UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO
Ver
a educação
debates
dissertação
Belém – Pará
1998
Título e texto amparados pela Lei N° 5988, de 14 de dezembro de 1973
ISSN 1413-1498
Copyright@ dos autores - 1998
Edição de texto: Bernadete Figueiredo
Revisão de texto: Bernadete Figueiredo
Projeto gráfico: Eunice Santos
Capa: Alberto Damasceno (concepção)
Paulo Martins (criação e arte)
Composição eletrônica: Andréa Miranda
Sandro Galvão
Arte final: Ivanise Oliveira de Brito
Montagem: Carlos Alexandre Santos da Silva
Periodicidade: Semestral
Correspondência:
Tiragem: 500 exemplares
Universidade Federal do Pará
Centro de Educação
Campus Universitário - Setor Profissional CEP:
66075-110 - Belém/P A
Fax: (091) 211-1648 - Fone: (091) 211-1705
CATALOGAÇÃO: Biblioteca do Centro de Educação
Ver a educação. V. 4, n.l
(jan./jun. 1998). - Belém: UFPA/
Centro de Educação, 1998 - Semestral.
1. Educação - Periódicos
CDD. 370.5
Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto N° 1825, de 20
de dezembro de 1907.
SUMÁRIO
Anotações acerca do tempo, medida da existência
Humberto CUNHA
1-30
A Universidade na Região Amazônica: um estudo
sobre a interiorização da UFPA
Arlete Maria Monte de CAMARGO
31-60
Magia e Ciência: conflito de saberes e razão
iluminista na caça às bruxas
Heliana Maria Cunha AGUIAR
61-72
Relação entre o texto "Schopenhauer como Educador",
de Fiedricll Nietzsche, e "Sobre Filosofia
Universitária", de Artflur Schopenhauer
73-104
Paulo BENJAMIM
A leitura e a produção escrita como práticas discursivas - notas
sobre o cotidiano escolar 105-119
Sandoval SANTOS
Ver a educação, Belém, v. 4, n. 1, p.1-119, jan./jun., 1998
Anotações Acerca do Tempo,
Medida da Existência
Humberto Cunha*
Considerações Preliminares
F
alar em "Ponte dos Tempos" e em "Cotidiano" remete
à categoria tempo, no sentido apontado por Tannús
(1986) - tempo secularizado - e aprofundado por Stockinger e
Fenzil (1991). Espaço e tempo são figurações, cuja significação
efetiva definir-se-á no seu campo de aplicação
cósmico/psicológico, maior/menor, externo-sideral/internoreflexivo etc...
Entendo o ser como energia-matéria em constante
transformação, em virtude da dinamicidade do ser, apto pela
compreensão de que o método dialético-crítico é o que nos pode
fornecer maior amplitude de conhecimento e melhor
instrumental de análise. Os paradigmas da ciência já foram mais
estanques, supondo uma realidade estática, com circulação de
elementos somente no interior de estruturas perenes ad et ab
aeternum. O mundo não é um conjunto de sistemas fechados em
equilíbrio. O estado de equilíbrio é uma exceção, o universo é
composto basicamente por sistemas abertos não-equilibrados.
Esse é o paradigma possível para a ciência do século XXI: tudo
é mudança, toda certeza é provisória.
O humano é parcela do ser. Existe como dimensão da
natureza que se diferencia e se organiza em sociedade, com
pensamento e linguagem. Produz e acumula conhecimento
*
Agrônomo. Mestre em Educação Brasileira.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
CUNHA, Humberto
2
(SOUZA, 1986). Cultiva as idéias que cria e falas perpassar os
tempos. A ação para a transmissão e recriação de idéias, hábitos,
atitudes, valores, dá-se por uma teia de relações sociais difusas e
outras específicas que constituem a atividade genericamente
denominada Educação.
Quando são criadas, as formas de pensar costumam
responder a problemas e angústias do momento histórico vivido
pela sociedade e pelos indivíduos, grupos e classes que a
compõem. Acumulam-se na memória da sociedade as formas de
pensar dos momentos da história (DOURADO, [199-]). A
Educação é, em grande parte, responsável por isto (PONCE,
1992).
O pensamento torna-se plural, mas, nem todos os
pensamentos respondem à atualidade dos problemas vividos
pela sociedade. O conflito é estabelecido entre as proposições de
mudança e de manutenção de status quo ou até de regresso a
formas de relações sociais já experienciadas pelo caminhar da
história. Esse conflito reflete-se nas formulações e nas práticas
educativos, criando resistências que ampliam ou restringem o
âmbito do debate. As falas do fazer Educação propõem a
reprodução simples do conhecimento, sua reprodução crítica ou
produção de conhecimento novo.
Muitas iniciativas de reformulação do imaginário popular
têm-se feito em nosso país. A experiência da FASE Tocantins é
uma delas. O meu projeto de pesquisa se propõe a resgatar
elementos para uma história desse trabalho. Em especial
pretendo recuperar a metodologia construída no período
1976/1979.
As
possibilidades
de
contribuição
da
problematização do cotidiano para a transformação das
lideranças e dos técnicos educacionais envolvidos reterão o
principal da minha atenção.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
Anotações Acerca do Tempo, Medida da Existência
3
Anotações acerca do tempo, medida da existência
Uma canção latino-americana relata o caminhar de
Amanda para encontrar-se com Manuel. Um encontro de cinco
minutos. En cinco minutos la vida es eterna, é a mensagem. É
um tempo psicológico, um tempo criado e movido pelos
sentimentos.
O estudo do tempo vem preocupando autores nos diversos
ramos do conhecimento. Stockinger e Fenzl (1991) interrogam o
real acerca da questão do futuro. Haverá um futuro? Como será
ele? Os autores repensam o espaço e o tempo. A velha questão
metafísica de onde viemos, para onde vamos é retrabalhada
dialeticamente: pensar de onde, para onde, implica movimento.
Deslocamento de lugar no tempo. Espaço-tempo é a dimensão
do drama existencial da humanidade.
A energia-matéria, ser em permanente movimento e
transformação, existe sem subjetividade até quando a forma
humana de vida com seu cérebro pensante se consubstancia
sobre a Terra. O humano se estabelece como consciência do ser.
Os peculiares produtos da atividade neuromuscular humana
sentimentos e idéias - possibilitam a racional idade,
característica da subjetividade distintiva do fazer humano em
relação às demais formas de existência. O fazer do sujeito é um
fazer sentido e pensado. Essa singularidade permite ao humano
estabelecer correlação entre as repetições e as inovações,
homogeneizando conceitualmente o que, na objetividade, é
diverso.
A consciência do ser cria categorias. Surge o "não ser",
significando tanto o "ser-que-foi" quanto o "ser-que-será". O
ser é na subjetividade e fora dela. O ser foi e será na
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
CUNHA, Humberto
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subjetividade e somente nela. A energia-matéria universal existe
em constante transformação, segundo ciclos não homogêneos.
A cada ciclo, em qualquer ponto em que estabeleçamos
um corte, a configuração da energia-matéria em qualidade e
quantidade já não será a mesma da que pode ser em outro corte
imediatamente anterior ou posterior.
Não há qualquer teleologia nessa sucessão cíclica. O "serque-foi" já não é, o "ser-que-será" não é ainda, e poderá nunca
ser. As marcas deixadas pelo primeiro e os códigos da energiamatéria que podem permitir o surgimento do segundo
participam, na objetividade, do "ser-que-é". Na visão
Heraclítica, o ser é, o não-ser não é, o devenir é impossibilidade.
O humano, sujeito observador-participante do fenômeno, pode
seqüenciar os acontecimentos e, no limite do seu alcance como
indivíduo e como espécie, pode remeter-se aos momentos
anteriores e pensar alterações futuras nesta realidade. A
subjetividade cria um "não-ser" e só nela o "não-ser" pode ter
existência distinta do ser, enquanto memória do foi e projeto do
será.
A consciência do ser, ao seqüenciar um foi-é-será,
estabelece uma projeção da subjetividade sobre a materialidade
de onde a primeira emerge. Nascem o tempo e o espaço. O ser
que era natureza (Kesselring, [199-7]) passa a existir como
História e Geografia. É nesse sentido que acatamos a afirmação
de Stockinger e Fenzl (1991), de que espaço-tempo é uma
dimensão única, designadora dos parâmetros da nossa
existência,. o "lugar" e o "momento" em que a "a coisa está".
O humano cria tempo e espaço, primeiro pela simples
nomeação dos ciclos siderais, tais como lhe aparecem do seu
lugar de intérprete. O tempo é a categorização dos ciclos mais
evidentes da natureza o dia/noite, a duração de atividades para
suprir necessidades fisiológicas (busca de alimentos, descanso
etc.), num território limitado. O tempo é cronológico, apenas. "O
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
Anotações Acerca do Tempo, Medida da Existência
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espaço tempo estava delimitado pela experiência vivida"
(STOCKINGER e FENZL, 1991, p. 34).
O mito grego do nascimento de Crono é sugestivo desta
antecedência da percepção do tempo externo-sideral em relação
ao interno-psicológico. Crono nasce da união entre o Céu e a
Terra. No início existe Caos do qual nasce Géia, a Terra, que,
por partenogênese, gera Urano, o Céu, que fecunda a própria
mãe. Nasce Crono, o Tempo (BRANDÃO, 1993, p. 135).
Abandonemos para os efeitos deste estudo, a genealogia
dos deuses e suas lutas. Interessa-me fixar que, para os gregos,
Crono é o único filho do Céu que não aceita a imposição do pai,
pela qual todos os filhos devem voltar para o útero materno. Isto
é, o Tempo resiste à corrupção e não pode ser consumido pelos
vermes da Terra. Crono se insurge, assassina Urano e assume o
poder do pai deposto. O tempo é imutável e reina absoluto.
Em outro momento da história, acontece a descoberta
humana do tempo psicológico, que não depende diretamente de
movimentos siderais, mas, tem dimensão subjetiva, marcada por
sentimentos do indivíduo, como angústia, prazer, tristeza,
desejo, interesse, alegria, desinteresse, euforia e outros
sentimentos, quando de um dado acontecimento.
Uma ciência própria, a Psicologia, é criada para estudar os
fenômenos, tais como a tensão e o stress, produzidos pela
submissão do tempo psicológico ao tempo cronológico, em
função das rotinas diárias que devemos cumprir. O tempo é
relacional. A ruptura do tempo com os grilhões da objetividade é
condição para que a subjetividade possa pensar a própria
libertação.
Mais recentemente, a cronobiologia estuda a ritmicidade
dos organismos biológicos. São seus princípios básicos:
• os sistemas biológicos estão organizados no espaçotempo;
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
CUNHA, Humberto
6
• os sistemas se adaptam e interagem ao longo do
processo evolutivo com dimensão espacial do
ambiente.
Portanto, os co-sistemas do ambiente podem regular o
período e a ritmicidade de um determinado sistema, sendo
chamados determinadores de tempo e, assim, muitos ritmos,
com diversas periodicidades, convivem em cada organismo. O
seu padrão espaço-temporal será a resultante da superposição
desses ritmos.
A energia-matéria existe numa série continuada de ciclos e
o humano observa tanto as micro quanto as macro-dimensões,
segundo uma escala humana de espaço-tempo. Quando novos
processos são observados, redimensiona a escala, de modo a
integrá-los. O humano codifica as informações, como símbolos,
numa idéia e a institui como parâmetro para os momentos
seguintes da vida.
A existência humana não se constitui apenas de repetições.
O novo acontece, novas qualidades aparecem e a categoria
inversão é útil para compreendê-lo, correlacionando alguns
pares ordenados, como idealização/materialização, nascimento/
morte, supernovas/buracos negros. Stockinger e Fenzl (1991)
comentam a "inversão de espaço" e a "inversão de tempo",
focalizando sua atenção nesta última, comentando o tempo
negativo e a sua importância para a compreensão de fenômenos
que não podem ser apreendidos pela idéia de tempo linear,
cronologicamente positivo.
A expectativa, a previsão e a esperança são dimensões da
existência humana e sua ocorrência constitui uma inversão de
tempo, um tempo negativo, aquele que decorre entre a idéia de
um fato e a sua materialização. É um "anti-tempo", no qual os
processos continuam a ocorrer invertendo-se a seqüência entre
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
Anotações Acerca do Tempo, Medida da Existência
7
causas e efeitos. O tempo negativo é vivido pelo humano numa
dimensão "simbólica".
O universo visível talvez seja dez por cento do universo
total (SUPERINTERESSANTE, 1994). Da parcela que se
conhece, pode-se afirmar que a energia-matéria existe em
permanente transformação, numa série continuada de ciclos, em
que novas estruturas podem aparecer. A transformação é
permanente: "desestruturação e reestruturação fazem parte do
mesmo processo de emergência de novas qualidades"
(STOCKINGER e FENZL, 1991, p.31).
Alguém pode estabelecer início e fim em pontos da série,
observando um determinado ciclo, enquanto outro poderá
convencionar pontos distintos, observando o outro ciclo. Energia
surge, então, como uma categoria necessária à compreensão da
existência. Entropia e anatropia constituem processo de troca de
energia entre movimentos. No movimento que nasce está, em
semente, o movimento que se foi, a onda "Psi" do movimento
que "morre" transmitindo ao campo "Sigma" do movimento que
"nasce" a energia de informação que contém em código o
próprio movimento decumbente.
Dessa relação, extrai-se a noção de ponte de tempo, muito
útil ao conhecimento desde Einstein e sua teoria da relatividade
e, mais recentemente, para aqueles que lidam com a relatividade
complexa.
O humano vê sua existência como algo mais que a
sobrevivência fisiológica. A possibilidade de conhecer o integra
ao ser, estabelece o desejo de fruição. O humano quer dispor de
bens e de saberes. Fruir material e espiritualmente. A sensação
de fruição é correlacionada ao tempo, cronológico e psicológico.
Enquanto espécie, o humano sente o acúmulo de pertences
e de conhecimento na história como desenvolvimento.
Produzidos cortes em momentos anteriores e posteriores da vida
humana, a expectativa é de maior qualidade e quantidade nos
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
CUNHA, Humberto
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momentos posteriores, em relação aos momentos anteriores.
Este é o fundamento da luta política. Semelhantemente, na vida
do indivíduo, o sentimento de recompensa apresentar-se-á
quando o decorrer dos anos colocar à sua disposição e das
pessoas da sua convivência íntima mais e melhores bens
culturais e materiais. Este é o fundamento da luta sindical.
Como consciência do ser, o humano zela pelo ser. A
aprimoração do processo de conhecimento lhe dá elementos de
compreensão acumulados ou modificados no referencial do
tempo. Este é o fundamento da luta ecológica.
Parece profícuo pensar a existência humana a partir da sua
situação no primeiro momento, ou seja, "as condições básicas
mediante as quais a vida foi dada" ao humano em nosso planeta.
Estas são trabalhadas como vila activa (ARENDT, 1981),
composta de três atividades humanas fundamentais: labor,
trabalho e ação. Arendt não desconhece outras capacidades
humanas, como as de pensar, querer, julgar, apesar de suas
reflexões, nessa obra, não abarcá-las sistematicamente. Para essa
finalidade, dedica um volume inteiro (ARENDT, 1992).
Por tratar da ação, considerando a política a forma
privilegiada de ação, poder-se-ia ser tentado a achar que o
mobile é a essência do Poder e o Estado. Essa interpretação não
resiste a uma leitura acurada de A condição humana, pois
percebe-se que, aí, a política é tratada numa acepção ampla, de
ação intersubjetiva, não do ponto de vista das estruturas. Outros
serão os momentos, outros os livros, em que a autora enfocará
questões como a maldade dos agentes do Estado, a irreflexão, o
totalitarismo, o imperialismo.
Na introdução de A vida do espírito, Arendt (1992) nos
informa que "A condição humana" é um título dado
"sabiamente" pelo editor para um trabalho que ela própria, "mais
modestamente", propusera como uma reflexão sobre "a vila
activa", tema que lhe pareceu relevante porque: "O que me
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
Anotações Acerca do Tempo, Medida da Existência
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perturbou foi que o próprio termo que adotei para minhas
reflexões sobre o assunto, a saber, vita activa, havia sido
cunhado por homens dedicados a um modo de vida
contemplativo e que olhavam deste ponto de vista para todos os
modos de vida" (ARENDT, 1992, p.7).
Na obra que estamos examinando, Arendt propõe uma
reconsideração da condição humana à luz das mais novas
experiências sobre o que estamos fazendo. O que estamos
fazendo, continua,
é, na verdade, o tema central deste livro,
que aborda somente as manifestações mais
elementares da condição humana, aquelas
atividades que tradicionalmente, e também
segundo a opinião corrente, estão ao alcance de
todo ser humano. (ARENDT, 1981, p. 13).
O labor, nesta leitura, tem a ver com o processo biológico
do corpo humano, o eterno ciclo vital; é incessantemente
repetido, garantindo a sobrevivência do indivíduo e da espécie;
sua condição humana é a própria vida.
O trabalho tem produtividade; produz o mundo
"artificial" das coisas, sua condição humana é a mundanidade; o
trabalho e o seu produto, o artefato humano, permitem ao fútil e
ao efêmero uma certa permanência; o artefato pode sobreviver à
vida individual do humano que o produziu, mas é apenas algo
consumível.
A ação é a atividade que se exerce diretamente entre os
humanos e corresponde à condição humana de pluralidade:
mesmo e diverso é o humano, portanto plural. Essa pluralidade é
a condição de toda a vida política, embora todos os aspectos da
condição humana tenham alguma relação com a política; ação é
a atividade humana que cria condições para a história.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
CUNHA, Humberto
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As três atividades têm suas raízes na natalidade, pois é
preciso produzir e preservar o mundo para os novos, os que vão
chegar: prevê-los e levá-los em conta. Percebe-se nesse prever e
levar em conta uma temporal idade, isto é, o estabelecimento
de ciclos de reprodução humana. Este aspecto evidencia o tempo
como medida da existência.
A mais política das três atividades, a ação, é também a
mais vinculada à natalidade, pois cada novo indivíduo chegado
ao mundo tem a capacidade de iniciar algo novo, isto é, agir.
Esse agir é condicionado, pois, para criar, o sujeito lança mão do
mundo objetivo. O condicionamento não é absoluto, existe uma
indagação humana para além dos seus próprios limites,
condicionando o próprio meio condicionante: "a objetividade do
mundo - o seu caráter de coisa ou objeto - e a condição humana
complementam-se uma à outra" (ARENDT, 1981, p. 17).
Indagar-se, livrar-se dos fardos da vita activa, contemplar
o belo, estabelece a vida contemplativa, a única digna, para
Platão e os cristãos. A vida contemplativa é a quietude; a vita
activa é in-quietude - esta é a tradição. Arendt se propõe a ir
além da tradição na compreensão e utilização da expressão vita
activa. Não venera a hierarquia entre ação e contemplação
produzida pela tradição.
Concordando com Catão, Arendt considera a atividade de
pensar a mais ativa de todas as atividades humanas. Ao refletir
sobre a obra de arte como o mais perene do agir humano, trata-a
como um produto do pensar, resgata a perenidade do seu
aprisionamento pelo trabalho e, concomitantemente, liberta o
pensar do círculo asfixiante da quietude.
Pensada neste contexto - o contexto da praxis - a ação,
mais que o trabalho, pode constituir-se enquanto processo que
vise à libertação das subjetividades. Agir e meditar, enquanto
labora e trabalha, torna o humano viável. O confronto com as
leis da polis cria cidadania, ela também um transformável.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
Anotações Acerca do Tempo, Medida da Existência
11
Assim, o humano constrói o humano e o Leviatã criado pode ser
superado.
Se o mundo do existir humano tiver um futuro, parece ser
o da ação pensada, que garanta o eu e o outro, a ação da busca
do mundo plural, o mundo da liberdade, em que cada um seja
um
não-copiável
e
insubstituível,
realizando
na
intersubjetividade o seu mundo de anseios e desejos.
Porto Gonçalves (1990, p. 103-124), trabalha
sistematicamente sobre a idéia de que o tempo do relógio é um
tempo vinculado ao desejo de ordem e de poder. O
grande
desenvolvimento das máquinas de fazer/dizer as horas nos
mosteiros da Idade Média tem a finalidade de dar ordem à
grande confusão que se segue à derrocada do Império Romano.
O papa precisa ser ouvido. Os frades têm de tocar os sinos,
com regularidade. Os galos continuam a cantar como antes, mas,
os ciclos da natureza entendidos como tempo já não bastam.
Instrumentos mecânicos de marcar um tempo mais regular se
fazem necessários. Os relógios de água herdados dos romanos e
dos árabes cumpriram o seu papel, fazendo da regularidade uma
segunda natureza dos conventos. Agora, com o desenvolvimento
das cidades medievais, a precisão tem de ir além, e, a partir do
século XIII, os relógios mecânicos começam a aparecer.
Com a mercantilização da sociedade, fazendo do dinheiro
o equivalente geral do mundo das mercadorias, o tempo se
desnatura. As horas canônicas instituem o tempo abstrato, capaz
de se fazer valer como o mediador do circuito das mesmas
mercadorias. Quando o paradigma da Agrária é transmutado no
da Indústria (MELLO E SOUZA, 1994, p. 114), a máquina de
fazer horas encontra sua plena valorização e aplicação.
Aqui, vale a pena recordar Tannús (1986, p. 5-10). O
tempo sagrado é unidimensional, implica a ideia de
permanência; o tempo secular é trifásico (passado-presentefuturo), implica a idéia de mudança.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
CUNHA, Humberto
12
Podemos problematizar essa idéia de Tannús, que estuda a
evolução do conceito de tempo no mundo ocidental até a Idade
Média. No mundo atual, a relação semiótica do humano consigo
e com a natureza, no espaço-tempo, absolutizou o tempo,
reduzindo a zero o parâmetro da distância. O mundo é seu, longe
é um lugar que não existe. Esta é a sensação da
contemporaneidade, no momento de plena maturidade do
capitalismo.
Os humanos, como estão historicamente construídos no
pós-guerra, estão tomados por um sentimento de urgência. O
cotidiano é o seu tempo. Talvez a bomba em Hiroshima, talvez
as tecnologias transportadas da guerra e das indústrias para a
vida cotidiana, levam estas pessoas, que amam, que choram, que
se aborrecem, que odeiam, que se alegram, que riem... a
quererem tudo muito e tudo rápido. À fala do tempo e do espaço
se mostra a fala da conveniência, a fala da razão cínica. O
sentido de construir para o futuro se desfaz, o tempo permanece
secular e é de novo unidimensional, a construção humana é
absurda, porque a vida é absurda.
Os indivíduos se dão conta de que tempo e espaço são
relações que apenas o humano pode construir. Ele desconstitui e
reconstitui as noções, os conceitos, as definições herdadas da
Antiguidade e da Modernidade. O que as revistas, os jornais, os
livros, o telégrafo, as viagens (navio, trem, veículos
automotores) já tinham proporcionado para alguns, a
massificação do rádio e, depois, da TV, do FAX, do correio
eletrônico colocam ao alcance de toda a humanidade. Você, na
sua floresta ou no seu deserto, no seu povoado ou na sua
metrópole, tem o mundo na ponta do dedo, ao dique do botão. A
distância zerou.
A professora Maria Inêz Salgado de Souza (1993), em sua
palestra, no I Seminário Interdisciplinar tematizando. “As
transformações do conhecimento na virada do século", enfoca a
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
Anotações Acerca do Tempo, Medida da Existência
13
nova ordem mundial e sua relação com a educação. Naquela
conferência, a Doutora Inêz Salgado trata dos processos que
envolvem a globalização e sua resultante, a Nova Ordem
Mundial.
Há uma interligação mundial dos Estados-nação num
sistema único, baseado na unificação dos mercados, auxiliado
pela tecnologia e um sistema mundial de comunicação, o que
exige novos sistemas de pensamento e de conhecimento. Os
Estados-nação perdem autonomia, e surge uma ordem
totalmente distinta da anterior, tendo por base o poder
econômico, ao invés do poder político.
A globalização pode ser interpretada como um processo
correlacionado ao capitalismo, ao industrialismo, ao militarismo,
à vigilância e ao controle da esfera social. As culturas locais se
dissolvem na cultura planetária e o cotidiano local tem
componentes que, por serem induzidos à distância pela mídia,
escapam da compreensão e diretriz da comunidade local. Dá-se
o desencaixe das antigas relações e conexões.
A nova dominação cultural é mais eficiente que a antiga
por apresentar face renovada e maior flexibilidade, tornando-a
mais sutil. Os Estados-nação arriscam sua autonomia, pois é
difícil manter uma autonomia econômica e política quando se
fracassa na autonomia cultural. Outra hipótese é a vitória da
cultura de resistência, isto é, da ação das novas forças sociais
que estão emergindo no Norte e no Sul: aos tradicionais
movimentos dc trabalhadores, vêm juntar-se os novos
movimentos vinculados ao caráter multidimensional da
modernidade.
Uma nova agenda educacional é necessária, na
dependência dc que, os educadores consigam entrelaçar suas
preocupações com as dos movimentos sociais emergentes,
buscando soluções para os problemas que o sistema globalizado
propõe na ordem-do-dia.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
CUNHA, Humberto
14
O mundo atual assume feições de Aldeia Global. De tão
dito, isto já virou senso comum. Mas, o que é mesmo essa aldeia
global? É um mundo fraterno, onde todas as pessoas podem
usufruir dos benefícios do avanço tecnológico? Parece que ainda
é apenas o mundo do mercado planetário, com nascentes
estruturas de poder mundial, centralizando-se o papel da
informática e da comunicação no fornecimento ágil de dados às
empresas, dimensionando-se num segundo plano sua
contribuição à formação de subjetividades independentes e, se
possível, livres.
A vida atual quer parecer uma sociedade onde as classes
subsumiram no cotidiano social, a comunidade da competência,
regida pela ação de atores sociais e não mais por ações de
classes. Os incompetentes, os que não se produzem enquanto
atores, são relegados aos guetos sociais, de onde só poderão ser
tirados pela benevolência dos competentes, os quais poderão não
estender a mão aos que têm "fome de pão e de beleza". Passou o
tempo de dar o peixe a quem não o pescou.
Podemos conjeturar além da competência. Hipótese: os
guetos sociais são produtos das ações das classes. Temos de Ter
presente a maturidade do capitalismo. Vivemos o momento
único em que toda a Terra está permeada por e dirigida pelo
Capital, com repercussões individualistas no imaginário social
(CUNHA, 1991).
Quando Marx era vivo, o capitalismo era um sistema
jovem, as Classes ainda não tinham tido tempo de camuflar-se,
havia um lumpemproletariado, um proletariado, um exército
industrial de reserva, claramente delimitados. O lúmpen era o
produto da putrefação da antiga sociedade; o proletariado era a
força de trabalho cuja mais-valia era basicamente absoluta e
pouquíssimo relativa; o exército de reserva era o proletariado
desempregado. Nas favelas e guetos do Brasil e dos Estados
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
Anotações Acerca do Tempo, Medida da Existência
15
Unidos da América, por exemplo, uma coisa e outra nem sempre
são distintas.
Estabelecemo-nos no posto de observação e o que
percebemos é o capital mundializado, globalizando, os
problemas e as soluções. Após um tempo em que estabeleceu
relações imperialistas entre centro e periferia, ou Primeiro e
Terceiro mundos, como se costumava chamar, criou outro
momento em que incrustou Primeiro Mundo dentro do Terceiro
e viu surgir Terceiro Mundo dentro do Primeiro.
A aldeia é global. As classes são, agora, mundiais. O
Estado Mundial está surgindo debaixo das nossas vistas e a
Geografia que conhecíamos, com seus Estados nacionais, já não
dá conta da realidade. Os Estados-nação vão, com certa
velocidade, transformando-se em províncias nacionais de um
Estado Mundial, cujo parto estamos assistindo.
Na economia globalizada, onde a Ciência está na produção
e o Capital financeiro abarca o sistema, uma estrutura de classes
altamente sofisticada convive com o renascer de relações que
pareciam superadas (como nas sweet homes norte-americanas)
onde um escravismo consentido convive com as complexas
relações do trabalhador criativo, flexível, cidadão, nas
corporações de ponta.
A estrutura social globalizada faz conviver classes em
relações flexíveis com estamentos e castas redivivas e
recicladas, estanques e rígidas. Aí encontramos o fundamento de
uma sociedade afluente com guetos sociais; mundializada, com
um xenofobismo renascente; de plena ocupação do espaço
mundial, com preconceito e ódio racial; de plena liberdade, com
neonazismo e intolerância; dotada de uma consciência cósmica,
com grandes massas populacionais lançadas no mais
ignominioso obscurantismo.
O Capital maduro não pode realizar os ideais liberais de
que se apropriou, senão sob a forma de neoliberalismo,
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
CUNHA, Humberto
16
excludente e opressor em escala mundial. Nem o espectro da
guerra, nem a sua realidade, podem ser abolidos apenas pela
distância zero. Porque a guerra, neste sistema, tem um papel
positivo, desejado.
Um sistema de distância zero com tempo unidimensional,
um sistema que proclama o fim da história (ANDERSON, 1992)
necessita reordenar o mercado por minuto. A guerra controlada,
sob a forma de conflitos de baixa intensidade, tem a função de:
a) destruir forças produtivas obsoletas (máquinas e
equipamentos de tecnologia ultrapassada, pessoas treinadas para
tecnologia ultrapassada, armamento obsoleto); b) incrementar o
Capital pela venda de armas; c) controlar fontes de matériaprima e de força de trabalho e seus preços no mercado; d)
controlar mercados consumidores; e) testar novas tecnologias,
que depois possam passar do mercado de guerra para o mercado
cotidiano (por exemplo, nas próximas guerras em que o Exército
dos Estados Unidos da América participar, os soldados feridos
serão operados por realidade virtual - se a técnica funcionar
poderá ser utilizada em qualquer hospital, rendendo roialties aos
seus criadores)1; t) submeter ao consenso dominador os focos de
não-aceitação do padrão neoliberal.
É neste contexto que podemos tentar trabalhar uma
explicação para o uso das Forças Armadas na pacificação do Rio
de Janeiro. A sociedade at1uente com guetos sociais, de
distância zero e tempo unidimensional, estimula as angústias
humanas a limites somente suportáveis, para muitos, pela
criação de realidades paralelas, com apoio químico: o espaço do
lazer nas sociedades conhecidas até recentemente vai sendo
substituído pela droga.
1
Para mais um exemplo, recordemos que o U-2, uma das vértebras da guerra fria,
muda-se num simpático avião de pesquisa científica. Com nova carga c novo nome, o
agora ER-2 voa acima da atmosfera, munido de aparelhos que recolhem dados para a
análise do clima em escala mundial (SUPERINTERESSANTE, 1994).
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
Anotações Acerca do Tempo, Medida da Existência
17
Podemos estabelecer sistemas prospectivos, onde o
traficante de hoje será o comerciante da próxima década. No
contexto do Estado Mundial, quando o parto se completar, não
se discutirá o uso da droga, mas que droga, com que preço, com
que embalagem, se vendida em farmácia ou no supermercado
etc.. Por isto, o capital mundial necessita controlar os mercados
produtores, como controla os mercados consumidores.
Se os Estados nacionais serão apenas províncias, nada
mais lógico do que as suas forças armadas serem utilizadas em
funções consideradas subalternas, até então atribuídas às
polícias. A "nobreza da guerra" fica reservada ao Exército norteamericano e àqueles segmentos nacionais que por ele forem
chamados, sob a égide da ONU. A invasão dos morros do Rio
de Janeiro pelas Forças Armadas brasileiras pode ser parte do
ensaio geral do novo espetáculo.
A distância zero, no tempo unidimensional não é linear,
tem seu paradoxo2. E nesse paradoxo que se constrói a
existência humana. Confrontados ao paradoxo, tantos escrevem
Modernidade, Contemporaneidade, Pós-Modernidade, Nova
Ordem Mundial e temas afins, com aproximações e
distanciamentos tais que somos levados a dizer que o mundo do
conhecimento está dividido, neste particular, entre otimistas e
pessimistas.
Devemos, então, perguntar: é possível que a ação humana
traga um mundo de igualdade na liberdade, como quer uma
vertente (MARX, 1980) ou, de fato, a utopia virou pó, como
afirmam outros (VENTURA, 1993)?.
2
A distância zero não exclui outras distâncias: uma favela da nossa cidade pode
parecer longe, porque não está na Internet; uma cidade européia ou norte-americana
pode parecer perto, porque podemos captá-la no mundo virtual. Estes são os termos
do paradoxo.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
CUNHA, Humberto
18
Anthony Giddens (1991) coloca a questão em termos
próprios. Reconhece que os impasses da modernidade, esse
modo de vida que em dois ou três séculos se tornou mundial,
fazem surgir formas de pensar e de conhecer que rompem os
limites da modernidade, mas ainda não a extinguem. Talvez
nisto Giddens se aproxime do músico Ronaldo Silva, que diz:
"Vi borboleta passeando no futuro/se você quiser, eu juro/que
não vou me acostumar".
Para o sociólogo inglês, não basta inventar novos termos,
como pós-modernidade, temos que olhar novamente para a
natureza da própria modernidade (GIDDENS, 1991). Não
estamos numa pós-modernidade, mas num estágio da tecnologia,
da economia e do modo de vida que podemos denominar de
alta-modernidade.
Em termos astro físicos, a pós- modernidade é uma
supernova depois de um buraco negro, mas, agora é que estamos
nos aproximando desse "túnel de caos" que nos dará o trânsito.
E ele não é mais do que a radicalização e a universalidade do
sistema anterior. Por isto, já podemos vislumbrá-la; por isto,
ainda não a temos.
Giddens recusa o contraste grosseiro entre tradição e
modernidade, mas aponta descontinuidades que precisamos
verificar para não nos perdermos na análise: ritmo de mudança
acelerado; escopo da mudança de espectro globalizante;
natureza das instituições intrinsecamente moderna.
A modernidade apresenta-se com um "caráter de dois
gumes", que produz tensões, entre as quais cabe assinalar
segurança versus perigo e confiança versus risco. A ampliação
da escala de aplicação da tecnologia sem redução significativa
da jornada de trabalho, submetendo parte substancial da
humanidade á disciplina de um labor maçante, repetitivo, e o
uso consolidado do poder político, tendo como corolários os
totalitarismos do século XX, são exemplos a serem meditados.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
Anotações Acerca do Tempo, Medida da Existência
19
A utilização da sociologia como tecnologia de
manipulação social e a ruptura do binômio espaço-tempo, com a
recombinação dos seus fragmentos em novos sistemas que
permitem um verdadeiro mapeamento da população, são
elementos desta situação. O desencaixe dos sistemas sociais,
decorrente da separação do tempo e do espaço, e a constante
reordenação das relações sociais, em virtude da agregação
continuada de novos conhecimentos impactantes sobre as ações
de grupos e indivíduos, são, também, elementos constitutivos do
modo de vida da modernidade.
Giddens não percebe os fenômenos atuais como o possível
nascimento de um Estado mundial. Sua tratativa acerca da
modernidade encadeia o capitalismo mundial, os Estados-nação
enquanto sistema, a ordem militar e a divisão internacional do
trabalho como quatro dimensões concomitantes, interligadas e
interagentes da globalização.
A reflexividade própria da modernidade assume novo
perfil quando vista num deslocamento temporal para o momento
da globalização. A mídia eleva, de forma contingente, o volume
de notícias disponíveis para as pessoas em partes diferentes do
globo: mas, de forma substancial, transita informações
essenciais ao movimento do Capital nos mercados financeiros
mundiais.
Os obstáculos à luta por um projeto humano universal. que
se consubstancie numa sociedade plena de oportunidades para
todos, não autoriza o descrédito da possibilidade de
construirmos o "Mimuendaju" (o caminho que desejamos).
Embora seja descomunal a face do Leviatã, é possível
trabalharmos por uma sociedade civil cidadã que o enfrente. O
mundo é o mundo da incerteza e, se podemos ver o flagelo no
horizonte, também podemos trabalhar com teses que dizem de
um futuro possível para o mundo e da esperança enquanto
apanágio dos humanos na busca da liberdade.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
CUNHA, Humberto
20
Os construtores de uma perspectiva dialética de fazer a
educação não podem apegar-se a ritos nem prostrar-se diante de
muros derrubados. A categoria "socialismo real" não mais
explica, nem justifica, o capitalismo monopolista de Estado com
seus gulags e sua burocracia transformada em burguesia de
Estado.
Seremos educadores se tivermos a capacidade de
contribuir para que a humanidade não se mantenha acorrentada
ao horror propagado pela Aldeia Glogal. A essência dos
acontecimentos e a essência do humano nos dizem da esperança
e da possibilidade de construção de um propósito humano
universal, um futuro possível. As falas do nosso sentir e do
nosso pensar, a libertação das nossas emoções, nos autorizam a
cortar as correias que nos prendem aos fantasmas do passado:
A existência de alternativas igualmente
possíveis, isto é, a contingência de algo que pode
existir, mas que pode também, por igual, não
existir, é condição necessária de possibilidade de
livre escolha e, por isso, da responsabilidade e
do dever ser. (CIRNE LIMA, 1994, p.l 74).
O viver enquanto liberdade coloca-se no horizonte do
possível. O "não-ser" é potência, não possui objetividade. A
consciência do ser, o humano, pode estabelecer a Ponte dos
Tempos, pode e deve projetar o será enquanto a melhor
possibilidade do foi e do é.
A materialização desse fazer em nosso País tem de
considerar a nossa história. O imaginário popular no Brasil é
constituído de costuras que harmonizam contraditoriamente o
desejo e o medo de ser feliz. Torna-se necessária a formulação
de estratégias de contra-hegemonia que visem superar o
conformismo. Autores que disputam posições distintas no
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
Anotações Acerca do Tempo, Medida da Existência
21
cenário nacional afirmam a possibilidade de um trabalho de
contra-hegemonia (NETO, 1986, p. 9-13, GENRO, 1994,
ROCHA, 1989, p.173).
A educação é chamada a colaborar nesse projeto de
contra-hegemonia. A educação que se pretende popular tem de
trabalhar esta esperança no imaginário de educadores e
educandos. Alguns educadores se propõem a dizer não ao
chamado do capital, enquanto outros, por alienação ou astúcia,
consentem. O pensamento conformista penetra os poros da
educação e retoma espaços que pareciam ocupados de modo
permanente pela perspectiva de uma práxis transformadora.
Movido por outra preocupação, o texto de Ronald Rocha
(l989, p.173) propõe que, na disputa da hegemonia social, os
lutadores pelo socialismo, além de outras atividades, se
dediquem a criar uma rede de instituições voltadas
especificamente para a disputa pela hegemonia no plano
ideológico, cultural e ético, destinadas à elaboração e
reprodução das idéias e valores revolucionários. O ponto de
partida de Rocha e Giddens é diferenciado, mas, em ambos,
transparece uma convicção de que os tempos que vivemos estão
se esgotando e que o mundo apresenta possibilidades de nova
forma de existir.
Faz sentido examinar a pergunta: é possível exercer uma
ação cidadã de contra-hegemonia que propicie a disseminação
de novas formas de pensar o pensar e o agir do povo? Buscando
na literatura especializada as raízes de nossa formação enquanto
nação, sabemos que o Brasil é um país constituído tardiamente,
sobre base escravista, enquanto capitalismo; de educação
jesuítica, tomística e conformista, durante a Colônia;
bacharelesco no Império, com forte penetração do Positivismo
nos escalões governamentais e no modo popular de pensar; de
liberalismo tacanho; pouco afeito, portanto, às formas dialéticas
de pensamento.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
CUNHA, Humberto
22
Carbonari (1993) aponta a modernidade como fenômeno
global e lista algumas de suas características: a) o imanentismo
da razão; b) a subjetividade; c) razão e liberdade; d)
progressismo e cientificismo. Abraça a tese Dusseliana de uma
transmodernidade na qual o álter da modernidade européia, o
Terceiro Mundo, se faria sujeito. Noutro momento, Carbonari
(1994) identifica a razão da modernidade como razão cínica,
uma ciência que manipula o real para apresentar-se como
onipotente, não um subsídio à subjetividade, mas ela mesma, a
própria subjetividade. Uma totalidade fechada, para a qual não
há alteridade:
O fundamento da razão cínica é o poder,
seu próprio poder, como autonomia absoluta, que
a tudo domina e cria, conforme seus fins, fins que
não passam de meios, já que a própria razão, o
próprio poder auto-referente da razão é seu
próprio fim e meio, como instrumento de sua
afirmação (CARBONARI, 1994, p4).
Após considerar a opção ética pelo outro, Carbonari
estabelece-a como razão. Razão Ética, capaz de desafiar o poder
cínico da razão cínica, com a condição de que assuma
responsabilidade e reconhecimento para com o outro, que não
mais aparecerá no horizonte como limite do mesmo, mas como
possibilidade de encontro solidário. A Razão Ética é, então, a
razão solidária A iniciativa plural de ações cidadãs, daqueles
cidadãos que querem um novo tempo não capitalista, superando
a modernidade, é impossível. A disputa de hegemonia ganha
sentido.
Mas, vale, por outro lado, levar em consideração a cautela
de Benedito Nunes (1985, p.1l8), que, quando discute as
possibilidades da arte nestes tempos de neotécna, lembra o
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
Anotações Acerca do Tempo, Medida da Existência
23
desaguar do indivíduo moderno no narcisismo, produzindo-se o
culto de uma intimidade que não é tão íntima quando parece, vis
a vis uma exterioridade espetacular, que, por espetáculo, é uma
recusa à intimidade. Entrelaçam-se o espaço privado com o
espaço público, este cada dia mais inacessível às
individualidades e, o primeiro, sempre mais permeado pelas
categorias da existência social. A ação solidária e a construção
do público não podem ser, portanto, o topus da modelagem do
espírito, do uso direcionado do condicionamento tecnológico, a
que o indivíduo está permanentemente exposto, para retirá-lo da
sua condição de sujeito, bloqueando-lhe a ação e o pensamento.
Marilena Chauí, após larga discussão sobre a cultura
popular no Brasil e sua ambigüidade, subserviente e resistente,
entende que é possível ao seu pólo resistente vencer a inércia do
conformismo, desde que possa pautar-se por outra lógica: "Uma
racionalidade que navega contra a corrente cria seu curso, diz
não e recusa que a única história possível seja aquela
concebida pelos dominantes, românticos ou ilustrados"
(CHAUÍ, 1987, p.179).
A coluna vertebral da educação popular é uma criação
coletiva de cultura por um grupo de iguais, o professor não é
mais o portador de um saber possuído por um ao qual todos
deveriam submeter-se (MELO, 1980, p.51). Para os que vivem a
educação, a facilitação de novos enfoques cognitivos àquele
não-cidadão, que não lê nos livros e pouco lê na vida, tão
analfabeto político quanto analfabeto das palavras, é desafio:
quanto mais difícil, mais estimulante.
Educar e educar-se, isto é, transmitir e aprender o acervo
cultural da humanidade e produzir conhecimento novo, implica
o estabelecimento de relações e meios adequados. Nessa
autoconstrução, os humanos vivem tensões em que o existir
enquanto indivíduo dotado de introspecção, enquanto membro
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
CUNHA, Humberto
24
da espécie e enquanto consciência do ser são dimensões do
Viver.
"Ponte dos Tempos", neste contexto, é, então, o foi-é-será
transmutado no elo historicizado da "idéia de tempo trifásico: o
tempo passado, o tempo presente, o tempo futuro" (T ANNÚS,
1986, p.5).
Assim pensada, uma "Pedagogia da Ponte dos Tempos"
só terá sentido de construção da existência se puder responder
ao desafio de manter, no cotidiano humano, a esperança.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.1-30, jan./jun., 1998
Anotações Acerca do Tempo, Medida da Existência
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A UNIVERSIDADE NA
REGIÃO AMAZÔNICA: um
estudo sobre a interiorização da
UFPA*
CAMARGO, Arlete Maria Monte de
A
Pretendíamos inicialmente estudar como se deu o
processo de inserção da universidade no interior de
nossa região, a partir da década 60; entretanto, dada a
necessidade de estabelecer delimitações nesta investigação,
optamos por destacar o caso de uma das instituições envolvidas
nesse processo a - Universidade Federal do Pará.
O corte histórico para este estudo vai de 1986, ano da
aprovação do Projeto de Interiorização dessa instituição, até
1990, quando foi priorizada a oferta de cursos intervalares ou de
recesso.
Entre as motivações que determinaram a escolha desta
temática, uma não menos importante, de natureza pessoal,
reflete inquietações decorrentes de nossa participação no
processo de interiorização da UFPA, tanto na fase inicial,
desenvolvida nos Núcleos de Educação, quanto na
implementação do Projeto de Interiorização da referida
instituição. Além disso, a inexistência de estudos sobre o tema
foi um fator decisivo na opção feita, uma vez que se trata de
uma política educacional formulada a partir de uma instituição
*
Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado em Educação: Políticas
Públicas - Centro de Educação, da Universidade Federal do Pará
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.31-60, jan./jun., 1998
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pública, no caso uma universidade federal, e cuja concepção e
desenvolvimento merecem um estudo sistemático.
Trata-se de um caso singular, no que diz respeito à
definição de política pública, na área educacional. Esse caráter
singular é, ao nosso ver, decorrente do processo pelo qual a
instituição expande o seu raio de atuação com o objetivo de
desenvolver projetos específicos na área do ensino de graduação
e extensão, através da implantação simultânea de oito campi
universitários.
Constitui uma preocupação central desta investigação a
reconstituição de como se deu esse processo de inserção da
universidade no interior da região. Entretanto, ao
reconstituirmos esse processo analisa-se quais elementos são
determinantes na formulação de políticas sociais, bem como que
aspectos fundamentais contribuíram para a orientação a ser
seguida na implementação do projeto.
Não se trata, portanto, de simplesmente contar uma
história, 'mas de identificar os elementos demandantes dessa
política, que aspectos foram determinantes na sua constituição,
uma vez que acreditamos que esse processo é resultante de um
conjunto de fatores de natureza política, econômica, cultural e
social e que mediações devem ter ocorrido nesse processo,
considerando-se que a década de 80 pode ser caracterizada como
de contenção tanto de recursos humanos quanto financeiros para
a educação superior pública.
Para isso, é importante nos referirmos à crise que se
instala no mundo capitalista a partir dos anos setenta, até hoje
ainda não resolvida. Analisando essa questão nas sociedades
capitalistas e suas conseqüências no que diz respeito à
universidade Lima afirma:
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Ao lado das crises de subconsumo, baixa da
taxa de lucro, se agregou uma nova forma de
crise que é a dívida pública. Em conseqüência,
falar em Universidade, neste mundo em crise, é
falar em crise do ensino, em crise do EstadoProvidência, em crise das relações de trabalho,
em crise do padrão de acumulação fundado no
fordismo, etc. (LIMA, [199-], p. 8).
Em substituição ao Estado do Bem-Estar Social, de
inspiração keynesiana, que enfatiza a necessidade de intervenção do Estado, contrapõe-se o neoliberalismo, apregoando o
Estado Mínimo, no qual se acentua a redução dessa intervenção
no conjunto das atividades econômicas, inclusive na questão das
políticas sociais desenvolvidas pelo Estado, e cujo modelo vai
sendo absorvido no panorama mundial.
A idéia de expansão contida no projeto de interiorização é
incompatível com as medidas propostas pelo receituário
neoliberal que atingem as universidades públicas brasileiras
desde a década de 80.
Referências Básicas
Uma primeira referência está vinculada ao papel
desempenhado pela universidade na sociedade, o que enseja a
formulação de algumas questões correlatas: Qual a função da
universidade na sociedade? Como age o Estado na
formulação das políticas sociais nas quais se inserem e que
envolvem as universidades? A quem se dirigem?
Na tentativa de aprofundar essa temática, qual sejam as
relações entre educação e sociedade, ou melhor, entre
universidade e sociedade, recorremos a Gramsci, que entende a
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instituição escola como aparelho de hegemonia do Estado. Para
Gramsci o Estado inclui:
Todo o complexo de atividades práticas e
teóricas com o qual a classe dominante não
somente justifica seu domínio, mas procura
conquistar o consentimento ativo daqueles sobre
os quais exerce sua dominação. (GRAMSCI apud
CARNOY, 1990, p.90).
Dessa forma, o Estado resulta das relações que se dão
entre as diferentes classes existentes em uma dada sociedade,
que implicam em dominação e direção, hegemonia e consenso.
O conceito de hegemonia pode ser melhor compreendido
tendo em vista a difusão dos valores e normas burguesas sobre
as classes subalternas, o que contribui para que uma
determinada concepção de mundo seja aceita pela sociedade.
Essa aceitação acontece através da direção, do convencimento
que a classe dirigente procura imprimir na sustentação das
relações de dominância em uma dada sociedade.
Entretanto, os efeitos da hegemonia não se apresentam
harmonicamente, mas, ao contrário, revelam-se contraditórios e
passíveis de situações conflituosas que levam à crise de
hegemonia.
Dessa forma podemos afirmar como Poulantzas (1985, p.
33), que o papel do Estado não se limita ao exercício da
repressão física organizada. Ao contrário, tem um papel
essencial nas relações de produção e na delimitação-reprodução
das classes sociais, à medida que desempenha um papel
específico na organização das relações ideológicas e da
ideologia dominante.
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Dentro dessa perspectiva, Poulantzas (1985, p. 35) procura
interpretar as ações do Estado, não as restringindo ao que ele
denomina regras negativas do "jogo" econômico; é possível
portanto entendê-las de maneira positiva à medida que esse
mesmo Estado é capaz de criar, transformar, realizar.
Essa possibilidade emerge a partir das relações das massas
com o poder e o Estado, na busca do consenso já referido.
Nesse processo que visa à hegemonia da classe que
representa, o Estado
... age no campo do equilíbrio instável do
compromisso entre as classes dominantes e
dominadas. Assim, o Estado encarrega-se
ininterruptamente de uma série de medidas
materiais positivas para as massas populares,
mesmo quando estas medidas refletem
concessões impostas pela luta das classes
dominadas... (Ibid, p. 36).
Uma outra referência decorrente da primeira diz respeito à
constituição das políticas sociais no estado capitalista. Nesse
sentido, Neves (1994, p. 15), afirma que o ritmo e a direção das
políticas sociais do Estado, em determinada formação social
concreta capitalista na atualidade, estão relacionados tanto com
a consolidação dos níveis de participação popular alcançados, ou
seja, com o alargamento dos mecanismos de controle social das
decisões estatais, quanto também com o nível do
desenvolvimento das forças produtivas e das relações de
produção. Na constituição deste trabalho procuramos ter em
conta a forma pela qual tem se dado a expansão do ensino no
Brasil e, de maneira particular como isso, tem acontecido em
relação ao ensino superior.
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Havemos de ter em conta que a diversidade estrutural da
organização econômica brasileira, à medida que convivem
simultaneamente estágios diferenciados do capitalismo numa
mesma sociedade, contribui como fator de inibição da demanda
de saber científico. Essa demanda se materializa através do
aumento das oportunidades educacionais, em outras palavras, da
expansão do aparato escolar, a qual não se dará
homogeneamente. Para essa autora essa expansão decorre da:
... necessidade de compreensão dos instrumentos
imprescindíveis á utilização de um novo código
cultural, que se traduz concretamente, no
conteúdo das ocupações de novos postos de
trabalho e na participação efetiva em instituições
sócio-políticas emergidas da sociedade de corte
urbano-industrial, transformadas, por sua vez,
em demandas educacionais. (Ibid, p. 28).
Para Madeira (1982, p. 31), a implantação do ensino
superior no interior dos estados brasileiros cumpriria uma dupla
finalidade:
a formação de um grupo de status onde se terá a
elevação dos níveis de consumo, condição para a
expansão do mercado interno [além de selecionar] os melhores recursos humanos da região,
destinados a se integrar nos quadros das grandes
empresas ou no mercado dos símbolos. (Ibid).
Dentro dessa perspectiva, a expansão do ensino superior
no Brasil e, em particular, no interior dos estados era justifica da
pela necessidade de favorecer o desenvolvimento regional.
Assim é que os programas voltados para a expansão do ensino
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superior no Brasil trazem como justificativa a possibilidade de
modificações no plano econômico e social a partir desses, como
se as relações de produção que se dão na sociedade capitalista
pudessem ser excluídas.
Esse discurso ideológico de que a educação é base do
desenvolvimento de um país, de uma região, foi enfatizado
principalmente na década de 70, desvinculando as condições
conjunturais de uma dada sociedade, das relações de produção
que nela prevalecem, como se a educação fosse a condição
básica para a inexistência do subdesenvolvimento.
Procuramos ainda na concepção desta investigação ter
presente que durante o processo, ora em estudo, foram
estabelecidas mediações, tanto na implantação quanto na
implementação do Projeto de Interiorização,
as
quais
acreditamos possam ser aqui evidenciadas.
As ações precursoras - os antecedentes do Projeto de
Interiorização
Na Amazônia, o início do processo de interiorização das
universidades ocorreu diferenciadamente das outras regiões do
país, se considerarmos que a formação de instituições
universitárias na região é um processo recente, que data ainda
deste século.
Mudanças na política de desenvolvimento do país,
promovidas a partir do governo militar que se instalou em 1964,
aconteceram motivadas, sobretudo, pelo novo padrão de
acumulação que se implantava em decorrência do avanço da
produção industrial brasileira, demandando, assim, mercados
consumidores que pudessem ser potencialmente fornecedores de
matéria prima.
Dentro desse contexto, aconteceu a reforma no sistema
educacional implantado no Brasil com inicio no ensino superior.
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Concernente com o modelo desenvolvimentista implantado pelo
regime vigente daquela época tornava-se necessário reestruturar
o sistema educacional brasileiro para atender às novas
exigências demandadas pelo grupo dominante.
Assim é que com a Lei nº 5540/68 teve início uma ampla
reestruturação
no
ensino
brasileiro,
posteriormente
complementada pela Lei nº 5692/71, a qual instituiu o ensino de
1° e 2° Graus. Essa reestruturação repercute no interior das
universidades com uma série de medidas que visam adequar as
instituições à nova ordem vigente.
No que diz respeito à interiorização da universidade no
estado do Pará, no período compreendido entre o final da década
de 60 até o início da década de 80, essa esteve primordialmente
relacionada ao Projeto Rondon, Centro Rural Universitário de
Treinamento e Ação Comunitária - CRUT AC, bem como ao
trabalho desenvolvido através dos Núcleos de Educação,
vinculados ao Centro de Educação da UFP A, com o oferecimento de cursos de licenciatura de curta duração e licenciatura
plena e de formação de professores em nível de 2° Grau.
A preocupação em complementar os estudos
universitários, em conciliar questões teóricas com o aprendizado
prático eram alguns dos objetivos explicitados pelos
idealizadores do Projeto Rondon e o CRUT AC. Entretanto,
esses podem ser compreendidos no conjunto de uma política
destinada a interferir nas universidades. Tais propostas visavam
primordialmente o corpo discente das universidades e a
organização estudantil daquele momento, por se constituir em
foco de resistência ao regime então vigente.
Nesse contexto de alterações no sistema de ensino
brasileiro a partir de 68 foi introduzido o ensino de 1° e 2° graus
de caráter profissionalizante, com implicações significativas que
se traduziram na forma de programas concebidos pelo Governo
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Federal, cujo objetivo era qualificar professores para lecionar as
disciplinas decorrentes da nova legislação.
Essa "necessidade" se refletiu na oferta de cursos para
qualificação de docentes dentro do "espírito" dessa lei, inclusive
para aqueles professores que atuavam no interior dos estados.
Em nosso estado, essa intenção se materializou através do
estabelecimento de convênio entre a Universidade Federal do
Pará e o Departamento de Ensino Fundamental do Ministério da
Educação e Cultura visando "a realização de cursos especiais
para qualificação e habilitação de professores em atuação no
interior do estado." (MOREIRA JÚNIOR, 1985, p. 55).
Teve início, dessa forma, em 1971, uma série de
programas formulados com vistas a qualificar professores e
técnicos, não só na capital, mas também no interior do estado do
Pará. Em um desdobramento desses programas verificamos uma
ampliação dessa iniciativa rumo aos então territórios da região
Amazônica: Amapá, Roraima e Rondônia, coordenados pelo
Centro de Educação da UFPA.
De modo geral, essas diferentes ações até então
empreendidas se caracterizaram na sua origem e concepção pela
predominância de programas formulados de fora para dentro da
região, o que reflete o momento político vivenciado, à medida
que o caráter não democrático das propostas implantadas era
uma constante.
Apesar dessa origem e não obstante a exclusão da
participação democrática na sua formulação, as ações
desenvolvidas contribuíram para lançar as bases de uma ação
mais sistemática da universidade no interior da região, inclusive
para sedimentar os fundamentos para a implantação de
universidades nos estados da região, nos quais os núcleos de
educação foram instalados, bem como dos campi avançados.
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As transformações ocorridas na região e a demanda por
Políticas Sociais
O surgimento de um projeto destinado a interiorizar a
universidade, no caso uma universidade federal no estado do
Pará, enquanto uma política global de uma determinada
instituição está relacionado a uma série de fatores que em
conjunto contribuem para a constituição dessa política; entre
eles, as modificações processadas no cenário regional, que
foram decisivas para a formação de expectativas pela população
com referência a políticas públicas.
Essas transformações têm como suporte as mudanças
processadas no padrão de acumulação da economia brasileira
iniciada a partir da década de 50, com ênfase na produção de
bens de consumo duráveis. Nessa perspectiva, o novo padrão de
acumulação introduzido representou a consolidação da entrada
do capital multinacional no país com repercussões diferenciadas
nas várias regiões.
O processo de expansão do capitalismo na região
Amazônica trouxe conseqüências que repetem o processo
acontecido em outras realidades:
... rompeu e desagregou a estrutura econômica
preexistente provocando a expropriação de
agricultores, desemprego, falência de pequenos e
médios produtores
e
comerciantes e
o
enfraquecimento do poder da fragilizada
burguesia local diante da grande burguesia
nacional e externa... (SOUZA, 1992, p. 22).
As novas frentes de trabalho surgidas resultantes do
modelo econômico então adotado atraem para a região um
contingente populacional para trabalhar nos grandes projetos,
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como Projeto Carajás, Albrás-Alunorte e Tucuruí. Tal
contingente populacional foi reforçado pela descoberta de zonas
de garimpo de ouro, as quais contribuem para intensificar o
processo migratório na região.
O aumento da densidade populacional no estado do Pará
desencadeado pelos processos migratórios decorrentes do
quadro referido provocou mudanças na composição da
população, o que se refletiu na manifestação de demanda por
políticas sociais, entre elas a educação.
O aumento das oportunidades no mercado de trabalho
contribuiu para fomentar na população local a busca pela
ampliação da escolaridade, tendo em vista uma possível
ascensão social. Por conta disso, resultou no crescimento da
pressão para a efetivação de políticas sociais e educacionais em
nível de 1°, 2° ou 3° Grau.
Além do quadro já descrito, outro fator igualmente
importante contribuiu para um redirecionamento nas políticas
sociais no Brasil. Com o fim do "milagre econômico" teve início
um lento e gradual processo de distensão política, que culminou,
no início da década de 80, com a eleição direta de governadores
para os diversos estados brasileiros.
O processo de distensão política repercute nos demais
setores da vida brasileira, entre eles, as universidades, onde os
diversos setores fazem pressão por uma maior participação na
escolha de seus dirigentes. Tal movimentação na academia
resultou, no Pará, na adoção de uma consulta, no ano de 1984,
para a composição da lista sêxtupla que deveria ser levada ao
ministro da Educação, para a escolha do futuro reitor da
Universidade Federal do Pará. Esse processo motivou a
elaboração, pelos candidatos, de diferentes propostas de
trabalho.
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Nas propostas do candidato José Seixas Lourenço estava
incluída uma referente à interiorização da UFPA, a qual previa a
absorção dos campi avançados no estado do Pará, vinculados ao
Ministério do Interior, - através da Fundação Projeto Rondon – e
às universidades das regiões Sul e Sudeste do país.
Começou, em nível institucional, com a indicação do
referido candidato a reitor da UFPA, a elaboração de um projeto
destinado a interiorizar a universidade, um processo que
envolveu diferentes centros e departamentos da UFPA, além de
incluir ações na área do ensino e da extensão.
Uma vez elaborado e já tendo havido articulações locais,
principalmente com os prefeitos municipais, é que o projeto foi
apresentado oficialmente ao Ministério da Educação, quando da
realização de uma das reuniões do Conselho de Reitores das
Universidades Brasileiras, em Belém.
Ressalta-se o papel desempenhado pelas prefeituras
municipais, sobretudo em políticas públicas diretamente
relacionadas ao Ministério da Educação, uma vez que
usualmente esse ministério esteve vinculado ao PFL - Partido da
Frente Liberal. Esse partido utilizava como prática as
articulações políticas para distribuição de verbas diretamente via
municípios, evitando, dessa forma, a interferência dos governos
estaduais nessas negociações, sobretudo porque os governos
estaduais de oposição dificultavam essas negociações.
Feitas essas considerações, identificaremos agora alguns
núcleos temáticos basilares à concepção e implementação do
Projeto de Interiorização. Esses temas foram detectados quando
da análise dos documentos relativos à política de interiorização
ou emergiram das entrevistas realizadas, com o objetivo de
reconstruir o processo estudado.
Dado o universo cultural dos entrevistados, estes não
foram informantes escolhidos aleatoriamente. Houve uma
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A Universidade na Região Amazônica
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escolha intencional na seleção das pessoas entrevistadas, visto
que deveriam ter uma familiaridade com a problemática
investigada, ou seja, que pudessem ser representativas no que
diz respeito à: vivência com a experiência investigada e
acompanhamento de pelo menos uma das fases do projeto. Além
disso, que fossem representativas das categorias que elas
representavam,
egressos,
professores,
membros
da
administração superior.
A definição dos cursos e dos campi
Quais teriam sido os critérios que norte aram a elaboração
do projeto de interiorização? Essa pergunta está presente em
muitos dos depoimentos que obtivemos.
Apesar de no momento da apreciação do projeto no
conselho. superior da UFPA não ter havido manifestações
contrárias, verificamos uma grande insatisfação na forma pela
qual o projeto foi concebido, havendo uma resistência inicial na
comunidade universitária, principalmente dos docentes da
instituição.
O que percebemos pelas entrevistas é que houve uma
preocupação em envolver a comunidade onde os campi seriam
implantados, sem uma correspondência na mesma intensidade,
no interior da própria instituição. Era importante naquele
momento obter o apoio dos municípios envolvidos, sobretudo
porque a partir da contribuição deles em termos de infrainstrutora o projeto seria implantado.
Essa reivindicação sobre uma maior discussão,
principalmente com a comunidade acadêmica, para definir a
política de interiorização da UFPA permanece até hoje. Não tem
havido por parte da instituição uma preocupação em discutir o
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projeto na sua totalidade, limitando-se muitas vezes à análise de
solicitações de oferecimento de cursos isolados.
Quanto aos critérios adotados para a definição dos cursos
de graduação oferecidos e o porquê ofertar cursos de
licenciatura e não de bacharelado, foi decisiva a necessidade de
qualificar os professores para o ensino de 1º e 2º graus em todo
o estado do Pará.
É bom que se ressalte, no entanto, que a necessidade de
qualificação no interior não se restringe apenas à formação de
professores.
A amplitude do projeto, realizado simultaneamente em
oito campi, acabou por nivelar municípios de características bem
diferenciadas em termos populacionais e econômicos. Isso se
reflete na demanda de profissionais para atuar nas escolas de 1º
e 2º graus, em municípios com características heterogêneas.
A questão regional
A ênfase na questão regional foi um dos eixos norteadores
do Projeto de Interiorização. A análise do conteúdo do
documento norteador do Projeto de Interiorização reflete essa
preocupação em diferentes momentos.
No conjunto do documento há uma referência explícita à
necessidade de a instituição
resgatar os valores da cultura e do saber
regional, retirando de suas atividades de
extensão os subsídios para a formulação de
projetos de pesquisa e para a elaboração de
currículos e programas de ensino adaptados às
necessidades regionais. (UFPA, 1986).
Para entender essa problemática, julgamos importante
estabelecer a seguinte consideração: O momento da
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A Universidade na Região Amazônica
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interiorização ora estudado foi implementado prioritariamente
por professores que não residiam no próprio município ou na
região onde o projeto ocorreu.
Essa aproximação com a cultura local dependia muito da
iniciativa do próprio professor, além da sensibilidade que ele
poderia demonstrar em relação a uma cultura da terra, ou seja,
de cada um dos campi. Entretanto, devido ao curto tempo de
permanência dos professores em cada município, geralmente em
torno de três semanas, que equivale a uma disciplina com uma
carga horária de 60 horas, essa possibilidade se torna mais
remota, dificultando um maior entrosamento com a realidade de
cada município.
Bosi (1992, p. 22), analisando a relação entre as palavras
cultura, culto e colonização, estabelece relação entre essas
mostrando-nos que possuem uma mesma derivação do verbo
latino colo, que significa eu moro, eu ocupo a terra. A idéia
central contida nessas três palavras evidencia uma necessidade
de permanência, de pertinência em relação a uma determinada
localidade.
Dessa forma, para que essa- intenção de valorização da
cultura local possa realizar-se é necessário, em nosso
entendimento, um maior enraizamento por parte de quem é
responsável pelas atividades seja de ensino, seja de extensão, o
que não é possível se considerarmos o curto tempo de
permanência dos professores em cada campus.
Como viabilizar o projeto?
Para que possamos entender a política de interiorização da
UFPA, há necessidade de um melhor esclarecimento sobre como
têm acontecido às políticas do MEC para as universidades nas
últimas décadas.
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A revisão do papel do Estado e da constituição das
políticas sociais decorrentes da política neoliberal repercute na
vida das universidades públicas brasileiras, ocasionando a
desorganização de suas atividades fim, quais sejam: ensino,
pesquisa e extensão.
Essa reorientação nas ações do Estado não combina com a
expansão do ensino superior, à medida que são restringidos os
recursos humanos e financeiros para a sustentação das
universidades. O Projeto de Interiorização da UFPA, pelo seu
caráter expansionista, é implantado contraditoriamente às novas
diretrizes do papel do Estado, em estratégias utilizadas pela
instituição para suprir a carência de recursos necessários a uma
política dessa natureza, a partir da contribuição de outros setores
que foram fundamentais na implementação do projeto, tais
como: as prefeituras cujos municípios estavam envolvidos na
área de atuação do projeto; empresas como a Vale do Rio Doce,
ALBRÁS; além de clubes de serviço e do Governo Estadual.
Em certo sentido, esse estado de coisas consegue ser
vantajoso para o Estado, se considerarmos que apesar da política
de contenção de recursos para as universidades públicas, é
possível implementar políticas públicas sem que haja grandes
alterações de dotação orçamentária para as instituições.
A formação de professores e o ensino de 1º e 2° graus
Em pesquisa realizada no ano de 1987 (ano em que teve
início o Projeto de Interiorização), com o objetivo de realizar um
diagnóstico educacional em nosso estado, em relação a uma das
nove micro regiões estudadas, a Bragantina1, uma das regiões
mais próximas de Belém, constatou-se a existência de um corpo
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O estudo sobre essa microrregião incluía treze municípios, entre eles, Bragança e
Castanhal, onde foram implantados dois campi da UFPA.
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docente em nível de 10 grau constituído de 3.017 professores,
sendo que 61,05% na zona urbana e 38,95% na zona
rural.Desses, no que diz respeito a sua habilitação,
um pouco mais da metade (52,14%) desses
professores em exercício no ensino público de 1°
grau são leigos, seguindo-se daqueles com
formação em magistério de 2° grau (39,48%).
Ressalta-se a pouca expressividade (7,19%) do
total de docentes com formação pedagógica de 3°
grau. (Diagnóstico do setor de educação no
estado do Pará Microrregião Bragantina - 1987,
p. 73).
Apesar da experiência de curso de licenciatura plena ou
mesmo de curta duração para o exercício do magistério de 5ª à
8ª séries, podemos inferir que dado o percentual extremamente
irrisório de qualificação em nível de 3º grau - 7,19%, a grande
maioria dos professores não tinha, portanto, qualificação mínima
necessária para atuar nesse nível de ensino. E isso numa região
relativamente próxima de Belém, o que em tese facilitaria a
possibilidade de qualificação desses professores.
Tal situação não se apresentava diferenciadamente nos
demais municípios do interior do estado, sendo dessa forma
premente a constituição de um programa visando a superar as
distorções presenciadas em todo o estado. Acreditamos que se a
UFPA não tivesse tomado e levado a frente essa iniciativa,
provavelmente esse processo aconteceria através da então
Fundação Educacional do Pará, hoje, Universidade Estadual do
Pará, que atualmente desenvolve cursos de licenciatura plena no
interior do Estado.
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O alunado
Na implementação do projeto, uma das primeiras
dificuldades encontradas dizia respeito à realização do primeiro
vestibular dentro do Projeto de Interiorização. Essa dificuldade
estava relacionada com o fato de que os cursos de 2° grau, então
ofertados no interior, eram de qualidade discutível em face à
inexistência de um corpo docente com uma formação adequada
para tal. Essa situação repercutiria, conseqüentemente, no nível
dos candidatos aptos a realizar o vestibular.
Começa então a ser materializada uma iniciativa
desenvolvida pelos Centros da UFPA com o objetivo de
preparar os candidatos do interior para o vestibular. Dessa
forma, foram articulados, nos diversos centros da instituição,
cursos preparatórios para o vestibular, que, não obstante essa
preocupação, não conseguem suprir as deficiências na formação
dos candidatos, o que se reflete na ocupação das vagas.
Em cursos como Matemática, por exemplo, o número de
alunos em cada turma era sempre bem inferior ao número de
vagas ofertadas. No primeiro vestibular realizado, esse mesmo
curso no município de Altamira não se efetivou devido o não
preenchimento do número mínimo de vagas para funcionamento
do curso.
A inexistência de professores qualificados no interior
influenciava o perfil dos cursos de 2° grau então existentes, a
maioria era de Magistério, com alguma variação, ou dentro da
área das ciências humanas, ou de cursos agro técnicos. Essa
situação se refletia tanto no conhecimento prévio exigido para o
concurso vestibular quanto para as disciplinas iniciais oferecidas
pelos cursos de graduação. Assim é que nas primeiras etapas do
projeto, verificaram-se elevados índices de reprovação. Não
obstante o interesse dos alunos na obtenção de resultados
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A Universidade na Região Amazônica
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satisfatórios, estes não conseguiam corresponder às
expectativas.
Um outro aspecto que caracterizou as turmas iniciais do
Projeto foi o fato de que um grande número de alunos já possuía
experiência docente, diferentemente dos cursos na capital. Essa
experiência prévia dos alunos que iniciaram o Projeto de
Interiorização se refletiu na maneira pela qual esses estudantes
se organizavam, aliada ao fato de que esse momento de
implantação, como todo processo inicial, foi marcado por uma
série de incertezas quanto à própria operacionalização do
projeto.
O processo de ensino
Para melhor entendermos a natureza do processo de ensino
que acompanhou a oferta dos cursos de graduação da UFPA no
interior do estado, tomemos como referência as categorias de
análise qualidade e quantidade.
As categorias qualidade e quantidade são aspectos que não
se separam na apreensão do real e não obstante não se
confundem, não se misturam. Segundo Lefebvre, a quantidade
consiste na "mediação através da qual se ataca a qualidade a
fim de modificá-la." (LEFEBVRE, 1991, p. 212).
A expansão do ensino superior no interior do Estado do
Pará não pode ser analisada sem que seja levada em conta a
qualidade dos cursos oferecidos e, em conseqüência, o prestígio
profissional dos egressos formados pela universidade.
Emerge das falas dos entrevistados uma questão que se
refere à natureza dos cursos ofertados no interior. Diz respeito à
desconfiança sobre o nível desses cursos e o reconhecimento do
diploma pela sociedade.
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... a grande preocupação era o nosso diploma.
Vai ter alguma coisa dizendo que nós estudamos
no interior, e isso os estudantes diziam assim:
"puxa, a sociedade abaetetubense, a sociedade
aqui do Baixo Tocantins acha que a universidade
aqui do interior não é uma universidade
realmente de qualidade, então o aluno formado
aqui no interior vai ser um aluno menos
preparado do que um aluno que vai ser formado
em Belém, então se nós tivermos alguma coisa
aqui no nosso diploma que diga que nós
estudamos no interior, esse diploma socialmente
vai valer menos". Então essa era uma preocupação e a outra era justamente a legalização, um
receio muito grande e um receio com razão,
porque os cursos iniciados não eram cursos
legalizados ... nós íamos terminar o curso e o
MEC não dava a autorização certo? ... (EG-02)2
A peculiaridade do período letivo dos cursos intervalares,
o caráter intensivo, ensejaram inúmeros questionamentos sobre
a qualidade dos cursos ofertados. Essa situação não favorecia o
amadurecimento para a sedimentação dos conteúdos de cada
disciplina.
Segundo os entrevistados, uma das características que
concorre para esse quadro provém das dificuldades encontradas
pelo professor em adequar o seu planejamento, tendo em vista a
realização do curso em período intensivo, ou seja, uma
metodologia de trabalho, que, dependendo do caso, resvala na
questão da qualidade do curso oferecido.
2
EG - Egresso de cursos de Licenciatura Plena do Projeto de Interiorização da UFPA.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.31-60, jan./jun., 1998
A Universidade na Região Amazônica
51
Uma das problemáticas que emergiu a partir da
implementação do projeto foi a situação criada quando da
reprovação dos alunos em determinada disciplina. Para um
melhor entendimento das proporções que essa questão tomou, há
que levarmos em consideração o fato de que como só havia em
cada curso uma turma funcionando nos campi, inexistia a
possibilidade, como acontece nos cursos regulares, de o aluno
cursar novamente a mesma disciplina, ou no semestre posterior
ou no ano posterior. Criou-se, assim, a figura da recuperação,
que não havia na capital, mas chegou a ser implantada no
interior, gerando críticas das mais diferentes naturezas. O
processo avaliativo oscilava entre o paternalismo e o
autoritarismo:
Há casos, sem sombra de dúvidas, mas
esses casos foram detectados no final do curso,
de uma relação de autoridade, já que o professor
acabava descobrindo que não há reoferta, que no
interior, sobretudo no início, o aluno que perdia
uma matéria que era pré-requisito, ele pura e
simplesmente perdia a condição de acompanhar
a turma... Então, a partir disso, foi detectado aí
os dois extremos: um pouco de parternalismo de
um lado, para fazer com que o aluno não
perdesse a matéria, e, por outro lado, um pouco
de autoridade dos professores, no caso, já
sabendo que poderiam jogar a matéria, exigir
determinados trabalhos sem a contra partida e o
aluno teria que se matar para dar conta daquele
recado. Então essa foi a relação da solidariedade
ao paternalismo e ao autoritarismo. (EG-05).
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.31-60, jan./jun., 1998
CAMARGO, Arlete Maria Monte de
52
Por último, destacamos uma característica que emerge
constantemente da fala, dos entrevistados e que ocorre da
própria forma pela qual os cursos são operacionalizados. Devido
ao caráter intensivo dos cursos, há uma aproximação muito
grande entre professores e alunos. Nesse tipo de curso, o que se
observa é um constante contato entre alunos e professor, durante
a semana. E esse contato não se restringe muitas vezes somente
à sala de aula. Diferentemente dos cursos regulares, onde o
contato entre professor e aluno se dá, via de regra algumas vezes
durante a semana.
Universidade e comunidade
Dentro da perspectiva de aproximação da universidade
com a realidade local, gostaríamos de destacar os trabalhos
desenvolvidos pelos alunos em fase final do curso - o Trabalho
de Conclusão de Curso -, obrigatório no currículo dos cursos de
graduação em vigência na UFPA, além da realização da Prática
de Ensino, disciplina obrigatória para os licenciados de qualquer
área ou curso.
O Trabalho de Conclusão de Curso, desenvolvido em
forma de monografia, ensejou a possibilidade de construção de
um processo de investigação a partir de algum aspecto da
realidade local. Dessa forma, foram desenvolvidos inúmeros
TCC sobre os municípios, com diferentes enfoques, em cada um
dos cursos de graduação oferecidos. Esses estudos, dentro dos
seus limites, possibilitaram o conhecimento de aspectos ainda
desconhecidos sobre o interior do nosso estado.
Sobre o desenvolvimento da Prática de Ensino,
desenvolvida sob a forma de Estágio Supervisionado, apesar da
dificuldade de aceitação por parte dos alunos que já eram
professores, que não aceitavam a possibilidade de realizar uma
prática já desenvolvida, constitui-se também em um dos
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.31-60, jan./jun., 1998
A Universidade na Região Amazônica
53
momentos de aproximação entre a universidade e a comunidade.
Representa para os alunos uma possibilidade de retorno à
comunidade do esforço e disponibilidade de cada um, um certo
prestar contas à população do interior, graças à forma como tem
sido desenvolvida:
O estágio foi muito bem orientado, o
professor, independentemente se ele tinha até
vinte anos de magistério, ele tinha de fazer esse
estágio; e a proposta aqui foi muito interessante.
Foi a montagem de mini ursos para serem
ofertados à comunidade e muitos minicursos, do
qual eu montei para trabalhar com professores,
porque a vantagem é fazer esse retorno à
sociedade. Você monta um curso voltado para a
educação, no caso o curso de Letras,... montamos
minicursos para trabalharmos com professores
(de 1º a 4ª séries), uma vez que esses professores
que mal tinham o 2° grau ... então o estágio ele
se deu basicamente com minicursos e voltados
para essa clientela e o aproveitamento foi muito
significativo. (EG-05).
A presença da universidade no interior contribui para a
difusão de uma cultura diferenciada em relação a valores e
crenças típicos das cidades interioranas. Essa introdução de
novos padrões culturais constitui-se num dos principais conflitos
na relação entre universidade e comunidade, como se pode
detectar nas considerações feitas por um dos egressos.
... inicialmente a universidade começou a
funcionar, não por acaso, mas é um dos colégios
que oferece maior estrutura, é um colégio da
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.31-60, jan./jun., 1998
CAMARGO, Arlete Maria Monte de
54
Diocese, São Francisco Xavier, e qual a razão de
não ter continuado lá até que houvesse a
construção do campus, foi justamente por esta
questão religiosa. Os valores, os líderes religiosos
e os próprios alunos que têm essa vinculação
religiosa, eles começaram a questionar o fato da
universidade querer empurrar o materialismo,
querer empurrar outros valores que não são os
valores religiosos que se tem em Abaetetuba... Um
exemplo: quando um professor projetou o filme "O
Nome da Rosa", foi um escândalo, saiu até uma
reportagem contra a universidade no jornal do
Bispo. Estava tentando corromper a consciência
dos alunos, estava tentando desviar a própria
religiosidade, então essa questão desse conflito
entre os novos valores, as novas idéias, porque a
universidade é um espaço político aberto, que lá
dentro você encontra de tudo e o interior não está
acostumado a isso... (EG-02).
Esse conflito de valores, costumes e práticas reflete-se
igualmente na prática profissional dos egressos, que passam a
ser vistos diferenciadamente por seus próprios colegas, à medida
que procuram difundir uma visão de mundo diferenciada em
relação ao modo de vida do interior.
... aquele é da universidade, lá vem ele com as
idéias novas, que não tem nada a ver com a nossa
realidade. Muitas vezes essas idéias não tinham
nada a ver com a realidade, outras vezes
necessitava de ousadia, de coragem para
implementar essas novas idéias, mas esses choques
foram realmente visíveis e ainda são. (EG-02).
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.31-60, jan./jun., 1998
A Universidade na Região Amazônica
55
Por outro lado, a presença da universidade no interior
implica a formação de grupo de profissionais com uma maior
articulação no plano político e profissional; porque enseja a
reunião de estudantes que já tinham algum tipo de organização
política anterior ao ingresso na universidade ou porque o espaço
acadêmico favorece esse tipo de articulação.
Universidade e relações de poder
Esta temática abrange as relações que se estabelecem na
universidade ou a partir desta, a partir da política de
interiorização desenvolvida pela instituição e que irá repercutir
fora desta.
A vinculação entre a política de interiorização e a
realização das eleições para os cargos majoritários na UFPA
começa a se evidenciar com vistas às eleições realizadas para
reitoria da instituição em 1988. A importância que a adesão do
eleitorado passa a ter pode ser melhor dimensionada tendo em
vista o número de prováveis eleitores em cada campus. Era
fundamental a aceitação por esse eleitorado das candidaturas
que estavam então formuladas.
A desmotivação dos prováveis eleitores era de alguma
forma compensada pela mobilização que desenvolviam os
coordenadores dos campi nesse processo, à medida que tinham
maior possibilidade de acesso aos estudantes até pela sua
presença constante nos campi. Dessa forma, passaram a se
constituir os principais cabos eleitorais no interior, e a
possibilidade de um candidato se fazer conhecer e,
conseqüentemente, ter divulgada a sua plataforma eleitoral
estava intimamente relacionada com a preferência eleitoral do
coordenador de cada campus.
A polêmica em torno da figura do coordenador do campus
aparece com muita freqüência nas entrevistas realizadas. Um
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.31-60, jan./jun., 1998
CAMARGO, Arlete Maria Monte de
56
dos aspectos que podem ter contribuído para a forma pela qual
acontecem as relações entre o coordenador e a comunidade de
cada campus prende-se ao fato de que não existiam (e até hoje
continua esse estado de coisas) estruturas políticas dentro de
cada campus, que permitissem um certo controle em relação à
atuação desses coordenadores. Dessa forma, há uma
centralização política na figura do coordenador, imprimindo um
caráter muito personalístico a esse cargo. Tal situação favorece
atitudes e decisões nem sempre democráticas.
Essa inexistência de organismos coletivos de decisão em
nível dos campi mantém-se até hoje, refletindo a própria
indefinição das estruturas já existentes no interior da própria
instituição, postas em cheque, na espera de uma estatuíste
universitária que não chega e que evidencia uma necessidade de
fazer uma profunda revisão na instituição.
Uma segunda questão que emerge da fala dos
entrevistados diz respeito à vinculação entre política interna da
universidade e a política partidária que se reflete na atuação dos
prefeitos dos municípios nessa esfera. Essa articulação tem se
mostrado bastante estreita, de forma que já registramos
exemplos de coordenadores de campi que se elegem como
prefeito das cidades onde o campus está situado.
Para melhor entendimento de como essa articulação se dá,
é preciso relembrarmos o contexto em que acontece o Projeto de
Interiorização, o qual se articula simultaneamente nos
municípios onde se localizam os campi universitários e,
indiretamente, nos demais municípios que fazem parte do raio
de influência de cada campus.
É preciso distinguir em que medida essas relações político
partidárias podem interferir na definição de prioridades da
política de interiorização. Havemos de ter em conta o momento
inicial em que ocorre a implantação do Projeto de Interiorização,
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.31-60, jan./jun., 1998
A Universidade na Região Amazônica
57
e, em certo sentido, a relativa autonomia da universidade em
determinar essas prioridades. Até porque, a composição das
instâncias superiores decisórias é heterogênea, dificultando,
nesse sentido, o aparecer de relações clientelísticas, à medida
que são menos suscetíveis a esse tipo de relacionamento.
Considerações Finais
Gostaríamos de retomar as formulações de Poulantzas no
que diz respeito ao papel do Estado. O caráter de classe do
Estado capitalista está presente nos diferentes momentos pelo
qual sentimos a presença desse mesmo Estado em nossas vidas.
No entanto, essa relação não se dá numa via de mão única, à
medida que as camadas dominadas da população pressionam as
diferentes instâncias estatais, pela adoção de medidas que visem
a solucionar suas dificuldades, suas carências.
É dentro dessa perspectiva que entendemos o Projeto de
Interiorização, principalmente no que tange à qualificação dos
professores para o ensino de 1º e 2º graus. À medida que o
Projeto se desenvolve, vai paulatinamente conseguindo reverter
o quadro negativo observado no interior do estado do Pará, não
obstante evidências que apontam para uma revisão nos rumos
tomados pela política de interiorização, que poderia ser iniciada
a partir dos resultados que anualmente vem sendo evidenciados
através do Concurso Vestibular, promovido pela instituição,
que, em última análise, refletem também a qualificação que se
dá via universidade.
A definição dessa política de interiorização tem se dado,
via de regra, a partir das rearrumações que se dão no interior da
instituição, com vistas a garantir a sobrevivência dessa política,
no estado do Pará. Não conseguimos perceber, portanto, uma
disposição firme por parte do MEC em respaldar uma iniciativa
dessa natureza e abrangência, uma vez que não são oferecidas
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.31-60, jan./jun., 1998
CAMARGO, Arlete Maria Monte de
58
condições infra-estruturais para que ocorra a implantação do
projeto. Na sua viabilização, a todo momento, são apontados
aspectos críticos que com toda certeza contribuem para o nível
da qualificação recebida.
A inexistência de um quadro fixo de pessoal nos diferentes
campi tem sido a tônica. Seja do pessoal de apoio, cedido pelas
prefeituras locais ou pelo Governo do estado, seja de professores
que não se vinculam efetivamente a cada campus, antes,
acrescem às atividades que já desenvolvem na sede outro tanto,
à medida que isto constitui uma possibilidade efetiva de
ampliação de seus salários, mais do que nunca defasados.
Não obstante ser uma política que se forja, sobretudo a
partir de uma iniciativa local, cujo alcance social é inegável,
acaba se articulando contraditoriamente à política educacional
em nível nacional. Dito de outra forma, a Universidade Federal
do Pará, através de sua política de interiorização reforça o
chamado neoliberalismo, uma vez que o processo de expansão
do ensino superior em nosso estado se dá sem que
substancialmente tenham sido aportados recursos financeiros
compatíveis com um projeto tão ambicioso como esse, e sem
que haja abertura de vagas com vistas a garantir os recursos
humanos necessários ao desenvolvimento do projeto.
Reforçando as premissas neoliberais de que as políticas sociais
podem ser ampliadas sem que seja necessário recursos
adicionais.
Endossa-se nesse sentido o discurso que constantemente
tem sido veiculado junto à população, de que as universidades se
caracterizam de um modo geral por receberem recursos além do
que necessitam. Reafirma-se, dessa forma, a tônica difundida
principalmente através da mídia, de que há pessoal sobrando,
uma vez que mesmo sem alteração nos seus quadros, a
universidade se expande.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.31-60, jan./jun., 1998
A Universidade na Região Amazônica
59
Por outro lado, confirma-se outra máxima de que não há
uma relação necessária entre o ensino de 3° grau, a pesquisa e a
extensão, face a não inserção do quadro de professores nos
diferentes municípios para os quais se deslocam. É possível;
portanto, dissociarmos essas funções dentro da universidade,
privilegiando dentro de cada circunstância os escalões de 3°
grau, em outro caso os centros de excelência capazes de aliar o
ensino competente à pesquisa, seja ela básica ou aplicada.
À medida que esse modelo for implantado, qual será a
opção que caberá às universidades como a nossa, distanciada
que está dos mecanismos decisórios nacionalmente? Pelo que a
experiência mostra, não é muito difícil projetar qual será o
resultado dessa intenção para a região Norte do país, que recebe
recursos insuficientes para a consolidação de uma universidade
que contemple as atividades fim: ensino, pesquisa e extensão. A
partir das evidências detectadas, é provável que as universidades
públicas da região Norte permaneçam em um contexto em que
se privilegie apenas a expansão do ensino de graduação, em
detrimento da pesquisa e extensão, contribuindo dessa forma
para acentuar ainda mais a diferenciação entre universidades
como as da região Norte e de outras localizadas nas regiões Sul
e Sudeste.
É dentro dessa perspectiva, que rearticulamos as
evidências detectadas e para as quais gostaríamos de chamar a
atenção, sobretudo para os próximos passos a serem trilhados
pela instituição no interior do estado. Há uma responsabilidade
maior, a qual não podemos fugir, trata-se de estabelecer relações
entre as ações desenvolvidas nesse contexto e as orientações
mais amplas que interferem diretamente na vida da universidade
pública brasileira.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.31-60, jan./jun., 1998
CAMARGO, Arlete Maria Monte de
60
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LEFEBVRE, Henry. Lógica Formal, Lógica Dialética. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
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Universidade. Belém, [199-]. (Mimeo.).
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SOUZA, Denise Gentil Ponte. Intervenção Estatal no município:
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POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder e o socialismo. Rio
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Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.31-60, jan./jun., 1998
MAGIA E CIÊNCIA: Conflito de
Saberes e Razão Iluminista na
Caça às Bruxa
AGUIAR, Heliana Maria Cunha
N
este momento de mudanças, em que o paradigma
mecanicista já não satisfaz mais ao ser humano em
sua busca por respostas aos problemas de nossa época, vemos
imagens de um passado que nos parece remoto surgirem no
presente. Indiscutivelmente há um interesse cada vez maior em
relação à magia. As bruxas que, aparentemente, foram banidas
pelas fogueiras da Inquisição e pela Razão Iluminista,
aproximadamente entre os séculos XVI e XVII, voltam ao
século XX; ao mesmo tempo, aumentam as lutas pelo resgate do
feminino, do corpo e da natureza.
Seria simplista pensar que a caça às bruxas tenha se
resumido apenas a uma questão de misoginia ou de dominação e
domesticação de mulheres, como, à primeira vista, pode nos
parecer. Tratou-se, sim, de uma forte contraposição entre
natureza e cultura, havendo um rompimento entre o que
passamos a considerar por natureza e o que designamos por
humano. Outra agravante é a limitação do conhecimento, pois
apenas um tipo de saber passou a ser reconhecido como
legítimo, o da Ciência Moderna.
Adentrar nesse conflito de saberes, que levou à repressão
da "magia" e à hegemonia da ciência, não representa tanto uma
volta ao passado, mas uma tentativa de ver o passado como
presente. Trata-se de um passado que irrompe no presente. A
partir daí, uma questão se apresenta: a relevância dessas
imagens para se repensar o resgate de outras formas de
conhecimento e de linguagens esquecidos pela educação.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.61-72, jan./jun., 1998
AGUIAR, Heliana Maria Cunha
62
Diante dos muitos problemas que causam preocupação na
área da Educação escolar, duas questões merecem destaque: o
conhecimento fragmentado em disciplinas estanques, que
dificultam o entendimento do conceito Transdisciplinaridade
e, a concepção dual de ser humano que está presente nas
escolas, onde há a valorização da mente em relação ao corpo.
Como, exemplo vemos, as disciplinas Educação Física e
Educação Artística desvalorizadas, consideradas como
disciplinas auxiliares das demais, ocupando um lugar de
inferioridade nas grades curriculares. Os saberes sensíveis,
ligados aos sentimentos, às artes e à corporeidade, não possuem
espaços nas escolas, que privilegiam o saber objetivo. O ser
humano encontra-se, então, limitado pela própria educação,
impossibilitado de desenvolver todas as potencialidades de que é
capaz.
A contradição está presente no discurso da educação – ao
mesmo tempo em que se diz libertadora, o discurso da educação
se faz controlador. A escola objetiva, na verdade, integrar o ser
humano à sociedade, ensinando o autocontrole. Cada um será
responsável pela manutenção da ordem vigente. Através das
disciplinas escolares, os indivíduos deverão incorporar os
códigos aceitos socialmente.
Mas, tanto o discurso propagado pela educação quanto os
problemas que atingem a escola de um modo geral não são
inerentes a ela. Na verdade, sendo a escola uma construção
cultural, os problemas que nela ocorrem representam apenas a
ponta do iceberg, reflexo de uma longa tradição de di coto mias
e hierarquias nas sociedades ocidentais.
Após o conflito de saberes entre religião, magia e ciência,
aproximadamente nos séculos XVI e XVII, a Ciência Moderna
alcança sua hegemonia. Doravante não dominará apenas o
campo do conhecimento, mas influenciará todos os aspectos
éticos e morais das sociedades ocidentais, impondo sua comcep-
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.61-72, jan./jun., 1998
Magia e Ciência: conflito de saberes
63
ção mecanicista de ser humano e de mundo. Mas, para manter
esse controle nesta nova sociedade, onde os indivíduos não se
encontram sob a tutela da Igreja e dos senhores feudais, as
pessoas precisam governar a si mesmas. É, portanto, na escola
que depositam todas as esperanças de realização dessa tarefa.
Os discursos da Ciência Moderna mostram-se, nas
entrelinhas, tão reguladores quanto os dogmas religiosos do
catolicismo; os mecanismos de controle da ciência aparecem
mais refinados e sutis por não conterem uma violência explícita,
a exemplo da Inquisição. Ao mesmo tempo, não existe mais um
poder central controlador, a exemplo da Igreja Católica. Tudo
está distribuído difusamente na sociedade, circulando em
discursos que são introjetados nas consciências de cada
indivíduo. E esses mecanismos de controle atuam
permanentemente no âmbito da escola moderna, em todos os
níveis, como nos fala Veiga - Neto:
No caso das disciplinas, são as
determinações e delimitações dadas pela
disposição disciplinar dos saberes que constroem
os
critérios
de
verdade/falsidade
e
normalidade/anormalidade a que se submetem os
enunciados. Além disso, a organização
institucional do conhecimento opera em todos os
processos (titulação, etiquetagem, avaliação,
credenciais, convites) e em todas as instâncias
(universidades,
institutos
de
pesquisa,
associações científicas, congressos), no sentido
de rarefazer e hierarquizar os locutores com
direito a enunciar o discurso e dele usufruir.
(1995, p. 26).
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.61-72, jan./jun., 1998
AGUIAR, Heliana Maria Cunha
64
Muito se fala sobre a crise dos paradigmas científicos que
enfrentamos atualmente, e que também atinge a escola por se
fundamentar nas metanarrativas criadas pelo Iluminismo, mas,
sem uma análise do que representa a Ciência Moderna e a Razão
Iluminista para a nossa sociedade e do modo como um saber se
impõe sobre os demais, intitulando-se como o único capaz de
construir uma concepção de mundo e uma única forma de
interpretar a realidade. Sem entendermos este passado que se faz
e se reflete no presente, não podemos pensar em mudanças.
Portanto, este trabalho busca, fora das escolas um maior
entendimento para os problemas enfrentados pela educação.
Esta pesquisa é predominantemente teórica, do tipo
bibliográfica. Seu tema foi desenvolvido em três formas de
linguagem: linguagem científica, linguagem poética e
linguagem visual; pois, se existem várias formas pelas quais o
ser humano pode expressar-se, a linguagem científica não deve
ser a única forma válida utilizada para interpretar a realidade;
todas as formas devem ser valorizadas igualmente.
O assunto está dividido em três partes:
A parte I, Os discursos sobre a magia, destina-se a fazer
uma revisão bibliográfica sobre o tema proposto. A partir desse
ponto, analisa-se os discursos que foram construídos sobre a
magia, desde os autores clássicos como Frazer; Malinowski;
Durkheim; Lévi- Strauss, que basearam seus estudos em "povos
primitivos", até os contemporâneos, como Ginzburg e Thomas,
entre outros, que direcionaram seu enfoque para a realidade
européia. A partir da construção de seus discursos, tenta-se
detectar as tendências que influenciaram suas reflexões sobre o
presente tema. Confrontando a magia com a religião ou com a
ciência, verifica-se como esses autores vêem o fenômeno
mágico.
O objetivo desta parte do trabalho é o de desmistificar
algumas posições adotadas em relação à magia. Preconceitos
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.61-72, jan./jun., 1998
Magia e Ciência: conflito de saberes
65
que foram formados e que até os dias de hoje encontram-se
presentes não apenas nos meios acadêmicos e religiosos, mas na
sociedade de um modo geral: a luta do bem (a religião) contra o
mal (a magia); a imoralidade das práticas mágicas e sua
utilização para provocar malefícios; a inferioridade do saber
mágico frente ao saber científico.
Demonstra-se que estes preconceitos contra a magia foram
criados para reprimir sua prática, tentativas para desvalorizar um
saber proveniente da cultura popular e de outras culturas
diferentes da cultura ocidental. Por diferir dos dogmas religiosos
e das concepções científicas, a magia passou a representar o mal
para a religião e um emaranhado de superstições provenientes de
pensamentos subdesenvolvidos para a ciência moderna.
É importante notar que na maioria dos estudos
pesquisados para a realização deste trabalho encontram-se
comparações entre a magia e a religião, entre a magia e a
ciência, ao mesmo tempo em que, se nota a ausência de
comparações entre a religião e a ciência. Talvez porque a ciência
classificatória como tal, tenha ela mesmo se classificado como à
parte da religião, para assim conseguir sua hegemonia. O mundo
interpretado pela ciência é um mundo dessacralizado.
Um dos aspectos positivos da ciência é que ela se afastou
dos dogmas religiosos e tabus impostos pela igreja para
desenvolver-se; mas, em contrapartida, ao utilizar apenas o
saber proveniente da razão, a ciência delimitou,
conseqüentemente, seu campo de atuação; desdenhou o saber
dos sentidos. (os aspectos intuitivos fortemente presentes na
magia) por causa de sua característica de ser imensurável.
A ciência e a tecnologia avançaram
triunfantes, construindo um mundo em que Deus
não era necessário como hipótese de trabalho.
Na verdade uma das marcas do saber científico
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.61-72, jan./jun., 1998
AGUIAR, Heliana Maria Cunha
66
é o seu rigoroso ateísmo metodológico: um
biólogo não evoca maus espíritos para explicar
epidemias; nem um economista os poderes do
inferno para dar conta da inflação; da mesma
forma que a astronomia moderna, distante de
Kepler, não busca ouvir harmonias musicais
divinas nas regularidades matemáticas dos
astros. (AL VES, 1996, p. 6).
O mesmo não ocorreu com a magia, que por manter tanto
seu aspecto religioso - o de recorrer às forças da natureza quanto seu aspecto de conter conhecimentos voltados para a
resoluções dos problemas cotidianos, pode ser comparada ao
mesmo tempo com a religião e com a ciência.
Este trabalho, fundamentando-se em Gizsburg e Bakhtin,
ressalta a importância deste saber, que convencionalmente
chamamos de magia, e da cultura popular. Chegando à
conclusão de que, apesar da predominância da cultura erudita,
representada tanto pela religião católica quanto pela ciência
moderna, as relações entre estas duas culturas não se
caracterizam pelo domínio da cultura erudita sobre a cultura
popular. Há uma influência recíproca, uma circularidade entre
estas duas culturas autônomas. a magia nunca deixou de existir
na cultura ocidental, mesmo diante das tentativas de reprimi-la.
Tanto é que, após trezentos anos, quando a hegemonia da
ciência moderna começa a ruir, há um retomo gradativo das
práticas mágicas. Os seres humanos a redescobrem como
caminhos alternativos para a resolução de seus problemas.
Na Parte II, O fenômeno mágico no Ocidente, após a
análise da literatura específica sobre este tema, demonstra-se
que a Inquisição não se resumiu a uma questão de misoginia.
Apesar de o ódio às mulheres ter estado fortemente presente,
culminando com a criação do estereótipo da bruxa, estas
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.61-72, jan./jun., 1998
Magia e Ciência: conflito de saberes
67
perseguições significaram o início de um processo de
domesticação às mulheres e de dominação da natureza, através
da ciência moderna. Para impor sua verdade, a Igreja Católica
usou de violência na tortura dos corpos. Por temer a natureza
desconhecida, portanto diabólica, a religião perseguiu as
mulheres, que eram consideradas suas representantes.
A medicina popular, que, no discurso da Inquisição,
transformou-se em bruxaria, não era domínio apenas das
mulheres, havia homens no mesmo oficio. Mas, culturalmente
petrificaram as identidades mulher/magia, homem/religião ou
homem/ciência. E nesta contraposição tudo que era relativo às
mulheres foi considerado demoníaco. Para os clérigos, a relação
mulher/diabo era evidente; por ser a mulher mais carnal e de
"intelecto fraco", estava mais propensa ao pecado. O poder da
cura só deveria existir em Deus, a doença era um castigo divino
pelos pecados cometidos; portanto, se o poder de cura do
curandeiro não advinha Dele, era um poder demoníaco,
"sobrenatural".
Uma magia "sobrenatural" torna-se mito; na verdade o
curandeiro recorre à própria natureza, ao conhecimento das
ervas, tanto para a cura quanto para envenenamento. O saber
mágico, por ser desconhecido por parte do clero, tornou-se
sobrenatural. Todas as formas de magia, dicotomizadas em
negra e branca, foram perseguidas e associadas ao mal, mesmo
que delas fosse gerado algum beneficio.
A Inquisição foi uma repressão aos corpos e às suas
manifestações. Tudo que vem do corpo representa pecado. Os
corpos dos acusados eram castigados através das torturas; aos
corpos dos padres, eram reservados a abstinência sexual, os
auto-flagelos e os jejuns, como forma de purificação. Para o
cristão, o sexo só deveria ter como função a procriação. Em
contraposição à imagem da bruxa lasciva, a mãe-virgem. A
própria imagem da mulher na sociedade ocidental foi
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.61-72, jan./jun., 1998
AGUIAR, Heliana Maria Cunha
68
dicotomizada e idealizada. O papel da mulher se transformou:
saindo do domínio público (a bruxa) encerra-se no lar para ser
mãe e esposa cativa. Eis um estereótipo que se reforça e se firma
através da ciência moderna e de sua razão androcêntrica.
Com o corpo domesticado, dominado pelo homem, a
mulher é considerada sem intelecto. As poucas mulheres
cientistas, que no início do séc. XX atravessaram as barreiras
ergui das pelos homens, eram consideradas anômalas. Até os
dias de hoje a beleza feminina, tão valorizada pela sociedade
ocidental, encontra-se separada da inteligência; não podendo
coexistir ambas em uma mesma pessoa. Associa-se o feio, o
grotesco à mulher que se sobressai no domínio público: o
estereótipo da bruxa e o da cientista servem como exemplo.
A Parte III, Conflito de saberes e razão iluminista, tem
como relevância demonstrar que não houve, ao final do século
XVI e início do século XVII, apenas um conflito entre a Igreja
católica, as supostas bruxas e o saber mágico, na verdade, nesse
período começa um conflito no âmbito do saber oficial da época.
A ciência, que até então encontrava-se subjugada pelos dogmas
religiosos, volta-se contra estes para a construção de um saber
que lhe é próprio. Mas deve-se ressaltar que a ciência ainda
manteve, nessa época, dois pontos em comum com a religião: o
desprezo pelo saber mágico e a crença em Deus, como criador
das coisas.
Alguns acontecimentos podem ser apontados como
responsáveis pela separação entre a religião e a ciência, como
podemos ver a seguir:
1°) A valorização da técnica desenvolvida pelos artesãos e
sua aproximação com a teoria dos cientistas da época. As
universidades desenvolviam um tipo de saber que desprezava o
trabalho manual e ignoravam a nova ciência experimental. Os
avanços científicos só se tomaram possíveis fora das
universidades. Primeiramente nos ateliês dos artesãos; e, mais
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.61-72, jan./jun., 1998
Magia e Ciência: conflito de saberes
69
tarde, através da formação de sociedades tais como a Royal
Society of Sciences of London, na Inglaterra (1662); e a
Académie Royale des Sciences, em Paris (1666).
2°) A polêmica entre os escolásticos (seguidores de
Aristóteles) com aqueles que consideramos precursores da
ciência moderna. Houve um momento de ruptura entre duas
cosmovisões, a religiosa e a científica; esta última, antes uma
aliada no combate à bruxaria, tornou-se vítima da Inquisição.
Temos um exemplo marcante: o processo contra Galileu, que
culminou com sua condenação, pela Inquisição, em 1633. Este
pensador tentava provar a hipótese do sistema heliocêntrico de
Nicolau Copérnico, que contradizia a concepção geocêntrica de
Ptolomeu, aceita pela igreja, que a reafirmava dizendo que
deveria ser a Terra o centro do universo, pois era nela que
habitava a figura central da criação de Deus, o ser humano.
O que para a Igreja era um ato de heresia, teria em outros
meios uma outra significação: o início da revolução científica.
Tratava-se não apenas de uma mudança radical na concepção de
mundo e o fim de uma cosmologia escolástica, mas, também, o
nascimento de uma nova antropologia: o ser humano deixa de
ser o centro do universo, passa a ser um fragmento do
mecanismo da natureza, mas, ao mesmo tempo em que o corpo
humano passa a ser objeto, visto que é considerado natureza, o
espírito humano vislumbra, através da ciência, sua libertação das
forças universais e da autoridade da Igreja.
Esta parte do trabalho divide-se da seguinte forma:
1°) Análise do conflito entre a cultura humanista
(aristotélica) do séc. XVI e os precursores da ciência moderna.
A separação da ciência dos fundamentos filosóficos e religiosos.
2°) A apresentação de algumas considerações sobre o
pensamento de Galileu, Bacon, Descartes e Newtqn. As
contribuições desses filósofos para a formação do paradigma
mecanicista.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.61-72, jan./jun., 1998
AGUIAR, Heliana Maria Cunha
70
3°) A análise do processo de desencantamento da natureza
que acompanhou a formação do paradigma mecanicista e a
análise das características deste paradigma: a) a crença na
universalidade do conhecimento e a busca por uma linguagem
que fosse capaz de traduzir este saber científico (a linguagem
matemática); b) a predominância do olhar sobre os demais
sentidos para se atingir o conhecimento (conhecer é observar);
c) a predominância dos procedimentos classificatórios (conhecer
é nomear); d) o caráter androcêntrico da razão iluminista (saber
é poder).
Considerações finais
Com a ciência moderna, a dominação da mulher, realizada
pela igreja, estende-se à natureza. A razão atingiu seu objetivo:
dominar a natureza através do conhecimento de seus fenômenos,
além de dominar todas as categorias que eram consideradas
femininas, como os sentimentos e as paixões. De realidade viva
e inquietante, a natureza se transformou na metáfora da
máquina. A Mãe- natureza com toda a sua força criadora passou
a ser desvendada pela razão androcêntrica, pois, no princípio de
tudo, na origem mesma de todas as coisas, reina a presença de
um Criador - Ele, também, um ente masculino.
Após a domesticação das mulheres e do domínio da
natureza, a razão androcêntrica estende sua dominação voltando
se contra os próprios homens. Ao transformar seu corpo em
objeto, o homem toma-se também manipulável. A razão que luta
contra as ambivalências, cai em contradição: ao mesmo tempo
que se diz libertadora, aprisiona.
Fundamentando-se nesta concepção, a ciência moderna
atingiu sua hegemonia, impôs-se sobre as outras formas de saber
que se utilizavam de uma razão mais sensível, como as práticas
mágicas e as artes. Reprimiu não apenas as mulheres, mas os
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.61-72, jan./jun., 1998
Magia e Ciência: conflito de saberes
71
sentimentos, a sensualidade. Através das classificações e
identidades petrificadas excluiu as ambigüidades. Tudo que é
diferente ou impossível de ser conhecido pelo método científico
tem negado a sua existência. E este modo de produção do
conhecimento influencia diretamente, até os dias de hoje, a sua
transmissão, papel este que coube à escola desempenhar.
A educação que, no discurso iluminista, deveria libertar os
homens através de uma maior conscientização, leva-os a uma
limitação de suas capacidades por privilegiar uma razão
arrancada de sua material idade. Sem transcender a ordem
vigente, através da escola, cada um é responsável pela sua
manutenção. Segundo Veiga - Neto:
A consciência não tem mais função de ser a
abertura pela qual iluminamos o mundo; "ela
apenas serve para que nele nos guiemos
(reconhecimento de sinais), dentro dos limites
que ignora, funcionando sempre dentro do
evidente". Isso já aponta para a impossibilidade
de nos libertarmos por um processo educacional
que se pretenderia conscientizador. (1995, p. 25).
Este trabalho buscou na história da repressão dos corpos,
do feminino e dos saberes sensíveis uma maior compreensão
para os problemas da fragmentação do conhecimento e do ser
humano, que se encontram presentes no cotidiano escolar. A
partir dele, outras questões surgem: Estamos vivenciando
atualmente uma época de transição paradigmática. O paradigma
da ciência moderna começa a ser questionado mais intensamente
em seus fundamentos. As promessas do Iluminismo, de que
através da razão conseguiríamos a igualdade e a liberdade
social, não foram concretizadas. Imagens de um passado
retomam ao presente - bruxas, magos, curandeiros são
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.61-72, jan./jun., 1998
AGUIAR, Heliana Maria Cunha
72
descobertos pela mídia. Os seres humanos partem em busca da
desconstrução de seus papéis sociais e sexuais para além das
identidades e dicotomias. O que nos leva a perguntar: Qual a
relação entre a crise do paradigma mecanicista e da razão
iluminista, que fundamentaram a ciência, com o surgimento de
novos
conceitos
(complexidade,
teoria
do
caos,
transdisciplinaridade, etc.) que resgatam a pluralidade do real? E
diante desta nova realidade, quais as possíveis consequências
para os processos de produção e de transmissão dos saberes, no
âmbito das instituições de ensino?
Referências Bibliográficas
ALVES, R.. O que é religião. São Paulo: Ars Poetica, 1996.
VEIGA-NETO, A.. Michel Foulcault e Educação: Há algo novo
sob o sol? In: VEIGA-NETO, A. (org.). Crítica pósestruturalista e educação. Porto Alegre: Ed. Sulina, 1995.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.61-72, jan./jun., 1998
Relação entre o texto "Schopenhauer
Como Educador", de Friedrich Nietzsche,
e "Sobre Filosofia Universitária", de
Arthur Schopenhauer
BENJAMIM, Paulo
N
ietzsche, em sua vida e filosofia, foi bastante
influenciado por Arthur Schopenhauer. Encontrou
Schopenhauer, não em pessoa; porém por meio de um livro: O
mundo como Vontade e Representação, pelo qual se interessou e
o comprou. Com a leitura do livro, percebeu seu profundo
conteúdo e começou a estimar Schopenhauer.
Em Schopenhauer Como Educador confessa acerca desse
filósofo:
Na verdade, o fato de tal homem ter escrito
aumentou o prazer de viver nesta Terra. De
minha parte, ao menos, desde que conheci esta
alma, a mais livre, a mais vigorosa, ela me fez
dizer dele o que ele próprio dissera de Plutarco:
"mal lancei os olhos sobre ele, ganhei uma perna
ou mesmo uma asa". É ao lado dele que eu me
colocaria, se o dever me impusesse escolher uma
pátria na Terra (NIETZSCHE apud DIAS, 1991,
p. 73).
Nietzsche reconhece Schopenhauer como seu mestre,
como educador, e sua influência foi demasiado importante.
Certamente, existem muitos outros meios de
um indivíduo encontrar-se a si mesmo, escapar
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
74
ao atordoamento no qual se move habitualmente
como se estivesse no interior de uma nuvem
escura e de ser ele mesmo, mas não conheço
outro melhor que o de se lembrar de seus mestres
e de seus educadores (Ibid p. 75).
Mesmo depois de ter tido um rompimento com
Schopenhauer, não nega ter sofrido sua influência em seus
primeiros escritos. Isso se verifica no prefácio à 2ª edição (1886)
do Nascimento da Tragédia no Espírito da Música: "Mas há
algo muito pior no livro, que agora lamento ainda mais do que
ter obscurecido e estragado com fórmulas Schopenhauerianas
alguns pressentimentos dionisíacos...". (NIETZSCHE, 1992, p.
21). Mesmo sendo negativas as influências, reconhece ter sido
influenciado.
Schopenhauer, por meio da influência exercida na filosofia
Nietzscheana, acabou inteferindo numa nova cultura alemã, no
que tange a uma educação diferente da exercida.
Nietzsche, a partir do final de 1873 a 1879, começou a
escrever 4 textos polêmicos, intitulados Considerações
Extemporâneas. O terceiro texto de 1874, acerca da educação
exercida em sua época, refere-se à figura de Schopenhauer como
modelo para aquele que quer educar-se.
Este texto refere-se a essa Terceira Consideração
Extemporânea, intitulada Schopenhauer Como Educador, e
expõe seu conteúdo, no que diz respeito à educação.
Quando Nietzsche escreveu esta Extemporânea, estava,
segundo Rosa Maria Dias, influenciado por um escrito de Arthur
Schopenhauer denominado Sobre Filosofia Universitária. Em
síntese, o texto diz que não há filósofos verdadeiros nas
universidades, mas professores de Filosofia, cujo seu principal
intere-se é o sustento próprio, por meio do ensino dessa
disciplina.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
75
Evidenciar as influências que Nietzsche sofreu desta obra
e relatá-las é precisamente o que faremos em nossa exposição.
Descoberta e Oposição ao Gênio.
Schopenhauer cresceu sobre duas grandes influências: o
isolamento e a vontade de verdade.
O isolamento podemos entender por sua vida. Viveu muito
só, foi rejeitado pelos seus contemporâneos, principalmente no
mundo acadêmico. Suas opiniões não eram ouvidas e aceitas.
Isso podemos perceber claramente quando no texto Sobre
Filosofia Universitária relata sua rejeição:
Mas o mais engraçado da história é que
essas pessoas se dizem filósofos e, enquanto tais
me julgam com ares de superioridade, fazendo-se
de importantes para comigo, não se dignando
nem mesmo a me olhar de cima durante anos e
não
me
tendo
em
nenhum
preço
(SCHOPENHAUER, 199 I, p.37).
Contudo, o isolamento sofrido por ele não foi isolamento
que destrói, porém onde conseguiu perceber seu verdadeiro
espírito, verdadeiro eu.
O outro perigo narrado por Nietzsche é o desespero da
verdade. Isto é muito presente na conteporaneidade de
Nietzsche, que vive em uma sociedade onde o ensino técnico e a
sede de conhecimento é muito presente, uma sociedade de
agitação, de pressa, onde a pessoa por sede de uma profissão não
pára para pensar em si e no seu meio, na cultura. É o ideal
científico trazido pelo positivismo do século XIX, período em
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
76
que Nietzsche viveu: "a ciência é o saber que destrói as ilusões
salutares à sobrevivência dos homens". (DIAS, 1991, p. 83).
Esse ideal científico de verdade serve para impedir que o
eu verdadeiro apareça, que a personalidade se afirme.
Pode-se encontrar no cientista uma vontade
de encontrar "determinadas verdades”, mas isso
"por servidão para com certas pessoas, para com
as castas, para com as opiniões, para com as
igrejas e para com os governos reinantes porque
ele sente que presta serviço a si próprio,
colocando a verdade de seu lado.(Ibid, p. 84).
Esse alvoroço todo, impedindo o homem de se encontrar
com ele mesmo, acaba por favorecer determinadas instâncias da
sociedade, principalmente o Estado.
O olhar o mundo como um todo
Uma das grandezas que Nietzsche apresenta como sendo
encontrada em Schopenhauer é o fato de ele "ter-se colocado em
face da imagem da vida como um todo, para interpretá-la como
todo" (NIETZSCHE, 1983, p. 72). Mas isso Schopenhauer
exaltava como qualidade do filósofo: "Disso se segue também
que eles têm pelo menos uma opinião decisiva, bem
compreendida e coerente com o todo, sobre cada problema da
vida e do mundo... "(SCHOPENHAUER, 1991, p. 59).
O que significa se colocar perante a vida como um todo?
Penso que seja olhar a vida de uma maneira geral, encará-la em
todos os seus momentos; olhar para a dor, para o sofrimento, e
aprender com eles, como também aprender com suas
experiências, e a partir dos conhecimentos adquiridos dar
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
77
origem a seu próprio conhecimento, a sua própria filosofia, sem
se tornar escravo desses conhecimentos, mas utilizá-los como
instrumentos para alcançar o todo; e então voltar para dentro de
si mesmo e fazer uma revisão de sua história, de seu próprio
estar no mundo e principalmente olhar o que é seu, o que foi
adquirido da sociedade e descobrir-se como ser criador. "Seu
'conhecer' é criar, seu criar é uma legislação, sua vontade de
verdade é - vontade de potência." (NIETZSCHE, 1983, p. 285).
Nietzsche afirma que as cabeças mais perspicazes de seu
tempo não podiam se libertar "do erro de pensar que se chega
mais perto dessa interpretação [da pintura da vida] quando se
investigam meticulosamente as cores com as quais, e a matéria
sobre a qual essa imagem está pintada" (Ibid, p. 72). Essa é a
tendência tomada pela ciência, que vê somente a parte,
esquecendo-se do todo. É uma atitude detalhista que se prende
maximamente a uma ou a algumas das partes, esquecendo do
todo. É uma atitude desenfreada de conhecer, "instinto que
revira a vida e a vasculha em seus mínimos detalhes" (DIAS,
1991, p. 102).
Luta contra o tempo
Nietzsche vê também em Schopenhauer a expressão de
alguém que ultrapassa o tempo em que existiu, por isso é
obrigado a travar um combate com seu tempo, isso em busca de
sua auto-afirmação. Por Schopenhauer existir naquela época,
diz-se que era filho daquela, ou seja, nele estavam presentes os
ideais e valores que prevaleciam no período histórico em que
viveu. Assumindo como verdade a proposição: "aquele que
existe em um tempo é filho deste", o lutar contra o seu tempo é
lutar contra si, ou seja, contra os valores estabelecidos. Porém,
Schopenhauer sabia que lutava não contra si mesmo, mas, contra
"aquilo que o impedia de ser grande" (NIETZSCHE, 1983, p.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
78
73). Portanto, Schopenhauer tinha bem claro que os valores de
seu tempo não eram os seus, por isso, lutar contra o tempo, para
ele, não era lutar contra si, mas contra tudo aquilo que o impedia
de ser ele mesmo.
As coisas de sua época estavam nele, mas não eram ele.
Libertando-se do que o impedia de ser grande, ou seja, seu
tempo, as idéias vigentes, que o impediam de ser ele mesmo,
poderia encontrar-se. É necessário romper com o modelo de
idéias apresentadas, com a filosofia de vida presente, para poder
chegar a ser um "espírito livre", autônomo. ''Assim lutou
Schopenhauer, já desde sua primeira juventude, contra aquela
mãe falsa, vaidosa e indigna, o tempo, e como que a expulsando
de si purificou e curou seu ser e reencontrou-se em sua devida
saúde e pureza." (NIETZSCHE, 1983, p. 73).
Ora, se Schopenhauer lutou contra seu tempo, é natural
que quando apresente sua época essa possua uma imagem
negativa.
Por isso os escritos de Schopenhauer
podem ser usados como espelho do tempo; e com
certeza não é por um defeito do espelho se nele
tudo o que é contemporâneo se torna visível
como uma doença deformante, como magreza e
palidez, como olheiras e caras abatidas, como as
marcas visíveis do sofrimento daquela infância
de enteado. (NIETZSCHE, 1983, p. 73).
As metáforas usadas por Nietzsche são fortes, destacam de
uma maneira negativa o tempo, a contemporaneidade de
Schopenhauer.
O próprio Schopenhauer destaca isso com relação ao
ensino da Filosofia praticado pelos professores universitários.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
79
Só que aqui eles causam danos reais, antes de
mais nada pelo fato de se manterem todos em
união natural contra o bem e aplicarem todas as
suas forças para não deixar que ele surja, a fim
de obter prestígio para o mal. Não nos
enganemos quanto a isso, pois existe, em todos os
tempos, por todo o globo terrestre e em todas as
situações, uma conspiração tramada pela própria
natureza das cabeças medíocres, ruins e tolas
contra o espírito e o entendimento.
(SCHOPENHAUER, 1991, p. 64).
Como essa sociedade não favorece a vida, enquanto
descoberta de si, não favorece também o surgimento do Gênio, o
espírito criador presente na pessoa. Convém fazer um
esclarecimento acerca do que seria o gênio para Nietzsche.
O gênio
O gênio, para Nietzsche, segundo Rosa Maria Dias (1991),
possuiria a atividade contemplativa da imaginação, a atividade
do espírito, a abundância e a irregularidade das emoções, como
seus elementos constitutivos. São elementos que não dependem
da cultura para nascerem, mas que dependem dela para
desenvolverem-se.
Nietzsche, em Humano Demasiado Humano, em um
pequeno aforismo, fala que caso deixemos de lado nossa
vaidade, o gênio aparecerá como a capacidade que temos para
fazer as coisas, de criarmos, por exemplo: a atividade do
inventor mecânico, do erudito em astronomia ou história, do
mestre da tática.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
80
Mas, sem levar em conta essas insinuações de
nossa vaidade, a atividade do gênio não aparece
de modo algum como algo fundamentalmente
diferente da atividade do inventor mecânico, do
erudito em Astronomia ou História, do mestre da
tática (...). Todas essas atividades se explicam
quando se têm em mente homens cujo pensar é
ativo em uma direção, que utilizam tudo como
material, que sempre consideram sua vida
interior e de outros com empenho, que por toda
parte vêem modelos, estímulos, que nunca se
cansam de combinar seus meios (1983, p. 104).
O que seria então, o gênio em síntese? - o pensar ativo que
usa dos meios que tem para a produção de alguma coisa. É
comum a todos e não é algo miraculoso.
O rompimento com seu tempo, com o sistema alienante
existente, após encontrar o gênio em si, leva o homem a se
perguntar a respeito da vida. O que ela é? Qual seu papel diante
dela? Depois de ter rompido com as idéias dominantes, pode
chegar a uma resposta mais coerente, pois já pensa, de certa
maneira, autonomamente. É por isso que Nietzsche afirma:
.. há algo ainda mais alto e mais puro nesta
Terra para encontrar e para alcançar do que
uma tal vida contemporânea, e que é
amargamente injusto com a existência todo
aquele que só a conhece e avalia segundo essa
feia figura (NIETZSCHE, 1983, p. 73).
É o gênio que nesse momento é chamado a responder e a
afirmar a vida.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
81
Poder do Estado e Filosofia
Pensemos agora em uma filosofia que acredita que um
único acontecimento pode solucionar o problema da existência.
Será que tal filosofia existe, e se existe é realmente Filosofia?
Caso exista, Nietzsche diria que é uma filosofia de brinquedo,
ou melhor, uma pseudofilosofia.
Não se pode pensar uma filosofia que seja tão ingênua a
ponto de acreditar que um fato temporal, determinado, seja
solução ao problema fundamental da existência. Essa filosofia
furta-se a sua atividade crítica e, ao mesmo tempo, serve de
instrumento àquela pessoa que se propõe realizar tal ação. De
certa maneira, esse tipo de filosofia legitima o poder do Estado.
Schopenhauer criticava essa postura filosófica. Para ele, a
filosofia de sua época favorecia o Estado.
Uma filosofia. presa à religião do Estado,
como o cão de guarda preso ao muro, é apenas
uma irritante caricatura do mais elevado e nobre
esforço da humanidade. Entretanto, é decerto um
dos artigos mais vendáveis dos filósofos
universitários aquela filosofia da religião, acima
descrita como centauro, que não difere
propriamente de uma espécie de gnose ou de um
filosofar sob certos pressupostos em voga, que de
modo
nenhum
podem
ser
provados.
(SCHOPENHAUER, 1991, p. 39).
Como fruto dessa pseudofilosofia que legitima o Estado,
Nietzsche afirma que surge a idéia "de que o Estado é o alvo
supremo da humanidade e de que não há para um homem
nenhum dever superior ao de servir o Estado" (NIETZSCHE,
1983, p. 74). Parece que nesse ponto de vista é influenciado por
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
82
Schopenhauer, que fala da filosofia dos filósofos seus
contemporâneos estabelecendo a religião do Estado, dando a
este a soberania.
Conseqüentemente, enquanto a Igreja
existir, só poderá ser ensinada nas universidades
uma filosofia que, composta" em total
consideração para com a religião do Estado, no
essencial, caminhe paralelamente a ela, e que
portanto embora rebuscada, singularmente
engalanada e, assim, difícil de entender de fato
nada seja, no fundo e no primordial, que uma
paráfrase e uma apologia da religião do Estado.
Assim, aos que ensinam sob tais limitações, nada
mais resta do que ir em busca de novas
expressões e formas sob as quais representam o
conteúdo travestido em termos abstratos e, por
isso, insípido, da religião do Estado, que a partir
de então se chama filosofia. (SCHOPENHAUER,
1991, p. 35).
Mesmo com toda a importância dada ao Estado, Nietzsche
diz haver alguma coisa mais importante que este, que deseja
acabar com toda forma de estupidez, portanto também com essa
forma exacerbada de estupidez.
Aquele com quem Nietzsche se ocupa
Nietzsche não vai se ocupar com essas formas de
estupidez, mas com homens cujos objetivos estão além das
finalidades do Estado - os Filósofos, homens de espíritos livres
bem diferentes do professor universitário, que tem preocupação
apenas com seu salário, com sua subsistência, contentando-:se
com seu emprego dado pelo seu soberano. Esta preocupação
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
83
com o filósofo verdadeiro, sua permanência e real importância,
Schopenhauer também a tinha.
Os verdadeiros pensadores trabalharam
para e por causa do conhecimento porque
desejavam de alguma forma tornar compreensível
o mundo em que se encontravam, mas não o faziam
com o intuito de ensinar e tagarelar. Por isso, em
consequência de uma meditação incessante, neles
vai surgindo, lenta e gradualmente, uma visão
fundamental sólida e coerente, que sempre tem por
base a compreensão intuitiva do mundo.
(SCHOPENHAUER, 1991, p. 35).
Para Schopenhauer, o filósofo não deve se contentar com
adoutrina do Estado. Ele não deve ser um servo. Seu télos
(τελοσ) está na verdade, deve buscar o que é verdadeiro, esse é
o compromisso do filósofo. Contudo, os professores de Filosofia
não tinham esse compromisso, seu compromisso verdadeiro era
com o seu "mestre" ou senhor. É como se houvesse um pacto
entre o Governo e seus funcionários professores de filosofia, só
é verdadeiro o que concorda com a convenção estabelecida pelo
Estado,
Pois não estaria redigida ad normam
conventionis, logo não há modo de poderem tornála objeto de sua conferência de cátedra, para
também dela viver. De fato, não ocorre a um
professor de Filosofia verificar se um novo sistema
estreante é verdadeiro, mas apenas se ele pode
harmonizar-se com as doutrinas da religião do
Estado, com as intenções do governo e com as
opiniões dominantes da época. (Ibid, p. 46).
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
84
O professor universitário de Filosofia, de certa maneira, se
identifica com o Estado, e Nietzsche retoma esta idéia ao falar
dos ''professores de filosofia contentes com seu estado..."
(NIETZSCHE, 1983, p. 74).
Cultura pensada pelo filósofo e o professor de Filosofia
Como pensariam a cultura, o filósofo e o professor de
Filosofia? Nietzsche diz que o filósofo é comparado a um
médico, ele percebe o mal provocado à cultura pela sua época,
pensa na extirpação desta quando pensa na pressa em geral e na
crescente velocidade da queda, na suspensão de toda atividade
contemplativa e simplicidade. O filósofo percebe o estado de
decadência presente. Já o professor não consegue perceber, ou
se percebe, mantém-se apático, e por isso, ele, como homem
culto, erudito, assume o papel de inimigo da cultura, pois "negar
com mentiras a doença geral é um empecilho para os
médicos/o1" (Ibid). O filósofo de cátedra é um conformado com
o sistema educacional moderno que tem como modelo de
formação o erudito, comerciante ou funcionário indolente e
obediente aos valores em curso.
Contudo, o homem que consegue perceber os defeitos da
estrutura educacional em que vive, para sair dela precisa romper
com ela. É aquele que ouviu o gênio presente em si. Ele precisa
se libertar de sua sociedade, que lhe tira a atitude contemplativa,
que faz o homem agitado não olhar para ele mesmo. É uma
sociedade que domestica o homem, faz dele um ser dócil,
passivo, conformado, que vive para cumprir uma função
estabelecida.
Sendo assim, esse domesticado não vai se preocupar com
questões fundamentais. Tanto que quando se pergunta a um
1
Entendidos como filósofos.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
85
homem desses: "para que vives?" [rapidamente estufa o peito
com orgulho e responde] ''para me tornar um bom cidadão, ou
erudito, ou comerciante" (Ibid, p.75). A resposta dele é o
modelo proposto pela vigente educação fornecida pelo Estado.
O homem que pensa desse jeito ainda se percebe como um
pequeníssimo ponto no vir-a-ser da história, no desenvolvimento
de uma espécie, instituição ou Estado. Pensa assim porque ele
ainda não entendeu a lição que a existência nos propõe. Já o
homem de gênio, ao invés de ser um domesticado, precisa ser
um ser adestrado.
Mas que é o adestramento para Nietzsche?
Um meio enorme de acumulação de forças
da humanidade, de tal modo que as gerações
possam continuar a construir a partir do trabalho
das que as precederam, desenvolver-se, tornar-se
mais fortes, não somente exteriormente, mas
interiormente, organicamente. (DIAS, 1991, p. 86).
É o homem que rompe com os modelos instituídos, tomase
senhor de seus instintos e hierarquiza-os de modo
que o instinto de 'saber a qualquer preço' não se
sobreponha. (...) Não é um indivíduo fabricado em
série, adaptado às condições de seu meio, a
serviço das convenções do Estado e da Igreja, mas
um ser autônomo, forte, capaz de crescer a partir
do acúmulo de forças deixadas pelas gerações
passadas, capaz de mandar em si mesmo, sem
recorrer a qualquer instância autoritária (DIAS,
1991, p. 86).
É essa a verdadeira cultura pensada pelo filósofo.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
86
Promoção da cultura oferecida pelo Estado
O Estado é o principal deturpador da cultura. No entanto, é
aquele que quer aparecer como seu principal promotor. O
Estado se propõe a promoção da cultura, mas no fundo quer
promover-se. Está visando a si próprio, ao invés da cultura "Por
mais que o Estado enfatize o que faz de meritório pela cultura,
ele a promove para se promover e não concebe nenhum alvo
que seja superior ao seu bem e à sua existência." (NIETZSCHE,
1983, p. 76).
Assim, o Estado não promove a cultura, pelo contrário, a
prejudica. Isso é constatado por Schopenhauer quando ele
percebe a expulsão da Filosofia de Kant pelos filósofos
universitários.
Mas não se pode duvidar que a expulsão da
filosofia séria, profunda e honesta de Kant, através
das fanfarronadas praticadas pelos sofistas
unicamente em vista de fins materiais, teve a
influência mais prejudicial para a cultura da
época. (SCHOPENHAUER, 1991, p. 75).
Assim como o Estado, quando diz promover a cultura,
visa sua afirmação, da mesma forma a classe dos comerciantes
quando finge promover a cultura quer o lucro, ou seja, sua
afirmação. Visa da mesma maneira que o Estado, a si mesma.
Rosa Maria Dias faz um comentário interessante a respeito
disso.
O Estado e os negociantes são os primeiros
grandes responsáveis pela depauperação da
cultura. Eles entravam a lenta maturação do
indivíduo, a paciente "formação de si”, que
deveria ser a finalidade de toda cultura, exigindo
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
87
uma formação rápida, para terem a seu serviço
funcionários eficientes e estudantes dóceis, que
aprendam rapidamente a ganhar dinheiro. (DIAS,
1991, p. 90).
Diante dessa pseudo promoção da cultura realizada no
mundo moderno, o desenvolvimento do gênio é quase
impossível.
As condições para o surgimento do gênio, no
tempo moderno, não melhoraram, e a má vontade
contra o homem origina/"aumentou em tal grau
que Sócrates, entre nós, não teria podido viver e,
em todo caso, não chegaria aos setenta anos.
(NIETZSCHE, 1983, p. 76).
Vê-se que Nietzsche e Schopenhauer têm razão ao criticar
sua contemporaneidade, onde o homem livre é rejeitado como o
próprio Schopenhauer foi.
Sendo o mundo moderna, a. sociedade, espaço que não
favorece o surgimento do homem livre, também é empecilho
para se pensar um novo conceito de cultura. Contudo, mesmo
tendo como barreira o mundo moderno, não é impossível pensar,
embora para o futuro, o surgimento de idéias que, com certeza,
arrepiariam os cabelos dos homens atuais. A crença numa
metafísica da cultura, não tão apavorante, diz Nietzsche, sem
dúvida traria uma conseqüência prejudicial ao atual sistema de
educação, pois a metafísica da cultura vê a educação
desvinculada dos objetivos do Estado.
Todavia, para que aconteça isso, é preciso desviar o olhar
dos atuais estabelecimentos de ensino e voltar um novo olhar a
novas instituições comprometidas com a promoção verdadeira
da cultura. Essas novas instituições seriam bem diferentes das
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
88
atuais, ou seja, diferentes das que têm como modelo de
formação a erudição.
Nietzsche entendia que a consolidação de uma nova
instituição que tivesse como princípio que a natureza deve criar
o homem superior, homem no qual o gênio atue, seria uma
tarefa difícil de executar, pois para isso seria necessário que o
modelo atual de educação fosse banido do homem, e é
conflitante expulsar os valores vigentes interiorizados, fazer que
o homem renuncie ao adquirido da cultura. A tarefa é
complicada, mas não é impossível realizá-la; Schopenhauer é
uma prova disso. Além do mais, talvez fosse mais simples do
que a que o atual sistema educacional realiza: tornar erudito um
jovem que não tenha aptidão à erudição. A nova instituição, ao
contrário, apenas desenvolveria a tendência natural de cada uma,
formando, assim, o homem superior, em quem o gênio atua
livremente.
Essa nova cultura proposta por Nietzsche viria ajudar a
natureza nessa sua tarefa de criar o homem
exemplar: filósofo, artista. ''A cultura tem de aperfeiçoar a
natureza; isto é, propor-se a acelerar a vinda do filósofo, do
artista" (DIAS, 1991, p. 79). Em outras palavras não deve estar
a serviço do Estado, que pretende a domesticação do homem
torná-lo obediente e dócil.
O indivíduo que entende o apelo da natureza para uma
nova cultura é convocado a se empenhar nesse trabalho árduo
mas que tem como objetivo o surgimento do gênio. A cultura
não exige dos que a servem apenas intenções e experiências
pessoais. Ela exige atividade, isto é, um ato determinado de
combate por ela, de luta contra as instituições que não tenham
por objetivo "engendrar o gênio e a maturação de sua obra em
si e em torno de si." (NIETZSCHE apud DIAS, 1991, p. 81).
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
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O erudito não é filósofo
Nietzsche, com seu elogio a Schopenhauer, exalta o fato
de ele não "ter sido destinado de antemão a ser erudito nem
educado para isso." (NIETZSCHE, 1983, p. 78). Informa que
Schopenhauer trabalhou em um balcão de comerciante, nunca
foi erudito, e se tivesse sido, não seria filósofo, pois "um erudito
nunca pode se tornar um filósofo" (Ibid).
Essa idéia é muito presente no próprio Schopenhauer. Este
faz uma crítica ferrênea à filosofia universitária quando afirma
que os professores de Filosofia não são filósofos.
- Entretanto, temos de lidar aqui apenas com
a Filosofia e seus representantes. Em primeiro
lugar, constatamos que, desde sempre, muito
poucos filósofos foram professores de Filosofia e,
proporcionalmente, ainda menos professores de
Filosofia, filósofos. (SCHOPENHAUER, 1991, p.
48).
Para Nietzsche, Kant não foi um filósofo verdadeiro, pois
não teve a coragem de romper com o Estado, colocou o seu
gênio como num estado de crisálida, e diz que: - "Quem acredita
que com esta palavra sou injusto com Kant não sabe o que é um
filósofo, ou seja, não é somente um grande pensador, mas
também um homem efetivo." (NIETZSCHE, 1983, p. 78).
O que seria um homem efetivo? - O que não teme entrar
em contradição com a ordem existente, pois respeita uma única
verdade, a que traz consigo.
O filósofo, na visão de Nietzsche, como já vimos em
noções preliminares, não é aquele homem domesticado, apático,
passivo em relação aos valores de seu tempo. Como
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
90
Schopenhauer, é o contrário. Ativo, rompe com os valores
negativos de seu tempo. O gênio, nele, não está adormecido.
Isso não quer dizer que o filósofo não se utilize dos
conhecimentos existentes, das filosofias, da História. Ele os
utiliza, mas não se restringe a eles; não os vê como acabados;
não se limita a repeti-los. O filósofo é aquele que sabe pensar e
se utilizar dos conhecimentos que possui para, a partir deles,
criar sua filosofia. Ele não é servo, mas sujeito.
Aquele que age somente por intermédio de outros nunca
verá as coisas pela primeira vez e, conseqüentemente, não será
filósofo. Nas palavras de Nietzsche:
Quem deixa que se interponham, entre si e as
coisas, conceitos, opiniões, passados, livros, quem
portanto, no sentido mais amplo, nasceu para a
história, nunca verá as coisas pela primeira vez e
nunca será ele próprio uma tal coisa vista pela
primeira vez (..) Quando alguém se vê por
intermédio de opiniões alheias, o que há de
admirar se até mesmo em si próprio, ele não vê
nada além de ... opiniões alheias. (NIETZSCHE,
1983, p. 78).
Schopenhauer é prova de que é possível agir por SI,
utilizando o que se tem à disposição. Ele sabe, segundo
Nietzsche, conhecer o espírito nele, como nos que estão fora
dele, por exemplo, em Goethe. É por isso que sabe perceber as
mazelas de seu tempo. "Graças a essa experiência ele sabia
como tem de ser o homem livre e forte, a que aspira toda
cultura artística; podia ele, depois dessa visão, ainda ter
disposição apta para se dedicar à, assim chamada, 'arte', no
estilo erudito e hipócrita do homem moderno?" (Ibid).
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
91
Promoção da Filosofia realizada pelo Estado
Vimos que o Estado quando promove a cultura está
visando a sua própria promoção. Com a Filosofia não é
diferente, pois quando este a promove é em vista de sua
afirmação. Todavia, qual é a promoção que a Filosofia recebe do
Estado? É que a um certo número de homens o Estado
proporciona viver do ensino da Filosofia, ou seja, ganha-se
dinheiro para ensinar.
Schopenhauer vai criticar esse ensino. Até que ponto ele é
proveitoso à Filosofia?
O ensino da Filosofia nas universidades é
para ela certamente proveitoso sob vários
aspectos. Alcança, com isso, uma existência
pública e seu estandarte é hasteado diante dos
olhos dos homens, o que sempre faz recordar e
notar sua presença. Mas a principal vantagem será
a de que alguma cabeça jovem e capaz com ela se
familiarize e desperte para o seu estudo.
Entretanto, tem-se que aquele que tem aptidão
para ela, e por isso sente sua falta, poderia muito
bem encontrar e travar conhecimento com ela por
outras vias. (SCHOPENHAUER, 1991, p. 36).
Quando se passa a remunerar o professor corre-se o risco
de se perder de vista o objetivo maior que é a Filosofia. Os
pensadores, por serem remunerados, podem se perverter
ensinando em prol do dinheiro e, ao mesmo tempo, para
retribuir ao Estado o favor feito; quem perde com isto é a
Filosofia que fica esquecida, pois é vendida pelo que não é.
Schopenhauer comenta:
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
92
Expor, sob nome e firma da Filosofia, mas
em roupagens estranhas, os dogmas fundamentais
da religião do Estado, que depois é intitulada com
uma expressão digna de um Hegel - "a religião
absoluta" - pode ser uma coisa muito útil, desde
que sirva para adequar melhor os estudantes aos
fins do Estado, como também firmar na fé o
público leitor; mas vender isso por filosofia é o
mesmo que vender uma coisa por aquilo que ela.
não é; (Ibid, p. 98).
Mas os limitados filósofos universitários não
gostam de mudar de assunto, pois sua verdadeira
seriedade consiste em ganhar com honra um
honesto meio de subsistência para si, sua mulher e
filhos, como também gozar de um prestígio junto
às pessoas;(Ibid, p. 36).
Fazendo, porém, uma retrospectiva dos
pretensos filósofos que entraram em cena no meio
século depois de encerrada a atividade de Kant,
infelizmente não vejo nenhum a que eu pudesse
dizer em seu louvor que sua verdadeira e total
seriedade tivesse sido a pesquisa da verdade; pelo
contrário, observo todos eles (ainda que nem
sempre tenham clara consciência) pensando em
aparecer, em causar efeito, em se impor e até em
mistificar esforçando-se para obter o aplauso dos
superiores e, em seguida, dos estudantes - sempre
com o objetivo último de gastar o rendimento da
coisa com a mulher e filhos. (Ibid, p. 49).
A Filosofia universitária também vai justificar o Estado, e
seus fins serão os do Estado, ou melhor, o Estado é seu fim.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
93
No entanto, exige a equidade que se julgue a
Filosofia universitária não apenas do ponto de
vista do seu pretenso fim, como aconteceu aqui,
mas também do seu fim verdadeiro e próprio. Este
fim consiste, aliás, em que os futuros referenciais,
advogados, médicos, concursantes e mestresescolas recebam, no mais íntimo de suas
convicções, uma orientação adequada às intenções
que o Estado e o governo têm para com eles. (Ibid,
p. 43).
Sobretudo,
porém,
tais
filósofos
universitários se esforçam para dar à Filosofia
aquela direção que corresponde aos propósitos
que estão no seu coração, ou antes, que ali foram
postos [pelo Estado]. E para isso, se necessário,
até moldam e deturpam as doutrinas dos genuínos
filósofos antigos e, em caso extremo, chegam a
falseá-las para produzir só aquilo de que
necessitam (Ibid, p.86).
Contudo, por que é interessante ao Estado fazer uma
promoção da Filosofia dando empregos aos filósofos de cátedra?
Nietzsche diria que é por ter medo da Filosofia. Então, chama
para si os representantes desta, para assim aparentar que está
promovendo-a, aparentar não ter medo dela. Mas o que quer
realmente é segurança. Tendo ao seu lado aqueles que
provavelmente o questionariam, por meio de um salário
acorrenta-os. Estes se furtam de sua atitude crítica em troca
desse salário.
Em Schopenhauer isso mais uma vez fica claro.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
94
No entanto, os deuses não devem ser
invocados aqui de forma nenhuma como um
inauditim nefas2, pois tudo isso é apenas uma cena
do espetáculo que temos diante dos olhos em todas
as épocas, em todas as artes e ciências, ou seja, a
velha luta entre aqueles que vivem para a coisa e
aqueles que dela vivem, ou daqueles que a são com
aqueles que a representam. Para os primeiros, ela
é o fim para o qual sua vida é mero meio, para
outros, o meio, isto é, a penosa condição para a
vida, o bem-estar, a fruição, a felicidade (Ibid, p.
47).
Nietzsche ainda continua, dizendo que aquele homem que
se subordina ao Estado pelo seu emprego tem que abandonar seu
ideal filosófico, de perseguição da verdade. Enquanto ele estiver
empregado é obrigado a reconhecer alguém como mais
importante; o Estado. No entanto, não somente o Estado, como
também tudo aquilo que o Estado exige para seu bem; a religião,
ordem social e a organização militar.
Aquela religião que não aceita o seu ideal é expulsa, o
Estado só a aceita enquanto esta ajuda a sua permanência.
Enquanto o Estado aí, mais claramente, o
governo se sabe constituído tutor em nome de uma
multidão incapaz e, em função dela, pondera a
questão: se a religião deve ser conservada ou
eliminada- ele se decidirá, com a máxima
probabilidade, pela conservação da religião. Pois
a religião sossega a mente do indivíduo em tempos
de perda, de privação, de pavor, de desconfiança,
2
Crime inaudito.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
95
portanto, quando o governo se sente sem condições
para fazer diretamente algo, para mitigar os
sofrimentos da alma do homem privado: e mesmo
diante de males gerais, inevitáveis e, de imediato,
irrelutáveis (fomes, crises monetárias, guerras), a
religião assegura um comportamento pacato,
paciente, confiante da multidão. (...) Mas se o
Estado não pode mais ele próprio tirar nenhuma
utilidade da religião ou se o povo pensa demasiada
multiplamente sobre coisas religiosas para
permitir ao governo um procedimento homogêneo,
unitário, quanto a medidas religiosas, então,
necessariamente, aparecerá como saída tratar a
religião como assunto privado e delegá-la à
consciência e ao costume de cada um
(NIETZSCHE, 1983, p. 113).
Assim vai acontecer com os outros segmentos sociais: à
medida que não são úteis ao Estado, são descartados.
A maioria dos filósofos universitários, afirmando seu
compromisso com o Estado, verá o objetivo da Filosofia como
mito, como algo fictício, como ilusão. Nietzsche expõe o que
eles dizem da Finalidade da Filosofia:
como se alguma vez algo de grande e puro pudesse
permanecer e firmar-se nesta terra, sem fazer
concessões à baixeza humana! Preferis então que
o Estado persiga o filósofo, em vez de lhe pagar
estipêndio e tomá-lo a seu serviço? (Ibid, p. 80).
Se a verdade não se alcança, por que gastar tempo
perseguindo-a? É melhor ganhar dinheiro do Estado e deixar de
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
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lado o ideal filosófico. Schopenhauer também percebeu essa
consideração da finalidade da Filosofia como mito, nos filósofos
de cátedras de sua época:
- Por outro lado, a mente intensa de um
verdadeiro filósofo, cuja grande e única seriedade
consiste na busca de uma chave para nossa tão
enigmática quanto precária existência, é
considerada por aqueles como uma entidade
mitológica... (SCHOPENHAUER, 1991, p. 36).
Por ser o professor empregado do Estado, este se apresenta
com a autoridade de determinar o que ele deve fazer, quais
devem ocupar as cátedras etc. É o Estado a autoridade.
Schopenhauer também alertava sobre isso:
Contudo, não se dá conta de que na
Filosofia, como numa ciência que ainda deve ser
descoberta, outra coisa se passa, como também
não se dá conta de que na atribuição das cátedras
de Filosofia não se devem levar em consideração,
como nas outras cátedras, apenas as capacidades,
mas, acima de tudo, a mentalidade dos candidatos.
(Ibid, p. 83).
O ensino da Filosofia nas universidades
O filósofo encontrado na universidade, segundo Nietzsche,
é um domesticado r; não é um pensador, mas um repensador;
um historiador da Filosofia; "um conhecedor erudito de todos os
pensadores anteriores,' dos quais sempre poderá contar algo
que seus alunos não sabiam." (NIETZSCHE, 1983, p. 80). O
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
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ensino tipo erudito da história da Filosofia é desfavorável à
própria Filosofia, pois o gênio que penetra nas profundas
questões não deve apenas olhá-las e assimilá-las. Nietzsche
afirma: ''A história erudita do passado nunca foi a ocupação de
um filósofo verdadeiro, nem na Índia nem na Grécia". (Ibid, p.
81). E Schopenhauer, com referência ao ensino historial da
Filosofia, apresenta uma proposta que de certa forma Nietzsche
se apoiou nela. Schopenhauer acha que a história da Filosofia
deve ser dada na universidade em apenas um semestre, e ainda,
história dos primeiros filósofos até Kant, por meio de uma visão
geral, sem entrar em detalhes, para que os próprios alunos
possam ter o gosto de se encontrar frente a frente cornos
"filósofos verdadeiros" sem os preconceitos universitários. Mas,
vamos ao texto de Schopenhauer.
Como conseqüência disso tudo, e deixando
de lado os fins do Estado - como já foi observado
para considerar apenas o interesse da Filosofia,
tenho por desejável que toda aula de Filosofia seja
estritamente limitada à exposição da lógica (como
sendo uma ciência concluída. e rigorosamente
demonstrável) e uma história da Filosofia de Tales
a Kant, exposta bem sucintamente e cursada em
um semestre, a fim de que esta, por sua concisão e
clareza, deixe o menor espaço possível às opiniões
do senhor professor e se apresente apenas como
fio condutor para os futuros estudos de cada um.
Pois o travar conhecimento apropriado com os
filósofos só se dá a partir de sua obras e de
nenhum modo por relação de segunda mão.
(SCHOPENHAUER, 1991, p.103).
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
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Como podemos ver, Schopenhauer também não aceita
plenamente o ensino da história da filosofia, ou seja, a limitação
da Filosofia a sua história.
Nos filósofos de cátedras, Nietzsche observa a não
existência do espírito filosófico. A filosofia desses senhores é
apenas uma confusão de palavras buscando algo que o próprio
Kant já tinha demonstrado não ser alcançado. Schopenhauer fala
disso com bastante clareza:
Depois de tal retrocesso no maior progresso
que a filosofia já realizou, não é de se admirar que
o suposto filosofar desta época tenha recaído no
mais completo procedimento acrílico, numa rudeza
inacreditável, oculta sob frases empoladas, e num
tatear naturalista muito pior do que o existente
antes de Kant (Ibid, p. 73).
Além disso, fala-se muito na filosofia
Kantiana de uso imanente e transcendente, ao lado
da validade de nossos conhecimentos; meter-se em
tais distinções perigosas seria naturalmente
desaconselhável para nossos filósofos de diversão.
Mas eles gostariam muito de ter as expressões, já
que são tão eruditos. Então as empregam da
seguinte maneira: tendo como objeto principal da
sua filosofia tão-só o bom Deus - que por isso
também aparece ali como um velho conhecido que
dispensa apresentação disputam se ele está no
mundo ou fora dele, isto é, reside num espaço onde
não há mundo. No primeiro caso, intitulam-se
imanente e, no outro, transcendente, falando o
jargão hegeliano, naturalmente para se dar ares
de alta seriedade e erudição. (Ibid, p. 74).
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
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Um outro exemplo dessa espécie é fornecido
pela teologia especulativa. Depois de Kant ter
tirado todas as provas que constituíam seus
suportes e tê-las lançado radicalmente por terra,
isso não impede de forma nenhuma os meus
senhores da filosofia lucrativa de venderem ainda,
sessenta anos depois, a teologia especulativa pelo
objeto bem próprio e essencial da Filosofia. (Ibid,
p.89).
Nietzsche critica a conseqüência que a filosofia lucrativa
provoca nos jovens. Esses se tomaram ouvintes sem entender
nada daquela confusão de conceitos e ao mesmo tempo
aplaudem e aclamam os filósofos catedráticos. A conseqüência é
que eles pensam não terem entendido por incapacidade de sua
parte. Isso é muito presente em Schopenhauer.
Quem ainda precisa de provas mais amplas
para chegar à mesma compreensão do assunto,
deve observar o epílogo da grande farsa de Hegel:
a ela logo se segue a extremamente oportuna
conversão do senhor Schelling do espinosismo ao
bigotismo e sua posterior transferência de
Munique para Berlim, sob toques de trombetas de
todos os jornais, cujas notícias poderiam fazer crer
que ele trouxesse então, no bolso, Deus em pessoa,
por quem tanto se ansiava. Foi tão grande o ajluxo
de estudantes que, para recebê-lo, até entravam no
auditório pelas janelas. Depois, no fim do curso, o
diploma de grande homem lhe foi entregue
subversivamente por vários professores da
universidade, que tinham sido seus ouvintes (Ibid,
p. 42).
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
100
O público acredita neles.
Ora, de acordo com a crença generalizada
de que quem vive de alguma coisa é também o que
dela entende, o público espera obter tal garantia
dos especialistas que se portam confiantemente nas
cátedras, compêndios, diários e jornais literários.
São eles, pois, que degustam e escolhem aquilo que
é mais digno de atenção e seu contrário. (Ibid, p.
46).
O Ensino de Filosofia é Prejudicial à Própria Filosofia
Nietzsche termina seu texto Schopenhauer como
Educador, ressaltando que o ensino da Filosofia pelas
universidades é prejudicial à própria Filosofia, o aluno é
confundido com uma série de sistemas e suas críticas.
E agora pense-se em uma cabeça juvenil, sem
muita experiência da vida, em que cinqüenta
sistemas em palavras e cinqüenta críticas desses
sistemas são guardados juntos e misturados.
(NIETZSCHE, 1983, p. 81).
Isso é, para Nietzsche, uma agressão à Filosofia, um
ensino desses, ao invés de estimular o estudante, o desanima,
não o ajuda a pensar.
Pois
à
medida que
obrigou
os
desencaminhados por ele a meter na cabeça, como
se fosse conhecimento de razão, um galimatias
feito do disparate mais grosseiro, uma trama de
contradictionibus in adiecto, um palavratório de
hospício, o cérebro, da pobre juventude, que lia
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
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tais coisas com crédula dedicação e procurava
apropriar-se delas como da mais alta sabedoria,
saiu tão fora do gonzos que ficou para sempre
incapacitado
para
o
pensar
efetivo.
(SCHOPENHAUER, 1991, p. 78).
Por isso, a maioria dos jovens eruditos de
nossos dias já não é capaz de nenhum pensamento
saudável e de nenhuma expressão natural. Nas
suas cabeças não há um único preciso, nem mesmo
claro e determinado, do que quer que seja: o
palavreado desordenado e vazio dissolveu e
obnubilou sua força de pensamento. (Ibid, p. 67).
O ensino da Filosofia executado pela universidade ainda
faz pior, as palavras dos senhores mestres passam como se
fossem a dos verdadeiros filósofos, com isso cria-se o desprezo
pelas obras já que foram refutados pelos catedráticos.
Assim, o estudante vai para os cursos com
confiança infantil e, já que encontra um homem
que com ares de reflexão conscienciosa critica de
cima para baixo todos os filósofos- que porventura
ali estiveram, então ele não duvida ter chegado à
ferraria certa e imprime em si credulamente toda
sabedoria que ali borbulha, como se estivesse
sentado diante do tripé da Pítia. A partir daí,
naturalmente, não há para ele nenhuma filosofia
além da de seu professor. Os verdadeiros filósofos,
mestres dos séculos e milênios, que, silenciados
nas prateleiras, aguardam seriamente aqueles que
os desejem, estes, o estudante deixa de ler por
obsoletos e refutados; tal como o professor, ele os
deixou para trás. (Ibid, p.84).
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
102
A conseqüência de tudo é que o ensino da Filosofia, além
de provocar toda essa decadência já vista, faz o aluno se afastar
da Filosofia, preferindo ser um cristão ou um funcionário.
Assim, a filosofia lucrativa legitima o Estado, pois cria um
homem que, ao invés de questioná-lo, o obedece.
Mas, de fato, todos reconhecem que não se educa
para ela, mas para uma prova de filosofia: cujo
resultado, sabiamente e de hábito, é que quem sai
dessa prova - ai, dessa provação! - confessa a si
mesmo com um profundo suspiro: "Graças a Deus
que não sou filósofo, mas um cristão e cidadão do
meu Estado!" (NIETZSCHE, 1983, p. 81).
Conclusão
Nietzsche, em seu texto Schopenhauer Como Educador, é,
sem dúvida, bastante influenciado pela obra de Schopenhauer
Sobre Filosofia Universitária, e aprofunda as teses
fundamentais desta.
Para Schopenhauer, não existiam filósofos verdadeiros na
univerdade, porém, somente professores de Filosofia, cuja
filosofia Schopenhauer intitula "filosofia de cátedra" ou
"filosofia lucrativa".
Os professores de Filosofia não estão interessados com o
fim próprio da Filosofia, mas com seus próprios fins, o ganha
pão, a sua manutenção. Lecionam por um salário, não pela
Filosofia ou pela verdade. A Filosofia para eles é apenas um
meio, enquanto para o filósofo verdadeiro é um fim.
Schopenhauer também ressalta que justamente como
sustento o professor também tem em vista o Estado. O filósofo
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
103
de cátedra é um funcionário do Estado. Seu fim coincide com o
fim deste, sendo este a própria manutenção de seu poder.
Nietzsche quando escreve a 3ª Extemporânea retoma todas
essas idéias e outras presentes no texto de Arthur Schopenhauer.
Elogia Schopenhauer por ter lutado e vencido o seu tempo, ou
seja, os valores presentes em sua contempo-raneidade.
Schopenhauer também é um exemplo de "espírito livre,"
sabe perceber o gênio em si e fora de si. Mesmo sendo recusado
em sua época soube superar e usou dessa recusa ou não
aceitação, para consolidar a sua filosofia.
Todavia, o que interessa a Nietzsche não é tanto a filosofia
de Schopenhauer porém seu espírito ativo. Ele se apresenta
como um modelo para Nietzsche e para quem quer educar-se.
Aquele que possui liberdade de espírito, relativa à de
Schopenhauer, é capaz de perceber as farsas do ensino de
Filosofia e da Educação em geral existente.
Contudo, Nietzsche, em seu último livro Ecce Homo
escrito, em 1988, fala de seu próprio texto (Schopenhauer Como
Educador), e então diz que, ao relê-lo, percebeu tratar-se não de
Schopenhauer como educador, mas de Nietzsche como
educador:
Hoje que eu, de alguma maneira, volto a
olhar para aqueles estados de ânimo de que são
testemunhos os escritos citados, não pretendo de
modo algum negar que, no fundo, só de mim neles
se trata.... no Schopenhauer como Educador
descreve-se minha história, o meu devir. Acima de
tudo minha apologia! (...) A maneira como entendo
o filósofo, matéria explosiva perante a qual tudo
está em perigo, como separo, a uma distância de
mil léguas, o meu conceito de "filósofo" de um
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
BENJAMIM, Paulo
104
conceito que até mesmo Kant mantém ainda, para
já não falar dos "ruminantes" acadêmicos e de
outros professores de filosofia: são coisas sobre as
quais aquele escrito oferece preciosas indicações,
notando ainda que, no fundo, quem ali fala não é
Shopenhauer, como Educador, mas o seu
contrário,
Nietzsche,
como
educador.
(NIETZSCHE, 1988, p. 98-99).
Nesse texto expõe Nietzsche o que pensa sobre a
Educação e Filosofia de sua época e propõe uma nova maneira
de educar, a saber: aquela que se apóia na tendência natural
existente no homem.
Tarefa árdua, que, porém levaria o homem a sua
plenificação, superando-se.
Referências Bibliográficas
NIETZSCHE, F.. Ecce Homo. Lisboa: Guimarães, 1988.
NIETZSCHE, F.. Humano Demasiado Humano: Um olhar ao
Estado. São Paulo: Abril Cultural, 1983a. (Obras
Incompletas).
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por vaidade. São Paulo: Abril Cultural, 1983b. (Obras
Incompletas).
NIETZSCHE, F.. Para Além do Bem e Mal: Nós, eruditos. São
Paulo: Abril Cultural, 1983c. (Obras Incompletas).
NIETZSCHE, F.. Nascimento da Tragédia. São Paulo:
Companhia das. Letras, 1992.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
Relação entre o texto...
105
DIAS, Rosa Maria. Nietzsche Educador. São Paulo: Scipione,
1991.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.73-104, jan./jun., 1998
A LEITURA E A PRODUÇÃO ESCRITA
COMO PRÁTICAS DISCURSIVAS
- notas sobre o cotidiano escolar –
SANTOS, Sandoval*
Resumo
Propõe-se, neste artigo, discutir a problemática da
produção da leitura e da escrita em contexto escolar
na perspectiva de alguns dos pressupostos teóricos
da análise de discurso. A opção por essa abordagem
teórica faz emergir reflexões relevantes sobre o
conceito de linguagem, de texto, de leitura e de
escrita, especialmente no que essas questões
implicam em termos de ensino-aprendizagem da
língua materna.
*
Licenciado em Letras. Mestrando em Lingüística Aplicada na UNICAMP. Professor
do Núcleo Pedagógico Integrado – UFPA.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
SANTOS, Sandoval Nonato Gomes
106
1 Concepções acerca da linguagem e suas implicações na
problemática da produção da leitura e da escrita em
contexto escolar
A
produção da leitura e da escrita em contexto escolar
articula-se intrinsecamente ao modo como a escola e
seus agentes concebem a linguagem e quais as implicações disso
no que vem a ser institucionalizado como texto, como língua e
como ensino da língua materna.
Nesse sentido, vale ressaltar que essas representações que
se institucionalizam no/pelo espaço escolar são produzidas
sócio-historicamente e analisáveis não em sua suposta
neutralidade, mas no que implicam em termos de
estabelecimento de conceitos e de práticas de leitura e de escrita.
Assim, desvelar o cotidiano escolar no aspecto das
concepções sobre a linguagem que o subjazem é passo
significativo para a compreensão das práticas de leitura e de
escrita mobilizadas nesse cotidiano.
Geraldi (1984) discute essa questão (a toda prática
corresponde uma teoria) quando afirma que a metodologia de
ensino mobiliza a articulação entre uma "opção política" e "os
mecanismos utilizados em sala de aula" (GERALDI, 1984, p.
42). Luckesi (1992) também reflete sobre essa questão quando
lembra que a metodologia é um complexo que abrange um
caráter técnico e outro teórico. Para ele, a perspectiva técnicometodológica da metodologia refere-se "aos meios pelos quais
atingimos fins próximos, articulados com fins políticos mais
distantes" (LUCKESI, 1992, p. 152). Já a perspectiva teórico
metodológica evidencia-se pelo modo diferenciado de apreensão
da realidade do ponto de vista do conhecimento.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
A leitura e a produção escrita como práticas discursivas...
107
É a partir dessa relação tensa entre teoria e prática que
Geraldi (1984) tenta explicitar as várias concepções acerca da
linguagem que perpassam o cotidiano escolar: linguagem como
expressão do pensamento, linguagem como instrumento de
comunicação e linguagem como forma de interação.
A concepção que toma a linguagem como expressão do
pensamento - concepção mentalista (ALVES, 1993, p. 73) - deu
sustentação aos estudos tradicionais. A linguagem teria uma
função representativa, pois através dela o homem representaria o
mundo e veicularia suas próprias idéias. O problema parece
estar no fato de que, nessa concepção, a representação pela
linguagem "encontra sua expressão mais completa, mais
objetiva na escrita (...), vista como forma superior de expressão
(...)" (ibid). Daí que a concepção de linguagem como expressão
do pensamento privilegia a modalidade escrita da língua em
detrimento da oral.
A concepção que aborda a linguagem como instrumento
de comunicação, por sua vez, articula-se à teoria da
comunicação e percebe a língua como código que serve à
transmissão de informações, mobilizando a relação linear e
sistêmica entre um emissor e um receptor. Nessa abordagem, o
conceito de "mediação" é pensado na perspectiva de colocar a
linguagem como instrumento.
Já na terceira concepção - linguagem como forma de
interação - a linguagem "não é vista apenas como suporte de
pensamento nem somente como instrumento de comunicação"
(ORLANDI, 1993, p. 17). Importa, nessa perspectiva, conceber
a linguagem como "trabalho", conforme explicitam os estudos
na linha teórica da análise de discurso, que discutiremos a
seguir.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
SANTOS, Sandoval Nonato Gomes
108
1.1 A linguagem na perspectiva da al1álise de discurso
Na concepção proposta pela análise de discurso, a
linguagem é tomada como ação transformadora, cuja
constituição é determinada sócio-historicamente. Nessa
perspectiva, cabe conceber a linguagem como espaço de
interação humana, produzida em condições sócio-históricas
determinadas.
Orlandi (1993) trabalha com esse conceito de linguagem,
evidenciando os processos e as condições que entram em jogo
na constituição do que chama "objeto-linguagem". Afirma a
autora que
Ao definir a linguagem como trabalho,
desloca-se a importância dada à sua função
referencial. Essa função tem ocupado uma posição
central na lingüística clássica e daí decorre
pensar-se a comunicação apenas sob o enfoque da
informação. Na perspectiva da análise de discurso,
entretanto, tomar a palavra é um ato social com
todas
as
suas
implicações:
conflitos,
reconhecimentos, relações de poder, constituição
de identidades etc. (ibid).
Constatamos, portanto, em que medida o conceito de
linguagem proposto pela análise de discurso amplia o caráter
meramente referencial que supostamente teria a linguagem ao
incluir em um novo paradigma teórico o aspecto sócio-histórico
como constitutivo da linguagem. Isso nos leva a relativizar
aquelas posturas teóricas que dão à linguagem um caráter quase
sobre-humano, postulando até mesmo a possibilidade de a
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
A leitura e a produção escrita como práticas discursivas...
109
mesma existir independentemente dos homens. O deslocamento
desse ponto de vista para o proposto pela análise de discurso
implica considerar os processos de constituição da linguagem, o
que, por sua vez, tem a ver com as condições de produção da
mesma, a saber: a interação entre os interlocutores, as múltiplas
imagens que os mesmos elaboram a respeito de si e do outro, a
historicidade do processo de significação, as formações
ideológicas1, que acabam por definir o que pode "ser dito" e o
que deve ficar no plano do não-dito numa determinada situação
comunicativa etc.
As implicações dessa abordagem teórica sobre a questão
da linguagem no contexto escolar são múltiplas e significativas.
Isso porque a partir dela coloca-se como necessário o repensar
sobre as relações de ensino-aprendizagem, sobre qual vem a ser
o estatuto do texto (se é que pode ser estabelecido), sobre como
se processa a produção da leitura e da escrita no espaço escolar.
Daí salientar-se que na maneira como a escola lida com o
problema da leitura e da produção escrita está subjacente uma
determinada concepção de mundo, de linguagem, que lança os
fundamentos teórico e técnico-metodológicos do processo
educativo escolar. A compreensão do processo de produção da
leitura e da escrita na escola passa, então, pelo desvelamento
desse processo em toda a sua complexidade e sempre na
perspectiva de uma determinada abordagem teórica. Caberia
inicialmente uma discussão: qual o conceito de texto que a
análise de discurso propõe e que relação esse conceito guarda
1
Orlandi (1993) fala das formações ideológicas citando Haroche et al (1975) e diz
que elas consistem no "conjunto de atitudes e representações que não são nem
individuais nem universais. mas se reportam mais se reportam mais ou menos
diretamente às posições de classe em conflito limas com as outras".
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
SANTOS, Sandoval Nonato Gomes
110
com as práticas de leitura e de produção escrita evidenciadas na
escola.
1.2 Sobre o conceito de texto
Com as contribuições teóricas da análise de discurso, a
noção de texto passa a ser redimensionada à medida que se
processa um deslocamento daquela concepção que percebe o
texto como mera adição, justaposição de frases para uma outra,
que toma o texto como unidade de significação, constituída no
processo de interação. Orlandi (1993), na tentativa de conceituar
texto, faz-nos lembrar que
A noção de texto, enquanto unidade da
análise de discurso, requer que se ultrapasse a
noção de informação, assim como coloca a
necessidade de se ir além do nível segmental (ibid,
p. 22).
Constata-se, então, como essa concepção de texto proposta
pela análise de discurso subverte aquela concepção que se
estabeleceu historicamente2 no espaço escolar de que a noção de
texto estaria necessariamente associada à modalidade escrita da
2
A noção de texto é constituída sócio-historicamente. Orlandi (1993), em A História
do sujeito-leitor: uma questão para a leitura, mostra a diversidade de sentidos que a
palavra texto já mobilizou: desde aquele que identificou texto com livro do evangelho,
no século XII, até aquele que o identificou com qualquer escrito (sagrado ou profano),
no século XIII. Ocorre, nessa época, a distinção entre textos autênticos (sagrados) e
comentários (profanos), sendo que, posteriormente, o critério de estabelecimento do
que seria autêntico refere-se à distinção entre o autor (o institucionalizado como tal) e
o que não o é.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
A leitura e a produção escrita como práticas discursivas...
111
língua, a qual, aliás, goza de maior prestígio na escola3. Além
disso, com essa concepção, rompe-se com o critério de extensão
como determinante na definição do que seja texto. Conforme
explicita Orlandi, o texto, "enquanto unidade pragmática, (...)
pode ser uma palavra, um sintagma, um conjunto de frases
(escrito ou oral), o que importa é que funciona como unidade de
significação em relação à situação" (ibid).
Outro dado importante a que nos reporta a concepção da
análise de discurso é o fato de que o texto não se estabelece
como tal a priori, tanto que uma mesma formação discursiva4
pode se constituir como texto numa determinada situação de
comunicação e não se constituir em outra. Agora, o que pode
ocorrer (e ocorre) é um processo de "institucionalização" de
determinados modelos discursivos, os quais acabam por se
estabelecer como textos independentemente até mesmo dos
interlocutores envolvidos no processo comunicativo.
Desconhece-se, dessa forma, que a noção de texto é produzida
historicamente e que. "o texto não preexiste à sua leitura"
(SOARES, 1995, p. 26), ou seja, a própria existência deste
instaura-se no espaço de interação. Nesse sentido, é preciso
"desmistificar e desautorizar modelos", como propõe Magnani
(1989, p. 93). Por fim, cabe lembrar que um texto se constitui
enquanto tal também pela relação de diálogo que mantém com
outros textos. Ele não é, portanto, uma unidade fechada em si
3
No estudo Por um ensino-aprendizagem da expressão oral em contexto escolar,
Alves (1993) avalia como na escola o registro escrito tem primazia em relação ao
falado, não sendo esse último tratado significativamente no contexto das propostas
pedagógicas de ensino da língua materna.
4
Nas palavras de Orlandi, As formações discursivas são formações componentes das
formações ideológicas e determinam o que pode e deve ser dito a partir de uma
posição em uma conjuntura dada (ORLANDI, 1993, p.18).
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
SANTOS, Sandoval Nonato Gomes
112
mesma, mas um tecido que enreda a todos - sujeitos-leitores,
situação comunicativa etc - em múltiplas situações de produção,
de apropriação e de atribuição de sentidos.
2 A produção da leitura e da escrita em contexto escolar
2.1 A leitura como prática discursiva
O primeiro passo para se tentar construir um conceito de
leitura na perspectiva teórica da análise de discurso é
compreender a leitura como processo que é produzido
(ORLANDI, 1993, p. 38), buscando explicitar as condições de
sua produção. Essa idéia preliminar parece ir ao encontro da
própria concepção de linguagem que a análise de discurso
mobiliza: assim como a linguagem, também a leitura é vista
como trabalho, como espaço de interação entre sujeitos sóciohistoricamente constituídos, ou seja, é vista em sua
historicidade.
A partir desse ponto de vista rompe-se com aquela
concepção mistificadora que percebe a prática da leitura como
um ato solitário, isolado, desvinculado do contexto histórico no
qual o próprio se atualiza. Por outro lado, desloca-se o conceito
de leitura daquele reducionismo que o identifica como mera
habilidade de decodificação/codificação de sinais, como
"exercício mecânico de traduzir grafia em som" (REGO, 1994,
p. 126). Passa-se, então, a conceber a leitura como processo de
instauração de sentidos, o que se dá entre sujeitos sóciohistoricamente determinados.
Orlandi enfatiza a relação de confronto que se dá pelo
processo de leitura afirmando que
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
A leitura e a produção escrita como práticas discursivas...
113
O leitor não interage com o texto (relação
Sujeito/objeto), mas com outro(s) sujeito(s) (leitor
virtual, autor etc). A relação como diria A. Schalff
(em sua crítica ao fetichismo sígnico, 1966),
sempre se dá entre homens, são relações sociais,
eu acrescentaria, históricas, ainda que (ou porque)
mediadas por objetos (como o texto). (ORLANDI,
1993, p. 9)
A autora adverte para o risco de absolutização da
mediação (do objeto). Isso poderia nos levar a anular a
historicidade do texto e de sua produção.
Parece claro que, nessa perspectiva de leitura proposta
pela análise de discurso, a própria posição do leitor ganha
relevo: ele já não tem a função apenas de decifrar um sentido
que já está dado a priori no texto, mas de atribuir-lhe múltiplos
sentidos, constituindo-se a si próprio, dessa forma, como sujeitoleitor e não como mero depositário de sentidos préestabelecidos. É nesse sentido que Orlandi afirma que "a leitura
é o momento crítico da constituição do texto, o momento
privilegiado do processo de interação verbal, uma vez que é
nele que se desencadeia o processo de significação" (ibid, p.
38).
Vê-se, portanto, em que medida essa concepção imprime
ao processo de leitura uma dinamicidade que subverte
radicalmente aquelas posturas teóricas que percebem a leitura
como mero produto, o que a coloca na perspectiva da
estaticidade, servindo tão-somente a finalidades imediatistas e
utilitárias legitimadas pela instituição escola, tais como as que
apresenta Magnani: "ler para fazer exercícios de interpretação,
para adquirir modelos de escrita, para gostar e se habituar,
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
SANTOS, Sandoval Nonato Gomes
114
para conscientizar e politizar" (MAGNANI, 1989, p. 35).
Perde-se, com isso, na escola, o sentido da leitura como prática
discursiva, pela qual sujeitos e sentidos são constituídos no
momento mesmo em que o ato de ler se processa, não havendo,
dessa forma, aquela tão propalada dicotomia entre "aprender a
ler" e "tornar-se leitor", posto que a própria constituição do
sujeito enquanto leitor dá-se dinamicamente no - processo de
múltiplas interações que ele estabelece com também múltiplos
interlocutores, em situações determinadas de comunicação e a
partir de um lugar social determinado.
2.2 A produção escrita como prática discursiva
O processo de produção escrita, como o processo de
produção da leitura, dá-se, na perspectiva teórica da análise de
discurso, no jogo das interações sociais. Isso implica conceber a
produção escrita não como mero exercício formal e individual,
mas como prática fundamentalmente sócio-cultural, na qual o
sujeito-autor articula múltiplos sentidos. Nessa perspectiva, fazse necessário articular a produção escrita às próprias condições
em que ela se processa. Essas condições referem-se ao contexto
situacional, ideológico, histórico-social, aos interlocutores, às
finalidades; elementos que são constitutivos da produção textual
e que nos fazem, com Orlandi, afirmar que, no processo de
produção de texto, "aquilo que se diz significa em relação ao
que não se diz, ao lugar social do qual se diz, para quem se
diz..." (ORLANDI, 1993, p. 85). Assim, a produção escrita, para
se constituir como prática discursiva, precisa colocar em
confronto interlocutores sócio-historicamente organizados, que
mobilizam sentidos a partir de um lugar social determinado. O
ato de dizer, então, não é neutro, pois nele está subjacente uma
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
A leitura e a produção escrita como práticas discursivas...
115
decisão, uma opção política, a elaboração de uma imagem do
locutor em relação a seu(s) interlocutor(es).
Na escola, entretanto, a produção escrita acaba perdendo
esse caráter de prática discursiva exatamente porque, nesse
contexto, estabelece-se uma "atividade lingüística artificial"
(GERALDI, 1984, p. 78). Brito observa esse mesmo problema e
afirma que
nos exercícios e provas de redação, a linguagem
deixa de cumprir qualquer função real,
construindo- se uma situação artificial, na qual o
estudante, à revelia de sua vontade, é obrigado a
escrever sobre um assunto em que não havia
pensado antes, no momento em que não se propôs
e, acima de tudo, tendo que demonstrar (esta é a
prova) que sabe. (BRITO, 1984, p. 118).
Assim, a produção escrita permanece como atividade
destituída de sentido, processada de maneira pouco significativa
para o aluno, numa dinâmica de artificialismo e de disfarce em
que ficam velados (se é que existem) o "para quê", o "para
quem", o "por quê" o texto está sendo produzido.
Smolka (1994) também assinala esse aspecto de "ilusão" e
de "disfarce" de que se revestem as práticas de leitura e de
escrita na escola. No estudo A criança na fase inicial da escrita
- a alfabetização como processo discursivo, a autora mostra
como a prática da escrita em contexto escolar fica alheia ao
funcionamento da língua; daí porque se torna uma prática
desprovida de sentido, cuja função está circunscrita a ela
mesma: escreve-se para se aprender a escrever. Diante desse
quadro, Smolka propõe que o relevante é trabalhar a escrita na
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
SANTOS, Sandoval Nonato Gomes
116
perspectiva de seu funcionamento, de sua construção como
processo discursivo, como forma de linguagem "constitutiva do
conhecimento no jogo das representações sociais" (SMOLKA,
1994, p. 53). A autora toma, assim, o trabalho de escritura como
instaurador de modos de interação; daí assegurar que a produção
da escrita tem uma dimensão dialógica fundamental. Na
verdade,
Não se trata, então, apenas de "ensinar" (no
sentido de transmitir) a escrita, mas de usar, fazer
funcionar a escrita como interação e interlocução
na sala de aula, experienciando a linguagem nas
suas várias possibilidades. (SMOLKA, 1994, p.
45).
Percebe-se, portanto, em que medida a prática da produção
escrita na escola deve assumir um caráter significativo para a
criança, devendo estar integrada ao conjunto de práticas que lhe
são necessárias e que são relevantes para a sua vida.
2.3 O texto na escola: as condições de sua leitura e de sua
produção
Para compreender a leitura e o processo de produção
escrita na escola é preciso articulá-los às condições em que os
mesmos se efetivam. Cabe, então, considerar o texto, não na
perspectiva de uma suposta "essência" que lhe seria inerente,
mas em seu funcionamento, o que implica abordar os modos de
produção e de percepção do mesmo, o lugar social e os
conhecimentos prévios dos interlocutores, as finalidades
mobilizadas, enfim, todos os elementos que, no texto, instauram
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
A leitura e a produção escrita como práticas discursivas...
117
um espaço de discursividade sócio-historicamente constituído.
Compreender as condições em que se dão a leitura e a produção
escrita aparece, então, como possibilidade de encarar o texto não
como produto, mas na perspectiva de explicitação dos processos
de sua constituição. Além dos já referidos constituintes das
condições de produção da leitura e da escrita - os interlocutores,
a situação, o contexto histórico-social e ideológico, dentre
outros - Orlandi nos fala de outro componente relevante dessas
condições. Trata-se das "histórias de leitura do texto e do leitor"
(ORLANDI, 1993, p. 41). Segundo a autora, no processo de
instauração da significação é mobilizado um confronto entre
"previsibilidade" e "imprevisibilidade" de sentidos. Há, assim,
sempre uma relação dinâmica entre a sedimentação de um
sentido que ganha a condição de institucionalizado e a plural
idade de sentidos possível. Desse modo, quando Orlandi aborda
a questão das histórias de leituras do texto e do leitor como
componente das condições de produção da leitura (e eu
acrescentaria, de produção da escrita) parece querer mostrar que,
no jogo de interação que o leitor (e também o autor) estabelece,
há sentidos que são previstos (e acabam se institucionalizando
como tal) e outros que são possíveis. Decorre dessa reflexão o
estabelecimento de dois processos de produção da leitura (e eu
continuo acrescentando, da escrita): o "processo parafrástico",
pelo qual um sentido é reconhecido, sedimentado e permanece
como único e o "processo polissêmico", através do qual
reafirma-se a plural idade possível de sentidos no espaço
textual5.
5
De acordo com Orlandi, "a polissemia é a multiplicidade de sentidos e a paráfrase
é a permanência do mesmo sentido sob formas diferentes”. (ORLANDI, 1993, p. 86).
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
SANTOS, Sandoval Nonato Gomes
118
Essas considerações apontam para o problema teórico
metodológico das práticas de leitura e de produção escrita na
escola. Na prática escolar, o que se dá, conforme lembra
Magnani (1995), é um processo de cristalização de um certo
modelo de gosto, que explicita "a circularidade de uma lógica
de privação da leitura" (MAGNANI, 1995, p. 33). Isso tem a
ver com um projeto (institucionalizado pela escola) que visa a
estabelecer princípios uniformes de circulação escolar da leitura
e de petrificação de um modelo único de trabalho com o texto.
Temos, assim, um processo de "escolarização" das práticas de
leitura e de produção escrita que, ao invés de garantir a
liberdade de invenção, molda e imobiliza a relação do alunoleitor-autor com o texto, tornando essas práticas estéreis do
ponto de vista de sua funcionalidade e da multiplicidade de
sentidos que elas poderiam mobilizar.
Referências Bibliográficas
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expressão oral em contexto escolar. Dissertação (Mestrado em
Lingüística). Universidade Federal do Pará, 1993
BRITO, Percival Leme. Em terra de surdos-mudos - um estudo
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GERALDI, 1. W. (org.). O texto na sala de aula leitura e
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GERALDI, João Wanderley. Concepções de linguagem e ensino de
português. In: GERALDI, J.W. (org.). O texto na sala de aula
leitura e produção. Cascavel: ASSOESTE, 1984.
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
A leitura e a produção escrita como práticas discursivas...
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_____. Prática da leitura de textos na escola. In : GERALDI, J. W.
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LUCKESI, Cipriano. Procedimentos de ensino. In: Filosofia da
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MAGNANI, Maria do Rosário Montatti. Leitura, literatura e escola
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SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da
escrita - a alfabetização como processo discursivo. São Paulo:
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Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
ORIENTAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ORIGINAIS
Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto Nº 1825, de 20 de
dezembro de 1907
Os textos encaminhados para publicação na Revista e nos Papers do
Centro de Educação serão submetidos a uma preparação editorial, podendo
ser reapresentados aos autores para que os adaptem às seguintes orientações:
1 O texto deve versar sobre temas educacionais e/ou áreas afins;
2 O texto deve se enquadrar nas seguintes categorias: artigos originais,
artigos de revisão, comunicações, notas técnicas, resenhas, resumos de
dissertações e teses;
3 Texto com, no máximo trinta (30) páginas datilografadas ou
digitadas, em espaço dois (2), com margens: superior três (3) centímetros
(sendo a primeira página do capitulo com 9cm); inferior 2,5cm; esquerda
4cm; direita 2cm;
3.1 Os textos digitados deverão ser encaminhados em disquetes de 3,5
(polegadas) ou 51/4 (51/4 de polegadas) devendo ainda ser usado, para
digitação, o editor de textos Word for Windows;
4 Capa contendo: nome da instituição, centro ou departamento ao qual
o autor pertença; título do trabalho; nome do autor; qualificação acadêmica;
local e data;
5 Nas páginas intercaladas com ilustrações, considerar 50% para
datilografia e 50% para a aposição das figuras e/ou tabelas;
6 As figuras: desenhos, gráficos, mapas, etc., com respectiva legenda,
devem ser apresentadas em original ou em papel vegetal, índicando-se no
texto o lugar onde deverão ser incluídas;
7 Para as fotografias deve ser observado, no mínimo, o tamanho 6x9;
8 As tabelas deverão ser numeradas em algarismo arábico
(independentemente das figuras) e encabeçadas pelas legendas, informandose abaixo a fonte da pesquisa;
9 Quando a página apresentar nota de rodapé, consídere-se, para isto,
o espaço correspondente a 1/3 da página, separada por uma barra horizontal;
o conteúdo das notas deve ficar sempre na mesma página da remissão;
Ver a educação, Belém, v.4, n.1, p.105-119, jan./jun., 1998
SANTOS, Sandoval Nonato Gomes
10 O número das chamadas (remissões) deve vir em corpo menor e
um pouco acima da linha do texto; a numeração das notas deve ser contínua
até o final do texto;
11 Vocábulos estrangeiros devem ser escritos em itálico elou negrito;
12 Os autores devem evitar rasuras e trechos ilegíveis;
13 As citações bibliográficas - tanto no corpo do texto, quanto em lista
no final do texto - devem obedecer à NBR 6023 da ABNT;
14 O texto deve ser precedido de um resumo (em português e versão
em língua estrangeira), obedecendo o máximo de 150 palavras para o relato
de pesquisa e de 100 para os demais tipos de texto. Consultar a NB-88 jul/87 para elaboração de resumos;
15 As citações com mais de cinco (5) linhas devem ser escritas em
corpo menor, espaço simples, destacadas do texto, com adentramentos
laterais centralizando-as.
OBS: Após contato com os autores e dirimidas as dúvidas.
Considerar-se-á fechada a matéria não se admitindo acréscimos que não
constem dos originais.
COMISSÃO EDITORIAL DO CENTRO DE EDUCAÇÃO
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