RELATO DO ACOMPANHAMENTO REALIZADO NO MUNICIPIO DE CAXIAS DO SUL AOS IMIGRANTES INTERNACIONAIS PROVENIENTES DO SENEGAL Caxias do Sul Julho de 2013 1 SUMÁRIO 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................................... 03 2 IMIGRAÇÃO DE SENEGALESES PARA CAXIAS DO SUL........................................ 05 2.1SENEGAL............................................................................................................ 06 2.2 MIGRAÇÃO E DIREITOS HUMANOS: O caso do Senegal 07 2.3 PERFIL DOS IMIGRANTES ............................................................................... 12 3 AÇÕES DE ACOMPANHAMENTO ............................................................................. 14 3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS / OPERACIONALIZAÇÃO .................. 14 3.2 PRINCIPAIS INTERVENÇÕES .......................................................................... 16 4 DEMANDAS E PROPOSIÇÕES .................................................................................. 21 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 25 2 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Historicamente, observam-se períodos em que o fluxo de imigrantes internacionais se intensifica, e outros em que diminui. No momento pode-se dizer que há certa tendência ao aumento deste fluxo, dado o crescimento econômico do Brasil e da conjuntura internacional que inclui elementos novos, como os deslocamentos provocados por questões ambientais. Atualmente no Rio Grande do Sul, há presença de imigrantes dos mais diversos países, em especial: a) Aqueles oriundos dos países do Mercosul que fazem fronteira com o Brasil que devido à identidade cultural compartilhada e ao Acordo Mercosul tem a possibilidade de residência facilitada. b) Há também elevado número de haitianos que desde os trágicos eventos ocorridos em seu país tem buscado o Brasil como alternativa. Esses imigrantes tem o processo de regularização no país assegurado pelo visto humanitário concedido a eles pelo Brasil. c) Imigrantes transnacionais. Observa-se um crescente número imigrantes africanos, em especial os provenientes do Senegal que tem se concentrado nos municípios de Passo Fundo e, mais recentemente em Caxias do Sul. A mobilidade espacial da população tem sido uma das características da história da humanidade, intensificada no capitalismo com a globalização, sendo que “não houve economia e sociedade que se desenvolvessem sem que houvesse uma intensa mobilidade espacial da população” (BRITO, 1995, p.53). No caso específico do Brasil a migração internacional “desempenhou, desde seu descobrimento, importante papel na evolução do País.” (BAENINGER; PATARRA, 1995, p.79). Basta recordar que no período colonial, foram basicamente portugueses – como colonizadores e africanos – como escravos, junto aos povos indígenas, que formaram as bases da sociedade brasileira. (BRITO, 1995) De acordo com Baeninger e Patarra (1995), os movimentos migratórios internacionais do final do século XIX foram decisivos na conformação da estrutura econômica e social do país, principalmente nas características regionais do sudeste e do sul. Italianos, portugueses, espanhóis, alemães e japoneses misturaram-se aos 3 contingentes populacionais aqui residentes e marcaram a vida nacional. A própria identidade da nação brasileira é um produto da mobilidade internacional de diferentes povos. Atualmente a política migratória brasileira é regida por uma Lei do Estrangeiro elaborada no contexto da ditadura militar e reflete a tendência ao fechamento e endurecimento das fronteiras. Uma nova Lei tramita no Congresso, mas ainda sem perspectivas de aprovação. O Conselho Nacional de Imigração (CNIg), ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego, tem desempenhado importante gestão no que tange aos casos não previstos na legislação (Lei do Estrangeiro e Lei do Refúgio) e motivado por questões humanitárias e baseado nas convenções internacionais das quais o Brasil é signatário tem concedido vistos de permanência, avaliando situações individuais ou, com mais raridade, casos de grandes coletividades, como os haitianos1. Nas últimas décadas, dado o relevante papel que as migrações internacionais ganharam no contexto da globalização econômica é crescente o número de estudos e pesquisas que apontam um fenômeno novo nas causas que levam pessoas e até mesmo, comunidades inteiras, a deixar seus países de origem. A mais relevante delas é o deslocamento forçado por questões ambientais que vem sendo tratada em muitos meios como “refúgio ambiental” Segundo estimativa da Universidade das Nações Unidas (UNU), até 2010 o mundo terá 50 milhões de pessoas obrigadas a deixar seus lares, temporária ou definitivamente, devido a problemas relacionados ao meio ambiente. São os refugiados ambientais - uma categoria social, formada por grupos humanos que se deslocam não por causa de guerras, epidemias ou distúrbios políticos, mas devido a catástrofes ambientais que tornam a vida insustentável em seus habitat originais. De acordo com esses levantamentos da UNU, estima-se que hoje já existem tantos refugiados ambientais quanto pessoas que são forçadas a deixar suas casas por causa de distúrbios sociais. Entre os problemas ambientais estão o esgotamento do solo, a desertificação, as enchentes, os terremotos, os furacões e outros desastres naturais. Essa nova categoria de refugiados ainda não foi classificada nos acordos internacionais, embora, ainda segundo estimativas da UNU, os refugiados ambientais 1 A RESOLUÇÃO RECOMENDADA Nº 08, de 19 de dezembro de 2006, dispõe sobre pedidos de refúgio apresentados ao Comitê Nacional para os Refugiados - CONARE, que a critério deste, possam ser analisados pelo Conselho Nacional de Imigração - CNIg como situações especiais. A Resolução Normativa nº 27, de 25 de novembro de 1998 disciplina a avaliação de situações especiais e casos omissos pelo Conselho Nacional de Imigração. A RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 97, DE 12 DE JANEIRO DE 2012, Dispõe sobre a concessão do visto permanente previsto no art. 16 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, a nacionais do Haiti. 4 possam, em breve, ultrapassar o número oficial de pessoas em situação de risco contabilizado pelo Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) -, que inclui os refugiados políticos e pessoas em busca de asilo devido a perseguições de vários tipos. A UNU afirma que é preciso criar mecanismos para que essas pessoas recebam proteção adequada. Nesse sentido, existe um grande apelo de organizações não governamentais que se crie uma definição legal para o conceito de refugiado ambiental, de maneira que esses grupos sociais possam receber uma assistência similar a dos outros tipos de refugiados - ou seja, possam ter auxílio financeiro, direito a solicitar asilo em outros países ou participar de políticas de reassentamento.2 A crise econômica que afetou duramente a Europa e os Estados Unidos, principais destinos de milhares de migrantes, aliado aos novos fatores de deslocamento humano forçado e ao papel de destaque galgado pelo Brasil na última década tornam o país uma alternativa atrativa para imigrantes que tentam construir uma vida mais digna longe do solo pátrio. Feitas essas considerações, o presente relatório tem como objetivo explicitar o acompanhamento realizado por uma rede de entidades aos imigrantes senegalenses em Caxias do Sul, RS, indicando as principais demandas trazidas por esse grupo no que se refere à busca de integração no município. 2 IMIGRAÇÃO DE SENEGALENSES PARA CAXIAS DO SUL Em abril de 2012 constatou-se o inicio de um fluxo de imigrantes de nacionalidade senegalesa para Caxias do Sul. O motivo da imigração está ligado a vários fatores, conquanto os quais podemos presumir que sejam alguns: o fato de que “[...] o Brasil tem sólida tradição de país receptor de estrangeiros” (BEENINGER; PATARRA, 1995, P.81); o Brasil é um país em desenvolvimento cuja economia cresce e toma lugar de destaque no mercado internacional. Deve-se considerar ainda, os fatores que facilitam a migração internacional tais quais: o progresso técnico dos transportes; a globalização e modernização dos sistemas de telecomunicações, que favorecem a troca de informações e a construção de um imaginário sobre a realidade do seu e de outros países. 2 Fonte: http://educacao.uol.com.br/geografia/refugiados-ambientais.jhtm 5 2.1 SENEGAL O Senegal é um país da África Ocidental, composta por um grupo de dezesseis países localizados na região ocidental do continente africano, em conformidade com a classificação do Departamento dos Assuntos Econômico e Sociais – Divisão de Estatísticas das Nações Unidas (http://unstats.un.org): dois países lusófonos (Cabo Verde e Guiné-Bissau), um árabe (Mauritânia), cinco anglófonos (Gâmbia, Gana, Libéria, Nigéria e Serra Leoa) e oito francófonos (Benin, Burkina Faso, Costa do Marfim, Guiné Conarki, Mali, Niger, Senegal e Togo). Com uma superfície de 196.722 Km2, o Senegal possui uma faixa marítima frente ao oceano Atlântico de 700 km de comprimento e é limitado por quatro países: a Mauritânia ao norte, o Mali ao leste, o Guiné-Bissau e o Guiné ao sul. A Gâmbia está encravada numa extensão de 10.300 km2 no interior do território senegalês. O país ocupa assim uma posição geográfica que faz dele uma porta de entrada para todo o oeste da África e um importante cruzamento das grandes rotas marítimas e aéreas. Três rios atravessam o país de leste a oeste: o Senegal (1700 km, ao norte); o rio “Gambie” (750 km) e o “Casamance” (300 km, a sul). As principais riquezas conhecidas e exploradas do subsolo são entre outras os fosfatos das regiões de “Thiès” e “Matam”, o calcário em “Bargny”, o gás natural de Diamniadio, o ferro, o mármore e o ouro, no sudeste do país. A população é estimada em 12 milhões de habitantes (2010), caracterizada por um crescimento anual intenso de 2,5%n e por uma divisão geográfica desequilibrada. A região de Dakar, que ocupa 0,3% do território nacional, abriga 22% da população total do país e concentra mais da metade (53%) da população urbana. 53% da população tem menos de 20 anos. No que se refere à composição étnica possui em torno de vinte etnias. As mais representativas são os “Wolofs” (43%), os “Haalpulaar” que reúnem os “Toucouleurs” e os “Peuhls” (25%), os “Sérères” (14%), os “Mandingues”, os “Bassaris” (4%), os “Diolas” e as outras etnias do sul do país (5%). No Senegal 95% da população é muçulmana, dividida entre diversas confrarias religiosas: “Tidjanos”, “Mouride”, “Quadiriya”, e “Layenne”. As minorias cristãs e animistas representam respectivamente cerca de 4% e 1% da população. Apesar do país atualmente não estar vivendo diretamente um conflito armado, sofre as consequências das guerras civis que afligem países vizinhos. Alguns relatam que viviam no Senegal, mas trabalhavam no Mali, país vizinho que, segundo o Alto Comissariado das Ações Unidas para Refugiados (ACNUR), vive uma crise silenciosa que nos últimos seis meses, já forçou mais de 250 mil pessoas a abandonarem suas casas, 6 quando começaram os embates entre governo, rebeldes “tuaregs” e diversos grupos armados. Além da questão dos conflitos, de acordo com estudos recentes (NDIAYE, 2008, UFRRJ), o Senegal apresenta uma degradação de seus recursos naturais, que incide diretamente na vida dos senegaleses, que vivem 60% no meio rural. Essa degradação é um fenômeno complexo, que está ligada às mudanças climáticas globais, que neste país ocasiona a salinização dos rios, desertificação, diminuição do índice de chuvas, degradação das condições de produção agrícola, e redução da mesma, e dificuldade no acesso a alimentação. A proximidade desses conflitos, a crise social que vive o país, gerada pelos altos níveis de desemprego, a crise ambiental gerada pelas mudanças climáticas que modificaram o regime anual das chuvas afetando a agricultura, a salinização dos rios que inviabiliza a sobrevivência pela pesca artesanal e outros fatores contribuíram na opção de emigração dessas pessoas em busca de condições de trabalho e renda, de acordo com relato desses migrantes, quase desesperada por sobrevivência. 2.2 MIGRAÇÃO E DIREITOS HUMANOS: O caso do Senegal As questões referentes à imigração internacional colocam em relevo o debate em torno dos direitos humanos para além dos direitos assegurados pelo Estado pelo critério de nacionalidade. A imigração internacional, embora sustentada como um direito natural do ser humano dentro dos territórios nacionais, não é um consenso quando se trata das migrações internacionais. Os fluxos migratórios internacionais tem tensionado o papel dos Estados nacionais como definidores e garantidores da cidadania. [...] o estudo da evolução do regime internacional de direitos humanos mostra que é crescente o reconhecimento do indivíduo como portador de direitos independentes de sua nacionalidade, mas, ao mesmo tempo, revela que a implementação desses direitos continua basicamente dependente dos Estados, no caso específico das migrações internacionais, dos Estados receptores. (REIS, p.9) Relacionando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com a migração, Rossana Reis aponta que são garantidos ao migrante os seguintes direitos: 7 [...] no artigo 15, o direito a ter direitos, isto é, o direito a ter uma nacionalidade, de não perdê-la e de poder trocar de nacionalidade; no artigo 14, o direito de procurar asilo em casos de perseguição; e no artigo 13, parágrafo 2, o direito de sair, isto é, deixar seu país de origem, e de voltar quando tiver vontade. Os avanços nesse sentido não representam, entretanto, uma ruptura com o paradigma anterior. A autonomia decisória do Estado a respeito de quem pode entrar ou residir em seu território permanece assegurada. O mesmo artigo 13, em seu parágrafo 1, deixa claro que a liberdade de movimento e de residência é limitada ao “interior das fronteiras de cada Estado”. (REIS, P. 05) Outro ponto a considerar dentro do campo dos Direitos Humanos é o fato da imigração irregular atualmente, estar diretamente relacionada às graves violações dos direitos humanos nos países de origem dos migrantes. No caso específico dos Senegaleses, observa-se que a emigração massiva é consequência de históricos e sucessivos colapsos sociais gerados por conflitos internos e regionais que resultaram no êxodo de senegalenses, situação hoje agravada pela degeneração dos bens naturais (pescado e minérios) que serviam de fonte de subsistência dessa população3. Embora haja uma tendência de considerar que o Senegal é um país que, em relação aos países vizinhos, apresenta um quadro de estabilidade política e social, relatórios recentes indicam que as fortes ondas de violência e conflitos que afligem o Mali e a Nigéria repercutem de forma significativa no país, agravando a situação de extrema pobreza e insegurança que vivem milhares de senegaleses, sobretudo os jovens. Conforme a Declaração de Cartagena devem ser considerados refugiados: [...] as pessoas que tenham fugido dos seus países porque sua vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública. Wellington Pereira Carneiro, no seu artigo A Declaração de Cartagena de 1984 e os Desafios da Proteção Internacional dos Refugiados, 20 anos depois, observa que tal conceito é formado a partir dos direitos fundamentais da pessoa humana, protegendo-os a vida, a segurança e a liberdade, portanto, se consolida a partir da realidade objetiva que ameaça esses direitos, seguindo o critério convencional do fundado temor, apenas que 3 NDIAYE, Marie Therese Yaba. Descentralização Florestal no Senegal: Impactos Socioeconômicos e Ecológicos. Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. UFRRJ, 2008. (Tese de Doutorado) 8 aqui o fundado temor se constrói a partir da realidade local que afeta a pessoa do refugiado. Ou seja, primeiro se generaliza para depois individualizar.4 O autor, ainda considera que, levando-se em consideração a complementaridade dos sistemas de proteção da pessoa humana que surgiram no direito internacional, notamos que a Convenção de 1951 se serve principalmente das fontes dos direitos humanos, enquanto que Cartagena, além disso, (vida, segurança e liberdade), estabelece uma ponte segura com o direito internacional humanitário, sobretudo no que se refere à diferença fundamental durante. Sendo assim, pode-se afirmar que o Estado é a esfera primária de realização dos Direitos Humanos, já que é nele que as pessoas residem efetivamente e podem exercer a cidadania, requisito para a efetivação dos Direitos Humanos. Conforme nos ensina Hannah Arendt: “Os direitos humanos pressupõem a cidadania não apenas como um fato e um meio, mas sim como um princípio, pois a privação da cidadania afeta substantivamente a condição humana, uma vez que o ser humano privado de suas qualidades – o seu estatuto político – vê-se privado de sua substância, vale dizer: tornado pura substância, perde a sua qualidade substancial, que é de ser tratado pelos outros como um semelhante”. (LEGROS apud LAFER)5. De acordo com o relatório “Global Estimates 2012. People displaced by disasters”6 no Senegal em 2012 cerca de 30 mil pessoas foram vítimas de deslocamentos forçados, causados por conflitos internos. (GRM p.20) Outro recente estudo, “Senegal looking more vulnerable to extremism, instability”7 (ACNUR, 30 May 2013) realizado pelo Institute of Security Studies (ISS/ USA) chama à atenção para o perigo das ideologias extremistas que sacudiram o Mali e a Nigéria cooptarem jovens senegaleses diante da falta de perspectiva de melhores condições de vida no país e de uma crescente insatisfação com o governo eleito que não tem conseguido promover a inserção desses jovens no mundo do trabalho ou garantir sua qualificação profissional. Emigrar em muitas dessas situações tem sido a única via de superação da situação de pobreza extrema, não somente para quem migra, mas principalmente para as famílias dependentes das remessas desses migrantes para prover a subsistência. 4 SILVA, Cesar Augusto S. da. Direitos humanos e refugiados (organizador.). – Dourados : Ed. UFGD, 2012. 5 LAFER, C. A reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 6 7 Disponível em http://www.internal-displacement.org Disponível em http://www.refworld.org/docid/51a86e7118.html 9 Segundo dados do Banco Mundial o valor das remessas dos trabalhadores migrantes para os países em desenvolvimento é três vezes maior do que o valor das remessas oficiais para a assistência internacional ao desenvolvimento. “Apesar disso, em 2012, esses mesmos trabalhadores migrantes não tiveram seus direitos protegidos adequadamente nem nos seus países de origem nem nos países em que trabalham”.8 A situação do Senegal segue a de outros países da chamada África subsariana, na qual, de acordo com o Relatório 2013 da Anistia Internacional, (..) apesar de muitos países terem apresentado crescimento significativo, milhões de pessoas continuam vivendo em uma situação de pobreza que as aproxima da morte. A corrupção e o fluxo de capitais para paraísos fiscais fora da África ainda estão entre as principais causas desse flagelo. A riqueza mineral da região continua a alimentar os negócios das corporações e dos políticos, em que ambos saem lucrando – mas muitos acabam perdendo. A falta de transparência nos acordos de concessão e a total ausência de prestação de contas faz que os acionistas das corporações e os políticos enriqueçam injustamente, enquanto as pessoas cujo trabalho é explorado, cuja terra é degradada e cujos direitos são violados simplesmente sofrem. A justiça está muito além de seu alcance. (Relatório Anistia Internacional, p. 20) Cabe também sublinhar que a imigração ilegal gera condições de vulnerabilidade que, se não acompanhadas, poderiam resultar na violação dos direitos humanos desses migrantes, principalmente, no que se refere ao trabalho irregular, à exploração da mão de obra desses trabalhadores, ao tráfico de pessoas. De fato, observa-se que quanto mais rigorosas e restritivas as leis da migração, mais fortes e numerosas tornam-se as redes de tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes. As convenções internacionais têm recomendado que os Estados agissem, sobretudo, no sentido de coibir as redes internacionais de tráfico de pessoas, e não os imigrantes irregulares em si. Relatos dos imigrantes do Senegal comprovam que muitos tem sido vítimas de coiotes, iludidos com falsas promessas, percorrendo vias obscuras para ultrapassar fronteiras na América Latina e adentrar em solo brasileiro, muitas das vezes, somente com os poucos pertences que lhes sobraram. Milesi (2001) aponta que “a política que define os fluxos migratórios, é antes de tudo dominada pelos mecanismos de repressão”, sendo que o fenômeno das migrações é encarado como fluxo de mão de obra que serve aos interesses do sistema capitalista em sua nova fase. Desse modo, a aceitação ou não de determinados migrantes, em determinado espaço de um país é definida conforme as leis e interesses do mercado. Porém, é necessário “colocar no centro das decisões das políticas sobre migrantes a solidariedade e o acolhimento e não o lucro e o dinheiro” 8 Informe 2013. O Estado dos Direitos Humanos no Mundo. Anistia Internacional, 2013. Disponível http://files.amnesty.org 10 O direito e o dever de acolher o migrante cidadão, em qualquer parte do mundo precisa se inscrever entre a lista dos direitos nativos e fundamentais de todos e cada um dos seres humanos. Homens e mulheres, pobres ou ricos, não importa de que nação, sexo, cor, origem étnica sejam, não podem ser discriminados e tratados desigualmente no momento em que escolhem livremente onde morar ou, com mais razão, 9 quando são forçados a migrar. (MILESI, UCHOA, 2001, p.03) A grande maioria dos imigrantes acaba caindo numa espécie de vala comum da invisibilidade dada pela sua condição de mobilidade. Uma vez que as pessoas emigram, os Estados de origem alegam que, pelo fato de não estarem mais em seu território, eles não têm qualquer obrigação para com elas. Os Estados de destino, por sua vez, alegam que, por não serem cidadãs desses países, essas pessoas não têm qualquer direito. Enquanto isso, a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das Suas Famílias, que está disponível para assinaturas desde 1990, continua sendo uma das convenções menos ratificadas da ONU. Nenhum dos Estados que recebe imigrantes na Europa Ocidental ratificou a convenção. Ela tampouco foi ratificada por outros países com numerosas populações de imigrantes, como os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália, a Índia, a África do Sul e os Estados do Golfo. (Informe Anistia Internacional 2013, p. 19) Cabe ressaltarmos aqui, a finalidade do Direito Fraterno. Teoria esta, mais do que importante nos dias de hoje, necessária! O direito fraterno é cosmopolita, não tem nenhuma raiz no etnocentrismo, ao contrário, ele vale para todos, sem distinções, físicas ou territoriais, simplesmente, porque todos são iguais. O direito fraterno coloca, pois, em evidencia toda a determinação histórica do direito fechado na angústia dos confins estatais e coincide com o espaço de reflexão ligado ao tema dos Direitos Humanos, com uma consciência a mais: a de que a humanidade é simplesmente o lugar “comum”, somente em cujo interior pode-se pensar o reconhecimento e a tutela. [...] Os direitos humanos são aqueles direitos que somente podem ser ameaçados pela própria humanidade, mas que não podem encontrar vigor, também aqui, senão graças à própria humanidade. Bastaria, para tanto, escavar na fenda profunda que corre entre duas diferentes expressões como “ser homem” e “ter humanidade”. Ser homem não garante que se possua aquele sentimento singular e humanidade. A linguagem, com as muitas sedimentações de sentido que encerra, é um infinito observatório dos paradoxos com os quais convivemos. Leva seus 9 MILESI, Rosita. YCHOA, Virgilio L. Migrantes: Uma Questão de Direitos Humanos. IMDH: OUTUBRO, 2011. 11 traços mesmo quando estes parecem pálidos e apagados: muitas vezes 10 o “apagamento” dos traços deixa marcas. O direito fraterno busca exatamente o que essa população necessita: humanidade, respeito e condições especiais, respeitadas as desigualdades. Características essas que emanam do próprio ser humano, porém, sem o auxílio estatal, nada disso poderá ser concretizado. Por fim, não se trata, nem se confunde, com caridade, mas sim, da obrigação do Estado e de toda a população em respeitar os Direitos Humanos. 11 De acordo com o relatório Global Professionals on the Move – 2013 , no ranking dos 15 destinos mais procurados por profissionais para trabalho o Brasil figura em 12º, ultrapassando até mesmo Itália (13º), Espanha (14º) e Nova Zelândia (15º). O crescimento econômico, o pleno emprego e a proximidade de grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014, colocaram o Brasil no imaginário de muitos migrantes como uma “terra de grandes oportunidades”. Somado a isso a fama de hospitalidade e um clima de respeito dos direitos numa caminhada crescente de consolidação da democracia marcam o lugar do país na rota daqueles que fogem da pobreza e de conflitos que limitam sonhos e um futuro melhor. 2.3 PERFIL DOS IMIGRANTES ACOMPANHADOS PELA REDE Os imigrantes atendidos na rede são da etnia “Wolof” que representa 43% da população senegalesa e falam o idioma ligado a esse grupo. Os que aqui estão na sua grande maioria não falam francês. Este fato está ligado à baixa escolaridade que caracteriza esse grupo de migrantes. Constatamos que mesmo aqueles que falam francês tem muita dificuldade ou não sabem ler e escrever, o que reduz muito as possibilidades de comunicação e expressão. Outra característica ligada à pertença nacional desses imigrantes é a religiosidade. A quase totalidade dos que aqui estão é mulçumana, visto que 95% da população senegalesa segue essa confissão religiosa. A maioria dos atendidos informa que frequentou a escola “arábica”, ou seja, ingressaram no sistema de aprendizado ligado à confissão religiosa que, no Senegal, se distingue do sistema de ensino francês laico. O motivo da imigração para o Brasil e, mais especificamente, para Caxias do Sul, está diretamente ligado à possibilidade do emprego formal. De acordo com os relatos desses imigrantes o objetivo de estarem aqui é a busca por trabalho para poder remeter remessas às suas famílias que ficaram no Senegal. Esses imigrantes chegam ao município em pequenos grupos e buscam, junto à Polícia Federal, o protocolo de 10 RESTA, Eligio. O direito fraterno. Trad. e Coord. Sandra Regina Martini Vial. Santa Cruz do Sul: UDUNISC, 2004, p. 13. 12 solicitante de refúgio. De posse desse protocolo, encaminham o pedido da carteira de trabalho que tem viabilizado sua inserção no mercado de trabalho local. Um grande grupo chegou sem ter lugar onde se estabelecer até conseguir o encaminhamento da documentação que possibilitasse o emprego formal e buscou os serviços de acolhimento institucional ofertados na rede socioassistencial pública (Albergue Municipal). O acolhimento no Albergue municipal foi feito no período de março a agosto de 2012 até o ponto de saturação quando atingiu o número de 21 imigrantes acolhidos. Nesse ponto a Diocese de Caxias do Sul, com a colaboração de entidades e grupos ligados à Igreja, por solicitação do poder público assumiu em regime provisório o aluguel de uma casa para o acolhimento desses imigrantes, pois sem essa iniciativa eles ficariam em situação de rua. No período que se seguiu de outubro de 2012 a abril de 2013 acolhidos na Casa 80 senegalenses, com uma média de permanência de três meses. Na presente data 30 permanecem na Casa de Acolhida, em processo de documentação e inserção no mercado de trabalho. Desse grupo, a totalidade é composta por homens, maiores de idade, na faixa etária dos 18 a 58 anos. Estima-se que existam em torno de 400 cidadãos de nacionalidade senegalesa residindo atualmente no município. O percurso migratório até Caxias foi realizado por diversos meios e valendo-se de diversificados trajetos. Dada a dificuldade de comunicação e ao fato de provavelmente muitos terem sido vítimas de coiotes ao buscar o ingresso no Brasil, não foi possível ainda definir com clareza quais trajetos empreendidos pelo grupo de imigrantes em Caxias. O que se pode constatar é que a grande maioria tem ingresso irregular no país e tem como ponto comum de entrada na América Latina a cidade de Guayaquil, no Equador, percorrendo o trecho Senegal-Equador por via aérea e o trecho Equador-Brasil por via terrestre passando por outros países: Peru, Bolívia e Argentina. Do início de 2013 até o presente momento temos observado o crescimento dos casos de ingresso irregular caracterizados por percursos que envolvem o pagamento para intermediários. Preocupanos, sobretudo, os relatos sobre maus tratos, trabalho forçado, abuso de autoridade e violência sofridos pelos imigrantes ao longo da travessia, especialmente nos países vizinhos da América Latina. De qualquer forma, mesmo que pese a suspeita de que tenham sido vítimas de algum grupo organizado no transporte ilegal de migrantes, observa-se que migraram por trabalho e sobrevivência. Nos atendimentos realizados a esses migrantes, podemos destacar alguns motivos de migração, por eles relatados: 11 Disponível em: http://www.hydrogengroup.com/Global_mobility_report_2013 13 - Ameaça de morte por motivos de: rivalidade esportiva ameaça de outra etnia, ameaça de grupo político diverso ao seu; - Dívida com banco ou grupos: Conforme relatos dos imigrantes senegaleses, no Senegal, quando uma pessoa contrai uma dívida com o banco, têm os seus bens confiscados, ou vai presa até que a dívida seja paga. - Busca de trabalho e melhores condições de vida; - Violência; - Falta de perspectiva para o futuro; - Manutenção da sobrevivência do núcleo familiar. Apesar das dificuldades enfrentadas nesse percurso, observa-se que eles salvo alguns casos tem boa saúde física ao chegar. Esse fato relaciona-se às estratégias adotadas pelas famílias no seu projeto migratório. Normalmente empreende em nome da família ou do grupo a pessoa mais jovem e forte que teria maiores possibilidades de conseguir trabalho num país estrangeiro. Alguns desses imigrantes afirmam que foi a família que reuniu os recursos que permitiram a migração, evidenciando que o ato de migrar não é somente uma estratégia de sobrevivência particular da pessoa que migrou, mas da família e/ou comunidade. Um grande número deixou familiares no país (pais, esposa, filhos) e além da saudade, expressam grande preocupação pela segurança e subsistência deles. O desemprego, os conflitos, a escassez de alimentos e outras disputas internas são indicados pelos imigrantes como problemas graves que tornaram a sobrevivência no Senegal inviável. Muitos manifestam o desejo de trazer esposa e filhos para o Brasil, pois temem que continuando lá possam sofrer as consequências da miséria e da violência. No Senegal, o desemprego chega a quase 50%, sendo que cerca de 15% dos desempregados são os jovens12. Porém, segundo relatos dos imigrantes senegaleses, a maioria dos jovens do Senegal está inserida no mercado informal de trabalho, como vendedor, comerciante ou agricultor. Estes jovens senegaleses migram para o Brasil em busca de trabalho e melhores condições de vida, porém ao chegar ao Brasil, se deparam com condições de trabalho e de vida diferentes das que esperavam, ou da que lhes foi prometida. 3 AÇÕES DE ACOMPANHAMENTO 12 Dados coletados do “The World Factbook” da CIA. 14 3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS / OPERACIONALIZAÇÃO No atendimento aos imigrantes foi necessário utilizar uma metodologia que aos poucos vai sendo aprimorada e desenvolvida. A metodologia abrange o método, os instrumentais e as técnicas utilizadas para alcançar determinado objetivo, e é através da dela que, “na perspectiva dialético-critica, a centralidade é atribuída à finalidade e não ao instrumental em si” (PRATES, 2003). Desse modo, serão elencadas os principais instrumentais e técnicas utilizados no atendimento a estes imigrantes: • Entrevista Foram realizadas entrevistas com os imigrantes, desde o primeiro contato e nos atendimentos que se sucederam. A entrevista é um encontro entre duas ou mais pessoas com a finalidade de que uma delas obtenha informações da outra através de um diálogo profissional, sendo uma forma de interação social e técnica fundamental de investigação social. As entrevistas objetivaram o aprendizado sobre o que os imigrantes pensam, sabem, acreditam, o que sentem, seus desejos e ambições, e suas concepções, atitudes e perspectivas acerca da realidade em que vivem com a finalidade de ajudá-los no seu processo de integração local. Foram utilizados três tipos de entrevistas: a informal, que acontece em caráter casual, sem estrutura a ser visualizada, mas é estrategicamente intencional e pode auxiliar para diminuir as resistências do sujeito; Semi-estruturada, que seque tópicos essenciais a serem tratados ao longo da conversa; e estruturada, que foi realizada a partir no preenchimento do cadastro quando do acolhimento no CAM. • Escuta Qualificada A escuta qualificada permitiu identificar riscos e vulnerabilidades compreendendo sem preconceitos os imigrantes e foi utilizada pelos profissionais envolvidos no atendimento a esse público, especialmente a assistente social. Por meio da escuta foi possível realizar vários encaminhamentos na linha da garantia e defesa dos direitos dos imigrantes, indo além do superficial e apreendendo a realidade dos indivíduos sem discriminá-los. • Observação A observação é fundamental no exercício profissional, pois consiste em ir além de ver e ouvir, sendo também examinar os fatos a fim de entender determinados aspectos 15 da realidade que estão sendo objeto de trabalho. Foram realizadas pela equipe de equipe os seguintes tipos de observação: assistemática, que é realizada sem planejamento e sem controle; não-participante, em que não se interage com a realidade; e participante, em que se interage com a realidade. • Reuniões com grupos de imigrantes do Senegal Ao longo do processo de acompanhamento foram realizadas várias reuniões com representantes das instituições envolvidas e os imigrantes senegaleses com o intuito de pontuar os encaminhamentos que estavam sendo feitos, dar esclarecimentos sobre dúvidas que eles tinham e envolvê-los de forma participativa de modo a reconhecer o protagonismo que devem ter no caminho de integração social. Foram realizadas também reuniões informativas acerca da legislação brasileira no que concerne as políticas migratórias e leis trabalhistas. • Reuniões da rede Foram realizadas algumas reuniões com as instituições envolvidas e interessadas na situação social dos senegaleses, como a Fundação de Assistência Social, Centro de Atendimento ao Migrante, Centro de Estudos, Pesquisa e Direitos humanos – CEPDH, Albergue Municipal, Polícia Federal, Diocese de Caxias do Sul, Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC). 3.2 PRINCIPAIS INTERVENÇÕES De outubro de 2012 a maio de 2013, o Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), entidade civil ligada à Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo – Scalabrinianas, localizado no município de Caxias do Sul - RS, com apoio da Diocese de Caxias do Sul (CARITAS) e do CEPDH - Centro de Estudos, Pesquisa e Direitos humanos atendeu 220 imigrantes de nacionalidade senegalesa, na sua grande maioria solicitantes de refúgio. Em Caxias do Sul os imigrantes senegalenses enfrentaram várias dificuldades, principalmente no que se refere à documentação ou regularização no país. Em julho de 2012 a coordenação do Albergue municipal iniciou um movimento de mobilização do poder público e de outras entidades de assistência social para fazer frente ao novo fenômeno. Após várias reuniões e tratativas, e mediante a dificuldade do Albergue 16 Municipal continuar abrigando um número elevado de imigrantes, gerando uma demanda reprimida de atendimento à comunidade local, a Diocese de Caxias do Sul, juntamente com outras entidades (Caritas, Centro de Atendimento ao Migrante – CAM, Casa Madre Teresa, Centro de Estudos, Pesquisa e Direitos humanos - CEPDH) realizou várias intervenções visando o acolhimento dessa demanda, entre as quais: • Acesso à documentação No dia 01 de agosto de 2012 a Polícia Federal em Caxias do Sul havia deliberado que não faria mais o protocolo de solicitação de refúgio sob a alegação de que Caxias do Sul não é um território de fronteira assim como, segundo a avaliação de seus agentes, os senegalenses que aqui estão não se enquadrariam na Lei de Refúgio. O grupo de imigrantes que não havia encaminhado documentação só tiveram acesso a solicitação de refúgio no mês de outubro, após gestão do CAM e do CEDPH junto ao delegado responsável. Desde então a PF passou a aceitar uma solicitação de refúgio por dia, com o pré-requisito de que o solicitante comparecesse com o formulário de refúgio preenchido e acompanhado de tradutor. No decorrer do processo foi também requerido o preenchimento de Declaração, assinada também pelo tradutor. O processo de preenchimento dos formulários está sendo possível graças à contribuição de voluntários (uma pessoa de fala francesa e um de wolof) que se dispuseram a ajudar. O acompanhamento desses imigrantes está sendo realizado de forma continuada pela equipe técnica do Centro de Atendimento ao Migrante. No início do mês de abril de 2013 representantes do CAM e CEDPH, junto com a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, Denise Pessoa, realizaram uma reunião com o delegado da Polícia Federal de Caxias expondo a dificuldade de acesso dos migrantes à documentação. A PF em Caxias tem uma estrutura de atendimento a estrangeiros bastante reduzida e em virtude dessa nova demanda, trazida principalmente pelo grande volume de imigrantes do Haiti e do Senegal, está encontrando bastante dificuldade para realizar os atendimentos. Dessa reunião foi aceito pela PF a solicitação das entidades e da Comissão de DH de que os encaminhamentos para refúgio fossem feitos por agendamento, evitando que os migrantes tivessem de dormir dias seguidos na frente do prédio da PF para garantir a ficha de atendimento. O delegado responsável também deixou sinalizado a disponibilidade da PF de manter diálogo com as entidades que acompanham os imigrantes no sentido de buscar um atendimento que seja adequado. Atualmente, em virtude do elevado número de imigrantes que chegam a Caxias, o tempo de espera entre o agendamento e o 17 atendimento na polícia federal já chega a três meses. Isso tem gerado uma série de dificuldades, tanto para os imigrantes que veem frustrado o projeto de trabalhar formalmente para manter-se e enviar remessas para seus familiares, quanto para as entidades que acompanham esses migrantes, visto que esta espera amplia o período em que eles dependem de apoio para subsistir. Além do acompanhamento direto junto à Polícia Federal no município foi enviado em 2012 via CEPDH documento para a Defensoria Pública da União no sentido de informar o que estava ocorrendo em Caxias e solicitar que a Defensoria intervisse junto aos órgãos competentes visando a agilização do encaminhamento da documentação. Foi ainda realizado contato com o Conselho Nacional de Imigração (CNIg) solicitando informações sobre as modalidades de visto e realizada uma reunião com a presença dos imigrantes e uma representante do Conselho Nacional para Refugiados CONARE. Vale sublinhar que à medida que eles têm sua documentação encaminhada são rapidamente absorvidos no mercado de trabalho que tem grande déficit de mão obra local. Atualmente a média de tempo entre o encaminhamento do pedido de refúgio na Polícia Federal e a obtenção da carteira de trabalho é de 15 dias. Desde abril do corrente também se observa um fluxo de imigrantes oriundos do estado do Acre onde recentemente o CONARE realizou um mutirão de regularização dos imigrantes que se concentravam em grande número na fronteira desse Estado com a Bolívia. No caso específico desses migrantes, eles chegam a Caxias sem ter onde residir. Em maio a presidência da Comissão de Direitos Humanos a Câmara iniciou um processo de articulação das entidades da sociedade civil e gestor público sobre o tema dos imigrantes, especialmente dos senegaleses. Foram realizadas duas reuniões da comissão e no último dia 12 de julho criado um Fórum de acompanhamento sobre esse tema que reúne diversos segmentos que tem atuado junto aos imigrantes no município. Destaca-se a grande preocupação das entidades locais que acompanham esses imigrantes em face da possibilidade desses terem seus pedidos indeferidos pelo CONARE. Para muitos restará apenas o caminho da indocumentação e da clandestinidade, visto que relatam não ter motivos, meios ou clima de segurança pessoal para retornar ao Senegal. Outro fator que gera apreensão é o tratamento criminilizatório da migração recebido por esses imigrantes nos órgãos que deveriam prestar-lhes orientação e tratamento humanitário visto tratar-se de solicitantes de refúgio. A aplicação fria da lei (notificação ou até mesmo deportação) não vai resolver o problema, pelo contrário. Quando o governo e a sociedade civil organizada deixam de mediar esse tipo de fluxo a tendência é que esse passe a ser mediado por outros atores 18 (atravessadores, coiotes, exploradores de mão de obra barata) em prejuízo aos migrantes diretamente e da sociedade local de forma indireta. (Ex. precarizaçao das condições de trabalho, marginalidade, etc) • Acolhimento institucional Em julho de 2012 a Fundação de Assistência Social (FAS), gestora da política de assistência social do município sinalizou que, em virtude do grande volume e da condição de irregularidade desses imigrantes, estava com dificuldade de continuar inserindo-os no serviço de acolhimento institucional público (Albergue). Dada essa dificuldade a Diocese de Caxias do Sul buscou junto a entidades ligadas a ela construir um projeto de acolhida emergencial para esses imigrantes. Sendo assim no início do mês de outubro de 2012 a Diocese disponibilizou uma casa na modalidade de acolhimento provisório para os imigrantes que não dispunham de local para morar. A Casa é gerida diretamente pela Diocese, através da Paróquia São José e pelo Centro de Atendimento ao Migrante – CAM. O projeto sobrevive com poucos recursos e algumas doações de pessoas e grupos voluntários e não é considerado adequado pelas entidades que o mantêm. O espaço físico modesto teria capacidade para abrigar 15 pessoas. Dada a demanda já houve momentos em que chegaram a estar 60 pessoas no local, tornando o ambiente insalubre e extremamente inadequado. O projeto é acompanhado sistematicamente por um grupo composto pelas entidades já citadas anteriormente. A presença e as demandas desse grupo de imigrantes no bairro onde está localizada a casa (Desvio Rizzo) motivou uma corrente de solidariedade local que tem mobilizado recursos materiais e outros. Entretanto, mantido esse fluxo imigratório, faz-se necessária e urgente a construção de uma estratégia conjunta e de caráter permanente (governo, sociedade civil, Igreja, etc) para fazer frente a essa situação considerada nova na região, sendo essencial uma articulação entre as políticas públicas para o atendimento a esta população especifica. Para permanência na Casa de Acolhida foram estabelecidas regras e à medida que conseguem trabalho formal eles estão buscando residência própria em pequenos grupos. No mês de abril do corrente ano foram realizadas reuniões com representantes do gestor público e das entidades que acompanham o projeto. Da reunião com o gestor da política de assistência social do município (FAS) foram apontadas as demandas por estruturas adequadas de acolhimento institucional previstas pela Política Nacional de Assistência Social e Tipificadas pela Resolução CNAS, nº 109 de 2009. De acordo com o 19 gestor da área no momento o município não tem estrutura e recursos para acolher essa demanda e o Albergue municipal não poderá fazê-lo por conta da prioridade de atendimento da população nacional local. No dia 15 de abril do corrente ano as entidades realizaram encontro com o chefe de gabinete da prefeitura municipal expondo as diversas demandas dos imigrantes principalmente no tocante à habitação, saúde e trabalho. De acordo com o gestor o município não tem estrutura para acolher essas demandas. O representante do gestor deixou firmado o compromisso de levar o tema para ser discutido internamente no governo e posteriormente chamará uma reunião com as entidades para expor as estratégias que o governo local poderá adotar para fazer frente a questão dos imigrantes. No dia 27 de junho uma representante do Centro de Atendimento participou da reunião do Comitê de atenção a migrantes, refugiados e apátridas do Rio Grande do Sul, na qual se fez o relato da situação dos imigrantes no município e das dificuldades de acolhimento de suas demandas. O Comitê se comprometeu de acompanhar a questão e de realizar uma reunião ampliada do Comitê no município para tratar desse tema. No início de julho, visto que não havia ainda uma resolução do poder público local sobre a questão do acolhimento dos imigrantes, a Comissão de Direitos Humanos solicitou agenda com o prefeito para apresentar as demandas desse segmento da população. Em reunião no dia 16 de julho o prefeito recebeu a presidência da Comissão e representantes das entidades civis e acolheu as demandas expostas. Assumiu compromisso de buscar estratégias através da Fundação de Assistência social para viabilizar o atendimento aos imigrantes. • Aprendizado da Língua Portuguesa Em novembro, com o apoio do Programa Brasil Alfabetizado e a disponibilidade de um professor voluntário o CAM facilitou aos imigrantes, especialmente aqueles que residem na Casa de Acolhida aulas de português. As aulas são ministradas no CAM duas vezes por semana (segundas e sábados) respeitando os períodos de trabalho dos migrantes. • Inserção no mundo do trabalho A motivação para o trabalho é uma das grandes forças motrizes desses imigrantes. Para facilitar sua inclusão foram feitos vários encaminhamentos com empresas interessadas em contratá-los, além do envio de currículo e mediação na contratação, visando evitar possíveis situações de exploração ou de trabalho irregular. 20 Muitos estão buscando trabalho em dois empregos para poder garantir o envio de remessas aos familiares, especialmente esposas e filhos, que ficaram no Senegal. De modo geral a integração no ambiente de trabalho está sendo rápida em vista da grande disponibilidade de vagas de emprego e do regramento que esses imigrantes apresentam. A grande preocupação das entidades que tem acompanhado esses migrantes é que dado a condição de documentação provisória desses migrantes e diante da possibilidade de suas solicitações de refúgio ser indeferidas pelo CONARE que esses percam a possibilidade de trabalhar formalmente e venham a cair na marginalidade e clandestinidade, gerando problemas sociais graves. No dia 18 de abril do corrente a presidente da Comissão de Direitos da Câmara Municipal, Denise Pessoa, juntamente com Pe. Gilnei Fronza (CEPDH) e Ir. Maria do Carmo S. Gonçalves (CAM) reuniram-se com o diretor executivo da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC – Caxias do Sul) para tratar do tema da inserção da mão de obra migrante em Caxias do Sul. O Sr. Victor Hugo Gauer se dispôs as colaborar na articulação dessa questão junto às suas filiadas. • Acesso à saúde Os imigrantes foram encaminhados pelo CAM para confeccionar o cartão SUS. Além disso, em virtude de que muitos não possuíam entrada regular no Brasil foi encaminhado junto à Secretaria de Saúde, a realização de vacinas (Tétano, Hepatite, Triviral e Febre Amarela). Em alguns casos eles foram acompanhados pela equipe para atendimento no Posto de Saúde 24h. No início do mês foi encaminhada à Secretaria de Saúde Municipal/Vigilância Sanitária o pedido de que os imigrantes fossem inseridos no grupo de risco para receber a vacina contra a Gripe A. 4 DEMANDAS E PROPOSIÇÕES A partir das ações realizadas junto aos imigrantes senegalenses surgiram demandas para as quais sugerimos propostas que podem contribuir na garantia dos direitos humanos e no seu acesso às políticas públicas. Destacamos que um resultado positivo depende do trabalho em rede. Temos a firme convicção de que só haverá êxito na solução dessas demandas se houver um trabalho articulado que envolva todos os sujeitos (imigrantes, poder público, entidades não governamentais, etc). 21 Por fim é válido sublinhar que os imigrantes não representam apenas um problema social a ser sanado. Atrás de cada um há uma história de vida que se entrelaça a tantas outras. A presença desse grupo em Caxias do Sul tem uma função educativa social fundamental: o aprendizado para uma convivência pacífica e criativa, respeitosa do ser humano, da convivência com o diferente. Isso assegura um crescimento local baseado não só em cifras econômicas, mas no desenvolvimento calcado no reconhecimento dos direitos fundamentais de toda e qualquer pessoa humana, independente de sua condição ou origem. • Quadro das demandas e proposições Demandas Propostas Acesso à informação - Cartilha informativa em GERAL wolof e/ou francês com indicações sobre documentação, regularização, acesso à políticas públicas de saúde, educação, trabalho, POLÍTICAS PÙBLICAS Saúde Vacinação, acesso ao SUS, - Criar formas de acesso à acolhimento adequado, informação sobre as vacinas necessárias (febre amarela, hepatite B, Gripe A, tétano) - Acolhimento específico considerando o idioma . O município poderia criar um serviço específico para atender os imigrantes dispondo de profissionais da saúde preparados para comunicar-se em francês, espanhol e inglês, bem como com preparo para identificar os problemas de 22 saúde que são próprios de populações migrantes deslocadas e refugiadas. EDUCAÇÃO Aprendizado do idioma - Disponibilizar cursos de (português) e Alfabetização Alfabetização e EJA com Necessidade de cursar certificação válida, programas públicos de direcionados educação para adultos especificamente para esses (EJA) grupos com profissionais qualificados (bilíngues). HABITAÇÃO Mesmo tendo reunido - Facilitar o acesso dessa recursos financeiros os população aos programas imigrantes tem grande públicos de acesso à dificuldade de locar moradia (Minha Casa Minha moradia, pois os Vida e Outros). mecanismos comerciais de - Criar mecanismos como o locação excluem essa aluguel social. população. ASSISTÊNCIA SOCIAL Ausência de estruturas Criar e/ou fortalecer os adequadas de acolhimento serviços tipificados, principalmente as modalidades de acolhimento institucional (Casas de Passagem) com profissionais preparados para esse tipo de atendimento específico. MIGRATÓRIA E REFÚGIO - Dificuldade de acesso à - Capacitação dos agentes informação sobre as Lei de públicos que trabalham nos Migração e Refúgio processos de acolhimento brasileira e sobre o fluxo de dos pedidos de refúgio. 23 encaminhamento para - Criar mecanismos de regularização e pedido de acesso à informação sobre refúgio. o refúgio e regularização - Falta de preparo dos (Cartilha no idioma de agentes públicos para origem). atender essa demanda - - Formas de tratamento especificidade desse grupo criminilizadoras dos encaminhar junto ao CNIg a migrantes possibilidade - Falta de Recursos regularização para aqueles Humanos na Polícia Federal que não se enquadram na no setor de Estrangeiros Lei do Refúgio Brasileira. - Considerando a de Contratação de mais agentes na Polícia Federal no setor de Estrangeiros, propiciando aos mesmos capacitação adequada no que concerne à: Lei do Refúgio e Lei do Estrangeiro. TRABALHO - Baixa qualificação - Favorecer a participação profissional, dificultando o desse público em acesso a postos de trabalho programas públicos de formal. qualificação para o mundo - Trabalho informal (risco de do trabalho (PRONATEC) exploração ou aliciamento - Proporcionar acesso à no trabalho escravo) informação sobre as leis - Falta de conhecimento trabalhistas brasileiras. sobre as leis trabalhistas brasileiras GOVERNO BRASILEIRO - Internamente: Tratar as demandas da imigração 24 internacional (principalmente a irregular) de forma intersetorial - Somar forças junto aos governos dos países africanos com grandes contingentes de população deslocada em virtude de questões ambientais no sentido de pressionar a ONU no reconhecimento dessa modalidade de migração forçada e na criação de mecanismos internacionais que garantam o amparo dessas populações (Refúgio Ambiental). - Inserir nos acordos bilaterais de desenvolvimento Brasil/Senegal ações que incluam o tema do deslocamento desses grupos para o Brasil. - Ratificar a Convenção Internacional de Trabalhadores Migrantes e suas famílias. REFERÊNCIAS NDIAYE, Marie Therese Yaba. Descentralização Florestal no Senegal: Impactos Socioeconômicos e Ecológicos. Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. UFRRJ, 2008. (Tese de Doutorado) 25 PATARRA, Neide Lopes. Emigração e Imigração Internacionais no Brasil Contemporâneo. Programa Interinstitucional de Avaliação e Acompanhamento das Migrações Internacionais no Brasil. FNUAP: Campinas, 1996. PATARRA, Neide Lopes. Imigrações Internacionais Herança XX Agenda XXI. Programa Interinstitucional de Avaliação e Acompanhamento das Migrações Internacionais no Brasil. FNUAP: Campinas, 1995. BRITO, Fausto. Os Povos em Movimento: as migrações internacionais no desenvolvimento do capitalismo. IN: PATARRA, Neide Lopes. Imigrações Internacionais Herança XX Agenda XXI. Programa Interinstitucional de Avaliação e Acompanhamento das Migrações Internacionais no Brasil. FNUAP: Campinas, 1995. Caxias do Sul, 16 de abril de 2013 Ir. Maria do Carmo Vanessa Perini Pe. Gilnei Fronza Denise Pessoa dos Santos Moojen Centro de Estudos, Presidente da Comissão de Gonçalves Assistente Social Pesquisa e Direitos Direitos Humanos da Coord. Centro de Centro de humanos - CEPDH Câmara Municipal de Caxias Atendimento Atendimento ao Migrante - CAM Migrante - CAM do Sul 26