O cuidado à criança e à família na perspectiva da complexidade
Profa Yêda Regina de Souza
Enfermeira. Mestrado em saúde coletiva. Prof do curso de
Graduação em Enfermagem do Centro Universitário de Várzea Grande-MT
1. A noção de família
O termo família tem sido construído ao longo da história em cada campo de
conhecimento. Para Wong (1999):

Na biologia: família é o complemento da função biológica para manutenção da
espécie humana ou de outros animais;

Na psicologia: a importância da família no desenvolvimento da personalidade;

Na economia: a família é a entidade mantenedora das necessidades materiais e
de consumo;

Na sociologia: é uma unidade menor da sociedade que se inter-relaciona com as
demais constituindo a vida em sociedade;

Outras áreas de conhecimento: a relação entre pessoas em uma mesma unidade
agregadora podendo ser consaguinidade afim ou relações maritais, família de
origem.
Algumas definições são importantes para serem utilizadas como indicadores
econômicos, sociais, biológicos, porém, não são adequadas para implementar o cuidado
de enfermagem. Para isso, deve ser adotada uma noção que “permita englobar o maior
número possível de variações encontradas na prática” sem contudo, excluir a visão que os
familiares (aqui como os próprios cuidadores) tem a respeito de família (ROCHA et al,
2002).
A família é um grupo social primário com funções básicas de reprodução,
socialização, transferência cultural e afetiva. Como sistema aberto possui funções e áreas
de atuação as mais diversas que variam conforme o nível de organização social no qual
se insere (ALVES et al., 2004)
No decurso da história é possível observar as profundas transformações que
atingem o núcleo familiar, a partir de sua constituição que tradicionalmente era formada
pelo pai como chefe da família, a mãe, os filhos, os avós. Hoje, existem famílias com
perfis bem diferentes deste modelo tradicional.
Conforme BARROSO (1999, p.112) “a família como sistema interage com
outros sistemas: o sociocultural, o político, o econômico, o religioso, o ideológico, o
cósmico, e, porque não acrescentar os media (meios de comunicação). Nesse
intercâmbio, a família recebe insumos do meio circundante e este fornece seus
produtos”.
Como ponto de partida para a construção da noção de família e o cuidado de
enfermagem, concordamos com o último item das definições apresentadas por Wong
(1999), a relação entre os laços de consangüinidade, parentesco e acasalamento.
De acordo com GUIORSI (1993) a família é um produto da sociedade, na qual
a mesma está inserida, de forma articulada, mantendo relações entre seus indivíduos,
entremeada
e embasada na estrutura social de classes. Unidade criativa e
independente, compartilhando valores e experiências próprias, poder e afetividade,
tornando-se um meio para as reivindicações da melhoria social.
Segundo LACERDA (1997) família é conceituada como um conjunto de
pessoas, que possuem vínculos afetivos/efetivos podendo ou não ser ambíguos. Fruto da
constituição social a qual se integra diferenciando cultural e socialmente. Considerada
centro integral de convivência de pessoas onde às necessidades são providas pelos
membros integrantes uniformemente de forma, a manter a representação social da
família.
A família nos trabalhos analisados é vista de forma abrangente e complexa
onde, as relações entre os indivíduos são embasadas na estrutura de classes, de acordo
com a sociedade a qual, a mesma integra. Faz-se unidade independente e criativa
compartilhando valores e experiências próprias, poder e afetividade, fazendo se um meio
em busca da melhoria de suas condições de vida (ROCHA et al, 2002).
"Família, em um contexto amplo, são duas ou mais pessoas que
vivem em uma mesma casa (usualmente), têm um vínculo
emocional ou afetivo e desempenham tarefas sociais interrelacionadas" (PILITTERI, 1999).
Embora ampla, essa definição não situa a criança em relação aos demais
membros da família, portanto relacionamos a definição abaixo que contempla essa
população.
"Famílias são relacionamentos em que pessoas vivem juntas,
comprometidas, formam uma unidade econômica, cuidam dos
mais jovens, identificam-se entre si e no grupo a que
pertencem"( KENDAL et al, 1998).
Teorias sobre família
“Servem para descrever as famílias e a forma como a unidade familiar
responde aos eventos dentro e fora da família” (WONG, 1999).
1. Teoria sobre os Sistemas de Família: deriva da Teoria Geral de Sistemas, uma ciência
da integralidade, caracterizada por interação entre os componentes do sistema e entre
o sistema e o ambiente. Vai além da associação entre causa e efeito para a
complexidade das inter-relações influenciadas pelo ambiente. Isto quer dizer que em
uma modificação em um dos membros da família resulta em modificação nos outros
membros da família, e por conseguinte, modifica também a pessoa que iniciou a
modificação. Aqui, a família é vista como um todo a partir de três duetos: a relação
marital, a relação mãe ou pai-filho, e relação triângulo (mãe-pai-filho). Segue os
princípios norteadores:

Não-somação: três duetos

Adaptabilidade: a família é uma unidade adaptável, quando existem problemas
dentro da família, a mudança pode ser efetuada através da alteração da
interação ou das mensagens de retro-alimentação.

Retro-alimentação: processo de identificação de forças e necessidades para
responder aos eventos. Será positiva quando inicia a alteração, e negativa
quando freia a mudança.

Limite: uma linha imaginária, mas real, entre a família e seu ambiente. Pode ser
família aberta (aceita novas idéias, aberta ao novo) e fechada.
2. Teoria sobre o estresse na família: refere-se à forma como a família reage aos fatores
estressores. Neste caso, os estressores são considerados acumulativos e em um dado
momento estabelecem uma “crise” na família. Idealizada por Reuben Hill (1949).
3. Teoria sobre o desenvolvimento: aborda a modificação da família ao longo do tempo
através do uso dos estágios de ciclo de vida familiar de Duvall (1977):

Estágio I: o casamento - a união das famílias

Estágio II: famílias com lactentes

Estágio III: famílias com pré-escolares

Estagio IV: famílias com escolares

Estágio V: famílias com adolescentes

Estágio VI: famílias como centros de partida

Estágio VII: famílias com meia-idade

Estágio VIII: famílias em envelhecimento
Estrutura familiar

Família nuclear ou conjugal: marido, esposa e filhos que vivem em um domicilio
comum, independente do estado marital.

Família estendida: várias famílias nucleares em um mesmo espaço territorial,
porém, com unidades domiciliares diferentes.

Família estendida modificada: quando não moram no mesmo espaço territorial, no
entanto, existe uma convivência diária, auxilio financeiro, troca de serviços.

Família binuclear: quando os pais não tem relação marital, mas dividem a
responsabilidade da criação dos filhos.

Família de pai ou mãe solteiro (a).

Famílias alternativas: poligâmica, comunitária, de sexo idêntico.
2. Uma proposta de cuidado à saúde da criança contextualizada na família
Frente à necessidade da substituição ao modelo da atenção básica à saúde
humana centrado no controle da doença, desde 1994, o Ministério da Saúde decidiu
utilizar-se da estratégia de Saúde da Família ancorada nos princípios da universalidade,
eqüidade e integralidade da assistência (BRASIL, 1988; MS, 1994).
Sob essa ótica, a estratégia utilizada no Programa Saúde da Família (PSF) visa
à reversão do modelo assistencial atual. Tal estratégia elegeu como ponto básico o
estabelecimento de vínculos e a criação de laços de compromisso e de coresponsabilidade entre os profissionais de saúde e a população. Para tanto, faz-se
necessária a mudança do objeto de atenção, forma de atuação e organização dos
serviços, em novas bases e critérios.
Para a orientação das práticas, o Programa Saúde da Família prevê:
diagnóstico
de
saúde
complementariedade,
da
comunidade,
abordagem
planejamento
multiprofissional,
e
referência
programação
e
local,
contra-referência,
educação continuada, integração intersetorial, acompanhamento, avaliação e controle
social.
Nesse modelo, a família passa a ser objeto de atenção, compreendida a partir
do ambiente onde vive, constroem-se as relações intra e extrafamiliares e desenvolve-se
a luta pela melhoria das condições de vida. Somado a essa dimensão, é importante
entender que as relações entre as famílias e os serviços de saúde estão inseridas em um
conjunto de determinantes sociais, políticos e econômicos. Só a intervenção e
recuperação do corpo biológico não tem respondido de forma plena às necessidades de
saúde, pois estas vão além e demandam uma atenção que leve em conta a integralidade
do ser humano, a qualidade de vida e a promoção da saúde.
Na atualidade, identificam-se várias concepções sobre saúde e família e várias
abordagens que diferenciam medicina da família, enfermagem da família, programa de
saúde da família e estratégias para a saúde da família.
A enfermagem da família tem sido abordada nas escolas de enfermagem
desde o início de nossa profissão. A princípio, enfermeiras de saúde pública reconheceram
a família como um importante fator no crescimento e desenvolvimento dos indivíduos,
bem como na recuperação de doenças.
Com o advento da teoria de sistemas, adaptada aos sistemas
viventes por Bertalanffy, na década de 30, e introduzida na enfermagem, em
1960, o conceito de enfermagem da família tem sido entendido como cuidado
de enfermagem prestado a todo sistema ou unidade familiar. Entretanto, é
importante citar a existência, naquela época, de dificuldades por parte das
estudantes de enfermagem em integrar o conceito de enfermagem da família
em seus pensamentos conceituais (FRIEDMAN, 1989).
Atualmente, vários teóricos têm se empenhado em diferentes conceituações
de família e enfermagem na assistência à família, focalizando o cuidado de acordo com o
modelo utilizado. Assim, ora direcionam o cuidado do indivíduo no contexto da família,
ora é a família com o indivíduo como contexto, e a tendência emergente é o cuidado da
família como sistema, ou seja, a família é a unidade do cuidado.
Assim, a definição deve compreender dois focos: o da saúde da
família, relativo ao estado de saúde dos indivíduos que a compõem e, o do
funcionamento da família, como uma descrição avaliativa das funções e
estruturas da família, compondo, um quadro onde o foco da avaliação e da
assistência está tanto na saúde individual, como na saúde da família como um
todo (ANGELO & BOUSSO, 2001a).
De acordo com ANGELO & BOUSSO (2001a) é essencial compreender a família
como a mais constante unidade de saúde para seus membros. Assim, a assistência à
família como unidade de cuidado implica em conhecer como cada família cuida e
identifica as suas forças, as suas dificuldades e os seus esforços para partilhar as
responsabilidades. Com base nas informações obtidas, os profissionais devem usar seus
conhecimentos sobre cada família, para junto dela, pensar e implementar a melhor
assistência possível.
Como fazer o cuidado à criança nesta perspectiva?
1. A entrevista
O histórico de enfermagem provê informações sobre a situação de saúde dos
membros da família e o suporte emocional que pode ser esperado e oferecido à criança.
Esse levantamento deve ser feito cuidadosa e sistematicamente, ao longo de vários
atendimentos. Não é adequado fazer entrevistas longas e preencher questionários
intermináveis no primeiro contato que se tem com a criança e sua família. É vital
compreender o que a doença na infância significa para a família, para tanto, deve-se
considerar a estrutura e as funções de cada família específica. Ampliar essa etapa,
através de contatos com pessoas ou instituições voluntárias que dão apoio à família,
pode ser útil, pois, às vezes, a família tem mais facilidade em compartilhar seus dilemas
em redes de apoio.
2. Estabelecer canal de comunicação contínua com os membros da família para ajuste
das ações e identificação de outros corpos
3. Defesa da criança e da família: apoio para a permanência ou instalação de ambientes
saudáveis ao desenvolvimento infantil
4. Promoção e restauração da saúde da criança: aleitamento materno, alimentação
adequada em cada grupo etário, a recreação, a educação para a saúde e ao ambiente,
imunização, acompanhamento dos indicadores de desenvolvimento físico, psicossocial
e cognitivo.
5. Avaliação dos resultados: Na avaliação, pretende-se verificar se os objetivos foram
atingidos conforme propostos nas ações. Contudo, isso não é suficiente, pois é
importante verificar, também, o quanto a família sente-se mais unida trabalhando em
conjunto. Se a avaliação revela que esses dois fatores não foram atingidos, é
necessário novo levantamento de dados e novos planos de intervenção.
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