A PRODUÇÃO DE CANA-DE-AÇÚCAR EM ÁREAS DE REFORMA AGRÁRIA NA PARAÍBA Emilia Moreira- UFPB [email protected] Ivan Targino - UFPB [email protected] Este trabalho é um produto da pesquisa que estuda a expansão do cultivo da cana-de-açúcar em áreas de assentamento na Zona da Mata da Paraíba-Brasil. Ele se apóia na pesquisa bibliográfica, em dados secundários e numa pesquisa direta realizada em 18 assentamentos. A pesquisa confirmou a expansão da cana em 33 PAs (29,0% do total existente na região), envolvendo 509 famílias (9,6% do total das famílias assentadas na região). Parte dessas famílias já plantava cana antes de ser assentada. A grande maioria planta além da cana, alimentos diversificados e ainda cria animais e poucas plantam apenas cana no lote. Os assentados afirmam que a produção de cana possibilita uma complementação da renda familiar e querem continuar plantando, pois, segundo eles, “a lavoura branca por si só não é suficiente para garantir a sobrevivência da família”. A cana é vendida a atravessadores ou às usinas e engenhos da região. Do preço pago por tonelada são descontados os custos de transporte e mão-de-obra para o corte. Constatou-se, que nem toda cana produzida destina-se à produção de etanol. Alguns assentamentos fornecem cana a engenhos para a produção de aguardente. As informações colhidas indicam que a atual expansão canavieira nos Projetos de Assentamento, embora represente uma nova forma de subordinação do trabalho ao capital sucro-alcooleiro, não significa necessariamente uma mera “rendição” do campesinato ao agronegócio e uma volta à tradição monocultora. Pois, ela pode também representar uma estratégia de sobrevivência da produção familiar, assegurando deste modo a permanência dos trabalhadores nesses “territórios de esperança”, duramente conquistados. Todavia, se a luta pela reforma agrária na zona canavieira tem como principal bandeira a quebra da monocultura da cana e a expansão da produção de alimentos, como lidar com a nova situação que, aparentemente, representa uma negação de todo um processo de mobilização social e de luta? Palavras chave: cana-de-açúcar; assentamento rural; reforma agrária LA PRODUCTION DE CANNE A SUCRE DANS LES AIRES DE REFORME AGRAIRE DE L’ETAT DE LA PARAÍBA Ce travail est un produit d’une recherche sur l’expansion de la canna à sucre dans les aires d’assentamento localisées dans la Zona da Mata de la Paraíba-Brésil. Il a utilisé au delà de la recherche bibliographique, des donnés secondaires et l’enquete directe réalisée dans 18 assentamentos. La recherche a confirmé l’expansion de la canne à sucre dans 33 Projets d’Assentamentos (29,0% du total existant dans la région), où se trouvent 509 familles (9,6% du total des familles assentadas dans la région). Une partie de ces familles plantait la canne avant d’être assentada. La plupart des assentados, au-delà de la canne, cultive encore plusieurs produits alimentaires et encore élève des animaux et quelques un cultivent uniquement la canne dans ces parcelles. Les assentados affirment que la production de la canne permet une complementation du revenu de la famille et veulent continuer a la cultiver une fois que, selon eux, “la plantation blanche pour soi même n’est pas suffisante pour garantir la survivance de la famille”. La canne est commmercialisée a travers des intermédiaires ou directement avec les usines et les engenhos de la région. Du prix payé pour chaque tonnes est décompté les coûts du transport et de la main-d’oeuvre utilisée pour la coupe. On a constaté, que ni toute la canne produite est destinée à la production d’étanol. Quelques assentamentos fournissent la canne a des engenhos pour la production de l’eau-de-vie. Les informations obtenues indiquent que l’actuel expansion de la canne à sucre dans les Projets d’Assentamento, nonobstant répresente uma nouvelle forme de subordination du travail au capital sucro-alcooleiro, ne signifie pas nécessairement, une simple “remise” des paysans au l’agro-negócio et un retour à la tradition monocultore. Elle peu aussi répresenter une stratégie de survivance de la production familiale, capable d’assurer de cette manière la permanence des travailleurs dans ces "térritoirs d'espoir”, durement gagnée. Toutefois, si la lutte pour la réforme agraire dans la zone de la canne-àsucre a comme principal motivation la chute de la monoculture de la canne à sucre et l’ l'expansion de la production alimentaire, quel est la manière de gérer la nouvelle situation, qui, apparemment, constitue un déni de tout un processus de mobilisation sociale et de combat? Palavras chave: canne à sucre; assentamento rural; réforme agraire. Este trabalho é um dos produtos da pesquisa desenvolvida através de uma parceria entre o Grupo de Estudo sobre Espaço, Trabalho e Campesinato (GETEC) do Departamento de Geociências da UFPB/Programa de Pós-Graduação em Geografia e a Comissão Pastoral da Terra da Paraíba (CPTPB). Ele analisa a expansão do cultivo da cana-de-açúcar em áreas de assentamento na Zona da Mata da Paraíba-Brasil com base na pesquisa bibliográfica, em dados secundários e numa pesquisa direta realizada em 18 assentamentos. O universo da pesquisa foi constituído por 66 assentamentos rurais distribuídos em 13 municípios das três subunidades espaciais da Zona da Mata Paraibana de atuação da CPT: Várzea, Litoral Sul/Agreste e Litoral Norte, totalizando 3.359 famílias de assenta- dos. Deste universo, considerou-se como “população alvo” de estudo, o conjunto de 566 famílias assentadas, plantadoras de cana-de-açúcar nas citadas regiões envolvendo os municípios de Santa Rita, Sobrado, Cruz do Espírito Santo, Sapé, Mari, São Miguel de Taipu, Pedras de Fogo, Caaporã, Alhandra, Conde Rio Tinto, Jacaraú e Mataraca (v. mapa 1). Mapa 1 A amostra para o presente estudo foi tomada em dois estágios sucessivos. Inicialmente, por critério intencional, foram selecionados dezoito (18) assentamentos com assentados que produzem cana-deaçúcar, dentre o total dos trinta e quatro (34) considerados, representando uma sub-população de N = 358 famílias. Em seguida, para o delineamento amostral das famílias de assentados a ser pesquisada, através de amostragem probabilística casual simples, adotou-se um nível de confiança de 95%, com erro máximo amostral ε = 0,08, obtendo-se o tamanho de amostra n = 106 famílias de assentados a serem pesquisados, conforme o procedimento abaixo: Cálculo do tamanho de amostra: onde: N = 358 famílias de assentados; p = 0,50 e q = 1 – p = 0,50 (valor estimado de p); Z = 1,96 percentil da normal padrão, ao niv. conf. 95%; ε = 0,08 erro máximo amostral considerado. O tamanho da amostra é, então, n = 106 e, a fração de amostragem considerada é dada por: f = n//N = 106/358 = 0,296 ou 29,6%. Tendo em vista possíveis perdas de informações no levantamento efetuado, utilizou-se um levantamento com n* = 120 famílias de assentados, havendo um acréscimo de 13,2% na amostra. A sub-população alvo é constituída pelos três estratos, a saber, as regiões: Várzea, Litoral Sul/Agreste e Litoral Norte. Sendo a amostra distribuída pelos estratos de forma aleatória (amostra casual simples) e proporcionalmente, conforme o Quadro 1, a seguir: QUADRO 1. Informações da sub-população, municípios, assentamentos e número de famílias selecionadas por assentamento (Amostra final n = 120). REGIÃO MUNICÍPIO (Estrato) (Famílias) NOME DO FAMÍLIAS ASSENTAMENTO * ASSENT. Sapé São Miguel de Taipu Famílias % Número Amostra Quest. final 104 85 23,7 25 26 132 65 18,2 19 20 Campo de Sementes 45 10 2,8 3 3 Santa Helena I 48 20 5,6 6 7 Boa Vista 160 30 8,4 9 10 Padre Gino 62 4 1,1 1 2 Amarela I 350 5 1,4 1 2 Dona Helena Espírito Santo Massangana I Várzea PLANT. CANA Sobrado Nova Vivência 48 13 3,6 4 4 Pedras de Nova Tatiane Campo Verde 27 142 5 3 1,4 0,8 1 1 2 2 Fogo Litoral Sul/ Agreste Itabatinga Fazendinha Nova Aurora Engenho Novo I 107 80 98 160 7 5 35 4 2,0 1,4 9,8 1,1 2 1 10 1 3 2 11 2 Caapora Capim de Cheiro 109 3 0,8 1 2 Litoral Norte Rio Tinto Camparte 113 56 15,6 17 18 Mataraca Uruba 270 3 0,8 1 2 38 5 1,4 1 2 2.093 358 100,0 106 120 Jacaraú Boa Esperança TOTAL 9 MUNICÍP. 18 ÁREAS (*) Assentamentos selecionados por critério intencional. O instrumento de coleta de dados utilizado foi o questionário aplicado junto a 119 famílias1 de assentados que plantam cana. Para cada questionário aplicado foi elaborado um relatório que contempla não só os aspectos inerentes ao mesmo como outras observações realizadas pelos pesquisadores. O questionário é constituído de seis blocos, contendo informações sobre variáveis de interesse para a população de estudo quais sejam: a) questões sobre o assentado (6 itens); b) questões sobre produção e venda da cana-de-açúcar (15 itens); c) questões sobre crédito para produção da cana-de- 1 Um dos questionários foi excluído por inconsistência nas informações. Assim, ampliou-se a meta de aplicação de 106 questionários previstos pela pesquisa para 119. açúcar (2 itens); d) questões sobre a organização da produção de cana-de-açúcar (10 itens); e) questões sobre a relação dos assentados com o Estado e com os usineiros (5 itens); f) questões sobre possíveis impactos do plantio da cana sobre o meio ambiente (4 itens). O software Access - 2003 foi utilizado na construção do banco de dados para as quarenta e duas questões contidas no instrumento de coleta dos dados, envolvendo variáveis qualitativas (medidas nas escalas nominal e ordinal) e quantitativas (medidas nas escalas intervalar e da razão). As informações contidas no banco de dados foram transferidas para o pacote estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences) – versão 13.0. As variáveis estudadas foram mensuradas nos níveis das escalas: nominal, ordinal, intervalar e da razão. Inicialmente, efetuou-se a codificação das variáveis pertinentes, e procedeu-se a consistência dos dados. A seguir, procedeu-se à análise estatística através da construção de tabelas de freqüências simples, medidas descritivas, cruzamentos de variáveis (tabelas de freqüências conjuntas) e gráficos estatísticos pertinentes. 1. Origem, condição de trabalho anterior e organizações de apoio na luta dos assentados plantadores de cana Embora o número de assentamentos rurais da Zona da Mata paraibana que planta cana seja significativo, correspondendo a 34 das 66 áreas de assentamento existentes (51,5% do total), o número de famílias que neles estão plantando cana ainda é pequeno: 639 de um total de 5.274 famílias assentadas, o que representa apenas 12% do total. Desse universo de 639 famílias plantadoras de cana, pesquisamos 119 ou 18,6% do total. Com base nos dados obtidos verificou-se que as 119 famílias pesquisadas participam das Associações de Produtores Rurais de seus Assentamentos. Destas, 81% (96 famílias), moram no Assentamento desde a sua criação enquanto que 16% (19 famílias) “entraram depois” e apenas 3% (4 das famílias) já residiam no Assentamento “antes de sua criação” (Figura 1). Entrou depois 16% Antes da criação 3% Desde a criação 81% Figura 1. Tempo de moradia no Assentamento Do total de famílias pesquisadas 39,9% (47 das famílias) foram apoiadas pela CPT quando da luta por terra, superando a participação dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais e do MST que juntos apoiaram 35,5% (42 famílias) (Fig. 2). Organizaçã/instituição que recebe apoio CPT 39,9 22,9 Outros STR 18,6 MST 16,9 Igreja 1,7 0 10 20 30 40 50 (%) Figura 2. Organização/instituição ou movimento que apoiou a luta por terra que deu origem ao Assentamento No que se refere à condição de trabalho anterior, 96 assentados que afirmaram já trabalhar na agricultura antes do assentamento, 33,3% eram foreiros (32); 21,9% eram moradores de condição (21); 17,7% eram posseiros (17); 6,3% eram assalariados da cana ou canavieiros (6); 1,0% era parceiro (1); 19,8% trabalhavam em outra condição. Ou seja, 55,2% (53 assentados) eram foreiros ou moradores de condição, conforme se vê na Figura 3. Condição na agricultura antes do assentamento Foreiro 33,3 Morador de condição 21,9 Outros 19,8 Posseiro 17,7 Assalariado da cana 6,3 Parceiro 1,0 0 5 10 15 20 25 30 35 (%) Figura 3. Condição do trabalho na agricultura 2. A produção de cana pelos assentados Quase metade dos assentados (49,6% ou 59 assentados) plantam a cana-de-açúcar em uma área de “meio a dois hectares”; 27,7% plantam cana em 2,5 a 4,0 hectares; 16% plantam cana em 4,5 a 6 hectares e apenas 6,7% (8 assentados) utilizam mais de 6 hectares de área para plantação da cana (v. fig. 4) Plantação de cana de açucar (em hectares) 60 49,6 50 (%) 40 27,7 30 16,0 20 6,7 10 0 Meio hectare a Dois e meio a Dois hectares quatro hectares Quatro e meio a seis hectares Mais de 6 hectares Figura 4. Área plantada com cana pelos assentados Verificou-se que 58,9% dos assentados (70 assentados) plantam cana há menos de 5 anos. O restante, 41,1% (49 assentados) plantam a cana há 5 anos ou mais (v. fig. 5). Tempo de plantação de cana-de-açucar 35,0 29,4 30,0 (%) 25,0 20,0 21,0 16,0 15,0 14,3 11,8 7,6 10,0 5,0 0,0 1ano 2 anos 3 anos 4 anos 5 anos 6 ou + Figura 5. Tempo que o assentado planta cana A comparação da área de cana plantada atualmente com a área inicialmente plantada, dá conta de que 44% (52 assentados) ampliaram a área plantada enquanto outros 48% (57 assentados) não alteraram o tamanho da área de cultivo com a cana e 8% reduziu a sua área plantada com cana (v. fig. 6). Comparação da área de cana plantada com o início Dim inuiu 8% Aum entou 44% Inalterada 48% Figura 6. Comparação da área plantada com cana desde que iniciou o plantio até maio de 2009 No caso dos 52 assentados que aumentaram a área de plantação de cana, este aumento deu-se de forma discreta para a maioria (59,6% ou 31 assentados), sendo de “meio a dois hectares”; para 26,9% o aumento foi de 2,5 a 4,0 hectares; apenas 9,6% aumentou a área plantada com cana entre 4,5 e 6 hectares e 3,0% em mais de 6 hectares (v. fig. 7). Aumento da área de plantação da cana-de-açucar 70 59,6 60 (%) 50 40 26,9 30 20 9,6 3,8 10 0 Meio hectare a Dois hectares Dois e meio a quatro hectares Quatro e meio a seis hectares Mais de 6 hectares Figura 7. Assentados segundo o aumento da área plantada com cana-de-açúcar Apenas 8% (9 assentados) reduziram sua área plantada de cana-de-açúcar. Destes, 55,6% (5 assentados) reduziram a área de “um hectare”, 22,2 % reduziram meio hectare e 22,2% reduziram 2 hectares e mais (v. fig. 8). Diminuição da área de plantação da cana 55,6 60 50 40 30 22,2 20 11,1 11,1 Dois hectares + de três hectares 10 0 Meio hectare Um hectare Figura 8. Assentados segundo a redução da área plantada com cana-de-açúcar Dentre os 114 pesquisados que responderam qual o motivo que os levou a plantar cana, destacam-se 64% (73 assentados) que afirmaram ser a“garantia de mercado” o fator responsável, 13% (15 assentados) afirmaram ter sido o “baixo preço dos outros produtos” que os levaram a cultivar a cana e 23% (26 dos assentados) informaram “outros” motivos. Já em relação aos 113 pesquisados que responderam sobre o tipo de lavoura ou atividade que foi substituída pela cana, 61% (69 assentados) afirmaram que a cana ocupou “áreas antes consagradas à lavoura”, 14% (16 assentados) afirmaram ter a cana substituído “áreas antes voltadas para a criação de animais”, 25% (26 dos assentados) utilizaram “novas áreas” até então não cultivadas. A área da plantação da cana-de-açucar ocupou: (n = 113) Novas áreas 25% Áreas de criação de anim al 14% Áreas de lavoura 61% Figura 9. Área ocupada pela plantação de cana-de-açúcar Em relação às despesas com a produção de cana-de-açúcar, 85,3% (99 assentados) afirmaram ser o próprio assentado o responsável pelas despesas enquanto 4,3% (5 assentados) disseram ser de responsabilidade da usina (v. fig. 10). Observou-se também que os atravessadores e os engenhos da região também arcam com as despesas com a produção da cana como é demonstrado na fig.10. Quem arca com as despesas da plantação de cana? (n =119) O próprio assentado 83,2 O atravessador 2,5 A usina 4,3 2,5 O engenho Outros 7,5 0 20 40 60 80 100 (%) . Figura 10. Despesas com a plantação de cana-de-açúcar No que se refere ao empréstimo para o plantio da cana a grande maioria 79,8% (95 assentados) afirmou nunca ter contraído empréstimo. Dentre os 20,2% (24 assentados) que contraíram empréstimo 50% (12 assentados) o fizeram ao Banco do Nordeste do Brasil (BNB), 38% (9 assentados) a Usina e 4% ao Banco do Brasil (v. fig. 11) Empréstimo para plantar cana (n = 119) BB (4%) Usina (38%) Não (79,8%) Sim (20,2%) N. informou (8%) BNB (50%) . Figura 11. Empréstimo para a plantação de cana-de-açúcar Quando questionados se em relação ao plantio da cana deviam a alguém, a grande maioria 90% (95 assentados) afirmou não dever a ninguém. Dentre os 10% (12 assentados) que afirmaram dever a alguém, 42% deve ao BNB, 33% a Usina e 8% ao Banco do Brasil (v. fig. 12). Credor do plantio de cana (n = 119) Usina (33%) N. informou (17%) BB (8%) Sim (10%) Não (90%) BNB (42%) Figura 12. Dívidas contraídas para a plantação de cana-de-açúcar 3. O processo de comercialização da cana No que se refere ao processo de comercialização, 73,3% (85 assentados), afirmaram vender a produção de cana-de-açúcar para a “usina” e outros 17,2% (20 assentados) informaram vender ao “atravessador”; 5,2% vende a produtores rurais que já são fornecedores de cana para as usinas, 2,6% vendem aos engenhos. Três assentados não deram informação (v. fig. 13). A quem é vendida a cana-de-açucar? (n = 116) Usina 73,3 Atravessador 17,2 Fornecedor 5,2 Engenho 2,6 Outros 1,7 0 20 40 60 80 (%) Figura 13. Comercialização da cana-de-açúcar A tonelada de cana é vendida em média por R$26,46 já descontados os custos com a mão-de-obra utilizada para o corte, os gastos com insumos adiantados pela usina ou pelos demais compradores. O valor médio pago pela tonelada de cana sem os descontos é de R$37,62. Dos 101 assentados que afirmaram que o lucro obtido com a comercialização da cana não dá para sustentar a família, 80% (81 assentados) afirmaram que apesar disso ele serve para “completar a renda familiar”, 13% (13 assentados) disseram “ser mais fácil vender” e 2% alegaram que a comercialização da cana não dá prejuízo. Em caso negativo de lucro, por que planta cana? (n = 101) É m ais fácil vender 13% Não dá prejuízo 2% Outros 5% Com pletar a renda 80% Figura 12. Fatores responsáveis pelo plantio da cana Segundo a maioria dos assentados (78% ou 92 assentados) o plantio da cana é feito pela própria família e apenas 18% (22 assentados) contrata mão-de-obra. O trator é utilizado no preparo da terra por 73% dos assentados (86); a enxada por 13% (16 assentados) e a enxada e o trator por 14% (17 assentados). Em relação a adubação da área plantada com cana, a maioria 63,9% (76 assentados) afirmou usar adubo orgânico ou químico, conforme o uso assim discriminado: adubo químico – (49,6% ou 59 assentados); adubo orgânico (12,6%, 15 assentados); adubo orgânico e químico (1,7% ou 2 assentados); não utiliza nenhum tipo de adubo ((36,1% ou 43 assentados) (v. fig. 13). A limpa da terra para o plantio é realizada com a enxada pela maioria 82% (96 assentados) enquanto que 9% (11 assentados) usa “veneno” (herbicidas) e igualmente 9% faz uso de “enxada e veneno”. Por quem é feito o plantio de cana (n = 119) Contrata m ão-de-obra 18% Como é feito o plantio ou sulco? (n = 119) Enxada e Trator 14% Outros 4% Trator 73% Enxada 13% Pela fam ília 78% Figura 13. Quem realiza o plantio da cana Figura 14. Uso de tecnologia mecânica para o plantio da cana Como é feita a adubação? (n = 119) 60 Como é feita a limpa? (n = 117) 49,6 50 36,1 (%) 40 30 20 Com veneno 9% Enxada e veneno 9% 12,6 10 1,7 0 Adubo orgânico Adubo químico Orgânico e Químico Figura 15. Uso de adubo no plantio da cana Nenhum Com a enxada 82% Figura 16. A limpa do terreno para o plantio da cana A produção média por hectare de cana produzida é 62 toneladas por hectare. A menor produção por hectare registrada foi de 5 toneladas e a máxima foi de 200 toneladas. Após a colheita que é realizada pela mão-de-obra contratada pela usina, pelos engenhos, pela família do assentado (v. fig. 17) ou por outros compradores, a cana é carregada em caminhões para ser pesada na usina ou no engenho. Por quem é feita a colheita (n = 117) 70 61,5 60 (%) 50 40 30 20 17,1 11,1 10 2,6 7,7 0 Figura 17. Quem realiza a colheita da cana Regra geral os assentados não acompanham o processo de pesagem da cana sendo o próprio motorista do caminhão quem lhes entrega um boleto contendo a quantidade de cana pesada. Não há nenhuma fiscalização desse processo pelo assentado e 10,4%, 12) acreditam que podem ser burlado, por conseguinte, não confiam na pesagem da cana tal qual ela é realizada. Apenas 20 dos 119 assentados entrevistados (17,4%) afirmaram ter o controle da quantidade de cana que vendem e 56,5% (65) confiam na lisura do processo. 4. Relação com os usineiros, com o Estado e organização dos plantadores de cana De acordo com 76 assentados (63,9% do total) o Governo deveria incentivar mais a produção de alimentos diversificados e a criação animal. Contudo, 29,4% (35 entrevistados) acha que ele deveria investir na produção de cana. Porém mesmo que houvesse um apoio maior à produção de alimentos 54% (63 assentados) informaram “que continuariam a produzir cana conta 46% (54 assentados) que afirmaram que deixariam de lado o plantio da cana (Fig. 18). Se houvesse mais apoio a produção de alimentos continuaria a produzir cana? (n = 117) Não 46% Sim 54% Figura 18. Produção de cana versus produção de alimentos mesmo com o apoio para a produção alimentar pelo Governo Os produtos que mais os assentados gostariam de plantar caso houvesse maior incentivo do governo são pela ordem de importância: macaxeira, feijão, inhame, milho, fruteiras e hortaliças (v. fig. 19). Com incentivo do governo, plantaria: (amostra base = 91)* 67,0 Macaxeira 65,9 Feijão 59,3 Inhame 54,9 Milho 48,4 Fruteiras 26,4 Hortaliças 0 20 40 60 80 (%) *Múltipla resposta Figura 19. Principais produtos que cultivaria com incentivo governamental Segundo a maioria dos entrevistados 86% (102 assentados), não existe acordo formal entre os assentados plantadores de cana e os usineiros ou proprietários dos engenhos. Apenas 14% dos entrevistados (17 assentados) têm algum acordo formalizado com a usina ou com o engenho para quem fornecem a cana (v. fig. 20). Há acordo formal com usineiros, etc. (n = 119) Sim 14% Não 86% Figura 20. Existência ou não de acordo formal entre os assentados e usineiros, donos de engenho ou outros compradores da cana Outro aspecto observado foi que apenas 7% dos entrevistados participam de alguma organização de plantadores de cana. A grande maioria não se vê como plantador de cana, mas como produtor de policulturas que inclui a cana e não participa de nenhuma organização de plantadores desta lavoura. Participa de alguma organização de plantador de cana? (n = 119) Sim 7% Não 93% Figura 21. Participação em organizações de plantadores de cana No que se refere aos impactos do plantio de cana nas parcelas sobre o meio ambiente verificou-se que em 64% dos casos as fontes de água não se encontram próximas às áreas de plantio da cana contra 36% que afirmaram que o plantio fica próximo as áreas de abastecimento de água pela família (v. fig. 22) sendo que 91% dos entrevistados desconhecem qualquer ocorrência de contaminação da água por venenos utilizados no cultivo da cana (v. fig. 23). Abastecimento d'água é próximo a área de cana? (n = 119) Contaminação d'água pelos venenos usados? (n = 119) Sim 9% Sim 36% Não 64% Figura 21. Proximidade da área cultivada com cana das fonte de abastecimento d’água. Não 91% Figura 22. Contaminação da água por agroquímicos Quando questionado se algum cultivo foi contaminado pelos venenos usados na cana-de-açucar, os assentados informaram na sua grande maioria: NÃO, (90%, 107) e apenas 10% (12 assentados) afirmaram que SIM. Em relação à preservação da área dos seus lotes os pesquisados informaram que esta encontrava-se preservada, (46,2%, 54); mais ou menos preservada (39,3%, 46); degradada, (6,8%, 8); e mais ou menos degradada, (5,1%, 6). Dois assentados não deram informação. Considerações Finais Sob o impulso do Proalcool, a lavoura canavieira da Paraíba sofreu uma forte expansão (TARGINO e MOREIRA, 1992). No bojo desse processo, verificou-se uma intensa desapropriação e expulsão dos trabalhadores2. Em muitos casos, os trabalhadores reagiram em defesa do direito de permanecer na terra. Em virtude do poder econômico e político da oligarquia canavieira, a ação repressora da polícia e da justiça conseguiu desmantelar a organização dos trabalhadores. Porém em alguns casos, os trabalhadores resistiram fazendo permanecer a luta pela terra. O cultivo da cana-de-açúcar manifestava toda a sua característica de atividade extremamente exploradora do trabalho (TARGINO et al. 2009; GESTAR, 1985). A sujeição do trabalhador às usinas e aos engenhos era total. Na segunda metade da década de 1980, com a crise do Proálcool, assiste-se a uma verdadeira desorganização da atividade canavieira estadual, sobretudo no segmento mais tradicional (vale do Rio 2 Uma recuperação histórica desses conflitos foi feita por Moreira (1997). Nessa obra, a autora registra a história de todos os conflitos agrários existentes na Paraíba entre 1975 e 1995. Verifica-se a presença, na grande maioria desses conflitos, da CPT dando sustentação e apoio aos trabalhadores. Paraíba e Brejo Paraibano). Nesse período foram fechadas cinco usinas tradicionais do Estado (Santa Rita, Santana, Santa Helena, Santa Maria e Tanques) e suas destilarias anexas. A crise trouxe consigo, de um lado, o enfraquecimento do poder da oligarquia canavieira e, de outro lado, o aumento da capacidade de mobilização e de poder de pressão dos trabalhadores. Desse modo, os antigos conflitos que vinham se arrastando há décadas começam a ser solucionados através da desapropriação das terras das usinas e dos engenhos, os latifúndios canavieiros transformados em terras improdutivas foram ocupados pelos trabalhadores e também foram desapropriados originando, como foi demonstrado, um número significativo de áreas de assentamento na região. A nova dinâmica econômica e social da região materializa-se na paisagem através do fechamento e ruína das antigas usinas, na transformação das “casas grandes” em sedes de associações dos assentados, no repovoamento do campo, e, particularmente, na transformação dos antigos canaviais em áreas de cultivo de lavoura alimentar (PALMEIRA et al, 2004). A terra da sujeição e da exploração transformou-se em gestação de “territórios de esperança”. No início da primeira década do século XX, uma série de fatores (valorização cambial, mudança na Política Agrícola Comum, abrindo o mercado europeu ao açúcar da cana, a busca de fontes alternativas de energia menos poluente do que as derivadas do petróleo e o lançamento do Programa Bioenergético brasileiro) deu novo impulso à atividade canavieira, motivado pelo aumento das exportações do açúcar e do álcool e pelo crescimento do consumo interno do álcool carburante com a expansão da frota do carro flex flue. Essa expansão da cana de açúcar defronta-se com um problema fundamental: grande parte das terras anteriormente utilizadas para o plantio da cana encontra-se desapropriada e com projetos de assentamento instalados. Começa, então, uma pressão sobre as terras dos assentados para que sejam utilizadas para o plantio da cana. Por outro lado, os trabalhadores assentados, não obstante os avanços obtidos com a política agrária implementada enfrentam algumas dificuldades decorrentes das limitações da política agrária (insuficiência ou inexistência da assistência técnica, insuficiência de infra-estrutura nos assentamentos, etc.), da limitação do mercado para os produtos da lavoura alimentar e do processo de endividamento (TARGINO e COUTO, 2007). Verifica-se então, como ficou evidenciado anteriormente neste artigo, a penetração da cana-de-açúcar nas terras dos assentamentos. Apresenta-se, desse modo, um quadro inesperado. A luta pela reforma agrária na região em estudo teve como principal eixo mobilizador a exploração do trabalho pelas usinas e engenhos. A cana era, portanto, a representação material desta exploração. Como entender, agora, que a cana passe a ser uma opção para os antigos explorados? Trata-se de uma volta ao exclusivismo canavieiro, ao regime de sujeição presente na região desde a colonização? O entendimento da nova conjuntura não pode cair na armadilha do “já vivenciado”. Com efeito, as informações levantadas pela pesquisa de campo apontam para alguns dados que são novos e importantes, a saber: a) não há indicação de que o avanço da cana venha restabelecer o exclusivismo canavieiro nas formas de utilização do solo. Os dados levantados mostram que os assentados continuam a cultivar as lavouras alimentares e a manter um criatório, ainda que restrito em quantidade e em tipo de rebanho. Não se pode negar que estão em curso tentativas de reconcentração da propriedade da terra seja de forma direta (aquisição de lotes por grandes proprietários) seja indireta (arrendamento de terras dos assentados por parte de usinas e de fornecedores). No entanto, esses sinais não permitem, atualmente, concluir que seja uma tendência inexorável; b) os assentados diferem radicalmente dos antigos moradores e trabalhadores de eito. Eles têm acesso aos meios de produção de modo que eles não se encontram completamente desprovidos nos momentos de negociação, apesar do poder econômico extremamente desigual face às usinas; c) O cultivo da cana-de-açúcar tem se mostrado uma alternativa importante de reprodução da unidade de produção camponesa. Ele garante um fluxo de renda monetária que tem possibilitado o pagamento de débitos contraídos com o sistema bancário e a formação de um mínimo de poupança para financiar, ainda que parcialmente, a instalação de benfeitorias nos lotes e financiar parte do sustento corrente das famílias. O desafio que se coloca, portanto, é como utilizar o cultivo da cana-de-açúcar como um mecanismo de fortalecimento da produção camponesa, em vez de ser um eixo de retomada do poder do capital sobre a terra e sobre o trabalho. Isto é, converter uma cultura que foi responsável pela construção de territórios de exploração em meio de construção de territórios de esperança, onde a vida e não o lucro seja o elemento estruturante da organização econômica e social do espaço. REFERÊNCIAS GESTAR (Grupo de Estudos sobre Saúde e Trabalho na Paraíba). Saúde e Trabalho nas lavouras da cana-de-açúcar e do abacaxi. João Pessoa: UFPB/FINEP, Relatório de Pesquisa, 1985. MOREIRA, E. Por um pedaço de chão. João Pessoa: Editora Universitária, 1997. PALMEIRA, M. et al. Impactos dos assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro. Brasília: NEAD, 2004. TARGINO, I.; MOREIRA, E. Proalcool, meio ambiente e emprego rural na Paraíba. In Anais do VIII Encontro da ABEP. Brasília: ABEP, 1992 (532-554). TARGINO et. Al. Memórias camponesas: as Ligas Camponesas na Paraíba. João Pessoa: Ed. Universitária, 2009. (no prelo) TARGINIO, I.; COUTO, A. I. Política de crédito e endividamento dos trabalhadores assentados: o caso da Zona da Mata Paraibana. In Emancipação, v. 7, 2007.