De volta ao passado: o vigilante nso
editoriais da rádio Difusora Taubaté
(1947-1987)
OF TURN TO THE PAST:THE VIGILANT SPEECH IN THE EDITORIALS OF THE RÁDIO DIFUSORA
TAUBATÉ (1947-1987)
Francisco de Assis1
Departamento de Comunicação Social
Universidade de Taubaté
RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo contar a história da
Rádio Difusora Taubaté, inaugurada na década de 1940,
com enfoque em seu programa de maior audiência e
longevidade: o Notícias do Dia. Para sua a realização,
contemplaram-se os recursos metodológicos de pesquisas bibliográfica e documental, além da utilização
de elementos da história oral. Os resultados apontaram os subsídios necessários para as análises do material produzido durante mais de seis décadas de radiodifusão em Taubaté (SP). Acompanhando o desenvolvimento sociocultural do Vale do Paraíba, a Difusora
teve presença marcante em vários acontecimentos
importantes na história da cidade. Quanto ao programa estudado, o que se percebe é que o discurso
emitido pelos radialistas, por meio dos editoriais diários, tinha caráter de vigilância, ou seja, procuravam, ao
longo dos anos, confortar seu público frente a fatos
chocantes, sugerindo que o jornalismo taubateano trabalha com a função de cuidar dos interesses da população, observando e fiscalizando os acontecimentos
do dia-a-dia.
PALAVRAS-CHAVE
História da imprensa. Rádio Difusora. Jornalismo
radiofônico.
INTRODUÇÃO
No início dos anos de 1940, a radiodifusão brasileira começava a dar passos mais acelerados rumo ao
desenvolvimento e à maior propagação, pois em duas
décadas de transmissões, eram poucas as rádios existentes no país. Foi nesse cenário de ascensão que
surgiu a 26ª emissora de comunicação radiofô 3nica
Rev. ciênc. hum, Taubaté, v. 12, n. 1, p.11-17, jan./jun. 2006.
no Brasil, a Rádio Difusora AM-Taubaté, que começou
a funcionar em ondas curtas.
Durante seis décadas de existência, foram vários
os programas que marcaram a trajetória da Rádio, que
posteriormente tornou-se uma rede de emissoras associadas. Entre essas programações, destaca-se o Notícias do Dia, um noticiário que se iniciou na emissora
em 1947 e, durante quatro décadas, procurou manter
seu formato original. Dentre suas características, está
o editorial divulgado diariamente, intitulado “Notas da
Redação”, no qual o locutor-noticiarista expõe à população os acontecimentos do município de forma a demonstrar seu papel de guardião dos interesses da sociedade.
Esta pesquisa vislumbra recuperar a memória da
Rádio Difusora e identificar os elementos que caracterizam a postura vigilante do programa Notícias do Dia.
A análise dos processos de produção e recepção desse conteúdo implica, também, identificar a função
exercida pelo rádio na sociedade. Para tanto, o estudo
se apóia nas metodologias de pesquisas documental
e bibliográfica, além de recursos da história oral, que
contribuíram para a compreensão do trabalho realizado pela emissora.
No mais, é importante ressaltar que o registro da
trajetória da Rádio Difusora enriquece o acervo de
registros históricos da comunicação praticada em
Taubaté, objetos de interesse do Núcleo Pesquisa e
Estudos em Comunicação (NUPEC – Mídia Regional),
subordinado ao Departamento de Comunicação Social da Universidade de Taubaté. Além disso, espera-se
que esta investigação contribua para o levantamento
da história midiática do Brasil, realizado pela Rede
Alfredo de Carvalho, em comemoração aos 200 anos
11
da imprensa no país.
NAVEGANDO
PELA HISTÓRIA DO RÁDIO
Os registros existentes sobre o desenvolvimento
do rádio no Brasil mostram que as primeiras experiências oficiais com radiofonia datam da década de 1920,
mais precisamente no ano de 1922. De acordo com
os estudos de Ferrareto (2001), naquele ano, durante
as comemorações do centenário da Independência,
foi realizada a primeira radiodifusão, graças à colaboração da Westinghouse Eletrics, que distribuiu oitenta
receptores a autoridades civis e militares. Além disso,
foram colocados no local da inauguração – a Praia
Vermelha, no Rio de Janeiro – alguns autofalantes para
que o público presente pudesse acompanhar o evento.
Para a emissão, foi instalado no morro do Corcovado, que é o ponto mais alto do Rio de Janeiro, um
transmissor também cedido pela Westinghouse. Com
isso, pôde-se ouvir, pela primeira vez dentro dos limites brasileiros, uma transmissão radiofônica, com o
discurso do então presidente da República, Epitácio
Pessoa, e trechos da ópera O Guarani.
O próximo passo foi dado um ano depois, com a
criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fruto da
dedicação do professor e cientista Roquette-Pinto,
apoiado por Henry Morize, presidente da Academia
Brasileira de Ciências, na ocasião. Ainda na década de
1920, o rádio começou a se espalhar pelo Brasil, com
o surgimento de novas emissoras, formadas, na maioria das vezes, por associações de “amadores da
radiofonia”, conforme registra Ferraretto (2001).
Embora denominado o veículo de comunicação
mais popular, com maior possibilidade de alcance do
público, o rádio era distante da população de baixa
renda na sua fase de implantação no país. A parcela
da sociedade que tinha acesso a ele era restrita àqueles que tinham condições de possuir o aparelho receptor e pagar uma mensalidade às emissoras.
Em artigo publicado no site Canal da Imprensa,
Ramos (2005) cita que, em novembro de 1924, o decreto nº 16.657 foi assinado pelo presidente Epitácio
Pessoa e aprovava a regulamentação das transmissões
de rádio. As exigências para que tal feito acontecesse
eram que as concessões seriam permitidas apenas para
sociedades nacionais e as transmissões deveriam ser
realizadas na língua materna. Além disso, o conteúdo
das rádios deveria ter fins educativos, artísticos, científicos e que, de alguma forma, trouxessem benefícios
Rev. ciênc. hum, Taubaté, v. 12, n. 1, p.11-17, jan./jun. 2006.
à sociedade.
Os primeiros anos de radiodifusão foram marcados por uma produção precária, ou seja, a qualidade
dos programas era limitada, de acordo com os recursos simples e reduzidos que as emissoras possuíam.
Nesse contexto, o que ficou evidenciado foi a boa
vontade de pessoas que, a partir de experiências pessoais, dedicaram-se à radiocomunicação e deram rumo
à história do rádio no Brasil.
Apesar do empenho e do idealismo de
Roquette-Pinto e de seus associados, a radiodifusão nasce de maneira precária. Em seus primeiros meses de funcionamento a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro operou sem uma programação definida e com emissões esporádicas. Em outubro2 , começa a ser organizada uma
seqüência de programas com notícias infantis,
poesia, música vocal e instrumental.
(FERRARETTO, 2001, p. 96)
Após esse período, surgiram no Brasil outras emissoras de rádio de pequeno, médio e grande porte,
que também tiveram papel importante na história da
radiofonia nacional. Entre essas, cabe lembrar as 25
emissoras de propriedade do jornalista-empresário
Assis Chateaubriand, das quais a primeira foi a Rádio
Tupi, do Rio de Janeiro, inaugurada em setembro de
1935.
Ramos (2005) descreve que a década de 1930 é
considerada a época de ouro do rádio e responsável
pela ascensão do veículo. Mas foi na década de 1940
que o radiojornalismo desponta nas emissoras brasileiras. Em 28 de agosto de 1941, estréia, em várias
emissoras, como Nacional e Record, o noticiário Repórter Esso. Daí em diante, a prática do jornalismo
dentro das rádios foi se fortalecendo e criando características próprias que a diferem dos demais veículos.
No Vale do Paraíba, a produção radiofônica se iniciou em 1934, na cidade de Cruzeiro, com a inauguração da Rádio Sociedade Mantiqueira (PRG-6), a primeira emissora do estado de São Paulo e a sexta do
Brasil.
Quando a PRG-6 foi implantada, Cruzeiro tinha
apenas 33 anos de emancipação político-administrativa. A concessão e a autorização para a
fundação legal da Rádio Sociedade Mantiqueira
foram oficializadas em 24 de agosto de 1936.
Funcionava com um transmissor de 500 Watts.
Em 1940, a rádio mudou a sintonia do canal
para 640 quilociclos. (MONTEIRO, 2003, p.24)
12
A partir daí, o rádio se tornou um dos veículos de
comunicação de maior abrangência no Vale do Paraíba,
tendo em vista seu baixo custo de produção e recepção e até mesmo por utilizar uma linguagem mais
próxima da realidade das pessoas do interior. Nas décadas subseqüentes, foram criadas várias outras emissoras na região, entre elas, a Rádio Difusora Taubaté.
RÁDIO DIFUSORA: SEIS
DÉCADAS DE HISTÓRIA
Em Taubaté, no ano de 1940, foi constituída uma
sociedade civil, denominada Rádio Difusora Taubaté
Ltda, formada pelo presidente da Companhia Taubaté
Industrial (C.T.I.) – importante na época por ser a maior indústria têxtil da América Lartina –, Alberto Guisard,
por um dos funcionários da fábrica, Benedito Marcondes
Pereira e pelo pioneiro da radiodifusão na cidade,
Emílio Amadei Beringhs. Com isso, no ano seguinte,
no dia 19 de julho de 1941, foram realizadas as primeiras transmissões da Rádio Difusora (ZYA-8), em dois
períodos: das 9h às 13h e das 15 às 23h, que funcionava ainda em ondas médias.
Botossi e Luz (1991) recordam que a década de
inauguração da Rádio Difusora foi marcada pela tensão vivenciada no mundo, decorrente da Segunda
Guerra Mundial. A emissora acompanhou alguns acontecimentos significativos daquele tempo, como o juramento à bandeira pelos alunos do Tiro de Guerra
445, de Taubaté, em 1943, e a transmissão do “barulho” provocado pela bomba atômica lançada sobre
Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945.
Assim que a guerra terminou, a Difusora conseguiu o aval que permitiu o aumento de sua potência.
Com isso, passou à capacidade de operar com 1000
watts e entrou para o rol das mais potentes emissoras
do interior do país.
Durante mais de seis décadas de história, a Difusora
acolheu importantes nomes da radiocomunicação que
fizeram da emissora uma verdadeira escola, começando por seu primeiro proprietário, Emílio Amadei
Beringhs, que muito contribuiu com a comunicação
em Taubaté, até Cid Moreira, que, após alguns anos
se dedicando à Difusora, passou a integrar o corpo de
jornalistas da Rede Globo. Nessa lista também está o
radialista Silva Neto, que durante muitos anos esteve
à frente de vários programas na Rádio, entre eles O
clube do Guri – no qual a cantora Celly Campelo fez
suas primeiras apresentações quando ainda era crianRev. ciênc. hum, Taubaté, v. 12, n. 1, p.11-17, jan./jun. 2006.
ça – e o Notícias do Dia :
Na Difusora, logo nos primeiros meses, eu já me
entusiasmei pela profissão. Não pensava em ser
radialista, mas fiquei bastante entusiasmado pelo
rádio e cada um que precisava ser substituído me
convidava para substituí-lo ao microfone. Eu comecei a participar, então, de quase toda a programação, ou de toda a programação e, alguns meses depois, eu já tinha o meu horário. Comecei,
então, a ser locutor comercial, a apresentar programa de auditório, a apresentar programas de
estúdio, fazia externa, reportagem e por aí vai.
No interior, naquela época, e até hoje deve ser
assim, a gente fazia de tudo e eu comecei a fazer
de tudo, gradativamente. Hoje uma coisa, amanhã outra, duas, três coisas ao mesmo tempo. E lá
na Rádio Difusora, eu fiquei quarenta e um anos.3
Com o correr do tempo, a emissora adquiriu um
prédio para se instalar definitivamente. Entre as décadas de 1960 e 1970, o edifício foi reformado e a Rádio
Difusora passou a ter sede própria. Na década posterior, a família Beringhs conseguiu a concessão para a
criação de novas emissoras, em Taubaté e na região,
formando assim a Rede Difusora de Rádio.
A emissora acompanhou, também, o desenvolvimento socio-cultural do Vale do Paraíba e sua presença foi marcante em vários acontecimentos ao longo
dessas seis décadas. Em entrevista, Silva Neto recorda-se que a Difusora contribuiu com várias campanhas
em Taubaté, como as realizadas para a compra de um
avião que foi doado à Força Aérea Brasileira e para
angariar fundos durante a elevação do monumento
em homenagem ao Cristo Redentor. Além disso, a
Rádio sempre se colocou à disposição da Igreja Católica, local para divulgar atos religiosos como procissões, missas festivas e demais solenidades.
A emissora rompeu o ano 2000 em constante atividade e ainda constitui-se em uma empresa familiar.
Atualmente, é dirigida pelos netos de Emílio Amadei
Beringhs e a programação tem como base a música,
o jornalismo e a prestação de serviço. Durante os sábados e domingos, a Difusora ainda transmite, ao vivo,
jogos regionais e nacionais.
A
PRÁTICA DO RADIOJORNALISMO NO “NOTÍCIAS DO DIA”
Chantler e Harris (1992) obser vam que o
radiojornalismo tem particularidades que o difere dos
outros modelos de informação radiofônica. Os auto-
13
res afirmam que nesse estilo de programação até
notícias antigas – fatos que ocorreram algumas horas
antes da divulgação – têm possibilidade de serem
veiculadas, e as demais podem ser mais aprofundadas.
Vale ressaltar que uma das características principais
do rádio é a sua instantaneidade, ou seja, o conteúdo
informativo não demanda grandes recursos de edição, como é o caso da TV, nem tampouco pode esperar até o dia seguinte, como é o caso dos impressos.
Nos seus primeiros tempos de funcionamento, a
Rádio Difusora não possuía programas jornalísticos produzidos no modelo explicitado por Chantler e Harris
(1992). O que existia na emissora taubateana, no início da década de 1940, eram pequenos noticiários
que divulgavam curtos boletins sobre o dia-a-dia da
cidade, sem grande aprofundamento. A partir de 1947,
que a emissora passa a transmitir um programa
jornalístico diário: o Noticias do Dia, que foi ao ar,
ininterruptamente, por quarenta anos.
O início dessa programação da Difusora foi marcado por um acidente de carro que provocou a morte
de três estudantes do conhecido colégio Nossa Senhora do Bom Conselho, em Taubaté. Na ocasião,
Arquimédes Rizzóli, que já atuava no setor de jornalismo da emissora, pediu autorização à diretoria da Rádio para comentar o fato ocorrido. A partir desse dia,
o programa passou a divulgar editoriais diários, desempenhando um papel de guardião dos interesses e
do bem-estar da sociedade, conforme pode ser observado nas edições reproduzidas em linguagem escrita. Esse espaço de comentários sobre os problemas
da sociedade taubateana, que compunha o Notícias
do Dia, passou a se chamar “Notas da Redação”.
Silva Neto esteve no comando desse radiojornal durante trinta e cinco anos. Ele conta que o programa foi patrocinado pelo Banco do Vale do Paraíba
durante vinte e cinco anos, um acontecimento praticamente histórico, tratando-se de patrocínio no interior, que muitas vezes acontece se forma escassa e
sem qualquer comprometimento. Sobre o programa,
ele lembra:
Notícias do Dia era um programa dirigido para
a cidade. Havia, inclusive, gente que, saindo
de Taubaté, indo morar em Minas Gerais ou
em outras cidades do Estado de São Paulo, religiosamente ouvia o Notícias do Dia, das onze
e meia ao meio-dia, e se inteirava de tudo o
que acontecia na cidade, inclusive sabia de
quem morria em Taubaté. Nós tínhamos, incluRev. ciênc. hum, Taubaté, v. 12, n. 1, p.11-17, jan./jun. 2006.
sive, o cuidado de, graciosamente, divulgar as
notas de falecimento. Nós tínhamos um serviço de utilidade pública para servir a região. Por
exemplo, naquele tempo, o correio era difícil
para Redenção, Natividade, São Luiz do
Paraitinga e Catuçaba e o único veículo que
chegava e dava a informação à população local era o rádio.O programa era noticioso, informativo e de utilidade pública, tudo era divulgado.4
Do ponto de vista da informação, o jornalismo
radiofônico trabalha com a leitura de textos que não
expressam opinião e tampouco utilizam recursos extras como sonoras ou outro suporte. A essência desse
conteúdo são os boletins, considerados a “vitrine de
uma emissora”, de acordo com Chantler e Harris (1992).
Porém, nem só de boletim vive o radiojornal e, portanto, outras categorias são adicionadas a esse estilo
de programação.
Marques de Melo (1985) considera o editorial
como um gênero jornalístico, de caráter opinativo, que
expressa a postura do veículo diante dos fatos de maior
repercussão em determinados momentos. Além disso, o professor observa que, geralmente, nas emissoras de radiodifusão de pequeno e médio porte, controladas por um único proprietário ou por uma família,
é a opinião dos donos que prevalece nos editoriais.
As afirmações de Marques de Melo (1985) podem
ser atestadas no material coletado da Rádio Difusora.
Os textos eram escritos pelo próprio proprietário, Emílio
Amadei Beringhs, e lidos por ele ou por algum dos
radialistas que compunham o corpo de profissionais
da emissora, como Silva Neto e Monteclaro César.
O acervo quase que completo dos editoriais “Notas da Redação” está arquivado e acessível ao público
no Museu da Imagem e do Som de Taubaté (MISTAU).
Esse conteúdo está organizado em ordem cronológica e é utilizado como objeto de estudo de pesquisadores de Comunicação, História e demais áreas interessadas, por se tratar de um material histórico que
registra parte da história de Taubaté e da comunicação praticada na cidade.
Os primeiros editoriais, manuscritos em papel
almaço, contêm apenas a data em que foram
redigidos, passando depois a ser datilografados
em papel comum e, na década de 70, escritos
em laudas próprias, onde Emílio Amadei
Beringhs anotava a data, o título e o número
do editorial. O último editorial tem o título “Fim
14
de ano – Ano novo”, sendo a Nota da Redação
N° 13.103, do dia 31 de dezembro de 1987.
(HOFF; LIMA, 1997, p. 53)
Durante o tempo em que permaneceu no ar, o
Notícias do Dia tornou-se uma programação de
credibilidade e os editoriais, interpretados pela voz
grave dos locutores, especialmente a de Silva Neto,
foram um dos maiores responsáveis pela empatia do
público. Em alguns casos, a linguagem do editorial
expressa até mesmo sentimentos, como no texto de
15 de maio de 1964, intitulado “Nossa Campanha”,
que diz o seguinte:
O dia de hoje assinala a passagem do décimo
sétimo aniversário de uma das mais
constritadoras [sic] ocorrências de nossa cidade. Quando vinha de Quiririm, tranzendo quatro meninas, alunas do Bom Conselho, um automóvel foi abalroado nas proximidades da Vila
Santa Fé. Desse fato, resultou a morte, no local, de três crianças encantadoras, de famílias
do nosso distrito. O nosso repórter, na época,
Arquimédes Rizzóli, com emoção que não podia disfarçar, leu ao microfone da Difusora uma
oração que começava assim: “Senhor! Minha
oração, oração de um pobre rabiscador de artigos, é hoje um grito de dor. Estes olhos, Senhor, acostumados em anos a assistir realidades brutais, encheram-se de lágrimas, quando
na manhã de hoje, viram três cadáveres de crianças. Três meninas, três amiguinhas
inseparáveis, que juntas viveram seus poucos
anos, e juntas morreram...”5
Uma das particularidades da locução de Silva Neto,
além da impostação de sua voz grave, é que, na leitura dos textos, sempre era ressaltada a expressão “amigo”, quando se dirigia ao público. Essa atitude condiz
com a afirmação de Chantler e Harris (1992) acerca
do caráter pessoal do veículo rádio. Para os autores, o
locutor fala diretamente com seu ouvinte, como se
estivesse em uma conversa informal de fim de tarde
em casa ou em algum local descontraído.
Entre os assuntos mais abordados nas “Notas da
Redação” está a política local. Os textos de Emílio
Amadei Beringhs demonstram o interesse da emissora em discursar sobre os atos da administração pública, que atingiam diretamente a população taubateana.
No discurso, há elementos que identificam a postura
vigilante do Notícias do Dia, além de críticas a outros
órgãos de imprensa que não cumprem seu papel de
Rev. ciênc. hum, Taubaté, v. 12, n. 1, p.11-17, jan./jun. 2006.
fiscalizar a postura do governo vigente na cidade. No
texto de 24 de setembro de 1976, intitulado “Administração Local”, encontram-se as seguintes palavras:
Enquanto certos jornalistas preferem imiscuirse na administração de outros municípios, criando com isso um clima de insatisfação por
parte do povo, seria muito útil pesquisar no
sentido de fazer ciente ao povo daquilo que
se faz em nossa própria casa. [...] Como principal problema queremos nos referir à canalização do rio Convento Velho, que tem sido, através dos séculos, o escoador natural da cidade,
rumo ao Paraíba. Até há bem pouco tempo
existia apenas aquele canal executado em convênio com o Governo Federal, de aproximadamente dois metros quadrados de área, feito
em cimento armado e que tinha seu fim nas
proximidades do mercado municipal, onde era
ligado a um outro canal [...] Pois bem. Na atual
administração o problema está sendo praticamente resolvido. [...] Por essa razão, estamos
cumprindo um dever cristão de reconhecer o
trabalho que está sendo realizado.6
A maioria das transmissões de “Notas da Redação”,
além de apresentar a opinião da Rádio Difusora sobre
determinado assunto, se mostra com caráter de utilidade pública. Os discursos eram munidos de informações relevantes à população de Taubaté e região. Em
alguns momentos eram pronunciadas notas de falecimento, que, segundo o radialista Silva Neto, eram
motivo de muita atenção por parte do público, interessado em descobrir os fatos ocorridos.
Notícias do Dia acompanhou, durante os anos, os
processos de evolução do radiojornalismo brasileiro.
Nas primeiras décadas, eram comuns o uso de expressões rebuscadas e adjetivos munidos de puro sentimentalismo, além expressões que remetem à religiosidade, como a invocação a Deus e aos santos. Já na
década de 1980, essa realidade mudou e os textos
passaram a ser mais objetivos.
Fato curioso nos editoriais do Notícias do Dia é a
antecipação de fatos e suas conseqüências, ou seja,
em alguns textos encontram-se elementos referentes
a futuras realizações em Taubaté e o progresso que
possivelmente trariam à cidade. Como exemplo, o
editorial de 7 de janeiro de 1967, intitulado “A Faculdade de Medicina de Taubaté”, que diz o seguinte:
Façamos votos sinceros votos, sinceros, para que
a novel Faculdade entre, finalmente, em funci-
15
onamento. As aulas, segundo o costume nacional, terão seu início em Abril, se não nos falha a memória. Até lá a Faculdade terá que proceder aos exames de seleção, a fim de que o
número exato de interessados possa obter a
sua inscrição definitiva. Falar no que representará a Faculdade de Medicina de Taubaté para
o Vale do Paraíba e o Sul de Minas é ocioso.
Ela oferecerá oportunidade única aos interessados na matéria. Depois, com o tempo e o
funcionamento do Hospital de Base, já em
adiantado estado de construção, ela se firmará
entre as primeiras do Estado, com amplas possibilidades técnicas.7
Todas essas observações são características que
acompanharam boa parte dos editoriais “Notas da
Redação”, desenvolvidos desde da década de 1940
até o ano de 1987, quando o programa foi ao ar pela
última vez, no dia 31 de dezembro. Sendo assim,
percebe-se que a prática do jornalismo opinativo na
Difusora tornou-se algo peculiar à emissora do interior. Além de apresentarem os elementos apontados
por Marques de Melo que os caracterizam como um
gênero opinativo, os editoriais se comprometem não
apenas com a posição do veículo frente aos fatos,
mas, também, com a exploração de novas perspectivas para o município e para a região.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando ocorreu sua chegada ao Brasil, na década
de 1920, o sucesso do rádio já era premeditado, por
se tratar de um veículo de fácil acesso e possuir características que o aproximam de seu público-alvo.
Taubaté não poderia ficar à parte dos avanços
tecnológicos do país e do mundo e, já na década de
1930, passou a se inteirar das atividades radiofônicas.
Mas o marco da história da radiodifusão na cidade foi
a inauguração da Rádio Difusora (freqüência AM - ZYA8).
Em seis décadas de uma trajetória significativa para
a radiofonia brasileira, a Difusora passou por períodos
e por programações marcantes. Entre esses, sem dúvida alguma, o Notícias do Dia ocupa posição de destaque, principalmente no que diz respeito ao “Notas
da Redação”, divulgado por mais de 50 mil páginas ao
longo da história da Rádio.
Aos editoriais “Notas da Redação”, coube o papel
de vigilante dos interesses da sociedade, expressando diariamente a preocupação em defender a popuRev. ciênc. hum, Taubaté, v. 12, n. 1, p.11-17, jan./jun. 2006.
lação taubateana dos problemas e conflitos do cotidiano, além de fiscalizar os atos da Prefeitura e demais
órgãos públicos da cidade.
Os textos produzidos pelo proprietário da Rádio,
Emílio Amadei Beringhs, objetivavam a propagação de
uma postura vigilante dele próprio e de seu veículo.
Com isso, o programa Notícias do Dia tornou-se referência em Taubaté e na região, como exemplo do
radiojornalismo de credibilidade. A prestação de serviços à população, por meio das transmissões, também
foi fator crucial para a concretização dessa realidade.
Com o passar do tempo, o Notícias do Dia foi se
adequando à radiofonia mundial e deixou de lado algumas posturas próprias, como citado anteriormente.
Mesmo assim, durante os anos em que permaneceu
a serviço da sociedade, por meio das “Notas da Redação”, até os últimos editoriais divulgados no final da
década de 1980, o programa continuou a preservar
seu papel guardião. Após esses anos, a emissora se
rendeu às novas tecnologias e práticas que sufocaram
o jornalismo investigativo, a fim de se incluir no chamado mercado da informação.
OF TURN TO THE PAST:THE VIGILANT SPEECH IN
THE EDITORIALS OF THE RÁDIO DIFUSORA
TAUBATÉ (1947-1987)
ABSTRACT
This research has for objective to count the history of
the Diffusing Radio Taubaté, inaugurated in the decade
of 1940, with focus in his program of larger audience
and longevity: the News of the Day. For yours the
accomplishment, the bibliographical and documental
methodological resources of researches were
meditated, besides the use of elements of the oral
history. The results pointed the necessary subsidies
for the analyses of the material produced during more
than six decades of broadcasting in Taubaté (SP).
Accompanying the partner-cultural development of the
Vale do Paraíba, Difusora had outstanding presence in
several outstanding events in the history of the city.
As for the studied program, which one notice it is that
the speech emitted by the radio announcers, through
the daily editorials, he had surveillance character, in
other words, they sought, along the years, to comfort
his public front to shocking facts, suggesting that the
16
journalism taubateano works with the function of taking
care of the interests of the population, observing and
fiscalizing the events of the day by day.
KEY-WORDS
History of the press. Rádio Difusora. Journalism of
radio.
NOTAS EXPLICATIVAS
1 Graduando em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela
Universidade de Taubaté; pesquisador do NUPEC (Núcleo de Pesquisa e
Estudos em Comunicação), da mesma instituição. E-mail: [email protected]
2 Outubro de 1923, ano da fundação da Rádio Sociedade do Rio.
3 Depoimento concedido pelo radialista Silva Neto em 20/09/2004.
4 Depoimento concedido pelo radialista Silva Neto em 20/09/2004.
5 Trecho retirado do texto original encontrado no MISTAU, na pasta do ano
de 1964.
6 Trecho retirado do texto original encontrado no MISTAU, na pasta do ano
de 1976.
7 Trecho retirado do texto original encontrado no MISTAU, na pasta do ano
de 1967.
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FERRARETO, L. A. Rádio: o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2001.
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Francisco de Assis
Rua travessa Raphael, 157
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CEP 12080-270
TRAMITAÇÃO
Artigo recebido em: 16/02/06
Aceito para publicação: 26/04/06
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