DOMINGO - O Estado do Maranhão - São Luís, 29 de abril de 2012
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CAPA
Mariana Filgueiras
Do jornal O Globo
R
IO - No dia 29 de setembro de 2011, os portais de
notícias destacavam os
fatos da semana: "Polícia diz que
homem contratado para matar
forjou crime com ketchup"; "Vocalista do Greenday é expulso de
voo por estar de calças arriadas";
e "Jaguabiraba, no Ceará, está às
escuras porque prefeitura não
pagou a conta de luz".
Seria difícil competir com a realidade. Naquela manhã de quinta-feira, o jornalista Nelito Fernandes - um dos fundadores do site
humorístico O Sensacionalista precisava pensar em algo ainda
mais surreal para atualizar o portal, abastecido semanalmente
com notícias falsas. Respirou fundo, deu duas voltas em círculo na
sala do apartamento, no Rio. A
ideia não vinha. Até que a mulher,
Martha Mendonça, também jornalista e redatora d'O Sensacionalista, lembrou-se de uma das piadas mais acessadas no site: o suposto nascimento de um bebê
chamado Harrypotterson no interior do Brasil. Nelito Fernandes
deu um pulo: e se nascesse um
Facebookson?
Rapidamente, ele burilou uma
imagem de um casal com um bebê encontrada na internet, rascunhou uma reportagem fictícia
e lançou a graça na rede: "Casal
de São Paulo batiza o filho como
Facebookson e causa polêmica
no mundo." Sucesso retumbante.
Em minutos, a besteira praticamente virou verdade, de tão
replicada na internet. E apesar d'O
Sensacionalista deixar claro que
faz humor (o cabeçalho estampa
o slogan "Um jornal isento de verdade") muitas pessoas caíram na
piada. Inclusive portais de notícias reais: o Alagoas 24 horas e o
paraibano O Impacto divulgaram
o histriônico como verdade.
"Nós fazemos piada, está bem
claro no layout que O Sensacionalista é um site de humor.
Nossa intenção nunca foi enganar ninguém", diz Nelito Fernandes, que faz o site com Martha
Mendonça, o redator de humor
Leonardo Lanna e o jornalista
Marcelo Zorzanelli.
Popularidade - É um fenômeno
curioso: os sites de notícias falsas se
multiplicam na mesma proporção
em que aumenta a credulidade do
público - "dobradinha" impulsionada pela popularização das redes
sociais e pelo afã de compartilhar
de seus usuários. Só no ano passado surgiram o Kibeloco 2030 (só
com notícias "do futuro"); o G17
(inspirado no portal de jornalismo
G1); O Bairrista (ironizando o egocentrismo gaúcho); o Meiu Norte
(paródia do jornal piauiense Meio
Norte); o twitter @estadaos (alusão
ao jornal O Estado de S. Paulo) para citar os mais acessados. Isso
porque já existiam o Piauí Herald,
página de manchetes irônicas da
revista Piauí criada em 2007; e o
Diário de Barrelas, portal de notícias da cidade fictícia, desde 2009,
além do próprio O Sensacionalista,
também de 2009.
Apesar de a repercussão do caso Facebookson ter sido grande
(faça uma enquete entre os seus
amigos para saber quem não
cairia na história...), os autores da
piada não se assustaram com a
confusão. O mesmo rebuliço já
tinha acontecido com outras notícias do site. Em julho do ano passado, o vídeo "Camelô vende kit
para fabricar falsos mendigos no
Centro do Rio" foi debatido, como
se fosse real, em programas de rádio. Antes disso, em abril, a tirada
"Angela Bismarchi anuncia que
É tudo
mentira
Sites de humor com notícias falsas, como O Sensacionalista, O
Bairrista, G17 e 2030, vivem 'boom' e, com a ajuda das redes
sociais, repercutem como verdade
O Globo / Hans Von Manteuffel
Rafael Gustavo, de Nova Cruz, no agreste do Rio Grande do Norte, inventou notícia falsa sobre o criador do Facebook, Mark Zuckerberg
Reprodução/O Sensacionalista
Foto publicada pelo site O Sensacionalista que mostrava suposto casal de São Paulo que teria batizado o filho como Facebookson
vai implantar o terceiro seio" virou
ma reportagem na Rede TV!. Em
2010, suposta notícia "Mulher engravida assistindo a filme pornô
3D" foi publicada no português
Diário de Notícias e até no conceituado site de tecnologia Gizmodo, que logo depois retirou o link
do ar.
"As pessoas acham engraçado,
compartilham, os amigos comentam o link, sem clicar na notícia
original, achando que é verdade,
e aí a coisa não para mais", observa Martha Mendonça, que no dia
anterior tinha postado o nascimento do irmão mais novo de
Facebookson, o Istagramilson.
Pegadinha - Há pouco mais de
um mês, no dia 8 de março, outra
notícia se espalhou pela internet
como pulga no tapete: "CNN diz
que Mark está triste com o comportamento dos brasileiros no
Facebook". O texto dizia que o bilionário Mark Zuckerberg não queria que nós, pobres tupiniquins,
"orkutizássemos" seu reino azullavanda. Todo mundo caiu.
Bem longe de Palo Alto, lá no
agreste do Rio Grande do Norte,
numa cidadezinha de 35 mil habitantes chamada Nova Cruz, quem
se divertia com a pegadinha era o
administrador de empresas Rafael
Gustavo Neves, 29 anos. Criador
do G17, ele tomou um susto ao ver
a brincadeira chegando a um milhão de acessos (segundo o Google
Analytics, foram exatamente
1.058.312 visualizações). "O que
me admira é tanta gente acreditar.
O Diário de Natal publicou, os jornais da Paraíba também. Como é
que alguém pode achar, por
exemplo, que existe um elevador
que conecte o Brasil ao Japão?",
espanta-se Rafael Neves, emendando outra de suas piadas que
viraram verdade por aí.
Ele criou o G17 em maio de
2011, para chamar a atenção para
o jornal (real) que ele mesmo edita, sozinho, há oito anos - a Gazeta
do Agreste. Depois de trabalhar como administrador em um jornal
da Paraíba, o rapaz tomou gosto
pelo jornalismo e decidiu fundar o
primeiro diário da sua cidade natal. Desde 2004, o jornal eletrônico
é atualizado semanalmente com
notícias da região. "Aí eu percebi
que só as notícias curiosas tinham
muitos acessos. Então pensei: se
criasse um site de humor, só com
notícias bizarras, poderia redirecionar os leitores para a Gazeta",
diz Rafael, que viu sua audiência se
multiplicar com a ideia e já fechou
parcerias com o UOL e a empresa
GVT (embora os lucros não
passem de R$ 1,2 mil, o que gasta
pagando o próprio servidor).
Inspirado no sucesso do G17,
o artista plástico piauiense Tiago
Rubens Peres, 27 anos, criou, em
maio do ano passado, o site Meiu
Norte, uma sátira ao jornal impresso Meio Norte. Começou de
brincadeira, para ironizar os políticos locais. Em dezembro, uma de
suas manchetes foi replicada
Brasil afora: "Justiça proíbe lojas
de Teresina de tocar Simone no
Natal". A decisão estapafúrdia foi
dada como certa em dois jornais
de Mato Grosso e na versão eletrônica do Jornal do Brasil. Ao fim
daquele mês, Tiago Peres calculou
a audiência pelo Google Analytics
e quase caiu para trás: o Meiu
Norte já recebia 60 mil acessos por
mês, muito mais do que o original
poderia sonhar.
"Na internet todo mundo é piadista. Do celular, de casa, o tempo todo o pessoal quer compartilhar piada", avalia Tiago Peres, que
foi autorizado pela direção do
Meio Norte e conta com a ajuda
da namorada nas atualizações
diárias, que lhe rendem cerca de
US$ 200 ao mês em publicidade.
Saiba mais
Made in RS
Não é só a mídia tradicional que cai nas notícias falsas. No ano
passado, pouco depois de ser fundado, O Bairrista, site
humorístico que ironiza o egocentrismo gaúcho, divulgou que o
ex-governador do estado Germano Rigotto tinha sido vítima de
uma "overdose de Botox". Em instantes, um site de uma clínica de
cirurgia plástica dos Estados Unidos republicou a notícia como
alerta aos internautas.
"Quando eles me procuraram para saber mais sobre a história, fui
levando a piada adiante. Achei um absurdo os médicos
acreditarem", diz o formando em Ciências Contábeis Júnior Maicá,
27 anos, que vive da publicidade arrecadada com o site, que tem
em média 100 mil acessos por mês e deve virar programa de TV,
como O Sensacionalista, em breve.
Manchetes verdadeiramente falsas
Especialistas falam sobre fenômeno
"Fãs de Pink Floyd demoram
mais tempo para tomar banho,
aponta estudo" (@estadaos)
"Se Neymar entregasse galão
d'água ninguém o acharia
bonito, aponta estudo"
(@estadaos)
"CSI Salvador dá sinais de
cansaço na segunda
temporada" (2030, a página de
notícias falsas do site Kibeloco)
"Presidente Romário decreta
feriado nacional no Dia do
Futevôlei" (2030, a página de
notícias falsas do site Kibeloco)
"Médium Gaúcho realiza
cirurgia espiritual com espeto
de churrasco" (O Bairrista)
"São Paulo implementa rodízio
de marchas contra corrupção"
(The Piauí Herald)
"Serra nega que tenha convidado Bento XVI para vice" (The Piauí
Herald)
"Justiça proíbe lojas de Teresina de tocar Simone no Natal" (Meiu
Norte)
"Morre a quinta tartaruga de estimação de Oscar Niemeyer" (O
Sensacionalista)
- Pesquisador de novas
tecnologias e professor PhD da
UFRJ, Henrique Antoun explica
que, nas redes sociais, as
pessoas se comportam
exatamente como numa
conversa de esquina. "A internet
não funciona com a dimensão
da TV ou do jornal. Ela reforça a
relação de grupos nos quais as
pessoas já estão inseridas, por
isso compartilham piadas e brincadeiras sem se preocupar,
principalmente a garotada".
- Analista de sistemas e pesquisador de internet, Gilmar Lopes,
criador do site e-farsas, especializado em desvendar golpes e
mentiras da rede desde 2002, dá algumas dicas para as pessoas não
caírem em ciladas virtuais: "Geralmente uma notícia falsa cita nomes
de empresas ou autoridades para dar veracidade; não é datada,
sempre aconteceu na semana passada; e não tem assinatura. Além
disso, os cargos citados são imponentes e se apela para os grandes
assuntos: saúde, religião ou política".
- Especializado em propriedade intelectual, o advogado José Eduardo
Pieri, da BM&A Advogados alerta: diferentemente da legislação
americana, que permite sátira a marcas existentes (o que inclui nome
e logotipo), a Lei de Propriedade Industrial brasileira não faz a mesma
concessão. "Se a sátira se apropria da logomarca original, ou mesmo
da combinação de cores, pode ser caracterizada a infração".
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