No 8  Agosto  2008
Nesta Edição
Súmula Impeditiva de Recurso: reflexões acerca do
Artigo 518, Parágrafo 1o do Código de Processo
Civil. Pág. 1
Transferência da titularidade do veículo sem
realização de vistoria - Obrigação Impossível –
Inteligência do Artigo 124 Ctb Pág. 3
Da penhora on line deferida em desfavor
das pessoas jurídicas: Pág. 6
Súmula Impeditiva de Recurso:
reflexões acerca do Artigo 518,
Parágrafo 1o do Código de
Processo Civil.
N
o contexto dos ideais das reformas operadas no ordenamento processual, o parágrafo 1o do artigo 518
do CPC1, introduzido pela Lei n. 11.276/06, busca conferir maior celeridade e efetividade à prestação jurisdicional,
como forma de resolver a crise de tempestividade do processo e “descongestionar” o trabalho do judiciário, inibindo a
interposição de recursos sem possibilidades de prosperar.
a) O parágrafo 1º do artigo 518 e o artigo 557 do Código
de Processo Civil
Ao analisar a alteração do artigo 518 do CPC pela Lei n.
11.276/06, Humberto Theodoro Júnior2 afirma que o parágrafo 1o “não é um corpo estranho dentro do sistema do
Código de Processo Civil”, pelo que é possível dizer que
este representa uma pequena extensão, ao juiz de primeira instância, dos poderes do relator, visto que ao juiz de
primeiro grau foi concedida competência para negar seguimento à apelação quando a sentença estiver em conformi* Bianca Leal Bastos é advogada associada à Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados e pós graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes.
1 CPC, art. 518, § 1o: “O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em
conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”.
2 THEODORO JUNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. 1a ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2006, p. 11-12.
Bianca Leal Bastos*
dade com súmu. [email protected]
la do STJ ou do
STF, enquanto,
ao julgador do tribunal ad quem os poderes são mais amplos, nos termos do artigo 5573 do CPC4.
Não obstante o propósito da regra aponte para a maior agilidade processual, na prática ainda restam dúvidas de que
a “súmula impeditiva de recurso” na forma prevista pelo
artigo 518, parágrafo 1º do CPC, traga o resultado almejado pelo legislador.
Considerando que os poderes conferidos ao relator não
contribuíram para a redução do número de recursos, bem
como não implementaram a almejada celeridade processual, é totalmente pertinente o receio de que o novo dispositivo do artigo 518 do CPC, à semelhança do artigo 557
do CPC, também não atinja os objetivos pretendidos pela
3 CPC, art. 557: “O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo
tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”.
4 CAMPOS, Fernando Marques de e CAMPOS, Gledson Marques de. O novo art. 518 do CPC
e a Polêmica em torno da Súmula Impeditiva de Recursos – Lei. 11.276. Revista Dialética de
Direito Processual n. 49. São Paulo: Dialética, 2007, p. 45-53.
1
Lei n. 11.276/06, sendo esta a posição manifestada por
Hugo de Brito Machado5.
b) Súmula impeditiva de recurso – Da possibilidade de
interposição de agravo de instrumento
Em relação à aplicação prática do parágrafo 1o do artigo
518 do CPC, é fundamental esclarecer que para a incidência da nova regra o magistrado deve verificar que está
diante de uma sentença cujo único, ou pelo menos o determinante, fundamento utilizado seja a súmula. Segundo
Luiz Guilherme Marinoni6, “se a súmula é apenas um dos
argumentos utilizados, não se estará diante de sentença
em conformidade com súmula, como exigido pela norma”,
complementando, ainda, que “a hipótese indicada pela regra representa situação em que a decisão judicial está em
harmonia com a súmula e que essa é o fundamento suficiente e determinante da decisão”.
Além disso, pode ser verificada a conformidade integral
de parte da sentença, quando esta se desenvolve em capítulos distintos, isto é, a sentença pode conter vários capítulos e apenas algum (ou alguns) estar fundamentado
em súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior
Tribunal de Justiça. Neste caso, o juízo a quo deverá admitir o recurso apenas em parte, não devendo a apelação
ser conhecida no que se refere à impugnação do capítulo
da sentença que está em conformidade com súmula do
STF ou do STJ.
Frise-se que não obstante o juízo a quo tenha proferido
sentença em conformidade com entendimento sumulado
pelos tribunais superiores, a parte não perderá o direito de
recorrer com intenção de demonstrar que o caso concreto
tem particularidade que não permite a aplicação de tal súmula. Ademais, nada impede que a parte também ingresse
com apelação para que o tribunal reconheça que o entendimento de determinada súmula deve ser modificado7.
Humberto Theodoro Júnior sustenta que eventual equívoco do juiz em considerar a sentença adequável ao entendimento de súmula não acarretará “irremediável supressão
do direito da parte de acesso ao segundo grau de jurisdição”, uma vez que pelo artigo 522, caput do CPC9, cabe
8
5 MACHADO, Hugo de Brito. Ampliação do juízo de admissibilidade na apelação – Lei. 11.276.
Revista Dialética de Direito Processual n. 38. São Paulo: Dialética, 2006, p. 62-63: “[...] fiz, como
relator de processos no Tribunal Regional da 5a Região, cerca de dez despachos negando
seguimento a recursos, e em todos os casos houve a interposição de agravos. Tive o trabalho
de fazer os despachos e depois fazer os relatórios e votos, para submeter as questões ao colegiado. Vi que a novidade legislativa em nada contribuiu para diminuir o trabalho no Tribunal. Pelo
contrário, o aumentou. Por isso não mais utilizei a faculdade que o novo dispositivo legal me
atribuiu. Era muito mais fácil relatar o caso e levá-lo a julgamento. Minha experiência, portanto,
autoriza-me a pensar que a inovação agora introduzida [tratando do art. 518, § 1o do CPC]
também não vai produzir o efeito desejado”.
6 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 2: Processo
de Conhecimento. 6a ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.
524.
7 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 525.
8 THEODORO JUNIOR, Humberto. Op. cit., p. 12.
9 CPC, art. 522, caput: “ Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias,
na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de
difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão de apelação e nos relativos aos efeitos em
que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento”.
2
o agravo de instrumento contra a decisão que não admite
apelação e tal recurso não será obstado na primeira instância, pois sua interposição ocorre diretamente no Tribunal (artigo 524 do CPC10). Assim, conclui que o agravo de
instrumento constitui o “remédio eficiente para corrigir o error in judicando cometido em primeiro grau e fazer chegar
o apelo ao exame do tribunal competente”.
c) Da força normativa das súmulas do STJ e STF – O
risco de aplicação indiscriminada do artigo 518, parágrafo 1o do Código de Processo Civil
Questão importante que decorre da força normativa conferida aos entendimentos sumulados pelos tribunais superiores, refere-se ao perigo de que, no intuito de descongestionar o Judiciário e conferir maior celeridade ao processo,
ocorra a aplicação indiscriminada de tais súmulas para
fundamentar a decisão que deixa de receber a apelação
com base no artigo 518, parágrafo 1o do CPC.
Nesse ponto, surge a discussão referente à “conformidade” (a teor da redação do art. 518, § 1o do CPC) da sentença com a súmula, tendo em vista que uma súmula que, a
princípio, pode parecer aplicável a determinado caso, com
o devido estudo dos precedentes que lhe originaram, revelará que na verdade não conserva a relação de identidade
com a situação fática do processo, cuja admissibilidade do
recurso de apelação está sob análise.
Note-se que além das Cortes Superiores possuírem alguns enunciados bastante antigos, cujo posicionamento
pode não estar mais em conformidade com a evolução
da jurisprudência, a prática desses tribunais consiste na
elaboração de previsões genéricas e abstratas, gerando,
inclusive, o problema da elaboração de enunciados de súmula em que não há correlação entre os próprios enunciados e as razões decisórias.
Tais reflexões foram apontadas no texto de Leonardo Greco: “Novas Súmulas do STF e alguns reflexos sobre o
Mandado de Segurança”, em que se constatou, ao examinar o enunciado da súmula n. 62511 do STF que os quatro
julgados (mencionados como precedentes) não são exatamente iguais e embora todos transmitam a idéia de direito
líquido e certo, nenhum se refere à matéria de direito de
que trata a súmula12.
Portanto, é preciso que o julgador tenha o máximo de cautela para a utilização do artigo 518, parágrafo 1o do CPC,
uma vez que a simples invocação de súmula formulada
através de enunciado genérico não será suficiente, sendo
10 CPC, art. 524: “O agravo de instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente,
através de petição com os seguintes requisitos: [...]”.
11 STF, súmula n. 625: “Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado
de segurança”.
12 GRECO, Leonardo. Novas Súmulas do STF e alguns reflexos sobre o mandado de segurança.
Artigo publicado no Mundo Jurídico em 20.11.2003. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 22.01.2008.
necessária a comparação dos casos concretos para que,
caso seja verificada a existência de situação fática idêntica, o julgador possa aplicar corretamente a mesma regra
jurídica.
Conclusão
o agravo de instrumento, se for lhe dar provimento, julgar
o mérito da própria apelação, sem necessidade de determinar a subida dos autos principais que se encontram no
juízo a quo, desde que as peças que formaram o agravo de
instrumento sejam suficientes para tanto.
Não obstante os aspectos favoráveis do parágrafo 1o do
artigo 518 do CPC, ao que parece, a aplicação do dispositivo aumentará o volume de trabalho nos tribunais, que não
julgarão somente a apelação, mas também o agravo de
instrumento interposto contra a decisão que não a admitiu,
para, posteriormente, julgar o próprio recurso de apelação.
Ademais, é possível afirmar que a regra do parágrafo 1o do
artigo 518 do CPC somente resultará na economia de trabalho nos tribunais e redução do tempo de duração do processo, caso a decisão que não receber a apelação, com
base em sentença respaldada em jurisprudência sumulada
pelo STF ou pelo STJ, venha acompanhada da imposição
das sanções previstas no artigo 18 do CPC14.
Uma forma alternativa para que a inovação atenda aos
princípios da celeridade e economia processual, representados pela garantia constitucional da duração razoável do
processo, seria a aplicação por analogia do artigo 544, parágrafo 3o do CPC13, possibilitando ao relator que receber
Acredita-se que a condenação do recorrente ao pagamento de multa evitará a interposição de agravo de instrumento
com intuito meramente protelatório e, assim, a norma do
artigo 518, parágrafo 1º do CPC alcançará o seu objetivo.
13
CPC, art. 544, § 3o: “Poderá o relator, se o acórdão recorrido estiver em confronto
com a súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, conhecer do agravo
para dar provimento ao próprio recurso especial; poderá ainda, se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito, determinar sua conversão, observando-se, daí em
diante, o procedimento relativo ao recurso especial”.
14
CPC, art. 18: “O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante
de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas
que efetuou”.
Transferência da titularidade do
veículo sem realização de
vistoria - Obrigação Impossível
– Inteligência do Artigo 124 Ctb
Q
uestão que merece especial atenção diz respeito
às condenações judiciais em obrigação de fazer
às Seguradoras para que efetivem a transferência da
propriedade de veículos roubados e ainda não localizados para seus nomes.
Alguns julgados dispõem que constitui ato ilícito a
manutenção do veículo em nome do antigo proprietário, sob o fundamento de que, ao efetuar o pagamento da indenização securitária, com a conseqüente
sub-rogação de direitos, as seguradoras passam a
ser responsáveis pela transferência da propriedade
para a sua titularidade.
1
*Ana Albuquerque é advogada associada à Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados, graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e pós-graduanda em Direito Privado
pela Universidade Federal Fluminense – UFF.
1 “Apelação Cível. Ação de indenização. Sinistro em veículo. Falta de transferência de propriedade. Existência de débitos fiscais em nome da antiga proprietária. Sentença que julgou procedente o pedido, condenando a seguradora a proceder a transferência da propriedade do veículo. Inconformismo da apelante em
razão da impossibilidade de dar cumprimento à obrigação que lhe foi imposta. Pretensão de substituição
da obrigação por expedição de ofício. Recurso a que se dá parcial provimento, determinando a expedição
de ofício ao detran para transferência da propriedade do veículo. Configuração do dano moral, em razão
da cobrança indevida dos débitos referentes ao ipva. Quantum fixado dentro dos padrões da razoabilidade
e da proporcionalidade.” (Apelação Cível nº 2007.001.21251 - 1ª Ementa - Des. Luiz Felipe Francisco Julgamento: 12/06/2007 - Oitava Câmara Cível do TJRJ)
Ana Paula de Brito Albuquerque*
[email protected]
A inserção de dados sobre registro de ocorrência de
roubo e furto no RENAVAM do veículo é realizada
diretamente pelos órgãos de segurança pública, existindo no Rio de Janeiro uma Delegacia Especializada
para tal procedimento (PCERJ/DRFA)2.
Este órgão, que é o responsável pelo registro de ocorrência de delitos dessa natureza, possui um sistema
integrado, por meio do qual é possível acessar o sistema do Detran estadual e inserir tais dados, sendo
que somente a autoridade policial pode retirar ou autorizar que seja retirada uma ocorrência de roubo e
furto do RENAVAM3.
2 POLICIA CIVIL. A instituição. Atribuições e Competências. Disponível em: http://www.policiacivil.
rj.gov.br/drfa/drfa.htm. Acesso em: 23 de junho de 2008.
3 DENATRAN. Perguntas Freqüentes. R17. Disponível em www.denatran.gov.br. Acesso em: 23
de junho de 2008.
3
Dessa forma, no sistema da atual legislação, em caso
de roubo/furto, incumbe ao proprietário comunicar o
fato à autoridade policial e fiscalizar a inclusão dessa
restrição perante o órgão estadual de trânsito4. Essa
informação incluída nos cadastros do Detran impede
qualquer transação com o veículo5.
Ademais, consoante redação do art. 124, incisos VII
e XI do Código de Trânsito Brasileiro, faz-se necessária a realização de vistoria e certidão negativa de
roubo ou furto para expedição de novo Certificado de
Registro do Veículo (CRV), nos seguintes termos:
A decisão dispõe:
“Art. 124. Para a expedição do novo
Certificado de Registro de Veículo serão exigidos os seguintes documentos:
“Sustenta a seguradora que buscou solucionar a questão perante o Detran/RJ,
porém não foi possível em razão da impossibilidade de transferir o automóvel
para seu nome, por vedação legal de
transferência enquanto não localizado o
veículo (art. 124 do CTB).
(...)
(...)
VII - certidão negativa de roubo ou furto de veículo, expedida no Município do
registro anterior, que poderá ser substituída por informação do RENAVAM;
Como fumus boni iuris reitera a tese de
ofensa ao art. 124 do CTB, por impossibilidade legal de promover a transferência do veículo por si só, uma vez
que a mencionada norma exige inspeção veicular (vistoria) e apresentação
de certidão negativa de furto do veículo, o qual, in casu, não foi recuperado.
(...)
XI - comprovante de aprovação de inspeção veicular e de poluentes e ruído,
quando for o caso, conforme regulamentações do CONTRAN e do CONAMA.”
Tal dispositivo legal é regulado através
da resolução nº 05/95 do CONTRAN:
“Art. 1º. As vistorias tratadas na presente Resolução serão realizadas por
ocasião da transferência de propriedade ou de domicilio intermunicipal ou
interestadual do proprietário do veículo,
ou qualquer alteração de suas características, implicando no assentamento dessa
circunstância no registro inicial.
No entanto, alguns acórdãos, além de imporem às
seguradoras a obrigação de fazer acima referida, indeferem o pedido de expedição de ofício ao Órgão
de Trânsito para que efetivem a medida pretendida,
por entenderem que tal obrigação é ônus das mesmas e que, nesta linha de idéias, devem comprovar
cabalmente a impossibilidade de fazê-lo.
4
PRF. Disponível em: http://www.dprf.gov.br/extranet/alerta/design_alerta.cfm. Consultado em 25 de junho de 2008.
5
DETRAN. Glossário. Restrição. Disponível em: www.detran.rj.gov.br. Acesso em:
23 de junho de 2008.
4
A questão chegou recentemente ao Superior Tribunal
de Justiça, que houve por bem deferir liminar para
que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso interposto por uma seguradora para suspender a execução de multa diária em obrigação de fazer desta espécie, restando ainda pendente o julgamento quanto
ao mérito da questão.
(...)
Volta a repisar a impossibilidade de
cumprimento da decisão judicial e
pede e expedição de ofício ao DETRAN/
RJ para que proceda às determinações
judiciais constantes do julgado ordinário, notadamente para realizar a transferência do veículo e para a retirada de
todas as multas provenientes do aludido automóvel após a ocorrência do
furto.
Ao final, reitera os pedidos de efeito suspensivo ao recurso especial, de redução
da multa e expedição dos supramencionados ofícios ao DETRAN/RJ.
Relatados, passo a decidir.
Com efeito, uma análise preliminar das
alegações da requerente indica haver,
pelo menos em juízo perfunctório, a presença dos requisitos para a concessão da
medida de urgência.
O art. 124 do CTB, de fato, exige a realização de inspeção veicular e a apresentação de certidão negativa de furto para a
transferência do veículo.
(...)
Assim, presente o fumus boni iuris.
De igual modo, a aplicação de multa diária e o ajuizamento da execução provisória denotam situação de risco quanto
a eventual demora na prestação jurisdicional, notadamente em face do elevado
valor da penalidade cominada. Demonstrado, portanto, o periculum in mora.
Desse modo, estando presentes, em
concomitância, os requisitos para a concessão da medida de urgência, deve ser
deferido o pleito para que se suspendam
os efeitos do acórdão recorrido até julgamento do recurso especial.
Ante o exposto, defiro o pedido para que
seja atribuído efeito suspensivo ao recurso especial, ao respectivo agravo de instrumento, bem como para que se suspenda a execução em andamento.”
(Processo MC 013242; Relator Ministro
ALDIR PASSARINHO JUNIOR; Data da
Publicação DJ 05.09.2007)
do obrigação às seguradoras contrarium legem, em
flagrante violação ao princípio da legalidade e, repitase, impossíveis de ser cumpridas.
No entanto, a Suprema Corte vem entendendo pelo
não conhecimento de recursos cuja violação à Constituição Federal seja indireta6, ou meramente reflexa
como denominada, pois que, para analisar a violação
ao princípio da legalidade, o julgador teria que analisar primeiramente a redação do artigo 124 do CTB.
Verifica-se, desse modo, que as seguradoras encontram sérios problemas de ordem prática quando são
proferidas decisões que lhes impõem a transferência da propriedade de veículo não recuperado, pois,
como já exposto, tal obstáculo decorre da dicção do
artigo 124 do CTB, que exige a realização de vistoria
para que seja expedido novo CRV, configurando, assim, obrigação impossível de ser cumprida7.
Espera-se dessa forma, que o Superior Tribunal vá,
finalmente, pacificar a matéria e conferir a interpretação correta a tal dispositivo, minimizando as dificuldades encontradas pelas seguradoras quanto
ao cumprimento das determinações judiciais neste
sentido.
Espera-se, por fim, que com o presente ensaio tenha
sido possível esclarecer a atual sistemática da legislação de trânsito quanto à impossibilidade de transferência da propriedade sem a realização de vistoria.
Analisando estes elementos, conclui-se que as decisões que impõem a obrigação de fazer às seguradoras são equivocadas, exatamente porque o cumprimento é impossível quando os veículos não são
localizados. No mesmo sentido, as decisões que indeferem a expedição de ofícios ao Detran para que
efetive a transferência da propriedade agravam ainda
mais o quadro, já que, inobstante o acúmulo das multas diárias, muitas vezes representativo de valores
elavadíssimos, a obrigação, em si, não será cumprida, ante à impossibilidade para tanto.
No âmbito dos Juizados Especiais a questão é ainda
pior, vez não é cabível recurso para o Superior Tribunal de Justiça, nos termos da Súmula 203 daquela
Corte Superior.
Tal questão ainda não chegou ao Supremo Tribunal Federal, não obstante seja possível demonstrar
a relevância e a repercussão geral da matéria, consubstanciada no fato de as decisões estarem impon-
6
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRECEDENTE. 1. Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do
recurso extraordinário. Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI-AgR 707782 / RJ; Relator(a): Min. EROS GRAU; Julgamento: 20/05/2008; Órgão Julgador:
Segunda Turma do STF)
7
“Com isso, constata-se a impossibilidade material de cumprimento de obrigação imposta
na sentença, que não se dá por ato involuntário da Demandada, mas em razão de que, para transferência
de propriedade de veículo, é necessária vistoria, sem embargo de ausência de previsão na legislação
específica, que exclua dessa exigência o veículo furtado.” (Apelação Cível nº 2007.001961-5; Relator:
Cláudio Santos; TJRN; j. em 11.09.2007)
5
Da penhora on line
deferida em desfavor
das pessoas jurídicas:
1 – Introdução
Visa-se no presente artigo analisar a medida de constrição de bem móvel do devedor, denominada penhora
on line, introduzida no Código de Processo Civil através da Lei 11.382/2006 com a finalidade de propiciar
maior celeridade à satisfação dos créditos cobrados
via execuções e cumprimentos de sentença.
Como delimitação do tema, propõe-se uma análise
restrita dos casos de penhoras deferidas em desfavor das sociedades empresariais, fazendo-se uma
breve comparação com o instituto da penhora de
renda da empresa, prevista no artigo 677, do CPC,
bem como ressaltando a necessidade de obediência
à regra prevista no parágrafo 3º do artigo 655-A do
referido diploma legal.
2 – O que é a penhora on line?
Como ela é realizada?
É a penhora on line um mecanismo processual de indisponibilização de saldos existentes em contas bancárias e aplicações financeiras em nome do devedor
com o fim de satisfazer a pretensão líquida, certa e
exigível do credor em um processo de Execução Judicial ou Extrajudicial.
No que tange à forma de realização da indisponibilização do bem móvel do devedor, o Dr. Flávio Henrique
de Melo esclarece no artigo “Penhora ‘on line’ e a terceira reforma processual civil”1, que o Juiz, ao acessar
o sistema do BACENJUD, não realiza o ato processual de constrição dos bens do devedor nominado de
“penhora”, tendo apenas o condão de gerar somente
uma espécie de pré-penhora, através do bloqueio requerido via on line, no qual é indisponibilizado todo e
qualquer saldo existente em contas de titularidade do
devedor, ainda que superior ao valor cobrado.
* Rafael Ribeiro Santoro é advogados associado à Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados.
1 MELO, Flávio Henrique de. A penhora “on line” e a terceira reforma processual civil. www.amb.
com.br, acesso em 22/04/08.
6
Rafael Ribeiro Santoro*
[email protected]
O sistema é efetivamente eficaz no bloqueio e atinge
todos os créditos de titularidade do devedor.
A partir do bloqueio de valores, o Juiz deve determinar, no próprio programa BACENJUD, a transferência
do quantum debeatur para uma conta à disposição
do juízo, cabendo, posteriormente, ao magistrado
proferir uma decisão convolando tal bloqueio on line
(pré-penhora) em penhora.
Somente nessa oportunidade é que ocorrerá a individualização das contas bloqueadas e a limitação da
restrição ao valor cobrado pelo credor. Tudo o que for
excedente é, em tese, liberado pelo juízo.
Efetivada, então, a penhora, deverá o devedor ser
intimado na forma do art. 475-J, §1º do CPC, em se
tratando de cumprimento de sentença ou na forma
do art. 652, §1º, do mesmo diploma legal, em se tratando de execução por quantia certa contra devedor
solvente, prosseguindo na forma prevista na lei processual civil.
3 – Efetividade da medida x danos potenciais:
Se por um lado a penhora on line tem se mostrado
uma medida efetiva para a liquidação do crédito cobrado judicialmente, por outro lado tem gerado situações prejudiciais e potencialmente danosas para os
devedores.
Primeiro porque a ordem não se restringe ao bloqueio
do valor devido em uma única conta ou investimento.
O sistema bloqueia tudo o que encontra em nome do
devedor, mesmo que já se tenha encontrado o valor
do crédito executado numa única conta. Há quase
sempre manifesto excesso na penhora.
A irregularidade só é sanada após o juiz determinar
a transferência do saldo bloqueado para uma conta
judicial, quando enfim determina a liberação do saldo
excedente. Porém, a prática demonstra que isso não
ocorre com a mesma velocidade e efetividade com
que é realizado o bloqueio.
Segundo porque o legislador infraconstitucional não
estabeleceu no artigo 655-A um limite de percentual
para a realização da penhora de dinheiro.
Na prática, os magistrados têm determinado a realização do bloqueio independentemente da fixação
de um percentual, o que, em se tratando de saldo
de titularidade de sociedades empresariais, pode
gerar uma situação análoga à penhora de empresa, sem que se observe a regra estabelecida no
art. 677 do CPC.
Ou seja, desconsidera-se todo o sistema processual
com uma simples ordem de bloqueio on line, gerando
um aparente conflito entre as normas do CPC.
E na medida em que se caracteriza como violadora do sistema processual, a penhora se mostraria
objetivamente ilegal, na conceituação de Araken de
Assis, admitindo a oposição do devedor mediante
embargos.2
Entende-se que caberia uma atualização do sistema
BACENJUD, visando incluir na ordem de bloqueio
um limite para a indisponibilização dos saldos, até o
valor apresentado pelo credor.
Assim, a “varredura” da penhora on line deveria ser
realizada por cada conta e investimento individualmente, terminando quando fosse localizado em uma
ou mais contas o saldo executado.
Isso certamente impediria que todas as contas do devedor fossem bloqueadas de uma só vez, gerando o
excesso de penhora.
Ademais, em se tratando de execuções de quantias
elevadas movidas contra sociedades empresariais
caberia ao magistrado fixar no pedido efetuado à
autoridade supervisora do sistema bancário um percentual como limite mensal para a restrição do saldo
bancário, de modo a não inviabilizar o funcionamento
da empresa.
2 ASSIS, Araken de. ob.cit., p.660.
Uma outra saída para esse aparente conflito seria a
fixação de um percentual entre 10% a 30% 3do saldo
existente nas contas e investimentos bancários, além
da nomeação de um depositário para os fins do art.
6774 e 6785 do CPC.
Ainda nesse sentido, convém transcrever a jurisprudência do STJ:
“PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA SOBRE O FATURAMENTO – POSSIBILIDADE – VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC NÃO
CONFIGURADA – REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA
– SÚMULA 07 STJ – PRECEDENTES. - Não se configura a omissão apontada se o acórdão hostilizado
analisou a controvérsia à luz dos preceitos legais
indicados e em conformidade com a jurisprudência
pacífica deste Tribunal. - A jurisprudência admite
a penhora em dinheiro até o limite de 30% do faturamento mensal da empresa devedora executada, desde que cumpridas as formalidades ditadas
pela lei processual civil, como a nomeação de
administrador, com apresentação da forma de administração e de esquema do pagamento. - A revisão da matéria fática que embasou a fundamentação
do julgado é inviável em sede de recurso especial, a
teor da Súmula nº 07 do STJ. - Recurso especial não
conhecido”. (STJ. 2ª T. Rel. Min. Peçanha Martins,
RESP 287.603, DJU 26.05.03. p.304)
O Superior Tribunal Justiça ainda possui outros julgados no mesmo sentido, sendo relevante destacar
que apesar da variação sobre o limite de percentual,
sempre se exige o cumprimento das formalidades de
nomeação do administrador, apresentação do plano
de administração e o esquema de pagamento.
Adotando-se tais atitudes, certamente, estará se garantindo não só o atendimento aos princípios processuais (menor onerosidade ao devedor x satisfação do credor e economia e celeridade processual)
como também a obediência ao princípio da preservação da empresa.
3 NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 39ªed. São
Paulo: Saraiva, 2007, art. 655: 13b.
4 Art. 677 – quando a penhora recair em estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem
como em semoventes, plantações ou edifícios em construção, o juiz nomeará um depositário,
determinando-lhe que apresente em dez (10) dias a forma de administração.
5 Art. 678 – A penhora de empresa, que funcione mediante concessão ou autorização, farse-á, conforme o valor do crédito, sobre a renda, sobre determinados bens, ou sobre todo
o patrimônio, nomeando o juiz como depositário, de preferência, um dos seus diretores.
Parágrafo único – Quando a penhora recair sobre a renda ou sobre determinados bens, o depositário apresentará a forma de administração e o esquema de pagamento observando-se, quanto
o mais, o disposto nos arts. 716 a 720; recaindo, porém, sobre todo o patrimônio, prosseguirá
a execução os seus ulteriores termos, ouvindo-se, antes da arrematação ou da adjudicação, o
poder público, que houver outorgado a concessão
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4 - Conclusão.
Após esses breves comentários sobre o bloqueio on
line das contas e investimentos das sociedades empresariais, conclui-se que apesar de a medida ser
efetiva para o pagamento do credor, em execuções
de elevados valores ela pode gerar danos irreparáveis ao devedor.
titularidade das pessoas jurídicas, nas execuções de
elevados valores.
Nessas hipóteses, sugere-se que sejam estabelecidos limites para a constrição judicial, de modo a
não inviabilizar o funcionamento da empresa, tudo
de acordo com o sistema previsto pela lei processual civil, sob pena de se caracterizar como penhora
ilegal, passível de oposição por via dos embargos.
Por fim, espera-se ter despertado a atenção dos leitores para o problema gerado pela penhora on line
dos saldos em contas e investimentos bancários de
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Súmula Impeditiva de Recurso: reflexões acerca do Artigo 518