História das Ciências e Ensino de
potencialidades para uma educação cidadã.
Ciências:
Profa. Dra. Márcia Helena Alvim
Universidade Federal do ABC / Centro de Ciências Naturais e Humanas
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Resumo
Neste estudo questionamos o papel "acessório e episódico" tradicionalmente
imputado à História das Ciências em sua relação com o Ensino de Ciências,
especialmente nos livros didáticos, evidenciando como esta visão apresenta-se
distorcida quanto às reais potencialidades da História das Ciências para uma
educação científica efetiva e que atenda às demandas da contemporaneidade. A
indicação mais usual da relação entre História das Ciências e Ensino de Ciências
confere a primeira uma situação de “aliada”, “estimuladora”, “dispositivo didático” à
segunda. Esta condição acessória da História das Ciências é complementada
comumente por uma condição ilustrativa. Nos estudos de História das Ciências e, em
sua relação com o ensino de ciências, esta é uma atitude muito comum. Esta atitude
anacrônica e a-histórica seleciona alguns feitos e personalidades para serem
entendidos como "visionários", colaborando para a manutenção de uma história
positivista e centrada na "genialidade" de alguns poucos. Recusando esta abordagem
positivista, acreditamos que o direcionamento do ensino de ciências através de um
viés histórico salienta as importantes conexões entre produção da ciência, demanda
social e interesses políticos. Compreender o científico como prática social e cultural
desmistifica a ciência como construção imparcial e neutra em relação ao contexto
histórico, contrapondo-se a uma imagem tradicional que impõe à ciência uma condição
de apolítica, neutra e imune ao contexto cultural e ideológico. Deste modo, a História
das Ciências, mais que uma contribuição interdisciplinar ao ensino de ciências,
favorece reflexões sobre a prática científica, a natureza das ciências, a ciência no
contexto da tecnociência, a responsabilidade política-social-cultural-ambiental dos
cientistas e cidadãos diante da produção e consumo dos produtos técno-científicos.
História das Ciências - Historiografia e Ensino de Ciências
Desde a década de 1960 esforços intelectuais vêm sendo depositados na
consolidação de uma nova vertente historiográfica em História das Ciências: uma
análise contextualizadora da prática científica e do impacto social da ciência e da
tecnologia. Esta visão historicista das ciências contou com um crescente número de
adeptos e deflagrou uma ruptura significativa à vertente historiográfica precedente: o
positivismo. Talvez o maior ponto de tensão entre estas duas correntes tenha sido a
contribuição mais importante da primeira: a compreensão das idéias e práticas
científicas através de sua mentalidade intrínseca, rejeitando a busca da racionalidade
contemporânea nos feitos passados. Assim, pretendia-se romper com uma história
“julgada”, criando-se espaço a uma história contextualizadora. E, o historiador,
abandonava a postura de “juiz” e apresentava-se como elaborador de uma versão.
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Nesta nova historiografia novos objetos poderiam ser historicizados, e, no caso da
História das Ciências, buscava-se ir além das temáticas sancionadas pelos cientistas.
Nesta nova historiografia pretendia-se evitar o anacronismo e analisar a prática
científica através de sua historicidade. Entretanto, é inegável que o presente permeia o
trabalho do historiador em diversos matizes. A própria motivação do trabalho
historiográfico advém do momento presente. Compreender a formação das estruturas
da nossa sociedade contemporânea, em qualquer âmbito – econômico, político,
religioso, cultural, social, científico – consiste na “questão de ser” do estudo histórico.
Mesmo diante da valorização da relação passado/presente no trabalho do historiador,
sua análise não deve ser presentista, ou seja, a elaboração de um julgamento do
passado por não se adequar, ou antecipar, as estruturas existentes no presente.
Nos estudos de História das Ciências e, em sua relação com o ensino de
ciências, esta é uma atitude muito comum. O exemplo mais latente talvez seja a
difundida idéia de “precursor”. Muitos trabalhos em História das Ciências seguem uma
tendência de buscar no passado os precursores da racionalidade científica do
presente. Esta atitude anacrônica e a-histórica seleciona alguns feitos e
personalidades para serem entendidos como "visionários", colaborando para a
manutenção de uma história positivista e centrada na "genialidade" de alguns poucos.
O ensino de ciências tradicional também expõe esta visão, especialmente através dos
livros didáticos, conforme discutiremos adiante. Para Moro Abadia (2009) o “vírus del
precursor” alastrou-se em História das Ciências tornando-se uma epidemia
incontrolável.
“La definición del precursor como alguien que anticipa el futuro supone, de facto, una
negación de la dimensión histórica de la ciencia, puesto que dicha definición lleva
implícita la idea de que el precursor pertenece a dos tiempos históricos diferentes: el
pasado en que vive y el futuro que anticipa. Esta yuxtaposición del pasado y del futuro
es, [...] un obstáculo para el conocimiento histórico.” (MORO ABADIA, 2009, p. 197)
Os estudos que historicizam o papel do precursor, ou a ênfase nas causas de
dado conhecimento científico, extraí sua personagem de seu momento histórico,
inserindo-a em um contexto diverso ao seu, com o objetivo de explicar um outro
conhecimento e mentalidade, também diversos ao inicial. Esta atitude de apresentar o
passado como antecedente linear da teoria ou conhecimento estudado simplifica a
complexidade da construção de um dado conhecimento, sua relação com o contexto
histórico, suas controvérsias e as disputas travadas pelas teorias em confronto.
Deste modo, a visão de precursores/herdeiros desfoca o conhecimento
desenvolvido em suas distintas épocas e sociedades, construindo uma visão linear, e
continuísta do desenvolvimento científico, que normalmente é anacrônica e a-histórica,
pouco contribuindo para uma melhor compreensão da dinâmica da ciência. Tanto na
historiografia positivista das Ciências, quanto no ensino tradicional de ciências,
comumente notamos que a importância em se conhecer o passado reside na busca
pela “verdade”, pelo “conhecimento vencedor”. Entretanto, a fecundidade da reflexão
histórica sobre o conhecimento reside menos na apresentação do “sucesso” das
teorias e personalidades, e mais na potencialidade que a História das Ciências possui
em analisar a produção de um dado conhecimento, a partir de sua relação com o
contexto social, cultural, intelectual, religioso e político-econômico no qual este
conhecimento foi engendrado e desenvolvido. E esta análise contribui decisivamente
para uma reflexão mais crítica sobre o “fazer” científico e sobre sua condição de objeto
sócio-cultural de uma determinada sociedade, permitindo uma educação científica
mais crítica e cidadã.
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A ciência, enquanto discurso humano sobre a natureza, reflete a construção e
organização dos conhecimentos sobre o mundo natural em determinado período. A
organização destes conhecimentos em torno a uma lógica própria consiste na
produção do conteúdo que esta área do conhecimento/ciência irá se deter. Deste
modo, o conteúdo científico é selecionado, organizado e construído pelo homem,
atendendo aos anseios, as necessidades e as experiências culturais do seu tempo
histórico. O conhecimento científico não é autônomo em relação ao homem, como os
positivistas entendiam a ciência, mas possuí uma natureza histórica.
“La naturaleza en sí misma no esta fraccionada y dividida en objetos y fenómenos
científicos. Es la ciencia la que constituye su objeto a partir del momento en que
inventa un método para construir, a través de proposiciones susceptibles de ser
compuesta integralmente, una teoría [...].” (CANGUILHEM, 2009, p.205)
Assim, a historiografia tradicional apresentou-se eficiente no ensino de
ciências, na medida em que valorizava uma idéia simplista de prática científica: uma
mente brilhante "descortinava" o saber contido nos fenômenos naturais elaborando
uma teoria científica de sucesso. A mitificação do cientista e da ciência pareciam
eficazes ao ensino de ciências, pois consolidava e justificava os altos investimentos
em ciência e a obrigatoriedade do ensino de ciências. Nesta abordagem a História das
Ciências servia como instrumento para apresentar as curiosidades das personalidades
e processos científicos e para legitimar a verdade contida em determinado evento
científico, reforçando o culto à razão e a lógica da monocultura, através da crença de
que a ciência poderia solucionar todas as necessidades individuais e sociais.
“O positivismo levou ao "vício pela ciência" ou cientificismo que se apoia nas
convicções de que há uma ciência, actual ou potencial, para tratar com todos os
problemas, e de que a ciência descobre e descobrirá inteiramente a verdade
identificada à realidade concreta do mundo em que vivemos.” (SANTOS, 2009, p.533).
Nas décadas de 1970 e 1980 uma renovação historiográfica atingiu a História
das Ciências através dos Social Studies of Science e, intensificou-se atualmente, com
a abordagem da Histórica Cultural das Ciências. A expressão História Cultural das
Ciências parece, a muitos, algo contraditório, pois reúne em seu escopo idéias
tradicionalmente tidas como opostas: cultura e ciência (PIMENTEL, 2010). Para estes,
a primeira seria entendida como espaço da subjetividade, do criativo, e a segunda,
como produção orientada pela racionalidade, pelo método e pela objetividade. Esta
contradição inicial é esvaziada quando refletimos a ciência como produção embasada
pelo cultural e, cultural compreendido como o conjunto de saberes, valores, crenças,
expectativas, ações e normas convencionais de uma sociedade (SANTOS, 2009). A
ciência entendida como cultura não seria apenas um conjunto de saberes
especializados, produtores de teorias e metodologias, mas uma construção humana
sobre os fenômenos do mundo natural a partir de elementos de seu universo cultural,
possuindo uma relação dialógica com a sociedade em que é produzida, pois a ciência
sofre e exerce impactos sócio-político-econômicos e culturais na mesma. Desta forma,
a História Cultural das Ciências intenta construir um relato histórico acerca do
conhecimento produzido pelos homens em sintonia com os significados culturais que
engendraram o conhecimento em questão, analisando os impactos que o mesmo
apresentou à sociedade que o construiu.
Esta nova vertente historiográfica opõe-se a tradicional relação indicada entre a
História das Ciências e a História das Idéias. A historiografia tradicional era
caracterizada pelo culto à ciência moderna ocidental, centrada na grande narrativa e
nos heróis que "descobriram" as teorias e explicações sobre os fenômenos naturais,
enfatizando os "resultados" do conhecimento sobre o mundo. Estas características
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dividem radicalmente as duas vertentes historiográficas. A História Cultural das
Ciências pauta-se pela dimensão cultural dos estudos históricos sobre a ciência, seus
significados, contradições e contextos próprios, enfocando os diversos contextos de
engendramento do conhecimento em questão. A ciência positivista era vista como
universal e permanente, única expressão do conhecimento humano sobre a natureza,
enquanto que a História Cultural apresenta a ciência como uma realidade mutável e
diversa, tanto quanto são as culturas diversas e mutáveis (PIMENTEL, 2010). Assim,
antes de entender a ciência na cultura humana, ela passa a ser vista como cultura.
Esta nova visão sobre a ciência promove novos entendimentos sobre a atividade
científica e seu papel na sociedade contemporânea: "[...] la antigua historia de la
ciencia se ocupaba de las ideas y la palabra escrita, frente a la nueva historia cultural
de la ciencia, más interesada por las prácticas y las imágenes." (PIMENTEL, 2010,
p.422).
Para esta vertente historiográfica o conhecimento científico deve ser
apresentado como uma prática sócio-cultural e deve fomentar reflexões acerca de
suas implicações na sociedade e no meio ambiente,
“El problema del conocimiento científico y de la innovación tecnológica no se puede
reducir a los tradicionales debates epistemológicos própios de la filosofía de la ciencia,
y la pregunta por la naturaleza de la ciencia moderna no puede limitarse a una
discusión sobre el método científico, sino que requiere examinar la ciencia, los
científicos, sus instrumentos y sus instituciones en acción y sin perder de vista el
entorno social, político, económico y cultural en el cual tienen lugar la producción,
circulación y usos de nuevos conocimientos.” (NIETO OLARTE, 2004, p. 134)
Neste sentido, a História Cultural das Ciências apresenta variadas
possibilidades para o ensino de ciências, especialmente através de sua reflexão
acerca da prática científica e da produção da ciência enquanto objeto sócio-cultural,
transformando-se de ferramenta didática em veículo reflexivo para os jovens que
vivem uma contemporaneidade marcada decisivamente pela tecnociência e pelos
seus impactos sócio-econômico-ambientais.
A historicidade das ciências: contribuições para uma educação científica
A indicação mais usual da relação entre História das Ciências e Ensino de
Ciências confere a primeira uma situação de “aliada”, “estimuladora”, “dispositivo
didático” à segunda. Esta condição acessória da História das Ciências é
complementada comumente por uma condição ilustrativa. Conforme Scoaris (2009)
apresenta a História das Ciências “favoreceria o processo de ensino-aprendizagem de
ciências”, tornando-a mais estimulante. A indicação de que a História das Ciências
poderia ser um instrumento eficaz na aprendizagem dos conteúdos científicos remonta
aos estudos da década de 40 do norte-americano James Conant, que também
apresentou o potencial da história em influenciar a população em geral quanto à
importância do financiamento da ciência ou de sua contribuição para a elevação da
qualidade de vida e economia dos países em desenvolvimento (VIDEIRA, 2004). Esta
visão reforça uma imagem utilitarista da história, onde a sucessão de anedotas e
cronologias históricas poderia contribuir na eliminação do “enfadonho” na
aprendizagem de ciências. Acreditamos que, além de equivocada, esta posição
tradicional empobrece a real contribuição da História das Ciências para uma educação
científica eficaz e reflexiva.
Um exemplo importante da distorção da relação História das Ciências e ensino
de conteúdos científicos está presente em grande parte dos livros didáticos. As
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imagens de acontecimentos e personalidades são apresentadas de forma anacrônica,
despregando o “fazer” científico de sua condição histórica. Comumente o “vírus do
precursor”, conforme discutido acima, contamina as narrativas, sempre moldadas pela
visão de que o desenvolvimento da ciência ocorre de forma autônoma, progressiva e
linear. Esta percepção de cunho positivista elimina a potencialidade de se propiciar
aos alunos uma educação científica reflexiva sobre o fazer científico e seu impacto na
sociedade contemporânea. Quando a ciência passa a ser entendida como produção
humana em processo e seu discurso percebido como uma importante ferramenta
política e econômica seu ensino assume um papel primordial na educação dos jovens
- incentivando uma postura mais crítica, reflexiva e cidadã - e transformando o "ensino
de ciências" em "educação científica".
“El conocimiento no es resultado de mentes aisladas o individuos geniales, sino que se
trata de prácticas colectivas, procesos en los cuales son inherentes factores sociales
amplios y complejos. En este orden de ideas, los resultados de las prácticas científicas
y sus efectos políticos no son externalidades o consecuencias de los malos o buenos
usos de la ciencia por parte de la política, sino que la ciencia y la tecnología deben ser
entendidas como una práctica política en sí misma.”(NIETO OLARTE, 2004, p.135)
O direcionamento do ensino de ciências através de um viés histórico salienta
as importantes conexões entre produção da ciência, demanda social e interesses
políticos. Compreender o científico como prática social e cultural desmistifica a ciência
como construção imparcial e neutra em relação ao contexto histórico, contrapondo-se
a uma imagem tradicional que impõe à ciência uma condição de apolítica, neutra e
imune ao contexto cultural e ideológico.
Além de compreender como, quem e por que se desenvolveu o conhecimento
humano, a importância da História das Ciências reside na análise da historicidade do
discurso científico. Para Canguillem (2009) o objeto da História das Ciências deve ser
a historicidade do discurso científico e não os feitos da ciência. Assim, a História das
Ciências não deve possuir como temática principal um objeto natural ou científico, mas
debruçar-se sobre a historicidade do discurso e prática científica, apresentando-os
como objeto cultural de um dado tempo e localidade. A consciência da historicidade
da prática e do discurso científicos favorece a reflexão dos estudantes efetivando uma
educação científica necessária para a vida em sociedade na contemporaneidade.
Além de sua potencialidade na educação científica, esta reflexão poderia vitalizar a
consciência dos próprios cientistas sobre sua atividade,
Neste sentido, a História das Ciências desempenharia um papel essencial na
formação crítica e cidadã, tanto dos profissionais das ciências, quanto dos estudantes,
através da exploração de uma de suas características mais marcantes: a
interdisciplinaridade. De acordo com Santos (2009) o ensino de ciências numa
perspectiva de "ciência pura" é forçosamente muito diferente do ensino da ciência
numa perspectiva de "ciência como cultura", de uma "ciência em contexto". Esta nova
mentalidade sobre a ciência propicia e requer uma nova educação científica.
“Um esforço para que a imagem escolar de ciência corresponda, cada vez menos, à
imagem escolar canônica de uma disciplina neutral e objectiva, tansmitida de geração
em geração - imagem que ignora aspectos funcionais e pragmáticos do saber e que
surge desligada de questões sociais, filosóficas, políticas, económicas e éticas.”
(SANTOS, 2009, p.534).
O ensino disciplinar de ciências, devido a sua tradicional dispersão, preocupase muito pouco com uma abordagem que fomente a cidadania. Esta situação
apresenta-se sobremaneira equivocada, já que ciência & tecnologia são marcos
fundamentais da sociedade em que se insere o aluno, e este mesmo aluno será futuro
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gerenciador da sua sociedade. Assim, faz-se urgente uma transformação no ensino de
ciências a partir de uma educação científica que privilegie uma formação reflexiva e
cidadã.
“Construir ambientes educativos que sejam eles próprios ambientes de cidadania, e
permear o ensino substantivo da disciplina de princípios e valores que penetrem em
questões relacionadas com alguns conteúdos da ciência, com a sua natureza e
estatuto e com o lugar da história da ciência no ensino da ciência, não é subestimar a
dimensão conceptual da disciplina, mas complementa-la com a dimensão formativa.”
(SANTOS, 2009, p.534).
Para Santos (2009) a educação científica cidadã deve se afastar da matriz
disciplinar tradicional e construir um espaço educacional de ciências aproximado do
ensino CTS (ciência-tecnologia-sociedade). A educação científica escolar embasada
pela visão de "ciência pura" não prepara o aluno para a cidadania crítica, ao contrário,
reforça a visão mítica sobre a ciência, tornando-o despreparado para a solução dos
problemas técnicos, sociais e ambientais que a tecnociência irá apresentar em seu
futuro. Deste modo, faz-se urgente a transformação na educação científica escolar
vigente visando à instrumentação dos futuros cidadãos para os desafios que a
contemporaneidade irá oferecer, preparando-os através de um "conhecimento
emancipação".
Deste modo, a ciência não é algo natural, mas uma produção histórica, uma
prática historicamente condicionada. Uma atividade cultural de uma dada sociedade
em um determinado tempo/espaço. Neste sentido, a importância da contextualização
histórica e social da ciência reside na “significação” que a mesma oferece ao seu
aprendizado. A História das Ciências não deve servir à aprendizagem dos conteúdos
científicos, mas capacitar o aluno para a reflexão do desenvolvimento científico e
tecnológico e suas relações com a sociedade. Neste sentido, apresentamos uma
proposta alternativa à inserção das discussões historiográficas aos conteúdos
científicos, através de reflexões que privilegiem uma História das Ciências
problematizadora e vinculada ao contexto sócio-cultural. Acreditamos que apenas uma
História das Ciências que considere as ciências como artefato sócio-cultural
conseguirá atender às exigências educacionais e aos desafios ambientais e sóciopolíticos que nossa sociedade enfrentará com o crescente desenvolvimento da
tecnociência. Esta educação científica inovadora pressupõe a aprendizagem não
apenas dos conteúdos da ciência, mas também a reflexão sobre a “natureza da
ciência” (MATTHEWS, 1992), seus condicionantes históricos e seus impactos na
contemporaneidade.
“Encarar a ciência como uma parte fundamental da cultura contemporânea patrimônio cultural da humanidade - implica reconhecer que a ciência e a tecnologia
são valiosos empreendimentos humanos, apreciar as suas possibilidades e valores,
mas também os seus limites. A necessária consciência dos limites e "impurezas" da
ciência não impede o reconhecimento do valor e especificidades das diferentes
ciências historicamente constituídas. Não deve conduzir ao relaxamento na ordem e
rigor do conhecimento científico. Questionar as contradições e ambivalências éticas da
ciência não é impeditivo de ponderar o grande valor de um conhecimento que está
constantemente a pôr-se em causa, a problematizar as suas "certezas", a exigir
provas e contra-provas para os seus discursos.” (SANTOS, 2009, p.532)
Considerações Finais
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Acreditamos que o ensino de ciências possui dificuldades intrínsecas e sua
superação não está condicionada à introdução de discussões históricas. Neste
sentido, discordamos da visão de que a História das Ciências poderia servir como
instrumento pedagógico ou facilitador na aprendizagem dos conteúdos científicos. A
atuação da História das Ciências é além e aquém desta visão: menos na consolidação
de conteúdos e muito mais na reflexão dos significados do conhecimento/ciência para
as sociedades de outra temporalidade ou espacialidade, e da nossa atual. A História
das Ciências episódica, centrada nos “resultados” e na valorização das descobertas e
teorias, apenas atende à condição de “bagagem cultural” aos estudantes e público em
geral. Para perseguirmos o objetivo de educar cidadãos mais críticos e reflexivos
sobre a prática científica devemos adotar uma História das Ciências que privilegia o
social e o cultural como âmbitos intrínsecos à prática científica, ou seja, a
compreensão do conhecimento como expressão humana no entendimento da
realidade natural que o envolve. Neste sentido, poderemos caminhar em direção a
uma educação científica eficaz e reflexiva que colabora na instrumentação dos alunos
a uma cidadania efetiva.
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