LICENCIAMENTO AMBIENTAL E OS IMPACTOS NAS EDIFICAÇÕES
DA ZONA CENTRAL HISTÓRICA DE ALTAMIRA, PARÁ.
Thiago Peralta Guerra
PARA INÍCIO DE CONVERSA
• Geralmente em cidades históricas ou mais antigas o patrimônio edificado é bastante valorizado;
• É comum vermos o reconhecimento e o engajamento da população em sua preservação;
• Já em cidades mais recentes esse envolvimento é bem mais raro;
• Para tal reconhecimento, é importante que os grupos sociais envolvidos tornassem-se sensíveis à carga
simbólica que os elementos da cultura exprimem;
• A sensibilização quanto a determinados bens históricos é um importante fator de desenvolvimento destes
bens , pois envolve a esfera sociocultural e política, de forma que reorganiza os elementos nela inseridos;
• No entanto, o desafio é potencializado quando uma comunidade é, em geral, alheia aos bens que constituem
símbolos de sua história, mais antiga ou recente;
• Um exemplo dessa situação, é Altamira, no sudoeste paraense, cujo interesse em preservar tais bens é frágil
ou ínfimo por parte de seus munícipes.
É um município situado no sudoeste paraense, considerado um lugar de constantes
transformações.
Passou, juntamente com toda a região, por cinco grandes ciclos históricos, segundo
analisa Umbuzeiro (2012).
No que diz respeito ao patrimônio edificado, cada ciclo deixou sua marca:
1º Ciclo (1636-1883): Edificações de palha, rústicas e temporárias na sua maioria erguidas pelos povos nativos ou para
atenderem às missões jesuíticas que atuavam na região.
2º Ciclo (1883-1942): Corresponde ao 1º Ciclo da Borracha (1879-1912) e tem início com a fundação da cidade de Altamira.
Neste período foram erguidas instituições religiosas e políticas; habitações para os senhores de seringais e comerciantes;
e habitações mais rústicas para a população, geralmente de palha ou taipa. Pelo menos uma edificação desse período é
conhecida, o casarão de taipa e madeira de um antigo engenho.
3º Ciclo (1942-1970): Simultâneo ao 2º Ciclo da Borracha. A maioria das edificações históricas que ainda sobrevivem são
desse período. Muitas se caracterizam como oriundas de um modernismo popular, a partir do qual se buscava uma
“modernização” ainda que os recursos fossem limitados, fazendo-se adaptações com materiais de acesso local e as
vezes fora dele.
4º Ciclo (1970-2011): Tem início com a construção da Transamazônica. Milhares de pessoas chegam de diversas partes do
país transformando profundamente o modo de viver da região. Surgem as agrovilas, com habitações e traçados
urbanos planejadas pelo INCRA .
5º Ciclo (a partir de 2011): É o ciclo atual. Marca a chegada da Usina Hidroelétrica de Belo monte. Novamente transformando
o modo de viver local, desta vez de forma bem mais acelerada. Muitas edificações históricas demolidas ou
descaracterizadas para atender a nova demanda. Adoção de materiais como estruturas metálicas e painéis de vidro,
entre outros.
Fonte: Google Mapas, 2014
ALTAMIRA
AS TRANSFORMAÇÕES
• É comum vermos as casas históricas, passarem por transformações lentas e graduais, muitas vezes esperadas e
justificadas pelas palavras de Carlos Lemos:
É sumamente interessante acompanharmos as adaptações que ocorrem ao longo do tempo numa velha residência
urbana qualquer. Com o progresso e as novas facilidades, a sua “casinha” do quintal, que abrigava a latrina sobre
fossa negra, foi substituída pelo banheiro completo feito num puxado anexo à cozinha velha que, por sua vez, teve
seu fogão a lenha substituído pelo aquecimento a gás, e cada família sucessiva que nela habita vai deixando sua
marca nos agenciamentos internos; mas chega um tempo em que a construção realmente não pode mais oferecer
o conforto exigido pelas novas concepções de bem morar de uma determinada classe social [...] de degradação em
degradação chega ao seu dia de demolição par dar lugar a edifício concebido dentro das novas regras do conforto
ambiental e dentro de outras condições financeiras (LEMOS 2010, p.15).
• O trecho caracteriza que a imagem da cidade impressa em seus bens (e em outros signos), não permanece fixa ao
longo do tempo e nem sempre é homogênea;
• Na esfera dos grandes empreendimentos as aceleradas transformações sociais impactam também de forma acelerada
e direta no traçado urbano e nos bens que o compõe.
UMA EXPERIÊNCIA COM OUVIDO, TRENA, LÁPIS E PAPEL
• A Scientia Consultoria Científica vem executando o Programa de Estudo, Preservação, Revitalização e Valorização do
Patrimônio Histórico, Paisagístico e Cultural da área de influência da UHE Belo Monte desde Setembro de 2010, como parte do
Plano Básico Ambiental (PBA) Cultural deste empreendimento.
Área estudada
• Zona Central Histórica (ZCH) e a Zona da Orla (ZOR) localizadas na sede de Altamira - Área de Influência Direta (AID) da
Hidrelétrica de Belo Monte.
Nestas áreas, o patrimônio arquitetônico histórico foi mapeado e registrado com obtenção de testemunhos orais, além de
levantamentos gráfico e fotográficos, mas a partir de critérios que extrapolassem a monumentalidade, ou seja não apenas selecionar
bens imponentes ou de grande porte, mas incluir no inventário bens de todas as camadas sociais que definissem a história do lugar.
Critérios
• A originalidade
• Os sistemas construtivos como solução arquitetônica;
• A história contada ora pelos proprietários ou por anciãos do lugar;
• Não somente o olhar do pesquisador, mas também dos indivíduos que estão/estavam relacionados, de alguma forma, a esses
bens.
Vantagens
• Ao pesquisador: Reflexão por parte dos pesquisadores: Palacetes em Alvenaria X Soluções Vernaculares Amazônicas
• Ao munícipe: Relembrar o passado e (re) construir imagens esquecidas
Comprovação
1. O desinteresse pela preservação por parte dos donos;
2. A especulação imobiliária tomada como “tiro de misericórdia” às construções antigas.
UMA EXPERIÊNCIA COM OUVIDO, TRENA, LÁPIS E PAPEL
•Foram levantados cerca de 25 bens edificados com autorização e participação dos proprietários. Mais casas poderiam
estar arroladas no inventário, mas em muitas não se pôde ao menos fotografar.
•Durante esse processo foi unânime a transparência do conhecimento que os proprietários possuíam acerca da
importância do bem enquanto parte da história do lugar, mas na mesma intensidade foi surpreendente e preocupante o
repúdio à aplicação de instrumentos para preservação (aqui, leia-se Tombamento).
•Em uma situação de impacto ambiental em núcleos históricos, mesmo sendo AID, há que se atentar não apenas ao
impacto visível, mas também ao invisível, ou seja, a preservação da memória do bem. Tarefa difícil, pois preservá-la
implica em um maior desdobramento, daquele que lhe causou o dano, à seu registro para posteridade.
•Hoje, o EIA/RIMA é um poderoso instrumento regulador dos destinos de uma determinada intervenção, de um projeto
urbanístico ou arquitetônico, mas por que não se desenvolvem mais ações de preservação a partir desta ferramenta?
Ainda assim, a preservação do patrimônio histórico não é apenas uma questão do poder público, mas da sociedade como
um todo, desafio a ser superado, como indicado acima, com a educação voltada ao patrimônio.
• A grande falta de informação legal, presente nas falas da maioria dos altamirenses, foi e ainda é concluída com a negativa
acerca do tombamento, única ferramenta conhecida no local. Do ponto de vista dos entrevistados, nenhum deles está
disposto a dividir a tutela do seu bem com o Estado e muito menos a arcar com eventuais perdas de valor financeiro do
imóvel, pois para muitos, demolindo o imóvel histórico, poderia ser construído um edifício de maior valor.
•Assim, a especulação imobiliária desequilibra as forças no momento de uma decisão de preservação. Infelizmente, o
mercado imobiliário brasileiro ainda é conservador e mal-informado. Vê edifícios que deveriam ser tombados ou
preservados como "empecilhos" à sua atuação.
UMA EXPERIÊNCIA COM OUVIDO, TRENA, LÁPIS E PAPEL
•Durante o levantamento foi possível ouvir toda a história da construção do bem, as dificuldades e desafios, os usos,
reformas, etc., também se ouviu sobre como o tombamento prejudicaria o proprietário. Os resultados dos impactos
imobiliários são comprovados nas falas abaixo:
Casarão Azul - Prop. Luiza Veras.
Não pagam para conservar e é caro. Se eu ganhasse na mega comprava a casa pra ela e voltava a morar lá e voltava do
jeito que era. Os preços são de especulação, se alguém comprar vai ser pra derrubar. As famílias não valorizam, vão querendo
casas com vidro, lajota, sacada, não tem consciência às vezes dá pros filhos e eles revendem, as pessoas que alugam furam,
modificam nem avisam apesar de pedir, eles não escutam (Sra.Maria Luíza Veras Caetano, proprietária de um casarão de dois
pavimentos na Zona Central Histórica de Altamira. A casa foi fracionada e alugada para restaurantes. Altamira, 14/4/2014).
Fonte: Scientia, 2011
Fonte: Scientia, 2014
UMA EXPERIÊNCIA COM OUVIDO, TRENA, LÁPIS E PAPEL
Casa Sr. Delciney Menezes
Os outros vem e tomam conta do que é dele {do proprietário}, não pode fazer mais nada na casa, aí a organização ou entidade,
sei lá o que, não ajuda a conservar, nem apoio financeiro para voltar ao que era. Em Belém o patrimônio histórico cai tudo, vejo muitas
casas caindo e ninguém faz nada. Aí a cidade cresce, chega muita gente e como faz? Tinha que ter apoio pra conservar do jeito que era.
Altamira pegou um desenvolvimento, quem tem dinheiro derruba e faz apartamentos pra atender o pessoal que chega, ou vira
restaurante, uma ou duas lojas pra cima. A família melhora e vai mudando (Sr.Delciney Neto de Menezes, proprietário de uma casa
antiga na Zona da Orla de Altamira. Removeu ornamentos da fachada para evitar tombamento. Altamira, 14/4/14).
Os detalhes de
esquadrias
foram retirados
para que a casa
não fosse
tombada.
Fonte: Scientia, 2012.
Fonte: Acervo pessoal família Menezes,
década de 1980.
A residência foi
adaptada para funcionar
como bar e atender aos
trabalhadores do
empreendimento
Fonte: Scientia, 2014.
UMA EXPERIÊNCIA COM OUVIDO, TRENA, LÁPIS E PAPEL
Casa família Moura
Não quero esse negócio de tombamento aqui não. Já passaram aqui, uma moça do “ipam” {IPHAN} eu acho falando disso e eu
mandei ela falar com meu irmão, ele foi até grosso com ela. Mas não aceito, o governo toma a casa de você, uma coisa que era sua não
vai ser mais, não pode mudar nada, eu sei que aqui em Altamira tem umas casas que são tombadas e ninguém pode mexer nelas. Não!
(Sr.Eleno Moura, herdeiro de uma casa de dois pavimentos destacada pelos azulejos portugueses da fachada, na Zona da Orla de
Altamira. Não permite nem mesmo fotografias da casa. Altamira, 14/4/14).
Os herdeiros desta
bela casa não
permitem registros
internos e rejeitam
até mesmo ouvir
sobre tombamento.
Fonte: Scientia, 2012.
UMA EXPERIÊNCIA COM OUVIDO, TRENA, LÁPIS E PAPEL
Casarão/Engenho da Brasília
•Localizado no bairro chamado Brasília;
•Casarão em sistema misto de construção
(taipa, madeira e alvenaria de tijolo maciço);
•Foi um antigo engenho na cidade;
Fonte: Scientia, 2012 (Abril).
•O Casarão da Brasília, como é denominado
pela comunidade, tem aproximadamente
cem anos de idade;
•Por um longo tempo esteve em estado de
abandono, servindo a moradores de rua ou
somente fechado, mal conservado, mas
recuperável;
•Atualmente está alugado para uma empresa
de locação de veículos.;
Fonte: www.icasei.com.br. Década de 1990.
Fonte: Scientia, 2012 (Julho).
•A empresa, por conta própria, imprimiu uma
reforma sem projeto adequado. Assim, a
vegetação de entorno foi derrubada para
acomodar a frota de veículos, vãos de janelas
e portas foram fechados para instalação de
condicionadores de ar, o telhado original com
telhas de barro coloniais feitas “nas coxas” foi
substituído por fibrocimento, e o interior foi
subdividido.
O antigo casarão de
engenho é utilizado
como escritório de
uma empresa de
locação de veículos
Fonte: Scientia, 2012 (Julho).
UMA EXPERIÊNCIA COM OUVIDO, TRENA, LÁPIS E PAPEL
Algumas demolições
Casa família Maia
Casarão Reicon
Fonte: TECHUM, 2010.
Fonte: Scientia, 2011.
Fonte: Scientia, 2012.
Fonte: Scientia, 2013.
Fonte: Thalita Farina, 2014.
Fonte: Scientia, 2014.
PARA FICAR NA MEMÓRIA
•Neste trabalho foi notório que a educação voltada ao patrimônio é uma das primeiras ferramentas a ser utilizada quando se fala
em preservação, em especial dos bens edificados, agregando proprietários e munícipes como os agentes que indicarão o chamado
espírito do lugar, ou seja, o genius loci relacionado à identidade forte como propõe Kholsdorf (2012):
“Restringir a decodificação de símbolos patrimoniais a grupos intelectualmente privilegiados é evitar o exercício da cidadania através da
construção da memória popular. Expor à percepção das populações esse tipo de símbolo, deve ser o objetivo das ações de
preservação”. (KHOLSDORF, 2012, p.58)
•Explicar o que são bens patrimoniais, para quê preservá-los e como fazê-lo, são perguntas para defesa no momento de ameaça.
Sobretudo, acionando os órgãos patrimoniais na tentativa de fortalecer e fazer-se cumprir as leis brasileiras e, caso não exista, criar
um conselho de defesa do patrimônio, que agregue representantes sociais e políticos, de acordo com suas disposições;
•Partindo deste princípio, o tombamento se tornaria o último dos meios a ser usado na efetivação de salvaguarda. Trabalho árduo e
longo, mas imediato;
•Outra medida é manter o bem em uso, envolvendo todos os segmentos populares, ouvindo suas percepções sobre cada bem, de
forma a identificar e fortalecer sua representatividade dentro daquele meio;
•Ao destinar as edificações para usos comuns e úteis para a população local, como habitação, áreas de lazer, etc., o patrimônio
edificado deixa de ser considerado um elemento alheio aos cidadãos, atrelado somente ao turismo, a eventos culturais e à
exaltação do próprio patrimônio, como museus, mas passa a ser visto como grande potencial para o desenvolvimento local;
•Na medida em que cada pessoa age como responsável pela preservação da cultura como testemunho das atividades humanas,
teremos muito no que nos inspirar para fundamentar ações sócio-culturais futuras;
•Sabemos que há muito o que conversar, experimentar e desenvolver. A continuidade do pensamento é fundamental, mas as
ações são urgentes.
REFERÊNCIAS
BESSEGATTO, Maurí Luiz. O patrimônio em sala de aula: fragmentos de ações educativas. 2. ed. Porto
Alegre: Evangraf, 2004.
KOHLSDORF, Maria Elaine. A preservação da identidade dos lugares. In ARQADIA: revista eletrônica do
curso de Arquitetura & Urbanismo. Instituto de Ensino Superior Planalto – Faculdades Planalto. Departamento
de Arquitetura & Urbanismo. – v.1, n.1, 2012.Disponível em: http://issuu.com/iesplan/docs/revista_-_arqadia__revisada/51. Acesso: Agosto 2014.
LEMOS Carlos Carlos Alberto Cerqueira. O que é patrimônio histórico. 3ª Reimpr. da7ª Ed. São Paulo:
Brasiliense, 2007. Coleção Primeiros Passos.
LEMOS Carlos Carlos Alberto Cerqueira. O que é arquitetura. 2ª Ed. rev. e ampl. São Paulo: Brasiliense, 2010.
Coleção Primeiros Passos.
UMBUZEIRO, Antônio Ubirajara Bogea e UMBUZEIRO, Ubirajara Marques. Altamira e sua história. 4ªEd.
Belém: Ponto Press, 2012.
TECHNUM Consultoria. Altamira Plano Diretor – Processo de revisão do plano diretor do município de
Altamira-PA. Volumes. I e II. Dezembro 2010.
VALERA Antônio Carlos. A divulgação do conhecimento em arqueologia: reflexões em torno de
fundamentos
e
experiências.
In:
Práxis
Archaeolgica3.
2008
p.9-23.
Disponível
em:
http://www.praxisarchaeologica.org/issues/2008_0923.php>>. Acessado em Agosto 2014.
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Thiago Peralta Guerra