Universidade Estadual de Maringá
29 de Junho a 02 julho de 2015
ISSN 2236-1855
JOSÉ OLYMPIO E A EDIÇÃO DE UMA COLEÇÃO PARA MENINA E MOÇA (1934
– 1960)
Márcia Cabral da Silva (Faculdade de Educação/UERJ)
[email protected]
Introdução
Este estudo traz um recorte de uma pesquisa mais ampla, por meio da qual se
examinam representações de gênero e de leitura na Coleção Menina e Moça publicada pela
Livraria José Olympio Editora. Constituía-se de romances traduzidos da Bibliothèque de
Suzette editada por Gautier & Languereau no contexto francês, cujos livros destinaram-se às
crianças no período de 1919 a 1965. A emergência dessa biblioteca relaciona-se de modo
específico ao jornal La Semaine de Suzette. Jornal semanal ilustrado destinado às meninas
francesas de classe média, cujo padrão de comportamento estava regulado pelo o que era
considerado, então, boas maneiras e civilidade.
Sabe-se que, ao longo da história editorial, os tipógrafos, os impressores, os editores
dedicaram-se a uma arquitetura da edição em coleções (Olivero, 1999; Mollier, 2008). No
Brasil, os anos de 1920 e de 1930 acompanharam essa tendência. No caso do objeto
específico examinado, almeja-se responder às seguintes perguntas: quais estratégias foram
acionadas para produzir e fazer circular uma coleção destinada à educação de meninas e de
moças no contexto brasileiro no período examinado? Que especificidade a coleção
apresentava para esse segmento social no âmbito das demais publicações da editora? De fato,
em meio às publicações examinadas nos catálogos da editora de 1946 e de 1949, destaca-se
uma única coleção voltada a esse público leitor: a Coleção Menina e Moça, lançada no Brasil
em 1934, pela Livraria José Olympio Editora. Conforme indica Hallewell (1985), José
Olympio muda-se de São Paulo para o Rio de Janeiro e, em 1934, transfere as instalações da
editora para a Capital Federal. Ali, o editor expande os negócios editoriais. Na ocasião, o
mercado para literatura estava crescendo rapidamente. Alguns dados são esclarecedores: o
editor, em 1933, lançara apenas oito livros; em 1934, publicou trinta e dois; em 1935,
cinquenta e nove e, em 1936, foram lançadas sessenta e seis novas edições da José Olympio,
o que permite considerá-lo um dos mais proeminentes editores nacionais no campo de edições
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literárias e livros não didáticos no período examinado. 1 Desse conjunto, como observado,
anuncia-se uma coleção voltada para a categoria social denominada menina e moça.
A Coleção Menina e Moça na produção da Livraria José Olympio Editora.
A Coleção Menina e Moça emerge em 1934, mesmo ano em que o editor paulista José
Olympio Pereira Filho, nascido em Batatais, transfere-se de São Paulo para o Rio de Janeiro,
estabelecendo sua livraria editora na rua do Ouvidor, nº 110. Em meio à revolução de 1930,
em um contexto de intensa convulsão social, a década de 1930 foi próspera para o lançamento
de coleções que objetivaram discutir os problemas nacionais. Por parte da Livraria José
Olympio Editora, houve a produção da Coleção Documentos Brasileiros, brasiliana lançada
em 1936, o mesmo já havia ocorrido por parte da Companhia Editora Nacional e sua
brasiliana lançada em 1931, a Schmidt com a coleção Azul, também a Martins com a
Biblioteca Histórica Brasileira, como aponta Fanzini (2010). Ao lado dessa vertente, houve
também grande investimento na produção de romances em coleções por parte de pequenas
editoras e também daquelas com maior projeção no campo editorial, conforme a trajetória da
Livraria José Olympio Editora indica. Essa tendência se justifica, de um lado, pelos objetivos
do mercado editorial em atingir um público cada vez mais amplo por meio da estratégia de
segmentá-lo: livros para crianças, para meninas e moças, para senhoras, para o leitor católico,
entre outros.
O exame do catálogo de 1949 da Livraria José Olympio Editora apresenta um sumário
com um corpus bastante estratificado, que, em fins da década de 1940, corrobora a tendência
geral a esse respeito.
Índice Geral dos livros pelas coleções e pelos assuntos: Arte Culinária, p.60; Aviação, p.133;
Biografia, perfis e memórias, p.147; A Ciência da Vida, p.102; Coleção A Ciência de Hoje
(divulgação científica), p.88; Coleção Documentos Brasileiros (história do Brasil), p.1;
Coleção de Contos Brasileiros, p.126; Coleção de Contos Estrangeiros, p.135; Coleção de
Obras Educativas, p.66; Coleção de Romances Brasileiros, p.24; Coleção Fogos Cruzados
(romances estrangeiros), p.10; Coleção Memórias, Diários e Confissões, p.43; Coleção
1
Para além da ampla pesquisa sobre editoras e mercado editorial em contexto brasileiro desenvolvida por
Hallewell (1985), merecem nota alguns outros trabalhos sobre a projeção de José Olympio nesse campo:
PEREIRA, 2009; SOARES, 2006; SORÁ, 1998; FRANZINI, 2010.
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Menina e Moça (romances para a juventude), p.168; Coleção O Romance da Vida (biografias
e memórias). P.108; Coleção Rubayat (poemas universais), p.96; Crítica e História Literária –
Biografia e Memórias de Escritores – Ensaios Literários, p.79; Crónicas, p.131; Direito, p.151;
Economia, p.158; Educação, p.158; Ensaio, p.158; Filosofia, p.158; A Grã-Bretanha Ilustrada,
p.136; História (geral e livros avulsos sobre o Brasil), p.128; Literatura Religiosa – Livros
Recomendáveis ao Leitor Católico, p.137; Literatura de Guerra, p.136; Livros Didáticos,
p.116; Livros Diversos, p.158; Livros de Luxo, p.49; Livros para a Infância e a Juventude,
p.59; Livros Recomendáveis para Senhoras e Senhoritas, p.117; Mar de Histórias (contos
universais), p.135; Medicina- Literatura Médica, p.154; Poesia Brasileira – Biografias e
Memórias de Poetas – Crítica e História da Poesia, p.63; Política – Problemas
Contemporâneos, p.163; Romances para a Mulher Moderna, p.54; Sociologia, p.158, Teatro,
p.52; Viagem, p.52. (Catálogo da Livraria José Olympio Editora, 1949, s/p)
Necessário observar, no índice transcrito acima, os níveis de segmentação dos livros
segundo diferentes entradas: 1- assunto: culinária, aviação, ciência, viagem – 2- área de
estudo: Literatura, Educação, Filosofia, Sociologia, Medicina, Política, Teatro –3- público
pretendido: infância, juventude, menina, moça, mulher, senhora, senhorita, leitor católico. O
nível de segmentação que importa em particular para o estudo em tela compõe os títulos
destinados ao público feminino: menina e moça, senhoras e senhoritas e mulher moderna.
O fortalecimento desse segmento pode ser justificado a partir de algumas inflexões na
vida social. Em primeiro lugar, nos anos de 1930, já se identifica uma participação mais
expressiva das mulheres na indústria, nos serviços terciários. O mundo do trabalho torna-se
mais complexo, diversificado, e, nessa direção, homens e mulheres de todos os segmentos
sociais passam a exercer atividades profissionais as mais diferenciadas na sociedade. Em
segundo, as transformações da vida urbana são de natureza econômica, política, como o
direito de voto conquistado pelas mulheres em 1932, mas, em grande medida, são também
relacionadas à esfera cultural. Além da ampla circulação de jornais periódicos observados na
então capital federal desde o século XIX, nas três primeiras décadas do período republicano,
identifica-se uma forte demanda pelas revistas especializadas, assim como pelas revistas de
variedades (Martins, 2001). É nesse contexto, inclusive, que emerge e se consolida a
publicação mensal Revista Feminina (1914 -1936), fundada por Virgilina Salles Pinto. Dentre
as revista destinadas ao público feminino, talvez este seja o caso mais emblemático pelo
desenho e longevidade no período. Conforme sublinha Besse (1999), trazia os mais variados
assuntos de apelo ao público feminino: seção de cartas, conselhos, crônicas, propagandas
sobre moda, cosméticos e, segundo um forte direcionamento de papéis sociais, matéria sobre
o que se deveria oferecer como leitura às mulheres do Brasil. Em síntese, reforçavam-se
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representações sobre um tipo idealizado de mulher moderna frente àquela modernidade
delineada no período e corroborada pelos editores.
No entanto, na esfera da cultura e no que diz respeito aos materiais de leitura,
destacam-se igualmente os romances. Se retornarmos à observação do sumário registrado no
catálogo de 1949 da Livraria Editora, salta à vista os tipos de romances direcionados ao
público feminino, com recorte de idade de modo mais evidente: 1- Coleção Menina e Moça
(para a juventude), 2-Livros Recomendáveis para Senhoras e Senhoritas e, por último, 3Romances para a Mulher Moderna. Essa orientação da Livraria José Olympio Editora
delimitava claramente os livros produzidos para o segmento feminino e leva-nos uma vez
mais às seguintes indagações: quais estratégias foram acionadas para produzir e fazer circular
uma coleção destinada à educação de meninas e de moças no contexto brasileiro no período
examinado? Que especificidade a coleção apresentava para esse segmento social no âmbito
das demais publicações da editora?
Estratégias discursivas e elementos materiais na Coleção Menina e Moça
De início, verificam-se estratégias discursivas utilizadas pelos editores, coordenadores
das coleções, capazes de impor certa ordem do discurso por meio da qual se objetiva a
recepção do impresso. Em toda sociedade a produção do discurso é concomitantemente
controlada, selecionada e organizada, de modo a ser disseminada por procedimentos, cuja
função dominaria o acontecimento aleatório, conjuraria poderes e perigos (Foucault, 2010).
Na linha dessas considerações, convém pensar os discursos na condição de cadeias
discursivas das quais emergem dispositivos reguladores, jogos de disputa pela ordem da
palavra, segundo a chave, cuja ênfase acentua a tensão entre saber e poder.
As estratégias discursivas e, em grande medida, educativas apareciam veiculadas nos
paratextos 2 dos livros da Coleção Menina e Moça. O prefácio, por exemplo, anunciava o
material para as leitoras: “Os mais encantadores romances para a juventude feminina. Coleção
Menina e Moça – 10 a 16 anos”. “Única Existente no Brasil”. Verificava-se, de modo
2
Em que pese a diferenciação estabelecida por Genette (2009), neste estudo utilizarei o termo genérico
paratexto, para me referir aos elementos periféricos ao texto.
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análogo, poema do consagrado escritor Machado de Assis 3, que buscava definir, o que se
compreendia à época por público feminino na faixa etária delimitada entre 9/10 e 16/17 anos:
Está naquela idade inquieta e duvidosa, que não é dia claro e é já o alvorecer, entre-aberto
botão, entre-fechada rosa, um pouco menina e um pouco de mulher. Às vezes recatada, outras
estouvadinha, casa no mesmo gesto a loucura e o pudor; tem cousas de criança e modos de
mocinha, estuda o catecismo e lê versos de amor (...). É que esta criatura adorável, divina, nem
se pode explicar nem se pode entender: procura-se a mulher e encontra-se a menina, quer-se
ver a menina e encontra-se a mulher! (De Poesias Completas, Falenas).
O conceito, por um lado, referia-se à idade inquieta e duvidosa, “entre-aberto botão,
entre-fechada rosa”, o que sugere status indefinido entre a condição de menina e o lugar da
mulher. Por outro, esse grupo social era designado como recatado e estouvado, imprimindo
condição ambígua no que diz respeito à menina e à moça, que lê o catecismo ao mesmo
tempo em que se interessa por versos de amor. Inseridas as delimitações quanto ao público
leitor previsto – menina e moça em fase transitória da vida: não é ainda mulher, tampouco
menina; idade dúbia, pois “não é dia claro e já é alvorecer” – as estratégias discursivas
acentuavam, em seguida, os aspectos relacionados à materialidade da obra acrescidos do tipo
de conteúdo e finalidades da coleção.
Anunciavam-se romances, com cerca de 200 páginas, de refinada qualidade gráfica,
“com belas histórias e por um preço acessível”, por hipótese, para as mulheres das classes
médias e alta visadas, com preços que oscilavam entre 12,00 e 24,00 cruzeiros, conforme a
opção da leitora em adquiri-lo em brochura ou em “bela” encadernação:
OS ROMANCES DA JUVENTUDE FEMININA
COLEÇÃO MENINA E MOÇA
As mais lindas histórias para a mais difícil quadra da vida feminina. Pequeninos romances de
200 páginas por todos os títulos dignos de estar em todas as mãos: 1- por seu fundo moral
indiscutível; 2-seu excelente acabamento gráfico; 3- suas qualidades literárias; 4- suas
traduções vivas e corretas (...). Cada volume em brochura: 12,00. Em bela encadernação:
24,00 (CATÁLOGO DA LIVRARIA JOSÉ OLYMPIO EDITORA, 1946, p.41)
3
Trata-se das notas introdutórias registradas no volume Senhorita Indesejável (1947), que se iniciam com
Menina e Moça, poema de Machado de Assis.
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Note-se, em acréscimo, que a organização das obras em coleção, do ponto de vista
editorial, atende ao gosto dos leitores e também aos critérios econômicos, tal como a tradição
deste tipo de formato sugere: pelo tipo e qualidade do papel de baixo custo selecionado; pelo
formato do livro em proporções menores. Não é de se estranhar, portanto, que os editores
tenham usado esse artifício ao longo da história editorial visando à disseminação dos livros,
como se pode constatar no caso francês ao longo do século XIX, segundo as pesquisas
desenvolvidas por Jean Yves Mollier em particular (2008), assim como nas primeiras décadas
do século XX no Brasil, como acompanhamos no caso da Livraria José Olympio Editora em
exame.
Além desse aspecto de ordem econômica, a equipe editorial investia nas estratégias
de persuadir as leitoras. Observem-se alguns desses discursos:
LEITORA:
Já sabemos que V. se tornou, decididamente, uma “fan” do nosso extraordinário Sir Jerry. E
não é para menos, pois nós também o admiramos muitíssimo. Admiração que cresceu mais
ainda depois que lemos esta outra aventura do simpático detetive;
O INEVITAVEL SIR JERRY.
Desta vez o nosso herói sai-se maravilhosamente de um caso complicadíssimo, de que fazem
parte um velho avarento, sua filha Mariquita e o genro. Sir Jerry é encarregado de descobrir
uma criança raptada, e é aí então que começa toda a trama que a empolgará do começo ao fim.
E é claro que os auxiliares de Sir Jerry – Jerry Júnior e Mérouji – aí estão, firmes e decididos,
ajudados agora pelo pequeno Pépin, já nosso conhecido em SIR JERRY DETETIVE, lembrase? Pois é com a colaboração dessa “gentinha” que Sir Jerry vem a descobrir um dos maiores
casos da sua brilhante carreira de detetive amador.
Não deixe, pois, de ler a movimentadíssima história desta série,
O INEVITAVEL SIR JERRY,
que tem o nº 10 da sua já indispensável Coleção. (GIRAUD, 1947, última página)
Convém, de início, notar como o tom de diálogo e de informalidade conforma os
enunciados: “Já sabemos que V. se tornou” (...). “E não é para menos”. Em seguida, os
editores posicionam-se no mesmo lugar enunciativo onde se situa a leitora, tornando-se eles
também leitores: “(...) depois que lemos esta outra aventura do simpático detetive.” Essas
estratégias discursivas acabam por aproximar locutor e interlocutor, estabelecendo forte
estratégia de adesão ao que está sendo enunciado.
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Em acréscimo, de modo a ampliar os níveis de adesão ao discurso proferido, utiliza-se
uma vez mais a estratégia de envolver o interlocutor nas cadeias discursivas, visto que: “Desta
vez o nosso herói (....)” ou “(...) ajudados pelo pequeno Pépín, já nosso conhecido em SIR
JERRY DETETIV, lembra-se?”
A esse respeito, note-se a inserção de uma voz retórica que utiliza adjetivos e
superlativos, cuja função é a de se exagerar o tom das descrições, como se pode examinar em:
“extraordinário”, “muitíssimo”, “complicadíssimo”, “movimentadíssima”.
Os romances eram arquitetados, pois, para prender a atenção pela construção do
enredo, desde que os níveis de “advertência moral e os ricos ensinamentos” estivessem
também garantidos. Na retórica dos catálogos e dos paratextos dos livros, por meio da qual se
afiançava o tipo de linha editorial estrategicamente pensado para meninas e moças, podia-se
observar que as leitoras teriam nas mãos romances “encantadores”. Entretanto, pretendia-se
assegurar de maneira análoga a dosagem certa entre a fantasia e as sóbrias leis do mundo real.
Sim, para evitar-lhe futuros dissabores sérios, procure orientar a leitura de sua filha com
romances que a encantem, mas que sejam de absoluta confiança. Romances que contribuam
para aprimorar-lhe o caráter, que o ajudem decisivamente na formação moral sadia de sua
filha, romances que o auxiliarão a fazer do lindo “entre-aberto botão, entre-fechada rosa”, uma
leitora de bom-gosto e uma mãe de família firmemente orientada. (CATÁLOGO DA
LIVRARIA JOSÉ OLYMPIO EDITORA, 1949, p. 168-169).
Merece atenção, no entanto, o fato de que o projeto relativo à coleção indicasse
arquitetura peculiar, visto que as estratégias editoriais não se resumem em direcionar a
atenção para os elementos internos da narrativa. Necessário considerar, sobretudo, os aspectos
materiais do impresso, pois, como Chartier (1996) adverte:
Com efeito, podemos definir como relevantes à produção de textos as senhas, explícitas ou
implícitas, que um autor inscreve em sua obra a fim de produzir uma leitura correta dela, ou
seja, aquela que estará de acordo com sua intenção. Essas instruções, dirigidas claramente ou
impostas inconscientemente ao leitor, visam definir o que deve ser uma relação correta com o
texto e impor seu sentido (...). Mas essas primeiras instruções são cruzadas com outras trazidas
pelas próprias formas tipográficas: a disposição e a divisão do texto, sua tipografia, sua
ilustração. Esses procedimentos de produção de livros não pertencem à escrita, mas à
impressão, não são decididas pelo autor, mas pelo editor-livreiro e podem sugerir leituras
diferentes de um mesmo texto. (p.95-96)
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A estreita relação entre leitor e aspectos físicos da obra faz parte de uma longa
tradição na história do livro. Trata-se da associação que mantém unidos autor, obra e leitor
pelas convenções materiais do impresso, arquitetadas, em grande parte, pelo editor, elemento
do circuito da comunicação (Darnton, 2010) o mais atento às demandas do mercado.
As estratégias de sedução do leitor pelo mecanismo de organização das obras em
séries e em coleções têm sido estudadas por diferentes perspectivas que tomam o livro e a
leitura como objetos de investigação ao longo da história editorial, da história da leitura,
assim como da história da educação.
Conforme pesquisas no campo da edição (Hallewell, 1985; Olivero, 1999), por um
lado, as séries e as coleções visam a um público específico e, em função desse público, são
pensados protocolos inscritos nos livros, como as imagens impressas nas capas, os prefácios,
os títulos, os tipos de letras. Por outro, são planejados o conteúdo da obra, a temática, os
personagens que se repetem de um título a outro, como observado no caso dos romances que
compõem a Coleção Menina e Moça 4, além da escolha de nomes legitimados no campo para
compor o conselho editorial das coleções ou mesmo coordená-la. Educadores, como Arnaldo
Oliveira Barreto e Manoel Bergström Lourenço Filho, por exemplo, foram convidados a
dirigir diferentes coleções que a Melhoramentos viria a publicar ao longo das primeiras
décadas do século XX, dedicadas à ficção para crianças, manuais escolares e textos sobre
Educação (Soares, 2010).
Ainda, no que diz respeito a políticas editoriais voltadas ao investimento em coleções
para o público examinado, merecem destaque as estratégias desenvolvidas por parte da
Companhia Editora Nacional no mesmo período. A Biblioteca Pedagógica Brasileira, criada
em 1931 pela Companhia Editora Nacional em consonância com o projeto político de nação,
cuja máxima consistia em elevar o progresso ao primeiro plano, é o caso de uma dessas
coleções emblemáticas. Tratava-se de destacado projeto enciclopédico no interior da
4
Dos títulos já levantados, incluindo-se os títulos sob a guarda da Fundação Biblioteca Nacional e os do grupo
pesquisa Infância, Juventude Leitura Escrita e Educação, destaca-se o personagem sir Jerry: Sir Jerry detetive,
1947; A perigosa missão do capitão Jerry, 1948; As estranhas férias do Sir Jerry, 1954; Sir Jerry na Bretanha,
1954;
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Companhia Editora Nacional, como mostram estudos no campo da história da edição, da
história da educação 5. Não é de se estranhar, portanto, que uma das iniciativas da editora
consistisse na organização cuidadosa desta coleção: em cinco séries, com ênfase em literatura
infantil, em obras didáticas, em atualidades pedagógicas, em iniciação científica e brasiliana
(Silva e Paiva, 2012).
No que diz respeito à política editorial que traz à lume “qualidade literária ao lado do
nível moral” com vistas à “mais difícil quadra da vida feminina”, José Olympio e equipe
ordenavam o material sem perder de vista diferentes ângulos do circuito da comunicação,
como aponta Darnton (2010): o da produção, como o conteúdo e materialidade dos romances
indicam; o da circulação, conforme as propagandas registradas nos catálogos e nos paratextos
ilustram 6.
Considerações finais
No projeto das coleções arquitetadas pela Livraria José Olympio Editora, nos anos de
1930, houve significativo investimento para o público feminino: meninas e moças, senhoras e
senhoritas; mulher moderna. No entanto, a coleção Menina e Moça, “única no mercado”,
despertaria o gosto pelo que se considerava “romances deliciosos”, sem que se
desconsiderasse o aprimoramento do caráter, haja vista o fundo moral dos romances
traduzidos sob medida para a juventude feminina brasileira. Nessa linha de consideração, é
possível inferir que os discursos veiculados nos diversos suportes que visavam à disseminação
da coleção colocavam em relevo a representação das leitoras modelos a serem seduzidas:
meninas, moças, estouvadas, sonhadoras, “entre-aberto botão”, “entre-fechada rosa”.
Em acréscimo, os resultados alcançados indicaram tratar-se de uma coleção bem
arquitetada no que diz respeito ao formato coleção em brochura e encadernada, endereçada ao
5
Ver a esse respeito pesquisas desenvolvidas por CARVALHO (2003, 2005), CARVALHO E TOLEDO (2007)
e TOLEDO (2010).
6
A literatura sobre a historiografia do livro tem enfatizado a recepção como uma dimensão importante do
circuito do impresso. Entretanto, nos limites desta pesquisa, examinam-se apenas a produção e a circulação da
Coleção Menina e Moça.
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público feminino na faixa etária entre 9/10-16/17 anos de idade, cuja condição, na perspectiva
da equipe editorial, oscilava entre um misto de menina e a condição de mulher.
Por último, os elementos materiais analisados associados aos discursos de autoridade
recorrentes conformaram a Coleção Menina e Moça de maneira peculiar, dando a conhecer
modos de se educar o público feminino pela organização dos romances em um tipo
determinado de coleção. Espera-se, pois, indicar elementos adicionais para a História da
Educação por intermédio do exame da produção e da circulação de um tipo de impresso que
educou meninas e moças no período assinalado.
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GIRAUD, Mad. H. Sir Jerry na Bretanha. Tradução de Gulnara Lobato de Morais Pereira.
Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1954.
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JOSÉ OLYMPIO E A EDIÇÃO DE UMA COLEÇÃO PARA MENINA E