1
UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
MESTRADO PROFISSIONAL EM PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE
LUCIANA CARVALHO DOS SANTOS
COMPULSÃO À REPETIÇÃO:
O TABAGISMO
RIO DE JANEIRO
2014
2
LUCIANA CARVALHO DOS SANTOS
COMPULSÃO À REPETIÇÃO:
O TABAGISMO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu- Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da
Universidade Veiga de Almeida, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade.
Área de concentração – Prática psicanalítica
ORIENTADOR: Prof. Dr. Antônio Quinet
RIO DE JANEIRO
2014
3
LUCIANA CARVALHO DOS SANTOS
COMPULSÃO À REPETIÇÃO:
O TABAGISMO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu- Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da
Universidade Veiga de Almeida, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade.
Área de concentração – Prática psicanalítica
Aprovada em: 05 / 02 / 2014
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Luiz Quinet de Andrade
Universidade Veiga de Almeida
__________________________________________________
Profª. Drª. Maria Anita Carneiro Ribeiro
Universidade Veiga de Almeida
__________________________________________________
Profª. Drª. Patrícia Saceanu
Universidade Federal do Rio de janeiro
4
DIRETORIA DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU
E DE PESQUISA
Rua Ibituruna, 108 – Maracanã
20271-020 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: (21) 2574-8871 - (21) 2574-8922
FICHA CATALOGRÁFICA
S237c
Santos, Luciana
Carvalho
dos.
FICHA
CATALOGRÁFICA
Compulsão à repetição: o tabagismo / Luciana Carvalho dos
Santos, 2014.
81 f.; il.: 30 cm.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de Almeida,
Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Rio de
Janeiro, 2014.
Orientação: Prof. Dr. Antonio Quinet.
1.
Psicanálise. 2. Pulsão. 3. Compulsão. 4. Tabagismo. I.
Quinet, Antonio. II. Universidade Veiga de Almeida, Mestrado
Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade. III. Título.
.
CDD – 616.8917
Decs
Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA
Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho
Para minhas queridas filhas Maria Eduarda e Maria Antonia, com quem vivi as
maiores alegrias e experimentei o amor incondicional.
Para Luiza, que com seus encantos me seduz a cada dia, para viver a deliciosa
aventura de ser avó.
AGRADECIMENTOS
A meus pais, Laura e Renato, que com seus exemplos me ensinaram a não desistir
dos meus sonhos.
Aos meus irmãos, Renato, Isabella e Flávia, presenças constantes e companheiros
desde sempre das estripulias orais.
A Márcia Zucchi, que com sua escuta aprimorada me acompanhou, bem de perto,
em minhas pesquisas sobre as compulsões.
Ao meu orientador, Antonio Quinet, que me ensinou a olhar para outros lugares e
imprimiu em mim o pensamento estruturalista.
Ao amigo Luiz de Barros, que com seu saber e faro de pesquisador iluminou meus
caminhos nos momentos sombrios.
Aos colegas de mestrado, e agora amigos, Beto, Beth, Dani e Derci, que me
ajudaram com palavras, carinho e trabalho.
A Antonio Quinet, Maria Anita Carneiro Ribeiro e Patrícia Saceanu, pelas valiosas
sugestões que me foram dadas no exame de qualificação.
Às minhas professoras Elisabeth da Rocha Miranda, Maria Anita Carneiro Ribeiro e
Maria Helena Martinho, pelo privilégio de assistir a aulas primorosas.
Aos queridos amigos Norma e Cees, pela preciosa ajuda nos retoques finais.
Só o desejo inquieto, que não passa,
Faz o encanto da coisa desejada...
E terminamos desdenhando a caça
Pela doida aventura da caçada.
(QUINTANA, M., 2012, p.89)
RESUMO
Nesta dissertação investigamos teoricamente as compulsões orais, em particular a
compulsão ao tabaco, sob a luz da metapsicologia freudiana e das contribuições
feitas por Lacan ao tema. Buscamos conhecer as nuances do fumar compulsivo,
com o propósito de responder à seguinte questão: por que, apesar de todas as
informações que se têm sobre os males causados pelo tabaco, de todas as
proibições impostas aos fumantes, do fato de não haver mais nenhuma
glamorização no ato de fumar, as pessoas continuam fumando? Ao longo da
pesquisa nos deparamos com a falta de literatura psicanalítica sobre tabagismo,
mas essa falta foi compensada quando encontramos, em textos de filósofos,
escritores e poetas, referências à relação amorosa que eles mantinham com o
cigarro. Tais falas foram de extrema importância para que pudéssemos teorizar e
compreender as vicissitudes da compulsão ao tabaco.
Palavras-chave: pulsão; compulsão; tabagismo; desejo.
ABSTRACT
This dissertation theoretically investigated the oral compulsions, particularly the
compulsion to tobacco, under the light of Freudian metapsychology and contributions
made by Lacan to the topic. We seek to know the nuances of compulsive smoking, in
order to answer the following question: Why, despite all the information we have
about the harm caused by tobacco, the prohibitions imposed on smoking, the fact
that there are no more glamorize smoking, people continue to smoke? Faced us
throughout the research with the lack of psychoanalytic literature on smoking,
however, this lack was offset when we lean on in some writings, produced by
philosophers, writers and poets, where they speak of the loving relationship he has
with his cigarette. These speeches were of utmost importance for us to theorize and
understand the vicissitudes of the compulsion to tobacco.
Key- words: drive; compulsion; smoking, desire.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Vaso maia de 1.300 anos, usado para guardar folhas de tabaco .............. 18
Figura 2: Livro de Nicolás Monardes sobre a história das plantas medicinais do Novo
Mundo ...................................................................................................................... 19
Figura 3: Cientista Thomas Harriot............................................................................ 20
Figura 4: Maço de cigarros de palha Duke ............................................................... 21
Figura 5: James Bonsack ......................................................................................... 21
Figura 6: Máquina de enrolar cigarros ...................................................................... 22
Figura 7: Imagens de maços de cigarros .................................................................. 22
Figura 8: Coco Chanel .............................................................................................. 23
Figura 9: Propaganda de cigarro dos anos 1920 ..................................................... 23
Figura 10: Propaganda de cigarros Marlboro para mulheres, anos 1920 ................ 24
Figura11: Freud e seu inseparável charuto .............................................................. 25
Figura 12: Cigarros de chocolate ............................................................................. 25
Figura 13: James Dean e Marlon Brando ................................................................. 26
Figura 14: Marlene Dietrich e Humphrey Bogard, o charme, a sedução .................. 26
Figura15: Audrey Hepburrn e Rita Hayworth, a beleza ............................................ 27
Figura16: Fred Astaire com Rita Hayworth .............................................................. 27
Figura 17: Ronald Reagan e Gary Cooper ............................................................... 28
Figura 18: Alain Delon teve um cigarro com seu nome ............................................ 28
Figura 19: Associação do cigarro aos esportes ........................................................ 29
Figura 20: Propaganda de cigarro exibindo advertência contra o fumo ................... 30
Figura 21: Imagem impressa no verso do maço de cigarros .................................... 31
Figura 22: Cartazes do filme Coco Chanel, na França e no Brasil ........................... 32
Figura 23: Desenho de Danielle Spada, inspirado no desenho Alienação (LACAN,
1964/1973) ............................................................................................................................................ 48
Figura 24: Desenho de Danielle Spada, inspirado no desenho do circuito pulsional
(LACAN, 1964/1973) ........................................................................................................................ 49.
11
LISTA DE EPÍGRAFES
1 “Só o desejo inquieto que não passa faz o encanto da coisa desejada. E
terminamos desdenhando a caça, Pela doida aventura da caçada.” In: QUINTANA,
Mário. O aprendiz de feiticeiro / Espelho mágico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012,
p.89 ............................................................................................................................ 7
2 “Fumar é indispensável se não se tem nada para beijar.” FREUD, Sigmund. In:
GAY, Peter. Freud: uma vida para nosso tempo. São Paulo: Companhia. das Letras,
1989, p. 53 ............................................................................................................... 17
3 “O cigarro é o objeto que forneço ao meu desejo para que ele persista, mas
também para que expire.” LECLERC, Annie. In: KLEIN, R. Cigarros são sublimes:
uma história cultural de estilo e fumaça. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 183 ........ 34
4 “Se entregar ao cigarro é colocar o interesse na criação de um desejo que não
pode ser satisfeito.” BANVILLE, Théodore. In: KLEIN, Richard. Cigarros são
sublimes: uma história cultural de estilo e fumaça. Rio de Janeiro: Rocco, 1997,
p.72 ......................................................................................................................... 51
5 “Deixar de fumar é a coisa mais fácil que já fiz; devo saber o que digo, pois fiz isso
mil vezes.” BOHLE, Bruce. In: KLEIN, Richard. Cigarros são sublimes: uma história
cultural de estilo e fumaça. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 128 ............................. 58
6 “Parando de fumar, deve-se lamentar a perda de algo na vida – ou de alguém! –
imensamente, intensamente belo, deve entristecer-se pelo desaparecimento de uma
estrela.” In: KLEIN, Richard. Cigarros são sublimes: uma história cultural de estilo e
fumaça. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p.19/20 ......................................................... 75
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13
2 O TABAGISMO NA HISTÓRIA .............................................................................. 17
2.1 O tabaco sai da América ................................................................................ 19
2.2 O tabaco volta para a América ........................................................................ 20
2.3 A mulher e o cigarro ....................................................................................... 22
2.4 O cigarro em queda ........................................................................................ 29
3 O CONCEITO DE PULSÃO E SUA TRAJETÓRIA ................................................ 34
3.1 Projeto para uma psicologia científica e A interpretação dos sonhos ............. 34
3.2 Os três ensaios ............................................................................................... 36
3.3 As pulsões e seus destinos ............................................................................. 42
4 A PULSÃO ORAL E SEUS DESTINOS ................................................................ 51
5 A COMPULSÃO À REPETIÇÃO ........................................................................... 58
5.1 A repetição ...................................................................................................... 58
5.2 Além do princípio de prazer ............................................................................ 61
5.3 A pulsão de morte ........................................................................................... 66
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 77
13
1 INTRODUÇÃO
No início de 2011, fui convidada por um setor do Hospital Federal dos
Servidores do Estado (HFSE), no qual trabalho, para participar de um grupo cuja
finalidade era discutir estratégias que pudessem ajudar os funcionários tabagistas a
pararem de fumar. Esse setor, denominado “Saúde do trabalhador”, tem como
objetivo implantar e desenvolver ações relativas à saúde dos funcionários do
hospital, tanto de prevenção, como de promoção e assistência.
O projeto me interessou de imediato, assim como a possibilidade de estendêlo aos pacientes atendidos pelo Serviço de Psicologia do hospital. Meu trabalho ao
longo dos anos no Serviço de Clínica Médica me colocou de frente, inúmeras vezes,
com o sofrimento de pacientes que desenvolveram doenças em decorrência do
tabaco. O fato de ter que participar de um treinamento em terapia cognitivocomportamental me afastou do projeto, ao mesmo tempo em que fez brotar em mim
o interesse em pesquisar o tabagismo.
As tentativas de ajudar as pessoas a lidarem com as suas compulsões ou a
se livrarem destas são realizadas, de modo geral, por grupos de autoajuda e pela
terapia cognitivo-comportamental, práticas bastante utilizadas no serviço público.
Lançar mão da psicanálise como instrumento teórico e clínico para o tratamento do
tabagismo me pareceu importante, por propiciar outra modalidade de psicoterapia.
Desse modo, esta pesquisa de mestrado se propõe a investigar teoricamente as
compulsões orais, sob a luz da metapsicologia freudiana e das contribuições de
Lacan ao tema, buscando conhecer as nuances do fumar compulsivo, com o
propósito de proporcionar aos pacientes do HFSE uma nova possibilidade de
tratamento dessa compulsão.
As doenças decorrentes do tabaco, além de onerarem o Estado, provocaram
uma mudança cultural, colocando-nos esta questão: fumar faz mal à saúde! O que
era chique agora se tornou brega. O fumante foi convidado a se retirar, a se isolar do
convívio social, passou a ser tratado como alguém marginal, que causa dano a si e
pode prejudicar os outros.
Se no passado o cigarro estava mais associado à pulsão de vida, como
vamos observar no primeiro capítulo, que contém uma breve história do tabagismo,
na atualidade ele está vinculado à pulsão de morte, como ilustra esta passagem do
romance O último cigarro, de Henry-Pierre Jeudy:
14
É impossível ignorar os riscos provocados pelo tabaco. As informações
mórbidas que circulam a respeito da destruição evidente dos outros e de
você mesmo não parecem deixar nenhum lugar para a eventualidade,
confortadora para o fumante, de que a erva daninha talvez também
contenha algum efeito benéfico. Os riscos de câncer são tão prováveis que
tais informações parecem se transformar em interdições. Como ainda é
possível sacar um cigarro do maço quando está escrito na embalagem
“fumar mata”? [...] O princípio da afirmação peremptória é convencê-lo de
que você não escolhe, mas é uma vítima consentida do trabalho da morte
(2007, p.15).
Hoje o tabagista parece convencido de que o uso compulsivo do tabaco pode
causar doenças graves, mas se depara com a dificuldade de abandonar o hábito de
fumar. E quando consegue, ele muitas vezes observa que a compulsão oral migrou
do fumo para a comida ou a bebida.
Nosso estudo tem a intenção de responder a esta questão colocada por
Jeudy (2007): por que, apesar de todas as informações que se têm sobre os males
causados pelo tabaco, de todas as proibições impostas aos fumantes, do fato de
não haver mais nenhuma glamorização no ato de fumar, as pessoas continuam
fumando? A psicanálise nos ensina que, para além da identificação, do racional,
existe algo da ordem do pulsional, que chamamos compulsão.
Os estudiosos do alcoolismo utilizam o termo “estreitamento de repertório”
para caracterizar o comportamento do alcoolista, que se traduz da seguinte maneira:
em uma festa agradável, o sujeito não consegue se divertir, pois seu interesse está
inteiramente voltado para o garçom, com vistas a que este abasteça de bebida o seu
copo, e frequentemente lhe oferece gorjetas com essa finalidade.
No caso do tabagista compulsivo, algo semelhante ocorre: com a
impossibilidade atual de fumar em praticamente todos os lugares, o fumante
compulsivo ficou em evidência, ele está sempre à procura de uma área onde seja
permitido fumar, chegando a enfrentar calor, vento e chuva para ter esse prazer. Se
estiver em uma festa, será capaz de passar mais tempo na área de fumantes do que
junto aos demais participantes.
Nossa pesquisa visa ao tabagismo como compulsão, como algo que se situa
além do princípio do prazer, como um significante que aliena o sujeito. Freud
(1920/2006), a partir da observação de fenômenos como o da compulsão à
repetição, encontrada nas brincadeiras infantis, na neurose de transferência e nas
neuroses de guerra, estuda e teoriza a respeito da existência do que chamou de
uma “força demoníaca” no interior da vida, algo que se opõe ao princípio do prazer –
15
manifestações de agressividade, sadismo, masoquismo, ódio. A partir desse estudo,
a compulsão à repetição vai se apresentar para ele como fazendo parte da essência
pulsional, uma força que pode suspender, mesmo que temporariamente, a ideia de
que o princípio do prazer domina totalmente o aparelho psíquico. A repetição o leva
a observar o aspecto regressivo e conservador da pulsão e o faz pensar na pulsão
de morte como a pulsão por excelência. Esse trabalho resulta em seu texto Além do
princípio de prazer (1920), que será fundamental para nossa pesquisa.
Relacionado à repetição, no sentido do que esta tem de conservador, está o
conceito de alienação, que deixa o sujeito colado e identificado a um determinado
significante, que passa a representá-lo: “Eu sou tabagista”. É comum o tabagista
compulsivo, quando está tentando deixar o tabaco, relatar que a compulsão é
desencadeada por sentimentos de angústia ou de raiva, o que nos induz a colocar
uma segunda questão: existem disparadores para o processo compulsivo? A
angústia e a raiva seriam gatilhos para a compulsão? Por quê?
Para desenvolver essas hipóteses, apresentaremos, no capítulo 2, uma
pequena história do tabagismo, juntamente com o texto O mal-estar na civilização,
de Freud (1930 [1929] /1974), no qual o autor constata que o ser humano sempre
precisou fazer uso das drogas para suportar o mal-estar inerente à civilização.
Estudaremos, no capítulo 3, o conceito de pulsão, desde quando Freud o
elabora até seus últimos escritos, e o Seminário 11 de Lacan, uma valiosa
contribuição ao tema, para entendermos a razão pela qual, apesar das mensagens
vinculando o fumo à doença e ao risco de morte, os sujeitos têm dificuldades em
parar de fumar.
No capítulo 4 nos debruçaremos sobre a pulsão oral, lançando mão das
contribuições de Karl Abraham sobre a fixação oral, pois este trabalhou as questões
do erotismo oral na esteira das formulações de Freud acerca do erotismo anal.
Para confirmar nossa hipótese de que a compulsão à repetição é o fator mais
difícil de ser trabalhado em uma análise com pacientes que desejam se livrar de
suas compulsões, discorreremos, no capítulo 5, sobre os textos de Freud que tratam
da repetição, até seu trabalho Além do princípio de prazer (1920/2006), no qual ele
propõe uma nova dualidade pulsional. Vamos ainda teorizar sobre a compulsão ao
tabaco a partir de alguns depoimentos de tabagistas, para em seguida concluir
nossas observações a respeito do tema.
16
2 O TABAGISMO NA HISTÓRIA
Fumar é indispensável se não se tem nada para beijar.
Sigmund Freud
O hábito de fumar nos foi ensinado pela cultura e podemos, com certa
facilidade, observar como a pulsão é capaz de se utilizar dos objetos colocados em
circulação pela sociedade para obter satisfação. Na verdade, cultura e sujeito estão
sempre em interação, já que é o sujeito que cria a cultura e é influenciado por ela.
Freud, em O mal-estar na civilização (1930/2011), nos diz que “a vida, tal como nos
coube, é muito difícil para nós” (FREUD, 1930/2011, p.18). Viver implica sofrimentos
e decepções, assim como a administração de problemas complexos e, às vezes,
sem solução. O sofrimento, segundo Freud (1930/2011, p.20), nos ameaça por três
lados: ”[...] do nosso próprio corpo, fadado ao declínio e dissolução; do mundo
externo, que pode se abater sobre nós, e das relações com os outros seres
humanos, que podem nos ser traumáticas”. Dessa forma, entendemos que “a
intenção de que o homem seja ‘feliz’ não se acha no plano da ‘Criação’” (FREUD
1930/2011, p.20). O homem sempre se valeu de paliativos para suportar o mal-estar
inerente à civilização. Freud destaca três desses paliativos: “poderosas diversões,
que nos permitem fazer pouco de nossa miséria; gratificações substitutivas, que a
diminuem; e substâncias inebriantes, que nos tornam insensíveis a ela” (FREUD,
1930/2011, p.18). O tabaco, com seu sabor e efeitos físicos contraditórios, foi
entusiasticamente absorvido pela modernidade como uma droga para aliviar a
ansiedade e para distrair. A seguir, vamos conhecer um pouco da história dessa
substância que sempre despertou fascínio.
Arthur Reis (2012) conta que o tabaco nasceu nas Américas. Seu cultivo
estava associado aos maias e astecas, povos que dominaram boa parte do
continente antes da chegada dos europeus, representados por Cristóvão Colombo,
em 1492.
A civilização maia foi a primeira a se consolidar como um império, atingindo o
auge no final do século IX – época em que seu território se estendia do sul do
17
México à Guatemala. Alguns indícios arqueológicos, como desenhos esculpidos em
pedras, indicam que o consumo do tabaco já acontecia há mais de oito mil anos.
Os astecas fumavam o tabaco enrolado em folhas de junco, em tubos de cana ou
em casca de milho. Em um vaso maia do século X, foi encontrado o desenho de um
grupo de indígenas fumando um chumaço de folhas de tabaco enroladas em um tipo
de barbante (REIS, 2012).
A representação de pessoas fumando cachimbos na arte maia já indicava que
este povo cultivava o tabagismo, porém não havia provas materiais desse fato.
Essas provas surgiram a partir de pesquisas recentes (2012), divulgadas pela
Universidade de Albany, em Nova York, nos Estados Unidos. Foram analisados 150
recipientes da coleção de cerâmicas maias da Biblioteca do Congresso americano e,
em boa parte das análises, o interior dos vasos não combinou com a representação
escrita ou desenhada do lado de fora. Em alguns dos vasos havia restos de
substâncias usadas em rituais de sepultamento, como óxido de ferro. Mas em 150
deles foram encontrados sinais de nicotina, o que indica que o uso de tabaco, na
época, era intenso, e não apenas ritualístico, como se pensava. Num dos vasos
pesquisados, de aproximadamente 1.300 anos, estavam gravadas as palavras "yotoot 'u-may", ou "lar do seu tabaco", no idioma maia. Essa pesquisa foi publicada
no periódico Rapid Communications in Mass Spectrometry (VEJA, 2012).
Figura 1: Vaso maia de 1.300 anos, usado para guardar folhas de tabaco
18
2.1 O tabaco sai da américa
Cristóvão Colombo, ao chegar à América, em 1492, recebeu como presente
dos índios folhas de tabaco secas. Logo depois a planta foi levada por marinheiros
para a Europa, onde passou a ser cultivada em todo o continente. O tabaco se
popularizou rapidamente por lá, e a principal razão para esse fato foram suas
supostas propriedades medicinais. Os europeus acreditavam que o tabaco poderia
curar quase tudo, do mau hálito ao câncer. Em 1571, um médico espanhol chamado
Nicolas Monardes escreveu um livro sobre a história das plantas medicinais do Novo
Mundo. Nessa publicação, ele alegava que o tabaco poderia curar 36 problemas de
saúde (REIS, 2012).
Figura 2: Livro de Nicolás Monardes sobre a história das plantas medicinais do Novo Mundo: Las
cosas que traen de nuestras Indias Occidentales que sirven al uso de la medicina. Fonte:
<http://www.gfmer.ch/Colombia_Pilar/HistoriaConquista.htm>.
Em 1588, Thomas Harriot, matemático, astrônomo, etnógrafo, tradutor e
explorador inglês, escreveu um extenso livro narrando sua viagem à Virgínia, no
qual relatava com detalhes os hábitos dos nativos do Novo Mundo (englobando
flora, fauna, recursos naturais). Esse foi o primeiro livro em inglês sobre a nova terra
e passou a ser referência. Nele Harriot preconizava o uso diário de tabaco (REIS,
2012).
19
Figura 3: Cientista Thomas Harriot. Fonte: http://www.grenswetenschap.nl/permalink.asp?grens=2682
2.2 O tabaco volta para a américa
Durante os anos 1600, o tabaco ficou tão popular que chegou a ser negociado
como moeda! Este foi também um momento em que as pessoas passaram a
perceber alguns dos efeitos perigosos do tabaco. Em 1610, Francis Bacon, filósofo e
ensaísta inglês, escreveu sobre a sua dificuldade em deixar o hábito de fumar
(REIS, 2012).
Em 1760, Pierre Lorillard criou uma empresa em Nova York para processar
tabaco, charutos e rapé. Hoje, a P. Lorillard é a mais antiga empresa de tabaco nos
Estados Unidos (REIS, 2012).
Durante a Guerra Revolucionária Americana, em 1776, o tabaco ajudou a
financiar a revolução, servindo como garantia para os empréstimos obtidos junto à
França. Ao longo dos anos que se seguiram, mais e mais cientistas passaram a
entender melhor as substâncias químicas contidas no tabaco, bem como os efeitos
nocivos à saúde que o fumo produzia (REIS, 2012).
Em 1826, uma análise mais profunda na fórmula da nicotina levou os
cientistas a concluírem que ela era uma substância perigosa, que poderia causar
sérios problemas para a saúde.
A partir de 1847, algumas empresas produtoras de tabaco começaram a se
estabelecer nos Estados Unidos. Primeiramente a Phillip Morris, produzindo e
vendendo cigarros turcos enrolados à mão; em seguida, em 1849, a J. E. Liggett and
20
Brother se estabeleceu em St. Louis, Missouri. Logo depois, em 1875, surgiu a R. J.
Reynolds Tobacco Company para produzir fumo de mascar (REIS, 2012). Em 1865,
Washington Duke iniciou a produção de cigarros de palha em sua fazenda de 300
acres, em Raleigh, Carolina do Norte.
Figura 4: Maço de cigarros de palha Duke.
Fonte: http://www.appalachianhistory.net/2012/08/origin-of-phrase-dukes-mixture.html
Um fato novo, ocorrido em 1881, modificou profundamente a produção de
cigarros no mundo: o surgimento de uma máquina para enrolar cigarros, invenção
do americano James Bonsack. A fabricação de cigarros simétricos e com o mesmo
tamanho incrementou a produção e a apresentação do produto, aumentando
consideravelmente as vendas (REIS, 2012).
Figura 5: James Bonsack. Fonte: http://www.ceskatelevize.cz/ct24/svet/100359-prvni-stroj-na-vyrobucigaret-sestavil-american-james-
21
Figura 6: Máquina de enrolar cigarros. Fonte: http://www.ceskatelevize.cz/ct24/svet/100359-prvni-strojna-vyrobu-cigaret-sestavil-american-james-bonsack/
O uso de cigarro foi muito estimulado durante a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), com a finalidade de relaxar a tropa e diminuir a solidão dos soldados
entrincheirados. Fumar cigarros em tempos de guerra e depressão não era
meramente um prazer, mas visto quase como um dever em relação ao princípio de
companheirismo e às exigências de consolo diante da tragédia (KLEIN, 1993/1997,
p.20). Ao final da guerra, o cigarro continuou fazendo parte do dia a dia daqueles
homens (MILAGRES, 2013).
2.3 A mulher e o cigarro
O foco da indústria tabagista, antes dos anos 1920, era vender cigarros
apenas para os homens. Como naquela época ainda não havia televisão, a
propaganda era feita nos próprios maços de cigarros, utilizando-se a imagem da
mulher como objeto do desejo masculino.
22
Figura 7: Imagens de maços de cigarros. Fonte: MILAGRES, 2013.
Após a Primeira Guerra Mundial as mulheres passaram a interessar às
indústrias do fumo, não somente como inspiração para as vendas, mas como
consumidoras. Antes dessa época não era bem-visto o fato de uma mulher fumar
em público. Já nos anos 1920, o tabagismo aparecia ligado à liberdade e à
emancipação feminina, tendo como ícone Coco Chanel, com seu inseparável cigarro
(MILAGRES, 2013).
Figura 8: Coco Chanel. Fonte: http://pensemoda.onsugar.com/MODA-E-O-CIGARRO-18075602
23
Figura 9: Propaganda de cigarro dos anos 1920.
Fonte: http://hypescience.com/10-inacreditaveis-anuncios-propagandas-cigarros/
Nesta propaganda, a mulher defende o seu direito de votar, da mesma
maneira que conquistou o de fumar. “As mulheres começaram a fumar, e já é hora
de começarem a votar”, diz o texto do anúncio.
Em 1923, a marca Camel controlava 45% do mercado dos Estados Unidos.
Em 1924, a Phillip Morris começou a comercializar Marlboro como um cigarro
feminino; no maço pode-se observar a inscrição "Suave como maio”!
Figura 10: Propagando de cigarros Marlboro para mulheres, anos 1920. Fonte: REIS, 2012.
A fim de competir com relação ao público feminino, a American Tobacco
Company, fabricante da marca Lucky Strike, lançou o seu cigarro para as mulheres,
24
conquistando 38% do mercado. As taxas de tabagismo entre adolescentes do sexo
feminino logo triplicaram durante os anos de 1925-1935 (REIS, 2012).
Em 23 de setembro de 1939 morria em Londres Sigmund Freud, vítima do
tabaco. Ao longo de sua doença, que durou 16 anos, ele se submeteu a mais de
trinta cirurgias para eliminar tumores benignos, ou malignos, causados por sua
dependência do tabaco. Peter Gay comenta:
O prazer que o uso contínuo do tabaco dava a Freud, ou, mais
precisamente, sua incurável necessidade dele, devia ser irresistível. Afinal,
cada charuto era mais um elemento irritante, um pequeno passo para outra
intervenção dolorosa.[...] A incapacidade de Freud em parar de fumar
ressalta vividamente a verdade contida em sua observação sobre uma
disposição extremamente humana, que ele chamou de saber e não saber,
um estado de apreensão racional que não resulta numa ação combatível
(GAY, 1988, p.390).
A partir da constatação da dependência que Freud sofria do tabaco, fica fácil
imaginar que ele utilizou de si próprio como objeto de estudo para as compulsões.
Figura 11: Freud e seu inseparável charuto. Fonte:
http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/biografia_freud_segredos_de_familia_imprimir.html
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as empresas produtoras de
tabaco, em plena expansão, enviaram de graça milhões de cigarros para os
soldados combatentes. Isso fez com que conquistassem, após a guerra, um grande
número de clientes fiéis. As propagandas procuravam atingir os homens, as
25
mulheres e os adolescentes, e, de forma subliminar, também as crianças (REIS,
2012).
Figura 12: Cigarros de chocolate.
Fonte: http://historica.com.br/colunas/propaganda-historica/cigarrinhos-de-chocolate-pan
Os produtores de tabaco investiram em produções cinematográficas que
atrelavam o cigarro à imagem de charme, beleza, rebeldia e sexualidade, compondo
belas cenas como coadjuvante. James Dean e Marlon Brando personificaram a
rebeldia.
Figura 13: James Dean e Marlon Brando.
Fonte: http://ossujos.blogspot.com.br/2009/11/cultura-suja-cigarro-ame-o-ou-deixe-o.html
26
Figura
14:
Marlene
Dietrich
e
Humphrey
Bogard,
o
charme,
Fonte: http://guilhermescalzilli.blogspot.com.br/2012/02/o-cinema-o-cigarro-e-liberdade.html
a
sedução.
A propaganda fora das telas exibia belos astros e estrelas fumando, o que
provocava rápida identificação de seus admiradores, perpetuando o glamour do
cigarro por muito tempo.
Figura 1514: Audrey Hepburrn e Rita Hayworth, a beleza. Fonte: http://blogs.estadao.com.br/adrianacarranca/carrie-bradshaw-o-cigarro-saiu-de-moda/
27
Figura 16: Fred Astaire com Rita Hayworth. Fonte:
http://ofilmequeviontem.blogspot.com.br/2010/01/o-cigarro-no-cinema-1897-2009.htm
Figura 17: Ronald Reagan e Gary Cooper. Fonte: http://www.cigarro.med.br/cap33.htm
28
Figura 18: Alain Delon teve um cigarro com seu nome. Fonte: http://www.cigarro.med.br/cap33.htm
A glamorização do cigarro, estimulada por Hollywood, durou muitos anos.
Grandes astros e estrelas contracenavam exibindo belíssimas piteiras e aparências
impecáveis. O hábito de fumar era largamente associado a belas mulheres, homens
viris e elegantes. Com isso a propaganda tentava atingir a todos.
As evidências de que as substâncias contidas no cigarro podiam causar
sérias doenças fizeram com que a propaganda, numa ação reativa, se voltasse para
a tentativa de associar o cigarro à saúde através da prática dos esportes. O
automobilismo foi patrocinado durante muitos anos pela indústria do tabaco.
29
Figura 19: Associação do cigarro aos esportes. Fonte:
http://virtualiaomanifesto.blogspot.com.br/2007/11/o-cigarro-e-cumplicidade-da-midia.html
2.4 O cigarro em queda
A década de 1950 trouxe a certeza de que o tabaco estava associado ao
câncer de pulmão. A indústria tabagista, mesmo negando o fato, começou a
desenvolver produtos “menos danosos”, como os cigarros com filtro e com menos
alcatrão.
Em 1964, o Surgeon General, ligado ao Departamento de Serviços Humanos
e de Saúde do Governo americano e porta-voz do Governo federal no que diz
respeito à saúde pública, emitiu o relatório "Tabagismo e Saúde", no qual ficaram
evidentes os males para a saúde provocados pelo cigarro. A partir desse relatório, o
Governo americano começou a regular a propaganda e a venda de cigarros no país
(REIS, 2012).
Em 1965, na Grã-Bretanha, foram retirados do ar na televisão os anúncios de
cigarro. Em 1966, começaram a aparecer nos maços de cigarro, por exigência do
Governo americano, alertas sobre riscos à saúde devido ao uso do tabaco. A
pressão da imprensa e dos órgãos de saúde sobre o tabaco fez com que as grandes
empresas produtoras procurassem diversificar seus produtos. A Phillip Morris
comprou a Miller Brewing Co, fabricante da cerveja Miller, Miller Lite e Red Dog. A R.
30
J. Reynolds Tobacco Co. retirou o “companhia de tabaco” de seu nome, tornando-se
a R. J. Reynolds Industries, e também adquiriu outros produtos, tais como o
alumínio. A American Tobacco Company também suprimiu o “Tabaco” de sua razão
social, passando a denominar-se American Brands Inc. (REIS, 2012).
Os cigarros light surgiram a partir da preocupação da indústria tabagista com
a queda nas vendas. Rapidamente foram introduzidos novos produtos no mercado,
com propostas de provocarem menos danos à saúde. Mesmo assim, as empresas
eram obrigadas a colocar nos maços a frase: “O Ministério da Saúde adverte: fumar
é prejudicial à saúde”.
Figura 20: Propaganda de cigarro exibindo frase de advertência contra o fumo.
Fonte: http://www.propagandaemrevista.com.br/ano/1994/11/
A comunidade científica internacional dava início a uma série de pesquisas
com os cigarros light, para concluir que eles faziam tão mal à saúde quanto os
normais. Os produtos light teriam como única diferença os poros do filtro que, mais
fechados, faziam com que a fumaça passasse em menor quantidade (MILAGRES,
2013).
Em 1971, os anúncios de cigarros na televisão foram finalmente retirados do
ar, nos Estados Unidos. Durante a década de 1980 ocorreram inúmeros processos
movidos contra as indústrias do tabaco, devido às doenças provocadas por seus
produtos. Fumar se tornou politicamente incorreto, e o fumo foi proibido em muitos
lugares públicos.
31
Em 1982, os relatórios do Surgeon General advertiam que o fumo passivo
poderia causar câncer de pulmão. Fumar em espaços públicos passou a ser
proibido, especialmente nos locais de trabalho (REIS, 2012).
Em 1985, pesquisas americanas constataram que o câncer de pulmão era a
causa número um de mortalidade entre as mulheres, superando o câncer de mama.
As notícias cada vez mais alarmantes com relação às doenças decorrentes do
tabaco fizeram com que as empresas produtoras diversificassem ainda mais o seu
negócio. A Phillip Morris adquiriu a General Foods Corporation e a Kraft Inc., em
1985, e a R. J. Reynolds comprou a Nabisco, tornando-se a R. J. R. / Nabisco
(REIS, 2012).
Durante os anos 1980 e 1990, a indústria tabagista passou a investir
fortemente na comercialização de seus produtos em áreas fora dos Estados Unidos,
especialmente nos países em desenvolvimento na Ásia (REIS, 2012).
No ano 2000 aprovou-se no Brasil o projeto de lei que proíbe a publicidade do
cigarro em todos os meios de comunicação, bem como nas cotas de patrocínios de
eventos esportivos e culturais (PORTAL BRASIL, 2010).
Podemos perceber, com esse breve histórico, como a relação da sociedade
com o cigarro se transformou ao longo dos anos. Hoje os produtores de tabaco são
obrigados a colocar em seus maços de cigarro fotos com pessoas sofrendo, direta
ou indiretamente, devido a doenças causadas pela compulsão ao tabaco.
Figura 21: Imagem impressa no verso do maço de cigarros. Fonte:
http://wwwbastiaosena.blogspot.com.br/2013/06/alianca-de-controle-do-tabagismo.html
32
Nos países em que o tabaco sofre grandes restrições, há uma vigilância
constante dos órgãos de governo e da população antitabagista para que as leis
sejam cumpridas. Essa preocupação se exacerbou, principalmente, a partir de
pesquisas científicas sobre as doenças que podem acometer o fumante passivo. Em
2009, uma interessante polêmica surgiu quando foram lançados cartazes para
divulgar o filme sobre a vida de Coco Chanel. O cartaz com a foto da atriz que viveu
Chanel nas telas, Audrey Tautou, com um cigarro na mão foi considerado
propaganda indireta do cigarro. No Brasil, o cartaz foi refeito, colocando-se uma
caneta no lugar do cigarro. Na França, após muitos debates e manifestações
públicas contra a proibição do cartaz original, este foi liberado.
Figura 22: Cartazes do filme Coco Chanel, na França e no Brasil.
Fonte: http://guilhermescalzilli.blogspot.com.br/2012/02/o-cinema-o-cigarro-eliberdade.htmlhttp://pensemoda.onsugar.com/MODA-E-O-CIGARRO-18075602
Aprendemos com Freud que a identificação é a mais remota expressão de um
laço emocional com outra pessoa. Para ele, a identificação:
comporta-se como um derivado da primeira fase da organização da libido,
da fase oral, em que o objeto que prezamos e pelo qual ansiamos,
seio/leite, é assimilado pela ingestão, sendo dessa maneira aniquilado como
tal. O canibal, como sabemos, permaneceu nessa etapa; ele tem afeição
devoradora por seus inimigos e só devora as pessoas de quem gosta
(FREUD, 1920/2006, p.134).
33
Com certa facilidade podemos observar como o fenômeno da identificação é
utilizado pelos meios de comunicação para atingir os mais variados consumidores.
No passado, foi bastante proveitoso para os fabricantes de cigarro como vimos, para
cada público específico havia uma marca de cigarros.
34
3 O CONCEITO DE PULSÃO E SUA TRAJETÓRIA
O cigarro é o objeto que forneço ao meu
desejo para que ele persista, mas também
para que expire.
Leclerc
O termo Trieb, traduzido do alemão por pulsão, já se encontrava presente nas
concepções da doença mental e de seu tratamento, desenvolvidas pela psiquiatria
desde o século XIX. Foi usado pela primeira vez por Freud nos Três ensaios sobre a
teoria da sexualidade (1905/1989). No entanto, desde o Projeto para uma psicologia
científica (1950[1895]/1990), Freud já pesquisava uma energia, proveniente do
interior do corpo, que impulsiona o sujeito para a ação, exigindo trabalho.
Para entendermos como o conceito de pulsão foi sendo desenvolvido por
Freud, até ficar conhecido pela dualidade pulsão de vida / pulsão de morte, ou ainda,
a energia que une, que cria – Eros, e a energia que destrói, que aniquila – Tânatos,
estudaremos toda a trajetória percorrida por ele na construção de sua psicanálise.
3.1 Projeto para uma psicologia científica e a interpretação dos sonhos
No Projeto para uma psicologia cIentífica, Freud (1950 [1895]/1990) traz a
ideia de que o organismo está sujeito a ser provocado por dois tipos de energia: a
que surge do mundo externo, e da qual ele pode se esquivar, e a que brota do
interior do corpo, o que faz com que a fuga seja impossível. A excitação que surge
do mundo externo ele denominou de impulso, e a que brota do interior do corpo, de
pulsão. Freud começa a desenvolver nesse texto a noção de que o aparelho
psíquico surge para dar conta das excitações que lhe chegam, e entende que o
aumento de excitação gera desprazer e sua diminuição, prazer. Supõe então que
existe no organismo uma tendência a reduzir a zero as quantidades de energia que
lhe chegam. Chamou esse processo de princípio de inércia neurônica. Ele percebe,
porém, que a descarga total levaria o organismo à morte; então, em nome da
manutenção da vida, o organismo precisaria segurar uma quantidade mínima de
energia, “princípio de constância”, para realizar uma ação específica que pusesse
fim à excitação. No Projeto, o princípio de inércia aparece identificado com o
princípio de prazer.
35
Freud abandona o Projeto, mas não as ideias contidas nele, as quais são
retomadas e apresentadas de outra forma em A interpretação dos sonhos (190001/1990). No capítulo VII desse texto, ele elabora o modelo do que chamará de
aparelho psíquico. Um recorte aqui nos ajuda a compreender melhor o conceito de
pulsão:
O bebê faminto grita ou dá pontapés, inerme. Mas a situação permanece
inalterada, pois a excitação proveniente de uma necessidade interna não se
deve a uma força que produza um impacto momentâneo, mas a uma força
que está continuamente em ação. Só pode haver mudança quando, de uma
maneira ou de outra (no caso do bebê, através do auxílio externo) chega-se
a uma “vivência de satisfação” que põe fim ao estímulo interno. Um
componente essencial dessa vivência de satisfação é uma percepção
específica (a da nutrição, em nosso exemplo) cuja imagem mnêmica fica
associada, daí por diante, ao traço mnêmico da excitação produzida pela
necessidade. Em decorrência do vínculo assim estabelecido, na próxima
vez que esta necessidade for despertada, surgirá de imediato uma moção
psíquica que procurará reinvestir a imagem mnêmica da percepção e
reevocar a própria percepção, isto é, estabelecer a situação da satisfação
original. Uma moção dessa espécie é o que chamamos de desejo; o
reaparecimento da percepção é a realização do desejo (FREUD, 190001/1990, p. 516).
Esse momento mítico criado por Freud fala do nascimento da pulsão. O bebê,
na primeira mamada, não recebe apenas leite, ele recebe também, na maioria das
vezes, palavras, afeto, cheiro, entre outras sensações. Essa experiência, com todos
os seus ingredientes, fica registrada na memória dele, através do que Freud (190001/1990) chamou de traço mnêmico. Na próxima vez que sentir fome, o bebê não
vai querer só o leite, ele vai querer tudo que veio junto com este na primeira
mamada. Sua primeira tentativa de reviver a experiência é ativar o traço mnêmico,
ou seja, alucinar, porém a fome vai persistir. O bebê então, por meio de outra ação
qualquer, consegue chamar a atenção de seu cuidador e tem a segunda mamada.
Nesta, ele se satisfaz, mas não com o primeiro objeto, pois a cena será outra. A
primeira cena nunca mais se repetirá, denunciando a perda do objeto. Esta perda
cria um vazio, uma falta, e o desejo de encontrar o objeto que esteve ali. O ser
humano vive às voltas com essa falta. “Uma nostalgia liga o sujeito ao objeto
perdido, através da qual se exerce todo o esforço da busca”, nos diz Lacan (195657/1995, p.13). Na busca pelo objeto perdido, a pulsão contorna objetos à procura
de satisfação, que será sempre parcial, pois o objeto está perdido para sempre.
Nosso estudo vai pesquisar a forma como o cigarro entra no lugar do objeto
perdido pela pulsão oral.
36
3.2 Os três ensaios
Em 1905, Freud publica Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade, livro
em que usa pela primeira vez a palavra pulsão:
O fato da existência de necessidades sexuais no homem e no animal
expressa-se na biologia pelo pressuposto de uma “pulsão sexual”. Segue-se
nisso a analogia com a pulsão de nutrição: a fome. Falta à linguagem vulgar
[no caso da pulsão sexual] uma designação equivalente à palavra “fome”; a
ciência vale-se, para isso, de “libido” (FREUD, 1905/1990, p. 127).
Dentre os livros de Freud, Os três ensaios... foi o que provocou maior
indignação por parte da sociedade, em função de colocar em xeque a inocência
infantil. Aqui Freud já estava ciente de que sua “teoria do trauma” era insuficiente
para explicar o surgimento das neuroses, passando a fantasia a ganhar poder na
formação dos sintomas.
Nesse trabalho, Freud (1905/1989) critica enfaticamente a noção de que a
pulsão sexual está ausente na infância, o que coincidia com o pensamento científico
da época, que acreditava serem algumas práticas sexuais inatas, outras, frutos de
degenerescências ou ainda “aberrações”, principalmente a homossexualidade. Ele
introduz o conceito de objeto sexual e alvo sexual, ou objetivo sexual, sendo o objeto
a pessoa de quem vem a atração sexual e o alvo a ação para a qual a pulsão se
dirige. Ainda nesse texto, Freud se empenha em separar da loucura a sexualidade e
suas múltiplas manifestações.
As teorias sobre a sexualidade elaboradas antes da publicação dos Três
ensaios falavam de instintos e de seus desvios, ou seja, de padrões de
comportamento fixados hereditariamente, tendo como finalidade a reprodução da
espécie. Havia uma ligação fixa entre objeto e objetivo. As condutas que fugiam
desse padrão eram consideradas perversas, por perverterem as leis da natureza.
Quando estabelece que o ser humano é movido por pulsão e não por instinto, Freud
tira
o
sexual
do
campo
da
biologia
e
de
suas
regras
prefixadas
e,
consequentemente, do campo das doenças.
Freud (1905/1989) dedica o primeiro ensaio desse livro aos desvios com
relação aos objetos e aos objetivos sexuais. Estuda os circuitos pulsionais
envolvidos, principalmente na homossexualidade (inversão), na zoofilia e na
pedofilia, exemplificados como desvios com relação ao objeto sexual. Nos desvios
com relação aos alvos, ele destaca as perversões, entre elas o fetichismo, o
37
sadismo, o masoquismo e a fixação em alvos sexuais provisórios, como o tocar e o
olhar. É interessante observar, nesse texto, a pesquisa que Freud vai tecendo sobre
a natureza da pulsão sexual e a possibilidade de esta admitir tão ampla variação de
objetos e objetivos, como ele comenta nesta passagem:
Ainda assim, é esclarecedor sobre a natureza da pulsão sexual o fato de ela
admitir tão ampla variação e tamanho rebaixamento de seu objeto, coisa
que a fome, muito mais energicamente agarrada a seu objeto, só permitiria
nos casos mais extremos (FREUD, 1905/1989, p. 139).
Freud chama a atenção aqui para a potência da pulsão sexual, que – através
da libido, energia que a movimenta – pode vencer barreiras como a do asco e da
vergonha, e fixar-se no objeto que gerou o gozo. Foi a partir do estudo de Freud
sobre as perversões que podemos entender a natureza desmedida da pulsão sexual
e a sua falta de regulação interna — o que ela busca é o gozo.
Freud destrói o mito da pureza infantil e afirma que a pulsão sexual brota com
a vida, conforme sublinha Quinet, ao dizer que, nos Três ensaios, Freud:
[...] afirma que a criança não é aquele ser ingênuo e sem malícia, que ela
tem uma sexualidade e, que além do mais, essa sexualidade é perversa.
Observa, por meio das atividades infantis, que a criança gosta de se exibir e
de ficar olhando, ou seja, que ela é exibicionista, e voyeurista, que gosta de
chupar, se masturbar e tem atividades anais e sadomasoquistas. O que se
encontra nessa sexualidade infantil aparece nos perversos na idade adulta,
nas alucinações e delírios dos psicóticos, no inconsciente dos neuróticos e
nos jogos sexuais de todos (QUINET, 2003, p. 23-4).
Como, para Freud (1905/1990), a amnésia infantil é consequência do
recalque, ele se propõe a pesquisar a pré-história da sexualidade infantil. Nessa
busca, critica o fato de os estudiosos do tema se ocuparem da hereditariedade para
entender a pré-história da sexualidade, deixando de lado outra fase pré-histórica
anterior a esta, a da infância. Ele entende que a pulsão sexual nasce apoiada numa
necessidade e depois se torna independente desta:
O ato da criança que chucha é determinado pela busca de um prazer já
vivenciado e agora relembrado. No caso mais simples, portanto, a
satisfação é encontrada mediante a sucção rítmica de alguma parte da pele
ou da mucosa. [...] A primeira e mais vital das atividades da criança —
mamar no seio da mãe (ou em seus substitutos) — há de tê-la familiarizado
com esse prazer. Diríamos que os lábios da criança comportam-se como
uma zona erógena, e a estimulação pelo fluxo cálido de leite foi sem dúvida
a origem da sensação prazerosa. A princípio, a satisfação da zona erógena
deve ter-se associado com a necessidade de alimento. A atividade sexual
apoia-se primeiramente numa das funções que servem à preservação da
vida, e só depois torna-se independente delas (FREUD, 1905/1990, p. 170).
38
É interessante observar que através do objeto, no caso o seio, a pulsão é
capturada, produz uma fixação, prazer de órgão, que transforma a parte do corpo
em zona erógena, ou seja, em órgão sexual. Ao procurar uma parte de seu próprio
corpo para sugar, a criança busca independência do mundo externo. No chuchar,
Freud (1905/1990) vai encontrar as marcas essenciais da presença da sexualidade
na infância. Deduz daí que a pulsão sexual nasce apoiada numa função vital, não
conhece nenhum objeto sexual, sendo autoerótica, e seu alvo acha-se sob o
domínio de uma zona erógena, uma parte da pele ou mucosa, na qual certos tipos
de estimulação provocam uma sensação prazerosa de determinada qualidade e um
caráter rítmico parece estar presente. O fato de a sexualidade nascer apoiada numa
função vital traz consigo a ideia de que certas partes do corpo têm uma prédisposição para funcionarem como zonas erógenas, com pulsões parciais
correspondentes.
A partir da ideia de que a pulsão nasce apoiada numa função vital e depois se
torna independente desta, Freud (1905/1989) descreve as fases do desenvolvimento
da libido, nas quais podemos observar o órgão em que a pulsão está apoiada e o
tipo de relação de objeto que se estabeleceu. A primeira fase descrita por ele é a
oral – que estudaremos mais detalhadamente no capítulo 4. Nessa fase, o apoio
está na necessidade de nutrição, e a relações de objeto que se apresentam são a
incorporação, ligada ao mamar, e a aniquilação, relacionada ao morder. Na segunda
fase, a libido se organiza sob o primado da zona anal, na qual as possibilidades de
relação de objeto são duas: a atividade e a passividade, relacionadas ao controle e à
expulsão das fezes. As fases oral e anal foram denominadas por Freud (1905/1989)
de fases pré-genitais. A princípio, ele entendeu que o sujeito caminharia no seu
desenvolvimento para uma terceira fase, a genital, quando as pulsões parciais
seguiriam para uma unificação em torno dos genitais, tendo como apoio a micção, e
para uma escolha de objeto definitiva.
Antes de prosseguirmos, será necessário fazer uma observação com relação
aos Três ensaios. Este trabalho, juntamente com A interpretação dos sonhos, foram
os textos que Freud mais modificou; ao longo de vinte anos foram feitos vários
acréscimos e observações. Entre estes, uma nota de rodapé, incluída em 1924, na
qual ele remete o leitor ao seu trabalho A organização genital infantil, de 1923, para
39
acrescentar às fases pré-genitais do desenvolvimento da libido uma terceira: a fase
fálica, intimamente relacionada ao complexo de Édipo:
Hoje não mais me satisfaria com a afirmação de que, no primeiro período da
infância, a primazia dos órgãos genitais só foi efetuada muito
incompletamente ou não o foi de modo algum. A aproximação da vida
sexual da criança à do adulto vai muito além e não se limita unicamente ao
surgimento da escolha de um objeto. Mesmo não se realizando uma
combinação adequada das pulsões parciais sob a primazia dos órgãos
genitais, no auge do curso do desenvolvimento da sexualidade infantil, o
interesse nos genitais e em sua atividade adquire uma significação
dominante, que está pouco aquém da alcançada na maturidade. Ao mesmo
tempo, a característica principal dessa ‘organização genital infantil’ é sua
diferença da organização genital final do adulto. Ela consiste no fato de,
para ambos os sexos, entrar em consideração apenas um órgão genital, ou
seja, o masculino. O que está presente, portanto, não é uma primazia dos
órgãos genitais, mas uma primazia do falo (FREUD,1923a/1976, p.180).
Freud descobriu o complexo de Édipo em si próprio, no ano de 1897, em sua
autoanálise. Ele relata tal descoberta a seu amigo Fliess, na carta de 15 de outubro
de 1897: “Uma única ideia de valor despontou em mim. Descobri, também em meu
próprio caso, o fenômeno de me apaixonar por mamãe e ter ciúme de papai, e agora
o considero um acontecimento universal do início da infância” (FREUD/FLIESS,
1986, p.273). Essa descoberta promove uma virada em sua teoria, o trauma e a
sedução perdem importância como causadores das neuroses, e a fantasia ganha
força. Numa outra carta dirigida a Fliess, em 21 de setembro de 1897, Freud diz não
acreditar mais em sua neurótica (teoria das neuroses), queixa-se ao amigo de que
não está conseguindo levar nenhuma análise a uma conclusão real e de que seus
pacientes estão abandonando o tratamento (FREUD/FLIESS, 1986). A hipótese de
que a etiologia da histeria seria consequência de um trauma sofrido por sedução, ou
abuso por parte dos pais, não o estava convencendo mais. Devido à grande
quantidade de pacientes que relatavam histórias de sedução, ele teria que acreditar
que todos os pais de Viena eram pervertidos, incluindo o seu próprio. Surge então a
hipótese da fantasia:
[...] o conhecimento seguro de que não há indicações de realidade no
inconsciente, de modo que não se pode distinguir entre a realidade e a
ficção, que foram investidas pelo afeto. (Por conseguinte, restaria a solução
de que a fantasia sexual se prende invariavelmente ao tema dos pais)
(FREUD/FLIESS, 1986, p.265-6).
40
É nesse momento que Freud passa da teoria do trauma para a da fantasia.
Descobre que no cerne da fantasia se encontram as questões edípicas, causadoras
das neuroses. Ele não abandona totalmente a teoria do trauma, entende que eles
existem, mas não são determinantes. É interessante observar que nesse momento
Freud identifica em si o Édipo de Sófocles, mas Édipo como um complexo vai ser
descrito e correlacionado ao complexo de castração a partir da conjugação de dois
trabalhos de Freud: O pequeno Hans (1909/1974) e Totem e tabu (1913 [191213]/1976).
Voltemos agora à terceira fase do desenvolvimento da libido, a fase fálica.
Nela a criança reconhece somente um órgão sexual: o masculino. A descoberta feita
pelo menino de que as mulheres não têm pênis ocorre em uma etapa na qual seu
pênis está sendo alvo de grande prazer, que é obtido com fantasias incestuosas
com a mãe, ou alguma substituta desta. O pai nesse momento aparece como um
rival poderoso, aquele que quer impedi-lo de realizar tais fantasias. Em função da
constatação de que existem seres castrados, o pai se torna uma ameaça que recai
sobre seu pênis. O menino vive aí um grande conflito: tem que escolher entre a
mulher proibida e seu pênis. Por se ver incompetente para lidar com um rival tão
poderoso, pelo amor que sente por ele, e pelo amor ao seu próprio pênis, opta por
preservá-lo, voltar às boas com o pai, identificando-se com ele, e busca outro objeto
sexual. A esse momento Freud denominou complexo de Édipo, e a fase fálica
mostra sua ascensão e seu declínio.
Com a menina esse momento edípico é vivido de outra forma: assim como o
menino, a menina tem na mãe seu primeiro objeto de amor. Ao se perceber sem
pênis, fantasia que seu clitóris é um pênis em processo de evolução. No momento
em que visualiza, pela primeira vez, o corpo de uma mulher adulta nua, sua fantasia
cai por terra, o que faz com que se revolte contra aquela que seria responsável por
sua castração, sua mãe, que não lhe deu o pênis. Ressentida, vira as costas para
ela e se aproxima do pai, o detentor do falo, iniciando seu processo edípico.
Percebemos então que a descoberta da diferença sexual e os sentimentos
despertados pela constatação da castração fazem o menino sair do complexo de
Édipo e a menina, entrar. Freud considerou o complexo de Édipo como o núcleo das
neuroses, pois a forma pela qual o sujeito vive esse momento vai influenciar na
41
“escolha de sua neurose” (FREUD, 1908/1976). Na verdade, o complexo de Édipo
não se dissolve, fica recalcado, manifestando-se de maneira inconsciente, conforme
escreve Freud a Fliess, na carta de 15 de outubro de 1897:
(...) a lenda grega capta uma compulsão que todos reconhecem, pois cada
um pressente sua existência em si mesmo. Cada pessoa da plateia foi, um
dia, um Édipo em potencial na fantasia, e cada uma recua horrorizada
diante da realização de sonho ali transplantada para a realidade, com toda a
carga de recalcamento que separa seu estado infantil do estado atual
(FREUD/FLIESS, 1986, p.273)
Dentre as modificações que Freud fez no texto original dos Três ensaios está
o fato de ele estender o autoerotismo a todo o corpo e pouco tempo depois também
aos órgãos internos, como podemos ler:
A propriedade erógena pode ligar-se de maneira mais marcante a certas
partes do corpo. Existem zonas erógenas predestinadas, como mostra o
exemplo do chuchar. Mas esse exemplo ensina também que qualquer outro
ponto da pele ou da mucosa pode tomar a seu encargo as funções de uma
zona erógena, devendo, portanto, ter certa aptidão para isso. Assim, a
qualidade do estímulo, mais do que a natureza das partes do corpo, é que
tem a ver com a produção da sensação prazerosa. A criança chuchadora
perscruta seu corpo para sugar alguma parte dele, que depois, por hábito,
torna-se a preferida; quando tropeça casualmente numa das partes
predestinadas (os mamilos, a genitália), esta decerto retém a preferência
(FREUD, 1905/1976, p.172).
Freud fala, no recorte acima, da qualidade do estímulo, sendo mais
importante do que a parte do corpo escolhida, o que nos remete à noção de que a
criança é erotizada, é marcada eroticamente por quem cuida dela, o que significa
dizer que a pulsão passa pelo outro.
A ideia de que a pulsão se calca na necessidade e depois se torna
independente desta é uma construção teórica criada por Freud para explicar a
primeira manifestação da pulsão, pois, ao observamos o sujeito em seu status quo,
veremos a pulsão totalmente independente da necessidade. Não há nada da ordem
do necessário na pulsão. O sujeito não come para matar a fome, mesmo com fome,
ele vai comer para satisfazer a pulsão oral, que independe da necessidade. Esta
ideia expressa uma distinção bem clara entre instinto e pulsão. A noção de instinto
se refere a um padrão de comportamento fixado hereditariamente, o que marca uma
42
diferença fundamental entre o animal e o homem. O animal tem um objeto
determinado, padronizado, estipulado, que vai satisfazer o seu instinto. Não há
qualquer intermediação, nem mediação entre o ser animal e o objeto que satisfaz
sua fome. Quando fala do autoerotismo e chama a criança de perverso-polimorfa,
Freud (1905/1989) está querendo dizer que a pulsão perverte as leis da natureza, ou
seja, as leis dos instintos.
Ainda nos Três ensaios, Freud (1905/1989) afirma, no terceiro ensaio, “As
transformações da puberdade”, que nessa fase, com o desenvolvimento dos órgãos
sexuais externos e internos, as pulsões autoeróticas e suas correspondentes zonas
eróticas ficarão subordinadas à zona genital. O objetivo sexual dessa fase será a
descarga dos produtos sexuais. Nesse momento, segundo Freud (1905/1989), é
como se a pulsão sexual se dividisse em uma parte que busca a satisfação e outra,
altruísta, que se coloca a serviço da reprodução, ou seja, da manutenção da
espécie. “A normalidade da vida sexual só é assegurada pela exata convergência
das duas correntes dirigidas ao objeto sexual e à meta sexual: a de ternura e a
sensual” (FREUD, 1905/1989, p.195).
Nesse momento, Freud se distancia da psicanálise e se aproxima da biologia,
pensa a sexualidade como algo desorganizado na infância e organizado na fase
adulta. Parece crer que, na puberdade, o sujeito atinge a sexualidade adulta, normal,
cujo objetivo principal é a reprodução e, consequentemente, a preservação da
espécie. Lacan nos ensina que, em função da parcialidade da pulsão, não podemos
falar da existência de uma sexualidade adulta:
É, a saber, que, em relação à instância da sexualidade, todos os sujeitos
estão em igualdade, desde a criança até o adulto – que eles só têm a ver
com aquilo que, da sexualidade, passa para as redes da constituição
subjetiva, para as redes do significante – que a sexualidade só se realiza,
pela operação das pulsões, no que elas são pulsões parciais, parciais em
relação à finalidade biológica da sexualidade (LACAN,1964/2008, p.174).
No trabalho que percorreremos a seguir, As pulsões e seus destinos (1915),
Freud vai rever essa posição e afirmar que “o objetivo de uma pulsão é sempre a
satisfação”.
43
3.3 As pulsões e seus destinos
Em 1915, Freud publica A pulsão e seus destinos, o primeiro de seus cinco
ensaios metapsicológicos, e nele organiza suas descobertas sobre as pulsões.
Busca na ideia de estímulo, fornecida pela fisiologia, e no esquema do arco reflexo,
diferenciar o estímulo da pulsão. A princípio, pensa na pulsão como um estímulo
para o psíquico, mas logo percebe que existem estímulos para o psíquico que não
podem ser chamados de pulsão.
O que diferencia o estímulo da pulsão é que o estímulo chega ao corpo de
forma momentânea, e pode ser afastado deste por um ato motor, funcionando como
no modelo do arco reflexo. A pulsão surge do interior do corpo e se manifesta como
força constante, o que torna a fuga impossível. A pulsão, cuja energia é a libido, se
traduz como uma exigência de trabalho imposta ao psiquismo em função de sua
relação com o corporal, sendo também imperativa. É a inscrição do psiquismo no
registro do corpo.
Freud (1915/2004) usa o modelo termodinâmico para falar do aparelho
psíquico, um sistema de transformação de energia que produz trabalho e perdas.
Este aparelho, segundo ele, é constituído para lidar com excitações, com
intensidades. Freud parte de uma premissa biológica, que trabalha com o conceito
de tendência e se enuncia do seguinte modo: “O sistema nervoso é um aparelho ao
qual foi conferida a função de livrar-se dos estímulos que lhe chegam, de reduzi-los
a um nível tão baixo quanto possível, ou, se fosse possível, de manter-se
absolutamente livre dos estímulos” (p.147). Nesse sentido, podemos pensar que as
pulsões, com sua força constante, são os verdadeiros motores que levaram o
sistema nervoso a progredir, a atingir o nível de desenvolvimento que se tem hoje.
Se o aparelho psíquico surgiu para administrar excitações e se livrar delas,
sua tendência natural seria para a não excitação, ou seja, para a morte. Esse
pressuposto teórico está presente em Freud desde o Projeto para uma psicologia
científica (1895). Segundo ele, a tendência natural do aparelho seria a de querer se
livrar totalmente das excitações que lhe chegam, para atingir o zero. Denominou
essa tendência de “princípio de inércia neurônica”. Porém, como isso seria
impossível, pois a morte se imporia ao organismo, em nome da manutenção da vida
44
a energia não seria zerada, mas sim reduzida ao menor nível possível. O princípio
da inércia se transforma então no princípio da constância, e tem como seu correlato
o princípio do prazer/desprazer. As excitações que chegassem ao aparelho não
seriam zeradas, mas sim mantidas num limiar mínimo, em nome da vida.
Freud define pulsão como um conceito limite entre o psíquico e o somático,
como representante psíquico dos estímulos que provêm do interior do corpo e
alcançam a mente, como uma medida da exigência de trabalho imposta ao psíquico,
em consequência de sua relação com o corpo (FREUD, 1915/2004, p.148).
Um conceito limite entre o psíquico e o somático significa que não é nem de
um, nem de outro. O que é somático na pulsão é sua fonte, é o fato de ela brotar do
corpo, das zonas erógenas, que são os buracos do corpo. Em função de a pele ser
cheia de buracos, os poros, entendemos que todo corpo é pulsional.
Para Lacan (1964/2008), a pulsão tem dois aspectos indissociáveis: o
simbólico e o real. O simbólico é a linguagem, porque o representante da pulsão
está inscrito no inconsciente; e o real, libido para Freud, é a energia que não
podemos pegar, o gozo, o desejo, tudo que é da ordem do indizível, do inominável,
da ordem da satisfação, da primeira experiência de satisfação. A pulsão é um
conceito entre o simbólico da linguagem e o real da libido, do gozo.
As teorias freudianas sempre vão falar de um dualismo psíquico, não existe
aparelho psíquico sem dualidade, como nos ensina ele: “O conceito psicanalítico é
dinâmico e atribui a origem da vida psíquica a uma interação entre forças que
favorecem ou inibem uma a outra” (FREUD, 1910/1970, p.199).
O inconsciente, fundado pelo recalque, surge para dar conta dos conflitos
pulsionais que promovem prazer para uma das instâncias psíquicas, e desprazer
para outra. Freud, em seu texto A concepção psicanalítica da perturbação
psicogênica da visão, nos fala de sua primeira teoria das pulsões:
Nossa atenção foi atraída para a importância das pulsões na vida
ideacional. Descobrimos que cada pulsão procura tornar-se efetiva por meio
de ideias ativantes que estejam em harmonia como seus objetivos. Estas
pulsões nem sempre são compatíveis entre si; seus interesses amiúde
entram em conflito. A oposição entre as ideias é apenas uma expressão das
lutas entre as várias pulsões. Do ponto de vista de nossa tentativa de
explicação, uma parte extremamente importante é desempenhada pela
inegável oposição entre as pulsões que favorecem a sexualidade, a
consecução da satisfação sexual, e as demais pulsões que têm por objetivo
a autopreservação do indivíduo — as pulsões do ego (FREUD, 1910/1970,
p.199).
45
Aqui Freud usa pela primeira vez o termo “pulsões do ego”, e expõe a forma
como o aparelho psíquico administra o conflito entre essas e as pulsões sexuais.
A psicanálise também aceita as hipóteses da dissociação e do inconsciente,
porém as relacionamos de modo mutuamente diferente. Se, em qualquer
circunstância, um grupo de ideias permanece no inconsciente, a psicanálise
não infere, desse fato, que há uma incapacidade constitucional para a
síntese que se evidencia nessa determinada dissociação, mas sustenta que
o isolamento e o estado de inconsciência desse grupo de ideias foram
causados por uma oposição ativa de parte de outros grupos. O processo,
devido ao qual teve esse destino, é conhecido como ‘recalque’ e o
consideramos algo análogo a um julgamento condenatório nos domínios da
lógica. A psicanálise ressalta que os recalques dessa espécie
desempenham um papel extraordinariamente importante em nossa vida
psíquica, mas que podem também, muitas vezes, falhar, e que essas falhas
do recalque constituem a precondição da formação de sintomas (FREUD,
1910/1970, p.199).
A falha do recalque produz o sintoma, uma cena sexual em que o gozo está
presente, assim como as demais formações do inconsciente, os sonhos, os atos
falhos e os chistes.
Freud, a partir da observação clínica, no curso de sua obra refaz sua teoria
das pulsões. Na primeira teoria, ele opõe pulsões sexuais às pulsões de
autoconservação, ou pulsões do ego, que teriam energias diferentes umas da
outras. Chamou de libido a energia ligada à pulsão sexual. Para ele, esse dualismo
existe desde a origem da sexualidade, pois a pulsão sexual vai, primeiramente, se
apoiar nas funções de autoconservação, para depois se tornar independente delas.
O texto Introdução ao narcisismo (1914) traz algumas complicações para a
dualidade pulsional, sempre defendida por Freud, e provoca uma mudança em sua
teoria das pulsões. No início do texto ele se pergunta:
Qual o destino da libido que foi retirada dos objetos na esquizofrenia? O
delírio de grandeza próprio desses estados nos aponta aqui o caminho a
seguir. Ele surgiu, provavelmente, à custa da libido objetal. A libido retirada
do mundo exterior foi redirecionada ao Eu, dando origem a um
comportamento que podemos chamar de narcisismo. Na verdade, o delírio
de grandeza em si não é nenhuma criação nova, mas, como sabemos, a
ampliação e explicitação de um estado que já existia antes. Assim, esse
narcisismo, que se constitui ao chamar de novo para si os investimentos
anteriormente depositados nos objetos, pode ser concebido como um
narcisismo secundário, superposto a outro, primário. Todavia, as inúmeras e
variadas influências sofridas pelo narcisismo secundário obscurecem nossa
visão do processo (FREUD, 1914b/2004, p.98).
46
O conceito de narcisismo carrega consigo o eu como um grande depositário
de libido, capaz de investimentos e desinvestimentos, ameaçando a dualidade
pulsional. Freud entende que há uma oposição entre a libido do eu e a libido objetal.
“Quanto mais uma consome, mais a outra se esvazia” (FREUD, 1914b/2004, p.98).
O estado do sujeito apaixonado é um exemplo utilizado por Freud, no qual toda a
libido parece estar investida no objeto amoroso, e o oposto, encontrado na fantasia,
ou na autopercepção dos paranoicos sobre o fim do mundo, em que toda a libido
parece estar investida no eu. Freud, no entanto, mantém a dualidade pulsional. Não
podemos deixar de mencionar que nesse momento Freud travava debates acirrados
com Adler e Jung sobre as características da libido. A solução encontrada por ele
para manter a dualidade pulsional foi pensar que, no estado do narcisismo primário,
é difícil observar a diferença entre as duas energias, a sexual e a não sexual,
diferença que só poderá ser vista na medida em que surgem os investimentos
objetais. Vamos segui-lo:
Assim, a respeito da distinção entre as duas energias psíquicas, podemos
dizer que, no princípio, as energias coexistem no estado do narcisismo e
que são indiscerníveis para uma análise mais superficial. Somente quando
passa a ocorrer um investimento nos objetos é que se torna possível
distinguir uma energia sexual, a libido, de uma energia das pulsões do eu
(FREUD, 1914b/2004, p.99).
Para Freud (1914b/2004), as pulsões são numerosas, provêm de inúmeras
fontes orgânicas, exercem de início sua atividade independentemente umas das
outras e só bem mais tarde são amalgamadas em uma síntese mais ou menos
completa. Elas são compostas de quatro elementos: pressão, fonte, objetivo ou
meta, e objeto, e podem ter quatro destinos: a transformação no contrário, retorno
ao próprio eu, sublimação e recalque.
A pressão se refere ao fator motor da pulsão, a soma da força, ou a medida
de exigência de trabalho que ela representa; a fonte é uma borda orgânica, como
coloca Lacan (1964/2008), um orifício corporal por onde o nosso corpo troca com o
mundo que o envolve; o objetivo ou meta é o prazer, o que apazígua a inquietude da
força pulsional na fonte. E, finalmente, o objeto é o que há de mais variável na
pulsão, uma quantidade enorme de objetos são capazes de apaziguar a pulsão, a
fonte de excitação pulsional. Essa possibilidade infinita de variação de objetos se
47
deve ao fato de que todo objeto é um substituto do objeto perdido, o objeto que
move o desejo, o objeto a. (LACAN, 1964/2008) Entendemos que o objeto cigarro
está nesse lugar, substituindo o objeto perdido.
Com relação aos destinos, vamos ter a transformação no contrário, que
envolve dois movimentos da pulsão, diferentes, porém complementares: o
deslocamento da atividade para a passividade e a mudança de conteúdo. Os
melhores
exemplos
são
os
opostos:
sadismo/masoquismo
e
exibicionismo/voyeurismo. De acordo com Freud (1915/2004), a pulsão se conjuga
em três vozes gramaticais: ativa, “eu bato”; a reflexiva, “eu me bato”; e a passiva, “eu
sou batido”. O segundo destino, o retorno ao próprio eu, é o objetivo final de toda
pulsão, a qual contorna os objetos buscando satisfação e retorna ao eu.
O terceiro destino, o recalque, é o processo que tem por finalidade manter no
inconsciente todas as ideias e representações ligadas às pulsões, cuja realização
produtora de prazer em uma instância psíquica provocaria desprazer à outra. O
recalque primário funda o inconsciente, mas a ele não temos acesso, só aos
secundários, que Freud chama de recalque propriamente dito. O recalque está
presente na neurose e na perversão, ausente na psicose, o que acarreta o
fenômeno do “inconsciente a céu aberto”. Lacan (1955-56/1998), valendo-se da
linguística, fez equivaler o recalque primário à operação da metáfora paterna, ou
seja, a proibição do incesto, a lei do Édipo. Ele entende o recalque como uma
defesa contra a angústia, e não o contrário, como propôs Freud.
A sublimação é a quarta possibilidade de destino para a pulsão. Freud
conceituou o termo em 1905 para assinalar um tipo particular de atividade humana
(criação artística, literária, intelectual) que não tem nenhuma relação aparente com a
sexualidade, mas que extrai sua força da pulsão sexual, na medida em que esta se
desloca para um alvo não sexual, investindo objetos socialmente valorizados.
No Seminário 11, Lacan (1964/2008) nos dá inúmeras contribuições ao texto
Pulsões e seus destinos, de Freud (1915). Ele descreve o sujeito como possuidor de
dois corpos: o corpo da necessidade, que ele chama de corpo dos instintos, e o
corpo pulsional. Mas de que se trata a pulsão? – pergunta-se ele. O caminho para
esta compreensão tem início com a distinção feita por ele entre instinto e pulsão,
entre a carne e o corpo, entre o que está dentro do corpo e o que está em sua
superfície. Podemos falar aqui de força de impacto, no campo da necessidade e da
48
carne, e de força constante, no campo do corpo e do desejo. A ideia de uma força
constante traz consigo a impossibilidade de satisfação.
A necessidade pode ser satisfeita. Sentimos fome, comemos e a fome
desaparece, no entanto podemos continuar comendo sem fome, a pedido do corpo
pulsional. Lacan (1964/1998) pensa a pulsão como acéfala, como se ela estivesse
presente potencialmente, mesmo antes da constituição do sujeito. Ela parte de uma
borda do corpo, diz ele. Essa borda se formou em razão de que parte do corpo caiu.
Aqui não estamos falando de um sujeito que perdeu algo, pois nesse momento o
sujeito ainda não está constituído, mas de uma boca que perdeu um seio. O que
existe nesse momento é um pedaço de carne, de onde uma parte foi retirada. Essa
borda surgiu porque o significante cortou a carne, ou seja, a linguagem corta a carne
e cria os buracos que vão transformá-la no corpo. Essa borda, ou boca, ou ânus, vai
à busca de algo que teria estado ali e caiu, foi perdido. Esse pedaço perdido, caído,
Lacan nomeará de objeto a, ou objeto causa de desejo. Este é o objeto perdido,
miticamente, na primeira experiência de satisfação, objeto que, em função de que
jamais será encontrado, causa o desejo.
Para Lacan, a pulsão põe em questão o que é a satisfação. Como a
satisfação pulsional é sempre parcial, algo sempre está se satisfazendo e ao mesmo
tempo ficando insatisfeito com relação à pulsão. Satisfação parcial devido a nenhum
objeto ser capaz de satisfazer inteiramente a pulsão, pois o objeto, que
supostamente a satisfez de forma completa ou total, foi perdido. Retomamos aqui a
primeira experiência de satisfação para falar do objeto perdido, representado pelo
seio como objeto amboceptor. Lacan (1962-63/2005) usa esta palavra para designar
que o objeto tem dois receptores: o sujeito e o grande Outro. O objeto fica no meio,
fazendo parte do corpo da mãe e do corpo da criança, conforme podemos ver na
figura abaixo:
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Figura 23: Desenho de Danielle Spada, inspirado no desenho Alienação
(LACAN, O Seminário, livro 11, 1964/1973, p.207)
Como podemos observar no desenho, a castração está nos dois lados.
Quando o sujeito se depara com o fato de que o outro é castrado, entende que, se o
outro perdeu, ele pode perder também, ou seja, a falta do outro é também a falta do
sujeito. O seio, as fezes, o falo, todos entram no lugar do objeto faltoso, assim como
o cigarro. Se pensarmos retrospectivamente, o seio toma o valor fálico e o desmame
vira castração.
Todo o dia era a mesma coisa. Sentava para escrever e nada saía... a
pausa para fumar não era mais dado de desculpa, pois fumava tanto que o
cigarro virara em sua mão um sexto dedo decrescente, que adormecia num
cinzeiro superlotado com seus iguais (CARVALHO, 2011, p.25).
Nessa passagem podemos exemplificar o cigarro como um objeto
amboceptor, como um amigo, um companheiro para as horas de angústia. Quando
faltam ideias, o cigarro está lá para apaziguar a falta.
A pulsão vai atrás do objeto perdido, e nessa busca contorna objetos para
retornar ao próprio corpo. Lacan, quando constrói seu circuito pulsional, divide o
objetivo da pulsão em dois, usando duas palavras da língua inglesa que definem
objetivo: aim, que diz respeito ao objetivo enquanto aspiração, ou seja, a pulsão em
50
busca do objeto; e gool, que define o objetivo enquanto finalidade, ou seja, o
momento em que a pulsão encontra o objeto.
Figura 24: Desenho de Danielle Spada, inspirado no desenho do circuito pulsional
(LACAN, O Seminário, livro 11, 1964/1973, p.175).
Neste desenho podemos acompanhar a trajetória da pulsão buscando o
objeto e retornando ao próprio corpo. Para que haja satisfação, a pulsão tem que
fazer o circuito completo, que junta atividade com passividade, conforme comenta
Maria Anita Carneiro Ribeiro, no livro Os destinos da pulsão:
Temos então a força da pulsão emergindo de sua fonte na borda da zona
erógena, aspirando ao encontro com o objeto. Se o encontro com o objeto,
que seria o objeto da satisfação, é o encontro com o oco, com o vazio do
objeto, a satisfação da pulsão está no retorno e no recomeço, na sua
própria insistência, na compulsão à repetição (CARNEIRO RIBEIRO, 1997,
p.56).
O objeto da pulsão, qualquer que seja ela, é sempre indiferente, e nesse
sentido Lacan nos diz, usando como exemplo a pulsão oral, que para esta não se
trata nem do alimento nem de cuidado da mãe. Desse modo, podemos pensar que
cada sujeito, em função de seu mundo simbólico, vai buscar substitutos para o
objeto perdido. O cigarro seria, assim, como um objeto amboceptor, que pertence e
ao mesmo tempo não pertence ao corpo do tabagista.
51
A pulsão é silenciosa e busca no outro a parte perdida de seu próprio corpo.
Ela enlaça o objeto e, ao contorná-lo, indica o oco deixado pelo objeto a. Lacan nos
diz:
O objeto a minúsculo não é a origem da pulsão oral. Ele não é introduzido a
título de alimento primitivo, é introduzido pelo fato de que nenhum alimento
jamais satisfará a pulsão oral, senão contornando-se o objeto eternamente
faltante. [...] O que é fundamental, no nível de cada pulsão, é o vai e vem
em que ela se estrutura.[...] Esse sujeito, que é propriamente o outro,
aparece no que a pulsão pode fechar seu curso circular. É somente com
sua aparição no nível do outro que pode ser realizado o que é da função da
pulsão (LACAN,1964/2008, p.176 -177 e 175).
E quando não tem o outro, quando o outro falta, ele pode ser presentificado
pelos objetos. O objeto cigarro presentifica o outro. “Quem fuma não está só!
Quando numa noitada estou esperando alguém, fico fumando e o cigarro me faz
companhia” (Depoimento de Ana, 28 anos, tabagista desde os 15 anos.)
No texto Além do princípio de prazer (1920), Freud propõe uma nova
dualidade pulsional, as pulsões de vida em oposição às pulsões de morte. O
conceito de pulsão de morte e o texto Além do princípio de prazer serão tomados
como referência e estudados, detalhadamente, no capítulo 5, no qual trataremos da
compulsão à repetição e sua relação com a pulsão de morte.
52
4 A PULSÃO ORAL E SEUS DESTINOS
Se entregar ao cigarro é colocar o interesse na criação de
um desejo que não pode ser satisfeito.
Banville
A partir da revisão do conceito de pulsão feita na obra de Freud, podemos
avançar no sentido de entender as vicissitudes da pulsão oral. Nos Três ensaios
sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905/1989) introduz a noção de fase oral, ou
canibalesca, como a primeira fase da organização sexual pré-genital, quando
nutrição e atividade sexual estão juntas e não existem ainda correntes opostas em
seu interior. “O objeto de uma atividade é também o da outra, e o alvo sexual
consiste na incorporação do objeto – modelo do que mais tarde irá desempenhar,
sob a forma da identificação, um papel psíquico tão importante” (FREUD,
1905/1989, p.186).
Acompanhando o desenvolvimento oral da criança, podemos observar no
chuchar a pulsão sexual totalmente separada da nutrição, buscando independência
ao procurar no próprio corpo satisfação.
Karl Abraham dedicou-se a estudar com profundidade as fases do
desenvolvimento da libido, principalmente o erotismo oral. No livro O primeiro
estágio pré-genital da libido, de 1916, ele aprofunda o estudo das teses defendidas
por Freud nos Três ensaios, trazendo uma boa quantidade de dados clínicos e
teóricos para comprová-las.
Em 1924, Abraham (1924/1970) publica Breve estudo do desenvolvimento da
libido, visto à luz das perturbações mentais, no qual procura relacionar as fases do
desenvolvimento da libido com as estruturas clínicas. Cria nesse trabalho um quadro
esquemático, propondo subdivisões para as fases definidas por Freud: a fase oral se
decompõe em oral primitiva (sucção) e oral posterior (canibalesca). Para ele, no
estágio de sucção não existe objeto externo e o vínculo pulsional é pré-ambivalente,
não havendo diferenciação entre amor e ódio. O objeto se confunde com o sujeito e
é percebido como uma parte do próprio corpo, sendo assim autoerótico; não há
também diferenciação entre o eu e o outro, o seio é do corpo da mãe e também do
53
corpo do bebê. Na fase canibalesca, Abraham entende que há uma distinção, e o
seio materno passa a fazer parte do outro. Podemos dizer que o seio, no estágio da
sucção, é o primeiro objeto transicional do sujeito, como descreveu Winnicott (1971),
um objeto pertencente a uma área intermediaria entre o eu e o não eu. É nesse
espaço intermediário que, na vida adulta, vai entrar uma infinidade de objetos, com a
finalidade de aplacar a angústia gerada pela falta. O cigarro é um deles, um objeto
amboceptor, que faz parte do corpo do tabagista, mas é um objeto externo.
Abraham relaciona a melancolia, o autismo e a catatonia a fixações na fase
oral/sucção, o mais precoce estágio do desenvolvimento libidinal, quando a
introjeção do objeto de amor constitui a incorporação do mesmo. No segundo
estágio, o canibalesco, o objeto amado é destruído, produzindo ambivalência e,
consequentemente, angústia. Ele acredita que na melancolia encontramos os dois
momentos da oralidade: o primeiro, o sugar e o incorporar, presente na identificação
que o melancólico faz com o objeto perdido; e o segundo, o canibalesco, quando no
suicídio o objeto é destruído.
Em 1921, Abraham (1921/1970) publica A influência do erotismo oral na
formação do caráter, no qual o caráter oral é definido. Ele inicia esse trabalho
comparando o erotismo oral ao anal. Observa que as marcas ligadas ao erotismo
anal podem ter três destinos: uma parte entra na organização final da vida madura,
outra é sublimada e outra ainda é recalcada, transformando-se assim em traços de
caráter. Enfatiza que somente uma pequena parte do erotismo anal, a que não foi
recalcada, vai se integrar à vida sexual do sujeito.
No caso do erotismo oral, Abraham observa que o processo será outro, pois
uma grande parte do investimento libidinal na boca, presente na infância, poderá ser
empregada sem grandes problemas na vida adulta. Dessa forma, os elementos orais
da sexualidade infantil não necessitam serem transformados em traços de caráter,
ou sublimados, na mesma extensão que os anais. Sabemos que a vida em
sociedade tolera muito mais os gozos orais, como o beber, o comer, e o fumar —
este nem tanto ultimamente — do que os gozos anais, ou seja, o sujeito é menos
recalcado em seus gozos orais.
Abraham (1924/1970) observa que o prazer de sugar sofre uma migração,
pois quando a criança começa a ser treinada para controlar seus esfíncteres, anal e
uretral, não há como não estar presente na memória desta a ação dos músculos no
movimento de sugar. Este movimento muscular vai servir de modelo para os de reter
54
e soltar da fase anal. O prazer inicial da criança na evacuação sem controle das
excreções corporais provoca uma estimulação agradável nas aberturas do corpo.
Quando solicitada a controlar as fezes e a urina, a criança passa a tirar prazer disso.
Abraham considera que esta é a base para que na vida mental do sujeito surja o
prazer em reter, em possuir. Observa que a partir daí se apresentam três fontes de
prazer: a de absorver, a de expulsar e a de reter:
Investigações mais recentes, mostram que a posse de um objeto significava
originalmente, para a mente infantil, a incorporação dele pelo seu próprio
corpo. Enquanto que, de começo, o prazer se achava associado apenas
com a absorção de algo vindo do exterior ou com a expulsão do conteúdo
corporal, a ele se acrescenta agora o prazer em reter esse conteúdo, o qual
conduz ao prazer em todas as formas de propriedade (ABRAHAM, 1924
/1970, p.164).
Jean Paul Sartre, filósofo francês, em um de seus muitos escritos em que fala
de sua relação com o tabaco, relata esse sentimento de apropriação vinculado ao
cigarro. Vamos acompanhá-lo neste fragmento, reproduzido por Klein em seu livro:
O tabaco, diz Sartre, é o símbolo do objeto apropriado’ porque, quando
fumado, o sólido transforma-se gradativamente em fumaça que entra em
meu corpo. O ato de fumar imita a transformação desejada de um objeto em
mim mesmo através de um ato de posse; o objeto se torna meu por um
processo de ‘destruição contínua’, ‘a transformação do sólido consumido em
fumaça, por meio do qual me penetra e se torna (parte de) eu mesmo.
Fumar um cigarro é, portanto, uma ‘cerimônia sacrifical’, na qual o
desaparecimento de algo sólido, o tabaco, é infinitamente compensado pelo
ganho simbólico que adquiro me apropriando do mundo à minha volta.
Deixar de fumar, por conseguinte, produz um empobrecimento do mundo e
do self, que a pessoa reluta em tolerar. A vida sem cigarros não vale a pena
ser vivida (KLEIN, 1993/1997, p.63).
O chuchar provou que o prazer de sugar não está ligado somente à ingestão
de alimentos, mas sim à boca como zona erógena. À medida que o sujeito cresce, o
erotismo oral vai se utilizando de disfarces para continuar existindo na fase adulta.
Abraham (1924/1970) assinala que toda renúncia pulsional acontece por meio da
troca. Com o surgimento dos dentes, grande parte do prazer de sugar vai ser
substituída pelo prazer de morder. É fácil observar essa fase, quando a criança leva
à boca tudo que encontra pela frente, tentando despedaçá-lo. Nesse momento,
também podemos observar a criança tendo relações ambivalentes com objetos
externos e obtendo prazer dessas relações. O erotismo oral se apresenta então
como uma forma de relação, que não envolve somente o objeto oral concreto, mas a
incorporação em um sentido mais amplo.
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Abraham (1924/1970) destaca ainda que é extremamente importante, para
que o sujeito possa lidar com a ambivalência, que as três fontes de satisfação física
e mental estejam ativas: o conseguir, o possuir e o abandonar, relacionadas às
fases oral e anal. Ele entende que, no período da sucção, o prazer está ligado ao
tomar, ao receber algo. Chama a atenção ainda para o fato de que o excesso e a
falta nesse processo, ou seja, mães que não conseguem deixar seus filhos
satisfeitos, privando-os de desfrutar do prazer da sucção, ou mães que são
excessivas no dar e não permitem que seus filhos experimentem nenhuma
frustração, têm a mesma consequência: a criança abandona essa etapa com
dificuldades e com a tendência a se ligar com muita intensidade à fase seguinte, ou
seja, ao prazer em morder, forma primitiva do sadismo. Diante de qualquer
desapontamento, essas crianças tendem a regredir para a etapa anterior.
Com essa afirmação, Abraham (1924/1970) parece acreditar que existe uma
mãe ideal, que não comete excessos e nem deixa faltas, possibilitando assim que
seu filho se desenvolva sem sofrimentos nem frustrações. Podemos retomar aqui a
primeira experiência de satisfação para recordar que o primeiro objeto está perdido
para sempre, na segunda mamada o objeto já não está mais lá. Essa experiência
mítica coloca o sujeito humano diante da falta e do desejo. “O primeiro cigarro a
gente nunca esquece”! Ou seja, todo mundo é frustrado, o objeto é perdido desde
sempre. Não existe mãe, por melhor que seja, que dê conta da falta, em função de
esta ser estrutural.
Em suas observações com relação a crianças que foram privadas
precocemente da amamentação, Abraham (1924/1970) entende que nelas o prazer
de morder ficou realçado e a ambivalência, enfatizada. A hostilidade, a antipatia e a
inveja seriam traços relacionados a este momento e a esta situação. A inveja é
normalmente despertada quando a criança, que foi privada precocemente da
sucção, observa outra criança mamando.
Nesse exemplo, em que se apresentam o ciúme, a inveja e a regressão,
podemos observar duas pulsões em jogo, a pulsão escópica e a oral. A criança olha,
vê o irmão mamando e supõe, imaginariamente, que o objeto que ela perdeu o
irmão está tendo, aí se identifica e por isso regride. Lacan, em seu texto “Os
complexos familiares na formação do indivíduo”, fala desse momento:
56
O ciúme infantil impressiona desde longa data os observadores: “Vi com
meus próprios olhos”, disse Santo Agostinho, “e observei bem um menino
tomado de ciúme: ele ainda não falava, mas não conseguia desviar os
olhos, sem empalidecer, do amargo espetáculo de seu irmão de leite”
(Confissões I e VII). A observação experimental da criança e as
investigações psicanalíticas, ao demonstrarem a estrutura do ciúme infantil,
esclareceram seu papel na gênese da sociabilidade e, através disso, do
próprio conhecimento como humano. Digamos que o ponto crucial revelado
por essas pesquisas é que o ciúme, no fundo, representa não uma
rivalidade vital, mas uma identificação mental (LACAN, 1938/2003, p.38).
Segundo Abraham (1924/1970), a criança frustrada, por ter perdido
precocemente o seio, poderá tentar retomar o ato de sugar de uma forma alterada e
em outro lugar. Ele observa, a partir dessa ideia, que os traços de parcimônia e
avareza, geralmente ligados à fase anal, podem ter sido construídos sobre as ruínas
do erotismo oral. Ele argumenta que o fato de não ter encontrado em fontes anais
explicação para alguns pacientes avarentos, mas que apresentavam grande
dificuldade de ganhar dinheiro e prosperar, o fez supor que a falta de anseios por
objetos, nestes casos, pode ser explicada por alguma vicissitude sofrida pela libido,
em consequência da qual o prazer de adquirir objetos foi substituído pelo de agarrarse aos já possuídos.
Já a sucção sem limites pode marcar o caráter com o otimismo,
acompanhado de uma fantasia de que tudo sempre dará certo. Para Abraham
(1924/1970), por um lado, este traço poderá ajudar o sujeito a alcançar seus
objetivos, mas, por outro, poderá condená-lo à inatividade, à acomodação, à espera
da mãe generosa e seu peito infinito. A generosidade também se apresenta como
traço ligado ao excesso, a uma identificação com a mãe que não coloca limites.
Abraham (1924/1970) nos fala ainda da frustração oral como produtora de
sujeitos pessimistas com relação à vida, com tendência a olhar as situações pelo
pior
ângulo.
Sujeitos
que
estão
sempre
solicitando
algo,
modesta
ou
agressivamente, são insistentes em suas demandas, impacientes, e não desistem
com facilidade, funcionando muitas vezes como “vampiros”, o que, para esse autor,
sugere uma regressão da fase oral canibalesca para a da sucção. A ideia de que o
sujeito frustrado oralmente está sempre demandando algo nos remete a Lacan, ao
afirmar que toda demanda é oral, no sentido de que é um pedido ao outro: “Eu
quero!”; “Me dá”! Ou, dito de outra forma, toda demanda é demanda de amor.
O anseio pela gratificação oral pode se transformar, por deslocamento, na
descarga oral. A fala pode substituir impulsos agressivos de devorar e destruir
57
objetos, e diz respeito à fase canibalesca, quando a ambivalência está presente.
Abraham (1924) entende que o ciúme, a hostilidade e a inveja são marcas deste
estágio. Aqui vale a pena lembrar que, para Freud, o canibalismo tem a vertente da
incorporação, para a identificação com o objeto, e não somente para a destruição do
mesmo.
Abraham (1924/1970, p.171) compara os traços anais e orais ao comentar:
“As pessoas que foram gratificadas no estágio oral primitivo são brilhantes e
sociáveis; já aquelas que se fixaram no estágio sádico-oral são hostis e maliciosas,
enquanto que a rabugice, a distância e a reserva acompanham o caráter anal”. O
autor considera que as pessoas de caráter oral são acessíveis a novas ideias,
enquanto as de caráter anal são conservadoras. Para ele, a ambição, a insistência,
a impaciência, a pressa e o desassossego estão relacionados ao caráter oral, assim
como a perseverança, a persistência, além da tendência a adiar e a hesitação frente
à tomada de decisões se ligam ao caráter anal.
Finalizando seu trabalho, Abraham (1924/1970) argumenta que o ideal é que
as pulsões possam se combinar, se mesclar de forma “harmônica”:
Há pessoas com uma grande capacidade mental para absorver, que,
contudo são inibidas para produzir. Outros produzem rápido demais...
pessoas que mal acabaram de pôr para dentro alguma coisa, já esta lhe sai
novamente pela boca... Na estrutura de seu caráter falta uma combinação
satisfatória de impulsos orais progressistas com impulsos anais de
retardamento (ABRAHAM, 1924/1970, p.172).
Abraham foi muito criticado por seu pensamento desenvolvimentista, e esta
crítica tem uma relação direta com sua descrição das fases do desenvolvimento da
libido, devido à ideia de que o sujeito amadurece em função de fases que vai
ultrapassando,
dando
a
impressão
de
que
o
sujeito
vai
amadurecendo
psiquicamente, nos moldes do amadurecimento físico, do embrião à fase adulta.
Não há uma predeterminação genética, ou de nenhuma ordem, que indique as fases
psicossexuais e suas ultrapassagens. O pensamento desenvolvimentista provocou
em Lacan forte oposição, no início dos anos 1950, quando ele iniciou uma série de
trabalhos criticando o que para ele estava se transformando a psicanálise: uma
psicologia evolutiva. Lacan entendia que alguns pós-freudianos, como o grupo da
psicologia do ego, representado principalmente por Anna Freud, e o grupo da
relação de objeto, do qual faziam parte Karl Abraham, Melanie Klein, Ferenczi, entre
58
outros, estavam se desviando da doutrina psicanalítica. Para Lacan, não há um
desenvolvimento maturacional da pulsão, conforme ele diz neste trecho:
A passagem da pulsão oral à pulsão anal não se produz por um processo
de maturação, mas pela intervenção de algo que não é do campo da pulsão
– pela intervenção, o reviramento, da demanda do Outro [... ] não podemos
em nenhum grau – a experiência nos demonstra isso – considerar que haja
continuidade da fase anal à fase fálica, que haja relação de metamorfose
natural (LACAN, 1964/2008, p.177).
Apesar dessa crítica com relação às fases do desenvolvimento, devemos a
Abraham um estudo profundo da fase oral. Foi ele quem chamou a atenção de
Freud para a pulsão oral e suas fixações. Abraham estava interessado em pesquisar
se a melancolia era fruto de uma fixação na fase oral, ou seja, se uma neurose e
uma psicose poderiam estar fixadas na mesma fase. A partir de uma intensa
pesquisa clínica, ele produziu uma grande quantidade de material teórico sobre a
oralidade. No trabalho de Freud Luto e melancolia (1917/2006), podemos observar
seu diálogo com Abraham:
O eu quer incorporar o objeto e para tal, em conformidade com a fase
canibalesca, do desenvolvimento da libido, deseja devorá-lo. É a esse
contexto que Abraham atribui, provavelmente com razão, a causa da recusa
em alimentar-se, encontrada em casos graves de melancolia (FREUD,
1917/2006, p. 109).
É na relação com o outro que o sujeito emerge, na melhor das hipóteses, como
um ser da falta e, por isso, do desejo, que nos movimenta em direção à vida e
também à morte. Pensando no sujeito compulsivo, como situá-lo diante da falta e do
desejo? O movimento que a pulsão faz contornando os objetos exprime uma
satisfação parcial, mas existe uma satisfação e, consequentemente, apaziguamento
temporário. Na compulsão, parece que o desejo se apresenta sem freios, a satisfação
não consegue brecá-lo temporariamente. A imagem do trem descarrilado ilustra o
movimento da pulsão em estado de compulsão. No próximo capítulo vamos nos
debruçar sobre textos nos quais esperamos encontrar resposta para tal questão, bem
como nos depoimentos de pessoas que nos falaram sobre suas compulsões orais.
59
5 COMPULSÃO À REPETIÇÃO
Deixar de fumar é a coisa mais fácil que já fiz; devo saber o que
digo, pois fiz isso mil vezes.
Bohle
5.1 A repetição
Não conseguir deixar de repetir é a queixa do compulsivo, que faz planos
para deixar de fumar, para fazer dieta, mas algo o faz voltar sempre às mesmas
marcas de gozo, o que implica um “mais além do princípio de prazer”, ou seja,
prazer e dor misturados.
O aparelho psíquico é fundado pela ‘primeira experiência de satisfação’. Essa
experiência mítica, conforme já abordamos anteriormente, jamais se repetirá da
mesma forma, uma vez que o objeto que proporcionou a satisfação foi perdido. Essa
perda provoca um vazio, um buraco, e o desejo de encontrar o objeto, para repetir a
experiência. Podemos inferir, então, que a tendência para repetir faz parte da
essência do aparelho psíquico.
A repetição chamou a atenção de Freud e está presente em sua obra desde o
início. No Projeto (1950 [1895]/1990), ele propõe a ideia de facilitação para explicar
a repetição e a memória, ou seja, a passagem da excitação de um neurônio para o
outro, dependendo da magnitude da excitação e do tipo de neurônio, cria caminhos
que vão facilitar a passagem da energia quando a excitação novamente surgir.
A repetição em psicanálise vai ser discutida a partir de 1900, principalmente
por Freud e Ferenczi, mediante a observação do fenômeno da “transferência”. O
estudo da transferência ganha importância desde o abandono da hipnose, da
sugestão e da catarse como métodos terapêuticos (PLON/ROUDINESCO, 1989).
Este fenômeno, ao que tudo indica, fez sua entrada na teoria, mesmo que a
posteriori, a partir do caso de Anna O. (Bertha Pappenheim). A jovem paciente foi
atendida por Breuer de 1880 a 1882, e ao longo do tratamento desenvolveu por ele
intensos sentimentos amorosos. Ao perceber o fato, Breuer, assustado, interrompeu
bruscamente o tratamento. O que assustou Breuer intrigou Freud, que passou a ficar
60
atento a esse tipo de repetição, que denominou de transferência. No posfácio do
“Fragmento da análise de um caso de histeria” (FREUD, 1905[1901]), que ficou
conhecido como ‘O Caso Dora’ (Ida Bauer), Freud fala sobre a descoberta da
transferência:
Durante o tratamento psicanalítico, pode-se dizer com segurança que uma
nova formação de sintomas fica regularmente sustada. A produtividade da
neurose, porém, de modo algum se extingue, mas se exerce na criação de
um gênero especial de formações de pensamento, em sua maioria
inconscientes, às quais se pode dar o nome de “transferências” (FREUD,
1905[1901], p.110).
Nesse texto, Freud (1905[1901]) define que as transferências são
reedições, para a pessoa do médico, dos investimentos, das fantasias e das
experiências vividas pelo sujeito com pessoas importantes de sua vida. A
experiência é revivida não como algo do passado, mas como algo atual. Para ele,
algumas transferências não diferem em nada de seu modelo, no que diz respeito ao
conteúdo, e são, portanto, substituições ou reedições inalteradas. Outras, porém,
podem sofrer um processo de sublimação, ajudadas pelo apoio em alguma
particularidade do médico, e seriam, para Freud, edições revistas. Nesse trabalho,
Freud fala ainda da transferência como um instrumento para acessar conflitos: “A
transferência, destinada a constituir o maior obstáculo à psicanálise, converte-se em
sua mais poderosa aliada quando se consegue detectá-la a cada surgimento e
traduzi-la para o paciente” (FREUD, 1905[1901], p.111/112). Ele lamenta, nesse
texto, não ter agido com mais presteza com relação à transferência que sua paciente
Dora (Ida Bauer) manifestou:
Assim, fui surpreendido pela transferência e, por causa desse “x” que me
fazia lembrar-lhe o Sr. K., ela se vingou de mim como queria vingar-se dele,
e me abandonou como se acreditara enganada e abandonada por ele.
Assim, atuou uma parte essencial de suas lembranças e fantasias, em vez
de reproduzi-las no tratamento (FREUD, 905[1901], p.113).
Freud dedicou mais dois trabalhos especificamente ao tema da transferência,
“A dinâmica da transferência” (1912) e “Observações sobre o amor transferencial”
(1915[1914]), nos quais discute as várias formas como a transferência se apresenta,
bem como sua relação com o ‘complexo de Édipo’ e com a ‘resistência’.
Em “Recordar, repetir e elaborar” (1914/1969), Freud estuda a relação entre a
compulsão à repetição, a transferência e a resistência. Vamos acompanhá-lo:
61
Logo percebemos que a transferência é, ela própria, apenas um fragmento
da repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido,
não apenas para o médico, mas também para todos os outros aspectos da
situação atual. Devemos estar preparados para descobrir, portanto, que o
paciente submete-se à compulsão à repetição, que agora substitui o
impulso a recordar, não apenas em sua atitude pessoal para com o médico,
mas também em cada diferente atividade e relacionamento que podem
ocupar sua vida na ocasião – se, por exemplo, se enamora, incumbe-se de
uma tarefa ou inicia um empreendimento durante o tratamento. Também o
papel desempenhado pela resistência é facilmente identificável. Quanto
maior a resistência, mais extensivamente a atuação (acting out) (repetição)
substituirá o recordar, pois o recordar ideal do que foi esquecido, que ocorre
na hipnose, corresponde a um estado no qual a resistência foi posta
completamente de lado (FREUD, 1914, p.197).
A repetição aqui é entendida como uma resistência que impede a recordação.
Podemos pensar então que ela aparece nesse texto de duas maneiras, como algo
que impede a lembrança, mas ao mesmo tempo denuncia o recalcado,
possibilitando que a lembrança surja a partir do trabalho do analista.
O estudo da repetição é retomado por Freud em seu texto “O estranho”
(1919), que contém a essência do que ele vai desenvolver em Além do princípio de
prazer (1920). Ao estudar a estética do ponto de vista das ‘qualidades do sentir’,
Freud (1919, p.275) remete ao medo, ao terror, à sensação de estranheza, ao
retorno do recalcado, e traz a ideia do duplo, muito presente na literatura de
suspense, como uma parte do sujeito não reconhecida por ele como tal, um retorno
ao narcisismo primário, em que o sujeito tomava a si próprio e o seu próprio corpo
como objeto sexual, antes de escolher outra pessoa como objeto de desejo. Freud
comenta:
A ideia do ‘duplo’ não desaparece necessariamente ao passar o narcisismo
primário, pois pode receber novo significado dos estádios posteriores do
desenvolvimento do eu. Forma-se ali, lentamente, uma atividade especial,
que consegue resistir ao resto do eu, que tem a função de observar e de
criticar o eu (self) e de exercer uma censura dentro da mente, e da qual
tomamos conhecimento como nossa ‘consciência’ (FREUD, 1919/1976,
p.294).
Nos relatos em que os pacientes falam de suas compulsões, podemos
observar nitidamente a referência feita por eles a este outro, a essa força interna
estranha que emerge, impedindo que continuem no seu propósito de fazer dieta, ou
permanecer sem fumar. Freud nos diz que a sensação de estranheza com essa
parte do sujeito que emerge se dá em função de que o duplo está associado a um
estágio muito primitivo, já superado, em que o ego não se distinguia nitidamente do
mundo externo.
62
Nesse trabalho, Freud lança a ideia de que a compulsão à repetição traz o
estranho que habita o sujeito e que faz parte de sua essência:
Pois é possível reconhecer, na mente inconsciente, a predominância de
uma ‘compulsão à repetição’, procedente dos impulsos pulsionais e
provavelmente inerente à própria natureza das pulsões – uma compulsão
poderosa o bastante para prevalecer sobre o princípio de prazer,
emprestando a determinados aspectos da mente o seu caráter demoníaco,
e ainda muito claramente expressa nos impulsos das crianças pequenas;
uma compulsão que é responsável, também, por uma parte do rumo
tomado pelas análises de pacientes neuróticos. Todas essas considerações
preparam-nos para a descoberta de que o que quer que nos lembre esta
íntima ‘compulsão à repetição’ é percebido como estranho (FREUD,
1919/1976, p.297-8).
Aqui podemos observar a semente do que Freud vai desenvolver no trabalho
que vamos estudar em seguida, Além do princípio de prazer (1920/2006), no qual
apresenta sua última dualidade pulsional, enunciando a pulsão de morte em
oposição à pulsão de vida.
5.2 Além do princípio de prazer
Além do princípio de prazer (1920/2006) foi publicado dois anos depois do
final da Primeira Guerra Mundial (1914/1918). Freud não havia escapado das duras
consequências da guerra, sua situação econômica ficou difícil e por algum tempo
temeu pela sorte de um de seus filhos, que tardou a voltar do front. Para tornar o
panorama ainda mais dramático, a gripe espanhola fez milhares de vítimas. A
própria mulher de Freud adoeceu e sua filha morreu, deixando dois filhos. Sem
dúvida um cenário complexo, que não inspirava pensamentos muito otimistas.
Freud, no entanto, se opôs com veemência a seu primeiro biógrafo, Fritz Wittels, que
relacionou a publicação de Além do princípio de prazer (1920/2006) com a morte da
filha de Freud, Sophie Halberstadt, em janeiro desse mesmo ano. Apesar de todo o
sofrimento pessoal, Freud não aceitou que sua teoria sobre a pulsão de morte fosse
atribuída a essa perda, o que considerou um ponto de vista reducionista.
Freud escreveu Além do princípio de prazer (1920/2006) em 1919, e foram
inúmeros os fatores que colaboraram para que ele apresentasse nesse texto o
conceito de pulsão de morte. Os relatos sobre a selvageria humana que a guerra
63
proporcionou já chamavam a atenção de Freud desde 1915, quando, em uma
conferência na Universidade de Viena, pediu a seus ouvintes que refletissem sobre
a brutalidade e a crueldade que a guerra espalhou sobre o mundo, e que admitissem
que o mal não podia ser excluído da natureza humana essencial (GAY, 1988/1989,
p.363). Além das inúmeras manifestações de agressividade observadas na guerra,
outros fenômenos fizeram Freud teorizar sobre a existência do que chamou de uma
“força demoníaca” no interior da vida, algo que se opunha ao princípio de prazer, tais
como: a compulsão à repetição – encontrada nas brincadeiras infantis, na neurose
de transferência e nas neuroses de guerra –, a ambivalência, o sadismo, o
masoquismo, o ódio.
Seguindo Freud nesse texto, podemos observar que inicialmente ele retoma
alguns conceitos discutidos no Projeto (1950 [1895]/1990), no qual propôs que
haveria, no organismo humano, uma tendência para funcionar a partir do princípio
de prazer, tendência essa que estaria relacionada à ideia de que o organismo tenta
se livrar, ao máximo, das excitações que lhe chegam, uma vez que aumento de
excitação gera tensão e, consequentemente, desprazer e diminuição prazer. No
entanto, este organismo também aprende desde cedo que, se a energia for zerada
em seu interior, ele será levado à morte, Surge então o princípio de constância,
responsável por manter uma carga mínima de energia no aparelho, em nome da
manutenção da vida. E é em nome da manutenção da vida que o princípio de prazer
vai se transformar em princípio de realidade. A esse respeito Freud nos diz:
Assim, ao longo do desenvolvimento, as pulsões de autoconservação do Eu
acabam por conseguir que o princípio de prazer seja substituído pelo
princípio de realidade. Entretanto, o princípio de realidade não abandona o
propósito de obtenção final de prazer, mas exige e consegue impor ao
prazer um longo desvio que implica a postergação de uma satisfação
imediata, bem como a renúncia às diversas possibilidades de consegui-la, e
a tolerância provisória ao desprazer. No entanto, o princípio de prazer
continua sendo ainda por muito tempo o modo de trabalhar próprio das
pulsões sexuais, as quais são dificilmente ‘educáveis’. Assim, sempre volta
a ocorrer que, a partir das pulsões sexuais ou a partir do próprio Eu, o
princípio de prazer consegue sobrepor-se ao princípio de realidade,
prejudicando o organismo inteiro (FREUD, 1920/2006, p. 137).
Freud segue falando de alguns fenômenos que a princípio poderiam colocar
em xeque o ‘princípio de prazer’, visto que, conforme ele observa, o aparelho
psíquico é abastecido pela energia das pulsões, que muitas vezes estão em conflito.
Esse conflito é gerenciado pelo eu, em função de que prazer e desprazer são
64
sentimentos conscientes e estão ligados a ele. O processo de recalque surge para
dar conta dessa questão, ao retirar da consciência a ideia geradora de desprazer ao
eu. O afeto, porém, ligado a esta ideia, não aceita o recalque e procura outra forma
de expressão. Freud dá como exemplo desse processo o desprazer neurótico, um
prazer que não pode ser sentido como tal. O processo que administra ideias
antagônicas dentro do aparelho psíquico não contraria o princípio de prazer, pois o
que gera prazer a uma instância psíquica pode gerar desprazer a outra. No entanto,
eventos observados na clínica e fora dela vêm questionar essa tendência do
organismo pensada até então.
A Primeira Guerra Mundial, encerrada em 1918, trouxe para o consultório de
Freud e de seus colegas inúmeros casos de ‘neurose traumática’, o que acabou
gerando um livro sobre o tema, Para a psicanálise das neuroses de guerra (1919),
escrito por Ferenczi, Abraham, Simmel e Jones, com prefácio de Freud. A neurose
traumática já era há muito conhecida da psiquiatria, que a definia como uma série de
sinais e sintomas que apareciam a partir de alguma situação de risco vivenciada na
realidade pelo sujeito, como acidentes com choques mecânicos, colisões de trens
etc. A hipótese era que o choque provocava uma lesão orgânica no sistema
nervoso. Freud observou que o quadro clínico da neurose traumática lembrava o da
histeria, devido à quantidade de sintomas motores que apresentava, assim como os
da melancolia e da hipocondria, pelo sofrimento subjetivo presente.
No caso da neurose de guerra, o mesmo quadro se apresentava, sem ter
ocorrido nenhuma força mecânica bruta. Um fato intrigante, observado por Freud e
confirmado pela clínica, foi o de que pacientes que sofriam de neuroses traumáticas
reproduziam em seus sonhos a situação traumática, o que aparentemente
contrariava a teoria freudiana de que o sonho é a realização de um desejo
inconsciente. A esse respeito Freud supõe: “[...] no estado de trauma, a função do
sonho, entre tantas outras, também teria sido abalada e desviada de seus
propósitos. Ou então teríamos que invocar enigmáticas tendências masoquistas no
Eu” (FREUD, 1920/2006, p.140). Ele propõe então deixar em aberto essa questão e
parte para o estudo da repetição presente nas brincadeiras infantis.
Freud passa a relatar as observações colhidas durante as semanas em que
ficou com o neto e viu as brincadeiras que o menino criava para lidar com a
ausência da mãe. Dentre as muitas brincadeiras de jogar objetos, uma
65
particularmente despertou o interesse de Freud: ele atirava um carretel por cima da
grade do berço, para em seguida puxá-lo pelo barbante, pontuando seus gestos com
as exclamações Fort e Da, que, para Freud, expressavam a saída e a volta da mãe.
Freud tenta conciliar a repetição dessa experiência dolorosa com o princípio de
prazer, entendendo que o intuito final da brincadeira é encenar a volta da mãe. Outro
fato, porém, chama a sua atenção: a brincadeira de jogar o carretel é feita um
número muito maior de vezes do que a de jogar e recolher. Freud pensa então em
outra explicação para esse fato: estaria o menino manifestando sua raiva e desejo
de vingança, saindo da passividade do abandono para o controle da situação? Com
a brincadeira que criou, ele agora controlava o objeto, decidindo a saída e o retorno
da mãe.
A partir dos exemplos da neurose traumática e do brincar, Freud conclui que:
“Somos, portanto, persuadidos de que, mesmo sob o domínio do princípio de prazer,
existem meios e caminhos suficientes para transformar o que é em si desprazeroso
em objeto de recordação e de processamento psíquico” (FREUD, 1920/2006, p.
143). Freud traz ainda, como exemplo desse “para além”, a encenação dos atores
de uma tragédia que provoca no espectador sofrimento e deleite, ou seja, uma
experiência dolorosa que pode levar o sujeito a um alto grau de gozo. É esse gozo
que o tabagista experimenta e que o faz continuar fumando, apesar dos riscos que
corre.
Freud segue em seu texto buscando tendências mais arcaicas que estariam
além do princípio de prazer, analisando a compulsão à repetição que surge durante
o processo de análise, por meio da transferência. Observa que o paciente repete,
com o analista, desapontamentos experimentados na infância, que ocorrem porque
nessa fase da vida existem desejos intoleráveis e inconciliáveis com a realidade.
Com o crescimento, a criança experimenta uma série de frustrações, que a retiram
do centro das atenções, fazendo emergir sentimentos de rejeição e de
desvalorização. Tais experiências são repetidas na transferência com o analista, de
forma ativa ou passiva, nas inúmeras facetas do ser abandonado e do abandonar.
Mas Freud não consegue explicar, pelas leis do princípio de prazer, a
repetição dessas experiências, que a princípio nunca foram prazerosas para
nenhuma das instâncias psíquicas. Ele traz para esse contexto repetições que
observa na vida das pessoas comuns: “Muitas pessoas nos passam a impressão de
66
estarem sendo, por assim dizer, perseguidas por um destino maligno, isto é, de
haver algo de demoníaco em suas vidas” (FREUD, 1920/2006, p.147). Freud afirma
que a psicanálise sempre considerou esse tipo de repetição como algo preparado
pela própria pessoa e determinado por suas vivências infantis. Ele cita, a partir daí,
toda a sorte de repetições, de amantes cujos relacionamentos atravessam sempre
as mesmas fases e têm o mesmo final, benfeitores que acabam sempre sendo
traídos por seus protegidos e pessoas que constroem ídolos para depois derrubálos. Ou ainda situações em que o sujeito parece experimentar uma passividade total
em relação a determinado evento que se repete em sua vida: “Pensemos, por
exemplo, na história daquela mulher que se casou sucessivamente com três homens
que adoeceram depois do casamento e de quem ela teve que cuidar até a morte”
(FREUD, 1920/2006, p.147). Freud propõe então outra dualidade pulsional:
Aos levarmos em conta essas observações a respeito da transferência e a
fatalidade presente no destino de tantos seres humanos, vemo-nos
encorajados a assumir a hipótese de que realmente existe na vida
psíquica uma compulsão à repetição que ultrapassa o princípio de prazer.
Estaremos também inclinados a relacionar esta compulsão aos sonhos
que ocorrem na neurose traumática, bem como ao impulso da criança
para a brincadeira (FREUD, 1920/2006, p.148).
A partir desse momento, a compulsão à repetição, de origem inconsciente e,
portanto, difícil de controlar, passa a fazer parte da essência pulsional. Tal
compulsão leva o sujeito a se colocar reiteradamente em situações dolorosas,
repetindo experiências antigas, nas quais não se consegue perceber qualquer
vestígio de satisfação libidinal, o simples princípio de prazer não pode explicá-la.
Esse tipo de repetição leva Freud a observar o aspecto regressivo e conservador da
pulsão, o que o faz pensar na pulsão de morte como a pulsão por excelência. A
compulsão à repetição faz com que o inconsciente seja repetitivo, que os mesmos
circuitos sejam percorridos e que o sujeito volte sempre às mesmas marcas que
geraram gozo. Somos regidos, portanto, pelo princípio do gozo. A repetição no
inconsciente mostra a articulação entre o que é pulsional e as marcas subjetivas
simbólicas do sujeito. Com exceção da melancolia, a pulsão de morte aparece
sempre misturada à pulsão de vida, Eros e Tânatos. Freud dá como exemplo dessa
mixagem das pulsões a brincadeira criada por seu neto para lidar com a falta da
mãe, na qual aparecem juntas a compulsão à repetição e a satisfação pulsional. E o
conceito de gozo em Lacan traz esse “mais além”, o prazer e a dor misturados.
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A pulsão erótica precisa da pulsão de morte, porque esta lhe proporciona a
força necessária para procurar o objeto, não havendo, nessa busca, diferença entre
se apropriar, destruir, apreender e matar. Os destinos da pulsão de morte são:
apreender o objeto, o gozo que vem do poder, em função do qual se obtêm os
objetos desejados; destruir o outro (matar), o gozo na violência, marcando a
presença da pulsão sádica; o gozo masoquista, o gozo do sintoma, quando a pulsão
sádica se volta contra o sujeito.
O conceito de criação em Lacan demonstra que a pulsão de morte não está
relacionada apenas à destruição. No exemplo abaixo podemos ver a criação
brotando no vazio da pulsão de morte:
Não sei se a compulsão surge só por coisas ruins, às vezes estou
escrevendo um roteiro, superexcitada, com milhões de ideias brotando,
feliz da vida, e começo a ficar compulsiva, indo toda hora à geladeira
buscar alguma coisa para comer (Depoimento de Maria, escritora).
A criação é o resultado da pulsão de morte sublimada. Para elevar o objeto à
dignidade da coisa é necessário destruir as marcas que já existem.
5.3 A pulsão de morte
Em 1924, Freud publica o “O problema econômico do masoquismo”, no qual
assume que cometeu um erro teórico ao afirmar que o princípio de constância e o
princípio de prazer seriam originários do aparelho psíquico. Afirma que esses
princípios são secundários, que o aparelho psíquico busca como princípio a
quietude, a morte. A vida é a contagem regressiva para a morte
Freud comparou a compulsão à repetição ao que Adler chamou, em 1908, de
tendência à agressão. Naquela época, entretanto, ele se recusava a levá-la em
conta, embora a análise do pequeno Hans lhe houvesse demonstrado sua
existência. Freud relacionou-a igualmente com a tendência destrutiva que havia
identificado em seus estudos sobre o masoquismo. O estabelecimento de uma
relação entre suas observações e a constatação, de ordem filosófica, de que a vida
é inevitavelmente precedida por um estado de não vida, conduziu Freud à hipótese
de que existe uma pulsão cuja finalidade, como ele exprimiu em Esboço de
psicanálise (1938/1940), é reconduzir o que está vivo ao estado inorgânico.
A pulsão de morte tornou-se, assim, o protótipo da pulsão, na medida em que
a especificidade pulsional reside nesse movimento regressivo de retorno a um
68
estado anterior. Mas a pulsão de morte não poderia ser localizada, ou sequer
isolada, com exceção talvez, como é esclarecido em O ego e o id, da experiência da
melancolia. Freud sublinhou em 1933, nas Novas conferências introdutórias sobre
psicanálise, que a pulsão de morte não pode estar ausente de nenhum processo de
vida: ela se confronta permanentemente com Eros, as pulsões de vida. Da ação
conjunta e oposta desses dois grupos de pulsões provêm as manifestações da vida,
as quais a morte vem finalizar.
Apesar das objeções e da oposição ao conceito de pulsão de morte, Freud
nunca se deixou abalar. Em 1926, destacou, em “Inibições, sintomas e ansiedade”,
que a doutrina das pulsões era uma área obscura, até mesmo para a psicanálise, e
reivindicou essa opacidade como uma característica de pulsão. “A teoria das
pulsões é, por assim dizer, nossa mitologia”, afirmou ele em 1933. “As pulsões são
seres míticos, magníficos em sua imprecisão” (FREUD, 1933, p. 119). É
compreensível, portanto, que Freud tenha considerado incoerentes os críticos que
alegavam, em especial, a falta de provas empíricas para validar a existência de uma
pulsão de morte.
Tal contestação levou Freud a afirmar, em O mal-estar na cultura, que não
compreendia a razão de continuarmos cegos para a ubiquidade da agressão e da
destruição não erotizadas, deixando de lhes dar o lugar que merecem na
interpretação dos fenômenos vitais. Em 1937, ele tornou a afirmar, em Análise
terminável e interminável, que a simples evocação do masoquismo, das resistências
terapêuticas ou da culpa neurótica bastava para afirmar a presença de uma força na
vida anímica, à qual, com base em seus objetivos, chamamos pulsão de agressão
ou de destruição, e que consideramos derivada da originária pulsão de morte da
matéria animada.
Freud, aos 82 anos, em um de seus últimos trabalhos, Esboço de psicanálise
(1938), fala sobre o imbricamento das pulsões de vida e de morte:
Nas funções biológicas, as duas pulsões básicas operam uma contra a
outra, ou combinam-se mutuamente. Assim, o ato de comer é uma
destruição do objeto com o objetivo final de incorporá-lo, e o ato sexual é
um ato de regressão com o intuito da mais íntima união. Esta ação
concorrente e mutuamente oposta das duas pulsões fundamentais dá
origem a toda a variedade de fenômenos da vida. A analogia das nossas
duas pulsões básicas estende-se da esfera das coisas vivas até o par de
forças opostas – atração e repulsão – que governa o mundo orgânico [...]
Modificações nas proporções da fusão entre as pulsões apresentam os
69
resultados mais tangíveis. Um excesso de agressividade sexual
transformará um amante num criminoso sexual, enquanto uma nítida
diminuição no fator agressivo torná-lo-á acanhado ou impotente (FREUD,
1938, p. 174).
Nesta pesquisa nos chamou a atenção a falta de literatura psicanalítica sobre
o tabagismo, e isso talvez se explique pelo fato de que não é comum as pessoas
procurarem tratamento psicanalítico para pararem de fumar. O movimento em
direção ao parar de fumar, de modo geral, surge como consequência de uma
demanda externa ao sujeito, geralmente do médico, da família ou até mesmo de
alguma instituição da qual o sujeito faz parte, como foi o caso que motivou nossa
pesquisa.
Em contrapartida, foi interessante descobrir uma grande quantidade de
material produzido pelos próprios tabagistas, em livros e poesias, escritos que têm
como principal objetivo entender a relação que estes estabelecem com o tabaco e
nos quais Eros e Tânatos aparecem sempre misturados. Destacamos aqui dois
livros. Cigarros são sublimes, de Richard Klein (1993/1997), professor de francês e
literatura da Cornell University, em Nova York. Esse livro, uma louvação ao cigarro,
foi a forma que o autor encontrou para abandoná-los. Ele propõe que os cigarros
sejam louvados “por sua contribuição ao trabalho e à liberdade, pelo consolo que
oferecem, pela eficiência que promovem e pela beleza secreta que conferem à vida
dos fumantes” (KLEIN, 1993/1997, p. 19). O outro livro é A consciência de Zeno, de
Italo Svevo, pseudônimo de Ettore Schmitz (1938/2001), que narra a história de
Zeno, um sujeito que atravessa a vida tentando parar de fumar.
Nesses escritos e nas falas espontâneas dos tabagistas, colhidas ao longo
desta pesquisa, juntamente com os textos de Freud, Além do princípio de prazer
(1920/2006) e O mal-estar na civilização (1929/30/ 1974), é que fomos buscar
respostas para as questões que estimularam nossa pesquisa. Primeiramente vamos
relembrar estas questões:
Por que, apesar de todas as informações que se têm sobre os males
causados pelo tabaco, de todas as proibições impostas aos fumantes, do fato de
não haver mais nenhuma glamorização no ato de fumar, as pessoas continuam
fumando?
É comum o tabagista compulsivo, em suas tentativas de parar de fumar,
relatar que a compulsão é desencadeada por sentimentos de angústia ou de raiva:
70
existem disparadores para o processo compulsivo? A angústia e a raiva seriam
gatilhos para a compulsão? Por quê?
A segunda dualidade pulsional proposta por Freud no “mais além” nos traz a
constatação de que os homens sempre foram compulsivos e a pulsão de morte
existe em todos nós. No texto O mal-estar na civilização, Freud declara que o
sujeito, ao longo da história da humanidade, sempre precisou recorrer às drogas
para suportar o mal-estar inerente à civilização, como vimos no primeiro capítulo e
aqui nos confirma Klein: “O ato de fumar realmente tem alguns efeitos colaterais
desagradáveis, mas a vida também. A civilização faz mal à saúde – se você acredita
em saúde” (KLEIN, 1993/1997, p. 134). Entendemos que ser compulsivo é o preço
que o sujeito paga por estar na civilização.
O conceito de gozo, como formulado por Lacan, é o “mais além”, que encerra
a pulsão de morte imbricada com a pulsão de vida, não havendo um limite claro
entre prazer e desprazer. “O gozo é o tonel das Danaides, e que uma vez que ali se
entra não se sabe aonde isso vai dar. Começa com as cócegas, e termina com a
labareda de gasolina” (LACAN, 1970/1992, p.75/76). O cigarro é um ótimo exemplo
desse limite tênue entre o prazer e o desprazer. Todo tabagista relata que suas
primeiras experiências com o cigarro foram desprazerosas, que o excesso dele é
insuportável e que é preciso esforço para começar a fumar.
Quando estou bebendo fumo muito mais, sou capaz de fumar dois maços
em uma única noite quando regado a uísque. Não estou mais aguentando,
a garganta está doendo, mas não consigo parar. No dia seguinte me
arrependo, tenho medo de ter uma doença (Depoimento de Wania, 52 anos,
tabagista desde os 12 anos).
Nessa fala podemos observar como, no caso das compulsões, o prazer não
consegue fazer barreira ao gozo. Klein abaixo nos fala desse ”mais além”:
O “prazer” associado com os cigarros é negativo, portanto não exatamente
um prazer. A experiência de fumar não se parece com o brincar, mas com
um ato sério, seguido de repugnância e mal-estar, mas que dá sensação
agradável e um inocente sabor adocicado. De fato, o tabaco provoca certo
enjoo toda vez que o veneno é ingerido. Anuncia seu caráter venenoso
desde a primeira tragada, e, subsequentemente, a cada tragada, distribui
porções pelo corpo [...] não é, apesar de sua perniciosidade, mas por causa
dela, que as pessoas fumam profusa e avidamente. O caráter nocivo dos
cigarros – seu poder de viciar e seus efeitos venenosos – além de sustentar
71
seus diversos benefícios sociais, constitui a precondição absoluta de sua
beleza sombria e perturbadora (KLEIN, 1993/1997, p.93).
Quando ouvimos o sujeito falar de suas compulsões, podemos observar,
algumas vezes, que ele atribui o seu surgimento a alguma força externa a ele, como
se em algum momento algo o atravessasse e o trem compulsivo descarrilasse,
conforme ilustram estes depoimentos: “Depois de uma semana sem fumar, tive uma
briga com minha mãe, por conta de cobranças que ela me fez, e fui tomado por um
sentimento de angústia tão grande que só melhorou quando acendi um cigarro”; e
“Voltei a fumar depois de ter ficado com muita raiva por ter sido, mais uma vez,
‘enrolada’ por uma colega de trabalho que sei que me explora”.
As falas acima apontam que poderia haver “gatilhos” externos ao sujeito, que
disparariam nele o estado compulsivo. Esta pesquisa nos conduziu a um
pensamento oposto a esse. Entendemos que estar no mundo é angustiante para o
sujeito, e que a todo o momento este é atravessado por experiências que geram
prazer e desprazer. Estamos sempre buscando encontrar o objeto que
supostamente nos satisfez. Repetimos porque o objeto é falta. O cigarro, entre
outros objetos, nos dá a impressão de que o objeto perdido será encontrado. Os
objetos substitutivos do objeto que falta nos fazem companhia, nos fazem encontrar
uma suposta complementação da falta. Desta forma entendemos que o “gatilho” é
esse mais além que está dentro do sujeito, faz parte de sua essência.
A angústia, para Freud, é uma das expressões da perda do objeto, vamos
acompanhá-lo no recorte abaixo da Conferência XXXII, na qual ele resume suas
conclusões sobre a angústia, para pensar as compulsões:
[...] a experiência de angústia no nascimento é o modelo de todas as
subsequentes situações de perigo. [...] Se nos detivermos um pouco nessas
situações de perigo, podemos dizer que, de fato, para cada estádio do
desenvolvimento está reservado, como sendo adequado para esse
desenvolvimento, um especial fator determinante de angústia. O perigo de
desamparo psíquico ajusta-se ao estádio da imaturidade inicial do ego; o
perigo de perda de um objeto (ou perda do amor) ajusta-se à falta de
autossuficiência dos primeiros anos da infância; o perigo de ser castrado
ajusta-se à fase fálica; e, finalmente, o temor ao superego, que assume uma
posição especial, ajusta-se ao período de latência. No decorrer do
desenvolvimento, os antigos fatores determinantes de angústia deveriam
sumir, pois as situações de perigo correspondentes a eles perderam sua
importância devido ao fortalecimento do ego. Isto, contudo, só ocorre de
forma muito incompleta (FREUD, 1933 [1932] /1976, p.111).
72
A angústia parece estar sempre ligada, nas conclusões de Freud, a uma
experiência de perda/castração, que na trajetória do sujeito vai sendo ressignificada:
perda do seio, perda do falo, perda do amor. No depoimento que se segue podemos
observar como o cigarro entra para dar conta da angústia gerada pela perda do
objeto, para tamponar a falta deste.
O champix tira a dependência química e esclarece que você está lidando
com a sua falta. Tudo que eu sentia na infância e o cigarro encobria, estou
sentindo agora: melancolia, angústia, sensação de um vazio incurável.
Estou diante do buraco da minha existência, e o que está ficando claro para
mim é que, se eu não inventar um outro sujeito diante desse buraco, o
sujeito fumante retorna.... Lembranças me voltam da infância, de como eu
era melancólico. A falta do menino é a mesma de um homem de 50 anos
em que me transformei (Jorge, que parou de fumar usando o medicamento
champix).
O desejo, que também expressa a falta do objeto, é o único antídoto que
conhecemos contra a pulsão de morte. A seguir, alguns depoimentos nos ajudam a
compreender essa questão:
Comecei a fumar porque queria ser charmosa e só parei quando fui
internada, quase sem conseguir respirar, com dois enfisemas. Parei por
medo de morrer, e não usei droga nenhuma... eu alimentava a fantasia de
que podia fumar que não iria ficar doente, porque meus dois avós eram
fumantes e morreram aos 90 anos (Cláudia, que foi tabagista por 30 anos)
Parei de fumar depois que me casei e meu marido começou a reclamar que
eu cheirava a cigarro. Querendo ficar cheirosa para ele e também
engravidar, parei (Laura, 45 anos, deixou de fumar aos 30 anos).
Uma vida sem fumar não vale a pena ser vivida (SARTRE/ KLEIN,
1993/1997, p. 76).
Jean Paul Sartre morreu aos 75 anos em decorrência de problemas causados
pelo consumo do tabaco. Simone de Beauvoir, sua companheira de toda a vida, fala
da compulsão dele por tabaco. Conta que Sartre, após um tombo que levou na rua,
ouviu de seu médico que, se não parasse de fumar, seus dedos dos pés teriam que
ser amputados, depois os pés e também as pernas. Sartre pareceu impressionado
com o que ouvira, mas quando Simone lhe perguntou, logo após sair do consultório,
se deixaria o tabaco, ele disse que iria pensar, parou por alguns dias, para voltar
logo em seguida (KLEIN, 1993/1997, p. 65).
O desejo de viver, de ficar cheirosa para o marido, de ter um filho, fez com
que Cláudia e Laura abandonassem o tabaco. E o desejo de Sartre? Era de morrer?
O que levou Sartre e Freud a continuarem fumando, apesar das doenças que
desenvolveram pela compulsão ao tabaco? Não podemos dizer que eram suicidas,
tentando se matar. Esses homens produziram até o fim de suas vidas e acreditamos
73
que a criatividade é uma manifestação da pulsão de vida, brotando do vazio da
pulsão de morte. Entendemos que possa haver situações clínicas, e a melancolia é
uma delas, em que só aparece a pulsão de morte, mas na maioria das vezes o
sujeito está atrás do objeto perdido, como relatou um paciente atendido por uma
colega que, ao lhe indagar, após uma overdose, por que cheirava até quase morrer,
respondeu: “Estou atrás da primeira viagem”.
Continuar fumando após ser diagnosticado que existe risco de o cigarro leválo à morte pode ser uma escolha ética do sujeito. Estamos todos atrás da “primeira
viagem”, mas o que nos faz colocar o tabaco no lugar do objeto supostamente
encontrado na primeira viagem? A fixação na fase oral, o conceito de identificação e
dois depoimentos vão nos ajudar a responder a essa questão.
Fumei durante trinta anos, foi dificílimo parar de fumar, tive que parar
porque estava desenvolvendo estados gripais de repetição... e comigo foi
mais pela identificação. Comecei a fumar porque achava bacana, achava o
máximo, eu tinha 13 pra 14 anos, achava que os homens fumavam, que era
legal, queria ser adulto; no início não, mas depois acaba sendo prazeroso e
foi muito difícil parar, porque tem a questão da fixação, do gozo do órgão,
que é acéfalo (Roberto, 60 anos).
No depoimento acima podemos entender que a identificação com um ideal de
ser um homem adulto levou Roberto a começar a fumar, mesmo não
experimentando inicialmente prazer. Tal prazer não estava relacionado propriamente
ao cigarro, mas sim ao “sentir-se adulto”. A partir daí podemos considerar que houve
uma fixação na forma de prazer que aponta o “mais além”. No próximo depoimento,
a fixação oral segue outro caminho:
A maioria das pessoas da minha família fumam, meus três irmãos, meu
cunhado, meus três sobrinhos; Meu pai também fumava, mas parou num
determinado momento. Diria que somos uma família oral, estamos sempre à
volta da mesa, comendo, bebendo, fumando [...] Meus pais sempre se
esforçaram para nos proporcionar tudo que não tiveram, e nossas “faltas”
eram sempre aplacadas rapidamente [...] todo mundo aqui é um pouco
intolerante, ninguém tem paciência para esperar nada. Será que nossa
compulsão ao tabaco tem alguma coisa a ver com isso? (Luíza, 57 anos,
tabagista desde os 13 anos, há quatro anos sem fumar).
Com esse depoimento, Luíza fala de sua família, na qual há uma forte fixação
no gozo oral. Podemos pensar que essa fixação se deu a partir de uma identificação
com figuras importantes de sua história, pois acreditamos que as figuras
74
significativas na nossa vida estão o tempo todo nos apontando formas de gozo. No
caso de Roberto, o “prazer de ser adulto” teve como consequência a fixação oral. Já
em relação à família de Luíza, o prazer está primariamente relacionado ao gozo oral
apontado pelo outro.
Luíza, porém, nos coloca outra questão: a de pais que não permitem vazios,
que estabelecem com seus filhos uma relação em que as faltas são imediatamente
tamponadas. E Luíza se pergunta se essa forma de tamponamento imediato poderia
gerar um comportamento compulsivo. A psicanálise não tem como responder a essa
pergunta, pois seu trabalho se dá caso a caso, investigando o mundo subjetivo de
cada sujeito. Acreditamos que buscar um objeto para preencher o vazio é o que todo
o ser humano procura, mas a partir dessa fala podemos pensar que suportar um
pouco o vazio cria possibilidades para o sujeito fazer escolhas e buscar objetos
variados para sua satisfação. A necessidade do tamponamento rápido talvez iniba a
criatividade pulsional, uma vez que, se não há espaço para, minimamente, se
suportar o vazio, a compulsão pode aparecer como solução rápida e conhecida.
Hoje o cigarro não é mais glamourizado, estando, pelo contrário, relacionado
a doenças e à morte. Com o que então se identifica um jovem que agora começa a
fumar? A resposta só poderá ser encontrada analisando cada sujeito e seu desejo.
Com relação aos adolescentes, porém, supomos que uma resposta possível esteja
ligada à transgressão própria e necessária dessa etapa da vida. Sabemos que a
interdição tem o poder de excitar a transgressão. Na atualidade, essa interdição está
representada pelo discurso médico.
75
6 Considerações finais
Parando de fumar, deve-se lamentar a perda de algo
na vida – ou de alguém! – imensamente,
intensamente belo, deve entristecer-se pelo
desaparecimento de uma estrela.
Klein
A trajetória que percorremos estudando as compulsões, com a finalidade de
pesquisar o fumar compulsivo, nos levou a constatar que existe na vida psíquica
uma força dominante que se sobrepõe à tendência a buscar o prazer e evitar o
desprazer, força essa a que chamamos de compulsão à repetição. Há algo que é
próprio do aparelho psíquico, que nos faz voltar sempre às mesmas marcas que
geraram gozo e que se situam para além do princípio do prazer. Essa repetição é
mediada pela busca do objeto perdido. A repetição compulsiva denuncia a busca de
algo que jamais será encontrado, algo que se impõe ao psiquismo, deixando o eu
impotente para agir. A perda do objeto gera uma falta que é estrutural e não atual. O
sujeito é desamparado por natureza, e não há nada que possa dar conta desse
desamparo. Não se trata de uma questão histórica evolutiva, mas, sim, da estrutura
do sujeito. Percebemos como o cigarro se encaixa bem no lugar do objeto perdido
da pulsão oral. No ato de fumar podemos observar o movimento pulsional completo.
A fumaça é capturada pela boca, fixação oral, passa pelo corpo, pois fumar sem
tragar não tem graça, e é novamente colocada para fora, permitindo que possamos
observar as duas fases da oralidade: a da sucção e a canibalesca.
Verificamos também que a identificação está presente de várias maneiras na
compulsão ao tabaco, a saber: inicialmente como um status a alcançar, que o
cigarro conferia; por identificações com figuras importantes da vida do sujeito que
exibem aquela forma de gozo; e por desafio e rebeldia, como uma forma de se opor
ao que está estabelecido, própria da adolescência.
Concluímos nossa pesquisa sem apresentar uma teoria geral sobre o
tabagismo devido ao fato de que, em psicanálise, a teoria surge a partir da clínica,
76
ou seja, do caso a caso, como nos ensina Freud desde os seus primeiros escritos. A
psicanálise trata aquilo de que o sujeito se queixa e não o sintoma, que o discurso
médico ou social nomeia. Somente poderá ser tratado numa análise aquilo que o
sujeito torna para si mesmo sintomático. O tabagismo só passa a ser analisável se o
sujeito aceita fazer desse ato contínuo de fumar uma questão e se perguntar por
quê.
A terapia cognitivo-comportamental acredita que o sujeito se fixa num
determinado comportamento e que este pode ser mudado a partir de um
treinamento eficiente, que trata o indivíduo como resultado de um padrão aprendido
de respostas comportamentais a serem descondicionadas pontualmente e não como
sujeito do desejo. A psicanálise nos ensina que a pulsão oral pode se satisfazer com
os mais variados objetos. O que observamos então com a retirada do cigarro, que
visa a uma mudança de comportamento, é que o sujeito vai buscar outra forma de
gratificação oral, passando de uma compulsão para outra.
Por tratar o tabagismo como doença, a medicina propõe, a partir de um
diagnóstico, uma solução para fazer cessar o sintoma, que na maioria das vezes
não leva em consideração o sujeito daquele corpo. O sujeito então para de fumar e
começa a se drogar com outras coisas, como remédios, comida e álcool, pois
sabemos que o sintoma se desloca.
O projeto do hospital em que trabalho, com vistas a ajudar os tabagistas a
pararem de fumar, não prosperou, por não haver funcionários interessados, ou
talvez porque a demanda para deixar o tabaco fosse do chefe da Instituição, e não
dos funcionários.
As pessoas continuam fumando e deixando de fumar pelas mais variadas
razões, como observamos nos depoimentos do capitulo anterior. Sabemos que
deixar de fumar é uma tarefa árdua, uma vez que não estamos tratando de uma
fixação comportamental, mas sim de uma fixação pulsional. A experiência clínica
nos mostra que, quando as compulsões aparecem no tratamento, são um obstáculo
duro de vencer. O analista só pode trabalhar a partir do desejo do sujeito de analisar
aquele gozo. Assim, com sua escuta e manejo da transferência, ele possibilitará que
o sujeito possa desejar algo além daquilo. A psicanálise tem muito a dizer sobre a
compulsão de cada sujeito, desde que este deseje analisá-la.
77
No caso do cigarro, como já abordado, a clínica praticamente não existe, e
talvez contribua para isso o fato de o cigarro ser uma droga lícita, apesar de
extremamente combatida pelos órgãos de saúde e pelo governo nos dias atuais. As
leis antifumo que protegem o fumante passivo colocam o tabagista quase que no
lugar de um criminoso. A compulsão, porém, faz parte de nossa essência e explica o
fato de milhões de pessoas continuarem fumando, mesmo cientes dos males que o
consumo do tabaco acarreta. Freud e Sartre, como constatamos, são exemplos
dessa escolha ética.
Ao expor sua fixação oral, o tabagista incomoda tanto e desperta tanta
rejeição talvez porque seu estranho gozo denuncie a pulsão de morte que existe em
cada um de nós.
78
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LUCIANA CARVALHO - PSI 07.03.2014