No 8 Agosto 2008 Nesta Edição Súmula Impeditiva de Recurso: reflexões acerca do Artigo 518, Parágrafo 1o do Código de Processo Civil. Pág. 1 Transferência da titularidade do veículo sem realização de vistoria - Obrigação Impossível – Inteligência do Artigo 124 Ctb Pág. 3 Da penhora on line deferida em desfavor das pessoas jurídicas: Pág. 6 Súmula Impeditiva de Recurso: reflexões acerca do Artigo 518, Parágrafo 1o do Código de Processo Civil. N o contexto dos ideais das reformas operadas no ordenamento processual, o parágrafo 1o do artigo 518 do CPC1, introduzido pela Lei n. 11.276/06, busca conferir maior celeridade e efetividade à prestação jurisdicional, como forma de resolver a crise de tempestividade do processo e “descongestionar” o trabalho do judiciário, inibindo a interposição de recursos sem possibilidades de prosperar. a) O parágrafo 1º do artigo 518 e o artigo 557 do Código de Processo Civil Ao analisar a alteração do artigo 518 do CPC pela Lei n. 11.276/06, Humberto Theodoro Júnior2 afirma que o parágrafo 1o “não é um corpo estranho dentro do sistema do Código de Processo Civil”, pelo que é possível dizer que este representa uma pequena extensão, ao juiz de primeira instância, dos poderes do relator, visto que ao juiz de primeiro grau foi concedida competência para negar seguimento à apelação quando a sentença estiver em conformi* Bianca Leal Bastos é advogada associada à Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados e pós graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. 1 CPC, art. 518, § 1o: “O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”. 2 THEODORO JUNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. 1a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 11-12. Bianca Leal Bastos* dade com súmu. [email protected] la do STJ ou do STF, enquanto, ao julgador do tribunal ad quem os poderes são mais amplos, nos termos do artigo 5573 do CPC4. Não obstante o propósito da regra aponte para a maior agilidade processual, na prática ainda restam dúvidas de que a “súmula impeditiva de recurso” na forma prevista pelo artigo 518, parágrafo 1º do CPC, traga o resultado almejado pelo legislador. Considerando que os poderes conferidos ao relator não contribuíram para a redução do número de recursos, bem como não implementaram a almejada celeridade processual, é totalmente pertinente o receio de que o novo dispositivo do artigo 518 do CPC, à semelhança do artigo 557 do CPC, também não atinja os objetivos pretendidos pela 3 CPC, art. 557: “O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”. 4 CAMPOS, Fernando Marques de e CAMPOS, Gledson Marques de. O novo art. 518 do CPC e a Polêmica em torno da Súmula Impeditiva de Recursos – Lei. 11.276. Revista Dialética de Direito Processual n. 49. São Paulo: Dialética, 2007, p. 45-53. 1 Lei n. 11.276/06, sendo esta a posição manifestada por Hugo de Brito Machado5. b) Súmula impeditiva de recurso – Da possibilidade de interposição de agravo de instrumento Em relação à aplicação prática do parágrafo 1o do artigo 518 do CPC, é fundamental esclarecer que para a incidência da nova regra o magistrado deve verificar que está diante de uma sentença cujo único, ou pelo menos o determinante, fundamento utilizado seja a súmula. Segundo Luiz Guilherme Marinoni6, “se a súmula é apenas um dos argumentos utilizados, não se estará diante de sentença em conformidade com súmula, como exigido pela norma”, complementando, ainda, que “a hipótese indicada pela regra representa situação em que a decisão judicial está em harmonia com a súmula e que essa é o fundamento suficiente e determinante da decisão”. Além disso, pode ser verificada a conformidade integral de parte da sentença, quando esta se desenvolve em capítulos distintos, isto é, a sentença pode conter vários capítulos e apenas algum (ou alguns) estar fundamentado em súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. Neste caso, o juízo a quo deverá admitir o recurso apenas em parte, não devendo a apelação ser conhecida no que se refere à impugnação do capítulo da sentença que está em conformidade com súmula do STF ou do STJ. Frise-se que não obstante o juízo a quo tenha proferido sentença em conformidade com entendimento sumulado pelos tribunais superiores, a parte não perderá o direito de recorrer com intenção de demonstrar que o caso concreto tem particularidade que não permite a aplicação de tal súmula. Ademais, nada impede que a parte também ingresse com apelação para que o tribunal reconheça que o entendimento de determinada súmula deve ser modificado7. Humberto Theodoro Júnior sustenta que eventual equívoco do juiz em considerar a sentença adequável ao entendimento de súmula não acarretará “irremediável supressão do direito da parte de acesso ao segundo grau de jurisdição”, uma vez que pelo artigo 522, caput do CPC9, cabe 8 5 MACHADO, Hugo de Brito. Ampliação do juízo de admissibilidade na apelação – Lei. 11.276. Revista Dialética de Direito Processual n. 38. São Paulo: Dialética, 2006, p. 62-63: “[...] fiz, como relator de processos no Tribunal Regional da 5a Região, cerca de dez despachos negando seguimento a recursos, e em todos os casos houve a interposição de agravos. Tive o trabalho de fazer os despachos e depois fazer os relatórios e votos, para submeter as questões ao colegiado. Vi que a novidade legislativa em nada contribuiu para diminuir o trabalho no Tribunal. Pelo contrário, o aumentou. Por isso não mais utilizei a faculdade que o novo dispositivo legal me atribuiu. Era muito mais fácil relatar o caso e levá-lo a julgamento. Minha experiência, portanto, autoriza-me a pensar que a inovação agora introduzida [tratando do art. 518, § 1o do CPC] também não vai produzir o efeito desejado”. 6 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 2: Processo de Conhecimento. 6a ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 524. 7 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 525. 8 THEODORO JUNIOR, Humberto. Op. cit., p. 12. 9 CPC, art. 522, caput: “ Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão de apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento”. 2 o agravo de instrumento contra a decisão que não admite apelação e tal recurso não será obstado na primeira instância, pois sua interposição ocorre diretamente no Tribunal (artigo 524 do CPC10). Assim, conclui que o agravo de instrumento constitui o “remédio eficiente para corrigir o error in judicando cometido em primeiro grau e fazer chegar o apelo ao exame do tribunal competente”. c) Da força normativa das súmulas do STJ e STF – O risco de aplicação indiscriminada do artigo 518, parágrafo 1o do Código de Processo Civil Questão importante que decorre da força normativa conferida aos entendimentos sumulados pelos tribunais superiores, refere-se ao perigo de que, no intuito de descongestionar o Judiciário e conferir maior celeridade ao processo, ocorra a aplicação indiscriminada de tais súmulas para fundamentar a decisão que deixa de receber a apelação com base no artigo 518, parágrafo 1o do CPC. Nesse ponto, surge a discussão referente à “conformidade” (a teor da redação do art. 518, § 1o do CPC) da sentença com a súmula, tendo em vista que uma súmula que, a princípio, pode parecer aplicável a determinado caso, com o devido estudo dos precedentes que lhe originaram, revelará que na verdade não conserva a relação de identidade com a situação fática do processo, cuja admissibilidade do recurso de apelação está sob análise. Note-se que além das Cortes Superiores possuírem alguns enunciados bastante antigos, cujo posicionamento pode não estar mais em conformidade com a evolução da jurisprudência, a prática desses tribunais consiste na elaboração de previsões genéricas e abstratas, gerando, inclusive, o problema da elaboração de enunciados de súmula em que não há correlação entre os próprios enunciados e as razões decisórias. Tais reflexões foram apontadas no texto de Leonardo Greco: “Novas Súmulas do STF e alguns reflexos sobre o Mandado de Segurança”, em que se constatou, ao examinar o enunciado da súmula n. 62511 do STF que os quatro julgados (mencionados como precedentes) não são exatamente iguais e embora todos transmitam a idéia de direito líquido e certo, nenhum se refere à matéria de direito de que trata a súmula12. Portanto, é preciso que o julgador tenha o máximo de cautela para a utilização do artigo 518, parágrafo 1o do CPC, uma vez que a simples invocação de súmula formulada através de enunciado genérico não será suficiente, sendo 10 CPC, art. 524: “O agravo de instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente, através de petição com os seguintes requisitos: [...]”. 11 STF, súmula n. 625: “Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança”. 12 GRECO, Leonardo. Novas Súmulas do STF e alguns reflexos sobre o mandado de segurança. Artigo publicado no Mundo Jurídico em 20.11.2003. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 22.01.2008. necessária a comparação dos casos concretos para que, caso seja verificada a existência de situação fática idêntica, o julgador possa aplicar corretamente a mesma regra jurídica. Conclusão o agravo de instrumento, se for lhe dar provimento, julgar o mérito da própria apelação, sem necessidade de determinar a subida dos autos principais que se encontram no juízo a quo, desde que as peças que formaram o agravo de instrumento sejam suficientes para tanto. Não obstante os aspectos favoráveis do parágrafo 1o do artigo 518 do CPC, ao que parece, a aplicação do dispositivo aumentará o volume de trabalho nos tribunais, que não julgarão somente a apelação, mas também o agravo de instrumento interposto contra a decisão que não a admitiu, para, posteriormente, julgar o próprio recurso de apelação. Ademais, é possível afirmar que a regra do parágrafo 1o do artigo 518 do CPC somente resultará na economia de trabalho nos tribunais e redução do tempo de duração do processo, caso a decisão que não receber a apelação, com base em sentença respaldada em jurisprudência sumulada pelo STF ou pelo STJ, venha acompanhada da imposição das sanções previstas no artigo 18 do CPC14. Uma forma alternativa para que a inovação atenda aos princípios da celeridade e economia processual, representados pela garantia constitucional da duração razoável do processo, seria a aplicação por analogia do artigo 544, parágrafo 3o do CPC13, possibilitando ao relator que receber Acredita-se que a condenação do recorrente ao pagamento de multa evitará a interposição de agravo de instrumento com intuito meramente protelatório e, assim, a norma do artigo 518, parágrafo 1º do CPC alcançará o seu objetivo. 13 CPC, art. 544, § 3o: “Poderá o relator, se o acórdão recorrido estiver em confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, conhecer do agravo para dar provimento ao próprio recurso especial; poderá ainda, se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito, determinar sua conversão, observando-se, daí em diante, o procedimento relativo ao recurso especial”. 14 CPC, art. 18: “O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou”. Transferência da titularidade do veículo sem realização de vistoria - Obrigação Impossível – Inteligência do Artigo 124 Ctb Q uestão que merece especial atenção diz respeito às condenações judiciais em obrigação de fazer às Seguradoras para que efetivem a transferência da propriedade de veículos roubados e ainda não localizados para seus nomes. Alguns julgados dispõem que constitui ato ilícito a manutenção do veículo em nome do antigo proprietário, sob o fundamento de que, ao efetuar o pagamento da indenização securitária, com a conseqüente sub-rogação de direitos, as seguradoras passam a ser responsáveis pela transferência da propriedade para a sua titularidade. 1 *Ana Albuquerque é advogada associada à Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados, graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e pós-graduanda em Direito Privado pela Universidade Federal Fluminense – UFF. 1 “Apelação Cível. Ação de indenização. Sinistro em veículo. Falta de transferência de propriedade. Existência de débitos fiscais em nome da antiga proprietária. Sentença que julgou procedente o pedido, condenando a seguradora a proceder a transferência da propriedade do veículo. Inconformismo da apelante em razão da impossibilidade de dar cumprimento à obrigação que lhe foi imposta. Pretensão de substituição da obrigação por expedição de ofício. Recurso a que se dá parcial provimento, determinando a expedição de ofício ao detran para transferência da propriedade do veículo. Configuração do dano moral, em razão da cobrança indevida dos débitos referentes ao ipva. Quantum fixado dentro dos padrões da razoabilidade e da proporcionalidade.” (Apelação Cível nº 2007.001.21251 - 1ª Ementa - Des. Luiz Felipe Francisco Julgamento: 12/06/2007 - Oitava Câmara Cível do TJRJ) Ana Paula de Brito Albuquerque* [email protected] A inserção de dados sobre registro de ocorrência de roubo e furto no RENAVAM do veículo é realizada diretamente pelos órgãos de segurança pública, existindo no Rio de Janeiro uma Delegacia Especializada para tal procedimento (PCERJ/DRFA)2. Este órgão, que é o responsável pelo registro de ocorrência de delitos dessa natureza, possui um sistema integrado, por meio do qual é possível acessar o sistema do Detran estadual e inserir tais dados, sendo que somente a autoridade policial pode retirar ou autorizar que seja retirada uma ocorrência de roubo e furto do RENAVAM3. 2 POLICIA CIVIL. A instituição. Atribuições e Competências. Disponível em: http://www.policiacivil. rj.gov.br/drfa/drfa.htm. Acesso em: 23 de junho de 2008. 3 DENATRAN. Perguntas Freqüentes. R17. Disponível em www.denatran.gov.br. Acesso em: 23 de junho de 2008. 3 Dessa forma, no sistema da atual legislação, em caso de roubo/furto, incumbe ao proprietário comunicar o fato à autoridade policial e fiscalizar a inclusão dessa restrição perante o órgão estadual de trânsito4. Essa informação incluída nos cadastros do Detran impede qualquer transação com o veículo5. Ademais, consoante redação do art. 124, incisos VII e XI do Código de Trânsito Brasileiro, faz-se necessária a realização de vistoria e certidão negativa de roubo ou furto para expedição de novo Certificado de Registro do Veículo (CRV), nos seguintes termos: A decisão dispõe: “Art. 124. Para a expedição do novo Certificado de Registro de Veículo serão exigidos os seguintes documentos: “Sustenta a seguradora que buscou solucionar a questão perante o Detran/RJ, porém não foi possível em razão da impossibilidade de transferir o automóvel para seu nome, por vedação legal de transferência enquanto não localizado o veículo (art. 124 do CTB). (...) (...) VII - certidão negativa de roubo ou furto de veículo, expedida no Município do registro anterior, que poderá ser substituída por informação do RENAVAM; Como fumus boni iuris reitera a tese de ofensa ao art. 124 do CTB, por impossibilidade legal de promover a transferência do veículo por si só, uma vez que a mencionada norma exige inspeção veicular (vistoria) e apresentação de certidão negativa de furto do veículo, o qual, in casu, não foi recuperado. (...) XI - comprovante de aprovação de inspeção veicular e de poluentes e ruído, quando for o caso, conforme regulamentações do CONTRAN e do CONAMA.” Tal dispositivo legal é regulado através da resolução nº 05/95 do CONTRAN: “Art. 1º. As vistorias tratadas na presente Resolução serão realizadas por ocasião da transferência de propriedade ou de domicilio intermunicipal ou interestadual do proprietário do veículo, ou qualquer alteração de suas características, implicando no assentamento dessa circunstância no registro inicial. No entanto, alguns acórdãos, além de imporem às seguradoras a obrigação de fazer acima referida, indeferem o pedido de expedição de ofício ao Órgão de Trânsito para que efetivem a medida pretendida, por entenderem que tal obrigação é ônus das mesmas e que, nesta linha de idéias, devem comprovar cabalmente a impossibilidade de fazê-lo. 4 PRF. Disponível em: http://www.dprf.gov.br/extranet/alerta/design_alerta.cfm. Consultado em 25 de junho de 2008. 5 DETRAN. Glossário. Restrição. Disponível em: www.detran.rj.gov.br. Acesso em: 23 de junho de 2008. 4 A questão chegou recentemente ao Superior Tribunal de Justiça, que houve por bem deferir liminar para que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso interposto por uma seguradora para suspender a execução de multa diária em obrigação de fazer desta espécie, restando ainda pendente o julgamento quanto ao mérito da questão. (...) Volta a repisar a impossibilidade de cumprimento da decisão judicial e pede e expedição de ofício ao DETRAN/ RJ para que proceda às determinações judiciais constantes do julgado ordinário, notadamente para realizar a transferência do veículo e para a retirada de todas as multas provenientes do aludido automóvel após a ocorrência do furto. Ao final, reitera os pedidos de efeito suspensivo ao recurso especial, de redução da multa e expedição dos supramencionados ofícios ao DETRAN/RJ. Relatados, passo a decidir. Com efeito, uma análise preliminar das alegações da requerente indica haver, pelo menos em juízo perfunctório, a presença dos requisitos para a concessão da medida de urgência. O art. 124 do CTB, de fato, exige a realização de inspeção veicular e a apresentação de certidão negativa de furto para a transferência do veículo. (...) Assim, presente o fumus boni iuris. De igual modo, a aplicação de multa diária e o ajuizamento da execução provisória denotam situação de risco quanto a eventual demora na prestação jurisdicional, notadamente em face do elevado valor da penalidade cominada. Demonstrado, portanto, o periculum in mora. Desse modo, estando presentes, em concomitância, os requisitos para a concessão da medida de urgência, deve ser deferido o pleito para que se suspendam os efeitos do acórdão recorrido até julgamento do recurso especial. Ante o exposto, defiro o pedido para que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso especial, ao respectivo agravo de instrumento, bem como para que se suspenda a execução em andamento.” (Processo MC 013242; Relator Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR; Data da Publicação DJ 05.09.2007) do obrigação às seguradoras contrarium legem, em flagrante violação ao princípio da legalidade e, repitase, impossíveis de ser cumpridas. No entanto, a Suprema Corte vem entendendo pelo não conhecimento de recursos cuja violação à Constituição Federal seja indireta6, ou meramente reflexa como denominada, pois que, para analisar a violação ao princípio da legalidade, o julgador teria que analisar primeiramente a redação do artigo 124 do CTB. Verifica-se, desse modo, que as seguradoras encontram sérios problemas de ordem prática quando são proferidas decisões que lhes impõem a transferência da propriedade de veículo não recuperado, pois, como já exposto, tal obstáculo decorre da dicção do artigo 124 do CTB, que exige a realização de vistoria para que seja expedido novo CRV, configurando, assim, obrigação impossível de ser cumprida7. Espera-se dessa forma, que o Superior Tribunal vá, finalmente, pacificar a matéria e conferir a interpretação correta a tal dispositivo, minimizando as dificuldades encontradas pelas seguradoras quanto ao cumprimento das determinações judiciais neste sentido. Espera-se, por fim, que com o presente ensaio tenha sido possível esclarecer a atual sistemática da legislação de trânsito quanto à impossibilidade de transferência da propriedade sem a realização de vistoria. Analisando estes elementos, conclui-se que as decisões que impõem a obrigação de fazer às seguradoras são equivocadas, exatamente porque o cumprimento é impossível quando os veículos não são localizados. No mesmo sentido, as decisões que indeferem a expedição de ofícios ao Detran para que efetive a transferência da propriedade agravam ainda mais o quadro, já que, inobstante o acúmulo das multas diárias, muitas vezes representativo de valores elavadíssimos, a obrigação, em si, não será cumprida, ante à impossibilidade para tanto. No âmbito dos Juizados Especiais a questão é ainda pior, vez não é cabível recurso para o Superior Tribunal de Justiça, nos termos da Súmula 203 daquela Corte Superior. Tal questão ainda não chegou ao Supremo Tribunal Federal, não obstante seja possível demonstrar a relevância e a repercussão geral da matéria, consubstanciada no fato de as decisões estarem impon- 6 “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRECEDENTE. 1. Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI-AgR 707782 / RJ; Relator(a): Min. EROS GRAU; Julgamento: 20/05/2008; Órgão Julgador: Segunda Turma do STF) 7 “Com isso, constata-se a impossibilidade material de cumprimento de obrigação imposta na sentença, que não se dá por ato involuntário da Demandada, mas em razão de que, para transferência de propriedade de veículo, é necessária vistoria, sem embargo de ausência de previsão na legislação específica, que exclua dessa exigência o veículo furtado.” (Apelação Cível nº 2007.001961-5; Relator: Cláudio Santos; TJRN; j. em 11.09.2007) 5 Da penhora on line deferida em desfavor das pessoas jurídicas: 1 – Introdução Visa-se no presente artigo analisar a medida de constrição de bem móvel do devedor, denominada penhora on line, introduzida no Código de Processo Civil através da Lei 11.382/2006 com a finalidade de propiciar maior celeridade à satisfação dos créditos cobrados via execuções e cumprimentos de sentença. Como delimitação do tema, propõe-se uma análise restrita dos casos de penhoras deferidas em desfavor das sociedades empresariais, fazendo-se uma breve comparação com o instituto da penhora de renda da empresa, prevista no artigo 677, do CPC, bem como ressaltando a necessidade de obediência à regra prevista no parágrafo 3º do artigo 655-A do referido diploma legal. 2 – O que é a penhora on line? Como ela é realizada? É a penhora on line um mecanismo processual de indisponibilização de saldos existentes em contas bancárias e aplicações financeiras em nome do devedor com o fim de satisfazer a pretensão líquida, certa e exigível do credor em um processo de Execução Judicial ou Extrajudicial. No que tange à forma de realização da indisponibilização do bem móvel do devedor, o Dr. Flávio Henrique de Melo esclarece no artigo “Penhora ‘on line’ e a terceira reforma processual civil”1, que o Juiz, ao acessar o sistema do BACENJUD, não realiza o ato processual de constrição dos bens do devedor nominado de “penhora”, tendo apenas o condão de gerar somente uma espécie de pré-penhora, através do bloqueio requerido via on line, no qual é indisponibilizado todo e qualquer saldo existente em contas de titularidade do devedor, ainda que superior ao valor cobrado. * Rafael Ribeiro Santoro é advogados associado à Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados. 1 MELO, Flávio Henrique de. A penhora “on line” e a terceira reforma processual civil. www.amb. com.br, acesso em 22/04/08. 6 Rafael Ribeiro Santoro* [email protected] O sistema é efetivamente eficaz no bloqueio e atinge todos os créditos de titularidade do devedor. A partir do bloqueio de valores, o Juiz deve determinar, no próprio programa BACENJUD, a transferência do quantum debeatur para uma conta à disposição do juízo, cabendo, posteriormente, ao magistrado proferir uma decisão convolando tal bloqueio on line (pré-penhora) em penhora. Somente nessa oportunidade é que ocorrerá a individualização das contas bloqueadas e a limitação da restrição ao valor cobrado pelo credor. Tudo o que for excedente é, em tese, liberado pelo juízo. Efetivada, então, a penhora, deverá o devedor ser intimado na forma do art. 475-J, §1º do CPC, em se tratando de cumprimento de sentença ou na forma do art. 652, §1º, do mesmo diploma legal, em se tratando de execução por quantia certa contra devedor solvente, prosseguindo na forma prevista na lei processual civil. 3 – Efetividade da medida x danos potenciais: Se por um lado a penhora on line tem se mostrado uma medida efetiva para a liquidação do crédito cobrado judicialmente, por outro lado tem gerado situações prejudiciais e potencialmente danosas para os devedores. Primeiro porque a ordem não se restringe ao bloqueio do valor devido em uma única conta ou investimento. O sistema bloqueia tudo o que encontra em nome do devedor, mesmo que já se tenha encontrado o valor do crédito executado numa única conta. Há quase sempre manifesto excesso na penhora. A irregularidade só é sanada após o juiz determinar a transferência do saldo bloqueado para uma conta judicial, quando enfim determina a liberação do saldo excedente. Porém, a prática demonstra que isso não ocorre com a mesma velocidade e efetividade com que é realizado o bloqueio. Segundo porque o legislador infraconstitucional não estabeleceu no artigo 655-A um limite de percentual para a realização da penhora de dinheiro. Na prática, os magistrados têm determinado a realização do bloqueio independentemente da fixação de um percentual, o que, em se tratando de saldo de titularidade de sociedades empresariais, pode gerar uma situação análoga à penhora de empresa, sem que se observe a regra estabelecida no art. 677 do CPC. Ou seja, desconsidera-se todo o sistema processual com uma simples ordem de bloqueio on line, gerando um aparente conflito entre as normas do CPC. E na medida em que se caracteriza como violadora do sistema processual, a penhora se mostraria objetivamente ilegal, na conceituação de Araken de Assis, admitindo a oposição do devedor mediante embargos.2 Entende-se que caberia uma atualização do sistema BACENJUD, visando incluir na ordem de bloqueio um limite para a indisponibilização dos saldos, até o valor apresentado pelo credor. Assim, a “varredura” da penhora on line deveria ser realizada por cada conta e investimento individualmente, terminando quando fosse localizado em uma ou mais contas o saldo executado. Isso certamente impediria que todas as contas do devedor fossem bloqueadas de uma só vez, gerando o excesso de penhora. Ademais, em se tratando de execuções de quantias elevadas movidas contra sociedades empresariais caberia ao magistrado fixar no pedido efetuado à autoridade supervisora do sistema bancário um percentual como limite mensal para a restrição do saldo bancário, de modo a não inviabilizar o funcionamento da empresa. 2 ASSIS, Araken de. ob.cit., p.660. Uma outra saída para esse aparente conflito seria a fixação de um percentual entre 10% a 30% 3do saldo existente nas contas e investimentos bancários, além da nomeação de um depositário para os fins do art. 6774 e 6785 do CPC. Ainda nesse sentido, convém transcrever a jurisprudência do STJ: “PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA SOBRE O FATURAMENTO – POSSIBILIDADE – VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC NÃO CONFIGURADA – REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA – SÚMULA 07 STJ – PRECEDENTES. - Não se configura a omissão apontada se o acórdão hostilizado analisou a controvérsia à luz dos preceitos legais indicados e em conformidade com a jurisprudência pacífica deste Tribunal. - A jurisprudência admite a penhora em dinheiro até o limite de 30% do faturamento mensal da empresa devedora executada, desde que cumpridas as formalidades ditadas pela lei processual civil, como a nomeação de administrador, com apresentação da forma de administração e de esquema do pagamento. - A revisão da matéria fática que embasou a fundamentação do julgado é inviável em sede de recurso especial, a teor da Súmula nº 07 do STJ. - Recurso especial não conhecido”. (STJ. 2ª T. Rel. Min. Peçanha Martins, RESP 287.603, DJU 26.05.03. p.304) O Superior Tribunal Justiça ainda possui outros julgados no mesmo sentido, sendo relevante destacar que apesar da variação sobre o limite de percentual, sempre se exige o cumprimento das formalidades de nomeação do administrador, apresentação do plano de administração e o esquema de pagamento. Adotando-se tais atitudes, certamente, estará se garantindo não só o atendimento aos princípios processuais (menor onerosidade ao devedor x satisfação do credor e economia e celeridade processual) como também a obediência ao princípio da preservação da empresa. 3 NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 39ªed. São Paulo: Saraiva, 2007, art. 655: 13b. 4 Art. 677 – quando a penhora recair em estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em semoventes, plantações ou edifícios em construção, o juiz nomeará um depositário, determinando-lhe que apresente em dez (10) dias a forma de administração. 5 Art. 678 – A penhora de empresa, que funcione mediante concessão ou autorização, farse-á, conforme o valor do crédito, sobre a renda, sobre determinados bens, ou sobre todo o patrimônio, nomeando o juiz como depositário, de preferência, um dos seus diretores. Parágrafo único – Quando a penhora recair sobre a renda ou sobre determinados bens, o depositário apresentará a forma de administração e o esquema de pagamento observando-se, quanto o mais, o disposto nos arts. 716 a 720; recaindo, porém, sobre todo o patrimônio, prosseguirá a execução os seus ulteriores termos, ouvindo-se, antes da arrematação ou da adjudicação, o poder público, que houver outorgado a concessão 7 4 - Conclusão. Após esses breves comentários sobre o bloqueio on line das contas e investimentos das sociedades empresariais, conclui-se que apesar de a medida ser efetiva para o pagamento do credor, em execuções de elevados valores ela pode gerar danos irreparáveis ao devedor. titularidade das pessoas jurídicas, nas execuções de elevados valores. Nessas hipóteses, sugere-se que sejam estabelecidos limites para a constrição judicial, de modo a não inviabilizar o funcionamento da empresa, tudo de acordo com o sistema previsto pela lei processual civil, sob pena de se caracterizar como penhora ilegal, passível de oposição por via dos embargos. Por fim, espera-se ter despertado a atenção dos leitores para o problema gerado pela penhora on line dos saldos em contas e investimentos bancários de Chalfin, Goldberg & Vainboim A D V O G A D O S A S S O C I A D O S Áreas de atuação Endereços Contencioso e consultivo Rua da Assembléia, 98 5º e 7ºandares • Centro 20011-000 Rio de Janeiro • RJ Tel (5521) 3970-7200 Fax (5521) 3970-7211 e-mail: [email protected] • Direito Securitário • Direito Bancário • Direito do Consumidor • Direito Imobiliário • Direito Trabalhista Rio de Janeiro São Paulo Rua Pamplona, 518 9° andar • Jardim Paulista 01405-000 São Paulo • SP Tel (5511) 3149-5210 Fax (5511) 3149-5211 e-mail:[email protected] Petrópolis Rua Dr. Nelson Sá Earp, 95 sala 116 • Centro 25680-195 Petrópolis • RJ Tel / fax (5524) 2237-7859 e-mail:petropolis@cgvadvogados. com.br Vitória Rua Pedro Palácios, 60 grupo 802 • Centro 29015-160 Vitória • ES Tel / Fax (5527) 3222-6309 e-mail:[email protected] www.cgvadvogados.com.br contato: [email protected] 8 Expediente Focus Conselho Editorial: Eduardo Chalfin Ilan Goldberg Clara Vainboim Produção Gráfica: Ricardo Gualazzi Tiragem: 500 exemplares O CGV Focus é uma publicação com fins meramente informativos, visando estimular o debate de temas jurídicos atuais. 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