Capítulo 14
Cirurgia plástica
periodontal
Recobrimento radicular com enxerto
de tecido conjuntivo
Sérgio Matos, Isabel Poiares Baptista, Orlando Martins, Tony Rolo
Cirurgia plástica periodontal
Introdução – perspectiva histórica
214
mento periodontal e osso. Todavia, este objectivo deve
ser entendido como um propósito ideal, porque até à
data não está provado que os resultados clínicos de
sucesso estejam obrigatoriamente associados a regeneração. O recobrimento clínico completo ou parcial
pode ser acompanhado de uma cicatrização através de
um epitélio juncional longo ou de uma adesão de tecido
conjuntivo, devendo considerar-se ambas as situações
como objectivos práticos realistas.
O tratamento das recessões gengivais preconiza-se nas seguintes indicações clínicas:5, 6
– desconforto durante a escovagem dentária e/ou
mastigação, devido a interferência da mucosa
de recobrimento;
– risco de indução de recessões durante tratamento ortodôntico;
– restaurações subgengivais num periodonto marginal com um biotipo fino;
– hipersensibilidade dentária;
– cáries/restaurações cervicais;
– desgaste ou abrasão cervical e defeitos em
cunha;
– defeitos mucogengivais recorrentes (ex. fenda
de Stillman, erosões da mucosa);
– comprometimento estético.
Ao longo da última década a estética transformouse numa preocupação da maior relevância na Medicina
Dentária e, em particular, nos tratamentos de
Periodontologia. As recessões gengivais, com a consequente desnudação das superfícies radiculares e alteração morfológica dos tecidos periodontais, podem
constituir sequelas estéticas importantes com elevada
valorização por parte dos doentes. Antes dos anos 80,
existia um cepticismo enraizado na generalidade da
comunidade clínica em relação aos tratamentos cirúrgicos de recobrimento das recessões gengivais. Esta percepção derivava não só das limitações das técnicas de
então, que determinavam uma probabilidade residual
de sobrevivência de enxertos numa superfície radicular
avascular,1 mas também da filosofia da prática clínica
vigente, que atribuía uma preponderância quase exclusiva para critérios funcionais em detrimento de critérios
estéticos. Com o advento das solicitações estéticas dos
doentes verificou-se uma evolução de paradigmas e
conceitos. A definição original de cirurgia mucogengival,2 que colocava a ênfase no tratamento tradicional
dos problemas associados com a quantidade de gengiva aderida, evoluiu para o conceito de cirurgia plástica periodontal que passou a colocar o enfoque também na estética dos tecidos moles.3
Actualmente, existem múltiplas técnicas de “cirurgia estética” propostas para o recobrimento das recessões gengivais e que permitem responder às elevadas
exigências da maioria dos doentes. Este capítulo tem
como objectivo principal caracterizar a aplicação de
enxerto de tecido conjuntivo, como uma das técnicas
de eleição para a resolução eficaz e previsível de problemas associados às recessões gengivais.
O tipo de defeito passível de ser corrigido por tratamento cirúrgico foi definido por Miller4 através da sua
classificação, que tipifica as várias formas de recessões
gengivais e interrelaciona o grau de previsibilidade terapêutica com a disponibilidade do tecido ósseo interproximal e os níveis de tecidos moles. Assim, é expectável um recobrimento total nos defeitos de Classe I (Fig.
1) e II, apenas parcial na Classe III (Fig. 2) e não é considerado executável qualquer recobrimento na Classe IV.
Objectivos e indicações para
recobrimento radicular
Bases lógicas para a aplicação
clínica de ETC
O objectivo geral dos procedimentos de recobrimento radicular visa a reconstrução das estruturas anatómicas da área da recessão e pode ser interpretado através de uma perspectiva clínica e histológica. Do ponto
de vista clínico, o sucesso terapêutico pode ser traduzido pelos seguintes objectivos específicos:4 recobrimento até à junção amelocementária (JAC), profundidade de sondagem inferior a 2 mm, ausência de hemorragia à sondagem, banda adequada de gengiva queratinizada (≥ 3 mm), diferença mínima de coloração com a
gengiva local adjacente, morfologia fisiológica da gengiva. Do ponto de vista histológico, pretende-se alcançar
uma adesão através de uma verdadeira regeneração
periodontal, com a formação de novo cemento, liga-
Técnicas de recobrimento radicular
Existem numerosas técnicas/materiais para tratamento das recessões gengivais (Quadro 1), utilizando
vários tipos de retalho simples ou combinações destes
com enxertos, materiais ou factores biológicos e que
podem ser classificados genericamente em: (1) retalhos
pediculados,7-11 (2) enxertos de tecido mole autógeno,1,12
(3) enxertos de tecido mole alógeno,13 (4) regeneração
guiada de tecidos,14 (5) moduladores biológicos [ex.:
proteínas derivadas da matriz do esmalte (PDME),
plasma enriquecido em plaquetas (PRP)].15
Destacamos, entre as várias técnicas disponíveis,
o grupo dos enxertos de tecido mole autógeno (provenientes do próprio indivíduo), que pode ser divi-
Capítulo 14
Figura 1a
Recessões gengivais médias classe I nos
dentes 23, 24 e 25.
Figura 1b
Recobrimento completo aos 12 meses,
após aplicação de um ETC associado a
um retalho de posicionamento coronário.
Figura 2a
Recessões gengivais profundas classe III
nos dentes 31 e 41.
Fig. 1a
Fig. 1b
Figura 2b
Recobrimento parcial aos 2 anos do pósoperatório, com um ETC associado a um
retalho de dupla papila (31) e de
deslizamento lateral (41). Note-se a
alteração morfológica substancial com
um ganho significativo estético e de
tecido queratinizado.
Fig. 2b
Fig. 2a
1 Retalhos pediculados
Retalhos rodados
– deslizamento lateral (Grupe & Warren, 1956)
– dupla papila (Cohen & Ross, 1968)
– rotação (Patur, 1997)
Retalhos posicionados
– posicionamento coronário (Bernimoulin et al., 1975)
– semilunar (Tarnow, 1986)
7
8
9
10
11
2 Enxerto de tecido mole autógeno
Enxerto gengival livre epitélio-conjuntivo (Sullivan & Atkins, 1968)
Enxerto de tecido conjuntivo sub-epitelial (Langer & Calagna, 1982)
1
3 Enxerto de tecido mole alógeno
4 Regeneração guiada de tecidos
12
(Harris, 1998)13
(Pini Prato et al., 1992)14
5 Moduladores biológicos (PDME, PRP)
(Modica et al., 2000)15
Quadro 1
215
Cirurgia plástica periodontal
dido em enxertos gengivais livres epitélio-conjuntivo
(EGL) e enxertos de tecido conjuntivo sub-epitelial
(ETC). Os locais possíveis de recolha dos enxertos
localizam-se na mucosa de recobrimento de uma
crista edêntula, na face interna de um retalho, na
região da tuberosidade maxilar ou, mais frequentemente, na região do palato.
O ETC é por nós advogado como a técnica de
eleição para a resolução da maioria dos desafios clínicos suscitados pelas recessões gengivais e que passaremos a descrever mais pormenorizadamente
adiante. Esta técnica, do tipo “bilaminada” ou
“dupla-camada”, caracteriza-se pela interposição de
um enxerto conjuntivo entre um retalho de espessura
parcial e um leito receptor formado por uma superfície radicular e por osso alveolar com manutenção do
periósteo. Desta forma, há uma melhor revascularização (comparativamente com o EGL), devido ao duplo
aporte vascular proveniente do periósteo e do retalho
de recobrimento, e um aumento da estabilidade da
ferida operatória (comparativamente com as técnicas
de retalhos pediculados simples), pois protege-se a
adesão da rede de fibrina à raiz dos efeitos nocivos
das forças mecânicas exercidas no retalho no início
da cicatrização.
Justificação biológica
A utilização do ETC num amplo espectro de indicações clínicas baseia-se na sua excelente capacidade biomimética, da qual se destaca o potencial de
indução de duas características primordiais: a queratinização da mucosa gengival e uma nova adesão de
tecido conjuntivo periodontal.
A indução de queratinização do ETC de uma forma
previsível16 constitui uma característica fundamental do
ponto de vista funcional. Esta diferenciação fenotípica
do epitélio de recobrimento é determinada por estímulos morfogenéticos provenientes do tecido conjuntivo
do enxerto, que mantém as suas características quando
transplantado.17 Além disso, o ETC submergido por um
retalho vai proporcionar uma replicação cromática e de
textura da gengiva original, permitindo alcançar óptimos resultados estéticos.
Em relação ao tipo de adesão que se estabelece
com a superfície radicular, a literatura evidencia-nos
que o ETC tem a capacidade de estabelecer uma nova
adesão através de tecido conjuntivo periodontal18 e,
inclusivamente, alguma regeneração periodontal,
mesmo que numa extensão parcial,19, 20 ao contrário
dos retalhos pediculados simples que estabelecem
apenas uma adesão através de um epitélio juncional
longo.21, 22 Todavia, a maioria dos estudos histológicos
disponíveis, compostos por séries de casos clínicos,
216
ainda não permite estabelecer conclusões robustas
sobre a previsibilidade e o grau de extensão dos
vários tipos de adesão que se estabelecem com este
procedimento.23
Evidência científica clínica
A evidência actual indica-nos que os procedimentos com ETC apresentam uma elevada eficácia
no recobrimento das recessões gengivais, como é
atestado pelas recentes revisões da literatura.23-28 A
revisão descritiva de Borghetti & Monnet-Corti23
determinou um recobrimento variável de 69 a 97%
para uma altura média inicial de recessão de 3 a 5,6
mm, com um recobrimento médio de 85%. A outra
revisão descritiva resultou de um relatório da
Academia Americana de Periodontologia24 e estabeleceu, entre a generalidade dos ensaios clínicos disponíveis, um recobrimento na ordem dos 57% aos 98%
com um valor médio de 84%. Adicionalmente, os
seus dados de previsibilidade indicaram um recobrimento ≥ 90% em 68% dos casos. Foram ainda efectuadas duas revisões sistemáticas com meta-análise,
que determinaram uma melhoria significativa na
recessão gengival e no nível de inserção clínica produzidas pelo ETC.25, 26 A revisão de Roccuzzo et al.25
calculou percentagens médias de recobrimento radicular (RR) e de recobrimento radicular total (RRT)
para as seguintes técnicas: retalho de posicionamento
coronal (RR – 72%, RRT – 35%), enxerto gengival
livre (RR – 61%, RRT – 21%), enxerto de tecido
conjuntivo (RR – 84%, RRT – 51%), RGT com membranas reabsorvíveis (RR – 72%, RRT – 28%) e RGT
com membranas não-reabsorvíveis (RR – 74%, RRT –
26%). Além disso, foi também concluído que os procedimentos com ETC, comparativamente com a RGT,
permitiram a obtenção significativamente superior de
maior recobrimento radicular26 e de recobrimento
radicular total.27
Vantagens e desvantagens do ETC
As vantagens e desvantagens do ETC no recobrimento das recessões gengivais são enunciadas no
Quadro 2.
Recolha cirúrgica de ETC
Anatomia da zona dadora e riscos inerentes
O palato é considerado como a zona dadora principal, pelo que a consideraremos exclusivamente a
título descritivo. É importante um conhecimento
aprofundado da anatomia do palato de maneira a
controlar os riscos cirúrgicos inerentes à técnica ope-
Capítulo 14
ratória da remoção do enxerto. A região da abóbada
palatina a considerar corresponde à porção anterior,
dura e firme, do palato duro, composta pelas apófises
palatinas do osso maxilar, à frente, e pela lâmina horizontal dos ossos palatinos atrás. É recoberta por uma
mucosa mastigatória queratinizada de cor branca
rosada, particularmente espessa e resistente. A porção
que se estende da JAC dos dentes posteriores até 4
mm para apical é constituída por um córion fibroso e
denso, a que corresponde o tecido dador de melhor
qualidade. O tecido conjuntivo que se prolonga
sobre a linha mediana contém elementos glandulares
e adiposos dispersos na sua massa. Este plano profundo, é constituído por uma porção glandular na
região posterior dos molares (ao nível da fosseta glandular de Verga) e por uma porção adiposa na região
anterior ao nível dos pré-molares e caninos.
Consoante as características dimensionais do
enxerto, assim deveremos considerar as exigências
anatomo-morfológicas locais. O ETC deve ter uma
espessura de 1,5 mm (recentemente foi demonstrado
que os enxertos mais finos são preferíveis em termos
de integração biológica)29 e, dependendo das dimensões dos defeitos, pode apresentar uma altura de 5 a
7 mm e um comprimento variável (recessões unitárias
ou múltiplas). Assim, deveremos ter estas referências
em perspectiva, uma vez que o tecido que podemos
remover varia consoante a configuração anatómica e
as dimensões da abóbada palatina. Uma abóbada
profunda ou alta em U proporcionará uma maior
altura (direcção infero-superior), enquanto que um
palato largo terá, geralmente, um maior comprimento
(direcção antero-posterior). Por sua vez, o tecido mais
espesso encontra-se entre a face mesial da raiz pala-
tina do 1º molar e a face distal da raiz do canino.30
Observa-se ainda, frequentemente na região molar,31
a presença de processos alveolares espessos ou exostoses que limitam a espessura e comprimento do
tecido dador. Antes da remoção do enxerto deve-se
sondar a mucosa da zona dadora, cuja espessura
deve ter no mínimo 3 mm, uma vez que após a remoção do enxerto o retalho deverá ficar com 1,5 mm
para se evitar o risco de necrose.
Outra limitação anatómica a ter em consideração
refere-se á localização do rolo vasculo-nervoso, composto pelo nervo e artéria palatina maior, que emerge
do canal palatino posterior (localizado geralmente a
nível apical do 3º molar, na junção da porção vertical
com a porção horizontal do osso palatino). Segue um
trajecto no sentido anterior numa forma ligeiramente
descendente, próximo á superfície óssea pela fenda
palatina, terminando na porção anterior e formando
anastomoses com o nervo e a artéria nasopalatina.
Reiser et al.32 identificaram 3 possíveis variações anatómicas entre a posição da artéria palatina e a forma
do palato. Assim, a localização previsível da artéria,
a partir da JAC dos pré-molares e molares, pode calcular-se da seguinte forma: a) a 7 mm num palato
curto (ou plano); b) a 12 mm num palato normal; c) a
17 mm num palato alto.
Em suma, tendo em conta as considerações anatomo-morfológicas anteriormente enunciadas, a área
dadora capaz de proporcionar a melhor qualidade e
quantidade de tecido, bem como garantias de segurança cirúrgica, localiza-se entre o canino e a raiz
mesial do 1º molar, a uma distância de 2 a 3 mm do
rebordo gengival até à fenda palatina (com uma margem adequada de segurança).
VANTAGENS
–
–
–
–
excelente resultado estético (cor e textura);
gama alargada de indicações clínicas;
elevada eficácia clínica e boa previsibilidade de recobrimento;
alta taxa de sobrevivência do enxerto, devido à melhor revascularização (comparativamente com EGL e enxerto alógeno);
– aumento de tecido queratinizado em altura e espessura;
– potencial de indução de nova adesão periodontal;
– melhor cicatrização do local dador, com menor dor e desconforto (comparativamente com EGL).
DESVANTAGENS
– necessidade de um local dador cirúrgico;
– dificuldade técnica e curva de aprendizagem.
Quadro 2
217
Cirurgia plástica periodontal
Técnica cirúrgica
A remoção do enxerto pode ser efectuada de
acordo com várias técnicas, caracterizadas por diferentes tipos de incisão que permitem ganhar acesso
ao tecido conjuntivo sub-epitelial.
A técnica do alçapão, assim denominada por
Nelson,33 foi inicialmente utilizada por Edel34 e mais
tarde modificada por Langer e Langer.35 Consiste em
realizar uma incisão paralela a 3 mm do contorno gengival palatino da área pré-molar, acompanhada por
uma segunda incisão paralela a cerca de 2 mm de distância num sentido mais apical. Nas suas extremidades
efectuam-se incisões perpendiculares, possibilitando
um acesso visual directo para a dissecção do alçapão
e remoção do enxerto. O inconveniente desta técnica
reside nas incisões de descarga que podem comprometer a vascularização do retalho palatino e potenciar
zonas de necrose e dificuldades acrescidas de cicatrização. Com o intuito de superar esta desvantagem
foram desenvolvidas modificações posteriores.
Bruno36 propôs a técnica modificada (Fig. 3), em
que é efectuada uma primeira incisão perpendicular
ao longo eixo dos dentes, até ao contacto ósseo,
situada a 2 ou 3 mm do rebordo gengival. Uma
segunda incisão é estabelecida a cerca de 1 ou 2 mm
da antecedente, em direcção apical e paralela ao
longo eixo dos dentes até ao contacto com o osso. O
enxerto é descolado do periósteo e removido em
espessura total. O colar de epitélio remanescente
pode ser removido ou não de acordo com a indicação pretendida. Todavia, na maioria das situações o
epitélio é eliminado porque, ao contrário do que se
pensava nos trabalhos científicos originais, esta
banda epitelial não proporciona uma melhor transição para o rebordo gengival do retalho de recobrimento.37 Sabe-se actualmente, que os bons resultados
estéticos são influenciados pelo facto do tecido
conjuntivo do enxerto não necrosar na superfície
radicular.38 De facto, se o epitélio for mantido acaba
invariavelmente por necrosar após 5 dias39 e é o
tecido conjuntivo subjacente que vai determinar a
natureza, forma e cor da camada epitelial que se
forma de novo.17 Esta técnica modificada de Bruno
tem como vantagens possibilitar uma melhor vascularização da zona dadora, ao evitar incisões de descarga, e permitir a obtenção de toda a espessura disponível na parte mais coronária do enxerto.
Abordagens mais recentes têm favorecido técnicas
de incisão única.40 Este procedimento inicia-se com
uma incisão colocada a 2 ou 3 mm da margem gengival e prolonga-se em profundidade, paralela ao longo
eixo dos dentes, separando o retalho palatino, com uma
espessura de 1,5 mm, do tecido conjuntivo adjacente.
218
Após a preparação deste leito, o tecido conjuntivo profundo é separado do seu “envelope” com incisões até
ao osso e destacado da sua adesão ao periósteo.
Variações na técnica cirúrgica com
retalhos associados ao ETC
Várias técnicas cirúrgicas com diversos tipos de
desenho do retalho podem ser associadas ao ETC, das
quais se destacam variações de retalhos posicionados
coronalmente, posicionados lateralmente, a técnica
do envelope e em túnel.
O grupo de retalhos de posicionamento coronário
constitui um conjunto de técnicas diversificadas e das
mais utilizadas nos diversos tipos de defeitos gengivais.
A aplicação de ETC foi inicialmente descrita por Edel34
para o aumento de gengiva queratinizada, todavia a primeira aplicação no recobrimento de recessões gengivais foi estabelecida por Langer e Calagna12 e depois,
pormenorizadamente, descrita por Langer e Langer35
como a técnica precursora. Envolve a mobilização de
um retalho de espessura parcial com incisões verticais
e a preservação das papilas. O enxerto é imobilizado
com suturas no leito receptor e o retalho é posicionado
para permitir o maior recobrimento possível do enxerto.
A partir desta técnica desenvolveram-se uma série de
modificações, entre as quais a associação de um retalho
posicionado coronalmente,10 para possibilitar um recobrimento total do enxerto (Fig. 4). Desta forma, pretendia-se melhorar a vascularização do enxerto na sua porção coronária e tornar a cicatrização mais estética. A
utilização desta técnica está, todavia, condicionada à
presença de tecido queratinizado apicalmente à recessão (classe I de Miller) e vestíbulos profundos. Está particularmente indicada para o tratamento de recessões
unitárias, pois as incisões verticais permitem uma mobilização facilitada do retalho. Não obstante, no caso de
recessões múltiplas foram descritas variações sem incisões verticais, apenas com incisões intra-sulculares aos
dentes proximais.41, 42
Bruno36 propôs uma outra modificação à técnica
original de Langer, sem incisões de descarga, descrita
na Fig. 5, especialmente indicada no tratamento de
recessões múltiplas contíguas independentemente da
gengiva aderente remanescente. Este autor justifica a
ausência de incisões verticais para prevenir cicatrizes
na mucosa alveolar, por um lado, e evitar comprometer a vascularização do retalho, por outro, potenciando uma cicatrização mais rápida. Nesta técnica,
a vascularização do enxerto no leito receptor deve ser
assegurada lateral e apicalmente, já que o enxerto
pode não ficar totalmente recoberto pelo retalho de
espessura parcial.
Capítulo 14
Fig. 3a
Fig. 3b
Fig. 3c
Fig. 3d
Fig. 3e
Fig. 3f
Figura 3
Figura 3c
Figura 3a
Descolamento do enxerto de espessura total, sendo separado do
palato de uma forma atraumática com o auxilio de um descolador.
Primeira incisão, efectuada com uma lâmina de bisturi nº 15, a 2
ou 3 mm do bordo gengival dos pré-molares, realizada
perpendicularmente ao longo eixo dos dentes até ao contacto
ósseo.
Remoção do enxerto com o periósteo incluído na sua face interna,
que irá ficar em contacto com o periósteo do osso alveolar e a
superfície radicular no leito receptor.
Técnica modificada de recolha de ETC.
Figura 3b
Segunda incisão a cerca de 1 ou 2 mm
da incisão precedente, de acordo com a espessura desejada do
enxerto, em direcção apical e paralela ao longo eixo dos dentes
até ao contacto com o osso.
Esta incisão estende-se de uma forma convergente até às
extremidades mesial e distal para libertar o enxerto lateralmente.
Figura 3d
Figura 3e
Aspecto e forma do enxerto. Preferencialmente, é removido o
colarinho epitelial e, se necessário, algum tecido adiposo
superficial na face externa para melhorar a adesão com a face
interna do retalho no leito receptor.
Figura 3f
A ferida cirúrgica é encerrada através de suturas suspensoras cruzadas
com fio 4-0.
219
Cirurgia plástica periodontal
Figura 4
Descrição da técnica de recobrimento
radicular com ETC associado a um
retalho de posicionamento coronário.
Figura 4a
Recessão média tipo classe I de Miller
no dente 24, associada a
hipersensibilidade.
Figura 4b
Incisão intra-sulcular e horizontal em
ambos os lados da JAC, estendendo-se
lateralmente o mais possível sem lesar a
inserção dos dentes vizinhos e
preservando as papilas.
Fig. 4a
Fig. 4b
Fig. 4c
Fig. 4d
Figura 4c
Nas extremidades da incisão
antecedente efectuam-se duas incisões
verticais (ou oblíquas), para delinear um
retalho trapezoidal de base pediculada
larga que se estende além da linha
mucogengival.
Figura 4d
Dissecção do retalho em espessura
parcial. Este é levantado em extensão
apical de forma a ser posicionado
coronalmente sem tensões. A fonte
vascular do leito receptor é constituída
pelo periósteo do osso alveolar (contacta
a face interna do enxerto) e pelo retalho
(contacta a face externa do enxerto).
Figura 4e
Imobilização do enxerto através de
suturas ao tecido conjuntivo subjacente
interproximal com fio reabsorvível 6-0.
Evitar o excesso de suturas nas áreas de
contacto das margens, para não
prejudicar a revascularização. O enxerto
é recolhido com uma altura suficiente
para ultrapassar apicalmente a raiz
desnudada em 3 mm, de forma a
garantir um suprimento vascular
adequado.
Figura 4f
Fig. 4f
Posicionamento coronário do retalho,
recobrindo por completo o ETC e as
papilas desepitelizadas, através de uma
sutura suspensora nos bordos cervicocoronários e suturas simples nas
descargas verticais com fio 6-0.
Figura 4g
Aspecto do pós-operatório aos 4 meses.
Fig. 4e
220
Fig. 4g
Capítulo 14
Figura 5
Descrição da técnica modificada de Bruno
para recobrimento radicular com ETC.
Figura 5a
Recessões médias classe I nos dentes 22
e 23 e classe II no 24.
Figura 5b
Incisão horizontal intra-sulcular e em
ângulo recto (but-joint) nas papilas
interdentárias a nível da JAC.
Fig. 5a
Fig. 5b
Figura 5c
Levantamento do retalho de espessura
parcial no sentido apical, ultrapassando
largamente a junção mucogengival.
Cria-se uma espécie de bolsa supraperióstica para expor de uma forma
ampla as recessões.
Figura 5d
Fig. 5c
Fig. 5d
O enxerto é deslizado para este tipo de
bolsa e imobilizado a nível da JAC
através de pontos interproximais com
fios 6-0. Observe-se no enxerto a marca
da remoção da banda epitelial.
Figura 5e
Fig. 5e
Fig. 5f
O retalho é posicionado de forma a
maximizar o recobrimento do ETC, com
suturas descontínuas interproximais, sem
no entanto possibilitar o recobrimento
total (ligeira exposição cervical a nível
do 22). No espaço interdentário há uma
dupla espessura (enxerto mais retalho)
na incisão apical das papilas. Estes
degraus podem ficar perceptíveis por
algum tempo, mas atenuam-se com a
maturação dos tecidos.
Figura 5f
Cicatrização aos 3 meses.
Figura 5g
Aspecto da cicatrização aos 8 meses.
Recobrimento estético das recessões
com ganho de tecido queratinizado em
altura e espessura.
Fig. 5g
221
Cirurgia plástica periodontal
De acordo com os mesmos princípios, foi desenvolvida a técnica do envelope43 para o tratamento de
recessões unitárias de dimensões reduzidas. O
enxerto é deslizado para uma bolsa supra-perióstica
realizada em redor da recessão sem incisões de descarga. Posteriormente, Allen44 retomou as bases desta
técnica e adaptou-a ao revestimento de recessões
múltiplas, desenvolvendo a técnica em túnel. É realizado um verdadeiro túnel em espessura parcial que
abrange a dissecção num mesmo plano das várias
recessões contíguas, mas preservando a integridade
das papilas interdentárias e, consequentemente,
minimizando a retracção pós-operatória do retalho.
Além destes procedimentos, têm-se desenvolvido técnicas híbridas que combinam vários elementos das
técnicas descritas anteriormente, alargando o leque
de aplicações na cirurgia plástica periodontal.45-48
222
Conclusão
O enxerto de tecido conjuntivo constitui um tratamento previsível e versátil na área da cirurgia plástica periodontal para o recobrimento de recessões
gengivais. As técnicas disponíveis possibilitam, a
nível da recolha do enxerto, minorar o trauma cirúrgico e maximizar o volume removido e, a nível do
recobrimento, a sua aplicação numa ampla gama de
indicações clínicas com elevada eficácia de resultados clínicos e estéticos.
Capítulo 14
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