CADERNO DE RESUMOS
RESUMOS DAS CONFERÊNCIAS E MESAS-REDONDAS
Título: “Partida do Audaz Navegante” de Guimarães Rosa: ressonâncias
odisseicas, em clave minimalista (e estranhada)
ADÉLIA BEZERRA DE MENESES (USP)
A proposta é estudar a reapropriação, em clave minimalista, que Rosa faz desse
―capital cultural‖ que é a Odisseia, abordada aqui enquanto matriz do romance de
aventuras e do romance de amor. Flagra-se um processo de estilização, miniaturização e
estranhamento, nesse conto que fornece a oportunidade para uma reflexão sobre a arte
enquanto sucedâneo do brincar infantil; bem como o tratamento de questões
fundamentais : a relação entre Literatura e Vida, a eficácia psíquica do narrar, a vida
enquanto travessia ( vita/via), Desejo X Necessidade, encontro dos contrários. Além
disso, procede-se a um contraponto com Fernando Pessoa e com Caetano Veloso (―Os
Argonautas‖)
Título: A verdade extra-moral de Nietzsche a Freud
ANTONIO MÁRCIO RIBEIRO TEIXEIRA (UFMG)
Por mais delicada que ela possa e deva ser, a interpretação psicanalítica, assim como a
parrésia nietzschiana, comporta uma brutalidade estrutural. Não é possível psicanalisar
príncipes e barões porque toda interpretação é necessariamente desrespeitosa: sua
eficácia depende da possibilidade, que por ela se abre, de se subverter as regras
codificadas pelas relações de poder que prescrevem os modos de funcionamento social
do sujeito. O dizer interpretativo dispensa o protocolo do pedido de permissão: ele se
manifesta como irrupção do discurso verdadeiro que determina uma situação aberta,
possibilitando o surgimento de efeitos imprevisíveis, não codificados
institucionalmente.
Título: “Sinto-me múltiplo”: a pré-heteronímia pessoana e romantismo alemão
CLÁUDIA SOUZA (USP)
Pretendemos analisar a pré-heteronímia pessoana à luz de alguns conceitos do
romantismo alemão, como a sinfilosofia, a simpoesia e a questão do gênio romântico.
Fernando Pessoa foi leitor do romantismo alemão, como pudemos constatar na sua
biblioteca particular e em anotações deixadas em seu espólio. O período préheteronímico, situado antes de 1914, revela um espaço múltiplo, onde diversos eus
dialogam, assinam projetos, interagem dentro da ficção criada por Pessoa. Alexander
Search, Pantaleão, Jean Seul de Méluret e Charles James Search revelam parte da
genialidade pessoana e a prática da sinfilosofia e da simpoesia romântica.
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Título: O erudito e o mal (bem) dito em Guimarães Rosa
CLEUSA RIOS P. PASSOS (USP)
Ler a obra de Rosa implica adentrar uma imensa variedade de questões, configuradas
por uma linguagem insubordinada e renovadora. Se, conforme Barthes, a literatura se
faz o lugar do desvio, da ―trapaça salutar‖ com a língua (Aula), Rosa privilegia esse
viés, fraturando os signos convencionais, que parecem dar conta da comunicação, ao
retomar repetições, clichês, acontecimentos triviais etc. e os desarticular, reinscrevendoos na busca de recriar a existência. Nessa direção, a leitura de alguns textos rosianos se
apoiará nas relações entre o traço erudito, compreendido como conhecimento e cultura,
e o traço mal-dito, presente na caracterização de personagens ou no próprio discurso
que, transfigurado pela elaboração verbal, pode lançar luz sobre o sentido contrário: o
bem-dito.
Título: Nietzsche e a música: três fases, três luminosidades
CLOVIS SALGADO GONTIJO OLIVEIRA (FAJE)
A obra de Nietzsche costuma ser dividida em três principais fases, correspondentes a
três momentos de compreensão e apreciação do fenômeno musical, respectivamente
marcados: 1) pelo extremo louvor à música, fundamentado na metafísica de
Schopenhauer e no projeto wagneriano; 2) pelo ―niilismo musical‖, em que a arte
sonora chega a ser depreciada; 3) e pelo retorno, sob nova perspectiva, à exaltação à
música. Esta exposição visitará estes três momentos, relacionando-os a imagens de luz e
escuridão, que, empregadas pelo próprio filósofo, se encontram em sintonia com as
imagens características às poéticas e correntes filosóficas por ele valorizadas em cada
um desses momentos.
Título: A cidade, em Pessoa, ou das paisagens desassossego
GERSON LUIZ ROANI (UFV)
Na poética de Fernando Pessoa, a cidade assume a condição de um universo simbólico,
no qual as vivências mais profundas do poeta encontram eco. O imaginário urbano é
uma presença permanente na prosa de Bernardo Soares e nos poemas do heterônimo
Álvaro de Campos. Isso torna possível uma geografia pessoana que ultrapassa a simples
descrição da cidade, tornando-se uma arte de tecer paisagens interiores.
Título: Os paradoxos da liberdade em Freud e Schopenhauer: o amor e o outro
JACQUELINE DE OLIVEIRA MOREIRA (PUC Minas)
O conceito de liberdade se situa entre as categorias filosóficas de maior complexidade.
O presente texto pretende apresentar o tema do determinismo e liberdade nas teorias de
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Schopenhauer e Freud. Sabemos que afirmar o determinismo da teoria freudiana e
schopenhaueriana é uma tarefa muito fácil, mas julgamos que é necessário compreender
o lugar da liberdade para estes teóricos. Acreditamos que em última instância a
liberdade se situa no espaço de reconhecimento do outro, sendo o amor uma
possibilidade de abertura ao campo da alteridade. O homem é homem no e pelo
encontro com a falta, com o limite para subjetividade viril que pode acontecer no
encontro amoroso abrindo, pois, um espaço de liberdade possível ou uma saída do eu da
prisão de si mesmo.
Título: A vertente utópica-milenarista do pensamento de Fernando Pessoa
JOSÉ EDUARDO REIS (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro)
O pensamento profético-utópico de feição milenarista prossegue, desde as mais remotas
origens da civilização e da cultura ocidentais, uma resoluta e respeitável linha de
continuidade ideológica, assente na intuição/noção de tempo futuro, canonizado como
tempo de glória e de salvação da humanidade, não só pela tradição religiosa judeucristã, mas também pelas filosofias seculares da história concebidas, mesmo que de
modo inconsciente, segundo um modus operandi mental homólogo ao que é requerido
pela explicação bíblica do devir do mundo. Essa tradição, com expressiva tradução na
cultura portuguesa, foi de algum modo retomada pela dimensão providencialista do
pensamento poético e ensaístico de Fernando Pessoa. Recorrendo a poemas da
Mensagem e a textos de reflexão sobre a nação portuguesa, a nossa comunicação
procurará dar conta da original apropriação e recriação literária e filosófica empreendida
por Pessoa do sentido utópico associado à aspiração teleológica da redenção da história
e da sublimação ontológica da humanidade.
Título: Letras em análise: a matéria do sintoma
JOSÉ MARTINHO (Antena do Campo Freudiano – Portugal / Associação Mundial de
Psicanálise)
―Toda a arte é uma forma de literatura. Porque toda a arte é dizer qualquer cousa. Há
duas formas de dizer – falar e estar calado. As artes que não são literatura são as
projecções de um silêncio expressivo. Há que procurar em toda a arte que não é
literatura a frase silenciosa que ela contém, ou o poema, ou o romance, ou o drama‖.
(Álvaro de Campos no Catálogo do I Salão dos Independentes). Partindo desta proposta
mostrarei como, entre estar calado e falar, a arte de psicanalisar pode extrair um drama,
um ensaio, um poema, uma frase da leitura ao pé da letra do sintoma, mais
particularmente, do sintoma de Pessoa.
Título: “As figuras do feminino na poesia de Fernando Pessoa”
MAGDA GUADALUPE DOS SANTOS (PUC Minas)
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As vozes que percorrem a obra de Fernando Pessoa desafiam sempre indagações. Em
sua realização lírica, as figuras do feminino que surgem, entre outras, nas Quadras ao
gosto popular, nas Cartas a Ofélia Queiroz e na Carta da Corcunda ao
Serralheiro, provocam no leitor níveis complexos de interrogação e sensação, diante de
efeitos estéticos significativos. Sentir e compreender são efeitos produzidos que levam à
contemplação das ilusões e frustrações de uma época e da profundidade da
singularidade humana. O feminino autodiegético que transita no contorno poético das
obras é uma voz entre as vozes na navegação da vida.
Título: “ O poeta fica estranhamente mudo...”
MÁRCIA VIEIRA ROSA LUCHINA (UFMG)
O poeta (Pessoa) e o psicanalista (Lacan) se calam ao tropeçarem em um ponto no qual
a língua se lhes apresenta como um furo, uma falta irremediável. Ao esbarrar nisso,
Pessoa afirma que ―no fim tudo termina em silencio e poesia‖, Lacan confessa ―não ser
poeta/poata o bastante‖. Assim, depois de terem dito o que tinham a dizer poeta e
psicanalista ―ficam estranhamente mudos‖ (Starobinski), todas as hipóteses podem
suceder-se a respeito deles: eles não aceitam e nem recusam.
O silêncio! A voz! A causa de desejo.
Título: Heteronímia e organização
MARCUS VINICIUS DE FREITAS (UFMG)
Em 1926, Fernando Pessoa publicou na Revista do Comércio e Contabilidade, dirigida
por seu cunhado F. Caetano Dias, um conjunto de textos de análise econômica e de
organizações, em princípio expressão de seu interesse como empregado do comércio.
Entretanto, para além do interesse propriamente econômico de tais textos, eles podem e,
no meu entender, devem ser lidos à luz do conjunto da sua obra poética. Neste trabalho,
proponho a leitura do fenômeno da heteronímia pessoana justaposta à do texto
intitulado "Organizar", publicado no número 4 da mencionada Revista.
Título: Religiosidade, crenças, mitos em Guimarães Rosa
MARLI FANTINI SCARPELLI (UFMG)
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No conto ―A menina de lá‖, de Guimarães Rosa, temos personagem infantil, uma
criança que habita o espaço sagrado dos mitos, que balbucia uma espécie de língua dos
anjos, em estado nascente, primordial, icônico, aquela língua a que aspiram poesia e
poetas. As proezas da menina atestam sua potência para os milagres que acabam por
consagrar-lhe a santidade, o que nos faz, a nós leitores, vislumbrar o surgimento de uma
santa, a ―Santa Nhinhinha‖. É a partir desse universo antropológico que inúmeras
personagens da literatura de Guimarães Rosa se revelam através de destinos pessoais e
mesmo coletivos condicionados pela superstição, pela religiosidade arcaica, pelo
pensamento mítico. Não diferentemente de personagens universais, a exemplo de
Hamlet ou Raskolnikov, Riobaldo, o narrador-protagonista do romance Grande sertão:
veredas, é um personagem que, cheio de culpas e medo, é temente a Deus e pactário
com o Diabo. Nunca deixa de recorrer à religião, ou melhor, a todas as religiões, como
ele próprio explica a seu entrevistador no romance. É, no entanto, digno de acento que,
nessa opção de Riobaldo, aflore uma espécie de religiosidade universal, sem castas, sem
discriminação, preconceitos ou agenciamentos de controle, muito de acordo com o
respeito às diferenças que rege a vida e a arte de Guimarães Rosa. A passagem abaixo
em que Riobaldo defende a universalidade de suas crenças, com fé, alegria e bom
humor, é exemplar:
Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O
Senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente
de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara de loucura.
No geral. Isso é que é a salvação da alma... Muita religião, seu moço! Eu
cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo
rio... Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão,
católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu
Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no
Mindubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de
pecador, lê alto a bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me
quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito
provisório. Eu queria rezar — o tempo todo.
Título: Notas sobre perspectivismo e heteronímia
OLÍMPIO PIMENTA NETO (UFOP)
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Embora a aproximação entre a filosofia perspectivista de F. Nietzsche e a poética que dá
conta da gênese e da justificação da heteronímia em F. Pessoa tenha sido, já, bastante
explorada, parece-nos que uma de suas implicações principais resta ainda
indeterminada. Pretendemos, nesta breve reflexão, avançar algumas razões em defesa da
hipótese de que ambas as formulações podem convergir na articulação do pensamento
do mundo concebido como devir, evidenciando, pelo exame das realizações filosóficas
e literárias que lhes dão corpo, o caráter consequente das intuições centrais de Heráclito.
Título: Nietzsche e Wittgenstein: Estética e Perspectivismo
NUNO RIBEIRO (Universidade Nova de Lisboa)
A presente palestra explora as conexões entre estética e perspectivismo nos
pensamentos de Nietzsche e Wittgenstein. Ao longo dos escritos de Nietzsche e das
obras de Wittgenstein, após o seu retorno à filosofia em 1929, encontramos a construção
de uma atitude perspectivista, ligada à criação de uma multiplicidade de olhares sobre
um mesmo objecto. Assim, através da análise e detalhamento das questões relativas ao
problema do estilo filosófico nos pensamentos nietzschiano e wittgensteiniano
elucidaremos os possíveis sentidos da produção estética de uma pluralidade de
perspectivas sobre um mesmo objecto no pensamento desses dois autores.
Título: O modelo político dos impulsos em Nietzsche
ROGÉRIO ANTÔNIO LOPES (UFMG)
Procurarei mostrar que Nietzsche desenvolve seu modelo pulsional em contraposição
direta ao modelo pressuposto por Schopenhauer em sua metafísica da vontade.
Particularmente censurável no projeto schopenhaueriano de uma metafísica póskantiana teria sido sua tentativa de substituir o dualismo corpo e mente por um novo
dualismo entre vontade e representação. Ao tentar contornar esse dualismo em direção a
uma metafísica monista, Schopenhauer é levado a suprimir a qualidade intencional do
querer, edificando sua metafísica sobre um não conceito (o de vontade cega).
Contrariamente às interpretações mais canônicas do tema, argumento que uma noção
mínima de intencionalidade é um aspecto mais fundamental das vontades de poder do
que o simples pluralismo. O modelo da deliberação política fornece a Nietzsche
inspiração para um modelo alternativo do psiquismo (e de uma ontologia das forças),
centrado antes na figura do conflito do que na do desejo (como é o caso em
Schopenhauer).
RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES
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Título: O gozo: desvelando seus mistérios
ALBA VALÉRIA DURÃES MILAGRES (CEFET- MG)
Por acreditarmos que o desenvolvimento de uma sexualidade saudável precisa estar no
cerne da evolução humana, a análise das bases biopsicossociais é de suma importância
para entendermos o processo individual e coletivo na cena contemporânea da qual
fazemos parte. Há um corpo que traduz nossas emoções e conta nossa história herdada
geneticamente e adquirida socialmente. A expressão corporal é a perspectiva somática da
expressão emocional. Chamamos a atenção para a discussão de gênero e de sexualidade
humana, porque estamos impondo os papeis para ambos, numa ânsia de oferecer poder e
autonomia à fragilidade feminina e fragilidade à força masculina. Esta imposição é real,
porém no nível inconsciente emerge utilizando-se de perfis e imagens do processo
evolutivo do gênero. Tanto homens quanto mulheres tentam encontrar alguém ou algo
que preencha esta distorção. Desse modo, buscando evidenciar a representação da
temática do gozo, propomos uma análise da crônica ―Mistérios gozosos‖, de Affonso
Romano de Sant‘Anna, iluminada por aspectos da teoria da Sexualidade de Freud.
Palavras-chave: Sexualidade humana. Teoria de Freud. Gênero. Crônica.
Título: A segregação e o inimigo nosso de cada dia
ALEXANDRE DUTRA GOMES DA CRUZ (PUC Minas)
ILKA FRANCO FERRARI (PUC Minas)
O artigo estabelece uma interlocução entre a psicanálise e o direito, tomando como
recorte de leitura as teorizações freudianas acerca da agressividade dirigida ao próximo e
a segregação, buscando articulá-las com a doutrina do direito penal do inimigo, tal como
formalizada por Gunther Jakobs (2007). Recorre, também, às elaborações de Giorgio
Agamben (2002) em torno do poder soberano e da vida nua, termo utilizado por ele para
designar uma classe de indivíduos expostos à anomia jurídica. Em 1921, no texto
Psicologia das massas e análise do eu (1921/2010), Freud já afirmava que a intensidade
dos laços que mantém um grupo coeso é proporcional à hostilidade que ele canaliza para
fora, em direção a um objeto externo. Esse objeto pode ser um grupo rival, ou então, uma
determinada categoria de indivíduos destinada a se tornar alvo expiatório da
agressividade, inerente a toda e qualquer forma de agrupamento humano. Neste último
caso, a segregação e o extermínio de milhares de judeus, durante a segunda guerra
mundial, constituiu exemplo paradigmático. Freud (1930/2010) retomou suas reflexões
acerca da agressividade e da segregação alguns anos depois, reafirmando seu estatuto
universal e estendendo o escopo de sua análise, com vistas a estabelecer uma leitura do
mal estar na civilização em sua época. Para articular essa temática e mostrar sua
pertinência, os autores discutem uma prática policial muito comum no Brasil atualmente:
as megaoperações policiais, mais particularmente, as que foram realizadas recentemente
nos morros e favelas do Rio de Janeiro. Essa prática vem se revelando não apenas
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segregacionista, mas francamente intolerante e criminalizadora da pobreza. Depoimentos
recolhidos a partir de uma pesquisa documental permitem afirmar que durante essas
operações, os agentes do estado adotam procedimentos de guerra, não fazendo distinção
entre criminosos procurados pela justiça e residentes das comunidades invadidas. No
campo do direito, um debate atual em torno da doutrina do direito penal do inimigo vem
mobilizando alguns juristas e trazendo contribuições relevantes para a temática abordada.
A partir dos princípios veiculados por essa doutrina, percebe-se que a fabricação de
inimigos, sob medida, constitui um procedimento integrante da política de segurança
adotada pelo governo federal para lidar com indivíduos indesejáveis ou perigosos e,
também, a exercer um controle cada vez mais cerrado sobre a vida de certos cidadãos.
Palavras-chave: Freud. Segregação. Direito penal do inimigo. Inimigo. Megaoperações.
Título: Conversa de Bois: O Teor Fabular e Filosófico no Conto de João
Guimarães Rosa
ALEXANDRE VELOSO DE ABREU (PUC Minas)
Este artigo apresenta o conto ―Conversa de Bois‖ de João Guimaraes Rosa em uma
perspectiva fabular e filosófica. O conceito de fábula abarca um grande espectro de
significações, que vai desde: resumo, intriga, conjunto, construção, até o conceito mais
formalista, que lhe dá um sentido mais material. No entanto, imprimiu-se no gênero como
característica principal, o cumprimento de uma ação e o uso do antropomorfismo (quando
animais assumem características humanas). Na verdade, essa característica é que define o
gênero fábula, pois as personagens principais são animais. O termo fábula vem do latim,
fari, que significa falar ou do grego, phao, significando contar algo. A narrativa tem uma
natureza simbólica e/ou alegórica, retratando uma situação vivida por animais,
remetendo-se à situação humana, com o objetivo de transmitir certa moralidade.
Lembrando a estrutura proppiana e os silogismos aristotélicos, entende-se que ao explorar
a fábula e a filosofia, o autor mineiro recusa o estado efêmero do fazer literário,
entendendo-o como constante e cíclico, um eterno exercício de reconhecimento. Não há
como encerrar algo essencialmente inclinado a se perpetuar. A obra literária se emancipa
de seu tempo, contexto e espaço, seguindo como expressão autônoma que é. A conversa
é de bois e os ouvintes são os humanos. A literatura e o sertão são do mundo.
Palavras-chave: Narrativa. Fábula. Rosa.
Título: O esplendor ilusório: por Chico Buarque, Nietzsche e Freud
ALEXSANDRA LOIOLA SARMENTO (PUC Minas)
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O presente trabalho busca analisar o jogo de linguagem empregado no discurso do
narrador do romance Leite Derramado de Chico Buarque, com apoio nos textos "A
negativa" de Freud e "Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral" de Nietzsche. O
objetivo da leitura consiste em mostrar de que maneira a verdade e a mentira, já
tematizadas pelo artista no poema-canção ―Verdadeira embolada‖, encontram-se
entrelaçadas nessa obra literária. O que suscita a reflexão sobre como as astúcias da
palavra foram utilizadas para expor e desmascarar um figurão brasileiro a partir de uma
confissão involuntária. Verifica-se que as negativas dadas no discurso narrativo valemse como afirmativas, dessa maneira, o alto assume o sentido de baixo, o nobre se
transforma em esnobe, o requinte em vulgaridade, o civilizado em bárbaro, a pureza em
mácula. Por entre a pretensiosa história do narrador acerca da genealogia e dos
membros que compõem o círculo social em que convive, escorre um contradiscurso. De
acordo com Freud (1996), a realidade indesejada, por vezes, só é possível vir à tona
acompanhada de uma negação que a desfaz. Assim, quando se percebe num enunciado
de negação a presença de uma dada realidade camuflada, o termo negativo deve ser
apagado, podendo ser considerado apenas o conteúdo geral. A negativa constitui, desse
ponto de vista, um modo de se alcançar um conhecimento que se encontra acobertado,
ensina Freud (1996). No romance em questão, o estado de decadência, a perda da
representatividade do nome e do status social trazem a necessidade do mascaramento,
do enaltecimento de si, do esplendor ilusório como forma de proteção e conservação
social. Como o mentiroso nietzschiano, a voz discursiva "serve-se das designações
válidas, as palavras, para fazer o imaginário surgir como efetivo; ele diz, por exemplo,
"sou rico", quando para seu justamente "pobre" seria a designação mais acertada. Ele
abusa das convenções arbitrárias ou inversões dos nomes, inclusive." (Nietzsche, 2007,
p. 29-30). A compreensão das mensagens subliminares torna possível o acesso ao
recôndito da linguagem. Assim, através de um artifício literário bastante preparado para
expor as imagens, as situações e os atos um tanto desconcertantes, o texto de Chico
Buarque desconstrói o discurso de um dos representantes da elite no Brasil.
Palavras-chave: Leite Derramado. Linguagem. Ironia. Freud. Nietzsche.
Título: A dinâmica da transferência na obra freudiana
ALYSSON ASSUNÇÃO ANDRADE ( PUC Minas)
A transferência, enquanto um conceito estrutural da teoria psicanalítica, designa um
processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre terminados objetos no
quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro
da relação analítica. Nessa direção, a transferência é classicamente reconhecida como o
terreno em que se joga a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são a sua
instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam
este tratamento. Objetivo: A partir dessa caracterização, este trabalho tem por objetivo
não somente apresentar e discutir o conceito de transferência na obra freudiana, mas
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demonstrar como a formulação deste possuiu diferentes contornos ao longo da
construção elaborativa de Sigmund Freud, o que acabou, via de regra, por conferir-lhe
um aspecto dinâmico. Vale dizer, desde os Estudos sobre histeria (1895) até Esboço de
psicanálise (1937), nos é possível perceber o quanto Freud empreendeu um eminente e
continuado esforço na tentativa de sistematização de um conceito, bem como de toda a
sua teoria metapsicológica, que buscava abarcar as mais variadas manifestações tanto de
resistência quanto de possibilidades ao trabalho analítico. Justificativa: Assim sendo,
este trabalho se justifica não apenas porque busca apontar as variadas modulações
encontradas acerca da transferência na obra do pai da psicanálise, mas porque tenta
elucidar que a polissemia que o conceito traz em seu bojo gerou, como um dos seus
efeitos derradeiros, uma dificuldade em sua compreensão e definição, e isso mesmo por
parte dos profissionais da psicologia. Metodologia: Para a construção desse trabalho
utilizamos os seguintes aportes metodológicos: consulta ao acervo bibliográfico do
autor e levantamento de artigos sobre a temática em questão em bases de dados de
referência, como Google Acadêmico, Scielo, Lilacs e Portal de Periódicos CAPES.
Diante dos resultados encontrados, utilizamos uma abordagem analítico-interpretativa,
quer dizer, realizamos um corte diacrônico do conceito, decompondo-o e analisando-o
em momentos específicos e ligando-os a outros de caráter mais abrangente no intuito de
melhor compreender a dinâmica da transferência. Resultado: como resultado é possível
indicar que o conceito de transferência perpassou a obra freudiana em seus mais
variados momentos, sofrendo alterações e sendo constantemente reelaborado pelo autor.
Conclusão: Com este trabalho nos foi possível concluir que a abordagem holística do
conceito possibilitou-nos vislumbrar os diferentes significados e implicações que a
transferência adquiriu em cada momento da construção teórica de Freud, bem como
permitiu-nos compreender o estatuto primordial que este termo abrangeu na evolução e
construção da teoria psicanalítica.
Palavras-chave: Teoria Psicanalítica. Freud. Transferência.
Título: Nietzsche e Clastres: um paralelo
AMANDA FIEVET MARQUES (UFF)
JOÃO GABRIEL RAMOS MENDES DA CUNHA (UFF)
ORIENTADOR: ANTÔNIO CARLOS RAFAEL BARBOSA (UFF)
A filosofia de Nietzsche ora glorificada por uns, ora menosprezada por outros, é
conhecida pela sua crítica corrosiva, e se insere na vertente filosófica surgida após a
filosofia transcendental de Kant: a ―ontologia do presente‖. Nietzsche teve como uma
das propostas de sua filosofia, a investigação do valor dos valores dominantes no
ocidente. Isso poderia ser descrito como o procedimento característico de sua filosofia,
o genealógico, que se insere no seio de uma nova concepção de filosofia – a filosofia do
―meio-dia‖ ou trágica –, que busca ultrapassar os dualismos metafísicos ocidentais
(ser/devir; essência/aparência; inteligível/sensível; verdade/erro), já que estes se
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aproximam estreitamente da moral. Para ele, a filosofia não se relaciona à busca de
verdades ou essências, mas deve mesmo funcionar como uma dinamite. O filósofo deve
oferecer diagnósticos, é concebido por Nietzsche como o médico da civilização. É sabido
que foi a leitura muito original de Deleuze na década de 1960, que trouxe a figura de
Nietzsche novamente para a cena do debate filosófico. Com isso, percebemos que
segundo a leitura de Deleuze, Nietzsche atribui três sentidos à cultura. O primeiro, o
sentido pré-histórico, é o da cultura como sistema de crueldade, caracteriza-se pela
inscrição de signos no corpo através do castigo e, através da repetição, criando a potência
de lembrar. O segundo sentido é o histórico, combatido por Nitezsche, o da história
ocidental – história da decadência –, marcada pela disposição negativa diante da vida; que
atesta a vitória das forças reativas sobre as forças ativas quando o homem falseia a ação
ativa. Por último, o terceiro sentido é sobre a constituição de algo que ultrapassa a própria
cultura, ou seja, a produção do homem soberano, que se liberta da própria cultura e cria
seus próprios valores. Levando a sério a sugestão de Deleuze & Guattari no Anti-Édipo,
de que os etnólogos deveriam ler mais Nietzsche, a nossa tentativa aqui é a de uma
possível leitura nietzscheana do trabalho do etnólogo Pierre Clastres a partir desses
sentidos de cultura, que inclusive deixam ver uma concepção do fundamento da vida
social que também pretendemos abordar. No âmbito da antropologia, a exposição de
Clastres tende a estabelecer maior contraposição com à de Lévi-Strauss. Este, tem o ser
social primitivo como ser-para-a-troca, ou seja, aqui há a primazia da troca; já para
Clastres, há a primazia da dívida e da guerra, segundo ele, inscrita no modo de
funcionamento da sociedade primitiva. Para Lévi-Strauss, a guerra é a troca mal-sucedida,
para Clastres a troca é um efeito tático da guerra. Nessa direção, pensamos em explorar a
noção de dívida presente no pensamento nietzscheano que também se afina a essa
compreensão de Clastres, desenvolvida a partir da realidade etnográfica.
Palavras-chave: Nietzsche. Deleuze. Clastres. Filosofia. Antropologia.
Título: O Mal-Estar do Sujeito no Mundo Administrado: articulações entre a
psicanálise e a teoria crítica da sociedade
ANA PAULA DE ÁVILA GOMIDE (UFU)
O objetivo desta pesquisa é verificar de que forma as chamadas psicopatologias
contemporâneas têm sido discutidas pela clínica psicanalítica atual, à luz da teoria crítica
da sociedade. Diante disto tudo, a questão norteadora desta pesquisa é assim elaborada:
Em que medida a clínica lacaniana - seus efeitos em termos antropológicos - pode
subsidiar o pensamento crítico e materialista proveniente da Teoria Crítica da Sociedade,
para dar conta das novas formas de subjetivação, tendo como foco o novo mal-estar que
se inscreve nas psicodinâmicas individuais? Como se sabe, a pressão civilizatória
observada por Freud multiplicou-se em um grau insuportável na fase corrente do
capitalismo tardio o que tem revigorado a hostilidade das pessoas contra a civilização, e
ocasionado possíveis linhas de fuga como resposta possível dos sujeitos à ―claustrofobia
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[das pessoas] no mundo administrado‖, em face de uma situação cada vez mais totalitária
e socializada que não tem permitido a resistência particular possível, tal como apontado
por Adorno (1995). Não obstante, evidencia-se, cada vez mais, um tipo de ―saída‖ a esta
situação por meio das ―defesas narcísicas‖ desenvolvidas pelos sujeitos, pelas quais as
perturbações de ordem psicossomática, a ―passagem ao ato‖ em forma de violência e
agressividade, bem como o estresse tornaram-se proeminentes nas maneiras de ser dos
indivíduos. No que tange à hipótese de crítica social subjacente ao mal-estar hoje, e a sua
cooptação pelos discursos naturalistas e organicistas das ciências médicas, o confronto
entre as modificações ocorridas na concepção de indivíduo, do final do século XIX,
problematizada pelos autores da teoria crítica de T. W. Adorno e M. Horkheimer, em
termos daquilo que essa noção aponta para a sua crítica social — a ideia negativa de
indivíduo —, e a categoria de sujeito, anunciada e discursada pela psicanálise, a partir de
Freud, serão desenvolvidas. Por se tratar de uma pesquisa teórica faremos um estudo de
alguns textos de autores da psicanálise contemporânea, e de textos dos autores da teoria
crítica da sociedade, a fim de levantarmos e confrontarmos os conceitos levantados nos
textos, para a articulação da clínica psicanalítica com a teoria crítica. A tentativa é a de
também verificar até que ponto as noções de sujeito, imaginário, e gozo, da clínica
lacaniana, podem servir de instrumentos para a teoria crítica da sociedade.
Palavras-chave: Psicanálise. Teoria Crítica. Indivíduo. Subjetividade.
Título: A expressividade do pensamento de Kierkegaard
ANDRE OSWALDO VALENÇA RIBEIRO ( FFLCH USP)
Um dos pensadores que antecipa muitas das questões que atravessam os pensamentos de
Nietzsche, Freud, Pessoa e Rosa é Kierkegaard. Devido à configuração temática da
existência que perpassa seu pensamento, parece haver uma relação intrínseca entre
literatura e filosofia nos textos kierkegaardianos. O uso de ironia, anedotas, humor e
narrativas parece indicar a percepção de que a situação humana não pode ser abordada por
categorias tradicionais de reflexão. Nesse sentido, nossa comunicação pretende fazer uma
introdução a maneira como Kierkegaard expressa seu pensamento na obra A doença para
morte, de 1849, texto no qual ele desenvolve uma singular antropologia filosófica, por
meio do conceito de doença do self, tópico que será muito trabalhado por Freud meio
século depois. Mais especificamente, pretendemos discutir a relação entre conceito e
narrativa a partir de algumas das anedotas presentes no texto de A doença pare morte.
Palavras-chave: Anedotas. Ironia. Kierkegaard. Doença para a morte.
Título: Travessia de Rosa: do significante à letra
ANDRÉA ALVES RODRIGUES (Faculdade Pitágoras)
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
O presente trabalho propõe uma análise do romance Grande Sertão: Veredas, de João
Guimarães Rosa, através da observação dos mecanismos linguísticos de que se vale o
autor na sua construção, para apontar algumas confluências entre os discursos literário e
o psicanalítico, no romance. Para isso, utilizaremos pressupostos teóricos da teoria da
ironia, procurando estabelecer alguns pontos tangenciais entre a literatura rosiana, os
recursos da ironia e a psicanálise. Nessa perspectiva, analisaremos a questão de que
Rosa constrói um romance no qual faz uso da linguagem em sua mobilidade, mostrando
a possibilidade de deslizamentos dos significantes que, não se amarrando a significados
definitivos, garantem uma vasta gama de significâncias. Assim, no campo semântico do
romance, são tecidas as ambiguidades e as dúvidas, com as quais o autor parece
demonstrar que o significante e o significado não são paralelos e que não há qualquer
correlação unívoca entre um e o outro. Ao escapar da formulação de conceitos
definitivos, mostraremos que o autor transforma o campo literário num lugar que se
quer aberto ao diálogo, ao trânsito, aos questionamentos, às reflexões e a múltiplas
interpretações, possibilitando, ainda, a circulação do mal entendido, pois são as
mensagens aparentemente sem sentido e absurdas é que se mostram evocadoras e
criadoras de significações para além dos sentidos admitidos no código da língua. Tal
intenção de análise nos leva, assim, a uma aproximação da literatura rosiana com o
ponto de vista da teoria psicanalítica que pressupõe que o inconsciente emerge no dizer,
no ato da enunciação, ao passo que, no dito ou enunciado, essa verdade inconsciente se
perde sob as máscaras da linguagem. De acordo com essa lógica, reconhecemos na obra
de Rosa uma outra função da linguagem que irá remeter a um para ―além da dimensão
simbólica‖, em que, rompe-se com o compromisso dos efeitos de significante e
aproxima-se do campo da ―letra‖, do campo da escritura, revelando a letra como o
impossível de significar e como puro objeto de gozo. Concluímos, assim, que a riqueza
da trama textual do Grande Sertão se deve muito ao efeito que surge quando o seu autor
viabiliza os deslizamentos dos significantes, mostrando a impossibilidade de amarrá-los
a significados definitivos; será, pois, permitindo que o significante funcione mais como
―letra‖ que o seu movimento poderá revelar um efeito poético no texto. Assim,
verificamos na escrita rosiana uma vertente da linguagem na qual a letra, esvaziada
desse compromisso de reprodução dos sentidos, já no campo da escritura, mostra-se
capaz da ruptura com os semblantes e aproximação com os efeitos enigmáticos do gozo
na escrita.
Palavras Chaves: Rosa, Literatura e Psicanálise; Simbólico e real; letra e escritura.
Título: A poética do desencanto
ANGELA GUIDA (UFMS)
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
O trabalho em questão apresenta como proposta discutir em que medida poemas do
heterônimo de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, bem como poemas que compõem a
obra dita ortônima O cancioneiro e escritos aforísticos do filósofo Friedrich Nietzsche
se deixam tomar e/ou afetar por uma poética, à qual denominamos de poética do
desencanto. Uma hipótese a se pensar estaria ligada às promessas de um novo rumo
para o pensamento advindas com a modernidade: uma aposta que não teria
correspondido ao esperado pelo poeta e pelo filósofo; outra, ligaria o desencanto à
origem, entretanto, parece que a segunda hipótese fere um pouco o processo de
formação da palavra-questão que é o eixo deste trabalho: desencanto. O prefixo de
origem latina des que denota ausência de algo, neste caso, ausência de encanto, ao negálo, de certa forma, deixa entrever que este encantamento outrora teria existido, mas que,
por alguma razão, agora se encontra sob a égide da descrença, do desencanto e, quiçá,
da desilusão. Assim, pretende-se investigar de que maneira esse desencanto se construiu
ao longo das produções do poeta-engenheiro e do filósofo-literato. Em Álvaro de
Campos, por exemplo, é possível pensar que o reforço desse desencanto se dá, entre
outras formas distintas, pela recorrência acentuada da palavra-signo cansaço, conforme
se pretende demonstrar no trabalho que ora se propõe. Da mesma maneira que o
cansaço não vem do nada, o desencanto também não, logo, uma pergunta se faz
premente tanto na obra do poeta, quanto na obra do filósofo: o que teria causado o
desencanto de Álvaro de Campos e de Nietzsche diante da existência? Descobrir que o
humano é demasiado humano e, portanto, condenado a um tipo de fracasso existencial,
a uma poética do quase? Com relação ao filósofo, o diálogo se dará preferencialmente
com duas obras: Assim falou Zaratustra e Humano demasiado humano. Neste trabalho,
ainda se discutirá a interseção entre saberes ditos poéticos e filosóficos, isto é, como
literatura e filosofia podem contribuir para a construção do pensamento, sem que um
saber se sobreponha ao outro. Enfim, essas são algumas das questões com as quais este
trabalho se compromete, não a respondê-las, mas, pelo menos, a pensá-las para além de
conceitos e definições fechados em si mesmos. Assim, a proposta em questão é, antes
de tudo, um convite ao pensar.
Palavras-chave: Nietzsche. Álvaro de Campos. Desencanto. Interdisciplinaridade.
Título: Primeiras Leituras com Primeiras Estórias
BÁRBARA MOURÃO ARANHA (PUC Minas)
Partindo do pressuposto de que há grande dificuldade e resistência, tanto por parte dos
docentes quanto dos discentes, no trabalho com a leitura, principalmente com a leitura
do texto literário, e que, como consequência de tais obstáculos, o contato com obras de
reconhecidos autores da literatura brasileira, ainda no ensino básico, tem se tornado
escasso, o objetivo desta pesquisa é propor/ensaiar um trabalho em sala de aula com
quatro contos do livro Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa, – a saber: ―As
margens da alegria‖, ―A menina de lá‖, ―A partida do audaz navegante‖, ―Os cimos‖ –,
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
que terá como principal metodologia a condução feita pelo professor por meio do ―ler
com‖, da leitura conjunta com os alunos. Desse modo, podendo verificar como se
efetiva o processo de construção de sentidos por parte do leitor e, a partir dos resultados
observados, propor que o ensino de literatura se dê, sobretudo, por meio do próprio
texto literário, uma vez que os alunos, enquanto leitores, são também participantes do
―fazer literário‖, sendo capazes de compreender o trabalho estético com a linguagem e
os efeitos de sentido provocados por ela. A prática foi aplicada a alunos concluintes do
Ensino Médio, uma vez que é, nesse nível de ensino, segundo os parâmetros
curriculares nacionais, que os estudantes, de fato, entram em contato com o cenário
geral da literatura brasileira. O aporte teórico que sustenta a pesquisa gira em torno da
relação autor-texto-leitor, com especial atenção para o contato do leitor com o texto
literário, buscando entender como o leitor age para produzir algum sentido naquilo que
lê; portanto, os teóricos da recepção foram os selecionados para estudo. Iser ganha
destaque nesta pesquisa, com suas postulações acerca do texto como um campo de jogo
em que o leitor é chamado a adentrar e participar. Segundo ele, ―os autores jogam com
os leitores e o texto é o campo de jogo. O texto é composto por um mundo que ainda há
de ser identificado e que é esboçado de modo a incitar o leitor a imaginá-lo e, por fim, a
interpretá-lo.‖ (ISER, 2002)
Palavras-chave: Ensino de Literatura. Guimarães Rosa.
Título: A cultura em Freud e em Nietzsche.
BRUNO CURCINO HANKE (UFMG)
O trabalho, participante da sessão comentada ‖Freud, Nietzsche, Pessoa e Rosa:
reflexões sobre o sujeito e a cultura‖, objetiva discutir os desígnios que Freud e
Nietzsche dirigem ao tema da Cultura (Kultur), investigando possíveis pontos de
semelhança e distanciamento no que tange às construções teóricas de cada um sobre tal
tópico. Utilizamos algumas obras específicas de cada autor que se referem ao objeto
aqui abordado. No início de sua discussão sobre a Cultura, Freud nos aponta que os
sacrifícios pulsionais que os indivíduos fazem seriam em prol de uma ―moral
civilizada‖, o que afetaria a saúde e a produtividade deles. A partir do mito da horda
primeva, é mostrado que a lembrança do parricídio tem mais relação com a elaboração
dos limites na instauração de novos grupos sociais do que com uma homenagem ao pai
totêmico. O parricídio, portanto, pereniza o sentimento inconsciente de culpa, que nos
acossa para que os grupos sociais se mantenham, se reproduzam e que ―progridam‖.
Assim, o registro do mal-estar ajuda Freud a avaliar a vida moderna, e lhe dá elementos
para entender a ação de um vigilante dos atos humanos: o supereu reforça a supremacia
da Civilização em detrimento do desejo. Nietzsche, contudo, não escreve sobre a culpa
formada em referência ao pai autoritário, mas a discute a partir da má consciência e de
um ―fazer promessas‖. Ele aponta que a evolução deu ao esquecimento a tarefa
fundamental de retirar a agressividade das respostas às provocações. A responsabilidade
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
seria a maneira encontrada para tornar o homem confiável, a ponto de não satisfazer a
exigência de seus impulsos, de sua agressividade. Em seu método genealógico,
Nietzsche propõe não um mito, como faz Freud, mas uma crítica dos valores morais.
Fazendo isso, não apenas questiona a forma pela qual o homem foi seduzido a abrir mão
de sua ―irracionalidade‖, mas indaga sobre a que ponto a humanidade havia chegado
para entender que essa seria uma verdade à qual todos deveriam se curvar. Dado o
exposto, tanto em Nietzsche quanto em Freud, não é novidade apreender que a
Civilização ―domestica‖ o homem. Em Nietzsche, percebe-se claramente uma
construção sobre a distinção entre os termos ―Civilização‖ e ―Cultura‖. Para compô-la,
o filósofo associa a Civilização à decadência e à disciplina vividas na modernidade, e à
Cultura o seu oposto, ou seja, a ousadia, a audácia. Em Freud, tal construção não se dá,
já que ele explicita, em ―O futuro de uma ilusão‖ (1927) desprezar uma suposta
diferença entre estes termos. A pergunta que surge, portanto, é a seguinte: é possível
que a construção nietzscheana sobre a Cultura nos lance a um entendimento quanto ao
motivo de Freud não se interessar pela distinção entre Civilização e Cultura? Conclui-se
que a importância dada por Nietzsche ao horror vacui, em sua elaboração sobre o ideal
ascético, pode nos dar uma luz à questão proposta e nos aponta o desamparo e a
indeterminação como possíveis influências à decisão freudiana.
Palavras-chave: Freud. Nietzsche. Cultura. Civilização.
Título: Ornando o Presepe: a tradição cristã em Rosa
CARLA SANTOS DA COSTA (UEFS)
A escrita literária parece estar eternamente associada à noção de palimpsesto, onde ―o
apagar não é nunca tão acabado que não deixe vestígios‖ (SCHNEIDER, 1990, p. 71).
Portanto, a retomada, assim como as releituras são inevitáveis, é ação inerente a toda e
qualquer produção textual. O texto, como um jogo de relações significativas entre
outros textos preexistentes, é bem representado pela ―citação sem aspas‖ de Roland
Barthes. Assim como na expressão ―Nada se cria‖ de Antoine Compagnon (2007), em
O Trabalho da Citação, expressão capaz de sinalizar a pretensão temática que esse breve
estudo se propõe a abordar, a intertextualidade, as marcas da tradição numa produção
moderna, como um recurso capaz de apontar que todo autor é, antes de mais nada, um
leitor, envolvido no seu mundo presente e em outros mundos que se fez antes dele.
Assim, parafraseando Compagnon, o fazer literário se constitui como numa brincadeira
inocente de criança: recortar e colar, em que não apenas autores se comunicam, mas
também épocas e culturas estabelecem diálogos possíveis. Dentre os autores que em seu
trabalho inventivo optou por dar voz às mais variadas obras literárias anteriores a sua,
João Guimarães Rosa foi aqui escolhido para que percebêssemos o vínculo estabelecido
entre sua obra e a Bíblia, uma de nossas matrizes culturais. Para tanto, leremos o conto
Presepe que integra a coletânea de contos Tutaméia, a última produção em vida de
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
Guimarães Rosa, com a tentativa de evidenciar o diálogo estabelecido entre este e a
tradição cristã ocidental. A Bíblia Sagrada se faz ver no conto escolhido, numa
reconstrução do Natal como símbolo do nascimento do menino Jesus. O conto, que não
por acaso é intitulado Presepe, uma variação do nome presépio, lugar onde se recolhem
os bois, curral, virou cenário da reencenação de um novo Jesus protagonizado pelo
velho Tio Bola. A partir deste trabalho percebemos que a presença da tradição nas
narrativas modernas demonstra a existência de elos, diálogos estabelecidos entre o
passado e o presente, um impulso de retorno que muito tem a dizer sobre o nosso
arcabouço cultural. A influência marcante da tradição nas produções literárias recupera
o sentido de atemporalidade e demonstra, segundo Eliot (1968), que toda obra está ―em
conformidade com outra em adaptação entre o velho e o novo‖.
Palavras- chave: Intertextualidade. Tradição. Modernidade. Bíblia. Guimarães Rosa.
Título: A identificação e os processos de segregação na contemporaneidade
CARLOS EDUARDO PEREIRA (PUC Minas)
ILKA FRANCO FERRARI (PUC Minas)
O processo de identificação é essencial na discussão contemporânea sobre os laços
sociais e as novas formas de segregação, e está intimamente ligado aos sentimentos de
aversão e hostilidade presentes em toda relação afetiva que perdura por algum tempo.
Freud, em suas elaborações sobre o narcisismo distingue três formas de catexização
objetal que promovem a exclusão de objetos estranhos (Unheilich): o amor, a relação
mãe-bebê e o grupo. Esse ―narcisismo das pequenas diferenças‖ estaria na base dos
mecanismos que engendram os processos de segregação na cultura. Lacan retoma o
tema da identificação, sobretudo no Seminário, livro 9 (1961-62), e parte da terceira
forma de identificação proposta por Freud, que pode ser nomeada de histérica, narcísica
ou imaginária, e diz da questão do outro em nós. Assim, a singularidade que marca o
sujeito, sua identidade mais íntima, é para ele, ao mesmo tempo, estranha e exterior, o
que nos remete ao que Freud (1976[1919]) fez alusão em seu texto ―O Estranho‖, e ao
conceito lacaniano de extimidade. Para Lacan, a diferença em um grupo somente
acontece pela hostilidade ou exclusão de um outro diferente, ou seja, o que valida um
grupo é o elemento externo ou estranho, e ai está a segregação na origem da
fraternidade. Contemporaneamente, com a expansão da ordem capitalista e do ideal
científico, assistimos à multiplicação de oferta de identificações que impõem uma
homogeneização dos modos de gozo que podemos designar com uma manifestação do
sintoma do Outro da cultura: aquilo que não vai bem e denuncia um disfuncionamento
na relação entre os seres humanos e a cultura que os sustenta. Estas identificações
segregam na medida em que suas manifestações sinalizam pontos de fracasso no projeto
de civilização e podem ser tomadas como falhas no laço social. O fracasso escolar, o
abuso de crianças, a violência urbana e as toxicomanias são exemplos dessas
ocorrências.
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
Palavras-chave: Freud. Lacan. Identificação. Segregação.
Título: A angústia da violência em "Parábola do Cágado Velho".
CAROLINA DE AZEVEDO TURBOLI (UFRJ)
Este artigo pretende investigar a alegoria da personagem Ulume através da psicanálise
implicada. Perpassando o tema de forma transversal também abordaremos o mal-estar
na civilização localizado na cidade fictícia do romance Parábola do Cágado Velho, de
Pepetela, bem como as outras alegorias-personagens que rodeiam Ulume e constroem o
ethos e as dialéticas culturais que caracterizam a pluralidade cultural pós-utopica
vigente no contexto histórico-social do romance. Pepetela é um autor angolano
amplamente estudado nos cursos de Literaturas Africanas. Já existe um número
considerável de teses a respeito de sua obra. Além da inegável qualidade literária, ler
Pepetela é conhecer a História Angolana através da metaficção historiográfica, termo
cunhado por Linda Hutcheon (1991). Devido à quantidade de estudos transpassados
pela História de Angola, procuraremos utilizar os instrumentos da Psicanálise para
investigar o livro Parábola do Cágado Velho a partir da demanda apresentada pelo
romance.Como, em nosso caso, esta última está vinculada a uma obra de arte, devemos
admitir de saída que a experiência e o olhar daquele que vê influenciarão de forma
contundente nos desdobramentos vislumbrados. Afinal, estamos construindo um
trabalho de psicanálise implicada.
Palavras-chave: Pepetela. Psicanálise. Dialética cultural. Alegoria.
Título: O fracasso na inauguração do saber psicanalítico
CAROLINA ESSELIN DE SOUSA LINO (UFMG)
Sabemos que, de início, Freud era médico e se dedicava à pesquisa do sistema
nervoso de enguias no laboratório de fisiologia de Brucke. Não podemos ignorar o
fato de que, inicialmente, ele tenha escolhido a medicina como profissão, tal como
esta se apresenta, impregnada pelo ideal da ciência. Para que a psicanálise, enquanto
investigação dos processos mentais inconscientes, fosse inaugurada, foi preciso um
percurso de obstáculos e deslocamentos, no qual tanto o discurso quanto o campo de
interesse de Freud foram transformados de forma inédita. Freud, em uma carta
endereçada a Fliess datada de 12 de junho de 1900, identifica o sonho da injeção de
Irma como responsável pela inauguração da psicanálise. Considerando a relevância
dada por Freud a este sonho, abordamos a questão dos erros médicos presentes em
algumas experiências profissionais vividas e relembradas por ele, especialmente
aquela conhecida na literatura como episódio da cocaína, que está presente no sonho
da injeção de Irma sob vários aspectos. A partir das associações de Freud em torno
de seus estudos sobre a cocaína, discutimos o fracasso dos ideais do programa
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
científico que naquele momento eram transmitidos a ele. Nosso objetivo foi de
esclarecer as condições da inauguração do saber psicanalítico em contraposição ao
saber científico. Utilizamos a bibliografia biográfica para apresentarmos a relação de
Freud com a droga, priorizando a posição de Freud como pesquisador e a droga
como objeto de estudo. O termo ―allotrion” (outro, estrangeiro), utilizado por Freud
para designar tais pesquisas foi amplamente discutido e nos levou a distinguir duas
concepções de escrita que têm sua base nos diálogos platônicos. Através das
contribuições de Jacques Derrida e Jacques Lacan pudemos esclarecer a
especificidade da escrita na psicanálise no que diz respeito à relação entre semblante
(aparência) e verdade. Concluímos que o encontro de Freud com os limites da
ciência, por ocasião de seus tratamentos malsucedidos e da transcrição de seus
estudos sobre a cocaína, foi fundamental para que ele pudesse se reorientar em
direção a uma nova relação com o saber e com a verdade marcada pela lógica do
incompleto e do singular.
Palavras-chaves: Psicanálise. Episódio da cocaína. Saber. Verdade e semblante.
Título: Perspectivismo nos escritos maduros de Wittgenstein
CÉLIA CÂMARA DE ARAÚJO (PUC- Rio)
Os escritos de Ludwig Wittgenstein são frequentemente percebidos como um trabalho
distribuído em pelo menos duas fases distintas: a primeira fase, representada sobretudo
pelo Tractatus Logico Philosophicus, corresponderia a um Wittgenstein universalista, já
que a visão da linguagem ali exposta é fortemente comprometida com as teorias
platônicas essencialistas que repercutem em Agostinho, por exemplo; já a segunda fase,
que envolve escritos posteriores ao Tractatus, vem sendo compreendida por grande
parte da literatura secundária como um pensamento que tende ao relativismo e se opõe
frontalmente ao trabalho da juventude do filósofo. A visão da linguagem como
representação é detratada ao longo da obra de maior repercussão da maturidade do
filósofo, as suas famosas Investigações Filosóficas. Esta pesquisa trilha uma terceira
via, em relação a esta divisão da obra do filósofo e está baseada na leitura da totalidade
da obra que, assim lida, aponta para um trabalho único, nos termos da interpretação que
lhe dá o filósofo e pesquisador brasileiro Prado Jr., para quem o télos da filosofia
wittgensteiniana jamais se modificou. Assim, nem universalismo, nem relativismo
seriam contemplados pelo pensamento de Wittgenstein, havendo, isto sim, uma filosofia
perspectiva. Encontramos índice desse perspectivismo na análise do que poderíamos
chamar de cenas de alteridade radical nos escritos wittgensteinianos – um tipo de
experimento de pensamento que comparece com muita frequência na obra madura do
filósofo. Trata-se de cenas imaginárias que figuram encontros, perplexidades e
incompreensões entre selvagens e civilizados, loucos e sãos, orientais e ocidentais,
crianças e adultos, e assim por diante. Nesses experimentos, manifesta-se o rigor do
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
trabalho crítico de Wittgenstein sobre a linguagem e o significado, sempre concomitante
à sua crítica da metafísica, no que a obra do filósofo vienense em muito se aproxima do
legado de Nietzsche, filósofo que critica a tradição filosófica ocidental. Esta, ao assumir
o essencialismo platônico, desconsidera o peso das metáforas na história das palavras e
pretende com elas, as palavras, representar a essência das coisas, o que se revela
impossível na linguagem. Esta pesquisa se concentra especificamente no exame de
cenas alteridade radical entre crianças e adultos, com o objetivo de demonstrar como
tais cenas ajudam a construir uma visão da linguagem como forma de vida, capaz de
recusar tanto o universalismo como o relativismo, em benefício de uma compreensão
perspectivista. Por ser um trabalho que enfoca a difícil e elusiva noção de forma de vida
em Wittgenstein, não nos esquivamos também de um encontro com a antropologia –
área que reconhecidamente está presente nos escritos do filósofo vienense. Nesse
aspecto, é possível também aproximar a filosofia wittgensteiniana da prosa rosiana, que,
em obras como Meu tio o Iauaretê faz lembrar, por meio da arte, o ―ver-como‖ proposto
pelo perspectivismo. Traçando um estudo paralelo entre a novela Meu tio o Iauaretê, de
Guimarães Rosa e a filosofia wittgensteiniana, que, sabidamente mudou seu curso após
os encontros com o antropólogo Piero Srafa, é possível nos orientarmos pela defesa de
um aspecto em comum entre a linguagem e a ação requerida pela visão antropológica: a
não-palavra. Logo nas primeiras páginas do texto de Rosa já aludido, percebe-se sua
frequência e significação. O escritor mineiro é capaz de demonstrar aquilo que
Wittgenstein aponta, quando mostra o sentido no uso, pois não há necessidade da teoria
– mais que isso, mostra que nenhuma teoria dá conta de abarcar a prática. E é
justamente nesta novela que Rosa coloca no papel, com maestria, uma forma de vida
que faz uso da não-palavra, exemplificando e evidenciado aquilo que a filosofia
wittgensteiniana sinalizara. Rosa aprimora a arte e o trato da linguagem, principalmente
na construção de personagens capazes de transitar em mundos diversos daquele que
conhecemos, capazes de dialogar com o estranho, o que faz de sua arte um encontro
com a antropologia e com a filosofia.
Breve resumo da novela rosiana: Em Meu tio o Iauaterê, Guimarães escreve o
monólogo de um caçador de onças que vive sozinho no meio das gerais e recebe a visita
inesperada de um viajante em seu rancho. A partir disso, o onceiro inicia a contação de
história de sua relação com as onças que ali habitam. Embora não haja registros da voz
do visitante, a fala desse narrador torna-se marcada por intervenções desse homem
branco estranho não apenas à situação, mas ao cenário. O narrador revela suas origens
para o visitante, desde sua ascendência de mãe índia e pai branco, até o trabalho por
muito tempo para um fazendeiro como caçador de onças, cujo objetivo era ―desonçar
esse mundo todo‖. No entanto, pelo fato de a onça ser considerada um animal sagrado
para a tribo indígena de sua mãe, o narrador abandona esse trabalho, já que se encontra
em estado de remorso por infringir uma tradição tão simbólica. É perceptível a pesquisa
antropológica realizada por Rosa. Ressalte-se que não apenas no Brasil a onça é
considerada como um animal totêmico de tribos indígenas, essa concepção abarca desde
o México até o sul do continente americano, principalmente na figura mítica do jaguar,
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
associada ao sol e ao fogo. É curioso que o narrador refere-se às onças como ―meus
parentes‖, e já no título, percebe-se o trabalho artístico de Rosa com o trato da
linguagem, seu empenho como estudioso de diversos idiomas e a recorrência desse
fenômeno linguístico do neologismo: iauara é onça, em tupi, enquanto etê signifique
verdadeiro. Esse bugre, então, vai se transformando aos poucos em onça, abordando
essa transmutação até o estado de ―homem-bicho‖. Nesse processo marcado fortemente
pelo choque das alteridades, o narrador inicia o processo contrário, agora como exonceiro, torna-se caçador de homens, para entregá-los às onças que, afinal, como
família, também precisam ser cuidadas. Essa relação, antes objetal, cede lugar à
relacional. Dessa forma, é possível comparar a filosofia perspectiva de Wittgenstein e a
antropologia, principalmente na transição do onceiro, cuja fala, aos poucos, é tomada
por uma presença animal, como se vê, por exemplo, nas práticas xamânicas descritas em
trabalhos de renomados etnólogos. Rosa tenta demonstrar essa não-palavra por meio das
interjeições e outros ruídos que evoluem gradativamente até o ponto limite, a não-volta
da metamorfose – o que revela o lado contraditório desse experimento, pois o autor
utiliza recursos linguísticos para tentar representar justamente aquilo que escapa à
linguagem, o que não tem capacidade de representação, já que ela própria não dá conta
– remissão cíclica à visão wittgensteiniana.
Palavras-chave: Wittgenstein. Epistemologia. Perspectivismo ameríndio.
Título: Formas atuais do conto popular em G. Rosa
CLAUDIA LORENA VOUTO DA FONSECA (UFPel)
Ao longo do processo de evolução por que passou a forma literária que conhecemos por
Conto, fica evidente que cada vez mais esta se distanciou de suas origens: a oralidade, a
essência popular, que agrega o maravilhoso. No entanto, observamos que essas
características da forma não foram descartadas em definitivo e estão presentes na obra
de autores que a atualizam. Tomamos Guimarães Rosa como paradigma desse
fenômeno de resgate das formas ancestrais de contar a partir de sua atualização. Como
contista, ao estabelecer o aproveitamento dos temas e das formas populares,
características das narrativas de tradição oral, que utilizam com frequência o elemento
maravilhoso, o autor tece seu próprio contar. Seu feitio, porém, não se assemelha ao dos
compiladores, mercê de um trabalho minucioso e artesanal com a palavra, o qual acaba
por atribuir à tessitura do texto uma especificidade que intriga e convida ao jogo. Este
estudo discute algumas questões relativas à gênese do Conto, aspectos relacionados à
nomenclatura; conceito; origem e suas fronteiras, objetivando caracterizar ou melhor
definir essa Forma tão avessa a caracterizações definitivas. O ponto de partida é a
relação de oposição entre Forma simples x Forma artística, quando então adentramos a
produção de Guimarães Rosa e estudamos a atualização do conto popular de tradição
oral em sua obra, à luz da Metalinguística bakhtiniana, pois cremos que sua teoria ajuda
a esclarecer os aspectos da obra rosiana que dizem respeito ao discurso. Malgrado a
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
investigação a que se lançou Mikhail Bakhtin ter sido empreendida a partir do romance,
acreditamos que sua teoria possa ser aplicada à narrativa curta, já que trata basicamente
das relações dialógicas entre narrador e interlocutor. Utilizamos, para tanto, o conto
Como ataca a sucuri, de Tutaméia, o qual consideramos exemplar no que tange aos
aspectos que pretendemos discutir. A direção que tomamos em nossa análise, diz
respeito ao discurso na obra do autor mineiro, sobretudo às formas de citação desse
discurso, fator relevante em seu fazer literário.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Conto. Como ataca a sucuri. Oralidade. Filosofia da
Linguagem.
Título: Em desarmonia com o mundo: investigações sobre a melancolia em Italo
Calvino e Sigmund Freud
CLAUDIA MAIA ( CEFET-MG)
Este trabalho tem por objetivo apresentar uma leitura de Palomar, de Italo Calvino, a
partir das discussões de Sigmund Freud em "Luto e melancolia. Grande observador do
mundo e que a ele reage muitas vezes com perplexidade, outras tentando dissolver o que
nele há de complexo, outras, ainda, valendo-se do que há de mais simples e
aparentemente desimportante para tentar compreendê-lo, o senhor Palomar, protagonista
das pequenas narrativas que compõem o livro, é um personagem míope, alheado,
introvertido. Esse comportamento está ligado a algo que ele acredita ter se perdido: a
harmonia entre ele e o mundo. Em vários dos fragmentos de Palomar, observa-se que a
melancolia surge ora em função da falta ora do excesso, o que demonstra que a relação
do personagem com o mundo condiz com a dupla impressão de acúmulo e subtração
que caracteriza a modernidade e, sobretudo, vários dos espaços que Palomar se põe a
perscrutar, como o mar, o céu e o museu. Para Freud, tanto o luto quanto a melancolia
são reações à experiência da perda de um ente querido ou de uma abstração que esteja
no lugar dela. No primeiro, o sofrimento vivido pelo sujeito duraria certo tempo, até ele
se mostrar capaz de substituir o objeto perdido por outro, restabelecendo, assim, seu
contato com o mundo externo. O sujeito acometido pela melancolia, contudo, não
elabora a perda, muitas vezes porque não sabe exatamente o que perdeu, permanecendo
em seu desânimo doloroso e com a autoestima rebaixada, característica esta ausente do
luto. No melancólico, há um empobrecimento do eu, ele agride o próprio ego em função
de uma identificação com o objeto perdido, e a perda transforma-se numa perda do ego,
o que pode ser observado em Palomar, que sofre por não ser como os outros. Pretendese, portanto, demonstrar como o personagem de Calvino, apesar de trazer traços muito
próprios das discussões do próprio escritor sobre a melancolia, apresentadas em Seis
propostas para o próximo milênio, pode ser lido a partir das investigações de Freud.
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
Palavras-chave: Melancolia. Italo Calvino. Sigmund Freud.
Título: Reflexões sobre a noção de sujeito em Freud e Nietzsche
CLÁUDIO REZENDE (PUC Minas)
O tema proposto pela mesa discute as noções de sujeito presentes nas obras de Freud,
Nietzsche e Pessoa. Tais autores rompem com modelos hegemônicos enraizados em seu
tempo e fundam novas formas de pensar e de compreender a subjetividade. O diálogo
entre os campos da filosofia, da psicanálise e da literatura é colocado em questão através
de aproximações e distanciamentos conceituais entre estes três autores, cuidando para que
tal proposta não incorra em uma discussão maniqueísta, já que tal postura provocaria
atitude reducionista sobre a discussão. O primeiro trabalho propõe uma discussão entre
Freud e Nietzsche com a finalidade de estabelecer algumas distinções conceituais entre os
dois autores. Destaca a noção de sujeito do inconsciente na obra freudiana levando em
conta, que apesar deste termo não ter sido utilizado pelo autor, encontra-se nela uma
noção de subjetividade, da qual mais tarde, Lacan forjará uma noção de sujeito. Elege-se
para isto os textos de O inconsciente, A Interpretação dos Sonhos e o Ego e o Id. Em
Nietzsche, o trabalho busca em Genealogia da moral uma noção de sujeito não dividido,
não dualista que inscreva a singularidade do autor nesta discussão. O segundo trabalho
põe em relevo a importância da cultura para a noção de subjetividade em Freud. A cultura
é um elemento caro à sua psicanálise, tendo em vista, que a ideia do parricídio, presente
ao final de sua obra, anuncia algo presente desde seu modelo edipiano de família, cuja
temática da castração, ou seja, da presença do pai como elemento necessário para a
instauração da Lei universal, já se encontrava presente. O trabalho enfatiza, sobretudo, o
texto de Freud, Totem e Tabu. Em Nietzsche, não há uma Lei universal e sim um homem
livre para se lançar ao devir. As Leis universais aqui são construídas e, portanto, não são
dadas a priori. A cultura, tomada enquanto civilização é fonte de modelagem do homem,
o que pode aprisiona-lo ou lança-lo em uma espécie de contracultura. O texto escolhido
em Nietzsche para fundamentar tal discussão também é Genealogia da Moral. O terceiro
texto apresenta uma noção de sujeito que advém da literatura e que, a partir deste campo
consegue imprimir uma tessitura capaz de dialogar com os demais autores a partir de uma
vertente que escapa aos modelos filosóficos e psi, mas que, ao mesmo tempo, como num
movimento moebiano, pode dialetizar com eles. É em Fernando Pessoa e em seu Livro do
Desassossego que este trabalho apresenta uma noção de sujeito irônico para alguns,
descentrado cultural e socialmente para outros. A mesa tentará, portanto, sustentar uma
reflexão tendo como fio condutor a noção de sujeito presente na obra dos autores
escolhidos e, sobretudo, nos campos aos quais cada um representa.
Palavras-chave: Cultura. Sujeito. Freud. Nietzsche. Pessoa.
Título: Tessituras urbanas poéticas: as cidades em Álvaro de Campos e Carlos
Drummond de Andrade
DANIELLE ALVES LOPES (PUC Minas)
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
O objetivo deste trabalho é apresentar uma possível leitura das cidades de Lisboa e de
Belo Horizonte a partir do discurso poético em Álvaro de Campos e Carlos Drummond
de Andrade. Sob a proposta subjetiva de ler os espaços citadinos enunciados pelos
sujeitos líricos das duas obras, levar-se-á em consideração a temática da urbe, que
evidencie, para além da produção do espaço nos poemas, a percepção da paisagem
urbana evocada pela dimensão psicológica do flanêur. Para isso, serão considerados, e
de modo proeminente, os textos teóricos de Benjamin (1994) e Rouanet (1981), a
respeito da flânerie e dos itinerários freudianos, e de Bachelard (1993) e Cauquelin
(2007) acerca do espaço e da paisagem na poesia.
Palavras-chave: Álvaro de Campos. Drummond. Poesia. Cidade. Flânerie.
Título: A Resistência em Alberto Caeiro e Manoel de Barros
DAYSE APARECIDA DO AMARAL SANTOS (PUC Minas)
Este trabalho tem como objetivo estabelecer relações estéticas da poesia de Manoel de
Barros (1998) e Alberto Caeiro (2005) à luz das teorias do dramaturgo e poeta alemão
Friedrich Schiller (1963) que, sob a influência de Kant, teorizou sobre a dimensão da
estética como o equilíbrio do ser humano entre a sua razão e a emoção. A opção por
uma poética em que a natureza é o cerne de todo um projeto estético evidencia o
trabalho de resistência em relação ao mundo moderno e de suas mazelas, responsáveis
pela perda gradativa da essência do homem, assim como, da totalidade do ser para
transformá-lo em parte de uma engrenagem em um sistema que busca incessantemente
o lucro e que corrobora a própria decadência da humanidade. Assim, Barros (1998) e
Caeiro (2005) trilham seus caminhos opostos a esse sistema degradante, ao representar,
em meio aos cenários pastoris, as ações da natureza que revelam a pureza e a leveza do
ser na vida, em que ―as águas não correm, mas, sim, escorrem no ritmo dos pântanos e
ao som das rãs‖. Os poetas brasileiro e português possuem um trabalho estético
semelhante em suas poéticas. Ao dialogar com a teoria formulada por Schiller (1963),
podemos observar como eles possuem um trabalho estético cuja função primordial seja
propiciadora do resgate do homem moderno em sua totalidade, através de uma poética
cujas representações da natureza são realçadas. Audemaro Taranto Goulart (2015), em
seu artigo: ―A dimensão estética em textos das literaturas brasileira e portuguesa‖,
trabalha de forma pertinente a questão da decadência do homem moderno causada pelas
alienações e frustações de um mundo industrial e capitalista marcado pela opressão e
pelo individualismo. Essas modificações sofridas pelo homem desde o início do século
XVIII ―alteram a sua maneira de ser, o modo como ele lê o mundo e o seu próprio estar
no mundo‖ (GOULART, 2015). Em vista disso, o autor defende o resgate do homem
moderno na sua totalidade por meio da estética – tema trabalhado por Schiller e que vai
refletir na própria estética dos poetas citados. Assim, pretendemos discutir o modo
como os poetas concebem um projeto estético de resistência ao efetuarem o caminho
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
inverso ao que o homem moderno está trilhando: por meio do cenário pastoril,
campestre e em constante contato com os elementos da natureza pura e intacta da ação
humana, os poetas constroem uma concepção de mundo completamente oposta a uma
visão de mundo industrial e capitalista que aliena e corrói o homem. Esse
direcionamento contrário realizado pelos poetas é o que podemos identificar como um
trabalho estético que busca a relação dos sentidos, ou seja, da sensibilidade com a razão
– o que vai nortear a teoria de Schiller: ―a estética seria uma manifestação emocional
que se colocaria entre as impressões sensíveis e a razão‖. (GOULART, 2015)
Palavras-chave: Estética. Resistência. Natureza. Poesia.
Título: Um trauma que se repete: sobre a influência do pensamento freudiano
para a teoria do trauma
DENISE BORILLE DE ABREU (PUC Minas)
Este trabalho tenciona analisar a influência do pensamento de Freud para o
desenvolvimento da trauma theory (teoria do trauma), conforme pode ser visto, mais
notadamente, nas obras freudianas Além do princípio do prazer (1920), onde Freud
estuda um caso de compulsão de repetição a partir da observação de seu próprio neto, e
Moisés e o monoteísmo (1939), considerada aqui como uma obra parcialmente
autobiográfica e ficcional, uma vez que ficcionaliza o passado judeu e tenta explicar a
perseguição nazista que Freud, sua família e a própria psicanálise viriam a vivenciar
durante a Segunda Guerra. Pode-se afirmar que o pensamento freudiano ajudou a pautar
o entendimento de narrativas de trauma e aqui, especificamente, será estudada a ficção
brasileira contemporânea do trauma de guerra A casa das sete mulheres (2003), de
Leticia Wierzchowski. A incidência repetitiva dos traumas que mais assombram e a
tentativa de criar forças para lembrá-los, podem ser vistas, talvez, como um dos motivos
que levam a protagonista Manuela a escrever sobre os acontecimentos da guerra em seu
diário, chamado de Cadernos de Manuela. Em conclusão, é possível dizer que os
estudos pioneiros de Freud propiciaram uma compreensão melhor do sujeito
traumatizado e se estendem a um entendimento maior do sujeito contemporâneo,
conforme é apresentado recentemente pelos teóricos de trauma.
Palavras-chave: Teoria do trauma. Escrita biográfica. Literatura. Psicanálise.
Título: Grande Sertão: Veredas - a certeza no redemoinho
EDNEIA RODRIGUES RIBEIRO (UFMG e IFNMG)
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CADERNO DE RESUMOS
Este trabalho pretende apontar os paradoxos que norteiam os pensamentos e atitudes do
narrador personagem Riobaldo, de Grande Sertão: Veredas, analisando-os como modos
de questionar visões binárias. A necessidade de classificar e separar as coisas, em
contraste com a impossibilidade de se chegar a uma verdade absoluta, será vista como a
busca por um centro que não se fixa e que, por isso, desordena a lógica racional daquilo
que Riobaldo tenta estabelecer como certo. Essa busca por um centro, embora ele se
apresente como transitório e móbil, tal qual a imagem do redemoinho que reiteradas
vezes aparece nessa narrativa, aproximar-se-á da ideia de nostalgia do centro ou da
certeza perdida, sugerida por Cláudia Campos Soares. Desse modo, Grande Sertão:
Veredas, por meio dos paradoxos que se estendem à sua estrutura narrativa, ao uso da
linguagem, à disposição das estórias menores que constituem a história maior e às
aporias suscitadas, será analisado a partir de elementos que permitem questionar e
superar modelos binários e a doxa.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Riobaldo. Modernidade. Ambivalências.
Título: Nietzsche, Guimarães Rosa e a música.
EDSON SANTOS DE OLIVEIRA (UFMG)
Este trabalho tem por objetivo fazer uma leitura de alguns contos de Tutaméia, de
Guimarães Rosa, tendo em vista a presença da música na obra do jovem Nietzsche e na
escrita rosiana. Tanto no filósofo alemão quanto no escritor mineiro, a música sendo
uma arte que escapa ao conceitual, aponta para o que não pode ser dito em palavras.
Inicialmente partiremos de duas epígrafes de Schopenhauer, presentes em Tutaméia. Em
seguida, tentaremos mostrar que a concepção nietzscheana de música ultrapassa a
proposta schopenhaureana, já que vai além do discurso musical a que temos acesso. Em
Tutaméia, a condensação do texto rosiano lança mão de um discurso musical remetendo
a uma escrita em ponto de letra, no sentido de litoral. As estórias de Tutaméia, como os
textos nietzsecheanos, devem ser lidos na perspectiva de uma escrita nômade,
relacional, dando ênfase ao conjunto. Os aforismas e paradoxos do filósofo alemão
dialogam com os trocadilhos e não sensos rosianos, apontando para uma escrita
dionisíaca, numa festa em que o significante excede o significado. Nessa linha, a música
se apresenta como a arte capaz de captar esse constante deslocamento de um vir a ser do
sentido, uma vez que nela estão em tensão o contínuo e o descontínuo, os sons
sucessivos e simultâneos, possibilitando assim uma aproximação com o irrepresentável.
Palavras-chave: Nietzsche. Guimarães Rosa. Música. Tutaméia.
Título: Nietzsche, a tragédia e celebrações religiosas
EDUARDO ASSUNÇÃO FRANCO (UFMG)
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CADERNO DE RESUMOS
Mesmo dispondo de meios tecnológicos de última geração, como a internet, algumas
igrejas se valem e recursos como a retórica e a tragédia, originárias da Grécia antiga,
para levar sua mensagem de fé. Em pleno século XXI, pastores, padres e outros
líderes religiosos se valem de elementos como ethos, logos e pathos - utilizados por
Aristóteles (apud Plantin, 2008) a fim de estruturar a retórica -, para argumentar e
tentar persuadir seu auditório, como analisam Perelman & Olbrechts-Tyteca (1996).
Encenações religiosas, nas quais os fiéis assistem líderes religiosos interagindo com
pessoas acometidas de doenças graves, mergulhadas no uso de drogas ou em crise
conjugal, remetem às tragédias. Nelas há cenários, música e iluminação que ajudam a
criar climas de consternação e euforia, suscitando efeitos patêmicos no auditório. No
Nascimento da tragédia, Nietzsche fala de linguagem, cor, movimento e dinâmica do
discurso, que compõem o cenário teatral, hoje apropriados por representantes de
várias igrejas. Aristóteles (2003) lista as partes da tragédia: prólogo, episódio, êxodo
e coral. De posse desses elementos, os poetas tecem tramas que suscitam o terror e a
piedade no auditório. Elementos da tragédia, como a peripécia e o reconhecimento
ajudam o herói trágico a, muitas vezes, subverter as situações em favor do bem. A
nosso ver, essas encenações teatrais muito se assemelham a sessões de cura,
exorcismo e superação exploradas em cultos e celebrações. Nosso minicorpus é
composto por três trechos de celebrações de diferentes igrejas, disponibilizadas no
portal Youtube, que demonstram sua semelhança com a tragédia. Na nossa
metodologia, iremos observar a presença do ethos, do logos e do pathos, além do uso
do prólogo, do episódio, do êxodo e do coral nessas celebrações. Ainda verificaremos
questões de linguagem, cor, movimento e dinâmica do discurso utilizados. O
arcabouço teórico que utilizaremos para analisá-lo é composto por estudos sobre
retórica, tragédia e argumentação feitos por Aristóteles (2003), Nietzsche (2006 e
2011), Perelman & Olbrechts-Tyteca (1996), Amossy (2006) e Plantin (2008). Nosso
objetivo é verificar até que ponto os elementos da tragédia considerados por
Aristóteles e Nietzsche estão sendo usados nas celebrações religiosas. Verificaremos
ainda as estratégias argumentativas engendradas por esses pastores, padres e outros
líderes.
Palavras-chave: Tragédia. Retórica. Religião. Encenação. Celebração.
Título: Do pai freudiano ao pai em Lacan
EDUARDO AUGUSTO DE SOUZA SALES (PUC Minas)
Freud vislumbrou desde as primeiras reflexões a relevância do pai para a estruturação
subjetiva. Partindo do princípio de que a figura paterna tem um papel de destaque nas
nuances edípicas, Freud atribui ao pai a operação de castração. O complexo de Édipo
diz respeito ao modo com que o sujeito se estrutura, ou seja, ascende ao registro
civilizatório mediante a incidência da castração. Entretanto a relevância paterna não
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
surge apenas através do Édipo. A teorização de Freud sobre os mecanismos de
desencadeamento da neurose bem como os desenvolvimentos sobre a origem da
civilização humana em Totem e Tabu também promovem a ideia da centralidade do
pai para a constituição do sujeito. Lacan efetiva uma leitura dos postulados freudianos
e os articula às leis da linguagem, demonstrando que o pai é um significante
privilegiado da constituição subjetiva: o Nome-do-Pai. Assim sendo, ele promove a
divisão subjetiva e inscreve o sujeito no registro civilizatório. Como consequência
desta primeira formulação lacaniana sobre o pai surge a desarticulação entre a função
paterna e o agente da procriação. O objetivo deste trabalho é abordar a passagem entre
a reflexão de Freud, do pai como figura central no Édipo, para Lacan, do pai como
significante.
Palavras-chave: Édipo. Nome-do-Pai. Castração.
Título: A história de Lélio e Lina: o texto e o registro oral da obra de Guimarães
Rosa
ELENI FERREIRA DE SOUZA GONÇALVES (UFOP)
Nossa proposta é apresentar uma análise comparativa entre a novela ―A história de
Lélio e Lina‖, de Guimarães Rosa, publicada inicialmente no livro Corpo de Baile, e o
respectivo registro oral feito pelos ―miguilins‖. Eles são narradores que fazem parte
do projeto dirigido pelas professoras Dôra Guimarães e Elisa Almeida,
respectivamente nas cidades de Cordisburgo e Morro da Garça, em Minas Gerais. No
projeto, eles narram as obras de Rosa com fidelidade ao texto literário, um trabalho
que perdura há mais de 20 anos. A professora Anita Leandro (UFRJ) realizou um
documentário onde apresenta o registro audiovisual das narrativas feitas por esses
jovens. Uma das obras foi ―A estória de Lélio e Lina‖, que utilizaremos para fazer a
nossa comparação. Nosso propósito é analisar as diferenças entre os suportes orais e
audiovisuais em relação ao texto escrito por Rosa, os diferentes tipos de percepções
que causam no leitor e no espectador, comparar o que se mantém em um e outro. Na
análise são utilizados textos da Teoria da Literatura voltados para o estudo da
oralidade e textos específicos sobre o funcionamento da memória, com base no livro
A memória Coletiva de Mauricie Halbwachs, onde o autor faz uma diferenciação ente
a memória coletiva e a individual. Como suporte para as análises também utilizaremos
a entrevista de Guimarães Rosa à Gunter Lorenz, na qual o escritor enfatiza aspectos
importantes de sua forma de escrever, sua relação com a língua e a linguagem e sua
memória em relação ao sertão. Esta proposta de trabalho faz parte da pesquisa O
Abrigo da memória nas narrativas orais da obra de Guimarães Rosa, em que atuo
como bolsista financiada pela PROBIC/FAPEMIG/UFOP, e é coordenada pela
professora Drª Elzira Divina Perpétua, da Universidade Federal de Ouro Preto.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Lélio Lina. Memória. Oralidade.
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CADERNO DE RESUMOS
Título: Melancolia, devaneio e poeticidade em "Buriti"
ELISABETE BROCKELMANN DE FARIA (UNIFEOB)
O trabalho analisa o vínculo entre a melancolia e o devaneio na criação e manutenção
do discurso poético em ―Buriti‖, narrativa de Guimarães Rosa, parte da obra Corpo de
baile, de 1956. Através de três personagens centrais – Miguel, Maria Behu e Chefe
Zequiel – imprime-se a tonalidade melancólica, que propicia o devaneio e o lamento,
associados ao modo de ser introspectivo e sensível. Além do exame das personagens
selecionadas, são analisados o espaço e o tempo que, dada a atmosfera noturna do texto,
contribuem na disseminação da poeticidade discursiva, alicerçada, portanto, no tripé
personagens, espaço e tempo. Para o estudo da narrativa como um todo, conta-se com o
estudo pioneiro de Wendel Santos sobre ―Buriti‖, A construção do romance em
Guimarães Rosa, seguido da leitura das cartas trocadas entre o escritor e seu tradutor em
Correspondência com seu tradutor italiano Edoardo Bizzarri. Para fundamentar a análise
dos recursos poéticos, parte-se de da obra O ser e o tempo da poesia, de Alfredo Bosi e
dos textos ―À busca da essência da linguagem‖ e ―Linguística e poética‖ de Roman
Jakobson. O exame das categorias de tempo e espaço vale-se das obras O tempo na
narrativa, de Benedito Nunes, A poética do espaço, de Gaston Bachelard e ―O problema
do espaço artístico‖ de Iuri Lotman. A fundamentação teórica do devaneio e da
melancolia é feita a partir das obras A poética do devaneio de Gaston Bachelard e As
estruturas antropológicas do imaginário de Gilbert Durand. Os resultados da análise
confirmam que a poeticidade do discurso de ―Buriti‖, visto pelo olhar das personagens
selecionadas, tem estreita conexão com o modo de ser melancólico, o que o devaneio
alimenta e propaga, ad infinitum.
Palavras-chave: Melancolia. Devaneio. Poeticidade - Guimarães Rosa.
Título: O mesmo Magma
ELIZABETH MEDEIROS PACHECO (UFFCG )
Pessoa, Nietzsche, Rosa e Freud aqui comparecem por terem sido afetados pelas
flutuações de uma realidade instável, alheia aos critérios de verificabilidade, ícone dos
ideais iluministas. Assim forçados, contemporâneos deste impasse, tornaram sua arte,
filosofia e ciência as vias para diagnosticar os devires em cada presente que passa,
enfrentando essa experiência inominável do que não se deixa acessar senão pela
estranheza de sua própria operação: a escrita. As ressonâncias entre os distintos
estatutos de seus textos remetem ao tema da suspensão do sujeito enquanto autor da
causalidade interna de sua obra; Daí o título da apresentação recorrer ao Magma, termo
deste escritor-poeta da palavra, Guimarães Rosa que, em 1936, no discurso em
agradecimento ao prêmio da ABL ao seu livro de poesia Magma, ousa dizer que o poeta
não se traça programas porque a sua estrada não tem marcos nem destino. Se repete, são
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
ideias e imagens que volvem à tona por poder próprio, pois que entre elas há também
uma sobrevivência do mais apto. Nesta dimensão anterior à fisiologia da percepção,
também chamada pré-pática, anterior, portanto à perspectiva de um sujeito, o que
importa não será saber o que somos, mas o que ainda não somos ou já não somos mais.
Podemos então dizer que, ao nos encontrarmos nesse plano ainda não individuado,
nesse plano pré-individual, acolhemos o que nos afeta a ponto do paradoxo de nos
tornarmos reserva de devires. Com Nietzsche, essa crítica ao paradigma do sujeito autor
se faz valer não apenas na arte, mas no próprio pensamento quando diz em 1886, na
abertura de Para além do bem e do mal, que não somos senhores de nossas associações
ou de nossos sentimentos, a ponto de formular, Es denkt, o que estaria equivalente a
dizer que não sou eu quem pensa, mas é o pensamento quem me atravessa, ou seja, Isso
pensa. Também Pessoa, no Livro do Desassossego, recusa a recognição e afirma a
potência de outrar, ao dizer em 1913: Viver é ser outro. Apagar tudo do quadro de um
dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da
emoção - isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente
somos. Contrariamente à ilusão de que o movimento psicanalítico tenha nascido por
geração espontânea, vítima de um fantasma de autoengendramento, trata-se de remetêlo ao advento brutal de uma forma inédita de reflexividade na 2a metade do séc. XIX,
que elevou ao estatuto de questão não a loucura, mas a identidade, já que se impunham
os casos de loucuras sem perda da consciência ou, não mais a unidade do sujeito
identitário de quem se pudesse verificar a loucura ou sanidade, mas a dissociação
histérica que se esquivara do domínio das perturbações neurológicas incitando novas
explicações. Assim o inconsciente que Freud chega a formular em 1915 não se
apresentava como um não conhecido a ser revelado, mas um conhecido-desconhecido,
como um estranho íntimo, cuja nomeação Freud apresenta em seu texto de 1919 Das
Unheimliche.
Palavras-chave: Afetabilidade. Devir. Estranhamento. Ressonância.
Título: Rastros de memória nas/das narrativas rosianas.
ELZIRA DIVINA PERPÉTUA (UFOP)
Propomos apresentar um trabalho comparativo que trata de algumas questões
relacionadas à memória da oralidade sertaneja vinculados à obra de Guimarães Rosa,
através do cotejo entre o texto rosiano e a experiência de sua narração, realizada
permanentemente em Cordisburgo, terra natal do escritor, e na vizinha Morro da Garça,
por grupos de contadores de histórias dirigidos por duas coordenadoras em cada uma
das cidades. Com a arte de contar o texto integral, esses narradores preservam a tradição
da transmissão oral na região sertaneja, levada ao mundo através da cultura escrita, nas
histórias imortalizadas por Rosa. Compreender e descrever esse interessante circuito, no
qual o oral e o escrito se alternam, são objetivos desta proposta, que percorre os rastros
da memória textual – em que a escrita absorve a herança oral sertaneja e esta,
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
assimilando-a, promove o retorno da cultura letrada ao mundo da oralidade, com a
vivificação da linguagem que Rosa imortalizou. A existência de registros e
documentários audiovisuais dos narradores em ação, que garantem a perenidade da arte
de contar e proporcionam compreender o alcance da dimensão sonora e visual da obra
rosiana, permitem o redimensionamento do estudo comparativo para questões afeitas ao
mundo do registro cinematográfico. Ampliam-se, assim, as condições de apoio teórico
às fontes dos estudos sobre oralidade e performance propostos por Paul Zumthor, além
das teorias sobre a memória requeridas pelas ideias de Halbwachs sobre a memória
individual e a memória coletiva, as de Paul Ricoeur, que correlaciona memória e
esquecimento, de Paul Connerton, que trata da memória social, e de Aleida Assmann e
Jan Assman, estudiosos da memória cultural.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Memória. Oralidade. Performance. Documentário.
Título: Poema Ulisses: o numinoso no canto lírico/épico da nacionalidade lusa
EMANOELA LUISIANA PEREIRA (UNIOESTE)
A imagem de Ulisses permanece obsessivamente no imaginário ocidental, e o seu
impacto na literatura tem rendido estudos valiosos, pois trata-se de um mito que em
muito ultrapassou os limites geográficos da cultura e da civilização mediterrânicas, de
que constitui, porventura, a mais importante configuração simbólica. No que tange a
Literatura Portuguesa, o mito de Ulisses está diretamente ligado à fundação de Lisboa
por motivos diversos sejam políticos, sejam pelos humanistas do Renascimento, num
propósito de afirmar a existência de Portugal como país independente e autônomo face
às ambições de Castela. O fato é que este mito é uma forte presença épica que permeia o
imaginário de muitos. Tal fato se evidencia no clássico Os Lusíadas (1572), como em
várias outras obras da Literatura Portuguesa assim como na obra de Fernando Pessoa,
porém não diminuindo sua importância, uma vez que o mitológico Ulisses abre a galeria
das figuras heroicas portuguesas. Assim sendo, o presente estudo objetiva analisar o
poema Ulisses, da obra Mensagem, na qual o poeta português Fernando Pessoa ostenta
estatura para ser considerado um moderno representante do Orfeu lendário, com a
ressalva de que o vate luso se percebia obrigado a viver sem a potência mítica do mestre
e por isso preso à necessidade humana de se submeter às leis da plausibilidade,
percepção que o levou à melancolia, não por uma Eurídice, mas pelo decadentismo
cosmopolita do fin-de-siècle e pela estética do choque na absorção frenética do
dinamismo da vida urbana, conforme o proposto pela teoria de Walter Benjamin. Dentre
os teóricos utilizados para nosso estudo, destacamos Alfredo Bosi advogando a ideia de
que a poesia mitológica busca retomar a grandeza de fatos heroicos já praticados,
adicionamos a ela o conceito de Benedetto Crocce que considera a poesia como um
conjunto de imagens associado a um sentimento que nos anima. Abordaremos também
alguns conceitos de poesia defendidos por Mauro Faustino, perpassando ainda pelas
considerações de Antônio Cândido, Theodor Adorno, Umberto Eco, Searle, Ottoni,
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Chauí, Pierre Bordeau, Paul Rccouer e José Gil. Por meio da obra Mensagem, (1934),
Portugal poderia reviver as virtualidades do passado ―como um alto pendão de Império‖
a descortinar condições de possibilidades no nevoeiro do presente. Desse modo, o
poema resgata a figura mítica de Ulisses e é com essa força mítica que o poeta
(re)construirá as imagens grandiosas do percurso da epopeia nacional, com elas
buscando conjurar outras possibilidades de regeneração do vivido.
Palavras-chave: Pessoa. Ulisses. Mito. Poesia.
Título: A Morte do Pai e o narcisismo primário em Pessoa
EMANUELA FRANCISCA FERREIRA SILVA (PUC Minas)
Ler é colher nas palavras densas do texto, o simbolismo que ali se encontra. O texto é
sempre um enigma novo para quem dele se adentra e tenta percorrê-lo pela
interpretação. A literatura fornece preciosos elementos para o leitor atento que, nas
entrelinhas das palavras, no não-dito, consegue pincelar os significantes nas histórias de
vida que lhe são apresentadas. Freud, em seus estudos, sempre reconheceu a arte e a
literatura, antecipando e confirmando descobertas psicanalistas nelas. Ao construir sua
teoria psicanalista, Freud baseou-se em obras literárias, tentando perceber de que fonte o
artista retirou seu material, capaz de despertar emoções humanas. A psicanálise é, pois
fonte inesgotável para que os literatos aprofundem o processo de criação em
consonância com a liberação do inconsciente. Se a psicanálise retira da literatura
referências, características de um autor, enriquecendo sua própria teoria, a literatura
pode fazer o mesmo: aprofundando a leitura o leitor atento consegue mergulhar na
subjetividade proposta pelo poeta e compreender o texto literário pelo viés freudiano.
Esta é a proposta deste artigo: empreender uma interpretação textual que tenha como
parâmetro os estudos de Freud sobre psicanálise para a leitura de ―Ode Marítima‖
(FERNANDO PESSOA). O objetivo deste artigo é, pois, encontrar vestígios que
demonstrem premissas freudianas sobre a morte do pai e o narcisismo primário
presentes no poema Ode Marítima, indicado como sendo do heterônimo Álvares de
Campos de Fernando Pessoa. Para tanto, se terá como metodologia uma análise aguçada
de partes desse poema buscando no ―levantar dos véus‖ premissas de uma felicidade
humana que só existiu no útero materno.
Palavras-chave: Narcisismo primário. Morte do pai. Texto. Simbolismo.
Título: A “poeto-sofia” de Alberto Caeiro
EMILIA PASSOS DE OLIVEIRA BEZERRA ( PUC Minas)
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
O artigo traz uma leitura do VIII poema de O Guardador de Rebanhos, de Alberto
Caeiro, considerando que a imagem de Jesus Cristo revelada pelo poeta traduz sua
―poeto-sofia‖ instaurada, precisamente, nos seguintes instrumentos temáticos –
sensibilidade e razão. Utilizamos também para composição da abordagem, A Educação
Estética do Homem, numa série de cartas, de Friedrich Schiller e a fenomenologia de
Gaston Bachelard, em A Poética do Devaneio e a Poética do Espaço.
Palavras-chave: Poeto-sofia. Estética. Infância. Devaneio.
Título: As margens da voz e da loucura em Guimarães Rosa
ERICH SOARES NOGUEIRA ( FACAMP )
A comunicação tem por objetivo expor as relações entre voz, linguagem literária e
composição ficcional em um conto de Guimarães Rosa: ―Sorôco, sua mãe, sua filha‖,
abordando a questão da loucura expressa no ―canto sem razão‖ das duas personagens
femininas referidas no título. Certamente a análise atenta de algumas passagens dessa
narrativa de Primeiras estórias leva-nos a escutar as margens extremas que a voz
associada à loucura pode alcançar. Por um lado, essa voz ecoa desde a mais absoluta
carência ou falta de sentido; por outro, será canto capaz de reagregar os laços mais vitais
de uma comunidade sertaneja. Basta, por ora, lembrar que, no início da narrativa, a
comunidade espera a mãe e a filha de Sorôco, que embarcarão no trem que as levara
para o hospício, quando a filha entoa um cantiga ―que não vigorava certa nem no tom,
nem no se-dizer da palavra — o nenhum‖. Note-se que, além de desarticular a
linguagem, a loucura chega ao limite de desagregar a própria voz, último refúgio que
daria a escutar a presença de um sujeito: a cantiga da moça tresvaria no tom, e sua voz é
atravessada por um lugar qualificado de ―o nenhum‖. Essa expressão marcada pela
negatividade remete a outras tantas da obra rosiana (como o ―Nonada‖ que abre Grande
sertão: veredas), que em seu conjunto aludem a esse lugar que mal resvala na
possibilidade de haver sentido. Na outra ponta do conto, em seu final, esse mesmo canto
sofre um processo de reversibilidade (processo bastante comum na obra de Guimarães
Rosa, como há tempos já apontara Antonio Candido) e mobiliza a comunidade em uma
procissão envolvida pelos estratos mais sublimes de um ―amor extremoso‖. O
surpreendente nesse conto de Guimarães Rosa é o fato de ele condensar, em suas poucas
páginas, uma voz que ressoa a uma só tempo aquém e além dos sentidos que
comumente conferimos somente à palavra ou à lógica da linguagem. Vale acrescentar
que a análise de ―Sorôco, sua mãe e sua filha‖ integra um trabalho mais amplo de
doutorado intitulado Vocalidade em Guimarães Rosa, defendido em 2014, na Unicamp.
Com isso, durante a comunicação, pretende-se apontar outras narrativas rosianas que,
por meio da linguagem literária e da elaboração ficcional, exigem do leitor a escuta
dessas margens ou extremos da voz. No final do conto Meu tio o Iauaretê, por exemplo,
a linguagem humana chega ao limite de desagregar-se numa voz animal; outras
narrativas, por sua vez, fazem o leitor explorar dimensões de caráter mais transcendente,
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CADERNO DE RESUMOS
sopradas na voz de personagens como os cantadores e contadores de Rosa, às vezes
tomados por uma loucura que se confunde com o enthousiasmós (em grego: com um
deus dentro de si), como é notadamente o caso dos malucos que transmitem um aviso de
vida e morte, em ―O recado do morro‖, numa corrente imantada pela força da
vocalidade e que nos faz acompanhar o nascimento de uma cantiga sertaneja.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Vocalidade. Soroco. Sua mãe. Sua filha.
Título: A paisagem de Guimarães Rosa: o espaço geográfico.
ERICK NALDIMAR DOS SANTOS (UEFS)
Guimarães Rosa externou sua habilidade linguística e literária em romances e contos
majoritariamente ambientados em paisagens rurais. Entre as características mais
marcantes do autor estão o jogo de sonoridade com as palavras, a inserção de
expressões regionais, o olhar para os excluídos e esquecidos em terras distantes e
inóspitas, a descrição de gente simples em sua maioria ligados e dependentes da terra
onde vivem. Essas questões espaciais em suas narrativas são tão relevantes quanto os
outros elementos, como os personagens, o tempo, o enredo etc., pois são fundamentais
para o desenvolvimento das situações trágicas, cômicas, dramáticas, fantásticas,
românticas e amorosas da prosa de Rosa. A presente comunicação objetiva discutir,
através da análise dos contos Os irmãos Dagobé e Sarapalha, com o apoio de alguns
teóricos e do dicionário de símbolos, o quanto a personalidade, valores, relações e
atitudes dos personagens estão interligados ao sertão e suas particularidades regionais,
assim como as mudanças internas estão vinculadas diretamente a transformações
externas. Os contos adotados para estudo, um de narrativa curta e outro de narrativa
mais extensa possuem formas diferentes de mostrar o quanto o sertão tem uma forma
particular de penetrar a alma do indivíduo e determinar o rumo das perspectivas
inerentes ao homem, como sobrevivência, abandono, solidão e a linha tênue entre a vida
e a morte. Em Os irmãos Dagobé, o desenvolvimento da história se dá a partir da morte
do irmão mais velho descrito como um facínora, jagunço violento e sem remorsos que
mandava no pequeno povoado e exercia influência negativa aos outros irmãos que
ansiavam em mudar de vida. Neste caso é preciso que os personagens abandonem o
espaço de origem (sair do sertão e ir para a cidade grande) para que se inicie o processo
de mudança. Já em Sarapalha, dois primos são representados como reflexos da
disseminação da malária em um povoado anteriormente habitado e atualmente
abandonado, vazio, inóspito. É essa mudança de rumo da paisagem que interfere
visivelmente na reviravolta da vida dos personagens principais, que também são
abandonados, torturados pela angústia, doença, solidão, condenados a passar o resto dos
seus dias à espera da morte. As características da paisagem em Guimarães Rosa vão
muito além de um acessório narrativo, pois são de fundamental importância para se
entender os desdobramentos físicos, psicológicos e históricos dos personagens.
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CADERNO DE RESUMOS
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Paisagem. Sertão. Representação. Mudança.
Título: Os Sertões da Vontade: Nietzsche e Rosa
FABRÍCIO GOMES PEIXOTO (IFTM )
Este trabalho busca encontrar uma interface entre alguns conceitos fundamentais da
filosofia de Nietzsche e a obra de Guimarães Rosa – Grande Sertão: veredas. Nesse
sentido, busca compreender, por um lado, a ideia de sertão construída por Rosa como
mote a partir do qual a personagem principal, Riobaldo, faz sua travessia e, por outro, a
efetivação da vontade de potência proposta por Nietzsche. O objetivo, desse modo, é
compreender como o sertão se transforma em instrumento de significação para a vida de
Riobaldo e, a partir disso, estabelecer as articulações entre este sertão e o conceito de
vontade de potência nietzschiano. Sendo assim, toma-se o sertão não apenas como um
lugar – uma vez que ele perpassa a obra de maneira tão singular que se torna tanto palco
quanto vida. Enquanto palco, carrega o cenário com a força poética que Guimarães
Rosa é capaz de criar. O sertão, como lembra Riobaldo, está em toda parte. Mas não se
trata tão somente de um lugar. Os vazios do sertão são tão importantes ou mais do que
seus lugares - o sertão é do tamanho do mundo. Como vida, ele se confunde com a
própria personagem, cercando e fazendo parte de cada acontecimento. Ele envolve a
personagem por todos os lados, faz parte dela, e, quando menos se espera, se transforma
em identidade. Há um jogo de forças que combate eternamente – este jogo cria o espaço
onde manda a força do mais forte, do mais astuto. As configurações das forças na
filosofia de Nietzsche dão sustentação para a leitura daquilo que ele chama de moral dos
senhores e dos escravos – dos fortes e dos fracos. De um lado, o rebanho que, pautado
por uma moral socrático-cristã, vive o mundo do ressentimento. Por outro, o senhor –
que com força assume a vida, ama a vida. O amor fati, como efetivação máxima da
vontade de potência, é força vital de quem assume sua história, ama seu destino.
Analisando as relações que se estabelecem no caminho de Riobaldo é possível encontrar
a fonte fundamental de onde brota a transvaloração dos valores propostas por Nietzsche.
O tema do amor como fonte de força para a vida faz com que os temas filosóficos
ganhem ressonância na obra Rosiana. Demonstraremos, assim, como no sertão de
Riobaldo, a personagem passa por transformações em busca de efetivar a vontade de
potência de assumir, de fato, a força de ser quem é – de querer a vida com toda a força.
Palavras-chave: Nietzsche. Rosa. Vontade de Potência. Amor Fati. Sertão.
Transvaloração dos Valores.
Título: Álvaro de Campos: um poeta construído pela angústia
FERNANDA VILAS BOAS FERRARI (UFMS)
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CADERNO DE RESUMOS
Este trabalho tem como proposta estabelecer um diálogo entre a poética do heterônimo
de Fernando Pessoa, o poeta Álvaro de Campos, e alguns pressupostos postulados pelo
pensador e filósofo alemão, Martin Heidegger, em especial seus escritos filosóficos que
discutem o tema da angústia. Tal reflexão dar-se-á acerca da angústia e de sua
onipresença no processo de ex-sistência, termo este dado por Heidegger ao considerar a
existência verdadeira como aquela em que o ser vive em consonância com sua essência.
Não obstante, ao entrar na busca por esta espécie de autenticidade no existir, o indivíduo
percebe o quanto o tempo influencia em sua constituição como ser e, ao ter consciência
de sua efemeridade, sente-se um estrangeiro dentro de si mesmo e do mundo que o
rodeia, angustiando-se. Esse sentimento de angústia e, por conseguinte, de inadaptação
diante do mundo pode ser pensado, essa é a hipótese que defendemos, como sendo
ocasionado pelo desconforto existencial que invade o ser, quando este, diante da vida,
compreende que o tempo é efêmero e que a vida se dá enquanto morte. O suporte
teórico-metodológico dessa proposta de diálogo encontra-se presente nos textos Carta
sobre o Humanismo, O ser e o Tempo, El concepto del tiempo e Os conceitos
fundamentais da Metafísica do pensador Heidegger. Já o diálogo com o corpus literário
dar-se-á com os poemas de Álvaro de Campos a seguir: ―Tabacaria‖, ―Bicarbonato de
Soda‖, ―E o som só dentro do relógio acentuado‖ e ―Esta velha angústia‖. Ao propor a
reflexão entre Campos e Heidegger, evidenciamos a relevância das obras do poeta
português para levantar questionamentos sobremaneira relevantes acerca do ser, do
tempo, da angústia e da morte. Uma espécie de nostalgia diante do passado e uma
impotência diante do presente colocam o poeta como protagonista do vazio de sua
existência, vazio este no qual também reside a possibilidade de completude de estar
diante da clareira do ser, afinal, como bem argumenta o filósofo Friedrich Nietzsche, é
após o caos que surge uma estrela dançante. Como se percebe, tempo, morte, vida
encontram-se de alguma forma atrelados à questão da angústia e é o que tentaremos
demonstrar nesse diálogo de Álvaro de Campos com Heidegger. Por meio desta
intersecção entre filosofia e literatura, o escopo encontra-se especialmente presente na
fomentação da discussão acerca da existência e da angústia que nos constitui enquanto
seres. A escolha pelo poeta Álvaro de Campos se justifica na medida em que sua
produção poética traz as marcas agudas da angústia. Sua perspectiva singular de olhar
para si mesmo e para o mundo transpõe-se à sua produção literária de forma profunda e
poética, razão pela qual tenha se tornado um dos mais significativos heterônimos do
poeta português Fernando Pessoa.
Palavras-chave: Heidegger. Álvaro de Campos. Angústia. Ser. Tempo.
Título: A tradição platônica segundo Guimarães Rosa
FLAVIA ANINGER DE BARROS ROCHA (UEFS)
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CADERNO DE RESUMOS
A tradição, enquanto recriação de nosso acervo cultural, é um elemento que subjaz à
obra literária. Pela consciência do passado, torna-se possível uma vinculação entre obras
da tradição e da modernidade, proporcionando o sentimento de atemporalidade. Dentre
os autores que bem desenvolveram essa consciência, elencamos João Guimarães Rosa,
cujos textos indicam um amplo diálogo com nossas matrizes culturais. Neste trabalho,
nos propomos a realizar uma leitura do conto João Porém, o criador de perus, que
integra Tutaméia, recuperando a tradição filosófica grega apresentada por Platão, no que
se refere ao Amor. Como um idealizador, construtor de mundos ideais, a imagem do
próprio escritor é sugerida na estória de João Porém, personagem que porta um olhar
singular sobre a vida, já que ama a busca da verdade pelo exercício da mente; o que vale
dizer: pela filosofia.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Filosofia. Tutaméia. Platão.
Título: Nietzsche na poesia de Waly Salomão.
FLÁVIO LUIZ TEIXEIRA DE SOUSA BOAVENTURA (CEFET-MG)
O poeta Waly Salomão (1943-2003) manteve, sabidamente, forte ligação com o que há
de mais essencial do pensamento trágico nietzschiano. Poeta de múltiplas polinizações e
linguagens, além de demolidor incansável de fronteiras, Waly adorava baralhar antigas
categorias estéticas. Impulsionada por câmara de ecos e algaravias, sua poesia transitou
por vários léxicos como se estivesse palmilhando diferentes estratégias de fundir a
escrita com a plasticidade da vida, e vice-versa. Portadora de um espírito dionisíaco, sua
produção mescla metáforas, sentenças, parábolas, chistes, aforismos e não cede espaço
para nenhuma verdade dogmática. Ao contrário. Afeito ao pensamento enviesado, de
cunho antimetafísico, Salomão sempre foi um poeta entusiasmado pela multilinguagem
e combateu ferozmente a monotonia do cânone. Amante da algazarra e gigolô de
bibelôs, sua obra demonstra ser, a um só tempo, repulsa do espírito fatigado e paixão
incondicional pela alegria.
Palavras-chave: Nietzsche. Alegria. Trágico.
Título: José Saramago e a representação de Jesus Cristo
FRANCISCA CAROLINA LIMA DA SILVA (UFC)
Uma das temáticas predominantes na obra de José Saramago é a releitura e a
intertextualidade com as escrituras sagradas que compõem os evangelhos do JudaísmoCristão. Essa prática se constrói a partir de uma desconstrução das narrativas bíblicas,
através do método paródico, e de uma leitura subversiva e desmistificadora dos
preceitos judaico-cristãos que fundaram o ideário ocidental. Ateu convicto, nessas
inversões antirreligiosas, Saramago, ao mesmo tempo em que questiona crenças
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
inabaláveis, apresenta-nos a desmistificação da História oficial, a partir de uma visão
humanizadora dos episódios bíblicos. Dentro desse diálogo, uma das principais
subversões que o autor realiza é a inversão de papeis entre Deus e o homem: enquanto
este, através da figura de Jesus Cristo, assume as funções sagradas de Deus,
(principalmente a de ser a medida de todas as coisas), aquele corporifica qualidades
tipicamente humanas, comprovando, para o autor, sua ineficiência enquanto entidade
superior. Levando em consideração o fato de essas leituras, acerca dos episódios
bíblicos, promovidas pelo autor na obra supracitada, nada ter de histórico, no sentido
em que Saramago não pretende validar a interpretação arquiconhecida destes fatos,
podemos propor que ele pretende o contrário, questioná-las. Esse trabalho pretende
analisar a semelhança existente entre os conceitos que circundam a mudança da atitude
religiosa no Ocidente, após o surgimento do Cristianismo, defendidos pelo movimento
filosófico da morte de Deus, sendo está bradada e defendida por Friedrich Nietzsche.
Esse movimento filosófico se desenvolveu a partir da década de 30, influenciada pela
teoria da morte cultural de Deus, defendida por uma linha de pensamento radical. Para
os pensadores dessa corrente, os conceitos modernos de homem, natureza e Deus estão
em oposição direta com a concepção bíblica da realidade, e que o cristianismo, portanto,
tornou-se menos misterioso, menos religioso, menos exigente e mais culto, já que Deus
começou a ser considerado, cada vez mais, como um intruso. Além disso, pretendemos
ainda analisar a construção das personagens ―deus‖ e ―Jesus Cristo‖ na obra O
Evangelho segundo Jesus Cristo (2005), do escritor português José Saramago, com a
finalidade de realizarmos uma analogia entre a representação do pensamento acerca da
religiosidade moderna, exposto de forma explícita na obra, e o conceito moderno da
religião judaico-cristã, numa perspectiva humanista. Para tanto, faremos uso do método
analítico adotado pela Literatura Comparada, aferindo à obra aos preceitos
desenvolvidos e postulados pelo Movimento da Morte de Deus, para que então
possamos aplicar os conceitos modernos acerca da alegoria, desenvolvidos por Walter
Benjamin, à obra de Saramago.
Palavras-chave: Deus. Homem. José Saramago.
Título: Palavra reinventada. Miguilim no cinema
FRANCISCO CARLOS MALTA (UERJ)
A questão da adaptação literária é palco para grandes discussões em suas muitas
dimensões. Saber se o filme aproximou-se ou afastou-se do texto de origem é sempre a
primeira investigação. Livro e filme são dois códigos de linguagens diferentes, cada um
à sua maneira, apresentando sua forma de ser transcodificado. Com romance Campo
Geral de Guimarães Rosa não foi diferente. A trama do escritor mineiro ganhou uma
versão pelas mãos da diretora Sandra Kogut Mutum e será o corpus de estudo.
Para hipótese de investigação, se propõe a discutir como a linguagem interfere no
processo de adaptação da palavra para imagem? No debate da questão, vamos trabalhar
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
a perspectiva da análise do discurso com Bakhtin (2010), análise do audiovisual com
Robert Stam (2000), Ismail Xavier (2003) e ainda Linda Hutcheon (2011). Diferente da
criação de um romance o roteiro cinematográfico não é considerado texto literário,
embora narre uma história, apresenta personagens e diálogos. São diversos os elementos
implicadores dessa vertente. Em comum com romance, o roteiro narra a estória,
descreve lugares e ambientes, mas difere da criação de um livro, pois não se preocupa
com a expressão de uma língua, nem com figuras de linguagens, recursos esses
destinados a literatura. Por outro lado, seu processo de escrita, apresenta os efeitos
visuais, indica trilha sonora, cortes, posição de câmera, elementos estes exclusivos do
audiovisual. O parâmetro de discussão da construção do roteiro cinematográfico ser
literatura ou não deixa transparecer sempre algum grau de subserviência aos cânones
como apontou Stam (2008). É importante observar que o registro escrito seja para o
roteiro ou romance e depois o filme, resume-se ao fato que ambos são narrativas. O
escopo semântico atende a necessidade de contar uma trama, sugerindo e descrevendo
cena a cena. O filme em si é a ampliação do registro dessa leitura e escrita. Na linha de
apresentação, o roteiro é construído para um leitor especializado, visto que é um
preparatório antes das filmagens e nesse texto é possível muitas versões até chegar a um
resultado satisfatório. Ao transpor uma narrativa para outra, ou seja, a literária para
fílmica, rompe-se um código e o tradutor recria em cima da obra original. A passagem
de uma linguagem literária para linguagem cinematográfica é o que se pode chamar
tradução de linguagens. Ismail Xavier afirma que ―o livro e o filme nele baseados são
vistos como dois extremos de um processo que comporta alterações de sentido em
função do fator tempo, a par de tudo o que mais que, em princípio, distingue as
imagens, as trilhas sonoras e as encenações da palavra escrita e do silêncio da leitura.‖
(XAVIER, 2003, p.62). Em síntese o adaptador-tradutor é o responsável pela leitura que
faz, visto que não é possível ter uma única interpretação de um romance lido.
Palavras-chave: Rosa. Literatura. Cinema.
Título: O superego e o ethos no romance Vidas Secas
GABRIELA PACHECO AMARAL (UFMG)
O objetivo deste trabalho é analisar como ocorre a constituição do eu da personagem O
menino mais velho, do romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Nossa perspectiva é
realizar um possível diálogo entre os estudos de Freud (1905- 1923) sobre o id, o ego, e
com ênfase no superego, juntamente com os estudos discursivos da Análise do
Discurso, de linha francesa, a respeito do ethos discursivo, desenvolvido principalmente
a partir dos pressupostos de Maingueneau (2012) e Amossy (2013). Desse modo, nessa
pesquisa, buscamos desenvolver um trabalho interdisciplinar em que dialogamos os
estudos psicanalíticos com os estudos discursivos e o discurso literário. A justificativa
deste, parte da proporção que os debates a cerca eu e do sujeito vem tomando em
diversas áreas de estudo. Freud (1905-1923) elaborou uma concepção estruturalista em
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CADERNO DE RESUMOS
que divide a mente em três instâncias psíquicas, o id, o ego e o superego. O id é
considerado de natureza pulsional e inconsciente, no qual os desejos e impulsos de
origem genética estão no inconsciente. A função do ego seria a de obter controle sobre
as exigências das pulsões, decidindo se elas devem ou não ser satisfeitas. Desse modo
ele atua como uma espécie de mediador entre o id, o mundo externo e o superego. E o
superego, agiria como um repressor e uma censura aos impulsos. Esta última instância
deriva do Complexo de Édipo, que geralmente ocorre na infância do indivíduo e está
associada à um processo de identificação com o pai ou/e com a mãe. A partir desse
pressuposto de Freud, em que a constituição do eu estaria ligada a identificação da
criança com os pais, buscamos entender como esse processo ocorre na personagem O
menino mais velho, em Vidas Secas. Além disso, a noção de ethos, retomada pela
Análise do Discurso, vem abordar sobre a imagem do sujeito que é construída
discursivamente, ou seja, como o eu se mostra e pode ser percebido no texto. Assim,
buscamos entender como a imagem de O menino mais velho é delineada no romance e
como podemos perceber o processo de identificação com o pai, Fabiano, processo esse,
em que inferimos o Complexo de Édipo, e consequentemente a instância psíquica do
superego. Além do mais, refletiremos como a imagem do pai, Fabiano, é construída no
romance, e nos pensamentos dos filhos e como tal pode, ou não, contribuir para a
constituição do eu da personagem O menino mais velho, que por sinal vale ressaltar,
não tem nome no romance.
Palavras-chave:
discursiva.
Sigmund Freud. Vidas Secas. A constituição do Eu. Imagem
Título: Doralda, de Dão-Lalalão: a dupla figuração
GEUVANA VIEIRA DE OLIVEIRA MAIA (PUC Minas)
Dão-Lalalão é a uma das sete novelas que compõe Corpo de Baile, de João Guimarães
Rosa. O presente estudo pretende analisar a maneira como o livro representa a
personagem feminina Doralda. A figura é a mulher de maior relevância dentro da
narrativa e destoa da rusticidade do sertão, local onde se passa os fatos, porque ela sai
de um lugar mais civilizado, por causa de Soropita, se casa e passa a viver com ele no
sertão. Faremos, assim, uma análise da construção da personagem como uma figura
feminina moderna e refinada que vive em um ambiente rústico e se difere desse
ambiente, e, também, das mulheres desse local. Ademais, verificaremos como Doralda é
construída como uma mulher que desempenha as atividades do lar; ao mesmo tempo
que ela é, também, erotizada e sensualizada no texto.
Palavras-chave: Doralda. Dupla. Figuração. Dão-Lalalão.
Título: Educação contemporânea X arte nietzschiana
GISELE CRISTINA DE BOUCHERVILLE (PUC Minas)
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
Este artigo é uma revisão literária da arte em Nietzsche e no seu desdobramento em
Freud, objetiva clarear, a luz dos aforismos de Nietzsche e fleches dos pensamentos de
Freud, os espaços educacionais que há muito vem demonstrando sinais de
escurecimentos. Professores, pais e alunos emergentes nesses espaços tentam dar
sentido ao lugar com as armas trazidas de um tempo positivista, mas como diz
Nietzsche " a desgraça cochila no seio da sociedade " e o ser já não consegue mais se
desvencilhar das armadilhas impostas pelo ―deus ex machina‖. Procuramos encontrar
novos caminhos voltando nosso olhar para aquilo que ficou perdido, naufragado e
roubado, a arte. A arte nos possibilita o reencontro conosco, com a educação e com o
outro. É na arte sensível, que poderemos retomar o caminho, pois ao realizar atividades
artísticas, o ser desenvolve diversos aspectos de sua personalidade, melhorando sua
autoestima e autonomia, incorporando o sentimento de empatia, desenvolvendo a
capacidade de simbolizar, analisar e avaliar, dando forma e sabor à natureza humana. Já
que sua característica psicológica se dá através da internalização dos modos
historicamente determinados e culturalmente organizados de operar com informações,
aquilo que o sujeito produz como expressão artística estará de certo modo resgatando a
compreensão que o mesmo tem de sua existência no plano da materialidade. A arte
retrata a relação entre subjetividade e objetividade, uma vez que cria um campo de
possibilidades em que a realidade pode ser transformada pela percepção singular
revelando consequentemente o impacto sobre a formação da consciência de si e do
outro. Em contextos educacionais a arte pode contribuir para o desenvolvimento
afetivo-emocional, para clarear a compreensão da criança diante da vida, para favorecer
o seu trânsito entre a realidade e a fantasia. A arte-educação no âmbito da educação
formal configura-se como um instrumento que oportuniza ao ser sua potência. A arte
requer representação, síntese e abstração potencialidades exigidas para a vivência de
uma vida plena. Pela arte, podemos elaborar conceitos e expressar compreensão dos
papéis sociais. Com a arte-educação se pode instrumentalizar o processo de
aprendizagem, potencializando conceitos para compreender nossa posição no mundo, e
nos identificarmos com papéis sociais que iremos desempenhar ao longo de nossas
vidas.
Palavras-chave: Arte. Educação. Nietzsche.
Título: Mal-estar docente na contemporaneidade
HERMÍNIA MARIA MARTINS LIMA SILVEIRA (UFMG)
NATALIA COSTA LEITE (CEFET)
O foco deste estudo é refletir sobre o mal-estar docente, tendo em vista os diferentes
discursos que atravessam o ofício de professor na contemporaneidade; discurso de
adoecimento, discurso de desautorização, discurso da queixa e do desamparo. As
constantes mudanças ocorridas na sociedade moderna suscitaram uma reflexão a
respeito da falência das instituições, da decadência dos valores, das crenças, da crise de
autoridade vivenciada por diferentes campos da sociedade, uma vez que os valores
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
tradicionais sofreram transformações que colocaram em xeque o discurso da tradição.
Para o desenvolvimento da reflexão proposta, afirma-se que existem novas formas da
sociedade contemporânea funcionar, se organizar, novas maneiras do sujeito se
relacionar com o espaço e o tempo, novas formas de fazer laço social. Ainda, a
sociedade atual é considerada como sociedade do espetáculo, imagética, órfã da figura
do pai, uma sociedade desapegada e em constante recomeço. Diante desse novo cenário
social, é possível verificar o surgimento de novas imagens de si do sujeito, novos modos
de subjetivação e, portanto, novos sintomas. O objetivo central deste trabalho é suscitar
alguns questionamentos quanto ao lugar do professor nessa nova configuração social.
Nesse sentido, os estudos de Freud sobre o mal-estar na civilização e a discussão
desenvolvida por Nietzsche a respeito do niilismo contribuirão para pensarmos o malestar docente na sociedade atual. Considera-se, aqui, que a inserção do sujeito na
civilização não se dá de forma harmoniosa, mas numa dinâmica dicotômica das
aspirações da pulsão do sujeito e das exigências da civilização. As questões que
orientam a nossa empreitada são; De que forma esse discurso de mal-estar faz eco no
espaço escolar e concorrem para a construção da imagem do sujeito professor? Pode-se
pensar o adoecimento do professor como efeito de um sintoma do novo modelo social?
Quais os efeitos de sentido desse discurso de mal-estar docente na atualidade?
Palavras-chave: Mal-estar na civilização. Niilismo. Docência.
Título: Sublimação e criação em Freud e Nietzsche
HEVELLYN CIELY DA SILVA CORREA (UFRJ)
O presente estudo se dedica, a partir da psicanálise, à investigação sobre o destino
pulsional que atua na dinâmica singular ao sujeito ao mesmo tempo em que liga tal
dinâmica ao social, costurando assim o laço que se ata via satisfação: a sublimação.
Partindo deste tema, nosso trabalho tem por objetivo mostrar que, através dos pontos de
aproximação entre Freud e Nietzsche através do Trieb, é possível conceber um sujeito
que está em estreito enlace com a criação, dando um teor inventivo e ficcional à
subjetividade. Tal objetivo, e a própria noção de ficção da qual partimos, se sustenta na
perspectiva dos autores acerca do termo Trieb. Em Nietzsche (1873/1989), o termo
aparece nos primeiros escritos do autor, dedicados à cultura helênica, onde o apolíneo e
o dionisíaco, tomados como Trieb responsáveis pela criação, têm no inconciliável
conflito seu motor, o que se refere tanto às obras de arte, cuja tragédia é seu ponto de
excelência, quanto à própria existência do homem; podendo assim engendrar a vida
como obra de arte. Na obra freudiana, o termo Trieb, também com caráter de força
constante e conflito inconciliável, aparece como conceito indispensável para a própria
compreensão de sujeito na psicanálise, apresentando-se desde os primeiros escritos
freudianos, como Projeto para uma Psicologia Científica (1895/1996), e mantendo-se
em todo o discurso psicanalítico, de modo que a concepção de um sujeito pulsional dá à
psicanálise uma posição diferenciada face às outras leituras da subjetividade, na medida
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em que a remete aos destinos tomados pelas pulsões em sua constante exigência de
trabalho. Destacamos que, tanto em Nietzsche quanto em Freud, o inexorável dualismo
é inerente ao Trieb, marcando a cisão na qual o sujeito é concebido - o que terá sua
radicalidade na psicanálise através da pulsão de morte -, e convocando-o a abrir
caminhos possíveis ao seu embate pulsional sem trégua e sem termo. Partindo dos
caminhos tomados pelo Trieb no destino sublimatório, o presente estudo sustenta que,
pelas leituras freudiana e nietzschiana, encontramos possibilidades de conceber o sujeito
a partir do poético e estético que o constituem em sua inscrição dual; o que não
significa, contudo, igualar a perspectiva de tais autores, mas pensar como os pontos de
aproximação e distanciamento entre eles nos ajudam em questões próprias à operação
sublimatória. Trata-se, portanto, de recolher as consequências que a concepção de
sujeito sob esta perspectiva nos traz, ou seja, a que nos referimos quando consideramos
uma subjetividade que cria a partir de sua inscrição psíquica marcada pelo conflito.
Palavras-chave:
Sublimação. Freud. Nietzsche. Criação.
Máscara barroca em Diadorim: Rosa e Freud
IRINEIDE SANTARÉM ANDRÉ HENRIQUES (UFJF)
Este trabalho tem como objetivo investigar a obra Grande sertão: veredas, de Guimarães
Rosa, na personagem de Diadorim, uma vez que esta apresenta um enigma: é uma
mulher que se mascara de homem ao longo da narrativa. A arte barroca será a expressão
plástica desta movimentação da personagem. A obra expressa um jogo psíquico
inconsciente entre o masculino e feminino, tal qual um jogo de luz, sombra e máscara
expressas na arte barroca. Riobaldo, o narrador-personagem, se envereda pelo sertão
querendo entender porque não visualizou que seu companheiro de lutas ReinaldoDiadorim era um corpo de mulher mascarado. A nossa pretensão em aproximar o
barroco ao feminino na psicanálise e Grande sertão: veredas considera principalmente
essas duas características: desdobramento e não reconhecimento. O que é desdobrar? O
que é não reconhecer? Em Diadorim não há reconhecimento do feminino, da posição
passiva, em um primeiro momento. Somente em alguns momentos aos olhos de
Riobaldo é visualizada a sua passividade, pois ao longo da narrativa ela apresenta-se
como um forte guerreiro. Nesse sentido a arte barroca em qualquer modalidade parece
expressar este artifício de máscaras, como iremos demonstrar no presente trabalho. O
barroco tem como característica marcante o desdobramento de suas curvas quer seja na
literatura, arquitetura, pintura, escultura. Entretanto, os historiadores da arte viam isso
com depreciação não mesmo reconhecendo como arte. Somente foi reconhecido como
arte no século XIX, quando Heirinch Wölfflin a fim e enaltecer a arte barroca propôs
cinco características fundamentais para diferenciar o estilo barroco de outros estilos.
São eles: linear e o pictórico, superfície e profundidade, forma fechada e forma aberta,
pluralidade e unidade, o claro e o indistinto. Para Eugenio D‘Ors, em sua obra Du
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Barroque, estas características podem ser visualizadas em várias etapas da história
humana. O feminino em Freud também foi considerado depreciativo para muitos, pois
tudo acontece num processo de tornar-se mulher, que é traçado segundo nossa proposta
de forma irregular, rebuscada, uma vez que a menina para se dizer feminina vivencia
várias elaborações pulsionais diante das figuras parentais, o que faz com que o processo
seja enigmático. No seu texto Feminilidade (1933), Freud revela que, após estudar tanto
a alma feminina, consegue dizer pouco sobre ela e que os poetas são quem descrevem
melhor este assunto. Assim, entender o feminino na psicanálise, em Freud, só é possível
observando várias faces como na arte barroca. Esta imprecisão para se afirmar onde está
o feminino remete a um deciframento cujo sentido não é fácil de vislumbrar. A
trajetória de Riobaldo pelo sertão vai ao encontro da busca pelo feminino na psicanálise
que pode ser visualizado na arte barroca.
Palavras-chave: Máscara. Freud. Feminino.
A paisagem de Guimarães Rosa: o espaço geográfico
ISAURA DOS SANTOS SOUZA (UEFS)
Guimarães Rosa externou sua habilidade linguística e literária em romances e contos
majoritariamente ambientados em paisagens rurais. Entre as características mais
marcantes do autor estão o jogo de sonoridade com as palavras, a inserção de
expressões regionais, o olhar para os excluídos e esquecidos em terras distantes e
inóspitas, a descrição de gente simples em sua maioria ligados e dependentes da terra
onde vivem. Essas questões espaciais em suas narrativas são tão relevantes quanto os
outros elementos, como os personagens, o tempo, o enredo etc., pois são fundamentais
para o desenvolvimento das situações trágicas, cômicas, dramáticas, fantásticas,
românticas e amorosas da prosa de Rosa. A presente comunicação objetiva discutir,
através da análise dos contos Os irmãos Dagobé e Sarapalha, com o apoio de alguns
teóricos e do dicionário de símbolos, o quanto a personalidade, valores, relações e
atitudes dos personagens estão interligados ao sertão e suas particularidades regionais,
assim como as mudanças internas estão vinculadas diretamente a transformações
externas. Os contos adotados para estudo, um de narrativa curta e outro de narrativa
mais extensa possuem formas diferentes de mostrar o quanto o sertão tem uma forma
particular de penetrar a alma do indivíduo e determinar o rumo das perspectivas
inerentes ao homem, como sobrevivência, abandono, solidão e a linha tênue entre a vida
e a morte. Em Os irmãos Dagobé, o desenvolvimento da história se dá a partir da morte
do irmão mais velho descrito como um facínora, jagunço violento e sem remorsos que
mandava no pequeno povoado e exercia influência negativa aos outros irmãos que
ansiavam em mudar de vida. Neste caso é preciso que os personagens abandonem o
espaço de origem (sair do sertão e ir para a cidade grande) para que se inicie o processo
de mudança. Já em Sarapalha, dois primos são representados como reflexos da
disseminação da malária em um povoado anteriormente habitado e atualmente
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abandonado, vazio, inóspito. É essa mudança de rumo da paisagem que interfere
visivelmente na reviravolta da vida dos personagens principais, que também são
abandonados, torturados pela angústia, doença, solidão, condenados a passar o resto dos
seus dias à espera da morte. As características da paisagem em Guimarães Rosa vão
muito além de um acessório narrativo, pois são de fundamental importância para se
entender os desdobramentos físicos, psicológicos e históricos dos personagens.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Paisagem. Sertão. Representação. Mudança.
Título: "Arroio-das-Antas": paisagens e símbolos.
JACIENE DE ANDRADE SANTOS (UEFS)
Paisagens são textos carregados de sentidos. Não somente pano de fundo das histórias, a
paisagem se apresenta como elemento que dinamiza a interpretação dos textos, na
medida em que se constitui pelas relações estabelecidas entre os sujeitos e os lugares.
Segundo Holzer (1999), o conceito de paisagem está ligado à noção trazida por sua
etimologia alemã, landschaft, termo que se refere à relação entre a terra e aquele que a
cultiva. Dessa forma, compreendemos paisagem como instância elaborada socialmente,
a que atribuímos limites e sentidos e da qual não nos desligamos, visto que também
somos paisagem. Estruturada e estruturante dentro dos sistemas culturais, a paisagem,
conforme James Duncan (2004), não é dimensão naturalizada do mundo e não nos é
apresentada pronta, já que nossa percepção do mundo constrói paisagens, como afirma
Anne Cauquelin (2007). Desse modo, relacionando os estudos literários a conceitos
trazidos pela geografia cultural, este trabalho tem por objetivo ler a construção da
paisagem no conto ―Arroio-das-Antas‖, de Guimarães Rosa, aliando o espaço de
remissão mítica presente no conto ao percurso simbólico de regeneração efetuado por
Drizilda, personagem central. ―Arroio-das-Antas‖ pertence ao livro de contos Tutameia
(1967), e é o ambiente narrativo da estória: um lugar longínquo e feio por trás das
serras, habitado apenas por velhos. Em sentido inverso à movimentação populacional,
chega ao Arroio a moça Drizilda, jovem viúva sob o peso de um drama familiar. Seu
irmão matara-lhe o marido em disputa amorosa por outra mulher. Assim, o lugarejo
serve a Drizilda como um refúgio, onde é acolhida por velhinhas religiosas, com as
quais desenvolve uma mútua relação de amor e cuidado. Numa relação em que o
caminho da morte é o mesmo do amor, já que simbolicamente ambos remetem ao
alcance de plenitude, uma das velhinhas, a avó Edmunda, morre, e durante o cortejo
fúnebre, vem em direção a Drizilda um Moço a cavalo. Reconhecendo-se amantes,
Drizilda e o Moço vivem paixão para toda a vida. No conto em análise, percebemos que
a condição geográfica e as configurações da paisagem do Arroio-das-Antas o
transfigura para o intervalo prototípico do tempo mítico, como lugar separado, que
guarda sentido celestial. A permanência de Drizilda no Arroio cumpre um ritual de
purificação dos sofrimentos pelos quais tinha passado. Assim, o final venturoso de
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Drizilda repercute a importância da relação de troca que a personagem estabelece com a
paisagem, e reafirma a importância de ler os espaços enquanto construções simbólicas.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Arroio-das-Antas. Paisagem.
Título: A figuração do estrangeiro em “Recado do Morro”
JACQUELINE DE SOUSA MIRANDA (UFPA )
ORIENTADOR: SÍLVIO AUGUSTO DE OLIVEIRA HOLANDA
Sustentado pelo método hermenêutico triádico da estética da recepção, sobretudo
baseado nos textos A história da literatura como provocação à teoria literária (1994),
proposto por Hans Robert Jauss (1921-1997) vinculado à temática da Literatura
Brasileira deste encontro, esta comunicação tem por objetivo analisar a temática da
representação do estrangeiro em O recado do morro (1956), de João Guimarães Rosa
(1908-1967), pertencente à coletânea Corpo de baile, especificamente da na figura de
seo Alquiste ou seo Olquiste, um pesquisador e naturalista, que realiza uma excursão
em torno do Morro da Garça (MG), juntamente com outras pessoas (o guia Pedro
Orósio, Frei Sinfrão, o fazendeiro Seo Jujuca do Açude e Ivo Crônico), com intuito de
explorar o sertão. Viagem esta guiada por Pedro Orósio, moço, com estatura alta, que
viajava com os pés descalços, de passadas muito extensas e ligeiras, tão forçoso, de
corpo nunca se cansava, namorador, e conhecedor da região, um exemplo nato da
personificação do homem sertanejo. A narrativa é detalhista quanto à descrição da fauna
e flora, com as quais o seo Alquiste se mostrou maravilhado, além da estratificação
socioambiental da região, onde este fazia anotações com fins de estudo e recolhimento
de material para fins científicos. Enfatizando o interesse dos estrangeiros sobre a
riqueza dos solos mineiros, solos estes com formação geológica antiga, montanhosas e
eluviais, que, no período colonial do Brasil, fora um grande fornecedor de ouro e pedras
preciosas, descobertas pelos bandeirantes e fornecidas à Coroa portuguesa. Este artigo
tem como proposta de leitura o olhar estrangeiro, com base em estudos sobre o tema na
obra rosiana, como os de Marli Fantini (2003 e 2008).A presença do estrangeiro nas
obras de Rosa é um fato importante para a organização do sertão paradoxal e transitória,
envolto de tradição e modernidade. Ele é um dos indícios que o sertão, o Brasil também,
está em transformação, mostrando a troca mútua de conhecimento e cultura.Nesse
contexto, seo Olquiste pode não entenda o recado enviado a Pedro Orósio, por conta da
sua limitação de linguagem e seus conhecimentos estritamente científicos, logo que o
recado enviado pelo morro tem caráter místico e pode estar além dos pensamentos
racionai do estrangeiro. Mas isso não impede o morro de enviar outro recado de forma
mais simplória para o alemão-rana. Seu recado está nas cavernas por onde passaram,
grutas, fauna e flora do Brasil. Que faz o leitor refletir e interpretar as maravilhas
escondidas na imensidão sertaneja que deve ser preservada e cuidada com muito carinho
e respeito.
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Palavras-chave: ―O recado do morro‖. Guimarães Rosa. Estrangeiro.
Título: A condição de criança, a sexualidade e o saber.
JANE MARA DOS SANTOS BARBOSA (UFJF)
O trabalho aborda a relação da curiosidade sexual e as teorias sexuais infantis com a
aquisição do saber pela criança. As características das crianças que serão tratadas referemse à ausência de ingenuidade e à correlação entre o êxito ou fracassos obtidos das
curiosidades sexuais como determinantes do caráter. Referem-se também à posição do
sujeito frente ao acesso, à intelectualidade e à distinção entre o saber sobre a morte para a
criança e para o adulto. Ademais, dizem respeito ao esclarecimento sobre como o
conhecimento da própria imagem para a criança que, ainda não é capaz de controlar seus
movimentos psicomotores a torna capaz de fazer laço. A presença da sexualidade na
criança tende a ser tratada pelo adulto como algo irrelevante e, em alguns casos, como
patológico. Freud atribui esse comportamento à amnésia infantil desenvolvida pelo
indivíduo através da cultura e da educação. Assim, o adulto, frequentemente, faz uso de
inverdades por meio de histórias fantasiosas para omitir ou adiar o esclarecimento das
curiosidades apresentadas pelas crianças sejam elas sexuais ou sobre a morte. Através da
curiosidade sobre a sua origem e a morte, a criança inicia sua exaustiva busca pelo saber.
Ela busca respostas que expliquem tudo que lhe pareça estranho e familiar ao mesmo
tempo. As informações a que tem acesso, muitas vezes apresentam-se censuradas ou
escamoteadas, de forma que só adiam sua aproximação do saber. Por intermédio do
contato com os outros, entretanto, sejam eles crianças, adultos ou animais, ela se sente
instigada a buscar esclarecimentos para suas curiosidades. Para Freud, essa busca pelo
saber será determinante para a criança no desenvolvimento da sua intelectualidade. Da
mesma forma, o impedimento do esclarecimento da curiosidade sexual pode trazer
agravamentos na manifestação da neurose. E quando fala em esclarecimento das crianças,
fala-se no esclarecimento de todo tipo de conteúdo, que não deve ser apresentado de
forma que faça com que a criança se sinta enganada. Quando falamos em criança,
precisamos compreender como condição da posição manifestada pelo sujeito frente ao seu
desejo. A infância apresenta uma condição que marca a pré-história do sujeito com
mecanismos sendo constituídos. Segundo Freud (1905/2006), em "Os Chistes e sua
relação com o Inconsciente", pode haver uma ingenuidade na criança proporcional a sua
ignorância, porém há uma possibilidade de uma ingenuidade enganadora, tomada
simplesmente, como um conceito estabelecido sem considerar a possibilidade de uma
ignorância inexistente. A criança usa o artifício de representar uma ingenuidade com o
objetivo de desfrutar uma liberdade que não lhe seria permitida.
Palavras-chave: Freud. Criança. Sexualidade. Saber.
Título: Análise do discurso e psicanálise: diálogos (im)possíveis
JAQUELINE DOS SANTOS BATISTA SOARES (UFMG)
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O objetivo deste trabalho se inscreve na tentativa de realizar um percurso reflexivo para
apreensão da contribuição da psicanálise e das considerações de Freud para a análise do
discurso de orientação francesa. Para tanto, buscamos evidenciar a relação existente
entre essas disciplinas desde a fundação na análise do discurso francesa por Michel
Pecheux (1988), que introduz perspectivas para uma relação dialética entre a psicanálise
e a Análise do discurso abrindo precedentes para uma relação entre a ideologia e o
inconsciente até as correntes analíticas do discurso mais contemporâneas. A fim de
construir um dispositivo metodológico que evidencie a interlocução entre as duas
disciplinas. Nesse sentido, a autora Maria Antonieta Amarante de Mendonça Cohen
(2008), propõe uma tríade para a investigação relacional entre os estudos da linguagem
e a psicanálise, a saber os eixos: discursivo, em termos de materialidade histórica; o
Linguístico stricto sensu, as forma da língua; e, ainda o universalista que se refere ao
mundo das coisas, o que remete aos sentidos pré-construídos. Com efeito, Marie-Anne
Paveau (2008), realiza um percurso epistemológico da análise do discurso e suas
abordagens sobre o inconsciente, pontuando que ao desmaterializar- se as correntes
contemporâneas do discurso perderam sua dimensão do inconsciente, nos direcionando
a considerações que colocam em relevo a necessidade de uma retomada de um sujeito
perpassado ou atravessado por uma historicidade. Corroborando com a tese de Morais
(2015), já que o autor retoma o conceito de historicidade radical na constituição dos
sujeitos. Autores que contribuem para a busca de uma articulação evidente com a
psicanálise. Bem como, Eni Orlandi (2010), pois as considerações da autora são
importantes na medida em que discorre sobre as noções de sujeito, ideologia e
interdiscurso. Para ela o interdiscurso mobiliza, ao mesmo tempo, o que é inconsciente,
já que se mobiliza por meio de um apagamento enunciativo o que é universal, em
função dos já ditos; e o que é particular, uma vez que os sentidos emergem de uma
formação discursiva na qual o sujeito está inscrito. Já Possenti (2003), nos traz
algumas ponderações importantes sobre a questão do sujeito, argumentando que Freud
faz funcionar, a todo o momento, a contribuição da história em sua constituição. Além
desses autores, nos apropriamos, ainda, das propostas de Antonio Gogino Cabas (2009),
relativas ao sujeito na psicanálise de Freud a Lacan. A pertinência das considerações do
autor, repousa no fato que os fundamentos da análise psicanalítica objetivam uma
reintegração do sujeito à sua história, porém de modo que superam uma história de
dimensões individuais.
Palavras-chave: Análise do discurso. Psicanálise. Freud. Sujeito.
Título: O Apolíneo corrompido no socratismo e cristianismo
JEAN AMÉRICO CARDOSO (CEFET-MG)
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Este trabalho se concentrará em desdobrar algumas consequências filosóficas do
rompimento de Nietzsche com o cristianismo, naquilo que refletiu diretamente em sua
filosofia, principalmente num período de maturidade no livro O Anticristo (2012), e
também do rompimento de Nietzsche com a cátedra, que enxergava a cultura grega com
os olhos de sua contemporaneidade. Estes são dois momentos de escrita temporalmente
distintos, mas que circunscrevem um período de vida de extrema impetuosidade em
nossa vida, a juventude. Partindo da concepção de estética de Nietzsche em O
Nascimento da Tragédia (2007) representada pelos espíritos apolíneo e dionisíaco na
tragédia grega, pretendemos demonstrar como o socratismo enquanto movimento que
sepulta o trágico na cultura grega e o cristianismo enquanto movimento que o próprio
Nietsche em Além do bem e do mal (1997) mais tarde descreveria como platonismo
para o povo, são carentes daquilo que completa toda a resplandecência e objetividade
com que descrevem seus ideais de vida. Em outros termos, temos que não é possível
falar de uma concepção de vida no socratismo e no cristianismo que valorizam a busca
pelo bom e pelo belo sem ressaltar a intencionalidade que estes movimentos tiveram de
desprezar o sublime enquanto força que subjaz toda e qualquer representação. Desta
forma qualquer objetividade, qualquer representação de mundo que advenha do
socratismo e do cristianismo será capenga segundo a perspectiva estética de Nietzsche,
por tratar o bom e o belo como um bem em si anulando a dimensão dionisíaca de suas
realidades. Assim a representação de mundo do socratismo e do cristianismo, não seria
evidentemente dionisíaca, nem tão pouco apolínea. Para identificarmos como o espírito
apolíneo não faz sentido, é incompleto, sem o espírito dionisíaco, usaremos a ideia de
corrompido expressa no aforismo seis do livro O Anticristo. Neste aforismo Nietzsche
contesta os sentimentos elevados e os ideais de humanidade que tenta anular a vontade
enquanto força instintiva de poder. Daí sobrevém o desastre, o niilismo, quando
deixamos de encarar a vida em sua plenitude deixando de afirmar o seu valor mundano
de beleza e de horror. A partir daí procuraremos as semelhanças entre o socratismo e o
cristianismo no tocante a inversão de valores quando comparados à cultura grega
trágica.
Palavras-chave: Nietzsche. Apolíneo. Socratismo. Cristianismo.
Título: Grande sertão: veredas Diadorim nos domínios do mito
JEANNE CRISTINA BARBOSA PAGANUCCI (UESC)
O presente trabalho apresenta alguns resultados da pesquisa em andamento, intitulada
―O mito do eterno feminino em Diadorim: essencialismo estratégico em Grande Sertão:
Veredas‖ no Mestrado em Letras: Linguagens e Representações da Universidade
Estadual de Santa Cruz (UESC), na Bahia. Os estudos acerca da diferença ontológica
entre os sexos no contexto da representação da mulher na literatura são importantes para
compreender como o sistema simbólico, em relação de força, movimentou o
pensamento no que tange à construção do perfil feminino na sociedade. Para esta
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pesquisa, importam aqueles estudos que se voltam para a representação do mito do
eterno feminino aplicado à personagem feminina e tem como foco ―Diadorim‖ do
Grande Sertão: Veredas do escritor mineiro João Guimarães Rosa. Diadorim,
personagem complexo e enigmático, apresenta características reveladoras de que a
situação da mulher no contexto socioeconômico e cultural perpassa por questões
cruciais do poder, sustentados pela diferenciação dos sexos. Parte-se da hipótese de que
o mito do eterno feminino se faz presente na personagem Diadorim, e, desse modo,
propõe-se evidenciá-lo, no interior da narrativa, como uma das articulações adotadas
pela personagem para negociar, com a ordem do domínio masculino já aceito pela
tradição. A pesquisa se propõe, a partir da perspectiva dos estudos feministas, analisar
como o essencialismo estratégico de gênero contribui para a discussão e o entendimento
do modo como as mulheres são/estão submetidas a normas sociais opressivas (SPIVAK,
1994) e endossadas, mas, ao mesmo tempo, negociadas por Diadorim na obra em
apreço. A pesquisa em torno do mito do eterno feminino busca genealogicamente a
construção impositiva do belo sexo, desde Rousseau de Emílio ou da Educação,
publicado em 1762, como explicação plausível para negar o acesso da mulher ao espaço
público, à cidadania, e, consequentemente, ao domínio da razão comprometida com o
universal. Em relação à personagem Diadorim, essa percebe, desde cedo, a
predominância masculina no contexto socioeconômico do Sertão brasileiro e intui que o
gênero, enquanto construção discursiva, mantém-se pela repetição, e passa a se valer da
performance atribuída ao homem, como forma de sobrevivência. A partir daí,
empreende ações esperadas e favoráveis ao homem e, para tanto, busca soluções como o
uso da força, do vigor físico e determinação; entretanto, não se desvencilha de todo dos
papeis delineados pela tradição ao segundo sexo e acaba por negociar com as
representações de gênero em proveito próprio; desta sorte, delineia uma estratégia rumo
ao empoderamento feminino (BUTLER, 2012). Defende-se aqui, portanto, que qualquer
forma de representação se constitui através de uma presença na ausência (DERRIDA,
2014) e cabe à negociação e resistência a possibilidade de intervenção sociopolítica,
ensejando às mulheres visibilidade e legitimidade, para que venham a ocupar um locus
enunciativo diferenciado no que diz respeito ao poder de decisão. Para esta pesquisa,
utiliza-se o arcabouço teórico dos seguintes autores: Denise Jodelet (2012), Jacques
Derrida (2014), Judith Butler (2012), Pierre Bourdieu (2014), Serge Moscovici (2012),
Simone de Beauvoir (2009), entre outros.
Palavras-chave: Estudos de gênero. Performance. Empoderamento. Sertão Rosiano.
Título: A violência em A hora e a vez de Augusto Matraga
JOÃO BATISTA PEREIRA (UFRPE)
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Este artigo objetiva refletir sobre a configuração da violência no conto A hora e a vez de
Augusto Matraga, de Guimarães Rosa. Ao delinear os condicionantes históricos como
marcos que concorrem para entender os sertões mineiros na modernidade são
requisitados novos parâmetros para apreender o caráter brutal que emoldura seu
protagonista. No livro Origem do drama barroco alemão, Walter Benjamin vislumbra o
recurso alegórico como instância explicativa para expressar as incertezas desse novo
tempo, caracterizando-o como uma verdade oculta que não representa as coisas como
elas são, mas oferece uma versão de como elas foram ou poderiam ser. Como
ressonância dos fundamentos implicados em nossa leitura, adotamos a alegoria como
categoria analítica que, em conjunto com a perspectiva dialética, fundamenta a leitura
da narrativa rosiana. Concluímos que a atmosfera de violência que envolve o campo
ficcional no qual se plasma o conto denuncia um espaço dominado pela desordem e
injustiça social, realidade que alcança a estética exigindo novas abordagens e
perspectivas críticas na contemporaneidade.
Palavras-chave: Walter Benjamin. Alegoria. Guimarães Rosa.
Título: Nós os temulentos e a filosofia do álcool
JOÃO BATISTA SANTIAGO SOBRINHO (CEFET-MG)
Podemos incluir, perfeitamente, o prefácio de Tutaméia, "Nós os temulentos" , de João
Guimarães Rosa, dentro da filosofia de Gilles Deleuze, explorada no livro O ultimo
copo: álcool, filosofia, literatura (2013), de Daniel Lins. Para Lins o álcool ocupou um
lugar importante na vida e pensamento de Deleuze. "Nós os temulentos" representa a
base do livro Mundanos fabulistas: Guimarães Rosa e Nietzsche (2011), no qual
estabelecemos uma relação entre os dois escritores. Na ocasião clonamos o conceito de
embriaguez do poeta filósofo Nietzsche e afirmamos que a temulência rosiana é análoga
ao conceito de embriaguez dionisíaca, bem como enquadramos os dois escritores por
intermédio de suas escrituras e de suas fortunas críticas como fabulistas intempestivos.
Nesse sentido, exploramos de maneira tentacular uma presença da embriaguez e do
corpo no texto do escritor mineiro. Naquele momento não nos aventuramos com
Deleuze, apenas com Nietzsche e seu conceito de embriaguez, no qual convive
tensionalmente Dioniso e Apolo. Ao tomarmos consciência desse viés analítico, ou seja,
de uma filosofia mediada pelo álcool e sua possibilidade metafórica, acreditamos que,
em vista da influência de Nietzsche sobre Deleuze e Lins, poderemos fazer uma
aproximação profícua entre João Guimarães Rosa e o álcool, nos moldes desenvolvidos
por Daniel Lins em seu livro. João Guimarães Rosa, em certos momentos de sua vida e
pensamento, tece comentários no mínimo curiosos em relação ao álcool. Por exemplo,
em carta ao seu editor italiano Eduardo Bizarri, datada de 3 de janeiro de 1964,
Guimarães Rosa o incita a embriagar-se no intuito de deflagrar no tradutor o espírito
dionisíaco. Assim escreve Guimarães Rosa: "Pelo retrato seu, que vi, parece-me que
não. Parece-me que Você é mais para o lado dos sóbrios, a não ser talvez un pó de vino,
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ou um stregha. Se não, diria que talvez valesse a pena, agora, no acabar a "bella cópia",
encher bichiere e experimentar a companhia de sileno. Não é que eu faça isso. não fiz.
Mas, como Você já viu, o nosso "Corpo de Baile" tem no espírito e no bojo qualquer
coisa de dionisíaco (contido), de porre amplo, de enfática "desmesura". (ROSA, 1981,
p.83).
Palavras-chave: Álcool. Filosofia. Literatura.
Título: Ave Pessoa: Aossê em Maria Gabriela Llansol
JONAS MIGUEL PIRES SAMUDIO (UFMG)
No texto, pretendemos apresentar, reflexivamente, o poeta dos heterônimos, Fernando
Pessoa, em sua relação com Aossê – o falcão, homem e mulher –, correspondente
fulgorizado ao poeta português, tal como se realiza em algumas obras de Maria Gabriela
Llansol, sobremaneira em Lisboaleipzig (1994) e em O falcão no punho (2011). Para
tanto, pensaremos, introdutoriamente, em quatro dos principais heterônimos de
Fernando Pessoa, e na relação desses heterônimos com a figura llansoliana de Aossê.
Com isso, buscaremos vislumbrar como o processo de fulgorização, operado pela
textualidade de Llansol, significa, de fato, uma cura para o desejo de Pessoa de
completar sua travessia pelo mundo, travessia intentada pelos heterônimos, mas que
esbarra na limitação do poeta como homem que escreve; a cura, então, podendo ser
pensada como a possibilidade de que aquele que escreve avance para além do homem,
fazendo-se animal, macho e fêmea, mulher, e, se ainda homem, não tenha esse último
como prerrogativa da sua escrita e de suas significações. Assim, travaremos contato
com o Pessoa textual, com suas palavras, e com Aossê, Pessoa ao avesso, que se
encontram na textualidade de Llansol e nas compreensões que a autora portuguesa, em
variados textos – como, além dos já apresentados, Um beijo dado mais tarde (1991), ―O
sonho de que temos a linguagem‖ (1997), Onde vais, Drama-Poesia (2000), ―O ensaio
de música‖ (2002), Entrevistas (2011) –, apresenta a respeito da travessia e do poeta dos
heterônimos. Como auxílio reflexivo, nos pautaremos nas reflexões sobre poesia e
sociedade de Theodor Adorno (2003), sobre a impessoalidade daquele que escreve, com
Maurice Blanchot (2011) e Gilles Deleuze (1997), e sobre a heteronímia pessoana, com
Gilberto Mello Kujawski (1967) e Jacinto do Prado Coelho (1977); ademais, teremos o
texto de Maria Gabriela Llansol não apenas como um objeto de leitura, mas, também,
como um texto em que se realiza a fulgorização, em nossa leitura, compreendida como a
travessia de Pessoa-Aossê pela escrita como um movimento que nunca se conclui, que
se abre à experiência de quem lê.
Palavras-chave: Escrita. Figura. Fernando Pessoa. Maria Gabriela Llansol.
Título: Metonímias do desejo
JOSÉ LUIZ FOUREAUX DE SOUZA JÚNIOR ( UFOP)
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O trabalho é parte das atividades de produção constantes do projeto de investigação
intitulado ―As cartas não mentem: Alberto de Oliveira e António Nobre, amizade e
poesia‖. Este projeto é supervisionado pela Professora Doutora Ana Paula dos Santos
Duarte Arnaut, da Universidade de Coimbra, onde realizo o estágio sênior, em nível de
pós-doutoramento, atualmente em fase de conclusão. A comunicação parte da leitura de
uma das cartas escritas por Antônio Nobre para seu ―melhor amigo‖, Alberto de
Oliveira, no navio Britannia, a caminho de Paris. Esta carta marca o início da fase de
―consolidação‖ da amizade entre os dois poetas. A leitura aqui proposta reúne,
comparativamente, o texto da carta, uma cena do trecho final de Grande sertão: veredas
e fragmentos poéticos de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa, articulados sob a égide
de algumas ideias de Freud e Nietzsche. A leitura proposta parte do pressuposto de que
o corpo é o instrumento de possíveis manifestações discursivas do desejo. Sendo assim,
ela se desenvolve a partir da operacionalização teórico-metodológica de dois conceitos:
o de ―pacto homossocial‖, elaborado por Eve Kosofsky Sedgwick; e o de
―homoerotismo‖, cunhado por Jurandir Freire Costa. Ideia motriz desta mesma leitura é
a de que a ausência do corpo, no caso da carta de António Nobre; a observação do corpo
defunto de Diadorim, em Grande sertão: veredas: e a celebração do corpo da letra
poética, nos fragmentos poéticos de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa são processos
que fazem este mesmo corpo presente, na discursividade do desejo. A mais absoluta
presença neste discurso/texto se dá, exatamente, por sua ausência. Isto remete ao
Trovadorismo português quando a ausência do elemento masculino faz com que ele seja
a mais absoluta presença nas lamentações da voz poética. A proposta segue algumas
lições contundentes de dois eventos culturais que marcaram a passagem do século 19
para o século 20, no contexto da Literatura Luso-Brasileira: a publicação da revista
Orpheu e as atividades da Semana de Arte Moderna. O tom iconoclasta e, mesmo,
transgressivo, dos dois eventos permite que exercícios de leitura como o aqui proposto
se façam plausíveis, efetivos e eficazes.
Palavras-chave: Homoerotismo. Romance. Carta. Poesia. Corpo. Leitura. Desejo.
Título: A interdisciplinaridade: o olhar da análise do discurso e a psicologia de
Freud
JULIANA LOPES MELO FERREIRA SABINO (PUC Minas)
O presente estudo busca estabelecer um diálogo entre duas áreas do conhecimento, a da
Letras, em especial, a Análise do Discurso Francesa, e o olhar da Psicologia de Freud,
áreas cujo diálogo poderá permitir uma análise reflexiva sobre as diferentes abordagens
possíveis de um objeto que, em si, é marcado pela complexidade. Acreditamos que esse
diálogo seja profícuo, por possibilitar a integração de vários conhecimentos. O
nosso corpus selecionado para este estudo busca refletir sobre um dos episódios do
programa ―Jornal Sensacionalista‖, transmitido pelo canal televisivo da Multishow.
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CADERNO DE RESUMOS
Propomos uma abordagem discursiva da linguagem: a transgressão de gêneros - o
discurso/programa humorístico com formato de um telejornal; e os aspectos
intertextuais contidos nas duas formas de enunciar um mesmo ―fato‖. Nessa relação
intertextual, ao se tratar da dupla jornada da mulher tanto no episódio quanto em uma
matéria da revista Isto é, na tentativa de compreender o desenvolvimento psicológico da
mulher, iremos nos ater às contribuições de Freud, que acreditamos subsidiar nessa
discussão. Para efeito de comparação, utilizar-se-á o episódio do programa supracitado
e a matéria da revista Isto é. Analisaremos, sob o olhar dialógico que constitui essa rede
de fazer e refazer, rede intertextual, em que ―textos‖ outrora distantes se aproximam.
Mais que uma relação entre pessoas, o dialogismo é interação entre visões de mundo,
entre discursos etc., formando o interdiscurso, isto é, relação entre enunciados.
Discutiremos sobre a recorrência ao humor nesse programa, que talvez possa ser uma
maneira mais eficaz de criticar indiretamente as instâncias do poder e os fatos que
ocorrem no mundo, possibilitando a seu público o acesso a assuntos do mundo que de
outra forma, a séria, possivelmente, não poderiam ser discutidos. Acreditamos que as
contribuições da Psicologia social, especificamente, a abordagem sobre a noção de
feminino, atrelada às relações afetivas, de reprodução e trabalhista da mulher poderão
corroborar as discussões tecidas ao longo deste estudo, já que se tratará sobre a
representação de inferioridade social da mulher, bem como a aceitação e a perpetuação
dessa inferioridade.
Palavras-chave: Psicologia.
Interdisciplinaridade. Freud.
Análise
do
Discurso.
Jornal
Sensacionalista.
Título: A paisagem de Guimarães Rosa: o espaço geográfico como representação
da alma do homem sertanejo
JULIANA RODRIGUES SALLES (UEFS)
ERICK NAUDIMAR DOS SANTOS(UEFS)
ISAURA DOS SANTOS SOUZA(UEFS)
Guimarães Rosa externou sua habilidade linguística e literária em romances e contos
majoritariamente ambientados em paisagens rurais. Entre as características mais
marcantes do autor estão o jogo de sonoridade com as palavras, a inserção de
expressões regionais, o olhar para os excluídos e esquecidos em terras distantes e
inóspitas, a descrição de gente simples em sua maioria ligados e dependentes da terra
onde vivem. Essas questões espaciais em suas narrativas são tão relevantes quanto os
outros elementos, como os personagens, o tempo, o enredo etc., pois são fundamentais
para o desenvolvimento das situações trágicas, cômicas, dramáticas, fantásticas,
românticas e amorosas da prosa de Rosa. A presente comunicação objetiva discutir,
através da análise dos contos Os irmãos Dagobé e Sarapalha, com o apoio de teóricos
como Antonia Marly Moura da Silva (2011), Vera Mayrinck Melo (2001), Chevalier &
Gheerbrant (2000), dentre outros, o quanto a personalidade, valores, relações e atitudes
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
dos personagens estão interligados ao sertão e suas particularidades regionais, assim
como as mudanças internas estão vinculadas diretamente a transformações externas. Os
contos adotados para estudo, um de narrativa curta e outro de narrativa mais extensa,
possuem formas diferentes de mostrar o quanto o sertão tem uma forma particular de
penetrar a alma do indivíduo e determinar o rumo das perspectivas inerentes ao homem,
como sobrevivência, abandono, solidão e a linha tênue entre a vida e a morte. Em Os
irmãos Dagobé, o desenvolvimento da história se dá a partir da morte do irmão mais
velho descrito como um facínora, jagunço violento e sem remorsos que mandava no
pequeno povoado e exercia influência negativa sobre os outros irmãos que ansiavam em
mudar de vida. Neste caso é preciso que os personagens abandonem o espaço de origem
(sair do sertão e ir para a cidade grande) para que se inicie o processo de mudança. Já
em Sarapalha, dois primos são representados como reflexos da disseminação da malária
em um povoado anteriormente habitado e atualmente abandonado, vazio, inóspito. É
essa mudança de rumo da paisagem que interfere visivelmente na reviravolta da vida
dos personagens principais, que também são abandonados, torturados pela angústia,
doença, solidão, condenados a passar o resto dos seus dias à espera da morte. As
características da paisagem em Guimarães Rosa vão muito além de um acessório
narrativo, pois são de fundamental importância para se entender os desdobramentos
físicos, psicológicos e históricos dos personagens.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Paisagem. Sertão. Representação. Mudança.
Título: Nietsche e Freud: vontade, pulsão e inconsciente
JULIE CHRISTIE DAMASCENO LEAL (UFPA)
O presente trabalho tem por escopo empreender uma crítica à filosofia tradicional a
partir da passagem para a linha do inconsciente, engendrada pelo viés da vontade
―irracional‖ schopenhauriana e pelo âmbito das pulsões, que em Nietzsche e Freud
encontra os seus maiores expoentes. Compreende-se a subsunção da linha do
inconsciente como um momento decisivo para a história do pensamento filosófico, uma
vez que possibilite uma realocação do papel da razão, consciência e intelecto, os quais
deixarão de representar um lugar de destaque no campo filosófico. Nosso quadro
teórico-metodológico consiste na apreciação crítica da razão, que se inicia com o
filósofo Arthur Schopenhauer, a partir da introdução da noção de vontade, pensada
como uma vontade ―cega‖, sempre perene, impondo um questionamento da razão,
considerando-se que já não é possível definir o homem enquanto uma substância
essencialmente pensante, destituída de desejos, já que tais desejos, pela perspectiva
schopenhauriana, mesmo que satisfeitos, levariam a busca de saciedade de novos
desejos e assim sucessivamente, em uma busca desenfreada e angustiante, o que
possibilita a abertura para a constatação de que tal vontade pertenceria ao domínio do
inconsciente. Nietzsche, por sua vez, através do advento de sua obra O nascimento da
tragédia, sob influência das ideias de Schopenhauer, promove uma análise da tradição
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CADERNO DE RESUMOS
filosófica repensada por meio das noções de Apolíneo e Dionisíaco, sendo o primeiro
aquele que se liga à busca pelas formas equilibradas e promoção do embelezamento da
existência, encobrindo o caráter de sofrimento e dor inerente à vida, e o segundo,
particularmente importante para nosso estudo, interpretado por Nietzsche como
contrário à ordem natural das coisas, pois Dioniso é o deus que se metamorfoseia em
inúmeras facetas, embaralhando a ordem vigente. Por intermédio do êxtase dionisíaco
temos o jogo entre a vida e a morte e a dissolução do Eu, isto é, a dissolução das normas
e valores instituídos. Com a dissolução do Eu tem-se, efetivamente, a dissolução da
razão, sendo que esta permitirá uma fissura para a esfera das afecções, dos sentimentos,
do pulsional, o que nos permite influir o ponto de vista do corpo, fio condutor da
filosofia nietzschiana. Para Freud, a vontade schopenhauriana, anteriormente descrita, é
impulso, ímpeto. Em As pulsões e seus destinos (2014, p. 25), tem-se o conceito de
pulsão, onde a mesma será descrita como um estímulo oriundo do interior do corpo que
alcança a alma, logo, como uma espécie de viés fronteiriço entre o que é pertencente à
alma, ao psíquico. e o que deriva do somático, termo de origem grega com a acepção de
―corporal‖, ou seja, o corpóreo, físico. Assim, a pulsão seria um impulso em busca de
sua satisfação, algo que ocorre no corpo. Desse modo, tal percurso nos permite concluir
que a primeira via de percepção da vontade é o corpo, e a própria razão também está
subordinada à vontade, ao contrário do que afirmava a filosofia tradicional.
Palavras-chave: Nietzsche. Schopenhauer. Freud. Vontade. Inconsciente.
Título: A mitopoiesis na construção de Diadorim e Doralda
KARINA BERSAN ROCHA (IFET-ES)
Neste trabalho, pretendemos analisar alguns aspectos da construção de duas
personagens femininas no espaço masculino e masculinizado do sertão. Diadorim e
Doralda estão relacionadas entre si e a esse entorno mitomórfico. No percurso, são
levantadas imagens míticas femininas possivelmente revisitadas por Guimarães Rosa na
construção das narrativas. Para isto, aproximamos Grande sertão: veredas e ―DãoLalalão (O devente)‖, mostrando pontos de contato e distanciamento entre o romance e
o poema/romance, que tiveram a mesma gênese, já que Grande sertão: veredas foi
concebido, inicialmente, para ser uma das narrativas de Corpo de Baile.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Mito. Diadorim. Doralda.
Título: A redenção pela arte em Ariano Suassuna
KARINA DE ALMEIDA CALADO (PUC Minas)
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CADERNO DE RESUMOS
O presente estudo busca realizar uma leitura intersemiótica da iluminogravura ―Dom‖,
de Ariano Suassuna, à luz de noções do trágico desenvolvidas por Friedrich Nietzsche
em O Nascimento da Tragédia (2007). Parte-se do pressuposto de que essa
iluminogravura, fundada na temática da morte e da redenção por meio da arte, oferece
uma visão-síntese do imaginário poético de Ariano Suassuna. Sugere-se que a
composição da obra está assentada na dualidade afirmada por Nietzsche: o horrível que
almeja tornar-se belo. Tal compreensão nos leva a considerar os impulsos artísticos
apolíneo e dionisíaco na análise da obra. Sob essa linha interpretativa, aponta-se que a
iluminogravura ―Dom‖ revela a necessidade que tem o dionisíaco (a dor, o sofrimento,
o trauma da morte, a contradição e o tormento do mundo) de ser liberto por meio do
apolíneo (a aparência, a arte). Nesse sentido, Nietzsche afirma que, na obra de arte, o
artista celebra a sua redenção. A obra ―Dom‖ apresenta características que evidenciam
uma ―visão trágica do mundo‖ em Ariano Suassuna, conforme expressa Carlos Newton
Junior (1999), e aproximam o autor da noção de ―homem trágico‖, considerada por
Nietzsche. Suassuna cria o termo ―iluminogravura‖ para batizar o gênero original, com
o qual realiza o amálgama entre a arte medieval e a arte popular nordestina. Adianta-se
que o autor usa temas, imagens e expressões do imaginário popular como fonte de sua
arte, trabalhando-os, com domínio técnico, em estilo rebuscado e estruturas consagradas
da poesia erudita, o que denota uma primorosa habilidade de deslocamento da tradição
poética nordestina à tradição poética ocidental. Além de recorrer a contribuições de
Nietzsche e de Newton Júnior, este trabalho está ancorado, ainda, em estudos
desenvolvidos por Ângela Vaz Leão (2003).
Palavras-chave: Ariano Suassuna. Nietzsche. Morte. Arte. Redenção.
Título: O espelho como categoria metafórica na experiência de construção da
identidade no conto “O Espelho”, de Guimarães Rosa
KATYA QUEIROZ ALENCAR (UNIMONTES/PUC Minas)
Provavelmente, as águas límpidas e paradas foram a superfície para a primeira forma de
visualização do eu, visualização esta distorcida e irregular, porém mitológica, que leva
Narciso a se debruçar sobre a fonte para se banhar e ver, surpreso, uma bela figura que o
fitava de dentro d'água. Tomando como referência o conto "O Espelho", de Guimarães
Rosa, propomos nesta comunicação desenvolver uma discussão sobre a construção da
identidade apreendida pela metáfora do espelho no conto rosiano, uma vez que a
elaboração desta parece se constituir de reflexos invertidos e desvirtuados, assim como
em um jogo especular de imagens identidade/alteridade, possibilitado pela vicissitude
da linguagem literária, que é construída por Rosa de modo a inserir o leitor na
performance intersubjetiva do texto. Para tanto, nos basearemos em discussões
psicanalíticas sobre o assunto empreendidas por Sigmund Freud e Jaques Lacan, assim
como em pressupostos sobre a différance defendidos por Jacques Derrida e, ainda,
considerações sobre o jogo intersubjetivo no texto proposto por Émile Benveniste. A
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CADERNO DE RESUMOS
metodologia empregada será a qualitativo-interpretativa, baseada em análises
descritivas e comparativas do texto literário e teóricos. A nossa hipótese é que, a partir
da metáfora do espelho e do jogo intersubjetivo (eu/tu), a investigação sobre a
identidade e o autoconhecimento encenada no conto rosiano se constitui em uma
experiência em que o eu se estende além de si mesmo e é construído a partir do outro,
pela travessia da alteridade que não é apenas o diferente, mas um diferente similar. O
espelho seria, portanto, a metáfora de todos nós, o meio pelo qual refletimos e somos
refletidos pelos outros num jogo especular e dialético da identidade/alteridade. A
consciência da vida individualizante está na busca do que nos falta, na possibilidade da
face abstrata do outro, que se reconstrói continuamente em nós mesmos e que a
metáfora do espelho abstrai nas peripécias das experiências humanas e na imaterialidade
da linguagem.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Espelho. Identidade. Alteridade. Psicanálise
Título: De louco em louco: os desvios mentais em Machado e Rosa, sob a luz de
Nietzsche
LENI NOBRE DE OLIVEIRA (CEFET- Araxá)
Machado de Assis, em sua obra, intrigou-se com o estado mental das suas personagens,
delineando uma galeria de mentes em potenciais desvios da normalidade, esta
questionada, ironizada, problematizada e, sobretudo, colocada em cheque, em suas
obras do século XIX, como em O alienista, Quincas Borba e Memórias póstumas de
Brás Cubas. Do mesmo modo, Guimarães Rosa nos apresenta, no século XX,
personagens excêntricas, as quais, dada a peculiaridade de comportamento em relação
ao mundo, às coisas e ao estar no mundo, parecem-nos exceder os limites de uma
normalidade assegurada pelo senso comum. No entanto, embora nos dois autores se
apresentem a repetição temática da loucura, a problematização sobre a normalidade e
vários questionamentos sobre ambas, percebemos que a sisudez irônica de Machado é
substituída, na obra de Rosa, por uma generosidade e uma compreensão bemhumoradas para com os desvios mentais humanos que podem estar relacionadas a
aspectos resultados da resolução de conflitos da primeira metade do século XX e aos
avanços nos estudos sobre a mente. Vislumbramos em Machado de Assis uma
perspectiva irônica modelada numa visão shakespeariana de mundo, enquanto em
Guimarães Rosa surpreende-nos uma generosidade quixotesca aos modos de Cervantes,
no trato com as personagens e o delineamento de suas particularidades excêntricas. Ao
compararmos personagens de alguns contos de Papéis avulsos, Primeiras estórias cm
―Recado do Morro‖, ―Tarantão, meu patrão‖, ―Darandina‖ e ―Soroco, sua mãe, sua
filha‖ à luz de A Gaia Ciência, de Nietzsche, desejamos salientar a presença da
repetição temática dos desvios mentais da obra de Machado por Rosa e destacar o
caráter da diferença como estratégia de diálogo com a tradição, por meio de renovação e
rememoração de antecessores, ao mesmo tempo em que lançaremos luzes da filosofia
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CADERNO DE RESUMOS
sobre as personagens desses dois autores, com o intuito de melhor entendê-las como
projeção de seus criadores, ambos integrados ao seu tempo a suas perspectivas de
mundo.
Palavras-chave: Machado de Assis. Guimarães Rosa. Nietzsche. Desvios mentais.
Recorrência temática.
Título: "O Buraco"
LÍLIAN PAULA SERRA E DEUS (PUC Minas)
No conto O Buraco, de Luiz Vilela, há a presença de um narrador em primeira pessoa,
que já inicia sua narrativa, mencionando a existência de um buraco, o mesmo que dá
nome à narrativa. Quando se lê o texto dentro da sua lógica, à luz da teoria de André
Green (1983), ou seja, sem que, inicialmente promova-se o seu ―desligamento‖,
percebe-se que esse narrador fala de um buraco que ele vai cavando desde ―que se
entende por gente‖. O relato é, então, tecido, de acordo com toda uma lógica textual e os
fatos que sucedem à primeira lembrança que ele tem desse buraco são também trazidos
à cena. Mas, ao quebrar-se essa lógica, assumindo a perspectiva da desligação do texto,
da qual discorre Green (1983), podemos entrar então no que o autor denomina de
―terreno inconsciente do texto‖ e vislumbrar as possíveis leituras que ele nos oferece.
Diante dessa perspectiva, busca-se ler o conto tendo como alicerce a teoria da
psicanálise, mais especificamente do Complexo de Édipo, sobre o qual discorre Freud,
para abordar o buraco não simplesmente como espaço físico, mas como metáfora do
útero materno e da falta provocada pelo nascimento, responsável por promover o
rompimento com essa ―casa primeira‖. A personagem do conto de Luiz Vilela parece
não conseguir lidar de maneira saudável com o rompimento advindo do nascimento e
vai, ao longo da narrativa, assumindo características de um tatu e fazendo do buraco,
que cava com as mãos, sua morada. Busca-se mostrar como, ao adquirir características
de tatu, a personagem parece regredir à infância, como se por meio dessa estratégia,
pudesse, aos poucos, religar-se ao útero materno e, consequentemente, viver para
sempre sob a proteção da mãe, por quem nutre um amor doentio.
Palavras-chave: Complexo de Édipo. Inconsciente. O Buraco. Luiz Vilela.
Título: A infância que fala em Riobaldo
LIVIA DE SÁ BAIÃO (PUC-Rio)
Nonada. No, não, nada. Não se pretende aqui criar, inventar ou fazer suposições sobre a
infância de Riobaldo, o narrador de Grande Sertão: Veredas. Nada haveria a investigar
uma vez que o ponto mais distante na narrativa é o fundamental encontro entre ele e o
Menino (Diadorim), quando Riobaldo tinha 14 anos, e muito pouco se sabe sobre os
anos que antecedem esse marco. Trata-se sim, de buscar na fala de Riobaldo, o
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CADERNO DE RESUMOS
gaguejar, o titubear ou tartamudear, a fragilidade e a falta de soberania da infância que
trazem em si a potência do deslumbramento e o encantamento das primeiras vezes.
Trate-se de descobrir nas palavras, as suas infinitas possibilidades de ressignificação, de
encontrar os substantivos que se transmutam em verbos, os adjetivos que se
metamorfoseiam em advérbios, buscar as semelhanças não sensíveis nos nomes das
coisas do mundo-sertão, mundão. E escutar todas as histórias e estórias, de quem conta
e reconta suas memórias, rememorações, reminiscências, com suas inúmeras releituras
do passado. Walter Benjamin nos conduzirá nesse gaguejo de investigação com seus
pensamento e conceitos sobre infância, rememoração e narrativa. A partir dos lampejos
da infância de Riobaldo destacados no ensaio sob a ótica de Walter Benjamin será
possível perceber a infância que escapa à temporalidade, que foge a uma etapa da vida e
passa a ser uma condição de possibilidade da existência humana. O infante é aquele que
não fala por isso pode experimentar a fala, o mundo. Abrem-se para ele caminhos que
nunca foram explorados, veredas nunca antes percorridas. A infância não se restringe
aos primeiros anos de vida, é uma atitude que perdura no tempo, como aquele instante
vital, de potência. Guarda em si o homem que virá e que tem a condição de infante da
experiência. Sempre há um mundo novo, transformação de coisas antigas porque há
infância. A infância é um modo de pensar o mundo como se, do faz-de-conta, dos
questionamentos que não precisam de resposta, só precisam ser formulados.
Esqueçamos da infância enquanto tempo cronologicamente definido e pensemos na
infância como condição de experiência.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Walter Benjamin. Riobaldo. Grande Sertão:
Veredas.
Título: EMMA E VAN GOGH: a possível articulação do "a posteriori" na
compreensão da disrupção pulsional em um quadro clínico de neurose histérica e
de psicose narcísica
LÍVIA ELIANA MACHADO DE CASTRO BRITTO (PUC Minas)
Propomos, neste trabalho, abordar a noção de "a posteriori", conforme explicitado por
Freud (1987/1950 [1895]) no "Projeto para uma psicologia científica", em "A Proton
Pseudos |Primeira Mentira| Histérica", no chamado caso Emma, para a compreensão do
deflagrar do primeiro surto psicótico em Vincent Willem van Gogh, pintor vanguardista
holandês, que viveu no século XIX. Para tanto, buscaremos focalizar a importância da
análise do contexto em que se deu a sua disrupção pulsional para situarmos o ponto de
incidência da lembrança traumática responsável pela cisão do eu, quando da ameaça e
partida de Paul Gauguin, também pintor vanguardista, com quem Vincent conviveu por
algum tempo. Além disto, procuraremos demonstrar o deslocamento da imago maternal
de Van Gogh para Paul Gauguin, ressignificando o possível abandono da figura materna
nos primórdios da constituição subjetiva do pintor. Pontuaremos, ainda, a importância
das obras epistolar e pictórica de Van Gogh, nas substituições possíveis à falta
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
decorrente do trauma primevo vivenciado, propiciando o deflagrar da equação
simbólica, conforme Freud (1976/1933 [1932]) trabalha nas "Novas Conferências" a
partir de "algo destacável do corpo" (p. 126). É nesse sentido que um psicanalista
poderá trabalhar a partir da compreensão que, em qualquer estrutura clínica - seja
neurótica/ perversa ou psicótica - será por meio do sintoma, da linguagem e da obra,
seja artística ou não, que um sujeito se envolverá na construção, na sustentação e/ou na
reconstrução do seu eu, ao visar o estabelecimento de um possível laço com o outro das
origens "das Ding" e, no seu rastro, o estabelecimento de um possível laço social.
Palavras-chave: "a posteriori". Lembrança traumática. Deslocamento. Disrupção
pulsional. Equação simbólica. "algo destacável do corpo".
Título: A dupla Natureza de Rosa: sob o olhar de Rousseau
LUANA GERONIMO AVERSA (UFSC)
ORIENTADORA: MARLENE DE SOUZA DOZOL (UFSC)
A ideia de Natureza em Rousseau opera como uma abstração estética, apresentando-se
como referência formativa à educação do homem. Se antes os instintos e a sensibilidade
eram fonte de erros e ilusões, agora se transformam no caminho para a conquista de um
sentido à vida. A paisagem liga-se aos estados de alma de seus personagens, revelando
o valor estético e formativo dos sentidos e do meio. A transparência do coração traz de
volta à natureza o brilho e a intensidade que havia se perdido (Starobinski, 1976,
p.105).Assim, é sob uma perspectiva rousseauniana que exploraremos a narrativa
Campo Geral de Guimarães Rosa, entendendo que nela a Natureza assume um duplo
sentido. De uma Natureza opressora, que confere obstáculos e está no campo da
necessidade. Ela também se oferece como possibilidade de libertação, ilustrada pela
ação estética do nosso personagem principal, Miguilim. Nas palavras de Schiller "A
cultura estética, portanto, deixa plenamente indeterminados o valor e a dignidade
pessoais de um homem (...) e nada se alcançou além da possibilidade natural de fazer
ele de si mesmo aquilo que quiser(...) esta liberdade lhe havia sido tomada pela coerção
unilateral da natureza na sensação e pela legislação exclusiva da razão no
pensamento(1995, 101).Vemos assim, na disposição estética, um estado intermediário
de plena liberdade lúdica. Guimarães nos convidar a operar por conceitos descarnados, a
fim de alargar a matéria ao invés de enquadrá-la. A natureza não se coloca, portanto,
como limitadora, pois a forma (concedida pelo olhar infantil do nosso protagonista)a
consome e a supera. Assim, a atitude estética do menino na sua relação com seu meio,
evita a brutalização da vida, já mecanizada dos adultos que o cercam. O prazer e as
dores das descobertas de Miguilim são expostos em passagens intensamente poéticas e a
grandeza de Rosa talvez resida na sua capacidade de expandir a realidade, sem negá-la.
Ao escrever partindo do olhar infantil consegue poetizar a natureza sofrida do sertão
brasileiro.(...) encontramos na narrativa guimaraneana, de modo inclusivo, a aceitação
da Ordem estabelecida(que implica a pobreza material e espiritual)e a negação dessa
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
Ordem, sabedoria indissoluvelmente aliada à aquisição de competência para as lutas de
caráter espiritual e material (ALVIM, 1983, p. 170).Extrair o essencial do empírico,
doar uma fisionomia espiritual para a matéria, esse é o presente oferecido por Rosa
neste romance. Através das percepções do nosso herói, propõe-se a desvelar a essência
que há por detrás da aparência sensível e os estados da natureza se transformam em
estados da consciência de seu protagonista. O que mais podemos dizer se não é certo
ritmo existencial, que acompanha o ritmo da Natureza, sendo apresentado através dos
olhos de Miguilim? Se o menino transfigura sua realidade por meio da imaginação,
Rosa tem de fazê-lo por meio de palavras. Por isso, nossa proposta é explicitar como tal
estética existencial é exposta nesta obra e como Guimarães a opera por meio de palavras
Palavras-chave: Estética. Guimarães Rosa. Campo Geral. Natureza. Rousseau.
Título: Trágico como afirmação da vida
LUCAS ANTONIO PEREIRA MORAIS (UFMG)
Pretendo tratar de três questões suscitadas em O nascimento da tragédia (e nos escritos e
fragmentos da época) com foco principalmente nas pulsões estéticas do apolínio e do
dionisíaco e a relação entre eles: i) num primeiro momento abordarei as questões do
sofrimento e o absurdo como condição primordial da existência humana identificada
com a totalidade, o caos derivado da não individualização e as contradições
caracterizadas pelo impulso transgressivo e, como o grego antigo (pré-homérico)
revelará uma exacerbada sensibilidade em relação ao sofrimento levando-o ao um
pessimismo prático, ii) em seguida tratarei a pulsão apolínea como criadora da
individualidade e da bela aparência que o grego achará como antídoto contra o
sofrimento, em que o surgimento do mundo olímpico aparecerá como espelho
transfigurador do sofrimento em obra de arte, iii) e por fim, de que modo a tragédia
grega a partir da reconciliação ou união conjugal dos dois princípios antagônicos
produzirá o efeito do mito trágico que suscitará o prazer e alegria no aniquilamento do
próprio indivíduo, isto é, o trágico como alegria e afirmação da vida. Caracterização do
problema: A comunicação visa à abordagem da visão do trágico como afirmação e
alegria da vida, e como o grego antigo mantinha uma suscetibilidade ao sofrimento,
como para a arte. Buscarei tratar de como o jovem Nietzsche chega a postular tanto no
Nascimento da tragédia, como nas conferencias e fragmentos da época nos meados do
XVIII estas questões. Seguirei uma das possíveis linhas de interpretação, que polariza o
trágico sobre a dualidade e contraditoriedade dos dois impulsos apolíneo e dionisíaco,
aparência e essência, e a reconciliação ou união do apolíneo e dionisíaco. Seguirei uma
interpretação que opera a união dos opostos diferente da concepção dialética do
idealismo alemão, isto é, tratar de uma reconciliação que seja capaz de manter as
diferenças, de tal forma que a tragédia permitirá que o sujeito trave constantemente uma
luta contra o horror, o sofrimento e até mesmo enfrentar a mais áspera derrota com
alegria. Justificativa: Nietzsche parte da seguinte premissa; os gregos, os homens mais
humanos da Antiguidade, possuem uma característica cruel e trazem a marca de um
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desejo selvagem de destruição (Nietzsche, Cinco prefácios para cinco livros não
escritos, p. 73-74). Diante desta extrema sensibilidade ao sofrimento causada pela forte
intensidade de seus instintos, estaria o grego, a ponto de se afogar num pessimismo
prático, devorador da força afirmativa da vida. Daí surge a necessidade grega de
interrogar sobre o valor da existência, colocando sobre ela o valor da arte e a tragédia
como reconciliação dos dois impulsos que servirão como tônico para vida. Pretendo
expor como a tragédia é capaz de transmudar a angustia em elemento positivo, de
transformar o estado de pessimismo que quer negar à vida, em vontade de afirmação, e
até mesmo a depreciação da existência transformada em alegria.
Palavras-chave: Nietzsche. Tragédia grega. Sofrimento. Arte. Afirmação da vida.
Título: Detetives ou máquinas de raciocinar? As narrativas policiais de Fernando
Pessoa
LUCAS ANTUNES OLIVEIRA (UFPE)
Este trabalho aborda os textos detetivescos de Fernando Pessoa, ou, como o autor os
chamava, suas ―novelas policiárias‖, que foram recentemente reunidas em dois
volumes: Quaresma, Decrifrador (2008) e Histórias de um Raciocinador (2012).
Embora a crítica e o ensino tradicionais da obra pessoana explorarem pouco tais
escritos, voltando-se, de maneira geral, para a produção da poesia do autor, ou para
alguns textos em prosa mais famosos, como o Livro do Desassossego, gostaríamos de
mostrar que o projeto de escrever narrativas policiais nunca foi encarado por Pessoa
como um projeto menor dentro do conjunto da sua obra; na verdade, tudo indica que o
autor pensava a escrita das novelas policiárias como algo tão importante quanto sua
produção poética. Assim, levando em consideração a importância que o próprio autor
atribuía à sua obra, o objetivo de nosso trabalho é procurar oferecer uma visão geral
acerca da produção detetivesca de Fernando Pessoa, que inclui não apenas textos
ficcionais, escritos em inglês e em português, ao longo de quase toda a sua vida
artística, mas também um ensaio sobre a literatura policial, que revela o profundo e
detalhado conhecimento que o autor português possuía sobre o gênero. Procuraremos
destacar a originalidade da produção policial de Pessoa, não só no que diz respeito à
situação do gênero em Portugal (cujo público leitor, na época, ainda mal conhecia as
obras de Arthur Conan Doyle, já famosas na maior parte da Europa), mas também com
relação ao conjunto da literatura detetivesca produzida até então em todo o mundo.
Veremos que Pessoa antecipa tendências da ficção policial que só seriam plenamente
desenvolvidas algumas décadas depois, na produção pós-Segunda Guerra, aproximando
suas novelas policiárias daquilo que seria chamado mais tarde de metaphysical detective
story, ou ―história detetivesca metafísica‖, um tipo de narrativa policial mais alinhada
com a mentalidade e com a ficção pós-modernas. Em nosso percurso analítico
contaremos com a ajuda de autores como Maria de Lurdes Sampaio (2001 e 2008),
Ettore Finazzi-Agrò (1998), Patricia Merivale e Susan Elizabeth Sweeney (1999), além
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
de outros cujos estudos teóricos e críticos contribuirão para o aprofundamento da
discussão aqui realizada. É importante destacar que nossa metodologia não se pautará
por nenhuma tentativa de ―aplicação‖ das ideias apresentadas pelos estudiosos que
servem como base teórica e crítica de nosso trabalho, mas sim pela intenção de fazer
com que seus juízos dialoguem com o texto sobre o qual nos debruçamos, com o
objetivo de aperfeiçoar a leitura que nos propomos a realizar neste artigo.
Palavras-chave: Fernando Pessoa. História detetivesca metafísica. Histórias de um
Raciocinador. Novelas policiárias.
Título: O Poeta no Divã: construções sobre a noção de amor
LUCAS FERREIRA PEDRO DOS SANTOS (PUC Minas)
Poesia e psicanálise se encontram e entrecruzam em seu interesse mútuo pelo espírito
humano e suas variadas expressões. Em sua obra, além de se utilizar por diversas vezes
da literatura para ilustrar seus pensamentos, o próprio Freud afirmou: "Aonde quer que
eu vá, eu descubro que um poeta esteve lá antes de mim". Entre os temas de maior
apreço para a psicanálise como para os poetas, está o amor, uma vez que questão crucial
da existência humana. É, pois, a partir da temática do amor que propomos, no presente
trabalho, um diálogo entre Freud e Pessoa. Em suas teorizações a respeito do amor,
Freud aponta características tais como: a busca ilusória de uma suposta completude; a
idealização do ser amado, o empobrecimento do eu em função de um investimento de
libido narcísica em seu objeto de amor e as primeiras relações de afeto como protótipo
para as futuras relações amorosas da vida do sujeito. Várias dessas características
consideradas por Freud como próprias às vivências amorosas podem ser encontradas
nos versos de Pessoa e como marca de suas impressões das experiências amorosas. De
modo especial, é possível identificar nos versos do grande poeta português o amor
vivido como impossibilidade, como irrealizável, assim como se observa como marca de
sua poesia um alto grau de idealização do objeto de amor. Vê-se ainda um
empobrecimento do eu, um teor melancólico expresso no abandono de si em sua forma
de enlace com o ser amado. Assim, a partir dessas intercessões entre as obras de Freud e
Pessoa no que tange às características próprias do estado de estar amando é que nos
propomos a tratar do que seja a experiência amorosa na perspectiva destes autores,
reafirmando a declaração freudiana que assinala na figura do poeta um saber sobre o
amor.
Palavras-chave: Freud. Fernando Pessoa. Amor. Psicanálise. Poesia.
Título: Do erotismo ao estado de falta: Clarice e Florbela.
LUCIANA DE BARROS ATAIDE (PUC Minas)
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
Objetivando um estudo comparativo entre o trabalho de contista desenvolvido por
Clarice Lispector e Florbela Espanca, serão estudados os contos Um dia a menos de
Clarice Lispector e Amor de outrora de Florbela Espanca, cujas temáticas exploradas
serão a relação entre o Eu e o Outro como uma forma de busca da completude humana.
A personagem construída por Clarice Lispector vive em um grande vazio, já que não
trabalha, não tem lazer nem mesmo algum tipo de realização pessoal e possui uma
existência inodora que se contrapõe a seu ritual pós-banho que é de se perfumar com
talco. Tais aspectos são responsáveis por apresentar a personagem criada através da
dualidade entre o Ser e o Não-Ser. Se por um lado o aspecto do Ser é marcado pela
busca; pela expectativa de encontro com o Outro, o Não-Ser se dá pela falta de
autoconhecimento, já que a dificuldade de afirmação pode ser observada pelo problema
que tem em se ver no espelho. A expectativa que a personagem possui é de receber a
ligação de um homem que possa lhe convidar para um drinque. Essa perspectiva
evidencia o aspecto erótico abordado no conto, uma vez que a presença desse Outro (um
homem) lhe proporcionaria a possibilidade de completude abordada por Bataille.
Porém, ao tocar o telefone, o Outro se apresenta na figura de uma velha senhora que a
coloca diante de si, reconhecendo a própria solidão, o próprio vazio, o próprio
sofrimento. Esse fato confirma o pensamento schopenhauriano de que a vontade é a
força que comanda a vida humana e tudo o que se opõe a essa vontade é desagradável e
dolorido. Já a personagem de Florbela Espanca demonstra a liberdade feminina com
relação ao corpo e às atitudes perante a sociedade, ao mesmo tempo, em alguns pontos,
mostra-se confusa e distante devido à pressão social e moral envolta na posição que
toma enquanto amante. Mais uma vez, tem-se a dualidade inerente à condição humana:
ao mesmo tempo em que a personagem aceita a posição de amante, não aceita a
proposta do amado para fugir devido à culpa que sente. O comportamento de Cristina
passa pelos conceitos apontados por Bataille acerca da essência do erotismo que
consiste em transgressão, dado que é o resultado da atividade sexual humana enquanto
prazer, mas, ao mesmo tempo, consciência do interdito. São também inerentes a esse
conto as considerações freudianas acerca do psiquismo e da civilização. Para o
psicanalista, os seres são constituídos de tal forma que tornam a meta de felicidade
inalcançável. Isso porque o princípio do prazer, que governa o psiquismo desde o início
da vida, baseia-se na busca do prazer, mas também na evitação do sofrimento. Assim,
através de uma abordagem literária, filosófica e psicanalítica, será possível traçar um
paralelo entre os dois contos, de forma a apontar os pontos de aproximação e
distanciamento em relação à temática desenvolvida por esses dois grandes nomes das
Literaturas de Língua Portuguesa.
Palavras-chave: Erotismo. Outro. Sofrimento. Bataille. Freud. Schopenhauer.
Título: Paisagens terrenas: Nietzsche e Clarice Lispector
LUIZ CARLOS GONÇALVES LOPES (CEFET-MG)
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
Em um dos capítulos de Assim falou Zaratustra, intitulado ―O canto do asno‖, Nietzsche
enuncia, por meio de sua personagem Zaratustra, o amor a uma paisagem terrena, que
seria, no início e ao cabo, a privilegiada visão possível ao homem e a singular paisagem
querida. Ele diz: ―Mas nós não queremos entrar no reino dos céus: tornamo-nos homens
– assim, queremos o reino da terra‖. Tal afirmativa coloca em questão a ―fidelidade à
terra‖ tão proclamada por Nietzsche em vários momentos de Zaratustra e em outros
livros como A gaia ciência e Crepúsculo dos deuses. De modo similar a esse
pensamento trágico, que elege fios condutores como o corpo, o amor ao terreno e a
alegria trágica diante da existência, a escritura de Clarice Lispector parece também
encenar um gesto afirmativo que diz sim ao terreno. Em A paixão segundo G.H., a
escritora, por meio de sua personagem, conduz o leitor por uma paisagem terrena na
qual encontramos uma ―redenção‖ no aqui e no agora, uma redenção que parodicamente
se efetua pela eliminação de qualquer além-mundo. Em um dos trechos do romance,
ouvimos ressonâncias nietzschianas intensas, quando a narradora diz ―Sei que o que
estou sentindo é grave e pode me destruir. Porque – porque é como se eu estivesse me
dando a notícia de que o reino dos céus já é‖. Em Clarice, assim como em Nietzsche, há
uma defesa do corpo, do amor fati e da fidelidade à terra. O diálogo entre o filósofo
alemão e a escritora brasileira permite entrever afinidades agudas entre esses dois
autores que, sobretudo, acreditaram numa experiência terrena que se abre para a alegria
e revela, nesse sentido, essa potente força revolucionária acolhida por aqueles que
elegem a paisagem terrena como uma imagem do sagrado.
Palavras-chave: Clarice Lispector. Nietzsche. Pensamento Trágico.
Título: Luto e Melancolia em Pessoa: Diálogos com Freud
MADSON GOIS DINIZ (UFPE)
A fragmentação de identidades na literatura denuncia sujeitos problematizados por
espaços heterogêneos de comando e desejo. A dessacralização do sujeito e a perda da
aura na contemporaneidade, por meio da desterritorialização e reterritorialização de sua
subjetividade, desestabilizaram as fronteiras da escrita, implicando numa escritura
líquida e melancólica. A liquidez e melancolia da escrita denotam o desassossego
literário,
ex-libris da obra de Fernando Pessoa, marcada por heterônimos imersos
num profundo debate acerca da modernidade e das questões existencialistas. Em Álvaro
de Campos, por exemplo, a inquietude, o não lugar e a perda do objeto idealizado
mobilizam tensões estruturais e temáticas no universo poético, canalizando o luto e a
melancolia enquanto vetores de uma escrita confessional. Neste estado melancólico, o
processo de perda é inconsciente, de sorte que o melancólico denota um sentimento
doloroso, associado à indiferença em relação ao mundo e ao retraimento do eu,
assinalando autorrecriminação, autoenviltecimento e punição. Como potência do eu no
mundo, a literatura á a escrita do corpo, transformando as ideias em coisas, podendo
simbolizar a existência, realizando sua atualidade em recalques e lapsos do sujeito.
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
Portanto, a escritura pessoana é arcabouço de categorias psicanalíticas, sobretudo pelas
marcas do luto e da melancolia. Desta forma, esta análise objetiva investigar o trajeto do
luto e da melancolia em Álvaro de Campos, através das imagens de morte, do passado
em ruínas, ensimesmamento do eu, da perda do objeto idealizado, da angústia
existencial frente ao fluir inexorável do tempo, elencando os recursos linguísticos e
estilísticos que sinalizam a representação de tais pulsões no respectivo campo poético.
Palavras-chave: Pessoa. Freud. Luto. Melancolia. Poesia.
Título: A elaboração poética da narrativa, em Tutaméia
MAÍRA PINHEIRO TAVARES (UNIMONTES)
Este trabalho tem como objetivo analisar a elaboração da narrativa, em seu processo
lacunar e imbricado, em Tutaméia, última obra do escritor mineiro João Guimarães
Rosa. Propomos que Rosa empreende um jogo narrativo na constituição do livro e das
estórias, em que, em um constante enredar e desenredar, nos périplos e antipériplos, no
deslize das máscaras entre autor, narrador, personagem e leitor e nas recorrências e
novidades, exibe o mote de sua ideia sobre a literatura e seu ofício de escritor. Como
charadista que foi, o autor mineiro vale-se desses e de outros artifícios, com intuito de
mostrar o objeto literário como personagem principal desta obra. Dessa forma,
Tutaméia aguça e acentua uma série de novidades iniciadas em outros livros do autor,
evidenciando sua maturidade literária, em um propósito de escrita cujo labor estético
poderia resumir todo seu trabalho. Pretende-se, assim, com a leitura e análise de alguns
contos do livro, elucidar a reflexão estimulada por Rosa sobre seu próprio procedimento
de composição que desemboca nas narrativas condensadas, intensas e enigmáticas de
Tutaméia, cuja poeticidade, elaborada a partir do que antes era gasto, em uma criação
lexicográfica e sintática invulgar, transborda em cada linha e detalhe do texto.
Para alcançar tais objetivos, o artigo parte da exposição de alguns contos de Tutaméia,
como "Lá, nas campinas" e "Desenredo", explorando também trechos de estórias tais
quais "Se eu seria personagem", "Antiperipléia", "Barra da Vaca", "-Uai, eu?", que
comprovem as análises sobre a elaboração da narrativa, a poética que a subjaz e a
relação imbricada entre os seus elementos constitutivos: narrador, autor, personagem e
leitor. A fim de embasar este estudo, usaremos textos de estudiosos de Rosa como Clara
Rowland, Vera Novis, Jaqueline Ramos, Lélia Parreira Duarte, Willi Bolle e outros,
bem como recortes de entrevista do autor com Günter Lorenz. Também será
referenciado outro crítico, da teoria narratológica, Yves Reuter. A pesquisa, dessa
forma, define-se como qualitativa, analítica e de revisão bibliográfica.
Palavras-chave: João Guimarães Rosa. Narração. Vozes. Desenredos. Ficção.
Título: O sertão rosiano e o desvelamento do humano
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
MARCELO NILO NARCISO MOEBUS ( FIPMoc)
Na nossa análise do "Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa, teremos como
objetivo fazer um movimento de aproximação entre Literatura e Filosofia, com o devido
cuidado para que não se perca a riqueza própria de cada uma dessas formas discursivas
(ou de pensamento, como iremos chamar). A partir da fenomenologia hermenêutica de
Martin Heidegger, tentaremos mostrar que o "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães
Rosa, pode ser lido como uma experiência mitopoética da própria condição humana. O
nosso ponto de partida será o que podemos chamar de ―crise da razão‖, que se inicia no
final do século XIX, quando há um questionamento da Metafísica Ocidental e da
racionalidade demonstrativa (representada pela Filosofia e pela Ciência Moderna) como
detentora do monopólio da verdade e do pensamento. No contexto dessa crise, Martin
Heidegger, o filósofo, e Guimarães Rosa, o poeta/escritor, apresentaram suas propostas
para o homem ocidental, em termos de resgate da sua própria humanidade e de uma
vida autêntica (diante do processo crescente de alienação e de "reificação" desse homem
decorrente das ciências e da técnica). Em comum, a linguagem poética como forma de
pensamento capaz de revelar uma verdade que não a verdade lógica (relação entre
sujeito e predicado) e o cuidado com a linguagem. Ora, para Heidegger, em sua "Carta
Sobre o Humanismo", de 1946, a linguagem não é apenas um instrumento de
comunicação, mas a ―casa do Ser, a habitação do homem‖. Para ele, a linguagem
poética, ao ultrapassar a dimensão do conhecimento lógico-científico, que é incapaz de
compreender o Ser em sua mais profunda manifestação no mundo, é a única capaz de
resgatar o homem do ―esquecimento do Ser‖. No seu ―A caminho da linguagem‖, de
1959, ele vai colocar que ―Enquanto aquele que fala, o homem é: homem (...) Mas ainda
resta pensar o que se chama assim: o homem‖. Acreditamos que Grande Sertão é a
grande tentativa rosiana de ―pensar‖ essa questão, e que toda a invenção e experiência
de linguagem - marcada pelo hibridismo, pela ambivalência, pela diluição de fronteiras
– resultam de um Riobaldo impelido rumo às dobras e desdobras da existência humana,
―des-ocultando‖ um ―homem humano‖ marcado pela fragmentação, pelo profundo
dilaceramento, pelas incertezas. Enfim, o que resulta é o ―homem humano‖, travessia
―nonada‖. E o sertão rosiano, enquanto obra poética, se apresenta como desvelamento
da condição própria do homem. O que propomos, então, é que esse ―pensar‖ (mas
pensar a partir da poesia) sobre a condição humana, em Guimarães Rosa, só pode ser
realmente compreendido nos moldes de uma ontologia fenomenológica, como a
proposta por Heidegger.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Martin Heidegger. Grande Sertão: Veredas.
Condição humana.
Título: Interface entre um método de tratamento psíquico e a cultura
MARCELO SOARES COTTA (PUC Minas)
ILKA FRANCO FERRARI (PUC Minas)
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CADERNO DE RESUMOS
A desnaturalização do animal humano é algo constatado em diferentes campos de saber,
a exemplo da filosofia e psicanálise. Isso remete diretamente ao fato de que para o
humano não há a suposta harmonia entre natureza e cultura. O filósofo Diógenes, e sua
escola dos Cínicos em que a proposta era viver na virtude de acordo com a natureza, por
exemplo, acreditava na possibilidade dessa harmonia e, consequentemente, do retorno
da vivência da sexualidade ao modo natural, como os demais animais. E se masturbava
publicamente em defesa do instinto sexual, mas, desde Freud os estudiosos já não
podem ignorar que fatos que poderiam ser da ordem do natural, na humanidade sofrem
a ação da cultura, por exemplo, ter e ser filho, pai, mãe, pertencer a determinado espaço
coletivo. Dessa forma, desde Freud, e com suas contribuições, os profissionais dessa
área têm a clareza da impossibilidade de ignorar a realidade social no horizonte de sua
época, pois a realidade social é algo construído, portanto modificável e variável. Esses
profissionais conhecem que a psicanálise permite leitura de fatos sociais, de sintomas
sociais, indicadores daquilo que não vai bem em determinada ordem social estabelecida,
do mal estar que lhe é inerente. E na atualidade de suas construções, frescor de seus
ensinamentos, eles estão ai, trabalhando em diferentes espaços, fazendo o que se
conhece como psicanálise aplicada, psicanálise em extensão para Freud, e os cuidadosos
zelam para que esse trabalho possa acontecer sem ser distorcido ou se dissolver em
meio a outros discursos. No cuidado com a formação analítica, sempre baseada no tripé
formação teórica, análise pessoal, supervisão clínica, há analistas praticantes em
diferentes instituições, está na cidade, tal como Freud desejava. Tal expansão fez com
que os estudiosos da psicanálise, a exemplo de Marie-Hélène Brousse, reconhecida pelo
trabalho prático e teórico que desenvolve, buscassem sistematizar um pouco mais as
coordenadas que orientariam tais ações. Essa autora isolou três pontos de ancoragem
que não podem ser perdidos de vista, quando se trata de praticar psicanálise: operar
segundo o referencial do SsS, ou seja, sujeito suposto saber (a transferência); sustentar o
S barrado ($), sujeito do inconsciente enquanto saber textual e não simplesmente um
referencial, e manutenção, no horizonte, da dimensão do A barrado (?), do Outro que
não existe., psicanálise aplicada.
Palavras-chave: Freud. Cultura. Método de tratamento. Psicanálise aplicada.
Título: Machado de Assis, Guimarães Rosa e o espelho
MÁRCIO VINÍCIUS DO ROSÁRIO HILÁRIO (Colégio Pedro II)
Mais do que meros contadores de histórias ou estórias, os grandes escritores são capazes
de inventar universos narrativos nos quais todas as mínimas partes se inter-relacionam
dentro de um todo poético articulado. Nesse sentido, os elementos constituintes da
trama – narrador, enredo, personagens, tempo e espaço – combinam-se organicamente
de tal modo que, por meio de cada um, é possível ver representado o discurso maior
pretendido pelo autor, embora somente na complementaridade deles se possa realmente
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CADERNO DE RESUMOS
materializar a totalidade do tecido. Sendo assim, a escolha de um objeto, não apenas
para a composição do cenário, mas, sobretudo, para título e motivo do texto, é algo
intensamente representativo e que pode levar o intérprete a uma reflexão mais profunda.
Essa é, pois, uma das principais coincidências que nos possibilitou realizar esse
encontro inusitado entre carioca oitocentista Machado de Assis e mineiro novecentista
Guimarães Rosa: ambos escreveram um conto chamado O espelho, a partir do qual
discutiram questões físicas e metafísicas. Além disso, esses textos homônimos se
assemelham em outros aspectos: na opção de fugir de uma trama centrada nas ações ou
na causalidade dos acontecimentos para servir-se dela apenas para materializar a
discussão conceitual que se quer apresentar; na estratégia didático-discursiva de uma
narrador que parece buscar o convencimento de um interlocutor-leitor a seu ver
incrédulo; na tessitura intertextual e interdiscursiva, que mescla os mais elaborados
pensamentos às mais prosaicas das cenas, unindo o erudito ao popular. Entretanto, ainda
que o objeto-tema seja o mesmo e que certas estratégias de composição sejam
igualmente coincidentes, o produto final daquilo que tais escritores conseguiram
representar poeticamente a partir desses contos é altamente singular, demonstrando,
assim, a genialidade de ambos na especificidade de cada um. Em Machado de Assis, o
espelho possibilita encenar a tensão harmônica dos contrários, refletida no conflito de
caracteres dos personagens e expressa pelo uso da ironia poética como princípio de
composição tão característico em toda a sua obra. Já em Guimarães Rosa, o espelho
abre-se em possibilidades ao desejo de busca das ilusões-verdades para quem procura,
no universo encantado das palavras, o existencialmente inexplicável, como ―a terceira
margem no rio‖ ou o sentido entre ―Nonada‖ e ―Travessia‖.
Palavras-chave: Machado de Assis. Guimarães Rosa. Espelho. Narrativa. Poética.
Título: Saúde Mental em termos de Sorôco e possibilidades na atualidade
MARIA ANGÉLICA SILVA VACCARINI (PUC Minas)
ILKA FRANCO FERRARI (PUC Minas)
O presente texto tem como objetivo considerar que, diferentemente do que se
vivenciava em tempos passados, mas relativamente recentes, ocorrem mudanças
pertinentes à realidade social atual, no campo das práticas em Saúde Mental, que
possibilitam variadas saídas para o tratamento do sujeito encarcerado no mundo das
drogas. Elas contam com as possibilidades deste próprio sujeito e com a entrada em
cena de outros atores sociais, indo além do instituído pelas políticas públicas, a exemplo
da Reforma Psiquiátrica, e além do saber instituído por profissionais da área,
surpreendendo-nos com invenções que só podem acontecer quando se abre para o
inusitado e se desprende do nosso próprio enraizamento aos paradigmas que escolhemos
seguir. Ilustra este contexto um caso clínico atendido no CAPS de Coronel FabricianoMG, que encontra sua própria saída seguindo as recomendações e postulados usados
pela equipe de saúde do MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, saberes
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
construídos em parceria inédita entre aquele movimento social e a Secretaria de Saúde
de Minas Gerais, através de sua Escola de Saúde Pública. Traça-se um paralelo entre o
paradigmático caso da internação manicomial da mãe e filha de Sorôco, personagens de
João Guimarães Rosa, em seu livro Primeiras Estórias, publicado em 1962, no qual o
determinismo de uma única e imposta saída são percebidos de forma avassaladora, tanto
pelos protagonistas da ação como por todo o povo do local, comparando com as
possibilidades que se nos apresentam em nossa contemporaneidade. Diversificação das
saídas possíveis na atualidade permitem uma ampliação dos recursos, facilitando com
que cada sujeito se localize em seu papel singular, encontrando respostas que lhe serão
únicas e originais, abrindo outros espaços psíquicos possíveis, para além do que
brilhantemente nos foi retratado pelo poeta. O texto levanta ainda a questão sobre o
saber dos profissionais ter ou não a capacidade de se interpor entre o sujeito e as outras
saídas possíveis, por estarem estas fora do instituído como saber legítimo.
Palavras-chave: Drogadição. Reforma Psiquiátrica. Guimarães Rosa. Soluções
singulares.
Título: Sublimação e criação em Freud e Nietzsche
HEVELLYN CORRÊA (UFRJ / UVA-RJ)
MARIA CRISTINA CANDAL POLI(UFRJ / UVA-RJ)
O presente estudo se dedica, a partir da psicanálise, à investigação sobre o destino
pulsional que atua na dinâmica singular ao sujeito ao mesmo tempo em que liga tal
dinâmica ao social, costurando assim o laço que se ata via satisfação: a sublimação.
Partindo deste tema, nosso trabalho tem por objetivo mostrar que, através dos pontos de
aproximação entre Freud e Nietzsche através do Trieb, é possível conceber um sujeito
que está em estreito enlace com a criação, dando um teor inventivo e ficcional à
subjetividade. Tal objetivo, e a própria noção de ficção da qual partimos, se sustenta na
perspectiva dos autores acerca do termo Trieb. Em Nietzsche (1873/1989), o termo
aparece nos primeiros escritos do autor, dedicados à cultura helênica, onde o apolíneo e
o dionisíaco, tomados como Trieb responsáveis pela criação, têm no inconciliável
conflito seu motor, o que se refere tanto às obras de arte, cuja tragédia é seu ponto de
excelência, quanto à própria existência do homem; podendo assim engendrar a vida
como obra de arte. Na obra freudiana, o termo Trieb, também com caráter de força
constante e conflito inconciliável, aparece como conceito indispensável para a própria
compreensão de sujeito na psicanálise, apresentando-se desde os primeiros escritos
freudianos, como Projeto para uma Psicologia Científica (1895/1996), e mantendo-se
em todo o discurso psicanalítico, de modo que a concepção de um sujeito pulsional dá à
psicanálise uma posição diferenciada face às outras leituras da subjetividade, na medida
em que a remete aos destinos tomados pelas pulsões em sua constante exigência de
trabalho. Destacamos que, tanto em Nietzsche quanto em Freud, o inexorável dualismo
é inerente ao Trieb, marcando a cisão na qual o sujeito é concebido - o que terá sua
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radicalidade na psicanálise através da pulsão de morte -, e convocando-o a abrir
caminhos possíveis ao seu embate pulsional sem trégua e sem termo. Partindo dos
caminhos tomados pelo Trieb no destino sublimatório, o presente estudo sustenta que,
pelas leituras freudiana e nietzschiana, encontramos possibilidades de conceber o sujeito
a partir do poético e estético que o constituem em sua inscrição dual; o que não
significa, contudo, igualar a perspectiva de tais autores, mas pensar como os pontos de
aproximação e distanciamento entre eles nos ajudam em questões próprias à operação
sublimatória. Trata-se, portanto, de recolher as consequências que a concepção de
sujeito sob esta perspectiva nos traz, ou seja, a que nos referimos quando consideramos
uma subjetividade que cria a partir de sua inscrição psíquica marcada pelo conflito.
Palavras-chave: Psicanálise. Sublimação. Criação. Pulsão.
Título: Um lugar chamado dentro: Ontos-poiética em Pessoa
MARIA DE FÁTIMA BATISTA COSTA (FAFICA / Faculdade Esuda)
Escolher um lugar a partir de onde se fala é sempre uma posição sobre o mundo e sobre
si mesmo. O poeta, como os demais, fala sempre a partir de um ponto, mesmo que
semovente. Se é o poeta que escolhe a partir de onde fala ou se ele é escolhido pelo
tema que deseja ser fala em seu existir, não é o caso, o caso é que uma vez posto em
caminho, o poeta está sempre a dizer, a rigor sua poesia é um dizer que nunca cessa.
Fernando Pessoa poeta português escolheu, ou foi escolhido pelo dentro. Em que
consiste o dentro? Ser? Existir? Amar? Sentir? Pensar? Esta foi sempre a pergunta de
Pessoa. Pode-se até dizer, como faz o filósofo alemão Martin Heidegger que Pessoa é
um poeta de um poema só, na medida em que escreveu eternamente sobre o mesmo,
com infinitas variações. Nascido num momento histórico em que a Europa agoniza em
crises, sobretudo Portugal, Pessoa é profundamente marcado por esse descompasso
crísico dos homens num mundo feito por eles, e o mais das vezes, contra eles. Na
origem de toda a inquietação está a vida que pulsa e não se resolve na cotidianidade.
Marcado por intensa capacidade de despersonalizar-se, despir-se, desmantelar-se,
Pessoa mergulha na poesia, filosofia, literatura, história, ocultismo, etc., na busca por si
mesmo. O eternamente outro de si mesmo. Solidão, desassossego, agonia ontológica de
uma existência em transição.
Palavras-chave: Ser. Desassossegos. Poesia. Solidão.
Título: Devaneios criativos em “Cartas a um Poeta”, de Fernando Pessoa.
MARIA DO CARMO DE OLIVEIRA MOREIRA DOS SANTOS (PUC Minas)
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
Esta comunicação propõe um diálogo entre a ―Carta a um poeta‖, de Fernando Pessoa, e
o texto ―Escritores Criativos e Devaneios‖, de Sigmund Freud. Freud, nesse escrito,
associa o brincar infantil com a criação poética. Para o autor, as crianças sempre se
encontram abertas para as brincadeiras e para os jogos, e diz que o ato de brincar e jogar
pode ser comparado ao comportamento do escritor no momento da criação. Ao falar dos
escritores criativos, Freud explica que a capacidade criativa é gerada pelo desejo, pela
fantasia, que leva ao prazer. A ―Carta a um poeta‖, de Pessoa, permeada por palavras
como, ―poeta‖, ―prazer estético‖, ―sensibilidade‖, ―realidade‖, traz a baila o fazer
poético como o exercício da fantasia, discutindo, de maneira particular, o processo de
criação.
Palavras-chave: Cartas. Devaneios. Fantasias. Sentido estético.
Título: O Audaz Navegante: a poesia da infância.
MARTA RODRIGUES (Colégio Pedro II)
Nos contos de Primeiras estórias, de Guimarães Rosa, transita-se por vários aspectos e
temas que caracterizaram a obra do autor, dentre eles o tema da infância. Em A partida
do audaz navegante, o olhar infantil é responsável por revelações de ordem pessoal,
sentimental, existencial. A presente comunicação visa a analisar o conto a partir de
observações que fizemos durante nosso convívio com o texto. Não proporemos uma
linha de leitura, não selecionaremos um único aspecto, mas, a partir de interpretações
várias, tentaremos associá-las entre si, em busca de alguma unidade.
Para atingir essa finalidade, dividimos o estudo em duas partes: a primeira encerra
aspectos genéricos que se podem depreender não só do conto em questão como também
de outros contos de Primeiras estórias; a segunda objetiva rastrear o texto, esmiuçandoo em seus detalhes, de modo a recolher um panorama global do conto. A análise em
questão é resultado do olhar de leitora apaixonada que, a cada nova leitura, redescobre o
prazer de ver pelo olhar da infância.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Primeiras estórias. Infância.
Título: As favas descontadas por Ladislau em “Intruge-se”
MARYLLU DE OLIVEIRA CAIXETA (USP)
Em pesquisa financiada pela FAPESP, proponho uma leitura do conto Intruge-se que
faz parte de Tutaméia: terceiras estórias de João Guimarães Rosa. Trata-se de uma
paródia de conto policial ambientado no sertão e protagonizado por vaqueiros que
traziam uma boiada do Saririnhém quando se deparam com um crime. O protagonista
não é um policial, mas o capataz Ladislau que se encarrega de descobrir qual dos
vaqueiros teria esfaqueado Quio. Ladislau usa como método umas favas contadas que
vai lançando fora à medida que interroga cada vaqueiro e o julga inocente. Toca a mão
de cada um deles e repete a mesma questão sobre uma possível compra da fazenda
Gralha por parte de Seo Drães que é o maior fazendeiro dali e o dono da boiada.
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
Quando, sem saber direito por quê, Ladislau refaz a pergunta a Liocádio tocando a mão
dele, o vaqueiro puxa a faca e Ladislau baleia-o. Logo depois, Ladislau acusa Liocádio
de ter assassinado Quio motivado por furto ou trato. O conto distorce a noção de
método e a de raciocínio dedutivo que costumam ser os pontos fortes de um
investigador, no conto policial tradicional. A paródia do conto policial, em Intruge-se,
integra um conjunto de contos de Tutaméia que propõem uma alegoria do autor. O
assassino Liocádio representa a noção de enredo e Ladislau funciona como uma
avaliação que o autor faz da ficção. Faremos a análise da paródia e da alegoria no conto
de Rosa segundo a recusa da transparência da linguagem, da qual tratam alguns dos
textos de Barthes, com base na afirmação freudiana de que o caráter cindido do sujeito
impede a identificação dele ao sentido. A investigação desarrazoada de Ladislau encena
a perspectiva do autor que recusa os padrões de representação realista empreendidos
pelo conto policial tradicional. Ao se opor ao conto policial, o autor avalia o gênero
conto no qual interfere aproximando-o da estória, da invenção. A ênfase na
inventividade do conto associa-se também à funcionalidade da narrativa que está em
interferir em padrões correntes de representação e colocar um debate sobre a ficção do
autor.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Tutaméia. Intruge-se. Autor.
Título: Freud e Nietzsche: (des)encontros à religião
MATHEUS HENRIQUE DE SOUZA SILVA (UFMG)
Há importantes questões entre Freud e Nietzsche que nos auxiliam pensar as questões
que envolvem a religião. Nietzsche, em A Gaia Ciência, faz-nos pensar na ―Morte de
Deus‖ em função da ciência que emerge gradativamente. Em Freud, temos o fracasso da
Religião, em função do sujeito que abre mão do que ele chama de ilusão criada outrora
neuroticamente. As reflexões freudianas deste movimento aparecem desde Neurose
Obsessiva e Práticas Religiosas, passando por Totem e Tabu e atingindo o Futuro de
uma ilusão. Esta discussão pode ser vista em alguns momentos encontrando, e em
outros desencontrando frente ao campo de dois grandes pensadores. O que Freud e
Nietzsche tem a nos ensinar ao optarmos pensar a religião em nosso tempo? O que
pensam sobre Deus? Qual a contribuição a filosofia e psicanalise podem propor para
que, ao problematizar estas questões, tenhamos cartas nas mangas, não para responder,
mas para direcionar nossa partida à este trajeto? São os pontos que este trabalho propõe
lançar à discussão.
Palavras-chave: Freud. Nietzsche. Religião. Deus.
Título: Nietzsche, Rosa e os espelhos do Niilismo
MAURO LOPES LEAL (UFPA)
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
O presente trabalho tem por objetivo estabelecer uma relação entre Friedrich Nietzsche
e Guimarães Rosa, a partir da noção de niilismo. O filósofo alemão foi um dos grandes
pensadores que se deteve sobre a questão do niilismo, analisando-o sob as mais diversas
perspectivas, resultando dai a possibilidade de se apontar diversos tipos de niilismo,
desde o reativo, passando pelo passivo, até se chegar ao ativo. A visão do referido
filósofo, que interpreta no niilismo uma possibilidade dupla para o homem: de
destruição ou renascimento, converge para posicionamentos contrários na modernidade
que veem no niilismo a probabilidade de dissolução absoluta dos valores e a
consequente derrocada da sociedade tal como a conhecemos. Longe dessa visão fatalista
sobre o niilismo, Nietzsche o concebe também como forma de superação do homem de
si mesmo, que poderia resultar no além do homem nietzschiano. Tal visão do filósofo
germânico permite uma leitura do conto O espelho, de Guimarães Rosa, tomando por
base a supressão de antigos valores e a inserção de novos, percurso que o narrador do
conto efetua no decorrer da narrativa, que inicia com o desconforto do indivíduo ao ver
o seu reflexo em um espelho de banheiro, imagem esta distorcida e que o narrador,
inicialmente, percebeu que não o agradava por não representá-lo adequadamente, ou
seja, não o refletia com fidedignidade. Mas a questão que se apresenta ao narrador do
conto é: quem eu sou? Essa pergunta, alicerce da narrativa, irá conduzir o personagem a
uma busca de si, cujo primeiro passo é desfazer tudo o que sabe sobre si, ou tudo o que
acredita saber, bem como desfazer laços de parentescos, culturais, físicos etc., para
tentar chegar até à essência de quem ele é. O segundo passo é ver a si como realmente é:
nada. Um ser que cresce, uma criança que deve se desenvolver a partir de si mesmo,
sem as ideologias dominantes a se imporem sobre ele para dizer quem ele é, o que deve
ser e o que pode ser, perspectivas estas que cabem somente ao indivíduo. O conto
finaliza com a imagem da criança, ou seja, compreende-se que Guimarães Rosa expõe a
perspectiva positiva da possibilidade de o indivíduo vir a encontrar a si mesmo no
decorrer da sua própria existência, algo que deve ser efetuado por si só e mais ninguém.
O estágio niilista de destruição de si, no sentido aparente de si, e a busca pelo que se é,
constitui-se a base deste trabalho, que, com auxilio fundamentador das concepções de
Nietzsche sobre o niilismo, busca expor que o homem não pode ser definido
exteriormente e que o seu ―eu‖ encontra-se em constante estágio de
destruição/construção, algo que somente finda com a morte, a estagnação definitiva do
homem.
Palavras-chave: Nietzsche. Guimarães Rosa. Espelho. Niilismo.
Título: Redes de contato: a arte cotidiana do Ananin/PA
MAYRLA ANDRADE FERREIRA (UFPA)
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CADERNO DE RESUMOS
A investigação desta pesquisa objetiva refletir na gestualidade e invenções do cotidiano
Ananindeuense, através das maneiras de fazer criativas de seus habitantes-criadores nos
espaços da cidade. No diálogo teórico-prático desta pesquisa, os referenciais e
experiências são utilizados como estímulos nas (re)invenções do conhecer de si na
potencialidade do gesto, da consciência corporal nas relações da intercorporeidade euoutro-mundo, baseado na noção de corpo sujeito de Merleau-Ponty (1999), nos estudos
do cotidiano de Michel de Certeau (1980) e na poética de Fernando Pessoa (1998),
despertados pelas percepções e sensações na combinação dos fatores de movimentos
desenvolvido por Rudolf Von Laban (1978), que tem como foco principal o
delineamento de uma linguagem a partir das particularidades gestuais de cada corpo. Os
traços da gestualidade cotidiana, são refletidos por meio de imagens e depoimentos, dos
processos criativos em dança contemporânea, através das cenas criadas e apresentadas
pelos integrantes da Ribalta Companhia de dança (Ananindeua/PA) aos moradores das
Ilhas e bairros da cidade.
Palavras-chave: Contato. Cotidiano. Criação.
Título: Freud, Nietzsche, Pessoa e Rosa: reflexões sobre o sujeito e a cultura
MÔNICA EULÁLIA DA SILVA (PUC Minas)
O tema proposto por esta comunicação coordenada, cujo título é "Freud, Nietzsche,
Pessoa e Rosa: reflexões sobre o sujeito e a cultura", discute a noção de sujeito presente
na obra destes autores que romperam com modelos hegemônicos enraizados em seu
tempo e fundaram novas formas de pensar e de compreender a subjetividade. O diálogo
entre os campos da filosofia, da psicanálise e da literatura é colocado em questão
através de aproximações e distanciamentos conceituais entre os autores, cuidando para
que tal proposta não incorra em uma atitude reducionista sobre a discussão. O primeiro
trabalho, cuja autoria é da coordenação desta mesa, intitula-se "Reflexões sobre a noção
de sujeito em Freud e Nietzsche". Destaca a noção de sujeito do inconsciente na obra
freudiana levando em conta, que apesar deste termo não ter sido utilizado pelo autor,
encontra-se nele uma noção de subjetividade, da qual mais tarde, Lacan forjará uma
noção de sujeito. Trata-se aqui de um sujeito cindido, movido pela negatividade, pela
falta. Elegeu-se os textos de A interpretação dos sonhos, capítulo VII, O inconsciente e
O ego e o id. Em Nietzsche, busca-se em Assim falou Zaratustra um modelo de sujeito
não dividido, não dualista movido pela positividade, noções estas que inscrevem a
particularidade do autor em uma discussão que o aproxima de uma vertente hedonista
de sujeito. O segundo trabalho expõe o valor da Cultura para a noção de subjetividade
em Freud. A Cultura é um elemento caro à psicanálise, haja vista a ideia do parricídio
anunciando a temática da castração, da presença do pai como instaurador da Lei
universal. Em Nietzsche não há uma Lei universal e sim um homem livre para se lançar
ao devir. As Leis universais, aqui, são construídas, não dadas a priori. A Cultura,
tomada como Civilização, é fonte de modelagem do homem, o que pode aprisiona-lo ou
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CADERNO DE RESUMOS
lança-lo em uma espécie de contracultura. Enfatiza-se em Nietzsche, a Genealogia da
Moral (dissertação III) e em Freud Totem e Tabu e O mal-estar na Cultura, mas buscase no Projeto de 1895 uma possível relação entre o horror vacui e o desamparo
primordial para entender o motivo de Freud desprezar a diferença entre Civilização e
Cultura. A partir de Fernando Pessoa e seus heterônimos, o terceiro texto, apresenta
uma reflexão sobre a tentativa de solução encontrada pelo sujeito para lidar com o
social. Aqui a noção de sujeito advém da literatura e a partir deste campo consegue
imprimir uma tessitura capaz de dialogar com os demais autores a partir de uma vertente
que escapa aos modelos filosóficos e psi, mas que, ao mesmo tempo, dialetiza com eles.
O quarto texto nos traz a dimensão social de um sujeito atendido no Centro de Atenção
Psicossocial de Coronel Fabriciano, MG, suas possibilidades e invenções, traçando um
paralelo entre um destino prévio e rigidamente determinado, como na internação dos
familiares de Sorôco no conto de Guimarães Rosa, e soluções singularidades que se
apresentam no caso abordado.
Palavras-chave: Freud. Nietzsche. Pessoa. Rosa. Sujeito.
Título: Mal-estar docente na contemporaneidade
NATÁLIA COSTA LEITE (CEFET MG)
HERMINIA M. M. L. SILVEIRA (UFMG)
O foco deste estudo é refletir sobre o mal-estar docente, tendo em vista os diferentes
discursos que atravessam o ofício de professor na contemporaneidade; discurso de
adoecimento, discurso de desautorização, discurso da queixa e do desamparo. As
constantes mudanças ocorridas na sociedade moderna suscitaram uma reflexão a respeito
da falência das instituições, da decadência dos valores, das crenças, da crise de autoridade
vivenciada por diferentes campos da sociedade, uma vez que os valores tradicionais
sofreram transformações que colocaram em xeque o discurso da tradição. Para o
desenvolvimento da reflexão proposta, afirma-se que existem novas formas da sociedade
contemporânea funcionar, se organizar, novas maneiras do sujeito se relacionar com o
espaço e o tempo, novas formas de fazer laço social. Ainda, a sociedade atual é
considerada como sociedade do espetáculo, imagética, órfã da figura do pai, uma
sociedade desapegada e em constante recomeço. Diante desse novo cenário social, é
possível verificar o surgimento de novas imagens de si do sujeito, novos modos de
subjetivação e, portanto, novos sintomas. O objetivo central deste trabalho é suscitar
alguns questionamentos quanto ao lugar do professor nessa nova configuração social.
Nesse sentido, os estudos de Freud sobre o mal-estar na civilização e a discussão
desenvolvida por Nietzsche a respeito do niilismo contribuirão para pensarmos o malestar docente na sociedade atual. Considera-se, aqui, que a inserção do sujeito na
civilização não se dá de forma harmoniosa, mas numa dinâmica dicotômica das
aspirações da pulsão do sujeito e das exigências da civilização. As questões que orientam
a nossa empreitada são; De que forma esse discurso de mal-estar faz eco no espaço
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
escolar e concorrem para a construção da imagem do sujeito professor? Pode-se pensar o
adoecimento do professor como efeito de um sintoma do novo modelo social? Quais os
efeitos de sentido desse discurso de mal-estar docente na atualidade?
Palavras-chave: Mal-estar na civilização. Niilismo. Docência.
Título: Felicidade - A incansável e inalcançável busca
NEIRE SOCORRO FERREIRA (UEMG)
ORIENTADOR: ANDRELINO FERREIRA DOS SANTOS FILHO (UEMG)
A partir da inter-relação entre psicanálise e literatura, a discussão pretende refletir sobre a
felicidade tomando como referência "O mal-estar na civilização" de Freud a fim de
apreender seus ecos no poema "Tabacaria" do heterônimo de Fernando Pessoa, Álvaro de
Campos. Trata-se de ver nas palavras de Tabacaria, a expressão do sentimento interior de
mal-estar teorizado por Freud e não propor a realização de uma leitura psicanalítica da
obra literária. Ao considerar a felicidade na referida obra, Freud afirma que a conduta dos
homens revela sua finalidade, a saber, como ser e permanecer feliz. A busca desse ideal
orientada pelo princípio do prazer é algo tanto inevitável quanto irrealizável, pois a vida
regida por esse princípio seria impraticável em face das restrições impostas pela
sociedade civilizada. A felicidade só é admitida como possível em um sentido moderado,
e a fim de alcançá-la busca-se minimizar a dor e maximizar a satisfação. Em Tabacaria,
observam-se os versos de alguém que sofre, que se sente desqualificado, falho e incapaz
de adaptar-se ao contexto social vigente. Ao falar sobre os sofrimentos mais temidos
pelos homens, Freud aponta como maiores temores os advindos das forças da natureza, da
decadência do corpo e, sobretudo, da relação entre os homens. Com o intuito de evitar ou
mitigar este último e mais temido, o eu poético escolhe permanecer na mansarda, e olhar
a tabacaria protegido em seu isolamento social, o que, de acordo com Freud seria a
salvaguarda mais disponível contra o sofrimento que pode resultar das relações humanas.
O eu lírico reflete já nos primeiros versos do poema, conflitos sobre a finalidade da vida,
ideia que, segundo Freud só existe em função do sistema religioso, alvo de sua crítica, por
apresentar-se como um caminho universal para a busca - necessariamente subjetiva - da
felicidade. Nessa Perspectiva, procura-se traços do mal-estar na civilização em Tabacaria,
fortalecidos pela hipótese de que o poema, enquanto expressão artística, enquadra-se na
descrição freaudiana de arte - uma instância intermediária entre a realidade, repressora das
pulsões e desejos, e o mundo da fantasia - onde o poeta extravasa suas emoções
reprimidas pela necessidade de cumprir os ideais culturais impostos pela sociedade.
Palavras-chave: Freud. Pessoa. Felicidade. Mal-estar.
Título: Perspectivas críticas do “primeiro" Guimarães Rosa
PATRÍCIA MORAIS ROSENDO (UNEB)
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CADERNO DE RESUMOS
A obra de um escritor como Guimarães Rosa provoca diferentes pontos de vista entre os
que encaram o desafio de estudá-la. Diante da multiplicidade interpretativa promovida
por meio da produção literária de Rosa, uma primeira dificuldade em que a perspectiva
crítica se depara é o desafio de buscar um direcionamento que norteie a sua leitura, ou
seja, procurar uma maneira para lidar com uma obra multifacetada e de múltiplas
dimensões. Assim, objetiva-se por meio deste estudo conhecer e entender como foi
recebida as primeiras publicações do escritor João Guimarães Rosa, considerando os
diferentes posicionamentos da crítica literária, sobretudo no momento de sua estreia na
literatura. Procura-se, dedicar maior atenção e oferecer maior destaque à crítica
divulgada na efervescência das primeiras publicações do escritor, noticiada por meio da
crítica jornalística, levando em consideração tanto os aspectos positivos quanto
negativos do que se falou com relação a sua produção, uma vez que se sabe que apesar
da extraordinária capacidade literária de Rosa, houve muita resistência à sua obra. Para
tanto, foi analisado artigos e textos críticos da ocasião em que se processou a leitura
inicial da obra rosiana – a partir da década de 1940. É preciso considerar que a recepção
crítica das primeiras publicações da obra de Guimarães Rosa reproduz o momento da
crítica literária no Brasil, marcado pelas polêmicas e embates travados no campo da
crítica. Textos de autores como Flora Süssekind, Eneida Maria de Souza e Silviano
Santiago norteiam a discussão, os quais estendem a um referencial histórico sobre o
processo de transformação ocorrido na crítica literária no Brasil, que traz a lume as
discussões ocorridas acerca da transição de uma crítica não especializada, a chamada
crítica de ―rodapé‖ para a crítica especializada, a ―crítica acadêmica‖ – a qual tem seus
primeiros indícios entre as décadas de 1940 e 1950, um tempo de mudanças e
implantação de novos modelos críticos, cujos desdobramentos se estendem até a
contemporaneidade.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Crítica literária. Crítica de rodapé. Crítica
acadêmica.
Título: A janela em "A carta da corcunda ao serralheiro"
PATRÍCIA RESENDE PEREIRA (UFMG)
Em "A carta da corcunda ao serralheiro", Maria José, a corcunda que dá título ao texto,
escreve ao serralheiro, um bonito rapaz que ela vê passar diante de sua janela todas as
tardes. Escrito por Fernando Pessoa, a pobre corcunda, um dos vários heterônimos do
autor português, escreve apenas a carta, o único texto assinado pela mulher, uma jovem
de dezenove anos, corcunda, pobre, sem estudo, tuberculosa, paralítica das pernas em
razão de um reumatismo e que acredita lhe restar apenas dias de vida. Para se distrair, a
moça recorre às revistas de moda e, claro, aos acontecimentos que assiste de sua janela.
Em seu texto, a mulher apresenta parte do cotidiano da vila onde mora, no qual as
pessoas andam de um lado para o outro construindo alguma coisa de útil, como ela bem
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
gosta de enfatizar, enquanto ela permanece sentada, apenas observando. Embora a carta
seja destinada ao serralheiro, a corcunda afirma constantemente que não tem qualquer
intenção de enviá-la, apenas de desabafar por meio da escrita toda a frustração que é
obrigada a viver em razão de sua condição de saúde. Apesar de não ter a intenção que
outra pessoa leia o que escreveu, a corcunda permite que a sua carta funcione como
forma de registro dos acontecimentos da comunidade, todos testemunhados por ela de
sua janela, tendo em vista que a escrita é uma forma de registro. Nesse sentido,
podemos perceber que a mulher, por meio de suas observações, constrói um retrato da
vila, apresentando o cotidiano dos seus moradores e as pequenas questões domésticas
nas quais cada um está inserido. Deve-se destacar que, ainda assim, a corcunda afirma
não se sentir parte da vila onde mora ou mesmo da própria família. Dessa forma, o
intuito da comunicação é investigar a maneira como, da janela de sua casa, a corcunda
tem condições de construir o retrato da vila onde está inserida.
Palavras-chave: "A carta da corcunda ao serralheiro". Fernando Pessoa. Escrito.
Relato.
Título: Análise d’O Anti-Édipo
RAFAEL LEOPOLDO ANTONIO DOS SANTOS FERREIRA (UFJF)
Este artigo é uma pequena análise do livro O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia,
de Gilles Deleuze e Guattari. Para tanto nos focamos em 5 pontos: 1) o livro máquina;
2) a psiquiatria e a psicanálise; 3) a crítica ao desejo; 4) a crítica ao inconsciente; 5) e a
centralidade do complexo de Édipo. Esta análise tem como principal intuito reafirmar o
diálogo dos filósofos com a psicanálise, principalmente, a psicanálise freudiana.
Palavras-chave: Rizoma. Livro-maquínico. Esquizoanálise. Inconsciente expressivo.
Complexo de Édipo.
Título: Nietzsche, Clarice Lispector e a questão da culpa.
REBECCA PEDROSO MONTEIRO (UFVJM)
O objetivo deste trabalho é observar e comparar as contribuições de Clarice Lispector e
Nietzsche para o campo de problemas que a questão da culpa coloca em movimento. No
mundo judaico-cristão, a culpa é tão fundadora quanto funcional (no sentido de
contenção do ―erro‖) e até positiva: ela fixa e identifica o homem ocidental e com ele a
mulher (como o organismo dessa culpa). No mundo nietzscheano, a culpa tem um
caráter mais problemático, de arrefecimento da força de esquecimento que libertaria o
ser do seu erro e o projetaria para o futuro. No mundo de Clarice Lispector, podemos
questionar se não seria estupidez escolher viver de (e se culpar por) alguns fatos
passados, quando se ―poderia viver de outros que [tivessem] igualmente acontecido‖.
Por que não escolher ―viver da grande liberdade que se pode ter quanto ao que já
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CADERNO DE RESUMOS
aconteceu‖? Em toda a sua obra, mas mais especificamente em A maçã no escuro
(1961), Clarice realiza uma espécie de ―revisão‖ ativa da questão da culpa que acaba
por potencializar a revisão/reescrita também da nossa própria história (pessoal e
coletiva): nunca esquecemos nossa dívida (para com nossa história), mas também nunca
deixamos de esquecê-la (e de reinventá-la). Com a ajuda de Nietzsche e Clarice,
compreendemos melhor os ―usos da história‖ e percebemos como o ser e o sentido são
confusamente construídos a partir de um permanente e contraditório trânsito que vai da
dívida ao esquecimento, e vice-versa.
Palavras-chave: Clarice Lispector. Nietzsche. Culpa. Esquecimento. História.
Título: A utilidade da literatura: a leitura de Georges Bataille
RENATA DAMIANO RIGUINI (PUC Minas)
Georges Bataille (1897-1962) articulou questões sobre a relação que considerou intrínseca
entre o erotismo e a morte. Em 1957, publica o ensaio ‗A literatura e o Mal‘ no qual
adverte que a literatura, em sua forma soberana, é capaz de mostrar a natureza humana em
seu aspecto mais violento. Bataille já trabalhava com a noção que a única razão para
literatura existir é se ela não servir para nada, ou seja, que não tenha utilidade, que seja
puro esbanjamento. Cabe afirmar então que, para o autor, a literatura rechaça
fundamentalmente a utilidade. Este princípio de utilidade fundamenta-se na proposta de
economia geral que Bataille formulou em 1933, no ensaio ‗A noção de Despesa‘. Ali,
Bataille precisava, em especial através de estudos antropológicos, que a economia não
funcionaria a partir de um acúmulo, mas sim a partir do gasto, do esbanjamento. O
acúmulo conduziria à guerra ou a outras explosões violentas. Mais tarde, o autor (1956)
formulará que a literatura traduz de muitas formas, o movimento que o homem faz em
busca da felicidade. Da mesma forma que na vida, no entanto, estes movimentos só o
conduzem ao pior. Neste sentido, Bataille nos mostra, com suas palavras e suas
construções, algo do ―princípio demoníaco‖ que Freud construía com seu método. As
questões da felicidade e do gasto se tornam mais clara se consideradas pelo plano da
aquisição, do ganho. Muitas vezes a felicidade é medida pelo que se acumula, ou pelo que
se pode ter. Para Bataille, a felicidade estaria antes no gasto. Porém, quanto mais gasto
exorbitante, mais angústia: a embriaguez não vem sem a ressaca. Este é o perigo da
literatura que também Freud já lia nos sintomas: os violentos movimentos de opostos que
nos habitam, habitam também estas páginas.
Palavras-chave: Georges Bataille. Freud. Literatura. Mal. Erotismo.
Título: A mistura do mundo no sertão de Rosa e na São Paulo de Ruffato.
RITA GABRIELLI PEREIRA (PUC Minas)
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CADERNO DE RESUMOS
O gênero romance tem como marca primordial a mistura, conforme aponta Robert (2007).
Esse herdeiro das formas épicas, segundo Robert, delas se apropriou de tal forma, que de
um ―gênero menor‖ instaurado oficialmente em 1719, com o Robson Crusoé, de Defoe,
acabou por transformar-se no gênero imperante na literatura e, sem dúvida, no mais
indefinido e indefinível. Tal movimento operado pelo romance se deve, parece, à
necessidade do ―homem humano‖ de lidar com sua condição, sempre marcada por algo
inominável e enigmático. Um mundo lacunar, caótico, incessantemente mutável, não cabe
nas formas épicas. E Rosa, segundo Morais (2006) faz da transição das formas épicas à
forma romanesca um recurso estético para a construção de um romance que encena
magistralmente o mundo misturado, onde ―tudo é e não é‖, em que vive o homem. Tal
recurso, de que se valeu Rosa, serve, também, à transgressão dos limites da linguagem, à
necessidade de dizer da condição humana – que tem na linguagem o ―nó‖ que,
paradoxalmente, une e, ao mesmo tempo, separa os sujeitos. Há sempre uma parte crucial
da experiência que extrapola a linguagem; o inexpressável, portanto, subjaz à condição
humana. Riobaldo, segundo Morais (2006), é narrador misturado, por ser, ao mesmo
tempo, ―épico‖ e ―romanesco‖, que se instaura como o outro de si mesmo, em um diálogo
com um narratário virtualmente instaurado. Ao construir tal narrador valendo-se dessa
―operação de alta estética‖ a que se refere Morais (2006), Rosa ampliou as possibilidades
da forma romanesca, operando, conforme aponta a crítica, aquilo que Adorno chamou de
―abolição da distância estética‖. A São Paulo de Ruffato lembra o sertão de Rosa, espaço
tanto da ação épica, quanto das questões existenciais do narrador romanesco, portanto,
espaço tanto geográfico quanto subjetivo (MORAIS, 2001; 2006). A cidade que se
desenha caótica e caleidoscópica diante do leitor, em ―eles eram muitos cavalos‖,
fundindo o universal e o particular, o social e o individual, o público e o privado, revela
em si o humano. Ruffato, pela dissolução da figura do narrador em múltiplas vozes,
estabelecendo como ponto de confluência da narrativa, não o narrador, mas o ―autor
implícito‖ (BOOTH, 1983), faz com que o leitor interaja com o caos para fazer emergir
dele uma organização que dê conta da diversidade. Este trabalho, portanto, se propõe a
evidenciar pontos de confluência entre as configurações do sertão de Rosa e da São Paulo
de Ruffato, tendo em vista que a forma romanesca, em permanente movimento de fazer
encontrarem-se e desencontrarem-se a tradição estética e a necessidade humana de
transgredir os limites da linguagem, tem (res)significado esses limites, das mais variadas e
imprevisíveis formas, para lidar com o caráter heterogêneo e fragmentado do mundo. Para
tanto, serão utilizados como operadores de leitura as noções de enunciação, de
Benveniste; ―pacto ficcional‖, de Iser; ―autor implícito‖, de Booth; ―leitor implícito‖;
―narrador‖; ―narratário‖.
Palavras-chave: Grande Sertão: Veredas. Eles eram muitos cavalos. Narrador.
Lingua(gem). Enunciação.
Título: Linguagem e Saber em dois contos de Guimarães Rosa.
ROBERTO BEZERRA DE MENEZES (UFMG)
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CADERNO DE RESUMOS
O presente trabalho busca analisar dois contos de Guimarães Rosa: ―Famigerado‖ e ―A
menina de lá‖, do livro Primeiras estórias. Procuramos identificar nos dois contos
analisados o dinamismo entre o regional e o universal partindo de sua constituição na
linguagem. No conto ―Famigerado‖, a relação se dá com o saber, que transita entre o
saber universal e o saber peculiar de uma dada região com termos próprios.
Percebemos, no correr da narrativa, a diferença entre o pensar do médico, organizado e
fluente, e o do jagunço, ingente e pesaroso, que se trai na ansiedade pelo saber dos fatos.
A relação com a linguagem se dá de maneira distinta, ressaltada no conto pela
sagacidade do médico. Enquanto ele manipula o conhecimento que tem, através da
organização do discurso, o jagunço demonstra inexperiência no traquejo da fala,
deixando transparecer não só através do que fala, mas de seus gestos e expressões
corporais. Vemos a transformação que se opera em Damázio pelo simples deslizamento
no significado do termo ―famigerado‖. Se quando ele tomava o termo por algo ruim, sua
atitude foi de quase violência, quando o sabe contrário passa a repousar na tranquilidade
que sua posição de terror causa nas pessoas. A força bruta, nesse momento, seria
vitoriosa sobre a instrução e o saber linguístico, mas, de fato, no fim vemos que é a
ausência de instrução que perde frente a ambiguidade da linguagem. No conto ―A
menina de lá‖, a relação se dá com a natureza, que não é estritamente representativa de
uma região, como a ideia de ―terra‖ faz supor, mas de natureza como ausente de marcas
identificáveis de uma dada região. As relações que ela estabelece com o mundo são
feitas através da palavra. Longe de ater-se somente ao significante ou significado das
palavras, buscando a adequação entre os dois, mas se dá de modo sensorial, pelo
―esquisito do juízo‖, sem amarras lógicas como as que o homem impõe à linguagem
utilitária. O caráter referencial da linguagem tende a desaparecer na voz de Nhinhinha,
que evoca o objeto com a palavra, em vez de simplesmente representá-lo. A linguagem
infantilizada da menina Maria é símbolo do estágio primordial da linguagem, livre das
determinações humanísticas. Nhinhinha e sua linguagem podem ser relacionadas com a
posição do poeta e da poesia, que buscam esse estágio primitivo da linguagem,
recriando em poesia o mundo sob seu olhar. Para orientar a pesquisa, coloca-se em jogo
os escritos de Antonio Candido, José Aderaldo Castello, Ligia Chiappini e Albertina
Vicentini, por exemplo, no que se referem ao pensamento em torno do regional e do
universal e da linguagem que lhes é própria. A busca humana e universal pelo
conhecimento, nos dois contos, reafirma a nossa assertiva acerca do dinamismo entre o
regional e o universal, pois Rosa utiliza-se de matéria da região para a (re)criação de
suas estórias, mas trabalhando-as de forma a habitar a universalidade própria de toda
boa literatura.
Palavras-chave: Linguagem. Saber. Natureza. Guimarães Rosa.
Título: Viver é muito perigoso: o mito da grande travessia da vida em Grande
Sertão: Veredas a partir da perspectiva bíblica de Northrop Frye
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
ROBSON CAETANO DOS SANTOS (PUC Minas)
O trabalho apresenta os primeiros resultados da pesquisa de doutorado em andamento
na PUC Minas que busca investigar parte dos arquétipos, mitos e metáforas da Bíblia
que podem ser encontrados na leitura da obra Grande Sertão: Veredas. Segundo o
crítico canadense Northrop Frye (2004), a Bíblia, com sua imensa quantidade de mitos,
arquétipos e metáforas, se constituiu de um ―universo mitológico‖ que serviu de
inspiração para toda a literatura ocidental, no qual consciente ou inconscientemente
escritores têm recorrido e reproduzido em suas composições literárias. Frye considerada
as composições verbais bíblicas semelhantes à natureza do mito (o qual a crítica literária
define como narrativa ou enredo), que ao longo da história cultural dos povos vai se
incorporando a literatura, sendo este (o mito) usado como matéria-prima de suas
composições literárias. Coerente com esse pensamento, para Jung (2002) os arquétipos
se definem como expressões do inconsciente coletivo da humanidade que repetem e
representam experiências acontecidas desde tempo imemoriais. Essas formas podem ser
encontradas nos mitos da cultura coletiva e são incessantemente recorridos, revividos ou
reatualizados segundo Mirceia Eliade (2002) e também Nietzsche (2001) em seu
conceito do ―Eterno retorno‖. Admitindo essas características fundamentais este estudo
propõe a leitura e análise de dois episódios emblemáticos de Grande Sertão: Veredas: a
travessia do rio com o menino na canoa e a travessia do Liso do Sussuarão buscando
referências no arquétipo bíblico da travessia do povo hebreu pelo deserto para se
alcançar a terra prometida, o qual metonimicamente poderia representar a travessia de
toda a humanidade pelo deserto da provação ou preparação para se alcançar o paraíso e
seu criador. Esperou-se assim, enriquecer e lançar novas veredas interpretativas e
reflexões, que só a literatura pode proporcionar, sobre o sertão que habita dentro de cada
um de nós e a grande travessia da vida, tal como apresenta o texto literário de
Guimarães Rosa.
Palavras-chave: Mito da travessia. Bíblia. Grande Sertão: Veredas. Northrop Frye.
Título: Os estilos de Nietzsche sobre os nomes da “mulher”
RODRIGO GUIMARÃES SILVA (UFVJM )
A presente comunicação enseja circunscrever, minimamente, alguns axiomas
nietzscheanos que desafiam à homogeneidade das concepções unívocas relacionadas
aos nomes ―mulher‖ e ―feminino‖. A partir das reflexões de Jacques Derrida (Éperons:
les styles de Nietzsche, 1978) em diálogo (sub)textual com as reflexões advindas da
psicanálise, propõe-se problematizar as diferentes e contraditórias enunciações de
Nietzsche em relação à mulher (frequentemente pluralizada em multidão de mães,
filhas, esposas, governantas, prostitutas, virgens, empregadas). Jacques Derrida salienta
as divergentes (e não sintetizáveis) proposições nietzschianas. Segundo o pensador
francês, na primeira delas há um rebaixamento do feminino, uma condenação e um
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
desprezo pela mulher que é figurada como ―potência de mentira‖. Acusa-se o logro em
nome da verdade, do logos (associado ao masculino) e da metafísica dogmática. Numa
segunda posição, Nietzsche também condena e despreza a mulher, mas esta é abordada
como ―potência de verdade‖, podendo se identificar ou não com esse domínio de
ordenação (a verdade), porém, invariavelmente jogando com ela de maneira astuciosa e
ingênua. Enquanto que na terceira posição a mulher é reconhecida ―como potência
afirmativa, dissimuladora, artística e dionisíaca‖. Ela não é afirmada pelo homem, mas
se afirma ela mesma, nela mesma e no homem. A operação do feminino como potência
―afirmativa e dissimuladora‖ que sobrepõe véus, máscaras e troca os valores das
moedas (sem neles acreditar), coloca em suspensão a aparelhagem da castração e os
alicerces de historicidade da verdade (que para Nietzsche não passa da história de um
erro). A partir dessa impossibilidade de determinar a essência da operação do feminino,
de cercá-la com a pergunta ―o que é...?‖ e de tantas outras zonas de indeterminação, é
que Derrida vai aproximar o feminino de outras questões afins, tais como a arte, o(s)
estilo(s), a (não)verdade, a escritura. Em suma, a ―mulher‖ é abordada, em Éperons,
como um indecidível (enunciado que ao mesmo tempo não pode nem ser comprovado
nem ser refutado, o que não é nem falso nem verdadeiro). Observa-se, portanto, os
abalos propostos pela textualidade de Nietzsche sobre a mulher, suas proposições
formais co-extensivas, sobredeterminadas, antitéticas, interagindo de maneira
simultânea ou sucessiva que desencadeiam a instauração de novas logicidades que
abrigam uma ―tríplice posição indecidível‖ que requisitam enunciados no singularplural.
Palavras-chave: Nietzsche. Mulher. Jacques Derrida. Desconstrução. Psicanálise.
Título: Composição Ortônima e Heterônima no Poema Mensagem
RUBENS JOSÉ DA ROCHA (UFSCar )
Mensagem é um dos poemas mais enigmáticos de Fernando Pessoa. A superposição de
ideais históricos distantes entre si, como as profecias de Antônio Vieira e Bandarra, a
dialética saudosista de Teixeira de Pascoaes e as vanguardas modernistas, coloca-o em
lugar de destaque na cena dramática da poesia heterônima. A possibilidade de livre
associação entre os símbolos e a constelação de vozes que os atravessam sugere a cada
leitura novos ângulos de visão. Se interpretamos essa multiplicidade de vozes e
significação sob o ponto de vista da despersonalização que caracteriza a escrita
heterônima, podemos observar aspectos relevantes de sua estrutura. Em particular, a
maneira como Fernando Pessoa ortônimo atualiza diversos contextos históricos por
meio de ideias, figuras, e valores que estruturam seu pensamento na forma poética. Ao
analisar o processo de despersonalização em Alberto Caeiro, nota-se a emergência de
um tempo-origem da escrita a partir da transposição do tempo linear do relógio para o
plano psíquico da duração. "Porque a única cousa que o meu relógio simboliza ou
significa/ Enchendo com a sua pequenez a noite enorme/ É a curiosa sensação de encher
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
a noite enorme/ Com a sua pequenez...." (O Guardador de Rebanhos, XLIV, p.325). Nos
discípulos heterônimos, ocorre a transposição psíquica do tempo-origem de Caeiro para
diferentes tempos históricos. Como sabemos, um heterônimo não deve ser
compreendido como desdobramento literário do complexo psíquico do autor empírico,
mas como uma apropriação irônica da trama conceitual da psicologia pelo conceito de
heteronímia. Apropriação que determina a dinâmica de um drama psicológico peculiar,
engendrado por uma forma poética autônoma com relação a seu autor, a quem podemos
apelidar de Fernando Personne. Assumindo a despersonalização heteronímica como
estratégia de aniquilamento do conceito de autoria, proponho examinar alguns níveis
formais de expressão do pensamento de Fernando Pessoa ortônimo no poema
Mensagem. Seguindo esta trilha, concentrarei atenção na análise do modo como as
atitudes de Alberto Caeiro (certeza sensível), Álvaro de Campos (sensação da sensação)
e Ricardo Reis (indiferença ao destino) convergem para a consolidação do pensamento
de Fernando Pessoa ortônimo na forma poética.
Palavras-chave: Despersonalização. Cogito. Heteronímia. Superposição temporal.
Atitude psíquica.
Título: O absurdo em Álvaro de Campos
SÂMARA ARAÚJO COSTA (UFMG)
ORIENTADOR: ANDRÉ JOFFILY ABATHE (UFMG)
A noção de absurdo é desenvolvida tanto por Sartre, em A náusea, quanto por Camus,
em O mito de Sisífo. A partir do poema Passagens das horas, de Álvaro de Campos,
pretendo identificar e explorar como tal noção também se faz presente nos versos desse
heterônimo de Fernando Pessoa. Assim, primeiramente, farei a exposição da noção de
absurdo considerando os dois autores francófonos, mostrando ainda as semelhanças
entre a argumentação deles e os versos do poeta português. Após a apresentação da
noção de absurdo e dos apontamentos no poema, defenderei que a posição de Camus é
semelhante a do poeta no posicionamento frente a esse sentimento.
Palavras-chave: Noção de absurdo. Sartre. Camus. Álvaro de Campos.
Título: Pessoa na terceira margem do Rosa
SÉRGIO MURILO RODRIGUES (PUC Minas)
A interpretação canônica do conto ―A terceira margem do rio‖ de Guimarães Rosa nos
fala da existência humana diante da morte. O pai morre (a canoa é o caixão) e vai para a
dimensão transcendente da ―terceira margem do rio‖. O filho permanece fiel a memória
do pai, recusando-se a esquecê-lo e, portanto, recusando-se a aceitar a morte do pai e a
sua própria morte. Gostaria de propor uma interpretação diferente fazendo uma análise
intertextual com o poema de Fernando Pessoa, ―Navegar é preciso; viver não é preciso‖
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
e a música de Caetano Veloso, ―Os Argonautas‖. Tanto Fernando Pessoa, quanto
Caetano Veloso recebeu influência do ―existencialismo‖ de Heidegger e de Sartre.
Nesta interpretação, o conto de Guimarães Rosa é uma metáfora da condição humana. A
―terceira margem‖ é simultaneamente o não-lugar da loucura e dos projetos de vida. O
não-lugar não se confunde com ―nenhum lugar‖, pois ele indica um ‖lugar‖ que ainda
não existe concretamente, mas que existe enquanto significador das ações existenciais.
Eu estou direcionado para este lugar. Assim, o pai insiste em fixar o seu projeto
individual (a canoa) em um rio que não para de correr (a finitude da vida; o transcorrer
da temporalidade). Esta é a característica marcante da existência humana: a tentativa de
enraizamento no fluxo contínuo do tempo vivido. Permanecer na mudança; fixar o
transitório; banhar-se duas vezes no mesmo rio (segundo Heráclito isso seria
impossível, pois o rio já não é o mesmo, assim como você mesmo). Segundo Pessoa,
―viver não é necessário; o que é necessário é criar‖. Diante de uma existência humana
sem nenhum sentido a priori, só nos resta criarmos, nós mesmo, um sentido para ela,
através de um projeto de vida, mesmo que esse projeto seja ficar ―navegando‖ no
mesmo lugar de um rio. É ―o barco, noite no teu tão bonito, sorriso solto, perdido,
horizonte e madrugada, o riso, o arco, da madrugada, o porto, nada‖. Essa interpretação
é fundamentada nas aulas da professora de filosofia da FAFICH/UFMG, Sônia Viegas.
Não encontrei ainda nenhuma publicação com essas aulas e, portanto, não posso citá-la
segundo as regras, mas não posso deixar de fazer uma homenagem à professora que
apontou para tantos a direção de uma ―terceira margem do rio‖ para a qual cada um
poderá fazer a sua canoinha justo para caber apenas um.
Palavras-chave: Existência. Filosofia. Morte. Guimarães Rosa. Fernando Pessoa.
Título: Despersonalização e subjetividade em Pessoa
SÉRGIO ROBERTO GOMIDE FILHO (CEFET-MG)
É conhecida a passagem em que Fernando Pessoa, em carta de 1935 a Adolfo Casais
Monteiro, explica a origem de seus heterônimos. Porém, no contexto do que se propõe
neste colóquio, com sua diretriz psicanalítico-filosófica na abordagem do literário,
renova-se a pertinência da explicação pessoana: ―é o fundo traço de histeria que existe
em mim‖, alega o escritor, atribuindo a origem dos heterônimos a uma ―tendência
orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação‖. Levada a termo na
gênese da atividade poética, tal concepção tem complexas e variadas implicações sobre
a noção de subjetividade. Implicações, como se vê, psicanalíticas, filosóficas e estéticas,
na menção à neurose, na incidência da dessubjetivação e do fingimento sobre o ethos
poético, e no fato de residir, na alegada despersonalização do poeta, a própria
possibilidade do poema. Em vista disso, o que se pretende nesta comunicação é
examinar em que medida os movimentos de subjetivação e dessubjetivação ativados
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
pela poesia de Pessoa contribuem para um redimensionamento de concepções basilares
de subjetividade. Mais precisamente, trata-se de refletir sobre o caráter bartlebyano do
sujeito poético pessoano, relacionando sua constituição às teorias do sujeito usualmente
mobilizadas para a compreensão da enunciação literária. Assim, à luz das concepções de
sujeito postuladas pela psicanálise, pela filosofia e pela teoria da literatura, pretende-se
discutir de que modo a negatividade radical instaurada pela despersonalização poética
pessoana acaba por se configurar como espaço privilegiado da (im)possibilidade de
manifestação do ‗eu‘ no poema. Acredita-se que uma análise empreendida nesses
termos possa, afinal, contribuir para uma melhor compreensão dos elementos que a
escrita do poeta traz à cena e que podem ser sintetizados em um questionamento
retórico e mesmo tautológico, exaurido pelo uso, não fosse sua desconcertante abertura
para o que, em tese, não permite resposta: quem fala na poesia de Fernando Pessoa?
Palavras-chave: Fernando Pessoa. Despersonalização. Subjetividade.
Título: Guimarães Rosa tradutor
SÍLVIO AUGUSTO DE OLIVEIRA HOLANDA (UFPA)
Trata-se de um estudo interpretativo de alguns processos tradutórios presentes na ficção
rosiana, sobretudo em Corpo de baile (1956), na medida em que se recriam textos de
variada natureza, literários e não literários, no corpo mesmo da escrita. Esta,
reelaborando matrizes culturais diversas, promove um permanente deslocamento de
fronteiras e uma abertura para a alteridade, capazes de potencializar o teor crítico e
imagético do texto de Guimaraes Rosa. No que diz respeito à teoria da tradução, citamse Benjamin (1992) e Haroldo de Campos (1977). Refletindo acerca do ato tradutório,
para além de uma discussão meramente lexical, busca-se suscitar um debate sobre a
traduzibilidade do texto rosiano e sobre os atos tradutórios realizados pelo próprio
Guimarães Rosa, na elaboração de citações, epígrafes, notas de rodapé e até de títulos
de obras (como é caso de Corpo de baile).
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Tradução. Corpo de Baile.
Título: Guimarães Rosa e um rio além das margens
SIMONE DE SOUZA BRAGA GUERREIRO (ISAT)
Em Guimarães Rosa muito mais do que questões linguísticas ou regionalistas, o que se
destaca é a experiência humana que de certa forma torna-se transcendente, pois é
através de seu entendimento do que é a existência em si que ele consegue captar uma
terceira margem do ser. A inserção de uma terceira margem ao rio reflete uma espécie
de inquietação, pois Guimarães Rosa nos sugere abandonar margens preestabelecidas e,
talvez, seguras, e estabelecer uma outra. O presente trabalho analisa o conto "A terceira
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
margem do rio" procurando marcar os caminhos em que se busca pelo transcendente,
por um caminho que possa romper os limites entre o mundo cotidiano e o mundo
metafísico. Ao instaurar a terceira margem, instaura-se uma certa descontinuidade
necessária que leva o ser a perceber-se como um ser autêntico e, aí sim, livre.
Palavras-chave: Filosofia. Memória. Verdade.
Título: Guimarães
Rosa
e
a
travessia
atlântica do mito
SUELI
SARAIVA
de Fausto
(UNILAB)
O mito de Fausto, na sua forma mais característica, tem o seu início no século XVI com
a publicação de uma obra anônima contando a vida do misterioso médico e alquimista.
Logo em seguida, o mito passa a ser apropriado pela literatura e teatro em países e
línguas distintos. Tendo como ponto de partida o Volksbuch (Livro popular) – cuja
tradução para o português está em curso de publicação – e a incontornável obra de
Goethe (Fausto I e II), esta comunicação procurará estabelecer uma ponte analítica entre
Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e algumas das grandes narrativas
ocidentais, nas quais se atestou a produtividade da recorrência aos elementos fáusticos:
Doutor Fausto, de Thomas Mann, e o poema dramático Primeiro Fausto, de Fernando
Pessoa. Nosso estudo terá como eixo a representação simbólica de indivíduos
pertencentes a grupos de poder — que denominamos pelo conceito abstrato de ―elite‖
—, sendo importante recordar que o próprio Goethe dele se valeu para representar uma
nova realidade social: a irreprimível ascensão da burguesia. O dramaturgo teria se
apropriado da personagem de Fausto como alegoria de um grupo que iria mudar a
organização da sociedade ocidental e a face da própria terra, usando para isso forças
ainda pouco conhecidas advindas da ciência, da tecnologia, da política e da economia
— sendo este tema característico do Fausto II. Quando o mito fáustico transita para o
romance, ―o mais universal e irregular dos gêneros modernos‖ (Antonio Candido), fica
claro que cada nova obra traz significativas mudanças em relação às suas predecessoras
e incorpora em si as condições e problemas da época histórica em que foi produzida. De
tal modo, uma perspectiva das elites, sob a ótica do mito fáustico, comparece também
no romance Doutor Fausto: a vida do compositor alemão Adrian Leverkühn narrada por
um amigo (1947), de Thomas Mann, no qual o protagonista se configura como suma da
cultura alemã, sendo sua aspiração compor a grande obra musical de seu tempo. Se
Mann usa o mito de Fausto para reconfigurar o nascimento do nazismo e sua aceitação
pela maioria nacional, capitaneada por uma elite de excelente formação, no Brasil do
Grande sertão: veredas (1956), Rosa expressa o movimento histórico de uma nação que,
com muitas dificuldades, se moderniza e se conscientiza de seus problemas políticos e
sociais.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Grande sertão: veredas. Mito fáustico. Goethe.
Thomas Mann.
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
Página 89
CADERNO DE RESUMOS
Título: Mallory e o Conceito de Sensibilidade Trágica
TANIA MARIA LOPES TORRES (PUC-SP)
Esta apresentação pretende abordar o pensamento de J. W. Mallory em relação ao
conceito de sensibilidade trágica na filosofia de Nietzsche. Embora a análise de Mallory
leve em consideração sete textos de Nietzsche, pretende-se abordar, na apresentação,
apenas duas obras: O nascimento da tragédia (edição revisada de 1872) e Ecce homo
(1888). Mallory entende que, para Nietzsche, a tragédia se tornou um problema estético
que o ajudou a entender o valor da vida. Diante da constatação de que a vontade destrói
a criatividade, Nietzsche criou o conceito de sensibilidade trágica (tragische
Gesinnung), que Mallory elucida como a maior expressão da criatividade humana e a
condição existencial de estar no mundo, bem como o requisito fundamental para a
criação da tragédia. Isso significa que a sensibilidade trágica é o reconhecimento
criativo das limitações derradeiras à criação humana. A tragédia exige, portanto, uma
análise existencial do homem em que este é visto como ser lançado no mundo em busca
de sentido. Por isso, Mallory entende o niilismo de Nietzsche como o perigo dos
perigos, pois o niilismo seria a orientação do espírito humano que anestesia, paralisa e
até mesmo destrói sua capacidade de criar. Sendo assim, o niilismo seria a ameaça
suprema à criatividade; e a sensibilidade trágica, a manifestação suprema da
criatividade. Tudo isso cria uma tensão fundamental na vida humana. Nesse contexto,
Mallory propõe que a estética é um sintoma da saúde existencial humana e considera
que a resposta estética afeta nossa resposta existencial. Para avaliar a contribuição de
Mallory em relação à compreensão do conceito de sensibilidade trágica em Nietzsche,
pretende-se, portanto, examinar o contraste entre os elementos apolíneos, dionisíacos e
cristãos nas duas obras escolhidas.
Palavras-chave: Nietzsche. Tragédia. Sensibilidade trágica.
Título: Medeia, Freud e o enigma da feminilidade
THAIS LIMP SILVA ( PUC Minas)
Sigmund Freud fundou a psicanálise a partir do atendimento às pacientes histéricas.
Estas lhe ensinaram a via de acesso ao inconsciente, mas não puderam esclarecer tudo
sobre as mulheres, de forma que Freud (1933[32]/2006) orienta, como saídas possíveis
para se compreender a mulher, que se aguarde um avanço da ciência, que se consulte a
própria experiência de vida ou então, que se consulte os poetas. No entanto, o fundador
da psicanálise não recua frente ao enigma da feminilidade e aponta o que seria uma
saída feminina por excelência, respondendo à pergunta sobre o que quer uma mulher,
através da saída fálica, pela maternidade. Freud (1932[33]/2006), ainda, eleva como
desejo feminino por excelência o desejo pelo falo. É a mitologia grega, ramo que
antecede a ciência, que traz o ponto de enigma deste trabalho: se é a maternidade o
ponto central da feminilidade, como podemos ler, através da lente freudiana o ato
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
assassino de Medeia? Medeia, personagem da mitologia grega, é uma bruxa bárbara
por quem Jasão se apaixona e com quem faz um pacto: ela o faria vencedor dos desafios
aos quais ele estava submetido e em troca eles se casariam e Jasão a faria a mãe de seus
filhos. Nesse ponto Jasão responde ao que seria o desejo feminino, por excelência: o
desejo pelo falo, na equivalência simbólica pênis bebê (FREUD, 1932[33]/2006).
Jasão ganha os desafios e foge com Medeia para Ioclo e, em seguida, para Corinto, onde
tiveram dois filhos. Porém, Jasão se apaixona por outra mulher, a princesa Glauce, e
abandona Medeia. A perda do homem amado, que dá a mulher o falo negado pela mãe,
faz com que surja a face assassina de Medeia: ela mata seus próprios filhos, separando
neste momento a maternidade da feminilidade. Será que neste momento Medeia teria
aberto mão da feminilidade? Este trabalho se baseia neste ponto, acreditando que ao
matar os filhos Medeia não abriu mão de sua posição como mulher, pois é o próprio
Freud (1914/2004) que indica que o amor tem mais valor para a mulher quando ela é
amada. E, com isso, na perda do amor, Medeia mata aqueles que seriam para ela seus
substitutos fálicos. Assim, o objetivo deste trabalho é articular a proposição freudiana
do valor do amor para as mulheres como uma outra forma de se responder à pergunta o
que quer uma mulher, tendo como ponto de partida o que o mito de Medeia pode nos
ensinar.
Palavras-chave: Freud. Medeia. Maternidade. Amor. Feminilidade.
Título: Intelectuais e Crítica Literária: Cultura e Interdisciplinaridade
VERÔNICA LUCY COUTINHO LAGE (UFJF)
As crises enfrentadas pelo homem a partir da modernidade e que foram, e ainda são,
razões de explicações que possam preencher as lacunas em relação a conceitos de
identidade, alteridade, cultura e produção de conhecimento poderiam ser destacadas
através de algumas críticas e estudos desenvolvidos por intelectuais como Freud,
Nietzsche, Pessoa e Rosa. Tentando encontrar respostas para tantos desencontros de
angústia, solidão, perda de identidade, globalização e avanço tecnológico e suas
repercussões sócio-política mundiais, esses intelectuais, guardando suas especificidades
de pesquisa e de linha de pensamentos, tentaram trazer à tona conceitos para esses
questionamentos, estudando e revelando alguns aspectos da alma humana tão
multifacetada, tão diversa e tão interdisciplinar. Desta forma, pretende-se entender
alguns desses conceitos através de Bhabba, Lyn Mário (Cultura e Identidade), Bobbio,
Silviano e Gramschi (o papel dos intelectuais), Franklin e Hall (alteridade) Calvino e
Said (globalização e alteridade), entre outros críticos.
Palavras-chave: Cultura. Interdisciplinaridade. Descentramento.
Título: Sobre herança e singularidade: o complexo de Édipo
VIRGINIA HELENA FERREIRA DA COSTA (USP)
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
Página 91
CADERNO DE RESUMOS
Dando prosseguimento a uma via de comentário que encontra em nomes como os de
Balestrière, David-Ménard e Schneider o desenvolvimento da temática do donjuanismo
como leitura psicanalítica, faremos uma articulação entre este texto literário de Molière
e conceitos freudianos. O objetivo principal de nossa comunicação é tratarmos do tema
da herança geracional em textos que abordam a filogênese e a teoria social freudianas
como uma lei edípica inescapável, utilizando a figura de Don Juan como contraponto de
filiação familiar e cultural na qual se dá uma formação de singularidade subjetiva que
escapa a esta determinação social imperativa. Para tanto, inicialmente abordaremos a
generalidade assumida pelo complexo de Édipo na teoria freudiana, fase de
desenvolvimento infantil vivenciada de forma necessária por todos os indivíduos.
Trataremos da generalização empírica do Édipo como experiência repetitiva e
inescapável ligada a uma lei que antecede a própria vivência individual, conforme o
pensamento filogenético freudiano. Como possibilidade de questionamento desta
teoria, apresentaremos uma análise psicanalítica da figura de Don Juan. Modelo do
sedutor que nega as determinações sociais ligadas aos imperativos de seu pai, Don Juan
aparece como uma possibilidade de trazer à tona o debate sobre a constituição singular
de uma trajetória de vida ligada à realização de desejos relativamente a seus objetos de
amor, motivo que nos leva a questionamentos que trazem consigo certas noções como
as de pertencimento, reconhecimento, transgressão e autonomia, o que nos leva a tratar
da ausência de culpa na personagem do sedutor. É neste âmbito que abordaremos, ao
fim de nosso texto, um paralelo entre o mítico banquete totêmico encontrado em
"Totem e Tabu" (1913) - quando os filhos da horda primeva comem a carne do pai
morto, identificando-se com ele na inauguração da sociedade organizada por leis,
religião e moral tal qual figurado pela teoria do Édipo social de Freud - e o jantar de
morte de Don Juan com a estátua do Comendador, cujo fantasma levará o sedutor para o
Além. Ultrapassando as especificidades que tais banquetes signifiquem nos contornos
de ambos os textos, procuraremos expor como este paralelo descansa sobre um fundo
comum, a saber, sobre a repetição da lei que se faz necessária por meio de uma espécie
de transcendência do fantasma que determina as trajetórias singulares, repetição esta
ligada à noção de pulsão de morte freudiana.
Palavras-chave: Freud. Don Juan. Édipo. Herança. Singularidade.
Título: A construção de sentidos em “Desenredo”
VIVIANE MICHELLINE VELOSO DANESE (PUC Minas)
A obra rosiana é marcada pelo signo da indeterminação. Pretende-se nesse trabalho
discorrer sobre a construção de sentidos no conto Desenredo, do livro Tutaméia de João
Guimarães Rosa; mais especificamente no esforço empreendido para se construir uma
narrativa calcada em certezas tranquilizadoras. No entanto, a problematização da
construção de uma narrativa encadeada que obedece às leis da causalidade, ou seja,
IICOLÓQUIO INTERNACIONAL NIETZSCHE, PESSOA, ROSA, FREUD
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CADERNO DE RESUMOS
onde um fato anterior determina o que vem na sequência, já é percebida desde o título
do conto, onde o prefixo des- acena para um enredo de ações contrárias, avesso as
expectativas esperadas. A função de operar o passado e inocentar a amante/ esposa da
acusação de adultério é exercida pacientemente pelo amante/ marido traído Jó Joaquim
que, ao se empenhar engenhosamente à tarefa de desdizer o fato, adultera também o
sentido esperado no texto. A possibilidade de conferir a um fato mais de um sentido é
tratada pelo filósofo Zygmunt Bauman como sendo a ambivalência e pode ser notada
tanto na indefinição do nome da personagem feminina que se constitui em forma de
anagrama (Livíria, Rivília, Irlívia, Vilíria) como também na inversão de provérbios
conhecidos e máximas. A ideia de uma estória dentro de outra estória é reforçada pela
presença de dois narradores, um anunciando o outro, ou seja, a narrativa é inserida em
outro ato narrativo. A fabulação é caracterizada pelo narrador que anuncia a estória e
também tem seu sentido usual invertido: em Desenredo a fábula não serve para passar
uma verdade ou um ensinamento; antes serve para evocar questionamentos como os
anunciados pelo narrador comentarista que analisa a estória e interage com os leitores,
num jogo típico da oralidade, apresentando dúvidas e inquietações. Segundo Bauman, o
desejo de firmar o sentido marca a ansiedade própria de quando experimentamos a
ambivalência como desordem, e é percebido na postura aporética de Jó Joaquim. No
entanto, a imprevisibilidade da vida parece não paralisar Jó Joaquim que, mesmo
constatando que as coisas são incognoscíveis, uma vez que a ambivalência impera, não
se acomoda no desconforto que sentimos quando não somos capazes de ler a situação
adequadamente e decide buscar uma ordem ainda que invertida e criar sua própria
história.
Palavras-chave: Ambivalência. Indeterminação. João Guimarães Rosa.
Título: Acoplamentos nietzschianos em O Anti-Édipo
WAGNER HONORATO DUTRA (PUC Minas )
O Anti-Édipo foi publicado em 1972 e apresentado como a primeira parte de uma obra
maior intitulada Capitalismo e Esquizofrenia, não concluída, mas substituída por Mil
Platôs em 1980. Repercutindo ainda os eventos de maio de 1968 na França, a obra
inaugural da parceira de Deleuze com Guattari faz severos ataques aos saberes e
práticas dotadas de grande prestígio entre filósofos, antropólogos, linguistas e,
especialmente, psicanalistas. Trata-se de um empreendimento político-literário ligado à
tendência de contraposição ao estruturalismo e possui papel importante no processo de
desconstrução desse programa teórico-metodológico. As críticas antiedipianas
organizam-se em torno de temáticas variadas, mas coadunam-se na ideia de um
inconsciente maquínico conectado aos processos histórico-políticos e aos grupos
sociais. Deleuze e Guattari elaboram esta noção-chave (inconsciente maquínico) para
inserir o desejo numa via de análise positiva, concebendo-o como fonte de criação e
produção. Com o intuito de criar linhas de fuga rumo às novas territorialidades
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conceituais, eles aliam-se aos pensadores em cujas obras fazem ecoar suas próprias
teses. Nietzsche é um desses interlocutores privilegiados com os quais a máquina
deleuze-guattariana produz seus acoplamentos. Neste estudo operamos um recorte no
debate teórico estabelecido por Deleuze e Guattari com o pensamento Nietzschiano em
O Anti-Édipo. Realizamos uma análise de a coleção de tolices sobre Édipo, que
constitui o primeiro tópico da sexta parte que integra o capítulo intitulado Psicanálise e
familismo: a santa família. No trecho selecionado, Deleuze e Guattari tomam o anúncio
da morte de Deus em Nietzsche como ponto de partida para criticar os conceitos
freudianos de temporalidade, inconsciente e de complexo de Édipo e os construtos
lacanianos de função paterna e inconsciente linguístico-estrutural. Ao analisarmos essas
noções procuramos respostas provisórias para o seguinte questionamento: como os
autores de O Anti-Édipo apropriam-se de certas temáticas nietzschianas para funcionar
um inconsciente maquínico capaz de fazer frente a lógica estrutural do desejo?
Palavras-chave: Deleuze. Freud. Guattari. Lacan. Nietzsche.
Título: Produção de sentido: à terceira margem da vida
WANESSA MARA DA PAIXÃO (UFMG)
ORIENTADOR: ROGÉRIO DE OLIVEIRA SILVA
Pretende-se nesse trabalho realizar uma discussão acerca da produção subjetiva da
busca de sentido para a vida do homem a partir de uma interpretação do texto a
"Terceira Margem‖ de Rosa. Isso com a intenção de contribuir par o enriquecimento da
complexidade subjetiva da experiência de ler Guimarães Rosa. Objetiva-se: a)
Estabelecer uma leitura da vida como metáfora do rio no texto de Rosa; b) Construir um
paralelo entre a produção subjetiva de sentido pela via da autotranscedência e o disporse ao rio do pai do narrador do conto, e por fim, c) Analisar o fluxo de emoções do
narrador, que, por sua vez, se compadece do modo de ser do pai. Neste ponto marca-se
um questionamento: não teria o filho encontrado seu sentido de viver, no
cuidar/acompanhar o pai? Afinal, como diz Viktor Frankl, médico e psicoterapeuta que
foi correspondente de Freud, ―rato algum é capaz de sacrificar a sua vida ou de aceitar o
sofrimento por um valor cheio de sentido‖ (p.39). Logo, o cuidar e preocupar-se com o
outro é do universo humano. O narrador /filho em uma tentativa de respeitar a escolha
do pai acaba por misturar-se a ele. O filho chega a anular-se ao pensar ser capaz na
tarefa de assumir o lugar na canoa, o que lhe causa um despertar sobre si, com
estranhamento diante da diferença entre ele e o pai, acaba por fugir. Para a análise
crítica e psicológica dos personagens pai e filho de Guimarães Rosa elenca-se Viktor
Frankl. Acredita-se que Frankl é uma acertada referência para a compreensão do
significado do conceito de sentido da vida e o impacto da busca de sentido para o ser
humano. Uma vez que, existem questões da subjetividade do homem que compõem a
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sua complexidade e a sua própria condição de pessoa. Pode-se dizer que é preciso
autotranscedência para o próprio homem compreender que há aspectos de sua existência
que fogem a sua consciência e sua capacidade de entendimento. Desse modo, espera-se
poder contribuir para uma leitura satisfatória do conto e da realidade do existir, do estar
e ser no mundo. Afinal, possivelmente também buscamos um rio, e nos resta saber
como nos portamos diante do encontro, como pai ou como filho? Ou simplesmente não
nos portamos e nem nos importamos? Muitas são as questões que se apresentam frente à
literatura e suas múltiplas leituras. Assim como também são múltiplas as formas de
subjetivação e produção de sentido encontradas e construídas pelo homem.
Palavras-chave: Sentido. Autotranscendência. Guimarães Rosa. Viktor Frankl.
Título: Existência doidamente celerada em Guimarães Rosa
WELLINGTON MARÇAL DE CARVALHO (PUC Minas)
O presente trabalho se dedica a reflexão sobre o espaço da loucura encenado no conto
Sorôco, sua mãe, sua filha, de João Guimarães Rosa, escritor brasileiro, de Minas
Gerais. Para a realização do estudo, foram conclamados pontos de vista teóricos sobre
espaço e espacialidade, particularmente, os de Edward Soja, Doreen Massey, Michel de
Certeau, Cássio Hissa e, principalmente, Milton Santos. Embora os objetivos aqui
privilegiem a constituição espacial, discussões sobre as categorias personagem e tempo
também estão presentes para demonstrar a pertinência de utilização de um conceito
tomado ao sociólogo polonês Zygmunt Bauman e de sua teoria sobre o refugo humano.
Essa teoria subsidiou a percepção de certas personagens dos contos selecionados,
delineadas por elementos que fazem parte do conceito de refugo humano. São tecidas
reflexões acerca da fugacidade dos limites que separam o terreno da lucidez e o da
insanidade, sobretudo, quando o indivíduo se depara com estados cruciais, cujo
tensionamento pode fazer esboroar o delicado e aparente autocontrole e desejo de
administrar a totalidade das situações e seus desdobramentos. Acontece que a loucura
também pode se dar como mecanismo de resistência, e, sob esse viés, o ser louco
alcança o status, frente ao grupo de pertença, de transgressor de uma ordem estabelecida
e tacitamente acordada pelos integrantes de tal comunidade. Esses espécimes muitas
vezes considerados aberrantes, excêntricos, fora-de-lugar, personas non gratas, foram
alvo, ao longo do tempo, de toda sorte de tratamento (não no sentido médico), através
de métodos cuja natureza muito pouco, ou quase nada, detinha de ortodoxia. A
engrenagem do tempo, com os avanços da técnica alcançados pela humanidade, foi
contribuindo para rasurar, mesmo que a conta-gotas, o enfrentamento da questão e
humanizar a essência do trabalho com esses seres estigmatizados porque desviantes,
posto que desiguais, posto que minoria. Tentar apreender como se espacializa a
fragmentação dos seres tidos como loucos no conto selecionado de Guimarães Rosa
possibilita delinear a estetização do lugar ocupado, forçadamente, por aqueles a quem
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não se cogita parcela alguma de autonomia sob os rumos de sua existência. A argúcia
norteadora de todo o construto literário de Rosa fornece túrgida seara para esse
exercício interpretativo. Como pode ser verificado na análise do conto Sorôco, sua mãe,
sua filha, de certa forma, expõem-se características apontadas por Bauman sobre o que
ele considera lixo humano. A configuração espacial, no texto literário trabalhado, deixa
claras as estratégias de que se valem os seres considerados normais, para gerenciar, a
seu gosto, o delineamento das fronteiras e limites em que serão compartimentados os
dessemelhantes, redundantes, loucos, excessivos.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Poética do refugo. Loucura na literatura. Espaço na
literatura. Espacialidade.
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