UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR FUNDAMENTADO NA
PRÁTICA DA CAPOEIRA E BASEADO NA EXPERIÊNCIA E
VIVÊNCIA DE UM MESTRE DA CAPOEIRAGEM GRADUADO
EM EDUCAÇÃO FÍSICA
Por: Ricardo Martins Porto Lussac
Orientadora
Profa. Maria Poppe
Rio de Janeiro
2004
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR FUNDAMENTADO NA
PRÁTICA DA CAPOEIRA E BASEADO NA EXPERIÊNCIA E
VIVÊNCIA DE UM MESTRE DA CAPOEIRAGEM GRADUADO
EM EDUCAÇÃO FÍSICA
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como condição prévia para a
conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato
Sensu” em Psicomotricidade.
Por: Ricardo Martins Porto Lussac.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente e principalmente a meu DEUS, por tudo que
sou e ainda serei, tudo que vivo, vivi e viverei, tudo que sinto e sentirei, tudo
que eu tenho, que eu tive e ainda terei...enfim...como a lista é longa, por
tudo. Também agradeço a meu DEUS, por tudo que não sou e ainda não
serei, tudo que não vivo, não vivi e não viverei, tudo que não sinto e não
sentirei, tudo que eu não tenho, que eu não tive e ainda não terei...e como a
lista também é longa... novamente meu DEUS... por tudo.
Agradeço aos meus GUIAS, meus PROTETORES, meu ANJO DA
GUARDA, que iluminam minha vida e meus caminhos e me guardam.
Agradeço as ENTIDADES que me ajudam, ajudaram e ajudarão,
trazendo e mostrando a luz e a bondade para mim, também me protegendo.
Agradeço aos meus ANCESTRAIS por eu estar aqui e por olharem
por mim.
Agradeço a minha FAMÍLIA, a todos, sem citar o parentesco, aos que
me apoiaram e ajudaram, indiretamente e diretamente, seja muito ou pouco,
a cada um, mesmo os que não o fizeram.
Agradeço as PESSOAS QUE AMO, AMIGOS(AS), NAMORADA etc...
por simplesmente existirem e estarem ao meu lado.
Agradeço às PESSOAS QUERIDAS QUE SE FORAM e que agora
estão em outro plano e dimensão.
Agradeço
ao
CORPO
DOCENTE,
ORIENTADORA,
COORDENAÇÃO, DIREÇÃO e FUNCIONÁRIOS(AS) da UCAM, do
PROJETO “A VEZ DO MESTRE” e aos(às) meu(minhas) AMIGOS(AS) da
minha TURMA de PÓS-GRADUAÇÃO em PSICOMOTRICIDADE da UCAM.
4
Agradeço a todos(as) que me ensinaram e ensinam a CAPOEIRA,
sejam MESTRES(AS), PROFESSOR(AS), ALUNOS(AS) e a TODO(AS) que
ensinei.
Também agradeço a todos(as) que contribuíram na minha vida
acadêmica e profissional na EDUCAÇÃO FÍSICA.
Agradeço àqueles(as) que lutam por uma educação, uma sociedade,
um país, um mundo e uma vida melhor.
Agradeço ao meu cachorro, companheiro fiel; aos pássaros por seus
cantos e aos demais animais: esquilos, tucanos, corujas, gaviões, gambás,
micos e outros, que vez ou outra, me contemplam com suas visitas em
minha casa. Agradeço a NATUREZA a qual integro, também minha família.
Agradeço às plantas e árvores de minha casa, que me dão os seus
frutos e suas folhas, sua sombra, energia e proteção.
Agradeço ao ar que respiro; à terra que piso e nutre indiretamente
com o alimento e diretamente com a energia; à água que me sustenta a
vida, me refresca e me limpa; ao fogo que me aquece, ilumina e prepara os
alimentos; e a todas as energias que sustentam o meu viver.
E finalizando, agradeço a todos(as) que tornam o meu dia a dia e
minha vida, mais feliz, agradável e próspera.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos que me ajudam e ajudaram durante a
minha existência, e participam e participaram somando positivamente a
minha vivência; às pessoas que não tiveram a oportunidade de estudar e ou
de ter uma vida mais justa; àqueles(as) que lutam por uma educação, uma
sociedade, um país, um mundo e uma vida melhor; à Capoeira e aos(às)
Capoeiras; à Educação Física e à Psicomotricidade e respectivos(as)
profissionais; à minha Comunidade; aos(às) Brasileiros(as) e ao Brasil,
minha pátria, minha terra.
6
RESUMO
A proposta deste estudo consistiu em investigar o desenvolvimento
psicomotor fundamentado na prática da capoeira e baseado na experiência
e na vivência de um mestre da capoeiragem graduado em educação física.
Para tal, foi realizada uma pesquisa bibliográfica. E sendo constatado
pouco material referente ao assunto proposto na pesquisa: Psicomotricidade
e Capoeira; foram também aproveitadas as experiências e as vivências do
autor da pesquisa, um mestre da capoeiragem graduado em educação
física.
Após a descrição da história, prática e desenvolvimento da capoeira,
do conceito de psicomotricidade e do desenvolvimento psicomotor,
baseados em vasta literatura existente, a pesquisa estendeu-se ao
desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira.
PALAVRAS CHAVES
Brasil, Capoeira, Psicomotricidade, Educação, Educação Física,
História.
7
ABSTRACT
The proposal of this paper is to investigate the psychomotor
development founded on the practice of capoeira and based on the life
experiences of a master in this art who is graduated in physical education.
For such purpose a bibliographic research was conducted and since
very little material was found in relation to the relevant subject proposed at
the research (Psychomotricity and Capoeira); the experiences and life
accounts of the author were also included, being a master in capoeira and
also graduated in physical education.
After a description of the history, practice and development of
capoeira,
of
the
concept
of
psychomotricity
and
of
psychomotor
development, based on vast literature available, the research was extended
to the psychomotor development founded on the practice of capoeira.
THEME
Psychomotor development based on the practice of capoeira and on
the life experiences of a master in this art who is graduated in physical
education.
KEY WORDS
Brazil, Capoeira, Psychomotricity, Education, Physical Education,
History.
8
RESUMEN
La propuesta de ese estudio ha consistido en investigar el
desarrollamento psicomotor fundamentado en la práctica de capoeira y
baseado en la experiencia y en la vivencia de un maestro de capoeiragem
graduado en educacíon física.
Por eso, fue realizada una pesquisa bibliográfica y habiendo sido
verificado poco material referente al asunto propuesto en la pesquisa:
psicomotricidad y capoeira, fueron también aprovechadas las experiencias y
las vivencias del autor de la pesquisa,
un maestro de la capoeiragen
graduado en educación física.
Después de la descripción de la historia, práctica y desarrollamento
de la capoeira, del concepto de psicomotricidad y el desarrollamento
psicomotor, baseados en una gran variedad literaria existente, la pesquisa
se ha alargado al desarrolllamento psicomotor fundamentado en la práctica
de la capoeira.
TEMA
Desarrollamento psicomotor fundamentado en la práctica de la
capoeira y baseado en la experiencia y vivencia de un maestro de la
capoeiragen graduado en educación física.
PALABRAS CLAVES
Brasil, Capoeira, Psicomotricidad, Educación, Educación Física,
Historia.
9
METODOLOGIA
Este estudo foi baseado numa pesquisa bibliográfica e na experiência
e vivência do autor da pesquisa, um mestre da capoeiragem graduado em
educação física.
Em relação à construção do embasamento teórico, esta pesquisa se
valeu de diversos autores relacionados a capoeira, sua história, prática e
desenvolvimento, pois há amplas referências com diferentes pontos de vista
e interpretações sobre o assunto.
O desenvolvimento psicomotor já foi devidamente estudado por
diversos autores, mas a sua aplicabilidade baseada na prática da capoeira,
ainda não. Após uma revisão bibliográfica alguns autores como: Bechara
(1985a e 1985b, e 1986), Cunha (2003), Freitas & Freitas (2002), Lussac
(1996), Santos (1990), Souza & Oliveira (2001) e Velloso (1998), foram
encontrados como referências para o desenvolvimento da psicomotricidade
através da capoeira, e mesmo assim, sem um aprofundamento, pois tais
obras não tratavam o tema em especial.
Esta pesquisa teve como teoria de base, além dos dois autores já
mencionados acima, o desenvolvimento psicomotor segundo Oliveira (2001),
sendo que, no decorrer do trabalho, alguns autores de importante relevância
ao tema foram incluídos.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
11
CAPÍTULO I - A História, a Prática e o Desenvolvimento da Capoeira
14
CAPÍTULO II - A Capoeira atual, a Educação Física e a
Psicomotricidade
178
CAPÍTULO III - O Desenvolvimento Psicomotor Fundamentado na
Prática da Capoeira
325
CONCLUSÃO
415
ANEXOS
419
BIBLIOGRAFIA
432
ÍNDICE
446
FOLHA DE AVALIAÇÃO
450
11
INTRODUÇÃO
A capoeira, cuja certeza de sua origem é duvidosa, segundo Campos
(1998), Lopes (1999), Neto (1998), Silva (1995), hoje já se encontra em
vários países. Desenvolvida no Brasil, a capoeira neste vasto país, com
grandes diferenças regionais, está espalhada por quase todo o território
nacional, sendo os grandes centros e metrópoles, os pólos aglomeradores e
centralizadores desta arte e cultura. Ela deu a volta ao mundo e hoje é
praticada nos cinco continentes, sendo já considerada por alguns uma
cultura internacional, ao qual discordamos e chamamos de prática
internacional de uma cultura brasileira.
Mais que uma simples forma de resistência, a capoeira representou
um desafio à ordem dominante no Brasil Império e início da Velha República;
traz consigo, junto aos seus praticantes expressos em seus corpos e gestos,
onde ganha vida, toda uma carga simbólica e histórico-social do povo
brasileiro, em seu mais amplo contexto de formação e desenvolvimento.
Ainda um pouco marcada por estigmas negativos do passado, a
capoeira vem ganhando espaço na mídia, no meio acadêmico, na política,
na educação, no esporte e em vários âmbitos da sociedade, devido ao seu
aspecto multifacetado, singulares propriedades e estreitos laços com a
sociedade nacional. É verdade que há muito a ser conquistado por esta arteluta, mas se compararmos com o período do início do século passado,
quando era proibida por lei e considerada prática de malandros, vadios e
desordeiros, constata-se a projeção que atualmente alcançou.
Não é à toa que, reunindo várias qualidades como o jogo, o lúdico,
sua história, a peculiar maneira de praticar atividade física, arte marcial,
música, canto, dança, dentre outras; pessoas a considerem como uma
modalidade com várias formas e maneiras de ser praticada, despertando
também, diferentes interesses e interpretações.
12
Devido a esta polivalência, vários autores constatam e defendem a
capoeira como um excelente método e ou meio de educação, seja nos
meios formais, como as escolas, ou não formais, em atividades
comunitárias, por exemplo.
Para uma melhor inserção e aproveitamento da capoeira no meio
educacional, há de se estuda-la e pesquisa-la, não só para conhecermos
mais ainda o seu potencial, mas para reafirmar às resistências e entraves a
implantação de nossa nobre e singular arte e cultura na educação brasileira,
as potencialidades e vantagens que esta pode prover a educação nacional.
Uma das áreas do conhecimento que precisa e deveria ser mais
pesquisada é a da psicomotricidade, o desenvolvimento psicomotor através
da capoeira, seus benefícios. Área ainda pouco ou quase inexplorada e
muito útil devido a enorme contribuição que poderá ofertar.
O conhecimento da Educação Física e da Psicomotricidade, assim
como o de outras áreas do conhecimento científico, muito ainda têm, a
contribuir com a capoeira, que precisa ser mais estudada e pesquisada,
principalmente devido a sua origem brasileira.
Observada tal lacuna no desenvolvimento científico e acadêmico da
capoeira, o autor deste trabalho resolveu contribuir com um “pontapé inicial”
para novos estudos específicos ao tema surgirem, possibilitando assim, o
devido, merecido e verdadeiro crescimento qualitativo de uma das nossas
mais ricas artes e culturas nacionais, a capoeira.
Este trabalho de monografia visou à capacitação, desenvolvimento e
especialização profissional, e o aprimoramento do mestre e praticante da
capoeiragem. Esta pesquisa poderá fornecer subsídios para uma ampliação
da pesquisa sobre o assunto, além de poder auxiliar os profissionais do
13
ramo de atuação, em sua intervenção, e amadores praticantes da capoeira
quanto a um maior conhecimento e utilização desta.
Desta forma, no capítulo I, abordamos a história, a prática e o
desenvolvimento da capoeira e no capítulo II a capoeira atual, a educação
física e a psicomotricidade. Já no capítulo III, abordamos a psicomotricidade,
seu conceito e o desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da
capoeira. Na conclusão demonstramos os resultados de nossa pesquisa,
sua análise e interpretações através de um desenvolvimento crítico e
construtivo, e as conclusões baseadas na experiência e vivência do autor,
um mestre da capoeiragem graduado em educação física.
14
CAPÍTULO I
A HISTÓRIA, A PRÁTICA E O DESENVOLVIMENTO
DA CAPOEIRA
“Capoeira: Mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio
não tem métodos e seu fim é inconcebível ao mais sábio dos mestres.”
Mestre Pastinha
15
1. A história, a prática e o desenvolvimento da capoeira
Ao pesquisar a capoeira, deve-se conhecer e interpretar a sua
história, pois, para entender a prática da capoeira hoje em dia, tem que se
conhecer a sua prática antigamente. Portanto no decorrer da revisão sobre a
historia e desenvolvimento da capoeira, será enfocada também a sua
prática, ampliando então, a abordagem e entendimento de nossa temática.
A origem da capoeira tem sido investigada e discutida até hoje por
pesquisadores, antropólogos, sociólogos, historiadores, folcloristas e pelos
próprios capoeiras. Autores como Silva, O Mestre Gladson, (SILVA, 1993) e
o historiador Carlos Eugênio Líbano Soares (SOARES, 1999) afirmam isto.
Contanto, constata-se em várias destas pesquisas o equívoco,
mesmo que inconsciente, de propagar “O mito da queima dos arquivos.”
(VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p.86), até por que esta informação é
encontrada em várias publicações sobre capoeira, excetuando as mais
recentes e importantes de bons historiadores. Vale mencionar que os
referidos autores, Luiz Renato Vieira, sociólogo e mestre de capoeira, e
Matthias Röhrig Assunção, historiador e praticante da arte, entre outros, têm
mais acesso e conhecimento a publicações acadêmicas sobre sociologia,
antropologia, história e outros, que os praticantes e mestres de capoeira no
geral, e até mesmo, que profissionais de educação física, que geralmente
têm em suas bibliografias mais referências sobre sua área de conhecimento,
do que de história, ciências humanas e sociais.
Este fato há de mudar de maneira em que as mais recentes e
importantes publicações forem amplamente divulgadas e as informações
necessárias para tal desenvolvimento cheguem aos praticantes e demais
pesquisadores. Teria muita importância e contribuição, a criação de um
sistema de unificação de dados e pesquisas, à nível nacional e internacional,
sobre a capoeira e afins, para que não só fosse acessível, mas que
16
chegasse ao próprio conhecimento de todos, pesquisadores ou não, estes
dados e pesquisas.
O “mito da queima dos arquivos” como dito anteriormente está
presente em vários trabalhos sobre capoeira, como podemos observar na
citação em seguida:
“... sabe-se que, em 15/12/1890, um dos mais
renomados políticos, Rui Barbosa, então Ministro da
Fazenda do governo de Deodoro da Fonseca, prestou
um péssimo serviço à Nação, mandando queimar todos
os documentos referentes à escravidão negra no Brasil.
Neste contexto, nada mais natural que dúvidas
persistam e a desinformação grasse relativamente a
muitos aspectos da nossa cultura”. (SILVA, 1995, p. 9 e
10).
Apesar da queima de tais arquivos não atingirem as fontes de
pesquisa como constataremos logo a seguir, podemos também pensar que
Rui Barbosa não era “fã” da capoeiragem, como podemos ver adiante:
“Rui Barbosa também não desejou ver o lado nobre do jogo.
Capoeirar, repetiu o famoso polígrafo, quer dizer burlar intentos, ladinar.
João Lêda recolheu de Páginas Literárias essa conceituação.” (FILHO apud
LUSSAC, 2000, p. 8).
Para muitos, Rui Barbosa muito contribuiu para com a educação física
no país, podemos observar tal fato através da seguinte citação:
“Inezil Penna Marinho, em 1980, homenageia Rui
Barbosa com uma publicação intitulada Rui Barbosa,
paladino da educação física no Brasil, onde revela
aspectos particulares, destacando que Rui, mesmo
17
pouco afeiçoado aos exercícios físicos, reconhece a
sua importância na educação integral do homem e
coloca toda sua sensibilidade, inteligência, talento e
cultura na defesa da Educação Física, ao redigir os
Pareceres sobre as reformas do Ensino Secundário e
Superior e do Ensino Primário e Várias Instituições
Complementares em 1882.” (CAMPOS, 2001, p. 59 e
60).
Era então desconhecida e ou ignorada as qualidades da capoeira e
outros jogos “nacionais” como ginástica nesta época, o que vinha do
estrangeiro era considerado superior e mais evoluído, tanto que Rui Barbosa
mandou contratar professores de Educação Física, de competência
reconhecida na Suécia, Saxônia e Suíça, iniciando assim, a propagação
ainda maior dos métodos estrangeiros no país, que perduraram durante
décadas, já que antes mesmo, o método Alemão, por exemplo, já era
praticado por imigrantes na segunda metade do século XIX. Tais métodos
influenciaram muito na educação física brasileira, tanto que o próprio Inezil
Penna Marinho criou em uma obra a Ginástica Brasileira, que nada mais era
do que a capoeira em outra e nova roupagem.
Deixando o “Águia de Haia”, voltamos ao mito da queima dos
arquivos. Observando as seguintes citações, comprovamos que tal fato
realmente não interferiu no estudo da história do Brasil e conseqüentemente
da capoeira:
“O mito da queima dos arquivos: É surpreendente o
quanto este mito sobrevive entre os praticantes de
capoeira. Não queremos negar aqui o fato de que Rui
Barbosa mandou queimar documentos referentes à
escravidão no ministério da fazenda, que chefiava
durante o governo provisório. Mas se tratava somente
de documentos de uma repartição, sobretudo das
18
matrículas de escravos criadas pela Lei do Ventre
Livre (1871), cuja destruição dificultaria qualquer
exigência
de
indenização
por
parte
dos
ex-
proprietários de escravos – o que Rui Barbosa temia.
Mas todo o estudante de história sabe que,
apesar
desta
queima,
existem
toneladas
de
documentos que se referem à escravidão, espalhados
por todos os estados brasileiros. 13 Esta informação,
conhecida no mundo acadêmico, tem mostrado
dificuldade em chegar as rodas de capoeira, onde até
hoje é freqüente ouvir comentários equivocados sobre
o
assunto.
Mesmo
autores
geralmente
bem
informados”. (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 86 e
87).
“13. Para um inventário recente, veja o excelente Guia
brasileiro de fontes para a história da África, da
escravidão negra e do negro na sociedade atual.
Brasília, Ministério da Justiça, Arquivo Nacional,
Departamento de Imprensa Nacional, 1988. Ver,
também, o Boletim do Centenário (1988), que politiza
a questão abordando a crença no desaparecimento
completo dos registros como um obstáculo ideológico
à reconstrução de uma história de resistência.”
(Ibidem, 1998, p. 111).
Segundo Vieira & Assunção, a história da capoeira continua sendo
veiculada, tanto nas academias como em muitos livros, com uma mistura de
mitos e semi-verdades, que se mostra muito reticente a auto-correção.
(Ibidem, 1998). Referindo-se aos mitos os mesmos autores assim os
definem:
19
“É importante notar, que quando falamos em mitos,
estamos falando de concepções vigentes no interior da
comunidade dos praticantes da capoeira, veiculadas
por diversos meios (tradição oral, cânticos, apostilas e
publicações de pequena circulação), e que têm
cumprido a função de manter integrada a comunidade
em torno de seus valores considerados fundamentais.”
(Ibidem, 1998, p. 82).
Os referidos autores mencionam níveis de mistificação. Os que não
tem nenhuma base científica e em fatos históricos e ou nem nos
ensinamentos dos antigos mestres, mas são inventados para reforçar
determinadas posições ideológicas. Outros mitos que, insistem sobre alguns
aspectos em detrimento de outros, que são omitidos e que surgem num
determinado momento oportuno, cuja origem precisa é difícil verificar. Os
autores dizem que: “Estas versões parciais têm tido função importante nos
enfrentamentos ideológicos” (Ibidem, 1998, p. 82).
Segundo Vieira & Assunção, os mitos “permitem a articulação de uma
identidade e a legitimação das posições dos grupos dentro do mundo da
capoeira como também dentro da sociedade mais abrangente.” (Ibidem,
1998, p. 109). Basicamente a função destes mitos e controvérsias é a
seguinte:
“Estes mitos fornecem argumentos para uma série de
confrontos que, de maneira geral, não são específicos
ao mundo da capoeira, mas que existiram ou existem
na sociedade brasileira como um todo ou em
determinadas regiões ou cidades. Alimentaram e
alimentam
discursos
que
contrárias.” (Ibidem, 1998, p. 87).
justificam
posições
20
Os referidos autores também afirmam que a reconstrução da história
da capoeira precisa passar por uma avaliação crítica das fontes conhecidas
e das novas fontes, que têm sido desvendadas por pesquisas acadêmicas
recentes e ainda pouco divulgadas. Pois como foi relatado anteriormente:
“ninguém está isento de projetar a capoeira do presente sobre as escassas
fontes do passado, procurando adequá-las às exigências atuais.” (Ibidem,
1998, p. 86). Os autores enfatizam que devemos também distinguir os
diferentes níveis de discurso, veiculados pelos distintos agentes.
Após esta preliminar, passaremos ao estudo das prováveis origens da
capoeira, visto ser fundamental para adentrar aos fatos históricos verídicos.
1.1 - As prováveis origens da capoeira
Como dito anteriormente, a origem da capoeira tem sido investigada e
discutida até hoje. Vários pesquisadores e capoeiras discordam quanto à
origem da capoeira: Africana ou Brasileira; negra escrava, indígena ou
mestiça; camponesa, rural ou urbana; de Salvador – BA ou do Rio de
Janeiro - RJ. Esta polêmica é visível e notória no mundo da capoeira,
persistindo também as referidas dicotomias.
Começaremos pelas hipóteses indígenas, ameríndias, revendo
algumas citações que especulam tal hipótese:
“No livro do padre José Anchieta, A Arte da Gramática
da Língua Mais Usada na Costa do Brasil. Editado em
1595, há uma citação de que “os índios tupi-guaranis
divertiam-se jogando capoeira”. Guilherme de Almeida,
no livro “Música no Brasil”, sustenta serem indígenas as
raízes da capoeira. Martim Afonso de Souza, navegador
português, teria observado tribos jogando capoeira.”
(SILVA, 1995, p. 10).
21
Tanto o Padre Anchieta, como o navegador Martim Afonso de Souza,
atestam a capoeira que observaram como um jogo, em que o Padre ainda
descreve que, divertiam-se, não sendo citado porem, nenhuma relação
destes jogos com música. Já Guilherme de Almeida afirma serem indígenas
as raízes da capoeira, provavelmente devido à alguma relação quanto a
musicalidade destas.
Já o pesquisador Luiz Carlos Krummenauer Rocha nos dá outras
pistas relativas à origem indígena da capoeira, descrevendo também, a
Maraná, antiga luta e ritual dos índios Potiguara. “No dicionário tupi-guarani,
maraná significava “dança de guerra”.” (ROCHA, 2002, p. 12):
“Cartas; do jesuíta Antônio Gonçalves para os
superiores em Lisboa, em 1735, descreve uma luta em
que os índios praticavam antes de qualquer conflito,
em forma de dois a dois ao centro usando os braços e
as pernas como armas (Convento de Santo Inácio de
Loyola, anais das missões no Brasil. Tomo III pág.
128)” (Ibidem, 2002, p. 11).
“O jesuíta padre MANOEL DA NÓBREGA descreve em
suas cartas ao seu superior na Espanha falando dos
costumes indígenas, descrevendo a agilidade dos
índios Potiguaras com os pés, mãos e cabeçadas,
transformando-se em arma perigosa. O “museu do
convento dos Jesuítas de Barcelona – Tomo VII de
1860, em Latim”.
CARTAS do padre Jesuíta português ANTONIO
GONÇALVES para seus superiores do convento de
São Francisco, em Lisboa/Portugal.” (Ibidem, 2002, p.
13).
22
“O escritor holandês Gaspar Barleus descreve no livro
“Rerum Per Octennium in Brasília – 1647, a luta dos
índios tupis praticadas no litoral brasileiro” chamado de
Maraná, luta de guerra, só existem dois exemplares,
um nos EUA e outro no Brasil.” (Ibidem, 2002, p. 11).
“O cronista alemão Johann Nieuhoff descreve em seu
livro “Crônicas do Brasil Holandês” 1670, a luta da
Maraná assim como descrevo abaixo:
Maraná
As cartas do escrivão Francis Patris, que acompanhava
o cortejo do príncipe Maurício de Nassau durante a
invasão holandesa, descreve entre muitos obstáculos
para a ocupação do território brasileiro a resistência
dos habitantes do Brasil.
Negros comandados por Henrique Dias, portugueses
por Vidal de Negreiros, Índios Potiguaras comandados
por Felipe Camarão, o “índio Poti”. Estes índios
usavam durante o confronto, além de flechas borduna,
lanças e tacapes, os pés e as mãos deferindo golpes
mortais, destacando-se por sua valentia e ferocidade.
Pertencia à cultura potiguara a dança de guerra
Maraná, que avaliava o nível de valentia. Em círculo,
os guerreiros com perneiras de conchas compunham
um compasso ao bater com os pés e as mãos,
invocando
seus
antepassados,
acompanhado
de
atabaques de troncos com pele de anta, chocalhos e
marimbas, enquanto que dois guerreiros ao centro com
golpes de pernas, cotoveladas e movimento que
imitava os animais.” (Ibidem, 2002, p. 11).
23
Apesar das referências citarem a agilidade dos golpes de cabeça,
mãos e pés, dois guerreiros em disputa, entre outras características como a
semelhança dos movimentos que imitavam animais, não podemos afirmar
que a Maraná era a capoeira praticada antigamente. Várias outras lutas e
rituais guerreiros eram e ainda hoje o são, praticadas por índios brasileiros,
como a Uca-Uca, praticada no alto Xingu, que mais se assemelha a Luta
Livre (apesar de muito diferente desta) que a Capoeira.
Também foi citada nas referências que a Maraná era uma luta
praticada pelos índios tupis no litoral brasileiro, sabemos que o litoral foi o
princípio, a porta de entrada para a conquista do território brasileiro, sabe-se
que vários sítios arqueológicos foram desde a colonização destruídos, o que
logicamente, seria mais um entrave à pesquisa sobre a cultura indígena.
Prova disto, é a destruição dos sambaquis, considerados riquíssimas fontes
de pesquisa, que queimados, transformavam-se em cal, sendo utilizado em
argamassas para construções, entre outros, ainda na época da colônia.
Estas são as referências que mais pesam ao lado da origem indígena
da capoeira e que raramente são discutidas nos mais importantes trabalhos
historiográficos sobre a capoeira. Talvez, num futuro próximo, pesquisas
sejam realizadas nesta vertente, ampliando o conhecimento sobre o tema, já
que são nos países colonizadores, principalmente Portugal, onde se
encontram as principais referências e provavelmente, onde poderão ser
encontradas algumas respostas. Há também indícios etimológicos da
palavra capoeira, como veremos adiante.
O fato da capoeira ter raízes indígenas é difícil comprovar, pois os
índios brasileiros sofreram um massacre cultural e genético, sendo várias
tribos e culturas extintas, a grande maioria, sem mesmo conhecê-las; a
pouco tempo foram descobertas na Amazônia ruínas de uma civilização
avançada, o que comprova o grande desconhecimento sobre os povos
ameríndios. Assim como vários segmentos da cultura brasileira sofreram
influências e contribuições indígenas, pode ser provável que a capoeira
24
tenha também recebido a sua parcela de contribuição. Ao menos, a palavra
capoeira, de origem indígena, é comprovadamente a mais certa e concreta
contribuição indígena à arte.
Plácido de Abreu em sua obra pioneira “Os Capoeiras” de 1886,
retrata a origem da capoeira segundo sua visão no final do século XIX, no
Rio de Janeiro, como “um trabalho difícil estudar”, idéia que permanece
atualizada. Também não atribui tal origem ao “preto africano” e nem ao
índio. Podemos pensar que já no final do século XIX, na capital, Rio de
Janeiro, não havia índios em número bastante e com seus rituais originais
preservados para que Plácido de Abreu pudesse realmente fundamentar o
que escreveu, pois mesmo se tivesse, seria mesmo assim, uma pequena
parcela da ampla representação dos índios do Brasil, o mesmo
corresponderia aos seus conhecimentos sobre o enorme e diferenciado
continente africano. O que não tira o mérito e fundamento de sua obra que
corresponde justamente à sua época, que vivenciou.
Abreu (apud Soares, 1999) nos diz:
“É um trabalho difícil estudar a capoeiragem desde a
sua raiz primitiva por que não é bem conhecida a sua
origem. Uns atribuem-na aos pretos africanos, o que
julgo um erro, pelo simples fato que a África não é
conhecida a nossa capoeiragem e sim algumas sortes
de cabeça. Aos nossos índios também não se pode
atribuir porque apesar de possuírem a ligeireza que
caracteriza os capoeiras, contudo, não conhecem os
meios que estes empregam.” (SOARES, 1999, p. 10).
Seria estas “sortes de cabeça”, praticadas na África, as mesmas ou
semelhantes descritas nas gravuras de Rugendas?
25
A origem da capoeira e sua prática, remonta aos tempos do Brasil
colonial, mas são vagas e imprecisas as referências e informações
relevantes, criando assim, mais especulações que certezas.
Segundo os autores Vieira & Assunção, sobre a capoeira em tal
período: “a existência da capoeira no Brasil colônia, desde o remoto século
XVI, é um mito..., apesar de não termos conhecimento de nenhum
documento histórico mencionando a capoeira anterior ao século XIX.”
(VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 84).
Vieira & Assunção nos contam sobre a possibilidade da origem rural
ou nordestina da capoeira: “Infelizmente para os defensores da origem rural
e nordestina da capoeira, não é conhecida nenhuma fonte documentando a
capoeira no interior, antes do final do século XIX.”. E continuando comentam
sobre a cidade capital bahiana, Salvador, evidenciando o Rio de Janeiro
como as primeiras fontes fidedignas sobre a capoeira “E, pior, é igualmente
difícil provar a sua existência em Salvador antes da mesma época.” (Ibidem,
1998, p. 97).
Continuando, segundo os referidos autores:
“naõ sabemos da existência, até hoje, de nenhum
documento do Brasil Colônia ou Império referindo-se
explicitamente à capoeira na Bahia. E não é por falta
de procurar. João Reis, reputado especialista da
história da Bahia do século XIX e um dos melhores
conhecedores dos fundos oitocentistas dos arquivos
bahianos, nos garantiu que nunca viu uma referência à
capoeira ou mesmo a outra dança marcial nas suas
pesquisas sobre a Bahia do século XIX, a não ser a
citada gravura de Rugendas. Por isso, aventura a
hipótese heterodoxa de que a capoeira teria sido
26
trazida do Rio de Janeiro para a Bahia.” (Ibidem, 1998,
p. 97).
Isto reflete o pensar de Lopes (2002), que defende em sua obra a
tese de que o Rio de janeiro seria o grande pólo irradiador de cultura e
atração de valores individuais do Brasil, durante muito tempo, quando esta
era capital do Império e posteriormente da República.
Rugendas também aponta a capoeira que retratou como um esporte,
luta e jogo, mas que pode se tornar violento. Nota-se que a descrição da
capoeira por Rugendas, é um pouco diferente, ou seria mais primitiva, da
que encontramos em outros períodos, como no Rio Antigo, mas
assemelhando-se às “sortes de cabeça” descritas por Plácido de Abreu:
“Rugendas (1824) fez dois desenhos e descreveu a
capoeira como Dance de la guerre ou jogar capuëra:
“Os negros têm um outro jogo guerreiro muito mais
violento – capuëra: dois campeões atiram-se um sobre
o outro, tentando derrubar o adversário com cabeçadas
no peito. O ataque é evitado com saltos laterais e
bloqueios
igualmente
hábeis.
Mas
acontece,
ocasionalmente, acertarem cabeça contra cabeça com
grande força, fazendo a brincadeira degenerar em luta,
não raro com as facas ensangüentando o esporte”.”
(NETO, 1998, p. 36).
Estes desenhos que Rugendas descreveu, retratam a presença da
capoeira como prática dos negros, apesar de que alguns elementos que
conhecemos atualmente, ainda não tinham sido incorporados segundo Neto:
“Na descrição de Rugendas estão ausentes os pulos
acrobáticos, o “jogo de chão”, as pernadas e as
rasteiras, que ainda não haviam sido introduzidos no
27
jogo. Além disso o berimbau também não fazia parte
da capoeira, apesar de já existir no Brasil, trazido da
África pelos africanos. Com o tempo, a capoeira foi
modificando, em parte pela própria ação do tempo”.
(NETO, 1998, p. 37).
Sobre Rugendas, Vieira & Assunção elaboram alguns apontamentos
mais elaborados sobre tais gravuras:
“As duas famosas gravuras de Rugendas, sempre
citadas, foram também, como já vimos, muitas vezes
mal interpretada e têm que ser vistas no contexto de
sua obra. A este respeito, parece-nos importante
enfatizar o seguinte: as gravuras, sempre associadas,
se situam de fato em partes diferentes da obra. A
primeira é uma vista de “San Salvador”, aparentemente
pintada na península de Itapagipe. Representa no
primeiro plano em grupo de negros, dos quais quatro
estão se movimentando, enquanto os outros cinco
estão olhando ou namorando. Dois se enfrentam
diretamente, com passos que efetivamente lembram a
ginga. O terceiro, olhando para os dois, se abaixa num
movimento que também existe na capoeira atual. O
quarto parece estar dançando na ponta dos pés. Não
está
representado
nenhum
instrumento
musical.
Rugendas em nenhum lugar comenta esta gravura e
sobretudo não diz que se trata de capoeira. A segunda
gravura, intitulada “Jogar Capoëra ou danse de la
guerre”, mostra uma cena urbana, com dois negros se
enfrentando ou jogando ao som de um tambor. Faz
parte dos capítulos sobre os “usos e costumes dos
negros”. Nele, Rugendas descreve o que considera os
“cantos e danças” típicos dos negros, como o batuque
28
(“Batuca”), o lundu (“Zandu”, em outra ilustração
chamada “Landu”), a capoeira e a eleição do Rei do
Congo. Passa então a tecer comentários sobre os
“feiticeiros” (ou “mandingueiros”), os efeitos do álcool
sobre os escravos e as fugas dos mesmos. A inclusão
da capoeira neste capítulo é um argumento para a
existência mais generalizada da capoeira no Brasil
Império, tanto quanto outras manifestações por ele
mencionadas.
Esta
segunda
gravura,
que
explicitamente se refere à capoeira, parece ser situada
no Rio de Janeiro, devido à forma do morro no fundo
do quadro.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 97).
Podemos pensar que a interpretação de tais gravuras como também
de outras, deve levar em conta a obra do autor como um todo, como e o que
ele pensava, em que meio e situação tais gravuras foram elaboradas, para
quem, e entre outras incógnitas que devemos fazer para não cairmos no erro
de falsas ou tendenciosas interpretações, também devemos atentar para as
limitações das interpretações.
Contudo as obras de Rugendas são grandes fontes de pesquisa para
a capoeira e para a história da escravidão e do negro no Brasil.
Ainda há outras teorias com relação à origem da capoeira, baseadas
na concepção e definição da etimologia do termo, o que, aliás, é de onde
surge, grande parte das divergências sobre sua origem e parte do
preconceito com relação a esta.
De acordo com o sociólogo João Lyra Filho:
“ Waldeloir Rego reabriu o assunto no seu erudito
ensaio socioetnográfico sobre a capoeira de Angola.
29
Suas pesquisas levaram-no a afirmar que “o vocábulo
capoeira foi registrado pela primeira vez em 1712, por
Rafael Bluteau, seguido por Moraes em 1813, na
segunda e última edição que deu em vida de sua obra”.
De então por diante, acrescenta, o vocábulo “entrou no
terreno da polêmica e da investigação etimológica”. A
primeira contribuição para o deslinde etimológico teria
sido a de José de Alencar, no romance Iracema,
editado pela primeira vez em 1865; a contribuição ” foi
repetida em 1870, em O Gaúcho, e sacramentada em
1878, na terceira edição de Iracema”. O romancista
chamou o vocábulo capoeira o tupi caa-apuam-era, que
significa ilha de mato já cortado.” (FILHO, 1973, p. 311)
Antônio Moraes da Silva, em 1813, em Lisboa, cita a “Luta da
Capoeira” praticada por negros, mestiços e índios no Brasil, em seu livro
“Dicionário da Língua Portuguesa” Lisboa – Typografhia Lacerdina – 1813
Tomo I pág 343. (Rocha, 2002, p. 12).
Continuando, Filho reporta:
“Pereira da Costa também inclui no seu vocabulário
este verbete: “capoeira, luta ou espécie de exercício ou
jogo atlético, praticado por indivíduos de baixa esfera,
vadios, desordeiros, e no qual os lutadores esgrimem
cacetes e facas, e servindo-se ainda, em passos
próprios, que obedecem umas certas regras e preceitos
dos pés e da cabeça, valentes, ágeis e ligeiros, vencem
os adversários.”
Em tais jogos, trazidos pelos africanos – acrescenta o
autor citado - , sucumbe um dos lutadores; às vezes,
gravemente feridos, ambos perecem. “Vem daí a
extensão do termo ao indivíduo que se exercita no jogo
30
da capoeira, que, aliás, é também extensivo hoje a toda
a sorte de desordeiros pertencentes à ralé do povo,
entes perigosíssimos, por isso que, sempre armados,
matam a qualquer pessoa inofensiva, só pelo prazer de
matar.” (FILHO, 1973, p. 307).
“O Conselheiro Macedo Soares (Antônio Joaquim)
publicou em 1943 este extrato então inédito do seu
Dicionário da Língua Portuguesa: ”Capoeira, s.m.,
moleque que toca capoeira, moleque de campo, onde
passa vida airada, de vadio, que leva a dormir e brincar,
e se diverte tocando capoeira. ”O dicionarista foi
adiante: “Moleque da cidade, malandro, que não sai da
rua, onde se dá á peraltagem dos capoeiras. ”E ainda:
“O criado livre nas mesmas condições. ”Por fim, a
peraltagem dos capoeiras, que, à princípio, consistia
somente em exercícios de força e agilidade muscular, e
depois
passou
pau
e
faca,
como
bem
define
Beaurepaire Rohan”. E mais: “O vadio, peralta, livre ou
escravo, dado ao exercício da capoeira, fazendo ofício
da capoeira.” O mesmo dicionarista: “Capoeirada,
bando de capoeiras; ação de capoeira. Capoeiragem,
exercício da capoeira”.” (Ibidem, 1973, p. 309 e 310).
“Bem sei que o jogo foi recriminado até mesmo por
homens de formação cultural; mas não lhe dou minha
adesão.
Silvio
Romero
chegou
ao
extremo
de
impressionar-se com os efeitos distorcidos da luta
nacional por excelência, a ponto de referir-se a ela
como se constituísse um cancro. O famoso polígrafo e
outros expoentes da nossa cultura deixaram-se levar
pelas crônicas policiais.” (Ibidem, 1973, p. 308).
31
“Essa imagem perverteu o ânimo daqueles que, por
falta de cultura, se valeram da capoeira para o mal. A
imagem influenciou o registro de Alberto Bessa no livro
dedicado à gíria portuguesa: “capoeira, jogo de mãos,
pés e cabeça, praticado por vadios de baixa esfera
(gatunos).”” (Ibidem, 1973, p. 316).
Finalizando Filho, nos contempla com sua visão sobre a opinião dos
autores que citou, com a qual concordamos plenamente:
“Sublinho
que
as
conotações
dos
historiadores,
memorialistas e dicionaristas não guardam a precisão
vocabular coincidente com a verdade encontrada na
ciência dos sociólogos.” (Ibidem, 1973, p. 309).
Á semelhança de Filho, Muniz Sodré, na orelha do livro de Carvalho
(2002), também tece seu breve comentário sobre o termo capoeira
interpretado por dicionaristas, em que na sua visão, deve ser revista após o
passar do tempo. De acordo com Sodré:
“Por volta de 1901, um dicionário de “gíria portuguesa”
definia capoeira como “jogo de mãos, pés e cabeça,
praticado por vadios de baixa esfera (gatunos)”. Isto
não está inteiramente correto, uma vez que, naquela
época, o termo já designava principalmente um tipo
social, bastante temido por suas habilidades e
tropelias. Por outro lado, não era composta de gatunos
a maioria dos grandes capoeiras da época e, ademais,
havia alguns “vadios” de alta esfera, pelo menos no
Rio de Janeiro, entre os praticantes do jogo.
Seja como for, um século depois, a definição tem de
ser revista, pois a capoeira entrou nos costumes, virou
fato cultural e ganhou o mundo.” (CARVALHO, 2002).
32
Como podemos notar, parte do preconceito que hoje atinge a
capoeira, remonta a estas análises etimológicas e definições passadas, que
não contribuem muito em relação à discussão da origem da capoeira.
Mas
nem
todos
os
autores
embarcaram
nestas
definições
preconceituosas com relação à capoeira, segundo Campos:
“Outro argumento para o vocábulo é a existência, no
Brasil, de uma ave chamada Capoeira (Odontophores
Capueira-Spix) que se acha espalhada por vários
estados brasileiros, além de ser também encontrada no
Paraguai. “Essa ave é também chamada de Uru, uma
espécie de perdiz pequena que anda em bandos e no
chão”. Antenor Nascimento, em 1955, na Revista
Brasileira de Filologia, explica que o jogo da Capoeira
se liga à ave, informa que o macho da capoeira é muito
ciumento e por isso trava lutas tremendas com o rival
que ousa entrar em seus domínios. Concluindo que
naturalmente os passos de destreza desta luta, as
negaças, foram comparados com os destes homens
que, na luta simulada para divertimentos, lançavam
mão apenas da agilidade. Existe ainda o vocábulo
português Capoeyra que significa “ cesto para guardar
capões”. “ (CAMPOS, 1998, p. 19).
Sobre a ave ”Uru” é desconhecida uma maior abordagem relativa ao
estudo da capoeira. Após analisar a obra “Ornitologia Brasileira” de Helmut
Sick (1997), umas das maiores referências para os biólogos, médicos
veterinários e principalmente ornitólogos, não encontramos nenhuma
semelhança com o que Antenor Nascimento citou. Nascimento poderia até
ter extraído tais considerações de outra referência e mais antiga, visto que a
citada Revista Brasileira de Filologia foi publicada em 1955. Diferentemente,
33
Sick descreve que o território da Uru, era defendido por toda a falange ou
bando e não somente pelo macho “ciumento”, sentimento este geralmente
iniciado em época de reprodução (a não ser que tal ciúme fosse relativo ao
território), o que também não consta, pois como Sick relata, “aparentemente
são monógamos”. A única correspondência seria um dos locais de ocorrência
da
ave
“capoeiras
sombrias”,
em
vários
estados
brasileiros,
que
provavelmente teria batizado a ave “Uru” e ou “Capoeira” com o nome
científico Odontophorus capueira. Como a obra de Helmut Sick é
desconhecida da grande maioria dos capoeiristas, não sendo citada em
nenhum trabalho pertinente a capoeira e com o intuito de democratizar e
ampliar um debate maior, transcrevemos no ANEXO 1 a parte de sua obra
que relata o estudo na íntegra da referida ave, que desperta até hoje, certa
curiosidade por parte dos capoeiras.
Filho, completa e finaliza sua versão da origem do jogo da capoeira e
de seu termo.
“Em face destes estirões etimológicos exibidos entre
tantas
jogadas
ilustres,
sinto-me
um
simples
espectador. Encerro o jogo com esta súmula de
Waldeloir Rego: Brasil Gerson, o historiador das ruas do
Rio de Janeiro, fazendo a história da rua de D. Manoel,
informa que lá ficava o nosso grande mercado de aves
e que nele nasceu o jogo da capoeira, em virtude das
brincadeiras dos escravos que povoavam toda a rua
transportando nas cabeças as suas capoeiras cheias de
galinhas. Partindo dessa informação é que o pioneiro de
nossos estudos etimológicos, o ilustre Mestre Antenor
Nascentes, se escudou para propor novo étimo para o
vocábulo capoeira, designando o jogo atlético, assim
como praticante do mesmo. Por carta de 22 de fevereiro
de 1966, que tive a honra de receber, Nascentes deixa
bem claro o seu pensamento: “ A etimologia que eu
34
hoje aceito para capoeira é a que vem no livro de Brasil
Gerson sobre as ruas do Rio de Janeiro.” Eis o flagrante
que a crônica registra: Como galos de rinha, dois
homens
defrontam-se
em
posição
de
ataque,
agachados no meio da roda. De repente, pernas sobem
do chão em vôo elástico; entre gingas, negaças e
golpes coreográficos, rodopios ao som de chulas como
estímulos à agressividade.” (FILHO, 1973, p. 315).
E Campos, reafirma quanto ao termo original capoeira, que refere-se à
mata, herdado do tupi: “Atualmente, são quase unânimes os tupinólogos em
aceitarem o étimo Caá, “mato, floresta virgem”, mais Puëra, pretérito nominal
que quer dizer “o que foi, o que não existe mais”.” (CAMPOS, 1998, p. 19).
Campos, completa ainda com outras concepções do vocábulo,
citando o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira:
“Semanticamente, falando, o vocábulo comporta várias
acepções, conforme consta do dicionário de Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira:
Capoeira 1, s. f. - Gaiola grande ou casinhola onde
se criam e alojam capões e outras aves domésticas.
Capoeira 2, s. f. - Terreno em que o mato foi roçado ou
queimado para cultivo da terra ou para outro fim. Jogo
atlético constituído por um sistema de ataque e defesa
(...).
Capoeiragem, s. f. - Sistema de luta dos capoeiras.
Capoeirada,
Capoeirano,
s. f. - Conjunto de capoeirista.
s. f. – Morador de terras de capoeira.”
(Ibidem, 1998, p. 19 e 20).
35
Soares, nos conta como origem do termo ligado ao jogo, poderia ter
nascido dos carregadores dos cestos chamados “Capú”, carregados pelos
“capoeiros”, reforçando o que diz Filho em sua finalização em que cita
Waldeloir Rego citando Nascentes, que por sua vez concorda com Brasil
Gerson: “Em artigos escritos para o jornal Rio Esportivo entre Julho e
Outubro de 1926, o estudioso argentino radicado no Brasil, Adolfo Moralles
de Los Rios Filho, fez cuidadosas observações etimológicas.” (SOARES,
1999, p. 22).
Sobre as idéias do pesquisador argentino Soares nos conta que este
achava muito estranho que escravos fugitivos preferissem as capoeiras, as
quais eram e são denominados os campos abertos, do que o alto dos
morros ou matas fechadas, para um confronto com os Capitães-do-Mato,
bem armados e a cavalo. O autor, como nos conta Soares, via com
zombaria a temeridade de usar golpes de capoeira contra jagunços com
armas de fogo em terreno aberto. Descartada esta hipótese, Adolfo Moralles
parte para a seguinte, que Soares traduz logo abaixo:
“Com efeito, os grandes cestos carregados pelos
escravos no período colonial para desembarcar e
carregar mercadorias eram chamados “Capú”. Esses
escravos, como carregadores quase exclusivos dos
grandes cestos, muitos colocados ao ganho, se
tornariam, segundo a lógica do autor, “capoeiros”, ou
aqueles encarregados de carregar o “Capú”, como
açougueiros, leiteiros e aguadeiros formariam outros
tantos ofícios da escravaria urbana.” (Ibidem, 1999, p.
22 e 23).
Adolfo Moralles buscou no “Cá” indígena, que se refere a qualquer
material oriundo da mata, da floresta, com o “Pú” referente a cesto,
indicando o termo nativo que significa cestos feitos com produtos da mata:
“Cá-Pú”. Na citação logo a seguir, percebemos a origem da capoeira em um
36
ambiente urbano. O autor chega a entrar em detalhes sobre onde à gênese
teria ocorrido: a praia da Piassava, atual rua Dom Manuel, antigamente
fronteira com o morro do Castelo, local predileto de embarque e
desembarque do Rio pré-joanino. Local onde, segundo Soares, décadas
depois seria marco da fronteira entre Guyamús e Nagôs, as maltas que
dividiriam o Rio na segunda metade do século XIX, e local onde mais tarde
ainda, sofreria uma ampla reforma pelo Prefeito Pereira Passos, com o
desmonte do morro do Castelo, quando provavelmente perdemos muitas
informações arqueológicas e histórico-sociais.
“Nas hipóteses do estudioso, a capoeira como luta teria
nascido nas disputas da estiva, nas horas de lazer, nos
“simulacros de combate” entre companheiros de
trabalho, que pouco a pouco se tornaram hierarquias
de habilidades, onde se duelava pela primazia no
grupo. Dessas disputas de perna teria nascido o “jogo
da capoeira” ou dança do escravo carregador do
“Capú”.” (Ibidem, 1999, p. 23).
Sobre os estudos etimológicos podemos concordar com a teoria de
Moralles acima, descrita por Soares, como a mais plausível, pois o termo
“capoeira” pode parecer distante quanto ao real simbolismo da prática da
capoeira, se não levarmos em conta a origem do nome do cesto, o que e quem
os carregava.
É comum encontrarmos vários autores escrevendo que era nas
capoeiras, terreno de mato ralo ou cortado, etc., onde a luta capoeira era
treinada, praticada ou mesmo onde aconteciam os combates dos escravos
fujões com os Capitães do Mato, etc. Tais autores cometeram o equívoco de
propagar mais um mito ou propagar idéias e crenças pessoais, como
semiverdades, já discutidas anteriormente, sem nenhum embasamento teórico,
ao qual foi até motivo de zombaria por parte de Moralles, como visto
anteriormente.
37
Outra hipótese bastante relevante sobre o termo capoeira é a que Vieira
& Assunção nos apresentam, pois eles dizem que o uso indiferenciado do
termo capoeira tanto para técnicas de combate quanto para grupos à margem
da sociedade colonial, sugere que o primeiro significado se tenha criado por
extensão do segundo, sugerindo então, curiosamente, um processo de
reversão da metonímia “res pro persona”, em virtude das circunstâncias
históricas que, de acordo com uma das hipóteses mais difundidas, teria dado
origem ao nome da luta. Segundo os referidos autores:
“Pode reforçar a hipótese, já antiga, de que o nome
capoeira para a arte marcial deriva do vocábulo tupi para
designar a mata secundária, na medida em que parece
haver algum tipo de associação entre estes grupos e a
capoeira-mata. A diferença é que se trataria das
capoeiras da periferia urbana do rio de Janeiro, e não,
como antes se argumentava, das capoeiras do interior
nordestino.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 98).
Considerando e reafirmando este fato, lembramos que um dos
significados já vistos da palavra capoeira, corresponde ao mato que já foi
cortado, mato baixo, etc; e que as matas aos arredores da cidade do Rio de
Janeiro foram devastadas para o cultivo do café, para a exploração do
território, consumo de lenha e aproveitamento das madeiras de lei, tanto que
após a verificação da falta d’água devido ao desmatamento, o Imperador
Dom Pedro II ordenou o reflorestamento de parte do território, onde se
encontravam principalmente os mananciais e que hoje conhecemos como
Floresta da Tijuca, e a proibição do corte das madeiras de lei
(HEYNEMANN, 1995).
Vieira & Assunção citam que durante muitos anos, um dos principais
debates da historiografia sobre o tema girou em torno da origem da palavra
que dá o nome à luta. Referindo-se aos discursos que estruturam o campo
38
de estudo da capoeira, mencionados no artigo deles, os referidos autores
não estranham o fato de ter surgido três etimologias diferentes, apontando
ora para a origem tupi, ora para a origem portuguesa ou africana da palavra.
Continuando, segundo os esses autores:
“Mais importante que a origem da palavra é hoje a
pergunta: que significado recobre a palavra capoeira a
partir do momento em que aparecem nas fontes, no
início do século XIX, não para designar os outros
significados do termo, (gaiola, cesto, ou terreno com
vegetação secundária) mas para designar uma técnica
de luta ou pessoas associadas a esta luta? Pode-se, de
fato, notar uma tendência comum a muitos estudiosos de
minimizar as mudanças semânticas que ocorreram desta
época para cá, e que nos devem levar a questionar esta
suposta “essência” de uma capoeira atemporal.” (VIEIRA
& ASSUNÇÃO, 1998, p. 95).
Sobre a origem africana da palavra capoeira os mesmos autores
citam Nei Lopes (1996) e Gerhard Kubik (1979):
“Para a tese da origem umbundo da palavra kapwila
(espancar, bofetada, tabefe) ver Lopes (ca. 1996, p.750.
Outra hipótese foi levantada por Kubik (1979, p.29),
sugerindo que se tratava de uma espécie de senha entre
escravos que se preparavam para a fuga: “I think that
Capoeira may well have been a code word by the
Angolans in Brazil for their secret training. Perhaps there
was really something like an ‘operation capoeira’, in the
making. In this case the Portuguese term capoeira,
meaning chicken coop, would have been used as a
symbol for something much more ‘classified’. This was
probably kept secret for a long time. If capoeira is indeed
39
an Angolan word its coincidental phonemical identidy
with the Portuguese word meaning ‘chicken coop’ could
have been accepted by the freedom fighters with a great
laugh. In this case they could speak the word into the
White Man’s face and enjoy the fact that he was only
able to know the stupid meaning it had in his own
language, unable to discover what it meaning to the
Angolans in Brazil”.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p.
112).
Finalizando, os mesmos autores assim se reportam sobre a palavra
capoeira: “De fato, a palavra capoeira era usada tanto para designar uma
prática, quanto para um grupo de pessoas.”. Continuando, os mesmos autores:
“Como já enfatizou Holloway (1989b, p. 649), é importante estar atento para os
diversos significados do vocábulo, nesta época, para não incorrer confusões,
nem anacronismos.” (Ibidem, 1998, p. 98).
Deixando as origens etimológicas, passaremos a outros tópicos sobre
as suposições relativas à origem da capoeira.
Alguns autores chegam a especular, outros até afirmam, o Quilombo
dos Palmares como um lugar onde havia a prática da capoeira, mas como
demonstrado anteriormente nada se pode afirmar sobre a capoeira nesta
época, sendo a capoeira em Palmares, mais um mito, apesar de
concordarmos na fecundidade do lugar, dos personagens, do momento e do
meio, que seria propício e oportuno para a origem da capoeira ou outra
prática semelhante, pois se encontravam ali, negros, índios e brancos de
várias nacionalidades, o que não descarta que, provavelmente, técnicas de
luta e guerrilhas tivessem sido criadas e estudadas durante a longa
existência do Quilombo. De qualquer forma, atualmente, Palmares e Zumbi
são símbolos de resistência e liberdade para vários grupos e segmentos
sociais, inclusive para muitos capoeiras.
40
Apontando para as Teorias voltadas à origem africana da capoeira
Silva reporta Édison Carneiro, que nos diz serem os angolas, os iniciantes
da prática da capoeira:
“Édison Carneiro, em Religiões Negras, afirma que o
folclore
regional
está
fortemente
impregnado
de
elementos bantos – os cucumbis, o samba, a capoeira,
o batuque, os ranchos de boi-alegando ainda que,
inicialmente, a capoeira era praticada entre os angolas,
não como meio de defesa, mas como dança religiosa.
Haja vista que hoje, na Bahia, a luta entre os capoeiras
nas “rodas” é precedida de um verdadeiro ritual,
cânticos
e
musicas
de
berimbau,
chocalhos
e
pandeiros. No seu misticismo religioso, rezando ou
esperando o Santo, o angola ia exacerbando os seus
movimentos, sua ginga, seus saltos, seu bamboleio, até
atingir verdadeiro paroxismo. Essa prática desenvolvia
nele uma incrível agilidade.” (SILVA, 1995, p. 11).
Vieira & Assunção, nos contam sobre o N’golo, praticada em uma
região de Angola, o qual muitos mestres e capoeiristas atribuem, sem
nenhuma comprovação científica, a origem da capoeira, na tentativa de
reafirmar e reforçar uma identidade original negra:
“O N’Golo foi descrito pelo escritor Neves de Souza,
na década de 1960, como uma dança de iniciação
numa região de Angola, onde se usava o pé para
atingir o rosto do adversário. Câmara Cascudo foi o
primeiro a atribuir a origem da capoeira ao N’Golo,
seguido por muitos outros capoeiristas. No entanto,
falta até hoje uma descrição mais detalhada desta
“dança das zebras” que continua a inspirar grande
número de praticantes da capoeira. Outros possíveis
41
ancestrais seriam uma luta de pescadores chamada
de bássula e uma dança de nome umudinhu (cf.
Soares, 1995, p.24).” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p.
111).
O Mestre Nestor Capoeira, o Neto (1998), mostra que a camuflagem
da luta capoeira em dança não existiu, com a qual concordamos, pois a
prática de danças e rituais eram proibidas e raramente aceitas, além de
levantar a falta de evidências concretas com relação à origem da capoeira
nos quilombos e mencionar outros autores com relação às teorias da origem
da capoeira, e também o N’Golo. O fato de a capoeira ser uma luta e um
jogo dançado, não corresponde diretamente a uma camuflagem em dança.
Continuando, segundo Neto:
“Além desta teoria sobre as origens da capoeira –
mistura de danças, lutas e rituais africanos, acontecida
no Brasil durante o século XIX” – existem várias outras.
Uma teoria muito popular afirma que “a capoeira
era uma luta que se disfarçou em dança, para escapar
à perseguição dos feitores e senhores de engenho”.
Coisa pouco provável. As danças africanas também
estavam sendo reprimidas, e portanto não havia sentido
em disfarçar a capoeira em dança.
Outra diz que os jovens guerreiros mucupes, do
Sul de Angola, durante a efundula – quando as meninas
passavam à condição de mulher -, realizavam o n’golo
(a dança das zebras). O guerreiro que mais se
destacasse podia escolher uma noiva sem pagar o dote
ao pai dela. O n’golo seria a própria capoeira, que seria
praticada na África antes de vir para o Brasil. Esta teoria
foi apresentada, em 1967, pelo eminente estudioso Luís
da Câmara Cascudo. Mas no ano seguinte, Waldeloir
Rego, no excelente Capoeira angola, nos alertava
42
contra esta “estranha tese”, que deveria ser encarada
com reservas até que fosse devidamente comprovada
(o que nunca aconteceu). Se é que n’golo existiu, é
provável ter sido uma das danças-lutas que foram
absorvidas
pela
capoeira
primitiva
descrita
por
Rugendas em 1824.
Outras teorias misturam Zumbi dos Palmares, e os
quilombos, com as origens da capoeira, sem nenhuma
evidência ou prova além da imaginação de capoeiristas
e “estudiosos”.” (NETO, 1998, p. 37 e 38).
De acordo com Édison Carneiro citado por Silva (1995) e Câmara
Cascudo citado por Neto (1998) a capoeira era praticada como uma dançaritual religioso, com um fundo social e cultural característico.
Pierre Dru é um pesquisador conhecedor do N’golo. Lussac recebeu
um e-mail em 15/02/2004, onde consta o trecho de uma entrevista deste
pesquisador falando sobre o N’golo (ANEXO 2). Neste trecho também
consta o site, onde pode ser encontrada a interessante entrevista na íntegra.
Campos descarta a origem africana da capoeira:
“Convém
lembrar
que
vários
pesquisadores
que
estiveram na África, principalmente em Angola, jamais
encontravam vestígio algum de uma luta parecida com
a nossa Capoeira. Ainda para reforçar esta hipótese do
aparecimento da Capoeira no Brasil, não existem
nomes de golpes nem de toques em língua africana,
como por exemplo no Candomblé. Uma indagação que
pode ser feita é a seguinte: por que os africanos não
preservaram a linguagem da capoeira como fizeram
com tantas outras manifestações vindas com eles da
África.” (CAMPOS, 1998, p. 17 e 18).
43
Concordamos com Campos no que se refere à preservação da
linguagem, pois no candomblé esta foi preservada, apesar de ser uma
hipótese para esta perda da linguagem, a aculturação sofrida pela capoeira
do início ao fim do século XIX, período em que ela deixou de ser praticada
somente por negros africanos e passou a ser praticada por vários agentes da
classe social, predominantemente da classe baixa, mas não mais africanos
como antes, parcela esta cada vez mais reduzida.
A hipótese que aqui elaboramos ganha força ao constatar que no Rio
Antigo, a capoeira não era praticada com música específica, podia até ser,
mas de forma diferenciada da que conhecemos hoje, então, o canto e os
instrumentos à que o autor se refere, não poderiam ser culturalmente
preservados. Quando colocamos “com música específica”, queremos dizer
como a conhecemos hoje e como era praticado no início do século XX na
Bahia.
No Rio, possivelmente a capoeira poderia ser praticada junto a
batucadas. Mesmo assim, a verdade é que não existe nenhum termo
lingüístico africano empregado na capoeira. A respeito disto, está o uso do
berimbau, que antigamente era utilizado por vendedores e ambulantes, e
atualmente é instrumento símbolo da capoeira e que foi incorporado à
capoeira aos poucos, até se tornar o principal, pois hoje em dia, há quem
diga que: não há roda de capoeira sem berimbau.
Silva completa sobre Angola, citando o professor austríaco Gerhard
Kubic:
“Em trabalho publicado pela Xerox do Brasil, o
professor austríaco Gerhard Kubic, antropólogo e
membro
da
Associação
Mundial
de
Folclore,
conhecedor de assuntos africanos, diz estranhar “que o
44
brasileiro chame capoeira de Angola, quando ali não
existe nada semelhante”. (SILVA, 1995, p. 10).
Apesar de Campos colocar que em Angola não foi encontrada
nenhuma luta parecida com a capoeira, assim como o pesquisador citado
logo acima, que estranha o brasileiro chamar a capoeira de capoeira angola,
convém lembrar que Angola assim como toda a África sofreu com guerras e
destruições de culturas, artes, entre outras, e que não conhecemos ainda
suficientemente este enorme continente e suas variações para fazer
afirmações prematuras. É notória porem, a semelhança de danças e práticas
culturais com a capoeira e outras existentes no Brasil, sendo, portanto
ingênua e precipitada qualquer descarte da contribuição africana à capoeira
neste sentido.
Podemos pensar que Gerhard Kubic errou ao ligar o nome Capoeira
Angola ao país Angola, seria mais correto se voltasse sua análise para o
discurso Capoeira Angola versus Capoeira Regional, que veremos adiante.
Como observamos, a capoeira não existe na África, pode até ter
existido, além de que, a capoeira aqui, não tem elementos africanos com
relação à linguagem, salvo a possível exceção da hipótese formulada
anteriormente.
Segundo o pesquisador Waldeloir Rego, a capoeira seria uma criação
dos africanos no Brasil:
“... tudo nos leva a crer que seja a capoeira uma
invenção dos africanos no Brasil, desenvolvida por seus
descendentes Afro-Brasileiros, tendo um vista uma
série de fatores colhidos em documentos escritos e
sobretudo no convívio e diálogos constantes com os
capoeiristas atuais e antigos que ainda vivem na Bahia.”
(REGO, 1968, p. 1).
45
Campos complementa, dizendo quando os negros começaram a vir
para o Brasil oficialmente, dando-nos uma idéia do começo da diáspora
africana no Brasil.
“O documento mais antigo legalizando a importação de
escravos para o Brasil, inclusive indicando o local de
procedência, é o alvará de D. João III, de 29 de março
de 1559, que permitia que fossem importados escravos
de São Tomé. Porém, um ponto de vista é quase
unânime entre os historiadores, no que concerne à
hipótese de terem vindo de Angola os primeiros
escravos, assim como sendo originária de lá a maior
parte de negros importados.” (CAMPOS, 1998, p. 17).
Foi comum e ainda se encontram textos sobre a história da capoeira,
enfatizando o aprisionamento do africano pelo branco escravizador, que o
capturava em suas aldeias e os remetiam para seu destino através dos
“tumbeiros” (chamados assim devido ao alto índice de mortalidade durante a
viagem), também conhecidos como navios negreiros. Este discurso, estava
calcado no anti-branco, em seu sentido amplo, como forma de reforçar ainda
mais a “culpa” dos brancos por toda esta negra história, as quais as
seqüelas são sentidas e percebidas até os dias atuais; hoje, sabe-se que a
grande maioria das capturas de africanos para o trabalho escravo, era
realizada por africanos de tribos e ou nações rivais, que os vendiam e ou
trocavam por mercadorias, em forma de escambo; o que não diminui em
nada, a “culpa” de todos que participaram do ciclo escravo.
Rocha nos diz como ocorria o processo de aculturação que os
africanos recém chegados por aqui passavam, um método de protecionismo
empregado pelos colonizadores escravocratas e como tal, poderia interferir
na perda da linguagem discutida anteriormente:
46
“Os negros ao chegarem no Brasil sofriam um
processo de desaculturação, oriundo de centenas de
tribos onde cada uma possui seu próprio dialeto e
cultura, ao aportarem no mercado de escravos havia o
cuidado de mesclar os grupos para perderem a
identidade
étnica
começando
com
a
troca
do
nome,...Desta forma impediam a organização de
revoltas, pois os escravos tinham dificuldades em se
comunicar,
dificultando
por
seus
idiomas
manifestarem
suas
se
diferenciarem,
culturas.
Esta
convivência levou a uma nova fusão cultural.”
(ROCHA, 2002, p. 10).
A capoeira seria parte desta nova fusão cultural. A aculturação e a
perda da linguagem devido a sua não utilização, não acarretaria diretamente
a perda da cultura gestual, corporal, por onde a capoeira, ou a sua primitiva
matriz, poderia estar preservada e seria transmitida.
Chegando ao Brasil, depois de destinados aos seus senhores através
da venda no mercado de escravos, onde no ato do desembarque era pago à
fazenda Real a “sisa” (direitos sobre a mercadoria importada, na qual o Fisco
auferia renda apreciável), estes escravos eram submetidos, como sabemos,
a trabalhos forçados, sob coação e castigos, tanto no meio urbano como no
rural: nas lavouras, na pecuária, minerações e outras infinidades de
trabalhos pesados, onde eram alojados nas senzalas, vivenciando o horror e
as humilhações deste sistema nefasto.
Não sendo a história da escravidão nossa prioridade nesta pesquisa e
até porque, se trata de uma ampla, longa e polêmica história, passamos
para outro enfoque.
Outras lutas se assemelham muito à capoeira, podendo-se até dizer
que seriam primas.
47
“Segundo o pesquisador norte-americano Robert Farris
Thompson, há duas lutas negras caribenhas que
guardam alguma semelhança com a capoeira brasileira:
Mani ou Bombosa, de Cuba e Lagya da Ilha de
Martinica”. (REIS, 1997, p. 23).
O Mestre André Luiz Lace Lopes (1999), nos dá sua visão sobre a
origem da capoeira e seu termo, confirmando as várias versões e o grande
número de repertórios, tão ricos, como diz, quanto à própria capoeira,
citando ao final o saudoso e querido Mestre Pastinha, segundo Lopes:
“Sabe-se que os Papuas (Oceania), já no século XVI,
praticavam uma modalidade de luta com os pés. É
muito provável que eles, nômades que eram, tenham
propagado tal luta por quase toda à África. Via navio
negreiro é perfeitamente possível que ela tenha
desembarcado, mais tarde, no Rio, na Bahia e até em
Pernambuco. E aqui chegando, sincretizou-se com as
culturas indígenas e a européia. Quanto à origem
etimológica, o negro escravo, que fugia para os capões,
que fugia para os quilombos, que fugia para as
capoeiras, pode ter, até involuntariamente, sugerido o
nome CAPOEIRA.
São versões, o repertório é grande, rico como a
própria capoeira. Vicente Ferreira Pastinha, o famoso e
querido Mestre Pastinha, com 74 anos de idade e um
dos maiores mestres da Capoeira ANGOLA, não
acredita que a capoeira tenha-se formado na África:
“Mestre Benedito, que me ensinou a pular, era africano
e nunca disse que lá havia capoeira.”” (LOPES, 1999, p.
45).
48
Vários tipos de luta, lutas primitivas, regionais, eram e até hoje são
praticadas em várias partes do mundo, desde em tribos indígenas
brasileiras, como a Uca Uca e a Maraná ou como na “Ilha da Reunião
(França), Oceano Índico,
África, onde se pratica o Moringue”. (LOPES,
1999, p. 81). “As mais conhecidas são o maní de Cuba, a ladja da Martinica
e o Kalinda de trinidad.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 113). Isso sem
contar com as lutas européias, ocidentais e orientais, mais difundidas e
conhecidas por todos nós.
Segundo Vieira & Assunção:
“existiram e ainda existem lutas/danças/jogos de
escravos africanos nas Américas, alguns dos quais
continuam existindo até hoje, embora tenham sofrido
transformações similares às da capoeira brasileira. 25
Entre elas é importante salientar a ladja, praticada na
martinica, cuja semelhança com a capoeira é, de fato,
impressionante. Não só do ponto de vista técnico da
execução dos movimentos (verifica-se a presença de
movimentos como a armada, queixada, meia-lua e
diversos outros) como, o que é mais impressionante, o
fato de congregar aspectos lúdicos, musicais (praticase ao som de atabaques) e de combate corporal.”
(VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 95).
Complementando, Vieira & Assunção, nos fornecem a idéia do quanto
de práticas que poderiam ter contribuído para a formação da capoeira já
desapareceram:
“Mesmo no Brasil, temos notícia de uma série de
manifestações negras, isto é, praticadas por escravos,
libertos e seus descendentes, que associavam música,
dança e alguma forma de luta corporal. Muitas, como o
49
batuque, têm desaparecido, e só nos restam escassas
referências em relatos dos viajantes ou outras fontes.”
(Ibidem, 1998, p. 95 e 96).
Vieira afirma que a bibliografia sobre as lutas de origem africana é
considerável, embora pouco divulgada no Brasil, como podemos ver:
“Podemos citar entre outros, o Manuel de Lutte
Africaine, publicado no Senegal, em 1993, em dois
volumes; Techniques et Apprentissage du Moring
Réunionnais, editado pelo Comité Réunionnais de
Moring de Reunião (ilha da costa oriental da África);
Combat Games of Northern Nigeria, de Edward
Powe, editado em 1994. ... interessante livro de Josy
Michalon, intitulado Le Ladja: Origines et Pratiques
sobre a modalidade de luta-dança denominada ladja,
praticada na Martinica (Ilha do caribe). Naquele livro
encontram-se interessantes informações sobre uma
forma de luta praticada no Benim, associada à festa da
colheita do inhame, que seria ancestral da ladja. Há,
também, um grande número de pequenos artigos
abordando modalidades específicas de jogos de
combate praticados na África”. (VIEIRA, 2003a, p. 10).
As referidas bibliografias citadas por Vieira, são recentes. Convém
lembrar que o continente africano sofreu (e sofre) com guerras, foram
dizimadas populações, tribos, aldeias, nações, gerações, culturas e muito
mais, o que pode ter apagado para sempre, e podemos afirmar com quase
certeza, várias práticas culturais de lutas e jogos de combate. Também
lembramos que o continente africano ainda é tão pouco conhecido pelos
brasileiros como o tanto que este influenciou a nossa cultura.
Segundo o referido autor:
50
“constatamos que a África se constitui em um universo
cultural riquíssimo, mas que infelizmente, a escola e
os meios de comunicação no Brasil negligenciam.
Conseqüentemente para nós, brasileiros, embora
fortemente ligados por nossas raízes ao continente
africano, conhecemos muito pouco da realidade
daquele continente.” (Ibidem, 2003a, p. 11).
O autor também nos mostra, que há atualmente um número muito
grande de modalidades de lutas praticadas em todo o continente africano,
sendo
muitas
sistematizadas,
com
regulamentos
de
competição,
classificação de golpes e metodologias de treinamento, inclusive com aulas
estruturadas em jogos e brincadeiras para trabalhos com crianças e
adolescentes e o reconhecimento por organismos internacionais, como a
Fédération internationale de Lutte Amateur. Ressalta outro aspecto
importante para ele, pois a maior parte das modalidades de luta tradicionais
africanas registradas na bibliografia consistem em lutas corpo-a-corpo, o que
as diferencia da capoeira, eliminando preliminarmente, algum vínculo
distante com a capoeira. (Ibidem, 2003a).
Vieira menciona, que a maioria das práticas de luta africana estão
relacionadas e mantém estreitos laços com seus aspectos culturais, como
observamos abaixo:
“Há uma variação muito grande nas técnicas adotadas
em cada modalidade específica, mas percebe-se que
há um significado que aproxima diversas práticas de
lutas africanas: em geral estão associadas a aspectos
culturais importantes e não são apenas modalidades
esportivas, da forma como encaramos a maioria das
atividades físicas no ocidente.” (Ibidem, 2003a, p. 11).
51
Uma
preocupação
que
Vieira
ressalta
é
o
processo
de
institucionalização destas lutas africanas, que se assemelha muito à da
capoeira, pois assim como a capoeira, a introdução destas práticas de luta
nas escolas, academias e outras instituições, geraram uma deturpação e
distanciamento da prática original, principalmente no que tange aos
fundamentos e princípios que as regiam. Como exemplo (Ibidem, 2003a), o
autor menciona que em Níger, a partir da década de 1980, diversas
modalidades de lutas foram incluídas em programas escolares de educação
física, passou-se a organizar campeonatos e a luta tradicional, foi eleita o
“esporte nacional”. Transformados em esportes competitivos, as lutas
nacionais deixaram de cumprir sua função de preservar a cultura das
comunidades, submetendo-se a lógica do esporte. A prática da luta estava
ligada ao ciclo de festas religiosas e das colheitas, envolvendo toda a
comunidade em um calendário cíclico e típico das colheitas, que por sua vez
estão ligadas ao clima, época do ano, tipo de alimentação, entre outros
fatores geo-sociais.
“Assim como boa parte dos países africanos, o Brasil é
um país de modernização recente, e muitos aspectos
das tradições populares vêm se integrando à cultura
urbana e de massa nos últimos quarenta anos. No
caso da África, temos o importante fato de que é a
partir do início da década de 1960 que ocorre o
processo de independência dos países que, até então,
figuravam como colônias de metrópoles européias.”
(Ibidem, 2003b, p. 11).
“É preciso lembrar também que, com o processo de
expansão
capoeiristas
algumas
da
capoeira
brasileiros
dessas
estabeleceram
trocas
pelo
já
mundo,
tiveram
modalidades
culturais
diversos
contato
africanas
gerando
o
com
e
que
poderíamos chamar de “refluxo” das tradições culturais
52
da capoeira em direção à África. Estudiosos africanos
do tema já registraram comparações com a nossa
capoeira, como a que transcrevemos a seguir:
“Como a ‘capoeira’ brasileira, o moringue é então
um valor cultural transmitido pelos ancestrais afromalgaches de geração em geração durante vários
séculos. Os escravos africanos levados para
Madagascar
nos
barcos
árabes
ou
para
as
colônias do Oceano Índico pelos navios negreiros
ocidentais levaram com eles este valor de sua
cultura ancestral(...)”1.” (Ibidem, 2003b, p. 11).
Assunção nos apresenta os “Juegos de palo en Lara”, praticados por
homens do campo deste local, que fazem parte do universo das artes
marciais venezuelanas, conhecidas como: “Garrote”, que servia e serve para
fins recreacionais e desportivos e “Juego de Batalla”, que segundo o referido
autor, esteve e está relacionada com a devoção a Santo Antonio, onde
observamos na citação em seguida. Percebemos assim, como geralmente
tais práticas de luta, estão relacionados com a cultura de uma sociedade,
desde longas datas de sua formação e como algumas vão se transformando
e se adaptando e ou vão sendo cooptadas pelo sistema social vigente:
“diferentes modalidades practicadas desde siglo XIX
por los hombres del campo em Lara, estado donde se
conservo su práctica hasta hoy em dia. Mientras el
Juego de Garrote servía y sirve para fines recreativos
y desportivos, el Juego de Batalla era y es parte de la
devoción a San Antonio. Los procesos criminales
muestran como el uso Del garrote premitió la
construcción
de
uma
identidad
masculina
(<<el
guapo>>) a través de las frecuentes rinãs entre
53
hombres em el período 1880-1930.” (ASSUNÇÃO,
1999, p. 55).
Curiosamente, assim como a capoeira, são os processos criminais
que ajudou o pesquisador a pesquisar os “Juegos de Palo”, que podem se
assemelhar ao jogo de pau de Portugal, descrito no romance “O Cortiço” de
Aloísio Azevedo e também registrado por Mello Morais Filho, relatando o
confronto de um português jogador de pau com o capoeira carioca
conhecido como Manduca da Praia.
Vieira & Assunção afirmam que: “De fato, lutas-danças que usavam
esgrimas ou bastões de madeira como arma eram freqüentes nas América,
especialmente no Caribe, e os escravos reputados exímios lutadores.”,
Continuando, os referidos autores: “No Brasil, sobreviveram estas tradições
nos congos nordestinos, no maculelê do Recôncavo baiano, e possivelmente
no maneiro-pau do Ceará.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 96). No Haiti
durante a recente convulsão social naquele país, a população (em sua
maioria negra) enfrentou a tropa de choque desferindo pancadas com paus
nas
pernas
dos
opressores,
logo
abaixo
dos
escudos
destes.
Complementando, ainda os mesmos autores:
“Uma outra série de “brincadeiras” consistia em
derrubar um adversário com rasteiras, pernadas, ou
umbigadas dentro de uma roda, como no batuque,
praticado pelo pai de mestre Bimba, na pernada
carioca, no samba duro baiano, no tambor de crioula
maranhense, etc.
Por esta razão é importante considerar a história da
capoeira no contexto mais amplo das manifestações
culturais afro-brasileiras, ou mesmo afro-americanas,
sobretudo aquelas que, como a capoeira atual,
associavam dança, luta e jogo. Certamente as
influências e os empréstimos recíprocos entre as
54
diferentes manifestações foram importantes ao longo
dos séculos, e provavelmente eram bem poucos os
que se preocupavam então com a “pureza” delas.
Assim, a integração de elementos do batuque na
capoeira Regional pelo mestre Bimba pode ser vista
não como a “primeira alteração” da capoeira, mas
como a última antes da sua definitiva formalização e
instituciuonalização.” (Ibidem, 1998, p. 96).
Concordamos com as afirmações feitas pelos autores acima, a não
ser, quando se referem ao batuque e ao mestre Bimba, onde dizem que tal
prática poderia ser a última a ser integrada na capoeira, antes de sua
definitiva formalização e institucionalização. Tal afirmação poderia ser
considerada, se tratando da capoeira baiana, somente. Como veremos mais
adiante, havia no Rio de Janeiro na mesma época, senão mesmo antes,
atividades de capoeira em fase de formalização e institucionalização em que
poderiam estar sendo incorporados novos elementos a capoeiragem carioca.
Já Soares nos apresenta um outro interessante fato, um possível
jogo-luta chamado “jogo de pancada”, contemporânea da capoeira do início
do século XIX. Tal nomenclatura porem, poderia estar associada com a
prática de uma briga comum e não como uma luta, jogo ou método de
combate, e por isso ter recebido esta denominação:
“Outro dado interessante destes livros de prisão é a
menção ao “jogo de pancada”. Aparentemente é uma
modalidade marcial de mesma natureza que a
capoeira, apesar da menor freqüência com que se
dava, e que se perdeu no tempo. Seria um tipo de luta
com os punhos, como o boxe? Ou uma versão
escrava da luta portuguesa conhecida como pau? O
uso do termo “jogo” aponta uma coreografia, um
conjunto
de
passos
determinados,
disseminados
55
socialmente, não uma simples briga de rua. De
qualquer maneira, já na década de 1820 o jogo da
pancada desaparece, reinando, soberana, a capoeira
como luta escrava por excelência.” (SOARES, 2002, p.
77 e 78).
Provavelmente técnicas de luta, de diferentes origens poderiam ter se
inserido na capoeira, mas afirmamos que nenhuma das práticas de lutas
mencionadas anteriormente, possam ter dado origem ou influenciado a
capoeira de algum modo, seria muito prematuro afirmar isto.
Aqui no Brasil, é possível que técnicas de luta, de diferentes origens
possam ter se inserido na capoeira, ainda mais se imaginarmos que a
capoeira se proliferou mais nos portos como no Rio, Bahia e Recife, e sendo
os portos naquela época, o canal de saída e entrada de tudo o que vinha de
fora e além mar, e justamente onde a capoeiragem mais se desenvolveu e
disseminou. Os navegadores, além de ligar diferentes partes do Brasil,
poderiam ter trazido desde técnicas de lutas européias à africanas, e
também do oriente, considerando que a Índia, além de ser considerada o
berço das artes marciais junto com a China (isso por ser o mais divulgado,
sem contar o continente africano, como berço das civilizações, também pode
ser considerado como berço das lutas), era rota e caminho para estes
navegantes, lembrando que passava por boa parte do litoral da África, e
também, até por que o termo ginga quer dizer balanço e vem da
marinhagem.
Os portos e seus arredores seriam, portanto, segundo a maioria das
evidências, o berço originário da capoeira e até seu centro irradiador.
Poderia a capoeira ser praticada durante algum momento de folga dos
trabalhadores do porto, da estiva.
Neto, completa nos dizendo sua opinião sobre todas estas teorias
sobre a origem da capoeira no imaginário de seus praticantes, com a qual
56
concordamos plenamente, a não ser pela referida data, que achamos ser
mais apropriado, nesta referência, o século XVIII, concordando com soares,
como veremos logo adiante, sendo o século XIX, o período pelo qual esta
“mistura” tenha se concretizado e ganhado uma maior velocidade de
evolução, junto a um esboço mais definido do que já seria a capoeira:
“No entanto, todas estas teorias têm seu valor.
Apesar de não poderem ser aceitas como “verdade
histórica” (seja lá o que isto queira dizer), elas nos dão
importantes informações sobre o imaginário, os mitos e
as lendas que rodeiam a capoeira e que habitam a
cabeça de muitos capoeiristas.
É
também
provável
que
a
teoria
que
apresentamos aqui – “capoeira, mistura de danças,
lutas e rituais africanos, acontecida no Brasil durante o
século XIX, - se torne ultrapassada no futuro quando
tivermos mais melhores informações sobre aquele
período.” (NETO, 1998, p. 38).
Ricardo Lussac (Mestre Teco – RJ) fornece uma concepção
sintetizada sobre o surgimento da capoeira em um artigo seu escrito em
1995 e publicado em 1996. De acordo com sua concepção, descrita logo
abaixo, ele nos fala que a liberdade, no entendimento amplo da palavra, foi à
motivação principal, devido a necessidade dos negros escravos, para o
surgimento da capoeira primitiva ou capoeira “antiga” e que esta surgiu após
a condensação, absorção e troca de experiências, conhecimentos e
informações da cultura existente no Brasil com as da terra natal dos
escravos, a África:
“A Capoeira surgiu da necessidade do negro escravo
lutar pela sua liberdade. Com os conhecimentos de sua
terra natal, a troca e absorção de novas informações,
57
com a cultura aqui existente, surgiu a forma primitiva
de luta da capoeira”. (LUSSAC, 1996, p. 36).
Já segundo Sérgio Augusto Rosa de Souza & Amauri A. Bássoli de
Oliveira:
“A
capoeira,
manifestação
esportivo-cultural
genuinamente
brasileira, nascida como luta da classe dominada contra o regime da
escravidão” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 44). Os referidos autores, como
visto, atestam a capoeira genuinamente brasileira e nascida da luta da classe
dominada contra o regime escravocrata.
André da Silva Mello nos dá sua visão sobre o tema, incluindo nele, o
universo simbólico e motor, e a base cultural africana sobre a origem da
capoeira, conforme acredita. Segundo este autor:
“a capoeira constituiu-se numa manifestação de
resistência em que o seu universo simbólico e motor
era carregado de elementos da sua cultura ancestral
africana,
como
a
religiosidade,
a
musicalidade,
movimentos e costumes, etc. Porém, esses elementos
não se apresentavam da forma original, e sim
readaptados à uma nova contingência social que se
impunha. A capoeira foi criada sobre uma base cultural
africana.” (SILVA MELLO, 2002, p. 3).
Soares nos dá uma visão mais esboçada e ampla sobre a origem da
capoeira, não acreditando numa simples “transladação” e sim num
emaranhado de fatores mais complexos, enfatizando o legado africano e os
caminhos sobre futuros estudos relativos ao tema:
“Também não podemos esquecer o legado africano,
tão poderoso no esculpir desta prática social. Longe
estamos de renegar as raízes africanas da capoeira.
Sabemos que as práticas lúdicas e marciais do distante
58
continente tiveram papel decisivo no moldar da
capoeira escrava. Mas discordamos de que sua origem
possa ser menoscabada, simplificada como uma
simples transladação. O tema da origem da capoeira é
complexo demais para ser dirimido em poucas
palavras. Como outras práticas culturais “africanas” em
terras americanas, acreditamos numa raiz marcada por
uma
convergência
de
gestualidades
e
ritmos
diferentes, gestados por centenas de povos específicos
que tiveram seus filhos jogados nos porões dos navios
negreiros.
Mas, aportando em terras brasileiras, estas práticas
tiveram nova mutação. A experiência da escravidão, a
novidade do ambiente urbano, pelo menos para muitos
dos africanos, e o encontro com as instituições do
opressor criaram um novo amálgama. Este amálgama
ainda sofreu os impactos sérios do braço opressor do
Estado colonial, principalmente depois de 1808,
quando
nasceu
no
Rio
uma
instituição
criada
especialmente para controlar a massa escrava urbana:
a polícia.
Com toda a certeza a capoeira deita raízes mais
antigas, nos idos do século XVIII, ainda difuso e
obscuro para os pesquisadores. Ou, até ainda mais
remota – quem sabe?- perca-se sua gênese na
escuridão dos tempos. Isso demanda pesquisas
adicionais, e os estudiosos terão de apontar seus
holofotes para as savanas africanas, a rica, complexa e
remotíssima memória dos povos africanos, em busca
de algum vestígio perdido.”.(SOARES, 2002, p. 576 e
577).
59
Finalizando, citamos Vieira que procurou demonstrar que a questão da
origem torna-se secundária quando estamos examinando a trajetória de uma
instituição cultural exatamente porque, regra geral, as manifestações da
cultura surgem de outras anteriores a elas, e servem de base para o
surgimento de outras tantas. O referido autor também menciona que como a
diversidade de práticas e crenças dos africanos trazidos para o Brasil era
enorme, torna-se muito complexa a questão de se identificar o momento do
surgimento da capoeira, se a entendermos como uma prática cultural
complexa, e não como desporto (VIEIRA, 2003).
Após esta rápida explanação sobre as possíveis origens da capoeira,
da qual não temos a certeza, podemos imaginar que a capoeira, mesmo que
tenha tido uma matriz, originou-se realmente no Brasil, mesclando os vários
elementos culturais aqui existentes e sendo moldada e transformada ao
longo do tempo, de acordo com os momentos e situações por que passava,
podemos acreditar até que, a capoeira seria a síntese de várias lutas, jogos e
práticas guerreiras, que se fundiram numa cultura só, conhecida como
capoeira, que serviu aos oprimidos para combater os opressores, para se
divertirem como um jogo lúdico e para delimitar hierarquias dentro de
determinados grupos sociais, visto que era um jogo de combate e seus
praticantes eram testados a avaliados de acordo com os aspectos
considerados de importância por tais grupos, atentando para o fato de estes
grupos eram oprimidos também pela força.
Como pudemos observar a origem da capoeira ainda está por ser
desvendada ou pelo menos, melhor especulada. Foram apresentadas aqui
várias hipóteses sobre suas possíveis origens. Todas estas hipóteses podem
ter influenciado de uma maneira ou de outra, a formação do capoeira na qual
o conhecemos, e conseqüentemente, também definido as bases da memória
cultural e sócio-psicomotora destes. Passaremos agora a estudar os fatos
verídicos da história da capoeira, que têm seu início no Rio de Janeiro.
60
1.2 - Capoeira: Fatos e História
1.2.1 – A capoeiragem carioca: do começo dos fatos históricos ao
desmantelamento das maltas
No intuito de ilustrar o momento histórico e o cotidiano da época,
inicialmente transcrevemos uma crônica de Nireu Oliveira Cavalcanti, sobre o
Rio Colonial, quando ele aborda a capoeira, falando de um escravo e seu
senhor, num fato corriqueiro da época, século XVIII:
“O Capoeira
A ESCRAVIDÃO E SUAS CONTRADIÇÕES
O mulato Adão, escravo de Manoel Cardoso Fontes,
comprado ainda moleque, tornou-se um tipo robusto,
trabalhador
e
muito
obediente
ao
seu
senhor,
servindo-lhe nas tarefas de casa.
Manoel resolveu explorá-lo alugando-o a terceiros,
como servente de obras, carregador ou outro qualquer
serviço braçal. Tornou-se Adão, deste modo, uma boa
fonte de renda para seu senhor.
Com o passar do tempo o tímido escravo, que antes
vivera sempre caseiro, tornou-se mais desenvolto,
independente e começou a chegar tarde em casa,
muito tempo depois do término do serviço. Manoel
questionova-o: o que levava à mudança de conduta?
As desculpas eram as mais inconsistentes para o
senhor. Até ocorrer o que já o preocupava: Adão não
mais voltou para casa. Certamente fugira para algum
quilombo do subúrbio da cidade.
Para sua surpresa, Manoel foi encontrar Adão por trás
das grades da cadeia da Relação. Havia sido preso
junto a outros desordeiros que praticavam a capoeira.
61
Naquele dia ocorrera uma briga entre capoeiras e um
deles fora morto. Eram crimes gravíssimos para as leis
do reino: a pratica da capoeiragem, ainda resultando
em morte.
No decorrer do processo constatou-se que Adão era
inocente quanto ao assassinato, mas foi confirmada
sua condição de capoeira, sendo por isso condenado
a levar 500 “açoites” e a trabalhar “dois anos nas
obras públicas”.
Seu senhor, após Adão cumprir alguns meses de
trabalho e ter sido castigado no pelourinho, solicitou ao
rei, em nome da Paixão de Cristo, perdão de resto da
pena, argumentando ser um homem pobre e, portanto,
muito dependente da renda que seu escravo lhe dava.
Comprometeu-se a cuidar para Adão não mais
voltasse a conviver com os capoeiras, tornando-se um
deles. Teve o pedido homologado pelo Tribunal em
25.4.1789.”
(ANRJ – Tribunal da Relação – cód. 24, livro 10)”
(CAVALCANTI, 2004, p. 201 e 202).
A origem da capoeira é uma dúvida, apesar de termos uma idéia de
sua formação. A trilha mais extensa e aberta ao passado da capoeira é
encontrada na capoeiragem carioca, e mesmo assim, de acordo com
Soares: “O legado da capoeira escrava no Rio de Janeiro ainda está para
ser levantado” (SOARES, 2002, p. 575). Contudo, temos a certeza que sua
prática antigamente, estava voltada para as concepções de luta e jogo
(divertimento e disputa). O que não difere dos seus fundamentos básicos de
hoje em dia. Como podemos constatar segundo Soares:
“Mas a capoeira escrava tinha várias faces. Ela era
também o lúdico, a brincadeira, o jogo, embora a
natureza
da
documentação
produzida
sobre
o
62
fenômeno pouco revele a respeito deste ângulo. Por
outro lado, ela era também um jogo de posições
estabelecido no interior da comunidade negra-escrava
da cidade, expresso no controle dos chafarizes –
ponto de encontro inevitável dos cativos da cidade – e,
depois, das praças públicas. Um jogo mortal, que, nas
décadas de 1830 e 1840, era decidido principalmente
à noite, quando grande parte dos habitantes e
senhores da cidade estavam em suas casas e apenas
as patrulhas policiais interfiriam no silêncio noturno, de
quando em vez interrompido pelo dobre dos sinos do
“Aragão”.” (Ibidem, 2002, p. 575 e 576).
Os registros policiais e os processos jurídicos são as principais fontes
para a pesquisa do passado da capoeira carioca. Soares nos revela
informações de como o caráter lúdico da prática da capoeira, já existente na
época, foi omitido pelo aparato policial, influenciando na conformação do
indivíduo, tipo social, o capoeira:
“No início da década de 1810, era comum o escrivão
relatar que o indivíduo estava “jogando” a capoeira,
algo que demonstra a presença do lúdico, do
exercício. Curiosamente, no decorrer dos anos, este
detalhe passa a ser mais omitido e os negros são
presos simplesmente por “capoeira”. Acreditamos que
isso esteja ligado a usos e costumes do aparato
policial, que abandona certos detalhes em função de
rotinas e hábitos já arraigados. Este uso pode ter
influenciado na conformação do termo capoeira para
identificar o indivíduo, o tipo social, e não, como antes,
a prática, a dança.” (Ibidem, 2002, p. 76).
63
Vieira & Assunção nos revelam sua visão sobre as características e
os contextos em que a capoeira era documentada e praticada nesta época,
verificando assim, como o jogo da capoeira era pouco documentado em
relação à capoeira luta:
“é plausível que os capoeiras praticassem as duas
vertentes, uma sendo o jogo entre eles, a outra a
aplicação das destrezas desenvolvidas nestes jogos
em situações de conflitos reais. Tendo em vista que a
preocupação principal dos agentes do Estado era
apenas com a subversão da ordem pública, não seria
de estranhar que não tenham documentado com mais
detalhes a primeira vertente, a capoeira/jogo. Um
problema com esta interpretação é que a capoeira
como jogo tampouco aparece na documentação dos
períodos subseqüentes.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO,
1998, p. 98 e 99).
No entanto, segundo Soares, a dicotomia entre o lúdico e a violência
era uma constante nesta época no Rio:
“o lúdico se somava ao político, e a capoeira retinha os
dois significados – a festa, a brincadeira – e a
violência. Violência esta que, ao contrário do que uma
longa literatura da vida escrava cristalizou, não se
dirigia somente contra os representantes da ordem
escravista, fossem senhores ou membros do aparato
repressivo do Estado, mas também contra seus iguais,
escravos, negros livres, brancos pobres, participantes
de outras maltas. Estes seriam, na realidade, as
grandes vítimas das maltas – outros capoeiras.”
(SOARES, 1999, p. 73).
64
A capoeira foi considerada um flagelo social, como podemos ver nas
referências a seguir. Segundo Neto:
“A capoeira no Rio do século passado pode ser vista
como grupos de negros e homens pobres de todas as
cores, portando facas, navalhas, atravessando as ruas
em
correrias;
ou
indivíduos
isolados,
igualmente
temidos, conhecedores de hábeis golpes de corpo.
Junto com prostitutas, vagabundos, estivadores,
malandros, aristocratas, boêmios e policiais, faziam
parte da buliçosa fauna das ruas.” (NETO, 1998, p. 39).
“Nesta primeira metade de século XIX, a capoeira
estava ligada à condição escrava e à origem africana.
Todas as nações africanas tiveram representantes
presos como capoeiras. O constante movimento das
maltas (grupos de capoeiristas) pela cidade, mesmo
quando defendiam áreas fixas – “estratégia sinuosa” -,
foi uma dor de cabeça permanente para os donos do
poder.” (Ibidem, 1998, p. 41).
Soares a este respeito nos diz:
“As primeiras décadas do século XIX foram marcadas
na cidade do Rio de Janeiro pelo terror da capoeira.
Geralmente identificados como escravos portadores de
facas, estoques, ou qualquer instrumento perfurante, ou
então
formando
“maltas”,
grupos
armados
que
percorriam as ruas da cidade, os capoeiras mantiveram
em permanente vigilância a capital da colônia e depois
império.” (SOARES, 1999, p. 24 e 25).
65
O autor, continuando, apresenta uma ampla visão desta resistência
social e constrói rapidamente sua evolução histórico-social, relativo a certos
grupos étnicos e o impacto social da inclusão destes na capoeira e na cidade
do Rio de Janeiro, onde “deitou profundas raízes”:
“Flagelo da ordem policial, terror das “boas famílias” da
capital do império, a capoeira, no Rio de Janeiro da
primeira metade do século XIX, representou um desafio
permanente
para
a
ordem
Entretanto,
longe
de
uma
escravista
simples
urbana.
forma
de
“resistência”, ela teve um peso significativo nos conflitos
dentro da própria comunidade escrava, expressos na
divisão
da
cidade
colonial
em
maltas
que
se
digladiavam pelo controle das áreas determinadas em
ferozes batalhas noturnas, que forjaram um verdadeiro
poder paralelo, ameaçador da ordem social dominante.
Formada em sua maioria por jovens escravos nascidos
na África Centro-Ocidental, a capoeira, a partir de 1821,
entrou numa fase de extrema politização, processo que
culminou com as rebeliões de 1828 e 1831.
Na vaga repressiva que seguiu, o Arsenal de Marinha
teve papel saliente como pólo central de prisão e
castigo. A chegada ao Rio dos minas-nagôs vindos da
Bahia redundou em sensíveis mudanças políticas e
culturais naquela que era a mais importante tradição
rebelde dos escravos urbanos do Rio de Janeiro
imperial.
Nos anos de 1840 os capoeiras, tal como o conjunto de
cativos e libertos da cidade, estavam em busca de
novos aliados, mesmo dentro dos estreitos limites dos
grupos dominantes, e este complexo catalizou o
nascimento do mito do imperador Pedro II como
“protetor dos escravos”.
66
Esta fascinante saga da capoeira escrava deitou
profundas raízes na cultura popular na cidade do Rio e
imprimiu marcas indeléveis na nossa identidade como
nação.” (Ibidem, 2002, p. 618).
Complementando Vieira & Assunção nos dizem que neste período, os
capoeiras constituíam um real contrapoder que ameaçava o controle do
espaço urbano pelo poder escravista e seus representantes, o que justifica a
interpretação da capoeira como prática de resistência escrava – mesmo que
fora do quilombo (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998). Resistência esta,
justamente no epicentro do poder, gerando uma constante, desafiadora e
persistente oposição à ordem dominante.
Devido à prática da capoeira ir contra o sistema vigente, sua
perseguição torna-se imprescindível pelo poder. Segundo Soares: “os
escravos sobre os quais o braço repressor caiu de forma mais selvagem
foram exatamente os capoeiras.” (SOARES, 2002, p. 575). De acordo com
Neto:
“No Brasil, por volta de 1814, a capoeira e outras
expressões
culturais
negras
começaram
a
ser
reprimidas e perseguidas pelos senhores brancos.
Até essa época, as manifestações culturais negras
eram permitidas, e mesmo encorajadas. Por um lado,
funcionavam como válvula de escape no sistema de
escravidão, por outro, punham em evidência as
diferenças entre os diversos grupos africanos – era
“dividir para reinar”.” (NETO, 1998, p. 34).
“Entre a chegada da família real (1808) e a abdicação de Pedro I
(1831), a capoeira era o flagelo das autoridades. Canal expressivo da
resistência escrava, foi vítima permanente da violência senhorial e policial.”
(Ibidem, 1998, p. 40).
67
Neto, ainda nos fala do porquê que a capoeira era praticada e
também perseguida:
“D. João VI e os nobres e intelectuais de sua corte
tinham razão (do ponto de vista deles) em perseguir a
capoeira:
- ela dava aos africanos, e seus descendentes, um
sentimento
de
“nacionalidade”
diferente
da
nacionalidade dos senhores brancos;
- dava autoconfiança a cada capoeirista;
- solidificava a união dentro de pequenos grupos;
- formava lutadores ágeis, perigosos e insolentes;
- às vezes, no jogo, os escravos se machucavam, o
que era economicamente indesejável.
Talvez estes motivos não o fossem conscientes na
mente de D. João VI e dos nobres de sua corte. Mas
intuitivamente – aquela intuição típica a qualquer classe
dominante – percebiam que algo, ali na capoeira, não
cheirava bem.” (Ibidem, 1998, p. 36).
Observa-se que a capoeira não era somente uma luta ou jogo de
escravos e africanos, mas também uma forma de resistência, conduta e
organização social antigamente. A capoeira era aprendida e utilizada não só
pelo povo, mas nota-se que até pelos próprios agentes da repressão,
pessoas da alta classe e também para demarcar hierarquias em seu meio
social:
“Já em 1821, o temido major Vidigal foi nomeado
comandante da Guarda Real de Polícia, levando o
terror aos candomblés e instituindo uma sessão de
torturas para os capoeiristas – a chamada “Ceia dos
Camarões”. O major Miguel Nunes Vidigal” era um
68
homem alto, gordo, do calibre de um granadeiro,
moleirão, de fala abemolada, mas um capoeira
habilidoso, de um sangue-frio e de uma agilidade a
toda prova, respeitado pelos mais temíveis capangas
de sua época. Jogava maravilhosamente o pau, a faca,
o murro e a navalha, sendo que nos golpes de cabeça
e de pés era um todo inexcedível.”
A partir de 1824 a punição para escravos capoeiras se
torna mais brutal: além das trezentas chibatadas (em
alguns casos, mortais), eram enviados por três meses
para trabalhos forçados no dique da Ilha das Cobras,
ou na Estrada da Tijuca.
No entanto, a capoeira não era usada somente contra
policiais, mas também para acertar diferenças e marcar
hierarquias dentro da própria massa escrava”. (Ibidem,
1998, p. 40 e 41).
Filho nos mostra como a perseguição e a repressão à capoeira, era
preconceituosa e violenta.
“O termo já era vulgar, na acepção bastarda, pelos idos
de 1824, pouco tempo após a declaração da nossa
Independência. Então, em 28 de Maio, certo Aviso do
Ministério da Justiça ordenou ao comandante geral da
polícia da Corte o castigo imediato dos capoeiras, “a fim
de cessarem as desordens e distúrbios por eles
praticados, e no que cumpria agir com a maior energia.”
O trecho posto entre aspas revela o juízo das
autoridades a respeito daqueles que se davam às provas
atléticas do jogo malsinado”.” (FILHO, 1973, p. 308).
“As distorções do jogo resultaram de causas sociais e
culturais cujos efeitos o converteram em cancro, ou caso
69
de polícia. Tratar-se-ia de uma excrescência abandonada
pela Criminologia, ou de um tipo de fraude à espera de
correção penal.” (Ibidem, 1973, p. 310).
Dias atesta que “a ação policial na capital foi, no momento histórico
considerado, muito mais uma prática da violência da ordem do que um
exercício da sua garantia.” (DIAS, 2001, p. 73), fato este que podemos
transportar aos dias de hoje e repensar os motivos da violência também
empregada pelos capoeiras. Segundo Dias:
“observe-se este trecho de um artigo do Correio da
Manhã, de junho de 1891, a respeito da polícia do Rio
de Janeiro:
(...) Em toda a parte ela se instituiu para garantir a
propriedade, a vida; e manter a ordem. Entre nós ela é a
mais permanente e perigosa ameaça a tudo isso. Em
toda parte ela previne ou reprime, poupando males ou
corrigindo-os. Entre nós ela agrava tudo quanto toca;
envenena tudo quanto intenta; irrita tudo quanto assiste,
agita e desordena tudo quanto deveria acalmar; não
previne, açula; não reprime, provoca, indigna, mata.
(Apud NEDER et. al., 1981, p. 253.)” (Ibidem, 2001, p.
73).
Continuando, Dias afirmando sobre características da capoeiragem:
“Ela não possuía nenhum antecedente conhecido pelas autoridades: a
ordem e a lei não haviam enfrentado nada igual, nenhum movimento que
tivesse tanta rapidez e sinuosidade em aparecer, agir e sumir.” (Ibidem,
2001, p. 49).
De acordo co Vieira e Assunção a prática da capoeira consistia em:
“exercícios de destreza física nos largos e nas praças da cidade pelos
70
integrantes das maltas, as organizações de base da capoeiragem carioca
(Soares, 1995, p. 73).”. Continuando: “Ganhavam maior visibilidade, porém,
durante as festas públicas, ou seja, as procissões, as paradas militares e o
carnaval.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 99). Os mesmos autores
complementam citando Soares, analisando a capoeira desta época com a de
hoje:
“O que chama a atenção neste quadro é que esta
prática da capoeiragem difere fundamentalmente
daquilo que hoje é reconhecido como capoeira. Então,
não havia roda, não havia música e nem “jogo” entre
dois
praticantes
nas
aparições
públicas
da
capoeiragem. Poder-se-ia dizer que o tipo de fontes
mais usadas nestas pesquisas, sendo oriunda dos
órgãos de repressão, apenas permitem uma visão
muito parcial e policial da capoeiragem. No entanto as
outras fontes (literárias e jornalísticas) tampouco
mencionam algo que se pareça mais com o jogo da
capoeira atual, a não ser a utilização de determinados
golpes, e a ginga (Soares, 1995, p.276).” (VIEIRA &
ASSUNÇÃO, 1998, p. 99 e 100).
Vargens e Monte confirmam a resistência cultural, tanto no campo
como na cidade durante o tempo da escravidão, dos negros e afrodescendentes, e como esta, assegurada, permaneceu até hoje incorporadas
em diversas manifestações artísticas tipicamente brasileiras:
“Durante todo o período de escravidão, os negros e os
afro-descendentes
haviam
mantido
viva
a
sua
identidade cultural. Ainda que clandestinamente, os
atabaques nunca deixaram de ressoar em suas festas
profanas ou religiosas, tanto no campo como na
cidade. A alegria e o prazer manifestados na dança e
71
no canto, no ritmo e na melodia foram se incorporando
como sua marca particular às diversas manifestações
hoje tipicamente brasileiras.” (VARGENS & MONTE,
2001, p. 29).
“Cada vez mais ecoavam, nas senzalas e nos locais
de trabalho, nas matas e nas cachoeiras, os sons dos
atabaques e de seus primos, o candongueiro e o
caxambu, regendo os batuques nos cultos e nas
comemorações.” (Ibidem, 2001, p. 31).
Soares nos fornece uma visão do cotidiano e prática da capoeira no
Rio Antigo:
“A noite de domingo e dos dias de santos eram
ocasiões preferidas para resolver contendas, por dois
motivos básicos: não apenas era um dos raros
momentos de folga da escravaria urbana – folga
muitas vezes esta entendida pelos escravos como
direito entre os costumes peculiares da vivência
urbana – mas também pelo fato da hora noturna ser
particularmente importante tecer relações com outros
cativos, sair um pouco da vigilância policial diurna,
aproveitando as sombras, numa cidade escura e mal
iluminada,
vulneráveis.
para
Não
reunir
grupos,
podemos
de
outra
esquecer
forma
que
a
capoeiragem na segunda metade do século, mesmo
com a presença esmagadora de homens livres, retinha
muito da cultura escrava forjada pelos africanos no
ambiente urbano dos primeiros decênios do século
XIX.” (SOARES, 1999, p. 73).
72
Enfim, Soares menciona o legado dos capoeiras do início do século
XIX:
“Qual o legado dos capoeiras escravos da primeira
metade do século passado? Geralmente, pensamos
em heranças como algo palpável, material, mas, no
nosso caso, o legado deixado para as gerações
seguintes de negros e homens pobres da cidade do
Rio de Janeiro foi uma estratégia social, uma forma de
lidar
com
os
agressores,
uma
comunhão
da
solidariedade grupal – importante para muitos que
deixaram parentes e amigos do outro lado do atlântico
-, como autodefesa frente aos inimigos, fossem eles
da mesma extração social, ou envergassem os trajes
de defensores da ordem. Não há dúvida de que essa
combinação da solidariedade no trabalho (mesmo que
seja o ofício rude de pegar água nas fontes públicas)
com a habilidade marcial e o manejo das lâminas foi
um sucesso, que superou as repetidas vagas de
repressão que se sucederem por quase 40 anos.
Nos 50 anos finais do século XIX, este legado
seria fundamental para negros livres, crioulos, pardos,
brancos pobres, imigrantes estrangeiros, toda a vasta
variedade de excluídos que dariam à capoeira o
colorido que afinal, caracteriza-a ainda em fins do
século XX.” (SOARES, 2002, p. 576).
Concordamos com Silva Mello, quando diz: “A adesão de outros
segmentos sociais à prática da capoeira fez com que esta ganhasse maior
penetração na sociedade, apesar da constante repressão e perseguição.”
Continuando, Silva Mello, refere-se às contribuições desta ampliação social:
“Esta adesão trouxe inúmeras transformações no universo simbólico e motor
da capoeira. Um exemplo ... é o uso da navalha no jogo da capoeira, fruto da
73
influência de estrangeiros portugueses, os “fadistas lusitanos”.”
(SILVA
MELLO, 2002, p. 4). Mas, comentando sobre a principal arma dos capoeiras,
Noronha, assim nos diz: “Mas, de todas as armas, a mais importante na
capoeira é o olhar, uma esgrima sutil em que a retina é o florete, voltada
sempre para pegar o adversário na intenção do movimento, na ameaça.”
(NORONHA, 2003, p. 113). O autor continua dizendo que “No fim havia o
verbo”: a capoeira antiga não era praticada em silêncio, o lutador embalava
seus movimentos com uma gíria própria, chula, com frases canalhas
disparadas entre golpes para exasperar, ridicularizar e desviar a atenção do
adversário.
“Ao longo do Segundo Império as maltas foram se agrupando até
formarem dois grandes grupos inimigos, os Guiamus e os Nagoas.” (VIEIRA
& ASSUNÇÃO, 1998, p. 99). Os Guiamus eram ligados ao partido liberal e
representavam uma tradição mais nativa ou mestiça, baseando-se como
ocorrência de localidade, o porto e as áreas centrais da cidade; e os
Nagoas, eram ligados ao partido conservador, representavam a tradição
africana e seu local dominante eram as freguesias periféricas da cidade.
Noronha nos diz que: “Cada lugar tinha a sua malta, com nomes que
faziam referência à região ou à rua de sua origem” (NORONHA, 2003, p.
113). O mesmo autor continuando, nos mostra certas “regras” que as maltas
seguiam e sua estruturação e que, conseqüentemente evidenciava a modo
de ser e o comportamento dos capoeiras em geral:
“Finalmente, já perto da virada do século, as diversas
maltas se fundiram em duas grandes falanges,
praticamente
organizações
para-militares
do
submundo urbano, os Nagoas e os Guaimus ou Guias.
A capoeira assumia aí um caráter profissional, com
sistema
de
recrutamento,
hierarquia
e
normas
disciplinares, incluindo um organograma de chefias e
sub-chefias que ia até os chamados carrapetas, os
74
aprendizes, que desde os 12 anos já tinham funções
definidas no grupo. As regras das milícias incluíam: 1)
nunca usar arma de fogo, só sendo permitidas a
navalha o cacete e de pau; 2) nunca trabalhar nas
segundas-feiras, sacrificando qualquer negócio para
preservar esse princípio; 3) manter a identidade do
grupo na forma de se vestir, usando calça larga de
boca fina (a chamada calça boquinha, com bolso muito
fundo, no qual cabiam fumo, dinheiro, cartas e a
navalha), paletó sempre aberto, botina de bico bem
fino e lenço no pescoço. Este lenço, ou mesmo a
camisa, devia ser de seda, já que, segundo corria nas
ruas, o tecido cegava o fio da navalha. A roupa
sempre branca, porque traria marcadas as quedas no
chão sujo da rua; 4) andar sempre gingado, em
postura de combate, apoiando-se numa perna e
flexionando a outra, alternadamente; 5) nunca falar de
perto de ninguém, exceção feita às mulheres; e 6) usar
o chapéu como arma de defesa, dobrando-o e
mantendo-o na mão esquerda quando estiver em
combate. O chapéu, de abas largas, deve trazer presa
uma fita com a cor característica de sua malta,
vermelho para Nagoas, branco para Guaiamus.”
(Ibidem, 2000, p. 114).
Não concordamos com o autor quanto ao item 2, pois como já foi
constatado em pesquisas a maioria dos capoeiras eram trabalhadores, e
quanto ao item 3, relativo ao uso da roupa branca. O autor provavelmente
“folclorizou” e misturou o tipo social dos capoeiras das maltas com os
malandros do início do século XX.
75
O capoeira dos dias atuais é bem diferente do capoeira de
antigamente, assim também como a própria capoeira. Filho nos dá uma
visão do tipo capoeira, como nós podemos ver. De acordo com Filho:
“O primitivo perfil físico do jogador foi retratado por
Melo
Morais
Filho:
“Calças
largas,
paletó
saco
desabotoado, camisa de cor, gravata de manta, anel
escorregadio, colete sem gola, botinas de bico estreito
e revirado o chapéu de feltro. O olhar é oscilante,
gingado. Na conversa com os companheiros ou
estranhos guardas distância como se em posição de
defesa. Esguio e ágil, o capoeira demonstra em sua
compleição
de
aço
uma
atividade
circulatória
verdadeiramente tropical; seu olhar como que mergulha
no ânimo do adversário e surpreende-lhe as emoções
mais súbitas, as lembranças mais rápidas. Se acontece
ser acometido, quando desarmado, machuca o pé ao
cumprimento e nas, evoluções contínuas, desvia com
ele golpes certeiros.” Mas este não é o tipo do capoeira
que transpôs as distâncias coloniais para conduzir o
jogo à altura de uma instituição. Realço esta ressalva
do memorialista: “O capoeira é incapaz de traição ou
deslealdade na estima com que se dedica a alguém.
Um bom capoeira, entregando-se à luta vestido de
branco, saía dela tão limpo e engomado como entrara;
só o chapéu se ressentia. Ao tempo em que mais se
difundiu no país, sobretudo na Bahia, em Pernambuco
e no Rio, a capoeira atraía a infância dos dez aos doze
anos”. (FILHO, 1973, p. 315 e 316).
Observamos que a capoeira atraía e atrai, todo o tipo de gente, desde
menores, a maiores instruídos ou não. Este fato ultrapassou permaneceu no
tempo e é verificado ainda nos dias atuais. Assim como Noronha, Filho nos
76
mostra que a capoeira atraia crianças de 10 ou 12 anos e ainda outros tipos
sociais: “A arenga não foi efêmera, chegando a atrair pelos tempos afora o
bedelho até mesmo de curiosos, iniciados ou noviços. Mas também
mobilizou gente instruída.” (Ibidem, 1973, p. 311).
Vieira & Assunção, citando Soares, nos falam sobre a permeação das
instituições repressoras pelos capoeiras e sua conseqüência direta na
relação social da época:
“A extensão da prática da capoeira à população livre
durante o Segundo Império significa que vamos
encontrar capoeiras não somente ocupados nos
setores produtivos, mas também nas instituições
repressivas, ou seja, a polícia, a Guarda Nacional e o
exército. Se a Guerra do Paraguai serviu, num
primeiro momento, como expediente fácil para “limpar”
a cidade dos vadios e capoeiras, o fim do conflito
resultou no retorno dos soldados sobreviventes, agora
cobertos com a glória de defensores da pátria.
Significava
que
soldados
ou
guardas
nacionais
estavam mais dispostos do que nunca a defender a
sua prática da capoeira. Destarte, na década de 1870,
longe de constituir dois mundos separados, onde os
primeiros apenas reprimiam os segundos, se constituiu
o costume da “constante solidariedade entre soldados
e capoeiras” (Soares, 1995, p. 273).” (VIEIRA &
ASSUNÇÃO, 1998, p. 100 e 101).
A esse respeito, Noronha comenta que vários policiais, tanto da
Polícia Militar quanto da Guarda Nacional, “eram recrutados entre os
capoeiras, o que reforça a impressão de que pouca coisa, fora o uniforme,
diferenciava bandido de polícia nas ruas do Rio da virada do século.”
(NORONHA, 2003, 115 e 116).
77
Continuando os referidos autores nos relatam que as ambigüidades
das relações dos capoeiras com os representantes do Estado não paravam
por aí: “É conhecido o envolvimento das maltas com os políticos do Império.”
(VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 101), sendo estas relações um complexo
jogo político e de poder: “Os capoeiras intervinham com freqüência nas
eleições primárias, tentando inverter com violência e ameaças uma situação
desfavorável para o seu “patrão”.” (Ibidem, 1998, p. 101), executando todas
as tarefas e capangas eleitorais. Complementando e citando Soares, Vieira
& Assunção assim nos contam:
“Os estudiosos têm interpretado estes vínculos como
prova da manipulação dos capoeiras pelos políticos,
independentemente da sua afiliação ideológica e
partidária. O trabalho de Soares, pelo contrário, tente
mostrar
que
os
capoeiras
não
eram
apenas
“instrumentos dóceis” nas mãos dos políticos, mas que
“o papel exercido pelos grupos era fruto de uma opção
política” (1995, p. 186), chegando a constituir uma
política
autônoma.
Este
“Partido
Capoeira”
corresponderia a uma forma própria de fazer política,
usando o espaço da rua (1995, p. 219). De fato,
Soares mostra que os capoeira se associaram de
maneira mais duradoura a uma ala do partido
conservador, e que não se contentavam em vender a
sua disposição a práticas violentas a quem estivesse
no poder.” (Ibidem, 1998, p. 101).
Continuando, os referidos autores finalizam sua análise político-social
e repercutidos acontecimentos:
“Assim, durante os governos liberais houve uma
radicalização do conflito entre liberais e membro das
78
maltas. A “estranha simbiose” com a polí-cia, evidente
também através da presença dos capoeiras na polícia
política clandes-tina, o chamado “Corpo de Secretas”
que chegou ao auge na década de 1880, no governo
do conservador Cotegipe. Somente com a vitória dos
republicanos houve uma mudança radical: pela
primeira vez, a repressão contra os capoeiras não foi
mais seletiva, isto é, apenas dirigida contra as maltas
associadas ao partido excluído do governo, mas
contra todos os capoeiras.” (Ibidem, 1998, p. 101).
Um fato curioso e marcante da história do Rio de Janeiro nos mostra
um outro lado da relação opressor (estado) x oprimidos (capoeiras). No
reinado de D. Pedro I, a 11 de junho de 1828, nas imediações do Largo do
Rocio Pequeno, posteriormente (e coincidentemente) Praça Onze de Junho,
os capoeiras cariocas, foram chamados por seu perseguidor, o militar major
Miguel Vidigal Nunes, que combatia os capoeiras com seu inseparável
chicote e que posteriormente seria retratado por Manuel Antônio de Almeida
no romance Memórias de um sargento de milícias, para enfrentar os
batalhões estrangeiros mercenários sublevados, aquartelados na Praia
Vermelha, no Campo de Santana e em São Cristóvão. Os capoeiras
destroçaram os estrangeiros que aterrorizavam a população indefesa.
Abordando agora a Guarda Negra, segundo Soares (1999), foi o
episódio da política dos capoeiras que mais foi enfocado pelos historiadores.
A Guarda Negra teria uma relação direta com a “Flor da Gente” e com os
capoeiras do Partido Conservador, uma história que teria dominado a vida
política da Corte por pelo o menos 20 anos. Soares nos conta que,
segundos muitos contemporâneos e cronistas, a Guarda Negra surgiu à
sombra do Gabinete João Alfredo, e seu objetivo teria sido arrebanhar os
libertos pelo 13 de maio e criar uma milícia que formasse em defesa do
regime monárquico, simbolizado na pessoa da Princesa Isabel, “A
Redentora”. A política empregada era a mesma utilizada por Rio Branco e
79
Cotegipe, contra o velho inimigo republicano, “formar um braço armado
clandestino que espalhasse o terror entre seus adversários, e incorporasse
parte representativa da camada popular ao seu anel de influência“
(SOARES, 1999, p. 260), apesar de que, primeiramente, o projeto inicial
representado por Emílio Roudé, era compor uma força institucional nos
moldes das organizações representativas da “sociedade branca”, o qual não
vingou. Sobre a criação da Guarda Negra, Soares assim nos conta:
“Reza a tradição que a fundação da Guarda Negra
teria se dado na redação do Cidade do Rio, na data
comemorativa da Lei do Ventre-Livre, quando esta
completava 17 anos. A Guarda Negra, segundo esta
versão, surge para o mundo sob os auspícios de José
do Patrocínio, seu patrono e líder natural. De acordo
com o que levantamos até agora, a primeira menção à
Guarda Negra foi registrada em julho de 1888, sobre a
batuta do abolicionista Emílio Roudé, e quando ainda
se festejava a decretação da Lei Áurea” (Ibidem, 1999,
p. 257).
Noronha relata um interessante depoimento colhido por Gilberto
Freire, sobre um acontecimento que teria dizimado negros libertos pela Lei
Áurea, pertencentes à Guarda Negra, numa “revanche” e contra-ataque de
brancos republicanos, conforme observamos logo abaixo:
“O tratamento que recebeu por parte dos brancos
republicanos é indicativo da forma como a gente fina
da época recebia os capoeiras: segundo relato de
Gilberto Freire baseado no depoimento de uma
testemunha,
numa
certa
noite
os
militantes
republicanos se prepararam para enfrentá-los. Cada
um se armou com um rifle Smith & Wesson e duas
caixas de balas. Colocaram-se em posição nas janelas
80
do Clube Republicano e, no momento da passagem
dos negros pela rua, pelas frestas, sem sequer olhar
para fora, descarregaram o barrilete, para recarregar e
descarregar as armas até acabarem as balas. A
Guarda Negra foi dizimada ao dobrar uma esquina.”
(NORONHA, 2003, p. 116).
No mesmo ano da primeira menção à Guarda Negra, o ano da
abolição da escravatura no Brasil, 1888, já havia registros de desordens
geradas por capoeiras na cidade de São Paulo. Segundo Vieira:
“Há também registros de desordens aprontadas por
capoeiras em São Paulo, como foi noticiado pelo jornal
Província de São Paulo de 23 de maio de 1888:
“Fizeram mais uma vítima na corte dos terríveis
capoeiras (...) É necessário extirpar essa cáfila de
vagabundos
e
assasssinos
denominados
capoeiras.
(...)
“Ante-hontem às 7 e meia da noite, no pátio de S.
Bento deu-se o assassinato” de um preto liberto
de nome Innocêncio. Ao que consta os dous
actores
do
triste
drama
estando
a
JOGAR
CAPOEIRA por mero gracejo azedaram-se sendo
Innocêncio inesperadamente assassinado” (apud
Schwarcz, 1987:230, ênfases no original).” (VIEIRA,
1995, p. 97).
Nota-se também em São Paulo o tom da indignação da imprensa
perante os capoeiras, que lá, já aprontavam desordens e violência. Sabe-se
que durante a repressão de Sampaio Ferraz, vários capoeiras fugiram da
perseguição. Há relatos da presença de capoeiras em toda a extensão dos
81
trilhos, para São Paulo e outros lugares, onde possivelmente o trem seria um
dos meios de transporte de fuga, assim como a via marítima, onde são
encontrados a presença de capoeiras cariocas em Salvador, Bahia,
conforme já citado anteriormente por Reis, e também em Recife,
Pernambuco.
César Barbieri, baseado na obra de Valdemar de Oliveira, Frevo,
Capoeira e “Passo”, diz ser a capoeira no Recife, semelhante a do Rio de
Janeiro, no que tange a existência dos ditos “brabos” e valentões, e também
quanto às maltas (BARBIERI, 1993, p. 73). Contudo, a capoeira no Recife
existiu em bem menor escala e por um tempo também menor que no Rio.
Segundo Barbieri:
“Na obra de Valdemar, fica-nos claro o gosto do
Capoeira pela música, que os atraia e os concentrava
onde quer que ela estivesse. “Não havia festa sem
banda de música. E não havia banda de música sem
capoeira”, nos diz o autor. A música era um elemento
constante na vida do Capoeira do Recife” (Ibidem,
1993, p. 74).
Barbieri nos diz que no Recife, na década de 1850, duas bandas de
música eram notáveis: a do Quarto Batalhão de Artilharia, conhecido por “o
Quarto” e a do Corpo da Guarda Nacional, conhecido como “o Espanha”.
Rivalidades surgiram entre os componentes dessas duas bandas e também
de seus simpatizantes, entre eles os capoeiras. Além da violência, mais uma
vez encontramos o lado lúdico ligado à capoeira. De acordo com o autor, a
capoeira no Recife não sucumbiu à repressão policial permanecendo
durante anos como prática marginal, assim como no Rio de Janeiro.
Segundo Barbieri, os capoeiras que saíam á frente destas bandas faziam-se
de “abre alas”, nos remetendo aos abre alas dos blocos antigos e das
comissões de frente dos dias atuais (Ibidem, 1993). Barbieri cita que na obra
de Valdemar de Oliveira, consta que o Passo do Frevo advém da capoeira.
82
Assim como é comentado no Rio de Janeiro, que os passos do Mestre-Sala,
também advém do capoeira e do “malandro”, do “bamba”, pois este tinha
que ter a habilidade devida para proteger a bandeira da escola ou bloco, e a
gentileza e galanteio para com a Porta-Bandeira. A relação entre Capoeira e
Carnaval é muito antiga e está entranhada na formação e evolução destas.
Enfocando a oposição ao entrudo, prática do carnaval considerada
anti-civilizatória, perseguida e proibida do século XVII ao XX (FERNANDES,
2001), o modelo de carnaval representado pelas grandes sociedades, com
um caráter “formador e pedagógico” de seus desfiles, baseado em um ideal
de civilidade especialmente caro aos literatos, fazia a crítica à capoeira e a
outros segmentos e acontecimentos da sociedade, como podemos ver, de
acordo com Pereira:
“Os carros de crítica, que na maior parte das vezes
faziam alusões aos principais acontecimentos políticos
do período, ironizando acidamente a polícia da Corte e
as grandes figuras dos gabinetes imperiais, tinham
ainda outros alvos – trazendo também as mensagens
“civilizadoras” que os membros destas sociedades
muitas vezes compartilhavam com os poetas e
romancistas do período. O teor deste tipo de crítica é
claro: elas invariavelmente dizem respeito a práticas e
costumes difundidos entre os grupos de iletrados da
Corte, que são condenados e satirizados nos préstitos
das grandes sociedades 53.” (PEREIRA, 1994, p. 82).
“53 – É o caso, por exemplo, do combate aos
capoeiras – alvos da crítica de um carro do desfile de
1885 dos Progressistas, que trazia uma alusão
condenando sua atuação. Três anos depois, um puff
publicago pelos Fenianos anunciava um baile “com
flores, sem batalhas, sem navalhas, com amores”. Cf
83
GAZETA DE NOTÍCIAS, 18 de fevereiro de 1885, e
Gazeta de Notícias, 3 de fevereiro de 1889.” (Ibidem,
1994, p. 108).
Com a proclamação da República, a busca por civilizar a cidade do
Rio estendeu o combate não só aos capoeiras, que com certeza foram os
mais combatidos, violentamente, mas de várias práticas populares como
veremos adiante, como por exemplo, o Carnaval e práticas religiosas
praticadas por negros e africanos, que eram consideradas pelos
governantes como anti-sociais e se opunham a “nova ordem”. Neste
contexto a defesa por um carnaval “civilizado” torna-se mais enfatizado. De
acordo com Fernandes:
“Nos vinte anos que se estenderam de 1890 a 1910,
identifica-se
o
aparecimento
de
quatro
novas
manifestações carnavalescas: os cordões, ranchos e
blocos na década de 1890, e o corso em 1907.
Enquanto os cordões, ranchos e blocos descendem de
festas religiosas do mundo colonial escravista, com
forte presença de negros e africanos, o corso era,
como os automóveis, uma novidade absoluta e deleite
da elite moderna da cidade, dando continuidade e
reforçando propósitos das grandes sociedades em
busca de um carnaval civilizado. Neste período a
civilização carioca cresceu mais de 50%, passando de
quinhentos
mil
para
oitocentos
mil
habitantes”
(FERNANDES, 2001, p. 23).
A perseguição e repressão, cada vez mais intensa e violenta, assim
como a própria capoeira culminou com a proibição da capoeira por lei no
Código Penal da República em 1890 considerando assim a prática da
capoeira como crime. De acordo com Lopes, após o Código Penal de 1890,
a capoeira sofreu diferentes transformações e adaptações em seus
84
principais centros de práticas: Rio, Recife e Salvador. O autor, ainda
transcreveu na íntegra este Código Penal:
“Um Código Penal muito preconceituoso, a injustiça
social, o brigador de capoeira, uma polícia implacável,
a falta festiva de berimbaus na maioria das rodas e o
excesso de navalhas e porretes, fizeram a Capoeira
quase desaparecer do Rio antigo. Segundo alguns
estudiosos, em Pernambuco, o “passo” do frevo foi
substituindo o passo da capoeira (para detalhes
recomendado a leitura do livro “Frevo, Capoeira e
Passo”, de Valdemar de Oliveira). E por aí vai, até
chegarmos à Bahia, onde, mercê de seus encantos
naturais e culturais, vamos encontrar a capoeira
matreiramente adaptando-se e resistindo ao tempo, ao
preconceito social, às perseguições policiais e até à
alienação cultural.
Capítulo XIII – Dos Vadios e Capoeiras
Art. 339. Deixar de exercitar profissão, ofício ou
qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo
meio de subsistência e domicílio certo em que habite:
prover a subsistência por meio de ocupação proibida
por lei, ou manifestamente ofensiva da moral e dos
bons costumes.
Pena – De prisão celular por 15 a 30 dias.
Parágrafo
Primeiro.
Pela
mesma
sentença
que
condenar o infrator como vadio ou vagabundo, será ele
obrigado a assinar termos de tomar ocupação dentro
de 15 dias, contados do cumprimento da pena.
Parágrafo Segundo. Os menores de 14 anos serão
recolhidos
a
estabelecimentos
industriais,
poderão ser conservados até a idade de 21 anos.
onde
85
Art. 400. Se o termo for quebrado, o importará
reincidência, o infrator será recolhido, por um a três
anos, a colônias penais do território nacional, podendo
para esse fim ser aproveitados os presídios militares
existentes.
Parágrafo único. Se o infrator for estrangeiro será
deportado.
Art. 401. A pena imposta aos infratores, a que se
referem os artigos precedentes ficará extinta se o
condenado provar superveniente aquisição de renda
bastante para sua subsistência, e suspensa, se
apresentar fiador idôneo que por ele se obrigue.
Parágrafo único. A sentença que, a requerimento do
fiador, julgar quebrada a fiança, tornará efetiva a
condenação suspensa por virtude dela.
Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercícios
de agilidade e destreza corporal, conhecidos pela
denominação de capoeiragem, andar em correrias,
com armas ou instrumentos capazes de produzir uma
lesão corporal, provocando tumulto ou desordem,
ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor
de algum mal: Pena – de prisão celular de dois a seis
meses.
Parágrafo
único.
É
considerada
circunstância
agravante pertencer o capoeira a algum bando ou
malta. Aos chefes ou cabeças se imporá a pena em
dobro.
Art. 403. No caso de reincidência será aplicado ao
capoeira, no grau máximo, a pena do art. 400.
Parágrafo único. Se for estrangeiro será deportado
depois de cumprida a pena.
Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem
perpetrar homicídio, praticar lesão corporal, ultrajar o
86
pudor público e particular, e perturbar a ordem, a
tranqüilidade e a segurança pública ou for encontrado
com armas, incorrerá cumulativamente nas pernas
cominadas para tais crimes.
DECRETO nº 487, DE 11 DE OUTUBRO DE 1890
(Código Penal Brasileiro)” (LOPES, 1999, p. 45 e 46).
Gardel (1996), citando Rosa Maria Barboza de Araújo (1993), nos
mostra como se encontrava a capital no ano da decretação do referido
código penal. De acordo com Gardel:
“A carência de mão-de-obra adequada, o descaso do
poder público com a situação criada por ele mesmo e o
surgimento das camadas médias mudam a fisionomia
da cidade.
Em 1890, mais de cem mil pessoas não tinham
ocupação
definidas,
sustentavam-se
prestando
serviços irregulares ou viviam na fronteira da
legalidade,
como
malandros,
ambulantes
ocorria
ladrões,
e
com
desertores,
jogadores.
Essa
prostitutas,
ciganos,
massa
de
deserdados em 1906 crescera, superando a faixa de
duzentas mil pessoas. A estes, somar-se-ia um
contingente de trabalhadores regulares, porém mal
remunerados, ou por vezes trabalhando me troca
de
moradia
e
alimentação:
empregados
domésticos, auxiliares de comércio (caixeiros),
imigrantes recém-chegados, aprendizes etc. O total
constituía, sem dúvida, a maioria da população. Os
empregados em serviços domésticos, por exemplo,
87
constituíam
25%
da
população,
em
1900.”
(GARDEL, 1996, p. 120).
Após tomar o conhecimento do código penal, temos agora uma vaga
idéia de como a capoeira era entendida e tratada naquele tempo, tempo
onde havia uma grande população tensa devida à pobreza numa cidade
inchada, como vimos. Agora, devido à mudança na esfera do poder e
também nas regras do jogo político, se inicia outro momento da
capoeiragem, a perseguição implacável, no Rio de Janeiro, de Sampaio
Ferraz, um antigo e jurado inimigo dos capoeiras e também praticante da
arte. Nomeado pelo Marechal Deodoro, recebeu deste, carta branca para
acabar com os capoeiras. Segundo Silva:
“Deodoro desejava extinguir a capoeiragem no Rio de
Janeiro e Sampaio Ferraz prontificou-se a levar a termo
a incumbência, desde que lhe dessem carta branca
para agir e, de modo algum, interferissem nas suas
diligências. “A capoeiragem só podia ser exterminada
no dia em que o governo resolvesse nivelar os
capoeiras e tratá-los da mesma maneira e da mesma
maneira punir tanto os de pé-rapado como os de
gravata”.
A campanha se iniciou feroz; os desordeiros presos
pela polícia eram metidos no xadrez e, a seguir,
sumariamente enviados para a Ilha de Fernando de
Noronha, onde os submetiam a trabalhos forçados.
Rara era a família importante que não tivesse um
parente preso. Logo a gritaria começou pelos jornais,
pelas tribunas, nos círculos militares e políticos, no
clero, etc., contra a desumana campanha de Sampaio
Ferraz, que se mantinha inabalável e cada vez mais
decidido. Conta-se que ele se fizera cercar de alguns
bons capoeiras, com os quais realizava a prisão dos
88
outros, usando um estratagema que consistia, quando
desconfiava de um tipo, em fazer que um dos
camaradas realizasse uma figuração na frente do
parceiro visado; se este saltasse peneirando ou caísse
em guarda, estava condenado. O reflexo de defesa do
capoeira era tão forte que dificilmente o poderia
dominar, sobretudo se fosse tomado de surpresa.
Sampaio
Ferraz
deportou
grande
números
de
capoeiras que existiam no Rio de Janeiro, mas como
bem afirma Luiz Edmundo “deportou capoeiras, mas
não extinguiu a capoeiragem”. Esta resistiu, fugindo
para os morros, deixando as ruas da cidade, tornandose mais civilizada.” (SILVA, 1995, p. 18 e 19).
Silva Mello reforça, como foi dito acima, um dos métodos de
reconhecer e efetuar a prisão de um capoeira, que consistia basicamente
em: “simular movimentos de ataque contra os suspeitos, caso eles saltassem
reproduzindo um movimento de capoeira ou caíssem em guarda, estavam
condenados.” (SILVA MELLO, 2002, p. 5). Também era conhecido, jogar
uma fruta ou objeto no elemento suspeito para testar sua habilidade,
destreza e rapidez.
A primeira crise ministerial da história da república no Brasil se deu por
conta da perseguição de Sampaio Ferraz, o “Cavanhaque de Aço”, aos
capoeiras, ao prender o capoeira Juca Reis, um desordeiro conhecido,
proveniente de família importante. Juca Reis era filho do Conde de
Matosinhos, titular português, dono do jornal O País, veículo da campanha
republicana no Rio de janeiro e dirigido por Quintino Bocaiúva. Como nos
conta Marcos Bretas:
“Juca é chamado da Europa pelo irmão, que assume o
jornal, para acertar questões de herança. Mal chega à
cidade, é detido por Sampaio Ferraz na rua do Ouvidor.
89
Gestões são feitas junto ao governo por Quintino,
agora ministro das Relações Exteriores, que ameaça
se demitir, e pela família, sem resultado. Juca Reis
segue para Fernando de Noronha.” (BRETAS, 1989, p.
64).
De acordo com Silva, “novos interesses políticos começam a interagir
com a capoeira.”:
“O início do Século XX assinalou como que o
recrudescimento da capoeiragem; os novos interesses
políticos em jogo muito concorreram para que os
principais capoeiras se tornassem cabos eleitorais,
capangas ou secretários de grandes figurões. Nas
próprias
unidades
militares
havia
interesse
dos
comandantes em contar com os melhores capoeiras. No
Recife, por exemplo, 0 14o era a unidade militar que
reuniu as preferências da população, enquanto o soldado
de polícia era malquisto.” (SILVA, 1995, p. 19).
“Muitos capoeiras foram para a Marinha, onde lhes foi permitido
continuar o jogo da capoeira, sob forma desportiva.” (ibidem, 1995, p. 20).
A maioria dos detidos por capoeiragem na República Velha não eram
vadios ou malandros, conforme nos mostra a tese de Pires (1996) (apud
VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998), mas pelo contrário, de trabalhadores. Sendo
o mesmo corroborado por outras pesquisas, segundo os autores: “Destarte,
temos que ver a capoeiragem carioca como parte da cultura das classes
trabalhadoras.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 100); continuando: “É
justamente porque portugueses e brasileiros, negros e brancos executavam
as mesmas tarefas e viviam nos mesmos cortiços que a capoeira pôde
difundir-se para além do seu grupo original negro escravo.” (Ibidem, 1998, p.
100).
90
Após a infame e implacável repressão ou poderíamos colocar como
um quase extermínio, do modo como se impôs, concordamos com Vieira e
Assunção quando dizem: “Sem dúvida, desmantelada a complexa rede de
relações entre políticos, polícia e capoeiras, a capoeiragem carioca nunca
mais chegaria a ter a projeção que teve na política do Império.” (Ibidem,
1998, p. 101).
“A relativamente bem pesquisada história da capoeiragem carioca nos
ensina que a história da capoeira é mais complexa.” (Ibidem, 1998, p. 109).
Mas o importante ao remontar este histórico da capoeiragem é
conhecer as raízes sócio-culturais que interagiram através dos tempos,
formando, não só os capoeiras, mas o povo brasileiro na sua totalidade.
Todos esses referenciais iriam compor uma memória gesto-corporal e social
que definiriam futuramente as bases culturais sócio-psicomotoras dos
capoeiras da atualidade.
1.2.2 – A capoeiragem carioca: de Sampaio Ferraz a Filinto Müler –
capoeiras e malandros
“A noite estava estrelada
Quando o samba se formou
A lua veio atrasada
E o samba começou
Entretanto, ali bem perto,
Morria de um tiro certo
Um valente muito sério, Professor dos desacatos.
Ensinava aos pacatos
O rumo certo do cemitério.
Chegou alguém apressado
91
Naquele samba animado
Que, cantando, assim dizia:
No século progresso
O revólver teve ingresso
Para acabar com a valentia” (NOEL ROSA).
Após
a
onda
repressiva
de
Sampaio
Ferraz,
como
vimos,
capoeiragem carioca não seria mais a mesma. Desmantelada as maltas os
capoeiras, agora sozinhos sem uma identidade de grupo como havia antes,
pelo menos em tal escala, seguiriam outros caminhos e outras formas de
sobrevivência. Vários capoeiras foram aliciados como cabos eleitorais,
capangas, ajudantes de polícia e também como militares, se refugiaram
mantendo laços, como antes, com o estado e o poder; outros seguiram
como salteadores e também compondo a nata da malandragem, bem
diversificada, continuando assim a prática da capoeiragem, mas de modo
diferenciado. Há ainda uma outra vertente, que tentaria criar uma capoeira
desportiva, numa prática de ginástica corporal e ou defesa pessoal, como
veremos posteriormente.
É neste momento que o capoeira carioca se recolhe, se recata,
ficando escondido e fazendo a fama que tanto conhecemos do Malandro de
terno branco que nunca se suja e que não gosta de estar em evidência na
maioria das vezes.
Segundo Noronha, a figura do malandro tal como o conhecemos, só
podia ter aparecido no Rio, “na verdade existiu num certo Rio”, numa época
que vai do nascimento da metrópole moderna brasileira, do fim do século
XIX aos primeiros anos do século XX, até o Brasil do estado Novo, no
mundo da Segunda Grande Guerra. Existindo numa geografia específica.
(NORONHA, 2003, p. 35).
Dias analisa a figura, tipo social, do “malandro”, do “bamba” e sua
ligação com o antigo capoeira:
92
“compreende-se que colocar o malandro como uma
figura constituída e com identidade própria no
alvorecer do século XX e, ao mesmo tempo num
momento em que a principiavam a ser delineadas as
normas reguladoras das relações capital-trabalho,
seria, no mínimo, colocar os “carros adiante dos bois”.
Poder-se-ia afirmar que existia a malandragem, a
vagabundagem, mas não existia o malandro enquanto
verdadeiro “tipo ideal”, uma quase caricatura da
concepção weberiana7 que, mais tarde, foi apropriada
intelectualmente e, em alguns casos, veiculada como
um tipo específico brasileiro numa generalização
perigosa.” (DIAS, 2001, p. 162).
Dias, também comenta sobre o interessante estudo de Roberto Goto,
que resume a idéia citada anteriormente, dizendo que na versão mais
comum e característica, o malandro tem sido apresentado como aquele que
habita os “intervalos” da estrutura social; existindo “entre classes sociais”,
não seria burguês nem proletário e, não se enquadraria na ordem legal nem
se extraviaria fora dela, estando situado entre o cidadão comum e o bandido.
Continuando, de acordo com Dias:
“Considerando, enfim, todo o esforço empreendido
pelos agentes sociais da nova ordem que se impunha,
reconhece-se a valorização dos princípios éticos
necessários à normatização de uma sociedade de
classes baseada na economia de mercado, enfrentava
resistências na existência da malandragem. No
entanto, a figura do malandro só poderia ser
reconhecida como modelo dessa resistência, como
afirma Neder (1987, p. 353): “quando a resistência à
ordem é definitivamente individualizada na figura
93
temida, repudiada e mitificada e até heróica do
malandro.”
Essa individualização, no entanto, não poderia ser
articulada à figura do antigo capoeira. A sua imagem,
ao contrário deste, não ficou retratada, como no
passado, nem nos jornais, nem os relatórios de polícia
ou da Justiça; entre outras razões, pelo fato de que o
malandro, na vida real, evita aparecer, cultivando
justamente a prática da ocultação voluntária (GOTO,
1988, p.98). assim algumas tentativas de identificação
imediata entre o antigo capoeira e o malandro como
aquela, por exemplo, tentada por Luís Edmundo
(1939, p.381-9), com o Manduca da Praia, acabam por
esgotar-se no trato exótico.
A
partir
de
todas
essas
considerações
e
reafirmando a desarticulação da capoeiragem – a sua
“morte” - , cabe ao “bamba” o papel de remanescente
desta
prática,
desempenhando-a
dentro
das
circunstâncias permitidas pela conjuntura histórica do
Rio de Janeiro no início da Primeira República.
Segundo
Morales
de
Los
Rios
(1976,
p.
59)
“geralmente cafajestes, chamados de valentões da
zona ou “bambas”, curiosamente apelidados de
‘Camisa Preta’, ‘Juca da Praia’, ‘Zé do Senado’ ”.”
(Ibidem, 2001, p. 163 e 164).
Bruhns nos diz que: “A malandragem, a malícia e a manha
representam qualidades valorizadas por muitos e rejeitadas por poucos.”
(BRUHNS, 2000, p. 144). Continuando o autor sobre os malandros:
“Representam a “façanha dos fracos” e, dessa forma, o malandro é
admirado pelos desfavorecidos: por demonstrar o “poder dos fracos” em sua
condição inferior, surpreendendo os “fortes”.” (Ibidem, 2000). Fazendo uma
referência sobre a malandragem e os malandros como uma estratégia de
94
sobrevivência e de oposição ao sistema opressor e dominador vigente.
Bruhns, retratando o malandro, seu mundo e maneira de ser, ainda comenta:
“O “malandro brasileiro” introduz uma possibilidade de
relativização no mundo fechado da moralidade. No
mundo burguês-individualista, a ordenação se dá
através de eixos únicos, como a economia e a política;
o malandro, porém, vem mostrar a existência de
outros eixos e outras dimensões: “Sou pobre, mas
tenho cabrocha (mulher), o luar e o violão”. Sendo
intersticial o seu mundo, constitui-se por um universo
em que se pode ler e ordenar a realidade, utilizandose de múltiplos códigos e eixos” (Ibidem, 2000, p.
146).
“O mundo do malandro não significa necessariamente
um mundo sem trabalho ou sem patrões, porém uma
aversão a determinadas formas de trabalho (ao
trabalho disciplinado e à vigilância que roubam do
sujeito a possibilidade de conduzir-se de acordo com
seus horários, suas aptidões, necessidades, hábitos e
tradições); significa estabelecer relações sociais em
que a valentia e o respeito são mais determinantes
que o dinheiro... Surgem outras formas de dominação,
como as sustentadas pelo carisma, pela valentia
pessoal e pelo mundo, resultando em conflitos
microscópicos, no interior da sociedade.
Capoeiras
e
malandros
muitas
vezes
se
confundiam, pois compartilhavam os mesmos valores,
bem como um “jeito de corpo” específico, ou seja, um
andar
gingado
e
uma
grande
agilidade
movimentos.” (Ibidem, 2000, p. 139 e 140).
de
95
O referido autor, permeando uma inter-relação do malandro com o
capoeira, assim como já foi inicialmente citado acima, nos diz:
“Os capoeiras, na época da escravidão, haviam
desenvolvido o horror à disciplina do trabalho, bem
como a negação de uma vigilância hierárquica sob o
comando do patrão, ambos relacionados à história das
lutas negras pela liberdade. Nesse panorama, mostra
salvadori (op. cit., p. 13), “preservaram uma tradição
de luta pela autonomia e pelo ‘viver em si’ que eram os
principais sentidos dados pelo ex-escravo à liberdade”.
Estabelecer uma relação entre a capoeira e
os malandros implica falar da alteração nas relações
de trabalho, da tentativa em controlar os pobres
urbanos através de diferentes estratégias disciplinares,
das tentativas de transformação do escravo em
operário, em “cidadão”, bem como das propostas de
“civilização” e “modernização” da cidade, as quais
buscavam legitimar a tentativa ineficiente da repressão
do gesto pela discipliona (cf. salvadori, op. cit..).”
(Ibidem, 2000, p. 139).
Na tentativa de apagar os registros de capoeiras e malandros
presentes no espaço público carioca, Bruhns nos diz que, falas diversas
uniram-se. A polícia os identificou como contraventores e criminosos
potenciais, razão da pobreza e da falta de vontade para trabalhar (não
levaram em conta ou não quiseram levar, a grande população da época e a
pouca oferta e dificuldades para conquistar um trabalho); a psiquiatria, por
meio de critérios considerados científicos naquele momento, associando a
saúde à aceitação das regras do trabalho, rotulava-os de doentes; os
higienistas e arquitetos impuseram limpezas às suas moradias e corpos,
baseados na noção positivista de que o meio ambiente e a hereditariedade
são responsáveis pelo caráter do indivíduo. Bruhns diz que, porém, foram
96
utilizados como símbolos de nacionalidade, por diferentes “propostas de
folclorização, “estampando-os como fragmentos de identidade coletiva da
cidade, ao lado do samba, do Carnaval e do futebol” (cf. Soares, op. cit.,
p.16).” (BRUHNS, 2000, p. 143). Segundo Noronha:
“o malandro com seu deboche com os ditames do
modo de produção contemporâneo e seu abraço à
marginalidade significando um acintoso desprezo pela
nova ordem, reinventa a modernidade a sua maneira e
se transforma numa espécie de herói e mártir desta
resistência.” (NORONHA, 2003, p. 103).
Entre muitos dos malandros e capoeiras conhecidos, está o Manduca
da Praia, “malandro e capoeirista que realmente existiu, famoso na área da
Saúde nos anos 10 e personagem dos conflitos de rua da Revolta da
Vacina” (Ibidem, 2003, p. 70). Manduca teve o perfil traçado por Luiz
Edmundo no capítulo “Vida do cortiço” de “O Rio de Janeiro do meu tempo”,
segundo o cronista, Manduca da Praia “trepa na goiabeira”, ou seja, joga
capoeira. O salteador Sete Coroas, famoso nas crônicas policiais da época e
que foi presenteado com um samba de Sinhô, seu amigo, foi outro
perigosíssimo malandro do morro da Favela (GARDEL, 1996). Camisa Preta
e Madame Satã (João Francisco) são outros de muitos capoeiras que
fizeram a fama na malandragem, este último, é considerado um dos
“sobreviventes” daquele tempo, talvez, por ter ficado preso por vários anos
no presídio de Dois Rios, Instituto Penal Cândido Mendes, Ilha Grande. Há
relatos de que estes dois capoeiras eram os melhores de sua área e seu
tempo e se respeitavam devido as suas habilidades. Moradores da Vila do
Abraão na Ilha Grande contam que, Madame Satã, depois de liberto, no
período em que morou na vila, treinava golpes, principalmente com os pés,
de navalha em árvores na ilha, riscando-as todo o seu tronco. Também
mencionam que um filho seu de criação, além de, como o “pai” Satã, ser
homossexual, tinha extrema habilidade com instrumentos de corte,
principalmente com a gilete, a qual escondia na boca. Outra curiosidade
97
sobre Madame Satã, no tempo em que morou na vila, era a de que seu
cachorro ia todo dia de manhã à padaria e sozinho, trazia o pão e outros
produtos, numa pequena sacola presa ao seu pescoço. Madame Satã até
hoje desperta em muitos, a curiosidade por seus feitos, como enfrentar
vários policiais, e por seu lado exótico, por ser um homossexual diferente.
Segundo Rocha: “O estereótipo do homossexual frágil, efeminado, foi
derrubado, pois era mais macho do que muitos homens de sua época.”
(ROCHA, 2002, p. 11).
Em 1994, numa roda de capoeira na Central do Brasil, Rio de Janeiro,
um senhor de idade, transeunte, ao observar o jogo, proseou com Ricardo
Lussac (Mestre Teco) sobre a capoeiragem de seu tempo e comentou sobre
um dos melhores capoeiras, um malandro chamado “Castelo”, seu amigo e
que ficou sabendo de sua morte quando chegou no Rio de janeiro,
retornando da Segunda Guerra Mundial, onde combateu. Este senhor disse
que observou do navio onde estava regressando da guerra, uma imensa
fogueira feita de pneus de carro, onde depois ficou sabendo que ali, estava
sendo queimado o corpo de Castelo. Sobre tempos mais recentes, há
relatos de capoeiras e aprendizes (meninos, que às vezes cometiam
pequenos furtos e até assaltos em grupos) na Tijuca, nas proximidades do
morro do Salgueiro e também em Niterói, nas proximidades das barcas,
dentre os quais mais se destaca um sujeito conhecido como Miguelzinho.
Dentre tantos outros e em diferentes épocas, um malandro que teve o seu
reinado foi “Joãozinho da Lapa”, o qual transcrevemos um pedaço de sua
história logo abaixo:
“veio o reinado de Joãozinho da Lapa, que, tendo
passado pelo Colégio Militar da Praia Vermelha, seria
membro da família de um coronel do Exército com alto
posto no Governo Vargas. Mestre em capoeira e no
manejo da navalha, Joãozinho entrou para a crônica
do bairro por ter assassinado um mulato malandro
chamado Bexiga. Morreu logo depois, com um tiro na
98
cabeça dado por um malandro branco conhecido como
Bexiguinha.” (NORONHA, 2003, p. 83).
Fonseca Júnior homenageia em seu livro e reverencia seus amigos e
ídolos capoeiras, malandros e guerreiros de um passado recente, sugerindo
uma inspiração aos capoeiras atuais:
“Aos 4 maiores Guerreiros Negros do Século XX –
Madame Satã, Agnaldo Timóteo, Oswaldo Nunes e
Roberto
Silva,
detentores
das
“brigas”
mais
“indigestas” do Rio de Janeiro. Que todos os
capoeiristas aprendam a lição ensinada por vocês e
conheçam a origem espiritual da “banda”, “rasteira” e
“pernada”.” (FONSECA JÚNIOR, 2000, p. 14).
Rudolf Hermanny relembra os malandros e episódios de sua área e
de seu tempo, décadas de 1940 e 1950, retratando e nos contando um
pouco sobre a malandragem da zona sul da cidade:
“Isso vem da malandragem também, o camarada aqui
era considerado bom porque lutava capoeira. Em
Ipanema, na saída do morro do Cantagalo, havia um
malandro chamado Bagdá, que enfrentava policiais
que ousavam subir o morro. Pegava o bonde em alta
velocidade, sem usar as mãos, e saltava em
movimento, de frente e de costas, com uma destreza
admirável. Ganhava a vida “puxando carrinho”, os
famosos “burros-sem-rabo”, e tinha um físico de atleta
que chamava a atenção de todos.
Mas o autêntico malandro que tínhamos em Ipanema
era o Malvadeza, que resolvia tudo com navalha.
Numa ocasião, eu saía de casa e ele estava lá com a
99
navalha na mão e perto uma mulher jogada no chão.
Ela levantou e correu, ele a derrubou novamente e foi
uma coisa horrorosa, em plena rua Teixeira de Melo,
até a esquina da praça General Osório. Aqueles cafés
nos dois lados da rua, e um monte de gente assistindo
toda a cena sem fazer nada. Até que um cidadão lá
pegou uma cadeira e foi em cima dele, que fugiu para
o morro. Naquele tempo, tinha o socorro urgente e
veio aquela caminhonete, tipo lotação, cheia daqueles
caras da Polícia Especial, de roupa cáqui e chapéu
vermelho. Foram buscá-lo lá em cima e o troxeram
sem os dentes, porque havia apanhado para valer.”
(HERMANNY, 2003, p. 51 e 52).
Segundo Hermanny, não era só na zona norte onde era encontrado
samba e outras práticas culturais populares, na zona sul, também o era,
apesar de com o tempo terem se extinguido:
“Aquela esquina da rua Teixeira de Melo com a Praça
General Osório era sempre muito movimentada e
reunia uma roda de samba constante, com os caras
batucando, um plantando, os outros tentando derrubar.
Até as moças jogavam. Nunca mais vi aquilo. O jogo é
esse: o cara planta e não pode tirar o pé do chão, o
outro então tem que derrubá-lo. Aí, o sujeitovem, dá
aquele baú, aquela barrigada e come ele por baixo.”
(Ibidem, 2003, p. 52).
Antonio Cláudio Lezan, padrinho de batismo de Ricardo Lussac
(Mestre Teco), conta que aprendeu capoeira com um malandro chamado
Orlando Sapo, por volta da segunda metade de 1950 e início de 1960.
Segundo Lezan, Orlando Sapo viveu na zona do mangue, conhecia golpes
muito violentos, além das armas brancas de corte, como faca e navalha e
100
era uma pessoa que vivia em muitas confusões, tanto que morreu neste
período. Era uma capoeira muito violenta e de pancadas, baseada nesta
vivência cotidiana da malandragem própria deste “submundo”.
Segundo Rocha (2002) o Estado Novo foi mais tolerante que a
República ou mesmo o Império, até porque, as maltas estavam
desmanteladas e a figura do malandro, sozinho, não representava uma
grande ameaça. Ainda Rocha:
“A figura do capoeirista vadio, malandro, que foi
imortalizado pelos sambas da época: “Meu chapéu
de lado, tamanco arrastado, como trote de cavalo,
lenço de seda no pescoço, navalha alemã no
bolso, com caminhar gingado, tomou conta do
carioca provocador, e, eu tenho orgulho de ser
vadio.” O novo vadio andava sozinho, não mais em
gangues, mas temido por sua valentia e violência sutil,
zanzando pelos bares da boêmia portuária e morando
em cortiços. Com esta nova postura, o vadio não
demonstrava ser uma ameaça, como nos tempos das
maltas.” (ROCHA, 2002, p. 10).
Gardel nos mostra como os filhos dos pobres, em sua maneira de
viver e brincar no cotidiano da cidade nesta época, representavam o
microcosmo dos “bambas” da malandragem, parecendo assim, ser um
estágio para a formação de futuros bambas, neste contexto social, se
assemelhando à “formação” dos caxinguelês ou carrapetas, crianças que
também compunham as maltas de capoeira:
“Todos
os
filhos
de
pobres
da
região,
seus
divertimentos são caçar passarinhos, soltar pipas,
jogar futebol ou bola de gude, fazer arruaça quebrando
janelas ou riscando portas. Microcosmo dos bambas
101
da malandragem, eles reproduzem em miniatura a
realidade urbana de brigas entre galeras de ruas
diferentes, que no Rio da época se dava entre adultos
no cruzamento de cordões carnavalescos de lugares
inimigos. Os apelidos já dizem tudo: Piru Maluco, Tatuí
de Areia, Zeca Mulato, Encarnadinho, Culó, e por aí
vai.” (GARDEL, 1996, p. 88).
O autor também nos mostra uma interessante comparação com as
galeras ou grupos do passado e seus confrontos, com as da atualidade:
“No princípio “uma continuidade negra do antigo
entrudo”, os sujos e cordões da Cidade Nova de
“alegria desenfreada se juntando a extrema violência
principalmente no encontro com grupos rivais, com
que invariavelmente se atracariam em formidáveis
brigas”7 (qualquer semelhança entre esses grupos do
Carnaval primitivo carioca formados por malandros,
desocupados, trabalhadores irregulares, pequenos
funcionários, molecada esperta, e as atuais galeras
funk que se matam por rivalidade festiva, não será
mera coincidência), cantavam e dançavam jongo, os
cucumbis e os afoxés baianos, “lembrando as
procissões religiosas agora profanizadas para brincar”
(ibidem, 1996, p.121).
Podemos encontrar na referência acima características dos capoeiras
de outrora, como a briga entre galeras que lembram os embates entre
maltas de capoeiras de freguesias inimigas. Também encontramos
semelhanças com o tipo de vida das crianças, que até pouco tempo
perdurou no Rio de Janeiro do século XX, ainda encontrando-se certos
lugares no subúrbio carioca, onde mantém-se tais comportamentos e
atividades, mesmo que um pouco diferenciadas.
102
Podemos perceber sempre a concordância do passado com o
presente, como visto anteriormente. Prova disto é a semelhança da antiga
divisão no Rio de janeiro entre as maltas de capoeiras, que dominavam
certas áreas e mantinham estreitas relações com os agentes de repressão.
Hoje observamos “Comandos”, o poder paralelo, com agentes da repressão
interagindo com estes. Continua a violência, a corrupção policial e nas
esferas do Estado. Gírias, apelidos e “gritos de guerra” utilizados pelas
maltas, onde cada uma tinha sua própria característica e “senhas” de
identidade, também se assemelham com as utilizadas hoje em dia. A
Navalha foi substituída por pistolas, fuzis, escopetas, granadas e outros
armamentos. A rapidez de comunicação, característica das maltas do Rio
antigo, hoje se encontra nos celulares. Se antigamente houve uma séria
campanha contra os capoeiras e suas navalhas, atualmente percebemos
uma mobilização contra os bandidos e seus respectivos mortíferos
armamentos. Assim como os capoeiras foram presos aleatoriamente,
quando na repressão de Sampaio Ferraz, onde era só especular a prática da
capoeira, que o sujeito era preso e até deportado, na mesma cidade, no Rio
de Janeiro, atualmente, quando a polícia invade morros e favelas e, mata
pessoas inocentes, trabalhadores e jovens, afirma serem estes traficantes,
que estavam armados e reagiram, quando na verdade, em vários casos as
armas são “plantadas” nestas vítimas para justificar a violência e a repressão
abusiva, que causam mortes de inocentes. Outra coincidência é a justiça e a
manutenção paralela da ordem, como hoje é verificado por lugares
dominados pelo tráfico. Antigamente certos capoeiras também retinham este
papel, conforme nos mostra Noronha:
“justiceiros das ruas de seus bairros , os capoeiras
mais fortes tinham um código de honra segundo o qual
a navalha podia cantar por motivos como vingar a
honra de uma mulher assediada por alguém de outra
vizinhança ou defender uma criança de maus-tratos, o
103
que
fazia
boa
parte
da
população
apóia-los”
(NORONHA, 2003, p. 116).
É interessante notar que a população apoiava os capoeiras, pois
mostra que estes eram representantes de suas localidades “eleitos” por
defenderem esta. Mostra também outro lado do capoeira, o de servir sua
comunidade, denotando aí uma compensação de afetividade sentidas por
ele. Atualmente também notamos esta proteção que certas comunidades
dão aos traficantes, não só por estes pertencerem e serem oriundos da
comunidade, mas por imporem ordem onde o estado é omisso e até mesmo
repressivo de forma violenta a crianças e trabalhadores inocentes.
Observamos o mesmo fato na crônica de Coelho Netto, onde retrata a
liderança dos capoeiras, além de outras importantes informações. A crônica,
escrita em 1923 e publicada em 1928, consta integralmente no ANEXO 3:
“Nos morros do Vintém e do Néco reuniam-se, às
vezes,
conselhos
nos
quais
eram
severamente
julgados crimes e culpas imputados a algum dos das
farandulas. Ladrões confessos eram logo excluídos e
assassinos que não justificassem com a legitima
defesa o crime de que fossem denunciados eram
expulsos e às vezes, até, entregues a policias pelos
seus próprios chefes.
Havia disciplina em tais pandilhas.” (ANEXO 3).
Mas, segundo Vieira & Assunção, “O malandro é por definição mais
um anti-herói e a sua ambigüidade não presta a visões épicas de um herói
puro, sem nenhum compromisso com o “sistema”.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO,
1998, p. 109).
Continuando, Gardel nos fala sobre os aspectos sócio-culturais do Rio
de Janeiro na Primeira República. Visto a violência e a dificuldade pela qual
104
o povo passava, práticas lúdicas como o Carnaval eram mais que
necessárias como uma válvula de escape e também como uma afirmação
de uma identidade sócio-cultural:
“O que salta aos olhos numa visão global dos
aspectos sócio-culturais do Rio de Janeiro na Primeira
República,
“quando
uma
rápida
e
profunda
transformação do meio urbano induz a novos padrões
de comportamento social”, é a manutenção do espírito
lúdico-festivo por todos os quatro cantos da cidade
entre colonial e moderna, entre miserável e abastada,
vivendo basicamente, ideologicamente, nos limites,
“produzindo uma esfera cosmopolita pluricultural,
marcada por uma vocação singular para o culto do
prazer e da alegria, características reconhecidas da
cultura
urbana
carioca”3.
Como
um
espírito
fundamente arraigado na cultura cômica popular se
espalha pela cidade, uma cidade planejada pelas
elites no poder para ser o exemplo positivista de um
modelo normatizador civilizatório estético e moral do
país, a sua capital federal, e produz, por meio de
infindáveis perversões e misturas sócio-políticas,
numa cultura urbana moderna capitalista periférica, um
estado festivo que engloba toda uma sociedade
citadina numa identidade coletiva simbolizada pelo
Carnaval. A explicação mais insinuante parece ser a
de
que
este
espírito
lúdico-festivo
da
cidade
cosmopolita seja o espraiar-se de seu símbolo
máximo, o Carnaval, pelos corações e mentes da
população. E como no Carnaval carioca de origens
afro-européia
a
“influência
dos
traços
africanos
traduziu-se numa vitória cultural e étnica dos pobres,
105
englobando agentes de todas as camadas sociais””.
(Ibidem, 1996, p. 118 e 119).
O Rio de janeiro sofreria mudanças consecutivas após a proclamação
da república. Segundo Noronha, o projeto de reforma do Rio, que começa no
fim do século XIX, com a geração de 1870, chega ao auge no governo de
Rodrigues
Alves
e
Pereira
Passos
e
reflete
nas
administrações
subseqüentes, até o advento da Revolução de 30 e o Estado Novo. As elites
progressistas, colocando as camadas populares em segundo plano,
julgavam o saber popular como arcaico, o velho, o primitivo, o folclórico,
aquilo que deveria ser extirpado de uma sociedade cujo futuro apontava
para o moderno e o dinâmico (NORONHA, 2003).
O crescimento populacional provocou escassez de moradias,
aumento de seu custo e a conseqüente deterioração das condições das
habitações populares. Segundo dados do censo realizado em 1890, cerca
de um quarto da população carioca vivia em cortiços concentrados nas
áreas centrais, porque os baixos salários e as despesas com transporte
impediam a moradia distante do local de trabalho e ou do centro de
circulação do dinheiro, onde a populares poderiam obter sua sobrevivência
(AGCRJ, 2002).
Depois da promulgação da Lei Orgânica, em 1892, foi nomeado o
primeiro
prefeito,
Barata
Ribeiro
(1892-1893).
Um
dos
problemas
enfrentados nessa administração foi à proliferação das habitações coletivas,
como cortiços, estalagens e casa de cômodos. O péssimo estado de
conservação das edificações, a superlotação e as condições insalubres em
que viviam adultos e crianças constituíam padrões negativos a serem
eliminados. Os cortiços eram o pesadelo: a cidade burguesa, afrancesada, o
sonho dos progressistas. A realidade era conflituosa (ibidem, 2002).
A chegada da luz elétrica ao centro da cidade não seria mais um dos
golpes finais dados a capoeiragem e aos capoeiras. O Prefeito Pereira
106
Passos, que: “instituiu praticamente uma ditadura na Prefeitura, com a
capital num permanente estado de sítio extra-oficial, literalmente passando
por cima dos que se opunham ao seu projeto reformador” (NORONHA,
2003, p. 42), que era, mais especificamente, a população de baixa renda dos
cortiços do Centro. Nomeado pelo Presidente Rodrigues Alves com plenos
poderes, na administração do Rio de 1903 a 1906, Pereira Passos, chamado
de “Bota-Abaixo” e também apelidado de “Haussmann Tropical” pela
semelhança de seus planos com os da remodelação de Paris no século XIX,
com sua reforma no centro da cidade, poria abaixo construções, localidades
marcadas pela história dos capoeiras e conseqüentemente, ocasionando
significativas transformações sociais na cidade:
“como prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos
empreendeu grandes reformas na cidade. Durante sua
gestão, iniciou-se a remodelação do centro do Rio de
Janeiro, que pôs abaixo as velhas construções
habitadas pelas populações mais humilde e abriu a
Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco.
Nessa ocasião, as numerosas famílias pobres,
que foram despejadas quando se demoliram suas
residências para dar lugar à Avenida Central, tiveram
de procurar novos locais de moradia acessíveis.
Inicialmente, fixaram-se nos morros próximos à
estação Central do Brasil – Favela, Providência,
Livramento, Formiga e Pinto – e, depois, em zonas um
pouco mais afastadas do centro da cidade, sendo a
primeira delas a região do Estácio. Mais tarde, outros
seguiram para São Cristóvão, Mangueira e para os
morros da Tijuca, espalhando-se depois por toda a
região suburbana.” (VARGENS & MONTE, 2001, p.
32).
107
De acordo com Bruhns, com a reforma de Pereira Passos na cidade
do Rio de Janeiro em 1904, a região central foi cortada por grandes
avenidas. Muitos moradores seguiram para a “cidade nova”, passando a
Praça Onze, menos conhecida como Praça Onze de Junho, em referência à
vitoriosa Batalha do Riachuelo, na Guerra do Paraguai, a servir como ponto
de encontro, sede do carnaval carioca e local de reunião de capoeiristas,
operários, “malandros”, músicos e blocos carnavalescos.
“Ali os negros recriaram, elucida Salvadori (1990, p.
19), “seu universo cultural e a música os acompanhou
constantemente. Ela estava na capoeiragem, nas
diversas manifestações da religiosidade, nas festas,
acompanhando o trabalho das lavadeiras e mantendo
oralmente uma série de tradições”.(BRUHNS, 2000, p.
136 e 137).
De acordo com Noronha, sobre os morros, lugar onde “a polícia se
negava a subir... alegando ser impossível o policiamento num lugar sem
ruas; ao invés disso, cercava as favelas de tempos em tempos” (NORONHA,
2003, p. 122), as favelas e sua comunidade no início do século, o autor
assim se refere:
“Segundo as raras estatísticas disponíveis sobre o
processo de favelização do Centro no início do século,
havia no Rio algo como mil barracos em 1904. Em
1909, numa reportagem sobre a crise de moradia na
cidade, o jornal Correio da Manhã assinalava que as
comunidades dos morros da Favela e de Santo
Antônio
turbulento
abrigavam
e
trabalhadores,
não
facínoras”
na
sua
só
mas
“vadios,
também
maioria
marítimos”.” (Ibidem, 2003, p. 62 e 63).
ratoneiros,
“homens
estivadores
e
108
O que é interessante nesta citação de Noronha, é a diversidade da
composição dos moradores e a presença maciça de estivadores e
marítimos, tipos freqüentadores comuns dos portos que, como vimos
anteriormente, eram na sua maioria conhecedores da capoeiragem. O morro
de Santo Antônio, o qual seu desmonte só se iniciaria em 1952, seria o lugar
onde provavelmente o grande Mestre Sinhozinho teria aprendido a
capoeiragem, pois morou neste lugar. Lopes citando Rui Castro: “Sinhozinho
foi morar no morro de Santo Antônio, tornou-se mestre da capoeira”
(LOPES, 2002, p. 111).
Pereira Passos, como podemos ver, deu continuidade à repressão
das práticas culturais populares e mandou vários capoeiras que participaram
da Revolta da Vacina para o Acre, revivendo a deportação para Fernando de
Noronha; assim como a Igreja perseguiu as práticas religiosas, como
podemos ver, de acordo com Fernandes:
“A satanização dos cordões faz parte daquela ofensiva
desencadeada
contra
as
classes
populares,
da
modernização que atinge seu clímax coma Reforma
de Passos, que depois de ter prendido e deportado
para o Acre populares envolvidos com a Revolta da
Vacina, expulsando centenas de famílias dos bairros
centrais que moravam em cortiços condenados a
demolição para dar lugar aos bulevares, passaram a
perseguir de forma mais sistemática as festas, crenças
e manifestações das classes populares. Em 1904
Passos investiu fortemente contra o entrudo. De forma
geral, o violão e a modinha foram transformados em
símbolos de vadiagem. A simples posse de um
pandeiro
poderia
ser
interpretada
como
indício
suficiente de vadiagem que justificava prisão. A Igreja
passou a seguir a doutrina da romanização e
promoveu
sérios
cerceamentos
à
religiosidade
109
popular, como ocorreu com negros que participavam
da Festa da Penha, e a polícia cultivava uma rotina de
provocações e arbitrariedades que potencializava a
extensão dos conflitos. Contra os pais-de-santo e as
seitas religiosas afro-brasileiras, foi desencadeada
uma verdadeira inquisição” (FERNANDES, 2001, p.
31).
Sobre a Festa da Penha, onde nos dias atuais há rodas tradicionais
de capoeira, principalmente nos dias de festa, Noronha faz valiosas
ponderações em que podemos perceber a rivalidade entre negros e
portugueses, a dinâmica social de tal evento, verificar como ocorria a
violência e a respectiva repressão e também como a Festa da Penha decaiu
diante das circunstâncias e acontecimentos naquela época:
“O conflito entre as facções, que já eram rivais na
disputa pelo mesmo mercado de trabalho (como nos
sangrentos confrontos entre trabalhadores no Cais do
Porto) virou marca do evento. A malandragem carioca
comparecia em peso, com personagens como Buldog
do Rancho dos Amores, Galeguinho, Zé Moleque,
Sapateirinho, Zé do Senado e Gabiroba, entre outros
nomes lendários, usando sua melhor roupa de festa. A
roda de capoeira era aberta logo depois das rezas, e
nela entrava qualquer um que tivesse peito para tanto.
Seja pela rivalidade entre negros e portugueses, seja
pela presença ostensiva da polícia ou pelas rixas entre
malandros, o fato é que a Festa da Penha muitas
vezes terminava num quebra-pau generalizado, com
pernadas e golpes de navalha sobrando para todos os
lados.
A imprensa, predominante,ente conservadora,
fazia seu papel, detonando uma impiedosa campanha
110
contra a festa, com a comunidade portuguesa, descrita
como pacata e ordeira, sendo exibida como vítima e a
malandragem e os sambistas, apresentados como
vilões.” (NORONHA, 2003, p. 106).
“A polícia contribuía apreendendo os instrumentos
musicais, cercando e detendo os malandros. A
pressão foi tal que, em 1920, o então chefe de polícia,
Germiniano de França, proibiu a presença de blocos,
cordões, Zé-pereiras, batucadas e rodas de samba na
festa, recrudescendo a perseguição à malandragem.
Com a repressão sistemática pela polícia, pela
imprensa e pela Igreja, a predominância do rádio como
instrumento de divulgação da música e com a morte
de Tia Ciata, em 1924, a Festa da Penha foi se
esvaziando.” (Ibidem, 2003, p. 107).
Sobre a atuação de capoeiras na Revolta da Vacina, onde estes
foram os principais personagens de resistência, Noronha é mais específico,
como podemos constatar a seguir:
“Em diversas ocasiões o nome dos capoeiras mais
conhecidos ou a simples menção à luta aparecia
associada ao crime ou à subvenção. Durante o levante
da Revolta da Vacina, por exemplo, que durou quatro
dias e teve vários combates travados com a polícia, os
bombeiros e o exército pelas ruas do Rio... mas o que
apareceu nos jornais foi o nome de mestres como o
Manduca e Capa Preta, entre outros malandros da
Saúde, como líderes de barricadas.” (NORONHA,
2003, p. 118).
111
Teria sido este “Manduca” do início do século XX, o mesmo “Manduca
da Praia” da segunda metade do século XIX? Se, era a mesma pessoa, o
“Manduca” no episódio da Revolta da Vacina, estaria com mais alguns anos
de vida.
O referido autor comenta sobre o projeto político de modernização do
Rio, sua característica e implicações do combate do Estado aos signos do
mundo do malandro carioca:
“autoritário e completamente distante da realidade das
ruas, o projeto político de modernização do Rio vai pôr
o aparelho do Estado inteiro voltado para o combate
às manifestações organizadas pelas classes baixas,
desistindo de incorporá-las para investir no isolamento.
Assim, ao mesmo tempo que disciplina o comércio
ambulante e tira os cães vadios das ruas, o governo
vai rezar pela cartilha do darwinismo social, eliminar
casas populares no Centro e perseguir o candomblé, a
capoeira, o maxixe das gafieiras, os violões e os
seresteiros, o jogo e a prostituição... o mundo oficial
moveu uma guerra surda contra o universo de signos
que compunha o mundo do malandro carioca.”
(Ibidem, 2003, p. 102).
Mais tarde, o Prefeito Carlos Sampaio daria continuidade a esta
ampla reforma da cidade, que já vinha sendo feita por outros prefeitos
anteriores como o arrasamento do morro do Senado e do morro do Castelo,
iniciada em 1920, a abertura da avenida Rio Branco e a demolição do
“Cabeça de Porco” (KESSEL, 2001), o que ocasionou em mais
desapropriações. A demolição (a mais polêmica e que num só dia tudo foi
arrasado) do mais famoso cortiço, que abrigava cerca de duas mil pessoas,
conhecido como “Cabeça de Porco” devido a figura ornamental existente em
sua entrada, situado à Rua Barão de São Felix, 154, ocasionou o despejo de
112
muitas pessoas, que não sendo alojadas pelo governo, construíram barracos
com as sobras da demolição no vizinho morro da Providência, contribuindo
ainda mais para o processo de favelização do Rio.
A Lapa teve seu apogeu nos anos 20 e 30. “Na malha desordenada
de cabarés, prostíbulos e antros de jogo, a Lapa desta época reunia os dois
mundos de uma cidade que começava a se partir.” (NORONHA, 2003, p.
82). Lá era o ponto de encontro de todo o tipo de gente, de diferentes
classes sociais e ramos de atividade, que conviviam e dividiam o mesmo
espaço. “O período de apogeu do bairro começou por volta de 1915, mas vai
ser a partir dos anos 20 que ele vai se afirmar como o epicentro de um Rio
hedonista, voraz, rápido, embriagado, falante.” (Ibidem, 2003, p. 83). A partir
da segunda metade dos anos 30, começa a decadência, acentuada dos
anos 40 em diante. Há como veremos, uma convergência ao mesmo tempo,
de vários fatores determinantes durante esta decadência da Lapa, inclusive
a mudança no aparelho repressivo, a polícia, devido a uma mudança
política.
Antigamente, no início do século XX, “O Exército, a Marinha e a
Guarda Nacional se envolviam na atividade policial, às vezes fiscalizando,
outras vezes intermediando ou mesmo reprimindo.” (Ibidem, 2003, p. 122).
Como já vimos, estas instituições sempre foram permeadas pelos capoeiras,
que corporativistamente, se ajudavam, desde que não fossem inimigos. A
população se aproveitava da confusão, jogando uns contra os outros, e
apoiando o Exército, na maioria dos casos, contra a polícia. São inúmeros os
registros de queixas, nos anais de uma determinada força, contra falhas de
uma outra, assim como são comuns os casos de um sujeito ser preso por
um para ser solto por outro (Ibidem, 2003). É cada vez mais curioso
notarmos como a história se repete, pois atualmente verificamos
desentendimentos entre as instituições de segurança pública.
“O
policial
do
Rio,
muitas
vezes,
era
uma
espécie
de
primo/amigo/quase irmão do malandro que arrumou emprego com um
113
político.” (Ibidem, 2003, p. 121). A corrupção no aparato policial era uma
constante. Esta situação só iria mudar com a “progressiva politização da
polícia e a necessidade de treinamento e doutrinação, a partir de meados
dos anos 30, sob Getúlio Vargas.” (Ibidem, 2003, p. 121). Podemos notar
que o nepotismo e a corrupção no Estado e na polícia, mais
especificamente, são práticas antigas que permanecem até os nossos dias
atuais. De acordo com Noronha esta mudança na política repressiva no Rio
se deu da seguinte forma:
“Em 1933, o decreto 22332 de Vargas vai criar a
chamada Polícia Especial, que ao lado da Polícia de
Vigilância vai ser encarregada de conter distúrbios,
quase como um braço armado do DOPS, que tinha um
caráter mais investigativo. Na processo de gestação
do Estado Novo, militares gaúchos como João Alberto
ou o temido Filinto Müler passariam a ocupar a chefia
da polícia política do Rio, dando peso ainda maior ao
caráter de polícia política que as forças de repressão
do Estado assumiriam.
Müler tinha experiência na área... foi nomeado
delegado especial de Segurança Política e Social do
Distrito Federal, chefe de polícia interino e, em 1933,
foi oficializado no cargo, que ocupou até 1942.
Apoiado na primeira Lei de Segurança Nacional
Brasileira, promulgada em 1935, e com carta branca
de Vargas para garantir a ordem pública em meio a
tempos de intensa convulsão política, Filinto Müler
sugeriu, entre outras medidas de um relatório enviado
ao
governo
logo
depois
da
Intentona,
“o
descongestionamento, nos centros urbanos, da massa
de desocupados, rumo ao interior, sob assistência e
localização do Estado”, o que é praticamente propor a
criação de campos de concentração. Adepto da tortura
114
como método, tratava-se de um chefe de polícia de
inspiração nazi-facista que, curiosamente, mantinha
estreita ligação com o FBI. Sua passagem pelo poder
policial no Rio marca o auge do processo de quebra
do elo de identidade que, nas ruas, de certa forma,
havia se estabelecido há décadas entre o policial e o
malandro. Era o fim de uma era.” (Ibidem, 2003, p. 124
e 125).
Vieira diz que: “Na realidade, a Polícia Especial foi uma espécie de
“Gestapo Tupiniquim”, uma polícia de choque encarregada de dissolver
manifestações públicas contrárias à política de Getúlio Vargas.” (VIEIRA,
1995, p. 68). Ainda de acordo com Vieira:
“Como afirmou o autor de Memórias de um ex-polícia
especial
(1981),
“(...)a
Polícia
Especial
fora
organizada com os maiores expoentes do esporte
carioca, nacional como também continental. Daí a
facilidade para a criação do Departamento de
Educação Física, dirigido pelos próprios policiais, os
mais destacados”... Segundo afirmou Olyntho Vieira
Scaramuzzi sobre a preparação diária da Polícia
Especial:
“Em se tratando de uma polícia de choque, que só
saía
para
intervenções
rápidas,
a
instrução
preparatória mais especializada era a de defesa
pessoal: Box, luta livre, jiu-jitsu e capoeiragem””
(VIEIRA, 1995, p. 69).
Sintetizando a trajetória do malandro carioca, Noronha assim nos diz:
115
“A trajetória do malandro na cena carioca tinha entrado
no
crepúsculo
há
muitos
anos:
o
ambiente
aparentemente permissivo e animado do Rio dos anos
10 aos 30 escondia, no fundo, uma cidade dura,
sangrenta, discriminatória e contraditória dentro de
uma
série
de
ambigüidades
mal
resolvidas.
A
destruição da Praça Onze e as transformações da
Lapa, com a evolução da indústria do entretenimento
na direção da comunicação de massa (com o domínio
do rádio e, depois, da TV) e com a vida noturna se
deslocando para opções mais sofisticadas na Zona Sul
(primeiros os grandes cassinos, depois as boates de
Copacabana) foram deteriorando o ambiente em que
se criou o malandro. Esse jogo de circunstâncias, que
uma vez serviu para dar a vida ao personagem na
cena do submundo carioca, acabou determinando seu
fim, num processo de extermínio lento e silencioso.”
(NORONHA, 2003, p. 129 e 130).
O malandro virou um símbolo nacional. Hoje em dia, malandragem é
um termo empregado para denotar esperteza e não necessariamente referirse a um malandro, como um tipo social moderno, da atualidade. A
“malandragem” atual não compreende na totalidade o tipo social do
malandro de antigamente. A malandragem contida na capoeira de outrora
está arraigada no subconsciente e memória corporal de grande parte dos
cariocas, mentalmente, gestualmente e socialmente; onde podemos
encontrá-los em alguns capoeiras, que preservam o jeito carioca e malandro,
do “bom malandro” de outrora, de ser na capoeira que praticam.
“Homenagem ao malandro
116
Eu fui fazer um samba em homenagem
À nata da malandragem
Que conheço de outros carnavais
Eu fui à Lapa e perdi a viagem
Que aquela tal malandragem
Não existe mais
Agora já não é normal
O que dá de malandro regular, profissional
Malandro com aparato de malandro oficial
Malandro candidato a malandro federal
Malandro com retrato na coluna social
Malandro com contrato, com gravata e capital
Que nunca se dá mal
Mas o malandro pra valer
- não espalha
Aposentou a navalha
Tem mulher e filho e tralha e tal
Dizem as más línguas que ele até trabalha
Mora lá longe e chacoalha
Num trem da Central” (CHICO BUARQUE, 19771978).
Abordaremos agora um outro caminho de sobrevivência da capoeira
no Rio de Janeiro, após a repressão de Sampaio Ferraz: A capoeira como
“gymnastica” e método de defesa pessoal.
117
1.2.3 – A capoeiragem carioca: na primeira metade do século XX - a
capoeira como gymnastica brazileira e defesa pessoal, e os
vale-tudo
Rio de Janeiro, 1º de maio de 1909, Avenida Central, Pavilhão
Internacional Paschoal Secreto. Francisco da Silva Ciríaco, mais conhecido
pelos capoeiras atuais por seu último nome ou por “Macaco Velho”, venceu
com um “rabo-de-arraia”, o campeão mundial de jiu-jitsu, o japonês Sada
Miako, professor contratado para lecionar na Marinha Brasileira. “com o
povo, especialmente acadêmicos de medicina, admiradores de Ciríaco –
cantando pelas ruas “a Ásia curvou-se ante o Brasil” (LOPES, 1999, p. 102),
após o combate. No dia seguinte, a capoeira foi notícia em quase todos os
jornais. Este sentimento de brasilidade evidenciado em tal entoação popular,
seria colocado também nas obras que tratariam do “resgate da
capoeiragem”, a “gymnastica brazileira” ou “gymnastica nacional”, como
citado por Reis logo abaixo e que veremos logo a seguir.
“por
volta
de
princípios
do século XX, alguns
intelectuais e militares, preocupados com a própria
viabilidade da nação brasileira e informados pelos
princípios da medicina higienista que propugnava a
ginástica como meio profilático para a “regeneração” da
raça... , verão na capoeira uma “lucta nacional” e uma
excelente
“gymnastica”,
cujo
ensino
deveria
ser
ministrado “nos colégios, quartéis e navios” de todo o
país.” (REIS, 1997, p. 24).
Mas, contudo, nem todos os intelectuais estavam afinados com os
princípios mencionados por Reis logo acima. Coelho Netto, era um
entusiasta da capoeirae de suas qualidades, e também um futurista, ao
pensar nas mulheres praticando a capoeiragem, observaremos isto mais
nitidamente em sua crônica escrita em 1923 e publicada em 1928, transcrita
na integra, no ANEXO 3, como escreveu Coelho Netto:
118
“Em 1910, Germano Haslocjer, Luiz Murat e quem
escreve estas linhas pensaram em mandar um projeto
a
Mesa
da
Câmara
dos
Deputados
tornando
obrigatório o ensino da capoeiragem nos institutos
oficias e nos quartéis. Desistiram, porém, da idéia
porque houve quem a achasse ridícula, simplesmente,
por tal jogo era...brasileiro.
Viesse-nos ele com rótulo estrangeiro e tê-lo-íamos
aqui, impando importância em todos os clubes
esportivos, ensinado por mestres de fama mundial
que, talvez, não valessem um dos nossos pés rapados
de outrora que, em dois tempos, mandariam um Firpo
ou um Dempsey ver vovó, com alguns dentes a
menos algumas bossas de mais.
Enfim...Vamos aprender a dar murros – é esporte
elegante, porque a gente o pratica de luvas, rende
dólares e chama-se Box, nome inglês. Capoeira é
coisa de galinha, que o digam os que dele saem com
galos empoleirados no alto da sinagoga.
É pena que não haja um brasileiro patriota que leva a
capoeiragem a Paris, batisando-a, com outro nome,
nas águas do Sena, como fez o Duque com o Maxixe.
Estou certo de que, se o nosso patriotismo lograsse tal
vitória até as senhoras haviam de querer fazer letras,
E que linda seriam as escritas!
acontecesse, sei lá !
Mas, se tal
muitas cabeçadas dariam os
homens ao verem o jogo gracioso das mulheres”
(ANEXO 3).
Voltando ao episódio ocorrido no Pavilhão Internacional, este seria o
início de muitos outros combates e desafios de vale-tudo na capoeira. Não
queremos dizer que não houvesse desafios e combates antes deste na
119
capoeira, pois como sabemos aconteceram outros, como a vitória do
Capitão Nabuco (que provavelmente sabia alguma coisa de capoeira pela
amizade com praticantes, tipo de vida e vivência no Rio de Janeiro) sobre o
francês Mr. Charles, e de Manduca da Praia contra o Jogador de Pau, o
português Sant’Ana, descritos na obra de Morais Filho, mas certamente,
nestes moldes e com esta dimensão de divulgação, claramente, a luta de
Ciríaco foi a primeira de muitas que viriam, no Rio de Janeiro, Bahia, São
Paulo e após, para quase todo o Brasil e para o mundo.
A capoeira como luta, foi representada nos ringues, inicialmente pelo
Ciríaco, como vimos; por André Jansen, Rudolf Hermanny e Cirandinha,
discípulos da capoeiragem carioca do Mestre Sinhozinho (Agenor Sampaio);
Artur Emídio, baiano de Itabuna, capoeirista do tipo de capoeira praticada na
Bahia, radicado no Rio de Janeiro, que perdeu uma luta para Rudolf
Hermanny (Rio) e também para Robson Gracie (Rio), venceu outra contra
Edgard Duro (especialista em luta livre, com algumas vitórias sobre alunos
de mestre Bimba) e ainda enfrentou Carlos Coutinho (Bahia, Fonte Nova) e
Carbono (Rio), (LOPES, 1999); entre outros, como o Mestre Hulk, que
venceu, em 1995, o campeão de jiu-jitsu Amauri Bitetti, no molde dos valetudo atuais. É mérito de Artur Emídio ser o capoeirista, vencendo ou
perdendo, que mais aceitou os desafios, façanha até hoje incomparável,
ainda mais se levarmos em conta, as adversidades e limitações enfrentadas
por ele.
Mas antes de abordarmos esta vertente da capoeira, devemos revisar
os projetos de construção de uma nova roupagem para a capoeira no início
do século XX, aos quais se inicia no Rio de Janeiro com a obra de ODC,
Guia do Capoeira ou Gymnastica Brazileira, ODC, à distincta mocidade.
Alguns dizem que ODC, não seria as iniciais do autor, um oficial do exército,
segundo o Mestre Sinhozinho, que devido à proibição e o preconceito para
com a capoeira, preferiu se ocultar, mas sim, as iniciais de: Ofereço, Dedico
e Consagro.
120
Percebemos que a censura, que de acordo com a obra de Carneiro
(2002) sempre existiu no Brasil desde a sua descoberta, e o preconceito
provavelmente não deixaram o autor da obra “O Guia da Capoeira ou
Ginástica Brasileira do oculto ODC”, se identificar.
Curiosamente, a obra de ODC foi extraviada da Biblioteca Nacional.
Um pesquisador carioca, diz acreditar que, uma certa “máfia do dendê”, teria
levado tal obra, a fim de esconder valiosas informações e subsídios sobre a
capoeiragem carioca, que poderiam por em cheque, alguns dos discursos da
capoeira bahiana, principalmente a Regional. Mas boa parte da obra
encontra-se em outra de 1928, também do Rio de Janeiro, de Annibal
Burlamaqui, o Zuma. Foi através da obra de Zuma que o Departamento
Cultural da Associação de Capoeira Barravento, tentou um resgate da obra
de ODC, refazendo o folheto, inclusive adaptando a grafia à época em que
ela foi escrita. Nesta, consta que “Zuma”, com máquina de datilografia,
copiou do que estava escrito. Sem, contudo, poder copiar as figuras que
ilustravam este guia. Na valorosa contribuição da reedição deste folheto,
tentou-se refazer as figuras, seguindo o que foi descrito e copiado por
autores que sabidamente tiveram conhecimento do original. Mas após a
nossa rápida análise, observamos que tais figuras, aparentemente, não
correspondem às descrições, mesmo se forem iguais às do original.
Outra transcrição da obra de ODC foi feita por Mestre Itapoan,
Raimundo César Alves de Almeida, conforme Campos escreve: “O exemplar
a que eu tive acesso é uma transcrição (digit.) feita por Mestre Itapoan e
pertencente ao arquivo da Ginga Associação de Capoeira.” (CAMPOS,
2001, p. 112). Campos, no entanto, não comenta a fonte da transcrição de
mestre Itapoan.
Após a análise das obras de ODC e de Zuma: “Gymnastica Nacional
(capoeiragem) Methodisada e Regrada”, observamos que a segunda é uma
continuação da idéia da primeira, onde estão presentes o sentimento de
nacionalidade, exaltação e defesa do que é brasileiro e as qualidades
121
superiores da capoeiragem perante outros métodos de luta. A obra de Zuma
é mais apurada e com outras novidades, como a inserção de regras e
metodização, já com a intenção de tentar regrar a capoeira, como outros
esportes e as outras lutas que já estavam regradas, como o Box; com dicas
de exercícios e até conselhos de asseio corporal e treinamento, onde já
podemos encontrar a influência da filosofia da educação física da época, até
porque o próprio Zuma identifica-se como um atleta. Este resgate visa
evidenciar o lado positivo da capoeiragem em termos de um método de
ginástica e de defesa pessoal, deixando de lado e ou omitindo as outras
faces da capoeiragem como a malandragem, a navalha, a falta de “ética” em
combate, etc. Analisando as fotos de Zuma, poderíamos precipitadamente
arriscar que ele não seria um “bamba” da capoeiragem. Assim como na obra
de ODC, Zuma poderia ter-se valido da “acessoria” de um capoeira mais
experiente. Mas não adentraremos nesta discussão, que seria uma análise
mais profunda da obra e vida de Zuma.
A contribuição destas duas obras é de enorme valia para a capoeira
atual, não só do lado do ponto de vista histórico-social da capoeira, mas
sobre tudo, de sua própria prática no Rio de Janeiro.
Com uma abordagem da sociologia, Filho nos diz que o jogo da
capoeira deveria sofrer algumas transformações de modo a se tornar mais
esportivo e menos violento, e devido a este fator a capoeira deveria se
institucionalizar. Este fato provavelmente teria sido observado anteriormente
por Zuma e o motivado na tentativa de regrar a capoeira. Segundo Filho:
“Como o pugilismo, embora com bem mais ampla e
intensa versatilidade, a capoeira exige dos seus
militantes
a
educação
dos
instintos.
Sem
esta
educação. Por agredir e desafrontar, numa sucessão
de movimentos ritmados entre pausas, os instintos
primários da capoeira sujeitam-se tanto mais ao
122
autocontrole necessário ao cumprimento das regras
quanto maior a substância da cultura desportiva.
O descumprimento das regras do jogo arrasta os
lutadores a golpes inadmissíveis, que põem em risco a
inteireza física de um ou outro. Então, se isto ocorre, a
luta degenera-se na torpeza. Daí haver Rugendas
reparado: “Os negros têm outro folguedo guerreiro
muito violento”. (FILHO, 1973, p. 316).
“Ao jogo de capoeira falta a institucionalização
indispensável a qualquer desporto, através da qual
seriam punidos os autores dos golpes ilícitos, conforme
o grau de sua veemência e a intensidade dos seus
efeitos.” (Ibidem, 1973, p. 319).
Mas
este
processo
de
institucionalização
preconizado
como
necessário por Filho, não tardaria acontecer, já na década de 1930, como
veremos logo adiante.
Uma reportagem intitulada “Escola typica de aggressão e defeza”,
sobre o resgate da pratica da capoeiragem no Rio de Janeiro, saiu no A
Noite Illustrada, número 64 (quarta-feira), de 24 de junho de 1931. Aulas de
capoeira ministradas por Jayme Martins Ferreira (que seria alguns anos
depois, juiz da luta entre Rudolf Hermanny e Artur Emídio) e os mestres do
seu “curso”, os soldados da Marinha de Guerra: Oséas, Manoel e Coronel.
Curiosamente na reportagem, além das várias fotos com movimentos de
golpes e contra-glopes com as devidas descrições, logo abaixo de cada foto,
muito valiosas por sinal, há uma foto dos quatro mencionados acima em que
aparecem um pandeiro e um berimbau. Abaixo da referida foto consta:
“Jayme Martins Ferreira e os mestres do seu “curso”, os soldados da
Marinha de Guerra: Oséas, Manoel e Coronel, munidos do pandeiro e do
birimbáo, instrumentos adoptados pelos capoeiras bahianos.”. Nota-se
claramente: “adoptados pelos capoeiras bahianos”, diferindo claramente da
123
carioca. Mas demonstra a ligação da capoeiragem carioca com a bahiana
feita através dos portos e navegação marítima, devido aos marujos estarem
portando os instrumentos. Contudo na reportagem não há referência à parte
lúdica do jogo, nem de “roda”, prevalecendo o lado de defesa pessoal. O que
é importante mostrar é a menção que, já em 1931 e possivelmente bem
antes disto, havia pessoas tentando na prática a revitalização da
capoeiragem no Rio de Janeiro, extirpando o lado “malandro” da arte e
valorizando-a como eficiente exercício físico e defesa pessoal originalmente
brasileira. É importante relembrar o contexto da época em que prevalecia o
grande preconceito em relação a capoeiragem e seus praticantes, portanto o
meio mais fácil e até único, seria por brancos da elite e ou representantes
das forças armadas e instituições policiais que precisavam de “técnicas de
defesa e combate” e de professores de educação física e ginástica, e atletas
que preconizavam os benefícios do esporte. Estes seriam os caminhos
tomados para o resgate da capoeiragem, no Rio de Janeiro, dentro do
contexto da época. Há outros trechos na reportagem, como o relato de uma
“competição” na Itália entre marujos de várias nacionalidades, onde
prevaleceu a capoeiragem. Por ser de extrema importância para pesquisas e
desconhecida da maioria dos pesquisadores e capoeiras, vamos transcrever
a reportagem no ANEXO 4, para disponibilizar e democratizar tais
informações.
Em 1945, Inezil Penna Marinho, considerado atualmente como o
Mestre dos Mestres na Educação Física Brasileira, publica no Rio Subsídios
para o estudo da metodologia do treinamento da capoeiragem. Este trabalho
teria o mesmo cunho do de Zuma, o de defender a prática nacional da
capoeira e resgatá-la. Mais apurado, Inezil avançou na parte sobre a história
da capoeira, a relação desta entre as obras literárias e sobre sugestões de
treinamento. Utilizou grande parte da obra de Zuma, inclusive sobre as
regras para a capoeiragem. Este autor, mais tarde, escreveria uma obra que
revitalizaria, mas sem sucesso, apesar da boa intenção, a idéia da capoeira
como “Ginástica Brasileira”.
124
Em 1951, no Rio de Janeiro, o Capitão do Exército, Waldemar de
Lima e Silva, com a colaboração de Alberto Latorre de Faria (que foi o juiz
da luta entre Waldemar Santana e Hélio Gracie), publica DEFESA
PESSOAL (Método eclético – Box – Jiu-jitsu – Capoeiragem – Luta livre)
Contendo os regulamentos de Box internacional, Jiu-jitsu, Luta romana, Box
francês e Capoeiragem. Ilustrado com 201 gravuras. Apesar de publicada
em 1951, esta obra recebeu “opiniões valiosas” e foi prefaciada em 1937, o
que nos leva a crer que o autor, instrutor de “Ataque e Defesa” da Escola de
Educação Física do Exército, elaborou esta obra desde o início dos anos 30.
Novamente as regras feitas por Zuma para a Capoeiragem são
tomadas como referência. Mas o objetivo da obra é ofertar um método de
defesa pessoal brasileiro, onde predomina ligeiramente o Jiu-jitsu na
“defensiva” e o “Vale Tudo” na ofensiva. Ampla, esta obra mostra vários
golpes da capoeiragem, os quais deduzimos terem sido retiradas da obra de
Zuma. Devido a isto não podemos dizer serem os autores conhecedores da
prática da capoeiragem em sua essência. Em sua maior parte, não identifica
os golpes como próprios da capoeiragem, com exceção da rasteira, que o
autor diz ser próprio da desta. Talvez até, pelo autor ter ou só se interessar
pelo conhecimento corporal e gestual dos movimentos, ou não utilizar as
nomenclaturas ou termos da capoeiragem por achá-los chulos ou devido ao
preconceito, ou mesmo por desconhecê-los.
Mas há vários termos que podemos identificar como próprios da
capoeiragem, além da rasteira, como: ponta-pés, cabeçadas, tesouras,
desequilibrantes e quedas, à baiana, o “corta-capim”, o facão, o balão e o
passa pé. Há também a “escala” (LIMA e SILVA, 1951, p. 105), igual à
“escala de mão” conhecida dos capoeiras atuais. Outro golpe é o “utilizando
a cadeira” (Ibidem, 1951, p. 77 e 78), o qual segundo Muniz Sodré (SODRÉ,
2002), era um dos conhecidos por Sinhozinho. Existem outros como o vôo
do morcego, cujo autor não se refere com esta nomenclatura, também dedo
nos olhos, etc.
125
Analisando esta obra, a julgamos atualizada e de extrema e avançada
aplicabilidade, e como o início das publicações e referências do método
“Vale Tudo”, hoje também denominado “Mistura de Artes Marciais”. Tal obra
nos pode mostrar o que aconteceu com a capoeiragem carioca como técnica
de luta, se permeou em outras modalidades combativas, exaltando somente
as técnicas utilitárias da luta, já que seu projeto regrado, de Zuma, não saiu
do papel. A capoeiragem carioca teria se dissolvido, ou melhor, sido
assimilada, tanto na malandragem e em figuras isoladas do povo, como em
atletas praticantes de outras lutas, como no caso do próprio Sinhozinho, que
apesar de ensinar a capoeiragem (enfatizada como luta, a “Capoeira
Utilitária de Sinhozinho”), ensinava também várias outras modalidades.
Mas
devemos
alertar
que
a
verdadeira
defesa
pessoal
da
capoeiragem não estava e não está somente em técnicas e golpes, ela
sempre esteve na antecipação ao perigo e ou na esperteza de “se safar”
utilizando os mais variados recursos e não somente o saber corporal. Esta
estratégia de defesa é a que realmente era a prática de defesa dos
oprimidos e que, se observarmos bem, ainda encontramos presente até hoje
na “manha” do povo brasileiro.
Obras deste tipo, somente iriam aparecer mais tarde, com a
publicação de Capoeira sem Mestre, em 1962, de Lamartine Pereira da
Costa. O autor mesmo conhecendo as obras de ODC, Zuma, Inezil Penna
Marinho e talvez até a do Capitão Lima e Silva, as quais Lamartine Pereira
da Costa, seu aluno, possuía e também conhecia os referidos autores,
exceto ODC (Quanto ao Capitão Lima e Silva ou o colaborador da mesma
obra, Alberto Latorre de Faria, não sabemos se Lamartine os conheciam
pessoalmente), teve sua obra influenciada em grande parte pelo Mestre
Artur Emídio, cuja origem de sua capoeira era bahiana. A possibilidade de
Lamartine, por ser militar e da área da Educação Física, conhecer a obra do
Capitão Lima e Silva, também não é descartada. Devido a isto,
determinamos a obra do Capitão Lima e Silva, como a provável última
contribuição publicada sobre movimentos e gestos da capoeiragem carioca,
126
somente carioca, mesmo que não especificamente, pois a obra Capoeira
sem Mestre, de Lamartine, mesmo tendo elementos da capoeiragem
carioca, mesclava a capoeira bahiana de Mestre Artur.
Constata-se assim, um outro meio por onde a capoeiragem carioca
teria sobrevivido, a capoeira musicada e jogada advinda da Bahia. Por isso
mesmo, além de outros fatores complexos, achava-se que a capoeiragem do
Rio havia se extinguido e a da Bahia seria atualmente a predominante. Mas
o fato é que predominou a da Bahia, foi o seu tipo de jogo, os rituais e a
forma musicada e lúdica de praticar a capoeira, substituindo a prática mais
violenta de combate de jogo-luta do carioca. Pois as duas formas não
coexistem, não é possível jogar a capoeira ludicamente e nem mesmo, um
“jogo duro”, quando existe a violência e a máxima da objetividade.
Uma breve, interessante e curiosa passagem sobre a capoeira como
defesa pessoal encontra-se na obra Jiu-jitsu sem Mestre, de Luiz Fuki e
modificado e ampliado por B. Peixoto, da mesma editora e coleção de
Capoeira sem Mestre. Trata-se de um trabalho direcionado à defesa
pessoal. O autor, na quarta e última parte do livro, ensina a não ficar parado
quando for atacado, movimentando-se como os lutadores de capoeira, que
neste caso são mestres. E ainda afirma:
“A utilização, aliás, dos meios de defesa que oferece a
Capoeira,
esporte
admirávelmente
adaptável
às
condições físico-espirituais do brasileiro, para defesa
pessoal, seria o ideal.
Cheia de mobilidade, rítmica como o samba,
coreográfica: apresenta-se excelente para o nosso
povo porque descende do seu próprio espírito. A
atenção, entretanto, para ela é pequena, como
acontece com a nossa atenção para o que é nosso. O
que é alienígena, parece, nos atrai mais. Devíamos
ver, no entanto, que as criações de um povo refletem
127
sempre os seus costumes, as suas tendências, o seu
meio, as suas necessidades, o seu espírito, e, até, o
momento que está vivendo. Podemos, não há dúvida,
utilizarmo-nos das criações de outros povos, mas sem
descurar das necessárias adaptações. O contrário, às
vezes, é o que ocorre: sendo nossa a adaptação ao
estranho ao nosso espírito; podendo levar-nos a
despersonalização como povo.
Com o que possuímos, podíamos realizar algo de
importante e dar a nossa contribuição ao meio
desportivo mundial de luta, mas preferimos ficar nas
cópias, nos simples carbonos.
Dentre os meios de defesa que a natureza
proporcionou ao homem, destacam-se os punhos e os
pés. São eles, talvez, os mais seguros e eficientes.
Não se esqueça disso.” (FUKI, 1963, p. 129 e 130).
É até estranho encontrar tal referência à capoeira num livro de Jiujitsu, atualmente seria praticamente impossível de verificar fato igual ou
semelhante. O autor certamente enxergou as qualidades da capoeira,
defendendo inclusive o valor da capoeira como arte original nacional, que faz
parte da cultura, costumes e espírito do povo brasileiro.
Não abordamos outras obras que tratam a capoeira e que existem
pelo o menos desde 1886, como o clássico Os Capoeiras, de Plácido de
Abreu; O Cortiço, de Aluísio Azevedo, de 1890; A alma encantadora das
ruas, de João do Rio, de 1908; Scenas da Vida Carioca – caricaturas, de
João do Rio, de 1924; O Rio de Janeiro no tempo dos vice-reis, de Luiz
Edmundo, de 1932; O Rio de Janeiro do meu tempo, de uma coletânea de
autores, dentre eles: Luiz Edmundo, J. Carlos, Calixto, Armando Pacheco,
Raul Pederneiras e vários outros, de 1938. Ainda há também a excelente
crônica de Coelho Netto, Nosso Jogo, escrita em 1923 e publicada em 1928
na coletânea Bazar, onde consta, como mencionado anteriormente, no
128
ANEXO 3. Todas estas obras foram originadas e lançadas no Rio de
Janeiro. O motivo de não as abordar, é por não serem tão específicas
quanto aos gestos e movimentos da capoeiragem e para extrair tais
informações sobre o assunto destas, deveria ser feita uma análise
pormenorizada.
Falando agora sobre a prática das lutas e combate entre capoeiras
cariocas e bahianos, e entre capoeiras e praticantes de outras modalidades
de luta, nos moldes do vale tudo. Como já vimos, o capoeira Ciríaco daria
início à trajetória da capoeira nos ringues. Logo após o japonês Elisei
Maeda, conhecido como Conde Koma, e sua equipe, os quais foram os
introdutores da primeira arte marcial oriental no Brasil, o Jiu-jitsu em 1910,
segundo o Almanaque dos Esportes (1975), alguns autores divergem quanto
à data, que teria sido em 1914 (VIEIRA, 1995). Conde Koma e sua equipe
fizeram demonstrações e lançaram desafios em Belém do Pará. Segundo
Vieira:
“um dos diversos combates travados em ringues entre
a equipe do Conde Koma e lutadores brasileiros –
principalmente os “mais fortes e temíveis estivadores
da Zona Portuária de Belém” – teria sido uma luta
contra um “conhecido capoeirista” da época, cujo
nome não é citado. Segundo a publicação, a luta teria
sido brevíssima: “(...) houve tempo apenas para o
aperto de mão, pois, assim que o juiz deu ordem para
a luta ser iniciada, Koma derrubou o capoeirista, que
se viu obrigado a desistir, para não ter a sua perna
quebrada” (Almanaque dos esportes, 1975:510)”
(Ibidem, 1995, p. 155).
Provavelmente Koma não gostaria de cometer o mesmo erro de seu
conterrâneo Sada Miako, que perdeu para o Ciríaco. Já devia conhecer os
recursos da capoeira e ainda levar vantagem por sua provável experiência
129
neste tipo de evento, o que conta muito. Nota-se que a capoeira já se
encontrava espalhada para o Brasil, sempre e principalmente nos portos,
tanto que na década de 1910, já era verificada a presença de capoeiristas
em Belém do Pará. Mas, contudo, devemos levar em conta que na época,
Belém não era um dos centros mais adiantados de capoeira e
conseqüentemente, o capoeirista que Koma derrotou por lá, não devia ter a
mesma experiência dos cariocas. Podemos também deduzir que a prática de
desafios empregada pelos Gracie deve ter tido sua origem no costume de
Koma.
Depois do “Macaco Velho” e as demonstrações e desafios do Conde
Koma, encontramos um movimento de apresentação de lutas na Bahia, de
1935 em diante, onde André Jansen, goleiro do Botafogo do RJ e campeão
carioca de luta nacional (capoeiragem), aluno e representante da “escola” de
capoeiragem do Mestre Sinhozinho, do Rio de Janeiro, lutou em 30/10/35,
contra o campeão carioca de jiu-jitsu e catch-as-catch can na Bahia, Ricardo
Nibbon, aluno de George Gracie. A luta, principal da programação, ocorrida
no Parque Boa Vista, resultou em empate. Houve lutas preliminares de
demonstração realizadas por alunos do Mestre Bimba. Em nenhum
momento os jornais referiram-se à capoeira de Mestre Bimba, como Luta
Regional Bahiana, e sim, à capoeira, no geral como Luta Nacional
(capoeiragem), (ABREU, 1999). Ainda Abreu: “Sendo Jansen campeão de
capoeiragem no Rio de Janeiro supõe-se que neste Estado, havia
competições de capoeira.” (Ibidem, 1999, p. 48).
O acontecimento empolgou os capoeiras, principalmente Mestre
Bimba, que pode ter visto ali uma possibilidade de impulsionar a sua
capoeira. No ano seguinte, 1936, o Parque Odeon, que era o Parque Boa
Vista, agora reformado, seria palco de várias lutas entre capoeiristas da
Bahia. Superficialmente podemos constatar que a grande maioria destes
capoeiristas não detinha os conhecimentos inerentes à prática de luta no
ringue, que é bem diferente de um jogo de capoeira ou um combate de rua.
Mais tarde, em 1949, Bimba e seus alunos vão a São Paulo fazer lutas de
130
exibição e posteriormente dois alunos, ao Rio de Janeiro, para lutar “a véra”,
sem “marmelada”, quando perdem para alunos de Sinhozinho, do Rio.
Em 1930 no Rio de Janeiro, foi fundada a 1ª Federação de pugilismo
no Brasil que ficou subordinada, a partir de 1933, à Confederação Brasileira
de Pugilismo, fundada neste ano. Segundo Abreu:
“No artigo 3 do capítulo único da citada Confederação
lia-se: “Entendem-se por pugilismo todos os
desportos praticados em ringues, tais como Box,
Jiu-jitsu, Catch-as-catch-can. Lutas: livre, romana,
brasileira (capoeiragem) etc”(47) Assim sendo,
deve-se registrar que na década de 30, no Rio de
Janeiro,
se
processou
um
movimento
de
“oficialização da capoeira” pela via do pugilismo, já
estando neste Estado, na ocasião, solidificada a
expressão capoeiragem: luta nacional.” (Ibidem, 1999,
p. 49).
Em 1934, Getúlio Vargas, por edição do Decreto Presidencial no.
1.202, revogou a lei que criminalizava tanto o candomblé como a capoeira.
Mas isto não quis dizer que, a capoeira “malandra” estava liberada, pelo
contrário, a perseguição ao tipo social do malandro continuou como vimos
no sub-capítulo anterior e continuaria mais tarde, de outra maneira, na época
do regime militar, pós 1964, como veremos adiante.
Podemos registrar então na década de 30, no Rio de Janeiro,
comprovadamente um movimento de resgate da capoeiragem, como dito
anteriormente na reportagem de A Noite Ilustrada, de 1931. Observamos
este fato em uma entrevista do Mestre Sinhozinho concedida ao Diário de
Notícia, também em 1931. Segundo Lopes:
131
“1. “Agenor Sampaio (Sinhozinho) o grande animador
da mocidade brasileira sportiva, fala ao DIARIO DE
NOTÍCIA – Club Nacional de Gymnastica (Capoeira):
uma grande promessa. Rio, 01 de setembro de 1931”
--- “É tamanho o prestígio de Agenor Sampaio na roda
de veteranos e tão grande a sua ascendência sobre
uma grande parte de nossos actuaes ahletas, que já
correm as histórias mais curiosas a respeito do
consagrado campeão”.
--- “Há muito tempo que ensino a capoeiragem ou luta
brasileira. Fazia-o, gratuitamente, a um regular número
de rapazes, numa grande área da minha residência. A
benéfica campanha desenvolvida pelo DIÁRIO DE
NOTÍCIAS em favor do reerguimento daquella luta,
animou-me. Os meus alunos argumentaram, de
maneira que me vi forçado a obter um local onde me
fosse possível atender a todos. Daí minha decisão de
criar o Club Nacional de Gymnastica... Com o apoio da
Imprensa, espero ver a luta brasileira bastante
disseminada nesta capital, dentro de pouco tempo.
Vou organizar um torneio entre todos os meus
discípulos,
cujas
as
bases
se
encontram
em
elaboração”.” (LOPES, 1999, p. 168).
Nota-se o nome Club Nacional de Gymnastica, lembra a uma
referência à idéia de nomenclatura proposta por Zuma, apesar do nome do
clube ser genérico, A palavra “Nacional” se refere certamente a
capoeiragem, como na época podia ser praticada, com uma nomenclatura
diferente de “capoeiragem”. Também é verificada a organização de um
torneio, cujas bases estariam sendo elaboradas, o que demonstra a não
utilização ou o desconhecimento das propostas de regras de Zuma. Em todo
o caso, através da entrevista podemos deduzir que Sinhozinho já mantinha,
pelo o menos desde a década de 20, o ensino regular da capoeiragem,
132
como ele chamava, a rapazes, e que provavelmente o Club Nacional de
Gymnastica do Mestre Sinhozinho, foi a primeira escola de capoeira do país
(pelo o menos desde 1931), oficializada e criada antes mesmo que o Centro
de Cultural Física Regional, fundado em 1932 e reconhecido oficialmente em
1937, quando A Secretaria de Educação e Assistência Pública do Estado da
Bahia reconheceu oficialmente a academia de Bimba, outorgando-lhe um
certificado de Instrutor de Educação Física. Não podemos esquecer que
Sinhozinho não precisava de tal certificação, pois já era reconhecido
Instrutor de Educação Física. Jayme Ferreira também tinha uma escola da
arte (ANEXO 4), mas não há menção do nome e local desta, diferentemente
da de Sinhozinho. Teria sido de extrema importância, se o Mestre
Sinhozinho, estudioso de práticas esportivas, inclusive por tratados e
publicações internacionais, tivesse escrito sobre seus conhecimentos da
capoeiragem, mas parece-nos que ele preferiu dar toda a ênfase de seu
tempo de trabalho às práticas, propriamente ditas. Uma grande e importante
peculiaridade de Sinhozinho foram os aparelhos que, criativamente inventou
e utilizava. Talvez o treinamento nestes aparelhos tenha sido o diferencial
que deu a vantagem aos alunos de Sinhozinho perante aos outros capoeiras
e também os tenha preparado para enfrentar grandes lutadores de outras
lutas.
Após a “primeira safra” de alunos de Sinhozinho, aos quais pertencia
André Jansen, veio a segunda, na qual faziam parte Luiz Aguiar, o
“Cirandinha”, que venceu (em 1949), Jurandir, aluno de Mestre Bimba e
perdeu (em 1953) para Carlson Gracie, e Rudolf Hermanny, que além de ter
vencido Artur Emídio (em 1953),
venceu (em 1949) também Fernando
Perez, aluno de Mestre Bimba, e empatou (em 1953) com Guanair Gomes,
da Academia Gracie. Nota: Hermanny tinha apenas 17 anos quando venceu
Perez e na luta com Guanair, o público o considerou vencedor. Os alunos de
Bimba foram vencidos com grande margem pelos de Sinhozinho. Tal fato
deve ter ocorrido pela própria ênfase de combate dados no treinamento na
capoeiragem de Sinhozinho.
133
Só por curiosidade e para ilustrar um maior conhecimento ao leitor, foi
Tom Jobim, que era aluno de Sinhozinho, que levou Rudolf Hermanny a
conhecer Sinhozinho (HERMANNY, 2003). Hermanny dedicou-se ao Judô a
partir de seus 22 anos de idade. Apesar de começas tarde sagrou-se
campeão brasileiro, e dentre várias vitórias, consta inclusive um Panamericano por equipes. Na luta contra Guanair Vial da Academia Gracie
aconteceu o seguinte:
“fiz a luta com Guanair Vial, e esse combate durou
quase hora e meia, terminando empatado. A polícia
suspendeu a luta. Era uma época em que vivíamos
sob um racionamento rigoroso de energia elétrica, o
que sempre significava a necessidade de autorização
especial para qualquer espetáculo noturno. Como
minha luta durou muito, a polícia, através do
comissário Sílvio Araújo, interveio para poupar energia
destinada á iluminação da grande final.” (Ibidem, 2003,
p. 19).
O comissário Sílvio Araújo era ligado à Academia Gracie, seu filho
Sílvio Sahione, era um grande lutador desta academia. Teria o comissário
mandado desligar as luzes por Guanair estar levando a pior e
conseqüentemente forçar um empate? Sílvio Sahione, conhecido como Ney,
seria o mestre de Jiu-jitsu de dois capoeiras cariocas no final dos anos de
1980 e anos 1990, Ricardo M. P. Lussac, hoje, Mestre Teco, e Getúlio
Carlos Duarte Silva, o Cabeção, que faleceu no ano de 2000.
Deve-se aos Gracie o crescimento do vale-tudo, tanto em termos
quantitativos e qualitativos. Para adentrar neste assunto, seria necessário
analisar a trajetória dos Gracie e suas implicações no âmbito das artes
marciais cariocas, nacionais e internacionais. O fato é que o vale-tudo
ganhou o mundo e hoje é um fenômeno mundial, que influenciou
diretamente as artes marciais e sua evolução, incluindo aí a capoeira e até
134
parte de suas “rodas”, onde, por falta de “fundamentos” e distanciamento
das tradições, encontra-se em alguns lugares e eventos hoje: violência,
agarrões e até luta de chão com finalização em um jogo de capoeira.
Só poderia ter sido no “caldeirão cultural” que era o Rio de Janeiro,
onde teria nascido o Brazilian Jiu-jitsu. Com certeza a capoeiragem também
teve sua contribuição indireta na evolução deste. Mas devemos atentar ao
fato dito anteriormente de que, a capoeira não é uma luta concebida para o
ringue. Pois nenhuma luta é. A prática de vale-tudo atual requer um amplo
conhecimento das mais variadas artes marciais: o Box, lutas de chão, lutas
em pé, etc. Para um contexto próprio que é o vale-tudo. Opinião também
compartilhada por Hermanny (HERMANNY, 2003). A própria capoeira não
evoluiu como luta de chão devido ao amplo uso das armas brancas,
principalmente a navalha, que utilizada como arma por um perito, como um
bom capoeira ou “malandro bamba”, seria mortal num combate corpo a
corpo.
Várias artes marciais se espalharam pelo Rio de Janeiro e pelo Brasil,
vivenciando diferentes fases. A capoeiragem do Rio de Janeiro, com esta
concepção de luta, ligada ao lado pugillístico, não vingou e não vingaria mais
tarde, em outra tentativa diferenciada na década de 1970, durante o regime
militar.
Sinhozinho morreu em 1960 e com ele, boa parte do restante da
capoeiragem carioca, pois nenhum de seus alunos continuou seu trabalho
em prol da capoeiragem de Sinhô. O fato é que a capoeira vingou como
forma lúdica de jogo e prática cultural, onde a Bahia surgiu como precursora
deste movimento. A capoeiragem carioca e as obras lançadas no Rio de
Janeiro, principalmente Zuma, tiveram papel decisivo para o surgimento
deste movimento na Bahia, como veremos adiante. Os capoeiristas
bahianos levaram a capoeira, jogada e musicada, para o resto país. A
capoeiragem do Rio, como dito anteriormente, ficou arraigada no corpo e no
subconsciente de grande parte dos cariocas, mentalmente, gestualmente e
135
socialmente; onde podemos encontrá-los em alguns capoeiras, que
preservam o jeito carioca de ser na capoeira que praticam e em estórias de
muitos que vivenciaram este passado. Como foi também dito anteriormente,
e por ser preciso reafirmar, repetimos: Um outro meio por onde a
capoeiragem carioca teria sobrevivido, seria através da capoeira musicada e
jogada advinda da Bahia. Por isso e mais outros fatores complexos, achavase que a capoeiragem do Rio havia se extinguido e a da Bahia seria
atualmente a predominante. Mas o fato é que o que predominou, da Bahia,
foram o jogo, os rituais e a forma musicada e lúdica de praticar a capoeira,
substituindo a prática mais violenta de combate de jogo-luta do carioca. Pois
as duas formas não coexistem, não é possível jogar a capoeira ludicamente
e nem mesmo, um “jogo duro”, quando existe a violência e a máxima da
objetividade.
A capoeira carioca ainda está por ser mais bem estudada e as
pesquisas neste sentido tendem ao aprofundamento e a abordagem de
outros momentos pouco estudados, como o período da primeira metade do
século XX, onde possivelmente, em processos criminais, jornais e outros
documentos do Estado e Município, como registro de atividades e etc. Obras
ainda pouco exploradas e discutidas são ótimas fontes de informação. Sem
contar, o período, como afirmado anteriormente, anterior ao século XVIII.
1.2.4 – A capoeiragem bahiana: início do Século XX
Já foi afirmado anteriormente neste trabalho que, não foram
encontradas até o momento, fontes que se refiram e sustentem a existência
da capoeira ou mesmo, outra forma de luta, antes do final do século XIX,
com a exceção discutível da gravura de Rugendas.
Segundo Vieira & Assunção, “o primeiro e importante texto de que se
tem notícia é de autoria de Manuel Querino (1851-1923), e consta do livro A
Bahia de outrora, publicado pela primeira vez em 1916.” (VIEIRA &
ASSUNÇÃO, 1998, p. 101). Ainda de acordo com os autores, Querino
136
descreve a capoeira baiana como se tivesse existido desde longa data e
opõe “a capoeira de hoje, ritmada, estilizada, verdadeira capoeira de salão”
à “capoeira antiga”, que passa a descrever como “jogo atlético”, mas
também luta, similar aos capoeiras e maltas do Rio de Janeiro na época do
Império. Vieira & Assunção, continuando, complementam, nos dizendo que,
“as outras fontes sobre a capoeira baiana antes de 1945 são bastante
escassas, existindo além de algumas reportagens nos jornais da época, os
escritos de Édison Carneiro (1937).” (Ibidem, 1998, p. 102), e que por este
motivo, o depoimento dos velhos mestres da Bahia são de grande
significação, por serem os maiores portadores de uma memória histórica.
Entre 1989 e 1992, o Ministério da Educação coordenou um
levantamento sistemático dentro do Programa Nacional de Capoeira, PNC,
no Projeto Caa-Puéra, entrevistando, numa primeira etapa, dez dos mais
conhecidos e respeitados mestres da capoeira baiana, principalmente
ligados à Capoeira Angola. “A partir destes depoimentos, é possível tentar
uma reconstrução da chamada vadiação baiana da primeira metade do
século XX.” (Ibidem, 1998, p. 102). Segundo Vieira & Assunção:
“O uso da memória oral, em contraste com as fontes
usadas para os períodos anteriores, implica em
fundamentais diferenças quanto ao método e aos
resultados. Os mestres, como qualquer pessoa idosa,
geralmente tendem a ver sua juventude de maneira
muito mais positiva, como uma idade de ouro, quando
a
capoeira
não
continha
as
“deformações”
do
presente. O conhecimento do passado também é fonte
da sua autoridade no presente, daquilo que é
considerado certo ou errado. Assim, precisam adequar
a sua visão do passado às necessidades do presente.
Não obstante estas limitações, acreditamos que a
quantidade de depoimentos permite comparar as
137
informações e chegar a algumas conclusões, que
passamos a resumir.” (Ibidem, 1998, p. 102).
O caso do INDESP gerou o primeiro escândalo do governo FHC,
envolvendo o PNC, que era uma ONG, e conseqüentemente, extinguindo o
programa. A esse respeito Lopes comentou:
“abro os jornais e constato que o assunto, embutido
num
quadro
técnico-burocrático
mais
complexo,
assumiu proporções de escândalo. Ao ponto do
próprio Ministro Extraordinário de Esportes não ter
outra alternativa senão a de mandar abrir um inquérito,
afastando de imediato 12 funcionários com forte
suspeita de estarem ligados à malversação do dinheiro
público. Checando os nomes, confirmo a presença de
(pelo menos) dois conselheiros do intrigante Programa
Nacional de Capoeira.” (LOPES, 1999, p. 152).
Além da pouca transparência do PNC, como emprego das verbas
públicas e quesitos para destinação destas, tal acontecimento ocasionou um
fato ainda não esclarecido até hoje. Onde estariam todos os resultados das
pesquisas e entrevistas resultantes do PNC? Alguns pesquisadores e
entrevistadores, como Luiz Renato, tiveram acesso a estes, onde resultaram
até em artigos e publicações, como verificado no final da citação em bloco
anterior. A falta, obscura, da disposição democrática de todas estas
informações geradas com dinheiro público é gravíssima e atrasa em muito o
desenvolvimento do conhecimento sobre a capoeira. Luiz Renato Vieira, em
conversa informal com Ricardo Lussac, afirmou que a Fundação Palmares
seria a possuidora de todo o material resultante do PNC, mas até hoje não
encontramos este material em Universidades e Centros de pesquisa, os
locais apropriados para tal.
138
“Em função da participação no Projeto Caa-Puéra foime possível o acesso aos capoeiristas mais idosos do
Brasil, certamente os últimos vínculos com a capoeira
do passado, possuidores de uma memória muito rica
no tocante às tradições do jogo.
O Projeto Caa-Puéra consistiu em uma série de
atividades que objetivam o resgate da memória
histórica da capoeira tradicional de Salvador. Este
projeto fez parte do Programa Nacional de Capoeira
(PNC), lançado em 1987 pelo Ministério da Educação,
através da Secretaria de Educação Física e Desportos
(Portaria no. 40 de 19/10/87). A etapa do projeto da
qual tivemos a oportunidade de participar consistiu na
gravação de entrevistas em vídeo com os dez mais
representativos “velhos mestres” da capoeira baiana.
Filmaram-se, também, situações típicas da capoeira
em Salvador e Santo Amaro da Purificação, como
rodas de capoeira e execução de instrumentos e
cânticos.
Infelizmente,
por
razões
que
desconhecemos, por motivos burocráticos ou de outra
ordem, os riquíssimos resultados desta iniciativa de
resgate de nossa cultura ainda não se tornaram
acessíveis a inúmeros capoeiristas e pesquisadores
interessados.” (VIEIRA, 1995, p. 18).
Esperamos então, que providências possam ser tomadas, a fim de
resgatar, divulgar e democratizar todo este riquíssimo material e também
esclarecer e apurar as irregularidades que assolaram esta história. Voltemos
agora a retratar a capoeira baiana.
Segundo Vieira & Assunção, até o início dos anos 30, o jogo da
capoeira estaria ligado às práticas cotidianas das classes populares de
139
maneira semelhante à “pelada”, o jogo de futebol informal de final de
semana. O iniciante aprendia com os jogadores mais experimentados,
informalmente, no exercício prático do jogo. Havia pontos tradicionais de
reunião dos capoeiristas, principalmente nos domingos à tarde, mas era
comum o encontro em qualquer ocasião em que fosse propícia a realização,
mesmo que inesperado, do jogo, em bares, praças, feiras e mercados, por
exemplo. “Em muitos casos, a polícia outorgava permissões para estas
rodas (Moura, 1991; Decânio, 1996).” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 102).
De acordo com Vieira & Assunção: “nem sempre a vadiação baiana assumia
este caráter pacífico e predominantemente lúdico. Havia violência entre
grupos rivais, violência contra terceiros e enfrentamentos com a polícia.”
(Ibidem, 1998, p. 103).
Apesar desta violência e repressão sofrida não se equiparar em
dimensão à carioca. O período mais intenso da repressão à capoeira na
Bahia ocorreu na década de 1920, durante a gestão de Pedro Gordilho como
delegado auxiliar em Salvador. Os referidos autores afirmam que as rodas
de capoeira eram formas e momentos de uma ruptura social características
de seus sujeitos:
“o uso da capoeira fora das rodas nos remetem a um
universo social dotado de regras próprias e de uma
ética muito peculiar, da qual é possível ter uma idéia
muito melhor do que da capoeiragem carioca, já que
os depoimentos dos velhos mestres baianos nos
permitem ter uma visão a partir de dentro. Tudo indica
que o ambiente em que se realizavam as rodas de
capoeira Angola era marcado por uma certa ruptura
das normas sociais, um espaço de contestação em
que quase nunca uma atitude seria julgada como
“traição”.
Ao
contrário,
o
termo
“traiçoeiro”
é
comumente utilizado pelos velhos mestres com
conotação
bastante
positiva,
designando
hábil
140
capoeirista que é capaz de iludir o adversário” (Ibidem,
1998, p. 103).
Vieira & Assunção afirmam ser esta a verdadeira malícia ou mandinga
do capoeirista, a sagacidade e capacidade de aproveitar-se dos exatos
momentos precisos sem, no entanto, partir para um confronto aberto ou
direto. “Os extremos são igualmente condenados, tanto o jogo da capoeira
que vira mera “acrobacia” quanto as situações em que se parte para a
“pancadaria”, prevalecendo a força física sobre a malícia.” (Ibidem, 1998, p.
103).
“O universo social em que se inseria esta antiga
vadiação assemelha-se ao que Antônio Cândido
chamou de “mundo sem culpa”, um ethos que não
distingue o bem do mal, criando acomodações que em
outras
situações
hipocrisias
seriam
(Cândido,
simplesmente
caracterizadas
1982).
“brincava”,
Quem
“
como
vadiava”
independentemente
da
acomodação de virtudes.
As rodas de capoeira do passado integravam-se a
uma concepção de devir permanente, uma visão de
mundo circular e integralizadora em que os rituais são
elementos de uma relação do homem com o cosmos
incompleta e dinâmica da natureza. De acordo com o
depoimento dos velhos, o capoerista “guardava” um
golpe recebido para “cobrar” depois, o que subentende
uma visão cíclica do tempo, envolvendo a certeza do
aparecimento de situações semelhantes no futuro.
Cada roda de capoeira era uma continuação da
anterior,
independentemente
do
tempo
que
as
separasse. A circularidade na idéia de tempo no
ambiente da antiga malandragem não fragmentava a
141
realidade, compartimentalizando o conhecimento que
dela se faz.” (Ibidem, 1998, p. 103).
Os autores afirmam que essa noção de circularidade na idéia de
tempo se opõe frontalmente ao racionalismo típico da cosmovisão ocidental,
em seu esforça de previsibilidade e de construção de regras de validade
geral.
Esta noção e abordagem cíclica do tempo presentes no universo
social da capoeira, adotada inconscientemente pelos capoeiristas, estão
presentes em vários momentos da vida do ser humano e da história, mas na
visão de uma roda de capoeira e seus sujeitos, ela é muito mais fechada, em
termos de grupo e direta em relação à “cobrança” do golpe “guardado”.
Obtivemos uma visão geral da capoeira bahiana, a chamada
“vadiação”, no início do século XX, mais precisamente até os anos 30,
quando e onde determinados acontecimentos mudaram o rumo e história da
capoeira.
1.2.5 – A capoeiragem bahiana: após 1930
Em 1932, Mestre Bimba, Manoel dos Reis Machado, fundando o
Centro de Cultura Física Regional, cria a Capoeira Regional, que já vinha
sendo moldada desde 1930, aproximadamente, quando Cisnando, um
cearense praticante de lutas, entra para a academia de Bimba, trazendo
novidades, como a obra de Zuma, apesar de alguns alunos deste mestre
afirmarem que tal criação estaria pronta desde 1928, fato não comprovado. O
Centro de Cultura Física Regional, o C.C.F.R., foi reconhecido oficialmente
em 1937, quando A Secretaria de Educação e Assistência Pública do Estado
da Bahia reconheceu oficialmente a academia de Bimba, outorgando-lhe um
certificado de Instrutor de Educação Física, como dito anteriormente. O
C.C.F.R. foi a primeira academia de capoeira reconhecida na Bahia e em
todo o nordeste. Tal nome, Centro de Cultura Física Regional, onde não
142
constava à palavra “capoeira”, foi para ludibriar as autoridades, seguindo a
mesma estratégia utilizada na Capital Federal, Rio de Janeiro, o próprio
nome “Regional” se opunha claramente ao “Nacional” da Gymnástica
Nacional, que já havia no Rio de Janeiro. Até porque, a capoeira de Bimba e
da Bahia como um todo, tinha suas peculiaridades, diferindo, portanto, da
carioca naquele período.
Ricardo Lussac, o Mestre Teco do Rio de Janeiro, escreveu um
trabalho no início de 1995, ainda no cursando o segundo período do curso de
graduação em Educação Física, que foi publicado em 1996 na Revista Sprint
Magazine. Nesta, Lussac menciona:
“Mestre Bimba após observar, no Rio de Janeiro..., as
idéias de Anníbal Burlamaqui, Mestre Zuma, de
metodizar seu ensino e colocar regras, pontuações,
dando caráter desportivo e de combate, criou... a “Luta
Regional Baiana”, mais tarde chamada de “Capoeira
Regional”,
enfocando
seu
lado
de
combate
e
esportivo.” (LUSSAC, 1996, p. 36).
Há uma polêmica sobre a possível visita de Bimba ao Rio de Janeiro,
mas de acordo com o pesquisador e Mestre André Luiz Lace Lopes, na
primeira edição, de 1944, do livro A Bahia de Todos os Santos, de Jorge
Amado, encontra-se a seguinte passagem:
“reforça uma outra versão sobre a criação da Regional:
“Há alguns anosos arraias da capoeira, na Bahia,
foram
palco
de
uma
grande
e
apaixonante
discussão. Acontece que mestre Bimba foi ao Rio
de Janeiro mostrar aos cariocas da Lapa como é
que se joga capoeira. E lá aprendeu golpes de
catch-ascatch-can, de jiu-jitsu, de Box. Misturou
tudo isso à capoeira de Angola, aquela que nasceu
143
de uma dança dos negros, e voltou à sua cidade
falando numa nova capoeira, a capoeira regional.
Dez capoeiristas dos mais cotados me afirmaram,
num amplo e democrático debate que travamos
sobre a nova escola de mestre Bimba, que etc
etc”...” (LOPES, 1999, p. 251).
Curiosamente, esta parte do livro de Jorge Amado foi suprimida nas
edições posteriores, mais precisamente após a vigésima segunda edição.
Talvez, pelo “policiamento” bahiano sobre tal informação, a qual poderia por
em cheque alguns discursos da Capoeira Regional. Alguns afirmam ser
fictício este trecho da obra de Jorge Amado, mas se assim fosse, toda a obra
então o seria, o que não procede.
Sodré afirma: “Contato, houve, é certo, entre discípulos de Bimba e o
manual de Annibal Burlamaqui.” (SODRÈ, 2002, p. 64), concordando com
Lussac (1996) e Lopes (1999 e 2002), que nos dá outros indícios desta teoria
em suas obras.
A criação da Luta Regional Baiana, hoje conhecida como Capoeira
Regional, causou e causa polêmica até hoje, Lopes nos dá a sua visão,
sobre esta criação de Mestre Bimba, enfatizando a discussão acima:
“Como decorrência natural desta pujança sem sombra
de dúvida potencializada pela experiência carioca
(visitas ao Rio, leitura dos livros pioneiros de Zuma,
ODC, etc.) surge, em Salvador, um novo estilo de
capoeira chamado, modestamente, de Regional.
Na minha visão, e no entendimento de vários
estudiosos (citados e comentados ao longo deste livro),
a Regional não foi criada pelo Sr. Manuel dos Reis
Machado, o famoso Mestre Bimba, e sim por seus
fascinados alunos, especialmente aqueles oriundos da
144
classe média baiana, alguns acadêmicos de medicina,
certamente familiarizados com o Rio de Janeiro, então,
capital federal, centro cultural do país (incluam-se aí os
preciosos livros sobre capoeira escritos no início do
século). O que não lhe tira o mérito, da mesma forma
que é impossível negar o carisma e o talento do Mestre
Bimba, não apenas como extraordinário capoeirista,
mas também, como mestre de batuque e de luta livre.”
(LOPES, 1999, p. 47).
O fato de Mestre Bimba ter sido influenciado pelas obras cariocas,
com certeza a obra de Zuma, não tira o mérito, concordando com Lopes, de
sua criação e estratégia de prática da capoeira, que seria imprescindível para
a arte-luta traçar novos caminhos. Mesmo Bimba tendo sido influenciado,
absorvido e colocando em prática algumas idéias retiradas da obra de Zuma,
sua capoeira e sua criação, não deixou de ter predominantemente seus
traços e conhecimentos. Faz parte da evolução humana absorver e aprender
novos conhecimentos para aperfeiçoar e desenvolver os conhecimentos
existentes.
Alguns alunos de Bimba, atualmente, tentam manter e resguardar
discursos antigos, que se formataram ao longo dos anos, justificando suas
afirmações. Exemplo disto é um documento datado de abril de 2002, escrito
por Esdras Magalhães dos Santos, o Mestre Damião, que foi aluno de
Bimba. Tomamos conhecimento deste documento via Internet. Neste, Mestre
Damião, após algumas exposições e contestando a tese de mestrado de
Sérgio Luiz de Souza Vieira, Presidente da Confederação Brasileira de
Capoeira, afirma que a Capoeira Regional não sofreu qualquer influência da
obra de Zuma. Após a leitura deste, não encontramos justificativas
convincentes para a afirmação de Mestre Esdras. A nossa posição da
influência da obra de Zuma sobre a Capoeira Regional não foi baseada na
tese de mestrado contestada, e sim, da análise de outras referências e
deduções lógicas.
145
Mestre Bimba criou uma metodologia de ensino, prática e ritual para a
sua Capoeira Regional, de maneira “formal”, diferenciando-a da prática da
“vadiação” da capoeira naquele momento, na Bahia, onde esta era
“informal”, influenciando muitos capoeiristas, além de seus próprios alunos,
que depois a propagaram pelo país. Indiretamente também influenciou a
capoeira tradicional da Bahia. Os representantes desta, liderados por Mestre
Pastinha, criaram em 1941, o CECA, Centro Esportivo de Capoeira Angola,
em contraponto à proposta de Bimba e também como forma de organização,
defesa
e
atualização
destes
capoeiristas,
aos
novos
tempos
e
transformações pela qual a capoeira estava passando. As duas capoeiras,
“Angola” e “Regional”, foram meios de modernização que os capoeiristas da
Bahia na época encontraram.
Enquanto a Capoeira Regional rompeu com a “vadiação” tradicional
da capoeira bahiana, a Capoeira Angola, optou por um discurso
tradicionalista, da manutenção dos “fundamentos”, apesar de também
clamar a Capoeira Angola como esporte, na intenção de distanciá-la da
marginalidade e tentar mudar o conceito negativo que a capoeira ainda
carregava. Mesmo com um discurso tradicionalista e de manutenção dos
“fundamentos”, esta também se diferenciou da “vadiação” praticada no início
do século XX. Mestre Pastinha introduziu várias mudanças e curiosamente
estas mudanças, hoje em dia, são consideradas como tradicionais e
“fundamentos” da capoeira, mesmo com pouco mais de 50 anos,
acontecendo então, uma contradição da tradição, pois tais mudanças não
representavam e nem existiam na “vadiação” bahiana no início do século
XX. Contudo, tais mudanças foram e continuam sendo importantes para uma
organização e norteamento da capoeira de uma maneira geral.
Uma evidência desta contradição da tradição é apresentada a nós
pelo historiador Antônio Liberac C. S. Pires, onde consta em sua obra, uma
entrevista com Ernesto Ferreira da Silva, que era conhecido na cidade de
Santo Amaro-BA, por Noca de Jacó. Jacó, nascido em 1899, teria conhecido
146
e aprendido capoeira com Besouro, um dos capoeiras mais cantados e vida
recheada de mitos. Pires estudou a história e vida de Besouro, trazendo
verdades, onde só havia mitos em grande parte.
Jacó, no trabalho de Pires, nos traz valiosas informações sobre a
capoeira de Santo Amaro do início do século XX, as quais entram em
contraste com várias afirmativas de tradição dos mais “puristas” dos
angoleiros. Angoleiros são os praticantes da Capoeira Angola ou também os
jogadores do Jogo de Angola. Muitas das afirmações, hoje ditas como
“fundamentos tradicionais”, como o ritual, os instrumentos utilizados,
procedimentos de ritual e outros citados em discursos de diversos
angoleiros: “Noca de Jacó acabou descortinando o meio social da capoeira
na época e mencionou que eles faziam reuniões, matavam uma galinha para
comer e convidavam os capoeiras.” (PIRES, 2002, p. 20). Ainda Pires,
citando a entrevista com Jacó:
“Segundo ele, a parte lúdica da capoeira estava
presente, pois tinha festa:
“tinha
demonstração,
não
usava
golpe
para
acertar, faz brincar e não brigar. Recebia convite,
matava galinha, fazia aquela galinhada, ia brinca. O
mestre ia administrando alteração. O mesmo que o
Batuque. Batuque era o samba de forma grosseira,
pandeiro
viola
ou
cavaquinho,
dava
aquela
sapatiada, dava um rabo de arraia”.” (Ibidem, 2002,
p. 20).
Jacó continua, na entrevista cedida a Pires, contando que a capoeira
havia mudado:
“Besouro jogava outro jogo, depois a gente foi
falando assim, vamos jogar angola, outro jogo (...)
147
jogava
por
esse
mundo
todo,
quando
era
convidado agente ia, tem berimbau, cavaquinho ou
viola” (Ibidem, 2002, p. 22).
De acordo com Pires, vários instrumentos de corda faziam parte da
prática da capoeira, onde o lúdico era uma constante nestas ocasiões. Tal
afirmação nos remete ao Rio de janeiro, onde a capoeira era encontrada
junto ao samba, mas pela perseguição, afastou-se deste:
“O caráter lúdico da capoeira de Santo Amaro
apresentou alguns aspectos peculiares à época, pois
envolviam instrumentos musicais de uma forma mais
ampla. A sua prática se estabelecia também com viola
e cavaquinho, instrumentos de cordas comuns na
prática do samba. Com a chegada dos modelos
desportivos da capoeira, esse leque musical se
transforma,
uma
vez
que
foram
retirados
os
instrumentos de várias cordas. Permaneceu apenas o
berimbau, instrumento de uma corda. O depoimento
de
Noca
de
Jacó
esclarece
principalmente,
a
demarcação de algumas diferenças entre a capoeira
do século passado e do início do XX. Como ele
mesmo afirmou, a capoeira do Besouro era diferente.
Acredito que ela tenha sido mais ampla, apresentando
o lado lúdico e a luta também em suas formas mais
extremas.” (Ibidem, 2002, p. 22).
Podemos até imaginar, como seria a capoeira hoje em dia, se fosse
praticada junto ao samba. A prática da capoeira como esporte, afastou esta
possibilidade, também na Bahia.
Tanto a capoeira Regional, como a Angola, optaram pela a
esportivização como forma de modernização, mas de modos diferenciados.
148
A Angola se definiu em oposição à Regional para justificar sua existência,
como nos diz Vieira & Assunção:
“Como a capoeira Regional conseguiu muito maior
projeção no período 1950-1970, a Angola teve que se
definir largamente em oposição a esta para justificar a
sua existência. Assim, investiu em todos os aspectos
que estavam perdendo importância na Regional, ou
seja, a teatralidade, a espiritualidade, o ritual e a
tradição. Acreditamos que mesmo os movimentos
foram estilizados numa determinada direção com o
intuito de se distanciar nitidamente do estilo Regional.
Por exemplo, os golpes altos, considerados parte da
“descaracterização” da Regional, existiam também na
capoeira baiana antiga” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998,
p. 108).
Mestre Bola Sete, Oliveira (1997), nos passa a sua visão sobre
algumas das diferenças entre a Capoeira Regional, de Bimba, e a Capoeira
Angola, representada por vários mestres e liderada por Mestre Pastinha no
movimento do CECA:
“Atualmente, tenho presenciado capoeiristas rotularem
outros de angoleiros ou regionais, pelo simples fato de
levantarem
a
perna
em
demasia
ou
aplicarem
determinados golpes. Posso afirmar que o que menos
diferencia a angola da regional são os golpes usados
durante o jogo, pois o introduzidos pelo Mestre Bimba
na capoeira angola, que até então, praticava, como é o
caso da cintura desprezada, dos balões, das gravatas e
do asfixiante (murro direto) que faziam parte das
seqüências criadas pelo Mestre, só eram aplicados nos
treinamentos realizados no C.C.F.R. e pelos demais
149
praticantes da capoeira regional entre si, em suas
respectivas Academias e jamais utilizados no jogo
contra capoeiristas de outras escolas, que não
utilizassem método de Bimba. Afinal, alguns desses
golpes para serem utilizados necessitariam do apoio do
companheiro, como é o caso de “balão de lado”, e
também por se tratarem de golpes de outras lutas que
o mestre introduziu na capoeira com o objetivo de dotar
os seus discípulos de mais elementos de ataque, para
serem utilizados caso sofressem uma agressão na rua.
Portanto, o que difere realmente a angola da regional é,
principalmente,
a
filosofia
empregada
nas
duas
escolas. O mestre angoleiro procura passar o seu
discípulo o culto aos rituais e preceitos existentes na
capoeira angola. Ao mesmo tempo, procura prepará-lo
para defender-se, sem interferir no seu potencial de
criatividade, dotando-o de uma grande dose de malícia,
baseada na calma e na velocidade de impulso, em que
o capoeirista só deve atacar no momento oportuno; o
mestre regional prepara o seu discípulo visando
principalmente ao ataque, tornando-o mais agressivo
do que o angoleiro, pois o seu objetivo maior, além da
defesa pessoal, é torná-lo um eficiente desportista,
pronto para competir. Para as competições a técnica é
mais
importante
do
que
a
individualização
dos
movimentos e os rituais e os preceitos, pouco ou nada
significam”. (OLIVEIRA, 1997, p. 188 e 189).
Oliveira (1997), ainda menciona algumas as deturpações na capoeira,
que de acordo com ele, não fazem parte da Regional e nem da Angola:
“Quanto aos saltos mirabolantes, os agarrões e as
agressões citados anteriormente, em que prevalece a
150
força
física,
utilizados
por
alguns
capoeiristas
desavisados ou com más intenções, posso garantir que
não pertencem nem à capoeira angola e nem à
capoeira regional.” (Ibidem, 1997, p. 190).
Até hoje várias pessoas criticam os caminhos seguidos por Mestre
Bimba, mas analisando a capoeira junto ao carnaval carioca, observamos
que estes caminhos percorridos, foram uma estratégia de sobrevivência. “A
escola de samba nasceu de uma estratégia defensiva que permitisse brincar
o Carnaval.” (PEREIRA, 2001, p. 6). Como podemos observar logo abaixo:
“O próprio samba e os rituais afro-brasileiros têm suas
páginas de perseguição policial. E como testemunhou
Ismael Silva, um dos criadores da primeira escola de
samba, a Deixa Falar: “nós fizemos a escola de samba
para não tomar porrada da polícia” (cf. Soares: 1985).”
(Ibidem, 2001, p. 6).
Continuando, Pereira reforça esta estratégia das escolas de samba e
respectivos sambistas, para preservar e assegurar o samba e o direito de
sua prática cultural:
“Assim, podemos concluir que as escolas de samba
não são prisioneiras incondicionais dos estratagemas
da dominação político-ideológica, e que também não
são herdeiras de uma tradição africana fossilizada,
porque fundamentalmente são criações e tradições
modernas, datadas, frutos de esforços admiráveis de
parte do povo carioca, de competências manifestas
especialmente em suas lideranças, seus heróis, poetas
e anciãos que viveram em certas localidades de cidade
do Rio de Janeiro da primeira metade do século XX.”
(Ibidem, 2001, p. 146).
151
“No final dos anos 20 não existia uma escola de samba
pronta acabada no Rio de Janeiro para receber o
reconhecimento nacional; no máximo ela jazia em
“depósitos
folclóricos”.
estratégia
defensiva
A
princípio
pensada
por
ela
foi
certos
uma
grupos
populares que queriam participar do Carnaval sem
serem
constrangidos
pela
polícia,
mas
que
paralelamente procuravam inovar o que existia e se
distinguir das manifestações carnavalescas então
dominantes.” (Ibidem, 2001, p. 146 e 147).
Claramente é notada uma estratégia parecida com a que Bimba
utilizou na Bahia, e até por Pastinha também, mas que no mesmo período foi
diferentemente utilizada por um segmento da capoeira carioca, que optou
pelo lado esportivo da luta, somente como luta e defesa pessoal,
abandonando e se afastando dos elementos sócio-culturais inerentes a esta,
que provavelmente ficaram enraizadas em outro segmento, os “bambas da
malandragem”.
A Capoeira Regional espalhou-se não só pela Bahia, mas pelo Brasil e
depois para o mundo, através dos alunos de Bimba (1900-1974),
principalmente após a sua morte, sofrendo algumas descaracterizações de
sua prática original fundamentada por Bimba. Atualmente é verificado uma
tentativa de aproximação das origens e dos fundamentos da Regional pelos
seus praticantes.
A Capoeira Angola ganhou força após a morte de Pastinha (18891981), na década de 1980, através de uma nova geração de “angoleiros”,
como são chamados os praticantes da Capoeira Angola. Convergindo
inicialmente com o movimento negro, mas se expandindo de tal maneira, que
não ficaria atrelada a tal, por várias questões sociais inerentes ao país e pelo
momento pelo qual passava, e mesmo, pela não identificação de vários
152
praticantes com os ideais e discursos deste movimento, onde eram e são
encontrados alas mais radicais. Segundo Vieira & Assunção, a Angola
ganharia mais espaço devido a vários motivos:
“Para isto contribuíram mudanças de paradigmas na
sociedade brasileira, como a revalorização da herança
africana, a própria evolução da Regional para estilos
cada vez mais violentos e o paciente trabalho dos
mestres angoleiros” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p.
108).
Segundo Silva Mello, a capoeira é uma só. O autor sobre isto afirma,
citando o Mestre Falcão:
“Devemos compreender essas diferenças entre Angola
e Regional como conseqüência de um período
histórico em que o contexto e as influências sociais
determinantes
para
que
elas
ocorressem,
uma
vertente não anula a outra nem tão pouco a ela se
sobrepõe, ambas se complementam, formando o
universo
simbólico
e
motor
da
capoeira.
As
“descaracterizações” da capoeira original, não podem
ser analisadas somente à luz de configurações
técnicas e estéticas, mas, principalmente, a partir de
seus condicionantes sócios-políticos (Falcão, 97).”
(SILVA MELLO, 2002, p. 6).
Vieira afirma que as categorias Capoeira Angola e Capoeira Regional
estão fortemente impregnadas de um conteúdo histórico, e que muito
dificilmente poderiam ser utilizadas para definir estilos atuais de capoeira, no
sentido de um conjunto de princípios técnicos, estéticos e rituais que
orientam o jogo. “Na realidade, pudemos observar que em Salvador a
classificação da academia em termos de Regional ou Angola define muito
153
mais a “linha de filiação” do que um modo de se jogar capoeira.” (VIEIRA,
1995, p. 92).
A Capoeira Regional do Mestre Bimba e, posteriormente, a Capoeira
Angola de Pastinha e outros, começaram a caminhar e se alastrar por todo o
Brasil, começaria a hegemonia Baiana, mas segundo Reis:
“Embora, hoje em dia, a capoeira baiana seja
considerada como a “mais tradicional ”do Brasil, sendo
inclusive alguns capoeiristas baianos, migrantes da
década de 1960, tidos como os introdutores da
“capoeira legítima”no Rio de Janeiro, os dados relativos
à origem dos capoeiras que atuaram nas ruas desta
cidade nas últimas décadas do século passado,
atestam a larga predominância de cariocas.” (REIS,
1997, p. 30).
O que mostra que a deportação dos capoeiras para as Colônias
Penais e Presídios Militares, geraram uma exportação da capoeira carioca
no século XX, para Recife e Bahia e provavelmente outros lugares.
Mas fugindo da discussão sobre as origens e primazias regionalistas
sobre a capoeira, podemos dizer que após todos estes movimentos dentro
do mundo da capoeira, tanto no Rio de Janeiro, como na Bahia, a capoeira
começou a proliferar e galgar um novo caminho, conquistando novos
espaços, traçando novos rumos e se alastrando por todo o país e mundo
afora.
No Rio de Janeiro, além de Artur Emídio, que veio de Itabuna-BA,
como dito anteriormente, outros mestres chegariam na década de 1950:
Mucungê, Paraná, Onça-Preta e outros. Existia ainda, no Rio, o conhecido
Mestre Leopoldina e um hábil pernambucano conhecido como Marcelino, da
Praça Mauá, e outros “animadores da capoeira”, como nos conta Lopes:
154
“Sr. Antenor dos Santos, mineiro, vice-presidente da
Portela e um “animador da capoeira”. Nas décadas de
40/50 o Sr. Santos coordenava um grupo de bons
angoleiros, na prática, comandados por Joel Lourenço
do Espírito Santo.” (LOPES, 2002, p. 285).
Segundo conversa informal com Carlos Monte, autor de A Velha
Guarda da Portela (VARGENS & MONTE, 2001), em 04/02/2004, obtivemos
a seguinte informação:
Carlos Monte conversou, em 04/02/2004, com Monarco (Hildemar
Diniz), que entrou para Ala dos compositores da Portela em 1951 e antes, foi
da Ala do amigo Urso. Monarco informou que o Sr. Antenor dos Santos foi
Presidente da Portela naquele período mencionado por Lopes (2002).
Apesar de Presidente da Escola, sofria grande influência de Natal, pois este
não veio a ocupar o cargo, devido à repressão pouco tolerar o bicho. O Sr.
Antenor dos Santos não era carioca e nem bahiano. Era um sujeito gordo,
de idade, tinha as pernas arqueadas e um defeito em uma delas. Monarco
disse que havia sim, apresentações de capoeira na Portela naquela época,
mas não soube dizer, por não conhecer tais diferenças, se a capoeira e os
capoeiras à que nos referimos eram cariocas (capoeiragem de origem
carioca), bahianos ou se eram angoleiros, como sugestionou Lopes (2002).
Monarco desconhecia o paradeiro de Joel.
No final da noite de 05/02/2004, na Cantareira, em Niterói-RJ, Lussac
encontrou David do Pandeiro (David de Araújo), integrante da Velha Guarda
da Portela desde 1951. Lussac, em conversa informal, perguntou a David do
Pandeiro sobre Antenor dos Santos e Joel. David respondeu que
desconhecia os nomes de Antenor dos Santos e Joel, e aconselhou procurar
o Jair, integrante mais velho da Velha Guarda da Portela, devido à pergunta
estar relacionada a informações sobre fatos muito antigos. Mas, David
contou a Lussac que, em mais ou menos 1962, entre 61 e 63, apareceu no
155
Império Serrano, onde David estava na época, o melhor tocador de
berimbau de todos os tempos (segundo David), chamado Mucungê. David
contou que Mucungê ficou um tempo em sua casa, e que nesta época
estavam sendo feitas apresentações e aulas de capoeira no Império
Serrano. Lussac citou outros nomes como Paraná, Onça Preta e Artur
Emídio, e David disse achar que estes também faziam parte do grupo, mas
não tinha certeza sobre isso.
Em um e-mail enviado por Lopes a Lussac em 06/02/2004, Lopes
mencionou que Antenor dos Santos era, ou ainda seria atualmente, genro de
Joel. No anexo do referido e-mail que Lopes enviou, continha um folhetim
quinzenal, intitulado “Rinha de Capoeira” e datado de 28 de junho de 1962,
este informava sobre atividades de capoeira nas zonas Norte e Sul do Rio
de Janeiro-RJ. Neste Constava que Joel Lourenço do Espírito Santo
chefiava um grupo de “Capoeira de Angola”, contando com os seguintes
elementos: Mariano Castro Pereira, Ismar Bonfim dos Santos, Martinez,
Oswaldo Lisbôa dos Santos, Floriswaldo dos Santos, Elins dos Santos,
“Onça Preta”, “Cadu”, Antenor dos Santos, “Dois de Ouro”, Neves, “Padre
Antônio” e Waldeniro.
Tais informações nos levam a crer que este grupo chefiado por Joel,
realmente se tratava de “Capoeira de Angola”, visto que alguns de seus
elementos são bahianos conhecidos da capoeira, como Onça Preta e
Oswaldo Lisbôa dos Santos, o Mestre Paraná.
Os nomes: Ismar Bonfim dos Santos, Floriswaldo dos Santos, e Elins
dos Santos, sugerem que hipoteticamente, estes poderiam ser parentes de
Oswaldo Lisbôa dos Santos, o Mestre Paraná, ou mesmo de Antenor dos
Santos. Podemos até especular uma relação de parentesco entre todos
estes, devido ao sobrenome “dos Santos”, apesar deste ser comum.
Num estudo realizado por Lussac (2000), foram feitas várias
entrevistas: “O Grão-Mestre Silas, 56 anos de idade e 48 de prática na
156
Capoeira, nos concedeu esta entrevista no dia 17 de maio de 2000, nos
fundos do quintal de sua casa, em Belford Roxo.” (LUSSAC, 2000, p. 40). Na
entrevista com o Grão-Mestre Silas, encontramos o seguinte:
“Pergunta 1 – Como você conheceu a capoeira ?
Resposta da Pergunta 1:
Segundo o Grão-Mestre Silas:
“ Eu conheci a capoeira aos oito anos de idade na
Escola de Samba Unidos da Capela, em Parada de
Lucas, Rio de Janeiro. Vi a capoeira lá e me apaixonei,
foi um lance rápido, os caras fizeram a apresentação,
foram aplaudidos e foram embora”. SILAS (2000).
Pergunta 2 – O que o levou a praticar a capoeira?
Resposta da Pergunta 2:
Grão-Mestre Silas:
“ Foi justamente essa exibição desses dois
caras, que fizeram ao ritmo da bateria da
escola de samba, e dali eu comecei a praticar
com meus colegas, sem mestre, por intuição e
vendo a maneira de fazer, gravando alguma
coisa na cabeça, isso na rua.” SILAS (2000).”
(LUSSAC, 2000, p. 40 e 41).
Seriam estes dois capoeiras, parte dos mesmos comandados por Joel
Lourenço do Espírito Santo? Visto que se calcularmos a idade do GrãoMestre Silas, isto seria perfeitamente possível. Seriam oriundos de outros
157
Estados? Da Bahia? Estariam somente de passagem? Ou seriam capoeiras
cariocas jogando ao som do samba?
Mestres como “Paraná”, “Onça Preta” e “Mucungê”, divulgaram a
capoeira no Rio de Janeiro. Mas existiram outros além de Artur Emídio,
como Djalma Bandeira, que atuou junto com Artur nesta mesma época. Artur
não utilizava nenhuma denominação para a capoeira que ensinava e que
aprendeu com o Mestre Paizinho, nem Regional, nem Angola, somente e
simplesmente a palavra original Capoeira. A capoeira bahiana de Artur
Emídio, com certeza, também sofreu influência da capoeira carioca, além de
outras lutas e artes marciais; não só pela simples vivência na cidade, mas
principalmente, pela experiência em combates como o que teve com Rudolf
Hermanny, aluno de Sinhozinho; e das obras de ODC, Zuma, Inezil Penna
Marinho e talvez até a do Capitão Lima e Silva, as quais Lamartine Pereira
da Costa, seu aluno, possuía e também conhecia os referidos autores,
exceto ODC (Quanto ao Capitão Lima e Silva ou o colaborador da mesma
obra, Alberto Latorre de Faria, não sabemos se Lamartine os conheciam
pessoalmente).
Além destes já citados, no início da década de 1960, no Rio de
Janeiro, estavam em atividade alunos de Sinhozinho, como: Rudolf
Hermanny, que ministrava aulas para mais de vinte aprendizes na Praça
Nossa Senhora da Paz, em Ipanema; “João Claudio”, o João Fontes,
atualmente conhecido como “Imperador do Leblon”, somando este “título” ao
cargo de presidente da associação deste bairro, que ministrava aulas na
Academia Romana, na Rua Voluntários da Pátria 180, onde tinha pelo
menos sete alunos regulares; Ney da Silva, o Neyder, com ao menos quatro
alunos regulares no Ginásio Brasileiro de Cultura Física, Praia de Botafogo
462; o “Grupo 120”, orientado por André Luiz Lace Lopes, com cinco alunos
regulares, no mínimo, à Rua Voluntários da Pátria 126, e também na
Academia Signo de Força, em Copacabana, na Rua Francisco de Sá 35, e
na Academia Apolo, no Centro, Rua Uruguaiana 22.
158
Na mesma época Lamartine Pereira da Costa ministrava aulas de
capoeira no Centro de Esportes da Marinha; Roland da Silva junto ao
professor Fachada, na Polícia de Vigilância; e Fábio, na Academia Fabio
Rudge Maia, Grajaú, Travessa Araxá 53. Ainda havia aulas de capoeira na
Polícia Feminina; na Academia de Capoeira Campo Grande, em Campo
Grande; na Academia de Capoeira de Nilópolis; e o Grupo de capoeira
Associação Afonso Pena, em Irajá (LOPES, 1963).
1.2.6 – A capoeira ganhando o Brasil e dando a volta ao mundo
A capoeira começou a ganhar espaço, conforme foi sendo propagada
pelo Brasil. Para isto, os capoeiras bahianos contribuíram muito, pois a
levaram para as principais partes do país. A capoeira lúdica, jogada, cantada
e musicada, tendo como o seu símbolo máximo o berimbau, foi a que
vingou. O berimbau hoje é o maior referencial da capoeira, apesar deste,
não estar presente na capoeira desde os seus princípios primitivos. O
berimbau era usado por ambulantes para atrair fregueses e aos poucos, foi
sendo inserido na capoeira da Bahia. O berimbau também estava presente
no Rio de Janeiro, utilizado pelos vendedores ambulantes. Provavelmente, a
repressão às manifestações culturais e a não utilização deste instrumento
nos batuques, como na Bahia, tenham o feito cair em desuso.
A capoeira hoje não é homogênea. A capoeira atual é diferente da
antiga. O Mestre Nestor Capoeira, o Neto, também concorda com esta
diferença. “A capoeira daquela época era muito diferente da de hoje”.
(NETO, 1998, p. 36). Nestor, ainda nos o contraste entre os momentos
histórico-sociais, nos dizendo como era praticada e aprendida a capoeira no
passado e hoje em dia. Segundo Neto:
“Nos bons tempos – que provavelmente não era tão
bons assim – aprendia-se capoeira de forma natural e
intuitiva: observam-se os movimentos dos jogadores na
roda e tentava-se imitá-los, sozinho ou com algum
159
companheiro, fora da roda. Com sorte arranjava-se um
Mestre; e aonde ele ia, lá iam também os dois ou três
aprendizes. Vez por outra, o Mestre, ou algum jogador
mais experiente, dava uma “dica”, ensinava alguma
coisa.
Hoje, os tempos são outros. Quase todos têm pouco
tempo
disponível;
os
Mestres
não
andam
perambulando por aí; não há muitas rodas de rua de
gabarito onde se possa aprender por observação. Hoje,
a capoeira é ensinada em academias – cada instrutor
pertencendo a um grupo ou Associação - , dirigidas por
um Mestre com seu método próprio.” (Ibidem, 1998, p.
95).
“Os
treinos
estruturados
servem
apenas
para
aperfeiçoar os movimentos ... Mas é na roda que um
jogador aprende com o outro – não somente golpes e
quedas, mas estratégias que são usadas no jogo
propriamente dito, e também no Jogo Maior que
praticamos diariamente na vida real.” (Ibidem, 1998, p.
95).
“Os jogadores aprendem uns com os outros, e os
capoeiristas que estão observando também aprendem.
Estas experiências de jogo e esta observação de
outros jogando – diferentes personalidades interagindo
– constituem um saber importante e especial sobre os
seres humanos. Este saber é um dos fundamentos da
capoeira.” (Ibidem, 1998, p. 96).
Nestor, nas palavras acima, nos mostrou a riqueza da capoeira, da
interação entre os sujeitos praticantes para o aprendizado de um Jogo
Maior, que praticamos na vida real.
160
A capoeira foi ganhando espaço, vencendo os estigmas do passado e
os preconceitos existentes. Hoje é praticada em vários lugares e por várias e
diferentes pessoas, mas para isso, ela passou por outros acontecimentos e
momentos histórico-sociais importantes.
Hoje, a capoeira é um Desporto de criação nacional, e prolifera tanto
no Brasil quanto no exterior, passando por um “processo inexorável e
inevitável de institucionalização”, segundo Lopes (1999).
A propagação da capoeira pelo Brasil e posteriormente, de uma
segunda geração de mestres, pelo mundo, ocorreu concomitante a alguns
acontecimentos.
Em 26/12/1972, a capoeira foi homologada pelo Ministério da
Educação e Cultura, e reconhecida como modalidade desportiva pelo antigo
CND, Conselho Nacional de Desportos. Seu reconhecimento se deu pela
Confederação Brasileira de Pugilismo em 01/01/1973. Após foram fundadas
várias federações estaduais no país. Mas nem todos permaneceram nestas
federações, por divergências ideológicas e paralelamente figuraram
movimentos diferentes. Por este motivo, por diferenças filosóficas, técnicas e
outros princípios, a capoeira encontra-se dividida em várias vertentes, sendo
a hegemonia e também a união política, quase uma utopia.
“Na época da ditadura militar em 64, a Capoeira
sofreu,
principalmente
os
adeptos
da
Capoeira
Regional, que quiseram impor uma Federação e
Regulamentação, coagindo-a para longe das ruas,
levando-a para as academias e campeonatos, o que
não tem nada a haver com a sua cultura e filosofia,
deturpando-a ainda mais, apesar da “boa idéia”, ela
não foi implantada de acordo com os moldes e
161
características da Capoeira. “O pedreiro quis ser
padeiro”.” (LUSSAC, 1996, p. 36).
O sistema de campeonatos adotado, com normas e regras próprias
deste tipo de evento, não se encaixava com os fundamentos e práticas
tradicionais da capoeira. Lussac nos diz: “aí está um fato, não se pode
colocar a Capoeira numa “camisa-de-força”, quanto mais sistematizá-la,
“mecanizá-la”, ela perde seu caráter de improvisação e respeito ao biótipo”
(Ibidem, 1996, p. 36). Assim como a proposta de luta e defesa pessoal,
adotada no Início do século XX no Rio, esta proposta não vingou. Hoje em
dia há experimentos de campeonatos, levando em conta os aspectos
próprios da capoeira, como ludicidade e espontaneidade, mas, contudo, sem
conseguir uma unanimidade.
Castellani Filho apud Facão faz uma importante observação quanto a
transformar a capoeira em somente uma manifestação esportiva:
“A Capoeira não é – como nos desejam fazer crer –
uma técnica de luta apenas, nem tão somente outra
manifestação
esportiva.
Ela,
enquanto
técnica,
enquanto forma de luta, vista de forma restrita a esses
dois elementos, acaba por matar tudo o que a fez
nascer, crescer e sobreviver ao longo de toda uma
época (...) Ao separarmos a capoeira de sua história,
nós a destruímos enquanto elemento de cultura
brasileira e a transformamos em mais um momento de
alienação através da prática esportiva (p. 13).”
(FALCÃO, 1996, p. 46).
Em 23/10/1992, foi fundada a Confederação Brasileira de Capoeira,
CBC, e posteriormente, a FICA, Federação Internacional de Capoeira.
Incrementando os ideais desportivos e mantendo uma política que não atrai
162
os capoeiras, como um todo, a grande maioria dos capoeiras, os principais e
mais importantes não se encontram filiados e ligados a tal órgão.
Como um órgão não conseguiu satisfazer os diferentes desejos e
anseios dos diversos grupos de capoeira, e por uma brecha na lei que trata
das organizações desportivas, foram formadas várias federações e ligas
num mesmo estado. Atualmente, somente no Rio de Janeiro, há quatro
federações estaduais, e muitos capoeiras não estão filiados ou ligados a
estes órgãos.
Os capoeiras encontraram em grupos ou associações a forma de se
organizar e mesmo assim, muitos até hoje, preferem se abster de qualquer
forma de organização e formação formal, preferindo, por vários fatores, a
informalidade. É normal a divisão dos grupos, como uma metástase celular.
Desde a década de 1970 este modelo foi amplamente adotado, pois já era
utilizado anteriormente e atualmente, é o mais difundido e conhecido, sendo
uns registrados como pessoa jurídica e outros não, alguns se associaram
em
ligas,
federações
estaduais,
nacionais
e
internacionais,
uns
transformaram-se em mega-grupos, e outros se mantêm fechados em
relação aos demais grupos.
Tanto esta forma de associação, como a de fechamento e isolamento,
não só formam uma estratégia de existência e de mercado, mas nos remete
a lembrança de composição parecida a das antigas maltas de capoeira do
Rio de Janeiro, diferentes claro, em vários sentidos, devido à época e
momento histórico-social. Segundo Lussac, a Capoeira “ainda está longe de
ser homogênea e unificada, devido à divergência de idéias e filosofias
diferentes sobre o que é Capoeira dos mais variados grupos que a praticam”
(LUSSAC, 1996, p. 38). Lussac prossegue:
“Hoje cada grupo segue uma metodologia e ensina
uma filosofia diferente, sem nenhum controle ou
supervisão de uma entidade (Federação ou algo
163
semelhante), quando há um bom e consciente Mestre
“ainda vá lá”, até existem algumas Federações e
Confederações, mas elas aglomeram “grupos” que
formam uma “Panelinha”.
Enquanto não houver uma conscientização geral, será
difícil criar uma “Liga” que controle, supervisione e
aglomere todos os grupos. O que se pode explicar
essa não integração, é que a Capoeira é uma tradição
e cultura popular e se expressa de diversas formas e
maneiras, sendo ela uma prática essencialmente de
rua, não de academia; e também, sua grande variação
regional.
Devido a esse descontrole e desconhecimento das
práticas de diversos grupos (até porque cada Mestre e
grupo têm seus segredos, e não há troca de
conhecimentos entre ele. Só durante a Roda e no
“olho”, é que se vê a diferença).
O ensino da Capoeira está entregue nas “mãos” dos
Mestres responsáveis por cada grupo, havendo assim
uma grande diversidade com relação à: ritual, filosofia,
emprego e nomenclatura dos golpes e fundamentos.””
(Ibidem, 1996, p. 38).
“cada grupo tem sua filosofia e, sua prática é
ensinada,
aleatoriamente,
sem
um
controle
e
organização. A divergência das idéias sobre a
Capoeira e a intenção dos que “estão por cima” de
deixar como está a situação são os maiores
obstáculos para se criar uma Liga, Federação ou algo
parecido que aglomere e represente todas as Facções
164
de Capoeira independente de idéias divergentes.”
(Ibidem, 1996, 37).
Como dito anteriormente: há perdas em toda a cultura, quando esta
sofre um processo de institucionalização. Então, o melhor seria, a capoeira
seguir seu caminho natural, “livre como o vento”, pois como qualquer cultura,
merece liberdade de expressão, bastando a já vigente fiscalização do
exercício profissional na área de prestação de serviços, que está
intimamente ligada à defesa do consumidor, visto que hoje, a cultura é
“consumida”. Isto não que dizer que a capoeira deva ser desorganizada. Os
capoeiras devem se organizar, não só para conhecer melhor a própria
capoeira através do intercâmbio cultural, ampliando horizontes, mas para
defender e divulgar a capoeira, como manifestação cultural e artística.
Esta não unificação entre os capoeiras ocasionou uma falta de força
político-social para reivindicar certos direitos aos capoeiras e à Capoeira.
A capoeira está amparada e protegida, e a sua prática é garantida por
Lei, constando nos Art. 215 e Art. 217 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988:
“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício
dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura
nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais.
§ 1.º O Estado protegerá as manifestações das
culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das
de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional.”
(BRASIL,
Constituição
da
República
Federativa do Brasil, 1988).
Apesar disso, sabemos que esta obrigação do Estado não tem sido
cumprida conforme gostaríamos e necessitamos. A escassez de recursos e
165
a falta de empenho das autoridades, somada a preferência por culturas
eruditas, deixa a desejar quanto ao cumprimento de nossa Constituição
Federal.
No final da década de 1990, mais precisamente em 1997-98, foi
realizado o primeiro curso de pós-graduação em capoeira, pela Unb, em
Brasília-DF, iniciativa pioneira, mas que não foi seguida por outras turmas.
No Rio de Janeiro também houve uma proposta de pós-graduação em
capoeira pela UGF em 2002, mas não ocorreu por falta de alunos.
Provavelmente pelo alto valor da mensalidade. A UGF desenvolveu o
primeiro curso superior em capoeira também no final da década de 1990,
formando duas turmas, mas com a regulamentação da Educação Física este
curso acabou, ficando acertado entre a UGF e o Conselho de Educação
Física que os alunos formados poderiam se registrar neste como
provisionados, sem a necessidade de cursar o curso de instrução para
provisionados.
Em 01/09/1998, foi regulamentada a profissão de Educação Física.
Esta lei entra em colisão direta com a prática da capoeira como estava
sendo feita até então. Colocamos na íntegra esta Lei:
“Lei Nº 9.696, de 1º de setembro de 1998
Ementa: Dispõe
sobre
a
regulamentação
da
Profissão de Educação Física e cria os respectivos
Conselho
Federal
e
Conselhos
Regionais
de
Educação Física.
Lei: D.O.U. - QUARTA-FEIRA, 02 DE SETEMBRO
DE 1998
Dispõe sobre a regulamentação da Profissão de
Educação Física e cria os respectivos Conselho
166
Federal e Conselhos Regionais de Educação Física.
O
PRESIDENTE
DA
REPÚBLICA:
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei :
Art. 1º O exercício das atividades de Educação
Física e a designação de Profissional de Educação
Física é prerrogativa dos profissionais regularmente
registrados nos Conselhos Regionais de Educação
Física.
Art. 2º Apenas serão inscritos nos quadros dos
Conselhos
Regionais
de
Educação
seguintes
Física
os
profissionais:
I - os possuidores de diploma obtido em curso de
Educação
Física,
oficialmente
autorizado
ou
reconhecido;
II - os possuidores de diploma em Educação Física
expedido
por
instituição
de
ensino
superior
estrangeira, revalidado na forma da legislação em
vigor;
III - os que, até a data do início da vigência desta Lei,
tenham
comprovadamente
exercido
atividades
próprias dos Profissionais de Educação Física, nos
termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal
de Educação Física.
Art. 3º Compete ao Profissional de Educação Física
coordenar,
planejar,
programar,
supervisionar,
dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar
trabalhos, programas, planos e projetos, bem como
prestar
serviços
assessoria,
realizar
de
auditoria,
treinamentos
consultoria
e
especializados,
167
participar
de
interdisciplinares
equipes
e
multidisciplinares
elaborar
informes
e
técnicos,
científicos e pedagógicos, todos nas áreas de
atividades físicas e do desporto.
Art. 4º São criados o Conselho Federal e os
Conselhos Regionais de Educação Física.
Art. 5º Os primeiros membros efetivos e suplentes do
Conselho Federal de Educação Física serão eleitos
para um mandato tampão de dois anos, em reunião
das associações representativas de Profissionais de
Educação Física, criadas nos termos da Constituição
Federal, com personalidade jurídica própria, e das
instituições superiores de ensino de Educação Física,
oficialmente autorizadas ou reconhecidas, que serão
convocadas
pela
Federação
Brasileira
das
Associações dos Profissionais de Educação Física FBAPEF, no prazo de até 90 (noventa) dias após a
promulgação desta lei.
Art. 6º Esta lei entra em vigor na data de sua
publicação.
Brasília
1º
de
setembro
de
1998;
177º
da
independência e 110º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO”
(CONFEF,
2003).
Pela Lei, todas as atividades físicas, incluindo a Capoeira, devem ser
ministradas por um profissional de educação física. Os graduados em
educação física e os que não são, por determinação do CONFEF, Conselho
Federal de Educação Física, deverão se inscrever no Conselho Regional de
168
sua região. Os não graduados em educação física, mesmo os graduados em
outra área, teriam que cursar um curso de instrução que garantiria o
exercício profissional como um Profissional Provisionado.
Vários segmentos da Capoeira e outros, principalmente de Artes
Marciais, Danças e Yoga, e inclusive professores de educação física são
contra esta lei. Movimentos neste sentido surgiram, como o MNCREF,
Movimento Nacional Contra a Regulamentação da Educação Física,
originado inicialmente por professores da rede de ensino escolar, mas até
agora não surtiram efeito. A principal arma usada pelos contrários à lei é o
boicote à inscrição nos Conselhos e o desprezo pela lei. Esta posição tornase arriscada no momento em que, legalmente, muitos passam a exercer a
profissão ilegalmente.
Muitos que assumem esta posição defendem que a capoeira, por ser
uma cultura que “nasceu e estaria sempre resguardada nos guetos”, não se
enquadraria nesta lei. Mas observamos várias destas pessoas dando aulas
em academias e ganhando dinheiro através da “cultura”, que os mesmos
defendem. É fato que vários destes “profissionais” continuam querendo
ensinar a capoeira sem ter noções básicas e necessárias de estudos
imprescindíveis para o desenvolvimento humano, como por exemplo, só
para citar um, a psicomotricidade. Na verdade preferem a facilidade de não
estudar e não se atualizar visando à melhoria da prestação de seus serviços
remunerados, não se dando conta de que a época em que só era preciso
aprender e praticar a capoeira com seu mestre para ensiná-la, passou.
Hoje é preciso mais, visto a própria evolução do conhecimento
humano. Estas pessoas que defendem a capoeira nos “guetos”, onde a
fiscalização e o poder público geralmente na chegam, deveriam ficar nestes,
e
não
contradizer
seus
próprios
discursos.
Contanto,
lembramos
enfaticamente que os “guetos” merecem qualidade igual, ou até superior
devido a sua carência generalizada, da que é oferecida em academias e
outros locais de ensino mais bem amparados.
169
Não queremos, neste trabalho, analisar as contradições deste fato.
Mas sim, colocar o impacto que acarretará sobre a capoeira.
Antes da referida lei, qualquer um poderia ministrar atividades físicas.
O mestre de capoeira e seus discípulos davam aula livremente. Agora,
mesmo que uma pessoa seja formada por um mestre não poderá dar aula,
se não cursar a graduação em educação física. Mas é fato que os cursos
superiores de educação física não ensinam capoeira com o conteúdo e
tempo suficiente para tal. Então, o mestre ainda tem o seu valor, visto que
mesmo com um diploma na mão, ninguém vai querer aprender a arte com
uma pessoa que não sabe. Os futuros profissionais de educação física que
quiserem dar aula de capoeira terão que aprender com quem sabe. Há a
possibilidade deste aluno, abandonar o mestre em um determinado
momento, mas o mercado e a sociedade restrita da capoeira o aceitará ou
não, dependendo de sua capacidade e conhecimento. De acordo com
Lussac: “nem todo professor de Educação Física tem o gabarito para
transmitir a Arte e Cultura da Capoeira, pois ela não se aprende em
Faculdade.” (LUSSAC, 1996, p. 36).
Talvez num futuro próximo, será criado um curso superior de
capoeira. Esperamos que este, caso venha a acontecer, esteja realmente
embasado e compromissado com as necessidades e anseios da capoeira e
dos capoeiras, contribuindo para o desenvolvimento integral desta arte e
cultura em todos os amplos sentidos, mesmo que atrelado à área da
educação física. A própria Educação Física deveria reconhecer o caráter
multi-facetado e polivalente da capoeira, protegendo-a e incentivando-a, pois
sendo sua origem brasileira, merece atenção especial.
Contudo, há de ser questionado o sistema vigente do ensino superior
em relação à própria capoeira. Será justo que, se um curso superior desta
natureza surgir, venha a fornecer oportunidade para os futuros mestres da
capoeira, levando em conta todas as problemáticas mencionadas acima.
170
Outro fator seria unir ao curso, o desenvolvimento prático de projetos em
conjunto entre as instituições de ensino superior e as associações, grupos,
federações e mestres da capoeira e, sobretudo, salientando o valor da
sabedoria popular, aproximando-a destes projetos e interagindo com as
comunidades e a sociedade. Lembramos que há perdas em toda a cultura,
quando esta sofre um processo de institucionalização. Estudos de impacto
devem ser feitos crítica, minuciosa e seriamente.
O fato positivo da lei 9696/98 é que, teoricamente, esta bloqueou o
crescente despejo no mercado de novos professores, às vezes alunos, de
capoeira, que tomavam o lugar de mestres que poderiam ter mais espaço
para ensinar. Outro ponto é a melhoria na exigência da prestação de
serviços na área das atividades físicas. Atualmente, com a vasta evolução
dos conhecimentos pertinentes à atividade física, seria imprescindível exigir
destes profissionais a qualificação desejada. Apontamos também, que é
imprescindível às qualificações necessárias, relativas ao lado cultural, para o
ensino da capoeira.
Mas outro fato negativo é, segundo nós sabemos, o percentual de
pessoas que ingressam no ensino superior é muito baixo e menor ainda, é o
percentual daqueles que se formam, sem contar que o sistema atual de
vestibular para as universidades públicas favorece àqueles que aprenderam
em escolas particulares, em geral, que têm melhores condições sócioeconômicas e que provavelmente teriam maiores condições de pagar um
ensino superior particular. Lussac já alertava: “A exigência do Curso de
Educação Física para o ensinamento da Capoeira só a elitizará ainda mais”
(LUSSAC, 1996, p. 36). Este fato acarretará um afunilamento das pessoas
que poderiam ensinar a capoeira no futuro, após cursar a educação física e
conseqüentemente, terá sérios impactos na transmissão desta arte e cultura.
Lussac, visando esta problemática, sugestionava, preconizando os atuais
cursos de instrução para provisionados dos Conselhos de Educação Física:
171
“Então, o que deveria se fazer para melhor gabaritar
esses Mestres que não tiveram a oportunidade justa
de um ensino secundário e superior? Criar cursos de
aperfeiçoamento (Didático, Técnico, Científico, etc...),
seria
uma
solução,
fazendo
junto
um
recadastramento.” (Ibidem, 1996, p. 36).
Além da Lei Federal que regulamenta o profissional de educação
física, no Rio de Janeiro há a Lei Estadual 3.008, a qual diz no seu primeiro
artigo, referindo-se às pessoas que ensinam de artes marciais o seguinte:
“Fica
obrigatório
o
registro
em
Entidade
de
Administração Estadual de Desporto, tipificada como
Federação Desportiva, de todo o praticante de
atividade desportiva conceituada como arte marcial
que se dedique à ministração de aulas ou treinamento
de alunos.” (Lei Estadual no. 3008 – R.J.).
Vale lembrar que de acordo com resoluções Conselhos Regionais de
Educação Física, as Pessoas Jurídicas da área das atividades físicas,
também devem estar inscritos nestes, o mesmo valendo para o quadro de
profissionais atuantes nestas instituições e estabelecimentos. Secretarias
Municipais, como a de Esportes e Lazer do Rio de Janeiro, também obrigam
este registro, sendo o Alvará emitido, somente se cumpridas tais
determinações. Outra polêmica resolução é a obrigatoriedade de um
graduado em educação física como responsável nestes estabelecimentos.
Achamos válida esta obrigatoriedade em academias e clubes onde há várias
modalidades e atividades sendo praticadas, mas não concordamos no caso
de uma associação, grupo ou centro de capoeira onde só tenha esta
modalidade, num estabelecimento de ensino especificamente da capoeira.
Supondo que o profissional da capoeira seja um provisionado já registrado
no Conselho de sua região, seria inviável pagar um graduado somente para
cumprir tal resolução.
172
Outra resolução que norteia a Educação Física atual se encontra no
documento Intervenção do Profissional de Educação Física, neste
encontramos alguns segmentos mais ligados e ou específicos à capoeira,
apesar de todo o documento, direto ou indiretamente ser pertinente a
qualquer prática de atividade física. Comecemos pela própria definição de
“Atividade Física”:
“Atividade física é todo movimento corporal voluntário
humano, que resulta num gasto energético acima dos
níveis de repouso, caracterizado pela atividade do
cotidiano e pelos exercícios físicos. Trata-se de
comportamento
inerente
ao
ser
humano
com
característcas biológicas e sócio-culturais.” (CONFEF,
2002).
A definição dada a “Exercício Físico” é:
“Seqüência
sistematizada
de
movimentos
de
diferentes segmentos corporais, executados de forma
planejada, segundo um determinado objetivo a atingir.
Uma das formas de atividade física planejada,
estruturada, repetitiva, que objetiva o desenvolvimento
da aptidão física, do condicionamento físico, de
habilidades motoras ou reabilitação orgânico-funcional,
definido de acordo com diagnóstico de necessidade ou
carências
específicas
de
seus
praticantes,
contextos sociais diferenciados.” (Ibidem, 2002).
Ao “Desporto / Esporte” a definição é a seguinte:
em
173
“Atividade competitiva, institucionalizado, realizado
conforme técnicas, habilidades e objetivos definidos
pelas
modalidades
desportivas,
determinado
por
regras preestabelecidas que lhe dá forma, significado
e identidade, podendo também, ser praticado com
liberdade e finalidade lúdica estabelecida por seus
praticantes,
realizado
em
ambiente
diferenciado,
inclusive na natureza (jogos: da natureza, radicais,
orientação, aventura e outros). A atividade esportiva
aplica-se, ainda, na promoção da saúde e em âmbito
educacional
de
acordo
com
diagnóstico
e/ou
conhecimento especializado, em complementação a
interesses voluntários e/ou organização comunitária de
indivíduos e grupos não especializados.” (Ibidem,
2002).
Segundo
este
documento
sobre
Intervenção
Profissional,
o
Profissional de Educação Física é especialista em atividades físicas, nas
suas diversas manifestações: “ginásticas, exercícios físicos, desportos,
jogos,
lutas,
capoeira,
artes
marciais,
danças,
atividades
rítmicas,
expressivas e acrobáticas...” (Ibidem, 2002), e ainda, sobre os meios da
intervenção profissional: “...servindo-se de instalações, equipamentos e
materiais, música e instrumentos musicais, tecnicamente apropriados.”
(Ibidem, 2002). Na parte da Capacitação Profissional, o documento cita que
considera as exigências de qualidade e de ética profissional nas
intervenções, que o Profissional de Educação Física esteja capacitado, entre
outras considerações feitas, para:
“Compreender,
analisar,
estudar,
pesquisar
(profissional e academicamente), esclarecer, transmitir
e
aplicar
os
conhecimentos
biopsicossociais
e
pedagógicos da atividade física e desportiva nas suas
174
diversas manifestações, levando em conta o contexto
histórico cultural;” (Ibidem, 2002).
Como observamos a Educação Física está bem organizada e
estruturada, principalmente, politicamente, para conseguir que seus ideais
sejam sacramentados, mesmo que estes não configurem a maioria desta
classe, esta foi uma vitória que foi ganha após anos de batalhas pelas
APEFs de todo o Brasil, em que não se deixaram abater por projetos de lei
não aprovados e voltaram a se organizar e esperar o momento certo para
conseguir a regulamentação. Vitórias foram conseguidas, à volta da
obrigatoriedade da educação física escolar, como componente curricular
obrigatório da Educação Básica, sendo facultativas no ensino noturno,
incluída na Lei 9.394/96, após a Lei 10.328/01; e a inclusão na nova
Classificação Brasileira de Ocupações – CBO. Na CBO, o profissional de
capoeira registrado no Conselho de Educação Física, encontrará um limitado
e destrinchado enquadramento que não reflete à sua multi-facetada função,
como: Ludomotricista (2241-10); que também valeria para os profissionais
de psicomotricidade, Preparador de atleta (2241-15); Preparador físico –
Personal treanning, Preparador fisiocorporal (2241-20); Técnico de desporto
individual e coletivo (exceto futebol), Treinador assistente de modalidade
esportiva, Treinador auxiliar de modalidade esportiva, Treinador esportivo
(2241-25); entre outros. O que não entendemos é o tratamento diferenciado
dado aos técnicos de futebol, em relação às outras modalidades desportivas,
o porque deste, provavelmente se deve as grandes somas de dinheiro que
circulam por este esporte. A força da “cartolagem” deve ter tirado o técnico
de futebol das famílias que compreendem o Profissional de Educação Física.
À Capoeira, resta dois caminhos. Um junto ao Conselho de Educação
Física, reivindicando seu espaço e seu valor como prática de “atividade
física” diferenciada, por ter origem brasileira e conter vários traços
peculiares, pois se trata de uma cultura muito rica e diversificada. Outro,
oposto a esta regulamentação, se estruturando e se organizando, unindo
175
forças e esperando o momento político certo para conseguir a vitória de seus
anseios.
Atualmente, enquanto alguns seguem a lei, a grande maioria da
capoeira preferiu a negativa por esta opção. Só o futuro nos dirá o resultado
deste jogo de forças.
O Profissional de Capoeira é bem diversificado. Além da própria
atividade física da capoeira, ele é um artesão, pois confecciona instrumentos
e outros artefatos; ele é músico, pois trabalha com música, instrumentos,
composição e canto; é um artista, um bailarino ou dançarino, quando faz
shows e apresentações; é um escritor, um “intelectual do saber popular”, ao
escrever livros, músicas, palestrar; e outras atividades tão criativas,
qualidade inerente aos brasileiros. Sobretudo o capoeira profissional,
atualmente, deve ser visto, principalmente, como o elo de transmissão de
uma arte e cultura das mais ricas do planeta.
Toda esta diversificação profissional não é atendida e entendida pelos
órgãos e autoridades competentes. Tanto no Código Nacional de Atividades
Econômicas
–
CONAE,
estabelecido
pela
Comissão
Nacional
de
Classificação - CONCLA, como nos códigos de atividades dos municípios,
pelo o menos o do Rio de Janeiro, onde acreditamos, não ser diferente do
restante do país, as atividades estão separadas, geralmente como cursos
livres, como: Artesanato; Ensino de Música e Instrumentos Musicais; Ensino
de Esportes, de Artes Marciais ou de Defesa Pessoal; Ensino de Dança,
Bailados e Coreografias; Shows e Espetáculos; Atividades Folclóricas;
Associações Desportivas; etc. Todas estas atividades e outras estão
presentes na Capoeira. Em geral colocam-na como Esporte, assim, como
visto anteriormente, retirando dela todo uma gama de vasto potencial e
existência sócio-cultural.
Um ponto interessante verificado é a diferença entre os códigos dos
municípios e o no Código Nacional de Atividades Econômicas – CONAE.
176
Achamos que seria necessária uma revisão total e uma simplificação destes,
de maneira que atendessem todas as atividades e seus potenciais,
respeitando-as, inclusive as suas diversidades regionais e contextos sócioeconômicos, onde as mesmas estão inseridas.
Atualmente, no Rio de Janeiro, há um movimento de união entre os
capoeiras, que estará resultando numa Sociedade, uma ONG. Este
movimento democrático está conseguindo reunir, até o momento grandes
representações da capoeira, inclusive três das quatro federações do Estado
do Rio.
1.2.7 – A importância histórica da história da capoeira
“como elemento ativo da dinâmica cultural, a capoeira
hoje em dia, apresenta contornos bem diferentes
daqueles
que
a
originaram.
Sua
crescente
desportivização, sua inserção no contexto educacional
e a grande investigação acadêmica, têm levado esta
manifestação a ganhar, cada vez mais, espaços
institucionais,
sendo
considerada
um
importante
instrumento de análise de aspectos relacionados à
população e à cultura brasileira.” (SILVA MELLO, 2002,
p. 01 e 02).
A história da capoeira é o setor acadêmico que mais tem avançado,
mais que a educação física, música e outras, resgatando fatos e
reconstruindo a história desta arte-luta, e conseqüentemente, ajudando a
resgatar e reconstruir a própria história do Brasil, pois como vimos, está
intrinsecamente relacionada à formação e história do país e do povo
brasileiro. Uma história de resistência social e cultural, que vem
atravessando épocas e situações diferentes. Tal conteúdo é muito vasto para
abordarmos e discutirmos em uma só obra. Apesar de não ser o cerne deste
trabalho, pudemos observar esta importância ao longo destas páginas. Esta
177
breve exposição será útil para adentrarmos em outros tópicos deste trabalho,
pois como já dito anteriormente, é preciso conhecer a história da capoeira
para abordar esta, em qualquer contexto e temática.
Analisando e discutindo as referências citadas ao longo do capítulo I,
onde traçamos brevemente a longa e complexa história, desenvolvimento e
prática, nós conseguimos observar que a capoeira manteve suas
concepções básicas de jogo, ludicidade e luta, mesmo com as diversas
variações entre grupos e regiões, só que hoje mais civilizada e reelaborada,
acrescida de novas tendências modernizadas. O jogo e a luta da capoeira
tornaram-se mais esportivizadas, mesmo com uma roupagem de resistência
cultural, e as escolas e seus centros de ensino mais institucionalizados,
apesar de muitas ainda insistirem numa prática mais informal. A capoeira e o
capoeira ganharam e estão ganhando cada vez mais os seus espaços na
sociedade e na mídia. O capoeira antes marginal passou a um desportista,
um atleta, um artista e até um profissional. Antes se o Capoeira aprendia nas
escondidas, hoje se vê capoeira em vários lugares.
A capoeira continua dando a volta ao mundo, ganhando o globo
terrestre, hoje está internacionalizada, com sua característica multifacetada,
atraindo cada vez mais, e mais adeptos, seja pelo seu aspecto de jogo ou
luta, como pelo aspecto lúdico, cultural, musical, acrobático, histórico e do
convívio social, oferecendo ao praticante toda a diversidade desta arte
genuinamente brasileira.
Agora, passaremos ao capítulo II, onde abordaremos a prática da
capoeira atualmente e introduzindo a abordagem sobre a capoeira, a
educação física e a psicomotricidade.
178
CAPÍTULO II
A CAPOEIRA ATUAL, A EDUCAÇÃO FÍSICA E A
PSICOMOTRICIDADE
Urucungo
“O Urucungo, Berimbau,
dos ambulantes ao Samba de Roda, Capoeira e Ritual,
invenção genial, instrumento musical
que dos muitos arcos, és único e especial.
Ganhou nacionalidade brasileira
como símbolo, companheiro e mensageiro do Capoeira;
Enobrece a Arte-Luta, em Roda festeira,
nas chulas da cadência melódica do lamento
ou no hipnótico e acelerado ritmo do momento.
Tens personalidade tanto no silêncio da forma, quanto ao som;
O arco, jovem árvore revivida, escolhida aos olhos do facão;
Corda que foi couro, tripa e fibra, hoje aço e barbante,
cabaça se é de barriga e boca se é de boca.
A vareta que quando bate, vibra o som
à dobra do dobrão,
o caxixi que chacoalha
na mão de quem tudo fez e dá o tom.”
Ricardo Martins Porto Lussac ( Mestre Teco ).
( Rio de Janeiro, 15 de agosto de 1999 ).
179
2. A Capoeira atual, a Educação Física e a Psicomotricidade
Após a breve abordagem sobre a extensa e complexa história,
desenvolvimento e prática da capoeira no capítulo anterior, abordaremos a
capoeira atual, a educação física e a psicomotricidade. Inicialmente, serão
analisados os determinantes da escolha pela prática da capoeira. Veremos
também a característica polivalente e multifacetada da capoeira, suas várias
concepções e abordagens, dentre as quais a educação, esporte / desporto,
terapia e reeducação. Após tecer alguns comentários sobre os aspectos
lúdicos e musicais do Jogo da Capoeira, enfocando este como uma prática
cultural em sua plenitude, abordaremos a prática da capoeira por diferentes
faixas etárias e suas peculiaridades. Ao final deste capítulo, abordaremos os
três domínios: cognitivo, afetivo e psicomotor, o treinamento desportivo e
seus princípios e, as qualidades físicas.
2.1 - Os determinantes da escolha pela prática da capoeira
Desenvolvida no Brasil, a capoeira neste vasto país, com grandes
diferenças regionais, está espalhada por quase todo o território nacional,
sendo os grandes centros e metrópoles, os pólos aglomeradores e
centralizadores desta arte e cultura.
Segundo Lopes (1999), “Um universo estimado em cerca de 5
milhões de praticantes,” em todo o mundo.
“Hoje, a Capoeira é praticada por todo o Brasil, ao contrário de
antigamente, que, junto com o Carnaval e o Candomblé, foi duramente
reprimida.” (LUSSAC, 1996, p. 37). Atualmente, muitas pessoas procuram a
capoeira para praticá-la. Praticar algo que um dia já foi ilegal, proibida pelo
Código Penal de 1890, e mesmo antes disso, perseguida e considerada
prática de vadios, malandros e arruaceiros, e que atualmente encanta a
todos com sua polivalência, além de ser protegida e incentivada por lei. Mas
antes, até a década de 30 quando a capoeira deixou de ser ilegal através da
180
política nacionalista, paternalista e popular do Presidente Getúlio Vargas, a
prática da capoeira era crime, e os indivíduos que a praticavam, o faziam
pelas razões sociais e culturais da época e do momento e situação por que
passavam, pois necessitavam de exercê-la.
Segundo Neto (1998), conhecido como Mestre Nestor Capoeira:
- “ela dava aos africanos, e seus descendentes, um
sentimento
de
“nacionalidade”
diferente
da
nacionalidade dos senhores brancos;
- dava autoconfiança a cada capoeirista;
- solidificava a união dentro de pequenos grupos;
- formava lutadores ágeis, perigosos e insolentes;
- às vezes, no jogo, os escravos se machucavam, o que
era economicamente indesejável.” (NETO, 1998, p.38).
Acrescenta-se que, além das lesões, era também indesejável, a
possibilidade de detenção de um escravo, o que traria prejuízos ao seu
dono.
Os motivos que determinavam a prática da capoeira no passado são
bem diferentes dos de hoje em dia. Certamente esta “escolha” era feita por
uma necessidade básica, a liberdade. Os capoeiras do passado tinham na
arte-luta, a possibilidade de resistir ao sistema opressor vigente na época.
Bem diferente de antigamente, atualmente as pessoas escolhem por praticar
a capoeira por diferentes razões.
Lussac (2000), pesquisou os Determinantes da escolha pela prática
da capoeira, neste estudo se chegou à conclusão de que: “vários são os
fatores que determinam a escolha da prática da capoeira” (LUSSAC, 2000,
p. i). Apesar deste estudo ser focado no município do Rio de Janeiro e
delimitado a um grupo de capoeira, a Associação Cultural de Capoeira
Kapoart, nós podemos extrapolar este resultado para o restante da capoeira
181
de uma maneira geral. Segundo Lussac, os principais fatores determinantes
da escolha pela prática da capoeira são: “a prática como lazer e recreação,
como luta – arte marcial, a influência de um praticante ou de outra pessoa, a
musicalidade da capoeira e também a curiosidade.” (Ibidem, 2000, p. i). O
autor menciona outros como: a busca da qualidade de vida - saúde através
da capoeira, O jogo da capoeira e os seus aspectos cultural e folclórico, As
amizades e o convívio social, A influência de uma propaganda ou meio de
comunicação, A história e as raízes africanas da capoeira, A beleza plástica
da capoeira, sua plasticidade, Porque gostou, A prática de um esporte.
(Ibidem, 2000).
Lussac, ainda teceu alguns comentários sobre a influência de uma
pessoa nesta escolha:
“Então concluímos que vários são os fatores que
determinam a escolha da prática da capoeira na
Associação
Cultural
de
Capoeira
Kapoart,
no
Município do Rio de Janeiro, mas podemos ressaltar
que a influência de um praticante, uma pessoa que
mostra, demonstra ou fala da capoeira, a musicalidade
da capoeira e sua prática como lazer e recreação (sua
característica lúdica e de brinquedo) e também a
curiosidade, são os principais fatores determinantes da
prática da capoeira... . Até por que, se observarmos
bem,
podemos
concluir
que
estes
fatores
são
intrínsecos e se interrelacionam, pois alguém que fala,
mostra ou demonstra a capoeira para alguém,
geralmente é um praticante, que está influenciando
esta pessoa. Mesmo que a pessoa esteja conhecendo
a capoeira vendo em algum lugar, é uma influência
indireta de um praticante. Este contato gera a amizade
(convívio social) e a curiosidade de conhecer a
capoeira, que acaba por ser praticada como lazer e
182
recreação, embalada pelo axé de sua musicalidade e
o aprendizado da arte marcial. Após isso a pessoa
passa a gostar ainda mais de quando gostou em seu
primeiro contato, passando agora a conhecer os vários
outros aspectos da capoeira como seu jogo, sua
história e sua cultura por exemplo.” (Ibidem, 2000, p.
58 e 59).
Lussac apontou também um fato curioso em sua pesquisa. Ele
constatou que a maioria dos pesquisados na referida associação, não foram
atraídos a praticar a capoeira por uma propaganda específica, este fato
também é verificado informalmente na capoeira, pois o que geralmente leva
uma pessoa a praticar a capoeira é a própria vontade de praticar e não uma
propaganda. Segundo Lussac:
“Concluímos que a maioria dos praticantes de
capoeira do Município do Rio de Janeiro, filiados à
Associação Cultural de Capoeira Kapoart, conheceram
a capoeira através de alguém que falou, mostrou ou
demonstrou a capoeira para eles, outra parte,
conheceu vendo e observando em algum lugar, e uma
minoria, conheceu através dos meios de comunicação,
como rádio, TV, Jornal e Revistas. Foi também
constatado
conheceu
que
a
nenhum
capoeira
filiado
da
Associação,
através
de
propaganda
específica, como anúncios, placas, folders, cartazes,
panfletos e faixas, o que demonstra que a Associação,
poderia melhorar a sua divulgação, trazendo talvez
com isso, bom resultados.” (Ibidem, 2000, p. 57 e 58).
Lussac também mostrou em seu estudo as muitas concepções e
formas de prática da capoeira, mostrando a sua polivalência e característica
multi-facetada (Ibidem, 2000).
183
2.2 - A polivalência da multi-facetada capoeira
A Saga da capoeira, desde o período colonial e do Império até os
nossos dias, foi permeada de acontecimentos históricos e sociais e está
intimamente ligada a história do Brasil e das cidades onde sua atividade era
uma constante; mesmo não sendo o objetivo deste trabalho a inserção
minuciosa destes fatos, procuramos expor uma visão atual desta, baseado
em experiências, conhecimento empírico e científico da arte:
A capoeira se manifesta de diversas maneiras e em diferentes grupos
sociais e culturais, mas não diferindo no geral dos seus conceitos e
fundamentos básicos, que por nem sempre serem corretamente aplicados e
difundidos, acabam deturpando a sua prática.
Isso porque, vê-se a capoeira sendo praticada por diferentes faixas
etárias, desde a universidade em cursos de extensão e graduação:
“As principais universidades brasileiras (UFBa, UFRJ, UERJ, UnB, USP,
UNICAMP, PUC-SP e muitas outras) já incluíram a capoeira nos currículos
dos cursos de educação física.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p.111); e em
cursos de pós-graduação, como já mencionado anteriormente: “Na
faculdade de educação física da UnB, em 1997-98, realizou-se o primeiro
curso de pós-graduação voltado especificamente para o estudo da capoeira”
(ibidem, 1998, p.111); até às escolas, “Atualmente, como se sabe, é comum
a capoeira ser adotada como prática desportiva em escolas de primeiro e
segundo graus ao lado de atividades como futebol, basquete e voleibol”
(ibidem, 1998, p.111), às favelas e guetos em diferentes locais e partes do
país e do mundo, por doutores, modelos, atletas, crianças carentes e de
classe média alta, o povo em geral e até estrangeiros, seja nos Estados
Unidos ou Canadá, Austrália, Japão e em várias partes da Europa (ocidental
e oriental) e América Latina, inclusive na África, uma das matrizes culturais
da capoeira.
184
Como dito anteriormente, a capoeira se manifesta de diversas
maneiras, mas não diferindo muito quanto aos seus aspectos básicos como
a ginga, golpes e movimentos, chulas e instrumentos musicais, sendo
praticada de diversas maneiras como Capoeira Regional, Capoeira Angola
ou apenas por seu nome original: Capoeira, diferindo, portanto, no seu ritual,
uma das bases da capoeira, cujo aprendizado incorreto, provoca seqüelas
na transmissão e ensino da arte, como é o caso do “Mestre Varig”, Lopes
(1999), que é aquele “camarada” que chega no exterior e se diz Mestre de
capoeira, só porque sabe alguma coisa onde não sabem nada, ou o mestre
“formado pelas gráficas”, Lopes (1999), que se auto intitula Mestre, fazendo
o seu próprio cartão de apresentação.
A capoeira assume várias concepções, o que amplia o seu leque de
intervenção e utilização. Para muitos a capoeira é dança, jogo, luta, defesa
pessoal, arte, educação, cultura, lazer, terapia, folclore, ginástica, desporto,
história, filosofia (de vida) e até religião. A capoeira é tudo isso somado, não
em separado, e mais, o que demonstra as multifaces desta. Vários autores
compartilham desta temática.
Segundo Izabel Cristina de Araújo Cordeiro: “a capoeira hoje, vem
sendo utilizada tanto como conteúdo de aulas de Educação Física, Lazer,
quanto como formação de atores, terapia, entre outros”. (CORDEIRO, 1992,
p.2).
De acordo com Luíz Silva Santos:
“Outros fatores que também estão inerentes no jogo da
capoeira são os aspectos folclóricos, defesa pessoal,
arte, dança, esporte e cultura. Estes aspectos devem
ser respeitados e valorizados, tanto pelo seu teor
educativo, como por caracterizarem a capoeira como
atividade genuinamente brasileira.” (SANTOS,1990, p.
13)
185
Hélio Campos, o Mestre Xaréu, nos diz que a riqueza da capoeira
está nas suas várias formas:
“A riqueza está nas várias formas de ser contemplada,
onde o aluno poderá assimilar e atuar nas linhas com
as quais mais se identifica: capoeira, luta, dança e
arte, folclore, esporte, educação, como lazer e filosofia
de vida”. (CAMPOS, 1998, p.21 e 22).
SILVA MELLO ressalta a pluralidade da capoeira em seu universo
simbólico e motor:
“Em seu universo simbólico e motor encontramos
elementos, tais como a musicalidade, a religiosidade,
movimentos acrobáticos, dentre outros, que a tornam
bastante peculiar. A capoeira é plural, e nela o lúdico e
o combativo interpenetram-se, caracterizando-a como
jogo, luta e dança.” (SILA MELLO, 2002, p. 01).
Fica constatado o rico universo da capoeira e as amplas
possibilidades de desenvolvimento de quem praticam, de acordo com a
concepção que desejar, e a importância da capoeira na formação do
praticante, pois realça e reforça a identidade brasileira.
Nota-se também estas várias concepções sobre a capoeira nos
enfoques dos temas literários referentes ao assunto: Capoeira História:
Soares (1999) e (2002), Dias (2001); Capoeira Educação: Campos (1998) e
(2001), Santos (1990); Capoeira Terapia: Ribeiro (1992); Capoeira Esporte:
Lopes e Pinto (1997); Capoeira Educação Física, Saúde e Qualidade de
vida: Reis (2001); Capoeira para portadores do vírus HIV: Cunha (2003);
Capoeira Música: Anunciação (1990); Capoeira Luta-Arte Marcial: Abreu
(1999), Lopes (2002). Já descritas por Lussac (2000).
186
Nota: Apesar do enfoque ampliado sobre a capoeira, não há nenhuma
obra
específica
abordando
a
capoeira
e
a
psicomotricidade.
A
psicomotricidade é abordada por alguns autores, em partes de obras sobre a
capoeira.
Podemos pensar que a capoeira pode ser pesquisada, praticada,
aprendida, ensinada e utilizada de diversas formas e maneiras, sugerindo
então, uma ampla possibilidade de intervenção do profissional que utiliza
esta arte, variando, conforme os objetivos propostos por este profissional e
ou pela instituição onde é praticada.
Uma destas formas e poderíamos dizer que seria a principal, por estar
levando todos os seus conteúdos e cultura para dentro deste contexto, seria
a educacional. A capoeira tem um potencial educacional inestimável e
inquestionável, e seria falta de bom senso e crítica, não a olharmos por este
prisma, como também, deixar de aproveitá-la, na formação educacional do
povo brasileiro.
2.3 - Capoeira e educação
Ouvimos muito falar que a educação é a solução e que ela é a melhor
arma para reverter o processo geral de degradação social, cultural,
econômica e etc. Com o atual processo irreversível de globalização sóciocultural e econômica, onde culturas estão ameaçadas pelos vários fatores
intervenientes deste processo, faz-se necessária adotar estratégias de
resistência cultural e social, principalmente através da educação, onde a arte
e a cultura têm papéis essenciais, para criar uma identidade nacional com
soberania. Uma das vertentes mais atacadas por este processo, são as
artes a as culturas, justamente, umas das melhores maneiras para resistir ao
processo de globalização. Segundo Augusto Boal:
187
“No mundo globalizador, a cultura e a arte, por serem tão poderosas,
nos são roubadas e passam a servir ao mesmo propósito do comércio: o
lucro.” (BOAL, 2003, p. 86).
“A globalização do lucro impõe a uniformização dos
seres humanos: todos devem ser iguais e consumir
igual, vestir igual e comer o mesmo hambúrguer de
vaca louca! A globalização impões normas de
comportamento, valores, ideologias e gosto estético.
Quando se diz que os últimos governos brasileiros
nunca deram a importância devida à Cultura, eu penso
diferente: sempre deram enorme importância à cultura
estrangeira
e
aceitaram
passivamente
que
ela
invadisse nossas telas, telinhas e telões. Servilismo
infantil, complexo de inferioridade.” (Ibidem, 2003, p.
86 e 87).
Augusto Boal diz que, quando a França exigiu a exceção cultural –
isto é, que o cinema e outras artes ficassem de fora da liberdade de invasão
de uma potência por outra, num grande acordo comercial – não era o valor
intrínseco das suas obras de arte que estava protegendo: pensava no perigo
que a arte norte-americana traria no seu bojo, a propaganda do seu país e
seus costumes, e também o vestuário, a indústria automobilística, os
eletrodomésticos e etc. (Ibidem, 2003). O que demonstra que o Estado tem
papel importantíssimo e próprio para criar sistemas de resistência ao
processo de globalização de maneira geral.
Para Boal, “É importante para os globalizantes destruir as culturas
nacionais, locais, onde pretendem impor o seu comércio; é importante
dizimá-las, pois a cultura é identidade” (Ibidem, 2003, p. 87), pois, “os
globalizantes precisam destruir identidades para melhor venderem os seus
produtos.” (Ibidem, 2003, p. 87), “Quando ouvimos música brasileira, bossa
nova ou tradicional, chorinho ou samba de carnaval, vemos a nossa cara...
188
Hoje é proibido ver-nos em nossa arte.” (Ibidem, 2003, p. 87), pois para Boal
a globalização impõe a todos a mesma língua. Isto quer dizer que nos é
imposto ouvir, assistir e prestigiar as culturas estrangeiras, “alienígenas”, e o
pior, a parte ruim desta, esquecendo a nossa rica cultura. Isto não quer dizer
que devamos ficar isolados em nossa cultura. Devemos trocar experiências
e
promover
intercâmbios,
pois
faz
parte
da
própria
evolução
e
desenvolvimento humano. Mas devemos ter o cuidado com os efeitos de
invasões culturais, a fim de proteger nossa cultura, fincando esta em suas
próprias raízes.
Segundo Boal, “A globalização é a morte do artista!” (Ibidem, 2003, p.
88).
“Hoje, é quase impossível ser artista e permanecer no
mercado cultural – poucos conseguem. Se quisermos,
com nossa arte, ajudar a mudar o mundo – nosso
país, nosso estado, nossa rua! – é imperativo trabalhar
onde a arte não se compra nem se vende, onde a arte
se vive. Onde todos somos artistas – lá, onde vive o
povo: nas ruas, favelas, nos acampamentos do MST,
nos
sindicatos,
igrejas.
Lá
estão
aqueles
que
necessitam da sua própria identidade para se
libertarem da opressão, mesmo quando dominados
pelas idéias dominantes, mesmo quando alienados:
devemos ter esperanças, mas não ilusões.” (Ibidem,
2003, p. 88).
“A Arte faz parte da Cultura, porque a cultura é o ser
humano, é o que há de humano no ser: é o que nos
distingue de quem é bicho. Para fazer cultura, para
inventar, o artista tem que ser livre e fazer o que
quiser. Se ele se submete ao mercado, se aceita suas
189
leis e deixa de ser criador, deixa de ser artista.”
(Ibidem, 2003, p. 85).
Boal deixa claro que atualmente para ser um artista plenamente,
nestas circunstâncias onde a cultura é vendida e se tornou uma mercadoria,
é muito difícil, e ainda complementa, dizendo que a arte e a cultura devem ir
de encontro ao povo, de modo que estas, consigam realmente suas
finalidades e propósitos, a busca de um ser humano crítico, emancipado e
evoluído, em constante desenvolvimento no processo infinito da criação.
“A Cultura, porém, não se limita às obras expostas em museus ou aos
espetáculos com entrada paga: cultura é o como fazer, o quê, para quê e
para quem. Temos que assumir a nossa condição humana, criadora.”
(Ibidem, 2003, p. 85). Finalizando, segundo Boal:
“Teatro é arte e sempre foi arma. Hoje, mais do que
nunca, lutando pela nossa sobrevivência cultural, o
teatro é arte que revela nossa identidade e arma que
a preserva.
Para resistir, não basta dizer não: desejar é preciso! É
preciso sonhar. Não o sonho tecnicolorido da televisão
que substitui a dura realidade em preto e branco, mas
o sonho que prepara uma nova realidade.
Uma nova realidade em que se busque unificar a
humanidade, mas não uniformizar os seres humanos.
Hoje o teatro é uma arte marcial!” (Ibidem, 2003, p.
91).
Ao pensar que hoje, o teatro é uma arte marcial, Boal nos repassa o
verdadeiro papel das artes e culturas, o de estar sempre resistindo aos
ataques que corroem os seus princípios. Este discurso vai de encontro com
muitos pensadores da capoeira, quanto à verdadeira finalidade desta e ao
mesmo tempo, derrota a conotação da capoeira como arte marcial, como um
190
simples método de esporte, luta e defesa pessoal, pois o conceito de “Arte”
“Marcial”, vai muito além destes.
Freitas & Freitas, nos dizem que a escola tem importante papel neste
processo de resistência, quando abordamos a cultura nacional:
“Quando falamos de uma cultura nacional, não
podemos deixar de nos lembrar da instituição que
ainda é (ou deveria ser) o veículo de disseminação
cultural pó excelência, que é a escola, apesar do
domínio cultural imposto pela mídia, que chega a
ultrapassar os estados nacionais, na disseminação de
valores.” (FREITAS & FREITAS, 2002, p. 11).
SILVA MELLO aborda uma das propostas para a educação física, a
da Cultura Corporal:
“Dentre as novas propostas para a educação física, a
da Cultura Corporal (Coletivo de Autores, 1992), tem
encontrado grande ressonância no cenário nacional.
Nesta, o movimento humano é tratado na dimensão da
cultura, compreendido enquanto construção histórica e
social e objetiva a emancipação social dos alunos.
Porém, como afirma Bracht (1999), um dos desafios
das propostas emergentes refere-se aos aspectos
metodológicos, o “como fazer” na prática pedagógica.”
(SILVA MELLO, 2002, p. 01).
Continuando SILVA MELLO:
“No caso da Cultura Corporal, que utiliza como
conteúdos as manifestações da cultura corporal
humana, um dos pressupostos básicos para a
191
concretização desta proposta é a historicização destes
conteúdos,
ou
seja,
compreendê-los
como
construções históricas e sociais, determinadas pelos
contextos de diferentes épocas. Como apontam os
autores “É fundamental para essa perspectiva da
prática
pedagógica
da
Educação
Física
o
desenvolvimento da noção de historicidade da
cultura corporal...Todas essas atividades corporais
foram
construídas
históricas,
como
em
determinadas
respostas
a
épocas
determinados
estímulos, desafios ou necessidades humanas”
(Coletivo de Autores, 1992, pg.39).” (Ibidem, 2002, p.
01).
Segundo Freitas & Freitas, a implantação da capoeira na escola não
só dá o ponto de vista físico, mas na apropriação de toda a corporeidade,
transmitindo a capoeira de forma lúdica possibilitando a auto-descoberta e
desenvolvimento da cultura corporal aliados a valorização das relações
interpessoais e sócio-educacionais (FREITAS & FREITAS, 2002).
Portanto esta proposta vai de encontro a uma proposta da capoeira
como educação e educação física, e também, como resgate e resistência
cultural, visto ser ela, uma Cultura Corporal Brasileira e estar permeada de
contextos sócio-históricos. E Santos complementa, exaltando o potencial da
capoeira: “Por ser, portanto, a capoeira uma atividade genuinamente
brasileira e por se constituir um enorme potencial que pode ser explorado
para o alcance de uma vasta gama de objetivos educacionais”. (Santos,
1990, p. 13).
Souza & Oliveira destacam alguns pontos importantes sobre a origem
e desenvolvimento da capoeira, “pois os mesmos auxiliam na justificativa da
sua inclusão e estruturação como conteúdo da Educação Física escolar. São
eles” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 44):
192
“-
a
capoeira
tem
origem
afro-brasileira
–
diferentemente das modalidades inseridas nas escolas
que trazem expressões das culturas européia e
americana;
- é oriunda de movimentos comunitários e lutas de
classe;
- a capoeira transgrediu, por muitos anos, os códigos
das culturas dominantes;
- é rica em conteúdos significativos histórico-sociais.”
(Ibidem, 2001, p. 44).
Segundo Souza & Oliveira (Ibidem, 2001), a prática da capoeira na
escola
possibilita
o
desenvolvimento
de
conteúdos
conceituais,
procedimentais e atitudinais, como: “autonomia, cooperação e participação
social, postura não preconceituosa, entendimento do cotidiano pelo exercício
da cidadania, historicidade etc.” (Ibidem, 2001, p. 44). De acordo com os
autores, a aprendizagem da capoeira não deverá ter somente o aspecto
técnico de aprender uma luta ou esporte, e sim, acompanhar a transmissão
de todos os elementos que envolvem sua cultura, história, origem e
evolução, ao mesmo tempo que deverá ser estimulada a integração com
outras disciplinas do contexto escolar, a fim de que o educando tenha uma
participação efetiva no contexto da capoeira como um todo (Ibidem, 2001).
Ana Paula Santos, ressalta a importância dos elementos e aspectos
educacionais da capoeira:
“Deve-se ressaltar que a Capoeira tem apresentado
uma série de benefícios e conhecimentos que torna
impossível não considerar sua importância, tanto nos
seus aspectos de luta, quanto nos seus elementos de
cultura,
cheios
expressão.
de
Mostra-se
conhecimento
nesse
e
sentido,
formas
como
de
uma
193
atividade educativa capaz de formar sujeitos como um
todo.” (SANTOS, 1996, p. 5).
“Tendo em vista a importância do movimento e da
ludicidade
para
o
desenvolvimento,
educação
e
formação humana, não apenas da dimensão motora,
como também das dimensões afetiva, cognitiva e social,
observamos que a Capoeira por suas dimensões de
dança, jogo, folclore, brinquedo, luta, música, etc., é um
conhecimento fundamental que precisa estar presente
na escola e no trabalho do profissional de Educação
Física.” (Ibidem, 1996, p.8).
Ana
Paula
Santos,
enfatiza
a
interdisciplinaridade,
característica que a capoeira pode assumir na escola, devido ao seu aspecto
“multi-facetado“ (Lopes, 1999), logo podemos realmente crer nesta
aplicabilidade: “Na escola, a Capoeira precisa também impulsionar um
trabalho interdisciplinar, reunindo os aspectos históricos, geográficos,
artísticos, musicais, culturais, entre outros.” (SANTOS, 1996, p. 9). Ainda
segundo Santos, a capoeira pode desenvolver o aspecto psicomotor, entre
outros:
“a prática da educação física infantil através dos
movimentos expressos pela capoeira, deve ocupar um
lugar determinado nos programas escolares... por
envolver uma série de outros aspectos, sendo um
deles o desenvolvimento psicomotor” (Ibidem, 1990, p.
37).
“Se considerarmos a prática da capoeira como uma
atividade psicomotora, devemos buscar o espaço dela
no contexto escolar, porque ela tem muito o que
contribuir na educação global das crianças, pela sua
194
expressividade em todos os seus aspectos educativos.
Movimentar as crianças através de uma atividade
como essa é oportuniza-las a conhecer as noções de
como ela é formada, quais as suas possibilidades de
alcançar seus objetivos internos e externos” (Ibidem,
1990, p. 39).
Para Santos a capoeira sistematizada no ensino de primeiro grau, se
for baseada numa filosofia voltada para a liberdade individual das crianças,
na escolha de suas atividades histórico-sócio-recreativas, favorecerá, de
maneira significativa, aprendizagens psicomotoras, servindo de alicerces
para qualquer nova situação de ensino (Ibidem, 1990). De acordo com o
autor, a capoeira pode se integrar aos currículos escolares, sem a conotação
de um simples passatempo; pelo contrário, pode integrar-se como uma
atividade que tem um lugar de destaque, porque é um dos jogos que pode
desenvolver a criança em seu todo, em virtude de sua riqueza de expressão
e musicalização e principalmente do seu aspecto de ludicidade. (Ibidem,
1990).
“a capoeira como educação psicomotora está em jogo
com uma multiplicidade de aspectos, em que todos
são responsáveis pela aquisição de conhecimento das
crianças. Estes aspectos são indispensáveis e têm
que
ser
levados
em
conta
no
planejamento
educacional de qualquer educador” (Ibidem, 1990, p.
40).
De acordo com Santos, “A capoeira como recreação aparece com um
papel importante, por ser uma atividade que visa a ludicidade infantil e
também por não objetivar o treinamento impositivo.” (Ibidem, 1990, 45), e
também, “A capoeira como recreação estabelece um ambiente crítico e
pensado, onde o educador e o educando buscam juntos, “o quê” aprender,
“por quê” aprender e “como” aprender.” (Ibidem, 1990, 45), e finalizando: “A
195
capoeira como recreação também visa considerar a criança como um todo,
inserindo-a em sua cultura original.” (Ibidem, 1990, 45). Sobre o folclore e a
capoeira, este autor assim pensa:
“Se o folclore são os hábitos, costumes e tradições de
um povo, transformados no decorrer do tempo, a
capoeira tem fortes características de um fato
folclórico,
por
estar
totalmente
vinculada
neste
processo de transformação, como também, por fazer
parte da formação do espírito de um povo que iniciou a
nossa história” (Ibidem, 1990, p. 50).
Para Santos a capoeira deve ser “valorizada e reconhecida por seus
benefícios folclóricos no processo educacional enquanto atividade psicofísica que tem suas raízes fundamentadas na história do povo brasileiro”.
(Ibidem, 1990, p. 50).
“Além
da
capoeira
servir
como
elemento
de
compreensão de conteúdos de outras disciplinas, sua
prática interfere na formação da personalidade da
criança enquanto instrumento de seu desenvolvimento
físico e sua inteligência, através da evolução de sua
psicomotricidade.” (Ibidem, 1990, p. 50).
“A prática da capoeira como folclore oferece condições
para a criação artística, que não se esgota somente
em seus movimentos corporais expressivos. O seu
meio artístico vai mais longe, permanecendo seus
cantos, seus instrumentos musicais, que no seu
conjunto dão a harmonia das músicas existentes no
jogo da capoeira” (Ibidem, 1990, p. 51).
196
Finalizamos as referências deste autor, com os resultados de sua
pesquisa, onde demonstrou, ser a capoeira, uma excelente iniciativa e
proposta para o desenvolvimento de crianças do primeiro grau escolar,
principalmente, relativo ao desenvolvimento psicomotor, o que ficou
comprovado em sua pesquisa:
“a educação escolar tem como obrigação principal no
ensino do primeiro grau a alfabetização das crianças
juntamente
como
seu
processo
evolutivo
do
desenvolvimento psicomotor, sendo ela a grande
responsável pelas deficiências que os educandos
apresentam no seu comportamento das habilidades
psicomotoras.
A capoeira, provavelmente, fazendo parte do ensino
do primeiro grau no programa de educação física
infantil pode contribuir na solução de alguns problemas
que muitas vezes ocorrem no ensino-aprendizagem,
quando
aparecem
as
dificuldades
dos
alunos
assimilarem a leitura, a escrita, o ditado e as próprias
atividades psico-físicas.
Mas, para que isto ocorra, se faz necessário que o
professor ou professora que vai ministrar as aulas,
baseando-se nos elementos básicos da capoeira,
considere as diferenças individuais e ritmos próprios
dos educandos, já que ficou provado nesta pesquisa
que os alunos aprendem em níveis diferentes” (Ibidem,
1990, p. 66).
“Levando em consideração os resultados obtidos, a
análise e discussão feita a te aqui, fica evidenciado
que
os
movimentos
básicos,
os
cantos,
os
instrumentos musicais e a simbologia da capoeira,
como o seu próprio jogo, pode contribuir de maneira
significativa no crescimento do físico e das suas
197
habilidades
psicomotoras,
conseqüentemente
na
própria inteligência das crianças no período escolar.
Acredita-se que se forem utilizados estes aspectos
como um meio e não como um fim, poderão trazer
sérias conseqüências no ensino-aprendizagem dos
educandos.
Conclui-se então, que um programa de educação
física infantil baseado no jogo da capoeira deve ser
introduzido no ensino de primeiro grau, já que ficou
evidenciado nesta pesquisa que a capoeira tem forte
influência na bivalência psique-motricidade, que são
fatores determinantes para qualquer educação das
crianças” (Ibidem, 1990, p. 67).
Para Santos: “A capoeira deve fazer parte do currículo de ensino de
primeiro grau porque pode prevenir, eliminar ou servir de meio de
compensação de algumas deficiências psicomotoras” (Ibidem, 1990, p. 68).
Santos afirma isto baseado na conclusão de sua pesquisa:
“Crianças submetidas a um programa de educação
infantil
baseado
capoeira,
nos
tiveram
principais
um
ótimo
movimentos
da
desenvolvimento
psicomotor comparando-as com crianças submetidas
a nenhum programa de educação física baseado nos
métodos tradicionais.
A aplicação de um programa de educação infantil
baseado
nos
influenciou
no
elementos
básicos
desenvolvimento
da
capoeira
psicomotor
das
crianças de forma diversificada por motivo de cada
criança ter um ritmo próprio de aprendizagem” (Ibidem,
1990, p. 67).
198
Hélio Campos, conforme já citado anteriormente, afirma que a riqueza
da capoeira está nas suas várias formas:
“A riqueza está nas várias formas de ser contemplada,
onde o aluno poderá assimilar e atuar nas linhas com
as quais mais se identifica: capoeira, luta, dança e
arte, folclore, esporte, educação, como lazer e filosofia
de vida”. (CAMPOS, 1998, p. 21 e 22).
Mas Campos, alerta que apesar da capoeira ter várias concepções,
estas não devem ser ensinadas separadamente.
“Apesar de termos enumerada algumas concepções e
práticas de capoeira na escola, antevemos que deverá
ser ensinada globalizadamente, deixando que o
educando busque a sua identificação em qualquer
destas formas”. (Ibidem, 1998, p. 22).
É notória a ampla possibilidade de desenvolvimento da capoeira para
fins educacionais, da maneira e intervenção que desejar, pois estaremos
reforçando a identidade e cultura brasileira, combatendo e resistindo a fagia
do processo de globalização. Também devemos ressaltar que a capoeira,
por não necessitar de materiais e instalações específicas, que encareceriam
financeiramente sua inclusão neste sentido, é plenamente viável, visto as
dificuldades por falta de recursos, que assola as escolas públicas e também
as particulares com menos recursos financeiros.
Souza & Oliveira, baseados nos Parâmetros Curriculares Nacionais –
Educação Física, pensam que: A capoeira é repleta de significações
socioculturais diferentes das classes dominantes, possuindo um vasto
patrimônio cultural que deve ser conhecido, valorizado e desfrutado pela
Educação Física escolar, o que poderá contribuir para a adoção de uma
postura não preconceituosa e discriminatória diante das manifestações e
199
expressões dos diferentes grupos étnicos e sociais e às pessoas que delem
fazem parte (BRASIL apud SOUZA & OLIVEIRA, 2001).
Lussac sugere e enfatiza a importância da inclusão da capoeira e
outros temas relacionados no currículo escolar, devido a sua ligação com a
História do Brasil e por ser uma manifestação cultural com amplo e grande
potencial:
“A Capoeira deveria fazer parte do currículo escolar,
junto com a História do Negro, porque ela representa
junto com toda uma cultura, a História do Brasil, por
isso seria importante seu ensinamento, pois, dessa
forma o nosso povo teria oportunidade de conhecer e
praticar a nossa cultura e aprender os folguedos
populares de seu país, e assim, buscar a sua própria
identidade. Além de despertar a curiosidade do aluno
para o folclore de seu país, a Capoeira é um folguedo
que pode ser muito bem usado, assim como outras
manifestações culturais de origem brasileira, para fins
educacionais e como um método educativo que
englobe a Educação Física, História e Música
simultaneamente!” (LUSSAC, 1996, p. 37).
Poderíamos também ressaltar, junto a Educação Física, História e
Música, mencionados por Lussac, o Artesanato, que faria uma integração
interdisciplinar com a Educação Artística, assim como as outras, a fariam
com suas respectivas áreas de atuação e conhecimento. “o aluno aprende
também o artesanato, confeccionando Berimbaus, Reco-Recos e peças de
enfeite, como Bijuterias e até a confecção de camisas” (Ibidem, 1996, p. 37).
A confecção de peças de enfeite, como Bijuterias e a confecção de camisas,
apesar de não específica da capoeira, é conhecida e feita por vários mestres
e alunos da capoeira, este aprendizado é de grande valia, quando se trata
de comunidades carentes, para poderem aplicar tal aprendizado em uma
200
ajuda financeira em suas famílias. Lussac ainda tece alguns comentários
sobre a parte musical (rítmica) e de história da capoeira:
“A parte musical (rítmica)
O aluno ganha uma afinidade musical, aprendendo a
cantar e compor músicas, conhecendo os seus
significados, abusando da improvisação, aprende
também a tocar os diversos instrumentos utilizados na
Roda de Capoeira (berimbau, atabaque, pandeiro,
agogô, reco-reco, afoxé e xequerê), e também outros
ligados aos diversos folguedos e ritmos aprendidos
(Samba, Samba-Reggae, Reggae, Frevo, Maracatu,
Marcha, Pagodes, Choros e outros).” (Ibidem, 1996, p.
37).
“A parte Histórica
O aluno tem o aprendizado da parte da História da
Capoeira (passado, presente e futuro, por que não? Já
que ele tem de tomar conhecimento da situação atual
para acompanhar a Capoeira) e sua relação com a
História do Brasil desde antes de sua descoberta,
conhecendo seus fundamentos e sua verdadeira
essência. O aluno também passa a ter contato com
outros folguedos populares, como o Maculelê, Puxadade-rede (a pesca do xaréu), o Samba-de-Roda, o
samba-Duro, Fandango, Bate-Coxa, Pernada Carioca,
Bumba-meu-Boi, Jongo e outros;” (Ibidem, 1996, p.
37).
A possibilidade de conhecer outros folguedos populares, como Lussac
mencionou, traz um rico universo cultural ao aluno, além de possibilitar o
conhecimento de vários ritmos. É importante que as culturas regionais
possam ser preservadas e difundidas. A capoeira vem através dos anos
201
contribuindo em parte com isso, quando são feitas apresentações folclóricas,
pelos próprios capoeiristas, em conjunto com a da capoeira.
De acordo com Freitas & Freitas, pode-se afirmar que a aula de
capoeira na escola feita para a escola é uma nova atividade didáticopedagógica que além de alcançar os objetivos a que se dispôs, transforma a
criança em melhor conhecedora de seu próprio corpo fazendo da aula uma
grande brincadeira dirigida e transdisciplinar (FREITAS & FREITAS, 2002):
“justifica-se a oferta deliberada e institucionalizada da
capoeira
nas
escolas...
não
somente
enquanto
conteúdo de um componente curricular (Educação
Física),
ministrado
em
prol
das
práticas
preconizadoras para o mesmo, mas também enquanto
componente curricular paralelo à Educação Física”
(Ibidem, 2002, p. 11).
Mas segundo Freitas & Freitas, ainda é fraco o olhar de
reconhecimento oficial da capoeira como manifestação de riqueza
multifacetada, passível de incentivo deliberado de sua disseminação pelo
país, traduzido em práticas que conduzem à efetivação de sua escolarização
(Ibidem, 2002). Os autores complementam dizendo que, se levarmos em
conta a manifesta incapacidade que as escolas têm demonstrado em
garantir a oferta dessa vasta gama de atividades motoras na sentido de
garantir um desenvolvimento motor global, mais certos ficaremos da
pertinência da valorização e do incentivo à prática generalizada da capoeira
por parte das instituições (Ibidem, 2002).
Para Souza & Oliveira, a capoeira deve ser reconhecida como uma
alternativa rica para o desenvolvimento das estruturas da criança, em
relação ao seu aspecto motor:
202
“esse desenvolvimento ocorrerá na medida em que a
modalidade for oferecida aos alunos como conteúdo
da
Educação
Física
escolar,
professores
da
modalidade,
fundamentados
crescimento,
área
com
ministrada
conhecimentos
nos
desenvolvimento
e
processos
por
da
de
aprendizagem
motora.” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 46).
Souza & Oliveira pensam que o professor não precisa ser um mestre
de capoeira, mas um observador, estudioso e que minimamente consiga, de
forma tecnicamente correta, as possibilidades de movimento da capoeira e,
com isso, explorar toda a sua riqueza motora (Ibidem, 2001). Os autores
ainda comentam sobre a questão de gênero, onde não é preciso a
separação de meninos e meninas, possibilitando a integração entre os
gêneros, para que possam observar-se e descobrirem-se, podendo assim,
serem mais tolerantes, compreendendo as diferenças e não reproduzindo
relações autoritárias, machistas e estereotipadas (Ibidem, 2001).
Velloso cita Barbieri quanto a sua visão sobre a capoeira como
educação:
“Para Barbieri, a capoeira como educação permite ao
desenvolvimento da relação entre a unidade e a
totalidade, “relação entre a unidade do Homem e a
totalidade é um caminho para se observar a capoeira
diacronicamente e nele se dá o encontro entre vários
elementos tais como o exercício físico, a música, a
poesia,
o
canto,
o
ritmo
e
a
criatividade,
a
determinação à coragem, a liderança, o diálogo, a
comunicação
e
outros
elementos
não
menos
importantes, contribuindo para o desenvolvimento do
auto-conhecimento
e
(VELLOSO, 1998, p. 29).
da
auto-estima”
(1993).”
203
Como demonstramos o potencial e as qualidades da capoeira,
somadas ao seu vasto repertório e brasilidade, a tornam um excelente meio
de promover uma educação, de acordo com a nossa identidade cultural. Não
bastando unir o universo popular ao escolar, a capoeira, atualmente, se
dispõe como alternativa de resistência artística e cultural ao domínio e
devastação da globalização. Conforme demonstrado por vários autores, a
capacidade de desenvolvimento psicomotor que a capoeira oferece é de
grande valia para o meio educacional. Portanto a capoeira e a educação
devem estar de mãos dadas nesta caminhada por resultados positivos para
o Brasil, no Século XXI. Seja na educação formal, em escolas,
universidades, etc; ou informal, em centros culturais, esportivos e
comunitários, a capoeira pode ser uma de nossas artes e culturas, que mais
tem a oferecer para estes fins.
2.4 - Capoeira: esporte / desporto
Poderíamos pensar e afirmar que a capoeira, em sua essência, está
mais para uma “pelada” de futebol, do que para um jogo de campeonato no
maracanã. Queremos dizer com esta afirmativa que uma “pelada”, onde o
futebol é jogado por prazer, como esporte de forma lúdica e quando as
regras são mais flexíveis, o jogo pode sofrer adaptações e variações, e é
condicionado ao grupo de sujeitos da atividade coletiva; está mais próximo a
uma roda de capoeira feita na rua, numa praça ou local semelhante. Ao
contrário, como em um jogo de futebol entre grandes clubes, onde vários
outros fatores entram neste contexto, como a cartolagem, tabelas de
campeonatos e principalmente altas quantias de dinheiro, também estaria
um campeonato de capoeira semelhante a estes padrões. Já vimos que a
forma desportiva, de campeonatos da capoeira, trouxe perdas culturais e de
identidade desta arte-luta. Ainda é prematura a forma de campeonatos de
capoeira, disputas formalizadas, onde a capoeira não perderia suas
características principais e fundamentais, apesar da evolução destas que,
estão longe do ideal.
204
Mesmo assim, há grupos que defendem a capoeira desportiva e
formal, fomentando até a inclusão dela nas olimpíadas. Achamos precipitada
a ambição olímpica para esta modalidade, tanto na forma que atualmente é
feita e da velocidade de sua evolução e desenvolvimento, quanto à parcela
pequena e pouco representativa da capoeira em geral, envolvida na
discussão e aprimoramento deste assunto, assim como a própria
desenvoltura desportiva no cenário nacional. Achamos que primeiramente, a
capoeira desportiva deveria ser muito mais desenvolvida no Brasil, seu local
de origem, para posteriormente ganhar o cenário internacional.
A informalidade da prática de esportes encontra na capoeira sua
máxima, contrapondo aos valores formais e desportivos, em voga
atualmente. Talvez a informalidade de praticar esporte esteja mais
apropriada para a realidade não só da capoeira, mas até, da sociedade
brasileira atual, atuando na vertente da qualidade de vida e bem estar.
Podemos até pensar que a vertente desportiva e formal da capoeira tem
muito a aprender com o modo informal desta e extrapolando este limite, até
outras modalidades também o têm, pois na capoeira informal o importante é
participar, ao contrário de competir.
Através dos anos do século XX, principalmente na segunda metade
deste, como vimos, a capoeira sofreu e vem sofrendo um processo de
institucionalização
e
esportivização
constante.
Ela
foi
enquadrada
especificamente como esporte e sua organização gira toda em torno deste
meio. Há grupos que enfatizam o seu lado cultural e informal, não só no
aspecto prático, mas também no organizacional, contrapondo ao desportivo
e formal. Contudo a grande maioria na capoeira adota padrões desportivos
em sua forma de organização. Esta afirmativa é notória quando observamos
a própria graduação e hierarquia utilizada na capoeira em sua grande
maioria, que claramente foi apropriada da forma desportiva das artes
marciais orientais. Lussac fez algumas considerações sobre o sistema de
graduação mais difundido na capoeira:
205
“Vários grupos adotam um sistema de graduação (com
“faixas”, cordas ou cordéis), mas como o que faz um
capoeira é a sua vivência e maturidade, e não só o
treino e a técnica, isso não pode ser avaliado apenas
com uma graduação. O Mestre sabe o valor, a
capacidade e o estágio de cada discípulo. Além disso,
esse sistema incita à competição, filosofia que não tem
afinidade com os ideais de igualdade da Capoeira. A
hierarquia é natural, assim como a vida; o certo seria
separa por fases de aprendizado em que o aluno
tomaria conhecimento do seu biótipo e possibilidades,
sendo um aprendizado gradativo, mas não “taxativo”.”
(LUSSAC, 1996, p. 37).
A forma de avaliação dos alunos quanto à graduação na hierarquia
ainda é restrita a cada grupo e de maneira centralizada no mestre deste
aluno, porém, de maneira geral, subjetiva. Achamos que tanto esse sistema
mais difundido, quanto ao utilizado na Capoeira Angola, deveria ser mais
bem estudado e desenvolvido, para que os conteúdos fossem melhor
ministrados e este processo fosse mais democrático e levasse em conta a
polivalência e a característica multifacetada da capoeira, respeitando
também a individualidade dos alunos, assim como seus anseios.
O
processo
de
ensino-aprendizagem
e
transmissão
dos
conhecimentos da capoeira não pode ficar “atolado” no tempo, acreditamos
que
estes
podem
se
apropriar
de
processos
pedagógicos
mais
desenvolvidos e evoluídos para a própria capoeira se desenvolver e evoluir.
Aos docentes cabe a responsabilidade por buscar os caminhos para isso, só
assim estaremos em sintonia com o verdadeiro propósito humano, a
evolução, mas com consciência e domínio deste processo. Deixá-lo exposto
a fatores externos e interiorizá-lo, isolando-o do contexto macro social, seria
alijá-lo de suas reais possibilidades de desenvolvimento dos seus potenciais.
206
Neste sentido faz-se necessária uma ampla discussão sobre a prática da
capoeira, no sentido geral, desportivo, esportivo, etc.
Outro fator que deve ser levado em conta na forma desportiva da
capoeira é o pouco desenvolvimento científico na área do treinamento. A
grande variedade de executar seus gestos, golpes e movimentos e a
assimetria destes, são bem diferentes de movimentos bem estudados em
outras modalidades, como a corrida e a ginástica olímpica, onde seus
componentes já foram amplamente estudados e aprimorados dentro de seus
padrões retilíneos e limitados quanto à criatividade.
Lussac conta que certa vez, ao final de seu curso de graduação em
educação física, propôs ao professor Valmir Bastos da UNESA, doutorando
em treinamento desportivo e que faleceu poucos anos depois, escrever um
livro em conjunto sobre treinamento desportivo na capoeira. O professor
Valmir aceitou e respondeu a Lussac que, este primeiramente teria que
catalogar e analisar todos os movimentos da capoeira. Lussac disse a Valmir
que só isso, seria uma tarefa muito ampla e complicada e que por si só
geraria um livro e despenderia muito tempo e pesquisa. Devido ao
falecimento do professor Valmir este projeto não foi adiante.
Cremos que o modo formal e desportivo da capoeira ainda têm um
longo caminho de desenvolvimento e o informal, como fenômeno, deveria
ser melhor analisado e compreendido para de forma livre, continuar
perpetuando a arte e a cultura da capoeira.
2.5 - Capoeira como terapia e reeducação
“Quanto valor da cultura, a capoeira com todos os
seus caracteres representa um fator de comunhão
histórico-cultural, transmitindo idéias, sentimentos e
costumes de uma geração a outra. Seus episódios
históricos podem despertar a análise crítica e sua
207
prática também tem valor terapêutico, diminui a tensão
nervosa, influindo na formação de crianças problema
para o caminho de crianças mais relaxadas, tranqüilas
e normais, fazendo com que sejam aceitas no âmbito
escolar sem tantas dificuldades” (SANTOS, 1990, p.
51 e 52).
A terapia e a reeducação são áreas geralmente mais exploradas por
Psicomotricistas e ainda pouco por Profissionais de Educação Física e de
Capoeira. Contudo, a capoeira para este fim pode ser de grande valor e
utilidade, se empregada corretamente e de maneira apropriada para tais
finalidades. Vastos são os recursos e qualidades desta arte que podem ser
utilizados para este fim. Para ser um profissional desta área, além de estar
capacitado e preparado, este deverá nutrir um afeto especial por este tipo de
trabalho, que requer muita sensibilidade, amor, carinho, respeito e outras
tantas atribuições, como as próprias férias, em determinados casos, devido
ao nível de envolvimento entre o profissional e o paciente, aluno ou “cliente”.
Segundo Silveira Costa, a capoeira tem alto valor terapêutico:
“Como potencial, além da prática normal, existe um
grande acervo de possibilidades de aplicar esses
recursos da Capoeira, tais como para ajudar na terapia
de excepcionais, ou pessoas com dificuldades físicas
– deficientes ou pessoas traumatizadas.” (SILVEIRA
COSTA, 1993, p. 80).
Silveira Costa pensa que, por todas as suas qualidades, a Capoeira
pode ser dirigida, como uma importante alternativa, para o combate ao
estresse da vida atual (Ibidem, 1993).
208
De acordo com Ribeiro, através da capoeira despertamos o espírito
de solidariedade, compreensão, amizade e socialização (RIBEIRO, 1992).
Para este autor:
“Capoeira-terapia é para o deficiente uma fase onde a
maior técnica á a perfeição de todos os movimentos
realizados, e o desafio é a superação e, sobretudo, a
realização
da
atividade.
A
adaptação
é
o
desenvolvimento e a perfeição de aprendizagem, e,
ambos são fatores relacionados com o adequamento
físico através das tarefas distribuídas, evidenciando o
domínio e o despenho de cada um.
Como no deficiente há um déficit de uma, ou algumas
habilidades, é útil a Adaptação e socialização desta
clientela.” (Ibidem, 1992, p. 19).
Segundo Ribeiro, para que o deficiente participe das atividades gerais
e, mais especificamente, das atividades esportivas é necessário que
apresente o mínimo de condição, que lhe possibilite tal participação. Para
Ribeiro, a “Estimulação Essencial” é o desenvolvimento de todos os
estímulos para suprir as necessidades através dos sentidos bem apurados.
Esta estimulação deverá acontecer no momento certo e adequado,
respeitando a(s) etapa(s) de desenvolvimento do sujeito. A importância da
capoeira na Estimulação Essencial está na integração do sujeito e o seu
meio e na relação motora, a partir do desenvolvimento dos aspectos
funcionais básicos. Para Ribeiro, conhecimento é domínio do corpo. O
estímulo de todas as partes do corpo seria um exemplo para o praticante
entender que a própria natureza possibilitou ao ser humano condições,
qualidades e recursos. Tudo tem sua utilidade, e pode ser utilizado, desde
que haja pleno estado de consciência, pois o potencial humano deve ser
testado a cada momento em diferentes situações (Ibidem, 1992).
209
Ainda na obra de Ribeiro, Capoeira Terapia (1992), há o depoimento
do Dr. Érico Guanais M. Neto, Psiquiatra Infantil, onde registra que, durante
o período em que a capoeira era praticada com crianças deficientes mentais,
crianças portadoras de problemas neurológicos, distúrbios de locomoção e
epiléticas com comportamento psíquico, no Pavilhão “Artur Ramos”, do
Hospital-Colônia Lopes Rodrigues, foi notado que o índice de melhoria das
crianças crescia bem mais, do que antes do início do trabalho terapêutico.
Neste período, foi constatada a diminuição da agressividade e das agitações
psicomotoras presentes, pois antes, estes comportamentos eram freqüentes,
nessas crianças, por falta de uma atividade específica. Notamos ainda um
melhor desenvolvimento físico, um amadurecimento psíquico mais rápido e,
também, que elas adaptavam-se mais facilmente à sociedade. Dr. Érico
reafirma a importância da capoeira como terapia alternativa para esta
clientela, e, reitera que a partir deste trabalho houve diminuição da
quantidade de medicação utilizada por cada um naquele período
(neurolépticos e tranqüilizantes), assim como a diminuição do período de
permanência dessas crianças nestes serviços, uma vez que obtinham alta
antes do tempo previsto, sendo rapidamente integradas no convívio social,
participando de atividades com crianças consideradas normais. (Ibidem,
1992).
Nesta mesma obra, também há o depoimento de Mary Diva Silva
Portugal, Fisioterapeuta-Clínica “Neofisio” e Diretora Geral da APAE de Feira
de Santana. Neste, Mary diz que o esporte exerce um papel fundamental no
desenvolvimento somático e funcional de todo o indivíduo, e que para o
portador de deficiência, respeitando-se as suas limitações e capacidades, o
esporte tem importância inquestionável. A capoeira vem tendo destaque
muito grande, não só como esporte, mas, no caso dos portadores de
deficiência, ela atua, verdadeiramente, como terapia. Considerando sempre
a etapa mental, cronológica e motora do indivíduo, propicia um
desenvolvimento orgânico mais satisfatório, melhora o tônus muscular,
permite maior agilidade, flexibilidade e ampliação dos movimentos. Auxilia o
ajuste postural, bem como o esquema corporal, a coordenação dinâmica e,
210
ainda, desenvolve agilidade e força. Mary pensa que outro ponto
fundamental, é que a capoeira não promove riscos, tais como fadiga
muscular e alterações articulares ósseas, que podem ocorrer em outras
práticas. As contrações musculares, provocadas por seus movimentos, são
precisas em relação à força, velocidade e ritmicidade. Mary ressalta que, a
capoeira proporciona a liberdade de sentimentos como agressividade e
medo, levando o portador de deficiência a adquirir uma condição física mais
satisfatória e um comportamento mais socializado (Ibidem, 1992).
Ribeiro ainda nos diz que o deficiente é capaz de responder a
qualquer estímulo que lhe seja endereçado, desde que haja paciência,
carinho e muito amor para realizar qualquer atividade proposta, e que, a
preocupação maior será com os objetivos a serem alcançados e com o que
o
aluno
pode
espontaneidade
conseguir.
e
O
autor
descontração
complementa
são
fatores
dizendo
que
que
a
possibilitam
o
relacionamento adequado para as atividades propostas, sendo o diálogo a
forma de acesso à personalidade de cada um (Ibidem, 1992).
A capoeira como terapia e reeducação, hoje em dia, deve ser
encarada como uma ótima alternativa para a recuperação, tratamento e
desenvolvimento, nestes sentidos; pois como já visto anteriormente, a
capoeira tem um universo amplo e rico, que pode ser aproveitado. Basta o
profissional envolvido, realmente conhecer a capoeira, para poder perceber
e retirar desta, toda a gama de potencialidade a ser usada para este fim,
além de estar atento para as peculiaridades deste tipo de trabalho.
2.6 - Capoeira: lúdico, prazer e musicalidade – O Jogo da Capoeira, quando
a cultura acontece em sua plenitude
Segundo
o
Glossário
da
SBP,
a
Sociedade
Brasileira
de
Psicomotricidade: “Lúdico: Referente ao que tem o caráter de jogos,
divertimentos e brinquedos.” (SBP, 2003). Brincar é oriundo do Latim
Vinculum, e significa vínculo, laço, união.
211
Baseados nestas concepções, o Jogo da Capoeira apresenta o
caráter lúdico, de brinquedo, onde a espontaneidade e o divertimento estão
presentes neste jogo musicado. A disputa que por vezes pode insurgir a
violência, também tem o seu aspecto positivo, quando dentro dos limites do
prazer do jogo. A violência física que anos atrás era uma constante em
rodas de capoeira, atualmente é na maioria das vezes reprimida e rejeitada,
voltando assim, como descrito no capítulo I, a vadiação da capoeira, a
capoeira como brinquedo.
Por estarem somados ao jogo os aspectos de canto e música, cresce
ainda mais as potencialidades de ludicidade deste. A música como
linguagem e comunicação sempre esteve presente, ligada a vida e evolução
dos seres humanos. Para Adriana Simões de Araújo: “A música e o
movimento se desenvolvem paralelamente, pois a cada movimento a música
terá uma vibração diferente.” (ARAÚJO, 1998, p. 11). Neste sentido
podemos pensar que em uma roda de capoeira, há uma ampla e complexa
interligação entre música e movimentos, e mais, entre: canto, coro, bateria
ou charanga (pessoas dos instrumentos), jogadores e meio ambiente, além
do próprio contexto do momento e outros fatores que possam intervir ou
influenciar a roda. Araújo abordando a música e o movimento cita Camargo:
“Em Camargo ( 1994 ), encontramos o que a música
integrada ao movimento pode proporcionar:
- contribuir para a educação dos sistemas psicomotor
e neuromuscular, desenvolvendo ainda o sentido e a
direção;
- indica, automaticamente, o ritmo, desobrigando o
professor e aluno dessa tarefa, que não raras vezes
dificulta a liberdade de movimento;
-afasta o clima de monotonia que se instala pelo
marcar
exclusivo
do
ARAÚJO, 1998, p. 11).
ritmo.”
(CAMARGO
apud
212
“não basta que a atividade muscular reproduza as
linhas melódicas ou formas musicais, é necessário que
a música seja a medida certa para o movimento,
adequando-se aos seus princípios básicos e aos
objetivos que se almeja atingir. Da qualidade da
música
depende
a
qualidade
do
movimento”
(CAMARGO apud ARAÚJO, 1998, p. 11).
Concordamos com Camargo quando diz que da qualidade da música
depende a qualidade do movimento, é fato que em uma roda de capoeira
bem formada e com um ritmo impecável e contagiante, é aonde se
encontram os melhores jogos de capoeira. A música na capoeira,
principalmente na roda, é o principal fator lúdico, característico da capoeira e
justamente, o que a faz diferir de outras modalidades. Segundo Campos:
“vários
são
os
fatores
que
influenciam
na
aprendizagem do ritmo e movimento com relação ao
resultado final, uma vez que o ritmo
> facilita:
- movimentos belos e harmoniosos;
- melhor incorporação técnica;
- economia de movimentos;
- liberdade de movimentos;
- expressão natural e autêntica;
- reconhecimento e consciência da mecânica do
movimento;
- percepção sincrética da forma;
- consciência dos níveis e qualidade do movimento;
- coordenação psicomotriz;
> reforça:
- a memória motriz;
> estimula:
213
- o trabalho físico e mental econômico, diminuindo a
fadiga
e,
conseqüentemente,
melhorando
o
rendimento resultado.
A Capoeira é uma atividade física riquíssima em
movimento e ritmo.” (CAMPOS, 1998, p. 123 e 124).
O Jogo da Capoeira acontece em sua plenitude quando este é
realizado de maneira informal e seus agentes estão livres para exercer a
liberdade de expressão e criatividade, próprias da cultura e arte popular,
longe de regras de mercado, formalizações desportivas, policiamento e
cerceamento das atitudes comuns à prática da capoeira. Portanto, a
capoeira acontece em sua máxima, nas ruas, praças, praias e tantos outros
lugares, onde a capoeira e os capoeiras podem realmente exercer seus
conhecimentos e práticas em sua real plenitude e com prazer, sem serem
amputados em qualquer instância ou modo.
2.7 - A Capoeira é para todas as faixas etárias
“a capoeira é um jogo, e entende-se por jogo
psicomotor um tipo de atividade que alia o princípio do
movimento, inerente ao ser humano, à características
lúdicas. O jogo, normalmente, é para recrear e não
para testar capacidades, e o jogo de capoeira como
todos os jogos, também tem suas regras, que devem
variar de acordo com a faixa etária de quem o pratica.
O jogo também deve respeitar o princípio da
individualidade Biológica” (BECHARA, 1985a).
“Conhecer as características básicas das diversas faixas etárias se
torna importante, para que tenhamos um ponto de partida para a práxis da
motricidade na capoeira”. (Ibidem, 1986, p. 25).
214
De
acordo
com
Bechara,
como
dito
acima,
conhecer
as
características de cada faixa etária é importante para o trabalho de capoeira
e também para sua prática e jogo, pois como disse o autor, o jogo deve estar
de acordo e respeitar a faixa etária do praticante e o princípio da
individualidade biológica. Apesar disso, o jogo da capoeira é bem flexível
quanto a este aspecto, pois observamos rodas de capoeiras compostas por
pessoas de diferentes faixas etárias. Portanto podemos afirmar que a
capoeira pode ser proporcionada a todas as faixas etárias, respeitando suas
características e peculiaridades.
2.7.1 - Crianças e Pré-adolescentes
Como observamos anteriormente, a capoeira como educação tem um
valor e potencial inestimável, também vimos que nesse contexto, mais
especificamente, está incluída a criança, onde o universo educacional é o
meio para seu desenvolvimento integral, desse modo, a capoeira tem reais
chances de fazer parte deste universo, pois o jogo da capoeira, traz amplas
possibilidades de desenvolvimento para a criança, inclusive o psicomotor.
Para Santos: “O jogo é uma das principais características da capoeira,
e o seu papel na vida da criança serve como um estimulante do
desenvolvimento e crescimento das potencialidades da mesma,” (SANTOS,
1990, p. 45), e ainda, “pode-se concluir que a capoeira como jogo recreativo
é uma atividade que contribui no desenvolvimento psicomotor de crianças
em idade escolar” (Ibidem, 1990, p. 67).
“Não podemos esquecer que além dos problemas individuais de cada
criança os aspectos psicomotores estão correlacionados com outros fatores
como os afetivos, sócio-culturais, econômicos, pedagógicos e institucionais”
(Ibidem, 1990, p. 68). Quando Santos diz que estes fatores devem ser
levados em conta, ele leva em conta a inter-relação entre todos estes para
um real e completo desenvolvimento psicomotor, visto estarem todos estes
interligados. Segundo Santos, a educação psicomotora, baseada no
215
movimento, cuja capoeira é rica e variada, para a aprendizagem, é
primordial para o desenvolvimento da criança:
“Várias ciências têm demonstrado através de estudos
científicos, aprovados também pelos críticos da
educação, que a educação psicomotora serve de base
para o desenvolvimento integral da criança, por este
basear-se no movimento como suporte para a
aprendizagem”. (Ibidem, 1990, p. 37).
De acordo com Freitas & Freitas, a capoeira oferece muitas
experiências motoras, primordiais para o desenvolvimento da criança:
“se poderá facilmente concluir que quanto mais
experiências motoras tiver uma criança, melhor e mais
sólido será o seu desenvolvimento. Sendo assim, uma
manifestação que tal como a capoeira ofereça uma
enorme variedade de experiências motoras (e no caso
aliada a vivências rítmicas, criativas e expressivas)
será
auxiliar
inequívoco
de
uma
programação
educativa desenvolvimentista.” (FREITAS & FREITAS,
2002, p. 11).
Bechara propôs estágios de aprendizado para a capoeira de acordo
com cada faixa etária, esta preocupação do autor, deveria ser levada em
conta por todos os profissionais da capoeira, que ministram aulas para
crianças, devido às particularidades das mesmas, e também, para um pleno
aprendizado e desenvolvimento da criança:
“Estágio I – crianças de 6 e 7 anos: O ensino de
capoeira nesse estágio deve acontecer de uma forma
bem recreativa, buscando-se a satisfação e não a
técnica e perfeição dos movimentos. Deve-se também
216
evitar o aspecto competitivo, pois pode gerar um grau
de ansiedade muito grande e também possíveis
frustrações.
Estágio II – crianças de 8 e 9 anos: Nesse estágio a
criança já tem relativamente uma boa discriminação
cinestésica que deve ser reforçada e desenvolve suas
capacidades de coordenação. O ensino da capoeira
neste estágio, também deve visar a satisfação, porém
já pode-se explorar um pouco da técnica dos
movimentos, pois nesta fase a criança compreende
melhor sua capacidade de rendimento.
Estágio III – crianças de 10 e 11 anos: Nesse estágio a
criança encontra-se aperfeiçoando suas habilidades.
Já se consegue trabalhar anível de destreza motora.
Estágio IV – crianças de 11 a 14 anos: Nesse estágio
a
criança,
normalmente,
já
domina
bem
suas
habilidades e pode-se trabalhar no sentido amplo da
aquisição das destrezas motoras. Muitos autores
consideram como a fase de melhor capacidade de
aprendizagem motora na infância; porém existem
crianças que nessa fase tornam-se extremamente
preguiçosas e cansadas, por seu grande impulso de
crescimento e início de puberdade.
Estágio V – crianças de 14 anos em diante: Nesse
estágio inicia-se a 2a fase da puberdade e o educando
está apto para o aperfeiçoamento de suas destrezas
motoras (neste estágio incluem-se também os adultos,
pois a metodologia de Ensino, pouco difere dos
demais jovens).
Esta divisão também facilita a seleção de atividades
psicomotoras de acordo com as necessidades das
respectivas faixas etárias” (BECHARA, 1986, p. 24 e
25).
217
Não queremos dizer que estes estágios sejam levados como
referências, mas sim, ressaltamos a importância da existência e utilização
deles como parâmetros pedagógicos de aprendizado e treinamento. Bechara
faz ainda importantes ponderações sobre características semelhantes de
certas faixas etárias e a interposição destas, que podem aparecer, devido às
individualidades dos alunos e seus diferentes processos maturacionais:
“é possível que certas características que estão
relacionadas, por exemplo, no estágio IV, apareçam
no estágio II, e assim sucessivamente. A idade
Biológica
nem
sempre
corresponde
a
idade
cronológica, em conseqüência surgem crianças de
mesma
idade
cronológica
com
vários
níveis
maturacionais bem diferentes; O aparecimento dessas
características tem como variáveis o relacionamento
social do mundo que cerca o educando e como as
suas
percepções
se
interrelacionam
com
este
processo” (Ibidem, 1986, p. 25).
A capoeira ministrada para crianças deve realmente levar em conta as
características desta faixa etária, visto todas as afirmações feitas
anteriormente e por ser esta fase da vida, primordial para o desenvolvimento
do ser humano. Também reafirmamos o enorme potencial da capoeira para
o desenvolvimento integral da criança.
2.7.2 - Adolescentes, Jovens e Adultos
No geral, os adolescentes aprendem capoeira junto a adultos, por ser
o aprendizado da capoeira pautado no desenvolvimento da coordenação
motora específica dos gestos da capoeira, uma das principais qualidades
físicas a serem desenvolvidas nesta faixa etária. O adolescente está em
constante reestruturação afetiva, emocional e corporal, portanto cuidados
218
especiais devem ser levados em conta ao desenvolver atividades com
adolescentes na capoeira, como a prescrição de certos exercícios físicos.
Adolescentes não são adultos, com já dizia Mestre Caiçara da capoeira:
“Roupa de homem não dá em menino”. Os exercícios propostos para esta
faixa etária devem estar de acordo com suas condições, potencialidades e
limites. Também devem ser levados em conta os aspectos de socialização,
aspectos importantes nesta faixa etária, visto ser a capoeira, no geral,
praticada em grupos. A prática da capoeira não só beneficia a inclusão
social, mas também os afasta dos descaminhos da vida, como o uso de
drogas e desrespeito aos familiares.
Várias pessoas aprendem a capoeira quando criança ou na juventude
e a continuam praticando durante a vida inteira. Nos dias atuais, é difícil
manter a continuidade da prática de atividades físicas, devido a vários
fatores da sociedade moderna. Contudo, é extremamente necessária para a
saúde e qualidade de vida a continuação desta prática, principalmente a da
capoeira, por envolver tantos outros aspectos, além da atividade física.
Mesmo as pessoas que nunca praticaram capoeira ou qualquer outra
atividade física e ou cultural, encontram nela quando já adultos, a prática
que traz imensos benefícios para a vida de maneira geral. A capoeira é uma
verdadeira arma de contra-ataque às mazelas da sociedade moderna e um
caminho saudável para chegar à terceira idade em condições de viver a vida
com qualidade.
2.7.3 - Terceira Idade
Podemos afirmar que futuramente haverá muitos praticantes e
admiradores desta arte já na terceira idade, e ao mesmo tempo mais
profissionais trabalhando neste setor; mas será que estes estarão
preparados para isso? Será que as instituições do ramo o estarão? Haverá
políticas públicas e sociais adequadas? Afinal, as aposentadorias de
219
diversos idosos sustentam muitas famílias no Brasil. Eles merecem a devida
atenção. Segundo Acosta:
“Um agravante soma-se esses dados. Em 1980, 48%
da população idosa do planeta estavam nos chamados
países em desenvolvimento, América Central e do Sul,
África e Ásia, atingindo algo em torno de 300 milhões
de pessoas. No ano 2000, este percentual aumentará
para 60%, perfazendo um número de 600 milhões de
idosos,
dobrando,
portanto,
sua
participação
na
população total. A previsão para 2025 é assustadora,
pois 72% da população idosa estarão nos países em
desenvolvimento, atingindo a cifra de 1bilhão e 120
milhões
de
pessoas.
Digo
assustadora
porque
conhecemos a realidade social brasileira, bem como a
dos outros países que se encontram no mesmo estágio
de desenvolvimento, totalmente despreparados para
lidar com sua realidade e com a inexistência de políticas
públicas.” (ACOSTA, 2000, p. 46).
“As estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) apontam para o fato de que o Brasil
terá em 2005 a sexta população mais idosa do mundo,
representando 14% do total da população brasileira. De
acordo com o senso de 1991, os idosos somam
atualmente 10 milhões e 700 mil brasileiros.” (Ibidem,
2000, p. 46).
Segundo Acosta a definição da condição de terceira idade é a
seguinte:
“São consideradas pessoas na terceira idade aquele
segmento da sociedade referenciado principalmente na
220
chamada Política Nacional do Idoso, definida pela lei
federal n. 8842, de 4 de janeiro de 1994, que em seu
artigo 2o reza: “Considera-se o idoso, para todos os
efeitos desta lei, a pessoa maior de sessenta anos de
idade”. Trabalhamos com esta classificação, embora a
Onu considere idosas as pessoas a partir de 65 anos de
vida.” (Ibidem, 2000, p. 45).
Complementando, Acosta ainda faz algumas considerações e
observações quanto a esta definição:
“Além
das
característica
pessoas
que
cronológica,
se
enquadram
sabemos
também
nesta
que
algumas outras tantas pessoas, ainda que não tenham
chegado lá, possuem dificuldades comuns à faixa etária
mencionada, como problemas de saúde, isolamento,
baixa auto-estima, limitações em sua autonomia de
movimento, etc.” (Ibidem, 2000, p. 45).
Verifica-se então, que num trabalho com a terceira idade, as três
maneiras de intervenção psicomotora (MELLO, 2002): Reeducação
Psicomotora, Terapia Psicomotora e Educação Psicomotora podem estar
sendo empregadas em separado e/ou ao mesmo tempo, devido às
peculiaridades desta fase da vida.
No caso da terceira idade, além de mestres antigos que praticam a
capoeira com toda a sua jovialidade e de praticantes que só a descobriram a
pouco tempo, há também aqueles que têm o prazer e paixão em admirar
uma boa roda de capoeira, podendo participar até junto ao coro da roda ou
pesquisar esta fascinante e multifacetada arte. Cabe ressaltar que a
atividade de capoeira direcionada ao idoso deve respeitar este público alvo,
atendendo suas necessidades e anseios.
221
Há pouquíssimas pesquisas sobre a capoeira e a terceira idade. É
necessário ampliar as pesquisas e temáticas vinculadas a esta faixa etária,
para um maior conhecimento das potencialidades de utilização da capoeira
direcionada ao desenvolvimento psicomotor de seus praticantes da terceira
idade.
O aspecto lúdico é um dos grandes responsáveis atualmente pela
procura e prática da capoeira, este então deve ser o principal aspecto a ser
trabalhado, sendo um canal para se conseguir os objetivos almejados em
um trabalho com a terceira idade. Segundo Acosta:
“Penso, no entanto, que, independentemente da idade,
cada cidadão deve ter respeitado o seu espaço de
participação social e contribuir a partir de suas
possibilidades. No trabalho com os idosos somos
levados a refletir sobre quais são essas novas maneiras
de participação, e o envolvimento lúdico é, sem dúvida
alguma, a maior de todas.” (ACOSTA, 2000, p. 45 e 46).
“Para quem gosta de definições, no Dicionário Escolar da Língua
Portuguesa, editado pelo Ministério da Educação, encontramos o seguinte:
“Lúdico: relativo a brinquedos, jogos, sem mira de resultados materiais”.
(Ibidem, 2000, p. 46). Continuando, Acosta faz uma reflexão sobre o lúdico:
“Primeiramente gostaria de salientar que para mim o
lúdico não é definível, não é possível dizer ou precisar o
que seja o lúdico, apenas fazer aproximações sobre seu
valor e funções. Creio que seja mais um daqueles
casos de conceito que todo mundo entende e aceita,
mas ninguém delimita, assim como educação cultura,
etc.
Portanto,
o
lúdico
seria
fundamentalmente
experienciável, vivido, e depende de como cada
indivíduo o experiência para ser isso ou aquilo. Este é
222
um objetivo possível do trabalho com a terceira idade:
aumentar a autonomia dos idosos através do trabalho
com o movimento humano, enfocado a partir da
perspectiva lúdica.” (Ibidem, 2000, p. 47 e 48).
Acosta, quando pensa que o lúdico deve ser experiênciado e vivido,
nos faz pensar que o lúdico não está em assistir um programa de TV aos
domingos, e sim, nas vivências concretas do homem. Uma destas vivências
pode ser a capoeira. Finalizando, Acosta aborda a atitude como fator crucial
para a concretização do lúdico:
“a meu ver a descoberta de que não existem
brinquedos
ou
atividades
que
“magicamente”
carreguem consigo uma ludicidade embutida. Existem
sim
atitudes
lúdicas,
atitudes
brincalhonas,
fundamentalmente porque o lúdico se dá em cima de
valores que são construídos por quem livremente adere
às propostas.” (Ibidem, 2000, p. 45).
O que nos leva a crer que se tratando de lazer uma das “moradas” do
lúdico, tudo se resume em: Tempo e Atitude. Além destes, a descoberta e o
resgate são atraentes e motivantes fatores ao idoso. Neste sentido, Acosta
nos diz:
“na terceira idade “se resgata” a ludicidade dessas
pessoas ou então “se apresenta” o lúdico a elas.
Nossos velhos perderam a capacidade de criar, de
transformar as situações em momentos de prazer, de
alegria, exatamente por sua construção vida afora sob o
preceito da seriedade, do trabalho, da maximização de
seu
tempo;
tudo
enraizado
num
processo
de
endoculturação, legitimado por uma pressão de ordem
223
social muito grande e imensamente maior que o
indivíduo.” (Ibidem, 2000, p. 53).
A capoeira como jogo que reúne sua empolgante história de
sobrevivência e sua música, cantos e instrumentos, é sem dúvida um
excelente meio para o desenvolvimento psicomotor na terceira idade (ou a
manutenção, no caso dos velhos mestres e antigos praticantes), utilizando
sua característica lúdica, isso no decorrer das linhas anteriores é conclusivo,
mas há ponderações que devem ser ressaltadas, se tratando da terceira
idade.
Ao trabalhar com o idoso, deve-se conhecer as características desta
fase da vida e também a do próprio idoso com o qual se trabalha, para
efetivar uma intervenção profissional com ética, responsabilidade, respeito e
competência. Como dito anteriormente, quando citamos Bechara:
“É de fundamental importância que a pedagogia da capoeira tenha
como alicerces o diagnóstico de quem é o aluno, e em que nível de
motricidade ele se encontra”. (BECHARA, 1986, p. 24), e ainda Bechara:
“Conhecer as características básicas das diversas faixas etárias se torna
importante, para que tenhamos um ponto de partida para a práxis da
motricidade na capoeira”. (Ibidem, 1986, p. 25).
Isto porque, nesta fase da vida há certas peculiaridades: a redução da
força e tônus muscular; atrofia dos grandes grupos musculares; redução da
flexibilidade;
surgimento
ou
acentuação
de
problemas
posturais;
possibilidade do aparecimento de osteoporose; mudanças emocionais e no
auto-conceito; dificuldades na comunicação e na aprendizagem de
informações novas em certos casos; além de vários outros problemas e
doenças próprias do envelhecimento, fase em que a fadiga do ser,
acumulada durante toda a vida, começa a externar todas as suas mazelas,
deficiências e vivências como sentimentos de perda, abandono, decepções
e etc. Deve-se então respeitar suas manias, suas regras, normas e horários,
224
e estimular a sua autonomia e seus bons sentimentos como o amor, e por
que não, o sexo na melhor idade?
A atividade física beneficia a terceira idade em vários fatores: melhora
o
convívio
social;
provoca
maior
abertura
para
adquirir
novos
conhecimentos; melhora o estado de humor; melhora a aceitação diante da
idéia de envelhecer, sabendo contornar melhor os problemas que resultam
naturalmente da velhice; além de propiciar o bem estar.
Podemos também citar alguns fatores importantes para o bem estar:
atividade(s) física(s) adequada(s); boa saúde; bom nível sócio-econômico;
alimentação apropriada; grau de interação social; estado conjugal, familiar e
afetivo; moradia; disponibilidade de transportes, de bom atendimento e
serviço de saúde, com profissionais, exames e remédios.
Há a necessidade de cuidados especiais para este grupo especial que
é a terceira idade, como: anamnese; avaliação física, médica, psicológica e
outras se necessárias; além de um programa de atividades muito bem
elaborado. Imagine trabalhar com um idoso com osteoporose sem os
devidos cuidados médicos e de assistência no decorrer das atividades,
deixar de levar este idoso para pegar o sol necessário à fixação do cálcio em
seu organismo, tomar cuidados com quedas e exercícios de impacto. E no
caso de um diabético, o que fazer num quadro hipoglicêmico? Quais os tipos
e características das diabetes? Vê-se então a clara necessidade da
interdisciplinaridade e preparação dos profissionais envolvidos, por exemplo:
há medicamentos que podem mascarar a real freqüência cardíaca de uma
pessoa e quando não há um trabalho conjunto com o médico responsável,
algumas atividades físicas propostas, podem comprometer a integridade e
saúde deste “cliente”, ou melhor, desta pessoa poderá estar sofrendo sérios
riscos.
O idoso, apesar de todas as dificuldades que enfrenta, deve procurar
viver, viver melhor e bem. Utilizando a frase: “Se você não aprender hoje,
225
não terá o que ensinar amanhã”, podemos tirar proveito e converter a idéia
assim: “Se você não ajudar o(s) idoso(s) hoje, não terá quem o ajude no
futuro.”
2.8 – Os três domínios na capoeira
Segundo a Taxionomia de Bloom, os três domínios são: psicomotor,
cognitivo e afetivo.
Para Gislene de Campos Oliveira, devem ser estimuladas todas as
áreas: “Um educador, a partir de um bom conhecimento do desenvolvimento
do aluno, poderá estimulá-lo de maneira que todas as áreas como
psicomotricidade, cognição, afetividade e linguagem estejam interligadas.”
(OLIVEIRA, 2001, p. 37). Oliveira reforça esta interligação com uma das
correntes em voga na capoeira, que aborda uma desmecanização da
capoeira, amplamente, tornando-a mais orgânica, biológica e humana, mais
próxima de sua própria gênese cultural: “Os exercícios psicomotores,
através do movimento e dos gestos, não devem ser realizados de forma
mecânica, devem ser associados com as estruturas cognitivas e afetivas.”
(Ibidem, 2001, p. 37).
Segundo Lussac: “Através da capoeira, podem ser desenvolvidas
várias valências psicomotoras, cognitivas e afetivas”. (LUSSAC, 1996, p.
37).
Bechara também afirma isto, devido aos movimentos da capoeira
trabalharem as qualidades físicas, a criatividade e o lado socializante da
capoeira:
“A capoeira devido aos seus movimentos de grande
agilidade, flexibilidade, destreza, etc, devido ao
respeito e camaradagem que é imposta durante o jogo
e devido a necessidade de criatividade durante toda a
226
sua atividade, desenvolve de forma integrada os
3(três) domínios de aprendizagem do ser humano:
Psicomotor, Afetivo e Cognitivo”. (BECHARA, 1985a).
Segundo Souza & Oliveira: “As atividades propostas de capoeira
devem estar voltadas para atuarem de maneira direta e indireta sobre os
aspectos cognitivo, afetivo, social e motor dos alunos.” (SOUZA &
OLIVEIRA, 2001, p. 44).
Para Santos:
“Nesta visão, o jogo da capoeira como forma
recreativa e sistematizada dentro dos programas
escolares, torna-se necessário à criança, pois o seu
princípio
ginástico
desencadeia
uma
série
de
estímulos que vão ao encontro de suas necessidades
de crescimento físico, mental, social, espiritual e
educacional” (SANTOS, 1990, p. 48).
E de acordo com Freitas & Freitas:
“A capoeira pela sua movimentação e ritmicidade, não
só harmoniza estruturalmente o corpo infantil como
também,
devido
á
sua
extrema
variabilidade
praxiológica, estimula e propicia a aquisição de um
autocontrole fantástico, que pela interação óbvia com
os fatores mentais, vai propiciar aquilo que PIAGET
(apud
LE
BOULCH,
1983)
chama
de
“descentralização”, ou seja, a criança deixa de centrarse em si mesma para descentralizar sua praxiologia
(ainda predominantemente egocêntrica) para o plano
intelectual
(pois
variadíssimas
as
sinapses
modulações
formadas
operadas
pelas
pela
227
movimentação rica da capoeira fizeram aumentar a
capacidade de raciocínio adaptativo e reflexo mental,
fundamentais à aprendizagem geral) e também para o
plano social onde também sofreu influências positivas
da capoeira por esta propiciar uma interação individual
no seio de uma coletividade, onde a criança aprende
seus limites e suas possibilidades em confrontação
com isto em cada outro e do todo em si.” (FREITAS &
FREITAS, 2002, p. 12).
2.8.1 - O Domínio Cognitivo
“o Domínio Cognitivo inclui os objetivos vinculados à memória ou
recognição e ao desenvolvimento das capacidades intelectuais” (FARIA
JUNIOR apud GOMES da COSTA, 1996, p. 146). Segundo Gomes da
Costa:
“A tomada de consciência por parte do aluno/atleta e
seu conseqüente envolvimento, cada vez maior, com o
desenvolvimento
informações
e
do
novos
treinamento,
através
conhecimentos
das
adquiridos,
atuarão de forma bem positiva no aproveitamento e
melhoria da performance (rendimento). A título de
maior esclarecimento, aconselhamos um estudo mais
detalhado, todavia, a Taxionomia de Bloom e seus
colaboradores prevê seis categorias fundamentais:
1.0 - Conhecimento;
2.0 - Compreensão;
3.0 - Aplicação;
4.0 - Análise;
5.0 - Síntese;
6.0 - Avaliação.” (Ibidem, 1996, p. 146).
228
Este domínio está ligado à inteligência, ao desenvolvimento das
capacidades intelectuais e mentais, como a memória e a criatividade, por
exemplo. De acordo com Lussac, a capoeira desenvolve a potencialidade
cognitiva em conjunto com a coordenação motora:
“Da parte cognitiva, podemos ver a busca da harmonia
do corpo com a mente, através do aprendizado dos
instrumentos e de movimentos em que sua percepção
se dá, às vezes, de última hora, atiçando a criatividade
e a improvisação com o corpo, melhorando a
coordenação motora. O aluno toma parte da evolução,
funcionamento e limites de seu corpo, descobrindo-o e
disciplinando-o.” (LUSSAC, 1996, p. 37).
É de extrema importância o que foi citado por Lussac, pois o aluno só
terá uma evolução e desenvolvimento concreto, se ele fizer parte deste
processo, sendo vital, que ele conheça e descubra o seu corpo e suas
potencialidades. Com relação a isto, Santos complementa esta idéia, quando
se refere à mentalização do movimento: “A psicomotricidade evolui com a
capoeira a partir do momento em que o indivíduo mentaliza o movimento
para em seguida executá-lo, seja numa situação ativa ou passiva”.
(SANTOS, 1990, p. 12), colocando assim a interligação entre o aspecto
cognitivo e psicomotor. Prova disto é o desenvolvimento da criatividade nos
movimentos.
Bechara, assim como Lussac, afirma que a criatividade é uma das
principais qualidades da capoeira. A criatividade é de suma importância para
o desenvolvimento Cognitivo, assim como também para o aspecto
Psicomotor: “A maior validade no aprendizado da capoeira, reside no fato do
desenvolvimento da CRIATIVIDADE; onde o capoeirista cria, recria e
recreia-se, com a seqüência que é propiciada durante o seu desenrolar”.
(BECHARA, 1985a). Santos afirma que “A capoeira como folclore prepara a
criança em muitos aspectos para a vida, tornando-a mais criativa” (SANTOS,
229
1990, p. 50). Souza & Oliveira também reforçam o potencial criativo da
capoeira na criação de movimentos e músicas (SOUZA & OLIVEIRA, 2001).
A capoeira tem o potencial necessário para desenvolver e estimular o
conceito das Múltiplas Inteligências, em seus praticantes, devido a vastidão
e amplas possibilidades de sua utilização e, suas características de
polivalência e seu aspecto multifacetado, como já visto.
O conceito de autopoiese no aspecto cognitivo deve ser trabalhado,
estimulado e reforçado, pois com este, o ser humano encontra seu
desenvolvimento sustentável individual. Autopoiese significa: auto-produção,
auto-conhecimento, autonomia, auto-gerenciamento, significa produzir-se. O
desenvolvimento do aspecto cognitivo voltado para este conceito biológico
faz-se necessário para um real desenvolvimento do homem como um todo e
sua perfeita interação e harmonia com o meio ambiente.
“A capoeira como democracia, pode representar a escolha livre de
situações, oferecendo às crianças oportunidade para satisfação, expressão
criadora e desenvolvimento de suas próprias potencialidades.” (SANTOS,
1990, p. 45).
A democracia é um fator essencial que deve estar presente no
ambiente da capoeira. O ambiente também é primordial para o pleno
desenvolvimento do aspecto cognitivo. Segundo Rappaport:
“Ambientes empobrecidos, com pouca estimulação e
poucas
oportunidades
manipulação,
discriminar
podem
e
para
levar
solucionar
a
exploração
e
a
dificuldades
para
problemas,
a
a
pouca
capacidade intelectual e a uma tendência reduzida
para
relacionar
eventos
(RAPPAPORT, 1982, p. 94).
e
tirar
conclusões.”
230
Neste sentido o ambiente que a capoeira pode proporcionar ao
praticante é rico e variado, oferecendo uma ampla potencialidade de
desenvolvimento ao praticante. Cabe ao docente saber aproveitar e
oportunizar o ambiente ao praticante para este pleno desenvolvimento. A
academia
de
capoeira,
como
ambiente,
é
um
local
propício
ao
desenvolvimento cognitivo, nela, através de murais, folhetos informativos e
comunicativos internos, exibição de vídeos, palestras, entre outros, o
aspecto cognitivo pode ser trabalhado com amplas possibilidades. A própria
aula, como ambiente, é favorável a esta iniciativa, seja no início, durante ou
ao final desta. No ambiente favorável os aspectos de socialização e,
conseqüentemente,
o
afetivo
também
podem
ser
positivamente
desenvolvidos.
2.8.2 - O Domínio Afetivo
“A personalidade está ligada ao ajustamento total do indivíduo ao seu
meio ambiente. O indivíduo bem ajustado se dá bem com os outros e tem
um
sentimento
interno
de
bem-estar,
contentamento
e
satisfação”
(MATHEWS apud GOMES da COSTA, 1996, p. 148). Segundo Gomes da
Costa, esse ajustamento ao meio ambiente, essa socialização, se dá quando
o indivíduo assimila a “maneira de ser” do grupo, agindo de acordo com os
padrões e regras existentes, tornando-se assim membro ativo deste,
fazendo com que em contrapartida seja aceito por esse grupo (GOMES da
COSTA, 1996). Sobre o domínio afetivo, Marcelo Gomes da Costa cita Faria
Junior:
“Este
domínio
mudanças
interesse,
do
inclui
comportamento
atitudes,
desenvolvimento
objetivos
de
que
descrevem
relacionadas
preferências
apreciações
e
e
valores
com
e
o
ajustamentos
adequados. Estes objetivos enfatizam uma tonalidade
do sentimento, um grau de aceitação ou de rejeição ou
uma emoção, e variam desde uma atenção simples,
231
até as qualidades de caráter e de consciência
complexas
internamente
consistentes”
(FARIA
JUNIOR apud GOMES da COSTA, 1996, p. 148).
“Faria Junior apresenta a Taxionomia de Krathwohl e
colaboradores para este domínio, assim subdividida:
1.0 - Acolhimento;
2.0 - Resposta;
3.0 - Valorização;
4.0 - Organização;
5.0 - Caracterização por um Valor ou Complexo de
Valores” (GOMES da COSTA, 1996, p. 148).
Domínio
sentimentos,
ligado
atitudes,
ao
comportamento,
prazer
e
relacionamento,
satisfação.
Afeto
vem
emoções,
de
afetar,
positivamente ou negativamente. O lado social está intimamente ligado a
este domínio, assim como o meio ambiente como um todo. Neste aspecto o
desenvolvimento de valores é básico para o convívio social, ajustamento,
aceitação e rejeição ligados aos atos e procedimentos da vida, que se
interpõe nas relações, passando do micro, o sujeito e a família, para o
macro, a escola, clube, trabalho e a sociedade.
O aspecto afetivo é de grande importância para o desenvolvimento e
bem estar do ser humano. “Segundo De Meur (1984, p. 32), excetuando-se
os casos referentes a problemas motores ou intelectuais, todas as
perturbações na definição do esquema corporal são de origem afetiva.”
(OLIVEIRA, 2001, p. 61).
A capoeira tem a característica, como atividade artística e cultural, de
desinibir seus praticantes, deixando-os mais “soltos”, desenvolvendo a sua
expressão, o que é importante para o desenvolvimento do aspecto afetivo.
Para Oliveira um bom desenvolvimento da afetividade é essencial para um
232
tônus muscular adequado e relaxado, e também para melhorar a capacidade
de experimentar as oportunidades para o desenvolvimento:
“A boa evolução da afetividade é expressa através da
postura, das atividades e do comportamento. Uma
criança muito fechada em si mesma possui falta de
espontaneidade e tem a tendência de “fechar” também
seu corpo, isto é, tende a encolher-se e a trabalhar
com um tônus muito tenso, muito esticado.” (ibidem,
2001, p. 37).
“O aluno sentir-se-á bem na medida em que
desenvolver integralmente através de suas próprias
experiências, da manipulação adequada e constante
dos
materiais
que
o
cercam
e
também
das
oportunidades de descobrir-se. E isto será mais fácil
de
se
conseguir
necessidades
se
afetivas,
estiverem
sem
satisfeitas
bloqueios
e
suas
sem
desequilíbrios tônico-emocionais.” (ibidem, 2001, p.
37).
Marco Antonio Bechara nos diz que: “A capoeira favorece o equilíbrio
físico e psico-afetivo daqueles que a praticam”. (BECHARA, 1985a). Já
Lussac, afirma que a capoeira pode desenvolver e ajudar no campo afetivo
de várias maneiras:
“No campo afetivo, é importante a participação, a
solidariedade e o respeito com as pessoas. Trabalhase
o
lado
emocional
e
comunicativo
(inter
e
intrapessoal); através do extravasamento no canto e
no gasto de energia contida dentro de nós, que
soltamos quando dançamos e batucamos, lembramos
da nossa História e Cultura, louvamos Deuses e
233
lembramos de personalidades e amigos. Através da
música a alma se aflora no corpo, tornando-nos mais
sensíveis e clareando nossa mente, dispersando os
males, como o stress, a infidelidade, etc...; deixandonos mais “leves”, felizes e calmos após cada aula.”
(LUSSAC, 1996, p. 37).
Um relevante aspecto é ressaltado por Souza & Oliveira, quando
estes ao abordarem a roda de capoeira, destacam a importância da
cooperação e participação social de todos, necessária para o pleno
desenvolvimento desta. A roda de capoeira traz consigo vários aspectos
para o desenvolvimento afetivo e social:
“A cooperação e participação social são despertadas
na medida em que os alunos forem tomando ciência
de que, na roda, todos são importantes. Para uma
roda de capoeira ter um desenvolvimento satisfatório,
todos precisam participar; apenas dois jogam de cada
vez, mas são necessários os tocadores, os cantadores
e os que batem palma e respondem ao coro. Este
conjunto sincronizado e atuante é que faz a roda ter
um bom desenvolvimento.” (SOUZA & OLIVEIRA,
2001, p. 45).
Segundo Santos, a capoeira traz consigo justificativas de ordem
social, porque trabalha em grupo, assim como destacado por Souza &
Oliveira, onde todos estão envolvidos e precisam da cooperação mútua. De
acordo com Santos: “A capoeira também traz consigo justificativas de ordem
social, porque trabalha em grupo e é um jogo; por isso envolve os aspectos
afetivos emocionais”. (SANTOS, 1990, p. 68) e “A capoeira como recreação
deve existir nas escolas... os exercícios de qualquer atividade de caráter
recreativo, são de grande utilidade para o convívio grupal das crianças.”
(Ibidem, 1990, p. 45).
234
Para Santos, a capoeira como uma atividade recreativa no currículo
do ensino primário tem como objetivo principal o prazer dos educandos,
podendo servir como um meio de eliminar os conflitos internos e externos
nas crianças (Ibidem, 1990), e ainda:
“Contribui para a saúde, quando promove bem-estar
físico e mental de forma significativa; influi no
desenvolvimento
do
caráter
quando
favorece
oportunidades para a correção de maus hábitos,
desenvolvendo
aptidões
individuais
e
conseqüentemente influenciando no aparecimento de
atitudes sociais das crianças.” (Ibidem, 1990, p. 45).
“A criança, mantendo um relacionamento com o
mundo dos outros através do jogo da capoeira, dará
expansão aos instintos morais e sociais, passando do
princípio do prazer ao da realidade, proporcionando
um relaxamento quanto a tensões e conflitos, partindo
daí, muitas vezes, o desfecho das pressões colocadas
pelo cotidiano.” (Ibidem, 1990, p. 47).
Continuando, Santos pensa que o jogo da capoeira, com seus
fundamentos, “é regido por um conjunto de princípios pré-estabelecidos, que
formam suas regras, ditando as normas do jogo propriamente dito. Isto
significa para a criança auto-disciplina, respeito pelo colega” (Ibidem, 1990,
p. 47), “Portanto o jogo da capoeira é um fato social que tem suas múltiplas
funções na educação da criança, destacando-se como um desses aspectos
todos os elementos essenciais de interação” (Ibidem, 1990, p. 48), e Santos
complementa: “O jogo da capoeira significa confronto e colaboração,
antagonismo e cooperação mútua.” (Ibidem, 1990, p. 48), e “Durante este
processo é oportunizado à criança a afetividade, porque ela está em
constante diálogo com o professor e seus colegas.” (Ibidem, 1990, p. 48).
235
Finalizando: “A atividade lúdica, através da capoeira, pode ser fator decisivo
para a saúde da criança” (Ibidem, 1990, p. 48), e “em virtude do prazer que
integra a criança no seu todo à socialização com os elementos que
representam a capoeira na sua totalidade.” (Ibidem, 1990, p. 48).
“O jogo tem seu valor de sociabilização quando este
se desenvolve em grupo com um caráter lúdico (Le
Boulch, 1983a). O jogo da capoeira é uma atividade
grupal
em
que
a
sociabilização
acontece
espontaneamente entre as crianças.” (Ibidem, 1990, p.
48).
Para
simplesmente
Rappaport
pela
“muitas
observação
respostas
e
sociais
reprodução
de
são
aprendidas
comportamentos
observados em outras pessoas” (RAPPAPORT, 1982, p. 92). “A imitação irá
depender do relacionamento modelo-observador e do reforço que se segue
à emissão do comportamento observado.” (Ibidem, 1982, p. 92). Portanto, o
comportamento do docente na capoeira e também dos alunos mais antigos é
um ponto de referência para os alunos mais novos que devem ter
consciência de seus comportamentos e atitudes. Não é a toa que “bons
exemplos” são sempre mencionados como parâmetro de comportamentos e
atitudes, principalmente para crianças e jovens em formação. Segundo
Rappaport:
“A identificação para os teóricos da aprendizagem
social (Bronfenbrenner, 1960; Bandura e Huston,
1961) é um conceito muito próximo ao de imitação.
Trata-se mais de um processo de reprodução de
atitudes dos pais, ou de outros modelos, que não
foram intencionalmente ensinados às crianças, através
de recompensas ou punições diretas.” (Ibidem, 1982,
p. 92).
236
Segundo Rappaport o processo de socialização é contínuo e
integrado. Os aspectos da personalidade que se desenvolveram no contato
com os pais na infância inicial servirão de substrato para uma interação
social adequada no grupo de companheiros, durante a idade escolar, e terão
uma influência duradoura em toda a interação social posterior (Ibidem,
1982).
Para Rappaport os grupos informais de crianças geralmente são
formados na vizinhança, nas escolas, nos clubes, etc., e o sentimento de
pertinência, de identificação com os objetivos e normas do grupo são
bastante significativos para o bem estar psicológico. Algumas crianças
preferem fazer papéis desagradáveis, como “palhaço” ou “bobo” da turma,
mas é melhor sentir-se participando de alguma forma do grupo do que se
manter em isolamento. Rappaport diz que esses grupos são bastante
homogêneos quanto à idade, ao sexo, à religião, à classe social etc.,
repetindo, de certa forma, padrões transmitidos pela família. Ocorre que a
criança muitas vezes discorde dos pais, em relação a um assunto qualquer,
como regra de conduta ou valor moral, mas o defenda no grupo de
companheiros. De acordo com a autora, a solidariedade, a possibilidade de
realizar coisas em comum, de desenvolver atividades em grupos, são uma
fonte de muita satisfação para a criança e a preparam para um convívio
social saudável na idade adulta. Sentimentos de rejeição podem conduzir a
frustrações duradouras para o indivíduo (Ibidem, 1982).
Rappaport pensa que a criança poderá sentir-se rejeitada pelos
companheiros e isolar-se do grupo, ou manter-se ligada a ele, porém com
padrões de comportamentos inadequados (excessivamente agressivos ou
autoritários ou mesmo submissos). Nestes casos de dificuldades de
entrosamento social com o grupo informal, pode-se recomendar à família
que faça a criança participar de grupos formais sob a liderança de um adulto
que possa facilitar esse entrosamento (Ibidem, 1982). Neste caso, a
capoeira seria uma boa opção para este entrosamento, mas somente, se o
responsável pelo grupo de capoeira souber inserir este praticante,
237
reconhecendo as suas dificuldades para se entrosar e se relacionar com o
grupo.
Segundo Rappaport: “Inúmeros estudos focalizaram a importância do
estilo de liderança adotado pelo adulto sobre o comportamento das crianças
no grupo.” (Ibidem, 1982, p. 99).
“São clássicos os trabalhos de Lippitt e Whitte,
demonstrando que o líder autoritário desenvolve alta
tensão, agressividade ou apatia, além da tendência
para
o
“bode
expiatório”,
baixo
sentimento
de
pertinência e baixa motivação para a realização de
tarefas e apresentação de sugestões. A liderança do
tipo
laissez-faire
determina
instabilidade
e
agressividade em relação aos companheiros. Já o
líder
democrático
consegue
um
sentimento
de
pertinência e participação mais elevado e um padrão
de relação interpessoal mais satisfatório e menos
agressivo.” (Ibidem, 1982, p. 99).
Um líder democrático como dito acima é mais satisfatório. Como já
dito
antes,
o
ambiente
democrático
é
essencial
para
o
pleno
desenvolvimento dos praticantes, assim como, também é necessário um
líder democrático. De acordo com rappaport, é preciso tomar um certo
cuidado ao indicar um grupo formal para uma criança, no sentido de verificar
se o modo como o grupo é constituído tende a facilitar a resolução de suas
dificuldades ou acentuá-las. Uma criança excessivamente submissa ou
excessivamente agressiva, participando de um grupo com liderança
autoritária, poderá ter estes sentimentos e comportamentos reforçados e,
portanto, exacerbados. Já uma atitude cooperativa, acompanhada de
comportamentos positivos, como diálogos amistosos ou ajuda ao próximo,
contribui para a consolidação de um padrão de interação mais adequado
(Ibidem, 1982). De acordo com a autora: “Além dos fatores de personalidade
238
e inteligência que facilitam ou dificultam o entrosamento da criança no grupo,
existem outros de ordem social ou cultural que também podem interferir.”
(Ibidem, 1982, p. 99). Ainda Rappaport:
“Não há dúvida, portanto, de que o estudo da
formação dos grupos de crianças, dos fatores
determinantes do ajustamento ou não de cada
elemento, é bastante complexo, envolvendo desde
habilidades específicas da criança (como nível de
inteligência, por exemplo), passando por fatores de
personalidade ou de relacionamento familiar, até
chegar a influências culturais e sociais. Desta
complexidade de fatores decorre a dificuldade de se
chegar a um melhor entendimento de influência que a
pertinência
ao
grupo
exerce
na
formação
da
personalidade.” (Ibidem, 1982, p. 100).
Podemos observar que vários fatores compõem a formação do
aspecto afetivo e de socialização da pessoa, desde a família e
companheiros até os grupos onde estão inseridos e convivem. Também
vimos a importância do grupo e seu líder neste desenvolvimento. A capoeira
como atividade em grupo e que tem o mestre como líder pode ser uma
atividade, devido as suas várias características já comentadas, para o pleno
desenvolvimento da afetividade e sociabilidade de seu praticante, mas
devemos estar atentos, como em toda a atividade, aos profissionais e
pessoas envolvidas.
2.8.3 - O Domínio Psicomotor
Este domínio está ligado, como o próprio nome já diz, às habilidades
motoras, coordenação neuro-muscular, ligadas estreitamente ao psicológico
e mental. Desde os movimentos reflexos simples às capacidades
manipulativas e modos de comunicação não-verbal.
239
Lussac afirma que a capoeira pode desenvolver o aspecto psicomotor
e as qualidades físicas de quem a pratica, de modo amplo:
“Da parte psicomotora, pode-se falar que a Capoeira
desenvolve a coordenação motora, explorando a sua
lateralidade, a percepção do próprio corpo e o seu
relacionamento
com
outros
corpos
(pessoas);
desenvolve também o equilíbrio estático e dinâmico e
a percepção espaço-temporal, conjugado com o ritmo
(instrumental e canto) que também cadencia a
velocidade e a intensidade dos movimentos a serem
desenvolvidos. Junto com a respiração diafragmática
que é aperfeiçoada com o canto, por exemplo, o
perfeito
controle
da
respiração
(educando-a
inconscientemente) entre em harmonia através da
motivação contínua, com movimentos diferentes e
alternados. A resistência muscular, força, capacidade
aeróbia e anaeróbia, agilidade, equilíbrio, impulsão e
flexibilidade são amplamente trabalhados com um
grande número de variações, através dos movimentos,
tanto que nesta Arte a criatividade e a expressão
corporal são fundamentais.” (LUSSAC, 1996, p. 37).
Santos concorda com Lussac, quando diz que “o adequado
desenvolvimento
psicomotor
da
criança
inclui
a
estimulação
e
o
desenvolvimento das habilidades físicas”. (SANTOS, 1990, p. 13). Ainda
sobre estas habilidades, onde considera a capoeira completa, Santos diz ser
justificável para o desenvolvimento global da criança em idade escolar:
“Sendo a capoeira um jogo também psicomotor, ela
tem sua expressão fundamentada na flexibilidade,
equilíbrio,
destreza,
ritmo
próprio,
música,
240
coordenação, reflexo, agilidade e muitas outras
habilidades
psicofísicas.
Como
expressão
de
movimento é completa, o que a justificativa para o
desenvolvimento global da criança em idade escolar”.
(Ibidem, 1990, p. 12).
Santos pensa nos benefícios psicomotores que a capoeira traz
consigo: “Verifica-se que por sua riqueza natural de movimentos corporais e
simbologia, a capoeira traz em si a justificativa para fazer parte da formação
da criança brasileira...Traz ainda benefícios psicomotores e fisiológicos.”
(Ibidem, 1990, p. 55). Segundo Santos, o jogo da capoeira servindo como
processo educacional “possui inestimáveis valores; quando bem orientado,
desempenha grandes funções como a formação de caráter, da condição
física e da psicomotricidade”. (Ibidem, 1990, p. 47). Ainda Santos: “A
Capoeira pode ser oportunizada de várias maneiras... que não deixa de ser
também psicomotor”. (Ibidem, 1990, p. 12). Finalizando Santos: “pode-se
resumir dizendo que a psicomotricidade como educação pelo movimento,
tem seus aspectos específicos todos envolvidos no jogo da capoeira”.
(Ibidem, 1990, p. 44).
“A capoeira como uma educação psicomotora tem
como objetivo principal o desenvolvimento da criança
em
todas
as
suas
dimensões
psicológicas,
neurológicas, sociais e espirituais...a capoeira se
propõe
a
refazer
as
fases
mal
sucedidas
do
desenvolvimento psicomotor das crianças e com a
possibilidade
de
reabilitar
e
normalizar
o
comportamento geral das mesmas, favorecendo prérequisitos para a sua aprendizagem formal e não
formal no seu contexto social” (Ibidem, 1990, p. 37 e
38).
241
É raro uma atividade de capoeira onde o profissional utilize esta arte
somente com o objetivo de evolução e desenvolvimento psicomotor. Alguns
trabalhos podem ter este enfoque fosse mais desenvolvido, mas nunca
priorizado. O objetivo maior quase sempre é o aprendizado da capoeira
propriamente dita.
Segundo Lussac, durante toda a sua experiência profissional ele
nunca obteve o conhecimento de nenhuma atividade de capoeira onde o
profissional utilizasse esta arte somente com o objetivo de evolução e
desenvolvimento psicomotor. Observou alguns trabalhos em que este
enfoque fosse mais desenvolvido, mas nunca priorizado. De acordo com
Lussac, o objetivo maior quase sempre é o aprendizado da capoeira
propriamente dito.
Para Santos: “Hoje, a capoeira como atividade psicomotora deve ser
reconhecida como sendo uma alternativa para o desenvolvimento das
estruturas da criança, mais especificamente no período escolar primário”.
(SANTOS, 1990, p. 12), “A Capoeira é uma forte atividade também para o
desenvolvimento psicomotor das crianças por despertar nelas muitos
interesses”. (Ibidem, 1990, p. 41) e “a capoeira ... expressada através do
corpo, é mais do que um ato folclórico”. (Ibidem, 1990, p. 51). Continuando,
Santos afirmou através de sua pesquisa que a capoeira também serve para
a prevenção de algumas dificuldades de aprendizagem psicomotora,
podendo ser utilizada na educação infantil:
“A educação psicomotora pretendida para a educação
e desenvolvimento harmônico do corpo das crianças,
pode usar o jogo da capoeira como um meio para
atingir estes parâmetros, o que contribuiria para uma
aprendizagem mais rápida, como também, para a
prevenção
de
aprendizagem.
algumas
dificuldades
dessa
242
Desta
forma,
presume-se
que
o
programa
de
educação física infantil baseado no jogo da capoeira,
além de contribuir no desenvolvimento psicomotor das
crianças do grupo experimental, provou também que
serve como prevenção de algumas dificuldades de
aprendizagens,
compensação
das
deficiências
psicomotoras, isto é, o programa compensou as
diferenças
anteriores
pré-existentes
no
grupo
experimental comparando-o com os dois grupos de
controle”. (Ibidem, 1990, p. 66).
Para Bechara, a capoeira pode ser um meio de auto-conhecimento,
de maneira prazerosa e rica no aspecto cultural, e que tem alta importância
na formação psicomotora do ser humano, principalmente nas crianças:
“”A capoeira pode ser um veículo do conhecimento de
si mesmo. Uma exteriorização de expressões nãoverbais, através de uma consciência própria de quem
a pratica”. “Se há prazer em descobrir os movimentos
do nosso corpo, porque não fazê-lo conhecendo a
nossa própria cultura”. Com esses dois pensamentos
citados em linhas anteriores o autor deste ensaio tenta
passar a importância que a capoeira pode ter na
formação psicomotora e cultural do ser humano, em
particular: as crianças brasileiras”. (BECHARA, 1986,
p. 24).
Para Freitas & Freitas, a capoeira é uma manifestação com
implicações múltiplas e por isso, deve ser explorada para o desenvolvimento
das experiências motoras do ser humano:
“A capoeira é uma manifestação com implicações
múltiplas, sendo que todas as suas vertentes (mística,
243
revolucionária,
gestuais
de
devidamente
expressiva)
variedade
redundam
estonteante,
relacionado
com
em
o
ações
que
afirmações
se
quase
consensuais dos estudiosos desenvolvimentistas, que
revelam
sobremaneira
o
papel
da
experiências
motoras (gestos) no desenvolvimento do ser humano,
nos levará a conclusão do quanto útil a sua prática
poderá
ser
para
o
referido
desenvolvimento.”
(FREITAS & FREITAS, 2001, p. 11).
O ensino tradicional de capoeira, deixamos claro não estar citando
nenhum “estilo” como tradicional, requer uma progressão de aprendizado
motor cada vez mais difícil e especializado para o aluno, este fato não
confere com um automático desenvolvimento psicomotor global destes
praticantes, pois as vivências e atividades propostas podem não atender as
necessidades e potencialidades dos aprendizes.
Entre os vários fatores interventores no ensino-aprendizagem da
capoeira, os objetivos e métodos empregados pelo profissional responsável,
serão os que realmente irão interferir diretamente no desenvolvimento
psicomotor destes alunos.
Segundo Acosta:
“penso, a certeza de que, fundamentalmente, o
importante, o que distingue e, em última instância,
qualifica nosso trabalho é o conjunto de valores que
incorporamos e defendemos. Pois são muito mais
decisivas as atitudes que assumimos do que as
palavras
por
nós
pronunciadas,
e
que
definem
realmente qual é a nossa perspectiva de trabalho: se
com uma visão que privilegia a apreensão lúdica dos
fenômenos ou, ao contrário, uma visão mecânica,
244
fechada,
de
conteúdos
a
serem
assimilados.”
(ACOSTA, 2000, p. 54 e 55):
Como foi relatado anteriormente, há vários enfoques e maneiras das
atividades de capoeira serem realizadas, devido à sua ampliada concepção
e característica multi-facetada, como: dança, jogo, luta, defesa pessoal, arte,
educação, cultura, lazer, terapia, folclore, ginástica, desporto, história,
filosofia (de vida) e até com um aspecto religioso. Devido a este fator, podese deduzir que, assim como as atividades são desenvolvidas de modo e com
objetivos diferentes, os aspectos psicomotores também o serão.
A própria intervenção psicomotora, pode ser diversificada, de acordo
com Mello:
“Nos
estudos
dos
pesquisadores
recentes,
são
apontados três principais campos de atuação ou formas
de abordagem da Psicomotricidade: 1. Reeducação
Psicomotora; 2. Terapia Psicomotora; e 3. Educação
Psicomotora. Embora em certos trabalhos esses três
níveis de atuação cheguem a confundir-se, existem
características próprias em cada um deles.” (MELLO,
2002, p. 33).
A Capoeira tem o privilégio de reunir um meio de educação,
reeducação, terapia e profilaxia psicomotora, ao mesmo tempo em que é
ensinada uma arte caracteristicamente brasileira de acordo com nossa
identidade cultural e social.
Levando em consideração esta constatação, somando ao fator
mencionado sobre os objetivos e métodos empregados pelo profissional,
podemos pensar que o desenvolvimento e evolução psicomotora dos
aprendizes de capoeira podem variar bastante e mais ainda se contarmos
com outros fatores como: individualidade biológica, aspectos sócio-culturais
245
e fenealógicos, condições gerais do ensino da capoeira (propriamente dito),
instituição e local onde é ministrada a atividade, e mais tantos outros fatores
não mencionados.
Após estes breves apontamentos, podemos observar que a
psicomotricidade pode ser amplamente desenvolvida de diversas formas
utilizando a capoeira e suas características multifacetadas como meio e fim,
pois mesmo não sendo o desenvolvimento psicomotor o principal objetivo
num trabalho de capoeira, este pode ser amplamente desenvolvido, aliando
sua grande peculiaridade que é o lúdico, e ainda a criatividade, junto ao
prazer e a motivação, fatores determinantes no desenvolvimento humano,
pois:
“A maior validade no aprendizado da capoeira, reside no fato do
desenvolvimento da CRIATIVIDADE; onde o capoeirista cria, recria e
recreia-se, com a seqüência que é propiciada durante o seu desenrolar”.
(BECHARA, 1985a). Conforme já citado anteriormente, no aspecto cognitivo.
“As pessoas são mais dadas a repetir experiências agradáveis e que,
por outro lado, as satisfaçam. A satisfação traz um reforço da associação
entre estímulo e reação”. (Ibidem, 1985b, p. 44), e: “Pode-se dizer que: a
motivação é o fator mais importante na aquisição da destreza motora”.
(ibidem, 1985b, p. 44). Como já citado anteriormente, quando abordamos o
prazer e o lúdico no jogo da capoeira.
Segundo Souza & Oliveira:
“No aspecto motor, especificamente, a capoeira deve
ser reconhecida como uma alternativa rica para o
desenvolvimento das estruturas da criança, como
esquema corporal, lateralidade, equilíbrio, orientação
espaço-temporal, coordenação motora etc.” (SOUZA &
OLIVEIRA, 2001, p. 44).
246
Segundo Silveira Costa, a eficiência corporal na capoeira, quanto à
coordenação motora é a seguinte:
“Na criança e no adulto que pratica, a Capoeira
desenvolve um excelente senso de equilíbrio, de
domínio espacial e de coordenação motora, chegando
a tingir movimentos bem complexos, onde mesmo sem
notar, vai desempenhando toda uma seqüência de
aprendizado corporal e motor. Isso é possível
particularmente pelo fato de a prática dessa arte ir
exigindo progressivamente mais e mais movimentos
coordenados do corpo, superando a simples repetição,
comum à grande maioria das modalidades esportivas,
e exigindo, sempre mais do adepto, do ponto de vista
criativo e coordenativo.
O fato de reunir ritmo, domínio de espaço, sincronismo
(com o adversário e consigo mesmo) e uma certa dose
acrobática... torna a Capoeira algo que evolui no
sentido
da
melhoria
da
coordenação
motora.”
(SILVEIRA COSTA, 1993, p. 79 e 80).
De acordo com Santos a capoeira como educação psicomotora tem
características fundamentais para este desenvolvimento:
“Pode-se então dizer, que a capoeira como educação
psicomotora tem características fundamentais, O
movimento
é
um
dos
fatores
principais
nesta
concepção, o que faz com que o desenvolvimento
geral da criança tenha uma íntima relação com os
elementos
psicomotores
descritos
por
Ferreira
(1984b), os quais tomamos como base para este
estudo, estando assim distribuídos:
247
Esquema corporal: conhecimento do próprio corpo,
proprioceptividade, lateralidade e expressão;
Motricidade ampla: coordenação dinâmica geral,
equilíbrio (estático, dinâmico e recuperado, freio
inibitório e relaxação);
Motricidade fina: lingual, ocular, manual digital;
Percepção sensorial: visual, auditiva e termo-tátil;
Percepção
espacial:
posição,
adequação
espacial,
direção
relação
e
espacial,
constância
de
percepção;
Percepção temporal: noções básicas, seqüências de
ações, velocidade, duração e ritmo;
Percepção
de
análise-síntese:
semelhança,
diferença, composição, recomposição e reprodução;
Percepção de figura-fundo: visual, auditiva e tátil”.
(SANTOS, 1990, p. 40).
Para finalizar este tópico, colocaremos alguns fatores que influenciam
o processo de aprendizagem psicomotor, enumerados por Weineck apud
Gomes da Costa:
“- Ritmo de Aprendizagem individual;
- Motivação;
- Controle de Aprendizagem como Estímulo da
Aprendizagem;
- Intensidade de Exercícios;
-
“Super-Aprendizagem”
(Aprofundamento
Aprendizagem);
- Efeito da Aprendizagem Colateral;
- Experiência do Movimento;
- Reaprender;
- Pausa de exercícios – Desaprender;
- Fase de Aprendizagem.
da
248
Poderiam ser tradizidos por:
- “Capacidade de Síntese” de cada indivíduo;
- Melhor Reforço da Aprendizagem – aumento da
atenção e prontidão como também aumento e
aceleração dos processos cognitivos;
- Constante Informação da aprendizagem;
- Maior Intensidade ou Número de Repetições – porém
sem produzir fadiga;
- Fixação da Aprendizagem;
- Trabalhos Unilaterais produzem efeitos positivos
bilaterais, porém com predominância do membro
exercitado – lado estimulado;
- Conhecimento motor prévio;
- Imagem do Movimento;
-
Reestruturação
Planejada
e
Consciente
dos
Esquemas de Coordenação;
- Perda dos Padrões Motores Reflexos condicionados
(estereótipos motores);
- O Iniciante aprende principalmente através do
analisador
óptico,
e
o
adiantado,
através
do
cinestésico. Uma maior “atenção” e “otimização das
condições limites levam a melhores resultados da
aprendizagem motora e, com isto, a um melhor nível
das capacidades coordenativas” (WEINECK apud
GOMES da COSTA, 1996, p. 136 e 137).
A coordenação motora é a qualidade física mais próxima do aspecto
psicomotor, mas todas estão interligadas no desenvolvimento deste aspecto
e têm extrema importância. Há várias qualidades físicas ou valências físicas,
como também são conhecidas, e estas são mais estudadas no campo do
treinamento desportivo.
249
2.9 – Algumas considerações sobre o treinamento esportivo
Inicialmente devemos dizer que o campo do Treinamento Desportivo
é muito extenso e complexo, portanto, só abordaremos superficialmente,
uma pequena parte que interessa a essa pesquisa.
Benda & Greco, sobre o treinamento esportivo, nos dizem que, a
capacidade física é um dos tópicos da estrutura dos conteúdos ou estrutura
substantiva. Esta estrutura é composta pelas seguintes capacidades ligadas
aos Componentes do Rendimento Esportivo: Capacidades Psíquicas
(Capacidades: Volitivas, Cognitivas e, Emocionais), Capacidade Técnica
(Capacidade
Coordenativa
e
Gestual),
Capacidade
Socioambiental
(Capacidade de Interação, exemplo: meio familiar, meio social; e
Capacidade de Adaptação, exemplo: meio familiar, meio social), Capacidade
Biotipológica (Capacidade constitucional: Fenótipo e Genótipo), Capacidade
Tática
(Capacidade:
(Capacidade
Motora:
Sensorial
força,
e
Cognitiva)
resistência;
e,
Capacidade
Capacidade
Física
Coordenativa;
Capacidades Mistas: Flexibilidade e Velocidade). Todas estas Capacidades
estão submetidas às Condições Marginais e às Condições Climáticas,
Público, Material e Altitude (BENDA & GRECO, 2001).
Apesar da moderna e interessante abordagem de Benda & Greco,
nós abordaremos o Treinamento Desportivo e as qualidades físicas segundo
Tubino, por ser mais conhecido e difundido.
Para Tubino os cinco princípios do Treinamento Desportivo são: O
Princípio da Individualidade Biológica, O Princípio da Adaptação, O Princípio
da
Sobrecarga,
O
Princípio
da
Continuidade,
O
Princípio
da
Interdependência Volume-Intensidade (TUBINO, 1984). Segundo Tubino:
“Antes de passar ao estudo de cada pricípio, é importante enfatizar que os 5
princípios se interrelacionam em todas as suas aplicações.” (Ibidem, 1984, p.
99).
250
Dantas atualizando o elenco dos cinco princípios preconizados por
Tubino, incluiu mais um: O Princípio da Especificidade (DANTAS, 1995), que
veremos após a abordagem dos cinco primeiros, e após estes seis veremos
mais dois princípios abordados por Gomes da Costa: O Princípio da
Variabilidade e O Princípio da Saúde.
2.9.1 – O Princípio da Individualidade Biológica
De acordo com Tubino, “chama-se individualidade biológica o
fenômeno que explica a variabilidade entre elementos da mesma espécie, o
que faz que com que não existam pessoas iguais entre si.” (TUBINO, 1984,
p. 100). Cada ser humano possui uma estrutura e formação física e psíquica
própria, neste sentido, o treinamento individual tem melhores resultados,
pois obedeceria as características e necessidades do indivíduo. Grupos
homogêneos também facilitam o treinamento desportivo. Cabe ao treinador
verificar as potencialidades, necessidades e fraquezas de seu atleta para o
treinamento ter um real desenvolvimento. Há vários meios para isso, além
da experiência do treinador, que conta muito, os testes específicos são
primordiais.
Segundo Benda & Greco, como visto anteriormente, uma das
Capacidades do Rendimento Esportivo é a Capacidade Biotipológica, que
está dividida em Capacidade constitucional Fenótipo e Capacidade
constitucional Genótipo.
“O genótipo é o responsável pelo potencial do atleta.
Isso inclui fatores como composição corporal, biótipo,
altura máxima esperada, força máxima possível e
percentual de fibras musculares dos diferentes tipos,
dentre outros. O fenótipo é responsável pelo potencial
ou pela evolução das capacidades envolvidas no
genótipo. Neste se inclui tanto o desenvolvimento da
capacidade de adaptação ao esforço e das habilidades
251
esportivas como também a extensão da capacidade
de aprendizagem do indivíduo.” (BENDA & GRECO,
2001, p. 34).
Segundo Dantas: “O indivíduo deverá ser sempre considerado como a
junção do genótipo e do fenótipo, dando origem ao somatório das
especificidades que o caracterizarão.” (DANTAS, 1995, p. 39), “deve-se
entender o genótipo como a carga genética transmitida à pessoa e que
determinará preponderantemente diversos fatores” (Ibidem, 1995, p. 39) e,
“os potenciais são determinados geneticamente, e que as capacidades ou
habilidades expressas são decorrentes do fenótipo.” (Ibidem, 1995, p. 39).
Para este autor, o campeão seria aquele que nasceu com um “dom da
natureza” e que, aproveitando totalmente esse dom, o desenvolve através
de um perfeito treinamento (Ibidem, 1995, p. 40).
2.9.2 – O Princípio da Adaptação
De acordo com Weineck, a adaptação é a lei mais universal e
importante da vida. Adaptações biológicas apresentam-se como mudanças
funcionais e estruturais em quase todos os sistemas. Sob “adaptações
biológicas no esporte”, entendem-se as alterações dos órgãos e sistemas
funcionais, que aparecem em decorrência das atividades psicofísicas e
esportivas (WEINECK, 1991).
“Na
biologia,
compreende-se
“adaptação”
fundalmentalmente como uma reorganização orgânica
e funcional do organismo, frente a exigências internas
e externas; adaptação é a reflexão orgânica, adoção
interna de exigências. Ela ocorre regularmente e está
dirigida à melhor realização das sobrecargas que
induz. Ela representa a condição interna de uma
capacidade melhorada de funcionamento e é existente
em todos os níveis hierárquicos do corpo. Adaptação e
252
capacidade de adaptação pertencem à evolução e são
uma característica importante da vida. Adaptações são
reversíveis e precisam constantemente ser revalidadas
(Israel 1983, 141).” (Ibidem, 1991, p. 22).
Weineck diz que, no esporte, devido aos múltiplos fatores de
influência, raramente o genótipo é completamente transformado em fenótipo,
mesmo com o treinamento mais duro. Para este autor, fases de maior
adaptabilidade, encontram-se em diferentes períodos para os fatores de
desempenho de coordenação e condicionados, são designadas “fases
sensitivas”. A zona limite destas fases sensitivas, isto é, o período em que
justamente ainda é possível uma melhor expressão das características,
geralmente é chamada de “período crítico” (Ibidem, 1991).
““Capacidade de adaptação” ou “adaptabilidade” é o
nome que se dá à diferente assimilação dos estímulos,
frente à mesma qualidade e quantidade de exercícios
ou carga de treinamento. Ela pode ser atribuída à
correlação organismo/ambiente, sob o ponto de vista
da
predisposição
hereditária
e
sua
expressão
(genética) (Gürtler 1982, 35).” (Ibidem, 1991, p. 23).
Para Tubino, este princípio do Treinamento Desportivo está
intimamente ligado ao fenômeno do stress. As investigações sobre o stress
tiveram início em 1920 com Cânon e Hussay, tendo uma grande ênfase no
período entre 1950 e 1970, onde praticamente surgiu uma literatura científica
básica sobre este fenômeno (TUBINO, 1984). Segundo Tubino:
“Definindo-se Homeostase, de acordo com CANNON,
como o equilíbrio estável do organismo humano em
relação ao meio ambiente, e sabendo-se que esta
estabilidade
modifica-se
por
qualquer
alteração
ambiental, isto é, para cada estímulo há uma
253
resposta, e, ainda, entendendo-se por estímulos o
calor, os exercícios físicos, as emoções, as infecções,
etc., conclui-se, com base num grande número de
experiências e observações de diversos autores, que
em relação ao organismo humano:
a) estímulos débeis => não acarretam conseqüências;
b) estímulos médios => apenas excitam;
c)
estímulos
médios
para
fortes
=>
provocam
adaptações;
d) estímulos muito fortes => causam danos.” (Ibidem,
1984, p. 101).
Segundo Dantas, o conceito de Homeostase, que é necessário para
compreender este princípio, é: “Homeostase é o estado de equilíbrio instável
mantido entre os sistemas constitutivos do organismo vivo, e o existente
entre este e o meio ambiente.” (DANTAS, 1995, p. 40). Para este autor, a
homeostase pode ser rompida por fatores internos, geralmente oriundos do
córtex cerebral, ou externos, como: calor, frio, situações inusitadas,
provocando emoções e, variação da pressão, esforço físico, traumatismo,
etc. Dantas diz que, sempre que a homeostase é perturbada, o organismo
dispara um mecanismo compensatório que procura restabelecer o equilíbrio,
quer dizer, todo estímulo provoca reação no organismo acarretando uma
resposta adequada (Ibidem, 1995). Neste sentido, o organismo, buscando o
equilíbrio
constante,
estaria
sempre
em
um
estado
constante
de
equilíbração.
Tubino pensa que, quando o organismo é estimulado, imediatamente
aparecem mecanismos de compensação para responder a um aumento de
necessidades fisiológicas. Assim, constata-se que existe uma relação entre
a adaptação de estímulos de treinamento e o fenômeno de stress, o que é
explicado pelo princípio científico da adaptação. A definição dada ao stress
por Tubino é a seguinte:
254
“Stress ou Síndrome de Adaptação Geral (SAG),
segundo SELYE (1956) é a reação do organismo aos
estímulos que provocam adaptações ou danos ao
mesmo, sendo que esses estímulos são denominados
agentes stressores ou stressantes.” (TUBINO, 1984, p.
102).
A síndrome de adaptação geral (SAG) é dividida em três fases, até
que o agente stressante na sua ação atinja o limite da capacidade fisiológica
de compensação do organismo: 1ª Fase: Reação de alarme; 2ª Fase: Fase
da resistência (adaptação) e; 3ª Fase: Fase da exaustão (Ibidem, 1984).
Para este autor, na fase de reação de alarme, os mecanismos
auxiliares são mobilizados para manter ávida, a fim de que a reação não se
dissemine. É caracterizada pelo desconforto, e está dividida em duas partes
choque e contrachoque (Ibidem, 1984):
“sendo o choque a resposta inicial do organismo a
estímulos aos quais não está adaptado, provocando a
diminuição
da
pressão
sanguínea,
enquanto
o
contrachoque ocasiona uma inversão de situação,
isto é, ocorre um aumento da pressão sanguínea.”
(Ibidem, 1984, p. 102).
A fase da resistência é a fase da adaptação, a qual é obtida pelo
desenvolvimento adequado dos canais específicos de defesa, sendo esta
etapa caracterizada pela dor e pela ação do organismo resistindo ao agente
stressante inicial, sendo a fase que realmente mais interessa ao treinamento
desportivo (Ibidem, 1984).
A fase da exaustão é aquela em que as reações se disseminam, em
conseqüência da saturação dos canais apropriados de defesa, apresentando
255
como característica a presença do colapso, podendo chegar até a morte
(Ibidem, 1984).
Tubino ainda menciona que, “EÜLER observou 3 tipos de stress, de
acordo com a origem dos estímulos stressantes” (Ibidem, 1984, p. 103), são
eles: o stress físico, o stress bioquímico e, o stress mental (Ibidem, 1984).
De acordo com Tubino, é importante a utilização correta do princípio
de adaptação, onde deve-se haver cuidado na aplicação das cargas de
treinamento, agentes stressantes (Ibidem, 1984).
2.9.3 – O Princípio da Sobrecarga
Para Dantas: “Imediatamente após a aplicação de uma carga de
trabalho, há uma recuperação do organismo, visando restabelecer a
homeostase.” (DANTAS, 1995, p. 43).
“O aproveitamento do fenômeno da assimilação
compensatória ou supercompensação, que permite a
aplicação progressiva do princípio da sobrecarga,
pode, ainda, ser severamente comprometido por uma
incorreta disposição do tempo de aplicação das
cargas.
O equilíbrio entre carga aplicada e tempo de
recuperação
é
que
garantirá
a
existência
da
supercompensação de forma permanente.” (Ibidem,
1995, p. 44).
Segundo Tubino, o momento exato em que se produz à adaptação aos
agentes stressantes (estímulos), é, sem dúvida, um dos pontos mais
discutíveis do Treinamento desportivo. Existem pontos de vista que
estabelecem a adaptação durante intervalos intermediários dos treinos,
256
enquanto que outras pesquisas defendem a tese da adaptação após o último
intervalo da sessão de treino (TUBINO, 1984). Tubino comenta que:
“Segundo HEGEDUS (1969), os diferentes estímulos
produzem diversos desgastes, que são repostos após
o término do trabalho, e nisso podemos reconhecer a
primeira reação de adaptação, pois o organismo é
capaz de restituir sozinho as energias perdidas pelos
diversos desgastes, e ainda preparar-se para uma
carga de trabalho mais forte, chamando-se este
fenômeno de assimilação compensatória. Assim,
sabe-se que não só são reconduzidas as energias
perdidas como também são criadas maiores reservas
de energia de trabalho. A primeira fase, isto é, a que
recompões as energias perdidas, chama-se período
de restauração, o qual permite a chegada a um
mesmo nível de energia anterior ao estímulo. A
segunda fase é chamada de período de restauração
ampliada, após o qual o organismo possuirá uma
maior fonte de enrgia para novos estímulos.” (Ibidem,
1984, p. 105 e 106).
Para Tubino, estímulos mais fortes devem sempre ser aplicados por
ocasião do final da assimilação compensatória, justamente na maior
amplitude do período de restauração ampliada para que seja elevado o limite
de adaptação do atleta. Este é o princípio da sobrecarga, também chamado
princípio da progressão gradual, e será sempre fundamental para qualquer
processo de evolução desportiva (Ibidem, 1984).
Tubino cita algumas indicações de aplicação do Princípio da
sobrecarga, referenciado nas variáveis: Volume (Quantidade) e Intensidade
(Qualidade); em vários Tipos de Treinamento, como: Contínuo, Intervalado,
257
em Circuito, de Musculação, de Flexibilidade e Agilidade e, Técnico (Ibidem,
1984).
2.9.4 – O Princípio da Continuidade
Este princípio está ligado ao da adaptação, pois a continuidade ao
longo do tempo é primordial para o organismo, progressivamente, se
adaptar.
Segundo Tubino, a condição atlética só pode ser conseguida após
alguns anos seguidos de treinamento e, existe uma influência bastante
significativa das preparações
anteriores em qualquer esquema de
treinamento em andamento. Para ele estas duas premissas explicam o
chamado Princípio da Continuidade (TUBINO, 1984).
“Pode-se acrescentar que este princípio compreenderá
sempre no treinamento em curso uma sistematização
de trabalho que não permita uma quebra de
continuidade, isto é, que o mesmo apresente uma
intervenção
compacta
de
todas
as
variáveis
interatuantes. Em outras palavras, considerando um
tempo maior, o princípio da continuidade é aquela
diretriiz que não permite interrupções durante esse
período.” (Ibidem, 1984, p. 110).
A continuidade de treinamento evita que o treinador subtraia etapas
importantes na formação atlética de um desportista. No geral um atleta que
tem um alto desempenho, com certeza teve uma continuidade ao longo de
sua preparação, treinamento e também do aprendizado do desporto
praticado.
258
2.9.5 – O Princípio da Interdependência Volume-Intensidade
Este princípio está intimamente ligado ao da sobrecarga, pois o
aumento das cargas de trabalho é um dos fatores que melhora a
performance. Este aumento ocorrerá por conta do volume e devido a
intensidade.
Para Tubino, pode-se afirmar que os êxitos de atletas de alto
rendimento, independente da especialização desportiva, estão referenciados
a uma grande quantidade (volume) e uma alta qualificação (intensidade) no
trabalho, sendo que, estas duas variáveis (volume e intensidade) deverão
sempre estar adequadas as fases de treinamento, seguindo uma orientação
de interdependência entre si (TUBINO, 1984). Ainda segundo Tubino: “Na
maioria das vezes, o aumento dos estímulos de uma dessas duas variáveis
é acompanhado da diminuição da abordagem em treinamento da outra.”
(Ibidem, 1984, 110).
2.9.6 – O Princípio da Especificidade
De acordo com Dantas, a partir do conceito de treinamento total,
quando todo o trabalho de preparação passou a ser feito de forma sistêmica,
integrada e voltada para objetivos claramente enunciados, a orientação do
treinamento por meio de métodos de trabalho veio, paulatinamente,
perdendo a razão de ser. Hoje em dia, nos grandes centros desportivos, esta
forma de orientação do treinamento foi totalmente abandonada em proveito
da designação da forma de trabalho pela qualidade física que se pretende
atingir. Associando-se este conceito à preocupação em adequar o
treinamento do segmento corporal ao do sistema energético e ao gesto
desportivo, utilizados na performance, ter-se-á o surgimento de um sexto
princípio desportivo: o princípio da especificidade, que vem se somar aos já
existentes (DANTAS, 1995).
259
“O princípio da especificidade é aquele que impõe,
como ponto essencial, que o treinamento deve ser
montado
sobre
os
requisitos
específicos
da
performance desportiva, em termos de qualidade
física interveniente, sistema energético preponderante,
segmento corporal e coordenações psicomotoras
utilizados.” (Ibidem, 1995, p. 50).
Segundo Dantas, ao se estudar o princípio da especificidade, de
imediato avulta um fator determinante, que é o princípio da individualidade
biológica,
estabelecendo
limites
individuais
a
esta
capacidade
de
transferência. O princípio da especificidade irá se refletir em duas amplas
categorias de fundamentos fisiológicos: os aspectos metabólicos e os
aspectos neuromusculares (Ibidem, 1995). Dantas ainda nos diz que:
“O princípio da especificidade preconiza, ... que se deve, além de treinar o
sistema energético e o cárdio-respiratório dentro dos parâmetros da prova
que se irá realizar, fazê-lo com o mesmo tipo de atividade de performance.”
(Ibidem , 1995, p. 50). Para este autor:
“Isto serve, cada vez mais, para firmar na consciência
do treinador que o treino, principalmente na fase
próxima
à
competição,
deve
ser
estritamente
específico, e que a realização de atividades diferentes
das
executadas
durante
a
performance
coma
finalidade de preparação física, s´se justifica se for
feita para evitar a inibição reativa (ou saturação de
aprendizagem).” (Ibidem, 1995, p. 50).
De acordo com Dantas, o segundo componente dos aspectos
neuromusculares é controlado, principalmente pelo sistema nervoso central
ao nível de cérebro, bulbo e medula espinhal e pressupõe que todos os
gestos
desportivos,
realizados
durante
a
performance,
já
estejam
perfeitamente “aprendidos” de forma a permitir que, durante a performance,
260
não se tenha que criar coordenações neuromusculares novas, mas tão
somente “lembrar-se” de um movimento já assimilado e executá-lo. A
psicologia da aprendizagem ensina que o conhecimento, ou movimento,
uma vez aprendido fica armazenado no neocórtex sob forma de engrama,
que consiste num determinado padrão de ligação entre os neurônios. O
engrama, que é sempre utilizado, fica cada vez mais “nítido” e “forte” ao
passo que aquele que não é utilizado se enfraquece e pode até se extinguir
(Ibidem, 1995).
Segundo Dantas, se um gesto desportivo for repetido com constância,
seu engrama ficará tão forte a ponto de permitir a execução do gesto de
forma reflexa, através de uma rápida comparação, pelo bulbo, entre as
reações neuromusculares e o engrama (Ibidem, 1995). Compreendendo
este fato, podemos dizer que uma esquiva difícil e rápida no jogo de
capoeira, dependeria tão-somente de um comando disparado pelo córtex e
se o movimento estiver bem treinado e repisado, seu desenvolvimento
acontecerá de forma rápida e perfeita, coordenado pelo bulbo.
A esse respeito, de forma empírica, Mestre Pastinha já cantava na
capoeira, evidenciando a sabedoria popular: “Se p’ra jogar você imagina, eu
jogo sem imaginar...”.
Finalizando, Dantas nos diz que, o aprimoramento da habilidade
técnica e a execução de todos os movimentos possíveis durante o
treinamento, visando a aquisição e reforço dos engramas requeridos pelo
desporto considerado, tomarão tanto mais tempo quanto mais complexo ele
for em termos neuromotores (Ibidem, 1995).
2.9.7 – O Princípio da Variabilidade
Também denominado de Princípio da Generalidade, encontra-se
fundamentado na idéia do Treinamento Total, ou seja, no desenvolvimento
global, o mais completo possível, do indivíduo. Para isso deve-se utilizar das
261
mais variadas formas de treinamento (GOMES da COSTA, 1996). Segundo
Gomes da Costa:
“Quanto
maior
for
a
diversificação
desses
estímulos – é obvio que estes devem estar em
conformidade
com
todos
os
conceitos
de
segurança e eficiência que regem a atividade –
maiores serão as possibilidades de se atingir uma
melhor performance.” (Ibidem, 1996, p. 357).
2.9.8 – O Princípio da Saúde
Segundo Gomes da Costa, esse princípio encontra-se diretamente
ligado ao próprio objetivo maior de uma atividade física utilitária que vise a
saúde do indivíduo (GOMES da COSTA, 1996). Ainda este autor:
“Assim, não só a Ginástica Localizada em si e suas
atividades
complementares
possuem
grande
importância. Também os setores de apoio da
Academia,
como
o
Departamento
Médico,
a
Avaliação Funcional e o Departamento Nutricional
assumem relevante função no sentido de orientar
todo
o
trabalho,
visando
a
aquisição
e
a
manutenção dessa Saúde.” (Ibidem, 1996, p. 358).
2.9.9 – A Interrelação dos Princípios
De acordo com Gomes da Costa, se faz lógico e transparente que
essas leis não existem apenas por existir. Cada princípio, considerado
individualmente, possui seu valor e função próprios, entretanto, a integração
entre esses princípios adquire inestimável importância (GOMES da COSTA,
1996). “Aqui acontece aquela “historinha” de que o todo é sempre maior do
que a soma de suas partes.” (Ibidem, 1996, p. 358). Assim cada Princípio
262
assume uma importância maior, um papel mais destacado quando
associado aos outros princípios, segundo este autor, que ainda comenta:
“Apesar dessa importante correlação, os Princípios da
Adaptação, da Sobrecarga, da Continuidade e da
Interdependência Volume-Intensidade é que vão não
só dar corpo como orientar toda a aplicação prática do
treinamento, ou seja, são os verdadeiros responsáveis
pela “arrumação” de todo o processo de treinamento,
traduzida na forma dos micro, meso e macro-ciclos de
trabalho.” (Ibidem, 1996, p. 358).
2.10 – As qualidades físicas
Como dito anteriormente, apesar da moderna e interessante
abordagem de Benda & Greco sobre as capacidades físicas, nós
abordaremos as qualidades físicas, segundo Tubino, utilizando ainda, alguns
outros autores como referência, onde mesmo assim, não aprofundaremos
quanto a este tema, que é muito vasto.
De acordo com Tubino: “Quando se abordou o desenvolvimento de
uma preparação física, verificou-se que a identificação das qualidades
físicas do desporto em treinamento é o primeiro passo a ser feito” (TUBINO,
1984, p. 180). Tubino diz que este é um ponto fundamental para o êxito
desejado, visto estarem ligadas intimamente aos objetivos de treinamento.,
pois só após esta etapa, se pode elaborar um programa de treinamento para
qualquer modalidade. Umas destas etapas, a Avaliação Técnica da
Qualidade Física, é um procedimento metodológico e específico, que
procura identificar as deficiências e virtudes de um atleta. Um dos métodos é
codificar gestos e movimentos, e condicionar o atleta a vários estímulos
diferentes, como também a diferentes tipos de treinamentos. Na capoeira
esta prática não é difundida e pouquíssima utilizada, portanto, verifica-se o
potencial de desenvolvimento da capoeira neste campo. Segundo Cunha:
263
“A Capoeira é uma arte brasileira que possui
múltiplas linguagens, das atividades físicas é a
única que oferece às pessoas o maior número de
experiências motoras, desenvolvendo algumas com
mais e outras com menos intensidade, porém todas as
qualidades físicas são trabalhadas” (CUNHA, 2003, p.
65).
Concordamos com Cunha, mas podemos afirmar que todas as
qualidades físicas podem ser muito desenvolvidas na capoeira dependendo
dos objetivos e procedimentos relativos ao programa de treinamento, pois,
com a prática da capoeira na água, também conhecida como Hidrocapoeira
ou Capoeira Molhada, pode-se ampliar as possibilidades do treinamento e
desenvolvimento, no meio aquático.
Dantas, abordando os desportos terrestres de confronto de
movimentos acíclicos, nos diz que, no Karatê e no Kung-Fu, a força
explosiva de extensão de braços e membros inferiores merece destaque,
embora a potência muscular ainda resulte mais da velocidade do que da
força, a força dinâmica cresce de importância passando a essencial. Quanto
aos objetivos principais na preparação física, na Fase básica, estas
modalidades devem obter resistência aeróbica, RML (Resistência Muscular
Localizada) e flexibilidade; na Fase específica, devem atingir níveis altos de
condicionamento da resistência anaeróbica, da força explosiva e de
velocidade de movimento. No Período de competição: deve-se zelar pela
manutenção dos níveis atingidos nas diversas qualidades físicas e, No
Período de transição: o repouso ativo com manutenção de algumas
qualidades, tais como a flexibilidade e a resistência aeróbica, são
importantes (DANTAS, 1995). Podemos então aproveitar a semelhança
destas modalidades com a capoeira, para pensar em um treinamento
específico.
264
Para Dantas, nos desportos de confronto como o judô, o jiu-jitsu, o
wrestlin e as lutas olímpicas e romanas dependem muito mais da força
dinâmica e da força estática em substituição da força explosiva (Ibidem,
1995).
Segundo Dantas, as qualidades físicas treináveis são: A Velocidade
de Movimentos,
Força Dinâmica,
Força Explosiva, Força Estática,
Resistência Muscular Localizada e, Flexibilidade (Ibidem, 1995).
Para Tubino, as qualidades físicas são: velocidade, força, equilíbrio,
coordenação, ritmo, agilidade, resistência, flexibilidade e, descontração.
Algumas destas qualidades também apresentam divisões em tipos especiais
devido a sua grande especificidade (TUBINO, 1984), estas divisões serão
apresentadas na abordagem específica de cada valência física.
2.10.1 – A coordenação motora
Segundo Tubino, a definição de coordenação é:
“É a qualidade física que permite ao homem assumir a
consciência e a execução, levando-o a uma integração
progressiva de aquisições, favorecendo-o a uma ótima
dos diversos grupos musculares na realização de uma
seqüência de movimentos com um máximo de
eficiência e economia.” (Ibidem, 1984, p. 180).
E ainda Tubino, citado por Campos: “Qualidade de sinergia que
permite combinar a ação de diversos grupos musculares para a realização
de uma série de movimentos com um máximo de eficiência e economia”
(TUBINO apud CAMPOS, 1998, p. 118).
Tubino ressalta as seguintes considerações sobre a coordenação:
265
“1º)
A
coordenação
é
uma
qualidade
física
considerada pré-requisito para que qualquer atleta
atinja o alto nível;
2º) O desenvolvimento da coordenação ocorres desde
os primeiros anos de vida e essa valência física estará
sempre
implícita
nas
destrezas
específicas
de
qualquer desporto;
3º)
A
coordenação
não
deve
ser
objetivada
especificamente em programas de preparação física
de alto nível,...
4º) O sistema nervoso é a variável condicionante da
cooredenação” (TUBINO, 1984, p. 193).
Para Dantas (apud GOMES da COSTA), a coordenação:
“Expressa a característica observada a partir da
aprendizagem
do
movimento
que,
através
da
consciência corporal, vai paulatinamente integrando
mente e corpo, propiciando a combinação motora que
permitirá a realização de uma série de movimentos
com o máximo de ciência e economia”. (GOMES da
COSTA, 1996, P. 134).
A definição de coordenação de acordo com Weineck é a seguinte:
“As capacidades de coordenação – sinônimo:
destreza – são primeiramente coordenativas, isto é,
detreminadas pelos processos de orientação e de
regulação de movimentos (Hirtz, 1881, 348). Elas
habilitam o atleta em condições de dominar segura e
econômicamente
ações
motoras
nas
situações
previsíveis (estereótipos) e imprevisíveis (adaptação) e
a aprender, relativamente depressa, movimentos
266
esportivos (Frey, 1977, 356).” (WEINECK, 1989, p.
170).
Weineck ainda diz que, as capacidades de coordenação pertencem,
desde que haja uma aprendizagem em tempo hábil, certamente às formas
de exigência motora mais treináveis (Ibidem, 1991).
De acordo com Zakharov: “A coordenação como capacidade física
representa a capacidade de dirigir os movimentos de acordo com as
condições de soluções de tarefas motoras.” (ZAKHAROV, 1992, p. 168).
Para ele, as capacidades de coordenação são diversificadas, sendo
diversificadas as tarefas motoras que o homem se vê obrigado a resolver. O
nível de revelação destas capacidades é determinedo, em grande medida,
por diversos sistemas sensoriais. Segundo Zakharov, a idade infantil
apresenta-se como a mais favorável para o treino das capacidades de
coordenação (Ibidem, 1992).
Segundo Winter (apud WEINECK, 1991): “Capacidades coordenativas
deficientes geralmente não são devidas à predisposição insuficiente, mas
antes a pouca estimulação nos primeiros anos de vida”.
Weineck nos diz que: “o controle e regulação neuromuscular ou
senso-motor,
pertencem
evidentemente
àquelas
regiões
funcionais
elementares, cuja aquisição e desenvolvimento ocorrem bem cedo.” (Ibidem,
1991, p. 278). Este autor também menciona que as capacidades
coordenativas são desenvolvidas da mesma forma nos dois sexos, valendo
o mesmo para sua treinabilidade (Ibidem, 1991).
Quanto à idade avançada, Gomes da Costa cita Israel:
“Na idade avançada, a coordenação motora apresenta
as seguintes características (Israel et al. 1982):
- Redução na necessidade de movimentação
267
- Diminuição da velocidade dos movimentos
- Diminuição da capacidade de combinar movimentos
- negligência na qualidade de execução de atos
motores” (GOMES da COSTA, 1996, 138).
Weineck (1991) aponta a Coordenação Intra e Intermuscular (Força –
capacidade coordenativa do músculo e, R.M.L. – coordenação intra e
intermuscular); a Condição Funcional dos Analisadores (capacidade dos
órgãos dos sentidos em receber, analisar e codificar, preparando as
informações necessárias para o desenvolvimento motor); a Capacidade de
Aprendizagem Motora; o Repertório de Movimentos – Experiência Motora; a
Capacidade de Adaptação e Reorganização Motora; Idade e Sexo, Fadiga e
outros fatores, como Fatores Determinantes da Coordenação Motora.
Weineck aponta que as capacidades de coordenação distinguem-se
em gerais e especiais. As capacidades de coordenação gerais são o
resultado de uma instrução de movimento polivalente nos diferentes
esportes. Elas manifestam-se, portanto, nos diferentes campos da vida
cotidiana e do esporte. As capacidades de coordenação especiais
desenvolvem-se mais no quadro da modalidade esportiva considerada com
as variações técnicas próprias e específicas da modalidade, onde diversas
combinações de componentes nas dosagens infra-estruturais específicas
recebem uma posição nitidamente prioritária (Ibidem, 1989). Para Weineck,
as capacidades de coordenação são importantes, visto que, são a base de
uma boa capacidade de aprendizagem sensório-motora; quanto mais
elevado for seu nível, mais depressa e mais seguramente poderão ser
aprendidos movimentos novos ou difíceis e, a economia inerente a uma
destreza altamente desenvolvida, condicionada pela precisão da orientação
do movimento, permite executar movimentos idênticos com um menor
consumo de força muscular e acarreta, assim, uma economia de energia
(Ibidem, 1989). Ainda Weineck, sobre as capacidades de coordenação,
tomando como referência Shanabel:
268
“Entre a multiplicidade das diversas capacidades de
coordenação, podem se destacar três capacidades
gerais de base (cf. Shanabel, 1974, 627):
- A capacidade de controle motor.
- A capacidade de adaptação e readaptação motoras.
- A capacidade de aprendizagem motora.” (Ibidem,
1989, p. 171).
Conforme Weineck, as capacidades de coordenação num enfoque da
performance, são impensáveis sem a inter-relação e ligação direta com
outras qualidades físicas como força, velocidade, resistência, mobilidade e
sua complexa engrenagem na realização do movimento, sendo o mesmo o
inverso, para com as outras qualidades física e a coordenação, pois esta
permite a aquisição de habilidades esportivas necessárias no processo de
educação e formação corporais (Ibidem, 1989), e poderíamos complementar
com a formação e desenvolvimento, também, dos aspectos afetivos e
cognitivos, principalmente, se pensarmos em performance.
Weineck nos diz que A informação óptica e A informação verbal,
como métodos e conteúdos da instrução das capacidades coordenação, são
métodos e medidas que tendem a criar uma representação motora (Ibidem,
1989), como já visto, na capoeira, mesmo que empiricamente, estes
métodos sempre foram utilizados como forma de transmissão do saber
corporal, pois tanto de forma verbal, como “no olho” (óptica), esta
aprendizagem ocorria e ainda ocorre nos dias atuais. Este autor, nos
métodos e conteúdos da instrução das capacidades de coordenação,
também menciona como métodos por variação e combinação de exercícios
para acentuar as capacidades coordenativas, são eles: Variação da posição
inicial, Variação da execução do exercício, Variação da dinâmica motora,
Variação da estrutura espacial, Variação das condições externas, Variação
da tomada de informação, Combinação de habilidades motoras e, Exercício
em aceleração forçada (Ibidem, 1989). Na capoeira, podemos utilizá-los da
seguinte forma:
269
a) Variação da posição inicial: mudando a posição inicial de algum
movimento, golpe ou gesto, de maneira que a nova dificuldade imposta,
possa ajudar a prevenir quanto a futuras condições imprevistas numa luta ou
jogo de capoeira;
b) Variação da execução do exercício: executar um exercício em
simetria lateralmente oposta ou com alguma variação pré-estabelecida;
c) Variação da dinâmica motora: executar um exercício mais rápido ou
mais lentamente ou mesclar estas duas variantes de velocidade num mesmo
movimento, propiciando o acordo com diferentes situações;
d) Variação da estrutura espacial: diminuir ou aumentar o espaço da
roda ou do jogo, procurar diferentes ambientes, que tenham uma maior
dificuldade como pilastras, árvores, pedras;
e) Variação das condições externas: procurar diferentes ambientes,
como pisos diferenciados, piso molhado e ou escorregadio (vários capoeiras
em estágio avançado treinam em piso molhado e com sabão e também em
piso encerado com sapatos de sola lisa), leito rasos de rios, podendo este
conter pedras com seixos rolados, utilizar-se de objetos como mesas,
cadeiras, carros, ou ainda, a parede, barras, pilastras árvores, pedras e etc
(deve-se estar atento para as dificuldades impostas no treinamento, para
que estas estejam adequadas ao praticante, visto também, principalmente, o
fator segurança), também relativo ao ambiente como: chuva, vento forte,
calor, frio, sol forte, etc;
f) Variação da tomada de informação: considerando que a tomada de
informação óptica, acústica, estático-dinâmica, tátil e cinestésica e sua
elaboração são importantes para o controle motor, pode-se influenciar esse
último por uma redução ou aumento informação apresentada (WEINECK,
1989), um exemplo deste tipo de exercício é o empregado com “raquetes” ou
270
chinelos, em que você coloca este(s) em um ponto para o aluno golpear,
variando o ponto de colocação e a velocidade desta colocação;
g) Combinação de habilidades motoras: todas as habilidades motoras
solicitadas devem ser dominadas e aperfeiçoadas, senão as combinações
não serão bem sucedidas, isto é, as seqüências de movimentos e golpes da
capoeira, pré-determinadas ou não, só serão bem realizadas se estes
estiverem dominados e forem bem realizados para após, no somatório que é
a seqüência, estarem e propiciarem uma perfeita combinação, de modo
harmônico;
h) Exercício em aceleração forçada: depende do fator externo,
geralmente de outro jogador, onde por meio de pressão o praticante se vê
obrigado a mudar a execução de um movimento (acelerando-o, diminuindo a
velocidade, aumentando a força explosiva, etc.), a fim de não ser
prejudicado.
“Os conteúdos adequados para o funcionamento das capacidades de
coordenação
são
inferidos
da
modalidade
esportiva
considerada.”
(WEINECK, 1989, p. 178). Quanto aos Esportes de oposição, a dois,
Weineck, relativos aos conteúdos da instrução das capacidades motoras,
assim pensa:
“Essas modalidades são também excelentes para a
instrução geral e destreza. A oposição direta de um
adversário pouco previsível exige não só um máximo
de
capacidade
de
coordenação,
mas
ainda
a
capacidade física de “performance”. No domínio das
capacidades de análise, eles melhoram principalmente
os analisadores cinestésico, tátil e óptico.” (Ibidem,
1989, p. 178).
271
Weineck citou os seguintes
Princípios metódicos quanto as
capacidades de coordenação:
“- Ao contrário das outras formas principais de
exigência motora, que podem ser desenvolvidas por
métodos unilaterais de treinamento, as capacidades
de coordenação podem se melhoradas em seu
complexo.
- Um bom desenvolvimento da destreza não pode ser
obtido, a não ser de acordo com o princípio de uma
variação e combinação constantes dos métodos e dos
meios de exercícios.
- A aquisição e a execução de habilidades esportivas
aperfeiçoam paralelamente as funções psicofísicas
(por exemplo as funções de análise) e as funções de
coordenação – portanto as premissas de uma
aprendizagem motora contínua – com vistas à
aquisição de novas habilidades esportivas (Hirtz, 1976,
384).
-
As
capacidades
de
coordenação
devem
ser
ensinadas em tempo útil, pois a evolução fisiológica da
idade deteriora os processos de tomada e de
tratamento da informação, daí uma diminuição da
eficácia do treinamento.
- O treinamento da destreza não deve ser efetuado em
estado de fadiga, pois o momento não é ótimo para a
instrução dos processos de controle.” (Ibidem, 1989, p.
179).
Para Zakharov, as capacidades de dirigir os movimentos se baseiam
predominantemente na precisão das percepções motoras (cinestésicas), que
se apresentam em combinação com as percepções visuais e auditivas. Com
pequena experiência motora, as percepções e sensações do homem não
272
permitem diferenciar nitidamente os parâmetros do espaço, tempo e de força
do movimento. Por isso as capacidades de coordenação se formam, antes
de tudo, no processo de treinamento de diversificadas ações técnicas e
táticas. Com a execução racional dos movimentos, só ficam em estado
excitado (tenso) os grupos musculares que participam diretamente destes
movimentos, permanecendo os outros grupos musculares em estado
relaxado. A concordância e correspondência da tensão e do relaxamento
dos
músculos
se
caracterizam
pela
coordenação
nervoso-muscular
(ZAKHAROV, 1992).
Continuando, Zakharov nos diz que, na realização, pela primeira vez
ou em condições insólitas, de uma ação motora, a tensão involuntária dos
músculos se eleva, o relaxamento completo destes inexiste e sua
coordenação se pertuba. A excessiva tensão muscular aparece geralmente
na etapa inicial do treino, assim como sob a influência da fadiga, da
sensação de dor, do estresse psicológico, por exemplo, devido à
participação nas competições. A pertubação da coordenação nervosomuscular se reflete negativamente na capacidade dos resultados da
realização dos exercícios. Na atividade que exige a revelação da resistência,
a tensão muscular elevada leva ao aumento de gastos energéticos e à
fadiga rápida; nos exercícios de velocidade se limita a velocidade máxima,
nos exercícios de força se reduz a grandeza de força aplicada. Na primeira
execução de um movimento, os músculos antagonistas intervêm ativamente
neste, freiam-no, o que permite introduzir as correções necessárias no
processo de sua execução. À medida que se eleva a capacidade de direção
do movimento, opera-se passo a passo a eliminação da tensão excessiva
dos músculos (Ibidem, 1992).
Para Barbanti, a definição de coordenação é a seguiente:
“”É a função do Sistema Nervoso Central e da
musculatura exigida em uma seqüência cinética
dirigida” (HOLLMANN). Uma grande quantidade de
273
repetições converte, pouco a pouco, um movimento
conscientemente
realizado
em
um
“estereótipo
dinâmico motriz”, quer dizer, um processo cinético de
desenvolvimento
automático,
dirigido
inconscientemente.
A coordenação determina a beleza dos movimentos.”
(BARBANTI, 1979, p. 10).
E ainda Barbanti, cita Hollmann, o que Campos concorda e aproveita
em sua obra:
“Segundo Holmann, “coordenação é função do sistema nervoso
central e da musculatura esquelética exigida em uma seqüência cinética
dirigida” (apud Barbanti 3).” (CAMPOS, 1998, p. 118).
Barbanti (1979) escreveu um capítulo sobre a habilidade e destreza,
no item dos conceitos ele diz que a terminologia esportiva oferece várias
possibilidades de interpretações quanto a estes dois termos. Segundo ele,
muitos estudiosos do assunto, concordam em vários aspectos, diferem em
outros e ainda não se sabe exatamente quem está mais correto,
dependendo sempre de “pontos de vista”. Normalmente, quando se tem de
realizar um movimento que exige uma alta coordenação, portanto, uma
atuação precisa do sistema nervoso central, fala-se em habilidade e
destreza. Isto quer dizer que ambas as qualidades são graus exponenciais
da coordenação. De acordo com Barbanti:
“Vários autores entre os quais HARRE, MATWEYEW,
RITTER, não fazem diferenciação entre ambas. Para
eles, tanto a habilidade como a destreza são elevadas
coordenações dos segmentos corporais, como cada
um deles em particular são dirigidos por um mesmo
sistema nervoso central. Segundo esses autores quem
é “hábil” também é “destro”. Já outros estudiosos
274
como MEINEL, HIRTZ, diferenciam claramente essas
duas qualidades motrizes. Para MEINEL, a destreza
se
caracteriza
por
“um
elevado
trabalho
de
coordenação neuromuscular no qual se combinam
entre si a atividade de vários segmentos corporais”.
Assim existe uma elevada coordenação entre os
movimentos do tronco, da cabeça e das extremidades.
E a habilidade, segundo o mesmo autor, seria uma
característica motriz de elevado grau de coordenação
isolada e independente, da cabeça, pés, mãos. Então
um atleta seria um “destro” e o pianista um “hábil”.”
(Ibidem, 1979, p. 205).
Complementamos transcrevendo a definição de destreza por
Barbanti:
“É a capacidade de dominar movimentos complicados,
aprender rapidamente novos movimentos específicos
e adaptar-se, rapidamente, a várias situações.
É uma coordenação superior, mais elevada, de
movimentos complexos e específicos.” (Ibidem, 1979,
p. 14).
Cunha nos diz que “a ginga da Capoeira, requer uma capacidade de
coordenação motora a ser realizada, desenvolvida e aperfeiçoada.”
(CUNHA, 2003, p. 67).
Campos pensa que com a prática da capoeira, pode-se melhorar e
desenvolver a coordenação, principalmente por ser um jogo onde os
oponentes se utilizam de destreza e criatividade sem uma seqüência
determinada, exigindo sobremaneira reflexos aprimorados e movimentos
coordenados. Os capoeiristas aprendem, pela vivência e intuição, a
importância de dosar o gasto energético em função de uma melhor técnica
275
(CAMPOS, 1998). “Dizemos que uma pessoa executou um movimento
coordenado, quando existe leveza e economia para se chegar ao objetivo
desejado.” (Ibidem, 1998, p. 118). De acordo com Campos, “Normalmente o
movimento é realizado com ritmo, amplitude soltura e estilo” (Ibidem, 1998,
p. 118), para Campos, durante a execução do movimento, somente
músculos necessários àquele trabalho se contraem enquanto o antagônico
permanece relaxado. Ainda segundo Campos:
“Sabe-se que fatores físicos da performance têm
significativa influência no movimento coordenado
como: força, velocidade, mobilidade e resistência que,
em função do treinamento, podem conseguir os
seguintes efeitos:
1 – melhoria técnica;
2 – menor gasto energético;
3 – melhoria da performance;
4 – maior eficiência;
5 – melhor recuperação durante o período de
repouso.” (Ibidem, 1998, p. 118).
Podemos dizer então que, o aperfeiçoamento da coordenação motora
é o aperfeiçoamento da capacidade de realizar movimentos, de forma ótima,
com o máximo de eficácia e de economia de esforços quando aperfeiçoada.
Mente e corpo propiciando a combinação motora que proporcionará a
realização de uma série de movimentos com o máximo de eficiência,
economia energética e psíquica e, o mínimo de fadiga.
Uma ótima coordenação motora permite a realização de gestos
difíceis e caracteristicamente complicados, e uma boa eficiência mecânica,
com precisão. Quando mais se apura a coordenação, proporcionalmente,
diminui o gasto e aumenta a economia energética na execução do
movimento. A coordenação é específica do gesto esportivo da modalidade,
do desporto / esporte, atividade ou movimento.
276
A coordenação motora é uma qualidade física de natureza bem
específica, isto é, um bom capoeira, que tenha a coordenação motora bem
desenvolvida nesta modalidade, pode não ser um bom jogador de basquete,
por exemplo.
Está ligada a fatores socioculturais, e à habilidade, às experiências
motoras e ao princípio da adaptação. Está também estreitamente ligada ao
aspecto cognitivo, ao aspecto afetivo-social, tendo ligação direta e estando
vinculada ao aspecto psicomotor.
Primordial é o aprendizado correto, mas de modo espontâneo,
gradativo, natural e orgânico, e não mecânico, dos movimentos e gestos
característicos e específicos da capoeira, em um processo de autodescobrimento, auto-conhecimento corporal, assim como a sua percepção
pelo capoeirista, conforme suas potencialidades e dificuldades individuais,
sejam de ordem interna e ou externa.
Melhora-se cada vez mais esta qualidade física na arte da
capoeiragem, é o que faz a diferença na luta ou jogo de capoeira, dos
movimentos e gestos do capoeirista, influenciando sensitivamente o modo
individual de “ser capoeirista”, e no seu comportamento de forma geral.
A coordenação específica da capoeira está ligada à inteligência e à
sabedoria corporal, à didática e ao conhecimento popular, à tradição dos
gestos específicos, característicos e comuns da capoeira, que estão
enraizadas nas entranhas históricas e socioculturais do povo brasileiro,
especificamente
em
determinadas
regiões
e
localizações,
onde
o
determinismo cultural afeta a cultura da capoeira de modo regionalista,
apesar da capoeira estar se alastrando de modo muito intenso e abrangente
por todo o mundo e também sofrer os impactos da globalização. Este
determinismo cultural também está atrelado a um tempo, um momento
específico de cada local. Há diversas “escolas”, “linhagens” e “estilos”, e
277
concepções variadas destes, várias filosofias, pensamentos e interpretações
diferentes da capoeira; que variam de acordo com a região e grupo social, e
à época ou momento histórico social.
Por isso, além de toda confusão com relação à capoeira, para quem
não leva em conta todos os fatores relacionados ao desenvolvimento e
evolução da capoeira por toda a sua história, observamos uma grande
diversidade encontrada nos gestos e movimentos dos capoeiristas, em seus
treinamentos que estão em constante evolução.
A coordenação e sua relação com a capoeiragem precisa ser melhor
estudada, pesquisada e trabalhada, pois a capoeiragem é uma arte recente
em comparação à certas artes orientais. E está em fase de formação e
evolução, sob influência maciça da mídia, da globalização e da
institucionalização. A evolução de estudos neste campo seria de enorme
benefício para o desenvolvimento da capoeira, como também a capoeira,
por toda a sua característica diferenciada, complexa e peculiar, teria muito a
contribuir para este campo do saber.
A grande propagação da capoeira no passado, época em que era
crime e resistia na ilegalidade, se deu de maneira rápida e “assustadora”.
Portanto, verifica-se a fácil transmissão e aprendizado dos gestos e
movimentos da capoeira, e a grande amplitude de desenvolvimento
individual e coletivo. Este treinamento era baseado no experimento e
conhecimento corporal, portanto, a qualidade física coordenação, é
primordial para o aprendizado da capoeira.
2.10.2 – A velocidade
Para Fernandes, no Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa – O
Globo, a definição de velocidade é: “VELOCIDADE, s. f. Movimento ligeiro;
rapidez; qualidade do que é veloz; celeridade; (fig.) relação entre o espaço
278
percorrido e a unidade de tempo (Do lat. velocitate.)” (FERNANDES, 1993,
p. 699).
Segundo Tubino, a definição de velocidade é:
“É a qualidade física particular do músculo e das
coordenações
neuromusculares
que
permite
e
execução de uma sucessão rápida de gestos que, em
seu encadeamento, constituem uma só e mesma
ação, de uma intensidade máxima e de uma duração
breve ou muito breve (FAUCONNIER / 1978).”
(TUBINO, 1984, p. 180).
Weineck se apóia em Frey, para definir a velocidade:
“Segundo Frey (1977, 349), a velocidade é a
capacidade,
sobre
a
base
da
mobilidade
dos
processos do sistema neuromuscular e da faculdade
inerente à musculatura, de desenvolver a força, de
executar ações motoras em um mpinimo de tempo,
colocado sob condições mínimas.” (WEINECK, 1989,
p. 137).
Segundo Dantas, a velocidade de movimento é uma habilidade
motora e como tal, preponderantemente depende do determinismo genético.
Para este autor, pode-se considerar a velocidade de movimentp dependendo
de três fatores: Amplitude do movimento, Força do grupo muscular
empregado e, Eficiência do sistema neuromotor – fator básico. As duas
primeiras são fatores coadjuvantes. Cada um destes fatores, ao preponderar
sobre os demais, fará com que esta qualidade física se expresse de uma
maneira na prática esportiva (DANTAS, 1995).
279
De acordo com Dantas, ao preponderar a amplitude do movimento
ter-se-á a velocidade produzindo deslocamento através da repetição de
movimentos cíclicos de membros como observado na natação ou nas
corridas. Já o predomínio do aspecto força poderá ser observado nas
“performances” que exigem força explosiva como chutes de futebol, socos
do boxe, cortadas do vôlei, etc. Por fim, o sistema nervoso será mais
importante nas expressões da velocidade em que se observa previamente a
velocidade de reação e nas quais os outros aspectos são secundáriosem
relação à rapidez de execução, como pode ser observado nas paradas de
esgrima, nas defesas do karatê ou na colocação das mãos para a recpção
de um saque de vôlei. Para Dantas, a eficiência do sistema neuromotor,
desde a velocidade de condução do motoneurônio, passando por sua
preponderância fásica, até a existência de um alto percentual de fibras
glicolíticas rápidas, dependerá, fundamentalmente da predisposição genética
da pessoa, o que torna muito difícil conferir a velocidade a quem não a
possua de forma inata. No entanto, há uma hipertrofia seletiva das fibras
musculares devido à especificidade do treinamento. Ela também provoca um
aumento da freqüência da descarga neuronal, bem como uma adaptação
das fibras glicolíticas lentas, tornando-as de comportamento semelhante às
rápidas (Ibidem, 1995).
Para Weineck, quanto as Modalidades da velocidade, esta, se
distingue em uma Velocidade Cíclica, adequada a uma sucessão de ações
motores, como, por exemplo, corrida; e uma Velocidade Acíclica, adequada
a uma ação motora isolada, como, por exemplo, lançamento. Weineck, em
sua obra, preferiu abordar a Velocidade Acíclica no capítulo sobre Força de
Explosão. Segundo este autor: “Entende-se por velocidade de base a
velocidade máxima que pode ser atingida no plano de um movimento motor
cíclico.” (Weineck, 1989, p. 137). Sobre a Treinabilidade da Velocidade,
Weineck nos diz que, o fator físico da “performance” denominado
“velocidade” é, de acordo com a concepção geral, condicionado por uma
diátese inata e pode ser treinado menos que a força ou a resistência
(Ibidem, 1989), e ainda:
280
“Um adulto não treinado (v. p. 18) pode, por intermédio
de um treinemento apropriado, melhorar seu melhor
tempo em 100m de 15-20% no máximo; os outros
casos são a exceção (cf. Hollmann-Hettinger, 1980,
288).
Isso é devido ao fato de que as diferenças na
distribuição
das
fibras
musculares
e,
conseqüentemente, o modelo de inervação são
geneticamente fixados e o treinamento pode apenas
modificar o volume (por aumento da seção transversal)
ou a capacidade de coordenação, mas não a
distribuição percentual das fibras.
A velocidade é o fator físico da “performance” que
diminui mais cedo e mais fortemente, com a idade
crescente” (Ibidem, 1989, p. 137).
Segundo
Weineck,
a
velocidade,
fator
físico
complexo
da
performance, em que, sobretudo, desempenham um papel determinante os
componentes de coordenação e de condicionamento, depende de diversas
premissas
anátomo-fisiológicas
(Ibidem,
1989),
que
abordaremos
superficialmente, são elas:
a) Tipos de musculatura: “A velocidade de contração de um músculo
depende em alto grau do tipo de suas fibras” (Ibidem, 1989, p. 137). Dantas
nos diz que, a relação entre fibras musculares rápidas (FT) e lentas (ST) é
relevante para o rendimento e determinada geneticamente, sendo que, o
treinamento da condição física não pode converter as fibras ST em FT
(DANTAS, 1995).
b) Força da musculatura: A capacidade diferencial de “performance” no
domínio da velocidade – isso vale em particular para seu componente
parcial: a fase de aceleração – baseia-se em um nível inicial diferente das
281
faculdades de coordenação e de força. Uma melhora da força é sempre
acompanhada de uma elevação da velocidade motora. O impulso dinâmico,
em conexão com as qualidades de coordenação, determina a “performance”
da velocidade, como, por exemplo, em uma corrida, onde influencia
sensivelmente o comprimento e a freqüência da passada, mostrando assim,
a importância da força, como também, por exemplo, para a elevação da
“performance” de “sprint” (WEINECK, 1989).
c) Parâmetros antropométricos: A variação do comprimento e da
freqüência da passada é tão grande que a influência do tamanho do corpo e
das relações de alavanca sobre esses parâmetros poderia ser julgada não
decisiva (Ibidem, 1989). Para Dantas, as Características Antropométricas
exercem uma influência não pouco importante para a amplitude e freqüência
do
movimento.
Apesar
do
treinamento
não
poder
modificá-las,
a
necessitaremos nos diagnósticos biomecânicos (DANTAS, 1995).
d) Bioquímica da musculatura: A velocidade máxima do indivíduo
depende largamente das reservas de energia da musculatura e da sua
velocidade possível de mobilização. A velocidade está em estreita
correlaçãocom o tipo de fornecimento de energia. “Por um treinamento
especial, as reservas de fosfatos energéticos, em particular KP” (PANSOLD
apud WEINECK, 1989, p. 138) e as de glicogênio, que ocorre amplamente
na glicólise anaeróbica, localizadas no músculo, podem ser aumentadas.
Paralelamente, é aumentada a atividade de enzimas empenhadas no
deslocamento desses aubstratos energéticos (WEINECK, 1989, 138). Para
Dantas, as reservas de ATP, PC e a ação das enzimas encarregadas da
degradação e ressintetização do fosfato, têm sua importância decisiva para
a velocidade. O rendimento máximo da velocidade é devido, nos primeiros
segundos, à degredação do fosfato, em seguida se recorre a glicólise
anaeróbica como forma de aporte energético até alcançar seu teto a 18 seg.,
por efeito do freio do lactato acumulado. A regeneração do fosfato requer de
1 ½ a 2 min. Para eliminar aproximadamente 50% do lactato, necessita-se
de uns 15 minutos. Desse processo energético podem-se derivar os tempos
282
específicos para cargas e descansos do treinamento da velocidade
(DANTAS, 1995). Segundo Weineck:
“Seja pelo aumento das reservas de energia, seja pelo aumento das
atividades enzimáticas, a velocidade de contração do músculo eleva-se (cf.
Barany, citado a partir de Piehl, 1979, 34, 38).” (WEINECK, 1989, p. 139).
e) Cooperação neuromuscular, contratilidade do músculo: Para Harre,
“Uma freqüência motora elevada não pode ser obtida sem uma alternância
ultra-rápida de excitação e de inibição e as regulações correspondentes do
sistema neuromuscular em conexão com um esforço ótimo.” (apud
WEINECK, 1989, p. 139). Só uma coordenação motora intra e inter-muscular
ótima permite melhorar a cooperação dos agonistas e dos antagonistas,
assim como o número das unidades motoras ao mesmo tempo ativadas, daí
a elevação de força de aceleração da musculatura. A velocidade de
inervação, isto é, a velocidade de reação dirigida pelo sistema nervoso
central da musculatura é, em geral, denominada velocidade de base (Ibidem,
1989). Seu desenvolvimento varia conforme os indivíduos, por causa das
variedades que afetam o funcionamento do sistema nervoso “e repousa,
conforme Lorentz (citado a partir de Nett, 1969, 12), no tamanho da carga
(elétrica) das células ganglionárias motoras” (apud WEINECK, 1989, p. 139).
Segundo Dantas, a Coordenação Intramuscular, Intermuscular e a
Automatização do Movimento são fatores de influência nervosa, que
alcançam e mantém suas propriedades, apenas quando os tempos
destinados a atividade e repouso sejam ótimos (DANTAS, 1995).
f) Elasticidade, estirabilidade e capacidade de descontração da
musculatura: “Se a elasticidade, a estirabilidade e a capacidade de
descontração dos músculos são insuficientes, processa-se uma redução da
amplitude motora” (HARRE apud WEINECK, 1989, p. 140), e uma
deterioração da cooperação neuromuscular e de coordenação, pois a
musculatura que trabalha (agonista) durante o movimento deve superar uma
resistência maior dos antagonistas. Esses desenvolvimentos motores,
283
inibidos pelo atrito interno e pelo tono muscular aumentado, exigem não
somente uma eficácia menor de uma energia aumentada, mas ainda
induzem, mesmo em pouco tempo, uma redução da velocidade (WEINECK,
1989).
g) Influências psíquicas: Weineck afirma que, se a capacidade de
coordenação não for suficientemente desenvolvida, certas circunstâncias
podem condicionaruma perturbação da regulação nervosa central. A
tentativa de influenciar voluntariamente um controle dos movimentos
executados por automatismo acarreta uma deterioração da coordenação.
Uma desautomatização acontec, e isso tanto mais depressa do que em um
movimento seja menos bem consolidado, aprendido (Ibidem, 1989).
“Além disso, um esforço máximo de vontade – Grosser
(1976, 28) fala também de “puch” voluntário – é
decisivo para a obtenção da velocidade máxima
possível (cf. Harre, 1976, 164). De resto, esse esforço
de vontade não diz rspeito ao desenvolvimento motor,
mas à capacidade interna de mobilização.” (Ibidem,
1989, p. 140).
Para Dantas, após a melhora dos fatores coadjuvantes da velocidade
de movimento, quando deverá iniciar o treinamento da velocidade
propriamente dito, consistindo na execução do movimento considerado com
o máximo de rapidez possível, alternado com as pausas que permitam a
recuperação metabólica, a influência psíquica é de grande importância,
podendo o atleta ser auxiliado por influências externas visando “aprender” a
realizar o gesto com mais velocidade. Por exemplo, um corredor pode correr
afavor do vento, ou numa pista em ligeiro declive para ver se aumenta a
freqüência de suas passadas; um ginasta pode receber o impulso extra de
um trampolim para facilitar a execução de um movimento da ginástica de
solo (DANTAS, 1995).
284
h) Estado de aquecimento da musculatura: Uma freqüência motora
elevada supõe um estado ótimo de aquecimento; considerando-se que o
aquecimento da musculatura por um lado, abaixa a viscosidade, fricção
interna, reforça a elasticidade e a estirabilidade, mas por outro lado aumenta
a capacidade de reação do sistema nervoso e melhora o processo de
controle, todas as reações bioquímicas processam-se mais depressa e a
temperatura for ótima, um aquecimento suficiente é necessário para a
obtenção da velocidade máxima individual (WEINECK, 1989). “Segundo
Jonath (1973, 26), a elevação da temperatura corporal pode aumentar cerca
de 20% a velocidade de contração.” (JONATH apud WEINECK, 1989, p.
140). Para Dantas, a viscosidade do músculo influi em sua velocidade de
contração. A viscosidade, por sua vez, depende de sua reserva de ATP,
função ressintetizadora do ATP, da hiperacidez e do calor. Assim de
entendem os enrigecimentos do músculo depois de grandes esforços de
velocidade e a temperatura muscular baixa (DANTAS, 1995).
i) Fadiga: É impossível atingir uma velocidade máxima em estado de
fadiga, pois os processos de controle do sistema nervoso central são
afetados e, reduzida no seu rendimento, a alta capacidade de coordenação
necessária para o desenvolvimento da velocidade (WEINECK, 1989).
“Na fadiga ocorre uma acidez metabólica mais ou
menos acentuada (superacidificação condicionada
pelo
metabolismo)
que,
pelos
canais
sensíveis
aferentes, é transmitida centriptamente para o córtex
cerebral. Esses impulsos aferentes desencadeiam,
nos centros responsáveis pelo controle motor, uma
inibição que provoca uma redução do número e da
freqüência das descargas dos neurônios motores
(Reindell et al., citados de Koitzsch, 1972, 629).”
(Ibidem, 1989, p. 140).
285
De acordo com Dantas, o treinador pode, e deve, preocupar-se,
basicamente, antes de realizar o treinamento da velocidade propriamente
dito, com o treino de quatro componentes:
“- Sistema de transferência energética anaeróbicoalática – como foi visto na preparação cardiopulmonar
- Amplitude do movimento
- Diminuição da resistência mecânica – por meio de
exercícios de alongamento
- Força muscular – através de procedimentos da
preparação neuromuscular.” (DANTAS, 1995, p. 163).
Para Weineck, são Fatores Determinantes da Velocidade:
a) Velocidade de reação: O tempo de reação obedece a regularidades
de fisiologia sensorial, que de acordo com toda a verossimilhança na permite
descer abaixo de um valor-limite determinado, cerca de 0,10 s (WEINECK,
1989). Segundo Zaciorskij apud Weineck:
“O tempo de reação e o tempo intrínseco de latência
reduzem-se, conforme Zaciorskij (1972, 52), a cinco
componentes:
- aparecimento de uma excitação no receptor (sinal);
- transmissão da excitação para o sistema nervoso
central;
- passagem do estímulo nas redes nervosas e
formação do sinal de operação (é então como nas
reações complexas que necessitam mais tempo);
- chegada do sinal emitido pelo sistema nervoso
central ao músculo;
- excitação do músculo com desencadeamento
uma
atividade
mecânica.”
WEINECK, 1989, p. 140 e 141).
(ZACIORSKIJ
de
apud
286
Segundo Weineck, o tempo de reação nos estímulo óticos, acústicos
e táteis é diferenciado, sendo também diferenciado, esta reação ao longo da
vida do indivíduo e entre as pessoas. Este autor afirma que, não há relações
entre Tempo de Reação e Velocidade Motora, uma pessoa pode ter um bom
tempo de reação e uma medíocre velocidade motora e que, a velocidade de
reação é influenciada diretamente pela “Tensão Prévia” (WEINECK, 1989).
De acordo com Dantas, a velocidade do estímulo no sistema
nervoso está fixada geneticamente, fibras nervosas motoras via eferente: 30120 m/s, fibras nervosas sensoriais das vias aferentes 1-120 m/s, e
determina, por isso, o tempo mínimo de reação. Segundo Dantas, existem
várias pesquisas sobre a velocidade e também sobre os tempos de reação a
partir de sinais acústicos e óticos. Um treinamento consegue uma melhora
de 10-15% para reações acústicas simples e de 30-40% para as reações
discriminadas, porém mais no sentido de uma maior estabilidade nas
repetições do rendimento ótico do que de uma melhora da velocidade
(DANTAS, 1995).
b) Faculdade de aceleração: “A faculdade de aceleração constitui a
capacidade mais importante do corredor de “sprint”: os melhores corredores
de “sprint” têm também um melhor tempo de partida.” (WEINECK, 1989, p
141). Weineck nos diz que, a estreita interdependência entre a Faculdade de
Aceleração e a Força das Pernas resulta dos elevados coeficientes de
correlação que existem para os saltos horizontais e os verticais (0,64 e 0,
50); os grupos, dotados de uma “performance” de “sprint” significamente
melhor, dispõem de uma força superior de salto horizontal e vertical (Ibidem,
1989), que são extremamente necessárioas para a prática da capoeira, pois
vários movimentos e golpes precisam deste fator.
b) Velocidade de ação: É função privilegiada das capacidades de
coordenação, de inervação e de resposta imediata dos músculos
287
empenhados, portanto, do valor funcional do sistema neuro-muscular
(Ibidem, 1989).
c) Velocidade de resistência: Segundo Gundlach, “os músculos robustos
e rápidos podem possuir simultaneamente uma faculdade de resistência boa
ou má” (GUNDLACH apud WEINECK, 1989, p. 143). Essa capacidade é
mais fácil de ser treinada do que, por exemplo, a velocidade de inervação ou
a contratilidade do músculo. A elevação da velocidade de resistência torna o
atleta capaz de manter, por uma duração de tempo mais longa, a fase de
velocidade de ordenação ou a velocidade máxima (WEINECK, 1989).
Sobre os Métodos e conteúdos para melhorar os fatopes da
velocidade. Zuhlow apud Weineck pensa que, para escolher os exercícios
tecnomotores e de condicionamento aplicados ao treinamento, é importante
analisar e avaliar o nível da influência exercida pelas componentes que
determinam a “performance” e são independentes umas das outras, no
rendimento complexo da motricidade esportiva (ZUHLOW apud WEINECK,
1989, p. 143). Para Ballreich apud Weineck, a análise funcional das
componentes da velocidade que determinam a “performance” mostrou que,
a velocidade de reação e a velocidade de resistência são indiferentes para a
“performance”, enquanto a faculdade de aceleração e a velocidade máxima
(rapidez de ação, velocidade de coordenação) condicionam-na amplamente
(BALLREICH apud WEINECK, 1989, P. 143). Considerando que segundo
Ballreich, a velocidade de reação, a aceleração de “sprint” e a resistência de
“sprint” não se influenciam reciprocamente (BALLREICH apud WEINECK,
1989, P. 143), “cada componente exige meios especiais de treinamento (cf.
Zaciorskij, 1972 74).” (WEINECK, 1989, 143). Colocamos alguns Princípios
Metódicos do Treinamento de velocidade, citados por Weineck:
“- A intensidade dos exercícios deve ser escolhida de
tal modo que atija os níveis elevados, necessários
para o desenvolvimento da velocidade.
288
- A duração do exercício deve ser escolhida de tal
modo
que
a
velocidade
não
diminua,
em
conseqüência da fadiga que ocorrer no fim do
exercício (Zaciorskij, 1972, 58).
- Considerando-se que, quando se observam pausas
ótimas de recuperação, o efeito cumulativo do
treinamento causa fenômenos de fadiga, relativamente
cedo, devendo ser limitado a 5-10 repetições por
unidade de treinamento o volume do exercício (cf.
Zaciorskij, 1972, 59; harre, 1976, 166). Nenhum
treinamento de velocidade para uma pessoa fatigada!
Interrupção do trabalho de velocidade quando a
cadência diminui!
- Todo treinamento de velocidade deve processar-se
em um estado de aquecimento ótimo.” (Ibidem, 1989,
p. 146).
Para Weineck, a mulher é inferior ao homem tanto na velocidade
cíclica quanto na acíclica. A menor capacidade de desempenho absoluta da
mulher não é devida a componentes psicomotores coordenativos da
velocidade, o tempo de reação e a freqüência de movimentos, como
expressão atuação neuromuscular são semelhantes nos homens e
mulheres, mas sim às medidas que dependem da força (Ibidem, 1991, p.
368). A velocidade, assim como a força da mulher, é limitada principalmente
pela sua reduzida taxa de testosterona. Sob exigências de velocidade, que
se referem exclusivamente à velocidade como característica coordenativa e
não a formas de manifestações dependentes da força, não se póde observar
diferenças específicas entre os sexos (Ibidem, 1991).
Sobre o treinamento da velocidade na infância e na adolescência,
Weineck enfatiza sua instrução tão precoce quanto possível desse fator
físico da “performance”, pois a velocidade máxima parece, geneticamente,
limitada em um quadro relativamente estreito (Ibidem, 1989).
289
“Israel (1977, 992) admite a possibilidade de que o
perfil definitivo das bases biológicas da velocidade
seja
estabelecido
muito
cedo.
O
que
não
foi
desenvolvido em tempo útil não pode ser recuperado
depois (cf. também Blaser, 1978, 445).” (Ibidem, 1989,
p. 149).
Segundo Meinel apud weineck, na idade pré-escolar, um considerável
aperfeiçoamento dos movimentos de corrida ocorre dos 5 aos 7 anos,
revelado por um aumento extraordinário da velocidade de corrida (MEINEL
aoud WEINECK, 1989, p. 149). Weineck recomenda uma oferta aumentada
de exercícios de velocidade é recomendada nesse lapso de tempo
(WEINECK, 1989).
Na primeira idade escolar, a freqüência e a velocidade dos
movimentos passam por sua mais forte impulsão na primeira idade escolar,
sendo também considerável, o aumento acentuado da velocidade de reação
e a diminuição do tempo de latência que a condiciona (Ibidem, 1989).
“conforme Markosjan-Wasjutina - 1965, 330 – ele passa de 0,5-0,6 s aos 6-7
anos e para 0,25-0,40s aos 10 anos” (Ibidem, 1989, 149). Conforme Koinser
apud Weineck, nesse período de gradientes máximos de aumento das
capacidades de velocidade, um papel importante cabe não somente às
condições favoráveis que os processos nervosos oferecem para a
mobilidade, mas ainda às condições das alavancas, sendo preciso então,
levar em conta o desenvolvimento geral dos fatores físicos da “performance”,
recorrendo mais a exercícios que empreguem a velocidade (KOINSER apud
WEINECK, 1989). Observamos então que, a velocidade nos praticantes de
capoeira deve ser desenvolvida o quanto antes, de preferência neste
período da primeira idade escolar, onde pode trazer benefícios para uma
futura performance na capoeira.
290
Sobre a primeira segunda escolar, Markosjan-Wasjutina apud
Weineck, afirmam que, os tempos de latência e de reação continuam a
reduzir-se rapidamente até o final desse período, para atingir quase os
valores do adulto (MARKOSJAN-WASJUTINA apud WEINECK, 1989).
Como nesta fase a freqüência e a velocidade dos movimentos de corrida
aumentam consideravelmente, assim como na primeira idade escolar, uma
intensificação do trabalho sobre as capacidades de velocidade deve ser
realizada.
Abordando o treinamento da velocidade na pubescência, MarkosjanWasjutina apud Weineck, nos dizem que, os tempos de latência e de reação
atingem os valores adultos no final da pubescência (MARKOSJANWASJUTINA apud WEINECK, 1989) e, “a freqüência do movimento, que mal
será modificada depois, tem seu ponto máximo situado dos 13 aos 15 anos
(farfel, 1959, 17, citado de Meinel, 1976, 371).” (WEINECK, 1989, p. 149).
De acordo com Koinzer apud Weineck, os coeficientes elevados
condicionados de crescimento devido aos hormônios, elevação de
testosterona nos meninos, em matéria de força e velocidade máximas, assim
como o aumento da capacidade anaeróbica, visível na resistência de
velocidade e da força de resistência, produzem nesta fase ganhos
importantes em velocidade; além disso, ao contrário das idades anteriores,
pode-se recorrer mais aos meios de treinamento anaeróbico para estimular o
aumento. Esse fato deve ser explorado com um treinamento reforçado do
componente de condicionamentoda velocidade, portanto da força de
explosão (Ibidem, 1989).
Segundo Weineck, é possível um treinamento ilimitado e sem
restrição dos aspectos condicionados e coordenativos da velocidade na
adolescência. Os métodos e conteúdos de treinamento correspondem mais
ou menos aos dos adultos, só apresentando diferenças do ponto de vista
quantitativo (Ibidem, 1989; 1991).
291
Weineck sobre os conteúdos de treinamento para as crianças nos diz
que, os treinamento de velociodade para as crianças devem ser lúdicos e
adaptados a faixa etária, em quantidade e qualidade, respeitando os dados
fisiológicos delas, como a menor capacidade alactática e lactática. Este
autor comenta que, aumentando a idade, as formas puramente lúdicas são
substituídas pelos treinamentos emprestados dos adultos, pricipalmente,
após a puberdade, no início da adolescência (Ibidem, 1989). Como o lúdico
é um fator presente e constante na capoeira, as possibilidades de
intervenção no treinamento da velocidade nas crianças com a prática da
capoeira é vasta, como também é vasta, as possibilidades de treinamento
desta qualidade física após a puberdade, no início da adolescência e na fase
adulta.
Weineck
apresenta
ainda,
alguns
Princípios
Metódicos
do
treinamento de velocidade para as crianças e adolescentes:
“- O treinamento de velocidade deve ser conduzido
nas diferentes idades por meios apropriados a cada
idade.
- É preciso estar atento para utilizar os setores
sensitivos do desenvolvimento (época dos maiores
índices de crescimento).
- A velocidade e as capacidades, que a condicioam,
devem ser desenvolvidas de maneira diferenciada
(instrução da freqüência de movimento dos 7 aos 13
anos; treinamento de força de explosão, sobretudo na
puberdade e no início da adolescência).
- A velocidade deve ser treinada cedo, a fim de que o
espaço geneticamente restrito, colocado antes da
conclusão completa do sistema nervoso central, possa
ser ampliado.” (Ibidem, 1989, p. 151).
Para Campos, na capoeira o fator velocidade é muito importante,
principalmente para ser usado nos golpes, esquivas ataques e defesas,
292
sendo que a velocidade de reação, através do estímulo visual, é a mais
intensamente desenvolvida (CAMPOS, 1998). Segundo Campos:
“A rapidez dos golpes, na Capoeira, exige também do
oponente uma velocidade de relação bastante eficaz,
aprimorando desta forma o reflexo. Sendo a Capoeira
uma
atividade
eminentemente
de
movimentos
acíclicos, torna-se deveras interessante uma vez que
solicita de seu praticante movimentos variados dos
segmentos em todas as direções, acompanhados de
um alto grau de coordenação.” (Ibidem, 1998, p. 109 e
110).
A velocidade como uma qualidade física que permite o indivíduo
realizar uma ação no menor tempo possível, é importantíssima na capoeira,
todo bom capoeira é veloz é veloz. Movimentos rápidos e velozes fazem
parte da arte-luta e joga da capoeira. A velocidade é importante para se
obter potência no golpe e para ter força explosiva, sendo imprescindível para
a realização de determinados movimentos. A velocidade está ligada a
fatores genéticos, ligada ao percentual e tipo das fibras musculares.
Tubino diz que a velocidade está dividida em três tipos: Velocidade de
reação, Velocidade de deslocamento e, Velocidade de membros (Ibidem,
1984). Outros autores ainda colocam um quarto tipo, a Velocidade de
movimento, que seria expressa pela rapidez de execução de uma contração
muscular.
a) Velocidade de deslocamento: É ir de um ponto a outro, no menor
tempo possível.
b) Velocidade de reação: Observada entre um estímulo, que pode ser
acústico, óptico ou tátil, e a resposta correspondente. É reger um estímulo
no menor tempo possível. É uma ação consciente, não é um “reflexo”, como
293
geralmente conhecido de modo popular, é uma resposta à nível medular.
Este tipo de velocidade é extremamente necessária para a realização de
defesas, esquivas e negaças que possuam um alto nível de dificuldade de
execução.
c) Velocidade de membros: É a capacidade de movimentar um membro
o mais rápido possível.
Campos coloca que, as variáveis da velocidade são quatro (CAMPOS,
1998):
a)
Velocidade
de
reação
ou
Tempo
de
reação:
já
descrita
anteriormente.
b) Velocidade de movimentos acíclicos: esta qualidade se caracteriza
por vários movimentos sem uniformidade e com acelerações diferentes.
Apresentam-se, esses movimentos, nos esportes de arremessos, saltos,
tênis, Box, capoeira, etc (Ibidem, 1998).
c) Velocidade de movimentos cíclicos: é caracterizada por movimentos
uniformes, precisos e com repetições de fases. Exemplo: corrida, natação,
remo, ciclismo, etc (Ibidem, 1998). Na capoeira encontramos esta variante
da velocidade somente em um movimento, a ginga, e mesmo assim, se ela
for feita de forma marcada e igual, com um padrão regular de
movimentação, sem variações de movimentos. Este tipo de ginga, não é a
mais
adequada
para
a
capoeira,
pelo
contrário,
seria
a
própria
desaprendizagem da ginga. Ela sé tem serventia para uma finalidade, para o
treinamento da resistência específica, devido a sua constância de
movimento. Estudos e protocolos de avaliação e de treinamento poderiam
até ser preconizados, mas ainda há muito para ser pesquisado com a ginga
da capoeira. O próprio treinamento da ginga na Zona Alvo da Freqüência
Cardíaca, pode ser trabalhada com uma inconstância da ginga, apesar de
mais trabalhoso, se assim for feito este treinamento.
294
d) Velocidade de segmentos: é a capacidade de mover os segmentos
do corpo, braços, pernas, cabeça e tronco, o mais rapidamente possível,
permitindo a sucessão rápida de gestos com intensidade máxima e duração
breve ou muito breve (Ibidem, 1998). Esta variável seria a Velocidade de
membros, mencionada por Tubino, mas este autor, ao colocar esta
nomenclatura, deixa de fora o tronco e a cabeça, especificando somente os
membros.
A Velocidade de movimentos acíclicos e a Velocidade de movimentos
cíclicos estão dentro da divisão de Tubino, na Velocidade de deslocamentos,
mas de forma interpretativa diferenciada.
De acordo com Dantas, o treino técnico é muito importante para o
desenvolvimento
da
velocidade
(DANTAS,
1995),
pois
uma
ótima
coordenação é eseencial para uma boa performance da velocidade. Para
Dantas: “O gesto desportivo deve ser repetido exaustivamente procurandose obter o máximo de precisão e coordenação, consumindo o menor tempo
possível.” (Ibidem, 1995, p. 163). Ainda segundo este autor:
“Outro
fator
que
auxilia
o
desenvolvimento
da
velocidade é o treinamento com colete lastrado que ,
por sobrecarregar o atleta durante os treinamentos,
permite que ele tenha melhor resultado ao retirá-lo
durante as performances. No entanto, sempre que o
uso do colete interferir com as características técnicas
do desporto, convém ser evitado seu uso, pois poderá
se tornar contraprudente.” (Ibidem, 1995, p. 163).
Como é sabido no meio da capoeiragem, alguns capoeiras costumam
treinar com caneleiras, no intuito de desenvolver a velocidade dos golpes
executados com os membros inferiores. Ainda não há estudos sobre esta
prática. Empiramente é notório algum desenvolvimento, mas não é possível
295
afirmar se o treinamento com caneleiras é mais eficiente, adequado e
indicado, do que o tradicional, sem o uso destas. Também é sabido,
empiracamente, que o uso abusivo ou a má utilização das caneleiras podem
provocar lesões, principalmente articulares e, mais especificamente, nos
joelhos. Contudo, seu uso ainda é bastante utilizado por capoeiras com
poucos anos de prática, quando desejam ampliar a velocidade de seus
golpes com os membros inferiores.
Estudos desta qualidade física aplicada à capoeira têm um campo
vasto e ainda inesplorado, podendo muito contribuir para conhecermos mais
sobre a velocidade na capoeira. Não devemos esquecer, ao trabalhar a
qualidade física velocidade, das Leis da Física, em que trata a velocidade,
conhecendo, por exemplo, a velocidade escalar média, a velocidade escalar
instantânea, a velocidade vetorial média e a velocidade vetorial instantânea.
Estes conceitos e conhecimentos são fundamentais para uma compreensão
desta qualidade física perante a Ciência da Física, e assim, poder trabalhar
com um total domínio e conhecimento da velocidade como um todo.
2.10.3 – A força
Inicialmente iremos abordar um pouco de Física, uma breve e
superficial revisão, que irá nos ajudar a compreender melhor alguns fatores.
Os Princípios da Dinâmica, também chamados de Leis de Newton.
Em Dinâmica, forças causam variações na velocidade de um corpo, isto é
aceleração. “Forças são interações entre corpos, causando variações no seu
estado de movimento ou uma deformação” (BONJORNO, 1988, p. 92).
Princípio da Inércia ou 1ª Lei de Newton: Se a força resultante sobre um
ponto material é nula, este permanece em repouso ou em movimento
retilíneo e uniforme. Princípio Fundamental da Dinâmica ou 2ª Lei de
Newton: A resultante das forças aplicada a um ponto material é igual ao
produto de sua massa pela aceleração adquirida (Ibidem, 1998, p. 95). Peso
de um Corpo: Peso é a força de atração gravitacional que a Terra exerce
296
num corpo (Ibidem, 1988, p. 98). Deformação elástica – Lei de Hooke: A
intensidade da força deformadora é proporcional à deformação (Ibidem,
1988, p. 99). O Quilograma-Força (Kgf): 1 Kgf é o peso de um corpo de
massa 1 Kg num local onde a gravidade é normal (g= 9,8 m/s²) (Ibidem,
1988, p. 100). O Princípio da Ação e Reação ou 3ª Lei de Newton: A toda
ação corresponde uma reação, com a mesma intensidade, mesma direção e
sentidos contrários (Ibidem, 1988, p. 102). “Define-se como potência média
o quociente do trabalho desenvolvido por uma força e o tempo gasto em
realizá-lo.” (Ibidem, 1988, p. 136). Teorema da Energia Cinética: O trabalho
realizado pela força resultante que atua em um corpo é igual à variação da
energia cinética desse corpo (Ibidem, 1988, p. 143). Conservação da
Energia: A energia não se cria nem se destrói, só se transforma de um tipo
em outro, em quantidade iguais (Ibidem, 1988, p. 150). Teorema do Impulso:
Para o mesmo intervalo de tempo, o impulso da força resultante é igual à
variação da quantidade de movimento (Ibidem, 1988, p. 157). Princípio da
Transmissibilidade das Forças: O efeito de uma força sobre um corpo não se
altera quando deslocamos seu ponto de aplicação ao longo de sua linha de
ação (Ibidem, 1988, p. 171). Centro de Gravidade: Centro de gravidade de
um corpo é o ponto de aplicação da força de peso (Ibidem, 1988, p. 173).
Primeiro Princípio da Termodinâmica: A variação da energia interna de um
sistema é igual à diferença entre o calor e o trabalho trocados pelo sistema
com o meio exterior (Ibidem, 1988, p. 255).
Após esta breve explanação e revisão sobre alguns conceitos de
Física, abordaremos a qualidade física Força, sob o enfoque do treinamento
desportivo.
Weineck nos diz o seguinte, quando se tenta definir Força, quando
abordada como uma qualidade física pelo treinamento desportivo:
“Formular com precisão uma definição de “força”, que
compreenda ao mesmo tempo seus aspectos físicos e
psíquicos, ao contrário da definição dos físicos,
297
apresenta
consideráveis
dificuldades,
pois
as
modalidades da força, do trabalho muscular, da
contração
muscular,
etc...
são
extremamente
complexas e dependem de uma multiplicidade de
fatores.” (WEINECK, 1989, p. 97).
A Força é uma terça parte da tríade das necessidades básicas de
aptidão física do homem, composta pela Força, Resistência Aeróbica e
Flexibilidade (GOMES da COSTA, 1996).
Segundo Tubino, força é: “a qualidade física que permite um
músculo ou um grupo de músculos produzir uma tensão, e vencer uma
resistência na ação de empurrar, tracionar ou elevar.” (TUBINO, 1984, p.
180).
De acordo com Peckering apud Gomes da Costa: “Força é definida
como
“a
capacidade
(PECKERING
apud
de
exercer
GOMES
da
tensão
contra
uma
COSTA,
1996,
p.
resistência””
57)
e
ainda:
“Força muscular pode ser definida como a força ou a tensão que um
músculo ou, mais corretamente, um grupo muscular consegue exercer
contra uma resistência, em um esforço máximo.” (FOX, BOWES, FOSS
apud GOMES da COSTA, 1996, p. 57).
“Numa conceituação mais abrangente, podemos dizer
que força representa a capacidade do indivíduo impor
tensão contra uma resistência e que depende
principalmente de fatores mecânicos, fisiológicos e
psicológicos”
(BITTENCOURT
apud
GOMES
da
COSTA, 1996, p. 57).
“Farinatti / Monteiro (1992, 53/54) alertam para o fato
de que “não se pode simplesmente transpor o conceito
mecânico de força para o âmbito das tarefas motoras”.
298
Citam que “muitas vezes a força aplicada não
dependerá apenas da aceleração, mas também de
fatores como o grau de estiramento inicial da
musculatura
(Hollman,
Hettinger,
1983),
ou
da
sincronização neuro-muscular (Komi e col. 1978;
Coyle e col., 1981)”. Destacam os exemplos de
definição de força propostos por Zatsiorski (1968) –
“Habilidade de superar uma resist~encia externa, ou
suportá-la, por esforço muscular” – e Atha (1982) –
“Habilidade
de
desenvolver
força
contra
uma
resistência em uma contração de duração restrita” -,
ressaltando que ambos revelam a força enquanto uma
habilidade; implicitamente, isto representa que “a
capacidade
de
produzirmos
tensão
muscular
controlada escapa à esfera puramente químicofisiológica,
estando
coordenativos
e
também
ligada
treináveis
a
aspectos
motoricamente.
Acreditamos ser isso de especial interesse ao
profissional que lida com a força combinada a
movimentos específicos – caso claro do professor de
Academia”.” (GOMES da COSTA, 1996, p. 57).
De acordo com Campos, hoje está comprovado, através de
pesquisas e resultados, a grande importância da força nos esportes, de um
modo geral. Segundo este autor, quando cita Barbanti, podemos defini-la
dentro do conceito americano, “como sendo a capacidade de exercer tensão
muscular contra uma resistência, envolvendo fatores mecânicos e
fisiológicos, os quais determinam a força em algum movimento particular”
(BARBANTI apud CAMPOS, 1998, p. 100).
Gomes da Costa, quanto a Força, apontou Fatores Determinantes,
são eles:
299
a)
Área de secção transversa do músculo: esta que, por sua vez,
é influenciada pelas seguintes características:
a.1) Diâmetro da fibra muscular: das secções transversais das
diversas unidades motoras (GOMES da COSTA, 1996);
a.2) Voleme muscular: resulta do produto do diâmetro multiplicado
pelo comprimento do músculo (Ibidem, 1996);
a.3) Estrutura do músculo: secção transversal fisiológica, que é
determinada automaticamente e não pode ser influenciada pelo treinamento
(Ibidem, 1996), “ordenação paralela das fibras, emplumamento simples ou
duplo (Weineck 1986, 50)” (WEINECK apud GOMES da COSTA, 1996, p.
58);
a.4) Tipo de fibra muscular: quanto maior a quota de fibras FT (Fast
Twitch Fibers, ou fibras de contração rápida – C.R.), melhor o músculo pode
ser treinado em força e maior é sua força máxima (GOMES da COSTA,
1996).
b)
Fosfatos ricos em energia (ATP, CP): a força depende
diretamente deste, visto que, o espaço de tempo do desenvolvimento do
trabalho de força máxima dura poucos segundos, uma carga máxima
executada até o esgotamento leva rapidamente a uma superacidez
intracelular, aumento do lactato, e, com isto, há uma queda do desempenho,
anível submáximo (Ibidem, 1996).
c)
Fatores biomecânicos: como a Eficiência Mecânica do Gesto
Treinado, o Comprimento da Fibra Muscular, seu Ponto de Inserção e seu
Ângulo de Tração, influenciam no aproveitamento da força muscular. A
força, como também seu desenvolvimento, não estão relacionados de forma
linear com a evolução dos ângulos articulares nos movimentos, e sim, em
função, principalmente, das relações de alavanca, em constante mudança, e
300
pelo fato, de que nos diferentes ângulos são acionados diferentes partes do
músculo ou mesmo diferentes músculos (Ibidem, 1996).
d)
A capacidade coordenativa do músculo: diz respeito ao Número
de Unidades Motoras Ativadas, “quanto maior for o número de unidades
motoras colocadas em funcionamento maior será a força gerada”
(RODRIGUES / CARNAVAL apud GOMES da COSTA, 1996, p. 59); assim
como da Freqüência e da Sincronização dos Impulsos Nervosos, que ativam
estas unidades motoras, como também da qualidade física, que será
abordada posteriormente, Descontração Diferencial e, a Perfeita Técnica
Específica da Modalidade Esportiva, “como expressão de uma coordenação
ótima, corresponde às regularidades biomecânicas – influencia, portanto, de
forma decisiva, o grau de desenvolvimento de força potencial possível”
(WEINECK apud GOMES da COSTA, 1996, p. 59).
e)
Fatores emocionais: o Estado de Espírito em que se apresenta
o indivíduo tem relação direta com o resultado da força muscular. A Emoção
repercurte no sistema nervoso e endócrino; pode aumentar a descarga
nervosa e também a liberação de adrenalina, aumentando assim a força
muscular. Segundo experiências já feitas, comprovou-se que a Motivação
pode levar uma pessoa a manifestação de força superior à habitual (GOMES
da COSTA, 1996). Já de acordo com o Dr. Theodoro Hettiger, todos nós
temos uma “força muscular reserva”, que só se manifesta em situações
especiais, tais como: grande motivação, alterações mentais, perigo, loucura,
etc. (RODRIGUES / CARNAVAL apud GOMES da COSTA, 1996, p. 59).
f)
Sexo e Idade: são fatores cdeterminates para a delimitação dos
níveis de força. Com relação ao Sexo, “devido à menor massa muscular e à
menor seccção transversal do músculo da mulher, sua força equivale em
média a cerca de 70% da do homem” (WEINECK apud GOMES da COSTA,
1996, p. 60). No homem o tecido muscular é mais desenvolvido,
hipertrofiado, devido à Testosterona. O rendimento e treinabilidade entre
meninos e meninas é praticamente igual até a puberdade, fato este que
301
após esta fase é modificado, devido à ação dos hormônios, dando maior
vantagem aos homens, quanto a este aspecto. Outros fatores são a maior
quantidade
de
tecido
adiposo
entre
as
fibras
musculares,
menor
contratilidade, maior fadigabilidade, menor tônus e sistema ligamentar e
articular mais débeis. Qunato à idade, em qualquer etapa da vida pode-se
conseguir tanto o aumento de força como o volume muscular, poré há
períodos em que se alcançam os maiores valores neste aspecto, ainda há
outros fatores, como o sedentarismo, que podem determinar estes aspectos
(GOMES da COSTA, 1996).
g)
O alongamento prévio do músculo e a flexibilidade (amplitude
articular): São fatores consideráveis para a otimização dos trabalhos de
força (Ibidem, 1996).
h)
Velocidade de movimento x Força máxima empregada: tanto
maior será a velocidade empregada para o movimebto quanto menor for o
seu potencial de força máxima, inversamente proporcionais (Ibidem, 1996).
i)
Tipo de Força: A grande za da força máxima dinâmica que
pode ser alcançada dependerá diretemente do tipo de força desenvolvida no
treinamento (Ibidem, 1996).
j)
Grau de fadiga muscular: dependendo do tipo de força
desenvolvida, pode ser fator de interferência tanto positivo quanto negativo.
Sintetizando, positivo, pois protege o músculo, não deixando ele se romper
e, negativo quanto ao rendimento (Ibidem, 1996).
k)
Estado de teinamento: uma musculatura ativa tem mais
potencial do que uma inativa, como também, são fatores importantes que
devemos levar em consideração segundo Bittencourt “temperaturas
ambiente e corporal, em graus extremos, ambas prejudicam a performance”
(BITTENCOURT apud GOMES da COSTA, 1996, p. 65).
302
l)
Hora do dia: este fator depende da individualidade da pessoa,
seus hábitos diários. “o progresso desta curva do ritmo diário é a resultante
do desempenho de todas as funções corporais (WEINECK apu GOMES da
COSTA, 1996, p. 65).
m)
Formas de apresentação da força: apresenta-se de duas
formas: Estática e Dinâmica, que se divide em Dinâmica Concêntrica e
Dinâmica Excêntrica. A Concêntrica subdivide-se em: Força Pura ou Força
Máxima, Força Dinâmica, Força Explosiva ou Força Rápida ou Potência ou
Força de Velocidade e, Resistência da Força ou Força Resistente ou
Endurance de Força ou Resistência Muscular Localizada (R.M.L.). Já a
Força Estática, pode ser trabalhada metodogicamente de duas maneiras:
Força Estática Máxima e Resistência da Força Estática (GOMES da COSTA,
1996, p. 73).
De acordo com Tubino a força está dividida em três tipos: Força
dinâmica, Força estática e, Força explosiva (TUBINO, 1984).
Força Dinâmica: Segundo Dantas, chamam-se utilizações da força
dinâmica aquelas em que havendo movimento, a intensidade da resistência
a ser vencida e não a velocidade de execução é o fator determinante. A
força dinâmica manifestar-se-á de duas maneiras: Força absoluta, valor
máximo de força realizada num determinado momento, que não corresponde
à força máxima e; Força relativa: quociente entre a força absoluta e o peso
corporal de uma pessoa (DANTAS, 1995). Na capoeira pode ser trabalhada
amplamente em várias situaçãoes com o próprio peso corporal, onde o esta
qualidade física seja mais preponderante.
Força estática: acontece sem que se produza movimento (Ibidem,
1995). Encontramos na capoeira algumas posições e ou parada de
movimentos que requerem esta qualidade. Na aplicação de alguns golpes, o
desenvolvimento da força estática pode ajudar muito, para um melhor efeito
na execução destes. Contudo devemos ter uma preocupação com o
303
aumento da pressão arterial durante este tipo de exercício, que não deve ser
ministrado à pessoas cujo este aumento possa ser prejudicial.
Força explosiva: também conhecido como Potência, este parâmetro é
função da velocidade de execução do movimento e da força desenvolvida
pelo músculo considerado, sua fórmula seria: Força Explosiva = Força
Dinâmica x Velocidade (Ibidem, 1995). Muito utilizada na capoeira, além de
saltos, é muito necessária nos contra-ataques onde é necessária para sair
rapidamente de uma posição de defesa e ou esquiva, como: cocorinha,
negativa, etc. Também é extremamente utilizada na aplicação de golpes.
Weineck
fez
algumas
considerações
sobre
a
respiração
no
treinamento de força: Nos exercícios de força que permitem um grande
número de repetições, a respiração não deveria ser retida. No treinamento
dinâmico, tomemos aqui como exemplo o desenvolvimento em decúbito
dorsal, é preciso expirar no momento em que a carga entra em contato com
o peito e inspirar por ocasião do levantamento até a extensão vertical. No
treinamento isométrico, é recomendado o arquejamento. No treinamento por
cargas elevadas, muitas vezes não se pode evitar um breve bloqueio
temporário, pois ele permite obter a fixação torácica necessária para o
levantamento vertical (WEINECK, 1989).
Como a qualidade física força pode ser amplamente estudada e
abordada perante a capoeira, só o fizemos de forma superficial, na intensão
de ampliar um pouco as noções sobre esta qualidade física.
Finalizando, Campos teceu alguns comentários sobre a qualidade
física força e a capoeira:
“Na Capoeira, o emprego da força rápida (potência) é
bastante utilizado nos golpes de ataque e contraataque, saltos e esquivas. A resistência de força tem
um emprego puramente anaeróbico e a força máxima
304
praticamente não existe, uma vez que não é
necessária.
Para escolares, o importante é o emprego da força
geral, para atuar no desenvolvimento integral e
multilateral, utilizando-se o peso do próprio corpo, as
atividades naturais e as bolas de medicinebol.
Pode-se adquirir força através da prática sistemática
da Capoeira, devido aos inúmeros saltos e saltitos, e
também em decorrência da movimentação entre o
jogo do chão e o jogo alto, onde o praticante trabalha a
força, saindo do plano baixo para o alto, em
movimentos rápidos e potentes.” (CAMPOS, 1998, p.
100).
2.10.4 – O equilíbrio
Segundo Tubino, equilíbrio é: “a qualidade física conseguida por uma
combinação de ações musculares com o propósito de assumir e sustentar o
corpo sobre uma base, contra a lei da gravidade.” (TUBINO, 1984, p. 180).
Para Rasch/Burke, “um objeto está em estado de equilíbrio estável ou
em repouso, quando a resultante de todas as forças que atuam sobre ele for
igual a zero” (RASCH/BURKE apud GOMES da COSTA, 1996, p. 143).
Para Fernandes, no Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa – O
Globo, a definição de equilíbrio é: “EQUILÍBRIO, s. m. Estado de um corpo
solicitado por duas ou mais forças que se anulam entre si; harmonia; justa
medida. (Do lat. aequilibriu.)” (FERNANDES, 1993, p. 324).
Para Fátima Alves, “não pode haver coordenação de movimento sem
um bom equilíbrio, permitindo o ajustamento do homem ao meio. ... o
equilíbrio é a base primordial de toda a coordenação geral” (ALVES, 2003, p.
60). Aurélio apud Alves, define o equilíbrio como: “a manutenção dum corpo
305
na posição normal, sem oscilações ou desvios. Igualmente entre forças
opostas. Estabilidade mental e emocional” (ALVES, 2003, p. 60).
A Física, de acordo com as suas Leis, relativo ao Equilíbrio, diz que,
um corpo pode estar em equilíbrio nas formas de Equilíbrio Estático e
Equilíbrio Dinâmico (BONJORNO, 1988). O Equilíbrio Estático “É aquele no
qual o corpo está em repouso, isto é, sua velocidade é nula no decorrer do
tempo.” (Ibidem, 1988, p. 174) e “Para que um ponto material esteja em
equilíbrio estático é necessário e suficiente que a resultante de todas as
forças que nele agem seja nula.” (Ibidem, 1988, p. 174), e Equilíbrio
Dinâmico: “É aquele no qual o corpo está em movimento retilíneo uniforme,
isto é, sua velocidade é constante em módulo (v = cte. ≠ 0 ), direção e
sentido.” (Ibidem, 1988, p. 174).
Tubino diz que o equilíbrio está dividido em três tipos: Equilíbrio
dinâmico, Equilíbrio estático e, Equilíbrio recuperado (TUBINO, 1984).
a)
Equilíbrio Estático: como a própria nomenclatura define, seria o
perfeito equilíbrio do corpo em uma determinada posição. Para Mônica
Nicola, o Equilíbrio Estático “É o equilíbrio no estado de repouso em que se
acham os corpos solicitados por forças, encontrando-se firmes, imóveis ou
parados.” (NICOLA, 2004, p. 79). De acordo com Gomes da Costa que cita
Dantas e Rasch/Burke:
“segundo Dantas (1985, 71) “é o observado em
repouso”.
Convém
hipotética
de
ressaltar
equilíbrio
que
uma
totalmente
situação
estático
é
praticamente impossível de ser concebida e mantida,
quando da prática corporal. “Mesmo a chamada
“atitude ereta estática” tem mostrado ser impossível;
existe sempre uma oscilação, que traduz uma situação
dinâmica com indispensáveis e contínuos ajustes e
reajustes da posição destinados a manter o equilíbrio”,
306
cita Rasch/Burke (Pág. 123).” (GOMES da COSTA,
1996, p. 143).
Neste sentido, poderíamos afirmar e definir o Equilíbrio Estático,
como a capacidade de utilizar o menos possível do processo de
equilibração. O processo de equilibração seria constante e poderia ser
usado em maior ou menor grau, deste modo, supondo um Equilíbrio Estático
perfeito não haveria equilibração.
b)
Equilíbrio Dinâmico: de acordo com Tubino, “é o tipo de
equilíbrio conseguido em movimento” (TUBINO, 1984, 192). Para Nicola, o
Equilíbrio Dinâmico é “O equilíbrio relativo ao movimento, equilíbrio das
forças ou organismo em atividade, ativo.” (NICOLA, 2004, p. 79). Segundo
Gomes da Costa, “É aquele em que, a cada momento, ocorrem constantes
modificações
em
sua
situação
que
requerem
novos
“ajustes
e
compensações” (GOMES da COSTA, 1996, 143). Este autor cita
Rasch/Burke e Hay/Reid:
“A própria marcha tem sido definida como “uma série
de cat´strofes evitadas por muito pouco” (mais uma
vez Rasch/Burke (Pág. 122).
Hay/Reid (1985, 117) afirmam: “Quando um corpo
está-se movendo com velocidades linear e angular
constantes-o que apenas pode ocorrer se a soma das
forças e a soma dos torques que atuam sobre ele
forem iguais a zero-, é dito que o corpo está em
equilíbrio dinâmico”.” (GOMES da COSTA, 1996, p.
143).
Em geral, este equilíbrio é o mais utilizado no dia a dia do homem, em
seus vários movimentos executados durante toda a sua vida. O Equilíbrio
está intrinsicamente relacionado ao desenvolvimento, estado e estruturação
do Tônus Muscular, e conseqüentemente com todos os sistemas orgânicos
307
envolvidos com este, como o neuro-ósteo-muscular e a postura, por
exemplo.
c)
Equilíbrio Recuperado: segundo Tubino, “É a qualidade física
que explica a recuperação do equilíbrio numa posição qualquer” (TUBINO,
1984, p. 192). Ainda este autor: “O sistema nervoso é a variável principal
para o sucesso nessa qualidade física” (Ibidem, 1984, 192).
Alguns autores desconsideram esta divisão do equilíbrio, pois
acreditam que o Equilíbrio Recuperado estaria compreendido entre o
Estático e o Dinâmico. De acordo com o entendimento de Gomes da Costa:
“Poderíamos considerá-lo como fase de transição entre equilíbrios – entre o
Estático e o Dinâmico e vice-versa -, onde atua para restabelecer
movimentos e atitudes.” (GOMES da COSTA, 1996, p. 143). Este autor nos
diz que, de uma forma geral, encontra-se relacionado à capacidade sensorial
do indivíduo – analisadores cinestésicos (Ibidem, 1996). Este autor ainda faz
o seguinte comentário sobre o Equilíbrio, de modo geral:
“Como o centro de gravidade do corpo humano, na
posição anatômica (em pé), encontra-se localizado na
altura do quadril, próximo à cicatriz umbilical, quanto
mais baixo for o movimento realizado mais próximo do
solo o centro de gravidade ficará, aumentando, desta
forma,
as
possibilidades
de
se
conseguir
um
movimento mais estável e equilibrado.” (Ibidem, 1996,
p. 144).
Devemos ressaltar e lembrar que, em cada ser humano o centro de
gravidade é diferente, ou seja, o centro de gravidade não é padrão. Este
centro é alterado toda vez que o homem se movimenta ou muda de posição.
Como dito na citação acima, quanto mais próximo ao chão, maior a
possibilidade e facilidade de se estabilizar e se equilibrar. Deste modo, os
exercícios no chão com os iniciantes praticantes de capoeira, não só trazem
308
segurança, mas ajudam a ganha-lá, imitando a evolução humana, que
começa no rolar, engatinhar, para após, andar.
Para Cunha, “O equilíbrio é definido como a capacidade de assumir e
sustentar o corpo contra a lei da gravidade.” (CUNHA, 2003, p. 67), sendo
uma das qualidades físicas que podem ser trabalhadas e aperfeiçoadas na
capoeira: “através do equilíbrio dinâmico, com os movimentos aú, bananeira,
golpes em geral, pois para realizá-los é necessário ficar equilibrado em uma
das pernas, em determinado tempo, realizando o movimento.” (Ibidem, 2003,
p. 67).
Segundo Campos a capoeira desenvolve o equilíbrio dinâmico (que é
o equilíbrio em movimento, segundo este autor), o estático (pois é utilizado
como forma de treinamento) e principalmente o recuperado, pois na
capoeira, esta valência é por demais usada, devido à grande movimentação
dos saltos e aos momentos de destreza, pois para Campos, o equilíbrio
recuperado é a recuperação do equilíbrio em uma posição qualquer depois
de estar durante um tempo fora do solo (CAMPOS, 1998). De acordo com
Campos, o equilíbrio é muito trabalhado na capoeira, tanto no treinamento
como na prática propriamente dita, pois a sua prática é muito rica,
“principalmente por ser, na maioria das vezes, de equilíbrio recuperado,
partindo das mais variadas posições e planos: alto, médio e baixo.
Proporciona, desta maneira, equilíbrio e segurança ao praticante.” (Ibidem,
1998, p. 115). Finalizando, para Souza & Oliveira:
“Na prática da capoeira, o equilíbrio é uma das
qualidades
mais
trabalhadas.
Vários
autores
classificam o equilíbrio em estático, dinâmico e
recuperado. O estático refere-se à habilidade de
manter o equilíbrio enquanto parado, na capoeira “é
bastante evidenciado nas paradas de mão, cabeça e
até mesmo nas esquivas por poucas frações de
segundos. O equilíbrio dinâmico é a habilidade de
309
manter o equilíbrio em movimento, na capoeira
podemos evidenciá-lo quando há deslocamentos em
posições invertidas e na própria ginga. O equilíbrio
recuperado é evidenciado em posições invertidas,
combinações de movimentos em um, dois, ou três
apoios e golpes giratórios.” (SOUZA & OLIVEIRA,
2001, p. 46).
2.10.5 – O ritmo
O Homem, seu corpo, se manifesta através de movimentos em um
tempo e espaço, caracterizando o ritmo que é uma qualidade física e
coordenativa para o funcionamento e performance do ser humano. O ritmo
está presente nas diferentes manifestações e funções orgânicas. O ritmo do
ser humano é natural, cada ser possui o seu, individualmente com o tempo e
também com a capacidade de captação rítmica para o desenvolvimento
individual.
Segundo Le Boulch (1983), o ritmo deve ser considerado como uma
estruturação de fenômenos que se desenrolam no tempo, ou seja, é a
organização de fenômenos temporais.
Segundo Tubino, a definição de ritmo é:
“É a qualidade física explicada por um encadeamento de tempo, um
encadeamento dinâmico-energético, uma mudança de tensão e de repouso,
enfim, uma variação regular com repetições periódicas.” (TUBINO, 1984, p.
180). Este autor nos diz que: “O ritmo é outra valência física, intimamente
ligada ao sistema nervoso, e que está presente em todas as modalidades
esportivas” (Ibidem, 1984, p. 193).
Já Campos, se utiliza da definição de ritmo por López e Kant, que é
generalizada, diferente da interpretação do ritmo como qualidade física:
310
“Para Mário A. Lopez,
É a força criadora e a energia vital. Preside todas
as manifestações do universo e inclui as humanas.
É a forma funcional de todo o vivente. Parece ser a
expressão de uma lei fundamental do universo,
que condiciona a eficácia, equilíbrio e harmonia de
todo processo e forma.
Ainda segundo Mário A. López, para Kant:
O ritmo é um elemento constitutivo permanente,
tanto da natureza considerada como totalidade,
como objetos e fenômenos que a determinam.
Simultaneamente é um elemento apriorístico da
mesma forma que o espaço.” (CAMPOS, 1998, p.
123).
Para Fernandes, no Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa – O
Globo, a definição de ritmo, também de forma generalizada, encontrada no
dicionário, é:
“Sucessão regular de sílabas acentuadas, de que
resulta impressão
agradável ao ouvido; (mús.)
combinação simétrica de sons, sob o ponto de vista da
intensidade e do tempo; cadência; movimento regular
e medido; (méd.) proporção de intensidade entre as
pulsações arteriais; correlação harmoniosa entre as
partes de uma composição literária ou artística. (Do gr.
Rhythmos.)” (FERNANDES, 1993, p. 610).
Fernandes, no mesmo dicionário, também faz as seguintes definições:
“Rítmica, s. f. Ciência do ritmo; (mús.) estudo da expressão musical em suas
relações com o tempo.” (Ibidem, 1993, p. 610) e, “Ritmopéia, s. f. Arte do
ritmo. (Do gr. rhythmopoia.)” (Ibidem, 1993, p. 610).
311
Sobre a busca de uma definição de ritmo, Gomes da Costa cita o
Dicionário Aurélio:
“1 – movimento ou ruído que se repete, no tempo, a
intervalos regulares, com acentos fortes e fracos;
2 – No curso de qualquer processo, variação que
ocorre periodicamente de forma regular” (GOMES da
COSTA, 1996, p. 140).
“Alguns profissionais defendem o Ritmo como qualidade física, já
outros não o consideram como tal devido à dificuldade de definição da
mesma, em nomenclatura, bases e estratégias de trabalho.” (Ibidem, 1996,
p. 140). Ainda este autor, quanto ao ritmo como qualidade física:
“Rasch/Burke (1977, 537) descrevem: “O ritmo pode
ser um importante fator de influência no rendimento
dos movimentos que são realizados... A facilidade e a
eficiência do movimento pode aumentar, se este for
realizado num ritmo definido”.” (Ibidem, 1996, p. 140).
Gomes da Costa também cita Marinho, que nos diz:
“Marinho (1980, 343/344), em suas considerações
acerca da Ginástica Feminina Moderna, por Margareth
Froelich, caracteriza o ritmo como fator que dá
característica própria a ginástica: “O movimento
rítmico
caracteriza
a
nossa
ginástica.
Compreendemos com isto o fluir de um movimento
em suas variedades dinâmicas. Nesse sentido o
ritmo é uma característica do movimento total,
expressivo, natural, que não pode ser interrompido
em seu desenvolvimento... A ginástica tem sido
312
acompanhada, com grande êxito, de processos
acústicos.
É
acompanhamento
importante,
acústico,
porém,
que
juntamente
este
com
o
movimento, estabeleça uma relação íntima. Por isso, a
batida de palmas, os comandos, os instrumentos de
percussão ou a música têm de corresponder ao
desenvolvimento rítmico”.” (Ibidem, 1996, p. 140).
De acordo com Gomes da Costa, a Ginástica Localizada, se
manifesta através dos denominados BPM(s) musicais, ou seja, dos
batimentos por minuto da música, ritmo musical, utilizada (Ibidem, 1996).
Segundo este autor, assim teríamos:
“- NO Aquecimento:
- Orgânico-Geral = Aeróbica e suas variações => 145
à 160 BPM;
- Músculo-Articular = Exercícios Localizados => 130 à
140 BPM;
- Na Parte Específica:
- R.M.L. => 120 à 130 BPM;
- Força = Força Dinâmica, predominantemente =>
+- 120 BPM;
- No Relaxamento => +- 110 BPM.” (Ibidem, 1996, p.
141).
Esta explanação de como o ritmo na Ginástica Localizada se
manifesta é interessante, se comparamos com a capoeira. Ainda não foi feita
uma análise dos BPM musicais de ritmos da capoeira e suas variações e,
conseqüentemente, suas implicações no jogo e no treinamento. Se isto
acontecer no futuro, poderemos evoluir quanto ao treinamento desta
qualidade física na capoeira.
313
Podemos então pensar e definir que esta qualidade física permite
realizar o movimento com um padrão cíclico regular, padrão de tempo e
cadência. Aperfeiçoando o nosso pensamento, podemos dizer que o ritmo
pode ter duas variáveis, interno e externo, como também já foi dito por
Schinca (1991):
a) Ritmo interno: Faz parte do extrato da individualidade humana,
característico das capacidades psicossomáticas que irão depender de
fatores como hereditariedade, constituição física, idade, entre outros. O ritmo
interno está presente em cada um dos atos motores, em especial na
dinâmica muscular, como nas mudanças entre contração e relaxamento, que
também acontecem dentro da relação espaço-tempo. O tempo se relaciona
ao andamento e o espaço à amplitude do movimento.
É o ritmo “interno” dos jogadores, este ritmo pode ser “estável” ou
“instável” dependendo das características e momento do jogo ou treino e do
jogador, praticante. O ritmo do capoeirista pode ser “estável” se apresentar
um padrão cíclico regular e “instável” se apresentar um padrão irregular de
tempo e cadência, podendo, ainda, ele utilizar um ritmo de padrão
“alternado”, com momentos de instabilidade e estabilidade de rítmica.
b) Ritmo externo: Seria o estímulo externo. Este ritmo resulta da
percepção através dos órgãos dos sentidos, sendo elaborado através do
sistema nervoso central. A percepção de sons tem a possibilidade de
ordenar o corpo no espaço e no tempo. O ritmo da orquestra, bateria e
instrumental, canto e palmas de uma roda de capoeira, por mais simples que
seja ou em diferentes situações, podendo ser também, estes estímulos
externos, um som de CD ou cassete por exemplo, como até outro tipo de
música como o samba, ou outro estímulo qualquer, mesmo que seja uma
marcação rítmica rudimentar e simples. O ritmo externo, musical ou não,
deve ter de preferência a característica de um ritmo estável, e se possível, o
mais próximo da realidade e verdadeira prática da capoeira. O outro jogador,
314
seu oponente ou companheiro no jogo, também pode imprimir um ritmo
externo ao jogador.
Segundo Cunha, um fator primordial para se jogar Capoeira é o de
jogar de acordo com o ritmo determinado pelo berimbau, pois sem o ritmo
adequado o jogo da Capoeira torna-se “desarmonioso” e o capoeirista não
corresponde ao que o ritmo determinado que o berimbau está pedindo
(CUNHA, 2003).
Quando não há um ritmo externo, o ritmo de um jogo de capoeira é
definido pelos dois jogadores, do mesmo modo que definem o tipo de jogo.
Para nós, ritmo da capoeira, tanto interno, quanto externo, poderia ser
assim definido conforme a intensidade:
Ritmo Lento: Caracteristicamente bem vagarosa, muito lenta,
geralmente jogado e tocado em uma “angolinha”, toque de berimbau e jogo
de capoeira.
Ritmo Devagar: Como o próprio nome diz, devagar, mas não tanto
quanto o lento. Geralmente jogado e tocado no toque de Angola, mas outros
podem ser utilizados.
Ritmo Moderado: Característica média. Possibilita a movimentação
com graça e maior perfeição. Vários toques de capoeira podem ser jogados
e utilizados nesta intensidade de padrão rítmico, mas o que mais
corresponde a esta característica é o toque São Bento Pequeno ou São
Bento Pequeno de Angola e na Luta Regional Baiana ou Capoeira Regional,
o toque Benguela é o utilizado.
Ritmo Rápido: Característica ligeira. Também vários toques de
capoeira podem ser jogados e utilizados nesta intensidade de padrão
rítmico. Geralmente jogado e tocado no toque São Bento Grande ou São
315
Bento Grande de Angola e no toque da Luta Regional Baiana ou Capoeira
Regional, São Bento Grande de Bimba ou São Bento Grande da Regional.
Ritmo Acelerado: Característica muito veloz podendo atingir o máximo
de velocidade dos movimentos.
Os jogos e os toques utilizados nestes padrões de ritmos podem
variar de acordo com as escolas e linhagens, estilos de capoeira.
É imprescindível um certo teor de estabilidade, harmonia dos ritmos
interno e externo, sendo neste sentido, extremamente importante para a
plena realização e concretização do ritual da roda de capoeira e dos
capoeiras.
2.10.6 – A agilidade
Segundo Tubino, agilidade é: “a qualidade física que permite mudar a
posição do corpo no menor tempo possível.” (TUBINO, 1984, p. 181).
Campos define a agilidade como a qualidade de “mudar rápida e
efetivamente a direção de um movimento executado com destreza e
velocidade” (CAMPOS, 1998, 106). Este autor nos diz que os exercícios de
agilidade têm relação direta com a flexibilidade, potência muscular,
equilíbrio, desenvoltura e poder de decisão, sendo o seu treinamento
recomendado para todas as faixas etárias e que, para os jovens escolares,
deve ser ministrado com ênfase nos jogos. Campos chama a atenção para o
fato de que esta atividade é assimilada facilmente, devido à sua dinâmica,
motivação e desafios que oferece, sendo também de grande valia para o
futuro atlético (Ibidem, 1998).
Então, agilidade significa, ter a capacidade de mudar a posição ou
sentido do corpo ou parte dele, mudar a direção do movimento o mais rápido
ou no menor tempo possível, com velocidade, habilidade e destreza.
316
Para Cunha esta valência física é muito requisitada na Capoeira,
principalmente para os mais avançados e/ou graduados (CUNHA, 2003).
Segundo a autora:
“através da agilidade desenvolvida na arte-luta, o
indivíduo ganha facilidade para se locomover de forma
rápida e eficiente, podendo surpreender o capoeirista
com quem joga e aqueles que observam o jogo na
roda.” (Ibidem, 2003, p. 68).
Campos nos diz que esta qualidade física está presente na maioria
dos esportes e, na capoeira, é uma valência que merece destaque, pois
durante o jogo, através dos variados movimentos, os capoeiristas mostram,
desenvolvem e criam situações sui generis de agilidade, para se defender,
atacar, esquivar, fintar e gingar. Para Campos, a capoeira, por si só, é uma
atividade de agilidade, considerando-se sua história, mandinga e filosofia, na
qual estão intrínsecos os movimentos com liberdade (CAMPOS, 1998).
A agilidade é uma das qualidades físicas dos bons capoeiristas, todo
o exímio capoeira tem extrema agilidade, pois faz parte da característica e
dinâmica da arte-luta e seu jogo. Tanto no ritmo rápido ou acelerado, onde é
mais notória a agilidade, quanto em ritmos mais lentos, a agilidade é
necessária. A agilidade está ligada a velocidade, em especial a velocidade
de reação. Pode estar ligada a fatores genéticos, como o percentual e tipo
das fibras musculares.
Bons exercícios de agilidade na capoeira seriam as movimentações
no chão, na ginga e em seqüências previamente elaboradas para este fim.
Estes exercícios podem ser pré-determinados, como nas seqüências ditas
anteriormente, mas a liberdade de movimentos pode ser usada para esta
finalidade. Lembramos que o treinamento da agilidade da capoeira deve ser
feito com movimentos específicos da capoeira. Contudo, o melhor
317
treinamento desta qualidade física acontece durante o jogo da capoeira, seja
no treino ou na roda de capoeira, onde o fator surpresa é constante, e as
vivências, emprego e necessidades das qualidades físicas acontecem na
plenitude desta modalidade.
Podemos
sugerir
uma
divisão
da
agilidade
em:
geral;
de
deslocamento ou de movimentação e; parcial: membros, tronco e cabeça.
2.10.7 – A resistência
Segundo Tubino, resistência é: “a qualidade física que permite um
continuado esforço, proveniente de exercícios prolongados, durante um
determinado tempo.” (TUBINO, 1984, p. 181).
De acordo com Weineck: “Geralmente entende-se por resistência a
capacidade psicofísica do esportista em suportar a fadiga.” (WEINECK,
1989, p. 52).
De acordo com Tubino a resistência está dividida em três tipos:
Resistência aeróbica, Resistência anaeróbica e, Resistência muscular
localizada (TUBINO, 1984).
Qunato aos tipos de resistência, Weineck nos diz que, emsuas formas
de manifestação, a resistência pode se dividir em diversas modalidades,
conforme o ponto de vista escolhido. Quanto à participação da musculatura,
distinguem-se: resistências geral e local; quanto à especificidade do esporte:
resistências geral e especial; quanto à mobilização de energia muscular:
resistências aeróbica e anaeróbica; quanto à duração: resistências de curta,
média e longa duração; e, finalmente, quanto às principais formas de
solicitação motora envolvidas: resistências de força, de explosão e de
velocidade. Contudo, este autor menciona que, a resistência pura e simples
não existe; de acordo com o metabolismo, ocorrem formas mistas,
gradualmente escalonadas, de tipo aeróbico-anaeróbico, específicas de
318
cada esporte, e que ocupam o espaço intermediário entre a produção
puramente aeróbica ou anaeróbica de energia (WEINECK, 1989).
Segundo Hollmann-Hettinger (apud Weineck, 1989), a resistêcia
muscular local aeróbica dinâmica representa, porcentualmente, a forma de
solicitação motora mais claramente passível de treinamento: seu valor inicial,
encontrado em indivíduos não treinados, pode aumentar em várias vezes,
cem e até mesmo mil por cento.
De acordo com Cunha, a resistência “no jogo da Capoeira é utilizada
quando o capoeirista joga durante um período relativamente longo sem
interrupções.” (CUNHA, 2003, p. 69), contudo, esta resistência varia de
acordo com o tipo de jogo, sua intensidade imprimida e características
próprias de cada jogo de capoeira. Cada jogo é único, mesmo se os
jogadores, o ritmo e o tipo de jogo for o mesmo, um jogo não será igual ao
outro. A resistência em um jogo de Angola, não é a mesma de um jogo de
São Bento Grande. Do mesmo modo, diferentes métodos de treinamento da
resistência podem ser desenvolvidos na capoeira, a fim de apurar
performances específicas em cada praticante.
2.10.8 – A flexibilidade
Segundo Tubino, flexibilidade é: “a qualidade física que condiciona a
capacidade funcional das articulações a movimentarem-se dentro dos limites
ideais de determinadas ações.” (TUBINO, 1984, p. 181), e ainda:
“A flexibilidade é uma qualidade física que pode ser
evidenciada pela amplitude dos movimentos das
diferentes partes do corpo num determinado sentido. É
dependente da mobilidade articular e da elasticidade
muscular. A mobilidade articular é expressa pelas
propriedades
anatômicas
das
articulações
e
a
elasticidade muscular é projetada pelo grau de
319
estiramento dos músculos envolvidos.” (Ibidem, 1984,
p. 210).
Outros autores, como Harre e Dantas, ambos citados por Campos,
definem a flexibilidade:
“Segundo Harre (1969):
Tanto na Educação Física como nos esportes, falase da flexibilidade mais no sentido de mobilidade
articular,
como
a
capacidade
de
utilizar
completamente a extensão do movimento em uma
articulação – a chamada amplitude pendular.4
Dantas a define como:
Qualidade
física
responsável
pela
execução
voluntária de um movimento de amplitude angular
máxima, por uma articulação ou conjunto de
articulações, dentro dos limites morfológicos, sem
os riscos de provocar lesão. 12” (CAMPOS, 1998, p.
95).
Segundo Campos, os dois componentes realmente importantes na
flexibilidade são a elasticidade muscular e a mobilidade articular, sendo que
estes não trabalham separadamente e dependem um do outro (CAMPOS,
1998). A elasticidade muscular está ligada ao alongamento do músculo e, a
mobilidade articular ao movimento da articulação. Para Campos: “Na
Capoeira, a flexibilidade e o alongamento tornam-se imprescindíveis porque
estão presentes praticamente em todos os movimentos e golpes.” (Ibidem,
1998, p. 95), sendo que este autor, chama a atenção que, as qualidades
físicas devem ser treinadas e desenvolvidas principalmentenas crianças, o
que possibilitará um melhor aprendizado, a noção de limites do próprio corpo
e uma melhor consciência corporal, evitando possíveis acidentes musculares
320
e articulares (Ibidem, 1998). Sobre a capoeira e a flexibilidade citamos
Campos e posteriormente Cunha:
“A Capoeira é um excelente meio para adquirir e
desenvolver
tanto
o
alongamento
quanto
a
flexibilidade, haja vista que, em sua movimentação
constante, possibilita, através dos golpes, esquivas,
golpes e contragolpes, que o praticante adquira uma
boa
elasticidade
muscular
acompanhada
de
mobilidade articular.
Por isso, podemos afirmar a importância e a
contribuição da Capoeira como uma atividade capaz
de desenvolver a flexibilidade de maneira eficaz e de
uma forma bastante natural e até espontânea.”
(Ibidem, 1998, p. 95).
“Os golpes da Capoeira como a armada, queixada,
meia-lua-de-compasso, golpes de linha em geral
(martelo, benção, gancho, entre outros), se utilizam da
flexibilidade para a realização destes movimentos, em
diferentes níveis de exigência; outros movimentos
como floreios (movimentos acrobáticos) requerem um
grau maior de flexibilidade. Na Capoeira Infantil é
preciso observar o potencial da cada criança para
poder realizar movimentos que exijam flexibilidade o
mais
importante
neste
contexto
é
preservar
a
qualidade de vida desta criança.” (CUNHA, 2003, p.
68).
O alongamento pode ser de baixa intensidade e, de alta intensidade,
estático e dinâmico. Existem métodos de treinamento da flexibilidade:
Método Dinâmico (Ativo e Passivo), Método Estático (Ativo e Passivo) e,
Método de Facilitação Muscular Neuro-Proprioceptiva (FNP). Uma das
321
variantes mais conhecidas do método FNP, é o 3S (Scientific Stretching for
Spots). Todos este podem ser aplicados na capoeira, mas de modo
diferenciado, atendendo às peculiaridades de cada método e sua
especificidade junto às posições e movimentos da capoeira.
2.10.9 – A descontração
Segundo Tubino, descontração é: “a qualidade física compreendida
como fenômeno neuromuscular resultante de uma redução de tensão na
musculatura esquelética.” (TUBINO, 1984, p. 181).
Gomes da Costa cita Dantas e também Pereira quando aborda esta
qualidade física:
““Qualidade
física
eminetemente
neuromuscular
oriunda da redução da tonicidade da musculatura
esquelética” (Dantas 1985, 71).
“Como elemento a ser treinado pela proposta dialética
de abordagem de todos os fenômenos referentes à
cultura física, no treinamento físico-desportivo, ao par
de desenvolver-se a força, de se preocupar com a
contração
muscular,
é
necessária
também
a
preocupação com o relaxamento, o seu oposto. A
descontração muscular, e mesmo corporal geral,
inclusive mental, também pode ser treinada. É usual o
treinamento da descontração como meio de melhorar
a eficiência mecânica e para economizar energia”,
descreve Pereira (1988, 173).” (GOMES da COSTA,
1996, p. 141).
Tubino diz que a descontração está dividida em dois tipos:
Descontração total e Descontração diferencial (TUBINO, 1984).
322
a) Descontração Total ou Relaxamento Total está intimamente ligada
a processos psicológicos, onde a mente é a variável principal de qualquer
tentativa de desenvolvimento dessa qualidade física, segundo Tubino
(Ibidem, 1984). Consoante Dantas: “descontração total – quando o
relaxamento da musculatura esquelética acontece a nível global” (DANTAS
apud GOMES da COSTA, 1996, 141). Podemos dizer então que, a
descontração total pode ser trabalhada durante a volta à calma, ao final de
uma aula de capoeira.
b) Descontração Diferencial: “Encontra-se diretamente correlacionada
à capacidade de relaxamento da musculatura esquelética.” (GOMES da
COSTA, 1996, p. 142). Subdivide-se em dois tipos básicos:
b.1) Descontração Diferencial Ativa: De acordo com Tubino:
“É a qualidade física que permite a descontração dos
grupos musculares que são necessários à execução
de ato motor específico... É uma valência física que
colabora para a eficiência mecânica dos gestos
desportivos, ou seja, capacita os atletas a executarem
suas técnicas desportivas específicas da modalidade
eleita, com um máximo de economia energética”
(TUBINO, 1996, p. 214).
Gomes da Costa concorda com Dantas, que a denomina a
Descontração Diferencial Ativa apenas de Descontração Diferencial, quando
este diz:
“Quando o relaxamento da musculatura ocorre durante
o movimento. Nesta situação pode-se observar o
músculo agonista realizando trabalho, ao passo que o
antagônico se encontra descontraído. Esta qualidade
física
é
basicamente
uma
qualidade
de
323
conscientização motórica” (DANTAS apud GOMES da
COSTA, 1996, p. 142).
Observamos que a Descontração Diferencial Ativa depende da
perfeita relação, consciente, entre a contração do músculo agonista e o
relaxamento do músculo antagonista.
b.2) Descontração Diferencial Passiva: De acordo com Gomes da
Costa:
“É a qualidade física que visa a descontração dos
grupos musculares que foram solicitados durante a
atividade física desenvolvida.
Sua aplicação na se faz durante o movimento e sim
após este, estando, desta forma, sua manifestação,
associada às estratégias de recuperação músculoesqueléticas.” (GOMES da COSTA, 1996, p. 143).
Segundo Gomes da Costa, na Gin´stica Localizada ela pode ser
desenvolvida intensamente na etapa do relaxamento, mas também pode ser
utilizada na parte específica, nos intervalos de recuperação entre dois
estímulos.
Este
autor
ainda
nos
diz
que
é
“representada
mais
especificamente pelas estratégias de alongamento muscular.” (Ibidem, 1996,
p. 143). Ainda este autor:
“Concluindo, o trabalho da descontração – total,
diferencial ativa e diferencial passiva – tem como
principal objetivo, representar a necessidade de
compensar corpo e mente dos esforços que foram
induzidos a realizar, proporcionando um equilíbrio
harmônico entre esforço e recuperação, não só
otimizando a performance como, principalmente,
protegendo, no mínimo minimizando, o aluno/atleta
324
da possível ocorrência de cesões.” (Ibidem, 1996, p.
143).
Portanto há a necessidade de se “incluir exercícios de flexibilidade e
descontração muscular, para ensinar o corpo a relaxar, descansar”
(PEREIRA apud GOMES da COSTA, 1996, p. 143).
A prática da capoeira, neste sentido, desenvolve a Descontração,
visto que o lúdico é uma constante nesta atividade, sendo assim, amplas as
possibilidades de desenvolver e trabalhar esta qualidade física através da
capoeira.
Para Cunha, esta é “uma valência física ligada ao sistema nervoso,
importante de ser utilizada em exercícios de relaxamento ou descontração,
serve como meio preventivo para o estresse da vida moderna.” (CUNHA,
2003, p. 69). Segundo Cunha: “Esta valência pode ser trabalhada de forma
muito produtiva na Capoeira” (Ibidem, 2003, p. 69).
Ao longo do capítulo II, no decorrer desta exposição, pode ser
verificada o aspecto multifacetado e a polivalência da capoeira, a ampla
possibilidade
de
utilização
da
capoeira
como
meio
educacional,
reeducacional, terapêutico e esportivo-cultural para o desenvolvimento
psicomotor, e dos aspectos cognitivo e afetivo, para todas as faixas etárias.
Foi visto também, os princípios do treinamento desportivo e das qualidades
físicas. Observados todos os apontamentos feitos anteriormente, foi
formulada a problemática para esta pesquisa, simplificada e abrangente,
devido aos aspectos já citados, característicos da capoeira e devido à
necessidade de um maior aprofundamento em pesquisas relativas a
propostas de desenvolvimento psicomotor baseadas na prática da capoeira.
Agora,
passaremos
ao
capítulo
III,
onde
conheceremos
a
psicomotricidade seu conceito e estruturas, abordando o desenvolvimento
psicomotor fundamentado na prática da capoeira.
325
CAPÍTULO III
O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR
FUNDAMENTADO NA PRÁTICA DA CAPOEIRA
Jogo de Capoeira
“Dois corpos no espaço e tempo conversam;
Tentam chegar a um acordo,
discutem, silenciam-se,
concordam e discordam;
Percebem-se e descobrem-se,
desfrutam da prosa em movimento;
Encaixam-se e transformam,
desafiam e celebram;
Aprendem no Jogo de Corpos
que dialogam e interpretam
com perguntas e respostas,
interagem-se, somam-se,
transcendem.”
Ricardo Martins Porto Lussac ( Mestre Teco ).
( Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1999 ).
326
3 - O desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática
da capoeira
Neste capítulo, inicialmente, abordaremos a psicomotricidade, seu
histórico, definição, conceito e desenvolvimento, a Sociedade Brasileira de
Psicomotricidade, conhecida pela sigla “SBP” e ainda outros aspectos,
como: a definição de psicomotricista segundo a SBP, suas áeras de trabalho
e intervenção, clientela e mercado de trabalho. Posteriormente abordaremos
as estruturas psicomotoras: a coordenação motora global, fina e óculo
manual; o esquema corporal; a lateralidade; a estruturação espacial; a
estruturação temporal; segundo Oliveira (2001), e as percepções, sendo
que, no decorrer desta abordagem, onde abordaremos paralelamente o
desenvolvimentop psicomotor fundamentado na capoeira, alguns autores de
importante relevância ao tema foram incluídos.
3.1 - Psicomotricidade: histórico, conceito, desenvolvimento, a SBP e outros
aspectos
Segundo a SBP, historicamente termo "psicomotricidade" aparece a
partir do discurso médico, mais precisamente neurológico, quando foi
necessário, no início do século XIX, nomear as zonas do córtex cerebral
situadas mais além das regiões motoras. Com o desenvolvimento e as
descobertas da neurofisiologia, começa a constartar-se que há diferentes
disfunções graves sem que o cérebro esteja lesionado ou sem que a lesão
esteja claramente localizada. São descobertos distúrbios da atividade
gestual, da atividade práxica. Portanto, o "esquema anátomo-clínico" que
determinava para cada sintoma sua correspondente lesão focal já não podia
explicar alguns fenômenos patológicos. É, justamente, a partir da
necessidade médica de encontrar uma área que explique certos fenômenos
clínicos que se nomeia, pela primeira vez, a palavra PSICOMOTRICIDADE,
no ano de 1870. As primeiras pesquisas que dão origem ao campo
psicomotor correspondem a um enfoque eminentemente neurológico (SBP,
2003).
327
A figura de Dupré, neuropsiquiatra, em 1909, é de fundamental
importância para o âmbito psicomotor, já que é ele quem afirma a
independência da debilidade motora, antecedente do sintoma psicomotor, de
um possível correlato neurológico. Em 1925, Henry Wallon, médico
psicólogo, ocupa-se do movimento humano dando-lhe uma categoria
fundante como instrumento na construção do psiquismo. Esta diferença
permite a Wallon relacionar o movimento ao afeto, à emoção, ao meio
ambiente e aos hábitos do indivíduo. Em 1935, Edouard Guilmain,
neurologista, desenvolve um exame psicomotor para fins de diagnóstico, de
indicação da terapêutica e de prognóstico.Em 1947, Julian de Ajuriaguerra,
psiquiatra, redefine o conceito de debilidade motora, considerando-a como
uma síndrome com suas próprias particularidades. É ele quem delimita com
clareza os transtornos psicomotores que oscilam entre o neurológico e o
psiquiátrico.Com estas novas contribuições, a psicomotricidade diferencia-se
de outras disciplinas, adquirindo sua própria especifidade e autonomia. Na
década de 70, diferentes autores definem a psicomotricidade como uma
motricidade de relação. Começa então, a ser delimitada uma diferença entre
postura reeducativa e uma terapêutica que, ao despreocupar-se da técnica
instrumentalista e ao ocupar-se do corpo em sua globalidade, vai dando
progressivamente, maior importância à relação, à afetividade e ao
emocional. No entanto, a psicomotricidade não é a soma da psicologia com
a motricidade, ela tem valor em si. Para o psicomotricista, o conceito de
unidade ultrapassa a ligação entre psico e soma. O indivíduo é visto dentro
de uma globalidade, e não num conjunto de suas inclinações (Ibidem, 2003).
A definição de psicomotricidade segundo SBP é a seguinte:
“É a ciência que tem como objeto de estudo o homem
através do seu corpo em movimento e em relação ao
seu mundo interno e externo, bem como suas
possibilidades de perceber, atuar, agir com o outro,
com os objetos e consigo mesmo. Está relacionada ao
328
processo de maturação, onde o corpo é a origem das
aquisições
cognitivas,
afetivas
e
orgânicas.
(S.B.P.1999)
Psicomotricidade portanto, é um termo empregado
para uma concepção de movimento organizado e
integrado, em função dasexperiências vividas pelo
sujeito
cuja
ação
é
resultante
de
sua
individualidade,sua linguagem e sua socialização.”
(Ibidem, 2003).
Segundo Defontaine: “La Psychomotricité est le désir de faire, du
vouloir faire; lê savoir faire et le pouvoir faire” (DEFONTAINE apud
OLIVEIRA, 2001, p. 28). Defontaine declara que só poderemos entender a
psicomotricidade através de uma triangulação corpo, espaço e tempo. Ainda
segundo este autor, “A psicomtricidade é um caminho, é o desejo de fazer,
de querer fazer; o saber fazer e o poder fazer” (DEFONTAINE apud
OLIVEIRA, 2001, p. 34). Defontaine define os dois componentes da palavra;
psico significando os elementos do espírito sensitivo, e motricidade
traduzindo-se pelo movimento, pela mudança no espaço em função do
tempo e em relação a um sistema de referência (DEFONTAINE apud
OLIVEIRA, 2001, p. 35).
Já Fonseca afirma que se deve tentar evitar uma análise desse tipo
para não cair no erro de enxergar dois componentes distintos: o psíquico e o
motor, pois ambos são o mesmo (FONSECA apud OLIVEIRA, 2001). A
psicomotricidade para Fonseca não é exclusiva de um novo método ou de
uma “escola” ou de uma “corrente” de pensamento, nem constitui uma
técnica, um processo, mas visa fins educativos pelo emprego do movimento
humano (FONSECA apud OLIVEIRA, 2001).
Para Nicola, uma conceituação atual de psicomotricidade é que, esta
ciência nova, cujo objeto de estudo é o homem nas suas relações com o
329
corpo em movimento, encontra sua aplicação prática em formas de atuação
que configuram uma nova especialidade. A psicomotricidade estuda o
homem na sua unidade como pessoa (NICOLA, 2004, p. 5). Nicola ainda
fornece outros conceitos básicos:
“Motricidade: por definição conceitual é a propriedade
que têm certas células nervosas de determinar a
contração muscular.
Psico (Gr Psyquê): vem representar a alma, espírito,
intelecto.
Psicomotricidade: condição de um estado de coisas
corpo / mente. Visão global de um indivíduo, onde a
base de atuação está no conhecimento desta fusão.”
(Ibidem, 2004, p. 5).
No geral, os psicomotricistas não gostam do termo motricidade, pois
enxergam a motricidade indissociável da psique humana, mas este termo,
motricidade, mais utilizado pela área da educação física e do treinamento
desportivo, é mal interpretado visto que, quando se aborda a motricidade
humana, a psique humana não é deixada de fora. Observamos esta
polêmica na própria definição e abordagem desta área da ciência. Manuel
Sérgio, abordou vastamente a Teoria da Ciência da motricidade humana –
Cinantropologia, de sua autoria, onde Tojal confirma a busca de uma
identidade da educação física relativa para esta área (MANUEL SÉRGIO
apud TOJAL, 1994).
Para Neto: “A motricidade é a interação de diversas funções motoras
(perceptivomotora, neuromotora, psicomotora, neuropsicomotora, etc.)”
(NETO, 2002, p. 12).
Segundo uma definição considerada por Jacques Chazaud, citada por
Alves, “a psicomotricidade consiste na unidade dinâmica das atividades, dos
gestos, das atitudes e posturas, enquanto sistema expressivo, realizador e
330
representativo
do
“ser-em-ação”
e
da
“coexistência”
com
outrem”
(CHAZAUD apud ALVES, 2003, p. 15).
Para Lapierre e para Le Boulch apud Oliveira, a educação
psicomotora deve ser uma formação de base indispensável a toda criança
(OLIVEIRA, 2001). Para Oliveira, o movimento é um suporte que ajuda a
criança adquirir o conhecimento do mundo que a rodeia através de seu
corpo, de suas percepções e sensações (Ibidem, 2001). Para esta autora, a
psicomotricidade se propõe a permitir ao homem “sentir-se bem na sua
pele”, permitir que se assuma como realidade corporal, possibilitando-lhe a
livre expressão de seu ser; pois de acordo com a autora, o indivíduo não é
feito de uma só vez, mas se constrói, paulatinamente, através da interação
com o meio e de suas próprias realizações e a psicomotricidade
desempenhe aí um papel fundamental (Ibidem, 2001).
Segundo De Meur & Staes “a psicomotricidade quer justamente
destacar a relação existente entre a motricidade, a mente e a afetividade e
facilitar a abordagem global da criança por meio de uma técnica.” (DE MEUR
& STAES, 1991, p. 5).
Le Boulch aponta correntes distintas na psicomotricidade. Enquanto
uma aponta para a educação psicomotora, outra, para a terapia e
reeducação psicomotora (LE BOULCH, 1982).
Fonseca nos diz que, a psicomotricidade tende atualmente a ser
reconceitualizada, não só pela “intrusão” de fatores antropológicos,
filogenéticos,
ontogenéticos,
paralingüísticos,
como
essencialmente
cibernéticos e psiconeurológicos. È na integração transdisciplinar destas
áreas do saber que provavelmente se colocará no futuro a evolução e
atualização do conceito de psicomotricidade (FONSECA, 1995).
Para Lorenzon, em relação à definição da psicomotricidade convém
referir que seu estudo é recente, pois ainda no início deste século era
331
tratada excepcionalmente. Pouco a pouco, a psicomotricidade afirma-se em
diversas orientações que atualmente tentem agrupar-se (LORENZON,
1995).
Psicomotricista, segundo a SBP, é o profissional da área de saúde e
educação que pesquisa, ajuda, previne e cuida do Homem na aquisição, no
desenvolvimento e nos distúrbios da integração somapsíquica (SBP, 2003).
Suas áreas de atuação segundo a SBP são: “Educação, Clínica
(Reeducação, Terapia), Consultoria e Supervisão.” (Ibidem, 2003). A
intervenção
psicomotora
pode
ser
diversificada,
como
já
citado
anteriormente. De acordo com Mello:
“Nos
estudos
dos
pesquisadores
recentes,
são
apontados três principais campos de atuação ou formas
de abordagem da Psicomotricidade: 1. Reeducação
Psicomotora; 2. Terapia Psicomotora; e 3. Educação
Psicomotora. Embora em certos trabalhos esses três
níveis de atuação cheguem a confundir-se, existem
características próprias em cada um deles.” (MELLO,
2002, p. 33).
De acordo com Neto, na atualidade, existe um grande número de
profissionais de áreas diversas que se utilizam da motricidade ou da
psicomotricidade em diferentes contextos e em diferentes faixas etárias,
como em escolas, clínicas de reabilitação, academias, hospitais e outros
(NETO, 2002). Segundo Neto:
“profissionais
de
medicina
(pediatria,
psiquiatria,
neurologia e reabilitação infantil); psicologia (psicologia
evolutiva, do esporte e especial); educação física e
pedagogia (ensino regular e fundamental); fisioterapia
e fonoaudiologia. A análise dessa realidade leva à
332
busca de critérios claros que justifiquem tal situação
de heterogeneidade – tanto no âmbito da interpretação
de aspectos teóricos fundamentais como nas decisões
relativas à sua aplicação.” (Ibidem, 2002, p. 12).
A clientela atendida pelo psicomotricista segundo a SBP é a seguinte:
“Crianças em fase de desenvolvimento; bebês de alto
risco;
crianças
com
desenvolvimento
global;
necessidades
motoras,
especiais:
mentais
e
dificuldades/atrasos
no
pessoas
de
portadoras
deficiências
psíquicas;
sensoriais,
pessoas
que
apresentam distúrbios sensoriais, perceptivos, motores
e
relacionais
em
conseqüência
de
lesões
neurológicas; família e a 3ª idade.” (SBP, 2003).
E o mercado de trabalho do psicomotricista segundo a SBP consiste
em
creches;
escolas;
escolas
especiais;
clínicas
multidisciplinares;
consultórios; clínicas geriátricas; postos de saúde; hospitais; empresas
(Ibidem, 2003).
Visto ser importante para a história da psicomotricidade no Brasil,
colocamos o histórico da SBP, segundo a própria:
“A SOCIEDADE: CARTA DA DIRETORIA:
21 ANOS de S.B.P.
No Brasil, há 30 (trinta) anos aproximadamente, deuse início à formação de profissionais nesta área, por
meio do convite de profissionais estrangeiros, que
durante
muitos
anos
vinham
habilitando,
especializando e capacitando os brasileiros para um
333
mercado
latente
no
país,
como
resposta
às
inadequações e inadaptações escolares e sociais.
Atualmente, o Brasil já possui seu curso de Graduação
em Psicomotricidade, reconhecido pelo MEC, que, há
dez anos vem formando psicomotricistas.
A Sociedade Brasileira de Psicomotricidadefoi é uma
entidade
de
carater
científico-cultural,
sem
fins
lucrativos, fundada em 19 (dezenove) de abril de 1980
pela necessidade de se agregar os profissionais que
vinham se formando e trabalhando na área e, hoje,
tem como objetivo maior a busca pela legalização do
projeto que regulamenta a profissão.
A S.B.P. tem por objetivo contribuir para o progresso
da ciência, promovendo encontros científicos como
conferências, cursos, fóruns, seminários teóricospráticos entre outros.
Nesses 21 anos, a S.B.P. já promoveu a realização de oito
congressos, sendo que o último realizou-se na cidade do Rio
de Janeiro, em setembro passado.” (Ibidem, 2003).
Harrow (apud OLIVEIRA, 2001) faz uma análise sobre o homem
primitivo ressaltando como o desafio de sua sobrevivência estava ligado ao
desenvolvimento psicomotor. As atividades básicas consistiam em caça,
pesca e colheita de alimentos e, para isto, os objetivos psicomotores eram
essenciais para a continuação da existência em grupo. Necessitavam de
agilidade, força, velocidade, coordenação. A recreação, os ritos cerimoniais
e as danças em exaltação aos deuses, a criação de objetos de arte também
eram outras atividades desenvolvidas por eles. Tiveram que estruturar suas
experiências de movimentos em formas utilitárias mais precisas. Hoje, o
homem também necessita destas habilidades embora tenha se aperfeiçoado
334
mais para uma melhor adaptação ao meio em que vive. Necessita ter um
bom domínio corporal, boa percepção auditiva e visual, uma lateralização
bem definida, faculdade de simbolização, orientação espaço-temporal, poder
de concentração, percepção de forma, tamanho, número, domínio dos
diferentes
comandos
psicomotores
como
coordenação
fina,
global,
equilíbrio. Harrow cita ainda os sete movimentos ou modelos de movimentos
básicos inerentes ao homem que são: correr, saltar, escalar, levantar peso,
carregar (sentido de transportar), pendurar e arremessar.
Finalizando, Araújo (1998), cita o Laboratório de Currículos da
Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro (1981), que define a
educação psicomotora como a educação da criança através de seu própro
corpo e de seu movimento. A criança é vista em sua totalidade e nas
possibilidades que apresenta em relação ao meio ambiente, isto é, a
educação deve ser feita em função da idade e dos interesses das crianças.
Desta forma, a passagem de uma fase para outra será gradativa e dentro do
tempo próprio de cada criança. O professor deve acompanhar este tempo
sem tentar forçar uma antecipação. Por isso, a psicomotricidade tem como
ponto de partida o desenvolvimento psicológico da criança, na medida em
que acompanha as leis do amadurecimento do sistema nervoso através da
mielinização. Uma das suas finalidades é preparar a base para a educação
daquelas capacidades indispensáveis à aprendizagem escolar, evitando
dificuldades tão comuns à alfabetização.
3.2 - Sistema nervoso
Segundo Oliveira, o sistema nervoso é muito especial, dele
dependem o movimento, as ações, a integração do homem às condições do
meio ambiente. O sistema nervoso coordena e controla todas as atividades
do organismo, desde as contrações musculares, o funcionamento dos
órgãos e até mesmo a velocidade de secreção das glândulas endócrinas.
Integra sensações e idéias, opera os fenômenos de consciência, interpreta
os estímulos advindos da superfície do corpo, das víceras e de todas as
335
funções orgânicas e é responsável pelas respostas adequadas a cada um
destes estímulos. Muitas dessas informações são selecionadas e às vezes
eliminadas pelo cérebro como não significativas (OLIVEIRA, 2001).
Uma das funções do sistema nervoso é selecionar e processar as
informações, canalizá-las para as regiões motoras correspondentes do
cérebro para depois emitir respostas adequadas, de acordo com a vivência e
experiência de cada indivíduo. (Ibidem, 2001).
Ao nascer, o ser humano apresenta algumas estruturas já prontas,
definidas, como, por exemplo, a cor dos olhos, dos cabelos, o sexo. Outras
ainda estão por desenvolver. Neste último caso encontra-se parte do
sistema nervoso, que precisa de condições favoráveis para o seu pleno
funcionamento e desenvolvimento. O córtex cerebral, substância cinzenta
que reveste o cérebro e onde estão localizadas as funções superiores, está
presente no nascimento de forma ainda muito rudimentar (Ibidem, 2001).
As células do sistema nervoso são chamadas de neurônios. Um
indivíduo adulto possui aproximadamente cem bilhões de neurônios. O
neurômio é uma célula diferenciada e tem as funções de receber e conduzir
os estímulos (Ibidem, 2001).
O córtex cerebral é o centro onde são avaliadas as informações e são
processadas as instruções ao organismo. Para que haja uma transmissão de
informações, o córtex cerebral necessita de impulsos que lhe chegam dos
receptores exteroceptivos, como: a pele, retina, ouvido interno, olfato,
paladar; proprioceptivos, como: músculos, tendões e articulações; e
interoceptivos: víceras (Ibidem, 2001).
A condução dos implulsos advindos desses recptores aos centros
nervosos se faz através das fibras nervosas sensitivas ou aferentes e a
transmissão aos músculos do comando dos centros nervosos é efetuada
pelas fibras eferentes ou motoras. A velocidade dos impulsos nervososo se
336
faz através do revestimento da bainha de mielina encontrada nas fibras
nervosas e que é composta por colesterol, fosfatídeos e açucares. Esta
bainha possui a função não só de condução como também isolante (Ibidem,
2001).
Fonseca e Mendes, estudando a mielinização das fibras nervosas,
afirmam que a criança nasce e chega ao mundo com a sua mielinização por
fazer, isto é, com o seu sistema nervoso por e para acabar. Melhor ainda,
com o seu sistema nervoso por e para aprender. Fonseca e Mendes criticam
a posição de alguns educadores que ignoram a função dos gestos e dos
movimentos como meios de mielinização das fibras nervosas. (FONSECA e
MENDES apud OLIVEIRA, 2001). A bainha de mielina desempenha um
papel importante na transmissão de informações. Existe maior velocidade
nas fibras mielínicas do que nas amielínicas (OLIVEIRA, 2001). O período
mais crítico para a mielinização e o desenvolvimento neuronal se dá entre o
6º mês de gestação até mais ou menos os seis anos de idade da criança
(Ibidem, 2001).
Nesta fase, as células nervosas vão se desenvolver bastante e para
que isto ocorra necessitam de enrgia, que são os açúcares e gorduras, e de
proteínas. Das proteínas que vêm pelo sangue da mãe para alimentar o feto,
80% vão para o cérebro. Uma gestante com condições nutricionais baixas
vai influir bastante nos neurônios da criança. Uma desnutrição ocorrida nesta
fase leva a criança, portanto, a ter prejuízo enorme em seus neurônios. Terá
menos neurônios e não chegará mais a ter este número adequado de
células nervosas, mesmo que seja depois bem alimentada, o que também é
essencial, mas não só a limentação é essencial à criança, a estimulação do
meio ambiente também, pois, quanto mais estimularmos uma criança , mais
provocamos nela reações e respostas que se traduzem em um número
maior de sinapses (Ibidem, 2001).
A sinapse é uma conexão entre os neurônios na qual um neurônio
estimula o seguinte através da liberação de uma substância chamada
337
neurotransmissor, propagando-se assim os impulsos nervosos etransmitindo
informações (Ibidem, 2001).
Aprender,
neurologicamente
falando,
significa
usar
sinapses
normalmente não usadas. O uso, portanto, de maior ou menor número de
sinapses é o que condiciona uma prendizagem no sentido neurológico
(Ibidem, 2001).
Brandão
ressalta
a
importância
da
maturidade
para
o
dsesenvolvimento da aprendizagem:
“A
aprendizagem
desenvolvimento
não
poderá
superior
à
proporcionar
um
capacidade
de
organização das estruturas do sistema nervoso do
indivíduo; uma criança não poderá aprender das
experiências vividas, conhecimentos para os quias não
tenha adquirido, ainda, uma suficiente maturidade. A
maturidade é, no entanto, dependente, em parte, do
que foi herdado, e, em parte, do que foi adquirido
pelas
experiências
vividas.”
(BRANDÂO
apud
OLIVEIRA, 2001, p. 21).
Este conceito de maturidade pode ser aplicado não só a criança, mas
também a vários momentos da vida, quando é preciso maturidade, vivência
e experiência para a pessoa poder entrar numa nova fase de sua vida, com
plenitude, para vivenciar plenamente e satisfatóriamente esta fase. Um bom
exemplo na capoeira seria um praticante receber uma graduação numa
hierarquia superior, sem ter experiência e vivência, sem estra preparado
para obter esta graduação e responder pelas necessidades atribuídas a tal
grau.
Portanto as experiências motoras são essenciais para a maturidade e
desenvolvimento do ser humano e de seu sistema nervoso.
338
3.3 - Tipos de movimentos
De acordo com Oliveira, na escola exige-se que uma criança adaptese às exigências impostas e que tenha um controle sobre si mesma. Sabese que muitos comportamentos dependem da nossa vontade e outros
aparecem automaticamente. Algumas funções do sistema nervoso se
relacionam aos movimentos. Podemos classificar os movimentos em três
grandes grupos: voluntário, reflexo e automático (OLIVEIRA, 2001).
a) Movimento voluntário: Como já diz o próprio nome, o movimento
voluntário depende de nossa vontade. Movimentos como andar em direção a
um objeto (Ibidem, 2001) e a ginga da capoeira, são movimentos voluntários.
Neste ato supõe-se que houve uma intensão, um desejo ou uma
necessidade e finalmente o desenvolvimento do movimento. No movimento
voluntário, portanto, há primeiramente uma representação mental e global do
movimento, uma intenção, um desejo ou uma necessidade e, por último, a
execução do movimento propriamente dito. O ato voluntário é sempre
aprendido e é constituído por diversas ações encadeadas (Ibidem, 2001).
b) Movimento reflexo: O movimento reflexo é independente de nossa
vontade e normalmente só depois de executado é que tomamos
conhecimento dele. È uma reação orgânica sucedendo-se a uma excitação
sensorial. O estímulo é captado pelos receptores sensoriais do organismo e
levado ao sistema nervoso. De lá provoca direta e imediatamente uma
resposta motora (Ibidem, 2001). Pavlov (apud OLIVEIRA, 2001), dividiu os
reflexos em inatos e adquiridos:
b.1) inatos: São independentes da aprendizagem e são determinados
pela bagagem biológica. São, portanto, hereditários, quase sempre
permanentes e comuns a uma mesma espécie animal. Exemplos: uma luz
forte incidindo sobre os olhos provoca uma resposta imediata de contração
pupilar. Este é um movimento inato, pois não implica em aprendizagem para
339
a sua produção. Outro exemplo: uma gota de limão na boca provoca, como
resposta, a salivação, preparando o organismo para a ingestão do elemento
ácido (OLIVEIRA, 2001).
b.2) adquiridos: São reflexos aprendidos ou condicionados. Sua
ocorrência depende de uma história de associação entre estímulos inatos,
que produzem resposta reflexa a outros estímulos. No 2º exemplo acima, a
simples palavra ou visão do limão pode eliciar uma resposta condicionada
de salivação (Ibidem, 2001). O reflexo adquirido é muito utilizado na
capoeira e desenvolvido através desta. Pode-se executar uma esquiva ou
outro movimento baseado neste reflexo. Podemos até afirmar que os
movimentos de defesa são os mais desenvolvidos neste aspecto, devido a
necessidade de auto-preservação e defesa do ser.
c) Movimento automático: o movimento automático depende da
aprendizagem, da história de vida e de experiências próprias de cada um.
Depende, portanto, do treino, da prática e da repetição. A aquisição de
automatismos é importante porque propicia formas de adptação ao meio em
que vivemos com uma economia de tempo e esforço, pois não se exige
muito trabalho mental (Ibidem, 2001). Campos apud Oliveira define muito
bem este movimento. De acordo com Campos (1973):
“Os automatismos tanto podem ser mentais quanto
motores e até sociais como, por exemplo, a cortesia, o
cavalheirismo, a cooperação, etc. A observação, a
retenção mnemônica, a leitura rápida, a indução etc.,
constituem exemplos de hábitos mentais. A eficiente
realização de atividades dessa natureza depende de
um
bom
desenvolvimento
dos
hábitos,
das
habilidadesmentais e motoras; através da experiência
e do treino, o homem torna-se capaz de realizar esses
atos com o mínimo de rendimento, em tempo e em
qualidade, sem mesmo necessitar concentrar a sua
340
atenção para executá-los.” (CAMPOS apud OLIVEIRA,
2001, p. 25).
Normalmente o movimento se inicia de forma voluntária e, uma vez
iniciado, pode-se interrompê-lo a qualquer momento, de acoprdo com a
nossa vontade. Exemplo: quando andamos, não pensamos no balançar de
nossos braços. Temos a intensão de andar (voluntário), mas a execução
desse movimento torna-se automática. (OLIVEIRA, 2001). Este movimento
nem sempreé iniciado pela vontade. Alguns são iniciados sem que se tenha
conhecimento, como por exemplo, a manutenção do equilíbrio e da postura.
Existem automatismos que são desenvolvidos através do processo ensinoaprendizagem. Passam do plano voluntário para o plano automático (Ibidem,
2001). Na capoeira observamos claramente isto, quando o praticante domina
plenamente os movimentos, seus conceitos e fundamentos. Como Mestre
Pastinha já dizia e como já citamos: “Se pr’a jogar você imagina ... eu jogo
sem imaginar ...”.
Segundo Oliveira, a vontade do educando é essencial para se educar
ou reeducar, sem esta não se consegue este objetivo. O movimento “pelo
movimento” não leva a nenhuma aprendizagem. É necessário e fundamental
que o aluno deseje, reflita e analise seus movimentos, interiorizando-os. Só
assim conseguirá atingir uma aprendizagem mais significativa de si mesmo e
de suas potencialidades (Ibidem, 2001).
De acordo com Oliveira, não podemos deixar de dar valor aos
movimentos automáticos, que são indispensáveis para uma melhor
adaptação ao meio, mas não devemos esquecer que eles tiveram sua
origem na participação voluntária do sujeito (Ibidem, 2001).
Segundo Nicola, com uma definição clássica, movimento seria o
deslocamento do corpo no espaço. De acordo com a autora, o movimento é
um termo genérico que abrange indistintamente os reflexos os atos motores
conscientes ou não, normais ou patológicos, significantes ou desprovidos de
341
significado. Os movimentos corporais como gestos, podem ser definidos
como um movimento determinado por uma intenção. O gesto tem finalidades
conscientes ou inconscientes, chegando às vezes a ser uma redundância da
comunicação. Para Nicola, assim como o movimento corporal pode estar
diretamente ligado a comunicação em algumas situações, o deslocamento
do corpo no espaço assumirá significados internos e externos, sem apoio de
nenhum outro recurso que não seja o próprio corpo em estado de
comunicação (NICOLA, 2004). Nicola nos diz que os movimentos
apresentam algumas características que são independentes entre si, como:
“- Movimentos reflexos: sustos.
- Movimentos adquiridos: andar.
-
Movimentos
com
reações
condicionadas:
queimadura.
- Gestos conscientes: redundância.
- Atos falhos: sincinesias.” (Ibidem, 2004).
3.4 - Tônus muscular
“O tono muscular é a atividade primitiva e permanente do músculo;
além de traduzir a vivência emocional do organismo, é o alicerce das
atividades práxicas.” (LE BOULCH, 1992, p. 55).
Os movimentos (voluntários, reflexos e automáticos) não aparecem
por acaso. Eles são controlados pelo sistema nervoso através de contrações
musculares. Quando nos movimentamos, uns músculos estão se contraindo
e outros relaxando-se (OLIVEIRA, 2001). Para cada grupo muscular que se
contrai e se movimenta (agonista), existe, do lado oposto, outro grupo
muscular que age em sentido contrário (antagonista).
O músculo, mesmo em repouso, possui um estado permanente de
tensão que é conhecido como tono ou tônus muscular. O tônus muscular
está presente em todas as funções motrizes do organismo como o equilíbrio,
342
a coordenação, o movimento, etc. (Ibidem, 2001). Para Le Boulch: “o tônus
muscular é o alicerce das atividades práticas” (LE BOULCH apud OLIVEIRA,
2001, p. 27).
Para Oliveira, todo o movimento se realiza sobre um fundo tônico e
um dos aspectos fundamentais é sua ligação com as emoções. A boa
evolução da afetividade é expressa através da postura, de atitudes e do
comportamento. Podemos transmitir, sem palavras, através de uma
linguagem corporal, todo o nosso estado interior. Transmitimos a dor, o
medo, a alegria, a tristeza e até nosso conceito de nós mesmos (OLIVEIRA,
2001).
Os movimentos podem ser comprometidos devidos à estados de
hipertonia, com os músculos contraídos em excesso, ou hipotonia, com os
músculos muito relaxados. Em se tratando de casos não muito sérios, que
não precisem de uma intervenção médica, o educador pode auxiliar esta
pessoa a desenvolver e ou ajustar o seu tônus muscular. O tônus muscular
depende muito da estimulação do meio (Ibidem, 2001).
Para Nicola, a função tônica é fundamental na abordagem
psicomotora do indivíduo em virtude dos diversos aspectos que ela atinge
(NICOLA, 2004), como define a autora:
“- O tono seria um fenômeno nervoso muito complexo,
sendo a trama de todos os movimentos sem
desaparecer na inação.
-
O
tono
investe-se
em
todos
os
níveis
da
personalidade psicomotora e participa das funções
motrizes como equilíbrio e coordenação.
- Tono atua diretamente nalinguagem corporal.”
(Ibidem, 2004).
343
Segundo Nicola, a função do tono se expressa pela contração
permanente da musculatura. Os neurofisiologistas evidenciaram o processo
que atua em contração permanente e atua de forma modulada, permitindo
atividades posturais, sustentação de membros, a estática e o equilíbrio do
corpo. Neste conjunto a atuação é medular, porém existe controle das
estruturas nervosas superiores. Um tono harmonioso permite gestos com
qualidade e bem regulados. Edifica os esquemas sensoriomotores para as
representações mentais do gestual e postural. De acordo com Nicola,
podemos dividi-lo em víveis do seu próprio desenvolvimento: Hipertonia:
aumento do tono que pode ocorrer em determinado ou em vários grupos
musculares. Hipotonia: diminuição do tono que pode ocorrer em determinado
ou em vários grupos musculares. Rigidez: acomete vários grupos
musculares. Espasticidade: aumento de tono muscular em determinado
grupo muscular. Espasmo: modificação rápida do tono. Distonia: tono
flutuante. Contração tônica: resistência do músculo diante de uma
mobilização passiva. Reflexo miotático: quanto maior o alongamento
muscular maior a tensão. Laço gama: o mecanismo do laço gama
(Sherrington, 1916) explica o processo da contração muscular independente
da influência do sistema nervoso central (Ibidem, 2004).
De acordo com Nicola, o tono muscular é um fenômeno de natureza
reflexa que tem sua origem no músculo, mas cuja regulação está submetida
ao cerebelo. Existe ao nível do fuso neuromuscular, que está presente em
todos os músculos estriados, uma estrutura sensorial muito complexa que dá
ao músculo este sistema de regulação autônoma, que é o laço gama (o
sistema). Nicola lembra que para Wallon, a função tônica também é
influenciada pelo psiquismo (Ibidem, 2004). A autora diz que as
características do laço gama são:
“- O reforço antes da execução dos atos motores,
preparando-os.
- Existe um limiar, por um lado, para o estiramento
passivo e, por outro, para atividade gama a fim de que
344
a resposta tônica do músculo se produza de maneira
adequada.
- A excitação nocioceptiva (estado doloroso) aumenta
a atividade gama (estado de alerta).” (Ibidem, 2004).
Segundo Nicola, a atividade tônica e tônico-postural são consideradas
suporte de comunicações pré-verbais. São as atividades tônicas de mímicas,
gestos faciais, corporais, acrescidas de significações afetivas e sociais
adquiridas. Para Nicola, o movimento humano, sob todas as suas formas,
inclusive a de sua ausência (relaxamento), elabora-se sobre fundo tônico,
que é simultaneamente o seu abstrato e a sua matéria. Indiferenciado no
começo e mal definido na criança pequena, que não concluiu sua
maturação, ele ganha características precisas, refina-se e afirma-se
progressivamente. Especifica-se em cada um dos nossos movimentos
voluntários ou não, em cada uma de nossas atitudes, posturas e até mesmo
em nosso repouso (Ibidem, 2004).
Nicola ainda diz que o sono e o repouso em geral não são
paralisações da atividade, pois na distenção mais profunda a inatividade
muscular é apenas relativa e muito variável. O total relaxamento muscular é
passageiro e acompanha o início rápido e profundo do sono; passado este
momento, o relaxamento do sono passa a sofrer influências tônicas (Ibidem,
2004).
Concordamos com Neto, quando este autor diz que a atividade tônica
refere-se às atitudes e às posturas, e a atividade cinética está orientada para
o mundo exterior. Essas duas orientações da atividade motriz (tônica e
cinética), com a incessante reciprocidade das atitudes, da sensibilidade e da
acomodação perceptiva e mental, correspondem aos aspectos fundamentais
da função muscular, a qual deve assegurar a relação com o mundo exterior
graças aos deslocamentos e aos movimentos do corpo, mobilidade, e
assegurar a conservação do equilíbrio, a infra-estrutura de toda a ação
diferenciada, tono, (NETO, 2002).
345
“No diálogo corporal que o indivíduo estabelece com o mundo, o
tônus integra toda a história dialética das informações exteriores, e interrelaciona-as para dar origem à fenomenologia do comportamento humano.”
(FONSECA, 1998, p. 233).
3.5 - O desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira –
as estruturas psicomotoras
Paralelamente a abordagem das estruturas psicomotoras, como já
dito anteriormente, também abordaremos o desenvolvimento psicomotor e
de suas estruturas, fundamentado na prática da capoeira. Mas antes, vamos
citar Andréa C. A. da Cunha, a Instrutora Maestrinha, que fez um
interessante trabalho sobre a prática da capoeira para crianças portadoras
do vírus HIV.
Segundo Cunha, no trabalho da capoeira para crianças HIV positivas
a psicomotricidade é fator importante a ser trabalhado, pois através do grau
de inteligência mental e ou corporal; da adaptação, através dos processos
de assimilação, processo de incorporação dos objetos e informações às
estruturas mentais já existentes, e da acomodação, transformação das
estruturas mentais a partir das informações sobre os objetos, a criança vai
tomando conhecimento de seu próprio corpo, da lateralidade, de como se
situar no espaço, dominar seu tempo, adquirir habilmente a coordenação de
seus gestos e movimentos. Com isto uma educação psicomotora trabalhada
juntamente com a capoeira pode ser praticada por crianças HIV positivas ou
não,
logo
nos
primeiros
passos;
trabalhada
com
consistência
e
perseverança, a psicomotricidade pode prevenir inadaptações difíceis de
corrigir quando já estruturadas em um indivíduo (CUNHA, 2003). Cunha
ainda nos diz que, alguns elementos da psicomotricidade, como: a
estruturação do esquema temporal, a lateralidade, a estruturação espacial e,
a estruturação temporal, podem ser trabalhadas com a capoeira.
346
3.5.1 - Coodenação global, fina e óculo-manual e, facial
Já abordamos a coordenação motora como qualidade física sob o
enfoque do treinamento desportivo. Agora abordaremos sob o prisma da
psicomotricidade.
É preciso certas habilidades, que são essenciais, para uma pessoa
manipular objetos da cultura em que vive. Ela precisa saber se movimentar
no espaço com desenvoltura, habilidade e equilíbrio, e ter o domnínio do
gesto e do instrumento (coordenação fina). Os movimentos dependem da
maturação do sistema nervoso (OLIVEIRA, 2001). Para Neto, deve-se
respeitar o ritmo individual da criança, pois cada um tem um ritmo próprio
não só pela sua originalidade, mas também pela maturação dos centros
nervosos que não é idêntica (NETO, 2002). Segundo Brandão, “Esses
movimentos, desde o mais simples ao mais complexo, são determinados
pelas contrações musculares e controlados pelo sistema nervoso”
(BRANDÃO apud OLIVEIRA, 2001, p. 41).
Para Alves, a capacidade de coordenação incorpora as atividades
que
incluem
duas
ou
mais
capacidades
e
padrões
motores.
O
desenvolvimento de todas as capacidades perceptivas é essencial para a
evolução das potencialidades do indivíduo na aprendizagem cognitiva,
psicomotora e afetiva (ALVES, 2003).
a) Coordenação global:
Também conhecida como coordenação geral, coordenação motoraampla ou motricidade ampla. Segundo o Glossário da SBP: “Motricidade:
[Do fr.motricité.] – Propiedade que têm certas célulaas nervosas de
determinar a contração muscular.” (SBP, 2003).
Segundo Alves, coordenação motora-ampla é a coordenação
existente entre os grandes grupamentos musculares. Para a criança, é mais
347
fácil fazer movimentos simétricos e simultâneos, pois só numa segunda
etapa é que ela movimentará os membros separadamente. Para uma
criança, interromper subitamente um movimento é difícil, mas esse controle
muscular é indispensável para, futuramente, facilitar a sua caligrafia e
concentração necessária à aprendizagem escolar (ALVES, 2003).
A coordenação global diz respeito à atividade dos grandes músculos.
Depende da capacidade de equilíbrio postural do indivúduo. Este equilíbrio
está subordinado às sensações proprioceptivas cinestésicas e labirínticas.
Através da movimentação e da experimentação, o indivíduo procura seu eixo
corporal, vai se adaptando e buscando um equilíbrio cada vez melhor.
Conseqüentemente,
vai
cooredenando
seus
movimentos,
vai
se
conscientizando de seu corpo e das suas posturas. Quanto maior o
equilíbrio, mais econômica será a atividade do sujeito e mais coordenadas
serão as suas ações (OLIVEIRA, 2001). Para Alves, “não pode haver
coordenação de movimento sem um bom equilíbrio... o equilíbrio é a base
primordial de toda a coordenação geral” (ALVES, 2003, p. 60). Para Neto: “O
equilíbrio é a base primordial de toda ação diferenciada dos segmentos
corporais” (NETO, 2002, p. 17). “A perfeição progressiva do ato motor
implica um funcionamento global dos mecanismos reguladores do equilíbrio
e da atitude” (Ibidem, 2002, p. 16). Segundo Alves: “A tomada de
consciência do corpo é necessária para a execução e o controle dos
movimentos precisos que vão ser executados.” (ALVES, 2003, p. 56).
De acordo com Neto, quando a criança está capacitada este
funcionamento global, certas condições de execução permitem reforçar
certos fatores de ação, como: vivacidade, força muscular, resistência, etc.
Estes fatores desenvolvem também um certo controle da motricidade
espontânea, à medida que a situação-problema exige o respeito a certas
consignas que definem as condições de espaço e de tempo em que se deve
desenvolver a tarefa. Durante as brincadeiras livres, o meio é que fornece à
criança o material para a sua atividade de exploração, ou seja, a imaginação
da criança cria suas próprias experiências. É através da brincadeira
348
espontânea que ela descobre os ajustes diversos, complexos e progressivos
da atividade motriz, resultando em um conjunto de movimentos coordenados
em função de um fim a ser alcançado (NETO, 2002).
Para Neto, o movimento motor global, seja ele mais simples, é um
movimento sinestésico, tátil, labiríntico, visual, espacial, temporal, e assim
por diante. Os movimentos dinâmicos corporais desempenham um
importante papel na melhora dos comandos nervosos e no afinamento das
sensações e das percepções. O que é educativo na atividade motora não é
a quantidade de trabalho efetuado nem o registro, um valor numérico,
alcançado, mas sim o controle de si mesmo, obtido pela qualidade do
movimento executado, isto é, da precisão e da maneira de execução
(Ibidem, 2002).
Segundo Alves, é preciso alcançar a plena dissociação de
movimento, dissociação esta que implica um certo grau de maturação
neuromotora e que passa por diversos estágios. Os movimentos têm uma
evolução fisiológica que se traduz pela diminuição progressiva dos
movimentos associados e como conseqüência dela pela independência no
aumento dos grupos musculares. É esta independência que produz a
dissociação dos movimentos (ALVES, 2003).
A coordenação global e a experimentação levam a criança a adquirir
a dissociação de movimentos. Isto significa que ela deve ter condições de
realizar múltiplos movimentos ao mesmo tempo, cada membro realizando
uma atividade diderente, havendo uma conservação de unidade do gesto
(OLIVEIRA, 2001). Quando uma pessoa toca berimbau, por exemplo, em
geral, quando destra, a mão direita segura a vareta e o caxixi, que ao tocar
bate no arame e, a mão esquerda, segura o berimbau, afastando-o ou
trazendo-o à barriga, e o dobrão, que apertando-o ou encostando-o no
arame, “dobra” o som. São movimentos diferentes que trabalham juntos para
conseguir uma mesma tarefa, també, havendo nesta, a implicação da
coordenação fina e óculo-manual.
349
Para Oliveira, diversas atividades levam à conscientização global do
corpo (Ibidem, 2001), como andar ou gingar, que são atos neuromusculares
que requerem equilíbrio e coordenação; outras como: correr, saltar, rolar,
pular, arrastar-se, nadar lançar-pegar, sentar, executar golpes e movimentos
da capoeira que, precisam de resistência, força muscular e outras
qualidades físicas para a realização destes. De acordo com Neto, quando a
crianças brincando vivenciam vários movimentos, isso tudo é o relaxamento
corporal, o bem estar da liberação física (NETO, 2002).
Segundo Alves a coordenação geral necessita de uma perfeita
harmonia de jogos musculares em repouso e em movimento (ALVES, 2003):
“Coordenação estática
- Quando se realiza em repouso. È dada pelo
equilíbrio entre a ação dos grupos musculares
antagonistas, estabelece-se em função do tônus e
permite a conservação voluntária das atitudes.
Coordenação dinâmica
- Quando a coordenação se realiza em movimento,
põe
em
ação
simultâneos
grupos
musculares
diferentes, tendo em vista a execução de movimentos
voluntários mais ou menos complexos.” (Ibidem, 2003,
p. 57).
Para Alves, este movimento se realiza numa relação entre uma
imagem, Gnosia, e um conjunto de deslocamentos segmentares que se
associam com vistas a um determinado fim, isto é, uma relação entre um
plano de ação e a respectiva concretização, praxia (Ibidem, 2003).
Uma criança ou até mesmo um adulto, quando começam a praticar a
capoeira, já possuem uma coordenação global de seus movimentos, que
350
varia conforme suas experiências e vivências. Alguns praticantes iniciantes,
podem apresentar dificuldades, pois durante o desenvolvimento na infância
e também, posteriormente, houve uma deficiência de movimentos e de
oferta de vivência destes, que provavelmente pode ter contribuido para
possíveis falhas na coordenação motora, e o mestre de capoeira deve,
pacientemente, avaliar as aquisições anteriores para poder agir com o
conhecimento necessário para uma correta intervenção psicomotora,
corrigindo as posturas inadequadas, a relação entre a postura e controle do
corpo, sua resistência e deficiência na realização de um movimento, agindo
e transmitindo uma segurança necessária para o desenvolvimento de uma
coordenação mais satisfatória. Esta experimentação do corpo leva ao
desenvolvimento do esquema corporal, que será abordado adiante. Quanto
à avaliação motora Bechara nos diz que: “É de fundamental importância que
a pedagogia da capoeira tenha como alicerces o diagnóstico de quem é o
aluno, e em que nível de motricidade ele se encontra” (BECHARA, 1986, p.
24), e ainda: “Conhecer as características básicas das diversas faixas
etárias se torna importante, para que tenhamos um ponto de partida para a
práxis da motricidade na capoeira” (Ibidem, 1986, p. 25). De acordo com
Santos:
“a motricidade ampla, pode ser desenvolvida na
criança através do jogo da capoeira, por motivo do
mesmo desenvolver a coordenação dinâmica ou
estática geral, através das ações simultâneas dos
grandes grupos musculares, as quais exigem das
crianças a perfeita harmonia na sincronização de seus
movimentos”. (SANTOS, 1990, p. 42).
Para Souza & Oliveira, a coordenação motora também pode ser
desenvolvida através da capoeira:
“A coordenação motora é outra qualidade física que
pode ser desenvolvida no praticante de capoeira. A
351
mesma é essencial ao praticante e é trabalhada desde
o movimento básico e fundamental da capoeira que é
a ginga, até aos demais movimentos e suas
combinações.
Outra
oportunidade
da
criança
desenvolver a coordenação motora oferecida pela
prática da capoeira é através dos cantos, pois além de
cantar aprenderá a tocar os instrumentos ou bater
palmas simultaneamente. Desenvolvendo também
desde o aprendizado da capoeira até o jogo, e o seu
próprio ritmo.” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 46).
Segundo Bechara: “Destreza motora na capoeira é a capacidade
adquirida, por aprendizagem, de executar os movimentos de capoeira com
grande habilidade em função do jogo” (BECHARA, 1985b, p. 42), o autor
continua: “A aquisição das destrezas motoras é favorecida pela satisfação
sentida quando os movimentos corretos são efetuados e prejudicada pela
ausência de prazer sentida quando os movimentos são incorretos”. (Ibidem,
1985b, p. 44).
“As destrezas motoras não podem ser aprendidas sem
treinamento, e na aprendizagem da CAPOEIRA esse
treinamento
exige
numerosas
repetições
dos
movimentos e uma teorização da prática, para que a
relação Ensino-Aprendizagem, seja além de tudo um
processo consciente”. (Ibidem, 1985b, p.42).
“A prática da capoeira sem motivação é totalmente ineficaz, porque as
destrezas motoras complexas não são aprendidas senão com um esforço e
uma atenção intensas por parte do aluno” (Ibidem, 1985b, p. 44), e ainda,
“Pode-se dizer que: a motivação é o fator mais importante na aquisição da
destreza motora” (Ibidem, 1985b, p. 44), “O prazer e a contrariedade são
igualmente funções da motivação do aluno” (Ibidem, 1985b, p. 44), “A partir
de bases sólidas (movimentos básicos) que as atividades podem progredir e
352
que um prazer progressivo pode ser tirado delas” (Ibidem, 1985b, p. 44), “O
professor deve contribuir para criar sentimentos de satisfação no aluno,
quando um movimento correto é executado” (Ibidem, 1985b, p. 44) e mais,
“As pessoas são mais dadas a repetir experiências agradáveis e que, por
outro lado, as satisfaçam. A satisfação traz um reforço da associação entre
estímulo e reação” (Ibidem, 1985b, p. 44). Segundo Santos, o prazer, o
entretenimento e a liberdade corporal, fazem a criança se entregar ao jogo
da capoeira:
“A capoeira é um jogo sério que se identifica como um
entretenimento, ao qual a criança se entrega com
liberdade corporal; procura este jogo apenas pelo
princípio do prazer de jogá-lo. Daí a capoeira torna-se
primordial à criança.” (SANTOS, 1990, p. 47).
Para Santos a prática da capoeira é importante, pois provoca um
estímulo de interesses por todos os conteúdos, não precisando, por este
motivo, serem constantemente alterados e ou modificados:
“A prática da capoeira para a criança, torna-se
importante, porque a faz obter prazer por todos os
conteúdos
oferecidos,
por
serem
os
mesmos
provocadores de estímulos de interesse. Isto faz com
que o professor não fique preocupado em estar
constantemente modificando seus conteúdos em
função do desagrado dos educandos” (Ibidem, 1990,
p. 39).
Bechara diz que: “Um plateau pode aparecer quando uma destreza
motora não é totalmente automatizada e o aluno é demasiado seguro de si;
ele pensa que a tarefa é fácil e, assim, não se concentra tanto como deveria”
(BECHARA, 1985b, p. 44).
353
“Um plateau é um período durante o qual não há
modificações sensíveis das performances medidas. É
um período estacionário, onde o indivíduo, por mais
que
se
esforce
não
consegue
melhorar
seu
rendimento. É um período muito desencorajador”
(Ibidem, 1985b, p. 44).
Bechara ainda enumera várias causas possíveis para o aparecimento
do plateu, mas não iremos abordá-las neste momento. Contudo o mestre de
capoeira precisa estar atento ao aparecimento deste plateau e tentar
compreender as causas e efeitos de seu surgimento, buscando os melhores
caminhos para a volta do desenvolvimento do praticante estimulando-o e
encorajando-o, fazendo-o estar consciente deste processo e oferecendo
meios para que o praticante não perca o estímulo e a satisfação, fatores
importantes para o desenvolvimento do praticante.
b) Coordenação fina e óculo-manual:
Também chamadas de coordenação motora-fina ou motricidade fina
e,
coordenação visomotora ou
visuomanual e ainda, coordenação
audiomotora.
Segundo Alves, coordenação motora-fina é uma coordenação
segmentar com a utilização das mãos exigindo precisão nos movimentos
para a realização das tarefas complexas, utilizando também os pequenos
grupos musculares (ALVES, 2003).
Para Alves, coordenação visomotora é a habilidade de coordenar a
visão com movimentos do corpo. Na ausência de uma adequada
coordenação visomotora, a criança se mostra desajeitada em todas as suas
ações, apresentando dificuldades na escola. O desenvolvimento de uma boa
coordenação geral é indispensável como pré-requisito (Ibidem, 2003).
354
De acordo com Alves, coordenação audiomotora é a capacidade de
transformar em movimentos comando sensibilizado pelo aparelho auditivo
(Ibidem, 2003).
Segundo Oliveira, a coordenação fina diz respeito à habilidade e
destreza manual e constitui um aspecto particular da coordenação global. De
acordo com esta autora, temos que ter condições de desenvolver formas
diversas de pegar os diferentes objetos. Uma coordenação elaborada dos
dedos da mão facilita a aquisição de novos conhecimentos. Atravé do ato de
preensão, é que uma criança vai descobrindo pouco a pouco os objetos de
seu meio ambiente (OLIVEIRA, 2001). Brandão (apud OLIVEIRA, 2001),
analisa a mão como um dos instrumentos mais úteis para a descoberta do
mundo, afirmando que ela é um instrumento de ação a serviço da
inteligência.
Só possuir uma coordenação fina não é suficiente. É necessário que
haja também um controle ocular, isto é, a visão acompanhando os gestos da
mão, o que chamamos de coordenação óculo-manual ou viso-motora. A
coordenação óculo-manual se efetua com precisão sobre a base de um
domínio visual previamente estabelecido ligado aos gestos executados,
facilitando, assim, uma maior harmonia do movimento. Esta coordenação é
essencial para a escrita. Um dos aspectos que a experimentação do corpo
todo favorece é a interdependência do braço em relação ao ombro, e a
interdependência da mão e dos desdos, fatores decisivos de precisão da
coordenação visomotora. Tanto a escrita, como por exemplo, a utilização
dos instrumentos musicais e das armas brancas da capoeira, necessitam
desta independência dos membros para se processar de maneira
econômica, sem cansaço, e para que o indivíduo consiga controlar a
pressão sobre os dedos (tônus muscular). Neste sentido experiências
dinâmicas como lançar-pegar são muitos importantes para isto, pois facilitam
a fixação da atividade entre o campo visual e a motricidade fina da mão e
dos dedos, provocando uma maior coordenação óculo-manual (Ibidem,
2001).
355
O ensino da escrita e também de alguns instrumentos musicais da
capoeira exigem também uma certa coordenação global, como o ato de
sentar, onde precisa-se adquirir uma postura correta para realizar os
movimentos determinados, no sentido de torná-los mais cômodos,
facilitados, relaxados e menos cansativos. Além disso, é preciso adquirir
uma dissociação e controle dos movimentos, como também, ter uma
lateralidade bem definida facilita tais procedimentos (Ibidem, 2001, p. 44).
Condemarín e Chadwick apud Oliveira, ressaltam também a importância do
desenvolvimento do freio dos movimentos (inibição voluntária), para
responder às exigências de precisão, onde são encontradas no toque dos
instrumentos musicais da capoeira, na utilização das armas brancas,
principalmente as de corte, como a faca e a navalha e em pequenos gestos:
“estes componentes do controle são resultantes de interações cinestésicas e
visuais. O freio e a interrupção parecem depender mais da cinestesia. O
manter ou retomar a direção dependem mais da visão.” (CONDEMARÍN E
CHADWICK apud OLIVEIRA, 2001, p. 44).
Segundo Neto, para a coordenação destes atos, é necessária a
participação de diferentes centros nervosos motores e sensoriais que se
traduzem pela organização de programas motores e pela intervenção de
diversas sensações oriundas dos receptores sensoriais, articulares e
cutâneos do membro requerido. A maneira pela qual o encéfalo utiliza as
informações visuoespaciais, das quais se extraem também parâmetros
temporais para gerar movimentos guiados pela visão, fica, todavia,
desconhecida (NETO, 2002).
Para Neto, a fixação visual necessita sucessivamente da visão
periférica; em seguida, das sacudidas oculares que restabelecem o olho em
uma visão central que os movimentos de perseguição tendem a manter
quando o alvo se movimenta. Esse “agarre ocular” envolve a montagem de
um programa motor de transporte da mão e de sua disposição para agarrar
o objeto que, apóps a manipulação, pode ser evitado. O êxito dessa
356
atividade em cada uma de suas etapas varia na criança conforme o nível de
aprendizado e conforme a evolução de seu desenvolvimento motor (Ibidem,
2002).
De acordo com Neto, o córtex pré-central corresponde à motricidade
fina tem um papel fundamental no controle dos movimentos isolados das
mãos e dos dedos. A importância das áreas cortiço-sensomotoras das mãos
e dos dedos faz ressaltar a fineza extrema dos controles táteis e motores. As
explorações táctil e palmatória permitem o reconhecimento das formas sem
a intervenção da visão. As informações cutâneas e articulares associadas à
motricidade digital proporcionam as indicações a partir das quais as formas
podem ser reconstituídas (Ibidem, 2002).
Segundo Neto, a coordenação visuomotora é um processo de ação
em que existe coincidência entre o ato motor e uma estimulação visual
percebida. Esse tipo de dinamismo somente pode dar-se em indivíduos
videntes. Os não-videntes transferem as percepções visuais por outros
meios de informação: guias sonoros outorgados pela explicação verbal,
pelas percepções táteis, entre outros, os quais lhes outorgam dados sobre
os quais elaboram a coordenação dinâmica necessária. Essas percepções
iniciais de exploração e de tato preparam a execução sob a forma de ensaio;
logo, a repetição do mesmo movimento afirma o modelo práxico elaborado
e, finalmente, permite a interiorização do gesto por meio da representação
mental da ação que, precedendo ao movimento, possibilita a execução com
grande eficácia e segurança. Portanto, nessa situação, não existe
coordenação oculomanual ou visuomotora, há apenas um dinamismo
manual conjunto (Ibidem, 2002).
A perfeição dos atos visomotores depende também da possibilidade
de uma realização interiorizada, precedendo a execução e logo dirigindo-a
(OLIVEIRA, 2001). Isto significa que quanto melhor a capacidade de
realização interior, que é facilitada por uma melhor a memória, também
357
corporal e experiência de um aprendizado concreto, maior a probabilidade
otimizada da perfeição dos atos visomotores.
Segundo Oliveira, para que uma criança atinja a etapa de coordenar
seus movimentos finos de forma precisa e com uma certa velocidade
necessita realizar um trabalho bem intenso de exercitação. A mão tem uma
importância enorme para o recém-nascido na exploração do mundo exterior.
Inicialmente, por não possuir maturidade neurológica suficiente para
conseguir pegar os objetos, sua característica principal de pega é
inteiramente reflexa. Pouco a pouco vai desenvolvendo mecanismos
necessários à realização da mesma, mas só após os doze meses de vida é
que a preensão se adapta à forma e ao uso dos objetos, aquisição esta
desenvolvida ou por imitação, ou por acaso, ou por experimentação ativa
(OLIVEIRA, 2001).
Para Neto, a coordenação visuomanual se elabora de modo
progressivo com a evolução motriz da criança e do aprendizado. Visão e
feedback perceptivo-motor estão estruturados e coordenados visando
produzir um comportamento motor adaptado em qualquer situação (NETO,
2002).
Santos aborda a motricidade fina na criança e a capoeira:
“A motricidade fina, só poderá se efetivar na criança a
partir do momento em que se oportunizar a ela
atividades que além de envolver os grandes músculos,
possam mais especificamente atuar nos pequenos
grupos musculares. A capoeira como uma atividade
completa em elementos psicomotores, pode através
de seus cantos, musicalização e instrumentação, além
dos
seus
movimentos
expressivos
corporais,
oportunizar às crianças um desenvolvimento fidedigno
da motricidade fina, contribuindo de forma satisfatória
358
na coordenação motora fina”. (SANTOS, 1990, p. 42 e
43).
c) Coordenação facial:
Alves ainda menciona a coordenação facial. Para Rill (apud ALVES,
2003), a coordenação facial é o primeiro e mais importante modo de
comunicação interpessoal. Para Alves, efetivamente, são os olhos a fonte
mais usada, mais fascinante, mais rica, mais ativa e rápida de comunicação
(ALVES, 2003). Não é a toa que os olhos são considerados a “janela da
alma”.
As expressões faciais são fontes inesgotáveis de comunicação não
verbal (CNV). Olhos, sobrancelhas, pestanas, testa, cabeça, queixo, nariz,
lábios e boca são os ingredientes da comunicação primeiramente integrados
no bebê, muito antes da fala. A motricidade facial, expressiva e singular de
primatas e humanos são potentes sistemas de transmissão de mensagens
não verbais (Ibidem, 2003).
A contração voluntária da musculatura facial tem muita importância,
pois é o começo da expressão de estados mais abstratos (medo, negação,
ansiedade). Com o enriquecimento da mímica, aparecem os primeiros
rudimentos de uma comunicação ao nível simbólico (Ibidem, 2003).
A
linguagem
falada
é
uma
aquisição
da
espécie
humana,
desenvolvida desde o homem primitivo, através de gestos, da mímica e dos
sons inarticulados até a linguagem articulada. De acordo com Alves, muitos
autores, conhecendo os pré-requisitos fisiológicos, têm assinalado a
necessidade de exercitar os movimentos primários pré-linguísticos de
sucção, mastigação e deglutição como precursores da fala:
“- Sucção:
359
é um movimento, em princípio reflexo, instalado ainda
antes do nascimento, o ato normal de sugar é um ato
voluntário, que se inicia, segundo alguns autores, aos
cinco meses de vida. É a sucção o primeiro exercício
dos órgãos articulatórios.
- Mastigação:
é o ato de triturar e dividir os alimentos na cavidade
bucal, pela ação combinada da mandíbula e dos
destes, dos músculos mastigadores, da língua e das
bochechas, seguido pelo ato de deglutir.
- Deglutição:
é a passagem dos alimentos desde a boca até o
estômago.” (Ibidem, 2003, p. 59).
Na capoeira a coordenação facial é de suma importância para os
jogadores, através da expressão facial, pode-se observar as emoções,
sentimentos e até pensamentos do jogador. O controle da expressão facial é
importante para o jogador não “entregar” o jogo, jogar com sabedoria, ao
omitir expressões que podem comprometer o jogo e o jogador. Parece-nos
que nesse campo, tecnicamente, os atores, principalmente do teatro, são os
mais desenvolvidos. É treinável, na medida em que se exercita esta
“dramatização” do “teatro” da capoeira. Isto não significa ser falso ou algo
que possa comprometer sua personalidade como sujeito, faz parte do jogo
da capoeira. Esta qualidade pode ser útil, de maneira que, saber controlar as
expressões faciais e também corporais, pode ajudar ao praticante de
capoeira no seu dia a dia, em diversas situações, tanto positivas, quanto
negativas.
Finalizando, de modo geral, podemos dizer que a capoeira
desenvolve a coordenação motora global através dos seus inúmeros e
variados movimentos e gestos, onde estes, quanto mais desenvolvidos,
360
fazem a diferença da performance na prática da arte-luta; a coordenação
fina e óculo manual é aprimorada principalmente através da utilização dos
instrumentos musicais, pequenos gestos e alguns golpes com os membros
superiores, e também, para os praticantes mais adiantados, através dos
exercícios com as armas brancas; já a coordenação facial é bastante
desenvolvida devido ao aspecto de teatralidade do jogo da capoeira, onde
as expressões faciais são fundamentais neste, o que também, pode e deve
ser aproveitado pelo praticante em seu dia a dia.
3.5.2 - Esquema corporal
“O esquema corporal não é um conceito inicial ou uma entidade
biológica ou física, mas o resultado e a condição da justa relação entre o
indivíduo e o próprio ambiente.” (WALLON apud ALVES, 2003, p. 47).
“Esquema corporal é a integração das sensações relativas ao próprio
corpo, em relação aos dados do mundo exterior.” (VAYER apud ALVES,
2003, p. 48). Alves ainda cita outros autores, buscando uma definição de
esquema corporal, impotante para, inicialmente, tratar-mos o tema:
“Esquema corporal é a representação que cada um faz
de si mesmo e que lhe permite orientar-se no espaço.
Baseada em vários dados sensoriais proprioceptivos e
exteroceptivos, esta representação esquematizada é
necessária à vida normal e fica prejudicada por lesões
do lobo parietal.” (PIERON apud ALVES, 2003, p. 47).
“O esquema corporal pode ser considerado como uma
intuição de conjunto ou um conhecimento imediato que
temos de nosso próprio corpo, seja em posição
estática ou em movimento, em relação às diversas
partes entre si e, sobretudo, nas relações com o
361
espaço e os objetos que o circundam.” (LE BOULCH
apud ALVES, 2003, p. 48).
Para Alves, a noção de esquema corporal é como uma noção de
âmbito fisiológico. Ela representa a experiência que cada um tem de seu
corpo, quando em movimento ou em posição estática, em relação ao meio.
É consciente, um simples movimento depende de seu esquema corporal. O
desenvolvimento do esquema corporal é a representação que cada pessoa
tem de seu corpo, permitindo-lhe situar-se na realidade que o cerca. Esta
representação
forma-se
a
partir
de
dados
sensoriais
múltiplos
proprioceptivos, exteroceptivos e interceptivos (ALVES, 2003).
Segundo Nicola, a descoberta do esquema corporal é uma conquista
gradativa da criança e sua utilização deste esquema vai lhe permitir ganhar
certezas no seu próprio corpo. Conhecer seu esquema corporal é ter
consciência do próprio corpo, das partes que o compõem, das suas
possibilidades de movimentos, posturas e atitudes. Toda alteração no
sistema motor está acompanhada de alterações do esquema corporal;
sendo a soma de todos, os eventos que ocorrem nas funções sensitivomotoras, afetivas e intelectuais e que levam a consciência do próprio corpo.
Nicola nos diz que por muitos anos esta noção ficou escondida pelo
desconhecimento, desinteresse e até mesmo pela repressão da sociedade
(NICOLA, 2004).
Para Staes e De Meur, a própria criança percebe-se e percebe os
seres e as coisas que a cercam, em função de sua pessoa. Sua
personalidade se desenvolverá graças a uma progressiva tomada de
consciência de seu corpo, de seu ser, de suas potencialidades de agir e
transformar o mundo à sua volta. A criança se sentirá bem na medida em
que seu corpo lhe obedece, em que o conhece bem, em que pode utilizá-lo
não somente para movimentar-se, mas também para agir. Segundo os
autores, uma criança que se sinta bem disposta em seu corpo e capaz de
situar seus membros uns em relação aos outros fará uma transposição de
362
suas descobertas. Progressivamente localizará os objetos, as pessoas, os
acontecimentos em relação a si, depois entre eles (DE MEUR & STAES,
1991).
Segundo Neto, os primeiros contatos corporais que a criança percebe,
manipula e com as quais joga são de seu próprio corpo. Satisfação e dor,
choro e alegria, mobilizações e deslocamentos, sensações visuais e
auditivas e esse corpo é o meio da ação, do conhecimento e da relação.
Para Neto, a construção do esquema corporal, isto é, a organização das
sensações relativas a seu próprio corpo em associação com os dados do
mundo exterior exerce um papel fundamental no desenvolvimento da
criança, já que essa organização é o ponto de partida de suas diversas
possibilidades de ação. O esquema corporal é a organização das sensações
relativas a seu próprio em associação com os dados do mundo exterior.
Neto ainda diz que, o esquema corporal pode ser definido no plano
educativo como a chave de toda a organização da personalidade. A
elaboração do esquema corporal segue as leis da maturidade céfalo-caudal
e próximo-distal (NETO, 2002).
De
acordo
com
Oliveira,
o
importante
papel
do
educador:
“pode auxiliar seu aluno a tomar consciência de seus próprios bloqueios e
procurar suas origens e, principalmente, realizar exercícios adequados para
um bom desempenho de seu esquema corporal.” (OLIVEIRA, 2001, 37).
De acordo com esta autora, o corpo é uma forma de expressão as
individualidade. A criança percebe-se e percebe as coisas que a cercam em
função de seu corpo. Quanto mais ela conhecer o seu corpo, maior a
habilidade para se diferenciar e sentir diferenças, pasando a distinguir seu
corpo em relação aos objetos circundantes, observando-os e manejando-os.
O desenvolvimento de uma criança é o resultado da interação de seu corpo
com os objetos de seu meio, com as pessoas com quem convive e com o
mundo onde estabelece ligações afetivas e emocionais. O corpo, portanto, é
sua maneira de ser. È através dele que estabelece contato e se engaja no
363
mundo, que se compreende os outros, pois todo ser tem seu mundo
construído a partir de suas próprias experiências corporais (Ibidem, 2001).
Segundo Oliveira, “para uma criança agir através de seus aspectos
psicológicos, psicomotores, emocionais, cognitivos e sociais, precisa ter um
corpo “organizado”.” (Ibidem, 2001, p. 48). Esta organização de si mesma é
o ponto de partida para que descubra suas diversas possibilidades de ação
e, portanto, precisa levar em consideração os aspectos neurofisiológicos,
mecânicos, anatômicos e locomotores (Ibidem, 2001). Picq e Vayer apud
Oliveira, afirmam que “esta organização de si envolve uma percepção e
controle do próprio corpo através da interiorização das sensações.” (PICQ e
VAYER apud OLIVEIRA, 2001, p. 48).
O conceito de imagem corporal, que seria uma representação mental
de nosso corpo, é extremamente importante para o esquema corporal. A
imagem do corpo é uma impressão que se tem de si mesmo,
subjetivamente, baseada em percepções internas e externas e, no confronto
com outras pessoas do próprio meio social, envolvendo um conhecimento
intelectual e consciente do corpo e também da função de seus órgãos
(Ibidem, 2001). Este conceito é aprendido e desenvolvido desde cedo
quando as crianças vão aprendendo a conhecer os diferentes segmentos do
corpo, suas funções e suas nomenclaturas, assim, o conceito de esquema
corporal vai sendo constituído.
A nominação das partes do corpo, de acordo com Ajuriaguerra apud
Oliveira, “confirma o que é percebido, reafirma o que é conhecido e permite
verbalizar (por um mecanismo de redução) aquilo que é vivenciado.”
(AJURIAGUERRA apud OLIVEIRA, 2001, p. 49). A criança tem uma
representação gráfica de si. Inferindo esta imagem através de seu desenho
da figura humana, podemos conhecer a visão da criança sobre si mesmo
(Ibidem, 2001).
364
Para Oliveira, uma grande preocupação para todos aqueles que lidam
com crianças deveria ser ajudá-las a usar seu corpo para apreender os
elementos do mundo que as envolve e estabelecer relações entre eles, isto
é, auxiliar a desenvolver a inteligência (Ibidem, 2001).
Segundo Le Boulch apud Oliveira, a interiorização do corpo, torna
possível uma dissociação de movimentos que permite um maior controle das
praxias, sendo que, no plano gnosiológico, percebemos que a interiorização
garante uma representação mental do seu corpo, dos objetos e do mundo
em que vive (Ibidem, 2001).
Esta representação mental é responsável pelo aparecimento do
membro fantasma. O membro fantasma é a ilusão de que um membro
amputado ainda está presente com suas sensações de presença, de volume
e de movimento. No lugar do membro a pessoa sente dor, frio, sentindo sua
ligação com o resto do corpo (Ibidem, 2001). Ajuriaguerra apud Oliveira, diz
que “isto se deve a um resíduo cinestésico do membro (ou parte do corpo)
fisicamente ausente. È uma experiência subjetiva que nem uma mutilação
corporal consegue mudar.” (AJURIAGUERRA apud OLIVEIRA, 2001, p. 51).
Um esquema corporal organizado permite a uma criança se sentir
bem, na medida em que seu corpo lhe obedece, em que tem domínio sobre
ele, em que o conhece bem, em que pode utilizá-lo para alcançar um maior
poder cognitivo. O corpo é o ponto de referência que o ser humano possui
para conhecer e interagir com o mundo. Este ponto de referência servirá de
base para o desenvolvimento cognitivo e outros conceitos importantes, como
uma boa alfabetização, os conceitos de espaço: em baixo, em cima, ao lado,
atrás, direita, esquerda, etc. Primeira mente a criança visualiza estes
conceitos atrvés de seu corpo e só depois consegue visualizá-los nos
objetos entre si. O esquema corporal não é um conceito aprendido, que se
possa ensinar, pois não depende de treinamento. Ele se organiza pela
experimentação do corpo da criança, onde é revelado pouco a pouco a ela
(Ibidem, 2001).
365
Sobre a imagem especular, Oliveira diz se tratar da descoberta pela
criança de sua imagem no espelho, o que se dá por volta dos seis meses de
idade. Aos poucos ela vai percebendo que o reflexo no espelho é uma
representação dela também e passa a se ver de forma global como um ser
único, percebendo que o corpo que ela sente é o mesmo que ela observa no
espelho (Ibidem, 2001). “Ela deve compreender que está onde se sente e
não onde se vê.” (WALLON apud OLIVEIRA, 2001, p. 54). Posteriormente,
com dois anos e meio, três anos, ela tem condições de entender que o
espaço que ela sente é o mesmo que ela vê no espelho (OLIVEIRA, 2001).
Wallon mostra que o eu exteroceptivo fornecido pelo espelho vem se juntar
ao eu proprioceptivo, num processo tônico-postural (WALLON apud
OLIVEIRA, 2001, p. 54). Gradualmente ela apreende sua imagem especular
como um reflexo, uma imagem, uma representação, um símbolo. Ao
contrário dos animais, a criança usa o espelho como fator de conhecimento
de si, raciocina, descobre seu eu, desenvolve seu esquema corporal,
passando de um processo inicial de maturação, para um de conscientização
progressiva do próprio corpo como uma realidade distinta do meio
circundante, remodelando e individualizando a imagem inconsciente de seu
corpo (OLIVEIRA, 2001).
Dolto apud Oliveira, lembra que a criança cega não tem a
oportunidade de se confrontar com sua imagem visual, o que levaria supor
que teria dificuldade em assimilar o esquema corporal. Segundo Dolto, a
criança cega conserva uma imagem inconsciente do corpo mais rica, no
entanto, esta permaneceria inconsciente mais tempo do que nas crianças
que enxergam (DOLTO apud OLIVEIRA, 2001).
Para Nasio apud Oliveira, é necessária a presença crítica de um
adulto junto à uma criança que se olha no espelho, pois para Nasio, a
imagem especular tanto pode integrar quanto abolir a imagem inconsciente
do corpo (NASIO apud OLIVEIRA, 2001).
366
O espelho é um fator de conscientização de si, mas a experiência no
espelho confronta a criança com a sua identidade, portanto, possui um papel
decisivo da intersubjetividade na construção do esquema corporal. A
experiência no espelho constitui uma fase muito importante na confrontação
da criança consigo mesma e como parte do processo de identificação, pois o
corpo
é
um
meio
de
comunicação,
portanto,
de
interação
e,
conseqüentemente, de desenvolvimento da criança (OLIVEIRA, 2001).
Oliveira diz que, para muitas pessoas a experiência do espelho não
termina neste período. É sempre um fator de conhecimento de si, não
somente na infância, quando possibilita uma maior integração das imagens
proprioceptivas, como também na puberdade, como um auxiliar na formação
da auto-imagem e da visão de si mesmo, da qual a imagem corporal é parte
integrante. Na adolescência, com a emergência das mudanças físicas, o
jovem, muitas vezes, se sente desorientado. Um corpo que se modifica
rapidamente acaba por abalar sua estrutura de eu, pode abalar seu
esquema corporal, pois seu corpo serve como ponto de referência no
espaço (Ibidem, 2001).
Como o corpo humano está em constante mudança, podemos afirmar
que o esquema corporal també está em constante processo de
reestruturação. Este processo pode ocorrer com maturidade ou não,
dependendo da pessoa e dos vários fatores intervenientes em sua vida.
Neste sentido, o espelho faz parte da constante reestruturação do esquema
corporal. O espelho é importante para o praticante da capoeira, pois através
dele, os gestos e movimentos específicos realizados, são incorporados
visualmente no inconsciente, reestruturando o esquema corporal do
praticante. Assistir vídeos com imagens de gestos e movimentos específicos
realizados pelo próprio praticante, também ajuda neste processo, mas de
modo diferenciado, pois na imagem que é assistida e o movimento já foi
realizado. Neste caso podemos presumir que um processo cognitivo
diferente é realizado. O espelho deve ser encarado como grande alternativa
para o aprendizado da capoeira, contudo, deve-se conhecer o momento
367
propício para a sua utilização, pois o espelho ou mesmo uma imagem de
vídeo podem ser aliados ou inimigos, dependendo do contexto de sua
utilização.
Le Boulch apud Oliveira, propôs três etapas para o esquema corporal:
1ª etapa, o corpo vivido, até três anos de idade; 2ª etapa, o corpo percebido
ou “descoberto”, três a sete anos e; 3ª etapa, o corpo representado, sete a
doze anos (LE BOULCH apud OLIVEIRA, 2001).
A 1ª etapa, o corpo vivido, corresponde à fase da inteligência
sensório-motorade Jean Piaget. Um bebê sente o meio ambiente como
fazendo parte dele mesmo. Não tem a consciência do “eu” e se confunde
com o espaço em que vive.Com o amadurecimento de seu sistema nervoso,
vai
ampliando
suas
experiências,
se
diferenciando
deseu
meio
ambiente.Nesse período a criança tem uma necessidade muito grande de
movimentação e através desta vai enriquecendo a experiência subjetiva de
seu corpo e ampliando a sua experiência motora. Suas atividades iniciais
são espontâneas, não pensadas, desenvolvendo a “função do ajustamento”,
adquirindo
uma
memória
corporal,
responsável
pela
eficácia
dos
ajustamentos posteriores. No final desta fase pode-se falar em imagem
corporal, pois o “eu” se torna unificado e individualizado (OLIVEIRA, 2001).
A 2ª etapa, o corpo percebido ou “descoberto”, corresponde à
organização do esquema corporal devido à maturação da “função de
interiorização”, aquisição importante, pois auxilia a criança a desenvolver
uma percepção centrada em seu próprio corpo. A função de interiorização
permite também a passagem do ajustamento espontâneo, que ocorre na
primeira fase, a um ajustamento controlado que, propicia um maior domínio
do corpo e, conseqüentemente, uma maior dissociação dos movimentos
voluntários, aperfeiçoando e refinando seus movimentos, adquirindo uma
melhor coordenação. Ela percebe as tomadas de posições e associa seu
corpo aos objetos da vida quotidiana, chegando à “representação mental”
dos elementos do espaço. Ela descobre a dominância e com ela o seu eixo
368
corporal, passando a ver o seu “eu” como um ponto de referência para se
situar e situar os objetos em seu espaço e tempo, descobrindo formas e
dimensões. Este é o primeiro passo, para mais tarde, chegar à estruturação
espaço-temporal (Ibidem, 2001).
Neste momento a criança assimila conceitos como embaixo, acima,
direita, esquerda; adquirindo também noções temporais como a duração dos
intervalos de tempo, de ordem e sucessão, ou seja, o que vem antes,
depois, primeiro e último. Ao final desta fase o comportamento motor e o
nível intelectual pode ser caracterizado como pré-operatório, pois está
submetido à percepção num espaço em parte representado, mas ainda
centralizado sobre o próprio corpo (Ibidem, 2001).
A 3ª etapa, o corpo representado: Nesta etapa observa-se a
estruturação do esquema corporal, onde a criança já adquiriu as noções do
todo e das partes do seu corpo; conhece as posições e consegue
movimentar-se corretamente no meio ambiente com um controle e domínio
corporal maior, ampliando e organizando cada vez mais o seu esquema
corporal. No início desta fase a representação mental da imagem do corpo
consiste numa simples imagem reprodutora. É uma imagem de corpo
estática e é feita da associação estreita entre os dados visuais e
cinestésicos. A criança só dispõe de uma imagem mental do corpo em
movimento a partir dos dez, doze anos, significando que atingiu “uma
representação mental de uma sucessão motora”, com a introdução do fator
temporal. Sua imagem de corpo passa a ser “antecipatória”, e não mais
somente reprodutora, revelando um verdadeiro trabalho mental devido à
evolução das funções cognitivas correspondentes ao estágio preconizado
por Piaget de “operações concretas”, tornando-se capaz de organizar e de
combinar as diversas orientações, efetuando e programando mentalmente
suas ações em pensamento. Seus pontos de referência não estão mais
centrados no próprio corpo, mas são exteriores ao sujeito, podendo ele
mesmo criar os pontos de referência que irão orient-lo (Ibidem, 2001).
369
O esquema corporal de uma pessoa pode sofrer perturbações.
Existem algumas crianças que não têm consciência de seu próprio corpo,
apresentando deficiências quanto à coordenação, equilíbrio, percepção,
nominação das diferentes partes do corpo, dificuldades de locomoção, de
orientação espaço-temporal, entre outras; apresentando uma certa lentidão
que dificulta a realização de gestos harmoniosos simples, como abotoar uma
roupa, andar de bicicleta, jogar bola, por falta de domínio de seu corpo em
ação. Estas crianças, às vezes, conseguem realizar alguns movimentos,
mas, como não planejam seus gestos ao agir, desprendem tanto esforço
nessas ações, que logo acabam desestimulando-se (Ibidem, 2001).
Oliveira nos diz que, outro sintoma de esquema corporal mal
estabelecido pode ser visto quando a criança se confunde em relação às
diversas coordenadas de espaço, como em cima, embaixo, ao lado, linhas
horizontais, verticais; e também não adquire o sentido de direção devido a
confusões entre direita e esquerda. Pertubações no esquema corporal,
podem levar a uma impossibilidade de se adquirirem os esquemas
dinâmicos que correspondem ao hábito visomotor e também intervém na
leitura escrita, podendo até levar a uma séria dificuldade de contato com as
pessoas que a rodeiam e com o seu correspondente meio ambiente e, um
mau desenvolvimento da linguagem (Ibidem, 2001).
Santos teceu alguns comentários sobre a implicação da prática da
capoeira no esquema corporal. Segundo Santos:
“O esquema corporal tem forte relação com a prática
da capoeira, favorecendo às crianças que a praticam
um ponto de partida para diversas possibilidade de
atuação,
implicando
no
desenvolvimento
das
percepções do controle do próprio corpo, do equilíbrio
postural econômico de uma lateralidade bem definida,
da independência dos segmentos corporais, do
370
domínio das inibições e controle da respiração, entre
outros.
A Capoeira é uma forte atividade também para o
desenvolvimento
psicomotor
das
crianças
por
despertar nelas muitos interesses, tanto pelos cantos,
pelos instrumentos musicais, pelas músicas ou mesmo
pela expressividade dos seus movimentos corporais
que envolvem grandes e pequenos grupos musculares
e várias percepções. Portanto a capoeira desenvolve
as
funções
do
esquema
corporal
da
criança,
contribuindo para a composição geral do seu EU,
através dos objetivos de uma educação não formal”.
(SANTOS, 1990, p. 41).
Cunha nos diz que na capoeira os movimentos são realizados
utilizando todas as partes do corpo, os membros superiores são utilizados, a
cabeçada, os braços são uma forma de sustentação nos movimentos
acrobáticos e também de defesa, pois devem estar sempre posicionados de
modo a proteger o rosto. Membros inferiores são utilizados para a realização
dos movimentos como golpes, movimentação de chão, base de sustentação
para realização dos mais variados movimentos característicos da capoeira.
Membros superiores e inferiores encontram-se em perfeita harmonia no
jogar da capoeira, pois não podemos separar a função de cada um, ambos
encontram-se interligados e interagindo o próprio corpo com o outro com
quem está jogando capoeira (CUNHA, 2003).
De acordo com Cunha, é necessário que o educador de capoeira
auxilie seus alunos no sentido de fazê-los centrarem sua atenção sobre si
mesmos para um reconhecimento e interiorização do próprio corpo. A
interiorização é um fator muito importante para que a criança possa tomar
consciência de seu esquema corporal. Assim a criança volta-se para si
mesma, possibilitando uma automatização das primeiras aquisições motoras
através dos movimentos da capoeira (Ibidem, 2003).
371
Para Souza & Oliveira, concordando com Cunha neste sentido, na
prática da capoeira todas as partes do corpo são utilizadas, contribuindo
para o desenvolvimento do esquema corporal:
“É importante que a criança tenha um conhecimento
das partes do corpo e um esquema corporal bem
estruturado para que o seu desenvolvimento seja
completo. Na prática da capoeira, seja nas aulas ou na
roda,
os
movimentos
são
executados
usando
praticamente todas as partes do corpo. Alguns levam o
nome de segmentos do corpo ou formas de objetos,
como cotovelada, cabeçada, meia-lua, aú, esporão,
martelo e outros, que facilitam o desenvolvimento do
esquema corporal.” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p.
46).
Outra notória característica dos movimentos da capoeira são as
nomenclaturas ligadas à fauna, como macaco, beija-flor e outros, que podem
ajudar de maneira lúdica e criativa em um trabalho psicomotor através da
capoeira, ajudando a diferenciar, por método comparativo, a diferença das
partes do corpo destes animais e como eles se movimentam, citados na
nomenclatura de movimentos e golpes de capoeira, com as partes do corpo
da criança praticante de capoeira, desenvolvendo o esquema corporal.
O esquema corporal pode ser desenvolvido na capoeira devido a
grande
variedade
de
movimentos
e
experimentações
corporais
proporcionadas aos praticantes, trabalhando todos os segmentos corporais,
auxiliando o praticante a descobrir, através de um processo de
interiorização, o seu corpo e este, em relação ao meio ambiente, ajustando o
desenvolvimento de seu “eu”, à medida que a criança passa a comandar e
descobrir o seu corpo.
372
3.5.3 – Lateralidade
Segundo Nicola, a lateralidade é parte importante para toda a
formação do indivíduo, pelo aspecto motor. A lateralidade não se define
rapidamente na criança. A dualidade dos movimentos é perfeitamente
normal, sempre, mesmo depois de ter sido feita a escolha da lateralidade
predominante, pois as facilidades encontradas anteriormente não se
desaprendem e as dificuldades nos forçam a escolher mais rápido um meio
mais cômodo de adaptação ao uso da lateralidade (definição precoce). De
acordo com Nicola, a lateralidade participa em todos os níveis da vida da
criança, mas só se instalará definitiva e eficazmente à medida que a criança
tiver passado por todas as etapas do seu próprio desenvolvimento (NICOLA,
2004). Ainda a autora:
“- Destralidade verdadeira: dm cerebral está à
esquerda, portanto todas as realidades motrizes estão
à direita.
- Sinistralidade verdadeira: dm cerebral está à
direita, portanto todas as realizações motrizes são
determinadas à esquerda.
Pontos fundamentais na lateralização da criança:
- Dm lateral: a partir do momento em que os
movimentos se combinam e se organizam na intenção
de um lado predominante.
- Dm óculo-manual: geralmente é similar, serve
também para pé.” (Ibidem, 2004).
Alves nos diz que o termo “dominância” tende cada vez mais a ser
substituído por “hemisfério maio” porque se considera que o critério de
dominância implica o controle das funções de um hemisfério por outro.
Entretanto, segundo Alves, o termo continua sendo usado para referir-se ao
373
hemisfério cerebral esquerdo, que está comprometido com as funções da
linguagem na maioria dos seres humanos (ALVES, 2003).
Para Neto, o corpo humano está caracterizado pela presença de
partes anatômicas pares e globalmente simétricas. Essa simetria anatômica
se redobra, não obstante, por uma assimetria funcional no sentido de que
certas atividades só intervêm em uma das partes. A lateralidade é a
preferência da utilização de uma das partes simétricas do corpo: mão, olho,
ouvido, perna; a lateralização cortical é a especialidade de um dos dois
hemisférios quanto ao tratamento da informação sensorial ou quanto ao
controle de certas funções. De acordo com Neto, a lateralidade está em
funçãode um predomínio que outorga a um dos dois hemisférios a iniciativa
da organização do ato motor, o qual desembocará na aprendizagem e na
consolidação das praxias. Essa atitude funcional, que é suporte da
intencionalidade, se desenvolve de forma fundamental no momento da
atividade de investigação, ao longo da qual a criança vai deparar-se com seu
meio. A ação educativa fundamental para colocar a criança nas melhores
condições para aceder a uma lateralidade definida, respeitando fatores
genéticos e ambientais, é a que lhe permita organizar suas atividades
motoras (NETO, 2002).
Segundo Fonseca, muitas diferenças entre a motricidade animal e a
motricidade humana, psicomotricidade, emergem do papel da lateralização
na organização e na hierarquização funcional dos dois hemisférios cerebrais.
A lateralização como o resultado da integração bilateral postural do corpo é
peculiar no ser humano e está implicitamente relacionada com a evolução e
utilização dos instrumentos, motricidade instrumental-psicomotricidade, isto
é, com integrações sensoriais complexas e com aquisições motoras
unilaterais muito especvializadas, dinâmicas e de origem social. De acordo
com Fonseca, a lateralização traduz a capacidade de integração sensóriomotora dos dois lados do corpo, transformando-se numa espécie de radar
endopsíquico de relação e de orientação com e no mundo exterior. Em
termos de motricidade, retrata uma competência operacional, que preside a
374
todas
as
formas
de
orientação
do
indivíduo.
Compreende
uma
conscientização integrada da experiência sensorial e motora, um mecanismo
de orientação intracorporal, proprioceptiva, e extracorporal, exteroceptiva.
Vários componentes integram a lateralização: motora, sensorial, perceptiva,
conceitual, simbólica, social, etc (FONSECA, 1995). A lateralização como
função
complexa
subentende
diferentes
níveis
de
complexidade:
identificação das partes do corpo, identificação dupla homolateral,
identificação dupla contralateral, identificação de partes do corpo no outro e
identificação de partes do corpo no outro e no próprio (BENTON apud
FONSECA, 1995).
De acordo com Oliveira, a lateralidade é a propensão que o ser
humano possui de utilizar preferencialmente mais um lado do corpo do que o
outro em três níveis: olho, mão e pé, existindo um predomínio motor, uma
dominância de um dos lados. O lado dominante apresenta maior força
muscular, mais precisão e mais rapidez. É ele que inicia e executa a ação
principal, sendo que, o outro lado o auxilia nesta ação e é igualmente
importante. Os dois lados não funcionam isoladamente, mas de forma
complementar (OLIVEIRA, 2001).
Um bom exemplo de dominância dos membros superiores é a
utilização dos instrumentos musicais da capoeira. Quando tocamos um
berimbau o membro dominante executa os movimentos da vareta e caxixi ao
qual segura e, o outro segura o berimbau e o dobrão. Ao tocar um agogô ou
um reco-reco, o membro dominante é o que segura as peças responsáveis
para o toque destes instrumentos, enquanto o não-dominante segura os
referidos instrumentos. O membro dominante é o que executa as batidas
com a mão no pandeiro, enquanto o outro o segura, mas mesmo assim, há
recursos musicais, como a utilização de partes do corpo na batida do
pandeiro, nas quais o membro não-dominante atua com precisão. Quando
se toca o atabaque, apesar da mão do membro dominante ter uma maior
participação, o outro tem uma fundamental participação no aspecto auxiliar
nos toques. Quando pedimos a uma criança para tocar um destes
375
instrumentos citados, podemos, observando, perceber seu lado dominante
dos membros superiores.
Podemos observar a dominância dos membros inferiores, quando
pedimos à criança para gingar e verificamos qual o membro que ela utilizou
para executar o primeiro movimento, ao qual teve mais facilidade, mais
precisão, mais força, equilíbrio e rapidez, fazendo a primeira base. Este seria
o membro dominante, mas é preciso verificar por mais vezes esta
constatação, pois, pode ocorrer de a criança, inicialmente, não utilizar o
membro dominante, principalmente, se ela executar o movimento por
imitando o mestre ou a um colega. Também podemos observar a
dominância dos membros inferiores de uma criança, quando pedimos para
ela executar um golpe de linha da capoeira, como uma benção, por exemplo.
É importante que o modo como pedimos não interfira neste processo. Um
meio eficaz de proceder este modo é pedir à criança que “empurre” a parede
com uma benção, demostrando com as duas pernas e oferecendo a ela
estas duas opções.
A dominância ocular é utilizada na mira, ao mirar para utilizar uma
atiradeira ou atirar com uma arma de fogo, utilizamos o olho dominante,
chamado de olho mestre. Oliveira nos diz que a dominância ocular pode ser
percebida quando perfuramos um cartão e pedimos para a criança observar
um objeto qualquer à sua frente através do buraco, quando pedimos que
olhe por um caleidoscópio ou um buraco de fechadura, contudo, Oliveira
menciona que é preciso tomar muito cuidado ao afirmarmos qual é a
dominância ocular, pois, às vezes, um problema na vista pode mascarar
essa percepção (OLIVEIRA, 2001).
Oliveira menciona ainda que os dentistas afirmam que se pode ver,
também, a lateralidade do indivíduo pela observação de seus dentes, pela
mastigação. O lado dominante fica mais gasto. Mas Oliveira, afirma que para
leigos no assunto, é muito difícil constatar essa dominância (Ibidem, 2001).
376
Guillarme apud Oliveira, introduz o conceito de “prevalência” e faz
uma distinção entre este termo, que para ele significa a freqüência de
utilização de um lado, com suas implicação psicológicas e sociais, e o termo
“domínância”, com implicações orgânicas e significando a relação existente
entre esta utilização preferencial e o predomínio de um hemisfério cerebral
(GUILLARME apud OLIVEIRA, 2001).
Segundo Oliveira, se uma pessoa tiver a mesma dominância nos três
níveis, mão, olho e pé, do lado direito, diremos que é “destra homogênea”; e
“canhota ou sinistra homogênea”, se for o lado esquerdo. Se ela possuir
dominância espontânea nos dois lados do corpo, isto é, executar os mesmos
movimentos tanto com um lado como o outro , o que não é muito comum, é
chamado de “ambidestra”. Dizemos que a pessoa tem “lateralidade
cruzada”, quando usa, por exemplo, a mão direira, o olho e o pé esquerdos
ou qualquer outra combinação. Desta maneira, a pessoa pode apresentar
“destralidade contrariada”, um destro usando a mão esquerda, e
“sinistralidade contrariada”, um sinistro usando a mão direita (OLIVEIRA,
2001).
De acordo com Oliveira, são diversos os motivos que ocasionam um
desvio da lateralidade. Por exemplo: um acidente que provoque uma
amputação ou uma paralisia no lado dominante faz com que a pessoa passe
a usar o outro lado. É chamado de “falsa sinistralidade” ou “falsa
destralidade”, conforme o caso (Ibidem, 2001).
Segundo Oliveira, o assunto de lateralidade, desvio de esolha de
mão, mudança de prevalência remete-nos a um outro que tem causado
muita polêmica entre os diversos pesquisadores do assunto. É o prolblema
das teorias e hipóteses que explicam o porquê da preferência, pelo
indivíduo, de um lado do corpo em relação ao outro (Ibidem, 2001).
Há várias hipóteses sobre a prevalência manual, uma delas é a visão
histórica, de que foi na idade do bronze onde começou a surgir uma
377
prevalência pelo lado direito, sendo isto explicado pelo fato de que os
camponeses tiveram que se adaptar a ferramentas que não eram mais feitas
por eles, mas por pessoas específicas. Outra explicação sobre a supremacia
da destralidade aponta para as técnicas guerreiras, pelas quais se
ensinavam os homens a pegar a espada ou lança com a mão direita
enquanto a esquerda protegia o coração com o escudo. Também há alguns
anos, a concepção religiosa e moral associava o lado direita à verdade,
bondade, coisas boas, sacras, preciosas: e o lado esquerdo, ou sinistro, ao
profano, ruim, caráter mal formado. Vale ressaltar que o termo “sinistro” vem
do latim “sinistrum”, cujo significado é anormal, funesto, terrível; sentido este,
ainda hoje, muitas vezes empregado. Oliveira menciona que há outras
explicações que tentam mostrar a preferência pela destralidade, mas,
apenas, com valor histórico (Ibidem, 2001).
Umas das hipóteses sobre a prevalência manual, que tenta esclarecela com fundamentação científica é a da Hereditariedade. Esta teoria, que
tenta explicar a preferência lateral pela transmissão hereditária, não foi
comprovada. Oliveira nos diz que para muitos pesquisadores como
Ajuriaguerra e Guillarme, o fator hereditário não deve ser rejeitado, mas
também não se pode considerá-lo como desempenhando um papel único.
Outros fatores são necessários para explicar o desenvolvimento da
lateralidade (Ibidem, 2001).
Outra hipótese é a da dominância cerebral. Existe uma dominância
em um dos lados do cérebro, e que funciona de forma cruzada. Isto quer
dizer que, no destro, encontramos uma dominância do córtex cerebral
esquerdo; e canhoto, o hemisfério cerebral direito controla e coordena as
atividades do lado esquerdo (Ibidem, 2001). Existiria, portanto, uma
correlação entre a preferência lateral e domínio hemisférico, mas Brandão
apud Oliveira nos alerta sobre o cuidado que devemos ter com esta
afirmação, pois nas funções simbólicas, abstratas, intelectivas, não existe
esta relação. Brandão cita ainda outra hipótese que é a “organização
estrutural adquirida do cérebro”. Segundo esta teoria, a posição do embrião
378
no útero pode provocar uma diferença na irrigação sanguínea, o que
favoreceria mais um hemisfério do que outro (BRANDÃO apud OLIVEIRA,
2001).
Uma última vertente de hipóteses seria a da Influência do meio psicosocial-afetivo e educacional. Segundo esta hipótese, a preferência por uma
determinada lateralidade se dá através do aprendizado. Aprendemos a
escrever com a mão direita ou esquerda, de acordo com o nosso meio, seja
por imposição, por imitação, por questão afetiva, etc. De acordo com este
raciocínio, então, não deveria haver problema algum oriundo da escolha da
mão preferencial, o que não se verifica (OLIVEIRA, 2001).
Contudo, “nenhuma dessas teorias sozinhas são suficientes para
explicar o fenômeno da lateralização. Ela é o resultado da associação de
diversos fatores, posição esta, com a qual também concordamos” (Ibidem,
2001, p. 67).
Até um ano de idade não é verificada nehuma preferência pelo uso de
uma das mãos e só a partir daí uma se torna mais hábil, apresenta mais
facilidade e começa a dominar mais. Contudo, apesar da lateralidade
começar a se evidenciar neste período, só poderemos falar em dominância
entre os cinco e sete anos de idade (Ibidem, 2001).
Oliveira concorda com Brandão, quando este diz que, a lateralidade
deve surgir naturalmente, da própria criança, e não ser imposta. “Deve surgir
dela mesma, graças à imagem proprioceptiva que ela tem de seu corpo e às
suas preferências naturais pelo uso de uma das mãos.” (BRANDÃO apud
OLIVEIRA, 2001, p. 69).
Para Oliveira, a criança precisa experienciar os dois lados sem
interferências. Ela precisa se descobrir. Os pais têm que ter muito cuidado
para não direcioná-la, como por exemplo: não dar a colher na mão direita da
379
criança, esim, proceder corretamente, deixando a colher ao centro para que
a criança pegue com a mão que desejar (OLIVEIRA, 2001).
Oliveira comenta que a proporção de destros é, sem dúvida, muito
maior do que a de canhotos, existindo diversos autores que comprovam isto.
O meio ambiente em que vivemos foi feito para o destro, desde os objetos
mais simples como, tesoura, régua, cartas de baralho, algumas carteiras de
sala em aula, até a nossa escrita, que é realizada da esquerda para a direita
e de cima para baixo, favorecendo o destro (Ibidem, 2001).
As dificuldades encontradas pelos canhotos neste meio ambiente
propício ao destro, a pressão exercida por este meio e, mais as dificuldades
afetivas advindas destes problemas, pode fazer com que muitos canhotos se
vêem como diferentes, como anormais, acabando por contrariar sua
lateralidade. O que ocorre também, quando imitam pessoas com lateralidade
diferenteda sua, e com a qual possuem grande identificação, ou quando
imitam os gestos de seus pais, por exemplo (Ibidem, 2001).
Oliveira pensa que, na realidade, o canhoto homogêneo ou puro tem
as mesmas possibilidades que o destro puro, bastando para isto que se
programe, organize a si mesmo e a sua escrita na orientação correta. Ele
pode ser tão rápido e executar as mesmas tarefas com a mesma precisão
do destro (Ibidem, 2001).
Neto discorda desta visão, descrita anteriormente, quando diz que o
mundo não foi projetado mais para os destros do que para os sinistros, e os
objetos e as outras utilidades não são assimétricos para que sejam
inutilizados pelos sinistros. Segundo este autor, nos países em que a
condução do automóvel se faz pela esquerda, com o volante à direita, as
marchas são executadas com a mão esquerda, e os destros se acomodam a
isso muito bem. A escrita, que podia representar um ponto culminante de
uma simetria, não constitui um argumento decisivo na dialética sinistrodestro: nas culturas árabes e hebraicas escreve-se da direita para a
380
esquerda, e o percentual de destros é tão elevado como é nas culturas em
que a escrita se faz da esquerda à direita. Até a Idade Média, de outra parte,
havia tantos sistemas de escrita em um sentido como no outro – os
chineses, por sua vez, escrevem de cima para baixo. Entre os diferentes
estudos realizados pelos antropólogos sobre os povos que vivem nos
lugares mais inacessíveis do planeta, nenhum menciona a existência de um
predomínio destro. Em geral, nesses ambientes, é considerado o domínio
motor lateral das mãos. A mão não é somente um órgão efetor, mas
prioritariamente por uma das mãos, mas estão repartidas entre ambas as
mãos (NETO, 2002).
Para Oliveira a “ambidestria” é outro fator que tem merecido vários
estudos. Algumas atividades como a dança e a educação física têm
incentivado bastante o domínio dos dois lados (OLIVEIRA, 2001). Brandão
apud Oliveira afirma que a ambidestria não pode ser tolerada, pois prejudica
o desenvolvimento da criança e acarreta várias conseqüências como a
diminuição da habilidade e velocidade manuais, aparecimento de sincesias
de imitação, influência no desenvolvimento das funções intelectivas, no
ajustamento emocional e afetivo da criança, um atraso inicial da linguagem e
alterações da escrita (BRADÃO apud OLIVEIRA, 2001).
Concordamos com Brandão, em que a criança precisa de uma
especialização, uma dominância, entre a mão esquerda e a direita, para se
tornar mais hábil e veloz neste sentido. Mas isto não quer dizer que a dança
e a educação física, como mencionado por Oliveira, ao trabalhar os dois
lados da criança, provoque uma ambidestria. Na verdade quando se trabalha
estes dois lados nestas atividades, combate-se uma prevalência prejudicial
ao corpo. Ao se constatar um quadro de ambidestria, deve-se propiciar
meios para desenvolver a predominância lateral.
Segundo Oliveira, em certas pertubações da lateralização, o problema
reside quando uma pessoa apresenta uma lateralidade cruzada ou é mal
lateralizada, o que pode resultar em muitos efeitos negativos tais como:
381
dificuldade em aprender a direção gráfica; dificuldade em aprender os
conceitos esquerda e direita, geralmente interiorizado por volta dos seis
anos de idade, que é diferente e sucedida, após a criança perceber o seu
eixo corporal, do conceito de dominância lateral; comprometimento na leitura
escrita; má postura; dificuldade de coordenação fina; dificuldade de
discriminação visual; perturbações afetivas; distúrbios da linguagem e do
sono; dificuldades de estruturação espacial, pois esta faz parte integrante da
lateralização, que é a base da estruturação espacial; aparecimento de maior
número de sincinesias, que é o comprometimento de alguns músculos que
participam e se movem, sem necessidade, durante a execução de outros
movimentos envolvidos em determinada ação, sendo involuntária e
geralmente inconsciente e, relacionada com o estado de fundo tônico,
podendo distinguir-se em sincinesias de imitação e sincinesias axiais
(OLIVEIRA, 2001).
Abordando a capoeira e a lateralidade, Souza & Oliveira nos dizem
que:
“A lateralidade deve ser trabalhada na prática da
capoeira sem prevalência de lados. Os movimentos
devem ser executados para ambos os lados. Os
praticantes não só reconhecem os dois lados, como
também aprendem a usá-los de forma individual e
independente, descobrindo naturalmente que um pode
ou não sobrepor ao outro.” (SOUZA & OLIVEIRA,
2001, p. 46).
Para
Cunha,
nas
aulas
de
capoeira,
os
movimentos
são
constantemente executados usando os lados esquerdo e direito. No trabalho
de capoeira com crianças a lateralidade é descoberta pelo aluno na medida
em que aprendem a usá-las individualmente, descobrindo de modo natural
que um lado domina o outro. È importante que nos movimentos
382
concretizados a tentativa de ação seja realizada para ambos os lados,
diminuindo assim esta difereça da performance dos lados (CUNHA, 2003).
Já de acordo com Brito apud Souza & Oliveira:
“O bom capoeirista é aquele que diminui as diferenças
de habilidade entre os lados destro e sinistro. É aquele
que, através da surpresa, criatividade e domínio do
corpo engana seu oponente com golpes variando os
lados ou combinando-os para dificultar as defesas de
seu oponente e facilitar as suas (BRITO, [199-] , P. 9).”
(BRITO apud SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 46).
Observado este comentário, logo podemos pensar que, a lateralidade
não só é importante para desferir os golpes, mas para também se defender
satisfatoriamente. Muitos praticantes iniciantes na capoeira, numa ingênua
vontade de dominar rapidamente alguns golpes, na tentativa de um rápido
aprendizado, tendem a repetir mais vezes estes golpes com um membro
escolhido, geralmente o do lado dominante. Tal procedimento deve ser
observado e corrigido o quanto antes pelo profissional responsável, afim de
não gerar seqüelas e vícios gestuais e posturais, que possam comprometer
o aluno. Quanto a isto, Bechara nos diz:
“Como todo esporte, a capoeira requer certas
atenções
de
seus
praticantes,
que
devem ser
constantemente observados, entre elas estão: a
predominância da lateralidade e a compensação da
coluna lombar. Ou seja, um aluno que só efetua
movimentos em uma mesma direção, ou só usa um
dos lados do corpo nos seus movimentos, tende a
fortalecer mais a musculatura desse lado usado: por
isso a bilateralidade é de suma importância, para que
não
acarrete
qualquer
deformidade
na
coluna
383
vertebral. E, o outro fato a ser observado é que o
movimento de “ginga” sobrecarrega em muito a coluna
lombar, e por isso durante uma aula deve-se incluir
exercícios abdominais, funcionando como exercícios
compensatórios”. (BECHARA, 1985a).
A capoeira pode ajudar a criança no desenvolvimento de sua
lateralidade, sem utilizar de um direcionamento, e na absorção do conceito
esquerda-direita, na execução de movimentos em que a criança vá
conquistando gradativamente um conceito espacial. Um bom exercício neste
sentido é pedir à criança que faça um aú, movimento parecido com uma
estrela, em direção à uma referência ao seu lado, que pode ser uma parede,
uma porta, depois para o outro utilizando outra referência, após algumas
vezes, aos poucos, o conceito esquerda-direita, vai sendo inserido, quando
pedimos para fazer o aú para àquele mesmo ponto de referência, ao qual já
o norteamos com a definição lateral de esquerda ou direita, como a porta
que fica à esquerda ou à janela que está à direita.
3.5.4 - Estruturação espacial
Segundo Tasset (apud DE MEUR & STAES, 1991, p. 13), a
estruturação espacial é “a orientação, a estruturação do mundo exterior
referindo-se primeiro ao eu referencial, depois a outros objetos ou pessoas
em posição estática ou em movimento”. Para Poppovic, orientar-se no
espaço é:
“ver-se e ver as coisas no espaço em relação a si
próprio, é dirigir-se, é avaliar os movimentos e adaptálos ao espaço. È, principalmente, estabilizar o espaço
vivido
e
desta
forma
poder
situar-se
e
agir
correspondentemente.” (POPPOVIC apud ALVES,
2003, p. 69).
384
Alves nos diz que nos situamos através do espaço e das relações
espaciais para vivermos no meio estabelecendo relações entre as coisas,
fazendo
observações,
comparando-as,
combinando-as,
vendo
as
semelhanças e diferenças entre elas. Nesta comparação entre os objetos,
constatamos as características comuns a eles, e as não comuns também.
Segundo Alves, primeiro a criança percebe a posição de seu próprio corpo
no espaço. Depois a posição dos objetos em relação a si mesma e, por fim,
aprende a notar as relações das posições dos objetos entre si. Para a
criança assimilar os conceitos espaciais, precisa ter uma lateralidade bem
definida. A lateralização é a base da estruturação espacial e é através dela
que uma criança se orienta no mundo que a rodeia. As noções de orientação
direita-esquerda e laterais constituem as primeiras aquisições no domínio da
estruturação espacial, promovendo uma boa adaptação escolar no momento
do aprendizado da leitura e da escrita, que depende, em parte, da orientação
espaço-temporal (ALVES, 2003).
Para Le Boulch (apud ALVES, 2003), a representação do espaço e a
imagem corporal evoluem paralelamente e suas etapas de evolução são
correlativas. Segundo Giacomim (apud ALVES, 2003), a exploração do
espaço começa no momento em que a criança consegue os primeiros
movimentos voluntários e os vai ampliando com a aquisição do engatinhar,
da marcha e da verbalização. O espaço humano é todo orientado no sentido
esquerdo, direito, acima, abaixo, longe e perto. De acordo com Piaget (apud
ALVES, 2003), até os três anos de idade, o espaço da criança se orienta em
função das suas necessidades afetivas, que se caracterizam pelas relações
de proximidade com a mãe. É um espaço sem formas e dimensão. Alves diz
que a partir dos quatro anos, a criança é levada a tomar consciência das
referências espaciais, tomando como base o seu próprio corpo (ALVES,
2003).
De acordo com Alves, a criança começa a organizar as suas relações
espaciais de forma progressiva. Consegue reproduzir as formas geométricas
utilizando o grafismo, diferencia o longe perto, acima-abaixo e, assim,
385
associa uma série de referências espaciais. A criança tem necessidade de
um espaço para se mover. A partir da percepção do próprio corpo, é que
pode ser percebido o espaço exterior. Segundo Alves, este espaço exterior é
explorado, no início, por uma dupla em simultânea percepção: percepção
exteroceptiva – a visão de um objeto, se faz através de estímulos exteriores,
vem de fora para dentro; percepção proprioceptiva – os gestos que são
necessários para apanhá-lo, análise de dentro para fora (Ibidem, 2003).
Para Neto, a noção do espaço é ambivalente, pois, ao mesmo tempo,
é concreta e abstrata, finita e infinita. Ela envolve tanto o espaço do corpo,
diretamente acessível, como o espaço que nos rodeia, finito enquanto nos é
familiar, mas que se estende ao infinito, ao universo, e desvanece-se no
tempo. Neto indaga se a idéia do espaço está incluída em nossas
sensações, resulta de nossas experiências e aprendizagens ou constitui
uma intuição imediata? Ele diz que há de buscar a origem, talvez, nessas
três
direções
de
uma
só
vez.
O
espaço
físico
absoluto
existe
independentemente de seu conteúdo e de nós, enquanto o espaço
psicológico, associado à nossa atividade mental, revela-se, de modo direto,
em nosso nível de consciência. Na vida cotidiana, utilizamos constantemente
os dados sensoriais e perceptivos relativos ao espaço que nos rodeia. Esses
dados sensoriais contêm as informações sobre as relações entre os objetos
que ocupam o espaço; porèm, é nossa atividade perceptiva, baseada na
experiência do aprendizado, a que lhe dá um significado. A organização
espacial depende, ao mesmo tempo, da estrutura de nosso próprio corpo
(estrutura anatômica, biomecânica, fisiológica, etc.), da natureza do meio
que nos rodeia e de suas características. Adquirimos pouco a pouco a
atitude de avaliar nossa relação com o espaço que nos rodeia e de ter em
consideração as modificações dessa relação no curso dos deslocamentos
que condicionam nossa orientação espacial. A percepção que temos do
espaço que nos rodeia e das relações entre os elementos que compõem
evolui e modifica-se com a idade e com a experiência. Essas relações
chegam a ser, progressivamente, objetivas e independentes (NETO, 2002).
386
De acordo com Neto, todas as modalidades sensoriais participam em
certa medida na percepção espacial: a visão, a audição, o tato, a
propriocepção e o olfato. As informações recebidas não estão sempre em
acordo e implicam, inclusive, percepções contraditórias, em particular na
determinação da verticalidade. A orientação espacial designa nossa
habilidade para avaliar com precisão a relação física entre nosso corpo e o
ambiente,
e
para
efetuar
as
modificações
no
curso
de
nossos
deslocamentos. As primeiras experiências espaciais estão estreitamente
associadas ao funcionamento dos diferentes receptores sensoriais, sem os
quais a percepção subjetiva do espaço não poderia existir; a integração
contínua das informações recebidas compõem a sua estruturação e a sua
ação eficaz sobre o meio externo (Ibidem, 2002).
Segundo Neto, a evolução da noção espacial destaca a existência de
duas etapas: uma ligada à percepção imediata do ambiente, caracterizada
pelo espaço perceptivo ou sensório-motor; outra baseada nas operações
mentais que saem do espaço representativo e intelectual. Essa evolução
segue a do estabelecimento das relações objetivas em que a criança
dominada a princípio pelo seu egocentrismo se descentraliza de modo
gradual para examinar as relações com outro ponto de vista diferente do
seu. A partir das reações topológicas, a criança elabora pouco a pouco as
reações projetivas e euclidianas. Essa evolução se aplica igualmente à
aquisição de uma dimensão da orientação (direita e esquerda). Assim, se
estabelece de forma progressiva com a evolução mental da criança a
aquisição e a conservação das noções de distância, superfície, volume,
perspectivas e coordenadas que determinam suas possibilidades de
orientação e de estruturação do espaço em que vive (Ibidem, 2002).
A estruturação espacial, segundo De Meur & Staes, é:
“- a tomada de consciência da situação de seu próprio
corpo em um meio ambiente, isto é, do lugar e da
387
orientação que pode ter em relação às pessoas e
coisas;
- a tomada de consciência da situação das coisas
entre si;
- a possibilidade, para o sujeito, de organizar-se
perante o mundo que o cerca, de organizar as coisas
entre si, de colocá-las em um lugar, de movimentálas.” (DE MEUR & STAES, 1991, p. 13).
De acordo com De Meur & Staes, a todo instante, a criança encontrase em um espaço bem preciso onde lhe é solicitado:
“- que se situe (está sentada em uma cadeira, diante
de uma mesa etc.);
- que situe os objetos um em relação ao outro (a
vasilha de tinta encontra-se ao lado de sua folha, o
pincel está dentro da vasilha de tinta);
- que se organize em função do espaço de que dispõe
(espontaneamente a criança desenha um sol no canto
superior da folha, uma casa no meio e uma árvore à
direita da casa).” (Ibidem, 1991, p. 13).
Para De Meur & Staes, o esquema corporal é a tomada de
consciência,
pela
criança,
de
possibilidades
motoras
e
de
suas
possibilidades de agir e expressar-se. De acordo com estes autores, a
estruturação espacial é parte integrante de nossa vida, sendo difícil dissociar
os três elementos fundamentais da psicomotricidade: corpo – espaço –
tempo, e quando operamos com toda essa dissociação, limitando-nos a um
aspecto bem preciso e restrito da realidade. Entretanto, segundo De Meur &
Staes, a clareza obriga-nos a tratar desses aspectos separadamente, mas é
evidente que nossa abordagem sobre a criança deve considerar o conjunto.
Assim, quando desejamos que adquira uma noção espacial, não podemos
deixar de levar em conta suas possibilidades e conhecimentos corporais,
388
sua emotividade, diante do educador e das outras crianças, o tempo de que
dispõe, seu próprio ritmo. De acordo com De Meur & Staes, as etapas da
estruturação espacial são: conhecimento das noções, orientação espacial,
organização espacial e, compreensão das relações espaciais (Ibidem, 1991).
De acordo com Fonseca, a estruturação espacial é um conceito
desenvolvido no próprio cérebro atrvés de atividades neuro, tônico, sensório,
perceptivo e psicomotoras. A criança constrói a noção de espaço através da
interpretação de uma constelação de dados sensoriais que não têm relação
direta com o espaço. A capacidade para estruturar e organizar o espaço é
essencial para qualquer aprendizagem. Para este autor, “a noção do espaço
não é inata, ela resulta de uma construção onde o corpo assume o papel do
arquiteto” (FONSECA, 1995, p. 204).
Segundo Oliveira, a estruturação espacial é essencial para que
vivamos em sociedade. É através do espaço e das relações espaciais que
nos situamos no meio em que vivemos, em que estabelecemos relações
entre
as
coisas,
em
que
fazemos
observações,
comparamdo-as,
combinando-as, vendo as semelhanças e diferenças entre elas, sendo que,
nesta comparação entre os objetos constatamos as características comuns e
não comuns a eles. Através de um verdadeiro trabalho mental,
selecionamos, comparamos os diferentes objetos, extraímos, agrupamos,
classificamos seus fatores comuns e chegamos aos conceitos destes
objetos e categorizações (OLIVEIRA, 2001). “É esta formação de categorias
que leva à generalização e à abstração” (KEPHART apud OLIVEIRA, 2001,
p. 74).
A aritmética lida com o fenômeno do agrupamento e para isto é
necessário que tenha sido desenvolvida a noção espacial, visto que os
objetos só existem dentro de um espaço determinado. Para a ecrita, a
estruturação espacial também tem grande importância (OLIVEIRA, 2001).
389
A estruturação espacial é desenvolvida através da constante
reinterpretação do espaço e do meio ambiente, e a organização e
construção do conceito de espaço pelo cérebro, através das percepções e
sentidos, principalmente a visão.
Silveira Costa pensa que a capoeira afeta positivamente todos os
sentidos, como a audição, que desenvolvida através da música (SILVEIRA
COSTA, 1993, p. 82). Quanto à visão, este autor diz:
“a visão se aprefeiçoa em função do domínio do
espaço promovido pela prática do jogo, havendo,
inclusive uma tese de que a Capoeira desenvolve uma
ampliação
da
visão
periférica
11.
Ou
seja,
o
capoeirista consegue, se devidamente desenvolvido,
enxergar cada vez mais para além da visão do que
está na frente dos olhos, passando a perceber fora do
ângulo da visão frontal. Nesse sentido o capoeirista
poderia ver atrás de si mesmo! Naturalmente,
caricaturando essa seria a maior eficiência que
poderia ser atingida pela visão do capoeirista.
11 Innezil Penna Marinho, in A Ginástica Brasileira.”
(Ibidem, 1993, p. 82).
Então, de acordo com Silveira da Costa, podemos pensar que a
capoeira, por desenvolver a percepção visual e a visão periférica, tem um
grande potencial de desenvolver também a estruturação espacial.
A estruturação espacial não nasce com a pessoa. Ela é uma
elaboração e uma construção mental que se opera através de seus
movimentos em relação aos objetos que estão em seu meio (OLIVEIRA,
2001).
390
A exploração do espaço e do meio começa desde o nascimento e
aumenta gradualmente, conforme a criança vai conquistando o seu espaço,
também vai descobrindo e nomeando os objetos, com seu aumento e
melhora da capacidade de locomoção.
Segundo Santos, com liberdade de movimento, a criança explora
melhor o seu corpo, o seu espaço, o espaço dos outros, desenvolve sua
psicomotricidade, vivencia novas situações que a fazem amadurecer, e em
função de suas experiências, ela vai se firmando como pessoa. (SANTOS,
1990). De acordo com Freitas & Freitas:
“A psicomotricidade tem entre os seus princípios
fundamentais a relevância que é dada ao processo de
maturação
e
ás
experiências
do
meio,
como
estimuladores de uma maturação flutuante e ativa,
sendo que o desenvolvimento é atribuído á troca
realizada
entre
as
estruturas
orgânicas
em
crescimento e o meio envolvente. Tudo isso é baseado
em conhecimentos neurofisiológicos e na convicção da
ligação estreita do desenvolvimento psicomotor com o
desenvolvimento mental e com a socialização (LE
BOULCH, 1983).” (FREITAS & FREITAS, 2002, p. 12).
De acordo com Oliveira, para que uma criança perceba a posição dos
objetos no espaço, precisa, primeiramente, ter uma boa “imagem corporal”,
pois usa seu corpo como ponto de referência. Para a criança assimilar os
conceitos espaciais precisa, também, ter uma “lateralidade” bem definida, o
que só ocorre por volta dos seis anos de idade. A criança torna-se capaz de
diferenciar os dois lados de seu eixo corporal e consegue verbalizar este
conhecimento, sem o que fica difícil distinguir as diferentes posições que os
objetos ocupam no espaço, sendo que, através da experimentação pessoal,
os conceitos de direita e esquerda irão passar a ter um sentido e um valor
para ela, que ao assimilá-los, estará preparada para perceber, compara e
391
assimilar os conceitos relacionados com outras posições como à frente,
atrás, acima, abaixo, onde a verbalização é fundamental para vivenciar
melhor o domínio das noções de orientação (OLIVEIRA, 2001).
Deste modo, a criança aprende as noções de “situações”, através de
conceitos como dentro, fora, no alto, abaixo, longe, perto; de “tamanho”,
através dos conceitos de grosso, fino, grande, médio, pequeno, estreito,
largo; de “posição”, por meio das noções de em pé, deitado, sentado,
ajoelhado, agachado, inclinado; de “movimento”, através dos conceitos de
levantar, abaixar, empurrar, puxar, dobrar, estender, girar, rolar, cair,
levantar-se, subir, descer; de “formas”, conceitos de círculos, quadrado,
triângulo, retângulo; de “qualidade”, conceitos de cheio, vazio, pouco, muito,
inteiro, metade; de “superfícies e de volumes”. Aprendendo estes conceitos,
a criança atinge a etapa da “orientação espacial” (Ibidem, 2001).
Se o conceito de esquerda e direita pode sofrer uma ambigüidade de
interpretação por parte da criança, já o conceito cujo os pontos de referência
são do tipo alto/baixo são absolutos, pois acima sempre se subentende o
teto, e embaixo o solo. Os conceitos direita/esquerda e adiante/ atrás
dependem, para muitas crianças, da posição de seu corpo no espaço. Uma
pessoa que já possua uma orientação espacial bem definida dará a ela
mesma as coordenadas para que saibamos quais são seus pontos de
referência (Ibidem, 2001).
Segundo Oliveira, depois que o indivíduo aprende a orientar os
objetos ele passa a “organizá-los”, a combinar as diversas orientações, não
tomando mais o seu próprio corpo como ponto de referência, mas eescolhe
ele mesmo outros pontos de referência, e os colocará segundo diversas
orientações, chegando, então, às noções de distância, de direção; passando
a prever, antecipar e transpor. Após a conquista das diferentes direções pelo
indivíduo, a transposição sobre o outro e sobre os objetos é possível. Ele
também desenvolve a “memória espacial”, o que lhe possibilita descobrir os
objetos que estão faltando em determinado lugar e reproduzir um desenho
392
previamente observado, com a memória espacial bem desenvolvida, o
indivíduo não “se esquecerá” dos símbolos gráficos e nem das direções a
seguir (Ibidem, 2001).
A partir desta organização espacial a criança chega, desenvolvendo
através do raciocínio, à compreensão das “relações espaciais”, tão
importante para que se situe e se movimente em seu meio ambiente. De
acordo com Oliveira, estas relações espaciais são obtidas graças a uma
estrutura de espaço, sem a qual não conseguiríamos manter relações
estáveis entre os objetos que não estão ao nosso redor (Ibidem, 2001).
Para Oliveira, é necessário que a criança tenha condições de
questionar seu meio, que experiencie as situações de seu corpo em relação
ao espaço e que realize um trabalho mental que lhe permitirá organizar-se,
organizar e representar seu espaço. A orientação e a estruturação espaciais
são importantes porque possibilitam à criança organizar-se perante o mundo
que a cerca, prevendo e antecipando situações em seu meio espacial
(Ibidem, 2001).
Oliveira menciona dificuldades que podem advir de uma má
integração da orientação espacial, podendo ser diversos os motivos que
impedem ou retardam o pleno desenvolvimento na estruturação espacial da
criança, como por exemplo: limitação de seu desenvolvimento mental e
psicomotor; crianças tolhidas em suas experiências corporais e espaciais e
que não têm oportunidades de manipular os objetos ao seu redor; as que
não desenvolveram a noção de esquema corporal, acarretando prejuízo na
função de interiorização; as que não consegiram ainda estabelecer a
dominância lateral e nem assimilaram as noções de direita e esquerda
através
da
internalização
de
seu
eixo
corporal;
dificuldades
de
representação mental das diversas noções; e ainda de acordo com Le
Boulch apud Oliveira, “insuficiência ou déficit da função simbólica. A criança
é incapaz de associar termos abstratos como direita e esquerda, puramente
393
convencionais, ao que sente ao nível proprioceptivo” (LE BOULCH apud
OLIVEIRA, 2001, p. 83).
De acordo com Oliveira, as causas não se encerram nestas
apresentadas e as conseqüências são às vezes desastrosas nas
aprendizagens escolares e no próprio dia a dia, pois: muitas crianças não
conseguem assimilar os termos espaciais confundem-se quando se exige
uma noção de lugar, de orientação; às vezes, conhecem os termos espaciais
mas não percebem as posições, sendo que, esta dificuldade coloca em risco
sua própria aprendizagem, pois não discriminão as direções de letras, como
“b” e “d”, por exemplo; crianças que, embora percebam o espaço que as
circundam, não têm memória espacial, podendo “esquecer” ou confundir os
significados dos símbolos representados pelas letras gráficas; se chocar ou
esbarrar nos objetos significa falta de organização espacial, fator muito
encontrado até em adultos, como também, não conseguir prever a trajetória
de uma bola ou objeto quando é atirado em determinado alvo, ou ainda, não
conseguir ordenar ou organizar objetos pessoais dentro de um armário ou de
uma gaveta; dificuldade em reversibilidade e transposição, geralmente
conseguida a partir de oito anos de idade, o que possibilita, pouco a pouco,
a compreensão de igualdades, como em operações de contas de somar;
dificuldades para compreender relações espaciais, que fazem parte da
lógica matemática, a criança não percebe o que muda de uma figura para
outra nas representações espaciais, não percebendo as relações como a
simetria, inversão, transposição, elementos adicionados e subtraídos, não
conseguindo realizar desde progressões mais simples como tamanho,
quantidade, ritmos e cores, como progressões mais complexas, como a
variação de dois ou mais elementos numa ordem de sucessão e
simultaneidade, ou mesmo compreensão das relações existentes entre as
diversas orientações juntas (Ibidem, 2001).
Para Santos, relacionando a capoeira à percepção espacial, ele diz
que, a percepção da dimensão relacional a tudo aquilo que nos cerca,
refere-se à “percepção espacial”, indiscutivelmente presente no jogo da
394
capoeira, pois as crianças ao praticá-la estarão limitadas por um círculo e
um parceiro, os quais estão constantemente relacionados com o jogo
propriamente dito (SANTOS, 1990).
A percepção espacial é explorada e desenvolvida na capoeira, até
porque, ela é extremamente necessária para a sua prática. Se o praticante
não possuir esta percepção desenvolvida junto com sua estruturação
espacial, provavelmente, terá dificuldades na prática da capoeira, em seu
jogo e treinamento. Contudo, acreditamos que a prática da capoeira pode
diminuir muito as deficiências neste sentido, devendo para isto acontecer
plenamente, o mestre de capoeira avaliar e conhecer as dificuldades e os
meios para transpor estas e desenvolver tais capacidades.
De acordo com Santos, a capoeira como atividade psicomotora está
diretamente relacionada com os aspectos histórico-sócio-culturais; as
emoções, sentimentos e percepções, fazendo com que quem a pratica
perceba todas as coisas no seu meio e no meio dos outros (SANTOS, 1990).
Perceber as “coisas” no seu meio, perceber o meio, é fator
fundamental para o desenvolvimento da estruturação espacial. A capoeira,
neste sentido, tem este potencial. Portanto, o mestre de capoeira deve saber
aproveitar e utilizar adequadamente tais potencialidades, valendo-se
também de uma boa dose de criatividade para poder até criar e recriar um
meio propício.
Neste sentido, podemos citar Santos, quando este diz que:
“O desenvolvimento da evolução psicomotora na
criança através da prática da capoeira, só será
possível, a partir do momento em que o professor
levar em conta a maturação de sua aprendizagem,
suas condição internas e externas. O quando e como
a criança é capaz de realizar alguns movimentos de
395
capoeira estão relacionados, com o ambiente material,
social
e
emocional.
Estes
oferecem
grande
contribuição, por serem uma fonte de estímulos de
experiências
que
influem
no
desenvolvimento
adequado da criança” (SANTOS, 1990, p. 38 e 39).
De acordo com Cunha, a estruturação espaço-temporal utilizada na
capoeira acontece das mais variadas maneiras, a começar pelo espaço
onde é ministrada a aula, podendo ser em salas de formas retangulares,
quadradas, redondas, terrenos ao ar livre, entre outros. Os movimentos se
expressam em todos os planos e direções, e o jogo pode ser realizado
sempre o mais próximo entre os capoeiristas, para ocorrer a coerência dos
movimentos. Segundo Cunha, a capoeira promove a todo o jogador de
qualquer idade e condição física, uma rica estrutura espaço-temporal, pois
nesta arte a pessoa deve ter noção de espaço e de tempo para a realização
dos mais variados movimentos e improvisá-los de imediato de acordo com a
necessidade e o tipo de jogo que pode ser Angola, Benguela e/ou São Bento
Grande, entre outros em que se variam o ritmo e a característica de cada
jogo, de cordo com o comando do berimbau (CUNHA, 2003).
A capoeira pode proporcionar ao seu praticante, desde tenra idade, a
possibilidade do desenvolvimento da estrutura espacial, pois sua prática,
com a sua variedade de movimentos e utilização de objetos, como seus
instrumentos musicais, e a atividade em grupo, faz com esta modalidade
tenha um grande potencial para a exploração dos objetos e do meio
ambiente como um todo. O mestre de capoeira tem um papel importante,
quando ele serve como um ponto de referência para o desenvolvimento
desta estrutura, pois geralmente, o mestre é o centro das atenções, é de
onde parte as consignas, as ordens, os exercícios, etc., então, o mestre é
um ponto central de referência, até mesmo espacial.
A roda de capoeira e o local de treinamento devem ser aproveitados
pelo mestre para que o aluno possa explorar estes e desenvolver sua
396
estrutura espacial. Por exemplo: quando o praticante joga numa roda de
capoeira, em que o círculo é demasiadamente grande, pode-se “fechar” a
roda, diminuindo o diâmetro desta, a fim de, reduzindo o espaço do jogo, da
roda, o aluno possa jogar, sabendo aproveitar e explorar este espaço, e
assim, ampliar sua vivência espacial e corporal em espaços diferentes.
Espaços, lugares diferentes, com tipo de pisos, altura do pé direito, etc., são
interessantes para a vivência espacial da criança no treinamento da
capoeira.
Os exercícios da capoeira podem ser ministrados para as crianças, de
forma que a estrutura espacial seja desenvolvida. O mestre de capoeira
pode aproveitar os diferentes movimentos e gestos da arte-luta neste
sentido. Os conceitos esquerda/direita, frente/atrás, para cima/ para baixo,
podem ser amplamente trabalhados com movimentos da capoeira. Como,
por exemplo, nas seguintes direções de exercícios: “Esquive para a
esquerda!” ou “Bote a mão deste lado”, “Abaixe na cocorinha, pois o
pé(golpe) está passando!”, “Caindo para trás, na queda de quatro!”. São
muitas as possibilidades, bastando o mestre saber aproveitá-las e também,
principalmente, estar preparado e qualificado para saber como interagir com
crianças, pois elas estão em fase de pleno desenvolvimento de vários
aspectos e estruturas. Sabendo desenvolver estas, provavelmente serão
grandes capoiras, senão, ao menos, pessoas bem desenvolvidas.
O espaço sempre esteve presente como um fator importante para o
capoeira. No Rio de Janeiro Imperial cada malta de capoeira detinha um
espaço determinado, as freguesias, locais dominados pelas maltas, onde
uma outra rival não podia adentrar, sendo que, quando isto ocorria, havia
combates sangrentos em defesa de seu território. Dominar o seu território
significava ter seu espaço. O significado de ter seu espaço é de uma
simbologia importante para o ser humano, onde neste, ele é conhecido e as
outras pessoas o conhecem, é onde ele faz seus primeiros e principais
contatos para obter seu relacionamento com o mundo. Também é aonde ele
obtém segurança e é ocolhido, onde repousa e junto ao seu grupo é
397
compreendido e apoiado nos momentos em que precisa. Atualmente é
comum os capoeiras dizerem: “Visitei o espaço do mestre fulano!”. A
interpretação de espaço, neste contexto, significa mais que um simples local
de treino. Isto é percedido quando um capoeira diz que um mestre “tomou” o
espaço de outro. Hoje em dia, a disputa pelo mercado da capoeira é
transposta pela disputa de seus respectivos espaços.
No aprendizado da capoeira a questão do espaço está sempre
presente. Aprende-se a conhecer o espaço e os objetos que estão nele. Isto
é uma pré-estratégia de defesa pessoal. Quando o capoeira entra em um
espaço, seja um bar, restaurante, boate, etc., ele adota um comportamento
de cautela e prevenção. Não fica de costas e nem na entrada do
estabelecimento, no máximo, próximo à esta; observa todas as possíveis
saídas no caso de uma emergência de fuga; observa as pessoas, seus
comportamentos e características e respectivamente seus companheiros e
as posições de todos; nunca conversa muito próximo à uma pessoa, assim
como os capoeiras e malandros de antigamente, a proximidade só vale para
as mulheres e em determinados casos à sua vontade; também analisa os
objetos e móveis, que podem ser utilizados em caso de precisar numa briga;
extrapolando o espaço, o capoeira procura saber o meio mais rápido e
eficiente de escapar e se distanciar de um determinado local, como também,
os possíveis locais de esconderijo, que por ventura, possa precisar. Não é à
toa, que muitos mestres colocam a capoeira como uma arte-marcial, onde é
ensinada táticas e estratégias de guerrilha, de emboscadas e tantas outras.
No jogo de capoeira joga-se com o parceiro e não contra, procurando,
o mais próximo possível, neste diálogo de corpos, preencher os espaços
vazios ou desocupados ou que o outro jogadpr possa ocupar, numa
constante estratégia reelaborada. O espaço deve ser conquistado e doado
para o jogo acontecer e, inteligentemente, para o jogador obter sua
vantagem no jogo. A roda de capoeira é o espaço sagrado do capoeira e da
capoeira.
398
A orientação espacial, que a criança adquire quando se interage com
o meio, está intimamente ligada à orientação temporal, pois uma pessoa só
se movimenta em um espaço e tempo determinado, não podendo assim,
abordar um sem falar no outro. A estruturação temporal só ocorrerá
efetivamente com uma boa estruturação espacial.
3.5.5 - Estruturação temporal
“Orientar-se no tempo é avaliar o movimento no tempo, distinguir o
rápido do lento, o sucessivo do simultâneo. É saber situar os movimentos do
tempo, uns em relação aos outros.” (POPPOVIC apud ALVES, 2003, p. 74).
De acordo com Neto, percebemos o transcurso do tempo a partir das
mudanças que se produzem durante um período estabelecido e da sucessão
que transforma progressivamente o futuro em presente e, depois, em
passado. O tempo é, antes de tudo, memória. Segundo o autor, assim
aparecem os dois grandes componentes da organização temporal: a ordem
e a duração que o ritmo reúne. A primeira define a sucessão que existe entre
os acontecimentos que se produzem, uns sendo a continuação de outros,
em uma ordem física irreversível; a segunda permite a variação do intervalo
que separa dois pontos, ou seja, o princípio e o fim de um acontecimento. A
noção de duração resulta de uma elaboração ativa do ser humano de
informações sensoriais. A consciência do tempo se estrutura sobre as
mudanças percebidas, independente de ser sucessão ou duração, sua
retenção está vinculada à memória e à codificação da informação contida
nos acontecimentos. Os aspectos relacionados à percepção do tempo
evoluem e amadurecem com a idade. No tempo psicológico, organizamos a
ordem dos acontecimentos e estimamos a duração, construindo, assim,
nosso próprio tempo. A percepção da ordem nos leva a distinguir o
simultâneo do sucesivo, variando o umbral de acordo com os receptores
utilizados (NETO, 2002).
399
Segundo Alves, a estruturação temporal garantirá experiências de
localização dos acontecimentos passados e uma capacidade de projetar-se
para o futuro, fazendo planos e decidindo sobre sua vida. A estruturação
temporal insere o homem no tempo, onde ele nasce, cresce e morre, e sua
atividade é uma seqüência de mudanças condicionadas pelas atividades
diárias. Desde o nascimento, os ritmos corporais devem ajustar-se às
condições temporais impostas pelo ambiente, levando a uma organização de
ritmicidade na sintonização. Depois do nascimento, a repetição rítmica
reforça o movimento, acentua os tempos fortes e provoca uma euforia
mediante uma espécie de auto-satisfação de sentir, de forma harmoniosa, o
jogo das sensações proprioceptivas. A experiência rítmica vivida com seus
próprios movimentos ajusta-se aos dados do espaço e deve ser mantida
através do trabalho de percepção temporal (ALVES, 2003).
Para Fonseca, a estruturação temporal é mais elaborada em si que a
estruturação espacial, uma vez que transcende a estimulação sensorial
imediata. De acordo com este autor, é segundo essa variável fulcral que o
cérebro desenvolveu as suas memórias, com as quais responde ao presente
e ao futuro através das múltiplas combinações das experiências anteriores.
O cérebro elabora sistemas funcionais de acordo com a dimensão do tempo,
pois joga com as experiências anteriores, adapta-se às condições presentes
e prediz e antecipa o futuro. A estruturação temporal condiciona toda a
integração sensorial anterior, pois preside a todas as formas de análise de
estímulos, decodificando-os segundo uma ordem, sem a qual significação
não é atingida. A estruturação temporal de base intuitiva tende a
transformar-se num dispositivo operacional de enorme importância para as
funções
de
recepção,
associação,
armazenamento,
programação
e
expressão (FONSECA, 1995).
Não é possível conceber a idéia de espaço sem abordar a noção de
tempo. Eles são indissociáveis. “O espaço é um instantâneo tomado sobre o
curso do tempo e o tempo é o espaço em movimento.” (PIAGET apud
OLIVEIRA, 2001, p. 85). Jean Piaget ainda declara que:
400
“O tempo é a coordenação dos movimentos: quer se
trate dos deslocamentos físicos ou movimentos no
espaço, quer se trate destes movimentos internos que
são as ações simplesmente esboçadas, antecipadas
ou reconstituídas pela memória mas cujo desfecho e
objetivo final é também espacial...” (PIAGET apud
OLIVEIRA, 2001, p. 85).
De acordo com Oliveira, as noções de corpo, espaço e tempo têm que
estar intimamente ligadas se quisermos entender o movimento humano. O
corpo coordena-se, movimenta-se continuamente dentro de um espaço
determinado, em função do tempo, em relação a um sistema de referência,
sendo por esta razão, quando se refere à orientação espaço-temporal, de
forma integrada (OLIVEIRA, 2001).
Kephart apud Oliveira, discute dois tipos de tempo: estático e
dinâmico. Quando um autor de um romance histórico fixa como presente
uma seqüência de eventos em um determinado tempo na história, está
trabalhando o tempo estático. Todos os acontecimentos terão relação de
precedência e subseqüência com este presente estático e é este o final do
tempo histórico relatado por ele (Ibidem, 2001). Segundo Cunha, quando se
conta a história da capoeira, ocorre também este fato (CUNHA, 2003).
Segundo Oliveira, nós vivemos no tempo dinâmico, também chamado
de tempo experiencial, onde o “fluxo” do tempo perpassa pelas noções de
passado, presente e futuro. Este fluxo do tempo significa que os
acontecimentos do passado são conhecidos, os do futuro, desconhecidos ou
então podem ser previstos, e os do presente podem ser experimentados
diretamente. Este fluxo é contínuo no qual os acontecimentos do futuro
passam pelo presente e se tornam passado (OLIVEIRA, 2001). De acordo
com Oliveira, possuímos o que Defontaine chama de “um horizonte
temporal” (DEFONTAINE apud OLIVEIRA, 2001, p. 86).
401
Piaget apud Oliveira, afirma que em nossa noção de tempo nos
defrontamos com três situações: “o tempo está ligado à memória ou a um
processo causal complexo, ou a um movimento bem delimitado.” (PIAGET
apud Oliveira, 2001, p. 86).
De acordo com Oliveira, Piaget explica que, pela memória, existe uma
reconstituição do passado, uma narrativa, e esta faz apelo à “causalidade”
quando se relaciona um acontecimento ligado a outro anterior a ele. Quando
existem dois acontecimentos independentes entre si, e que são ligados
somente ao acaso, eles se tornam difíceis de rememorar, e uma das
soluções é conseguir um arranjo entre a ordem temporal destes
acontecimentos e a causalidade anterior a eles (OLIVEIRA, 2001). Para
captar o tempo, portanto, é preciso dirigir-se às operações de ordem causal,
que na opinião de Piaget:
“(...) estabelecem um liame de sucessão entre as
causas e os efetios pelo próprio fato de que os
segundos se explicam pelos primeiros. O tempo é,
pois, inerente à causalidade: ele está para as
operações explicativas como a ordem lógica o está
para as operações implicativas.” (PIAGET apud
Oliveira, 2001, p. 87).
Da mesma forma que os movimentos, a palavra escrita e a palavra
falada exigem uma forma ordenada e sucessiva, obedecendo um ritmo,
dentro de um tempo determinado, pedindo um número de atitudes ao nível
da percepção temporal.
Para Oliveira, uma pessoa deve ter a capacidade para lidar com os
conceitos de ontem, hoje e amanhã. Uma criança pequena não consegue
extrapolar suas ações para o passado ou o futuro. O seu presente é o que
está
vivenciando.
Segundo
Oliveira,
os
acontecimentos
passados
402
normalmente se encontram enevoados e entrelaçados com as noções de
presente. Ela não percebe as seqüências dos acontecimentos. È a
orientação temporal que lhe garantirá uma experiência de localização dos
acontecimentos passados, e uma capacidade de projetar-se para o futuro,
fazendo planos e decidindo sobre sua vida (OLIVEIRA, 2001).
Como diz Kephart apud Oliveira: A dimensão temporal “não só deve
auxiliar na localização de um acontecimento no tempo, como também
proporcionar a preservação das relações entre os fatos no tempo”
(KEPHART apud OLIVEIRA, 2001, p. 88).
De acordo com Oliveira, a palavra “tempo” é empregada para indicar
os momentos de mudança. O homem se insere no tempo. Ele nasce, cresce
e morre e sua atividade é uma seqüência de mudanças (OLIVEIRA, 2001).
O seu organismo vive em função de um certo “relógio interno”, como diz
Defontaine (DEFONTAINE apud OLIVEIRA, 2001, p. 88), condicionado
pelas suas atividades diárias, seus hábitos.
Segundo
Oliveira,
tanto
quanto
a
estruturação
espacial,
a
estruturação temporal também não é um conceito inato. Tem que ser
construído e exige um esforço, um trabalho mental da criança que ela só
conseguirá realizar quando tiver um desenvolvimento cognitivo mais
avançado. De início a criança vivencia seu corpo, tentando conseguir
harmonia em seus movimentos. Mas este corpo não existe isolado no
espaço e tempo e a criança vai, pouco a pouco, captando essas noções.
Esta etapa é caracterizada pela “aquisição dos elementos básicos”. Seus
gestos e seus elementos vão se ajustando ao tempo e ao espaços
exteriores. Após esta fase, vai assimilando também os conceitos que lhe
permitirão se movimentar livremente neste espaço-tempo, assimilando
noções de velocidade e duração próprias a seu dia a dia (OLIVEIRA, 2001).
Numa etapa posterior, ela passa a tomar “consciência das relações no
tempo”, como diz Oliveira. Irá trabalhar as noções e relações de ordem,
403
sucessão, duração e alternância entre objetos e ações. Irá perceber as
noções dos momentos de tempo, como por exemplo, o instante, o momento
exato, a simultaneidade e a sucessão. A partir desta fase ela começa a
“organizar e coordenar relações temporais”. Pela “representação mental” dos
momentos de tempo e suas relações, ela atinge uma maior “orientação
temporal” e adquire a capacidade de trabalhar ao nível simbólico. Ela terá,
então, maiores condições de realizar as associações e transposições
necessárias aos ensinamentos escolares, principalmente em relação à
leitura, à escrita e à matemática (Ibidem, 2001).
Oliveira nos diz que, os principais conceitos que as crianças devem
adquirir são: simultaneidade, ordem e seqüência, duração dos intervalos,
renovação cíclica de certos períodos e ritmo.
A simultaneidade é vivenciada inicialmente através do movimento, de
forma
motora.
Muitas
de
nossas
atividades
requerem
atividades
simultâneas. São movimentos que, para serem realizados, têm que aparecer
juntos (Ibidem, 2001). A simultaneidade requer, para sua realização, uma
boa coordenação motora, para sincronizar e seqüenciar os movimentos. A
simultaneidade pode ser percebida na ginga da capoeira, ao executar uma
negativa, etc., é necessária para a execução dos movimentos da capoeira e
a combinação seqüenciada destes.
Ordem e seqüência: Kephart apud Oliveira, denomina a seqüência
como a “disposição dos acontecimentos em uma escala temporal, de modo
que as relações de tempo e a ordem dos acontecimentos evidenciem-se.”
(KEPHART apud OLIVEIRA, 2001, p. 90). Oliveira nos diz que, para uma
criança conseguir colocar em ordem cronológica suas ações do dia a dia
precisa ter noção de antes e depois, da ordem em que seus gestos podem
ser realizados (OLIVEIRA, 2001). Como por exemplo: “Primeiro eu agacho
ao pé do berimbau, e depois eu saio para o jogo!”. Segundo Oliveira, uma
criança tem condições de perceber a ordem e a seqüência de
acontecimentos, mas só aos cinco anos adquire a noção de seqüência
404
lógica. Uma pessoa precisa adquirir a noção de escala temporal para
assimilar as noções de seqüência (Ibidem, 2001).
Duração dos intervalos: de acordo com Oliveira, os fenômenos que
acontecem no tempo apresentam uma certa duração, “tempo curto e tempo
longo”, e envolvem as noções de hora, minuto e segundo, isto é, o tempo
decorrido (Ibidem, 2001). Para De meur apud Oliveira, e também, Bucher
apud Oliveira, uma criança pequena vive o que chamam de “tempo
subjetivo”. Isto significa que o tempo é determinado pela sua própria
impressão e emotividade. Uma atividade que lhe dá prazer terá um tempo
menor e passará mais rapidamente, pois ela não vê o tempo passar, do que
uma que lhe seja desagradável, que transcorrerá lentamente e terá um
caráter interminável. Os adultos também vivem este tempo subjetivo,
quando, por exemplo, assistem uma palestra monótona e desinteressante.
Entretanto, os adultos não perdem de vista o tempo objetivo, fixo e
matemático, contado pelas horas, minutos e segundos, o qual é fundamental
para uma orientação e maior organização do mundo em que vivemos, pois a
maioria de nossas atividades e compromissos são controladas por ele. A
criança caminha para esta noção, e o educador deve auxiliá-la nisto (Ibidem,
2001).
Renovação cíclica de certos períodos: De acordo com Oliveira é a
percepção de que o tempo é determinado por dias, manhã, tarde, noite,
semanas, estações. De início, podemos apenas fazer junto com a criança
associações (Ibidem, 2001). Por exemplo: “segunda e quarta feira é dia de
treino, sexta feira há roda de capoeira!”.
Ritmo: É um dos mais importantes conceitos da orientação temporal. O
ritmo não envolve, porém, somente as noções de tempo, mas está ligado ao
espaço também. A combinação dos dois dá origem ao movimento. O ritmo
deve ser vivido corporalmente (Ibidem, 2001). “O ritmo não é movimento,
mas o movimento é meio de expressão do ritmo” (DEFONTAINE apud
OLIVEIRA, 2001, p. 92).
405
Toda a criança tem um ritmo natural, espontâneo. A vida moderna
impede-nos de aflorar o nosso ritmo natural. Estamos constantemente sendo
cobrados através do relógio, do tempo, a realizar tarefas em determinados
prazos. Mesmo assim, muito de nosso ritmo natural se conserva conosco.
Oliveira ainda nos diz que, cada um tem um ritmo de trabalho, uns são mais
rápidos do que outros (OLIVEIRA, 2001).
Para Defontaine apud Oliveira, o homem se insere no tempo segundo
sua “realidade psicossomática” (DEFONTAINE apud OLIVEIRA, 2001, p.
92). Isto significa dizer que os fenômenos auditivos, táteis, visuais,
biológicos,
cinestésicos
estão
constantemente
interferindo
em
sua
percepção de tempo, seguindo um relógio corporal, biológico. As células e
as substãncias químicas de nosso organismo trabalham com precisão,
dentro de um determinado ritmo. Possuímos um ritmo endógeno, interno,
automantido pelo organismo e que é influenciado pelo ritmo exógeno, ou
externo. O ritmo pode ocorrer em várias áreas de nosso comportamento. Ele
traduz uma igualdade de intervalos de tempo (OLIVEIRA, 2001).
Kephart apud Oliveira distingue três tipos de ritmos: motor, auditivo e
visual.
O ritmo motor está ligado ao movimento do organismo que se realiza
em um intervalo de tempo constante. É uma condição necessária que a
criança possua anteriormente uma coordenação global dos movimentos para
que estes se tornem ritmados (Ibidem, 2001). Gingar é um exemplo de ritmo
motor.
O ritmo auditivo normalmente é trabalhado em associação com algum
movimento. Muitas crianças não percebem os ritmos auditivos a não ser que
estejam realmente unidos ao componente motor (Ibidem, 2001). A capoeira,
neste sentido, tem ampla possibilidade e potencial para desenvolver o ritmo
auditivo em conjunto com o motor, pois joga-se com música e toca-se
406
instrumentos musicais. O ritmo auditivo é de vital importância, como
parâmetro, para praticantes com deficiência visual.
O ritmo visual envolve a exploração sistemática de um ambiente
visual muito amplo para ser incluído no campo visual em uma só fixação. A
criança precisa desenvolver uma transferência espaço-temporal. Só o
movimento espacial não é suficiente. É necessário que possua uma certa
organização de ritmo também (Ibidem, 2001). O ritmo visual também pode
ser desenvolvido através da capoeira durante o jogo, ou no treino com um
parceiro. O praticante o desenvolve na medida em que percebe visualmente
o ritmo motor do outro jogador. O iniciante na capoeira precisa, ao aprender
a tocar um instrumento, observar o ritmo motor de um tocador mais
experiente, para conseguir acompanhar a execução do toque do
instrumento. O ritmo visual é de vital importância, como parâmetro, para
praticantes com deficiência auditiva.
Para De Meur e Staes apud Oliveira, o ritmo envolve, pois, “a noção
de ordem, de sucessão, de duração e de alternância” (DE MEUR e STAES
apud OLIVEIRA, 2001, p. 94). Fonseca apud Oliveira analisa a diferença que
existe entre uma agnosia e uma praxia do ritmo:
“A agnosia do ritmo é a capacidade de interiorização
da sucessão de sons a a assimilação dos fatores
temporais elementares. (...) A praxia do ritmo é a
capacidade de reproduzir estruturas rítmicas através
de uma noção da evolução dos fenômenos temporais
com domínio da sucessão dos elementos constituintes
de uma estrutura rítmica homogênea.” (FONSECA
apud OLIVEIRA, 2001, p. 94).
A praxia do ritmo para Fonseca tem por objetivo “obter dados sobre a
capacidade de reprodução dos símbolos rítmicos.” (OLIVEIRA, 2001, p. 94).
407
Para Oliveira, a educação psicomotora tem muito interesse em
trabalhar com movimentos ritmados, uma das características mais ricas da
capoeira, pois, além de ser um dos elementos de expressão do homem , de
seus sentimentos, ainda favorece a eliminação das sincinesias devidas a
uma
atividade
voluntária
mal
controlada,
provocando
assim
uma
independência das partes necessárias ao domínio psicomotor. Além disso,
habitua o corpo a responder prontamente às situações imprevistas (Ibidem,
2001).
De acordo com Oliveira, o ritmo permite, também, uma maior
flexibilidade de movimentos, um maior poder de atenção e concentração, na
medida em que obriga a criança a seguir uma cadência determinada. Um
outro fator fundamental é a aquisição de autonomismos elementares. A
percepção da alternância de tempos fortes e fracos leva à percepção do
relaxamento e das pausas (Ibidem, 2001). A própria ginga leva à
materialização da sucessão temporal e suas variações, mas esta
consciência rítmica depende do desenvolvimento cognitivo.
Le Boulch apud Oliveira afirma que “a associação do canto e do
movimento permite à criança sentir a identidade rítmica, ligando os
movimentos do corpo aos sons musicais.” (LE BOULCH apud OLIVEIRA,
2001. p. 95). Segundo Oliveira, estes sons musicais cantados são ligados à
própria respiração da criança (OLIVEIRA, 2001). Le Boulch apud Oliveira
também declara que não se pode confundir esta educação rítmica pois
“a atividade psicomotora não tem por objetivo fazer a criança adquirir os
ritmos, senão favorecer a expressão de sua motricidade natural, cuja
característica essencial é a ritmicidade.” (LE BOULCH apud OLIVEIRA,
2001. p. 95).
Finalmente, segundo Oliveira, devem-se introduzir nas manifestações
rítmicas das crianças as “estruturas rítmicas”. Elas representam uma ruptura
na igualdade de cadência, sempre constante, através da introdução de
intervalos diferentes de tempo. A criança começa a perceber o tempo
408
sucessivo (OLIVEIRA, 2001). Na capoeira há uma grande variedade de
padrões rítmicos que podem ser utilizados neste sentido. Um bom exercício
para as crianças poderem acompanhar um certo ritmo é pedir a elas para
reproduzirem as estruturas rítmicas batendo mãos e pés. A palma e o
coquinho são essenciais como iniciação nesta reprodução, pois facilitam
esta reprodução. O coquinho pode ser incluído na orquestra de instrumentos
musicais da capoeira, quando se trabalha com crianças, principalmente no
período pré-escolar, pois além da facilidade já mencionada anteriormente,
detém uma função importante, que é marcar o ritmo da roda. Este ritmo ao
ser marcado pelo coquinho tocado por um aluno iniciante, apesar de não ser
o instrumento responsável, “tradicionalmente”, por esta marcação, gera uma
grande satisfação e prazer para esta criança, e conseqüentemente, um
melhor aproveitamento no aprendizado. Portanto, o coquinho é uma
alternativa de prática pedagógica interessante neste sentido. Bechara nos
diz que “a educação do ritmo no aprendiz é fundamental, pois desde o início
da aprendizagem ele tem que se educar no sentido de ouvir e conseguir
exteriorizar esse ritmo” (BECHARA, 1986, p. 27). A capoeira tem uma
incrível riqueza rítmica que somada as suas outras, a torna indispensável na
educação das crianças brasileiras. Como diz Santos: “Associam-se às
músicas da capoeira, a expressão de ritmo, de lúdico, os atributos de
resistência cardio-respiratória, neuro-muscular, sociais e morais”. (SANTOS,
1990, p. 51).
Le Boulch apud oliveira analisa a importância educativa da percepção
das estruturas rítmicas:
“Da mesma forma que a percepção mental das formas
que correspondem às figuras geométricas constituem
uma base indispensável namemorização das posições
relativas dos objetos no espaço, a percepção das
estruturas rítmicas é o suporte de memorização do
sucessivo imediato.” (LE BOULCH apud OLIVEIRA,
2001. p. 95).
409
Oliveira citou algumas dificuldades em estruturação temporal,
advindas de uma má orientação temporal, analisadas por vários autores,
como: De Meur, Santos, Morais, Kephart e outros tantos:
Uma criança com problemas de orientação temporal pode não
perceber os “intervalos de tempo”, não percebendo o espaço entre as
palavras, e o que vai mais depressa e mais devagar. A criança também pode
apresentar “confusão na ordenação e sucessão” dos elementos de uma
sílaba, não percebendo o que é primeiro e o que é último, não se situa
“antes e depois”. Estas noções são importantes poeque sem elas a criança
tem dificuldade em iniciar seu gesto no lugar certo. Este problema diz
respeito ao tempo e ao espaço concomitantemente. A criança não se
organiza, também, na direção esquerda-direita (OLIVEIRA, 2001).
A criança pode ter um problema de “falta de padrão rítmico
constante”. A falta de ritmo motor ocasiona uma falta de coordenação na
realização de movimentos, que acabam por serem executados num intervalo
de tempo inconstante (Ibidem, 2001). A criança não coordena muito bem o
ritmo dos braços em relação às pernas, podendo dificultar na realização da
ginga, por exemplo. Oliveira nos diz que a deficiência do ritmo auditivo é
mais difícil de detectar, e que, uma deficiência do ritmo visual pode
comprometer a boa leitura (Ibidem, 2001).
Com a “dificuldade na organização do tempo” a criança não prevê
suas atividades. Demora muito em uma tarefa e não consegue acabar as
outras por “falta de tempo”, pois muitas vezes, a criança não tem noções de
horas e minutos. Uma “organização espaço-temporal inadequada” pode
provocar também um fracasso em matemática, pois os alunos precisam ter
noção de fileira e de coluna para organizar os elementos de uma soma,
também podendo apresentar uma má utilização dos termos verbais.
“Dificuldades em representação sonora, faz as crianças se “esquecerem” da
410
correspondência dos sons com as respectivas letras que os representam,
especialmente, quando se trata de realizar ditados (Ibidem, 2001).
Kephat apud Oliveira ressalta ainda outras dificuldades que uma
criança pode apresentar quando tem desenvolvida só a orientação espacial
ou só a orientação temporal (Ibidem, 2001), mas que não abordaremos
neste trabalho.
Abordando a orientação espaço temporal quanto à prática da
capoeira, Souza & Oliveira assim nos dizem:
“A orientação espaço-temporal é possibilitada pela
prática da capoeira na medida em que as aulas podem
ser ministradas em salas retangulares, quadradas,
redondas, em quadras, terrenos ou similares, e o jogo
propriamente dito é feito em rodas formadas por
pessoas sentadas ou em pé. Outro aspecto é que os
movimentos são executados em todos os planos do
corpo humano: sagital, frontal, horizontal, e em todas
as direções: para frente, para trás, para os lados,
diagonal, em círculo, em parábola, com corpo rente ao
solo ou solto no ar. Temos ainda a compreensão das
dimensões do tempo em relação ao passado, presente
e futuro, oportunizada pelas profundas significações
dos acontecimentos que compões as músicas e
cantos da capoeira.” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p.
46).
A noção de tempo pode ser amplamente trabalhada na capoeira.
Assim como dito por Souza & Oliveira, onde o passado, presente e futuro,
oportunizada pelas profundas significações dos acontecimentos que
compões as músicas e cantos da capoeira, pode compor esta estrutura
temporal. A roda de capoeira também deve oportunizar este conceito de
411
passado, presente e futuro; ou começo, meio e fim, onde o canto de músicas
apropriadas para cada momento refletem à memória temporal dos
praticantes, como “Vamos começar a brincadeira, brincadeira de capoeira...”
e “Adeus, adeus... / Boa viagem... (coro) / Eu vou-me embora...”. Esta
memória temporal também pode estar ligada, individualmente, a uma música
durante um fato ocorrido na roda, perfazendo esta trajetória temporal pela
vivência pessoal do praticante.
Para Santos, a compreensão das dimensões do tempo em relação a
acontecimentos do passado, presente e futuro, relaciona-se com a
percepção temporal. Na prática da capoeira, a criança pode desenvolvê-la,
pois oferece oportunidades através das músicas e cantos que têm profundas
significações quanto a acontecimentos que envolvam os três tempos:
passado, presente e futuro (SANTOS, 1990). Sobre as músicas de capoeira,
Santos complementa:
“A contribuição das músicas da capoeira enquanto
folclore, no ensino de primeiro grau tem como objetivo
fundamental educar a manifestação rítmica da criança,
promovendo o controle associado da ação neuromotora e a sociabilização, favorecendo-lhe a aquisição
de hábitos e atitudes disciplinares, despertando a
criança para a iniciação artística.
As músicas de capoeira não são um fim em si
mesmas, mas um meio e via por excelência de obter
fins precisos e definidos como, por exemplo, a
coordenação e concentração. Tudo isso em profunda
aliança com o ritmo cadenciado em toda a sua
expressão, que vincula uma progressão ascendente
no comportamento da criança pelo sentido específico
do gesto executado no jogo da capoeira propriamente
dito.”. (SANTOS, 1990, p. 51).
412
Cunha, sobre a estruturação temporal na capoeira, nos diz que, a
capoeira, seja ela praticada por crianças ou adultos, em especial pelas
crianças portadoras do HIV; a capoeira promove na criança uma orientação
corporal, através da musicalidade, do ritmo e do canto, e de uma maneira
natural a criança vai percebendo no tempo obedecendo ao ritmo do canto e
do jogo da capoeira, além dos movimentos que o outro faz, interagindo entre
si a expressão corporal, atrvés do ritmo, do som, do corpo e da visão
(CUNHA, 2003).
Como vimos, a capoeira tem um grande potencial para desenvolver a
estrutura temporal e a orientação espaço-temporal. Sua relação com o
tempo, sua história, seus movimentos ritmados, a música, o canto e tantas
outras características, tornam a capoeira, com sua polivalência e aspecto
multifacetado, uma grande aliada na educação e desenvolvimento da
criança. Contudo, é necessário o mestre de capoeira saber aproveitar este
potencial, para o colocar a serviço destes objetivos.
3.6 – As percepções
Segundo Bechara, a capoeira difere de todas as outras lutas,
iniciando pelo acompanhamento musical, onde o ritmo dá a cadência dos
movimentos; não existe uma seqüência obrigatória de movimentos, pois de
qualquer movimento pode-se desenvolver outro movimento, tudo dependerá
dos movimentos do opositor, com o qual se está jogando, e tudo isso faz
com que o capoeirista aguce em muito as suas percepções e sentidos,
exercitando o seu cérebro (BECHARA, 1985a).
Santos, a respeito das percepções, baseou-se nas afirmações de
Ferreira. Para Santos, as percepções consistem na aquisição de
conhecimento por meio de impressões sensoriais do mundo exterior e do
próprio corpo, abrangendo os fenômenos de captar, distinguir, associar e
interpretar as sensações. Estas são caracterizadas como percepções
sensoriais. Assim vemos na prática da capoeira um meio das crianças
413
distinguirem, associarem e interpretarem os seus fundamentos, seja nos
movimentos corporais, nos cantos, nas músicas ou nos instrumentos
musicais. Desta forma, estarão aperfeiçoando ou desenvolvendo suas
percepções (SANTOS, 1990).
A percepção espacial e a percepção temporal, já foram abordadas
anteriormente.
Segundo Santos, a compreensão de que um todo pode se decompor
em partes refere-se à percepção de análise e o procedimento da
recomposição dessas partes, para formar um todo, refere-se à percepção de
síntese. A prática da capoeira pode oportunizar à criança, através dos seus
movimentos individualizados e posteriormente através do uso desses
movimentos em seqüências no jogo da capoeira propriamente dito, o
desenvolvimento da percepção da análise, como também da síntese, por
estar envolvendo um todo, a decomposição desse todo e a sua
recomposição, conforme os preceitos da capoeira (Ibidem, 1990).
De acordo com Santos, capacidade de detectar a figura de um
conjunto, a qual é o foco de atenção, representando o objeto principal e o
fundo funcionando como segundo plano, denomina-se de percepção figurafundo. O jogo da capoeira oportuniza à criança estes aspectos, chamando a
atenção da mesma para o jogo em si, como segundo plano os ritmos
imprimidos pelos instrumentos musicais, podendo ser estes representados
através da expressão oral nas respostas dos refrões exigidos pelas músicas
ou pela expressão corporal exigida pelos movimentos do corpo (Ibidem,
1990).
Santos entende que a prática da capoeira é uma atividade
significativa
para
o
desenvolvimento
das
percepções:
visual,
pela
observação dos instrumentos musicais, das suas formas, tamanho, cores e
espessura, como também por perceber seus colegas no seu relacionamento
no jogo e movimentos que são direcionados ao objetivo de atingir o seu
414
adversário ou parceiro; auditiva pela identificação dos sons, ruídos e ritmos
com suas tonalidades e freqüências que os instrumentos musicais
oportunizam; olfativa pela identificação através do olfato, de diferentes
odores ou cheiros característicos de cada colega no relacionamento durante
a prática da capoeira propriamente dita; termo-tátil, pela interpretação das
sensações táteis-térmicas relacionadas com as formas, tamanho, textura,
peso dos elementos que envolvem a capoeira em si e a temperatura dos
mesmos, de seu corpo ou de seus colegas (Ibidem, 1990).
Para Santos, essas percepções são importantíssimas e têm a sua
contribuição no processo do desenvolvimento psicomotor das crianças; elas
são responsáveis pela aprendizagem nas primeiras aquisições de leitura, da
escrita e também pelo bom funcionamento, no relacionamento com o grupo
a que as crianças pertencem (Ibidem, 1990). Portanto, a criança precisa ter
um bom desenvolvimento das percepções no seu período de alfabetização,
pois esta, só será desenvolvida ou assimilada, assim como outras
aprendizagens necessárias ao desenvolvimento pleno do ser humano, se a
criança tiver boas percepções.
Através da prática da capoeira as percepções podem ser trabalhadas
e desenvolvidas. Exercícios e jogos podem ser elaborados com este
objetivo. O mestre de capoeira tem na sua arte-luta uma grande ferramenta
para desenvolver e potencializar os sentidos e percepções de seus alunos.
Vale ressaltar que o conhecimento do assunto e uma boa dose de
criatividade são necessários para conseguir tais finalidades. Os sentidos e
percepções devem ser aperfeiçoados no praticante de capoeira, não só por
melhorar o rendimento e performance do capoeira, mas, principalmente, por
serem essenciais ao desenvolvimento e vivência humana.
415
CONCLUSÃO
Para a realização desta pesquisa, em que desejamos estudar o
desenvolvimento
psicomotor
fundamentado
na
prática
da
capoeira,
inicialmente partimos da premissa que, para abordar a capoeira deve-se,
primeiro, conhecer a sua extensa e complexa história, a sua prática e o seu
desenvolvimento.
Podemos dizer que a capoeira desenvolve a coordenação motora
global através dos seus inúmeros e variados movimentos e gestos, onde
estes, quanto mais desenvolvidos, fazem a diferença da performance na
prática da arte-luta; a coordenação fina e óculo manual é aprimorada
principalmente através da utilização dos instrumentos musicais, pequenos
gestos e alguns golpes com os membros superiores, e também, para os
praticantes mais adiantados, através dos exercícios com as armas brancas;
já a coordenação facial é bastante desenvolvida devido ao aspecto de
teatralidade do jogo da capoeira, onde as expressões faciais são
fundamentais, o que também, pode e deve ser aproveitado pelo praticante.
O esquema corporal pode ser desenvolvido na capoeira devido a
grande
variedade
de
movimentos
e
experimentações
corporais
proporcionadas aos praticantes, trabalhando todos os segmentos corporais,
auxiliando o praticante a descobrir, através de um processo de
interiorização, o seu corpo e este, em relação ao meio ambiente, ajustando o
desenvolvimento de seu “eu”, à medida que a criança, ou mesmo o
praticante com mais idade, passa a comandar e descobrir o seu corpo.
A capoeira pode ajudar a criança no desenvolvimento de sua
lateralidade, sem utilizar de um direcionamento, e na absorção do conceito
esquerda-direita,
na
execução
de
movimentos
em
que
a
criança
gradativamente conquiste um conceito espacial. A lateralidade não só é
importante para desferir os golpes, mas também para se defender
416
satisfatoriamente. Os instrumentos musicais da capoeira são uma potencial
ferramenta para o desenvolvimento da dominância lateral.
A estruturação espacial é desenvolvida através da constante
reinterpretação do espaço e do meio ambiente, e a organização e
construção do conceito de espaço pelo cérebro, através das percepções e
sentidos, principalmente a visão. A capoeira, por desenvolver a percepção
visual e a visão periférica, tem um grande potencial de desenvolver também
a estruturação espacial. A percepção espacial é explorada e desenvolvida
na capoeira, até porque, ela é extremamente necessária para a sua prática.
Se o praticante não possuir esta percepção desenvolvida junto com sua
estruturação espacial, provavelmente, terá dificuldades na prática da
capoeira, em seu jogo e treinamento. Contudo, acreditamos que a prática da
capoeira pode diminuir muito as deficiências neste sentido.
A capoeira pode proporcionar ao seu praticante, desde tenra idade, a
possibilidade do desenvolvimento da estrutura espacial, pois sua prática,
com a sua variedade de movimentos e utilização de objetos, como seus
instrumentos musicais, e a atividade em grupo, faz com esta modalidade
tenha um grande potencial para a exploração dos objetos e do meio
ambiente como um todo. O mestre de capoeira tem um papel importante,
quando ele serve como um ponto de referência para o desenvolvimento
desta estrutura.
A roda de capoeira e o local de treinamento devem ser aproveitados
pelo mestre para que o aluno possa explorar estes e desenvolver sua
estrutura espacial. Os exercícios da capoeira podem ser ministrados para as
crianças, de forma que a estrutura espacial seja desenvolvida. O mestre de
capoeira pode aproveitar os diferentes movimentos e gestos da arte-luta
neste sentido.
Sobre a estruturação temporal, a capoeira tem um grande potencial
para
desenvolvê-la,
e
também,
a
orientação
espaço-temporal,
417
desenvolvendo os principais conceitos que as crianças devem adquirir:
simultaneidade, ordem e seqüência, duração dos intervalos, renovação
cíclica de certos períodos e ritmo. Sua relação com o tempo, sua história,
seus movimentos ritmados, a música, o canto e tantas outras características,
tornam a capoeira, com sua polivalência e aspecto multifacetado, uma
grande aliada na educação e desenvolvimento da criança. Contudo, é
necessário o mestre de capoeira saber aproveitar este potencial, para o
colocar a serviço destes objetivos.
A noção de tempo pode ser amplamente trabalhada na capoeira,
onde o passado, presente e futuro, oportunizada pelas profundas
significações dos acontecimentos que compões as músicas e cantos da
capoeira, pode compor esta estrutura temporal. A roda de capoeira também
deve oportunizar este conceito de passado, presente e futuro; ou começo,
meio e fim, onde o canto de músicas apropriadas para cada momento
refletem à memória temporal dos praticantes, como “Vamos começar a
brincadeira, brincadeira de capoeira...” e “Adeus, adeus... / Boa viagem...
(coro) / Eu vou-me embora...”. Esta memória temporal também pode estar
ligada, individualmente, a uma música durante um fato ocorrido na roda,
perfazendo esta trajetória temporal pela vivência pessoal do praticante. A
capoeira, neste sentido, tem ampla possibilidade e potencial para
desenvolver o ritmo auditivo em conjunto com o motor, pois joga-se com
música e toca-se instrumentos musicais, sendo que, o ritmo auditivo é de
vital importância, como parâmetro, para praticantes com deficiência visual.
A prática da capoeira pode aguçar em muito as percepções e sentidos
do praticante, principalmente, na criança, exercitando o seu cérebro. As
percepções consistem na aquisição de conhecimento por meio de
impressões sensoriais do mundo exterior e do próprio corpo, abrangendo os
fenômenos de captar, distinguir, associar e interpretar as sensações. Estas
são caracterizadas como “percepções sensoriais”. A capoeira tem um
grande potencial para o desenvolvimento de todas as percepções, que são:
percepção espacial e percepção temporal, que fazem parte e são
418
desenvolvidas
no
contexto
das
estruturas
espacial
e
temporal,
respectivamente; percepção de análise; percepção figura-fundo; percepções:
visual, auditiva, olfativa e termo-tátil. É importante lembrar que o
desenvolvimento de todas as percepções não ocorrem separadamente, e
sim, em paralelo ou conjunto, em um contínuo processo de maturação na
criança e também de reestruturação no desenvolvimento do praticante de
capoeira com mais idade.
Essas percepções são importantíssimas e têm a sua contribuição no
processo
do
desenvolvimento
psicomotor
das
crianças;
elas
são
responsáveis pela aprendizagem e também em sua relação com o meio
ambiente. Portanto, a criança precisa ter um bom desenvolvimento das
percepções, o que a capoeira pode proporcionar.
Concluímos
que,
a
capoeira
tem
amplas
possibilidades
e
potencialidades de desenvolver a psicomotricidade e todos os seus aspectos
e estruturas psicomotoras nos praticantes desta arte-luta. Podemos dizer
que há uma necessidade de maior aprofundamento em pesquisas relativas a
propostas de desenvolvimento psicomotor baseadas na prática da capoeira.
Também podemos dizer isto quanto a área da avaliação, relativa à
psicomotricidade, as qualidades físicas e outros quesitos.
Esperamos que este trabalho possa ajudar na capacitação,
desenvolvimento e especialização profissional, e o aprimoramento do mestre
e praticante da capoeiragem e que, esta pesquisa possa fornecer subsídios
para uma ampliação da pesquisa sobre o assunto, além de poder auxiliar os
profissionais do ramo de atuação, em sua intervenção, e amadores
praticantes da capoeira quanto a um maior conhecimento e utilização desta.
Recomendamos, portanto, que sejam aprofundadas as pesquisas relativas
ao tema.
419
ANEXO 1
SICK, Helmut. Ornitologia Brasileira. Rio de Janeiro: Editora nova
Fronteira, 1997.
“Uru, Capoeira, Odontophorus capueira
Pr. 10, 8
24cm. É um pequeno galináceo florestal topetudo e comum; sexos
semelhantes, macho algo mais robusto; imaturo de bico avermelhado e
partes inferiores manchadas de esbranquiçado e não uniformemente
cinzentas como no adulto. Voz: o canto é uma vigorosa e sonora seqüência
de pios bissilábicos, “urú-urú-urú” que chega a alongar-se por alguns minutos
sendo ligeiramente ondulada e às vezes tão desacelerada que parece quase
parar; é emitida durante a época da reprodução, mormente ao crepúsculo (e
mesmo em noites enluaradas), pela ave empoleirada para dormir. O casal
canta em dueto; em casos controlados verificamos que o macho inicia a
cantoria e logo a fêmea a ele se une, emitindo contraponto semelhante de
pios
monossilábicos,
“kló-kló-kló”,
como
se
percebe
distintamente,
ocasionalmente, quando a fêmea canta isoladamente. O restante do bando
não se intromete nas vocalizações do casal; assim que o primeiro se cala
outro começa as manifestações vocais por seu turno. Há outras vozes,
sobretudo pios fracos e trêmulos, “bü-bü-bü...”, que lembram o pipilar de
pintos e servem para contactar os componentes do bando que vagueiam
pelo solo e são proferidos antes de empoleirar para dormir; assobios mais
fortes, “uit, uit, uit ... (alarme). Pintos pertos dos pais soltam uma seqüência
de rápidas “píe...”.
Hábitos, alimentação, mansidão: Andam em grupos pelo solo de matas e
capoeiras sombrias, podendo ser o mesmo composto, por exemplo, por
alguns casais ou famílias (pais e filhotes crescidos da última ninhada). Tais
falanges, que defendem seus territórios de outras vizinhas, continuam unidas
mesmo quando uma fêmea choca. Preferem escapar correndo, evitam voar;
conforme a situação deitam-se no solo para se esconder. Quando pousam
420
juntinhos esquentam-se e arrumam mutuamente as penas. Têm especial
predileção por suculentas bagas do caruru, Phytolacca decandra. No século
passado, segundo relatos de Fritz Muller, era possível apanhar os urus com
o laço. Em Itatiaia, bicando pinhões caídos ao solo da mata, os urus
voltavam sempre ao mesmo local mesmo quando espantados repetidas
vezes (L. P. Gonzaga).
Reprodução: Aparentemente são monógamos, segundo observações de
campo e de cativeiro, quando se reproduzem, o que, no sudeste, ocorre de
agosto a novembro. Nidificam no solo, às vezes dentro de um buraco (p. ex.
de tatu), confeccionando, em todo o caso, uma construção de folhas secas
que se apresenta como uma toca de entrada lateral de sólido teto.
Observamos, em cativeiro, um macho construir seu ninho: no solo coberto de
folhas secas, a ave jogou as folhas para atrás de si e depois empurrou a
massa empilhada, fixando-a, sem trazer material. Uma fêmea não estava
presente. McDonald & Winnet-Murray (1989), que acharam na Costa Rica
um ninho acabado de O. leucolaemus observaram exatamente a mesma
técnica registrada por nós. Os ovos são brancos que se tornam logo
amarelados ou até avermelhados em conseqüência da sujeira; parece
acontecer que mais de uma fêmea deposita ovos no mesmo ninho, há
posturas
de
mais
de
12
unidades.
Para
a
incubação
constam
aproximadamente 26 dias para O. gujanensis na Costa Rica e apenas 18-19
dias para O. capueira; apenas a fêmea choca e encarrega-se da ninhada,
cujo colorido é, de maneira geral, anegrado e de difícil definição; os filhotes
são nidífugos, escondem-se em cavidades e até em buracos no solo.
Ocorre do Ceará ao Rio Grande do Sul e sudeste de Mato Grosso do
Sul; Paraguai e Argentina (Misiones). “Uru” nome dado como onomatopaico,
significa “ave” em guarani, e mais especificamente “pequeno galináceo”.”
(SICK, 1997, p. 284).
421
ANEXO 2
Lussac recebeu este e-mail no dia 15/02/2004 de Jerônimo Capoeira,
o JC, um mestre brasileiro de capoeira radicado na Austrália, que vem ao
longo dos anos repassando e-mails e liderando uma “roda virtual” de
capoeira, na tentativa de um canal de comunicação construtivo para a
capoeira e áreas afins.
“Data:
15/02/2004
23:38
Assunto: n`golo, ladja... fundamento de a
Axe'
N'agolo texto em frances... vou dar uma traducao rapidinha em portugues
pra
From:
vc/s
André
comprarem
Luis
o
Oliveira
jogo...
To:
texto
original
abaixo...
[email protected]
Subject: Re: [infocapoeira] n`golo de angoleiro, Me. braga, sem fundamento
Posso
comprar
este
jogo?
Só pra acrescentar: o tal n'golo, que ao que me consta é qualquer tipo de
confronto, luta, luta entre os animais, etc, e não uma luta específica, deu
origem também ao Danmyé da Martinica. Veja o trexo da entrevista de
Pierre
Dru,
pesquisador
e
conhecedor
da
tal
luta.
P.V.P. : Pierre vc eh um cara por dentro do que se passa dentro deste
assnto que envolve o n'golo e o pasado da luta tradicao da Martinique. Sao
frutos
de
tua
pesquisa
pessoal
o
que
vc
nos
conta?
P.D. : O que enho feito eh um estudo dentro do que existe nas linguas e na
cultura do povo creole. Eh muito rico este terreno de investigacao e para me
422
fazer melhor entender no que diz respeito a cultura e tradicoes africanas eu
gostaria de me referir ao trabalho de Cheik Anta Diop, e tambem de
egiptologistas como Alain Anselin que vive em martinique. No Ladja, tradicao
da Martinica, tem muita atitude de danca, de movimentos que se aproximar
da Capoeira do BR. Dizem que a Capoeira eh originaria do N'golo original de
Angola. Mas de fato, as pesquisa mais profundas no assunto nos mostram
que nao tem nada a ver Capoeira com N'golo. Ja que foram descobertos no
Egito em 1890-95 nas tombas dos faraos representacoes de imagens de
varis tipos de esportes. Na Martinica nos praticamos muitos destes esportes
do tempo dos faraos, por exemplo, corridas, etc etc. Foi descoberto dentro
das tombas dos faraos a pratica do box, ginastica, acrobacia, da luta, etc. E
tambem a luta africana, e luta livre. Isso tudo a 3 mil anos antes da era
crista. No fim deste periodo antes de J.C. por intermedio de cidades como
Alexandria, os gregos teriam uma ligacao com o povo. Sera entao estudada
a luta africana e praticada pelos gregos, tambem o box africano. Os gregos
transformaram entao estas lutas numa forma mais totalizada de luta : o
Pancrace que vem da Grecia v ai voltar a Africa, ou vai se tornar um dos
esportes mais populares dentro dos palacios dos faraoes e na tradicao
africana.
Para
quem
quiser
a
entrevista
completa
http://tmtm.homelinux.org/www.lesperipheriques.org/anciensite/journal/13/fr1318.html
tô
no
pé
do
André
berimbau
Luis
P.V.P. : Tu es formateur et en même temps engagé dans la pratique, la
pédagogie et les recherches sur le passé du danmyé. Les explications que tu
nous
donnes
sont
le
fruit
de
tes
recherches
personnelles
?
P.D. : C'est une recherche que j'ai faite dans le cadre d'un DEA de Langues
423
et Cultures Créoles. Le terrain d'investigation est très riche, et pour
comprendre les cultures africaines, j'ai du me référer aux travaux de Cheik
Anta Diop, mais aussi des égyptologues de renom tel Alain Anselin qui
réside
en Martinique. Dans le ladja, le danmyé de la Martinique, il ya beaucoup
d'attitudes de danse, de coups, qui sont proches de la capoeira brésilienne.
La capoeira se dit originaire du ngolo venu d'Angola. En fait, des
recherches approfondies nous montrent qu'il n'y avait aucun rapport avec le
ngolo. Lors de fouilles en Égypte en 1890-95 on a découvert des tombeaux
de
pharaons égyptiens représentant des images de plusieurs types de sports.
Nous avons pratiqué en Martinique beaucoup de ces sports : des courses de
canots, le canot à la pagaie, la course aux avirons. On découvrira dans ces
tombeaux de pharaons égyptiens la pratique de la boxe, de la lutte, de la
gymnastique, de l'acrobatie. On va aussi découvrir la lutte africaine, la
lutte libre. Tout cela trois mille ans avant ].C. Au dernier millénaire
avant ].C., par l'intermédiaire de villes comme Alexandrie, les Grecs seront
en liaison avec ce peuple. La lutte africaine sera étudiée et apprise par
les Grecs, la boxe africaine aussi. Chez eux, ils la transformeront pour en
faire une lutte totale : le Pancrace, qui va sortir de Grèce pour revenir en
Afrique, où il deviendra un des sports les plus prisés dans le palais des
pharaons et dans la tradition africaine.”
424
ANEXO 3
Esta crônica de Coelho Netto titulada “Nosso Jogo”, escrita em 1923
e publicada em 1928 na coletânea “Bazar”, foi transcrita por André Luiz Lacé
Lopes , que ao final da transcrição teceu alguns breves comentários sobre
Coelho Netto e sua vida.
“Transcrevendo-o do Correio do Povo, de Porto Alegre, publicou O
Paiz em seu número de 22 do corrente, um artigo com o título: “Cultivemos o
jogo de capoeira e tenhamos asco pelo do Box”, firmado pelo
correspondente do jornal gaúcho nesta cidade, Dr. Gomes Carmo.
Concordamos in limini com o que diz o articulista, valho-me da
oportunidade que me abre tal escrito para tornar a um assunto sobre o qual
já me manifestei e que também já teve por ele a pena diamantina de Luiz
Murat.
A capoeiragem devia ser ensinada em todos os colégios, quartéis e
navios, não só porque é excelente ginástica, na qual se desenvolve,
harmoniosamente, todo o corpo e ainda se apuram os sentidos, como
também porque constitui um meio de defesa pessoal superior a todos
quantos são preconizados pelo estrangeiro e que nós, por tal motivo apenas,
não nos envergonhamos de praticar.
Todos
os
povos
orgulham-se
dos
seus
esportes
nacionais,
procurando, cada qual dar primazia ao que cultiva. O francês tem a savate,
tem o inglês o boxe; o português desafia valentes com o sarilho do varapau;
o espanhol maneja com orgulho a navalha catalã, também usada pelo
“fadista” português; o japonês julga-se invencível com o seu jiu-jitsu e não
falo de outros esportes clássicos em que se treinam, indistintamente, todos
os povos, como a luta, o pugilato a mão livre, a funda e os jogos d`armas.
Nós, que possuímos os segredos de um dos exercícios mais ágeis e
elegantes, vexamo-nos de o exibir e, o que mais é, deixamo-nos esmurraçar
em ringues por machacazes balordos que, com uma quebra de corpo e um
passe baixo, de um “ciscador” dos nossos, iriam mais longe das cordas do
que foi Dempsey à repulsa do punho de Firpo.
425
O que matou a capoeiragem entre nós foi...a navalha. Essa arma,
entretanto, sutil e covarde, raramente aparecia na mão de um chefe de
malta, de um verdadeiro capoeira, que se teria por desonrado se, para
derrotar um adversário, se houvesse de servir do ferro.
Os grandes condutores de malta – guaymús e nagôs, orgulhavam-se
dos seus golpes rápidos e decisivos e eram eles, na gíria do tempo: a
cocada, que desmandibulava o camarada ou, quando atirada ao estomago,
o deixava em síncope, estabelecido no meio da rua, de boca aberta e olhos
em alvo; o grampeamento, lanço de mão aos olhos, com o indicador e o
anular em forquilha, que fazia o mano ver estrelas; o cotovelo em ariete ao
peito ou ao flanco; a joelhada; o rabo de raia, risco com que Cyriaco
derrotou em dois tempos, deixando-o sem sentidos, ao famoso campeão
japonês de jiu-jitsu; e eram as rasteiras, desde a de arranque, ou tesoura,
até a baixa, ou bahiana; as caneladas, e os pontapés em que alguns eram
tão ágeis que chegavam com o bico quadrado das botinas ao queixo do
antagonista; e, ainda, as bolachas, desde a tapa-olho, que fulminava, até a
de beiço arriba, que esborcinava a boca ao puaia.
E os ademanes de
engano, os refugos de corpo, as negaças, os saltos de banda, à maneira
felina, toda uma ginástica em que o atleta parecia elástico, fugindo ao
contrário como a evitá-lo para, a súbitas, cair-lhe em cima, desarmando-o
fazendo-o mergulhar num “banho de fumaça”.
Era tal a valentia desses homens que, se fechava o tempo, como
então se dizia, e no tumulto alguém bradava um nome conhecido
como:Boca-queimada, Manduca da Praia, Trinca-espinha ou Trindade, a
debandada começava por parte da polícia e viam-se urbanos e permanentes
valendo-se das pernas para não entregarem o chanfalho e os queixos aos
famanazes que andavam com eles sempre de candeias às avessas.
Dessa geração celebérrima fizeram parte vultos eminentes na política,
no professorado, no exército, na marinha como – Duque Estrada Teixeira,
cabeça cutuba tanto na tribuna da oposição como no mastigante de algum
paróla que se atrevesse a enfrenta-lo à beira da urna: capitão Ataliba
Nogueira; os tenentes Lapa e Leite Ribeiro, dois barras; Antonico Sampaio,
então aspirante da marinha e por que não citar também Juca Paranhos, que
426
engrandeceu o título de Rio Branco na grande obra patriótica realizada no
Itamaraty, que, na mocidade, foi bonzão e disso se orgulhava nas palestras
íntimas em que era tão pitoresco.
A tais heróis sucederam outros: Augusto Mello, o cabeça de ferro; Zé
Caetano, Braga Doutor, Caixeirinho, Ali Babá e, sobre todos o mais valente,
Plácido de Abreu, poeta comediógrafo e jornalista, amigo de Lopes Trovão,
companheiro de Pardal Mallet e Bilac no O COMBATE, que morreu, com
heroicidade de amouco, fuzilado no túnel de Copacabana, e só não
dispersou a treda escolta, apesar de enfraquecido, como se achava , com os
longos tratos na prisão, porque recebeu a descarga pelas costas quando
caminhava na treva, fiado na palavra de um oficial de nome romano.
Caindo de encontro às arestas da parede áspera ainda soergue-se,
rilhando os dentes, para despedir-se com uma vilta dos que o haviam
covardemente atraiçoado. Eram assim os capoeiras de então.
Como os leões são sempre acompanhados de chacais, nas maltas de
tais valentes imiscuíam-se assassinos cujo prazer sanguinário consistia em
experimentar sardinhas em barrigas do próximo, deventrando-as.
O capoeira digno não usava navalha: timbrava em mostrar as mãos
limpas quando saia de um turumbamba.
Generoso, se trambolhava o adversário, esperava que ele se
levantasse para continuar a luta porque: “Não batia em homem deitado”;
outros diziam com mais desprezo: “em defunto”.
Nos terríveis recontros de guaiamus e nagôs, se os chefes decidiam
que uma questão fosse resolvida em combate singular, enquanto os dois
representantes da cores vermelha e branca se batiam as duas maltas
conservam-se à distância e, fosse qual fosse o resultado do duelo, de ambos
os lados rompiam aclamações ao triunfador.
Dado, porém, que, em tais momentos, estrilassem apitos e surgissem
policiais, as duas maltas confraternizavam solidárias na defesa da classe e
era uma vez a Força Pública, que deixava em campo, além do prestigio,
bonés em banda e chanfalhos à ufa.
427
O capoeira que se prezava tinha oficio ou emprego, vestia com apuro
e. se defendia uma causa, como aconteceu com do abolicionismo, não o
fazia como mercenário.
O capanga, em geral, era um perrengue, nem carrapeta, ao menos ,
porque os carrapetas, que formavam a linha avançada, com função de
escoteiros, eram rapazolas de coragem e destreza provadas e sempre da
confiança dos chefes.
Nos morros do Vintém e do Néco reuniam-se, às vezes, conselhos
nos quais eram severamente julgados crimes e culpas imputados a algum
dos das farandulas. Ladrões confessos eram logo excluídos e assassinos
que não justificassem com a legitima defesa o crime de que fossem
denunciados eram expulsos e às vezes, até, entregues a policias pelos seus
próprios chefes.
Havia disciplina em tais pandilhas.
Quanto às provas de superioridade da capoeiragem sobre os demais
esportes de agilidade e força são tantas que seria prolixa a enumeração.
Além dos feitos dos contemporâneos de Boca queimada e Manduca
da Praia, heróis do período áureo do nosso desestimado esporte, citarei,
entre outros, a derrota de famosos jogador de pau, guapo rapagão minhoto,
que Augusto Mello duas vezes atirou de catrambias no pomar da sua
chacarinha em Vila Isabel onde, depois da luta e dos abraços de
cordialidade, foi servida vasta feijoada. Outro: a tunda infligida um grupo de
marinheiros franceses de uma corveta Pallas, por Zé Caetano e dois cabras
destorcidos. A maruja não esteve com muita delonga e, vendo que a coisa
não lhe cheirava bem em terra, atirou-se ao mar salvando-se, a nado, da
agilidade dos três turunas, que a não deixavam tomar pé.
A última demonstração da superioridade da capoeiragem sobre um
dos mais celebrados jogos de destreza deu-nos o negro Cyriaco no antigo
Pavilhão Paschoal Segreto fazendo afocinhar, com toda a sua ciência, o
jactancioso japonês, campeão do jiu-jitsu.
Em 1910, Germano Haslocjer, Luiz Murat e quem escreve estas
linhas pensaram em mandar um projeto a Mesa da Câmara dos Deputados
tornando obrigatório o ensino da capoeiragem nos institutos oficias e nos
428
quartéis. Desistiram, porém, da idéia porque houve quem a achasse ridícula,
simplesmente, por tal jogo era...brasileiro.
Viesse-nos ele com rótulo estrangeiro e tê-lo-íamos aqui, impando
importância em todos os clubes esportivos, ensinado por mestres de fama
mundial que, talvez, não valessem um dos nossos pés rapados de outrora
que, em dois tempos, mandariam um Firpo ou um Dempsey ver vovó, com
alguns dentes a menos algumas bossas de mais.
Enfim...Vamos aprender a dar murros – é esporte elegante, porque a
gente o pratica de luvas, rende dólares e chama-se Box, nome inglês.
Capoeira é coisa de galinha, que o digam os que dele saem com galos
empoleirados no alto da sinagoga.
É pena que não haja um brasileiro patriota que leva a capoeiragem a
Paris, batisando-a, com outro nome, nas águas do Sena, como fez o Duque
com o Maxixe.
Estou certo de que, se o nosso patriotismo lograsse tal vitória até as
senhoras haviam de querer fazer letras, E que linda seriam as escritas!
Mas, se tal acontecesse, sei lá ! muitas cabeçadas dariam os homens ao
verem o jogo gracioso das mulheres”.
(*) Henrique Maximiano COELHO NETTO - Escritor brasileiro, nasceu em
Caxias, Maranhão no dia 20 de fevereiro de 1864 faleceu no Rio de Janeiro
no dia 28 de novembro de 1934. Veio para o Rio de Janeiro com dois anos
de idade; estudou Medicina e Direito mas não concluiu nenhum dos cursos.
Em 1885 relacionou-se com José do Patrocínio, que o introduziu na relação
da Gazeta da Tarde; nesse jornal deu início à sua Lista Abolicionista e
Republicana. Em 1891, foi publicado sua primeira obra “Rapsódias”, um livro
de contos. Dedicou-se a literatura com entusiasmo, publicando obras atrás
de obras. Escreveu algumas peças teatrais, mais de cem livros e cerca de
650 contos. Foi também um orador de grande recursos; em 1909 catedrático
da mesma matéria. Foi deputado na Legislatura da 1909 a 1911; esteve em
Buenos Aires como Ministro Plenipotenciário, em Missão Especial. Foi um
dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Em 1928, foi consagrado
429
como “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”. De sua extensa obra
literária, destacam-se: “A Capital Federal”, “Fruto Proibido”, “O Rei
Fantasma”, “Contos Pátrios”, “O Paraíso”, “Mano”, “As Estações”, “Sertão”,
“Mistério do Natal”, “Fogo Fátuo” e “A Cidade Maravilhosa”. Também poeta,
escreveu um soneto que se tornaria famoso: “Ser Mãe”; Coelho Neto é o
exemplo de fidelidade e dedicação às letras.
Grande capoeira e escritor Mestre Coelho Netto!
André Luiz Lacé Lopes
430
ANEXO 4
Revista “A Noite Illustrada”. Escola typica de aggressão e defeza.
Número 64 (quarta-feira). 24 de junho de 1931.
“A Capoeiragem teve no Rio, o seu período áureo. Foi quando,
praticada no “batuque”, apenas pelos chamados “malandros”, se irradiou
pela cidade toda, descida da Favella, e de outros morros mais ou menos
celebres, na pessoa do “capoeira” que se servia della para levar o bom
termo as suas proezas de certo modo arriscadas.
Embora exigindo requisitos especiaes, taes como agilidade, golpe de
vista e, sobretudo, muita coragem, não demorou que as camadas da elite se
interessassem pela capoeiragem, não raro se presenciando um homem de
fino trato e maneiras fidalgas exhibindo-se quando se tornava necessário,
como um perfeito conhecedor dos golpes diffíceis porém decisivos do
capoeira.
Depois... depois surgiram a picareta renovadora e as exigências
inherentes ao progresso cuidando a polícia de acabar com o typico processo
de defesa e com os seus praticantes...
E caiu no olvido o melhor e mais efficiente meio de defesa do mundo.
Todos o relegaram para um plano inferior, seno até desairoso
qualquer indivíduo dizer-se delle conhecedor.
Emquanto os brasileiros abandonaram a brasileiríssima capoeiragem,
os estrangeiros por ella se interessavam, reconhecendo-lhe o valor que
realmente tem.
Sobre isso há um facto positivo que se verificou na Itália.
Em uma festa, ao ar livre, fez-se uma competição entre marujos de
várias nacionalidades.
Os ingleses e americanos a todos superavam com o Box e aluta livre
até que um marinheiro italiano pediu permissão aos seus superiores para
exhibir um “jogo que elle conhecia”.
E o italiano a todos venceu em segundos, ante o olhar perplexo da
assistência numerosa.
431
E o “jogo que elle conhecia” outro não era senão a capoeiragem que
aprendeu em São Paulo, de onde era filho.
Presentemente, como um sopro de seiva viva anima os praticantes da
capoeiragem.
E o esforço de um punhado, peque no mas enthusiasta, de brasileiros
patriotas, que pretendem collocar em seu justo logar o mais efficaz de todos
os meios de defesa, aquelle que suplanta o Box, o “jiu-jitsu” e a luta livre,
merece todos os incentivos e encômios porque, com a ascensão da
capoeiragem teremos demonstrado, á evidencia, que sabemos aproveitar as
aptidões innatas da nossa raça.
Os clichês que estampamos são flagrantes das aulas ministradas pelo
athleta Jayme Martins Ferreira, em que intervem os soldados da nossa
Marinha de Guerra, Manoel e Coronel.”
432
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446
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO
2
AGRADECIMENTO
3
DEDICATÓRIA
5
RESUMO E PALAVRAS CHAVES
6
ABSTRACT, THEME AND KEY WORDS
7
RESUMEN, TEMA Y PALABRAS CLAVES
8
METODOLOGIA
9
SUMÁRIO
10
INTRODUÇÃO
11
CAPÍTULO I
A HISTÓRIA, A PRÁTICA E O DESENVOLVIMENTO DA CAPOEIRA
14
1. A história, a prática e o desenvolvimento da capoeira
15
1.1 - As prováveis origens da capoeira
20
1.2 - Capoeira: Fatos e História
60
1.2.1 – A capoeiragem carioca: do começo dos
fatos históricos ao desmantelamento das maltas 60
1.2.2 – A capoeiragem carioca: de Sampaio Ferraz a
Filinto Müler – capoeiras e malandros
90
1.2.3 – A capoeiragem carioca: na primeira metade do
século XX - a capoeira como gymnastica
brazileira e defesa pessoal, e os vale-tudo
1.2.4 – A capoeiragem bahiana: início do Século XX
117
135
447
1.2.5 – A capoeiragem bahiana: após 1930
141
1.2.6 – A capoeira ganhando o Brasil e dando a
volta ao mundo
1.2.7 – A importância histórica da história da capoeira
158
176
CAPÍTULO II
A CAPOEIRA ATUAL, A EDUCAÇÃO FÍSICA E A
PSICOMOTRICIDADE
178
2. A Capoeira atual, a Educação Física e a Psicomotricidade
179
2.1 - Os determinantes da escolha pela prática da capoeira
179
2.2 - A polivalência da multi-facetada capoeira
183
2.3 - Capoeira e educação
186
2.4 - Capoeira: esporte / desporto
203
2.5 - Capoeira como terapia e reeducação
206
2.6 - Capoeira: lúdico, prazer e musicalidade – O Jogo da
Capoeira, quando a cultura acontece em sua plenitude
2.7 - A Capoeira é para todas as faixas etárias
210
213
2.7.1 - Crianças e Pré-adolescentes
214
2.7.2 - Adolescentes, Jovens e Adultos
217
2.7.3 - Terceira Idade
218
2.8 - Os três domínios na capoeira
225
2.8.1 - O Domínio Cognitivo
227
2.8.2 - O Domínio Afetivo
230
2.8.3 - O Domínio Psicomotor
239
2.9 – Algumas considerações sobre o treinamento esportivo
249
2.9.1 – O Princípio da Individualidade Biológica
250
2.9.2 – O Princípio da Adaptação
251
2.9.3 – O Princípio da Sobrecarga
255
2.9.4 – O Princípio da Continuidade
257
2.9.5 – O Princípio da Interdependência
Volume-Intensidade
258
2.9.6 – O Princípio da Especificidade
258
2.9.7 – O Princípio da Variabilidade
261
448
2.9.8 – O Princípio da Saúde
261
2.9.9 – A Interrelação dos Princípios
262
2.10 – As qualidades físicas
262
2.10.1 – A coordenação motora
264
2.10.2 – A velocidade
278
2.10.3 – A força
296
2.10.4 – O equilíbrio
305
2.10.5 – O ritmo
310
2.10.6 – A agilidade
316
2.10.7 – A resistência
318
2.10.8 – A flexibilidade
319
2.10.9 – A descontração
322
CAPÍTULO III
O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR FUNDAMENTADO NA
PRÁTICA DA CAPOEIRA
325
3. O desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da
capoeira
326
3.1 – Psicomotricidade: histórico, conceito, desenvolvimento, a
SBP e outros aspectos
326
3.2 – Sistema nervoso
334
3.3 – Tipos de movimentos
338
3.4 – Tônus muscular
341
3.5 – O desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da
capoeira – as estruturas psicomotoras
345
3.5.1 - Coodenação global, fina e óculo-manual e, facial
346
3.5.2 - Esquema corporal
360
3.5.3 - Lateralidade
372
3.5.4 - Estruturação espacial
383
3.5.5 - Estruturação temporal
398
3.6 – As percepções
CONCLUSÃO
412
415
449
ANEXOS
419
BIBLIOGRAFIA
432
ÍNDICE
446
450
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes.
Título da Monografia:
DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR FUNDAMENTADO NA PRÁTICA DA
CAPOEIRA E BASEADO NA EXPERIÊNCIA E VIVÊNCIA DE UM MESTRE
DA CAPOEIRAGEM GRADUADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA.
Autor: Ricardo Martins Porto Lussac
Data da entrega: março de 2004
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