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Se existe-O que é-Como poderemos
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POR
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Mo·��- SÉGUR
SEGUNDA EDIÇÃO
Approvada pelo Ex.mo e Rev,mo Snr. D. AntoniO,
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Llvrar.la Cathollca Portuense
Centro de Propaganda Religiosa em Portugal e B1•azil
CASA EDITORA DE
Aloysio Gomes da Silva
39, Rua da Pical'ia, 41
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Verdades como
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pu_nhos. B och. 50, ene.
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Padre F. X. SCHOUPPE
da
Companhia
de
Jesus
Dogn1a d o Inferno, illt1strado por
tirados da historia sagrada e profana•
......, __,...---J.!��!·nv••lln pelo Em.mo Snr. D. Americo, C ardeal
do Porto, Broch. 120, enc . 200 reis.
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PORTO- TYP. PROGRESSO de Domingos A. da Silva & c.•
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Apln'unlçüo eanouicn
«Póde publicar-se.
Porto, 2 de Setembro de 1905.
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A. fi1sPo no P01rro ».
BREV·E
UIRIOIUO POR
Sua Santidade o Papa Pio IX ao Auctor
PIO IX, PAPA
Amado Filho, Saudc e Benção Apostol ica .
Nós vos feli<'itamos de todo o l'ornção por não
deixardes ele. seguir fielmente c com tanto proveito
a vossa vol'ação de arauto do Eva ngelho. As vossas
publicações são bem depressa espalhadas entre o
povo por meio de milhares d'exemplares.
· Se os vossos escriptos são t.ão procurados , é
porque agradam; e se não tivessem o dom de
attrahir os espíritos, de penetrar nté ao intimo
dos coraç.ões c de produ:>:ir n'elles os seus benc­
ficos efl'ritos, não poderiam ngrndar.
Aprovcit.ne, pois, a graç a que Deus vos con­
cedeu, continuae a trabalhar com ardor e a cum­
prir vosso minist.erio d'cvangclisação.
Quanto a Nc)s, vos promPttcmos rla pRrte de
Deus uma g randio sa protccção para podérdes tra.­
zex: ao caminho da Halv�tç.iio um n u m e •· o rl'almas
cad a vez mais consirlcr:wcl, c grangca.rdes d'este
modo uma magnifica eorôa dn gloria.
N'esta espe11tativa, recebei, como penhm· da
protel'çào divinR e dos outros dons do Senhor,
a Benção Apostolica, que vos concedemos, muito
amado F il ho, com todo o afl'ccto do Xoss • c ora ­
ção, p Rra vos testemunhar a N11ssa paternal be­
nevolenci:t.
Dado em H.oma, junto de S. Pedro, aos 2 de
Março de 187G, trigessimo anuo do Nosso Ponti­
ficado.
Pro
rx,
PAPA.
http ://alexa nd riacatol ica . blogspot. com.br
...•
�t!f111e ·="'�'?l "'•f:'�''r-'::
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PRO LOGO
Era em 1837. Dois alferes, ainda moços,
que, ha pouco, tinham sahido de Saint-Cyr7
visitavam os monumentos e raridades de Pa. ris. Entraram na cgrcja ela Assnmp<;ão,junto
das Tulherias, e estacaram a observar os qua­
dros, as fiÍnturas c todas as obras artísticas
d'aquellc bcllo cdificio. Nem sequer pensa­
vam em orar.
Um d'elles viu ao pé d'um confissionario
um padre, ainda novo, com sobrepeliz, que
adorava o SS. Sacramento. <<Olha para este
padre, disse ao sen camarada; sem duvida es­
pera por alguem.- Talvez por ti, respondeu
, o outro rindo-se.-Por mim? Pat·a qne?­
Quem sabe? Talvez para te confessar.- Para
me confessar?! Pois bem, apostas que sou ca­
paz de lá ir?-Tu, ires confessar-te?! Ora!»
E pôz-se a rir, sacudindo os h ombros. c< A pos­
tas ?, repetiu o novo official, com um modo
zombeteiro e decidido. Apostemos um bom
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PBO.LOGO
I
I
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j antar, ac omp anhado d'uma garrafa de vinho
de Champagne.-Acceito a aposta do jan'tar
e do vinho. Des 11 fio -te a ires confessar-te.»
D i to isto, o outro dirigiu-se ao padre e fallou­
lhe ao ouvido; este levanto tt - se, entrou no
confissionurio, emqnanto o fingido penitente
lançava para o seu camarada um olhar de
vencedor, e ajoelhava como para confes­
sar-se.
«Tem graça!», mnrmnrou o outro; e as­
sentou - se, para vêr em que viria aquillo a
parar. Esperou cinco lllinutos, dez minutos,
um quarto de hora. <tO que é que elle faz?,
perguntava a si mesmo, com uma curiosidade
quasi impaciente. O q tte poderá elle ter dito
todo este tempo? l)
Emfirn, o confissionario a L r iu - se, o padre
sahiu com o semLlantc animado e gra\-·e,
e,- depois de ter sondado o joven militar,
entrou na sacristia. O offieial levantou-se
t a mLem , vermelho como a crista d'um gallo,
puxando pelo bigode com ar um pouco dis­
s imu l ado, e deu signal ao scn amigo que o
seguisse, afim de sahirem da egrcj a.
«Que é isso?, disse este. O que foi que te
aconteceu? Sabes que te demoraste quasi
vinte minutos com o padr e? Palavra de
honra , julguei por um momento que ias
confessar-te devéras. Com _effeito, ganhaste
bem o teu jantar. Queres que seja esta tarde?
-Não, respondeu o outro com man humor ;
hoje não. Qualquer dia nos veremos. Tenho
que fazer e preciso de me retirar de ti.»
Apertan.do a mão de seu companheiro, afas·
tou-se precipitadamente, de má catadura.
O que se teria passado. entre o alferes e
o confessor? Eil-o: A penas o padre abriu a
portinha do confissionario, conheceu , pelas
maneiras do joven official , que este ia alli,
nlo para confessar-se, mas para fazer zom­
baria. Tinha. elle onsndo dizer-lhe, concluin­
do não sei qne phrase: «A religião!
con­
fissão! Eu zombo de tudo isso ! »
O padre era homem atilado. «Perdão,
meu caro senhor, disse interrompendo-o com
brandura; vejo que o que fazeis não é a
serio. Deixemos de parte a confissão e· con­
versemos alguns instantes. Gósto muito dos
militares, e, segundo me parece, vós sois
um j oven bom e amavel. Dizei-me: qual é
a vossa graduação?)) O official com<'çava a
conhecer que tinha commettido uma sanôice.
Contente por achar um meio de sahir d'este
estado, respondeu ·cortezmente: «Sou apenas
alferes. Sahi ainda. ha pouco de Saint-Cyr.
-Alferes? E ficareis muito tempo alferes?
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)
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PRO!.OGO
9.
sei lá. Dois annos, ou trcs annos,
quatro annos talvez.- E depois ?_-Oepois
passarei a tenente.- E depois?- Depois
serei capitão. -Capitão ? em que idade se
póde ser capitão ? - :'lc tiver fortuna, re!'!pon­
den o official sorrindo, posso ser capitão aos
vinte e oito ou vinte e nove ann os . -E de­
pois ?-Oh! depois é diffi.cil. F.ica-se muito
tempo capitão. D e poi � passa-se a mnjor, em
seguida a tenente-coronel, e depois a coronel.
-Muito bem ! Ahi esta<'s vós coronel aos
quarenta ou quarenta e dois annos de idade.
E depois?-Depois serei general de brigada
e depois general de divisão.- E depois?­
Depois não resta senão o grau de marechal;
mas as minhas aspirações não chegam a
tanto.-Embora; mas não chegareis a ca­
sar-vos?- Tal vez chegue, talvez; mas será
só q ua ndo fôr official superior. -Pois bem!
Então sereis casado, offi.dal superior, general
de hrigad:t, �cneral de divi�ão o talvez até
marechal de Franr;a, quem sabe ? E depois,
senhor ?, accrescenton o pad1·e com andori­
dade.- Depoi s ? depois? replicou o offi.cial,
quasi confuso. Oh! crêde; não sei o que
succederá depois.- V êde como isto é singu­
lar, disse então o sacerdote com um accento
cada vez mais grave. Sabeis o que se pas-
-Eu
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sará até então e não sabeis o que depois
succederá. Pois bem, en o sei e vou dizêl-o.
Depois, senhor, morrereis. Apenas morrer­
de<�, npparecereis diante de Deus pam serdes
julgado. Se continuardes a viver como até
agora, sereis conderunado e ireis arder
eternamente no inferno. Eis-aqui o que
depois succederá! >>
O mancebo, aterrado e enfa8tiado d'este
remate, parecia querer esquivar-se. «C m in­
stante mais, senhor, continuou o padre. Te­
nho ainda algull!as palavras a dizer-vos.
Sois honrado, não é ver.-ladc? Poi:> bem, eu
tambem o �on. Vicstcs aqui :towlntr de ruim;
deveis por isso dar-me uma reparat:ão.
Peço-a, exijo- a em nome ela honra. Será
além d'isso muito siwplcs. Haveis de me
afiançar que, IJOr espaço de oito dia�, de
noite, antes de vos deitardes, posto de
joelhos, direis em voz alta.: «. Um cli:a hei
de morrer, m as rio-me d'isso. Depois ela
minha morte serei julgado, mas rio-me d'isso.
Depoi::1 do meu julgamento serei condem­
nado, mas rio-mo cl'isso. Ireis arder eterna­
mente no inferno, mas rio-me d'isso. »
Direis isto; mas daes-me a vossa palavra
de honra de quo não haveis de faltar, não
é verdade? »
http://a lexa nd riacatolica . blogspot.com . b r
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PBOI.OGO
O alferes, cada vez mais enfad ad o, que
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rendo a todo o custo sahir d'aqu�lle emba­
raço, prometteu tudo e em seguida o bom
padre Jespediu-o com bondade, accrescen­
tando: «Não preciso, meu caro amigo,
dizer que vos perdôo de todo o meLl coração.
Se tiverdes necessidade de mim, aqui me
achareis sempre no meu posto. Não vos
esqueçaes da palavra dada.» D epois sepa- '
.;
raram-se, como vimos.
O novo offit.:ial jantou sú. Vi a se que es­
tava ve:s:ado. A' noite, antes de r:.e deitar,
hesitou um pouco; ruas tinha d ado sua pala­
vra de honra; não faltou ao promettido,
ccMorrcrei, serei julgado; irei tal v e z para ,�
o i n fer no . .. » Não teve anim o de accres- ��
centar: \(rio-me d'isso. )l
!.
Assim decorreram algnns dias. Sua peni­
tencia lembraya-lhe continuamente e parecia
ztwir-lbe aos ouYidos. A su;t índole,. como
a das hoventa e no vo centesimas partes
dos maneeLc;>s, tinha mais de dis;,ipado
que de m;,u. O oitavo dia não passou sem
qLte o ofikial \'oltasse, en t ã o desacompanhad o, á egreja da Assumpção. Confessou-se
com contricção sincera, e sahiu do confis­
sionario com o rosto banhado de lagrimas
e a alegria no coração.
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12.
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O Ill.li'ERlii'O
Segundo alguem me certificou, elle foi
depois um digno e fervoroso c!1ristão. Foi a
meditação do inferno que , com a graça de
Deus, operou aqnella mudança. Ora, o
fructo que ella prodnziu no espírito d'este
novo official, porque o não produzirá no
vosso, caro leitor?
E' preciso, ·pois, meditar no inferno emquanto é tempo.
Cumpre pensar no inferno. E' uma qnestio pessoal a sua exi:;tencia, e, confessao-o,
é p1·ofundaruente temível. Aquella questão
é proposta a cada um de nós; e, bom ou
mau grado nosso , necessita d'uma solução
positiva.
Vamos pois, se qnizcrdes, examinar, breve
mas rigorosamente, duas coisas: 1." se existe
inferno; 2." o que é o inferno. A ppéllo. aqui
UJÜcamente pa.a • •.,,. fé e probidade.
http ://alexa n d riacatolica . blogspot. com.br
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I
O INFERNO
Se existe inferno
·
lia infet·11o: ((•Jll sido t�sta u t�t·cnçu
ti<' todos OS )lUYOS
I'Ill todos . os h�tll}lOs
O que todos os povos toem sempre acre­
ditado em todos os tempos, constitue o que
se chama uma verdade do senso eommnm ,
ou, se assim quizerdes dizer, uma verdade
de sentimento commum, universal. Aquelle
que não quizcsse admittir uma d'estas g1·a.n­
des v erdad e s uni\·ersaes, não teria, como
muito bem se diz, senso commum. Com cf­
feito, só u m insensato poderá imaginar que
pódo ter razão contra todo o mundo.
Ora, em todos os tempos, d e sde o principio do m u ndo até aos nossos dias, todos os
povos teem acreditado no inferno.
.
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·
.
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O INFERNO
• .
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I
I
Debaixo d'um ou d' out ro nomé, de f órm as
mais ou menos, alteradas, teem rece bido ,
conservado e proclamado a c re nça em cas ­
tigos terríveis e eternos, em que o fogo ap­
parece sempre, c omo punição dos maus
depois da sua morte.
E' es te um facto certo, e que tem sido
tio c l aramente estabelecido pe l os n ossos
grande s philosophos chris tãos , que se ria
superfl.uo, por assim diz er, dar-nos ao tra ­
balho de provai-o .
Desde o principio do mundo �ch a-s e a
existe ncia d'nm i nfern o eterno de fog o
consignada em termos bem c l ar os nos mais
an tig os dos livros conhe c idos , que são os de
Mo ysés. Não os cito aqui, not a e bem, senão
sob o pon t o de vista pu ra m en t e historico.
O· nomo de inferno acha-se ahi com tod as
a s suas let tra s .
Assim , no decimo sext o capitulo do liVl'O
dos Numeros vêmos os tres levitas, Coré,
Dathan e A biron, que tinham bl a sphe m ado
de Deus e se revoltaram contra Moysés,
«precipita d os vivos no infe rn o » e o texto
r epete : «E descera m vivos para o inferno
(descende'l'untque vivi in inje1·num); e o fogo
(ignis), que o Senhor fez sahir então, devo­
rou os outros duz entos e cincoenta rebel-
J
Sl!l EXISTE IN�'ERXO
lõ
des. » Ora Moysés escrevia isto mil e seis­
centos annos antes do nascimento de Je�us
Christo, isto é ha perto de tres mil e quinhentos annos.
No Deuteronomio o Senhor diz pela bocca
de l\loysé3: «O fogo accendeu-se na minha
colera, e os seus ardores penetrarão até ás
profundezas do inferno (et ardebit us que ad
•
inferni nodssima'. D
No livro de .Tob, igualmente escripto por
Moysés, se gundo dfirmnm os maiores sabios,
os ímpios, cuja >ida é cheia de gósos, e que
dizem a Deus: «. �ão temos necessidade de
vós, nem queremos a vossa lei ; de que vale
servir-vos e orar? i), estes im pios « cahem
n'um instante no inferno (in puncto ad in­
.fe,·na descendunt/'. >>
Job chama ao inferno «a região das
trevas, a r egiíto envolvida nas sombras da
morte , a região da desgraça e das trevas,
onde não ha ordem alguma, mas reina o
horror eterno .'sed sernpite?·nus hor?'O?' i?'Jta­
bitat). >> Eis-aqui testemunhos certos, mui
respeitaveis, que remontam á origem pri­
mitiva da historia.
Mil annos antes da éra christit, n'esse
tempo em que ainda nil.o existia a historia
grega, nem romana, David e Salomito fal-
16
O JNFBHNO
Iam frequentement e
do inferno, como d'uma
grande verdade de tal modo cqnhecida e
reconhecida de todos, que nii:o ba mesmo
necessidade de a demonstrar. No livro dos
Psalmos1 David diz, entre outras coisas,
fallando dos peccadores: «que elle3 serão
lançados no inferno (conve�·tant·wr peccato-
..
res
in infe�·num). Que os impios serão con­
c precipitados no inferno (et dedu­
cantm· in inje1•mtrn . » �'outra parte falia
das «dôres do inferno (dolo�·es il�f'emi). »
fundidos
Salomão não é menos formal. Ao referir
os desígnios dos ímpios, que querem sedu­
zir e perder o justo, ::ttribue-lhes estas
palavras: « Devorêmol-o vivo, como faz o
infurno (sz'c-ut in.f&rnus). » E n'aqnella famo­
sa passagem do livro da Sabedoria, em que
descreve tão admiravelmente a desespera­
ção dos cJndemnados, ac�,;rescenta: ((Eis o
que dizem no inferno (in inje1·no) aquelles
que peccaram; porque a esperança do impio
desvanece-se como o fttmo <1ue o vento
leva. »
Em outro de seus livros, chamado o Eccle­
siastico, diz ainda : «A multidão dos impios
é como um embrulho de estopa, e o seu
ultimo fim é a chamma de fogo (jlamnw
ignis); são os infernos, as trevas e as penas
·
SB E:S:IB'rE INPEBXO
(et in fine illorum in.fe?·i, et tenebrae,
et
' . prenae,. »
Dois :;e culos depois, mais de oitocentos annos anres de Christo, o grande propheta
!saia:: ,:izia: (' Como cahiste do alto dos céos,
ó Lu��ú:�r? tu) que diúas em teu coraçllo:
,,sn;J::::-e: a:·:- á altura do cóo e serei sem.e­
lhan::·� a�- -�:::ssi:-�:o ••, eis-te precipitado no
inferr: �. no i·:::do do alJ.Ysmo (arl ú�fernum
detra:·.�,:$. i • l'ro(u;!rlliu� laci:. l•
�·:::..:a outn pa.;,::wgem de s�as prophecias,
Isaías :'.:!::a elo fogo eterno elo i n f e r no. «Os
pec..·a : -: :::- : -' , dit. elle, fi�.:am aterrados. Qual
d'er..tr.:: ;- · , poder:í. ha]J;ta.r com o fogo devo­
rador :- ,.-:, igne dcvo?·ante) o com as cham­
mas e te-::::::. s 'cu o' m·do?·ióus sempitm·nis)? »
O pr· � :.e:a Daniel, qnc v i veu düzentos
an nos .-:._: : :� dt• lsaiHs, diz, fali an do da
resnrrei)à:.: ) Juizo final: (( E a multidão
olos que -�::- ... e:n no pú despertarão, uns
para a >i-la :-:-rn:•, outros para nm o ppro' brio que ::n-: ::.1. :·�rá fim.»
O w·:�::: : : ,;- :-:mmho foi d ad o por parte
dos ontr• , ; :-:·I·h<·tB até ao precur,;;or do
Messias, S. Jo::'w B.tpti;;ta, qne tamLem fal­
lava ao po>•) de Jerusalem do fogo e terno
-_·
_
do inferno.· como d'uma verdade conhecida
por todos, e de que járnais ninguem duvis
t
I·
l
. 18
•
O INFERNO
dou. «Eis que Christo chega, exclama elle.
Pa1h;jar:t o seu grão, recolhent o trigo (os
eseolhiàos) nos sons eellciros; quanto á pa­
lha (os peccai!.ores), lançal-a-ha no fogo que
nunca se apaga /in igne in,.xtingnibili). )\
A antignirlade pagã, grega e latina, fal­
Ia-nos ta.mLem do inferno e de suas terríveis
pena�, qno nnnca terão fim. Debaixo de
fórma:; mais ou menos cxactas, sr.gunélo os
povos cat:;vam mai� ou menos afastados elas
tradições primiti;;as c dos <msinamontos dos
PatriarclHifl n dos Proplwta,;, acha-se sem­
pre a cren<,:a no inferno, e no inferno de
fog-o e de trevas.
Tal é o Tartaro dos gregos e dos latinos.
«Os ímpios qne desprezaram a;; leis santas,
são precipitados no Tartaro, para nunca sa­
hirem d'ollc c p>�ra �ofl:'rcrcm ahi tormentos
horríveis e eternos 1)1 diz fiocratcs, citado
por Plntão, seu discípulo.
E Platão diz: «Deve-se dar credito ás
tradições a n t i ga s e sagradas, que ensin,am
que depois d'esta vida a alma será julgada
e punida severamente, se não viveu como
devia.» Aristoteles, C í cero e Seneca faliam
d'estas mesmas tradições, que se perdem
na noite dos tempos.
Homeró e Virgílio revestiram-as com o
�
19
SE EXISTE DI�'El!liO
'
colorido de suas immortnes poesias. Quem
a narradl:o da descicla de
E:-!ea5 aos infernos, onde, sob o nome de
Tar:�ro, d�, Platão, . et_c:, descohrimos as
desfiguradas
� . :: ::': >":·--::v1•'s prHmtl\7as,
� ·c. �1" :��1. pa<r:1lli�mo? Os suppliali �;to eternos, e u
- � 1 ;::t·Hto em no ((fixaE�ta crenç,
:::.:-�:-:: "'·
::
:
-'---�-:.-.--e>l '- inc:ontc�tada�i
�·o:=- 2. :-·-:::-·· é r·:,•o::hec-ida pPlo primeiro
:·::.: .- ...- - s ?··r:;c-", Ba.de. Sen colleg,• no
e :-:a impiedade, o inglez
• - : : :::-':::.- :�:r.r.
B<:-:-. .;'-r-k·�. deebrou-a com igual fran­
- --o::J.. Diz formalmente: �(A cloutrina d'um
;,:_� -: : :"-.1:·ir·) de recompensas e de castigos,
:·.:-:·e •:;,ae se perde nas trevas d:t antigni­
:.: :-·: �rere1.e turlo o que sabemos de certo.
:::_,- ::· � ·:-• romeeamo;; a desenrolar o cahos
,--- :-:�_
achamos esta crença, da
. : -_ ·.:" �o lida, no espírito das pri­
=.r.:- - -:. _- ' q·:e conhecemos.))
E=. •::::-:--:;_...-:: >estig-ios d'ella entre as sn­
��--.,..;;; c:"r.r:nes dos selvagens da Ameri­
� dA _-\!rica e da Oceania. O paganismo
da India e da Persia, guarda d'ella vestígios
bem notaveis, e, emfim, o mahometismo
C·:>:!Ul o inferno no numero dos seus dogmas.
não leu aind:t
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é _..do dmer
que o dogwa. do in ferno é claramente ensi­
nado como uma das grandes verdades fun­
damcntaes que servem de base ao edilicio
d a Religião. Até os protestantes , que tudo
teem atacado com a sua louca doutrina do
liv,·e exame, não ousaram tocar no dogma
do inferno. Coisa estranha, inexplicavel!
:Ko meio de tantas ruínas, Luth ero, Calvino
e os outros corypheus da Reforma tiveram
de deixar de pé esta terrível verdade, que
deveria entretanto ser-lhes tão importtma !
Logo, todos os povos em todos os tempos
conheceram e reconheceram a oxistencia do
inferno. Portanto, oste dogma terrivel faz
parte do thesouro das grandes verdades uni­
versaes que constituem a luz da humanida­
de. Ass i m , não é possivel a um homem sen­
sato pôl-a em duvida dizendo, na loucura
d'uma orgulhosa ignorancia: Não h a inferno !
Logo, o inferno existe.
lia inrc•·nn: o inlct•Jio mi.o foi
nc•nt poclia sc�1· inyc•nhulo
I•
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t.
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:
Acabamos de vêr que, em todos os tem­
pos, todos os povos erêram no inferno . Só
isto basta. para pro\·ar que não é invençilo
http://a lexa nd riacatol ica . blogspo t. com.br
SE EXIBl'E INFERNO
2b
humana. Sllpponhamos por um instante os
hc-mens todos vivendo mui tranqnillos no
n:'·1o é!o;; prazrrcs, e entregues sem temor a
v--!as as p:·ixõcs. Um bello dia um indivi­
�:- :_·..:.a'q·..:.er. um philosopho, vem dizer­
•:
::-:::::•:c ::.�er::o, um logar do tormen: ·: ·> Tl� · 1;; n0s punirá se conti' :. --_;.·>:-.:- o mal: um inferno de
-::-: - a:-:r:::--:i� ete:-!1�mcnt�, se n�o
:;:._a-=.�>-; .::- ..,.. : : : 11 Imaginacs vós o e ffeito
C'X' :-:-::.:c:z:ria t:tl annuncio? Primeiramen­
�- ii:::"Je-:n o acreditaria . « Que estaes a
pr·:;ar? diria toda a gente a este inv<·ntor
ào i:1ferno. Onne vistes isso ? Que provas
:�r.des? Sois um sonhador, um propheta da
desgraça. l l Repito, ninguem o acreditaria.
�inguem o acreditaria; porqne , no homem
C)rrompido, tudo conspira instinctivamente
Cüntra a ideia do inferno. Assim como o
·:".llpado :i·epelle tanto quanto lhe 6 possível,
a Heia do castigo da mesma sorte, e cem
,ezc:; com mais razão,
o homem cnlpado
repelle a vista d'este fogo vingador, etorno,
que deve punir tão scventmente todas as
suas culpas, ainda mesmo as oecnltns. E
sobretudo n'uma sociedade, como a que
snppozemos ha pouco, em que ningnem
tinha ouvido fallar do inferno, a revolta
-
-
.
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' · ·"\._;
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. . •.- --
O INFERNO
dos preconceitos viria juntar-se á revolta
das paixões. Não sórnonte ninguem acredi­
taria n'estc inventor azingo, mas até toda a
gente o perseguiria cow colera e apedreja­
ria de tal modo, ttuo ninguem jámais teria
o desejo de propalar uma tal inven<;ão.
Se, o que é impossiYcl, se désso credito
áquella estranha invenção; se, por uma im­
possibilidade ainda mais evidente, todos os
povos, subjugados pela palavra do sobredito
philosoplto, chegassem a crêr no inferno,
seria el:ltc um grande acontecimento. Ora
dizei-me: o nOillC do inventor, o scculo, o
paiz onde viveu poderiam deixar do ser con­
signados na historia? N'ão. Ora, ha porven­
tura algum homem as:;ignalado como tendo
introduzido no mundo esta doutrina ter ri vel,
tão contraria ás paixões as mais enraizadas
do espírito humano, do coração e dos senti­
dos? Não. Logo, o inferno não foiinventado.
E não foi inventado, porque não podia
sêl-o. A eternidade das penas do inferno é
um dogma que a razão não p(',de compre­
hendcr; p(ídc conhccf·l-o, mas não compre­
hcndêl-o porque é superior á razão.
Corno quereis, pois, que o homem podésse
inventar uma coisa qne não é capaz de
comprehcnder?
llU'EllliO
SE EXISrE
23
E" certo que o inferno, inferno eterno,
p:de ser comprehcnilido pela razão; e
::::..:1:.
:. :-:>.z::.o
irBar,:;-e-se
contr<t
clle,
(1uando não
:-:-.::a �a e i !lustrada pelas luzes sobre­
. .:.:·::-.�--" :_, fé. ('omo veremos mais adiante,
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r1l� injustiça a justiça.
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c 1atn&
uma cleasas
brilh,:t �m nós,
r. :•":<O: que esta no
IntimO d��
,·o::;,eienc:a, gravada nas profundezas
da alma como nm diamante negro, que
r:Jha c.:m resplendor sombrio.
Xin�uem púde arrancai-o ela alma, por­
·:;,ue foi Deus que o pôz n'ella. Póde-se
c.'1•rir este diamante e o seu ln·ilho sombrio;
!·de-:;e afastar cl'elle a vista e esquecêl-o
;· r algum tempo, p«'•cle-so ncgal-? por p�la­
� q nmra, m·e-se
•:-3.;;; mas, embora se nao
�' ·elle,
c a consciencia n?io cessa de pro­
:-.c.:.::a
;:r;,�-:>
__
·
damal-o.
0.:� ímpios tine zombam do inferno, tcc:n
interiormente mnito mf.do d'elle. Os que di­
zem que lhes pareee que não ha inferno,
mentem a si me::;mo o mentem aos outro::;.
,,
·.
�··\ .,,.
O INFERNO
E' um desejo ímpio do cora<;Ao, antes que
uma negação razoavel do espírito. No ultimo
seculo um d'estes insolentes escrevia a
Voltaire que tinha descoberto a prova
metaphysica da não existencia do inferno.
«Sois muito feliz, respondeu-lhe o velho
patriarcha dos incredulos; eu estou muito
longe d'isso. ))
Não, o homem não inventou o inferno.
Não o inventou, nem podia inventai-o. O
dogma do inferno eterno éle fogo remonta
até Deus. Faz parte da grande revelação
primitiva, que é a hase da Heligião e da
vida moral do gen<>ro humano.
Logo, existe inferno.
lia in [pJ•uo:
))pus J'('YI'IOII-JIOS a ('Xis1PJI<'ia fi'CJI(•
r
I··
f
Algumas passagens do Velho Testamento,
que a traz citamos, mostram que o dog m a
do inferno foi revelado por Deus aos Patriarchas, aos Prophetas e ao antigo Israel. Com
effeito, não existem sómcnte testemunhos
historicor-J; ha tambem e sobretudo testemunhos divinos, qne nos obrigam a crêr e que
impõem :i nossa consciencia com a aucto­
infallivel de verdades reveladas.
5B Eli:IS rE IN�'ElllW
25
J �-:.: C: ri�f) confirmou solemnemente esta
:,�:-.::: re·.·ela·;ão. e qnatorze vezes no
E-:..- .:-::-_c, r:e>s fal!a do inferno. Não dire-� -�: t-:-� .s ::_� snas palavras, para n�o
:�::--:::o. ):, , :· \'05 �;;qneçaes, caro let­
- ':'�-··.: :_ue �<tlla, e que d_i sse:
-_,_,_::-"). mas as nnnhas
- �
�.!.-:• -"'.
__
:.:: :··
.
·.-.
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·-:-
-�,,.:c- '
- : , � 5lla admiravel
T:.a l_�)r, Jesus dizia
m1dtirlã') que o se­
�:: : '.o .-.: ,.;; 1 mão (isto é o que tendes
-�7 : . ,;.;_., !"·'-::i<:·.:o' é para vós occasião de
:.;.��..:..::. ·cJrtae-�: \'ale mais entrar na
:·-:-a 'iÍ�a cJm uma só mão, do qnc com
l.--::. ":-a;, i:- para o inferno, para o fogo que
::·:::ea se a paga, onde o vernw do remorso
::1: m-Jrre c o fogo nt!o se extinguirá jámnis.
s.:· >osso pé ou vosso olho é para v{,,; occade peccado, cortao-o, arrancao-o e
·..:.::. � �-o
para longe de vó�: vale mais
-:::.·:-a:: na Yida cternn. com um pé ou com
wt=
só olho, do quo ser l:tn�:ado com os
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-::""1--� �-& .. !-- -_ - = ��- - (..
a.:� �-::.< : : -.-: :; ::�.1(·< e á
_
·
•
'>c-550s
pri3ão
dois pés ou com nmbos os olhos na
do fogo eterno, (in gelwnnam ignis
i1-<xtinguibilis),
e
o
fogo não se
s·n"fu1:·ll.
onde o remorso não cessa
apaga, (et 1:gnis
non
extin­
26
I
(
f
Fallando do que :H:ontecerá no fim do
mundo, diz: \(Entfio o FjJho do homem
envinr:í. os seus Anjos, qne ngarrarão os
que tiverem praticado o mal, c os arrrjarão
na fornalha do :fogo (in caminnm ignis),
onde haved pr,;nto e ranger fie dentes.
Quem tiver ou>itlos para onvi1·, que ouçall.
Qumdo o Filh·1 de Deus predisse o Juizo
final, no vig;•;;Ímo qHi:Jto capitulo do Evan­
gelho oc S. :\[atlwns, fez-nos conhecer
d'antcnião os pr.}prios termo;; da �cntcnça
que ha de pronnncia!' contra os rt':prol•os :
«Retirae-vos de miu1, maldito.;;, para o ft'go
eterno (disceditr; a me, ·),;'J,ledicti in ignem
aeternu.m) 11 E accrc3centon : \( F:stes irão
para o snpp)i.;io eter n o (in suppliciu.m ae­
•
te·l·num))). Pergnnto· vos: h a porYcntura al­
gnma cr·isa Jn::is cxplicit.a?
Os A1:ostolo81 encarregados pelo Salva­
dor de rlcsenvolv<·rem sua doutrina c com­
pletarem suas revcla\:i!cs, f a lla m- nos do
inferno c do snas chammns eternas fl'uma
maneira não nwnos i,ltelligi•cl. Para não
citar :.enão alguma;; c1,1 sum; palavra>t, lem­
brenJO-nos do que disse S. Paulo aos chris­
t ãos de Tltcssalonica, na sua p r ógação sobre
o Juizo final, que o l;'ilho de Deus «tirará.
vingança, na chanuna do fogo (in jlarnma
.
SB E:S:IBTl!l INFERNO
j9 ;
27
.
ã.;-.ü
ri0s impios que não teem querido
a Deus e que não obedeeem ae
.E:- --:;.::·:.o ·le �os;;o �enhor Jesus Christo;
ac::;.- � -:: o - t'rer penas eternas na morte,
1.�-:.:
:·... : :.:- �enhor (prJ!nas dabunt in
r::.-·:-... -::o:r
I
_;
.
:a:
�=-
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_
>:o :iz
.:..;::.;o
� _ -:-_:. ::- :1 r:.>.s
os pecca �o­
dos maus anJOS
profundezas do
que
, .;. ... <o� d·:o Tartaro (ntdenti­
>;r._•,;s i,l Turtarum t?-adiclit
-:. .;.·.,�- . .I '- c:.anw-os (\lilhos da maldição
...__. " �
;:_ ·"·,� .n.'iil. aos quaes estão reser­
a::., ·s :-.orn·res dai! tre-vasJ) .
:" J :::o ;:a:lu-nos tambem do inferno e de
1 ,r- _-:. .:.o tterno. A respeito do Anti-Christo
e > �eu ialso propheta, diz: C( Serão lança­
i:� -,-;,.js no abysmo ardente de fogo e de
e=.:;:c-fre Jn stagnwn ignis a�·dentis sul­
i-..---r;;
·_
. :_
o=
: -�
:-
�-::-
;, par?. ahi srrem atormentados de dia
r:oite por todos os seculos dos seculos
;ia�u.nt�w die ac nocte in saec1tla saecu-
E:ntim, o Aposto lo S. Judas falia-nos do in­
mostrando-nos os demonios e os répro1
-�
presos por toda a eternidade no meio
6, trevas e soffrendo as penas do fogo
-ér:.o,
•
e:o:r::o
(ignis
aete�·ni pwnam sustinentes)».
28
O INFERNO
E em todo o curso de suas Epístolas inspi­
radas insistem os A postolos continuamente
no temor dos juizos de Deus e nos castigos
eternos que aguardam os peccadores impe­
nitentes.
Após ensinamentos tão claros, é porven­
tura de admirar que a Egreja nos apresente
a eternidade das penas e do fogo do inferno
como um dogma de fé propriamente dito?
E isto de tal modo, que aquelle qne ousasse
negal·o, on sômcnte dnvhl.ar d'elle, seria
por este facto here je. Portanto, a existencia
do inferno é um artig-o de fé catholica, e
estamos d'elle tão certos, com o da existen­
cia de Deus. Logo, ha inferno.
Em resumo: o testemunho de todo o ge­
nero hnmano e das suas mais antigas tradi­
ções, o testemunho da natureza humana, da
recta raziío, do coração e da conscienc:ia, e,
além d'isso, o testemunho do ensino infalli­
vel de Deus e da sua Egreja, são concordes
em attestar·nos com uma certeza absoluta
que ha inferno, inferno de fogo e de trevas,
inferno eterno, para castigar os ímpios e os
peccaclores impenitentes.
Caro leito r , poderá uma verdade ser esta­
belecida de maneira mais peremptoria?
29
�c t' (�( · t• tn 11 I J (� m.: i s t('
i n ret• J H I , ( � 1 1 1 1 1 0 (\ l j i H' I I U I I Cil
l l i i i !J I H'lll \"1 1 1 1 1 1 1 1 c l l' J:"l '!
O inferno existo para c as t igo dos répt·obos
e n ão para deixai-os voltar ao mundo .
Qua n d o n'ello se cahe, n ' elle se fica.
Dizeis que nunca ningucm voltou de lá ?
E' verdade na ordem habitual da Provi­
dencia . Mas é pot· \·entura ce r to que n u nca
ningur;m voltou do i n ferno ? E!:itaes certos
de que, para mostt·ar a sua misoricordia e
j usti�ta, Deus mmca permittiu que appare­
ccsse n a terra nm conclem nado ?
Na Sagrada Escriptura c na h i stori a ha
p rovas do con trario , c por mais su p ersti­
ciosa que se tenha tornado a crença quasi
geral nas u l mas q u e veem do o n tro mundo,
seria inexpl icavel , se não t i v e sse por f1 m d a­
mento a verdaclc.
Perwitti-mc lf. Ue vos conte aqui a lguns
factos cuja authenticiclad (� p a re ce incontes­
tave l , e q u e provam a existencia do inferno,
p e l o trem endo testemunho d o& que de lá.
voltaram .
O d-1·. Raymundo Dioct•es . - � a
vida de
ttp://alexand riacatolica . blogspot.com. b r
..
..
•
30
0 IIIFEIINO
'
S . Bruno,
ÍLmdartot· da ordem dos Cartuxos,
encontra-se um facto , estudado a fundo
pelos doutíssimos Bollandistas, e qne a p re
senta :1. criti ca, a mais séri a , todos os cara­
ct e re s historicos de authcnticidade ; u m facto
acontecido em Paris em plPno dia , na pre­
sença de muitos milhares de testemnnhas,
e cujas narrações foram recolhid as por con­
temporaneos ; omtim, que dl3n nn scim ent o . a
uma grancle Ordem re l i giosa .
Um celebro clontor da Univor�illacle de
Paris , chamado Raym undo Díocrcs, a ca ­
bava de fallecer no m e io da a cl m iral�ào
universa l e d a tristeza ele todos os s�us
discípulos . Era no anno de 1 08 2 . Cm do s
m ais sabios doutores d 'aqnel l e t(•m po, co­
nhecido em toda n Europa pe l a sua scien­
cia, talento e virtudes , por nome B r n n o ,
estava en tão em Paris com qua tro co m pa­
nheiros, e tomon por um dever assistir ás
excquias do illust•·e morto. O cadavor tin ha
si do d eposi tado na g•·ande sala d a chan­
cellaria , proximo á egrej a de N o t r e D a m e ,
e um a multidão imwensa cercava o leito,
onde , segundo o uso do tem po, estava ex­
posto o morto, coberto com um simples véo.
No momento em que se principiava a
cantar uma das liç5es do Officio de defnn­
-
SI� B X I � n; t :> F E ilNO
31
tos , que c&mcça assi m : << Uesponà c-mc , quão
grandes e numerosas sli.o tuas iniquidados l) 1
uma voz sep nlchral s a h i n deba ixo do véo
fune bre, e toda a m ulti rl::to de po v o que
assistia, ouYiu estas palavras : C( Por justo
juizo de Deus sou necnsadc))) . Todos corre­
ra m
para j nnto do c a r hv er ; e rg u eu - se o
pan n o m o r tuario ; o i n fel i r. c�tava immov e l ,
gela d o , perfeitamente m o r t o . A ceremonia ,
por um momento interrom p i � a , foi do novo
comec,:ad a . 0,; assisten te>� csta\·:tm cheios de
esp an to o penctrarl.os do t<�I-ror. RepctÍ il·-se
o O fficio ; chogou- so ú referida lic,::1 o : c< Res­
ponde me l\ . D' esta v e z , li v i :; t.a Llc todo o
povo , ergueu- se o mo rto , c com um a voz
m ais forte o aind:t mais aeccn tuarla , disse :
« Por j u s to j u i r. o ele DclB sou j ulgado >> , e
tornou a c ahi r . O tornr elo a n à i t o r i o chegou
ao. sm1 auge . Os mcrlieo,; exa m i naram o
m orto . O caà av cr estava frio c ri ·2·ido. Nã.o
houve coragem de contin uar , e "o Officio
ficou a di ad o para o d i a seguinte.
As a nctoridadcs ecclosias tieas uã.o sabiam
o que se devoria resolver. Uns d iziam : « E '
u m rép ro b o ; é i n d i gn o d a s o r a çõ es d a
Egreja)) . O utro s diziam : «'Xão, tud o isto é
sem duvida mui terrível ; mas, emfim, todos
nós não seremos porventura accusados pri-
O INFEIINO
- ...- . .......__,_.
'
.i
•i
I
-
m eiro , de p oi s j ulgados por nm justo juizo
de Deus?)) O Bispo foi d'esta opin i ão, e no
dia seguinte as cxelfuias recomoc;aram á
mesma hora. Bruno e smts c ompa n h e i ros
compa recera m , c o rn o na vespera. A Un iver­
sidade e Paris inteiro apinhara-se em Xo­
tre-Damo. A' mesma lição : (lRe:�ponde-me » ,
o cada,·er d o d r. Raymnndo ergnon-se, sen­
tou- se, e com uma. pausa , que gelou de
terror todos os q u e assistiam , excla mou :
« Por j usto j uizo de Deus estou cond emna­
do» ; c tornou a cahit· immo�cl .
D ' es ta. vez niugnem ficou com duvida ; O
terrivel prorligio m a n ifesto até �t oYidencia
não dava logat· a cl i,;lm:;sõcs. Por ordem do
Bispo c do CaLido cle:>pojou-sc o cadaver
da!:! insig nim; do :mas d i g n idades , e foi
levado ao monturo de �Iontfauco n .
..:\o sahir d<t grande s a l a da cbancellaria,
Bruno, elo idade do quasi quarenta e cinco
annos, decidiu-se irrevogavelmente a deixar
o mundo, e foi, com seus com p anheiros,
pr o c u r a r nas so lidõJs da Grande- Ca rtuxa ,
perto de Grenoble, um retiro onde podassem ,
mais tranquillos, assegurar a sna salvação
e· preparar-s�l assim para os justos j uiz;o;; de
Deus.
Eis , pois, um réprob :� , que voltou do
8R EXISrE INFE RNO
S3
inferno,' nã o para sahir d'elle, mas para
'
ser a m ais irrecusavel das te stemunha s do
inferno .
O 1·eligioso de S. Antonino. - 0 sabio
A rcebisp o de Florença, S. Antonino, refere
nos seus escrip tos um facto não menos ater­
rador, que, pelo meado do secnlo quinze, en­
cheu de espanto o norte da ltalia. Um man­
cebe>, ill nstro p or l:!Ua nobreza, aos dezeseis
ou dez esete annos teve a de sgra ça de occultar
um p ecc ad o mortal na confissão e de com­
mungar n'aquelle estado , e foi adiando de se­
mana para semana, de mez para mez a con­
fissão de seus sacrileg ios , continuando entre­
tanto a confessar-se e a commungar por um
miseravel respeito humano. Torturado pelos
remorsos, procurou allivio nas grandes peni­
tepcias, de modo que passava por um santo.
Porém , nã.o o encont ra nd o n'ellas, entrou em
um mosteiro . 11. Alli , ao menos, pensou elle, di­
rei tud o e expiarei sériamente os meus horro­
r osos peccados. )) Para sua de sg raç a , foi aco­
lhido como um santinho pe los superiores, que
já o conheciam de fama, e a sua verg on ha an­
gme n tou por isso ainda mais . Deixou a sua
confissão para mais tarde, redobrou as peni­
tencias, o um, doi s , tres annos se passaram
3
O INFERNO
n'este las timoso estado . Não ousava revelar o
fteso horrível e v ergo n h o s o que o opprim i a .
Emfim, u m a d o e n ç a mortal veio facilitar­
lhe o meio de fazer uma boa con fissão . « Ago­
ra , que es t o u cloente, disse elle, vou confessar
tudo. Q uero fazer uma confissão geral antes
de morrer. » Mas, dominado pela soberba, de
tal modo embrulhou a confissão das suas cnl­
pas, que o confessor nada pô de perceb er.
T e ve um vago desej o de confessar-se no dia
seguinte ; mas s o b re v e i o um accesso de dali­
rio, e o desgraçado morreu sem nma boa
confissão d as suas culpas . A Communidade,
• '
que ignorava a terrivel realidade, dizia :
« Se elle não está n o céo , qual de nós poderá
lá e n t rar ? )) E nas snas mãos i:J.m tocar
cruzes , ro sario s e medalhas. O corpo foi
transportado com uma c speci e de vcncraçilo
para a egrej a do m o s t eiro , ficando exposto
no côro até a manhã do dia seguinte, em
que se de v i am celebrar os funeraes.
Alguns mo m entos antes da hora marcad a
para as ex:equi a s , um dos religiosos , ao ir
tocar o sino , viu de repente diante de si,
j un to do altar, o defL1nto cercado de cadeias
que, de abrazadas pelo fogo, pareci am ver­
melhas, e divisou na sua figura alg um a coisa
de incandescente. Aterrado, o pobre rel igios o
SB EXIBl'E I!IFEBNO
35
cahiu de joelhos com os olhos fixos na hor:
rorosa ap p arição. Então o réprobo lhe disse :
({ Não oreis por mim . Eu estou no inferno
por toda a eternidade. a Contou a la.men­
tavel historia da sua funesta vergonha e dos
seus sacrilegios, e em seguida desappareceu,
deixando na. egrej a um tão mau cheiro, que
se es p alhou pelo convento, como para attes­
tar a verdade de tudo o que o religioso
acabava de vêr e ouvir. A visados os supe­
riores, estes mandaram immediatamente
levar o cadaver, j ulgando-o indigno de
sepultura ecclcsiastica .
.A meret1·iz ' de Napoles. - S. Francisco
de Jeronymo, celebre missional"Ío da Compa­
nhia de Jesus no com êço do seculo dezoito,
iôra encarregado de dirigir as missões de Na­
poles. Certo dia, em que prégava n'uma
praça d'alli, algumas mulheres de má vida,
reunid11s por convite d'uma d'entre ellas,
ehamada Catharina , esforçavam-se em per­
turbar o sermão com descantes e exclama­
ções ruidosas, para obrigar o padre a
retirar-se ; mas elle não deixou de concluir
Q seu sermão, dando mostras de não se in­
•Juietar com as suas insolencias .
Algum tempo depois foi de novo prégar
·
86
O IN.I'JIIUIO
�a mesma praça. Ao vêr fechada a porta e
,;oda a casa de Catharina, onde ordin&·
riamente havia grande tumulto, n'um pro­
fundo silencio exclamou o santo : « Oh ! que
aconteceu a Catharina ? - Padre, não sabe?
A desgraçada morreu hontem de tarde sem
poder pronunciar uma só palavra. - C atha­
rina morreu ? replicou o santo ; morreu de
repente ? Entremos e vejamos. » Abriram a
porta ; o santo subio a escadaria, e seguido
d'uma multidio de gente, entrou na sala
onde o cudaver estava, estendido no chio,
sobre um panno mortuario, circumdado de
quatro velas, segundo o uso do paiz. Obser­
vou-a por algum tempo com olhos espan­
tados, e depois disse em voz alta : « Catha­
rina, onde estás agora? » O cadaver nada
respondeu. O santo repetiu : o: Catharina,
dize-me onde estás agora. Ordeno-te que me
digas onde ê a tua morada. » Entlo, com
grande espanto de todos, os olhos do cada­
ver abriram-se, seus labios agitaram-se con­
vnlsivamente, e, com voz aterradora, res­
pondeu : « No inferno ! estou no inferno ! )
A estas palavras, os que as ouviram fngi­
ram espantados, e o santo desceu com elles,
repetindo : « No inferno ! Oh, Deus ! No in­
ferno ! Ouvistes? No inferno ! »
8E Elti8'rE I!II'FEBNO
A
37
impresslo d'este prodígio foi tlto vi vaJ...
que muitos que d'elle foram testemunh•
•
.·�
.�
não ousaram entrar em suas casas sem
primeiro se terem confessado.
O amigo d o Conde Orlo.ff. - No seculo
actual deram-se tres fact0s do mesmo gene­
ro, cada qual mais authentico, e que chega­
ram ao meu conhecimento. O primeiro pas­
sou-se quasi na minha família. Aconteceu
elle na Russia, em Moscou, pouco tempo
antes da horrível campanha de 1 8 12. Meu
avô materno, o conde Rostopchine, gover­
nador militar de Moscou, era muito amigo
do general conde Orloff, celebre pela sua
bravura, mas mais ímpio do que valente.
Um dia, depois d'um o piparo jantar, em que
houve numerosos brindes, o conde Orlo:ff
e u m de seus amigos, o general V . , tão
voltaireano como o conde, pozeram-se a
mofar em termos horrorosos da Religilto, e
sobretudo do inferno. «E se por acaso, disse
Orloff, houvesse alguma coisa além do
tumulo ?-N'esse caso, replicou o general V.,
aqnelle de nós dois que morrer primeiro,
virá avisar o outro. Que lhe parece ?­
Excellente ideia ! », respondeu o conde
Orloff. E ambos, ape1:1ar de estarem um
\-,
O INFERNO
pouco embriagados, deram mui sériamente
a. sua palavra de honra. de não faltarem ao
ajuste. Al gumas semanas depois rebentou
uma d'essas grandes guerras que Napoleão
sabia suscitar. O exercito russo entrou em
campanha, e o general V. recebeu ordem
de partir immediatamente, para tomar um
commando importante.
Tinha deixado Moscou havia duas ou tres
semanas, quando uma manhã muito cêdo, no
momento em que meu avô se vestia, alguem
abriu precipitadamente a porta do seu
quarto. Era o conde Orloff, vestido de rou­
pa branca, em chinelas, com os cabellos
eriçados, o olhar espantado, e pallido como
um morto. « Que ó isso, Orlo fi' il Sois vós, a
esta hora, com semelhante traje? Que ten­
des, que vos aconteceu ? - Meu amigo, res­
pondeu o conde Orloft', parece-me que estou
doido . .A cabo de vêr o general V. -0 gene­
ral V. ? Pois elle já voltou ? - Ah ! não,
replicou Orloff, assentando-se n' um canapé
e segurando a cabeça com as mãos. Não,
não voltou e ó isso o que me espanta . >>
1\Ieu avô não comprehendia nada, e pro­
curava socegal-o. « Contae-me o que vos
aconteceu e o que quer dizer tudo isso. >>
Eutão, esforçando-se por dominar a sua
·
SE ElUS rE Ilii! E RNO
39
commoção, o conde Orloff narrou o seguinte :
( Meu caro Ros topchine , h a algum tempo o
general V. e eu j ura m o s mutuamente que
o pri m eiro que morresse viria dizer ao outro
se além do t u m ul o existe alguma coisa.
Esta m anhã., ha a pe n as meia hora, estava.
tra.nquillamente na minha cama , t e n d o pouco
antes acordado, e não p en sav a sequer no
meu amigo, qu an do de repente se abriram
as cortinas d o meu leito e vi a dois pas­
sos de mim o general V. , em pé, pa lli d o , e
com a mão dit·cita sob re o peito. Disse-me :
�! Existe inferno, e cu cahi n'elle. » E desap- ·
pareceu iwmediatamento. Corri d e p re ss a a.
procurar-vos . A minha cabeça parte- se. Que
coisa tão estranha ! Não sei o que devo
·
pensar. »
1\len avô soccgou-o como pôde. Era diffi­
cil. Fallou-lhe de sonhos, e que elle talvez
dormis:�e ainda. Disse-lho que ha muitas
coisas extraordinarias o incxplicaveis, e ou­
tras trivial idades d'cste genero, que dão
consolação aos es pí ritos fortes. D ep oi s m a n ­
do u atrcllar os cavallos e reconduziu o
conde Odoft' a sua casa.
Dez ou doze dia s d e po i s d'este estranh o
:mccesso, um postilhão trouxe a meu a,·ô,
entre outras noticias, a da m o rte do geno-
.{()
O Il!IFERNO
V. Na manhll d'aquelle mesmo dia em
que o conde Orloff .o viu e ouviu, á mesma
hora em que lhe appareceu em Moscou, o
infeliz general, tendo sabido para reconhe­
cer a posiçllo do inimigo, foi ferido no peito
por uma bala e cahiu immediatamente morto.
« Existe inferno, e ou cahi n' elle ! » Eis as
palavras d'um que de lá voltou.
ral
 senhora do b..acelete d'ouro. - Em
1 859 narrei este facto a um padre mui dis­
tincto, superior d'nma importante Com­
·
munidado. « E' terrivel, disse-me elle, mas
nllo me admiro d'isso. Os factos d'este
genero nito são tio raros como se pensa ;
mas, quando succedem, ha sempre mais ou
menos interesse em occultal-os, tanto para
honra d 'aquelle que 'IJolta, como para honra
de sua familia. Soube de boa fonte , ha dois
ou tres annos, um facto quo me foi contado
por um parente proximo da pessoa. a quem
elle nconteceu. No momento em qne vos
estou fnllando (Natal de l SNl) , esta senhora
ainda vive ; tem pouco mais de quarenta
annos.
« Estava ella em Londres no invemo de
1847 a 1 848. Era viuva, tinha entlo quasi
vinte e nove annos de idRdo, e era munda-
8111 EXISl'E INI!'EBNO
41
na, rica e de physionomia agradavel. Entre
elegantes que frequentavam o seu salil:o,
notava-se um lord aindn novo, cuj a fre­
quencia a compromettia singularmente, e
cujo procedimento era além d'isso pouco
edificante .
«Uma tarde, ou antes , uma noite (porque
já tinha dado meia noite), a referida se­
nhora lia na sua cama não sei que romance,
com o fim de conciliar o som no. A pe n a s o
relogio deu uma hora, apagou a luz . Começava a adormec:er, quando, com grande
espanto seu, viu u m clarão pallido, estranho,
que parecia vir da porta do salão, espa­
lhou-se pouco a pouco pelo quarto , e foi
augmentando gradualmente . Estupefacta,
abriu muito os olhos, não sabendo o• que
aquillo q ue ri a dizer. Começav�t a aterrar-se,
quan do viu a bri r- s e lentamente a porta do
salão e entrar no seu quarto o lord, cum­
plice dos seus peccados. Antes de I he poder
dizer uma palavra, o mancebo estava junto
d 'ella, apertou-lhe o brn ço esquerdo pelo
pulso e, com voz estridente, disse-lhe em
inglez ; « Exiate inferno. �� A dôr quo sentiu
no braço foi tal, que ficou sem sentidos.
cc Quando, d'ahi a meia hora, voltou a si,
chamou a et•eada de quarto . E sta , ao enos
·
42
O
INFERNO
trar, sentiu nm g rand e cheiro a queimado ;
e a pproximando-se da sua senhora, que com
difficuldade podia fallar, viu no pnlso uma
queimadura tão profunda , que o osso estava
á vista e as carnes quasi consumidas, e ti­
nha de largura a mão d'um homem . Da.
porta do salão até :i cama, e da cama á
mesma porta, viu no tapete as pégadas
d'un1 homem , que ch egaram a queimar o
tecir1o d'um a outro lado. Por ordem da sua
'sen hora abriu a porta do s a l ão , e encontrou
mais al guns vestí gios no tapete.
« Pela manhã a infeliz dama so Ltue, com
um terror facil de conceber, que u'aqnella
noite, á uma hora , o seu l ord fôra achado
morto j nnto a uma mesa. qtw tinha mandado
transp ortar para o seu q uarto, onde expi­
rou , .depoi;; de s e ter embriagado.
«Ignoro, continuou o superior , se esta
terri vel lição converteu a de i! graç ad a ; mas
o que sei, é qne ella ainda �ive, e que,
para occultar os signaes da sinistra quei­
madura, traz no pulso e s qnor d o , á rnaneit·a
de bracelete, um a atadura d 'ouro, q n o n ão
abando n a nem de noite nem de dia . Repito :
este facto foi-me narrado por um proximo
parente d'aq n ella senhora, christão fervo­
roso, e a cuj a palavra dou todo o credito.
SE BXISrE JN�'EHNO
« N� família não se falia d'isto ; e eu
mesmo vol-o confio occultando os nom es das
pessoas . »
Apesar d o véo em que esta apparição
tem estado e deve estar e nvolvida, parece­
me impossível pôr em duvida a sua terrível
authenticidade. C ertamente a dama do bra­
celete não teria desde então necessidade de
que alguem lhe viesse provar a existencia
do inferno .
A p1·ostitutn d e ' Roma. - N o anno de
1S73, alguns dias antes da Assnmpçito,
deu-se em .Roma uma d'essas terríveis nppa­
rições de almas do outro mundo , que corro;
boram efticacissima mente a verdade da exis­
tencia do inferno . �' uma. d'essa.s casas
infames, que a inva são sacrílega do domí­
nio temporal do Papa fez abrir em muitos
log,1res de Roma , uma infeliz donzella
tinha uma ferida na mão, que a obrigou a
ser transportada ao hos1,ital da Consolação .
Ou porque o sangue, viciado pela devassi­
dão, fez aggravar a ferida, ou por qualquer
complicação, a desgraç ada morreu n' cssa
noite. No mesmo instante, uma das suas
companheiras, que certamente ignorava o
que se acabava. de passar no hospital, co-
. .
, -ç · _ · · - -:- -. � - --- ---, �-.
...-�. . ---.. - . •
O INFERNO
meçou a dar gritos desesperados, de tal
modo que acordou os habitantes do bairro,
pôz em agitaçll.o as miseraveis moradoras
d'aquella casa, e chegou a provocar a inter­
venção da policia. A que fallecêra no hos­
pital, tinha-lho apparecido cercada de cham­
mas e disse-lhe : «Estou condemnada ; se
não queres, como eu, cahir no inferno, sabe
d'este logar infame e volta-te para Deus, a
quem abandonaste. >>
Ningnem pôde acalmar a desesperação e
o terror d'esta desgraçada, que logo ao
alvorecer se foi embora, deixando toda a
casa penetrada de honor, apenas se soube
da morte, no hospital, de sua infeliz com­
panheira .
N'este entretanto adoeceu a dona da casa,
garibaldina exaltada, o como tal conhecida
pelos seuf:l irmãos e amigos. Mandou a toda
a pressa chamar o cura da freguezia. Antes
de ir a semelhante casa, o respeitavel sa­
cerdote consultou a auctoridade ecclesiasti·
ca., a qual delegou para este fim um digno
Prelado, Monsenhor Sirolli, p arocho de S.
Salvador in Lauro . Este, munido de instru­
cções especiaes , apresentou-se e exigiu logo
da doente, em presença de muitas testemu­
nhas, a inteira e plena retractação doa es-
SE EXISTE IN}'EBNO
c"ndalos de sua vida, de suas blasphemias
cont1·a a auctoridade do Summo Pontifica, e
de todo o mal que :fizera ao proximo. A in­
feliz fêl-a sem hesitar, confessou-se e rece­
beu o Sagrado Viatico com grandes senti­
mentos de arrependimen to e humildade.
Sentin do que ia morrer, supplicou com lagri­
mas ao bom parocho que não a abandonasse,
aterrada, como estava, do que tinha pre­
senciado . Mas a noite approximava-se, e
Monsenhor Sirolli, collocado entre a cari­
dade, que lhe dizia· qne ficasse, e o decôro,
que o obrigava a.. não passar a noite em tal
logar, mandou pedir á policia dois guardas,
que vieram , fecharam a casa e a guarda­
ram , até quo a agonisante exhalon o ultimo
suspiro.
Roma inteira conhecett bem depressa estes
tragicos acontecimentos. Como sempre, os
impios e os l ibertinos zombaram d'elles, nlo
se aproveitando da licção ; os bons utilisa­
ram-se d'elles, para serem ainda melhores e
mais fieis aos setts deveres .
A' vista de semelhantes factos, cuja lista
podia ainda alongar-se mais, pergunto ao
leitor recto e consciencioso se é razoavel
repetir, com a multidão dos descrentes, a
•46
•-;- ....-.....,.
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1"';"'
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O 'lNFI'lRNO
famosa phr as e que serviu d'epigraphe : « Se
é certo que existe inferno, como é que n un c a
ninguem voltou de l:í. ? »
Mas ainda que, com ou sem ra z ão,
se nito quizesse admittir os factos tão au­
then tico s que acabo de narrar, não ficaria
menos inabalavel a certeza absoluta da exis­
tencia do inferno.
Com e ft'e ito , a crença do inferno não re­
pousa sobre estes prodígios, que não são de
fé, mas sim sobre as razões de bom senso,
que já expozemos , e prin cipalmente sobre o
test em u n h o divino e infal livel de Jesus
Christo, dos Prophetas e dos A posto los,
assim como sobre o ensino formal, inva­
riavel e i nviolavel da Egreja Catholica.
Os pro d ígi o s podem corroborar a nossa
fé ou reanimal-a. Por esta razão, j ulgamos
dever citar aqui alguns, bem capazes de
fechar a bocca aos que ousam dizer : « Não
ha i nferno » ; de c on firmar na fé os· quo são
tentados a dizor : « Existe porv ent u r a o in­
fe r no ? » e, em fi m , de c on solar e i Iluminar
ainda mais aquelles qne, fieis e dóceis ao
ensino da Egreja, dizem com ella : t1 Existe
inferno. »
http://a lexand riacatolica . blogspot.com. br,
47
sp
l, oi'I J i l l' •' 1 p w t a u ta !Jt' l l l l '
p s f cw1�:1 l ' l l l l l i'!J H I' a c · x i s i i • J w i a
d n i 1 1 fC' I' I I O
Primeiramente : é porqne a maior parte
d'essa gente tem interesse grll.nde e directo
em negai-o. Os ladrões, se podessem, aca­
bariam com a policia ; do mesmo modo,
todos os que se�em remorsos estão sempre
.
dispostos a fazer o possível
e o impossível
por se persuadirem que não ha inferno, so­
bretudo inferno de fogo. Sentem que, se o
inferno existe, é para elles. Fazem como os
poltrões, que cantam fortemente no meio
da escuridão da noite, com o fim de se en­
treterem e de nã.o sentirem o m êdo que ' os
affiige.
Para terem ainda mais animo, procuram
persuadir os outros que o inferno não existe.
Escrevem isto nos seus livros, mais ou me­
nos scientificos e philosophicos ; repetem-o,
ora alto, ora baixo, em todos os tons e de
todas as maneiras ; e, graças a este ruidoso
concerto, terminam por crflr que ninguem
acredita no inferno, e que, por consequencia,
teem o direito de não acreditar tambem .
Taes foram , no ultimo seculo, qnasi todos
•
•
O JJIFEUO
os chefes da incredulidade voltaireana. Ha­
viam estabelecido por A + B que não havia
Deus, nem Paraiso, nem Inferno ; queriam,
d'cste modo ficar tranquillos. E entretanto
a historia mostra-os, uns após outros, to­
mados de horrível panico no momento da
morte, retractando-se, confessando- se e pe­
dindo perdão a Deus e aos homens. Um
d'elles, Diderot, escrevia a respeito da
morte d' Alembert : << Se eu alto estivesse
j unto d'elle, ter-se- hia retractado, como todos
os outt·os. » E mesmo assim pouco faltou,
porque elle tinha pedido um padre.
Todos sabem que Voltaire, no leito da
morte, pe<liLt duas ou tres vezes com instan­
cia qne lhe chamassem o parocho de S.
Sulpicio ; porém sens discípulos cercaram
tão bem a sua cama, que o padre não pôde
chegar ao pé do velho moribundo, que ex­
pirou n ' um accesso de raiva e de desespero.
Vê-se ai nda em Paris o quarto onde se pas­
sou estn scena tragica.
Os qne gritam mais fortemente contra o
inferno, crêem n'elle mais do que nós. No
momento da morte cabe a mascara, e entlo
vê-se o que estava coberto. Já se não ouvem
aquelles an·azoados inspirados pelo intereese
e dictados pelo mêdo .
,
ó·
8� EXIS"fE I N .-t:li�O
Em segundo logar, é a corrupção do co­
raç.ão que faz n égtlr a existencia do inferno.
Q uand o se nito quer deixar a má vida que
co nd uz ao i n ferno , começa-se a dizer que
elle não existe, embora se sinta o contrario.
Imaginemos um homem et�jo co ração,
phantasia, s en ti d os e habitos quotidianos
são regulados e absorvidos por um amor
culpavel. E nt r eg a - s e todo :is suas paixê;es ,
sacrifica-se por ellas inteiramente. Ide entito
tà.llar-lhe do inferno ! Falla reis a um surdo.
E se algumas vezes, n o meio dos gritos da
paixão, ouve a voz da consciencia e da fé,
l o g o lhe impõe s i l en c io, não qL1erendo ouvir
a verdade, que lhe brada no coração e lhe
entra pelos ouvidos.
Ide fallar do inferno a esses m an cebos
libertinos que povoam os lyceus , as officin a s ,
as fabricas e os quarteis. Responder-vos-hil.o
com p h r a se s de colera e com gargalhadas
diaboli cas, mais poderosas para ellcs do que
os argumentos d a fé e do bom senso. Não
querem que o inferno exista.
Um dia vi um , que s e encaminhou para
mim, levado por Ulll resto de fé . Exhortei-o
quanto me foi possível a n ão deshonrar-se
com o seu procedilll c nto, a viver como chris­
tão, como h om em e nil.o como bruto. « Tudo
4
.''-:-' . - -....- . '
O I!lll'BRl(O
é bonito e bom, respondeu-me, e talvez
�eja. verdadeiro ; mas o que eu sei é que,
quan d o o vicio me assalta, fico como um
tolo ; não ouço nem vej o nada, e j ul go que
nio existe Deus nem i nfer n o . Se houver in­
ferno, para lá irei ; isso pouco me i m p or ta » .
E nunca mais o tornei a vêr.
E os avarentos, os usurarios e os ladrões ?
Que argumentos irresistíveis acham nos seus
cofres de ferro contra a existencia do infer­
no I Restituir o que roubaram , abandonar
o dinheiro, as l ibras ? ! Antes mil mortes,
antes o infer no, se existe.
Havia um velho usurario n orman d o , que
nem mesmo no momento da morte se quiz
resolver a deixar tudo o que tinha adquiri­
do injustamente. Consentiu, não se sabe
como, em restituir sommas enormes , e só
faltava pouco mais de 1: 5500 réis. O pad re
não pôde obter d' elle a restituição d'esta
quantia. O desgraçado morreu sem sacra­
Jlle ntos. Para o sen coração d ' avarent o , bas­
tou a quel la pequena quantia para fazer-lhe
e s qu e cer o inferno.
O mesmo succede com todas as paixõ es
violentas : o odio, a vin g a n ça , a am bi ção e
certas exaltações d'orgnlho . Não querem
ouvir fallar do inferno. Para. negar a sua
isso
-·
SE E:tlSTE INFEB:>iO
51
existencia, em'pregam todos os esforços , e
nada lhes custa.
Todos estes , qua n do ficam confundidos
por alguma d'es(;as grandes razões de bom
senso, que j á. ex p ozemos , appellam para os
mortos, esperando assim escapar ás censu­
ras dos vivos . Ol tegam a figurar- s e e a
dizer que acred itariam no inferno, se algum
morto resuscitasse dian to d'elles e lhes affir­
masse q ne o inferno existia . Puras illusões,
que mesmo Jesus Cla·isto se dignou dissipar,
como vamos vêr.
E m hm·a os I IHII'tos
I"es n s e i tnssl'll l l l l l l i l : : s Y< ' Z < ' S , o h n p i o
u ii o a <" l'< ' d i l : n• i a 1 1 0 i u f < ' I' ! I O
Um d i a Nosso Senhor passava e m Jeru­
salem , perto d ' nm a casa cujos alicerces ainda
existem , e qne pertcncêra a um j oven pha­
risen chamado Kicencio. Este tinha morrido
havia al gum tem po . Sem o nom ear, Jesus
tomou ocea sião do qne se tinh a passado
para instruir os sem1 diseipulos, assim como
a multidão que o segui a .
« Houve u m hom em rico , disse Jesns , que
se vestia de purplll' a e linho, e que todos os
dias se banqueteava es plendidamente. A'
O INFERNO
sua. porta jazia. um po br e mendigo, por
nome Laz a ro , coberto de chagas, que dese­
java co m er as m igal has cabidas da mesa do
rico ; m a s ni ng uem lh'a.s d ava. Ora o pobre
morreu, e foi levado pel os Anjos ao seio
d' Abrahll. o , isto é , e.o paraís o . O rico mon·eu
tambem, e foi sepultado no inferno. Ahi, no
meio dos tor m e nt os, levanton os olhos e viu
ao longe Abrahão, e Lazaro em seu seio.
E n tão em alt o s gritos, exclamou : « Abra­
hão, meu pae, t ende · pi eda de de mim ;
mandao a. Lazaro que molhe a ponta do seu
dedo na agua. e q ue ven h a refrescar-me a
língua, p or que estou s o ffr en d o horríveis
tormentos n ' estas ch am m a s . - Meu filho,
respondeu-lhe Abra hão , lembra-te q ue du­
ran te a vida gosaste dos prazeres, ao passo
que Lazaro padec eu . Agora elle está c on­
·
solado e tu softrendo. - Ao menos, re p licou
o rico , enviae L aza ro , eu v ol - o peço, a casa
de meu pae, p ois tenho cinco irmãos, e que
l hes diga os tormentos que aqui se padecem,
para que não venham , como en, cahir n'este
logar. - Teem Moys és e os Prophetas, res­
pondeu Abrahão ; ouçam-os. Não, pae, re­
plicou o condemnado ; isso não basta. Ma.a
s e algum m orto os fôr avisar, então farllo
penitencia '' · E Abra hã o lhe disse : c< Se elles
SE EXISTE
IN�'EBNO
nil.o escutam Moysés e os Prophetas, embora
resuscite um morto não acreditarão na sua
palavra » .
Esta grave parábola do filho de Deus é
a resp_psta antecipada üs illusões dos que,
parit crêrem no inferno e converterem-se,
exigem resurrei()Ões ·e milagres. Se ao re­
dor d'clles abunàasscm mila gres de toda a
natureza, ainda não acreditariam .
Seriam como os j udens, que , á vista dos
mila gres do .Salvador, e particularmente da
resurrcição de La zaro. em Bethania, não
tiraram senão esta conclusão : « Que deve­
mos fm:: e r ? Eis que todo o povo corre atraz
d'elle. Matêmol-o. )) E mais tarile, á vista
dos milagres quotidianos , publicos e abso­
lutamente incontestavcis de R. Pedro e dos
outros Apostolos , àisseram tambem : <r Estes
homens fazem milagres que não podemos
negar. Mandêmol-os prender o prohibamos­
lhes que preguem d'ora em diante o nome
de Jesus . » Eis o que produ zem ordinaria­
mente os milagres c as resurreições do"s
mortos na-presença dos que teem o espitito
-e o coração corrompiàos.
Quantas vezeg não se tem repetido a
phrase verdadeiramente louca, dita por
Diderot, um dos maiores ímpios do seculo
O INFEIINO
passado : cc Ain d a que todo o Pm-is, dizia.
um dia, me viesse aftirmar que vira resus­
citar um morto, preferia antes crêr que
Paris estava louco, do que admittir um
milagre. »
Ainda os maiores peccaclos desejam vêr
milagres ; mas inteiramente são dominados
pelas mesmas tenden eias, teem tomado as
mesmas r es o luç õ es ; e se um resto de bom
senso os impede de p1:oferir semelhantes
absurdos, na pratica não fazem mais nem
menos.
Sabeis o que é p r eci s o para não haver
difficuldade em cr 0 r no inferno ? E' viver
de maneira que não haja d'ello nenhum
mêdo. VMe os verdadeiros christãos, os
christãos castos, conscienciosos, fieis aos
sens deveres : vem-lhes acaso a i d eia de
duvidarem do inferno ? As duvidas provéem
antes do coração do que da intelligencia ; e
salvo raras excepções, devidas ao orgulho
da meia sciencia, o homem de vida regular
não sente a mínima necessidade de decla­
mar contra a existencia do inferno.
,,
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('·"''·
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c�."!�xa nd riacatolica . b logspot.com . b r
I
O �UE
i
O INFERNO
O quB é o infBrno
) ) a s i d c • i a s f a l s a s I' S I I I J I ' I'S t i l ' i osas
Ú l' l ' rea d o i u l c • I' I I O
Primeiro que tudo, cu m pre afastar-nos
com cuidado de todas as ficções pop ul ares
e supersticiosas , que alteram em tantos
espíritos a noção verdadeira e eatholica do
inferno. Muitos forjam um inferno phantas­
tico e ridículo, e d ep oi s dizem : 11 Não creio
no inferno, pois é absur d o e impossível.
Não, não creio nem posso crêr no i n fern o »
Com efieito , se o inferno fosse o que
dizem muitas mulheres, aliás boas, teríeis
cem vezes, mil vezes razão de não acredi­
tal'des n'elle. Todas estas invencões são
dignas de figurar ao lado dos conto� que se
fa b ricam para en t ret er a imaginação do
vulgo. Não é i sto o que ensina a Egrej a ;
e se a lgum as vezes, afim de commoverem
mais vivamente os co ra çõ es, alguns auctores
e prégadores j ulgaram pod er em p r ega r a
phantasia, sua boa inten<;.ão não os impediu
de procederem mal , v i s to que a ninguem é
p ermittid o desfigurar a verdade e expôl-a á
.
O
INFERNO
irrisão dos homens sensatos, sob o pretexto
de amedrontar os ignorantes, para mais
facilmente os fazer sahir do caminho da
perdição . Bem sei q ue muitas vezes se
experimenta um grande embaraço em fazer
comprehender ao povo os terríveis castigos
do inferno ; e como a maior parte da gente
precisa de representações materiaes para
conceber as coisas mais elevadas, é quasi
preciso fallar do inferno e do supplicio dos
condemnados d'uma maneira figurada. Mas
é muito difficil fazêl·o com moderação ; e
muitas vezes , repito , com as mais ex:cellen­
tes intenç.ões cahe- se no impossível , ou
antes , no ridicnlo .
Não, o inferno não é isto. D'um modo
bem differente, é grande e terrivel . Vamos
vêl-o.
() i n f P I' I I O ('.O I I S i S(P,
(' U I p •·i n w i t·o l o!J a r , n a !J l'H J H I P pe 1 1 a
d a f"O JH I P I I l l l a t :i o
A condemnação é a separação total de
Deu s. O conclemnado é uma creatura total
e definitivam ente separada do seu Deus.
Foi Jesus Christo, que nos mostrou a con­
demnação como a pena primaria e dominan-
I
O
QUE t
O INFER�O
57
te dos réprobos. Deveis lembrar-vos dos ter­
mos da senten ça que E l le pronunciará contra
os réprobos no Juizo final , e de que já falla­
mos atraz : (( Retirae-vos de mim , malditos,
e ide para o fogo eterno, q u o foi preparado
para o demonio e sens anj os >> .
Notae bem : a primeira palavra da sen­
tença do Sobc!'ano Juiz faz-nos comprehcn­
d�r a primeira pena do inferno, que é a
separação do Deus, a p ri vação de Deus, a
maldição de Dcns ; por outras palavras, é a
condemnação ou reprovaç-ão.
A leviandade do espírito e a falta de fé
viva impedem - nos <lo co mprehender n'esta
vida os hol'l'ores , espantos e desesperos que
resultam da conàemnação. Fomos criados
para o bom Deus, e só para Elle. Tende­
mos para Deus como a vista para a Iu·z e
o coração para o n m o r . No meio das mil
preocci.1 pações d'estc mundo não sentimos
bem aquella tendencia, e af,t stamo-nos de
Deus, nosso unico fi m , em troco das coisas
quo nos cercam , do qne vêmos, ouvimos ,
soffremos e amamos. l\fas depois da morte,
a verdade entra na posse de todos os seus
direitos. Cada um de nós acha-se sósinho
diante do seu Dens, diante d' Aquelle p elo
qual e para o qnal foi criado, e que é o
unico que póde dar-lhe a vida, a felicidade ,
o d escanço, a alegria, o amor, em:fi m , tudo.
Ora, :figurae-vos o estado d'aquelle homem.
que, n' um momento, absoluta e totalmente,
perdeu a vida , a luz , a felicidade, o amor
e, mufim , o que para elle era tudo. lma­
ginae este vacuo subito e absoluto no qual
se abysma um sêr criado para amar e
possuir Aquelle do qual se vê privado."
Um membro da Companhia de J esus, cf'
P. Surin , que se tornotl celebre no sec f'
decimo setiw o pel a s suas virtudes, sfien
.
e i n fortunios, sentiu durante quasi vinte
annos as angustias d' este terrível estado.
Para livrar uma pobre e santa religiosa da
obsessão do demonio, que resistira a mais de
tres mezes de exorcismos, de orações e
austeridades, o caridoso padre l evou o seu
heroismo a oflerecer-se como victima, se a
misericordia divina se dignasse ouvir os seus
rogos e livrar aquella infeliz creatura. Foi
attendido ; e Nosso Senhor permittiu , para
santificação do seu servo, que o demonio se
apoderasse immediatamente do seu cor);!6 �
o atormentasse durante longos annos . Nit�
mais authentico do que os factos admirav eis �
e lihlicos a que deu loga.r a possessão do
pob re · P. Surin , e que seria �:Quito longo
tP.
aJ.tL
.
p
o
QUE f.:.
o Ji4·Im:-�o
..
59
refe�ir aqui . Depois do seu livramento
recolheu n'um escripto, que ainda se con­
serva , tudo o que soffreu n'aquelle est!\do
sobrenatural, em quo o demonio, apoderan­
do-se materialmente, por a ssim dizer, das
suas faculdades e sentidos, lhe fazia sen­
tir uma parte das suas impressões e do seu
desespero de réprobo.
(< Parecia-mo, diz elle, que todo o meu
.
sêr e todas as potencias da minha alma e
�o n�.e u corpo eram impellidas com uma
.vehemencia inexprimivol para o Senhor
Deus ; via qne Elle era a minha suprema
felicidade, o meu bem infinito, o unico
objecto da minha existencin , e ao mesmo
tempo sentia uma força irresistivel que me
arrancava ne Deus e me retinha longe
d'Elle ; de sorte que, criado para viver,
via-me e sentia-me privado d' Aquclle q ue
é a vida ; criado para a verdade e para a
luz, conhecia-me absolutamente repellido da
l uz e da verdade ; criado para amar, vivia
sem amor, privado inteiramente do amor ;
el'iádo para o bem , estava sepultado no
abysmo do m ai.
« Nll.o posso, continúa clle, comparar as
angustias e os desesperos d'esta inex pri­
mivel affiição, senão ao estado d'uma frecha
60
O INFERNO
vigorosamente lançada para um alvo d'onde
a repelle incessantemente uma força · in­
vencível ; impellida irresistivelmente para
diante, é sempre e invencivelmente repel­
lida para traz . »
Isto é apenas um pallido symbolo d'aquella
terrível realidade, que se chama a conde­
mnação.
À condemnacão é necessariamente acom­
panhada do de ;espero . E' a este desespero
que Nosso Senhor chama no Evangelho <t o
verme >> que roe os condemnados. « Tudo
isto vale mais, disse J ems, do que it• para
essa pri�ão de fogo ond e o verme dos répro­
bos n unca morre (ubi vermis eornm non
mo1·itm� . >>
O verme dos condemnados 6 o remorso,
é o desespero . Tem o nome de verme, por­
que na. alma poccaclora e condemnada nasce
da corrupção do peccado, como nos cada­
veres os vermes nascem da corrupção da
carne. Emqnanto vivemos não podemos
imaginar exàctamentc o que são o remorso
e o desespero dos condemnados, pois que
n'este mundo, onde nada é perfeito, o mal
anda sempre acompanhado com o bem , e o
bGt misturado com algum mal : Por mais
Jliolentos que possam ser n'esta- vida os
O QUE };
O JNFEIIliO
61
desesperos e remorsos, slio sempre alliviados
por certas esperanças, e tambem pela im­
possibilidade de supportar o soffrimento,
quando elle excede uma determinada medi­
da. Mas na eternidade tudo é perfeito, per­
mitti-me a expressão ; o mal então é per­
fei to com o o bem , isto é, não ha allivio,
nem esperança, nem possibilidade de miti­
gação , como adiante explicaremos. O re­
_morso c o desespero dos condemnados serão
completos, irrevogaveis , sem remedio, sem
sombra de allivio, sem a possibilidade de
serem sua v isados : são absolutos quanto t\
possiYel , porque o mal absoluto não existe.
lmaginaes o que será este estado de de­
sespero , privado d'um raio sequer d'espe­
rança. E este pensament o tão doloroso :
« Perdi-me , porque q niz, e perdi-me para
sempre, por coisas do nada, por bagatelas
momentanca s ! Podi a com tanta facilidade
salvar-me etern amente , como tantos ou­
tros ! »
t< A' vi�ta dos bemaventurados , diz a Sa­
grada Escriptura, os condemn ados serão
possuídos d'um formidavel terror, e afilictos
g.ritarão, gem end o : « Ai ! que nos engana­
mos (e?·go e?'1'avimus), e nos afastamos �o
>erdadeiro caminho ! Trilhamos as sendas
-�
62
O INFERNO
da iniquidade e da perdição, desprezamos
o caminho do Senhor. De que nos ser �m
as riquezas, e os pra zer��� ? T udo pa ��ou
_
como uma sombra, e m�
? ra perdidos
.
e abysmados na nossa per .
1dade . >> E o
escri ptor sagrado accrescen ta t << A ssim di2Jem no inferno os peccadores condemna.dos . l>
·�
A o desespero accrescer:i. o odio, fl"ll cto
tambem da maldição : << Retirai-vos do mim,
malditos ! ))
E que odio ! O odio de D eus, o odio per­
feito do Bem infinito, ela Verdade mes m a ,
do eterno A m o r , da Bondade. da Bel l eza,
da Paz, da Sabedoria , da Perfeição infi nita
e eterna ! Odio i m placavel , sobrenatural ,
que a bsorve todas as potencias do espírito
e do coração do condem n ado.
O réprobo não poderia odiar o s eu Deus
se lhe fosse permittid o , como aos bemaven­
turados , contem pla-o fa ce a face, com todas
RB s u as perfeições e i n dizíveis esplendores.
Mas não é assim que no i n ferno se vê o
Deus. Os réprobos não o sentem senão nos
terríveis effeitos da sua j ustiça , isto é, nos
tormentos ; por isso odeiam a D eus, como
odeiam os ca s tigos que soffrem , como odeiam
a condemnação e a maldição .
,
i
O
QUE
É
O INFERNO
. _ .. . . , .#�:··
63
seculo passado um pailre virtuoso, ao ,
um possesso em Messina, pergnn-"
tou' ao demonio :� . «Qnem é3 tu ? -· Sou o sêr
que não ama a Deus)) , resp on de u o espírito
.
mau . E em Pf!,ris, n 'nm outro exorcismo,
perguntando o mi nistro do Deus ao demo­
nio : « Onde estás ? )) , respondeu este com
furor . «:Xos infernos para sempre . - E
quererias srr aniquilado ? - Não, afim de
poder sempre odiar a Deus. >> O mesmo po­
deria di:wr cada um dos condemnados :
odeia m eternamente A c1uelle que deviam
amar eternamente.
.N9
:q9fcisar
e
«.Mas , diz m nitn. gen te , Deus é a mesma
Bondade. Como querei:! , poi�, que Elle nos
condemne ?)) Não é Deus que condemna ; é
o peccn.dor que se condemna. O terrível
fácto da condemna<:ão tem por causa , n ilo a
B o ndade de Deus, mas sómente sua Santi­
dade e Justiça. Dens, assim como é Bom,
é Santo, e a sua .T ustiça é tão infi nita no
inferno, como a sna Bondade e l\'l isnricor­
dia si'i o i nfinitas no céo. Não o fiendae s a
Santidade de Deus e fieae certos de que
não sereis condemnados. O répr ó bo possue
o que escolheu livremente , desprezando to­
das as graças do seu Deus. Escolheu o
·
64:
O INFEBlfO
f,M)ll a l, tem o mal ; ora , na eternidade, o mal
�em o nome de inferno. Se tivesse escolhido
o bem , teria o Lem , e possuil- o-ia eterna­
mente. Isto é perfeitamente logico, e n'este
ponto, como sem pre, a fé concorda admira­
velmente com a recta razão e com a equi­
dade.
Portanto , a primeira pena doii réprobos,
o primeiro elemento d'esta horrível reali­
dade, que se chama inferno, é a condemna­
ção, ac om panh a d a da maldição divina, do
desespero e do odio de Deus.
O i n fi ' I' I I O 1�o n s i s t e ,
l ' l l l S I ' \J J I I HI O ] O !J tl l', l i H J W I I U l t O J ' I ' i \"1 ' 1
d o ÍO(J O
Ha fogo no inferno : i sto é de fé revelada .
Lembrae-vos das palavras tão cl aras, tão
formaes do Filho de Deus : « Retirae-vos de
mim , malditos , para o fogo (in ingnem) ,
pa:ra a prisão de fogo ; e o fogo não se apa­
gará jámv is. O Filho do homem enviará
seus Anjos, que apa rtarão os que tivera�
pratica do o mal , para lançai-os na fornalha.
de fogo (in caminum ignis). » Palavras divinas e infalliveis , que foram repetidas
pelos A postolos , e que são a base do ensino
.1--
'
I
j
O QUE
I�
O INJIE!Il!IO
65
da Egreja. No inferno os condemna.dosl"
soffrem a pena de fogo.
.
. Lê-se na historia ecclesiastica que dois
mancebos, que segui a m no terceiro seculo
os cursos da celebre escóla d' Alexandria,
no Egy pto, tendo um dia entra do n'uma
egreja, onde o p ad re prégava sobre o fogo
do inferno, nm d'elles zombou do que ouvia,
ao passo que o outro, possuído de temor e
de arrependimento ,, converteu-se e fez-se
religioso, }Jara. melhor assegurar a sua sal­
vação. D'ahi a algum tempo o primeiro
morreu de repente. Deus perm itt i u que elle
apparccesse ao seu antigo companheiro, ao
qna.l disse � « A Egrcj a ensin a a. verdade,
quando prég<L o fogo eterno do i nfer no. Os
padres ainda não dizem a ccntesirna parte
do que é . »
O .fogo do inf'e1·no
comp1·eheusivel. - Ah !
,; sab1·enattwal
e
in­
quem pódc n'este
mundo exprimir on mesmo conceber as
grande!:! realidades eternas ? E' impossível
aos padres dizer tudo, porque o seu espírito
e a sua palavra curvam· se debaixo d'este
peso. Se se diz do céo : t< Üs olhos não vi­
:::-a m , nem os ouvidos ouviram, nem o cspi­
::-i�o humano póde comprehendor o que Deus
l
5
uu
U lft lfl'.õ K�U
tem preparado para os qnc O amam » ,
póde-se igualmente, com relação i .Justiça
infinita, dizer do inferno: «Üs olhos do
homem não viram, nem os o u v i do s ouviram ,
nem seu espírito púde, nem poderá jámais
concebet· o que a Justiça de Dens tem pre­
parado para os p e c e� d ore s impenitentes. n
a Sou atormentado cruelmente n'est11. cham­
ma ! » , gritaYa do fundo do inferno o m au
rico do Evangelho. Para com p r e h e nder o
alcance d'esta primeira palavra do réprobo:
«Sou atormentado ! (C1·ucio1· !) » , seria ne­
cessario poder com p rehender o alcance da
segunda: <l.n'esta chamma (in hac jlamma). ))
O fogo d'este mundo é imperfeito, como
tudo o que exi�te n'elle, e as chammas ma­
teriaes não são, apesar do s e n horrivel
p od e r, mais do q ue um fraco sym bolo das
chammas eternas de que falla o Evangelho.
Seria acaso poasivel exprimir ex a ct am ente
o h orror dos tormontos que sentiria um ho­
mem lançado por alguns minutos n'uma
fornalha ardente, no supposto de que podia
alli vi ver ? Dizei-me : seria possível ? Não,
certamente. O que se poderá então dizer do
fogo sobrenatural do inferno, d'esse fogo
eterno, cujos horrores não tecm compa­
ração ?
O QUE
I�
O INI!'EIINO
67
Comtudo, como estamos no tem po, e n�o
na eternidade , precisamos de servir-nos das
pequenas realidades d'este mundo, embora
fracas o im perfeitas , para elevarmo- nos um
pouco ás roalidades invisíveis e immensas
da outra vida . De\·emos , pela consideração
dos indiziv��j,; tormentos qne cansa o fogo
terrestre, temer o fogo do inferno, para não
cahirmos nos aby,;mos d'estc fogo vingador.
O P. Bussy e o mancebo libe?·tino. - Um
santo missionario, que viveu no começo
d'e3te seculo ;'" celebre em toda a F1·ança
pelo seu zêlo apostolico, pela sua eloquen­
eia e virtunes, e tambem pelas suas origi ­
nalidades, qniz u m di a qtw certo mancebo
libertino tocasse com o dedo no fogo.
O P. Bussy dava n'uma grande cidade do
snl da. França uma importante missão, que
abálava toda a população . E 1·a n a força do
inverno ; approxiru ava-se o Natal e fazia
muito frio. No q narto, onde o padre recebia
os homens, havia um fogareiro com bom lume.
Corto dia o padre ' viu chegar u m man­
cebo que particularme nte lhe tinha sido
recommendado por cansa de suas devassi­
d<ies c ditos ímpios . O P. Bussy conheceu
logo que não podia fazer nada com elle.
O INl'EBNO
68
Não obstante, disse-lhe alegremente : << Vinde
cá, meu bom amigo , n ão tenhaes m êdo, pois
não co n fe s s o senão os que querem con fe s ­
sar-se. Appro:s:imae-vos, assentao-vos n'esta
ca dei ra, e, ao p a s s o que nos vamos a que­
cen do, conversem os um pouco. >> Abriu o
foga reiro e , vendo que as brazas estavam
quasi re du zi d a s a cinzas, disse ao mancebo .
«Ant e s de vos assentardes, fazei o favor de
trazer-me d'ahi uma ou dL1as achas. " Admi­
rado o j cvcn , fez en tretan to o qnc o padre
lhe pediu. �c\gora haveis do m'as ))Ôt" no
fogarei ro , l:í. bem para o Í1 mdo . » E como ,
elle pozcsse as achas j unto :i porta do foga­
reiro, o P. Bnssy agarrou-lhe no braço e
levou-lh'o até ao fundo. O mancebo deu um
gri to e saltou para tra z . �( A i ! , gritou olle ;
vossa reverendíssima está tolo ? Quer q uei­
mar-me !
Qnc ten des, meu caro amigo ?
replicou o padre tranqnill amente. A caso não '
precisaes de habitnat· ·•os ? No inferno, para 1
onde ireis, se continua rdes a viver como até :
agora, não será sówente as pontas dos dedos
que vos arderão no fogo, m as todo o vosso
corpo . Este pequeno fogo não é nada em
com pa raçã o do outro. Vamos , vamos, meu
bom amigo, coragem ; é preciso habituar­
vos . » E quiz tornar a mettcr-lhe o braço.
·-
O QUE
'i;
O INFEIIXO
69
O mancebo resisti u, como era de esperar.
dnfeliz ! disse-lhe entíio o P. Bussy, mu­
dando de tom ; reflcctí no que vou dizer­
vos : quereis ir arder eternamente no in­
ferno ? Os sacrificios que o bom Deus r eque r
para que possaes evi tar tão horrível suppli­
cio, Hão po r v en t u ra coisas diffi cultosas?»
O man ceb o libertino sahiu pensativo. Re ­
flectiu n'isto, c refl ectin tão bem, que d'ahi
a ponco "voltou a casa do missionario, fez
uma boa confissão d a g snas culpas e entrou
no bom caminho.
Tenho por certo que , de mil ou de dez
mil homens que vivessem a fa st a dos de Deus,
e por conse q ucncia trilhando o caminho do
inferno, não haveria ta lv e z um q1: e resis­
tisse « á p rova ele fogo. >> Nen h um , por mais
tolo que fos se , acecitaria o seguinte ajuste :
«Dura n t e um an no poderás abandonar-te
im p unemente n toclos os prazeres , gosar de
todas n s volu ptuosidades, sat.i;; fazer os teus
caprichos , com a unica ('ondiç:i.o de passares
um dia ou m es m o uma hora a arder no
fog o . >> Repito : ninguem acccitaria o ajuste.
Quereis uma prova d' i!:>to ? .Attendei .
Os
Um
kes .filhos d'wn 'IJelh.o ustwa1·io. -
pae de
familia, que enriqnecêra á custa
O
'lU
INFERXO
de gransstmas inj ustiças, cahiu pe rigosa
mente doente. Soube que a gangrena já
e stav a nas feridas, e comtudo não pOde
deci d ir-se a restituir o qne roubarn . « Se
restituir, d i z i a elle, o que hei de deixar aos
meus filhos "{ )) O parocho, homem esperto,
para sal v ar esta p obr e alma re corr e u ao
segui n te ex p ediente : Disso- lhe que, se que­
r ia sarar, lhe i ndicava um remedio extre­
m a m e nte simples, m as muito car0. « Que
importa ! C :tste elle embora mi l , d ois mil ,
dez mil francos m esmo . , , respondeu v i v a
men te o velho. Em que consiste clle ? ­
Consiste em derramar, sobre os loga res
gangrenados, gordura pro ve niente de al­
guma pes s o a vi v a. Para isto não é preciso
m u ito : basta achar alguem qne, por dez
mil francos, consinta em d eix a r qneimar
uma das mãos durante um q u arto de hora.
Ah ! disse o pobre homem sus pirando ;
temo não encontrar quem acceite o contra­
cto . - Tendes um meio, d i sse tranquilla­
men te o parocho : chamae vosso filho mais
velho, pois elle a m a v os e de>e ser o vosso
he r d e i ro Dizei-lhe : « Meu caro fl lho : pódes
s al va r a vida de teu v e l h o pae, se consen­
tires em deixar queimar uma d as tuas m ãos,
só durante um escasso quarto de hora. » Se
­
.
-
-
.
­
O
QL� É
O I�FERXO
'l1
ellc recusar, fazci igual proposta ao segundo,
promettendo-lhe que será vosso unico her­
deiro. Se recusar, o terceiro não deixará. de
acceitar. »
A proposta foi feita successivamente aos
tres irlllãos, que, um a ptÍs outro, a repelli­
ram com horror. Então o pac lhes disse :
« Üh ! para me salvar a Yida aterra·-vos um
momento de dôr, e eu, para deixar-vos ricos,
iria para o inferno arder eternamente ! Na
verdade , era bem tolo ! » E a p ressou-se a
restituir tudo o que devia , sem se importar
com o que ficava aos filhot�,
Teve razão, e os seus tres filhos tambem
a tiveram . Deixar qneimar uma das mãos
durante um qnarto de hora , mesmo para
salvar a vida a sen pae, B sacrificio supe­
rior �ts forç 1s humanas. Ora, como j á disse­
mos, .o que é isso, comparado com o fogo
eterno ?
Meus filhos, evita e o i1�(emo ! - Em 1844
conheci no seminario de S. Sulpicio, em
Issy, perto de Paris, um professor mui dis­
tincto de sciencias naturaes, e cuja humil­
dade e mortificação todos admiravam. Era
o P. Pinault, que, antes de se ordenar,
fôra um dos professores mai>3 eminentes da
_http ://alexa nd riacato lica . blogspot. com . b r
·
Escóla Polytechnica . Depois, elevado ao
sacerdocio, ensinava physica e chimica no
semin ario.
Um dia, ao fazer uma experiencia, o fogo
ateou-se, não se sabe como, no phosphoro
que manipulava, e n'um instante sua mão
ficou envolvida em chammas. Aj udado por
seus discípulos, o pobre pr ofess or esforçou-se,
mas om vão , por apagar o fogo que l he de­
vomva a carne. Em poucos minutos a mão
era uma m assa informe e escandescente : as
unhas tinham desa pparecido . Vcncido pelo
excesso da dôr, o infeli z perdeu os sentidos.
Mergulharam-lhe a mão e o braço n'um balde
d'agua fria , para mod erar a ,·4oloncia d'este
martyrio . Duran te o dia e a no i t e gritou
sempre, torturado pela dôr irresistivel e
atroz, e quando em n lgnm interv allo podia
articular algumas palavras , dizia e repetia
aos tres ou quatro semin arista s que lhe
assistiam : « l\Ieus fi lhos , evitae o i n ferno ! »
-- O mesmo gri to de dôr e d e carid ade
sacerd otal escapou em 1�67 dos labios, ou
antes do coração d'nm outro padre em cir­
cnmstnncia analoga. Perto de Pontivy , dio­
cese do V annes, um cura ainda novo , cha­
m ado Louren ço , lançára-se ao meio das
chammas d'nm incendio para salvar uma
. ...
mil.e do famil ia e duas criancinhas.
Duas ou tres vezes arremessou-se com uma
heroica c ora gem e caridade para o Jogar
d'onde partiam os gritos, e teve a ventura
de trazer sãos o sal vos os dois pequenitos.
�Ias a mito ficava ainda. o nin gucm ousava
affronta r a violencia das chammas, que
crescia cada vez mais. Doei! á sua cari­
dade, o P. Lourenço atirou-se outra vez ao
fogo , agarrou a desventurada mãe, já presa
de terror, o pôl-a fúra do alcance do fogo.
Mas immediatamente o telhado abateu, e o
bom padre cahiu no meio das chammas .
Gritou por soccorro, e com grande difficnl­
dade foi im·ancudo a uma morte immincnte.
Mas , ah ! era demasiado tarde ! O bom
padre estava m o rtalmente <lueimado : tinha
respir ado chaunuas, o fogo começava a
queimai-o interiorm ente, e inexprimiveis
soffrimentos o devoravam . E m vlto os seus
parochianos procuraram soceorrf-1-o ; tudo
foi inutil. As chammas interiores continua­
ram a queimai-o , c, dentm em poucas
horas , o martyr da caridade foi receber no
céo a recom pensa da sna heroica dedicação.
Tambem elle, durante a sua dolorosa
agonia, dh-.ia aos que o rodeavam : « "Meua
amigos . . . mens filhos . . . não queiraes ir
infeliz
para o inferno ! . . E' terrível ! . .
assim que se deve arder no inferno ! »
.
.
E'
O fogo do infe?·no 6 um fogo co?·poral.
- Per g unta-se mui tas vezes o que é o fogo
do i n fe rn o e q ual é a sua natureza : se é
um fogo material, ou se é pLuamcntc es p i­
ritual . M uitos inclinam -se para esta opinião,
por ser a qtte os aterra menos. Porém, não
con,:orda com elles S. Thomaz nem a theo­
logia catholica.
Como já dissemos, a fé e ns i n a que o fogo
do inferno é um fogo rea l e verdad eiro, um
fogo inextinguível c eterno, que queim a sem
consum ir, e penetra os ei! p iri t os e os eorpos.
Isto foi revelado por Deus , e tem sido ensi­
nado como artigo de fé p e l a Egre j a Catho­
lica . Negai-o, seria não sómente u m er1·o,
mas u m a impiedade e heresia prop riam ente
ditas.
Qt1ereis saber qual é a
n a t u re z a do fogo
que atormenta os condemnados no inferno ?
Se é um fogo corporal , se pertence á mesma
especie do fogo terrestre ? E' o príncipe da
Theo l ogi a , S. Thomaz d'Aquino, que vae
responder-vos, com a clarez � & profunda
erLtdição qne lho são peculiares.
Obs erv a p ri m ei ro que os philosophos pa-
·
O QUE E O
llll'EII!J!)
(k:'
·co
gãos, não crendo na resnrreição da carne e
admittindo entretanto um fogo vingador na
vida futura, deviam ensinar , e com effeito
ensin avam , que este fogo é espiritual e da
mesm a natureza qtte as almas.
O modemo racionalismo , que pretende
invadir todas as intclligencin s , e que dimi­
nue , quanto póde , as verdades da fé, faz
inclinar para este sentimento um grande
numero de espiritos, pouco instruidos nos
ensinam entos cathol ieos .
Mas o grande Doutor, depois de ter ex­
posto este senti mento , declara formalmente
que << o fogo do inferno é corporal . » E a
razão em que se funda é perem ptoria :
<< Porque depois ila resurreiçito os réprobos
serão precipitados no inferno, e como a
alma vae acompanhada do corpo, e o corpo
nilo pôde sofft·er senão uma pena corporal,
segue-se q n e o fogo do inferno deve ser
corporal . A o corpo não se póde applicar
outra pen a além da corporal . » S. Thomaz
apo!a o seu ensino no de S. Gr·egorio Magno
e de S . A gostinho, que, em termos identi­
cos, dizem o mesm o .
«Todavia póde dizer·-se, continúa o grande
Doutor, que este fogo corporal tem alguma
coisa do espiritual, , não na sua substancia ,
-,
O INFERNO
76
mas sim nos seus effeitos, porque, punindo
os corpos, nlo os c on s o me , nem os destroo,
nem os reduz a ei n z as . Além d'isto, exerce
a sua acção vingadora tambem nas al mas . ))
D'este modo, o fogo do inferno distin­
gue-se do fogo material , que qu eima e con­
some os corpo� .
O fogo do inje1·no, ainda q�te é corp oml,
atcwmenta as almas. - A lguem pergnntnrá,
talvez, como é quo o fogo do in fe rn o póde
atormentar n s al mas que a.té a o dia da
resurrcição c do Juizo fi n a l estão separada:;
dos corpos ?
Cum pre r es po nd e r , antes de tndo, qne no
terrível mystcrio das penas do infel'!IO uma
coi sa é con h e ce r claramen te a veré!ade d o
que é, e ouh·a coisa é com p rehenrlêl-a . Sa­
bemos d'uma m a n ei1·a positiva c ab!�oluta,
por m eio do ensino infa ll ivel da Egrej a , qne
immediatamcnte depois da s n a morte, os
�ndemnados cahem no i n ferno , no fogo do
inferno. 01·a isto não pód e succeder senão
r
ás suas almas, pois que, até :i. resurrci ç ão ,
'os corpos ficalll c on fia do s :í torra, o n d e
foram sepultados.
Apenas separada do corpo , a alma do
réprobo acha-se n a condição dos dem onios,
·
•
O llUB
É
O
IXPBRIIIO�
�tli
77
relativamente á acção my
..
do fogo
d e m o n ios
do inferno . Com eft'eito , em bo
n ito tenham cor pos, soffrem os tormentos do
fogo, no q ual serio l n n t; a dos nm dia os cor­
pos dos condemnados , como o indica clara­
men te a sen tent;a do Filho de Deus contra
os réprouos ; (t Retirae vos de mim , m alditos !
I de para o fogo eter no , qne foi prepa1•ado
para o demonio e seus anj os . » Ora este fogo
é corporal , porque d 'outro modo não ator­
mentaria os co rp os dos condemnados . Por­
tanto, a alma do réprobo , em bora s e parada
elo corpo, é atormentada por u m , fogo cor­
poral , Eis o que s a b e mos e o que é certo.
O q ue não sabemos é o como, Mas para.
crê1· não temos neccssi,;l ade de sa.bêl- o , porque as v cr ..la.cies revcladai:l por Deus teem
por fiJh esclarecer o nosso e s pí rito e man­
têl-o. n a dependencia c submissão. Pela fé
esta mos cortos ela rea lidade do facto, e
basta-nos v êr q nc elle nilo é impossível .
Ora o r;� ciocinio c a analogia fazem eo..._
que o vej amos claramente : acaso não somos ·
todos Od instan tes testem n nh as irrecusaveis
da acção real , i n t ima e incessan te que o -.
corpo cxc1·cc na alma ? O corpo, que á materi a l , sobre a a l m a , que é espiritual ? Por­
tant o, é perfeitamente possível que uma
·
·
•
r
-�
substancia material , como é o fogo do in­
ferno , opere sobre uma substancia espiritual,
como é a alma do réprobo .
O capitão ajudante-mó1· de Baint-Cyr. ­
respeito permit t i-me, caro l eitor,
que vos conte um facto muito curioso que ,
nos ultimos u n nos da Rcstaura\)ão , se deu
na Escóla militar de Saint- C ·v r.
O capellllo da Esc{,)a era e ntão u m eccle­
siastico muito espirituoso e de t a l e n t o , por
nome R i g o lo t . Dava um retiro espiri tual ao s
j o vens da Esc M a , quo todas as noi tes se
reuniam na capel b antes de s e i re m deitar.
Uma noi t e , em quo o d i gno cape l l ão
fallou admiravelmente d o inferno, depois
de concluída a conferencia retiron-so com
um ca stiçal na mão para o seu qua rto, que
era situado n'um corredor reservado aos
A este
•
'
o:ffi c iaes . No momento em · qnc a bria a porta
foi chamado por a lguem, quo subia a esca­
daria em di recção a c l l c . Era um velho
�apitão , de bigode grisalho, e na apparencia
pouco fino.
« Esperao, sr. capellão, disse e l le, com voz
um tanto ironica. Fizostes um bom sermão
sobre o inferno. S ó m e nte vos esquecestes de
dizer se no fogo do inferno o �ondemnado é
·���· - -------
assado , · queimado ou cozido. Sois capaz de
m'o dizer ? » O ca.pelllio, comprehendendo a
intenção d'ellc, olhou-o attcntamentc, e,
a.pproximando o castiçal á cara do velho
official, respondeu tran quillamente : «Vós o
vereis, capitão h• E fechou a porta, não
podendo deixar do rir-se da confusão e p er­
turbação em que deb:: o n o pobre capitão,
corrido da sua tolice.
Não tornou a ponsar n'isto ; mas d�sde
então notou que o capitão se afastava d'elle
o mais que podia .
Sobreveio a revolução de j ulho. l!., oram
supprimidas as capellanias militares, e por
isso a de Saint-Cyr acabou. O P . Rigolot
foi nomeado pelo arcebispo de Paris para.
outro logar não menos honroso .
Eram j á passados vinte annos, quando o
bom padre, 1 1 0 achar-se uma tarde n'um sa­
lão onde esta>a reunida muita gente, viu ap­
proximar-sc-lhc um velho de bi gode branco,
que lhe perguntou se elle era o rev. P. Ri­111
golot, outr'ora capellão de Saint-Cyr. R-:lcebida a resposta a:ffi m wtiva, disse-lhe, com­
movido, o velho militar : « Snr. capellão,
permitti-me que vos di'\ um aperto de mão
para vos exprimir o meu reconhecim<>nto :
salvastes-me - Eu ? ! Como ? Oh ! não me
-
J
t
l
I
:.
t;l INFEJUII�
conheceis ? Lembraes-vos de certo capitito
instructor da Escóla, qutl uma noite , ao
acabardes de prégar um sermão sobre o
infemo, vos fez uma pergunta ridicnla, á
qual respondestes, approximando o castiçal
á cara d' elle ; «Vós o vereis , capitão ! ?»
Pois este capitão sou eu. Sabei qtte d esde
então tenho tido sem p re a resposta que me
déstes, assim como o pensam ento de que
iria arder no inferno. Luctei ilez annos
contra este pensamento para mim impor­
tuno ; por Jim rendi- me. Confessei-me, e
tornei· me christão, cl.tristão á militar, isto
é, completo. E' a \'Ói:! quo de\'O esta felici­
dade, e foi com gra nde contentam ento meu
que hoje vo;; encontrei para poder-vos di:t:er
isto . ))
Caro leitor, se virde.> alguem que, que­
rendo zombar, vos faça perg1mtas ridículas
sobre o inferno e o fogo do inferno, respon­
dei- lhe como o P. Rigolot : tt Vós o ·vereis,
men Lom amigo ; vós o > oreis . )) Prom etto­
vos que não terá a tentação do ir vêl-o .
.A mão queimada de Foligno. - E' certo
qtte q uasi todas as vezes em que, por per­
missão de Deus, alguma alma réproba ou
(j:í. que estamos fallando do fogo da outra
:' http :l/alexa nd riacatolica . blogspot. com . b r
81
vida) alguma alma do Purgatorio vem 8;
este mundo e "teixa algum signal visí vel,
este é o do fogo. Certamente ainda não vos·
esquecestes do que dissemos :í.cerca da terri­
vel appari ção do L o n d r es
do pulso da
dama do bracelete e do tapete q ueimado.
Tambem haveis do lembrar- vos da. atmos­
phera de fogo e de cha mmas quo cercava a
prostituta de Rom a e o j ov e n religioso sa­
críl e go do S. Antonino, do Florença.
Em abri l d'o anno em qun isto eRcrevi,
vi o toquei em Foligno, perto de A ssis
(ltalia) , n'um d'esses espantosos signaes de
fogo, que attestam a verdade do que disse­
mos, a saber : que o fogo da outra vida é
um fogo rea l .
A 4. de novembro de 1 859 fallecetl d'uma·
apoplex i a fulminante, no c o n v e n t o das Ter­
ceiras Franciscanas do Foligno, uma boa re­
ligiosa chamada Thereza. Ma rgarida Gesta,
que dura nte muitos : mnos fôra. m estra de
noviças, e �o m esmo tem po tinha a seu
cargo a h u m i l de rouparia do moste iro. Nas­
cêra na Cor:;ega, em Babtia , no anno de
1 7 ü7, e en trára no convento em fevereiro
de 1 826. E' escusado dizer que se tinha
preparado d ignam ente para a morte .
Doze dias depois , a 1 7 de no\"embro, uma
-
G
lrml chamada Felicia, que a tinha aj udado
no cargo, e que depois da sna morte ficou
com elle, subia á ro uparia e ia a entrar,
quan d o o uviu gem idos que pareciam vir do
interior do q ua rto. Admirada, apre�sou- se
a abri r a porta ; nlo estava alli n inguem.
D'ahi a pouco ouviu novos gem idos , tio pe­
n etran tes que, a pesar da sua coragem , s e n­
tiu-se cortada de mêdo. o: Je sus , Maria !
exclamou ella ; que é isto ? » Ainda nilo
tinha acabado dizer estas palavras, quando
ouviu uma voz g emebnnd n , acompanhada
d'este dolo ros o s us pi ro : « Oh ! m e u Deus !
quanto es tou so:ffrendo ! (Oh, Diol che peno
eantol)» A Irmã, estu pefacta, reconheceu
logo a voz da pob re Soror Thereza. Rev es­
tiu-se de cora gem e perguntou-lhe : « Por­
q ue ? - Por causa da pobreza, respondeu
Soror Thereza. - Como ! replicou a lrmil.
Vós, que ereis tilo pobre !
- So:ffro, nlo
porque transgredisse em mim este preceito ,
mas porque dei ás religiosas muita li b erda de
n'esta mataria. E tu toma cautela. » No
mesmo instante o quarto encheu-se d'um
espesso fumo, e a sombra de Soror Thereza
appal'eceu , dirigindo-se para a porta e pas­
sando ligeira a distancia que a separava. ·
A penas ch egou á porta , gritou com força :
•
•
.
Q
QUB É
O IIIFEBJ!O
«Eis um testemunho da misericordia de
Deus h > Dizendo is to, tocou no caix il ho mais
elevado da porta, deixando gravado no pau
queimado o signa l perfeitíssimo da sua mio
direita. Em seguida desappareceu.
A pobre Irmll Anna Felicia ficou aterra·
dissima. Agitada, começou a gritar e a pe­
dir soccorro. Acudiu uma das suas compa­
nheiras, depois outra , e em seguida toda a
communidade. Toda s lhe acudiram , .e admi­
raram-se de sentir um cheiro a pau quei­
mado. Examina ram , obser v ara m , até que
viram em cima dat porta o terrível signal.
Reconheceram logo a fc',rma da mio de
Soror Thereza, q ue era muito pequena.
Espantadas , sahiram , foram para o caro,
pozeram-se em oraçlo e, esquecendo as
necessidades do corpo, passaram a noite a
orar, a soluçar e a fazer penitencias pela
pobre defunta , e no dia seguinte commun­
garam por alma d'ella,
A noticia espalhou-se fóra do convento.
Os frades menores, os padres amigos do
mosteiro e todas as communidndes da cidade
juntaram as suas preces e supplicas ás das
Franciscanas. Este impulso de cat·idade
tinha alguma coisa de sobrenatural e de
insóli to.
�..�· (''; ;'··'
.\
Si
F;<.'.� -:--.
- - ; ,� .: -
o INFERNO
•
E n tre tan t o a Irmã. Anna l!,clicia, ai nda
agitada por tantas cowmoções, recebeu or­
dem formal de ir d escançar. Obedeceu,
bem decidida a fazer dcsnpparecer a todo o
custo, no dia. seguinte, o sign a l ca rbon isa do·
que lan çára o espanto elll Foligno. Mas
Soror T h erez:t Margarida lhe a ppareceu de
novo. �� Sei o que qu e re s fazer, disse-lhe
ella em tom severo : queres tirar o signal
que deixei . Sabe que não tens poder para
o fazer desapparecer, pois quo e s te prodígio
foi ordenado por Deus para ensino e corre­
cçllo de todo::�. Pelo seu j usto e terri ,·el j uizo
fu i condonmada a soffrer durante quarenta
annos as horrorosas chammas do Pn rgatorio,
por causa das miri h as tolerancias com a l g u­
mas religiosas . Agradeço- te, bem como ás
tuas co n, panhoiras, tan1 as ob1·as sa tisfacto ­
rias, que na sua bon d ad e o Senhor se di­
gnou applicar ex c l ut:: i v a w c n tc :t minhn. po­
bre alma . »
Depois, com rosto risonho , a c crrscentou :
«Oh ! feliz pobreza, qno procura nm a ta ma­
nha a le g r i a aos religiosos quo a observam
rigorosamente ! » E dcsa pparecen. N o d i a
seguinte, 1 !) de novembro, qua ndo a l rmã
Anna Felicia prin ci pia\ra a dorm ir, o u v iu
que alguern a chamava pelo seu nome.
·
•
O QUE
}:
O IIIFKRNO
l:!5
Acordou sobresal tada , e ficou na mesma
postn1·a sem poder articn lar uma palavra.
Ainda d 'csta vez reconh eceu perfeitam ente
� voz de Soror Thercza . No m esmo instante,
um resplandecente globo ele luz u pparecou
d i a n te d'cl la , j u n to da �na cama, e al umiou
o quarto como o sol ao mei o dia. Ouviu
Soror Thereza, que, com voz nlegrc o ti"Í um­
phante, p ron unciou estas palavras : « Morri
n'uma sexta teirn , dia da P:dxão, e n'esta
sE'xta-foi ra von entrar na gloria. Sêde fortes em le,.. n r a cmz , sêJe cora j o sas em sof­
frer 1 ll E aj untan do, com amor : « A d en s !
�
adeus ! . . . afl eus !
» , dcsn pparecen .
O Bispo de F o lig n o e os nw gi;trados da
ci d ade qnizer<t nl de5de logo fazer uma ave­
rigun t;ão cn.n oni c a . No dia 23 de novom b1·o ,
na presença de gr;mcle numero de tc'ltcmu­
nhas. n hriu-se o tum ulo de Soror Therez:t
Mar arida , e reconheceu-se q n c o s ign al
carboni,mdo da porta em conform e �t mão
da defun ta. O r esul t ad o da avcrigt1a ção foi
um n uto o ffi cin l , qne estabclccett a certeza
e anthen tici dadc perfeitas do que acabamos
de refe1·ir.
A porta em que está o signal conser va-se
np convento com venera ção. A M�t dre
Abbadessa, tcstcmnnha do facto , dignou · se
_
.
g
_
_
.
't:_ ,
O I!IFBBII'O
mostrar-m'a, e, repi to, eu e os meus com­
panheiros de via gem vimos e tocamos no
pau queimado, que attesta d' um a maneira
bem clara que as almas que, te m po raria
ou eternamente, soft'rem na outra vida a
pena do fogo, são penetradas e q ueim adas
por este fogo ardente. Quan d o, devido a
razi5es que só Deus conhece , lhes é permit­
tido apparecer n'este mundo, aquillo em
que ellas tocam fica com o vestígio do fogo
que as atormenta. O fogo _ e ellas parece
que são a mesma coisa , como o carvão
quando é a bra zado pelo fogo.
Portanto , ainda que não possamos pene­
trar est('l mysterio, sabemos indubitavel­
mente que o fogo do inferno, embora seja
corporal, exerce sua acção vingadora tam­
bem sobre as almas.
Pela sua Omnipotencia , Deus faz com que
o fogo do infern o produza todos os effeitos
qne reclam a a sua Justiça infinita. D'e11te
modo elle penetra e atormenta os espíritos,
bem como os co rpos ; nilo consome os corpos
dos réprobos, mas conserva-os, segundo
estas terríveis palavras do S obera no Juiz :
«Na prisão do fogo que não se apaga, todos
os ré probos serllo salgados pelo fogo (igne
aalietwr). » Assim como o sal penetra e con-
8'l
serva a carne dos animaes, assim, por um
eft'eito sobrenatural, o f<lgo corporal do in­
ferno penetra os réprobos e os demonios
sem os consumir.
O fogo do inferno é tenelwoao ( vislo de
Santa Thereza). - Com a auctoridade di­
vina e in fallivel da sua palavra, Jesus
Christo revelou não só que o inferno é no
fogo, ma� tambem que elle é nas trevas.
No capitnlo vigesimo segundo do livro de S.
Matheus, Jesus d:i. ao inferno o nome de
trova& exteriores. « Lançae· o, disse, fallando
do homem que se apresentára sem a veste
nupcial, isto é, em estado de peccado, lan­
çae-o nas trevas exteriores (in tenelwaa ero­
Cerioru). » Em varios logares do Evangelho
e nas Epís tolas dos Apostolos, os demonios
são chamados « príncipes d as trevas, poder
d as tre vas » . S. Paulo dizia aos fieis : « Vós
sois todos filhos da luz, porque nenhum de
nós é filho das trevas » .
A s trevas d o inferno são cotporaes como
o fogo. Estas duas verdades nlo implicam
contradicçlo. O fogo, ou antes o calorico,
que é como que a alma e a vida do fogo, é
um elemento perfeitamente diatincto da luz .
No estado natural , e quando produz a cham-
,,
'>.
88
mn
O
INFERX!\o
\�
no meio dos gazes atmosphericos, o fogo
é sempre mais ou menos luminoso ; mas no
inferno o elemento do fogo, conservando a
sua subRtanci a , é d espoj a d o d'algnmas pro­
pri ed a de s n atura cs , e adquire outras que
!!ãO sobren atut·aes, i sto é, que não possue
em si. E' a11sim quo S. Thomaz, seguindo a
S. Basilio M agn o , em i na « q ue pelo poder
de Deus a claridade do fogo é sc:>parada da
propriedade qne elle tem de abrazar ; é sua
força corubustiva que atormenta os condem­
n ados .
Ha , pois, no inferno trevas corporaes,
m as <:om um certo clarão q ue permitte aos
condemnados vPr os obj octos que os ator­
mentam .
Os escandalosos verão no fogo e na som­
bra, ao tenue clarão das chammas iio in­
ferno , diz S. Gregorio Magno , os que foram
por el les n rrastados para a condemnaçiio ,
e esta vista será o com plemento do seu sup­
plicio . O horror das trevas, quo conhecemos
por oxpcriencia na terra, não é comparavel
ao que affiige os condem n ados . O negro é
a côr da morte , do m a l e da tristeza.
Santa 'l'herez a refere que, te n do um dia
um ex tase, Nosso Senhot· se dignou assegu­
rar-lhe a salva ção etern a , se contiuasse a
-
�.
O �l'Qit f: O ll!li!'EBNO
1
8�
:)j!
servil-o e amal-o co m o entlto fa zi a ; e para
augmentar em sua fi el serv a o t emor do
p e cc ado e dos terríveis castigos que m erece ,
quiz deixar- lhe en t rev er o I o ga •· que olla
occnparia no i n fern o , se seg uisse . as smts
inc l i n a ções para o mundo , para a' vaidade
e p ara o pra zer.
« Estava um dia em oração , diz clla,
quan d o me achei n 'um instan te, s em saber
como, transportada ao inferno em co r p o e
alma . Comprehendi que Deu'! queria fazer­
me vêr o logar qne Oi! d0mon ios me tinham
prepar a d o , e qne, tendo-o merecido pelos
meus pel!cado;;, cahiria n'ell(�, s e não mu­
dasse de vida. Isto dtu·ou ponco t e m po ;
mas , embor:t vi'l"esse m n ito s an.no s , não m e
esqueceria de tão h o r rív e i s supplicios.
«A e n tr a d a cl'este logar de torm entos
pareceu- m e semelhante a um forno extre ­
mamente baixo , escnro c apertado . O chão
era uma hol'l'ivel immundicie, que l an çava
um c he i r o f��tiil(l, c e:>tava cheio de vet·mes
venenosos. N o fi m elevava-se um m u ro , no
qual h :�via nm r ed n c t o , onde w e vi encer­
rada . N ão posso dar uma ideia doii tormen­
tos q ue hí s o ffri , porque são incom prehensi­
v ei s . Senti na minha alma n m fogo c uj a
natLueza , por fa l t a de termos , não posso
'-�-..:: � ...�:-;-.;-:·�;';>"1.f.;_
90
O IIIFBBNO
descrever, e ao mesmo tempo o meu corpo
revolvia-se no meio de intoleraveis dôres.
Ten ho sido atormentada na minha vida por
soft'rimentos tão crueis, que, segundo os me­
dicos confessa m , slo os maiores que se podem
sofFrer n'este mundo. Já vi os meus nervos
contrahirem-se d'uma maneira espantosa,
quando perdi o uso dos membros ; porém,
tudo isto é nada em comparação das dôres
que então senti , e o que mais ainda me
affiigia, era a lembrança de que ellas se­
riam eternas e sem allivio. Os tormentos
do corpo não eram nada em comparação da
àgonia da alma. Estava tão affiieta , angus­
tiada, com dôr tão viva e tristeza tão
amn rga e desesperada, que não pos:;o des­
crevêl-a. Se disst>r · que a alma soffi-e em
todos os instantes as angustias da morte,
é pouco. NAo, nil:o me é possi vel ex primir,
nem sequer dar uma ideia d'este fogo in te­
rior e do desespero, que são o cumulo de
tantas dôres e tormentos.
« N'aquella terrível morada não ha ne­
nhuma esperança de consolaçil:o ; n'ella res­
pira-se um cheiro pestilencial . Tal era a
minha tortura no estreito reducto aberto no
muro, onde fôra encera·ada. Até as paredes
d'este calabouço, terror da vista, me oppri·
r
'
O
�- É
O IIII'EBKO
in iam com o seu peso. Alli tudo á
. � ":--:-: ,_...,...
91
e&CIUO :
nlo ha luz, mas sim trevas da mais sombria escuridão. E entretanto, ó mysterio !,
nlo brilhando nenhuma claridade, vêem-se
todos os tm·mentos que podem affiigir a
vista.
« Aprouve a Nosso Senhor nlo me dar
então um conhecimento mais perfeito do
inferno. Mostrou- me tambem castigos ai nda
mais horríveis, infligidos a certoiJ vicios ;
mas, como não soft'ri a pena , o meu t�rror
foi menor. Pelo contrario, na primeira vislo
o Divino Mestre quiz fazer-me experimentar
real mente em espírito oito só a aftlicçilo in­
terior, mas tambem os tormentos exteriores,
como se o meu corpo os soffresse. Ignoro
como isto se passou, mas comprehendi que
era uma grande grnça, e que o meu adora­
vel Salvador quiz fazer-me v êr com os pro-·
prios olhos o supplicio de que me livrou a
sua misericordia. Porque tudo o que se póde
ouvir dizer do inferno, tudo o que os livros
narram ácerca das dôres e dos diversos
supplicios que os demonios fazem soft'a·er aos
condemnados, tudo isto está. muito longe da
realidade. Entre o que se pensa do interno
e o que elle é, ha a . mesma dift'erença que
entre um retrato inanimado e uma pessoa
viva. O fogo d'este mun do, por mnis ar­
dente qu� sej a . é nnda em c om pu ra çli:o do
fogo em que ardem os réprobos.
«Já passa ram seis an n os depois d'esta
visão, accrescenta ainda Ran ta Thereza, e
ao escrever isto estou tllo a terrada , que o
meu sangue gela nas vei n s . No meio das
affiicçl'les e dns dô1·es , lembro-me do inferno,
e immodiatamente parece-me nada tudo o
que S<l pôde softhr n'eote mundo , e até
j ulgo que nos lMtim n mos sem razão.
« Desdo e n tão, tudo m e parece fucil de
su p portar, <:m com pa r. ç1o d'um sô instante
qne te n ha de pa�sn.r no supplicio quo então
soffd . Não me arlmiro de q ue, tundo l ido
tantos li vros que t rat-l m do inferno, <'stava
mn i to l onge de fa zer cl'cl le nmn i ·:i <'i:t j usta
e de tcmêl- o com o devia. ( ) q n e pensavn eu
en tão , ó mcn Dens ! e com o pon in. c ; t A r des­
cançada n'u l l l gen ero de vida que mo A r l·as ­
tava a tão h0 1·rivel abysmo ! O' men adora­
vel Mcst 1·e, sêde eternamen te bemdito ! l\los­
trae-me da m aneira a mais c1 ara que o
vosso amor para co m m i go excede infinita­
mente n quellc co m que me amo. Quan tas
vezes me li vrastes d'esta negnt prisão , e
quantas v ez es quiz entrar n'clla contra a
vos sa vontade !
O QUE
t
O INFERNO
98
« Esta visito produziu em mim uma dôr
indizi vel pelas almas q ue se p er d em Deu-me
tambem os mais ardentes desejos do traba­
lhar ua sua sal\"'ayito ; pura anancnr uma
.
alm a a tão horríveis suppl icios, cu estaria
prompta a sucrifiuar m i l vezes a vida . »
A fé devo supprir em cada um de n ós a
visão ; e o pensamento d as « trev a s ex.terio.:.·
res » onde os réprobos são lanyados como
immundicies e escorias da creação , <leve'
fo1·talecer-nos nas tentaçõu:;
dacl�:iros filhos da lnz !
c
fazer-nos ver­
H'o n h·as penas
nu l i lo {l l'tUl des, que aeom p a n h m n
o so mhrio f o n o do i n f1�1· n o
A l é m d o fogo e das h·O\· a s , h n. no inferno
outt·os castigos c outras cspccics do soffri­
mcntos . Assim o requer a j usti�a divina .
Tendo os réprobos colllmcttido o m a l de·
muitas maneiras, o tendo cada um dos senti-·
dos tomado parte tuais óu menos nos seus
peccados, o p or consc q ucncia na sua co n ­
dcmnação , é j usto que, por onde pcccaram
mais, sej am punidos mais fortcru ento, se­
g1mdo estas palana:> da. Escriptnrn : « C ada
um será punHo por onde tiver pcccado. »
O INII'BB!IO
E' principalmente o fogo, este fogo ter­
rival e sobrenatural de que acabamos de
fal lar, o que serve de instrnmento a estes
múltiplos castigos : punirá por uma acçilo
especial aquelle sentido que tiver especial­
mente servido para a iniquidade ; o con­
demnado lançado no fogo e nas trevas exte­
riores chorará amargamen te e rangerá os
dentes, segundo os vicios e peccados que
cometteu. « Lá haverá choros e ranger de
dentes (jletus et stridor dentium). » São
palavras divinas.
Estes choros dos réprobos, diz S. Thomaz,
alto m ais espirituaes do que corporaes ; mes­
mo depois da resurreiçã.o, os corpos dos
réprobos , sendo verdadeiros corpos humanos
com todos os seus sen tidos , orgãos e pro­
priedades cssenciaes, não serlto suscepti veis
de certos actos nem d 'algumas funcções. As
lagrimas particula rmente suppõem nm pl'in­
cip!o physico de secreçilo , o qnal não existirá então.
Men caro leitor : imaginao o que serão e
soffrerão , sob as diversas influencias do
fogo, das trevas, dos terrive: s remorsos e
dos desesperos inuteis , os ol hos d'um con­
demnado, esses olhos que tantas vezes e
durante longos annos serviram para conten ·
·
O
tar
QUB B
O
IIII I'JIIIUIO
· o orgulho, a vaidade, a cobiça e a
luxuria.
Os seus ouvidos, abertos aos discursos im­
púdicos, ás mentiras, ás calumnias, ás gar­
galhadas da impiedade ! A lingua, os labios,
a boooa, instrumentos de tantas sensualida­
des, de tantas palavras ímpias e obscenas,
de tantas pragas e de ta n t :1 s gulodices I
As suas mãos, que procuraram, escreve­
ram e espalharam tantas coisas detestaveis,
e que praticaram a.cç3es tito más ! O seu
cerebro, orgão de tantos milhéles de pensa­
mentos peccaminosos de todo o genero !
O coraç4o1 séde da s u a vontade depra­
vada e de todos esses maus aft'ectos que
desRppareceram para sempre !
Todo o seu corpo e a sua carne, para n.
qual viveu, e de que satisfez todos os dese­
jos, paixões e concupiscencias !
Tudo n.o condemnado tem castigo e tor­
mento especial, além da pena geral da con­
demnaçilo, da maldição divina e do fogo
vingador. Que horror !
Mas não basta. S. Thomaz, fundando-se
nos Santos Padres , diz : « Na purificação
final do mundo haverá nos elementos uma
separação radical. Tudo o que fôr puro e
nobre subsistirá no céo para gloria dos
r;.r:;r�.?t;;v -·�e:· r .:� - - :
96
....
•
'
O
INl'Eil.ti'O
bemaventurados , e tudo o que fôr ig n o b il _e
impuro será pr ecipit A d o no inferno para
tormento dos condemnados. A si:iim, ao passo
que os justos sentirão alegria á vista de
to d a s as creaturas, os condemnado;; acharão'
em todas as crcaturas occasião de novos
to.·mentol:i . Isto serú o cumprim ento do ora­
cu Jo dos Livros San tos : « O universo i n t e i r o
com baterá. com o S,mhor co n t ra os insen­
satos, isto é, corrtra. os réprobos . >>
Emfim, e para complct:tr a exposição do
lugubre estado da alma précita, o b;serv em o s
ainda o que Nosso S e n h o r declaro u na fór­
mula da scn tcn t; a q ue ha de pronunciar no
Juizo final , a saber : qun os malditos, os
condcmnad os, irão arder no inferno, « no fogo
que foi preparado para o d em on io c seas
anjos . » l\os ardentes a bysmos do i n ferno
os .réprobos teem pois ainda o suppl icio
,
. �;
da cxccravcl com pan hia de Satanaz e de
todos os de m o n iü s . N 'cste mundo l:iCnte-se
' algum a s v ezes nuw. cspecie de a l livio qna n do
'"( no sotfrimcnto se \· ê uma pessoa amigt� ; mas
- 'na e :ernidncle a assoda<;ão do condcmnado
cmú todos os m a u s a nj os e co!ll os out1·os
réprobos a ggravará. ainda muii:l o de s esper o ,
o odio, a raiva, os soffrimcntos da alma e
as d ô re s do corpo .
http ://alexa nd riacatol ica . blogspot. com.
r.
1
E'l'EBNJDADE DAS PBNAS DO lNFSBIIO
97
Eis-aqui o pouco que sabemos, pela reve­
laçllo divina e pelos ensinamentos da Egreja,
sobre a multiplicidade dos tormentos, que
silo na outra vida o castigo dos impios, dos
blaRphemadores, dos devassos, dos orgulho­
sos, dos hy pocritas, e em geral de todos os
peccadores obstinados e impenitentes.
Mas o que torna ainda mais terriveis
estas penas, é a eternidade.
Da eternidade das uenas do inferno
A e tern idad e
• l n s pe n n s do i n ferno é u m a verd ade
d e fé revelada
Deus revelou ás suas creaturas a eterni­
dade das penas que as a guardaria. no inferno, se fossem tão insensatas, perversas,
•
ingratas e tllo inimigas de si mesmas, que
chegassem a revoltar- se contra as leis da . t
sua santidade e do seu amor.
Recordae, caro leitor, os nnmerosos teste­
munhos j á citados n'este livro. Quasi sem­
pre ao recordar-nos a revelação qne por sua
misericordia se dignou fazer d'esta salutar
.
·
O !NI!ERNO
verdane ao5 n os�os p ri m ei ros paes , o Senhor
nosso D eus fal i a d a eternidade das penas do
inferno , ao nwsm o t•·mpo que d a sna existen­
cin . A�sim, pelo Patt·iarcha Job e por Moysés
dec l a ra-nos qne no i n fe r n o « reina o horror
eterno (sempite?·n us ho?'?'O?� . )) O texto o ri­
ginal é o mais ex pre.,sivo : a p al a vra sem ­
pitenws , significando « se m p re eterno )) ' como
que q n er d izer (( eternamente e t e r n o )• .
Pelo Pt·ophcta !saias repete-nos a m esma
doutri n a , o a i n d a l • aveis de lem hr:tr-Yos da
terrí v e l apos tro p he que di rige aos peccado­
res : (( Qual r1'en tre y,)s poder�í ha b i t a 1 · no
fogo d e \·ora dor, n a s cl • am m as etern a s ( c1�m
ardol'ibus sem ln:te?'!lis ? l) Aqui a i n d a o snper­
luti \•O semp1:te•rnis.
No Novo Testam e n to a etern idade no fogo
e das p enas do i n fel'11 o fui declarnda foJ·m �l­
mente pelos l abi os do Salvadot·. e pela penna
dos A postolos. R e c or d a o , caro leitor, a lguns
dos textos já citado!'! . Apenas rcp<.:tirei a l gu­
mas pnlavras do F i l ho de Deus, porque
resumem solemn{lmente to n a s ns outras : é
a sent'ln Ç fl. que presi d i rá á n ossa eternidade :
« V i n d e , bem ditos de meu Pac ; e o n t m e nn
posse do rei no que vos foi preparado desde
o principio d o mundo ! Retirae-�os do mim ,
m a lrlito s , e ide para o fogo eterno, que foi
N I'EHX IDA D}; DAS PEXAB DO lXn:BXO
iJ\J
pre p a r a d o pnra o d ern o nio e sens anj os. » E
o a dorn vel Juiz aecrescenta : « e Pstcs irão
para o sn pplicio e torno, e aq nelles e n t rarão
n a vida eterna (in supplicittm aetenutm, in
vitwn aetM·nam ' . ll b;tas palavras c! o F i l ho
de Deu s n ã o prcci�am de com m entar:os.
Sobre a s ua l u m i nosa cla reza a Egrt;ja faz
repousar hn. dczonove ::; rcnlo:� o seu en sino
divino, soberano e i n fal l ivel , concernente á
eternida·ie propria!l l entc dita da beatitude
dos escolhirl o� no eéo c d a s penas dos con­
dcmnados do inf'L·rno .
Portanto , a eternidade do in ferno e das
suas terrivPi ,; pen as é u m a v e rdade revelada,
uma verdade de fó eatholica tão certa com o
a existc n c : a d e Duns c o s outros gmndcs
mysterios d a rel i g ião christã.
0 i l l f l ' l' I I O
(• ll t'C.t 'SSH l' i H I I H ' I I l< ' t ' l t ' l ' t i O , : t l l l ' l l lH
a u a l n ;•t•za t i a t > l <' l' l l i t l a t i P
H a m uito tem po quo a fraqueza natural
do espiri� humano tem p rete n d id o attenuar
o peso d'cste terrí vel myste rio daH penas d os
réprobos. J :i no tempo do Job e de Moybés,
dezcsetc ou dezoito se c u l o s an tes da éra
c hr i st it , a lgun s espiri�os leviano� e cer t a s
·
�"' ou GWII}�""V.: . .
100
O INFERNO
·�. ·
consciencias muito remordidas fa.llavam da
mitigação e até do termo das penas do in­
ferno. « Imaginam, diz o livro de Job1 que
o inferno diminue e env el hece. »
Hoje, como em todos os tem pos, esta ten­
dencia a mitigar e encurtar as penas do
inferno acha advogados mais ou menos
directamento interessados na causa. Enga­
nam-se. Além da sua supposição se basear
na phantasia e ser directamente contraria
ao ensino divino de Jesus Christo e da sua
Egreja, pa rte d'uma concepção absoluta­
mente falsa ácerca da natureza da eterni­
dade. Não só não haverá termo nem miti­
gação nas penas dos condemnados, mas é
mesmo completamente impossível hav êl-a .
A natureza da eternidade oppõe-se a isso
d'uma maneira absoluta .
Com effeito, a eternidade não é como o
tempo, que se compõe d'uma : mccessão de
instantes accrescentad os uns aos outros, e
cuja reunião fórm a os minutos , as horas,
os dias , os annos e os secnlos .
o tem po
póde-se mudar, pois que o tempo é m udavel .
Mas se o homem nllo tivesse deante de si
nem dia, nem hora , nem minuto, nem se­
gundo, é claro q ue não poderia passar d'um
para outro estado.
j
http ://alexa nd riacatolica . blogspot. com . b r:
r .
E fEBNlDADil DAS PBN.lll DO . INJ'EBNO
101· ·
Ora é exactamente o que succede na
eternidade. Na etf'rnidade nito ha instantes
que succcdam a outros instantes e que sejam
distinctos entre si. A eternidade é um modo
de duração e de existencia, que nllo tem
nada de commum com o do tempo ; pod&­
mos conhecêl-a, mas não com p rehendêl-a.
E' o mysterio da outra " ida, é uma verda­
deira e m ysteriosa participaçll.o da propria
eternidade de Deus.
S. Thomaz , fundnndo· se na tradiçito de
todo� os seculos, diz que a etE>rnidade é
« sempre inteira (tota simul). » E' um pre­
sente sem pre actual, indivisível e immutavel.
Lá não ha seculos accumulados sobre se­
culos, nem milhões de seculos accrescentados
a outros milhl:les de secalos. Estas são ma­
neiras terrestres e perfeitamente falsas d e
conceber a eternidade.
Repito· : a natureza da eternidade, não se
assemelhando em narta ás successões do
tempo, não póde admittir nenhuma mudança
quer no bem, quer no mal . Por isso nas
penas do inferno é impos'Jivel qualquer mu­
dança ; e como a cessação , ou mesmo a sim­
ples mitigação d'estas penas constituiria
necessariamente uma mudança, devemos
concluir com firme certeza que as penas do
102
o nn·mtso
inferno são absolutamente eterna:; , immuta­
veis, c que o systema d,L m i tigaçâo 6 u m a
' fraqueza do e.;p' rito ou um capricho ela
ima.!!.·i n ação c do senti m en t o .
O q 1 1 e aea L am os d e eom pcndi:1 r ác e r ca
da eternida� e, ca ro l eitor, é tal vc;, u m
pont·o : t b:-;t racto ; m as quanto mais refledir­
dcs , molhe-r reco n h c ,: erci,; quan to é n: •rdncle
o q ue deixamos dito. Elll todo o caso, re­
pou,;emos :nbre a f, ·rm : 1 l e clara affirm açã.o
de No8so Senhor Je;n s C h rü,t:o , e di�amos
com to l a a sim p ' i•: i J , , d ,� e certeza i! e fé :
« C reio na vida eterna ./c1·edo ·ritam w•tM·­
nwm.) ll1 i sto é, quo a on l ra vida. t<erá pn ra
toi!os i mmorta l c e terna : l'ara o :> Lo n s , i m­
mortal c etL·rna na fel icidade do p waiso ;
para os m a u s , i m m o r t. al e eterna n o s tor­
men to�
do i n fern o .
U m d i a S . Ago:; tinho, B : t-, p o ele H i p p o n n ,
procu ra v a eserut : 1 r , c n m a sua intc l l igenda
tão po•lerosa , a nat ureza d'c:-;ta ctcrnicla-ie ,
em <!Ue a Bo n d a d e c a Justiça de De11s
agua1·da m todas a ;; cr•·at.uras. I n vcs t;gava
e • srtnadrinhava ; ora entendia, ora s�n tia-se
detido pelo m ysteri o . De Tcpcnte appnre­
ceu-lhe, cercado d'uma l uz ra:l iosn , um
vel11o do physionom ia venf'randa e re;;plan­
dceentc de gloria. Era S . .Teronymo que , na
B'flolliN I D A.nE DAS PENAS DO IXFEB:'i!O
103
quasi de cem ann os , aca lJava de
bem l o n g-e d'al l i , C l l l Belcm. 8 como
S. Agos tinho ficou espan tado e arhnit·ado
ante a ccle:;t(l v i - ão que se offerecin á sua
vista, di:;sc- l h e o san t o velho : (( Os ol hos do
homem n u nca v i t·a m , n e m o s O U \' i clos ou­
viram , n em o cs p ; l'Í to humano poderá j am ais
conhecer o que tu J l 'Ocuras comprchender. »
E de;;a p parcceu.
Tal é o m v stc:·io da eternid a r1 e d o céo e
do i n fer n o . A crer1 i te mos humi l d c t u ente e
a prov, ·item o - nos · d a ·vi l a , a fim de qne,
qui:t n Ci o p a ra ntSs acabar o tem po, sej a mos
acl mittidos n a fel i;!; etern ida;'le , evitando ,
pela mi::;er.icorrl ia d e Deus , a i n feliz .
- i<
._• • -
edade
morrer
�
S<'!J I I I I d : t nt úl u d n l ' l l ' l ' l l i d : u l < • d a -.; t W i ta S :
a f a l i : ! " " \ J I': � <:a
Ainda ·quo o condemnado ti v esse tempo
para podr>r m n d a r , con verter-He e obtl•r
mis · ric01·d ia , e s t e tc!mpo não l he aproveitaria.
E porque razão ? p. r• pl•� a causa dos casti­
gos q u e ollc sofi'r.J é sempre a mes m n . Esta
causa é o peccad o , é o mal q u e o réprobo
e� c o lh eu na ten·a para sua parti lha. O
condmnnado é um peccador im peniente e
inconvertivel .
..
- ·..
104
O IIIFBBl!IO
Com effeito, o tempo nlo é sufficiente
para operar a conversl.o. A h ! acaso nlo o
experimentamos n'este mundo ? Vivemos no
meio de muitos homens, que o bom D�us
espera ha dez, vinte, trinta, quarenta annos
e algumas vezes mais. Portanto, para o
homem converter-se é preciso tambem a
graça.
Não é possível a conver.slo sem o dom
essencialmente gratuito da graça de Jesus
Christo, que é o remedio fundamental do
peccndo e o primeiro principio da resurrei­
çlo das pobres almas que estão separadas
de Deus pelo peccado e sep11ltadas na morte
espiritual. O Senhor dis!.e : « Eu sou a re­
surreiçlo e a vidn » ; é pelo dom da graça
que Elle resuscita as almas mortas pelo
peccado, e que as mantem depois na vida
espiritual .
Ora na sna Sabedoria infinita. este Sobe­
rano Senhor determinou que só n'esta vida,
qne é o tempo da prova , nos fosse dada a
sua graça para podermos evitar a morte do
peccado e adiantar-nos no caminho dos filhos
de Deus. No outro mundo já nlo é tempo
da graça nem da prova : é o tempo da
recompensa eterna para os que correspon­
deram á graça, vivendo christll.mente, e é
JI'I'BR111D A DB DAl PBlUI DO IIIII'B RIO
I
105
o tempo do castigo eterno para os que des­
prezaram a graça, vivendo e morrendo no
peccado. Esta é a economia da Providencia, r
e nada a fará mudar.
Portanto, na eternidade j á nl.o ha graça
para os pecl•adores condemnados ; e como
sem a graça é absolutamente impossível ao
homem arrepender-se efticazmente, como é
mister para obter o perdlo, segue-se que o
perdito nlo é possível, e por isso subsistindo
sempre a causa do castigo, deve igualmente
subsistir o castigo , efFcito do peccado.
Sem a graça nlo póde haver arrependi­
mento, sem arrependimento nlo pôde ter
logar a conversão, sem a converslo nlo
póde obter-se o perdlo, sem o perdlo nlo
poderá haver cessaçlo nem mitigaçlo nas
penas. Acaso nlo é isto razoavel ?
O mau rico do Evangelho nlo se arre­
pende no fogo do inferno. Elle nlo diz :
« Arrependo-me I » , nem mesmo : « Pequei » ,
mas diz : « Boffro horrivelmente n'esta cham­
ma . ., E' o grito da dar e da desesporaçlo,
mas nlto o grito do arrep endimento. Elle
nlo sabe implorar o perdlo , porque só
pensa em si e no seu allivio.
O e�oista em vlo pede a gotta d'agua
que podia refrescai-o. Esta gotta d'agua é
·
http ://a lexa nd riacatolica . blogspot.com . b r
_,
:<;'""!'"· ·7:�l'<'i': ,.�1.
,.,
o r x n;uxo
o toqtle da graça q nc o snl varia, m a s res ­
ponrletl-sc-lhe que é i m pos�lÍ \·el dal-a . Elle
dctest:t o casti .;o, m a s n ão a. c a l p ·1 . Tal é a
teni�el hi:>toria de todo:� o" condemnndos.
Xa terra, a cidade d e Dcns e a ('idade
de Satanaz estão uui ias e mi sturarias. Pó­
de-� c pas:>ar c n·pass:u· d'uma para a o t l t t·a,
podendo o homem de lJ,)lll tornar- se mau e
d e m a u tornn r - s e Lo n 1 . l\Ias t ndo i�to acaba
110 monH : n t o da morte.
Ent:'to a s duas cicl a des são i rrevogavel­
m e n te s<•pa rada s, sc;; n n d o diz o Evangdho ;
não 8C pó· l c m ;l i :; pas5ar d 'u t l l a par11. a outra ,
da cil 1dc de D<!IIS pnr.t a ci i aue de Sata­
naz , do p arai:;o p;n·a o i n ferno , nem do
i nfer n o para o parai ;o.
N 'esta vida tuno é im perfei to , tanto o
bem co mo o m a l . Nada ó d0li n i ti�o, c não
sendo rccnsada a n i n g n e m a graça d•: j )cu� ,
p<írie-se sem pre fu g r rlo m a l , do i m pcrio do
dcmonio c da llt orte do peccado, e m quanto
se estiver n ' c stc m u n do .
l\Ias , como j·� se d i:;sc , i�to é a partilha
da v i d a prese nte. A penas tl lll pobre b o n t eiD
em estado dt! peec •. do morta l dá o u ltimo
sus pi ro , tudo m uda de fig1 1 ra : a etcrni l ade
su<..:c ede a o tem po, p astiaram o s m omentos
da gra<;a c d a pt·ov :� , já não é possivcl a
1
l: rEIINIDADE D A S l'ENAS DIJ J!ll )'EIIliO
167
resurreic:ão ela almn , e a ar\•ore ca.hina. pa.·ra
a e�c pu-rJ;� fica ctcr . 1 am ente n a es q uerda.
Portanto, a sorte dos ré prJbos foi ti xada
para :;emprc . e p0r isso não pndc>rá h a ver
munanç ·• , mi tiga.; ilo , snspen s1o 0 ! 1 c�e:�sação
nos tormentos q ue e l l es so ffro m . Falta-lhes
nilo st'• o tem po, m a :; tawbcm a gt·aya .
Tt Tt ' l ' h•a t•a z:iu e l a 1 ' 1 1 ' 1' 1 1 i c l a c l l '
c h : s pc n m; : n 1 : « ' :'\'l ' l's i c l acle c l n \·o n l :u lt•
e l o�; c · o l h l P I I I I !a t l os
A ...·ont�• de dog C•) nclonm ano:; cs t:í. endnre­
cina ' no pec,�ado . n o m a l e na morte so b re­
natum l . C o m o é que n ' c�ta. vin a pcJ lc con­
Ye rtcr -se um p ccca do r '1 E' n ã•> scí dan,i o-l he
Dens t�m po e g ra t; a p e ra c <:� m· e r tC'r - se , llHI S
ta m b c m , c o rn o o h o m em é lin·c, é preciso
que o p cc c: a d o}' .-11 neil'a co nvert('r-f; e . Foi por
n m a c ·to d a sfin. vontarle l i n·c quo o p cc..:a­
dor se afastou de s e c t Dens. e é por um ou­
tro a cto da s n a. v.:m tndo li ne qcte o p ccca­
d o r , merliante a grn ç c do bom Dc!U'11 volta a
E l l c, arre pcncl c-se, c, pobre fi l ho p ród:go ,
entra p • ·J•doado na c n :; a, patcr n n .
:\Ias depois ela t u o r ! e jli. não ha hbe1· ri a de
nem g1• a ç a . Isto ncabo tt , e at!abou p ara sem­
pre. Então trata-se, n ão de escolher , mas de
:
· :.-:.
• ·
·
ftl;�'"�"""��
108
,. . .
O INFERNO
ficar no logar que se escolheu. Escol hestes
o bem e a vida, possuireis para sempre o
bem e a vida ; escolhestes loucamente o mal
e a m01-te, estareis eternamente na morte,
n'essa morte que tio livremente escolhestes .
Esta é a eternidade das penas .
No palacio de Veraa illes vê- se ainda o
quarto onde morreu Luiz XIV, em 1 de
setembro de 1 7 1 5, com os mesmos moveis
e particularmente com o mesmo relogio .
Por um sentimento de respeito para com o
grande rei defun to, fizeram para r o relogio
apenas elle deu o ultimo suspi ro, ás 4 horas
e 3 1 minutos. Des:ie então ni nguem mais
lhe tocou, c o ponteiro immovcl , marca
ainda 4 horas e 3 1 minutos . E' uma viva
imagem da immobilid�tde em que entra e
permanece a vontade do homem , quando
sahe d' este mundo.
A vontade do peC'cador collemna do conti­
núa, pois, a ser a mesma que era no momen­
to da morte. Desde en tão fiua. immobilisada
e - permitta - se-me a expr·essão -:- eterni­
sada. O condemnado quer sempre e necessa­
riamente o mal q ue fez , diz S. Bernardo.
O mal e elle soo insepa.raveis ; é como que
um peccado vivo, permanente e immutavel .
A ssim como os bemaventurados , vendo a
BTBBNID�DB D�B PEN�S DO IIIFBBNO
1
i
'
1()9
Deus no se u amor, amam-O neceBSariamente,
assim os réprobos, nlo vendo a Deu s senlo
nos castigos d a sua. Ju sti ça , odeiam-O neces­
sariamente. Pergunto-v o:J : nlto será rigoro­
samente j usto que se o pponha. um ca stigo
immuta.vel a uma perversidade im m uta.v el,
e que uma pena e_te rn a, e sem pre a. m esma ,
puna uma vontade eternamente fixa no m al ,
etern am e nte afastada de Deus pela revolta
e pelo odio, uma vontade decidida a peccar
sempre ?
Do que acabam o s de dizer, res u l t a d'uma
maneira evidente que no i n fe rn o os conde­
mnados, não te n do tempo, nem graça, nem
vontade de se arrependerem , nlo podem ser
perdo ados , e p o r isso devem necessaria­
mente soffrer um castigo immutavel e ete rno ;
fin:\ lmcnte e como conseq uencia. rigorosa,
que as penas do inferno não terão fi m , nem
são susce ptivejt de diminuições ou m itiga­
ções, como alguns j ulgam .
c>
Se c·� "\·er·clude tl u e De u s
c: o m pen n s eternas
f:t ll.:ts d ' u r n n aorue n to
i n j u sto p u n i nd o
.E.' es ta u ma velha objccçito , arrancada
pelo �do ás co nsciencias torturadas pelo
f@
S&i!iP"" · ·
·.
0
-��-i;b : "
.
rernor ;o. Já no q u art o scculo o i l l u �t r o Ar­
cebi�po de Co nstán tinop l a , S. Jo ão C hry­
sostom o , a d i sso l v i a n'es tes term o s : « A lí�uns
ha yuo dizem : « Em preguei poucos in�•an­
tes em ma tar um homem , em com m ettcr lllll
adu l tcrio, e p or c�to pcccndo d ' u m m o m ei11 o
hei do soffrt�r penas etern a s ? » Si 111 , c om
certeza, porque Dt.lns julga o Y O tiSO p e ce a d o ,
não pelo tempo que empregastes em com­
mett êl- o , mas pela von tade com que o com­
mettcstcs. »
O que já d i f!;jcmos é sufficionto para re­
solver esta diffi...:u lclnde. A co nv ('r:;1o c a
mnd:tn<;a, sendo abso lutam e n te impos�i,·ei,..
no i n ferno por falta de tem po, po r falta de
graça c por falta do li bcrda<le , segu e - se
que a cansa do castigo el e v e subsistir eter na
e in tegr�dmentc, c pr oduzir scmp 1·c o seu
effei t o.
Não ha que J.izer, pois ;listo é r:g·oro �aw ento j usto .
Julgaes pon•entnrn injusto que Dcns puna
com penas eternas eriwe,; d'um mom e n to ?
Ob�crvae o que ;;e passa todos os dias na
socieda de humana. sao punidos c o m a mor te
os assassi n os , os pa rrieidas , os i ncen d i a rias,
etc. , os quaes praticaram o seu cri m o n'um
instante. Acaso é inj usta a soei e<lado ? Q Llem
·
'
se at1·evcria a dizêl-o ? Ora, o que é a pena
de morte na socieclaie hum a n a ? · Não é uma
pena perpetu a , sem rPtt·oeesso nem mit i ga ­
ção po�sivcl ? A pena de morte priva para
SPm pre o ct·iminoso ela soeieclade dos homens,
assim eomo o infer:1o o pri,·a eternamente
da soci"clade c1e De : : s . Por que ra�1.o se
deve caRtigar d ' ontro m odo os eri 1 1 :es de
lesa magestade did n a , i�to é , os peeeados
m ortn es ?
O t e m po não tem nnrla com o peso llloral
do pcceado. Como dizia S. João Chrysosto­
mo, no i n ferno é pun icla com pen •t etern a ,
não a d n raç?io d o acto e n l pavel , n.as s : m a
malicia da vontade do pet�cador, a qua l n
morte veio immobi! i;;a r. D nrando Hempre a
sua pervcr:;idade , o ca stigo , que etern a' mente lhe est:í. applicaclo, l on ge de ser i n ­
justo , é j nstissí m o , c nccrssn rio .
A sa nticlaclc infinita de Dcns não deV"e
porven tura repel l ir eternamente nm sêr que
' jaz no e:;tado eter n o de peccado ? Ora, tal
é o reprobo no i n ferno.
Refl.e c tindo sóriamente , vêr - se-ha em todo
o pecca do morta l um duplo caracter : o pri­
riJ eiro , esse ncial mente fi nito, é o neto livre
da vontade que transgride a lei de Dons e
pocca ; o segnndo, i n fin ito , é o ultraj e feito
O lJIFEBliO
á. santidade e
-'
á m agestade infinita de Deus.
Assim, o peccado encerra d'algum modo
uma ma licia infinita (quamdam infinitatem),
diz S. Thomaz.
Ora, a pena eterna corresponde n 'uma
medida exacta ao caracter finito e infinito
do peccado.
Ella é ao mesmo tem po finita e infinita :
finita na intensidade, infinita e eterna na
duraçl1o .
Finito quanto á du ração do acto e á m a­
lícia da vontade do que pecca, o peccado
é punido por uma pena m ais ou menos
coiisideravel, mas sempre finita na in te n si­
dade ; infinito em relação á santidade
d' A quelle que offcnde. é punido por uma
pena infinita na duração , isto é, eterna.
Portanto, é summamente logico e j usto
que sej am eternas a s pen as que no inferno
punem o peccado e o peccador ; p orém, nllo
seria j usto que os réprobos soffressem todos
a mesma pena .
Com effeito, é claro que a culpabilidade
d'uns é m e n o r que a d'outros.
Todos estão em peccado mortal , e por is:;o
merecem todos igualmente uma pena eterna.
Mus com o o grau da culpa não é igual em
todos, segue-se que a intensidade d'esta
ETEBNIDADE DAS PENAS
DO DIFIMlNO
pena eterna deve ser exactamente propor·
cionada ao numero e gravidade d11 s faltas
de cad�t um. A ssim o exige a. Justiça per­
fdta e infinita. de Deus.
Em fim, nc temos que, se a s penas do pec­
cador impenitente, condemnado ao inferno,
tivessem fim, seria elle, e não o Senhor,
que poria termo ao ca.&tigo que merecêra
pela sua revolta contra Deus . .Poderia. dizer
a Deus :
« Eu governo em mim , e por isso
devei:� só importar- vod comvosco. Pouco me
inqnieta se o tempo, que ordenastes para o
meu supplicio, é longo ou breve, porque eu
o desprezarei e ficarei senhor da situaçito.
Um dia, ou queiraes ou não, irei participar
da vossa gloria c da eterna felicidade nos
céos. »
Pt·rgunto-vos : será isto possível ? Portan­
to, sob este ponto de vi:�ta, e indt�pendente­
mente das razÕ<!s pm·emptorias qne já expo­
zemos, a Justiça e a santidade divinas
requerem que os castigos dos condemnados
sejam necessariamente eternos.
« Mas a Bvndade de Deus ? » dirá talvez
alguem .
A B mdade de Deus não tem nada com
isto ; no inferno reina a sua Justiça, tão in­
fiuita como a Bondade.
I
114
... \ -r- . '
. :.;q::.r:.-.-4'·.�
O IN�·�:BI!O
.A B o n d ade de Dens exeree-ee na terra,
onde perdôa tu do , sem pre e i u ,mNli<Ltamente
apenas o homem se a rrepende Mas na e ter­
n ida d e não te m log-ar a Bond: 1 d n de Deus :
lá mani ftjsta-se un icamente coro:mdo com os
gl,sos do c�o a sua obra concluída na terra
pelo pe rdão
Quereríeis , porventnra , qne na eternidade
Deus exercesse n s n a Bondarle em f.lVOl' dos
que no m un d o ahu�aram rl' ell<t indi gnamente,
que ch ega r a m a desprPza:. l a no momento da
morte, c que ago r>t não a qnerem n em po­
dem q u c r ê l a ? �el'ia sim ple:>mente absu rdo .
Dt·us não pórle exercer a s n a Bondade com
detrimento da Jnstiçn .
Portanto, pu n i n rl o com penas eternas fal­
tas passageims, Deus , longe de ser injusto,
é j nsto e j ustis:>imo.
·
.
-
con 1
Sf' Sl H'<'('(II' () lll <'Slll O
os Jl«'<'<'ados t l n h·a u i I i d a f ! P.
Sem pretender descnlpar além dos justos
limites os peccados de fragil idade, de que
mesmo os bons christãos se tornam ás vezes
culpad os, cumpre reconhecer que medeia um
abysmo entre a qu e ll es que os com mettem e
aquel le s que a Sagrada Escriptura chama
r
BTERnDADE DAS
PENAS
DO INFERNO
i l6 . .-
geral mente « pectladores» . Estes sl'to a� almas
pen·ersas, os cora çõe:'! im pen ite ntes , q · t e pra­
ticllom o mal t •or C()s t n m e , sem remorsos e
como coisa tuuito sim ple<�, que vivu1 11 sem
Deus e e m revolh per l l lanente contra J el!US
C lu i�to. S;to . �s peccador es pro p ria111 ente
d itos, pec �res il e prdi:l�ào. « Peccam em­
quanto vivem , dizi:t a respeito d ' e l l " s S.
G rC'gorio ; peccari tm sem pre, se podes!lem
v h·er sem pre1 e quer• ·riam sem pre viver
para poderl'm s em p re pecear. A pt·n · t s mor­
rem, é c l a ro que a Ju�tiça d•) Soberano
Juiz exige que não fic1 uem sem ea>�1 iJ0 1
porq •te não quize�·am viver sem pccc:t r. »
Não são e,;t a s as disposições dos outros.
Mui tas almas ha qne eahem no p eceado
ruot·tal e nno são m :ís nem c or r o m pi d a s , e
muito menos ím pias. � ra ticam o mal ocl!a­
siona lmente ; é a fraqueza que as faz cahi'r,
e não o am or do m a l em que cahem. A�se­
DJPlham-se a uma crean ç a qne , n rrancada
dos braços de sua mãe por v i olencia ou
se iucção, se deixa sPparar e afastar d ' e l la,
m a s com p ez a r , dirigindo-lhe um olhar e
esten d end o para ella os braços, e qne, ape­
.
nas o seductor a deixa , volta e corre a
lança r-se arrependida e alegre nos braços
de sua mll.e.
116
O INFERNO
Taes são esses pobres peccadores que
cabem occasionalmente e por fragilidade,
que não amam o mal q ue comme 1 tem , e
cuja vontade não é gangrenada, pelo menos
intimamente . Cahew no peccado , mn s não
o procuram , e arrependem-se d'ellc apen as
o commdtew . Acaso estes poocados não
serão n 1 ais desculpaveis ? A misericordia
adoravel do Senhor não concederá facil­
mente, sobretudo no momento decisivo da
morte, grandes graças de coutri�ão e de
perdào a e:.tes filhos prod i gos , que tendo-o
offendido , nfto lhe v o l ta ra m as costas, e que
dei xan d o arrasta r -se para longe d' Elle,
conti nuaram a amal-o e deseja l-o ?
Póde-se a ffi rmar que o que Deus disse :
«Não abandonarei o que vier a mim » ,
achará sow pre no seu di \'ino Coração se­
gredos de graças e de misericordias suffi­
cientes para. arrancar estas pobres almas á
condemnação eterna.
Mas, d1gamol·o bem alt o : hto é um se­
gredo do Cora ção de Jesus, um st>gredo
impenetravel ás c reaturas, e com o qual
não devemos contar, porque deixa subsistir
integralmente esta terrivel doutrina, q ne é
. de fé, a saber : que todo aqueile q ne morre
� em estado de peccado mortal, é condemna.do
:e- 1 ·
••
El'EBNIDADE DAS PENAS DO INFERNO
117
eternamente e lan çado no inf,�rno para
soffrer o castigo que merecem as suas
cul pns.
Algumas palavras ainda para terminar :
Os f'spiritos subtis e as «almas se : lsiveis» ,
que andam a questionar em lognr de crêrem
sim pl esmente e de se sa n t:fi c arem , tran­
qui l l iiem-se :10 pensn r nos ré probos. A
Justi�a, a B •ndade e a San tidnde de Nosso
Se•• hor rep;n laril.o tudo mui t o bem , qttP-r no
inferno, quer no Purgatorio, de modo que
ni1o haverá sombra nPm me:;mo posl!ibili­
darl e d'uma inj ustiça qual q uer .
Todos o s qne forem para o i n f, •rno terllo
me•·c�·ido ir para elle eternamf'nt•·. Por mais
terri \'CÍ,; que possam ser as suas penas, se­
rllo a bsol utam· ·nte p roporcionadas ás faltas
que com met.tern m .
A t i não succ,.de o mesmo que nos tribu­
naes , lHis e j uizes da term, q•1 e porlem
enganar-se, errar e pun i r de n m is ou de
meno' : o J dz eterno e sobera n o , Nosso Se­
n h o •· Je�us Cltrist.f'l, sabe t u d o , vô tudo e
pó le tndo. E' mais do qne ju�to ; é a mesma
Justiça, e n•t etern irlarle, como Elle me�mo
nol-o decla •·on , «dará a carla um segundo
as s ua s obra:�» , nem de m ais, nem de me­
nos.
. . �-. -.: t,i,'t';'' r·�..:-....�"'-
118
.: ·
O INFERNO
Portan to, por m aii hnrriveis e incom pre­
he 1si ni:; yu l e l l as twjam ao O:i!JÍI"i to hu­
mano, as t • en a :> e t erna:> do i t fer ri.o são e
scrfw soberana e et0ruarueute j-u:>tas.
s:"to o s l f l l t ' t.l'i l h mn
o canl i n h o d o i u ft � 1·n o '!
Q tHH's
Em p ri m ei r o logar, são os que ab•tsam
da tm:t a uctoridade n'uma po�içi'Lo qu. , lquer
para a r ra:>ta•· 0::1 sen s tml,ortli Htdo::� P" t•a o
mal , já J ·Or v iolcn c i a , j ;í. por seduc�ão .
A gua rda os << um J u :zo t u l lito rigoroso » . \' er­
d ark i ro� demonios da terra, é a el les qne se
diri�e m , na pe ::�s o a de se• 1 pae - Satanaz,
e.- tas fnrmidavoi s pa.la vra:� da E::�cri­
ptura : << O' Lucifer ! como cahiste das alt•t­
ras do cé J ? »
�ão o s q ue abus fl m dos d otPs d o e s pí rito
para afa�ta rem do s e rv i ço de Deus o povo
ignnrante e pa ra arra n ca r-lho a fj. E::�tes
corruptürcs p 1 hli.:o::1 são os h e r de i ros dos
pha t·i seus do Evangelho, e ca h e m sob o
ana t l . e w a do Filho de Do•ts : ,t Desgra çados
de Y Ó:I, e::�<:ri ' w s e ph, rit�eus hy poct·itas,
por 1uc fechaes aos 1JOmcn:i o reino dos
céo::1 ! Cowo não entrarei:� n ' e l lt-, i m pedis os
outros de lá. entrarem. Desgraçudos de vt)s,
-
1::-rB RNID,\Dlil DAS P.EXAI! DO lXJrEBNU
119
pha riseus hypocritas, porq ue
e o m ar pam fazt•r.les
um proselyto, e q u · mdo o ganhal"s, fazcis
d'elle um fid10 do infurno , d u a s vezes peor
do que vú11 ! »
A esta cathegoria p erte ncem os puLlicis­
tas im pios, 011 professores atheus e hert:jes,
e e s s a m n l t i•iã.o de cscri ptt·rcs sem fé nem
CODiciencia, q ue todo:i os dia s rue : 1 tem, ca­
lum nia m , blasphtl111am scien tewcnte, e de
q • 1 e se sl"rve o d e mo n io , pae da me n ti ra ,
pa r•t perddr muitas a l ma s e insultar Jesus
C hristo .
. �il.o os orgulhosos, que , inchados de si,
de�prozam 011 o utros e tos insultam desa pie­
dada menttl. H o n : e n s duros e sem coração,
a c h11 rà o um Juiz se1 e1·o, se se não conver­
terf!m no momento da mo1·te.
Rão os egoi�t• • S e os maus r: cos, que, en­
golfanos no luxo e na sensualidade, não
pensam s"'não em si e esquecem os pobrc•s.
Acon tccer- l h es-ha o m esmo q ue ao mau rico
do EvangPlho, do qual Jesus disse : « Foi
sepultan o no infe rno . »
São os ava rentos. que não pensam senlo
em amonto11r dinhei ro , e q ue se e squ ecem
de Jesui Christo e da etern idade. São esses
ricos que, por meio de co n t r a ct os usurarios,
esl"rib11 s
e
pt-!�.:o rre is a terra
·
120
O INFERNO
de muitas injustiças, de neg1cios frantlulen­
tos e com a com pra dos bens da Egr•:ja,·
fazem ou tPem fe.to a sna fortuna, grande
ou pequena, sobre bases que a lei de L>eus
reprova.
Está escripto d'elles : « que nã:o possuirito
o reino dos céos. >>
São os luxurioios , que vivem tranrpli lla­
mento e sem remorsos com os seus habitos
imputiicos, que so ab�tnrlonam a todM as
paix� es, não teem ontro Deus senílo a sua
barriga, e chegam a n ih conhecer outra
felit.:idade além dos gósos aniwaes e dos
gro�seiros prazeres dos sentidos.
São as alm as mnn ianns e frivola<J, que
nito pensam sen:to em divertir-ao e em pas­
sar o tem po (•xtrav11 gantemente, e e:.ses,
aos quaes o mundo chama hont>stos , e q•te
se esqnecem da oraçih, do serviço de n�us
e dos Racr11mentos , que condnzem á salva­
ção. Nilo cuida m de vivt>r chri�tãmente, niio
pensam na sua alma : vivem em est:•do de
peccado mort:• l, e toem apagada a lampa·i a
da sua conscieneia sem fa zerem caso d'ella.
Se o Renhor vier de repente, como 1wcriisse,
ouvirito a terrivel resposta, que F.lle no
Evangelho dá :í.s virgt:-ns loucas : «Não vos
conheço. >) Desgraçado o homem que não
http ://alexand riacatolica . blogspot.com.
ETERNIDADE DAS PBNAB DO Ili"FEBNO
121 _, : · . •
estivP.r VPstido com a roup a nupcinl ! O So­
berano Juiz o rd e n a rá aos seus Anj os q ue
prend a m , no momento qa morte, o cr:servo
intltil » , para o l ançarem , com os 1 é i e as
m i'ío s atarias, no abysmo das trevas ex terio ­
res , isto é, no inferno.
Vão para o inft,rno os q n e sã'l d e con­
scie nd;t falsa e obstinaoa, que <�alcum aos
pé�, por meio de co · t fis>�ões nul l as e com­
m • m i iÕlls sacri legns , o Corpo e o San g11e do
�enhor·, «corn e ' l du e b .. bendo a sna con­
dem n ação >) 1 s egu n flo as tremen·las palavras
de S . Pau lo. Vão os quo, abu�nn· f o das
graças · de Deus , não q ne rem dei x ar o mau
cam : nho, a ni m a d o s com algum as devoçi5e s
qut' teem , e pelas quacs espr·ram se r· s l v os ;
e v ã o os de cora;;ào odiento, q 1te recusam
porrlmtr.
Vão, ern fi m , pa1·a
o inferno os s ecta rios
da ml\\;on ari t e as victi ruas i n sens:� tas das
soci eda fl e s secreta'-', q · t e se offer •cem , por
aiKÍ n dizP.r7 ao d e m o n i o , j u r· a n d o viver e
morrer lóra da E�rej r , sem 11acrameutos,
sem .Te�us Christo, e por conse q uencia con­
tra E l le .
Não digo que torl n s estas pob r es nlrnas
irlto pa 1·a o infe1·n o. A ffirmo só que trilham
o caminho do inferno.
O INh'ERNO
122
FrlizmentA, � inrla lá não chegaram , e
espero que , a n te s Je terminarem a viagum ,
qut·rt·rào converter-de com hu w i ldade, para
não a1; derem eteT'DH m entn.
A h ! q u a n t o é la r�o e commodo o cami­
nho que cond qz ao inferno ! Vae sen • p t'e
desct•n,lo, e La ,t:t ao hom e u t IJÔr-:se n' olle.
O Anh·a1or m e s mo di:;::;e : a.O caminho q ne
conduz :í ) ·erdiç:i.o é lar�o , e são umito:> os
que o p··rcor rem . »
E :o- am i n a e a vof!sa conscienda , c a ro leitor,
e se por des g raç t and ' ' ' S no mau calll inho,
nada rle !Je:>it<� (jâo : sa! t i dc pre:;sa da e:;trada
do i u fe r no , em�tuanto é t�w po.
l�l'l'(OS
HP p o d < • n t o s l'star
I J I W SI' I� O i l d l' l l l i i O U a i !J I I I 'lll
IJ t te y i J n u s n t O I't'eJ' n m l
dll
u m sc>greilo de Deus.
1\Iuitos ha que jul6a m que todos vão para
o i n t'. ·rno, assitu cowo ha mu:tos q•w crêem
que todos vão J •al·a o céo . Os priu .t•it·os q ne­
rom I I I O:;trll r- se j u,tos, os s<'g•t ttdos n.i:�eri­
cor. liotiO:l. Uns e ontros eng·anam-&tl, e o seu
p1ime:ro erro é quererem j 1 tlgar de coisas
qne o !Jomem n'este mundo uãJ póde co­
nhecer.
Nilo. E'
r
I
BTilBNIDADE DAS PENAS DO INFBBNO
123 '- - . �
V cndo - se morrer m al alguflm, deve-se sem
dud.i a trorner, rn a:t não d1ssimula r a o:;pan­
tosn proLa l o i l irlade d'uma re prova:;ão etl·r11a.
E 1 u Pa ri�, ha an nos , uma infuliz mão, n o
saber d a m or te re pe n t i n a a.) filho e m hc-rri­
V•·is ci l'cumstancias, l'Ste ,·e rl nrantc dois dias
de j llclho,;, arrastan d o se d ' n rna para ontra
p: . rte , !<OI t1• nLlo grit"s deses 1 ·era dores e re p n­
tindo sem pt·e : « :'ll e u ti ll.o ! meu p<1 Lrtl fi­
lho !
. no fogo ! . . a arnt�t', a arder ct(lr­
nam c n t e ! » Todos se bo.-rorisavam ao v êl-a
e ouv1 l - a .
A m rl a q ne possa ser prova vel e a t é certa
a pl'rda eterna d'a l gumn , d t.!ve, comt•tdo,
haver alg una cspcra u çn , sendo imp• ·netra­
vel o my:�t• ·rio do q ne se p • ssc.u no momento
supreu.o e 1 t e a a l m a e Duns.
Q· 1 e 1 11 poderá di.�:er o que se passa no
. intim o das a l m as, w esmo das mai i cul pt\­
da.s, n'a q uel lH momento d ocisi v o em q ne o
Deus de bo n dade , q ne m·eou todas as almas
para o amor , que as r e m iu com o s eu san­
g• t e e qu'� deseja a s l va�ào de tod a s , em­
prel-{1\ to•los os re,·ur::�os de gt·aça e de hiÍ­
sel"icO I dia para sal v ar ca r:l a uma d' ellas ?
Basta poueo tempo para 1 1 11e a vo n ta de se
p01:1:1a voltar. par a o sen Deus !
A Egn j ..t. não tolera que se pronuncie
•
•
•
. •
_,
124.
..
Wl
t iQ!itF: -�:=�:;·
. :�: · · · .� U .í
_·�
el
como
a a condemna.çito d'algnem . Com
elfeito, é usurpar o Iow de D!!us.
Excepto Judas e mais a l g u ns outros, c•1ja
condemnaçll.,.. foi mais ou menos explidta­
mPnte rev�lada por Deus na Ragr11da Escri­
ptura, nlo é absol utamente CtJrta a conde­
mnaç!to de p �> s s o a u l�nma.
A � an ta Sé d�n d'i �to uma provn curiosa,
ainda nlo ha m n i to tempo, pot• occasilo do
pro�esso de beatificaçito d'ttm gran de servo
de Dens, o P . Pa l o tt a qtte vi ven e m01·reu
em Roma com os sentimentos d' n m a arlmi­
ra vel santirl a.de, durante o Pontificado de
Gregorio XVI .
Um dia o padre a com pan h ou ao cad · 1 fa.lso
um assassino m u i to man, qne reeu'la va
obstinadamente arrt•penrler se , zl)mbava de
Deus, bh11phem ava e ri1t-se ainda no l"g 1r
da execnçã,.,, O P . .Pal ntta ex�otou todos os
meios de conversão. Estava sobre o cnda­
fa.l-Jo1 j unto d'e�te mi o�ernv� 'l; lanço·1-se a
seus pés, com o ro s to banhado de l a gorimas,
e supplicou-lhe que acceita.sse o perrllio de
sru'l crimes, mostrando- l h e o a bysmo ar­
dente do i n fe rn o em que ia �ahir. A tudo
isto o monstro respondeu com um i n�m lto e
com a ultima blaspht�mia , e imm· din tam1•nte
a sua cabeça ca hi u sob o fatal cute lo . Na
,
,
1
.
ETElUIIJ>ADE
125
DAS Plii :!IAB DO Dll'EBNO
'
.
.
.
exalta ç1o da sna fé, por um excesso de dôr
e de indigna�1.o, e-. para que e:>te horrivel
esca ndalo se mudasse para os que e:;tavam
pres•·ntos n'uma l ição salutar, o bom padre
levantot t-se , a garrou pe los c.� bellos a cabeça
ensa n gucnt tda do suppliciado, e, mostran­
do-a á ru ultitlão, exdamou em voz alta :
«Silencio ! vêde ! eis a cabeça d'um ré­
probo h >
Todos comprehenderam este movimento
de fé, e de certo modo elle é assás adUlira­
vel . Mas por causa d'i::�to, dizem , foi preciso
parar com o processo de beatificação do
veneravel P. Palotta ; no que bem se vê
que a Egr�j a é 1\Iãe de wisl'ricordia e que
espera, mesmo não havendo nenhuma espe­
rant;a , qua ndo se trata da salvação eterna
d'uma a l m a !
D'este modo, os verdadeiros cbristãos não
devem desesperar ou affi ;gir- se á vista de
certas morte:� horríveis, repentinas e impre­
vi:>tns, ou mesmo positivamente más. Jul­
gando pela a pparencia, é quasi certo que
estas pobres almas se perderam . Ha tantos
annos que este velho vi via longe dos sacra­
mentos, zombava da religião e se vanglo­
riava de ser incredulo I Este in feliz man­
cebo, que morreu sem poder confessar-se,
126
O INFERNO
v1v1a tlto mal e os seus coi!tumes eram tlo
deploravei!! ! J:<:ste h nm eiil , esta m u l her, q ue
fo,·am surprehr�nd:dus pela mOJ te n'uma
occa.s:ã'l tâ.o desgra ;a-l a , p ·trece certo que
nã > ti <: e ram tem po p •r a pen aar em si ! N io
import·t : pão devemos n em podr •mo� dizer
d'uma mane:ra a b ti o l ut a que el les se con­
demnaram . Sem n • e no s caba r os d ireitos da
San tid • de e ela J n �ti ;a de Deus , nã.•> p er,�a­
mos j ámais de vista os d:t s u a miserJ Cordia.
A este re sp ei t o, recordo-me d'nm fa cto
e:x traordinario e ao mesn1o tem po muito
consolador. A fonte d'onde o soube é p:tra
mim ga ra n ti a s<·gura da sna perfeittt a u­
the 1 t i c i d a d e .
N'um dos melhores conventos de Pa ris
viv e ainda uma re liJi o s a , d ' origem j udia,
tão n ot a v e l pelas >� • t a s exce l s a s virtudes,
como p •la sua intdligen"ia. Seus paes eram
is r11 e l i t as7 e ell 11 7 na idade quasi de vinte
a n no s , converteu-se e recebeu o b a ptis mo .
Sua m ãe era uma verdadeira j udia , seg-uia
a sua re ligião de boa fé, e p ra t i ca v a tam­
bem tod a s as virtndes d'uma boa mãe de
famí lia. Amava sua filha com grande ca­
rinno.
Quando soube que sua filha se conver­
têra, entrou n'um furor indescriptivel, e
El!EBNIDADE DAS PENAS DO
INFERNO
12t
desde ent?io nfio deixou de empregar amea..­
ças e ast•tcins de tudo o genoro para con­
duzir a «apostat·t )) , como ella a chamava,
á roligiã l do scn<� pnes. Ao mesmo tumpo a
joven chri�tã, cheia de fé e de fer1·or, orava
sem ces'iar e fazia tu .lo para obter a con­
ver-Ji'to de sua m :i e .
Vendo a esteri lidade absoluta de seus
esforçol'l, o julgando que u m grande sat:ri­
:ficio obteria, m ais do que tociM a s oraçõds,
a graça que so 1icitava, ro.;ol veu entre;�ar-se
inteiramente a Jesus fazendo-se rcli dosa, o
que executou corajosamente. Tinha então
pouco mais ou menos vinte e cinco annos.
A infel iz mãe ficon com i-;to aind1t mais
irdtarla cont•·a sua filha e contra a r ·ligilo
christã, o que fazia a ngmcntar o ardor da
nova religi0::�a, a fi m de conquistar para
Deus nma alma tlio querida .
Continuou assim durante vinte annos. Sua
mile ia vêl- a de tem pos a tempos ; o a:ffecto
materno tinha nugmentado, mas a sua alma,
pelo menos apparentemente, não m,.lhorava.
Certo dia a pobre religiosa recebl'u uma
carta participando -lhe que sna mãe morrêra.
de repente : acharam-a morta na cama.
E' impossível descrever o desespero da
religiosa. No auge da dôr, e nll.o sabendo o
128
qu<:� fazia nem o que dizia , foi com a carta
na mão prostrar-se ante o �antis:.imo Sacra·
mento, e, quando os solu)OS a d�ixaram
pensa r e fo� llar, disse, ou antes exclamou,
a Nosso Senhor : «}leu Deus ! foi. assim que
atrendt�stes a� minhas snpplicas, as minhas
lagrimas e tudo o q ue pl'atiquei durante
vinte annos ? .o E enumera ndo-lhe, por assim
dizer, os seus muito:; sacrincios, accrescen­
tou, com uma affiicçã > inexpriwivel : « Pen­
sar que, nit•> obstante tudo isto, nlinha mãe,
a minha pnbre mãe se condemnou ! »
Ainda não tin ha acabado, q uando uma
voz, sahida do Tabcrnaculo, lhe disse em
tom severo : «Como sabes isso ?» Espantuda,
a pobre Irmã não pôle re,;ponder. « Pois
sabe, continuou o Salvador, sabe, para te
confundir e ao mesmo tempo para te conso­
lar, que por tua causa dei a tna mãe no
momento da morte, urna graça tilo poderosa
de luz e de arrependimt�nto, que as suas
ultimas palavras foram : « Eu me arrependo
e morro na religião de minha filha . » Ttta
mãe salvou-se, e está no Purgatorio. Não
deixes de orar por ella. »
Ouv i contar outro facto analogo, cuja
authenticidade é tão certa �mo a do pri­
' meiro. Ambos testemunham esta grande e
_, .
CONCLUBÕBB �B&�ICAB
. •
::
consoladora verdade, · a saber : que n'este
mundo a miserioordia de Deus é supera­
bundante ; que no momento final faz um
esforço supremo para arrancar os peccado­
res ao inft�rno ; e, finalmente, que só cahem
nas mlos da eterna Justiça aquelles que
resistem até ao fim aos impulsos da divina
:Misericordia.
Conclnsoos praticas
Subi r
i mmediu tamcn te e a tod o o c u sto,
d o estu d o d e peccnd o mortal
Meu bom e caro leitor : acaso nlo deve­
remos tirar, de tudo o que fica dito, algu­
mas conclus�es praticas? Estas grandes
verdades foram reveladas por Deus para
inspirar-nos o temor, que, unido á fé, é a
base da salvaçlo : temor da j ustiça e dos
juizos de Deus ; temor do pecca.do que con­
duz ao inferno ; temor da condemnaçlo e da
terrivel maldição, do desespero eterno, do
fogo sobrenatural que penetra ao mesmo
tempo as almas e os corpos, das sombrias
trevas, da horrivel sociedade de Satanaz e
·
9
.. http ://alexa nd riacatolica . blogspot. com . b r
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130
4hGWI ·- --...:- � !
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'
O INFERNO
dos demonios, e emfim , da eternidade im­
mutavel de todas estas penas, justíssimo
castigo do réprobo.
Certamente é b om , e muito bom , ter uma
confiança illimitada na Misericordia de
Deus ; mas, á luz da verdadeira fé , a espe­
rança não deve estar separa d a do temor, e
se a esperan ça deve sem pre d om i na r o
temor, é com a condição de que o temor
subsista , assim como os alicerces d 'uma
casa, que dão a tod o o edi ficio a sua força
e solidez . Assim o temor da Justi ça de
Deus , o temor do peccado e do inferno,
deve afastar do edifido es p iri tu al da n o ss a
salvação qual quer v:t presumpçilo. Deus
disse : « Nilo abandonarei o que vier a mim . »
Mas tambem disse : «. Trabalhae n a vossa
salvação com temor e tremor . » E' preciso
santamente temer, para ter o direito de
eSperar sa ntamente.
A' vista dos abysmos ardentes e eternos
do inferno, examinue a vossa consciencia,
caro leitor, mas examinae-a bem e séria­
mente .
Como estaes ? Vi veis em estado de gra ça ?
Ou a vossa consciencia accusa- vos d ' algum
peccado grave, que, se morresseis de re­
pente, vos sepultaria na eternidade infeliz ?
CONCLUSÕES PBATICAS
N' este
rt'-:t
131 J:"f
caso peço-vos que, attendendo á
vossa alma, não hes i teis em arrepender-vos
de todo o corat;ilo, e em confessar-vos hoj e
mesmo, ou ao menos na primeira occasiilo
que tiverdes. Acaso é necessario diz er- vos
que , para evitardes o inferno, deveis des­
prezar qualquer intPresse, e antes de tudo,
attendei bem , antes de tudo assegurar a.
vossa salvação ? «Que a proveitar:í. ao homem
possuir o mundo inteiro, se depois vier a
p erder a sua alma ? diz-nos a todos o Sobe­
rano Juiz ; e que poderá dar em troca da
sua alm a ? »
Nito deixeis para ámanhl. o que hoj e po­
deis fazer. Estaes certo de que ch egareis ao
dia d'áman hã ? Conheci n'uma pequena.
aldeia da Normandia um pobre homem,
que desde o seu casnmento, isto é, havia
m ai s de ttinta a nnos , se tinha deixado
arrastar por occupações, e pelo seu pequeno
co m merci o , e ainda mais, cumpre dizêl-o,
pelo attractivo da tabern a e do copazio de
cidra, que chego u a esq 11ecer-se totalmente
.do serviço de Deus. Não era de má í n dole ,
e esta v a bem longe de o ser. Dois ou tres
meios assaltos tinh11m-o amedrontado, mas
inft�lizmente não bastaram para o conduzir
ao cumprimento dos seus deveres.
132
O
INFERNO
Approximava-se a festa da Paschoa.
Uma tarde encontrou-se com o a bbad e, o
qual o exhortou a cu m p ri r o preceito da
desobriga. « Senhor abLade, respo n deu o
pobre homem, agradeço a vossa bondade.
Prometto-vos, palavra de honra , que pen­
sarei no que acabaes de dizer -me. Se isto
nlo vos causa nenhum desarranj o, eu virei
fallar comvosco d'aqui a alguns dias, »
No dia seguinte foi achado o corpo d' este
homem n'um ribeiro visinho. Ao atraves­
sai-o a cavallo, foi atacado d'uma apopl exia
e cahiu á agua .
Ha dois annos, no bairro Latino, um es­
tudante de vinte e tres an nos, que desde a
sua chegada a Paris, havia quatro annos,
se tinha entregado á luxuria com todo o
vigor da juventude, recebeu um dia a visi ta
d'um de seus companheiros, tlo bom e tio
puro, quanto elle o era pelo contrario. Era
um com patriota , que ia dar-lhe novas da
patri a. De pois d'alguns minutos de conver­
sação re tiro u-se ; mas, ao vêr que tinha
deixado um livro em casa do seu compa­
nheiro, v o ltou para traz e bateu á porta.
Bateu, mas ni n guem fallou de dentro, e
en t retanto, a chave estava na fechadura.
Depois . de ter batido novam en te , entrou e
CONCLUSÕES PRATICAS
183
encontrou o infeliz estendido M chio,
morto.
Havia um quarto de hora que o compa­
nheiro o tinha dei xado. Segu n do depd� se
viu, uma aneurisma rom peu- lhe o coraçlo.
E ncontro u - se a sua P'' peleira cheia de car­
tas abomi naveis, e os poucos livros que
com punham a sua peque n a bibliotheca, eram
o que havia de mais obsceno.
Poder-se-hirt mul ti plicar os exem plos fl.'este
genero, sem contar os m ilhares de n ccHen­
tes que quotidianamente, por as-1im dizer,
fazem passar repen tinamente da vida á
morte ; por exemplo : os acciilent(ls dP. ca­
minho de ferro e de carruagem, ns q n éd<lS
de cavallo, os accidon tes da caça e do mar,
os naufragi os, etc.
E l les mostram , com mais eloquen cia do que
torlos os raciocínios , que o homem dc\·e sem­
pre esta•· preparndo para comparet.:cr diante
de Deus, e por isso não deve pôr em risco a
sua eternidade ; e que aquelle , q nc vi ve em
estafl.o de peccado mortal e não pensa em
reconciliar-se com Den'l por m eio da confi�sito
e pelo arrependimento, é um louco que dança
á beira do abysmo , é tres vezes louco.
«Não comprehendo, dizia S. Thomaz,
como um homem em estado de peccado
184
. . .... ·- • .-· a.
;p _...
O INFERNO
mo1·tal é ca paz de rir e de folgar. » Exp5e-se,
com a al egr ia no cora ção , a experin1entar,
mau g rad o sen, a altura d'estas tremendas
palavras do A p ost o lo S. Paulo : «E' horrí­
vel cahir vivo nas m ãos de
DtJus ! »
Evi tar c u i d a d osmuen te
as oecasiões p e r i u o s a s e a s i I l u sões
O hom e m d e ve, não só retirar-se do es­
tado de peccado mortal, q u and o t i v e r a de s­
graça de cahir n'elle, mas tambem deve
encher - s e de zêlo pela sua sal v a ç ão eterna
e toma r precauç<los mais sérias. A lém de
s ah ir a toda a pressa do caminho d o i n fern o,
é preciso qne se esforce por não tornar a
a tri l hal-o. Deve, a todo o custo, evit ar as
o ccasi ões do pecc a d o , sobretudo aquellas
cuj o pe1·igo lhe é manifesto .
Um christão , um homem que tem senso
commum s ac l' i fic a tudo, affronta tudo e
su pporta tudo para esc:apar ao fo�ro do in­
ferno. D e u s disse : «Se a v<:>ssa mão direit a,
se o vosso pé, se o vosso olho, se o que
tendes de mais c ar o no mundo é para vós
uma o cca si ã o de pec ca do , arrancae-o e ati­
rae-o para l o n ge de vós sem hesitar ; v a le
mais entrar, sob qualquer condição, no reino
CONCLVSÜES PBATIOÁS
185
de Deus é na vida eterna, do que ser lan··
çado no abysmo de fogo, no fogo eterno,
onde os remorsos nil.o acabam nem o fogo
se extingue. »
Não nos i l l u d a m o s a este respeito. As
illu�:�õ�s são o « movimento de rodeio» pelo
qual o inimi go da no ss a p obre alma procura
sur prehendêl- a , quando um ataque de frente
nlo lhe o:fferece garantias sufficien tes Q ua n to
estas illusões são partidas, subtis, multiplas
e freqnentes I
Forma m-se de tudo , mas particularm ente
do egoísmo, com os seus frios calculos e
reqnintes ; de toda a sorte de rebelli<Ses do
espidto contra a fé, contra a completa sub­
missão devida á auctorin ail e da Santa Sé e
da EgrPj a ; das pretendidas necessidades de
sande ou de co s tume que fa zem escorregar
insensivelmente na lama da impureza ; do s
usos e co nv e n i enci as do mundo no meio do
qual se vive, e que arrastam tlo facilmente
para o turbilhlto do prazer , da VH idade, do
esq•1ecimento de Deus e da negligencia da
vida christl ; emfim , da cegueira da cobiça,
que impel le tanta gente a roubar sob o pre­
texto de necessidades de commercio, de cos­
tume geral nos negocios, de sábia previ·
dencia para o futuro dos seus, etc.
.
,
... ---""
"""
·· ........
.. -.-�··· .7
186
O INFERNO
Repito : acallotélae-vos das 1llus3es. Quan­
tos réprobos estão no i n ferno, qu� .entraram
por esta porta falsa ? ! Pórle · o homem seél u­
zir-se, ao m enos em certa medida, mas não
poderá engan ar a vista de Deus.
A vida rel igiosa n?io basta para preser­
var-nos das illusões . Sabe-se q ue no inferno
ha religiosos , espero qne sej am poucos , mas
ha-os . E como chegaram lá ? Pelo cam inho
fatal das i l l u!!Ões . l lln�ões na obediencia,
ill LlsÕes na piedane, il lusões · na pobreza, na
castidade , na mortificação, il lnsões no uso
da sci':lncia ; que digo ? E' tão largo o ca­
min ho das illn!:!Ões !
Citarei , a este respeito, apenas um exem­
plo , tirado da vida de S. Francisco d' A ssis.
Entre os Provincia es da Ordem n ascente
dos Frades Menores havia um de nome
Fr. João de St rachia, cuj a paixão para a
scien cia ameaça v a afastar os sens reli­
giosos da simpl icidade e da santidade de
sua vocaçlto. S. l!'ran t·isco advertiu-os va­
rias vezes, mas sem pre em vão. Temendo
j ustamente a funesta infl. 1encia que exer­
cia este Provi n cial , S. Francisco depôl·o
em pleno Capitolio, declarando que Nosso
Senhor lhe havia revelaélo que era pre­
ciso tratai-o com rigor, porque o orgulho
CONCLUSÕES
PBATI�B
;
131
d'este hon:l�, àttrahira so15re. elle a maldi­
ção di vin&.í ._· ·
Bem depre s sa o futuro o mostrou . O des­
graçado morreu no m eio do mais horrivel
9esespero e gritando : « Estou condemnado e
maldito para sem pre ! >) Terriveis circum-·
stancias, que acom p a nh a ram a sua morte ,
confi rm aram esta sentença.
·
·
•
Asse!J t l l'aJ' a s u a sa l va�;áo
etPt'tJa e mn u tna v i d a S('ri anl Pnte
christá
Quereis estar ainda mais seguro de evi•:
.,
t ard e s o i n fe rn o , m eu caro leitO !" ? Não vos
contenteis com e vi ta r o peccado mortal ,
'
combater os vicios e as fal tas que vos con­
duzem a elle : deveis tamhem ter uma boa
e san t a vjda, verdadeiramente christ!t e
occupaàa em Jesus Chri::�to.
Deveis fazer como as pessoas prudentes
que teem de passar por caminhos di:ffi ceis
ou de costear precipicios : com m Mo de
ca h irem , acautelam-se de an d ar pela beira,
onde um passo em falso seria fatal ; cami­
llha� pelo outro lado da estrada, e afas­
tam-se o mais possivel do precipicio.
Fazei o mesmo. Abraçae generosamente
·
•
•
______.. f"'".- ,,...�_. -. .. -:- : · ·· • t ... �-�,
188
.
�;
�
O INFEBNO
•.
esta vida bella e nobre, que se chama vida
christl, vida ae piedade.
Guiado pelos conselhos d 'a l g um pa dre ze­
loso, snj eitae-vos a uma regra de v id a , na
qual en trarei s á medida da;; n ec ess id a de s da
vos sa alma e das circumstancias exteriores
em que vos achard es, e determinae fazer
sempre alguns bons e solidos ex e rcícios de
piedade , entre os quaes vos recommendo os
seguintes, que estão ao alcance de toda a
gente :
Começae e terminae sempre o dia com
alguma oração bem feita e cordial. Além
d'isto , lêde de manhã e á noi te, com a t t e n ç ão ,
uma ou duas paginas d ' algum bom livro , e
dep ois d'esta pequen:J. leitura deveis ter al­
guns minutos de recolhim ento e fazer algum
bom p ro posi to , de manhã para o dia, ao fim
do dia p ara a noite , tendo som pre di ante de
vós o pensamento da morte e da eternidade.
Acostumae-vos a fazer o signal da cruz
todas as vezes que sahirdes do vosso quarto
e ao entrardes n'elle. E!:!ta pratica, além de
ser sim p li císsim a, é m uito sant ificant e. Mas
tende cuidado de não fazer este sign al sa­
grado a correr, sem p en sar e por co$m e,
como faz muita gente. E' preci so fazêl-o
religiosa e gravemente.
CONCLUSÕBS PIIATICAS
139
Se os deveres do vosso estado vos permit­
tirem, ide á missa todas as· manhlts, para
receberdes a bençllo por excellencia e ren­
derdes a Nosso Senhor a homenagem que
cada um de nós lhe deve pelo seu grande
Sacramento . Se não podérdes, fazei ao me­
nos todos os dias uma adoraçllo ao Santissi­
mo Sacramento, ou entrando na egreja, ou
estando em vossa casa, mas que parta. do
intimo do coraçllo.
Rendei igualmente todos os dias á Bem­
aventurada Virgem Maria., Mli.e de Deus e
dos christllos , alguma homenagem de pie­
dad e , de amor e de ven eração, com affecto· � :
verdadeiramente fi lial . O amor á �antissima. •
Virgem , j unto ao amor do Sa.ntissimo Sa­
cramento , é um penhor C!Uasi infallivel da.
sa.lvaljli.O ; e a experiencia tem mostrado em
todos os seculos que Nosso Senhor Jesus
Christo concede graças extraordinarias, du.
rante a vida e no momento da morte , aos
que invocam e amam sua Mã.e. Trazei sempre com vosco um escapulario, alguma me­
dal ha ou um rosario.
Tomae e n llo abandoneis o excellente cos­
tume de vos confessardes e commungardes
muitas vezes . Â. confissão e a communhlo
silo os dois grandes meios offerecidos pela.
1"40
O INFERNO
Misericordia. de Je!IUB Christo aos que que­
rem salvar e santifi.:ar as suas almas, e\· itar
as faltas graves e crescer no amor do bem
e na pratica das vir·tudes christil.s . A este
respeito nlto se póne d11r uma regra ge•·al,
mas o que se póde affirmar é que os bons
de boa. vontade , isto é, os qne qn m·em si n­
ceramente evitar o m a l , servir o Bom Deus
e amal ·O de todo o coração , slio tanto me­
lhores, quanto commungam mais frequen te­
men te. Qr1anno ha esta disposição, prefere-se
sempre o mais , e , embora Re com mung-asse
varias vezes por sem a na , e nté todos os
· dias , não se estaria ainda satisfeito.
Seria muito bom que os ehristã.os virtuo­
sos podassem santitic11r com uma boa com­
m nnhil.o todos os domingo� e dias s: mtos,
sem faltarem a ella por culpa sua. O cele­
bre Cateci&mo do Concilio de T r·ento parece
dizer que o christão, qne tem algum cnH ado
da &ua alma, deve avisinhar· se dos Sacra­
mentos ao menos todos os mezes.
Emfim, proponde na vossa regra de vida
combater incessantemente dois ou trei de­
feitos que notardes em vós , 011 que os outros
vos notaram.
. E' o lado fraco da praça , e é por elle
que o_ inimigo, n ' um ou n'outro momento,
CONCLUSÕES PRATICAS
14<1.
tentará surprezas e vos · atacará. Evitae,
como o fogo . as más companhias e as leit�­
ras peccaminosas.
Deveis compreh ender, caro leitor, que nlo
sois obrigado a seguir o que acabo de re;.
commendar-vos. Ma s, repito-vos, se entrar­
des n'este caminho de generosidade e fervor,
e andardes n'elle resolutllmente, assegura­
reis d'uma maneira superabundante o grande
e importante negocio da vossa eternidade, e
estnrds certo de evitar as penas etet·nas do
inferno, como o homem que está certo de
evitar as privações da pobreza quando, por
uma sábia e int�lligente administração,
augmenta extraordinariamente os seus oa.;.
bedaes.
Portanto, não deixeis de tomar d'estea
conselhos os que podérdes seguir, vivei o
melhor possível , e por amor da vossa alma
e do Salvador, que derramou todo o seu
Sangue por ella, nlto recueis diante do.
dever, e sêde christão f�:�rvoroso.
Pensae muitas vezes e sériamente no in·
ferno, nas suas penas eternas, no fogo de­
vorador, e prometto-vos que ireis para o
céo. O grande missionario do céo é o in­
ferno.
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