em 1995 e na sequência fez um ano
de CPT (Centro de Pesquisa Teatral),
com Antunes Filho. “Ali foi minha
grande formação como atriz”, conta.
“Foi onde aprendi a enxergar o mundo
com os olhos de poeta.”
Depois disso, passou três anos com
o grupo Parlapatões. Mas, em 2009,
quando obteve o papel de Renata, na
novela Viver a vida, escrita por Manoel
Carlos, deu o primeiro grande salto.
“Foi um momento importante”, Bárbara lembra. “Eu era aquela menina
que saiu do Rio Grande do Sul exatamente com esse sonho. E, quase 20
anos depois, eu estava ali, dando vida
a personagens tão importantes para a
teledramaturgia brasileira.”
foto: alessandro shinoda/folhapress
Por Fernanda Ezabella, de Vista, Califórnia Fotos Richard Wright
Bob Burnquist tenta mortal na final de
megarrampa no sambódromo do anhembi, em 2011
“ Não
deve
ser
fácil
ser
minha
mãe”
Bob Burnquist já venceu
26 X Games, quebrou
28 ossos, acumulou
R$ 20 milhões e vive
sob o risco de inventar
novas manobras. “Se me
machuco, quero voltar
logo. Se pensar no pior,
você não faz nada”
Personnalité
U
ma cabra anda solta pela pista de skate. É um complexo grande de curvas ousadas e descidas íngremes,
mas com buracos aqui e ali e folhas acumuladas no fundo
do bowl. A pista não está abandonada, explica o dono, e
sim em processo de transição. No momento, ele só tem
olhos para o outro lado do quintal de sua casa no sul da
Califórnia, onde estão a megarrampa, do tamanho de
um prédio de oito andares, e seu mais novo brinquedo,
um helicóptero.
Roberto Dean Silva Burnquist nasceu no Brasil e mora
há quase 20 anos nos Estados Unidos, onde virou um dos
atletas mais bem-sucedidos do skate. Foi o primeiro skatista e o segundo brasileiro, depois de Pelé, a ganhar um
Laureus, o Oscar esportivo, em 2002. Neste ano, bateu o
recorde de medalhas do X Games, a Olimpíada dos esportes radicais – são 26, praticamente o mesmo número de
ossos quebrados (“uns 27 ou 28”) – o mais recente num
acidente no final de julho, três semanas antes de receber a
Revista Personnalité. Ele tentava seu nono ouro na modalidade Big Air, aquela da megarrampa, quando caiu de cara
e quebrou o nariz. Acabou com bronze.
Os campeonatos já não o empolgam tanto como os vídeos que tem feito no fundo do quintal. Em agosto, criou
uma série para internet chamada Dreamland, na qual
aparece se atirando do helicóptero para a megarrampa,
a maior do mundo em propriedade privada. No final da
filmagem, salta da rampa e se agarra ao helicóptero, que
sobe, sobe... até ele se soltar e cair sorrindo. “Desde moleque, mesmo antes do skate, eu sonhava em voar ou saltar
de paraquedas”, conta. As acrobacias de extremo risco
– que incluem um salto de skate no Grand Canyon – aumentaram a fama do atleta, já reconhecido pelas medalhas
e criações de manobras. Ele foi o primeiro e único a fazer
um looping de skate num tubo e a completar um 900 graus
de costas para a megarrampa. “Gosto de andar de skate”,
diz na entrevista a seguir. “O lance é: me machuquei e não
vejo a hora de voltar. É sempre assim, você sente a dor,
quebra um osso e sara. Se ficar pensando no pior,
você não faz nada.”
Aos 36 anos, Bob também parece passar por uma transição pessoal. Divorciado pela segunda vez, em 2012, tem
ido nos últimos anos muito mais ao Brasil, onde alugou
uma casa no Rio de Janeiro. Diz que hoje tem mais produtos licenciados com sua marca na terra natal que nos EUA,
como câmera, um game, mochila, cadernos, skates e uma
coleção de roupas na C&A. Sua fortuna foi estimada pelo
site norte-americano The Richest em US$ 8 milhões (cerca
Bob Burnquist
de R$ 20 milhões). Quando está no Brasil, fica com a filha
Jasmyn, 5 anos. Nos EUA, fica com a mais velha, Lotus, 13.
No quintal de sua casa, as duas cabras fazem companhia ao cavalo de Bob, Rio. O atleta tem árvores de abacate, limão, maçã e pera. Uma horta está abandonada, à
espera de uma nova parceria, como a que fez em 2012 com
restaurantes de comida mexicana para fornecer produtos
orgânicos. Encontrar sua casa na cidade de Vista, com menos de 100 mil habitantes e a 67 quilômetros de San Diego,
é fácil. Afinal, é a única da redondeza com uma escultura
de skate feita de pedra no portão. As rodinhas são pintadas
com a bandeira do Brasil. “Quero tentar evoluir cada vez
mais o skate brasileiro”, diz.
“Desde
moleque,
mesmo antes
do skate,
eu sonhava
em voar”
Achei que encontraria você com o nariz bem machucado.
Ah, ele sangrou mais por dentro do que por fora. O médico
disse que nunca tinha visto um nariz tão torto. Melhorou
depois da cirurgia, foram três dias miseráveis, com
curativo, um monte de coisa. A Lotus cuidou de mim.
18
Bob aos 4 anos; e em 1990, aos 14, no bowl do Arpoador.
Na página ao lado, o skatista durante o aquecimento para o
x games de 2012, em los angeles: ele ficou com a medalha de ouro
E como faz para não ficar traumatizado?
A gente pensa no melhor, se prepara para o pior e fica
na positividade. O negócio é aprender a cair, é estar
preparado, fortalecido, fazer alongamento. Minhas juntas
são hipermóveis, de nascimento. Já me safei de muita
coisa por isso. Ou então não me machuquei o tanto que
poderia ter me machucado. Mas o corpo tem memória.
Tem muita coisa que sinto até hoje.
foto: arquivo pessoal
e grant hindsley/ap photo
arquivo pessoal
arquivo pessoal
Já tinha passado por um susto assim?
Já passei por vários sustos, né? Mas o rosto é o rosto. Na
hora, nem doeu tanto. Doeu depois, para ajustar o nariz,
que estava fora do lugar. Fui atrás da rampa, o médico
pegou e crau! No ano passado, no mesmo X Games de Los
Angeles, bati as costas, achei que era sério. Não conseguia
nem andar, fiquei 20 horas na cadeira de rodas. Mas meu
médico falou: “Se você quer andar de skate na sexta” – e
eu tinha me machucado na terça – “você vai ter que sair
desta cadeira imediatamente, não interessa se dói, tem
que começar a andar”. Ele fez massagem, foi um processo
superdoloroso. E consegui.
Essas pistas menores da sua casa estão abandonadas?
Essas aí foram construídas há mais tempo. Tirei as chapas
para consertar embaixo. E as aproveitei para esse outro
projeto do Dreamland. Usei todas na megarrampa. Aqui
tenho que administrar a construção e a reconstrução. Faz
19
Personnalité
Bob Burnquist
torcido, com a cara quebrada e, mesmo assim, tenho que andar
de skate – porque tenho uma demonstração marcada ou algum
projeto grande com produção esperando. Não tem para onde
correr, tem que andar. Você enfaixa e anda com dor. É difícil.
Você é um exemplo de atleta que criou um nome forte,
ganha dinheiro. Como você gerencia isso?
Com meu telefone faço tudo. Aprovo uma propaganda, uma
foto, um vídeo. Tenho uma agência aqui nos EUA, a WMG,
e outra no Brasil, a BLG, de licenciamento da minha marca.
Aprendi tudo sozinho. Obviamente o Tony Hawk [uma das
lendas do skate] é um modelo, ele me abriu muitas portas.
Com patrocinadores e negócios gigantescos, como você
faz para manter o esporte com seu caráter original, ligado
à rebeldia e à diversão?
Isso aí é fácil porque eu sou a mesma pessoa de sempre. A
diferença é que como profissional tenho uma disciplina maior,
até porque as responsabilidades foram mudando. Faço o que
quero e sou rebelde da minha maneira. O skate me ensinou
muito a correr atrás do que quero e não desistir.
Como é a sua rotina?
Quando chega perto de um evento grande, treino muito, mas
duas semanas antes desacelero – ao contrário da maioria. Meu
corpo não aguenta. Aí entra o quiroprata, ponho o pé no gelo,
tem um cooler debaixo da mesa. Não ando todo dia de skate
para ganhar campeonato. Ando todo dia porque amo andar de
skate. Mas não dá para negar que campeonato tem uma fórmula
e, dependendo do evento, acaba sendo mesmo repetitivo.
uns três anos que não ando muito ali, confesso que acabei
negligenciando. Mas, na megarrampa, ando direto. Quero
terminar de arrumar as outras porque o design de pista é
muito divertido.
_
“Gosto de ioga
porque ensina a respirar”
E por que ter uma megarrampa no quintal?
Tive a oportunidade de comprar este terreno colado ao meu
e pensei: “Se eu quiser evoluir mesmo, vou ter que ter uma
pista privada”. Depois que ela ficou pronta, em 2006, a minha
evolução não parou.
Bob Burnquist gosta de começar bem a manhã. Seja
com uma omelete de clara ou uma vitamina de fibra e
proteína. Geralmente ele bate leite de amêndoas com
iogurte, banana e morango. “Vale também um açaí.”
Em um dos vídeos do Dreamland, você aparece
de skate pulando do helicóptero de paraquedas.
Se cansou do chão?
Isso vem desde moleque. O pai de um amigo visitava
fazendas num monomotor e numa das visitas ele me deixou
pegar no manche e ficar virando pra cá e pra lá. Eu tinha
uns 7 anos. Aquilo ficou comigo. O tempo passou, minha
realidade era o skate, mas eu sempre sonhava em saltar de
paraquedas. Comecei a saltar em 2003, a licença para pilotar,
tirei em 2005, e aí o paraquedas tomou toda minha atenção.
estúdio. Estão ali uma bancada para montar skates,
diversas pranchinhas e troféus, além de caixas e mais
caixas de tênis enviadas pelo patrocinador. No teto,
pendurou alguns cheques comemorativos que recebeu
no começo da carreira. Bob levanta peso, mas não
muito. “Tenho que ser forte e ágil. Não grande”, diz.
“Por isso gosto de ioga, trabalha força e mente, ensina
a respirar. Quando você respira, mantém o emocional
mais controlado.”
20
JAE C. HONG/AP PHOTO
Antes de treinar, costuma alongar bastante e se
aquecer tocando bateria num quartinho apelidado de
Ganhar um X Games rende hoje mais de US$ 50 mil.
Lembra do que comprou com seu primeiro prêmio?
Ah, devo ter comprado CDs! Ganhei uns campeonatos
profissionais no Brasil com 15 anos. Lembro que fiz uns
US$ 500. O primeiro internacional foi no Canadá, um cheque
de US$ 800. Guardei, eu já pensava em comprar uma casa.
Você é mais reconhecido aqui nos EUA ou no Brasil?
Sou bastante reconhecido aqui, mas no Brasil sou parado
até por senhoras... Quatro eventos de megarrampa foram
transmitidos pela Globo. Ganhei todos. Fiquei em evidência.
Você é um atleta que abriu caminhos e ampliou os limites
do esporte. O que surpreende você na garotada de hoje?
O que é possível agora não era quando comecei. Hoje existe a
megarrampa, skate com velocidade alta, corrimões enormes. O
próprio Tom Schaar, um dos moleques novos, de 14 anos, foi o
primeiro a acertar um [giro no ar de] 1080 graus , e dar um 900
graus com facilidade. São manobras bem complexas, difíceis.
Quando ele começou a andar, a megarrampa já era uma
realidade, fazia parte. Aquilo inspirava ele. Em 1999, o Tony
Hawk deu o primeiro 900 graus, ele tinha uns 30 e poucos
anos. Hoje, é tudo rápido, os moleques têm 14. Eles vão sem
medo por não ter tanta experiência, não ter apanhado tanto.
Eu lembro como era nessa idade: você acredita em milagre.
Existe uma pressão para inovar a cada evento?
É pressão interna. Todo ano tento colocar alguma coisa que
ninguém viu. Caso contrário é melhor ficar em casa, onde
montei um obstáculo novo e posso filmar. A galera vai falar
que sumi até verem por que sumi. No caso destes vídeos do
Dreamland, foi isso. Quando vou tentar uma coisa nova, eu
filmo, ponho no disco rígido e vou para a próxima. Dá para
guardar 10 segundos que são ouro e, assim, vamos montando.
Você tem um trabalho que é um passatempo para muita
gente. Quais são as chateações?
Quando não posso trabalhar [risos]. Ou quando estou com o pé
acima, bob no X Games em los angeles, em 2011; na página ao
lado, com a bateria que toca para se aquecer antes do skate
21
Personnalité
Como sua mãe e suas filhas reagem a projetos como esse
de pular no Grand Canyon de skate?
Elas não têm muita escolha, na verdade. Eu não falo. Minha
mãe só fica sabendo depois. Falar por quê? Ela vai ficar
preocupada, vai falar um monte. Ela não é muito de assistir,
mas gosta de apoiar. Entendo. Fazia não sei quanto tempo que
ela não ia para um campeonato. Aí ela foi e... quebrei o nariz.
Não deve ser fácil ser minha mãe.
de recuperação, repeti a sexta série... Minha mãe, claro,
começou a tirar meu skate. Comecei a escutar. Uma vez ela
até cortou os pneus da minha bicicleta. Eles me apoiavam
muito, mas me reeducavam pelo skate.
Você é espírita. Como isso ajuda na sua carreira?
Dá um pé mais sólido no chão. A fama pode acabar
deslumbrando. O legal do espiritismo é estar sempre
centrado, manter a humildade, aproveitar o momento. Não
é assim: “Tenho várias vidas, então beleza” [risos]. Quero
evoluir o máximo nesta. É uma questão de fé. E tenho pessoas
perto de mim que me protegem. Estou sempre lendo, se
preciso de alguma coisa, eu paro, fecho o olho, dou uma
rezada. Você se sente em sintonia com algo maior.
Quando você começou a andar de skate e a se
profissionalizar, como foi a reação de seus pais?
Ganhei meu primeiro skate com 10 anos. Tinha uma bola
que um grande amigo perdeu. No lugar dela, ele me deu o
skate. Com 11 anos pedi um skate profissional de aniversário
para o meu pai. Ele comprou e a gente montou junto
numa bancada onde ele fazia seus projetos. Foi superlegal.
No mesmo período, abriu a pista Ultra perto de casa, eu
morava no Brooklin, em São Paulo. Então ia para a escola
e andava de skate. Era uma atividade boa, minha mãe via
como algo positivo porque eu tinha asma. Aí comecei a
andar com galera mais velha, deixei de ir para escola, fiquei
E o que você quer da vida? Qual seu próximo passo?
Quero estar cada vez mais presente no Brasil, evoluir cada
vez mais o skate lá. Também quero continuar andando
da minha maneira, filmando, que é onde está a evolução,
seguir crescendo e ver minhas filhas bem. Quero continuar
exatamente como estou, como minha vida está.
22
Acima, bob pilota seu helicóptero e mostra sua
propriedade de cima para a reportagem. Na página ao lado,
o skatista na estrutura que sustenta a megarrampa
“se preciso
de alguma
coisa,
paro,
fecho o
olho e
dou uma
rezada”
Por José Nilton Dalcim
dreamstime
VIDA
EM
DUPLA
Com a vitória no Masters
do Canadá e o vicecampeonato no US Open,
o mineiro Bruno Soares se
consolida na quarta posição
do ranking mundial do
tênis em dupla, modalidade
disputada desde 1879,
em Wimbledon
le melhorou a devolução do saque,
evoluiu no trabalho de pernas e
aprimorou o voleio — rebater a bola antes que ela quique na quadra. Orientado
pelo técnico Roberto Morais, o mineiro
Bruno Soares trouxe o Brasil de volta às
manchetes internacionais do tênis ao
vencer em agosto o torneio de duplas do
Masters 1.000 de Montreal, no Canadá,
ao lado do austríaco Alexander Peya.
Com o resultado, assumiu o quarto lugar
no ranking mundial, algo que um brasileiro não conseguia há 30 anos.
Até mesmo quem bate sua bolinha
de fim de semana sabe: dupla é quase
outro jogo de tênis. Dividir a metade da
quadra, que parece tão grande quando
se joga sozinho, tem suas vantagens, mas
também exige habilidades especiais. O
espaço onde rebater a bola longe do alcance do adversário também fica menor.
Entre os profissionais, na verdade, fica
muito menor. Se o esforço físico diminui,
a necessidade de precisão aumenta.
As competições de duplas são tão
antigas quanto as individuais. O primeiro
campeonato foi disputado em Wimbledon, em 1879, apenas dois anos depois
de ser criado o de simples. Nunca teve a
mesma repercussão. No tênis profissional, em que se passou a ganhar dinheiro
a cada partida disputada a partir de 1968,
a dupla costumou ser o mundo dos aposentados, uma forma de esticar a carreira
e a conta bancária. Mas isso mudou drasticamente nos últimos dez anos.
O sucesso brasileiro nas duplas
começou há mais de 50 anos. Maria Esther Bueno foi a primeira da história a
ganhar os quatro grandes campeonatos
26
o mineiro bruno soares; na página ao lado,
seu parceiro, o austríaco alexander peya
fotos: guto gonçalves/asics (bruno) e empics sports/paimages/easypix
E
numa única temporada, em 1960. Thomaz Koch e Edison Mandarino ainda
figuram entre os duetos de maior sucesso
na centenária Copa Davis.
Com 1,80 metro, altura relativamente
baixa para os grandalhões do tênis moderno, Bruno transformou-se no caso nacional mais notório de eficiência, não só pelo
título no Canadá como pelo vice-campeonato no US Open, conquistado em setembro. Para chegar lá, ele trilhou o caminho
tradicional, ou seja, boa carreira juvenil e
difícil transição para o profissionalismo.
Bruno, no entanto, não contava com uma
contusão no joelho esquerdo, que o levou
à cirurgia e a uma parada de quase dois
anos. “Cheguei a considerar o fim da carreira”, conta. “Montei até uma academia
de ginástica me preparando para o plano
B.” Veio então a decisão, sempre dolorosa,
de abandonar os jogos de simples e tentar
a sorte nas duplas. “Estava com 25 anos e
era ciente da dificuldade que seria retomar a carreira individual. Ainda assim não
foi fácil, porque a gente sabe que o circuito de duplas não tem o mesmo glamour
e paga bem menos. Para ganhar dinheiro
em simples, você precisa ser top 100;
nas duplas, precisa chegar entre os 40.”
Hoje, Bruno é top 5.
Aquela imagem do atleta semiaposentado de barriguinha protuberante
praticamente não existe mais. A média
de idade despencou na última década e,
para engrossar o caldo, a Associação dos
Tenistas Profissionais (ATP) incentiva
os ídolos de simples a jogar em duplas. “A
coisa mudou muito”, diz Soares. “A galera
toda está treinando muito, porque se não
fizer isso dificilmente vai ter sucesso.
“após
a cirurgia
cheguei a
considerar
o fim da
carreira”
27
28
alexander peya (de costas) e bruno soares durante
o us open 2013, torneio em que foram vice-campeões
LIÇÕES NO IRAQUE
Família é algo que geralmente pesa
demais na vida de um tenista, porque
é seu porto seguro desde que começa a
dar as primeiras raquetadas. No Brasil,
principalmente, são os pais que bancam
a custosa trajetória pelo mal planejado
circuito juvenil, que muitas vezes
limita a oportunidade de carreira a
quem pode gastar mais.
Bruno começou aos 5 anos, quando
morava no Iraque. O pai, Malthus Antônio Soares, um engenheiro civil que
havia sido contratado para trabalhar no
país, mudou-se para o Oriente Médio
quando Bruno tinha 2 meses de vida.
Ali, passou a tomar aulas de tênis, acompanhado pelo filho. “A gente sempre foi
unido em tudo”, diz Bruno. “Meus pais
tiravam férias para me ver jogar, mas
sempre me deixaram escolher meu caminho. A única exigência foi que jamais
abandonasse o colégio.”
Essa proximidade afetou muito o
atleta quando Malthus faleceu, em junho
do ano passado. Por aquelas ironias do
destino, 14 meses depois, ele acabou conquistando o título do Masters do Canadá
no Dia dos Pais e registrou na lente da
câmera da TV o seu pesar. “Aquele dia foi
ARQUIVO pessoal
UMA QUÍMICA COMPLEXA
O maior dos segredos para o sucesso
está na escolha correta do parceiro, e
isso envolve uma química complexa.
Para início de conversa, é preciso fazer
cálculos. A entrada num campeonato
profissional se dá através da soma do
ranking dos dois tenistas. Depois, existe
uma questão técnica e de estilos. Por
fim, e talvez ainda mais relevante, a afinidade pessoal.
“Tive sorte”, conta Bruno. “Em
2008, ainda estava tentando me firmar
como duplista e aí veio uma semifinal totalmente inesperada em Roland
Garros, em que derrotei no caminho o
experiente Kevin Ullyett, do Zimbábue.
Além de saltar para 40o do mundo, chamei a atenção do Ullyett e duas semanas
depois ganhamos um torneio na grama.
Resolvemos fazer parceria fixa para
2009, que seria a despedida dele do circuito, e isso valeu para mim por quatro
anos. Ele me ensinou demais.”
Nas duas temporadas seguintes,
Soares tentou encaixar parceria com outro mineiro especialista em duplas, Marcelo Melo, mas apesar de serem grandes
amigos e de alguns resultados positivos
a coisa não decolou. Foi quando pintou
o austríaco Alexander Peya, ex-top 100
de simples que estava começando a se
dedicar às duplas. “Treinamos juntos e
eu estava convicto: era o parceiro que
queria naquele momento”, diz. “Mas ele
já estava acertado com outro austríaco e
tive de esperar. Fiquei naquela espécie
de namoro até que por fim trocamos
ideia e sentimos que havia potencial.”
Mas o que afinal de contas funciona
tão bem com um que não dá certo com
outro? A história tem exemplos notáveis
de parcerias de comportamentos antagônicos dentro e fora das quadras. Peter
Fleming temperava o explosivo John
McEnroe, Pam Shriver sabia acalmar
Martina Navratilova, Mark Woordforde
era o contrapeso do tímido Todd Woodbridge. Também era assim com Koch,
garotão roqueiro e estilo hippie, e o conservador Mandarino.
“Na parte de quadra, eu me considero um duplista versátil, que se dá bem
em todos os pisos e balanceia bem o saque, o voleio, a devolução”, explica Bruno. “Alex é bem parecido comigo. Acho
que eu não daria certo com jogadores
muito agressivos, que gostam do risco
máximo. Preciso de um parceiro sólido.”
Porém, é fora das quadras que a coisa
pode ir para o bem ou para o mal. Com
um calendário de 40 semanas ao ano,
a maioria delas longe da família e dos
amigos, vivendo a enorme pressão por
resultados e por dólares, é muito fácil
a situação sair do controle. “Qualquer
erro, qualquer comentário malfeito pode
fazer desandar tudo”, confessa Soares.
“Tem gente que consegue jogar até brigada, mas acho isso impossível. Estamos
juntos 18 horas por dia, saímos juntos,
comemos juntos, temos vitórias e derrotas. Há alguns que tentam levar no lado
profissional e só se vêem no treino. Para
mim, não funciona.” Caso clássico, os
yasuyoshi chiba/afp
Os torneios estão cada vez mais equilibrados, e ter [Rafael] Nadal, [Novak]
Djokovic ou [Andy] Murray jogando
complica para a gente. Mas eu gosto
disso, é bom para o esporte e para chamar mais atenção para as duplas.”
Melhor duplista brasileiro da Era
Profissional até a ascensão de Soares, o
paulista Cássio Motta, que se aposentou
em 1994, atesta a evolução. “Eu jogava
duplas quando não conseguia vaga de
simples, e aí aconteceu de os resultados
virem. Joguei o Masters de fim de ano
no Madison Square Garden, com aquele
público todo. Foi o máximo.” Hoje empresário e apenas espectador distante
do tênis, Motta se diz maravilhado com
a mudança no equipamento: “Com a
raquete de madeira, você tinha de acertar a bola no lugar exato para obter um
bom golpe. As de hoje permitem que
você erre muito o centro e ainda consiga um golpe potente e preciso”.
“treinamos
juntos e
eu estava
convicto:
era o
parceiro
que queria”
argentinos Guillermo Vilas e Jose-Luis
Clerc, inimigos mortais, jogavam a Copa
Davis sem trocar olhar ou palavra.
Bruno e Peya tentam compor o quadro de forma suave. O austríaco viaja
com mulher e filho, e Bruno leva a esposa, Bruna Alvim, ex-tenista, em 12 a 15
torneios por ano. “A gente se conheceu
por causa do tênis, éramos crianças e jogávamos no mesmo clube. Começamos
a namorar e eu parei de treinar, mas
de vez em quando até arrisco bater uma
bolinha com ele”, conta a arquiteta.
Os dois já completaram quatro anos
de casamento, ela sempre seguindo
cada partida do maridão. “Não perco
um jogo, fico grudada no computador
ou na TV, mas não costumo ficar nervosa.” A distância dói mais. “Estamos
juntos há quase 15 anos e nunca me
acostumei a ficar longe dele.”
29
_
Principais
conquistas
de Bruno Soares
Duplas
2013 Masters do Canadá, Eastbourne,
Barcelona, São Paulo e Auckland
2012 Valência, Estocolmo, Tóquio,
Kuala Lumpur e São Paulo
2011 Costa do Sauípe e Santiago
2010 Nice
2009 Estocolmo
2008 Nottingham
Duplas mistas
2013 Finalista em Wimbledon
2012 Campeão do US Open
_
Irmãos Bryan: norte-americanos são os melhores do mundo
Não há mais nada para Bob, canhoto, e Mike
ranking quatro meses antes do encerra-
meira vez o top 20 do ranking de duplas, ele
Bryan, destro, conquistarem no circuito de
mento da temporada.
decidiu que era hora de escolher.
duplas. Os gêmeos idênticos norte-america-
30
no alto, A italiana lea pericoli (esquerda) e a brasileira maria
esther bueno brincam no jogo de exibição de lady crosfield’s
(1959), em londres; ao lado, os irmãos bryan celebram vitória
contra robert lindstedt e horia tecau, em melbourne (2012)
O apego ao tênis vem de família. A mãe,
nos têm o maior número de troféus, foram
aos jogos de simples e tiveram sucesso no
Kathy, disputou Wimbledon quatro vezes,
os que mais venceram partidas, que mais
forte circuito universitário americano. Gra-
foi quadrifinalista de duplas em 1965 e hoje
lideraram o ranking, detêm o recorde de
duados em Stanford, Bob venceu simples
ainda dá aulas. O pai, Wayne, ainda que
títulos de Grand Slam e, por consequência,
e duplas no Nacional de 1992, já fazendo
advogado e músico, também é instrutor
são os que mais ganharam dólares. Milhões
parceria com Mike, um feito raro. O canhoto
de tênis e está sempre envolvido em ações
de dólares. E nem pensam em parar. Têm
poderia ter se esforçado mais na carreira
públicas de ensino para crianças. Dizem que
ainda 35 anos, idade excelente para o duro
individual, já que chegou a ser 116º do mun-
os filhos começaram a jogar aos 2 anos.
calendário internacional de duplas. Profis-
do quando tinha 22 anos, porém o sucesso
Fato curioso é que eles proibiam Bob e Mike
sionais desde 1998, estão tão absolutos em
ao lado do irmão já chamava a atenção e,
de jogar entre si no circuito juvenil. Quando
2013 que já garantiram o número um do
pouco depois, quando atingiram pela pri-
acontecia de eles se cruzarem, um teria de
abandonar a disputa em favor do outro, de
forma alternada.
Há mais de dez anos, os dois se juntaram
também para formar uma banda de rock,
com Mike na bateria, Bob nos teclados e o
pai na guitarra. Não se pode dizer que o sucesso seja parecido com o das quadras, mas
eles já gravaram até CD e dão shows com
frequência. “Tocar em público, ser um rock
star, era um sonho de infância”, afirmam.
A popularidade dos dois é sem precedentes para duplistas exclusivos. Têm mais de 110
mil seguidores no Twitter, onde produzem
mensagens divertidas e espirituosas o tempo
todo. Revelam, entre outras coisas, que não
fotos: pa archives/pa images/easypix e marianna massey/corbis (irmãos bryan)
“Acho que
posso me
manter no
circuito
até perto
dos 40
anos”
meio complicado. Logo que acordei, vi
nas redes sociais todo mundo homenageando seu pai e aquilo me pegou, chorei
antes do jogo”, conta. “Essas datas são
chatas para mim. Quando vencemos, me
enchi de novo de lágrimas e a câmera veio
na minha direção. Saiu espontâneo.”
Os novos tempos do circuito de
duplas também já começam a fazer
milionários, ainda que a premiação seja
significativamente menor do que nos
torneios de simples. O campeão individual do recém-encerrado US Open, por
exemplo, embolsou US$ 2,6 milhões, o
que é quase seis vezes mais do que os
US$ 460 mil que a dupla vencedora dividiu entre si. Ruim? Nem tanto. Maiores vencedores de todos os tempos, os
irmãos gêmeos Bob e Mike Bryan já superaram a casa dos US$ 10 milhões de
premiação oficial (leia boxe ao lado).
Nesse quesito, Bruno também é
o duplista brasileiro com maior faturamento, tendo já atingido US$ 1,5
milhão. O faturamento, no entanto, é
relativo. “O atleta sul-americano tem
custo muito mais alto porque as viagens
são sempre mais longas e mais caras.”
Os torneios na Europa e nos Estados
Unidos dominam 80% do circuito.
“Também existe o imposto na fonte de
cada país onde jogamos, que na média
morde 25%”, continua Soares. “E ainda
precisamos pagar o percentual do treinador – o Peya tem três – e da empresa
que nos agencia. É um valor mentiroso.
Acho que nunca vi um tostão do que
ganhei na época em que jogava de simples [até 2007].”
Com a carreira no auge, as frequentes viagens e o reconhecimento no
meio, Bruno equilibra o ritmo interno
levando uma vida sossegada longe das
quadras. Embora ache Paris o melhor
lugar para jogar e Miami, para descansar, o que o mineiro realmente gosta é
de ficar em casa, no bairro Santa Lúcia, em Belo Horizonte. Ele confessa
que sempre teve atração por esportes
mais radicais, como surf e skate, mas o
grande risco físico o fez trocar tudo por
rodadas de pôquer. “Meus planos imediatos são todos ligados ao tênis”, conta.
“Acho que posso me manter no circuito
até perto dos 40 anos. Quero jogar pelo
menos mais duas Olimpíadas. E quem
sabe ganhar Wimbledon um dia.”
Os irmãos começaram com mais atenção
sabem cozinhar e que pediram autógrafo
para Kobe Bryant na Olimpíada. Juntos, dirigem a Fundação Bryan Brothers, dedicada a
levar esporte a crianças carentes. Recordes e
fortuna? Os dois garantem que a motivação
é outra. “A gente simplesmente adora jogar
tênis todos os dias.”
31
Bob Burnquist pergunta:
Foi difícil
adaptar a
língua para
trabalhar
em outro
idioma?
32
Regina da Costa Pinto responde:
Saí do Brasil bastante cedo, vivi na Espanha, na Bélgica e me
formei na França. Então, no meu caso, a dificuldade é quando
preciso escrever em português. Isso ficou claro na ocasião da
restauração do Poussin [Regina restaurou o quadro Himeneu
travestido assistindo a uma dança em honra a Príapo, do francês
Nicolas Poussin (1594-1665), pertencente ao Museu de Arte de
São Paulo (Masp)]. Foi impossível redigir um texto técnico em
português – tive que contar com a colaboração da minha colega
Karen Barbosa. Sempre leio em francês ou em espanhol porque é
mais fácil encontrar livros nessas línguas do que livros brasileiros.
33
Por Daniela Fernandes da Costa, de Paris Fotos Pedro Meyer
a arte
que
ninguém vê
Uma das mais importantes restauradoras do mundo, a baiana
Regina da Costa Pinto mora em Paris há 40 anos, trabalha para o
Museu do Louvre e é uma das poucas pessoas que podem encostar
na Mona Lisa. “O restauro mais perfeito é aquele que ninguém vê”
34
Personnalité
Regina da Costa Pinto
Não podemos nos impor em relação à criação do pintor
em momento algum. O restauro mais perfeito é aquele que
ninguém vê.” O trabalho efetuado na obra Pietà d’Avignon,
do século 15, atribuída ao francês Enguerrand Quarton
(1410-1466) e exposta no Louvre, “é uma das mais belas
restaurações da minha vida”.
DOIS ANOS COM VERONESE
Basta uma rápida caminhada com Regina pelo Louvre para
ter uma ideia da extensão de seu trabalho. Em poucos metros,
a brasileira aponta sucessivamente inúmeras obras-primas
que restaurou. Entre elas, a Virgem com a criança e o jovem
São João Batista, de Botticelli (1445-1510), “que era muito
utilizada em santinhos de primeira comunhão no Brasil”.
Mais à frente, ela indica o Homem com luvas, de Ticiano
(1490-1576), um de seus quadros preferidos, ou ainda São
Marco coroando as virtudes teologais, de 4 metros de altura
por 4 metros de largura, do pintor italiano Veronese (15281588), cujo restauro durou dois anos.
século 16 e protegido por um vidro blindado – é a maior atração.
Apesar de boa parte de seu trabalho estar “exposta” no Louvre,
Regina também já restaurou telas de outros museus importantes
na França, como o Orsay e o Centro Georges Pompidou, em Paris,
e o de Rouen, na Normandia. Suas atividades incluem ainda obras
milionárias de colecionadores particulares, sobretudo ingleses
e espanhóis, o que a leva, muitas vezes, a trabalhar em casa. Por
isso, seu apartamento com decoração clássica tem um ar de ateliê
artístico: cavalete, mesa repleta de pincéis, tintas e acessórios para
pintura, além de telas encostadas na parede.
Nesse período, já passaram pelas mãos de Regina telas
valiosíssimas de pintores como Rembrandt, Monet, Manet,
Botticelli, Goya, Rafael, Van Gogh, Tiziano, Cézanne, Rubens,
Caravaggio, Chagall, Picasso e tantos outros. Ela já perdeu
a conta dos quadros que restaurou. É certo que são várias
centenas. “Talvez umas 500 obras ou mais”, afirma, com o
sotaque baiano bem presente. “É um trabalho sem glória.
36
Regina e uma de suas restaurações mais célebres:
a mona lisa, de Leonardo da vinci, do louvre
“já restaurei
500 obras
ou mais”,
diz regina
sem perder
o sotaque
baiano
fotos: arquivo pessoal (monalisa); divulgação
T
udo é branco no apartamento da baiana Regina da
Costa Pinto Dias Moreira, situado em um charmoso
bairro de Paris, próximo ao Teatro da Ópera. O piso, as
paredes, o sofá, as almofadas, a mesa de mármore e até
mesmo as flores. Tudo branco. A exceção são os objetos
decorativos, feitos de cristal. Na luminosa sala de estar, um
enorme quadro chama a atenção. É uma tela virgem, branca,
batizada por ela de Ausência.
A ausência de cores tem uma explicação. Trata-se de
“um repouso para os olhos”. Descanso, aliás, imprescindível
para alguém que, diariamente, trabalha com uma multidão
de cores, traços e pigmentos utilizados pelos grandes nomes
da história da arte. Regina é restauradora de pinturas. Uma das
mais importantes do mundo. Seu currículo inclui a obra mais
famosa do planeta: Mona Lisa, de Leonardo da Vinci (1452-1519).
A brasileira trabalha há 40 anos para o Museu do Louvre,
onde o pequeno quadro (77 cm x 53 cm) – pintado no início do
acima, Retrato do Dr. Gachet, de Vincent van Gogh; e
a obra O Balcão, de Édouard Manet, ambas do Museu
d’Orsay, restauradas pela baiana radicada em paris
37
Personnalité
_
Regina indica três
museus na França
Regina da Costa Pinto
Especialistas ressaltam o talento da baiana. “A Regina
possui conhecimentos científicos muito precisos sobre
os materiais e produtos químicos a serem utilizados”,
afirma Laurent Salomé, diretor científico do Grand Palais,
responsável pelas exposições desse museu da capital
francesa. “Ao mesmo tempo, ela possui grande intuição
e sensibilidade para compreender a pintura.”
Salomé também foi diretor do Museu de Belas Artes
de Rouen, que possui um dos acervos mais importantes da
França, e teve inúmeras ocasiões em que trabalhou com a
brasileira. Entre os restauros realizados por Regina para esse
museu, estão uma importante pintura de Caravaggio (15711610), A flagelação do Cristo, e a obra-prima do século 16
A virgem entre as virgens, do pintor holandês Gerard David
(1460-1523). “Com a Regina, um trabalho complicado tem
sempre uma solução. Além disso, diferentemente de outros
profissionais, ela se envolve em todas as fases que precedem
o restauro e conhece muito bem as etapas de análise do
quadro”, afirma Salomé, se referindo às radiografias e fotos
com luz infravermelha, por exemplo. A brasileira estudou
pintura, um talento suplementar em relação aos que
dominam apenas as técnicas de restauro.
Museu de Rouen,
na Normandia (o trajeto
de trem-bala, desde
Paris, leva 1h15) – “Ele
foi decorado pela designer Andrée Putman
e possui um grande
jardim de inverno, com
um restaurante onde há
pinturas e esculturas”, diz Regina. Ali podem ser vistos os quadros
A flagelação do Cristo, de Caravaggio, e A virgem entre as virgens,
de Gerard David – ambos restaurados por ela. Há também obras de
Diego Velázquez, Rubens, Poussin, Monet e Modigliani.
Museu Condé,
em Chantilly (a 38 km
de Paris) – “Ele fica em
um belíssimo castelo
situado em um parque
Regina conta que sempre gostou de pintar e desenhar.
Por isso, cursou, no final dos anos 60, a Escola de Belas
Artes de Salvador. Decidiu concluir a formação na
renomada escola de São Fernando, em Madri, que teve
como alunos Salvador Dalí e Goya. Foi na capital espanhola
que decidiu se especializar em restauro, após ver uma
reportagem a respeito. Ingressou no Instituto Central de
Restauração de Obras de Arte, Arqueologia e Etnologia de
Madri. Afinal, como dizia seu pai, médico, “é muito difícil
um artista sobreviver apenas de sua arte”. De lá foi para a
Bélgica, onde fez curso de aperfeiçoamento no Instituto
Real do Patrimônio Artístico de Bruxelas, referência
internacional na área.
Quando chegou a Paris, em 1973, apenas para uma curta
estada antes de retornar a Salvador, descobriu que o centro
de restauração do Louvre havia aberto vagas. O concurso
público, com cerca de 200 inscritos (e apenas 13 aprovados),
durou dois meses e teve inúmeros exames práticos e orais.
Regina tirou o segundo lugar. Mas, se dependesse de alguns
jurados da banca examinadora, que lhe deram zero em uma
prova oral, ela não estaria ali. Isso porque Regina havia se
tante coleção”, afirma.
Estão expostas As três
graças e Nossa Senhora do Loreto (um dos primeiros restauros realizados por ela), do pintor Rafael (1483-1520), e um Autorretrato de
Ingres (1780-1867). Em Chantilly ocorrem as grandes corridas de cavalo na França e, por isso, há também um Museu do Cavalo no local.
O castelo possui ainda “uma linda biblioteca com várias raridades”.
Museu JacquemartAndré, em Paris: “É
um lugar excepcional”.
Situado na antiga
residência, do século
19, de uma rica família
colecionadora, o museu
apresenta pinturas, esculturas, móveis e objetos de arte. Regina recomenda os quadros de Perugino, Carpaccio,
Botticelli, Fragonard e Rubens. O museu também possui um salão
de chás com afrescos de Tiepolo no teto.
38
fotos: thomas patrice/hemis/afp (jacquemartandré) e divulgação
MONA LISA NAS MÃOS
e possui uma impor-
Veste-se com elegância. Usa modelos da grife Yves SaintLaurent e também tem peças da Chanel. Comunicativa, gosta
de falar sobre os mais variados assuntos e a conversa pode
se estender por horas. No tempo livre, frequenta a ópera e
o balé. “Ela é muito culta e também generosa”, diz o amigo
Clemente Hungria, pesquisador de história da arte que mora
em Londres e a conhece há oito anos. “Inicialmente, é uma
pessoa fechada”, diz. “Mas, após um contato, ela se abre. A
Regina possui um lado materno nas relações de amizade.”
Para se dedicar ao trabalho, a restauradora optou por não ter
filhos nem rotina familiar.
A família de Regina fundou
uma das primeiras usinas
de cana-de-açúcar da Bahia,
no final do século 19, com
equipamentos e engenheiros
franceses, e desenvolveu um
império açucareiro no estado
até meados do século passado.
Seu tataravô, o visconde de
Oliveira, foi presidente da
província da Bahia em 1860 e
padrinho de crisma do jurista,
escritor e diplomata Ruy
Barbosa (1849-1923).
Algumas casas de engenho
da família ainda existem. A
restauradora se lembra da
época em que “não existia
shopping” em Salvador.
Ou de quando atravessava
um riacho para assistir à
missa em uma igrejinha.
O Brasil ainda segue
pouco presente em sua
carreira. Em 2009, realizou
um importante restauro, o do quadro Himeneu travestido
assistindo a uma dança em honra a Príapo, do francês Nicolas
Poussin (1594-1665), pertencente ao Museu de Arte de São
Paulo (Masp). “Isso foi muito importante para a minha vida
profissional”, diz. “Foi a primeira vez que realizei um trabalho
para um grande museu brasileiro.” Durante essa estada no
Brasil, ela também restaurou uma obra de um dos maiores
colecionadores particulares do país, cujo nome Regina prefere
não citar. “Ele possui quadros importantes, como uma tela de
recusado a responder perguntas que achava muito fáceis.
“Eu era jovem e não tinha consciência de muitas coisas.”
Após trabalhos importantes, que garantiram à brasileira
notoriedade na Europa, veio o direito de tocar o “Santo
Graal”: a Mona Lisa. Regina integra a limitadíssima equipe
de uma dúzia de pessoas, entre especialistas de diferentes
áreas, que pode pôr as mãos no célebre quadro, pintado
sobre madeira. “Hoje, os exames são mais raros porque a
temperatura e a umidade da caixa de vidro onde ela fica são
controladas por computador e não há alterações”, diz Regina.
O fato de lidar com grandes obras de arte, que
representam “um patrimônio
positivo deixado pelo
homem”, também tem seu
lado árduo. Apesar de usar
máscara, Regina acaba
inalando produtos químicos
utilizados, como solventes
fortes. Além disso, precisa
fazer regularmente reeducação
visual com um oftalmologista
para evitar ficar vesga
devido ao uso constante de
microscópios.
Em maio, a brasileira
recebeu uma condecoração
do Senado francês por suas
atividades no país. Essa foi
sua quinta premiação. Mas,
mesmo após tantas décadas
na França, Regina, nascida
em Salvador, não se adaptou
ao comportamento que
ela considera mais frio dos
habitantes locais. Segue sendo
uma mulher calorosa. No ambiente de trabalho, sua fama é
tingida pelo bom humor. “Toda vez que a encontro, ela me faz
rir”, diz Salomé, diretor do Grand Palais.
Quando passa férias no Brasil, aproveita para matar
a saudade do “mar azul da Bahia, da comida e do calor
humano”. “Em Salvador, sua casa vive movimentada. Ela
adora receber visitas”, conta Clara Calmon da Costa Pinto,
prima de Regina que estuda história da arte em Londres.
“Apesar de todos esses anos fora do Brasil, Regina mantém
uma ligação muito forte com a Bahia e com a família.”
a restauradora em sua casa,
onde recebeu a revista personnalité
39
Personnalité
Regina da Costa Pinto
_
A ciência de salvar
obras históricas
1982). Regina ri ao mostrar o livro publicado após esse restauro,
em que seu longo sobrenome foi dividido no meio e atribuído a
duas restauradoras distintas.
No final do ano passado, teve a ocasião de jantar com o
costureiro Christian Lacroix, que realizou, para o Museu de
Rouen, a cenografia da mostra sobre o pintor impressionista
francês Jacques-Émile Blanche (1861-1942), com quadros
restaurados por ela. Uma vez, a baiana foi jantar com o
presidente de um banco francês que havia patrocinado
uma exposição no Museu de Rouen. “Eu estava com o rosto
mascarado de maquiagem”, ela conta rindo. Instantes antes,
Regina havia dado uma entrevista para uma TV regional sobre
o restauro. Pediu à maquiadora para a deixar irreconhecível
(talvez por vergonha de aparecer). Só viu depois do jantar a
“camada branca” que a deixou com ares de “boneca de cera”.
A restauradora diz que ainda sente emoções fortes ao
realizar seu trabalho. “É um privilégio ter nas mãos obras de
museus, sobretudo quando se trata de pintores que admiramos”,
diz. Entre seus preferidos, Manet, Da Vinci, Domenico
Ghirlandaio e, sobretudo, Rosso Fiorentino, sua grande paixão
e o único desses que nunca passou por seus dedos.
No futuro, Regina prevê dividir seu tempo entre Paris e a
Bahia. Fitinhas do senhor do Bonfim, amarradas na maçaneta
da porta de entrada de seu apartamento, são o único vestígio
de cor em sua sala. É possível que um dia ela pegue os pincéis
que estão por ali. E então, diz a baiana, quem sabe pintará
algo sobre a Ausência, a tela virgem que domina a parede de
sua casa tão branca.
Modigliani”, afirma. Na década de 70, Regina se aproximara de
coleções particulares recuperando o antigo acervo do conde
Matarazzo (1854-1937). Atualmente, esse tipo de trabalho tem
ganhado espaço em sua agenda.
Para restaurar um quadro, é preciso primeiro realizar uma documenfitinha do senhor do bonfim na maçaneta
tação científica, com radiografias – inclusive tridimensionais –
e fotos com luzes diretas e raios ultravioleta e infravermelhos. “Isso
nos ajuda a fazer um diagnóstico antes da intervenção”, diz Regina.
Também são realizados exames químicos, com tomadas de amostras
(do tamanho da cabeça de um alfinete) para identificar os materiais
utilizados pelo artista e analisar as diferentes camadas de tintas.
Na França, a profissão começou a se desenvolver apenas nos anos
70, com a criação de cursos na área. Mas muitos materiais usados na
restauração ainda não eram reversíveis, havia risco de alterar a arte.
“Hoje, há maior conhecimento sobre as propriedades dos solventes”,
conta Regina. E pensar que até o século 17 os “restauradores” não
hesitavam em “adaptar” a obra ao estilo vigente da época e mudavam até mesmo as cores originais.
“Quem mais estraga as obras de arte é o homem”, diz ela, que
fotos: divulgação
já foi chamada às pressas para retirar chicletes de quadros ou consertar rasgos e arranhões em telas causados durante o transporte.
“Cada obra é única, estamos sempre inovando e nos adaptando para
fazer os restauros”, diz Regina, acrescentando que é preciso ter criatividade e, às vezes, até improvisar para encontrar a melhor solução.
no topo, A Virgem entre as Virgens, de Gerard David; e A flagelação
do Cristo, de Caravaggio, ambos restaurados no Museu de Rouen
40
Nesses anos de carreira, Regina adquiriu uma coleção de
acontecimentos pitorescos. Nos anos 80, restaurou quadros na
antiga residência de Wallis Simpson, a duquesa de Windsor
(1896-1986), nos arredores da capital francesa – comprada
pelo milionário egípcio Mohamed Al-Fayed, dono do hotel
Ritz, em Paris, e da loja de departamentos Harrods. Passou
dias ouvindo histórias do mordomo e vendo fotos de festas
com celebridades e objetos pessoais da duquesa. Também
teve o privilégio de visitar a coleção particular de quadros da
rainha da Inglaterra, desconhecidos do grande público. Ela
teve acesso ao espaço privado do castelo de Windsor, onde só
é possível entrar com autorização, e descobriu que a rainha
tem uma grande coleção de quadros do artista veneziano
Canaletto, além de guardar sofisticadas porcelanas de Sèvres.
A brasileira também conheceu o príncipe Rainier de
Mônaco ao ser chamada para restaurar o retábulo da catedral
do principado, de autoria do pintor franco-italiano Louis Brea
(1450-1525), que orna o túmulo da princesa Grace Kelly (1929acima, O Homem com Luvas, de Ticiano, restaurado no Museu
do Louvre; e, ao lado, A Estação Saint-Lazare, de Monet,
restaurado por regina no Museu d’Orsay
41
Por Luiz Antonio Ryff, de Paris
bridgeman art archive/keystone
DE PERDER
A CABEÇA
restaurante ledoyen sendo usado
para um workshop de costureiras em 1914
Diz a lenda que foi
no Ledoyen a última
refeição de Robespierre
antes de ser guilhotinado
pela Revolução Francesa.
De lá para cá, o mais
antigo restaurante de
Paris a ostentar as três
estrelas Michelin segue
oferecendo experiências
definitivas, como relata
Luiz Antonio Ryff
belos de Le Squer, 51 anos, eram um tremendo contraponto à cozinha pesada e
visualmente pouco atraente de Bocuse.
Pelas mãos de Le Squer, um leitãozinho confit com cebola doce caramelada
é tão leve quanto saboroso. Para não
falar de uma de suas assinaturas:
croquant de pamplemousse cuit et cru,
concebido para um jantar comemorativo no Chateau Yquem, em Sauternes, onde é feito o vinho doce mais
desejado do mundo. Certamente a
sobremesa mais refrescante que provei,
e eu nem sou lá muito fã de grapefruit.
Como amuse bouche, a transparência de
campari com gengibre que espocava na
boca foi a única concessão a uma cozinha tecnoexperimental. De resto,
o Ledoyen é um restaurante criativo, mas
sem grande pendor para modernismos.
A vinda de Le Squer até minha mesa
para conversar foi uma distinção. Ele
o chef le
squer se
aproxima
e se
apresenta
– como
se fosse
necessário
denis guignebourg/abacapress
hristian Le Squer entra no suntuoso salão neoclássico adornado com
grandes espelhos, painéis de madeira
com pinturas antigas, cortinas espessas
e móveis Napoleão III sem ser notado.
Está de jeans surrado e tênis. Mas ele é
o chef do Ledoyen e pode. Le Squer se
aproxima da minha mesa e, com simplicidade absolutamente oposta aos pratos
que prepara, se apresenta. Como se
fosse necessário.
Eu comentara meu prazer com a
refeição a Vincent Javaux, o sommelier
que explicava as harmonizações com os
pratos e acabara de me apresentar ao
Pineau des Charentes, um vinho fortificado pouco conhecido mesmo na França.
Poucos dias antes, em Lyon, havia me
decepcionado ao jantar no restaurante
de Paul Bocuse, o principal embaixador
da tradição culinária francesa. Os pratos
inventivos, saborosos e geometricamente
fachada neoclássica do ledoyen. na página
ao lado, o restaurante fotografado em 1910
44
não faz um tour pelo restaurante como
Bocuse. Le Squer passou pelas moças de
traços orientais que faziam os pedidos
em inglês e fotografavam o belíssimo
carrinho com duas dezenas de queijos.
Não parou para falar com os engravatados que pareciam discutir negócios no
lado oposto do salão. Cumprimentou e
sorriu para um grupo de franceses sentados na mesa atrás de mim.
O que atraiu Le Squer à minha mesa
foi seu amor pelo Brasil. Ele já esteve
uma dezena de vezes no país – cozinhando, dando palestras ou viajando com a
família. Encantou-se com o acarajé na
Bahia, os crepes de tapioca e com a comida de Dadá, a cozinheira mais famosa de
Salvador. Também adorou pão de queijo,
açaí, cupuaçu e batata-baroa. Foi a Tiradentes, ao Rio, a São Paulo e a Natal.
“O clima do Nordeste me agrada particularmente porque ele me lembra o da
collection dupondt/akg-images
C
45
minha Bretanha natal: muito vento, um
ar salino, uma culinária rica em peixes
e frutos do mar, uma cozinha elegante,
ainda que muito simples”, ele me diz.
“Fui surpreendido pela qualidade das
matérias-primas, que nos permitem criar
pratos muito interessantes. O Brasil é um
país enorme por sua cultura, mas também por seu tamanho, e cada região oferece produtos, gostos e pratos diferentes,
que não canso de descobrir.”
Na última vez em que esteve no Brasil, no ano passado, a convite de Roland
Villard, chef do Le Pré Catelan, no Rio
de Janeiro, Le Squer foi apresentado ao
pirarucu e ao tambaqui, que serviram de
ingredientes para um jantar amazônico
feito a quatro mãos com Villard. “Além de
um excelente cozinheiro, com uma profunda reflexão sobre a profissão e sobre
o futuro da culinária, ele é uma pessoa
especial e muito simples, sem qualquer
frescura”, conta Villard, que faz uma confidência: nessa última vez em que veio ao
Rio, Le Squer o surpreendeu ao pegar um
ônibus no aeroporto com a mulher e ir
direto vê-lo.
TRÊS ESTRELAS
salvador dali (1904-1989) sai do ledoyen
no dia 23 de dezembro de 1980
Benoit Decout/REA e eric feferberg/afp (chef)
“o ledoyen
tem um
serviço
sofisticado
sem ser
pesado”
bertrand rindoff petroff/getty images
Nascido na Bretanha, no noroeste da
França, Christian Le Squer tomou gosto
pela cozinha ao embarcar como ajudante no navio pesqueiro do tio aos 14
anos. A primeira estrela Michelin veio
em 1996, quando estava no Café de la
Paix, em Paris. A segunda veio dois anos
depois. A terceira chegou em 2002, aos
40 anos, três anos após ele assumir a
cozinha do Ledoyen. O jeito simples e
discreto de Le Squer, na verdade, ajuda
a diminuir a pompa do Ledoyen, que, de
outra forma, poderia ser intimidadora.
Afinal, uma experiência prazerosa em
um restaurante não se resume à qualidade da comida.
“Ele tem um serviço sofisticado, sem
ser pesado, em que a pessoa se sente confortável”, diz. “Em outros restaurantes
três estrelas o cliente fica com medo de
fazer qualquer coisa. Fica com a sensação
de ser analisado o tempo todo.” Não é a
única distinção do Ledoyen em relação às
grandes mesas de Paris. A cidade tem dez
restaurantes com três estrelas Michelin,
o reconhecimento máximo do mais tradicional guia gastronômico do mundo.
O Ledoyen fica perto de outros com igual
patamar. Plaza Athénée e Le Meurice,
onde Alain Ducasse pendura algumas de
suas caçarolas espalhadas pelo mundo,
ficam a cerca de 1 quilômetro. O Epicure,
a meros 850 metros.
Mas nenhum desses, nem os outros,
têm tanta história quanto o Ledoyen.
Escondida atrás do Petit Palais naquela
que é, provavelmente, a menor avenida
de Paris, a Dutuit, a casa comandada por
Le Squer é o único imóvel em seus 190
metros de extensão. Ela fica à esquerda
da parte baixa da avenida mais famosa
do mundo, a Champs-Élysées, com seus
quase 2 quilômetros de extensão, no
lado oposto ao Arco do Triunfo. O Ledoyen pode ser o único imóvel. Mas que
imóvel! A mansão de dois andares em
estilo neoclássico com grandes colunas
na entrada e um jardim foi construída
interior do restaurante ledoyen; e,
no detalhe, o chef christian le squer
em 1842 pelo arquiteto Jacques Hittorff, o mesmo que planejou a reforma da
Place de la Concorde, a poucos passos.
O prédio foi destruído em 1848 – ano da
Comuna de Paris – e teve que ser refeito.
Entre seus frequentadores no século 19
estão Napoleão e a imperatriz Josefina,
os escritores Émile Zola e Gustave Flaubert, os pintores Edgar Degas e Claude
Monet. Guy de Maupassant, outro habitué, fez o restaurante de cenário em um
de seus romances.
Mas sua história é bem anterior.
O restaurante é de 1792, se chamava Au
Dauphin e ficava em outro lugar, perto
47
da Place de la Concorde. Revolucionários
como Marat, Saint Just e Danton costumavam beber ali. Diz a lenda que foi o
lugar da última refeição de Robespierre
antes de perder a cabeça na guilhotina.
Os tempos, no entanto, eram outros. Na
época o que viria a ser o Ledoyen era um
pequeno albergue com vacas pastando ao
redor. Um público diferente dos turistas
endinheirados com sacolas Louis Vuitton
que passeiam nas redondezas atuais.
Ledoyen 1, avenue Dutuit, Paris 8ème
Tel.: (33) 1 53 05 10 01
Metrô Champs-Elysées | www.ledoyen.com
Regina da Costa Pinto pergunta:
O que
você
herdou de seu
pai?
Bebel Gilberto responde:
O mesmo tipo de humor.
48
49
Por Eduardo Logullo Fotos Daryan Dornelles produção Kika Pereira de Sousa
Ao comentar as músicas
do primeiro DVD com o
amigo Eduardo Logullo,
Bebel Gilberto revê
histórias de vida e chega
a conclusões sobre o
presente: “Agora decido
quem fica do meu lado.
Não é muito, mas tem sido
bem melhor assim, sabia?”
A seu
bel-pra zer
Personnalité
A
mulher de rosto magro e conversa sempre animada
inicia a entrevista, numa fria noite no Leblon, dizendo:
“Ando obcecada por trabalho!”. Pela primeira vez na vida,
depois de três décadas de carreira musical e uma discografia
composta de nove CDs, Bebel Gilberto, 47 anos, assumiu as
rédeas da própria carreira. “Agora decido quem ficará do
meu lado. E com quem fecharei parcerias profissionais. Não é
muito, mas tem sido bem melhor assim, sabia?”
A agenda cheia comprova. Convidada (pela segunda vez)
para cantar no Rock in Rio, realizado em setembro, foi escalada para homenagear Cazuza. A apresentação perfilou o the
best do amigo e parceiro: “Ih, foi lindo e difícil separar o repertório”. Ao mesmo tempo, Bebel segue empolgada com os
resultados do seu primeiro DVD, gravado na Praia do Arpoador, em show dirigido pelo designer carioca Gringo Cardia.
O registro se chama In Rio e faz o resumo da sua trajetória
musical. “Fui produtora do DVD para o selo Biscoito Fino.
Tenho trabalhado demais! Mas a dona do trabalho sou eu.”
bebel gilberto
A cantora conta que vive uma busca por equilíbrio pessoal, profissional e criativo. “Ou quase isso”, ela completa,
depois de pensar um pouco. A frase sugere um momento
importante, de novidades, tentativas e uma revisão da carreira. O repertório do DVD sugere a mesmíssima coisa: arranjos
inéditos, parceiros de peso e grandes sucessos.
Decidimos, então, amigos de tantos anos, falar sobre as
canções que melhor explicariam sua trajetória e que estampam In Rio. Combinou-se assim: eu citaria uma música. E ela
descreveria o processo que a fez chegar àquela composição.
“É como entrar num túnel do tempo”, diz Bebel.
Mas, antes mesmo de começarmos a falar das faixas, acabamos entrando num desvio. O papo retrocede ao começo
da vida musical, da vida vivida. Sempre foi assim. Nossas
conversas jamais foram retilíneas. Com Bebelucha (o apelido que os amigos próximos utilizam e que acabou virando
a razão social de sua empresa), as composições são escritas
a partir das experiências, surgindo por caminhos tortos,
cheios de curvas, mas sempre graciosos. Cheios de bossa.
52
bebel no colo de sua mãe, miúcha. na página ao lado,
em show com seu pai, joão Gilberto, em 1980
fotos: arquivo pessoal (miúcha) e lewy moraes/folhapress
o desvio no tempo
A vida da garota Isabel Gilberto de Oliveira tinha tudo para
dar errado. Ou talvez fosse o contrário: tinha tudo para dar
certo. Quem sabe? Taurina, nascida em Nova York em 12 de
maio de 1966, Bebel teve que lidar com a herança familiar
que lhe trazia portas abertas, mas peso demais e exposição
exagerada. Ou alguém acha simples ser filha de João Gilberto, o nome matriz da bossa nova, e de Miúcha, cantora e primogênita da família literomusical Buarque de Holanda?
A genética musical não garantiu um início profissional
tão fácil. “Lutei muito até conseguir decolar lindamente na
minha terceira tentativa profissional, o álbum Tanto tempo,
que lancei em 2000.” Esse trabalho a levou, em questão de
meses, a se tornar um dos mais importantes artistas brasileiros dos circuitos internacionais, posicionando o CD nos
top charts norte-americanos, japoneses e europeus, além de
somar vendagens que ultrapassaram 1 milhão de cópias. Até
o presidente americano Bill Clinton declarou à época que
Bebel Gilberto era trilha sonora na Casa Branca. Façanha
semelhante só acontecera nos idos dos anos 1960, quando
Sérgio Mendes popularizou de modo universal o estilo bossa-samba-jazz. Restava, porém, uma diferença: Bebel inaugurava uma sonoridade toda dela, a bossa eletrônica.
Antes do estouro mundial, ela fizera em 1986 a tentativa
meio arriscada de lançar-se pela gravadora WEA num disco
que leva seu nome. Bebel Gilberto não aconteceu como se
esperava. A avaliação da obra mudou com o tempo. “Hoje,
esse trabalho é compreendido como referência vital daquela época, meio bossa nova, meio rock’n’roll, além de selar
as minhas parcerias com Cazuza e Dé, que eram do Barão
Vermelho.” Dividindo o microfone com Cazuza, a cantora
compôs o clássico “Preciso dizer que te amo”.
Mas a verdade é que o batismo musical de Bebel aconteceu ainda antes e por obra de sua mãe. Aos 9 anos, Bebel
acompanhou Miúcha cantando, no Carneggie Hall de Nova
York, ao lado do saxofonista Stan Getz. No Brasil, participou dos musicais Pirlimpimpim e Os saltimbancos, com um
empurrãozinho de seu tio Chico Buarque, compositor da
versão brasileira do clássico infantil.
“Sempre
fui assim:
incontida,
expansiva,
esparramada,
aberta”
Electro-batucada
Essas tentativas todas não significaram a garantia de permanência artística. Em 1991, Bebel partiu. Decidiu entremear temporadas nos Estados Unidos com aparições pelo
Rio. Cazuza morrera um ano antes. Havia um grito parado
no ar. Melhor seria tentar profissionalizar-se em Manhattan.
53
Personnalité
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acima, foto do encarte do lp de os saltimbancos
(1977): bebel no colo da mãe; nara leão à direita de miúcha
arquivo pessoal
“ fiquei
realmente
uma mulher
séria. Dei uma
sossegada
geral”
arquivo pessoal (saltimbancos)
Nesse vai e vem, Bebel Gilberto faz aparições em projetos
grandes, alinhando-se ao que existia de interessante na cena
eletrônica dos anos 1990 – década de novidades, começo da era
digital, final de milênio e com mudanças de comportamento.
“Foi quando apareci no projeto Red Hot + Rio cantando com
Everything But the Girl e George Michael”, diz. “Acabei participando da gravação do CD que reuniu essa turma toda.”
Ao mesmo tempo, o mercado fonográfico japonês se tornava um campo promissor para artistas experimentais. “De
repente, colaborei no CD Future listening! [1995], do produtor
Towa Tei, cantando ‘Technova’ e ‘Batucada’”, conta. “Ali, a
gente burilava uma nova sonoridade que logo levou ao projeto
Peeping Tom, de Mike Patton, vocalista do Faith No More. Eu
cantei ‘Caipirinha’ e mostrei ao planeta novos timbres eletrônicos.” A partir daí, dividiu o microfone com estrelas como Caetano Veloso, Thievery Corporation e David Byrne. A lista segue
imensa. E a bossa nova jamais seria a mesma.
A partir de seu terceiro disco, Tanto tempo, de 2000, o
nome Bebel Gilberto se associou de vez ao tufão da bossa
eletrônica e virou hit mundial, de um momento para o outro.
“Foi loucura”, ela lembra. “Fazíamos shows desde a Finlândia
bebel gilberto
55
bebel gilberto
Sigsworth me fez misturar o balanço carioca da Orquestra
Imperial com as Brazilian Girls [grupo de Nova York].”
O trabalho seguinte, All in One, lançado em setembro de
2009, ganhou um auxílio luxuoso: o selo da Verve, gravadora
que simboliza o jazz moderno nos Estados Unidos. E contou
com os superprodutores disputados Mark Ronson (Amy Winehouse) e Mario Caldato Jr. (Beastie Boys e Björk).
Neste ponto da carreira, Bebel vendeu quase 3 milhões
de CDs, teve canções incluídas em trilhas de sete seriados
da TV norte-americana (entre eles, Sex and The City) e em
sete filmes (como nos aclamados Comer rezar amar e Closer – Perto demais, ambos estrelados por Julia Roberts), foi
nominada duas vezes ao Grammy e cantou ao vivo no evento Miss Universo 2011 para um público estimado pela rede
NBC em 1,5 bilhão de pessoas em 180 países.
Finalmente, voltamos a falar das lembranças que cada
canção do DVD In Rio traz para Bebelucha:
“Samba e Amor” (Chico Buarque)
“Na verdade, é a minha declaração de amor ao Chico, né?
A minha paixão por ele, com quem já tinha gravado duas
vezes [as canções ‘A mais bonita’ e ‘Os grilos são astros’].
Uma música de paixão, de uma dupla que não quer sair da
cama, do quarto, da atmosfera de romance, do filme que
fotos: chico nelson/editora abril e cristina granato/agência o globo
inventaram para o seu amor.”
até Cingapura, dos clubes modernos de Londres ao Madison
Square Garden, sempre com ingressos sold out.”
Dessa época, eu guardo na memória a visão de Bebel
saindo apressada do hotel Maksoud Plaza, em São Paulo. O
zíper da mala meio aberto e pontas de roupas quase se arrastando pelo chão. “Minha vida era hotel, aeroporto, palco”,
diz. “Você se recorda de que papai estava no Maksoud nos
mesmos dias e eu só o encontrei por alguns minutos?”, Bebel
me pergunta. “Fora os compromissos profissionais, não havia
tempo para mais nada. Mas tudo valeu muito a pena, acho.”
Quatro anos depois, com a carreira consolidada, seu segundo álbum internacional, Bebel Gilberto, redefinia a bossa eletrônica com um estilo lounge acústico. “Ali comecei a marcar
presença como compositora e como uma voz brasileira.”
A filha cantora puxou a João Gilberto. Adora dar intervalos espaçados entre cada trabalho. É meticulosa. Está sempre
atrás de um novo som. Assim, apenas em 2007 ela lançaria
Momento, seu terceiro álbum internacional em sete anos.
“Nesse trabalho conseguimos uma fusão das sonoridades
anteriores”, explica. “Sem contar que o produtor inglês Guy
Ao lado, bebel em retrato tirado em 1976. Acima, depois de um
show do tio Chico buarque no canecão, Rio de janeiro, em 1988
“Tranquilo” (Kassin)
“Fiz novo arranjo agora no DVD. No CD Momento, ela é totalmente
caribenha, eu estava influenciada pela Orquestra Imperial naquela
época. Um dia, no ensaio, falei: ‘Gente, vamos fazer algo meio bossa nova? O arranjo original é tão intranquilo’. Acho uma letra corajosa, que mostra de verdade coisas em que [o produtor] Kassin
acredita e que eu incorporei.”
“Samba da Bênção” (Vinicius de Moraes/Baden Powell)
“É quase como se fosse uma música minha. Foi a canção que me
lançou no mundo. Decidi que na arte do DVD/CD a letra dela ficaria em uma página que mostra o pôr do sol do Arpoador. Aliás, é a
única letra publicada no encarte, por ter significado especial. Tudo
começou quando eu namorava aquele vietnamita, lembra? Quando
eu queria falar mal dele chamava-o de chinês... [risos]. Em 1999,
nós dois fomos morar em Brighton, perto de Londres. Ele teve a
sacação de mostrar ‘Samba da bênção’ para o produtor Amom
Tobim, que é metade brasileiro, metade inglês e estava superarrebentando na época. Resgatamos ‘Samba da bênção’ no último
57
Personnalité
bebel gilberto
ano em que Baden Powell [1937-2000] viveu... Aliás, Baden ouviu a
minha versão. E me ligou. Foi literalmente uma bênção. Ele morreu
pouco tempo depois.”
“Rio” (Simon LeBon/Nick Rhodes/Andy, John e Roger Taylor)
“Bom, o Rio sempre foi a minha cara, a minha casa da alma.
Essa gravação que abre o DVD tem outra história para mim.
Importante lembrar que faço uma homenagem ao Duran Duran,
ao [vocalista] Simon LeBon. Eles cantaram a cidade daquele jeito
meio gringo, mas que se tornou uma visão internacional. Quando
canto, a intenção vira outra. Vira o ‘meu’ Rio.”
“Eu preciso dizer que te amo” (Bebel Gilberto/Cazuza/Dé)
“Ficou incrível esse novo arranjo. Comecei viajando no da Marina Lima
feito nos anos 80. Essa canção é fundamental na minha vida. Retrata
uma época nossa no Rio, os tempos do Baixo Leblon, as paixões ocultas e ‘tanta coisa em comum’... Continua um registro intenso e forte.”
locar um foco direto nas músicas dele.”
de semana ele me devolveu a música pronta. Tem aquela coisa linda
“Bananeira” (João Donato/Gilberto Gil)
que toca o coração todo. Me comove muito, sempre, cantá-la”.
“Essa música tem meu jeito, meu balanço, é tropical, tropicalista,
“Close Your Eyes” (Bebel Gilberto/Suba/Roberto Dranoff/Patrí-
alegre, doida... O novo arranjo do DVD está bastante fiel ao
cia Ermell/Dinho Ouro Preto)
original. Donato adora, na primeira versão ele participou.”
“Puxa, é uma música que já veio praticamente pronta pelo [produtor]
Suba. Ele tinha feito com a Patrícia Ermell, a modelo com quem na-
“Sem Contenção” (Bebel Gilberto/Gerry Arling/Richard Cameron)
morava. Maravilhosa. Botei uns detalhezinhos. Até Dinho Ouro Preto
“Essa canção reflete muito sobre a minha coisa de querer falar
fez alguns trechos. Oitenta autores... [risos] Mas continua demais. E
com o coração e não usar a cabeça. Não ser racional... Sempre fui
parece sempre com meu jeito e viagens musicais.”
assim: incontida, expansiva, esparramada, aberta. A letra diz isso
tudo. E a melodia acompanha essas características pessoais.”
“Única participação que fiz só com o Suba [músico sérvio,
radicado no Brasil, morto em 1999 enquanto produzia um disco
de Bebel]. É um marco do meu primeiro CD internacional,
que leva o nome da canção. O tempo parece reger de modo legal
a minha carreira. Tanto tempo, tanto faz? O tempo não para?
Melhor ouvir a música.”
“Aganju” (Carlinhos Brown)
“Lembra quando essa música foi lançada num desfile da Fórum que
aparecia na novela Celebridade [escrita por Gilberto Braga, veiculada
em 2003 e 2004 pela TV Globo]? Ela tem uma batida boa que combina mesmo com a moda. E foi a canção que lançou Carlinhos Brown
58
De volta ao presente e a seu apartamento no Leblon,
nossa conversa envereda por algumas confissões. “Ah, fiquei
realmente uma mulher séria... Dei uma sossegada geral,
sabe?” Bebel adora passar férias no Rio. Na cidade, encontra
os amigos, olha o pôr do sol na calçada da praia e faz planos.
“Ando mais forte e centrada. Agora digo que estou casada com
o trabalho, entende? É fazer música, tocar violão, compor...”
Nesse momento do papo, Bebelucha ouve a campainha e abre
a porta. Dois amigos chegavam, no meio da noite, para uma
visita. Penso se é hora de ir, embora ainda haja muito a perguntar. “Ah, não. Fique comigo o tempo que você quiser”, ela
me diz. “Temos tanta coisa para conversar e inventar.”
Bebel, a prima sílvia buarque de holanda e cazuza
em show de chico buarque em 1988
cristina granato/agência o globo
“Tanto Tempo” (Bebel Gilberto/Suba)
agradecimento: sacada / a.brand / animale / cris barros / cláudia jatahy para abrand
tinho: fiz a melodia, mandei pro Caju [apelido de Cazuza]. Em um fim
styling: marina brum; assistente: aline dias; make: dani kobert; assistente de foto: ana rovati
de forma mais internacional. Talvez eu tenha sido a primeira a co-
produção rj: ana hora; produção executiva sp: kika pereira de sousa; assistente de produção: juliana carletti;
“Mais Feliz” (Bebel Gilberto/Cazuza/Dé)
“Primeira música que escrevi profissionalmente, sabe? Lembro direi-
59
Por Luiz Fernando Vianna, do Rio de Janeiro
GRANDE
Para comemorar os 50 anos da gravadora
que deu cara à bossa nova, convidamos
Cesar G. Villela, o lendário designer do
selo carioca, a relembrar as histórias
por trás das capas clássicas da Elenco
divulgação
ELENCO
um dos trabalhos favoritos de cesar, a arte do disco de 1962 de
noel rosa marcou época na gravadora odeon ao transformar a
letra “o” do sobrenome do poeta da vila em uma rosa
te chamado a falar de uma entidade
adorada por amantes da música: “as capas da Elenco”. A fundação da gravadora
está completando 50 anos. Criada em
1963 por Aloysio de Oliveira, surgiu para
fazer os discos de bossa nova que o produtor e compositor não conseguia levar
adiante na Odeon, de onde fora diretor
artístico. Foi ali que conheceu Cesar.
N
a virada dos anos 1950 para os 1960,
as gravadoras enchiam de cores as
capas de seus discos para tentar chamar a
atenção dos compradores. Olhando as vitrines das lojas, o carioca Cesar G. Villela
só enxergava confusão e se lembrava da
frase do guru da comunicação Marshall
McLuhan: “O excesso de detalhes numa
composição chama-se ruídos visuais”.
Começou a criar capas clean (bem
antes de a palavra virar moda), despiu-as
de qualquer extravagância e, com isso,
realizou a mais completa tradução da
bossa nova, que emergia na mesma época. “Cesar limpou os excessos das capas.
Usou recursos que tinham a ver com a
estética de simplicidade e com a limpeza
outra das capas prediletas de cesar g. villela,
é a do primeiro disco de nara leão (1964)
rítmica da bossa nova. Não há dúvida de
que deu uma cara para a bossa”, diz Ruy
Castro, autor de Chega de saudade e outros livros sobre o gênero musical. “Muita gente passou a seguir o estilo dele.
Mesmo assim, o preto do Cesar era mais
preto e o branco era mais branco.”
Aos 83 anos, Cesar G. (de Gomes)
Villela saboreia o reconhecimento por
ter feito algo único. Mas é um reconhecimento que está longe de ser sinônimo
de riqueza material. Leva uma vida
simples, morando em Miguel Pereira, a
120 quilômetros da capital fluminense –
“das quatro operações, só aprendi duas:
diminuir e dividir”. Prioriza há quatro
décadas a pintura, mas é frequentemen-
62
Depois de trabalhar com Roberto Marinho – que lhe dava caronas até em casa
– em O Globo e na Rio Gráfica Editora,
como ilustrador, Cesar foi para a agência
Standard, de onde foi demitido por falta
de vocação para a publicidade. Caminhando um dia pela Cinelândia, no centro do Rio, encontrou no bar Amarelinho
o músico João Donato, seu colega de Instituto Lafayette, acompanhado de outro
músico, Antonio Carlos Jobim. Donato
lhe sugeriu procurar a Odeon. Dias depois, levou seu portfólio, agradou André
Midani (o franco-sírio que se tornaria
o executivo mais poderoso da indústria
fonográfica brasileira) e passou a trabalhar como freelance. Era 1958, e a bossa
nova nascia com o sucesso de “Chega de
saudade”, na voz de João Gilberto.
“André ainda não entendia muito de
artes gráficas e me deu carta branca para
fazer as capas”, diz Villela. “Fiz muitas
porcarias, outras razoáveis e algumas
boas.” A primeira é uma das que considera boas: um disco com músicas de
Noel Rosa em que o “o” do sobrenome
do Poeta da Vila era o desenho de uma
divulgação
CARONA com roberto marinho
para o álbum a bossa nova de roberto menescal e seu conjunto
(1964), o designer destacou uma foto do músico vestido com
roupa de praticante de pesca submarina (o que ele era)
63
quando Celso [Frota Pessoa], o padrasto
de Tom Jobim, organizou as contas, recebi alguma coisa”, conta.
“Em primeiro lugar, Aloysio não gostava de pagar ninguém. Em segundo, não
tinha dinheiro mesmo”, diz Ruy Castro.
“Na época, era complicado transportar
os discos. Eles podiam levar dias para
chegar em São Paulo, e muito mais nas
outras cidades. Era difícil vender.” Em
1968, Aloysio vendeu a Elenco para a
Philips. Nos anos 1990, já como PolyGram (hoje é Universal), a companhia
pagou a Cesar pelo uso das artes.
“A primeira capa de discos produzida
no mundo foi em 1948. Três anos depois,
a novidade já chegava no Brasil. Tirando
um ou outro belo exemplo, não é exagero
afirmar que somente em 1958 veríamos
surgir um artista realmente original no
_
Estilo de Cesar vira referência para outras capas
mundo fonográfico: Cesar G. Villela”,
afirma o designer Egeu Laus. “Seu trabalho tem consistência até hoje, demonstra
a importância do design na história das
artes gráficas brasileiras e jamais será
esquecido pelos fãs da música e da arte
visual produzida no século 20.”
Cesar criou mais de mil capas. Em
1965, foi para os Estados Unidos trabalhar
com desenho animado e filmes educativos. A partir da década seguinte, começou
a ficar mais tempo no Brasil, mas dando
atenção maior à pintura. Se não acumulou
dinheiro, procura demonstrar viver em
paz, sem excessos (não fuma nem bebe),
despojado, como a arte que o consagrou.
“A gente não começa nada, somos seguimento”, diz o artista. “Sem as caravelas,
não existiriam os porta-aviões. Acrescentei um pouco e aprendi muito.”
O estilo de Cesar Villela que fez história na Elenco
virou referência para outras gravadoras. “As linhas
simples e ao mesmo tempo sofisticadas casam
perfeitamente com a música e viraram sua cara”,
afirma o designer e pesquisador musical Marcello
1
Montore, autor do livro Elenco: a cara da bossa
2
(2009). Foi por isso que gravadoras como Philips e
Som Livre lançaram LPs de bossa nova com a estética usada por Cesar. Mas existem discos de outros
gêneros que também beberam em sua fonte. Mesmo considerando a fase dos CDs, vemos capas com
seu estilo. “Hoje pode parecer simples criar esse
alto-contraste dado por Cesar, mas, na época, era
complexo e caro”, conta Marcello. “A parceria com o
fotógrafo Chico Pereira foi fundamental. O processo
envolvia fazer negativos intermediários entre a imagem final e o primeiro registro”, explica.
5
4
3
1. LP Jair de todos os sambas
4. LP Tom – Vinicius –
Gravadora: Philips
Toquinho – Miucha,
Ano: 1969
Gravadora: Som Livre
Ano: 1977
2. LP Velha bossa nova
Gravadora: RCA-CAMDEN
5. CD Garoto & Luiz Bonfá
Ano: 1978
Gravadora: EMA
Ano: 1995
3. LP Let kiss
6
divulgação
rosa. Mas o embrião de seu estilo surgiu
em 1960, no LP O amor, o sorriso e a flor,
o segundo de João Gilberto. Ao lado do
fotógrafo Chico Pereira, com quem fazia
dupla, tinha ido ver uma exposição de
fotógrafos amadores. Encontrou imagens em alto-contraste – áreas pretas e
brancas bem nítidas – e com técnica da
solarização (queima de negativos até restar a silhueta). Virou sua marca.
A capa do LP de João Gilberto teve
grande impacto, mas não seduziu o
cantor. “Ele ficou mais de 2 horas comigo no telefone dizendo que ele não tinha
tristeza, como a capa poderia dar a impressão. Ele tinha tristezinha. Até hoje
não sei o que é.”
O salto maior viria quando trocou a
Odeon pela Elenco, onde continuou tendo carta branca. Os primeiros trabalhos,
em 1963, foram para os discos Antonio
Carlos Jobim e Vinicius & Odette Lara.
Em ambas, além do alto-contraste e do
despojamento, outra marca: quatro bolinhas vermelhas espalhadas pela capa,
sendo uma delas a do logotipo da gravadora, assemelhada a um refletor. “Estava
lendo a cabala”, explica. “E vi que o número quatro simbolizava a harmonia.”
Para citar duas capas dentre as tantas das quais ele gosta, há a do primeiro
disco de Nara Leão (1964) – o nome da
cantora com setas saindo dos as – e a
de A bossa nova de Roberto Menescal e
seu conjunto (1964), com uma foto do
músico com roupa de praticante de caça
submarina (o que ele era). Por vezes,
Cesar utilizava recortes de papel, como
em Baden Powell à vontade (1964).
Na época esses trabalhos não renderam um centavo ao artista. “Só no final,
64
capa de Baden Powell à vontade (1964), com ilustração de Cesar
Villela e detalhes feitos com colagem de recortes de papel
Gravadora: Paladium
6. LP Avanço
Ano: 1965
Gravadora: Philips
Ano: 1963
65
POR José Silvério e Milton Leite em depoimento a Jones Rossi fotos Marcelo Naddeo
voz
de placa
Dois dos principais locutores esportivos do país narram
os melhores momentos da carreira e revelam
as diferenças entre trabalhar para o rádio e para a televisão
José Silvério grita gol em casa;
na página ao lado, Milton Leite
67
problemas financeiros o departamento
de futebol da emissora fechou. Ainda no
Rio, virei correspondente da Tupi de São
Paulo e da Nacional de Brasília. Até que
em 1975 fui para a Jovem Pan, onde fiquei por 25 anos, até me transferir para a
rádio Bandeirantes, onde estou até hoje.
Sou uma pessoa de rádio. Tive uma
breve experiência na TV Manchete, onde
narrei a Olimpíada de Atlanta [1996], sem
me desligar da Jovem Pan, e fui chamado
pela ESPN para narrar as reprises dos
jogos da seleção brasileira em 1970. A
ESPN, em 1995, foi a primeira a mostrar
em cores, apresentando para uma geração que nunca tinha assistido às jogadas
de Pelé, Rivellino, Tostão…
Gosto mais de rádio do que de futebol. Quando me perguntam, falo que não
torço para nenhum time. E é verdade.
Gosto de rádio. Ainda hoje. A internet,
por exemplo. Ela ajuda muito. Às vezes
tem 50 mil acessos só pelo site em um
jogo de domingo à tarde. No YouTube
“coloríamos o futebol que era em preto e branco”
por José Silvério, 67 anos, 50 de carreira no rádio
_
Os cinco jogos
mais importantes
que narrei
Corinthians 1 x 0 Ponte Preta,
final do Campeonato Paulista de 1977
“O gol do Basílio foi especial por ter tirado
o Corinthians da fila de títulos de 23 anos.”
Corinthians 2 x 0 Ponte Preta,
final do Campeonato Paulista de 1979
“O gol de Palhinha pode ser ouvido
no Museu do Futebol, do Pacaembu,
onde está em ‘exposição’ permanente.”
Palmeiras 4 x 0 Corinthians,
final do Campeonato Paulista de 1993
“De pênalti, o Evair fez o quarto gol na
prorrogação e tirou o Palmeiras do jejum
de títulos de 16 anos. Ficou famoso por,
antes de gritar ‘gol’, eu anunciar ‘agora
de férias. Me levaram para um teste na
rádio Cultura e gostaram. Aí, narrei outros seis. Em março de 1964, Jaime Gomide, da Rádio Itatiaia, estava em Lavras
e me ouviu narrar. Gostou e decidiu me
levar para fazer um teste em Belo Horizonte. Passei e comecei a narrar jogos do
Campeonato Mineiro de Juniores e jogos
do Villa Nova [clube centenário de Nova
Lima]. Passei pela fase do aprendizado,
cresci, e fui para a rádio Inconfidência.
Nessa época, gostava de ouvir tudo,
principalmente os locutores do Rio e
de São Paulo. Adorava Jorge Curi [19201985, célebre ao descrever os dribles de
Garrincha: ‘ele paaaaassa de passagem’],
Fiori Gigliotti [1928-2006, que iniciava as
transmissões com o clássico ‘abrem-se as
cortinas’], Oduvaldo Cozzi [1915-1978, a
voz que popularizou o termo ‘folha seca’]
68
e Waldir Amaral [1926-1997, o locutor que
batizou Zico como Galinho de Quintino].
Mas sempre tive meu próprio estilo de
narração. Nunca fui muito de bordão.
Narro em cima do lance. Todo mundo se
espanta com isso, mas nunca tive um escorregão que marcou. Tive erros esporádicos. Um dos maiores foi um gol do Zenon [no Corinthians] no qual ele colocou
uma trajetória tão curva na bola que gritei
que ia pra fora, mas consertei a tempo. O
outro foi em uma vitória do São Paulo. O
Mário Sérgio [hoje comentarista da Fox
Sports] fez o gol de calcanhar. Dei o gol,
no entanto, para o Oscar. Só fui descobrir
que não era dele na segunda-feira.
o rádio e a internet
Depois da Inconfidência, fui pra rádio
Continental, no Rio de Janeiro, mas por
eu vou soltar a minha voz.’” [Pelo bizarro
regulamento daquele ano, o jogo foi para
a prorrogação mesmo depois de o
Palmeiras ter vencido por 3 a 0 no tempo
normal – o Corinthians havia vencido
o primeiro jogo por 1 a 0.]
fotos: sérgio berezovski/editora abril (milton) e gazeta press
“Quando o jogo estava fraco, a gente
inventava. O cara chutava longe e na
locução a bola aparecia tirando tinta da
trave. Ficava mais interessante. Coloríamos a partida que era em preto e branco.
Mas o futebol mudou. Agora é tudo muito
rápido. Hoje o cara recebe e a bola já não
está mais com ele. E as câmeras exibem
os lances por todos os ângulos. Antes, o
jogador matava a bola, pensava para dar
um passe, deixavam ele pensar. Tinha
esse espaço junto para narrar. E não havia
imagem para quem ouvia. O locutor era
quem descrevia essa imagem.
O rádio fazia parte de um mundo bem
diferente. Naquela época, sem TV, sem internet, o cinema criava uma fantasia muito grande. A gente não vivia o mundo real;
vivia o mundo dos sonhos. Tem quem use
drogas; nós viajávamos no rádio. Em Lavras, onde comecei a carreira, as pessoas
imaginavam o Rio de Janeiro. Era tudo
mais isolado. Isso se refletia na narração,
sem dúvida. Nasci em Itumirim, interior
de Minas. Parti para Lavras em 1958, com
13 anos. Estudei em colégio interno. Já
tinha uma grande paixão pelo rádio e, ao
mesmo tempo, não havia muitas opções
no internato. Então, escutava muito e isso
gerava brincadeiras dos colegas, já que
eu tinha o costume de narrar os jogos de
futebol de botão. Fazia locução de tudo.
Narrava as brincadeiras, os bois passando,
os cachorros correndo, dava nome a eles.
Em 1963, no aniversário da cidade, no
mês de julho, dia 20, haveria um amistoso
entre o Olímpica de Lavras [time amador
que ainda existe] e o Bragantino, como
parte das festividades. Para ter uma ideia
de como o esquema era amador, a rádio
local tinha três locutores: todos estavam
encontro gols dos quais nem lembrava,
com 20 mil, 30 mil acessos. E fica lá para
sempre. Isso valoriza o nosso trabalho.
O rádio não compete com a TV, senão já estava morto. Muita gente não
entende isso. São diferentes. O locutor
de TV pode até ter influência de rádio,
mas acaba mudando. Na chamada Era
de Ouro do rádio [entre os anos 40 e 50],
era raro ter um aparelho em casa. Hoje,
ao contrário, ele está em todo lugar. O
importante é se adaptar, e eu sempre me
adaptei muito facilmente. Em 2009, na
última rodada do Campeonato Brasileiro [vencido pelo Flamengo], vários times
chegaram à última rodada com chances
de título: Flamengo, Internacional, São
Paulo e Palmeiras. Montamos um estúdio e fui narrando os cinco jogos ao
mesmo tempo. Eu mudava conforme
mudava o campeão. Teve uma aceitação
enorme. Foi uma das poucas vezes que
transmiti vendo os jogos pela TV. O rádio precisa inovar para não morrer.”
Palmeiras 4 x 2 São Paulo,
torneio Rio-São Paulo 2002.
“Neste jogo, em que o Alex dá dois
chapéus, o último encobrindo o Rogério
Ceni, antes de fazer um dos gols, eu antevejo a jogada e grito ‘e que golaço’
muito antes de o Alex fazer o gol.”
Brasil 2 x 0 Alemanha,
final da Copa de 2002, no Japão
“Foi emocionante porque
em 1994, outra final que eu narrei,
os gols só saíram nos pênaltis.”
após uma fila de 23 anos, basílio arranca o grito de “é campeão”
da torcida do corinthians, na vitória sobre a ponte preta, no
morumbi (1977). na página ao lado, fiori gigliotti (à esquerda) e
josé silvério na cabine da rádio bandeirantes, em São Paulo (1990)
69
_
Os cinco jogos
mais importantes
que narrei
“o narrador é um vendedor de emoções”
por Milton Leite, 54 anos, 22 de carreira na TV
Espanha 1 x 0 Holanda,
final da Copa do Mundo de 2010
“O gol do Iniesta marcou a consagração
dessa geração. Todo mundo já falava da
Espanha, campeã da Eurocopa 2008.”
Palmeiras 0 x 1 Portuguesa,
Campeonato Paulista de 1991
“Foi o primeiro jogo que narrei pela TV
Jovem Pan. Nem lembro quem fez o gol.
Mas foi neste jogo que me transformei
em narrador. Fui escalado de última hora,
então narrei pela intuição.”
coisa programada. Vou sentindo o jogo da
mesma forma que um torcedor sente.
Existe, porém, uma diferença entre
a narração da TV aberta e a da por assinatura. A orientação da Globo é desviar
os comentários para o comentarista e as
questões de arbitragem para o árbitro,
além de conversar mais com quem está
assistindo. Na TV fechada, você fala com
quem já é fanático por futebol; na aberta,
a preocupação é envolver o resto da família: a mulher, a filha, o público que estava
vendo o Faustão e também vê novela.
locutor por acaso
Sempre fui mais um cara de texto que de
rádio. Meu primeiro emprego foi no Jornal de Jundiaí. O dono da empresa tinha
70
“SEMPRE
FUI UM
CARA MAIS
DE TEXTO.
nunca
projetei ser
narrador”
fotos: arquivo pessoal (milton) e thierry orban/corbis
“Sempre fui um cara que falava muito. E
sou de uma geração totalmente relacionada com o rádio. Em casa, isso começou
por influência da minha mãe, que adorava
ouvir o radinho dela. Mas foi aos 11 anos,
na Copa de 1970, no México, que me
apaixonei – e de quebra aprendi a gostar
do futebol. Por isso, mesmo meu começo
como narrador tinha uma influência muito grande do que ouvia no rádio. Em minha memória afetiva habitam dois nomes:
Osmar Santos e José Silvério.
Tenho um pouco do bom humor do
Osmar Santos. Mas há uma pequena diferença. Ele criava vários bordões [como
‘pimba na gorduchinha’ e ‘ripa da chulipa’] e eu nunca me preocupei em criar
os meus. O ‘que beleza!’, por exemplo, o
Wanderley Nogueira falava fazia tempo
na rádio Jovem Pan. O ‘que fase!’ veio de
um amigo. Do José Silvério, peguei a precisão. Ele tem um reflexo fantástico para
narrar uma partida.
No rádio você precisa falar absolutamente tudo o que acontece. Na TV,
não. Minha transmissão no começo era
assim – eu falava mais do que devia. O
Tuta [Antônio Augusto Amaral de Carvalho, dono da rádio e da extinta TV Jovem
Pan, onde Milton trabalhou] me chamou
e falou que nada era mais importante que
a imagem. No início, eu tinha um jeito de
falar muito alto, impostado. Na TV, é mais
uma conversa, e o narrador é um vendedor de emoções. Tem que provocar, no
bom sentido, o telespectador. Uma saída
é usar o bom humor quando o jogo está
ruim. Não adianta querer dar emoção.
Com o bom humor você pode mostrar
que aquilo está ridículo. Mas não é uma
uma rádio. Ali experimentei pela primeira vez a função de repórter de campo. Na
década de 1980, cheguei a trabalhar no
caderno de economia do Estadão. Antes
de me tornar narrador, eu era âncora de
um programa de variedades da Jovem
Pan. Durante seis meses, me dividi entre
a rádio e o Estadão.
A Jovem Pan abriu um canal UHF, a
TV Jovem Pan. A programação misturava
esportes, filmes e jornalismo. Havia um
acordo com a Globo e em 1991 a emissora
transmitiria o Campeonato Paulista e o
Brasileiro. Eu não era narrador, mas me
transformei em um ao ser escalado para
um jogo entre Palmeiras e Portuguesa.
O locutor titular passou mal. Teve um
problema de garganta. Aí me chamaram:
‘Vai lá você’. Não lembro nem quem fez
o gol no jogo, devia estar muito nervoso.
Fui pela intuição. Mas devo ter ido bem,
já que me mantiveram no posto.
A ida para a ESPN aconteceu em
1995. O Juca Kfouri e o Flávio Prado me
indicaram e a emissora me chamou para
cobrir as férias do Paulo Soares, bem na
época em que seria lançada a ESPN Bra-
Palmeiras 1 x 1 Corinthians,
sil – antes havia somente a ESPN International. Na ESPN Brasil cobri minha
primeira Copa do Mundo [França 98] e a
primeira Olimpíada [Sydney 2000].
Saí em abril de 2005 e comecei na
SporTV. Em 2006, passei a narrar os
primeiros eventos para a Globo, dentro
do Esporte Espetacular, como triatlo e
vôlei. Em 2010, consegui a difícil tarefa
de entrar para o seleto time de locutores
da emissora, quando narrei Internacional e Vasco. Foi um passo importante na
minha carreira.
O negócio é que sempre gostei muito
de escrever. Nem rádio imaginava fazer.
A mesma coisa aconteceu com a narração. Quando era mais novo pensava em
ser escritor. Cheguei a escrever uns contos, mas anos mais tarde reli e vi que não
tinha qualidade suficiente para seguir
nessa área. Hoje tenho dois livros publicados [As melhores seleções brasileiras
de todos os tempos e Os 11 maiores centroavantes do futebol brasileiro, ambos
pela editora Contexto], mas são reportagens. Nunca projetei e nunca pensei em
ser narrador. Aconteceu.”
NA PÁGINA AO LADO, na espn brasil, em uma de suas primeiras
transmissÕes, em 1996. no alto, um dos jogos mais importantes na
carreira, A FINAL DA COPA DE 1998: “PARA NARRAR OS GOLS DA FRANÇA,
FOI PRECISO UM ESTILO MAIS CHOROSo, SEM EMPOLGAÇÃO”
71
Campeonato Paulista de 2009
“Este jogo marcou porque fiz uma narração diferente. Foi o primeiro gol do
Ronaldo com a camisa do Corinthians,
nos acréscimos. Narrei assim: ‘Senhoras
e senhores, o Fenômeno voltou’. Normalmente não faço isso, mas o Ronaldo merecia, era um jogador diferente. A partir
daí criei frases diferentes para situações
especiais. Cheguei a fazer uma para o
milésimo gol do Romário, mas acabei
não narrando esse jogo.”
França 3 x 0 Brasil,
final da Copa do Mundo de 1998
“Foi a primeira Copa do Mundo que fiz
pela ESPN. E na final não pude narrar no
meu estilo tradicional. Para narrar os gols
da França foi preciso um estilo mais choroso, sem empolgação.”
Internacional 1 x 0 Vasco,
Campeonato Brasileiro de 2010
“Foi meu primeiro jogo na TV Globo. Não
é fácil conseguir entrar no seleto grupo
de narradores da emissora. Foi um importante momento na minha carreira.”
Baixe a Revista Personnalité no tablet
e assista ao vídeo com José Silvério
Bebel Gilberto pergunta:
Em qual
filme mais gostou
de atuar?
Hugo Carvana responde:
Bar Esperança [comédia de 1983, dirigida, roteirizada e estrelada pelo ator].
Gostei muito de fazer o Zeca, um personagem alegre e divertido.
72
73
Por Pedro Henrique França, do Rio de Janeiro Fotos Marcelo Correa
a ópera
do
malandro
A vida, a obra, os amores e a despedida de Hugo Carvana,
76 anos e 91 longas. O ator e cineasta prepara a aposentadoria
da direção: “Mas continuo na comédia para sempre”
Personnalité
hugo carvana
PRIMEIRO ATO
A ARTE DO JEITINHO
fotos: arquivo folha press e arquivo pessoal (hugo com a família)
Ainda garoto, Hugo Carvana dava um jeitinho para entrar em um cinema da Tijuca, na zona norte do Rio de
Janeiro. Enquanto abriam os portões de saída para os espectadores da sessão anterior, ele se infiltrava na turma.
E andava de ré. Assim, ingressava na sala sem ser notado.
Adolescente, querendo prestigiar o recém-inaugurado Maracanã, fanático pelo Fluminense, o jeito era usar
seu porte franzino. Encontrava uma fresta na grade, escorregava por ela. Dentro do estádio, saía correndo até se
perder na multidão.
Aos 30 anos, nos idos de 1967, frequentava o samba
do Teatro Opinião. Certa noite, utilizou uma canja para,
em suas palavras, “capturar” a jornalista Martha Alencar,
que estava acompanhada por um amigo de Carvana. “Eu
já estava de olho nela”, conta. “Uma hora vi que meu
amigo estava tomando cerveja e que iria ao banheiro em
algum momento. Quando ele foi, falei: ‘Você devia sair
daqui e tomar uma canja comigo’. Quando voltou, senteio mais longe. E fomos tomar a canja.”
Martha ainda não acredita como aquele papo colou.
Ela se sai com a justificativa de que acabou se deixando levar pelo jeito “meio cafajeste, meio romântico” de
Hugo. “Eu me apaixonei pela intensidade que ele colocava em tudo que fazia”, diz. “O bom humor, a alegria e sua
extrema sensibilidade para tudo ao redor, muito diferente daquele verniz cultural forjado nas escolas da zona sul
[do Rio de Janeiro] que eu frequentava.”
No ano seguinte, se casaram.
Desde aquele fim de noite, tomando canja no
tradicional restaurante Fiorentina, no Leme, lá se vão
quase 50 anos juntos, quatro filhos – todos envolvidos
nos bastidores do cinema – e cinco netos. Há duas décadas, o casal abriu a produtora MAC, que realiza
seus próprios longas.
Com 76 anos de vida e quase 60 de carreira entre a
TV, o teatro e o cinema, trabalhando entre as posições de
produtor, ator e diretor (e até de lateral esquerdo nas antigas peladas com o time Amigos do Fluminense, em que
se incluía Chico Buarque), Hugo Carvana é um veterano
na arte do jeitinho.
Nascido em Lins de Vasconcelos, bairro da zona norte
do Rio, e criado na Tijuca, é o arquétipo do bom malan-
76
Hugo durante as filmagens de vai trabalhar, vagabundo!, em 1987.
Na página ao lado, o ator e cineasta com a mulher, martha
alencar, e os quatro filhos (pedro, júlio, rita e maria clara)
dro carioca (ele talvez prefira “malandro fluminense”),
uma figura assumida e desenvolvida por ele. Em setembro,
Carvana estreou a comédia Casa da mãe Joana 2, nono filme de sua autoria e que reúne como protagonistas Antonio
Pedro, José Wilker e Paulo Betti. O cineasta revela já ter
outro roteiro pronto. Intitulado Curto circuito, deverá ser
seu último trabalho como diretor.
Diagnosticado há quatro anos com mal de Parkinson,
Carvana tem sentido a perda de equilíbrio e a lentidão decorrentes da doença e da idade. “A única coisa que lamento
[por envelhecer] é não ter mais agilidade”, diz o artista durante uma tarde de conversa em sua casa na Barra da Tijuca. “A raiva que tenho é esta: queria que meu corpo tivesse
a mesma energia que tenho na cabeça.” Ele solta a frase e,
na mesma hora, educadamente, pede um café e uma água
a uma funcionária. Então, pede licença: “Você se incomoda
se eu fumar?”.
“Queria que
meu corpo
tivesse a
mesma energia
que tenho
na cabeça”
77
Personnalité
hugo carvana
SEGUNDO ATO
fotos: arquivo pessoal (malu) e reproduções (marcelo correa)
A DOENÇA DO HUMOR
78
No alto, Hugo em ensaio exclusivo para a revista personnalité. acima,
com malu mader nas gravações de corpo a corpo (1984); e em vai trabalhar, vagabundo! (1973), com otávio augusto e marieta severo. na página
ao lado, cartaz do filme no festival de taormina, na itália (1974)
“Eu tenho a bactéria do humor”, diz Hugo. E ri. “Toda minha
obra como autor sempre foi voltada para a comédia. Tenho
muito orgulho de dizer que não sigo tendências, faço isso
desde 1973, com Vai trabalhar, vagabundo!.” O primeiro filme
dirigido por ele, Vai trabalhar, vagabundo! de certa forma fez o
contrário do que afirma sua frase acima: lançou a tendência. Os
outros é que seguiram o caminho pavimentado por Carvana. A
obra é quase um manual para as comédias de costumes que dominam a bilheteria dos filmes nacionais. Títulos atuais como E
aí... Comeu? (de 2012, 2,5 milhões de espectadores), Os normais
(2003, 3 milhões) e Até que a sorte nos separe (2012, 3,5 milhões)
bebem desse jeito de fazer graça com os tipos comuns, as questões da mesa de bar, os dilemas da rotina, os relacionamentos
que dão errado, as contas no fim do mês. Ele antecipou tudo isso.
“Meu humor é elaborado. Por trás dele, há sentimentos”, diz.
Amigos e profissionais que trabalharam com o diretor sabem
disso. Seu estilo é ditado com poucas palavras e um sorriso no
canto direito da boca. Desse jeito, ele consegue o que quer do
elenco nos sets.
A atriz Malu Mader interpretou a filha de Carvana na segunda novela em que atuou (Corpo a corpo, de 1984). A dupla também contracenou em Celebridade, de 2003. Cinco anos atrás, ela
foi dirigida por Hugo em Casa da mãe Joana, seu maior sucesso
de público como diretor, com mais de 500 mil espectadores. “O
set anda sozinho com ele”, conta Malu. “Li um livro de Woody
Allen e vi traços do Carvana. O filme dele é tão claro, tão a sua
cara e tão evidente para os atores que trabalham ao seu lado, que
fica tudo subentendido. Não tem estresse nenhum.” Para Malu,
Hugo está no patamar de artistas como Luiz Gustavo (79 anos)
e Marieta Severo (66): com eles, não há barreira de idade entre
novatos e veteranos. “Outro dia ouvi uma frase”, conta Malu, “e
ela dizia que a jovialidade é uma virtude que algumas pessoas
não perdem com a idade. O Carvana está nessa turma, em que há
um papo reto independentemente da idade.”
O ator Gregório Duvivier, do coletivo de humor Porta dos
Fundos, foi dirigido por Carvana na comédia Não se preocupe,
nada vai dar certo! (2011). Ele também exalta o alto-astral na gravação. “Ele canta o tempo inteiro: Cartola, Noel, marchinhas... O
set de filmagem está sempre embalado por algum samba antigo
que ele cantarola. Não tem correria nem desespero. A vida pra
ele é um eterno fazer rir. De preferência, cantando.”
“meu humor
é elaborado.
por trás
dele, há
sentimentos”
79
Personnalité
TERCEIRO ATO
cacá diegues
cinema, deixaram-no uma vez mais com o dinheiro mirrado. “Não cometo mais esse tipo de loucura.”
Carvana iniciou sua carreira nos palcos em 1954, na
companhia Teatro do Estudante. Em 1960, entra para o
Teatro de Arena, em São Paulo, num momento em que,
“assim como hoje um ator quer ser da Globo, naquela
época queria ser do Teatro Brasileiro de Comédia [TBC]”.
“Quis o destino” que ele pegasse o caminho alternativo e
fosse parar no Arena ao lado de Milton Gonçalves e Nelson Xavier. “Esse teatro nos fazia olhar para o nosso país,
para o brasileiro. Ele me deu uma consciência sobre a
importância social do trabalho de ator, que é muito maior
que a vaidade. Foi um divisor de águas.”
Uma geração cineasta despontava naquele período.
Na turma que viria a protagonizar o Cinema Novo, surgiam nomes como Arnaldo Jabor, Cacá Diegues, Glauber
Rocha e Nelson Pereira dos Santos. Atores do Arena eram
procurados por eles. “O Cinema Novo teve alguns rostos
característicos”, afirma Cacá Diegues, que escreveu com
Hugo e Chico Buarque o roteiro de Quando o Carnaval
chegar, de 1972. “Carvana era um deles. Depois, ele foi
para a televisão e fez parte do grupo que, junto com Daniel Filho, Oduvaldo Vianna Filho, Paulo José e outros,
UMA OBRA A SER ESTUDADA
fotos: arquivo pessoal (teatro) e reprodução marcelo correa
Filho de pais separados (a mãe era costureira, o pai, marinheiro), Hugo Carvana teve uma infância com dinheiro curto.
Abandonou o emprego de office boy quando se descobriu num
estúdio da TV Tupi, para uma figuração. De sua mãe, ouviu que
não tinha “criado filho para ser veado”. Dali em diante, acabou
a mesada: só teria casa e comida. E lá foi ele, com jeitinho, se
embrenhar em bicos de estúdio. “Tinha que arrumar dinheiro
para a cerveja e para o cigarro”, diz. Em pouco tempo, iria morar em Copacabana, onde assistiria in loco, “nos inferninhos”
do bairro, ao nascimento da bossa nova. Em um deles, “ia todo
dia ver aquele rapaz de olhos azuis tocar”. Era Tom Jobim.
Não foi só para sair de casa que o boêmio Hugo Carvana
teve de se virar com as contas. Com o cinema, faliu duas vezes. Na primeira, em 1971, decidiu se lançar como produtor
executivo de O Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil.
“Era muito bom o filme”, afirma. Mas o público não correspondeu. Recuperou-se dois anos depois com o sucesso de Vai
trabalhar, vagabundo!. Em 1991, teve a ideia de investir numa
sequência. Faliu novamente. A suspensão dos empréstimos
tomados da Embrafilme, antiga agência estatal de fomento ao
80
hugo atua com flávio migliaccio (à direita), na peça
revolução na américa do sul (1959), no teatro arena, em são paulo
“hugo
carvana é um
especialista em
personagens
brasileiros”,
diz cacá
diegues
modernizou o meio, fazendo da telenovela o maior fenômeno de cultura popular da América Latina.”
Como ator, Hugo Carvana iniciou aos 18 anos uma série
de trabalhos em 22 chanchadas. Trabalhou bem, Genival
(1954) foi a primeira (o tal filme em que fez figuração e
que o levou a abandonar o posto de office boy). Acabaria
se tornando um nome disputado por diretores de peso.
Nas palavras de Cacá Diegues, “ele é um especialista em
personagens brasileiros”. Ao captar esse espírito, que dava
voz e face (sempre com seu famoso e imponente bigode) ao
brasileiro pobre, ao trabalhador, ao homem das ruas, o ator
abriu todo um caminho para o cinema nacional. O escritor
João Ubaldo Ribeiro, cujo livro Deus é brasileiro virou filme
de Cacá Diegues e Hugo Carvana, vai além: “Sua obra ainda
precisa ser estudada como merece”.
quando o carnaval chegar (1972): Maria Bethânia, hugo,
ana maria magalhães, chico buarque, nara leão e antonio pitanga
81
Personnalité
hugo carvana
ÚLTIMO ATO
Ao longo da entrevista, Carvana atribui ao acaso as oportunidades que a carreira lhe deu. Místico? Não, ele se define agnóstico. Mas tem sua crença numa força espiritual – “que é o que
eu chamo de Deus”. Ao dizer isso, cantarola os versos “força
nenhuma no mundo interfere sobre o poder da criação”. A música, “Poder da criação”, é do sambista João Nogueira, um de
seus ídolos, morto em 2000. “É lindo isso, não?” Hugo é também fã de Paulinho da Viola. “Nas poucas vezes em que estivemos juntos não consegui dizer nada. Fico muito tímido.”
O apego a essa força espiritual aumentou quando descobriu dois tumores no pulmão, no fim dos anos 1990. Fumante
desde os 15, resume em três fases o processo da notícia: um
soco no estômago, seguido das lágrimas e do que ele chama
de “inventário da morte, que é pensar nas coisas que você vai
perder”. Fez quimioterapia, radioterapia e cirurgia espiritual,
sem anestesia, no Lar de Frei Luiz. “O médium vem, recebe
uma guia e opera com as mãos. Onde ele tocava a mão no meio
do peito, brotava sangue”, conta. Um ano depois, veio a cura.
Reduziu o vício. Ainda pita um charuto. E diz que é só fumaça.
Nas paredes de sua casa, estão estampados pôsteres de filmes que se tornaram ícones da cinematografia nacional com repercussão no exterior, a exemplo de Se segura, malandro (1978),
Vai trabalhar, vagabundo! e O homem nu (1997). Também há
82
hugo e marília pêra, em Bar esperança (1982); cartaz do filme;
o ator interpreta valdomiro pena, no seriado plantão de polícia
(1979), com denise bandeira. ao lado, com o charuto: “é só fumaça”
fotos: agência o globo (plantão de polícia) e reproduções (marcelo correa)
A DESPEDIDA DO MALANDRO
fotos, como a que aparece com Marília Pêra, estrela de Bar Esperança (1982), outro de sua autoria. Apesar do reconhecimento no
cinema, a repercussão nacional veio mesmo com a telinha.
O personagem Valdomiro Pena, um jornalista do seriado Plantão
de polícia (1979), está entre seus maiores sucessos. Sua última
novela foi Insensato coração (2011). TV, para Carvana, “foi da
maior importância”. “Ela tem outro ritmo. Você grava num dia e
vê o resultado no outro. É diferente da peregrinação do cinema,
que é quase um Santiago de Compostela.”
Prestes a se despedir dos filmes autorais, reduzindo o ritmo
de trabalho, Carvana diz não se arrepender de nada. Quer lidar
com o lado suave do cinema. Afirma que a maturidade lhe trouxe leveza. “Estou mais amoroso e afetuoso. Talvez ame mais a
Martha hoje do que 40 anos atrás.” E emenda: “Sexo não é só
orgasmo. O prazer de estar junto, um beijo, um abraço, um filme
de mãos dadas... Isto é sexo: essa energia que vai de um para o
outro”. O jeitinho Hugo Carvana está longe de acabar.
“estou mais
amoroso.
talvez ame
mais a martha
hoje do que
40 anos
atrás”
83
Por Dico Tostes, em depoimento a Edmundo Clairefont Ilustrações Vapor324
“
DIÁRIOS
DE BICICLETA
O ciclista Dico Tostes revela suas impressões ao testar o Bike Rio, sistema
de bicicletas públicas que a prefeitura criou em parceria com o Itaú: “Tive
a impressão de que a cidade era minha. É devagar que se sente o mundo”
E
ra uma vergonha. Sou um carioca
apaixonado por bikes. Já pedalei
mais de 16 mil quilômetros ao redor do
mundo – o que mais ou menos significaria ir do Rio até Barcelona e voltar. Com
17 anos, subi na magrela e fui, com um
amigo, até Buenos Aires. Depois, passei
quatro meses na Europa sobre duas rodas. No Vaticano, encontrei o papa João
Paulo II, que tocou o meu selim – talvez
você não saiba, mas ele era fã do cicloturismo. Trilhei pelas duas costas americanas, passeei pelo Havaí, pelo Alasca, pela
Nova Zelândia, pelo Nordeste brasileiro.
Quando garoto, participava de competições de triatlo. Disputei, inclusive, o
Campeonato Brasileiro.
Daí eu repetir: era uma vergonha eu
nunca ter usado o Bike Rio, o sistema de
bicicletas públicas que a prefeitura da
cidade implementou com apoio do Itaú
em outubro de 2011.
No comecinho de setembro, remediei
a situação. Durante uma semana, me locomovi utilizando as Laranjinhas. Sei que
esse formato é inspirado em experiências
que deram muito certo em vários cantos
do planeta. Em Barcelona, chama-se Bi-
85
cing. Em Paris, Velib. Em Bruxelas, Villo!.
Em Milão, BikeMi. Em Nova York, Citi
Bike. Em Montreal, Bixi. A lista é grande,
o sistema é elogiado, a adesão popular é
imensa e o futuro, claríssimo: a bicicleta é
bem mais do que uma alternativa ao carro, é um caminho para se reconectar com
o espírito da cidade.
Mas no Rio é diferente. No Rio, a
possibilidade de usar menos o carro e
viver mais na rua é... maravilhosa. Conheço bem a cidade sobre duas rodas. Na
adolescência, rodava uns 15 quilômetros
diários para sair de Itanhangá – bairro na
zona oeste onde ainda moro – e chegar
ao Leblon, na zona sul, onde eu estudava.
Minha magrela era minha locomoção.
Era o máximo, mas obviamente perigoso.
Atravessava túneis e a avenida Niemeyer
– e quem a conhece pode imaginar como
era dividir uma pista com os carros ali.
O Rio vem mudando. Na verdade, o
mundo vem mudando. Você pode depositar isso na conta que quiser: aquecimento global, saúde física, fuga do trânsito, contato com a natureza e com a cidade. O fato é que as bicicletas deixaram
de ser uma possibilidade de diversão aos
_
O Rio das bicicletas
Siga o roteiro de Dico Tostes pelas ciclovias da cidade
fins de semana. Elas se tornaram uma
provável saída para fazer de uma metrópole um lugar mais aprazível, tranquilo,
silencioso, ecológico, saudável.
O negócio é que andar de bike ainda
envelopa alguns riscos pesados. Vejo
tanta imprudência, me assusto até nas
ciclovias, às vezes esburacadas. Talvez
por isso eu resistisse em experimentar as
Laranjinhas. Até que a Revista Personnalité me deu um empurrãozinho.
BIKE E SAMBA
A Cidade Maravilhosa conta hoje com
300 quilômetros de ciclovias. Até 2016,
ano da Olimpíada, deve chegar a 450
quilômetros. É um começo. Nova York
tem 800 quilômetros. O projeto Bike Rio
soma 60 pontos e 600 bicicletas. Desde
o início de seu funcionamento, dois anos
atrás, mais de 1,8 milhão de viagens foram feitas utilizando as Laranjinhas. Laranjinha, aliás, é o apelido. Oficialmente,
as magrelas foram batizadas de Samba.
São robustas, vêm com cestinha, buzina,
refletores, retrovisor, seis marchas e um
selim macio. Cada ponto é gerenciado
por computador, utiliza energia solar e
oferece, além de um mapa da rede, informações sobre a disponibilidade de magrelas pela cidade. Tudo muito bom.
O procedimento é menos complicado
do que o das Velib parisienses, que já
usei algumas vezes. Aqui, o usuário baixa
o aplicativo para celular, fácil de entender, colorido, divertido. Em menos de
10 minutos você absorve tudo o que precisa saber. Logo me cadastrei e paguei os
R$ 10 da tarifa mensal, que me pareceu
baratíssima. Com isso, você pode usar
quantas bikes quiser por dia sem pagar
nada a mais, desde que cada utilização
não exceda 60 minutos. Se ultrapassar
esse limite, será cobrada no cartão de
crédito uma tarifa de R$ 5 a cada hora.
O passo seguinte foi encontrar a minha estação. Decidi pegar a magrela na
praia do Leblon. Escolhi, por boa coincidência, a estação da rua José Linhares,
onde ficava meu colégio de muitos anos
atrás. A gente não para pra pensar no
desafio logístico de manter um número
suficiente de bikes por ponto. O aplicativo, novamente, foi incrível: ajuda na hora
de resolver onde pegar e devolver a bike,
qualidade obrigatória para se programar
e pensar no trajeto.
Estações do Bike Rio
PRIMEIRO TESTE
Caminho de ida
Naquele dia inicial, ficaria a manhã inteira em reunião, no Jardim Botânico.
Peguei uma bike na estação. Apesar de ter
86
Caminho de volta
87
estava com a bike havia mais de 60 minutos, seria cobrado em R$ 5 por hora extra.
Achei uma cortesia admirável. Por mim,
estava ótimo o preço. Seguir com a mesma Laranjinha ainda seria mais barato e
conveniente do que estacionar um carro
ali ou ir de táxi.
“é devagar
que se
sente o
mundo. é
pedalando
que se
sonha
acordado”
capacidade terapêutica
Minha segunda grande experiência na
semana envolveu um trajeto maior. Teria
uma reunião com um cliente em Botafogo, um bairro que sugere dramas para
quem vai de carro e quer achar uma vaga
de estacionamento. A bike, mais uma
vez, seria a opção perfeita.
De novo, parti da estação José Linhares numa manhã ensolarada – e mais
quente. O trajeto teria mais ou menos
uns 4 quilômetros. Pensei em um roteiro
deslumbrante e me permiti curtir alguns
cantinhos do Rio que na correria do dia a
dia a gente nem aproveita.
Fiz quase todo o caminho por ciclovias. Atravessei o Jardim de Alah, entre
Leblon, Ipanema e a Lagoa Rodrigo de
Freitas. Cruzei uma feira de rua empurrando a bike numa atmosfera superbucólica, observando tudo. Quem anda de
magrela sabe a capacidade terapêutica
que ela oferece. Você para pra pensar.
Pra ouvir. O ritmo do dia muda. Parece
mais longo. Parece melhor.
Fiz, então, o contorno da lagoa, cartão-postal da cidade. Parei para tirar fotos.
Nunca me canso da paisagem. Dei uma
pausa no Palaphita Kitch, um quiosque
com uma vista linda do entorno, das montanhas até a Pedra da Gávea. Desviei até
o sopé do Morro dos Cabritos, passando
pelo Parque da Catacumba, com um sen-
ARQUIVO pessoal
verificado que ela estava legal, na primeira pedalada a corrente saiu. Para não sujar
a mão tentando colocá-la de volta, devolvi
a bicicleta. Troquei por outra, zerada. A
dica aqui é checar a pressão dos pneus, se
o freio e a buzina estão OK. Apesar de as
Laranjinhas estarem bem cuidadas, a maresia do Rio e o uso intenso castigam.
Decidi levar meu capacete. Percebi
que a bicicleta nos convida a andar na
calçada e, portanto, a buzina é fundamental. Senti que as Laranjinhas
impõem um certo respeito. As pessoas
olham, gostam, os motoristas parecem
um pouco mais cientes de que ela entrou no trânsito carioca como mais uma
opção de transporte. Ainda não temos
estações em cada esquina. Mas, em 2014,
está prevista a instalação de 200 novos
pontos, com 2 mil bikes a mais em pontos da cidade que não se restringirão aos
atuais no centro e na zona sul.
Tomei meu café da manhã no Jardim
Botânico, no café La Bicyclette, local por
vários motivos ideal para um passeio sobre duas rodas. O dia estava friozinho e
com céu azul. Perfeito para pedalar e não
chegar todo suado. Nesse trajeto entre
o Leblon e o Jardim Botânico, fiz uma
parada rápida para apreciar a beleza da
arquitetura francesa do Jockey Club. O
Rio é bem mais bonito quando você pode
fazer uma pausa a qualquer momento,
ouvir os barulhos, focar a paisagem, descobrir novos caminhos, ruelas cheias de
árvores, casinhas antigas, ver as pessoas
na rua, ouvir as conversas. Mas senti falta de um cadeado acoplado à Laranjinha.
Em Paris, por exemplo, a Velib conta
com uma corrente simples e prática para
uma descansada, um lanche, uma compra. Fica a sugestão.
Lá pelas tantas, enquanto tomava
meu café com os clientes, o meu telefone
tocou. Era o serviço do Bike Rio, me informando educadamente que, como eu
88
89
sacional paisagismo e caminhos de pedra.
Fui sem pressa e sem trânsito até a reunião.
Bicicleta não combina com pressa. Pressa
combina com suor. Suor pede roupas novas. Dica para quem pretende adicionar as
magrelas ao uso diário: uma mochila com
uma muda de roupas sequinhas.
Terminada a reunião, contornei a
Lagoa pelo outro lado. Parei na frente da
hípica. Mirei o Parque dos Patins. Meu
destino era voltar ao Leblon, entregar
a Laranjinha, fechar o dia na praia. Era
meio da tarde, e as ciclovias estavam vazias. Dá um pouco a impressão de que a
cidade é mais sua. Você redescobre em
poucos quilômetros cantinhos que havia
esquecido. Você se sente bem. Você sente
que faz o bem. Você se torna parte de
uma comunidade de gente que pensa
diferente. Afinal, é devagar que se sente
o mundo. E é assim, pedalando, que
se sonha acordado.”
Baixe a Revista Personnalité no tablet
e assista ao vídeo com Dico Tostes
primeira pessoa | osgemeos
_
“a nossa bíblia”
por millos kaiser; foto carol quintanilha
O nascimento das ideias
da dupla de grafiteiros
OSGEMEOS, 39 anos, é sempre
registrado nos caderninhos
que Gustavo e Otávio Pandolfo
levam em mãos. “São mais
de cem diários, de vários
tamanhos, cheios de desenhos,
pensamentos, desabafos
e histórias. Eles juntos
são a nossa Bíblia.”
O “baú do tesouro” da dupla fica em seu ateliê,
no Cambuci (SP), para poder ser consultado
sempre que for preciso. Só os dois sabem
o que suas páginas guardam e inspiram
90
91
Download

_ “a nossa bíblia” - Itaú Personnalité