Transformados
Pela Graça
Testemunho e experiências de alguém que conheceu o amor de Deus e teve sua vida
transformada, decidindo provar uma vida abundante na terra dos viventes, e mergulhar no rio de
Deus em sua profundidade, e algumas de pessoas que viram, provaram e beberam da graça
transformadora de Yeshua.
Pr. Max Pond
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Louvar-te é bem mais do que eu mereço
Adorar-te, mais profundo do que eu pensei
Servir-te é tudo o que eu espero
E o que mais quero é estar mais junto a ti
E te contar os meu pequenos sonhos
Oh, Senhor, como eu dependo de ti
Para me curar
Para me ensinar o caminho que devo seguir
Podes me usar Senhor
Como tu bem queres
Abro o meu coração
Alexandre Malaquias
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Dedico esse livro a minha mãe/avó, dona Maria do Carmo, ao meu pai/avô seu
Valfrido, A Neusa e Ty, usados por Deus para me trazerem ao mundo. Aos
meus filhos: Max Wallace, Daniela e David Max, flechas que o Senhor colocou
em minhas mãos, ao meu tio/irmão Pr. Sérgio Nascimento dos Santos e sua
linda família, por lutarem por minha alma e por serem meus pais na fé, aos
pastores e amigos de jornada, Maurício Benda Panisset, Koe Kendy Uiara,
Afonso Vicentini (Tim) e suas famílias, A Ida Guanaes Dourado por ter
paciência para me discipular nos primeiros passos de fé . A Claudia Morais
Ziller e Sérginho, por me encorajar a colocar no papel tudo aquilo que já a 18
anos tenho compartilhado nos púlpitos. Aos amados da Igreja do Senhor, aos
filhos na fé, gerados em lagrimas e a todos os santos que tem tentado viver
nessa terra em santidade de vida, não se corrompendo com os manjares, e nem
vendendo a sua unção, mas vivendo uma vida para adorar aquele que merece
toda honra e glória.
Ao Senhor dedico tudo o que tenho e o que sou e tudo o que desejo ser.
A Ele toda honra, toda glória, porque Ele é digno.
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Prefácio
Esta é minha oferta. Minha vida, minha casa, tudo o que tenho, o que sou ao Senhor
pertence. Não por demagogia ou para tentar impressionar alguém, mas porque um dia decidi
mergulhar em águas mais profundas, e conhecer a face daquele que merece toda honra e toda glória.
Infelizmente hoje as pessoas buscam um Deus abençoador, que resolve tudo muito
rapidamente, e que assim como o gênio da lâmpada, nos concede desejos e fica a tempo integral
para satisfazer nossos desejos, sejam eles proveitosos ou não, faça parte dos planos Dele ou não,
seja para o Seu louvou ou não, mas que seja.
Esquecemos de nos apaixonar, de desejá-lo, de darmos a Ele toda honra e gloria que
merece. Deixamos de devolver a glória que os homens nos dão para aquele que realmente a merece,
ficando para nós.
Bajulamos por nossos próprios interesses, e ficamos cada dia mais longe Dele, gastando
nossos dias em meio a uma fé barata, sem sua presença.
Em minhas andanças pelo Brasil, escuto as pessoas dizendo que nunca sentiram o toque da
presença de Deus, e nem se quer imaginam como ela seja. Apenas estão ali no meio da multidão,
pois têm medo de irem para o inferno. Viver a esmo, sem compreender as coisas do Espírito, e
deixam de conhecê-lo, de prová-lo e de viver a plenitude do seu chamado. E isso não vem de leigos,
mas muitas vezes de pastores, que confessam ainda estar no ministério, pois fizeram sua escolha e
não tem mais como voltar atrás.
Também não me sinto fiel depositário do conhecimento de Deus, e nem muito menos seu
procurador na terra, curador de sua vontade. Mas tenho vivido coisas diferentes, que maioria dos
homens ainda não viu, não provou, e nem mesmo faz idéia que seja possível viver.
Acredito que a igreja está indo cada dia mais no rumo da igreja ROMANA, deixando a
simplicidade do evangelho, para viver flertes e aventuras amorosas com o poder, a política e o
dinheiro. Vendendo assim, um evangelho paralelo, sem a vida, e sem a manifestação da
maravilhosa presença Dele, que é o sentido maior de tudo isso.
Até mesmo as músicas cantadas nas igrejas, não dizem mais palavras de louvor e exaltação
ao Pai, mas antes ao homem. Falando de promessas, de vitórias, e não mais de amor, glória,
majestade. Não tem mais a essência do verdadeiro louvor, mas deixando os homens com um
gostinho de que são deuses, que tudo poderão viver desejando o que é do outro, pisando a planta
dos pés em terreno alheio e declarando que será seu, e fazendo assim, a imagem de um Deus
salteador, e deixando de viver plenamente muito além do que os olhos podem ver.
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Este livro foi escrito em três partes, a primeira que conta como a graça me transformou, a
segunda conta relato de pessoas que conheci, de fatos que ouvi e aquilo que creio sobre a graça, o
terceiro fala do evangelho de cruz, esse que bem poucos desejam, o evangelho pelo qual viveu João
Batista, Paulo, Alguns pescadores de peixes que se tornaram pescadores de homens, o evangelho da
volta ao princípio, Atos, uma nova reforma para o manifestar da vinda do desejado de nossos
corações.
A Ele toda a honra, toda a glória e todo o louvor.
A Ele que manifestou sua graça sobre esse pedaço miserável de gente e lhe deu
vida, que deu visão a esse cego e me fez ver, abriu os ouvidos para que escutasse sua
maravilhosa voz, ainda sendo eu, um pedaço de gente, coberto de pecado, e ainda assim ele
me amou, com um amor que só existe Nele.
“ Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas
foram escritas; as quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma delas
havia.”
Salmos 139:16
A Ele consagro esse livro, ao autor da minha fé!
Pr. Max Santos Pond
Piracicaba, São Paulo, Brasil, Verão de 2009
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Parte I
Quando a graça
me alcançou
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Capítulo 1
“Assim diz o Senhor que te criou, e te formou desde o ventre, e que te
ajudará: Não temas, ó Jacó, servo meu, e tu, Jesurum, a quem escolhi.”
Isaias 44:02
Não conheço a face de meu pai biológico, nem mesmo sei como é o seu dia a dia.
Porém sei que algo rompeu na vida daquele casal a partir do meu nascimento que mudaria a
vida de todos nós para sempre.
Na manhã do dia 14 de Julho de 1975, pela graça do Senhor, eu vim ao mundo. Mas
já cheguei a meio a um clima de desacerto imenso, pois praticamente fui o pivô de toda
uma situação que levaria meus pais ao divórcio.
Minha avó materna, nordestina daquelas valentes, que não tem medo de facão nem
de “cabra homi”, pois se consideram “muié macho” que agüentam qualquer parada. Dona
Maria do Carmo Nascimento dos Santos é nativa de uma cidadezinha do interior de
Sergipe, chamada Santa Rosa de Lima, cidade essa tão pequena que só me lembro de ter
visto lá uma rua principal, uma igreja católica e um orelhão comunitário, onde toda a
cidade usufruía dele como se fosse um telefone particular. Quando queríamos falar com
alguém, pedíamos ao primeiro que passasse, que fizesse o favor de chamar “fulano”, e
dizíamos o nome da pessoa, e esse se encarregava de correr até a casa para chamá-lo. Às
vezes tinha que abreviar a conversa, pois rapidamente chegava alguém querendo telefonar
para parentes de Aracajú, ou mesmo estavam ansiosos para receber o telefonema de
alguém, daí apressávamos a conversa e deixávamos livre o aparelho para os demais
usuários daquela pequena e pacata cidadezinha.
Sua mãe faleceu quando ainda tinha nove anos de idade, e segundo ela conta, foi ela
mesma que vestiu a “mortalha” em sua mãe, e junto com sua avó, velou e enterrou Dona
Maria Luiza dos Prazeres, que deixou a vida ainda jovem, e segundo relatos, ficou doente e
logo morreu devido a uma surra que levou do marido.
Seu Pedro Gonzaga do nascimento era gerente da Usina Lourdes, talvez a única ou
maior fonte de renda da cidadezinha.
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Casou-se com Dona Rosa, de quem, quando ouço as histórias a seu respeito, me
remeto ao conto da Gata Borralheira, no papel de madrasta má, e suas filhas cheias de
marra.
A pequena Maria do Carmo foi criada por sua avó por um tempo, e só fala de sua
pessoa com um ar de carinho no olhar, como se esta fosse a única pessoa em sua vida que
conseguiu fazer alguma coisa boa por ela e deixar a mostra que ser bom vale a pena.
Sua avó, logo não conseguiu manter as despesas da criança, pois como naquela
época as mulheres não trabalhavam, após enviuvar, passou a fazer pequenos consertos em
roupas, em sua pequena maquina de funcionamento manual. Lembro que na minha infância
essa maquina arcaica de costura, andava em nossa casa como um troféu, pois pertencera a
sua amada avó, mas que por outro lado era estranhamente esquisita, pois tinha uma pequena
manivela, e para que fosse usada, deveria com uma mão girar a tal manivela, e com a outra
segurar o tecido para que ele andasse corretamente no trilho da lenta agulha, que pouco a
pouco ia puxando o tecido para dentro de sua agulha.
Na casa de seu pai, tudo fora diferente, pois não havia um clima de amor e sim de
hostilidade por parte de sua madrasta e de suas irmãs, pois seu pai já tinha uma amante
enquanto casada com Dona Maria Luiza, passando a assumir seu novo amor, abandonando
minha bisavó ao desprezo, e à morte, que a levou bem pouco tempo depois.
Dona Maria do Carmo ainda conta que só tinha uma roupa, e como era obrigada por
seu pai a ir plantar e colher cana com apenas nove anos de idade, quando chegava da lida,
lavava seu único vestido, e deixava secando, indo dormir nua, assim como Deus a fez.
São imensas as barbaridades que ouvi, como no dia que não pode ir para a festa da
cidade, que era aguardada por todos, pois era praticamente o único acontecimento do ano.
As pessoas juntavam dinheiro, compravam roupa, durante o decorrer do ano, para usufruir
do acontecimento de tão grande importância para o local, porém, seu pai comprou uma
fazenda de tecido, e deu a ordem para que sua nova mulher mandasse o costureiro fazer
roupas para as meninas, mas ela fazia apenas para as “suas meninas”, e a pequena criança
de tão pouca idade ficava em casa chorando, na janela, vendo a alegria das outras pessoas,
enquanto sonhava com o dia que chegaria a sua vez.
Ela me contou de uma surra que tomou do pai, de socos e ponta pés, porque comera
um pedaço do frango que era de sua madrasta. A surra fora tão severa, que o sangue de sua
menarca desceu antecipadamente por suas pernas, ali no meio do “terreiro”, não voltando
mais, apenas na sua faze adulta. Depois desse dia, aprendeu que deveria comer farinha,
apenas, pois não deveria mexer na comida que sua madrasta fizera. Então chegava cansada
do trabalho na roça, comia um bocado de farinha e ia dormir para esquecer a fome.
Já na idade adulta, bem de vida e morando em uma maravilhosa casa em Brasília,
muitos anos depois, apresentou problemas neurológicos causados por esse tempo de terror e
aflição em sua infância, e foi aconselhada por seu psiquiatra a enfrentar o fantasma e
sentar-se face a face com seu pai, e despejar toda essa dor que ainda habitava seu interior.
Assim o fez. Marcou com seu pai em Aracaju, durante uma viajem de veraneio que fez com
a família, se hospedando na casa de sua sogra, dona Aliete, já viúva de José Vieira, um
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homem de quem pouco ouvi falar, mas de tudo o que ouvi, me convenceu de que era um
bom homem, dedicado à família e aos filhos, até ser levado, ainda jovem também, e de uma
causa mortis desconhecida, como também era de costume na época, devido ao pequeno
acesso á medicina patológica da época.
Ela se sentou-se diante do seu pai, e foi narrando dia-a-dia de sua infância, e durante
horas foi despejando tudo o que estava em seu coração. Depois de derramar muitas
lágrimas, viu seu pai aos soluços dizer: _ Me perdoa minha filha. Seu pai sempre foi um
homem que viveu enfiado no trabalho, e tudo o que eu sabia dos acontecimentos, vinha de
Rosa, ou de algum vizinho, e eles contavam de sua própria maneira, e eu acreditava. Sei
que fui um pai terrível, mas não foi porque quis.
Ela perdoando ele de anos de sofrimento, disse: _ Pai, durante toda a minha vida eu
não me lembro de ter ganhado um abraço seu, nem um se quer, posso ganhar o primeiro
hoje?
Eles se abraçaram, ela foi curada, nunca mais sofreu de problemas neurológicos, e
ele, alguns anos depois nos deixou, vítima de um câncer nos ossos, que rapidamente fez
dele um trapo deitado sobre sua cama.
Eu, porém me lembro dele como um homem forte, com um chapéu de Cowboy na
cabeça, andando a cavalo, com botas e esporas, e de que sempre que eu ia a sua casa tinha
sempre na geladeira suco de jenipapo e “geladinho” de frutas que eu só via quando ia
visitá-lo, como umbu, cajá, cajá-manga e graviola, a casa com toda a simplicidade daquelas
casas de interior, tinha um quintal tão grande que parecia não iam acabar mais, e ao
anoitecer, as telhas coloniais hospedavam morcegos, que me arremetiam a filmes de terror.
Dona Maria do Carmo conheceu Seu Valfrido Vieira dos Santos, quando ainda
estava bem jovem, e logo se casou, pois tudo o que mais queria na vida era se ver livre
daquele filme de terror que era a casa de seu pai. Conheceu o moço negro, mas de traços
finos, que segundo seu próprio relato, era o moço mais bonito que já tinha visto, e confesso
que mesmo hoje, com sete décadas e meia de existência, ele ainda tira suspiro de muitas
mulheres. Excelente com a bola nos pés deixou aquela moça que fora ao campo apenas para
ver um time de futebol de Aracaju em campo, seqüestrado para toda a vida.
Foram para o Rio de Janeiro tentar a vida em uma grande capital, que na época, era
o sonho de todo nordestino, que quase sempre recebiam noticias daqueles que tinham se
aventurado e de como mudaram de vida.
Ele foi estivador nas docas, depois conseguiu ser motorista de praça, como se
chamavam os taxistas naqueles tempos. Por fim, conseguiu trabalho de carteira assinada
como motorista na Câmara dos Deputados na antiga capital quando ainda sede do Governo
Federal.
Enquanto ela era domestica, e como tinha direito a duas refeições na casa de sua
patroa, comia uma e guardava a outra para ele, que aparecia sorrateiramente, como um
gato, que chega de mansinho para não ser percebido.
Nesse tempo em que tentaram a vida em outro estado, deixaram Neusa Maria, a
primogênita do casal e minha mãe biológica, nessa época já com seus 11 anos de idade, em
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um colégio interno em Riachuelo, também no estado de Sergipe, próximo a capital. Anos
depois visitei esse colégio, e as freiras se recordavam dela ainda, e nos mostraram fotos de
sua turma pendurado em um dos corredores daquele lugar antigo e cheio de imagens de
santos católicos em suas paredes.
Dona Maria do Carmo nunca foi catequizada por nenhuma religião, mas como todo
nordestino, quando lhe perguntavam sobre sua fé, se dizia católica, embora nunca tivesse
escutado nada a respeito de Jesus.
Seu Valfrido da mesma forma, dizia crer em Deus apenas, mas nunca manifestou
nenhuma expressão de fé, durante toda sua vida. Amava muito seu time de futebol, o Vasco
da Gama, e um rabo de saia, onde constantemente se aventurava fora do casamento, mas
quando sua esposa descobria a coisa ficava feia. Como eu disse, ela não tinha medo de
homem, e o enfrentava com o que tivesse a mão, seja um garfo, que uma vez ela enfiou em
suas costas, ou um revolver calibre 38 de propriedade dele mesmo, mas manuseado muito
bem por ela, fazendo ele dançar, enquanto as balas ricocheteavam no chão.
Sérgio Nascimento dos Santos veio depois, quando ainda estavam no Rio de janeiro,
e ainda bem pequeno, sendo criado na casa das patroas de Dona Maria do Carmo, dormindo
no colo, que com uma mão embalava a criança, e com a outra desenvolvia com
desenvoltura as atividades de sua profissão.
Nessa época, um surto de meningite se alastrou pelo Brasil. A mortandade infantil
crescia, mas como todos nós pensamos, essas coisas só acontecem no quintal do visinho, e
nunca no nosso. Mas não foi bem assim que aconteceu, e Sérgio foi vitima daquela
devastadora enfermidade. O médico disse que se a doença não matasse o seu pequeno
filhinho, iria deixar seqüelas graves, tais como cegueira, paralisia, surdes ou esterilidade.
Ela sempre foi dura na queda, mais nessa hora o casal viu o chão se abrir sob os
seus pés, e ainda mais sozinhos naquele fim de mundo, sem um parente por perto, sem
nenhum amigo que lhes servisse de consolo, abrigo, ou que ao menos pudesse dar uma
palavra de conforto naquele momento de medo e de dor.
Os dias foram passando, e mesmo sem conhecer nada a respeito de Jesus, seu
coração se encheu de fé, e em um ato de desespero, acredito, olhou para o céu, ergueu a
criança e o consagrou, dizendo:
“_Se existe um Deus no céu, que cure meu filho, e eu te darei a vida dele, ele é teu a
partir de hoje e para sempre!”
Deus o curou! Milagrosamente o curou.
Nenhuma seqüela ficara, na contra mão daquilo que o médico dissera, mas pelo
contrário, o menino crescia sadio e forte como as demais crianças da sua idade.
Nesse ínterim, a nova capital estava sendo construída em meio ao Planalto Central,
no coração do Brasil. Então, Valfrido foi convidado por alguns deputados na qual prestava
serviço de motorista, e que se afeiçoara muito ao seu bom papo, e sua personalidade alegre
e brincalhona, Sem falar que era ótimo recitador de história de cordel, na qual tinha ali,
guardado em sua mente, e mesmo sem quase nenhum estudo, aprendeu na infância essa
literatura do folclore nordestino, e nunca esquecera nem uma vírgula se quer. Recordo-me
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de algumas, como a do João Grilo, do Pinto Pelado e de Mandado por Deus, que retrata a
história de um andarilho muito esquisito, vestido com muitas roupas, mas com uma
sabedoria impar.
Em 1961 chegaram à Brasília, e viram a cidade ainda inacabada, mas Juscelino
Kubistchek de Oliveira, atual presidente dos Estados Unidos do Brasil, nome que daria
lugar a atual Republica Federativa do Brasil, tinha pressa em mudar a sua capital para o
centro do Brasil, onde considerava ser mais seguro, e vislumbrava o que dizia ser o
cumprimento do sonho de Dom Bosco, a séculos antes do nascimento do próprio Juscelino.
Cheio de esquisitices, e motivado por uma profecia onde se auto intitulava a
reencarnação do faraó Tutancâmon, mandou desenhar a cidade no mesmo estilo
arquitetônico do velho Egito, tendo como companheiros de seus malucos sonhos, o
arquiteto Oscar Niemayer, o urbanista Lucio Costa, e mais uma meia dúzia de malucos que
toparam deixar suas casas e ir morar com Juscelino no Catetinho, que nada mais era do que
uma casa de pau, no meio do cerrado, cercado por animais peçonhentos, lobos e mais uma
infinidade de animais típicos da hostilidade comuns aquela vegetação. O nome Catetinho
fora dado em alusão ao Palácio do Catete no Rio de Janeiro, mas aquilo nada se parecia
com um palácio, antes, um barracão da madeira no meio do mato.
Meus avôs chegaram à Brasília, cheios de sonhos, tomados por um medo do
desconhecido, e com certeza apavorados com a visão daquele lugar. Um misto da vastidão
que só se conhece quem já foi à Brasília, com o cheiro de concreto e o barulho das
maquinas trabalhando a todo vapor, e com muita, mais muita pressa mesmo. O termo
Planalto Central só é compreendido na sua totalidade quando um turista vêm a nossa cidade
e logo é enganado por uma ilusão de ótica comum aos que estão em solo Brasiliense pela
primeira vez, pois conseguem ver quase tudo do ponto onde estão, por se tratar de um lugar
extremamente plano, então se aventuram a andar para chegar ao ponto que viram, porém
jamais chegam, pois se trata de algo muito distante, mais como estão acostumados a outras
cidades onde aquilo que se vê está perto, acabam desistindo de sua caminhada bem antes de
chegar ao destino.
Em meio ao cenário desse planalto vazio, com pouco tempo, Seu Valfrido ficou
conhecido por suas habilidades futebolísticas, sendo convidado para jogar no time de
futebol dos funcionários da Câmara dos Deputados, que sem titubear aceitou prontamente.
Sem saber, que ali estava guardado as mudanças que transformaria sua vida para sempre.
Quando chegou a partida final do campeonato daquele ano, um deputado desejoso
em ver seu time ganhar, chamou o artilheiro do time por sua alcunha, como era conhecido
no meio futebolístico:
_ Nena, corre aqui cara, pois eu tenho uma proposta que você não pode rejeitar.
Você sabe como esse título é importante para mim, não sabe? Então se você marcar mais
alguns gols e nos der um título, te darei uma oportunidade de ingressar na polícia do
Congresso, e ainda te dou um apartamento funcional, daqueles que foram construídos para
deputados morarem, o que acha?
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Bobo ele não era mesmo, e tratou de correr atrás da bola como nunca fizera em toda
a sua vida, até porque nunca tivera tanta motivação em sua vida, menos na vez em que vira
Dona Maria do Carmo na beira do campo e tentara impressioná-la.
Marcou muitos gols, e já com o troféu na mão, o deputado disse:
_ Valeu mesmo, e não se esqueça de ir ao meu gabinete essa semana para acertamos
os papeis do apartamento, bem como sua ida para a Academia da Polícia Federal para
começar seu treinamento.
Assim o fez, e sua rotina mudara drasticamente de limpar o carro para estar sempre
com boa aparência para o uso dos deputados, para aulas de tiro, defesa pessoal, inteligência
policial, estratégias etc.
Recordo-me da farda que o vi usando anos depois, e parecia mesmo era um policial
de filme americano, com quepe e tudo mais.
Sempre foi o melhor em tudo aquilo que fez, sendo logo levado de guarda a Inspetor
de Segurança Legislativa, onde passou a apresentar sua funcional que dizia em letras
garrafais vermelhas na diagonal do documento: “Tem fé pública em todo o território
nacional.”
Dona Maria do Carmo estava encantada com o apartamento novo, pois imagino que
nunca se vira morando em um lugar tão bonito e com visinhos tão importantes.
Sérgio se ocupava agora nas aulas de basquete no clube da quadra, o Unidade de
Vizinhança, onde logo conheceu um jovem gigante, de tamanho realmente descomunal, e
se tornaram verdadeiros amigos, e futuramente o amigo faria um teste no Clube de Regatas
do Flamengo e seria chamado, tendo uma carreira meteórica, chegando a ser o maior
cestinha da história do basquete no Brasil, Oscar Schmidt.
Sérgio então, ao contrário do amigo, recebera o apelido de “Mongol”, em alusão ao
campeão de Telequete, luta livre da época, e por ser muito brigão e fazer jus ao seu sangue
nordestino. Passou a conhecer daí então o ilícito: fumar, e ir em busca das meninas do
clube, pular muros, enfrentar gangues rivais, indo por uma caminho de dissoluto e
pernicioso, porém esta história eu não conheço a fundo, pois ele mesmo reserva para o baú
de suas memórias, comentando muito pouco sobre o assunto.
Neusa por sua vez se aventurava em romances proibidos, desejando e sendo
desejada, pois era com certeza uma das moças mais belas da região, sendo escolhida em
segundo lugar em um concurso de miss local. Tinha cabeleira longa, bem tratada e com um
brilho distinto. Olhos negros bem expressivos, um rosto de boneca, com a maquiagem bem
desenhada ao estilo dos anos 60, e com um corpo mignon que deixaria qualquer marmanjo
se arrastando atrás da beldade.
Então, viria a acontecer nesses dias, algo que marcaria a história de nossa
caminhada com Cristo: a conversão de nossa matriarca.
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Capítulo 2
“Ele é o teu louvor e o teu Deus que te fez estas grandes e temíveis coisas
que teus olhos têm visto.”
Deuteronômio 10:21
Em uma tarde típica de domingo brasiliense, o silêncio da cidade nos assombrava.
Podia seguramente se deitar no Eixão, principal avenida da nova capital, que liga a asa
norte a asa sul. Ninguém nas ruas, o que deixava o cenário propício para um filme sobre o
arrebatamento, pois todos sumiam.
E foi nesse cenário, que ela resolveu tomar banho, no final da tarde daquele dia,
como fazia todos os dias, mesmo nos dias de semana, onde o movimento já se tornava
intenso, por causa das maquinas que ainda preparavam a capital já inaugurada, bem como o
som das pessoas, que como num passe de mágica reapareciam na segunda-feira, e junto
com elas os carros, ônibus, buzinas e som de criança a caminho da escola.
Enquanto tomava banho, algo incomparável marcou para sempre sua vida. Uma
música falava ao seu coração, seis andares abaixo do seu apartamento, em uma igrejinha de
madeira que passara despercebida aos seus olhos durante todo o tempo desde que para ali
se mudara com sua família.
Sou forasteiro aqui,
Em terra estranha estou,
O céu já antevi,
Possuí-lo, enfim, eu vou;
Embaixador, por Deus,
Do Reino lá dos Céus,
Venho em serviço do meu Rei
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Eis a mensagem que me deu,
Que os anjos cantam lá nos Céus:
Diz o Senhor, Rei meu,
“Reconciliai-vos já,
Reconciliai-vos já com Deus”
É ordem do meu Deus,
Por Cristo e seu amor,
Que saiam já os seus,
Do laço sedutor;
E quem obedecer,
No Reino vai viver.
Venho em serviço do meu Rei.
Mais belo que um rosal,
O lar celeste tem
A benção imortal,
O gozo eterno, além.
No céu tem galardão
Quem frui a redenção;
Venho em serviço do meu Rei.
Um amor começou a inundar sua alma como nunca provara nada antes. E suas dores
e traumas, as dificuldades da infância iam sendo curadas uma após outra, ali, bem debaixo
do chuveiro, onde apaixonadamente se ajoelhou e se derramou em lágrimas, sedenta em
entrar mais profundamente naquele rio de amor. E ela entrou!
Quando já não suportava mais, saiu do banheiro, provavelmente com o rosto
inchado de tanto chorar, vestiu sua melhor roupa, como se fosse se encontrar todo o
principado de Mônaco ou a Rainha da Inglaterra. Perfumou-se, pegou fôlego e entrou no
elevador do prédio, indo apaixonadamente ao encontro daquele que a atraíra com seus laços
de amor a bem poucos minutos, pois ela queria se entregar, se jogar em seus braços; era o
amor que ela nunca conhecera em seu lar, nem por seus irmãos, nem por sua madrasta, nem
por seu pai, nem mesmo por sua avó, de quem guardava as lembranças melhores, mas nada
disso se comparava ao que estava sentindo.
Caminhou timidamente a caminho da igrejinha, mas quando se se aproximou, veio a
dúvida: _ Será que vão me deixar entrar? E se não deixarem? Vou morrer de vergonha em
ser expulsa daquele lugar.
Enquanto se inundava de medos e interrogações um rosto de mulher apareceu, e a
chamou.
_ Ei senhora, vamos entrar?
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_ E eu posso?
_Não só pode como deve, a senhora é muito bem vinda em nosso meio!
Então ela entrou por aquele ambiente ainda era muito novo, mas não viu nada
muito estranho. Alguns bancos de madeira, um púlpito simples como a igreja de madeira
que o abrigava, talvez algumas vozes reunidas na tentativa de formar um coral, um órgão, e
um homem de terno na frente. Logo foi sentindo que aquele lugar era gostoso e agradável,
apesar de ser um barracão de madeira.
O pastor era um norte americano, Reverendo Clay, que arrastava um sotaque típico
daqueles “gringos”, porém, pregava uma mensagem apaixonante sobre homem chamado
Jesus o Cristo do qual ela nunca ouvira falar. E ele falava que não éramos daqui, e que
existia uns novos céus, e uma nova terra, onde as dores desse lugar passaria, e tudo seria
novo, e não haveria mais choro, pois Deus enxugaria nossas lágrimas.
A mensagem foi entrando em seu coração como uma faca afiada, e penetrando
profundo em sua alma ferida, e como um ungüento, lavava suas feridas da alma, deixando
transbordar do seu coração machucado, uma alegria que nunca sentia, e nem se quer sabia
que existia. Uma festa estava preparada ali, e parecia que tudo tinha sido feito para ela, foi
quando o pastor, usando de sua autoridade, falou exatamente como estava seu coração e sua
alma, como estava se sentindo. Ela chorou, e ao apelo dramático daquele homem de Deus,
ao perguntar se alguém naquela noite gostaria de aceitar a Jesus como seu Senhor, e
suficiente salvador de sua alma, ela prontamente aceitou ao convite.
Ficou muito feliz quando foi cumprimentada por todas aquelas pessoas, que com ar
de tremenda satisfação em tê-la ali com eles, e ao mesmo tempo convidando-a para vir
sempre, não deixando mais de fazer parte daquele corpo.
Ela começou a voltar com freqüência, e logo se envolveu com a Sociedade de
Senhoras da então Igreja Metodista da Asa Sul, onde membra até hoje, a 50 anos, firme e
forte, e onde desde aquela época, é tesoureira da mesma sociedade.
Foi convidada a fazer parte de um grupo de visitas em hospitais, do grupo de ação
social, cuidando de pobres, mendigos, e também se ofereceu a ensinar bordado, crochê e
ponto cruz as pessoas que quisessem conhecer a arte que aprendera com sua avó, e que
sempre auxiliou nas despesas domesticas, produzindo e vendendo em feiras, para
conhecidos e vizinhos.
Porém a sua incursão na vida evangélica não gerou impactos no seu lar como
esperava, e ninguém quis acompanhá-la, apenas Neusa, que começou a ajudar na Escola
Dominical, porém, foi apenas fogo de palha, se afastando pouco a pouco, até não mais
retornar a comunhão com o corpo.
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Capítulo 3
“Disse o néscio no seu coração: Não há Deus. Têm se corrompido e tem
cometido abominável iniqüidade; não há ninguém que faça o bem.”
Salmo 53:01
Ao mesmo tempo em que a mãe buscava a Deus com alegria e satisfação, Neusa
buscava diversão, em beijos, abraços e papos com pessoas que para ela era interessante.
Namorando homens conhecido como o poeta e compositor Vinícius de Morais,
engenheiros, gerentes de loja, até que conheceu um norte americano de nome difícil. Ty
Omar Pond era o nome do rapaz que logo se vitimara pelo olhar sedutor da jovem moça.
Namoraram por um tempo, mas como seu Valfrido não apoiou muito o namoro,
decidiram fugir e ir morar juntos. Ele, funcionário da Embaixada americana no Brasil,
conseguia dar uma vida boa para a moça, porém, decidiu que viveriam juntos, mas não
dariam nenhuma notícia a sua mãe, para que não se intrometessem mais em sua vida. E
assim fizeram, até que um casal amigo de seus pais os vira entrar em um bloco próximo ao
seu.
A mãe logo correu encontrar a filha fugida, e quando a encontrou teve uma notícia
inesperada, Neusa estava grávida do americano, e Dona Maria do Carmo seria avó pela
primeira vez.
A alegria deveria ser transparente nos seus rostos, mas logo imaginaram como seria
a maternidade de Neusa.
_ Será que ela está pronta para cuidar de uma criança?
Não estava, pois quando a criança nasceu, logo ela se separou de Ty, relatando que a
família dele abusavam dela, bagunçando sua casa, tomando café e deixando a louça em
pilhas, e não permitindo que ela jogasse vôlei com seus amigos, pois tinha que ficar
arrumando casa.
Deus tem seus planos, e na verdade Ele estava arquitetando mais um dos seus
maravilhosos desígnios, porém ninguém entendia ainda.
Ty por sua vez era filho de pais separados. Burk Wallace Pond, não mais vivia com
Dona Gertrude Auto Pond, sua primeira esposa e mãe de Ty, passando a viver com Lisa,
que o acompanhou até o fim de sua vida, quando uma enfermidade súbita o levou a óbito.
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Eles vieram para o Brasil ainda pequenos. Ty tinha onze anos, e ficou mais onze no
Brasil, onde vivera uma parte terrível de sua vida, o relata hoje. Seus sete irmãos também
sofreram muito por essas bandas, pois o pai fazia grilagem de terra, comprando fazendas a
preço de banana no interior da Bahia, mais precisamente nas cidades de Barreiras e Posse, e
vendia em dólar para os americanos, que pagavam sem problemas, até que a policia federal
descobriu, deportando o patriarca da família e deixando para trás seus filhos ainda
pequenos.
Steve, o mais velho, foi voltou para os Estados Unidos, onde se tornou militar,
piloto de helicóptero, inclusive combatendo no Vietnã nos anos 70, como piloto de resgate.
Kit arrumou mulher e três filhos em Posse, abandonando depois a própria sorte e
retornando para os Estados Unidos. Kirby, Kelly e Samanta, cresceram naquele fim de
mundo sem o apoio devido do pai, andando por suas próprias pernas, conforme a baixa
renda de sua mãe lhes proporcionara. Samanta, ainda na sua infância foi atropelada por um
carro, e o acidente deixou-a com uma deficiência em um dos pés, onde um dos nervos não
mais retornara ao lugar, deixando o dedo levantado, impossibilitando a moça de usar sapato
fechado.
Pierre também bota o pé na estrada, indo se encontrar com os pais na capital
daquele país, Washington – DC.
Deo, analfabeto por ter sido criado no Brasil, e criado na fazenda de seu pai em
Posse, não teve acesso a nenhum estudo. Este veio a se aliar a Ty para sobreviverem juntos
no Brasil.
Holly, ainda era muito criança, mas guarda marcas em sua lembrança de sua
infância no Brasil. Ela relata que quando descobriu o que era virgindade, já não a possuía
mais, acredito que tenha sido submetida a manter relações sexuais com o próprio pai, ou
com algum dos irmãos.
Kali, ainda bebê, foi extraditada com os pais.
E Ty se virou como pode no Brasil, até que conseguiu emprego de motorista na
embaixada, para manter sua nova esposa e filho.
A princípio decidiram que o nome do bebê deveria ser Max Wallace Pond, em
homenagem ao avô paterno, porém sem o Santos dos avós maternos. Logo os avôs se
manifestaram, achando tudo aquilo uma tremenda ingratidão da parte deles. Então, alguém
brincou com o segundo nome, Wallace, cantando uma marchinha de carnaval:
-Abram “Wallace” que eu quero passar...
O pai decidiu então que continuaria Max, porém teria o Santos no Meio e
esqueceriam o Wallace para evitar chacotas no futuro com a criança. Ficando então
decidido, a criança então se chamaria Max Santos Pond, e ponto final.
Mas a separação do casal era inevitável, pois a imaturidade de ambos era visível, e
resolveram que cada um deveria seguir seu caminho.
Quando vim ao mundo, recebi muito amor da família materna, e logo Dona Maria
do Carmo passou a me criar, porém o que ninguém sabia é que Deus estava fazendo a coisa
caminhar do seu Jeito. Ele tem seus mistérios, Ele tem seus planos.
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Capítulo 4
“Todo caminho do homem é reto aos seus próprios olhos, mas o SENHOR
sonda os corações.”
Provérbios 21:02
Foi com amor de mãe, e não de avó, que Dona Maria do Carmo sentiu quando
teve que assumir aquela criança.
Dona Maria do Carmo, me amava como se eu tivesse realmente saído de suas
entranhas. Deu o carinho que não tivera, o cuidado que nunca conhecera, como se essa
fosse a missão de sua vida. Achava forças em Deus, pois sabia que havia sido chamada para
isso, sabia que era um ministério, algo que Deus estava lhe trazendo às mãos para que
desempenhasse com seu melhor.
Eu crescia naquele lar, e os talentos musicais apareceram Junto com as primeiras
palavras, quando decorava comerciais de televisão, e cantava seus dingles.
“_ Caderneta de Poupança Toieia”
Referindo-me ao extinto banco Colméia.
Escola Dominical, cultinho para crianças, e muita música evangélica para o meu
coração, e como tudo isso marcava minha vida sem que eu soubesse. Como toda criança, eu
brincava debaixo dos bancos da igreja, enquanto os adultos ouviam o sermão. Mas algo
impregnava minha alma, era uma presença que eu não sabia definir, mas amava. Estava no
cheiro da madeira dos enormes bancos, na beleza das cortinas azuis e vermelhas de veludo
que ornavam a nave central, no verde do gramado em frente ao templo, no jardim, nos
brinquedos do parquinho, e até hoje não sei dizer ao certo,mais sabia que Deus estava em
tudo aquilo, pois eu já conhecia sua presença. A igreja já não era mais a de madeira, mas
um grande templo com um enorme campo de futebol na frente, pois era uma região de
escolas, e o projeto inicial do prédio dizia que ali deveria ser uma escola e não uma igreja.
A fachada da igreja era linda, com um par de escadarias, sendo divididas por um jardim e
duas vagas para automóveis. O teto redondo tinha ondas nas laterais e um vidro ao centro,
como se fosse um grande sol, e realmente durante o dia a luz do sol entrava pelo vidro, e
durante a noite escurecia.
A nave da igreja era muito linda, com uma acústica tão perfeita, que se ouvia os
próprios passos do outro lado do templo..
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O coral agora era separado por uma cortina vermelha que se abria quando o coro
começasse a cantar. Tudo era lindo, familiar e com cheiro agradável.
Nós as crianças, tínhamos nosso próprio local de culto, que denominavam de
“cultinho”. Lá havia um órgão, que nos encantava, e sempre que alguém vacilava, nos
ligávamos e corríamos apertar suas teclas, até que algum adulto escutasse e tirasse o nosso
prazer em ouvir aquele som maravilhoso e ao mesmo tempo assustador, pois era alto e fazia
o estilo “fantasma da opera”.
Instrumentos infantis eram distribuídos. Chocalhos, reco-reco, latinhas com
baquetas feitas de cabo de vassoura cortado, e nossa fanfarra gospel elevava a Deus o
perfeito louvor, saído da boca de crianças inocentes, sem pecado nenhum, assim como
deveria ter sido por toda a vida mais não foi.
Meus pais-avós, na tentativa de me dar algo melhor, colocaram a venda o
apartamento funcional na SQS 108, para comprar uma casa de dois quartos em uma cidade
satélite próxima ao Plano Piloto, nome dado ao que seria o centro da cidade, apesar de
Brasília não ter centro.
Sobradinho ainda era bem jovem, mas também planejado, separando área
residencial da comercial, e as quadras recebiam números e não nomes. Fomos morar na
quadra 06, no conjunto A, casa 25, que tinha uma linha telefônica que nunca esquecerei o
número: 591-1375, e meu pai-avô logo pediu outra linha, pois naquele tempo era um dos
melhores investimentos era comprar linhas telefônicas e ações da operadora local, pois só
havia uma por estado, e eram governamentais. Essa segunda linha, tinha o número 5918229. Quando cheguei na adolescência, ambos os números receberam o digito 3 antes,
ficando como são hoje, com oito dígitos.
O quintal era grande, parecia uma chácara, logo construí um pequeno mundo que só
que era só meu, e um adulto não conseguiria interpretar. O pé de manga era a casa do
Tarzã, as bananeiras ao fundo era um bosque, que tinha um pântano muito perigoso, no
fundo tinha um jardim, e lá era o paraíso, assim como eu havia escutado no cultinho da
igreja. E a casinha do Sultão, nosso cachorro vira-lata, que já estava na casa quando a
compramos, era a casa do gigante do pé de feijão. Existiam mais partes da casa que
ganharam personalidade em minha mente infantil, entre elas, a enorme mesa de mármore
rosa que ficava na sala de jantar, e que tinha enormes pés de jacarandá talhado pela mão de
algum artista, que inspirado em sua arte, não sabia que deixara para mim um cenário
excelente para fazer uma cidade, que com bonecos de Playmobil, e o Falcon, habitavam
aquele mundo. Ali tudo acontecia, uma menina Playmobil se apaixonava pelo Falcon, que
tinha inúmeras vezes o seu tamanho, mas que representavam na verdade os meus sonhos
para o futuro. A minha casa tinha vários carros, e eu tinha filhos, netos e uma linda mulher,
e quando eu decidia que era domingo, todos tinha que ir à igreja, onde eu mesmo era o
pastor. Depois, quando eu estava cansado, inventava um cataclisma, um vendaval ou um
maluco bêbado que destruía tudo. Então cada um deles voltava para sua maleta, só
ressuscitando no dia seguinte.
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Outra coisa que posso me lembrar com saudade é que podíamos brincar até tarde na
rua. Eu, Alessandro, Anderson, Marrer, Mauro, Paulo, Fabiano, Márcio Lísias Bomtempo
(in memorian), e alguns outros meninos, chegamos ficar na calçada contando casos até às
vinte e uma horas. Não haviam violência, podíamos andar de bicicleta, de carrinho de
rolemam, jogar futebol de “golzinho” . Durante o dia, saiamos até a chácara de uma amiga
em uma zona rural sem problemas, nada acontecia. Na hora do almoço, estávamos cansados
da caminhada da escola até em casa, apesar de que a escola era quatro ruas a cima da nossa,
mais era uma aventura voltar em “bando” todos os dias.
A minha infância foi um verdadeiro paraíso, pena que temos que crescer e
desmanchar nossa casa de brinquedo para encarar o mundo cruel, cheio de intolerância,
medo, incertezas e covardias.
Outra coisa que eu me divirto até hoje ao lembrar, e que na hora do Jornal das oito
horas, era um momento cultico para meu pai-avô. Ninguém podia fazer nenhum barulho até
o jornal acabar, mas quando o âncora do Jornal da noite, Sid Moreira dizia:
_Boa noite!
Meu pai respondia, como se o apresentador estivesse ali na sala com ele.
_Boa noite!
Ai a casa estava liberada novamente, e já se podia conversar, andar e fazer qualquer
outra coisa livremente.
Que tempo bom, e como era tudo tão seguro ali naquele lugar, e como eu era feliz,
eu só não sabia.
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Capítulo 5
“O filho sábio alegra seu pai, mas o filho louco é a tristeza de sua mãe.”.
Provérbios 10:01
Desde que aprendi minhas primeiras palavras, comecei a chamar meu avô de pai
e minha avó de mãe, porque realmente sempre o foram.
Eu fui criado como filho dos príncipes. Estudava em escola particular, fazia aulas de
caratê, Vôlei e computação, mesmo naqueles tempos que computadores só existiam em
órgãos federais e eram verdadeiramente pré-históricos, eu tinha um MSX PLUS em casa e
quase não tinha muitas funções, era mais para escrever e desenhar mesmo.
Mas nada me faltava, exceto o toque, carinho, afago e palavra de estimulo. Meus
pais/avôs não sabiam o que era carinho, pois nunca receberam, e dava prá ver em seus
olhos que me amavam muito, porém, acreditavam que estavam demonstrando o que sentia
dando brinquedos, presentes caros, como nenhum outro menino da minha idade possuía.
Robô de controle remoto, jogos eletrônicos, até mesmo o microcomputador residencial, que
existiam bem poucos na época e funcionavam ligados na televisão, e os jogos enchiam um
disquete de ¾, grandões e flexíveis. Hoje quando me lembro disso, acredito que o tempo
realmente passa rapidamente, pois quem diria que hoje eu estaria digitando essas linhas em
um notebook, sem nenhum fio ligado a ele, me utilizando dos recursos da internet. Imagino
que daqui uns 30 ou 40 anos, meus filhos leiam isso e se derreterão em risos, vendo que
tudo isso que hoje me deixam maravilhado, para eles não passe velharia e entulho guardado
apenas em suas lembranças de um passado quase primata.
Mas a maior demonstração de amor que tive nessa época na verdade, veio do
próprio Deus, quando aos cinco ou seis anos de idade, fui tomado em meio a noite por um
sonho que marcaria minha vida e minha história.
Uma casa grande e com muitos cômodos, no estilho da casa de meu bisavô em
Santa Rosa de Lima, porém muito grande, com um imenso corredor que cortava toda a casa
até uma porta e uma janela bem no final de tudo. Eu sentia medo da casa, pois suas paredes
eram escuras e sujas, e o ambiente era digno de filme de terror. E me resvalando nas
paredes sujas da casa, eu ia a passos de tartaruga me mexendo em direção ao final da casa,
porém o medo era mais forte do que eu, e me impedia de prosseguir. Mas alguém bateu na
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janela no final da casa, e parecia ter pressa, pois as batida eram mais e mais fortes, como se
que estivesse lá do lado de fora, precisasse muito ser atendido. E essas batidas me deram
animo e força para continuar andando, agora já mais apressadamente pois eu queria saber
quem estava ali, querendo falar comigo. Foi quando cheguei nas proximidades da janela, e
tomado por uma angustia sobrenatural, estiquei o braço e segurando a maçaneta daquela
janela de madeira rústica, puxei-a em minha direção, escutando o rangido, a janela se abriu,
dando lugar a uma luz que não conseguirei descrever nem com todas as palavras do meu
vocabulário, porém só sei dizer que quando a luz entrou por entre os quartos, onde passava,
deixava tudo limpo e bem branquinho, como a neve, e o que estava quebrado, ficava
milagrosamente novo, restaurado. Portas paredes, reboco, trincos, fechaduras. Foi quando
pude ver, mesmo com muita dificuldade pois a luz era muito, mais muito forte mesmo, que
saia de um homem, mas não era um homem comum, mas um gigante, com uns seis metros
de altura mais ou menos, e suas vestes, também reluziam e clareavam o local. Tudo estava
tomado por aquela luz, quando Ele estendeu sua gigante mão em minha direção e ofereceua para mim, como se quisesse que eu a segurasse, e com um lindo sorriso e com o olhar
mais doce que eu já vira em toda a minha existência, acenou com a cabeça, dizendo com tal
movimento:
“_Vai, segura minha mão, não há o que temer mais, eu estou aqui!”
Segurei suas fortes mãos, e fui puxado para fora da casa e me joguei em seus
braços. Ele, como sempre, sem dizer nenhuma palavra, com um braço me sustentava em
seu colo, e com a outra mão me entregou uma rosa vermelha.
Deixarei para explicar o que queria dizer a rosa vermelha mais a frente, mas o que
queria deixar aqui, é que hoje percebo que naquele dia, Ele decidiu por me querer, decidiu
que iria me conquistar, e também o sonho profético falava da minha vida, do que eu iria
viver nos anos seguintes. A casa era minha vida, meus dias, sujo, quebrado, cheio de medos
e aproximação das trevas. Mas a sua Graça me transformaria em breve.
Acredito não ter contado esse sonho para ninguém naquela época, até porque iriam
achar que eu tinha tomado algo que me causara alucinações, com certeza.
Mas o que mais me deixa admirado, é que até hoje, esse sonho está estampado em
minha mente e minhas retinas, como se não fosse um sonho, mas algo que vivi
verdadeiramente, como se eu tivesse visto o meu amado face a face mesmo, e tivesse em
seus braços de verdade. A imagem desse sonho me confortava, quando eu sentia saudade
do abraço que nunca ganhara, do carinho que eu não conhecia, me lembrava Dele me
abraçando, e ficava confortado.
Hoje, ainda me pego vivenciando aquele dia de minha vida, onde eu me senti alegre
como nunca, como se toda a criação e os Céus parasse. E Ele declarasse para toda a obra de
suas mãos:
“_Silêncio! Quero fazer uma declaração de amor pública, e quero que todos saibam
que eu amo essa criaturinha frágil, pequena, e sem nenhum talento, mas que mexe com meu
coração. Vou cuidar dele, e vou curar-lo de toda a sua trajetória longe de mim, ai ele saberá
que eu sou Jesus, aquele que já pagou um preço por sua vida, que sempre o amou. Ai eu
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serei a razão da vida dele, o motivo de sua alegria, e ele será meu e eu dele. Vou tomá-lo
em meus braços, vou lhe dar a Rosa de Saron, o Lírios dos Vales, e serei Senhor de toda a
sua vida, dono dos seus sonhos e de seus desejos.”
Eu não fui imediatamente visitado pela graça, mas pelo contrário, isso viria a
acontecer muitos anos depois disso, mais muitos anos depois mesmo, porém uma coisa já
estava certa, eu já estava marcado. Minha mãe-avó não tinha me levantado para os Céus e
dado minha vida a Ele como fez com o Sérgio, mas Ele escolheu querê-la, apenas por
graça, maravilhosa graça.
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Capítulo 6
“Louvem ao Senhor pela sua bondade e pelas suas maravilhas para com os
filhos dos homens.”
Salmo 107:08
Nossa vida não parava de prosperar, pois papai estava bem remunerado, e minha
mãe ajudava com suas freqüentes viagens ao Paraguai, onde a maioria das coisas que trazia
era encomenda. Uísque, Eletrônicos, perfumes e uma série de parafernália chegavam e
eram esparramados sobre a mesa da sala de jantar, ai ela sentava ao telefone e ligava para
os vizinhos e amigos para virem ver seus produtos. Nossa casa enchia, era uma festa, e
ainda assim, ela afazia crescer nossa renda familiar.
Quando chegavam as férias de final de ano, quase sempre meu pai trocava de carro,
e inaugurávamos as maquinas colocando-as na BR 101, a caminho do nordeste. Quando
não íamos para Aracajú visitar os parentes, subíamos mais um pouco até o estado do Ceará,
onda existia um lugar, chamado por meu pai de paraíso na terra, Praia do Morro Branco, no
município de Beberibe, a uns 80 km da capital do estado, Fortaleza. Ao tocar o solo
litorâneo quase sempre papai dizia: “_ Isto é higiene mental”.
Papai não tinha o costume de parar na estrada, então quase sempre tocava direto,
parando apenas quando alguém pedia para ir ao banheiro ou quando a gasolina estava
chegando ao fim. Comíamos no carro, e minha mãe deixava em seus pés uma garrafa de
café, na qual aia dando ao meu pai para que não sentisse sono, água, e carne de sol com
farinha que era servido de café da manhã, almoço e janta. Se não conseguisse dirigir até o
destino, pois na maioria das vezes as estradas apresentavam terrível abandono, dormíamos
todos em motéis a beira da estrada. De madrugada, novamente rumávamos em direção ao
nosso destino.
Quando íamos à Aracaju, um dos primeiros passeios era para a cidade interiorana de
Itabaiana, onde se vendia ouro barato. Minha mãe corria comprar muitos mostruários
cheios de peças feitas com o precioso metal, para fazer um dinheirinho para a viagem do
ano seguinte. Me deixava admirado a luta dela pela vida, acredito até que por medo de ter
que regressar aos tempos de pão e água ou de depender do favor de alguém outra vez, e
para isso, ela dava suas cambalhotas como podia. Inclusive fazendo supletivo, que a
permitiu terminar o estudo ginasial (como se chamava na época dela).
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Depois íamos para o interior, ver os parentes. Chegávamos exatamente na época da
festa que minha mãe foi privada de ir durante sua infância. Mas eu não entendia nada,
apenas queria dinheiro para comprar “cabacinhas”, um objeto rústico, feito de parafina de
vela, que muitas vezes era roubada do cemitério durante o ano, para a confecção do
artefato. Com uma laranja como forma, passava-se a parafina no corpo da fruta dando o
molde, depois cortava ao meio, retirava a laranja e com a mesma parafina que estava
borbulhando em alguma panela, utilizando uma pena, selava as extremidades fechando a
cúpula de parafina, deixando apenas um pequeno orifício, na qual se colocava água até
encher totalmente, e ai a pena vinha fechar por definitivo a “Cabacinha”. Daí uma guerra
acontecia na cidade, onde as pessoas se confrontavam, jogando as “cabacinhas” umas nas
outras, molhando a roupa da vítima. Assim ficávamos correndo e rindo até bem tarde da
noite, quando íamos dormir na casa do vovô, onde tinha que enfrentar o maior de todos os
meus medos: morcegos.
A casa de meu avô Gonzaga como o chamavam, era de telhado colonial, o que
deixava a sua base a mostra, com um vão entre a parede e a madeira do telhado, e por ali,
os animais se enfiavam. No meio da noite emitiam os seus sonares assustadores como que
de propósito, por saber que estavam me apavorando com aquilo.
Mas mesmo dormindo pouco, não só por causa do bichos aterrorizantes do telhado,
mas também porque as camas da casa, tinham colchão de palha, o que me deixava sem jeito
para dormir, no dia seguinte tinha energia para correr atrás das galhinhas, brincar com o
enorme macaco que tinha no quintal, e comer jaca, ficando o resto do dia com seu visgo na
mão.
Em Aracaju, ficávamos na casa da minha já falecida avó Eliete, que era cuidada
agora por minha tia Vanda, que nos atemorizava com seus casos sobrenaturais sobre mortos
que voltavam, ou de como o fantasma de minha falecida avó avia aparecido a ela para
balançar sua rede.
_Pronto, não vou mais poder dormir aqui nessa casa cheia de fantasmas!
Pensei!
Mas o que preenchia nosso tempo, era que todos os primos (e mesmo não sendo
primo legitimo, eles sempre me aceitaram e me trataram como se fossem) vinham passar
férias na casa da Tia Vanda. Era uma alegria. Toda a meninada junta. Porém era nesse
ajuntamento que as brincadeiras sensuais se iniciavam entre nos também, quase todos os
mais velhos usavam de sua força para fazer avanços sexuais nos menores. As primas
também não eram fáceis, e descobriam o sexo oposto em brincadeira na praia ou no fundo
do longo quintal da casa da tia Vanda.
Eu era o mais tímido e o mais inocente. Acredito que por esse motivo, minhas
primas me escolhiam para iniciar seus jogos sexuais. Muitas vezes me usavam a força, e
isso não era tão ruim, exceto o medo de ser flagrado por algum tio ou tia em meio a
tamanha pouca vergonha. Nos descobríamos, mas nunca passou disso, acredito que o mais
longe que foi, foi quando ousei beijar uma prima, mas nesse dia uma tia viu.
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“_Valfrido, corre aqui ver que pouca vergonha. O Max está beijando a prima, onde
já se viu? O que é isso meu Deus, onde esse mundo vai parar, não se respeita mais nem a
própria prima, quanto mais as outras.”
Meu pai chegava sorrindo, se orgulhando do seu Dom Juan miniatura. Ensaiava
uma bronca, mas era surpreendido por mim dando de ombro, como se tudo fosse tão
normal, então ele segurando o riso dizia:
“_pelo menos podia fazer isso em outro lugar, e não dentro do meu carro e perto de
suas tias, né?”
E logo tudo caia no esquecimento outra vez.
A praia cheirava maravilhosamente. Sentados em baixos daqueles imensos guardasol, tomávamos refrigerantes que nem existem mais hoje, Crush, Brama Limão, Brama,
Guaraná, Grapete e Mirinda. Meu pai pedia um litro (era assim que era vendido) de
amendoim cozido de ambulantes que se aventuravam debaixo daquele sol escaldante,
depois pedíamos caranguejo... Uhhhhh, esse foi e sempre será a maior Delícia da terra, pois
tenho certeza que quando Deus criou os caranguejos, ele estava pensando em mim.
Arriscávamos pegar jacaré, depois nos refestelávamos ao sol, ou íamos jogar
alguma coisa, como frescobol, pelada, vôlei ou guerra de bolinhos de terra. Os mais calmos
faziam castelos na areia, até que a maré enchia e destruía suas obras de arte. Enquanto
nossos pais se encharcavam de cerveja, alguns mais corajosos como o meu pai começavam
com pinga, depois cerveja, depois pinga, e logo estavam todos alegres e falando besteira.
Ouvíamos as besteiras, mas respeitávamos aqueles seres “imaculados” que aprendemos a
amar. Aliás, por mais impuros e doidivanos que fossem, ainda os veríamos como anjos.
Algumas vezes saia briga, mas logo meu primo Marcelo dava um jeito no valentão,
acabando de vez com a briga. O mais engraçado é que Marcelo sempre foi o menor de
todos os meninos, e ainda assim, parecia um galo de briga. Vinha gingando, destemido, e
era certeiro em seus golpes, que até hoje eu não sei onde aprendera, ou se já vinha na
genética dele.
Existia outro nível de primos, os de idade bem acima da nossa. Eles criava um muro
quase intransponível entre as duas turmas. Só falavam de música sempre que se reuniam.
Era balela, logo aparecia uma guitarra, uma bateria, um contra-baixo, e a música começava.
Crescemos em meio aos anos 80, um período de grande evolução da música secular,
e Brasília foi a capital que iniciou essa revolução. Assim a música começou a fazer parte da
vida deles, e por conseqüência também nas nossas.
À noite, íamos para um areão imenso que existia em frente da casa de nossa tia no
bairro Suíça. Pique - esconde, Pique-pega, Salada Mista, Pula-carniça e bandeirinha.
Foi tentando me esconder em uma moita que conheci o Cansanção. Planta nativa
com efeito urticante terrível. Uma noite de terror para aquele que se encostasse em suas
folhas. Eu fui uma de suas vítimas.
Parecia sina, pois tudo o que dava errado, podia ir até o local e chamar meu nome
sem medo de errar. Era sempre comigo. Eu nunca jogava bola, pois nunca tive afinidade
com a coisa, mas se me arriscasse, alguém se machucava, a bola caia em algum lugar
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impossível de ser buscada ou eu chutava contra algum carro ou coisa semelhante, isso era
balela.
Mas eu não desistia nunca, sempre tentava, mas logo era expulso por meu azar sem
fim. Apenas as primas me deixavam brincar com elas. Dentista, papai, professor ou médico.
Quase sempre os meus exames se tornavam reais, beijando alguma prima, ou vizinha que se
arriscasse entrar na brincadeira. Uma vizinha chegou a me mandou uma cartinha que
guardei até bem pouco tempo, declarando seus sentimentos e falando da falta que eu fazia
quando ia embora.
As férias acabavam porém, as festas não. Minha casa estava sempre cheia de
primos, tios, amigos de meus pais e vizinhos. O ziriguidum ia tarde adentro. As vezes só no
domingo, outras o fim de semana todo. Dependia do humor de meu pai.
Regados a muita bebida, a pseudo alegria adentrava por anos e anos, como um rito,
e até o Sultão, nosso cão vira-lata que veio de brinde com a casa, se tornou um alcoólatra,
bebericando junto aos desavisados que acabavam deixando seus copos em algum lugar
onde ele conseguia alcançar. Depois que enchia a cara, dormia como uma pedra, ficava
como morto. Brincávamos com ele na cama, mas nem se mexia, só sabíamos que estava
vivo porque o bicho roncava alto quando estava manguaçado.
Com tanta gente que eu amava bebendo, em uma noite de natal, quando eu estava
com meus oito ou nove anos, junto com meu primo Marcelo, roubamos da geladeira
algumas garrafas de espumante, bebida essa que meu pai não botava na boa nem sob
ameaça. Então, pegamosalgumas garrafas bem geladas, levamos para debaixo da minha
mangueira preferida, e ali, tendo como testemunha apenas o céu, bebemos as garrafas do
liquido doce com gosto de refrigerante. Caímos de tão bêbados.
Ninguém percebeu nada em mim e nem deu tempo, pois entrei correndo, conforme
o equilíbrio permitia e me joguei no chão do meu banheiro. Fiquei ali, embaixo do chuveiro
de roupa e tudo até me sentir melhor, depois deitei em minha cama, e não me lembro ate
hoje se chequei a comer da ceia, sinceramente, em minha mente não tem nenhuma imagem
de comida, porém, de bebida, não posso declarar o mesmo.
Nesse mesmo ano, Sérgio iria se casar com a Sandra Dayse de Camargo, e é claro,
eu faria de tudo para impedir.
“_Quem essa mulher acha que é? Chega do nada e quer levar meu irmão embora.
Ela vai ter que passar por cima do meu cadáver ou não me chamo Max Pond.”
Assim, com minha missão de ter de volta meu irmão, que sempre cuidou de mim
com a mente dividida, pois tinha o cuidado de tio para com a minha vida, mas dormíamos
no mesmo quarto, dividindo tudo comigo, como irmãos, mas como ele trabalhava, tinha um
papel fundamental em minha vida: Me levar ao cinema, ao parque, ao clube. Inclusive a
primeira vez que ele me levou a um cinema, foi para ver o clássico da Disney Bambi, e na
seqüência, vimos ET de Steven Spielberg.
Também se ocupava de trazer todas as manhãs figurinhas de álbuns que ele mesmo
havia dado, como Snoop e Amar é, pois trabalhava no turno da noite, como digitador para a
Codeplam e para o MEC, e chegava quando eu estava acordando.
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Foi então que certo dia escutei uma conversa entre Sérgio e meu pai:
“_Pai, me empresta o carro hoje a noite? Irei com a Sandra ver a passagem do
cometa.”
Ele se referia ao legendário Cometa Halley, que passa pela orbita da terra de setenta
e cinco em setenta e cinco anos, o que nos dava a certeza de que seria a única chance de vêlo.
“_Mas o que é isso? Ele vai levar ela e não eu? “
Pensei em voz alta.
“_Pai, eu também quero ir!”
Gritei! Certo de ele advogaria minha causa.
Mas Sérgio, com ar de revolta, tentando agora defender os direitos de poder
namorar em paz sua futura esposa, bradou:
“_Nada disso, iremos apenas eu e a Sandra. Será que não tenho o direito de ter um
momento sozinho com ela se quer?”
“_Ou leva o menino ou não vai ninguém. Não é justo a criança não ver o cometa,
essa porcaria só vai passar aqui daqui a setenta e cinco anos, e se estiver vivo ainda, vai ser
um velho e não vai subir morro prá ver cometa. Ele vai sim e pronto!”
Ahaaaa!
Corri vestir uma roupa para a ocasião, porém, Sandra deveria estar me odiando,
querendo que a parede do quarto caísse sobre minha cabeça.
Mas fomos todos juntos, e encaramos uma enorme fila. Ali no meio do mato, em
um morro abarrotado de gente, e apenas uma única luneta, que não me lembro quem
colocou ali, e nem mesmo se tivemos que pagar para usar o instrumento de astronomia, mas
sei que eu estava ali. Sandra abraçava Sérgio de um lado e eu do outro, disputando a
propriedade cerradamente.
A briga não parou ai, foi assim quando foram no autódromo assistindo a um filme
no Cine drive - in, igual aqueles dos filmes americano, que entra de carro, e ai colocam
caixinhas de som na janela do carro e todos assistem ao filme sentados dentro do
automóvel.
Mas a maior de todas as vinganças ainda estava por vir.
Fomos para o acampamento de Jovens da Igreja, em uma chácara da Presbiteriana
Acampamento Maranata.
Como todo menino, não fui a nenhuma ministração, e gastava meus dias nos
córregos, matas e até mesmo em uma galeria de esgoto que resolvemos desbravar como se
fosse uma caverna.
Mas entre uma programação e outra, eu ouvi a Sandra comentar com uma irmã, que
estar ali era muito bom, porém, só o fato de saber que ali tem perereca, lhe arrepiava os
cabelos.
Isso não poderia ser dito perto de mim. Mas foi!
Passei todo o dia no mato, escutando sons de pererecas, e enchi uma sacola de
supermercado com os estranhos bichinhos.
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Quando todas as mulheres estavam fora do alojamento feminino, eu entrei,
sorrateiramente, como um espião entra em terreno inimigo, e respirando controladamente,
avistei a Mala da minha vitima. Uma bolsa Verde e grande, com um zíper que dava a volta
em toda a extremidade. Abri, e cuidadosamente posicionei os bichinhos ali, de uma forma
que quando ela abrisse, ela tivesse uma maravilhosa surpresa.
Quando deu seis horas da tarde, um sino avisava que era hora do banho, e na
seqüência serviriam o jantar. Minutos depois, escutei os gritos de horror e desespero.
Alguém do alojamento feminino saiu comentando:
“_Que maldade, sabe o que fizeram com a Sandra? Derramaram toneladas de
pererecas na sacola de roupa dela, e quando foi abrir, os bichos colavam no corpo dela.
Desesperada, saiu gritando nua pelo alojamento, pulando feito uma louca, e tentando se
livrar daquelas coisas asquerosas coladas sobre o corpo dela. Quem poderia ter feito tal
coisa?
“_Maaaaaaaaaaaaax...Gritou o Sérgio.”
“_É, acho, que me descobriram!” Pensei.
“_Não me diga que não foi você!” Ele disse espumando pelo canto da boca.
“_Estamos no meio do mato, isso é tão comum por aqui.” Tentei me defender.
“_Só na mala da Sandra? Todas elas resolveram fazer uma reunião na bolsa dela?”
“_Sei lá, não entendo nada de perereca.” Respondi com a cara mais lavada do
mundo.
Sobrou um cascudo na minha cabeça seguido de uma ameaça:
“_quando chegar-mos em casa, conto para o pai e para a mãe e ele vão decidir o que
fazer com você.”
Mas não teve jeito, dentro de meses estava eu todo arrumadinho, sentado no banco
da Igreja Metodista Central de Piracicaba, na cerimônia de casamento de Sérgio e Sandra,
que desde aquele dia, passou a se chamar: Sandra Dayse de Camargo Nascimento dos
Santos, eu imagino que uma folha só foi pouco para escrever um nome desse tamanho, mas
sei que foi assim que ficou.
A igreja construída no século passado por uma missionária americana chamada
Martha Watts, tinha um estilo arquitetônico impar. Com tijolinho a vista e bancos de
madeira no mesmo estilo dos usados cinemas e teatros antigamente, seus encostos
dobravam quando a pessoa se levantava, ficando compacto ao encosto.
Por fim, casaram, mas dessa vez foi a chuva que pregou uma peça, pois começou a
chover tanto, que a Sandra demorou mais que qualquer noiva que eu conheço para sair do
carro, que estava estacionado em frente da igreja, entre a Avenida Governador Pedro de
Toledo e D. Pedro I, de frente para o Mercado Municipal de Piracicaba. A chuva foi tão
severa, que cada trovão balançava os bancos da igreja, produzindo um som horripilante.
Mas o pior ainda estava por vir, pois contrataram um Buffet da Vila Rezende, do lado de lá
do Rio Piracicaba, rio esse que resolveu encher até inundar a ponte, a única que ligava o
bairro ao centro. Como diz a canção popular: “O Rio de Piracicaba jogou a água pra fora”!
29
Então, meu pai indignado, organizou uma comitiva para comer pizza no Galo de Ouro,
Pizzaria tradicional da cidade, que deixou de existir no ano de 2007.
Sem o Sérgio em casa, eu me tornei o único filho. Tudo passou a ser só meu,
inclusive a atenção dos pais, mais Sérgio ainda era a referência cristã mais próxima, pois
minha mãe não sabia ensinar a andar com Deus, Sérgio sabia e fazia muito bem, me levanto
em toda e qualquer atividade da igreja, o que me levou a ver coisas que nunca esquecerei
em minha vida.
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Capítulo 7
“As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiu ao
coração do homem são as que Deus preparou para os que o amam.”
1 Coríntios 02:09
Era rotina para aquele grupo. Sempre que se encontravam em nome do Senhor,
algo sobrenatural acontecia. Mas tudo isso tinha um porque viviam em tempos difíceis para
a igreja, pois na sua maioria tradicionais, as igrejas discriminavam os chamados
“carismáticos”, que receberam esse nome devido a forma de adorar, usando instrumentos
musicais como violão, bateria, guitarra e contra-baixo; mas também pela forma da
adoração, livre, espontânea, e marcada muitas vezes pela manifestação sobrenatural do
Espírito Santo, com línguas estranhas, sinais e maravilhas.
Sérgio ainda não era pastor, pois fora expulso do seminário teológico em São Paulo,
por ser acusado de carismático, o que o tornara um risco para a igreja. Mesmo assim, voltou
para Brasília, e continuou o seu chamado, mesmo sem nomeação e a conclusão do curso de
teologia.
Liderava o grupo de mocidade da igreja e organizava retiros espirituais, onde os
tradicionais da igreja jamais iriam. Levavam seus instrumentos, e aquilo realmente era um
retiro espiritual, pois todos que ali estavam, corriam o risco de sair de suas casas, ir para o
meio do mato buscar a Deus, aceitando as penas que poderiam ser impostas pelos maiorais
da igreja. Intrépidos, avançavam noites adentro, em torno de fogueiras, pois quando muito
tinham um lampião de gás como fonte de iluminação nesses lugares e mesmo assim
adoravam com o coração em brasas.
Eu navegarei no oceano do Espírito
E ali adorarei ao Deus do meu amor
Eu adorarei ao Deus da minha vida
Que me compreendeu sem nenhuma explicação
Espírito, Espírito
Que desce como fogo
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Vem como em pentecostes
E enche-me de novo
Era lindo de ver, como estavam apaixonados, como amavam aquele para quem
cantávamos estas canções.
Cantai ao Senhor um cântico novo
Cantai ao Senhor todas as terras
Cantai ao Senhor, Bendizei o seu nome
Proclamai a sua salvação
Anunciai entre as nações a sua glória
E entre todos os povos as suas maravilhas
Porque grande é o Senhor e mui digno de ser louvado
Mais temível do que falsos deuses
Glória e majestade estão diante Dele
Força e formosura no seu santuário
Dalí a pouco começavam as manifestações de amor para com aquele povo também.
Línguas estranhas eram derramadas, Gente chorava, outros gemiam, alguns poderia ver a
presença de anjos ali a olho nu, outros tinham suas restaurações dentarias trocadas por ouro,
ouro também caia dos instrumentos, azeite pingava da mão de alguns e assim era até
amanhecer o dia.
Não conseguiria esquecer essas coisas nem em cem anos, pois era a manifestação
viva do poder de Deus, assim como se Ele quisesse ser visto, ser achado, Ele se
apresentando ao povo que o desejara.
Sérgio logo foi convidado para ser ministro leigo, e as igrejas que assumia logo
cresciam. Ceilândia Sul, Planaltina, Uberaba, Goiânia e Poços de Caldas em Minas Gerais,
onde se encontra hoje, vinte e cinco anos depois. Completou tardiamente o curso teológico
depois de mais de uma década, indo para São Paulo de tempos em tempos para a conclusão
do curso. Mas o sucesso não vem dele, mas daquele que ele conservou ao seu lado, e não
deixou a chama se apagar, mas a manteve, em tempos de paz, em tempos de angustia e em
tempos de horror. E eu admiro seu ministério até hoje, pois em meio a tantos homens frio,
em meio a uma denominação que na maioria das vezes foi considerada fria e sem poder,
para cumprir o temos de seu fundador John Wesley, que chegou a citar o trecho seguinte
em um dos seus sermões:
“Não tenho medo de que o povo chamado Metodista um dia deixe de existir, tanto
na Europa como na América; mas tenho medo que exista somente como uma seita morta,
tendo forma de religião sem o poder.”
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Wesley disse isso, no dia 06 de Agosto do ano de 1776, conforme fora encontrado
em um dos seus diários.
O seu medo em parte se cumpriu, mais ainda existem alguns dispostos a mudarem o
jogo, e atraírem novamente a presença do Pai aos templos das nossas igrejas nos dias de
hoje.
Pastor Sérgio teve que alterar a rotina de sua igreja, aumentando os cultos
dominicais de um para três, para suprir a assistência aos cultos. Que toda honra e glória seja
dada a Deus, que exalta os que são humilhados.
Porém, para mim a adolescência era dura demais, pois mesmo vivendo em meio a
presença de Deus por todos os lados e sentindo aquele cheiro maravilhoso oriundo dos
bancos da nossa igreja, os juvenis e adolescentes de minha época vinham de lares bem mais
prósperos que o meu. Na sua maioria eram parentes de ministros, juízes, deputados;
esbanjavam seus bens em conversas que mantinham com o grupo; porém mesmo tendo
muito boas, eu não tinha um berço de ouro e muito menos um nome que me fizesse fazer
parte do grupo, então, pouco a pouco foram me expurgando, como quem tange uma barata
de dentro de casa. Foi assim que me senti com meus doze anos de idade.
Foi aos poucos perdendo a graça, ficando sem amigo, pois na sua maioria, me
gelavam quando eu entrava na roda ou quando passavam por mim em um dos corredores da
igreja. Porém me lembro do último evento que participei na cidade de Presidente Prudente
no estado de São Paulo, na eleição da nova presidência dos juvenis.
As reuniões eram enfadonhas e realmente não tinha nada divino em tudo aquilo,
mas foi no retorno, dentro do ônibus, que ouvi Deus falando pela última vez antes que eu o
deixasse.
Alguns quilômetros rodados, algumas horas de viajem e a noite já havia adentrado,
mas eu não conseguia dormir, estava inquieto mas sem motivo aparente, um comichão me
pegava cada vez que tentava dormir. Foi então que eu pedi permissão ao motorista para
entrar na cabine, pois ele era p único acordado além de mim naquele ônibus:
“_Motorista, eu te atrapalho se ficar aqui ao seu lado vendo a estrada?”
“_Nada, que é isso, vai ser bom ter um companheiro de madrugada para conversar
um pouco, não é?”
“_Claro, eu estou sem sono e não tenho ninguém para conversar comigo.
“_Você é cristão?”
“_Todos nesse ônibus somos e viemos aqui para uma reunião muito importante para
os Juvenis. Elegemos uma nova diretoria.‟
“_E tudo correu bem?”
“_Acho que sim, não participei de quase nada.”
“_Não era interessante?”
“_Sim, mas eu é que estou me sentindo um pouco estranho em relação ao grupo e a
igreja.”
“_Está perdendo a fé?”
“_Não sei direito, pode ser que sim.”
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“_Vou lhe contar minha história de vida, e de como tudo começou, quando eu tinha
mais ou menos a sua idade.”
Daí, o motorista daquele ônibus, que também era pastor e tinha um programa de
rádio em sua cidade, começou a testemunhar ali naquela cabine daquele ônibus, como se
desviara dos caminhos do Senhor e como se arrependera de ter vivido longe de Deus; como
tal afastamento deixou marcas em sua vida, na sua caminhada até ali, mas também de como
Deus havia sido bom com ele e conheceu sua esposa, como recebeu o chamamento
espiritual e como se dedicava a amar a Deus hoje, firme na estrada da fé.
Nada daquilo me convencia nem um pouco, pelo contrário, me fazia pensar em
como seria me tornar jovem, me casar e continuar vivendo o resto da minha vida perto de
pessoas tão frias e sem vida, apesar de que entre aquelas garotas existia uma que fazia meu
coração bater diferente, Daniela era seu nome, e realmente gostava dela. Cheguei algumas
vezes me esconder atrás de árvores na porta da escola dela só para vê-la passar. Ligava para
a casa dela algumas vezes, mais nunca tive coragem de me identificar, apenas escutava sua
vós e desligava com o coração quase saindo da boca.
Mas a conversa foi divertida, mesmo que tenha começado com tom de
confessionário, mas me marcou de alguma forma, algo ficou no meu coração, foi quando
ele falava de como conhecera sua esposa, sobre seus filhos e de como é bom ter uma
família, aquilo mexeu comigo, principalmente quando ele disse que somente Deus poderia
dar tais coisas ao homem, pois tudo vinha dEle.
Eu era um adolescente preocupado com o futuro, pois naquela época, me sentia o
próprio patinho feio, mais era como se todas as moças que passassem por mim, sentisse
repulsa. Eu realmente estava passando por mudanças drásticas em minha vida, pois cresci
rápido demais, calçando 45 e tendo 1,92m, com uma curvatura imensa na coluna,
engordando bastante, sem falar das espinhas e outras mutações que deixariam qualquer
pessoa com a estima lá em baixo, mas eu nem tinha estima nenhuma, estava arrasado
comigo mesmo e com isso, os sonhos de futuro passaram a se transformar em medos.
Nesse período eu me tornei um ser absolutamente apaixonável. Apaixonava louca e
desesperadamente e me entregava a essas paixões, mas com a estima em baixa, eu nunca ia
até as moças para dizê-las o que sentia, mas apenas as observava de longe, nunca me
aproximava. Era assim, até me apaixonar por outra e assim sucessivas vezes,assim fui me
isolando das pessoas e do mundo.
Meu pai achava que eu deveria estudar no Plano Piloto, onde as escolas eram
melhores, quem sabe lá eu poderia aprender um pouco. Falava assim se referindo ao fato de
eu ter repetido de ano na terceira, quinta e sétima série e só tinha notas abaixo da média.
Assim aconteceu, e fui estudar no Colégio JK, na Asa Norte. E eu gostei muito, pois
logo que cheguei achei um bocado de figuras esquisitas em estado de mutação assim como
eu e que não me rejeitaram, pois tinha ricos, pobres, medianos e todos se respeitavam,
diferente de como era na igreja.
Ligadão, Armênio, Tobias, Dani Beth, Tragédia, Cid, Dani Mansur, Denise.
Amizades que me fizeram me sentir melhor, pois nos unimos de tal forma, que
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estudávamos juntos, chorávamos juntos, nos iniciamos nas drogas juntos, pulávamos o
muro da escola juntos e íamos para o Bar do Ceará na sexta-feira para comemorar o dia
internacional da “matação de Aula”, como diziam meus novos amigos. Jogávamos truco,
fumávamos cigarro e bebíamos até cair, depois escolhíamos a casa de um, onde todos iam
matar a fome, tirar um cochilo e logo tínhamos força para um segundo round.
A coisa se tornou tão séria que não nos separávamos nem nos finais de semana. Ai
começamos a estudar música e teatro na escola, talvez para ficarmos mais tempos juntos e
quando acontecia de algum de nós se apaixonar por alguém da turma, ignorávamos o
sentimento, pois éramos uma irmandade e tínhamos que ser assim sempre. Nossa fidelidade
um ao outro chegava a limites que eu jamais vira dentro da igreja, estávamos dispostos a
apanhar uns pelos outros, a morrer uns pelos outros se fosse preciso; Quando um de nós era
ameaçado por alguém ou por uma gangue da região, todos nos reuníamos e resolvíamos o
problema juntos, se fosse pra apanhar, apanharíamos juntos.
Aprendi a fazer tatuagem e fiz artesanalmente minha primeira maquina, usando uma
lapiseira 0.5, uma agulha e um motor de carro de brinquedo, com tinta Nanquim, eu tatuei
meu primeiro amigo, com as patas do Chacal, como fui apelidado pela turma.
Logo, Cid que era punk convicto e seguidor fiel dos escritos de Bacunim, Jean Paul
Sartre, Albert Camus e toda a literatura que considerava anarquista e Catequisava toda a
turma com sua ideologia de um mundo sem fronteiras, onde não existisse mais a
necessidade de polícia, nem de liderança política, pois na concepção utópica do Movimento
Anarcopunk, nenhum homem deve exercer autoridade sobre o outro, pois somos todos
iguais e ninguém é maior e melhor que ninguém; bonito na teoria, mas fico imaginando um
país como o Brasil assim, coitado dos moradores de Rio e São Paulo. Mas na época tudo
isso era encantador e me atraiu para algemas de morte, pois entrei de cabeça. Como dizia
uma canção punk: “Anarquia é utopia, faça uma todo dia”.
Moicano na cabeça, um enforcador de cachorro no pescoço, roupas pretas e uma
cara de “rebelde sem causa”, esse passou a ser meu novo visual; as músicas passaram a ser,
Sex Pistols, Dead Keneds, Inocentes, Exploited, Bad Religion e The Clash. E mais alguns
amigos novos entraram para a turma: Verme, vindo da Bahia para o DF em favor da causa
do movimento, Angelo Macarius, afilhado do músico Luiz Melodia e filho do guitarrista de
sua banda Renato Piau, Leleco e Bruxinha do Guará, P.A de Sobradinho e uma infinidade
de outros que iam se achegando à nossa irmandade.
Em sobradinho, nos reuníamos com outra turma muito estranha em uma chácara a
beira da BR 101 que funcionava como bar e casa de shows denominada Pamonhas e
Batatas, local esse onde aconteceu o Roconha, Citado na música Faroeste Caboclo do
Legião Urbana e lá conhecemos uma galera que na fachada eram exotéricos, buscavam o
nirvana, mas para isso usavam todo tipo de anfetamina e chás alucinógenos possíveis, até o
chamado Santo Daime. Os caras eram esquisitos e se autodenominavam vampiros. Alguns
diziam de primeira que adoravam ao Demônio, porém, na sua maioria escondia, negando
até o fim e dizendo que esse papo era barra pesada.
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Esses caras também iam à auto Paraíso, que ficava incrustado no interior de Goiás,
em meio a Chapada dos Veadeiros, conhecido mundialmente por ser considerado o centro
da magia do planeta, o paralelo 21 e também um lugar comum para aqueles que tinham
simpatia com ETs e OVNS. Ali participavam de várias seitas orientais, asiáticas e outros
em busca do ocultismo.
Obscuramente me senti atraído pelo ocultismo, apesar de que mesmo entre o povo
que praticava tais coisas, assumir-se um ocultista gerava certo preconceito, mas estava certo
de que queria aquilo e seus seguidores me encheram de literatura de ordem mágica,
começando pela branca, chamada por eles de Wicca, e pouco a pouco chegando a chamada
negra. Tudo se misturava, um pouco de literatura Hare Crishna, um pouco de Osho, alguma
coisa do Tal chinês, meditação transcendental, incensos aromáticos, espelhos, cristais,
tabuas de Oija, pêndulos, consulta aos mortos, até práticas do candomblé e Umbanda, tudo
junto, como uma preparação para o que viria, algo maior para amarrar minha vida de vez.
Como diz o salmista:
“Um abismo chama outro abismo, ao ruído das tuas catadupas; todas as tuas
ondas e as tuas vagas têm passado sobre mim.”
Salmos 42:7
Eu não tinha medo, porém tinha consciência de Deus, sabia que estava indo longe
demais e que se morresse naquela situação, não teria a salvação, mas estava estranhamente
atraído e não tinha explicação, apenas eu queria ir e fui.
Quanto mais eu conhecia, mais queria, mais desejava, mais buscava por pessoas que
tinham conhecimento no assunto para poder conhecer um pouco mais. Nada me pediam em
troca, apenas que houvesse segredo e que eu nunca ensinasse aquilo a mais ninguém e que
não induzisse mais ninguém por aquelas veredas, pois eram sem volta.
Conheci pessoas ilustres, funcionários do governo, gente do poder, antropólogos do
CNPQ, militares e tudo mais que pensarem, porém tinha consciência que estava perdendo
minha alma. Mas era tão fascinante e a maioria deles falavam de Deus no começo, depois
iam mudando cada vez mais, até se revelarem rude e frios, sem a aparência de bons que
mantinha no início. Até que conheci um homossexual bem estranho, alguns diziam que ele
tinha um pacto com um diabo e que guardara sua alma em um espelho, quando a policia
chegava para pegá-lo, testemunhas afirmam que virava um gato, subia no muro e
desaparecia.
Essas histórias povoavam aquele ambiente cheio do cheiro do mal, foi até que o
diabo começou a se apresentar, mostrando sua face. E a primeira vez que o vi, foi quando
eu e Macarius saiamos de uma festa e seguíamos a noite pelas ruas de Sobradinho, nesse
tempo ainda haviam muitas ruas sem iluminação, e esse lugar por onde passávamos era
uma dessas ruas sem nenhuma luz. Meu interior se encheu de medo, podia escutar meu
coração batendo forte dentro do peito, tal era a descarga de adrenalina que envenenava
minhas artérias. O lobo me olhou, e seus olhos acenderam como duas bolas de fogo e
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virando de costa, caminhou no sentido contrário até sumir totalmente. Brasília tem muito
lobo Guará, mas esse parecia aquele arrancado dos livros de vampiros, era um lobo cinza e
preto, era bem peludo, mas seus olhos eram maiores do que o de qualquer animal
conhecido pelo homem.
O próximo passo depois de minha simpatia com o mal, foram acontecimentos
sobrenaturais inesperados, onde eu entrava, uma lâmpada se apagava, quando caminhava na
rua os postes iam apagando conforme eu passava por baixo deles e depois iam acendendo
quando me afastava. Fiquei com temor daquilo e fui procurar meus mentores para me
ensinar como fazer para me livrar daquilo e me disseram que não tinha jeito, pois eu era um
escolhido e teria que desenvolver meus dons, pois não havia como fugir daquilo, apenas
aceitar o meu “chamado”.
Quão longe eu havia ido? Longe demais dos olhos do meu pai, no terreno do seu
inimigo.
Nesse tempo fui a um show da banda de um amigo e lá, dentro da boate onde
estavam tocando, conheci uma moça muito bonita. Era como uma miragem. Cabelos negros
como a noite, olhos bem negros que pareciam feitos de vidro e bem acesos, contrastando
com sua pele branca. Estava em um vestido indiano e tinha um sorriso que me deixou
prostrado, babando. Diferentemente do que sempre acontecia com as moças, essa veio em
minha direção e sentou em minha mesa, sorrindo derramou a voz doce como de um ser
angelical:
“_Você é o Shakal, não é?”
“_Sim, sou eu, como sabe?”
“_Eu te observo já à muito tempo.”
“_Mesmo?”
„_Sim, faz tempo que quero te conhecer, hoje finalmente estamos aqui
conversando.”
Rimos muito aquela noite, parecia um sonho. Eu não queria que aquela noite
acabasse nunca, mas chegou à hora de ir, pois ela viera com seu irmão que também era
músico e participava do mesmo grupo que eu, apesar de não termos amizade até então, e ele
estava de saida. Na despedida ela perguntou se eu poderia levá-la para casa e é claro,
aceitei.
No dia seguinte, ela me ligou, perguntou sobre um certo livro, se eu poderia para
emprestar e respondendo positivamente, me ofereci para levar em sua casa. Quando
cheguei, percebi que ela não estava sozinha, mas com uma vizinha que logo deu uma
rizadinha ao me vir, como se estivessem falando de mim já a muito tempo antes de eu
chegar.
Ela pediu para amiga nos deixar a sós.
Eu não estava ali apenas por causa do livro, apesar de ser nítido que ela estava
envolvida com ocultismo até os olhos e o livro ser de grande interesse também, o prato
principal era nada mais nada menos do que eu, o desprezado, o excluído que ninguém
queria. Eu pela primeira vez na vida senti um calorzinho vindo do ego que dizia:
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“_É, o patinho feio está virando um Cisne Real!”
Ela foi direto ao assunto, sem rodeios:
_Tem uma coisa que eu desejo fazer a muito tempo, desde a primeira vez que eu te
vi, mas será que você vai deixar.
E eu sem saber o que era, mas desejando que fosse um beijo, disse:
”_Claro, faça o que quiser!”
E saltando em minha direção, me beijou. Foi um beijo longo e duradouro, eu
desejava que aquele momento não acabasse jamais, poderia ficar ali o dia inteiro sentindo
aqueles lábios tocar os méis. Eu estava enfeitiçado e não sabia.
Começamos a namorar naquela tarde e descobrir juntos as artes mágicas e os
segredos do ocultismo.
Ela confessou que fazia algumas oferendas para uma cigana, levava alguns
perfumes, batons e esmaltes. Mas eu nunca havia participado de macumba, já fora direto
para cume da montanha, sem passar pelos valados, mas não fazia idéia de que esses
presentes eram para amarrar minha vida.
Em busca de liberdade, eu estava a cada sendo mais preso em cadeias que eu não
imaginava como eram impossíveis de sair delas. Deixei para trás minha história, a salvação
e o Deus que me amou desde que nasci, para buscar poder, pois era exatamente esta a
sensação que eu sentia. Poder, para dominar sobre os que tinham me humilhado, sobre os
que outrora me haviam rejeitado, sobre os que me feriram, mas principalmente sobre as
mulheres que sempre me rejeitaram. Agora eu me aninhava no colo de uma estranha e
entregava minha vida a dela em troca de alguns afagos, mas meu coração estava cheio de
orgulho de mim mesmo. Ela era a moça mais bonita que eu conhecera.
E foi em busca desse amor que eu sonhara toda uma vida que me deixei envolver no
esquema mais prejudicial para minha vida e imagem até aquele dia. Pois a mãe dela me
odiava desde o dia em que fomos apresentados e eu também, se tivesse uma filha que criei
e amei com todo carinho e visse aos beijos com um camarada com aquela aparência, faria a
mesma coisa, claro. Então cada vez que sabia que tínhamos nos encontrado, dava uma surra
nela. Mas a última, tinha deixado a pobre com o olho roxo, a mãe trancou portas e janelas
da casa, deixando a cárcere privado. O irmão via tudo e ficava calado, pois não queria
enfrentar a mãe por minha causa, o que a forçou a tentar uma fuga, conseguindo arrombar
uma janela, fugiu e foi bater na porta de minha casa.
Lógico que eu a acolhi, afinal, ela estava fazendo isso por minha causa, me sentindo
o maior de todos os cavalheiros do mundo, como se eu estivesse demonstrando meu amor
dessa forma. Mas em poucas horas a primeira viatura de polícia parou na porta de minha
casa, tocando a campainha, aguardaram que eu abrisse a porta, mas não fui eu e sim minha
mãe. Com isso ganhei tempo para levá-la para o fundo do quintal de casa, para que ela
saísse pelos fundos. Mais tarde quando a polícia já havia ido embora, entramos novamente,
indo para meu quarto que era fora da casa.
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Ela dormiu em meu quarto, que na maior parte do tempo um depósito de
ferramentas de meu pai, mas desde que me rebelara, deixei a convivência com a família
dentro da mesma casa e me mudara para o barracão ao lado.
Pela manhã fui para a escola com ela, mas ao chegar lá, percebi a movimentação de
uma gente estranha que acreditei ser da polícia, então pedi a ela que fosse andar nas
mediações da escola, enquanto eu entrava, assistia a aula como se nada tivesse acontecido e
depois, me encontrava com ela naquele mesmo local. Ela topou e fui para a sala, certo de
que estava dando uma despistada naqueles homens, que provavelmente eram frutos da
nossa imaginação causada pelo medo do momento.
Estava tão cheio de adrenalina que nem mesmo conseguia olhar para o quadro.
Naquele dia, eu nem me lembro de ter entrado na sala, mas sei que fui.
No fim da aula nos encontramos. Tobias, que era filho de um funcionário de auto
escalão do Banco do Brasil, me hospedou em sua casa e sua namorada levou Paula consigo,
lhe emprestando roupas e dando-lhe a atenção intima que uma mulher necessita, enquanto
eu vestia roupas de Tobias, que naquele tempo usava roupas maiores que a minha, o que
ficava um espetáculo em mim. Eu parecia um Grunge com aquelas roupas, mas estávamos
todos no fundo nos divertindo com toda aquela situação, exceto quando apareceu o rosto
dela no noticiário local.
Meu mundo caiu, eu precisava de ar, estava mudando de cor de tanto nervoso,
descemos para o pilotis do apartamento de Tobias, eu e ele fomos fumar um cigarro,
enquanto me dava a notícia que não poderíamos mais ficar ali.
Naquela noite, meu amigo me emprestou um poncho, eu e ela entramos em baixo
dele e sentados em uma praça, que serviu de quarto para nós naquela noite. O frio nunca
tinha sido tão forte, mas a emoção de estar ali, ao lado dela me aquecia.
Ao rememorar o fato, veio me a mente um ditado antigo que dizia: “_O diabo é o
tipo amigo da onça, ele dá com a colher e tira com a concha.”
Era exatamente o que eu estava vivendo. Tinha a mulher que desejara por toda a
minha vida, mais tinha um preço a ser cobrado, como todas as coisas que vêm das mãos
dele.
Ao tentar achar um solução, lembrei de minha mãe biológica, que morava em uma
cidade de Goiás e lá a polícia do DF não iria atrás de nós. Então, quando o dia amanheceu,
pegamos um ônibus com uma grana que emprestei de Tobias e fomos para a Cidade
Ocidental.
Chegando lá, minha meia irmã Patrícia que tinha Síndrome de Dawn e nessa época
tinha uns doze anos de idade, correu me abraçar, demonstrando sua alegria em me ver ali.
Quando Neusa me viu, estranhou minha presença, ainda mais com aquela moça bonita ao
meu lado o que não era comum. Então entramos e contamos os fatos e ela nos acolheu, com
um porém, ao sair de lá, deixássemos sua identidade anônima quanto ao fato. Ela tinha se
enrolado até o pescoço sem saber. Dias depois estaria dando esclarecimentos em uma
delegacia de policia.
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Ficamos lá por algumas semanas, vivendo como um casal, pois durante o dia só
ficávamos nós e a baba da Patrícia, a casa era nossa, até quando ela chegava do trabalho a
noite, ai nos comportávamos um pouco mais, na maioria das vezes saíamos passear, dar
uma volta na cidadezinha, que nessa época nem cidade era, mais ainda pertencia a
Luziânia.
Foi quando uma bela tarde, meu pai Valfrido chegou à porta e junto com ele estava
o Sérgio.
“_Entra no carro que eu vou te levar para a delegacia.” Disse meu pai com voz de
autoridade policial.
“_Mas eu não posso, vou ser preso.”
“_Você vai ter que ser homem para enfrentar o que começou, o meu papel é acabar
com essa guerra psicológica, pois sua mãe não agüenta mais ser abordada por policiais na
entrada de casa e ter o telefone tocando o dia inteiro, do outro lado pessoas fingem ser seus
amigos, mas sabemos que é a polícia. Nossa casa está vigiada pela frente e pelos fundos e
na cidade todos dizem que foi um seqüestro.”
E nos colocando no seu carro, nos levou para a DCA (Delegacia da Criança e do
Adolescente). Paula tinha quatorze anos, embora parecesse uma mulher de vinte e eu tinha
dezessete e faltavam poucos dias para ficar maior de idade.
Chegando lá, nos separaram. Ela saiu abraçada com uma psicóloga, enquanto eu fui
trancado em uma salinha com um policial, que iniciou sem perda de tempo as ameaças.
”_Olha, eu acho bom você ir colaborando comigo, pois existem celas lá atrás cheias
de marginais perigosos, que vão amar receber você para ser a “namoradinha” deles hoje.”
“_Eu não posso ser preso, conheço os meus direitos.”
“_Conhece, é? Então deveria conhecer suas acusações, pois a menina que você
seqüestrou, tem apenas quatorze anos e é considerada pela lei incapaz, e não responde por
seus atos, mais você logo vai fazer dezoito e já é quase um adulto e posso lhe segurar aqui
por estupro, seqüestro, aliciação de menor ao uso de álcool e entorpecente, sem falar que
posso também mandar prender seus amiguinhos que fizeram o primeiro cativeiro e sua mãe
(se referindo a Neusa) que também é proprietária da casa que serviu como segundo
cativeiro. Ou não foi assim que aconteceu?”
“_Não, não foi nada disso!”
“_Foi assim que sua namoradinha declarou em seu depoimento.”
Me senti tremendamente traído, ainda mais quando vi ela saindo abraçada com sua
mãe, com uma cara de coitadinha, chorando, enrolada em um casaco que era meu, abraçada
à cintura de sua mãe e eu lá, sem saber o que fariam comigo, jogado à sorte, abandonado
por todos, menos por Sérgio, que foi lá, encarou a polícia e não permitindo que me
fizessem nenhum mal.
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Capítulo 8
“De maneira nenhuma te deixarei, nunca, jamais te abandonarei.”
Hebreus 13:05b
Eu não sabia, mas Deus já tinha algo preparado nesse tempo para minha vida. E
não sabendo, me revoltava mais ainda, acreditando que estava a míngua. Me sentindo
abandonado por minha família, assim como por Deus, pois como nada sobrenatural estava
acontecendo, achei que Deus não estivesse se mexendo, mas Ele trabalha enquanto
dormimos, no turno da noite, quando estamos despercebido.
Foi ai que me enveredei mais ainda nas drogas, e para sustentar o vício, passei a
fazer pequenos furtos. O primeiro deles foi uma bicicleta Caloi Ligtht, com peças de
alumínio, da qual eu e um comparsa vendemos e fizemos um estoque de maconha em
minha casa, logo depois passamos a vender para os conhecidos. Assim começamos nosso
tráfico particular. Chamaria hoje de Micro Empresa, o que logo foi se expandindo, fazendo
negócio com um traficante local, e pegando droga dele para revender como avião. Nunca
fui traficante de verdade, apesar de que a fama era terrível, porém o mais gostoso desse
livro é que Deus colocou no meu coração para narrar minha história sem dar glórias ao
crime ou ao satanismo, mas a Ele. Quando estamos no mundo, temos a necessidade de
potencializar as coisas para que crie grande efeito comovente, mais não quero de maneira
nenhuma dizer uma virgula que não seja verdade. Estou cansado de ouvir CDs de
pregações e testemunhos sobrenaturais, de gente que fez o que ninguém fez, com penas de
duzentos anos, o maior traficante, o maior macumbeiro, mas eu quero deixar aqui apenas a
história do filho da Dona Maria do Carmo, que estava morto em seus delitos e pecados
mais reviveu. Por isso, toda fama que tive, foi uma cilada, uma forma de satanás amarrar
meus pés, me fazendo temido, respeitado na marra. Eu nunca encontrei a maldade real em
meu coração e quando deitava em minha cama a noite, muitas vezes chorava, pois sabia
que estava caminhando para longe do Deus criador. Eu só não sabia como voltar.
Mais abismos iriam me chamar!
Outro erro que minha família cometeu foi contratar uma empregada de quatorze
anos, que trouxeram do nordeste para trabalhar em casa e que pouco a pouco começou a
servir sexualmente para mim, logo depois para os amigos e colegas que ainda eram virgem
41
ou que não tinham nenhuma experiência sexual, todos tinham sua oportunidade com ela, e
eu ia me tornando mais popular e rodeado de amigos como em nenhum tempo dentro da
igreja eu tive.
A moça do início do capítulo, na qual prefiro me reservar a não citar nomes para
poupar a imagem dela reapareceu, estava em um show em que trabalhei como segurança,
nosso contratante era a Luck Like produções, que nessa época tinha na manga uma grande
trunfo, uma banda local formada por alguns rapazes da cidade, os Raimundos, banda essa
que misturava o Forro nordestino, trazido no sangue do Rodolfo, líder da banda nascido na
Paraíba, e o Hard Core de Digão e Caniço, sendo batizado de Forrócore, que por sua
explosão de sons, alucinavam as pessoas que ouviam. Hoje me alegro em poder ouvir
Rodolfo Abrantes totalmente convertido a Cristo, Deus o chamou para a luz a alguns anos.
Primeiro a tal moça me pediu um trago em meu cigarro, mas me fiz de durão e dei
um novinho que peguei no bolso, mas ela sorrindo apontou para o meu, que estava em
minha boca. Levei o meu cigarro até sua mão, ela sorriu, mostrando nos dedos os anéis que
Neusa havia dado para ela em nossa fuga. Eu nunca mais a tinha visto, primeiro por medo
da polícia e depois porque ela foi mandada pela mãe para um colégio interno Adventista em
Anápolis e as poucas vezes que me correspondi com foi por carta, usando o pseudônimo de
Elias Pão, um amigo conhecido da família, que de costume se comunicava com ela sem que
a família percebesse, muito menos a direção do colégio que abria e lia cada carta que lá
chegava.
Meu coração ficou gelado, pois eu tinha um sentimento verdadeiro pela moça, mas
já havia sofrido tanto nessa ária de minha vida e tentei ao máximo reanimar aquilo que já
estava morrendo pelo passar do tempo e por auto-defesa também. Mas ela se lançou em
minha direção para pegar o cigarro e me beijou, sem que eu pudesse esboçar qualquer
reação.
A vi mais uma vez no Pamonhas e Batatas, mas ela estava com um amiguinho do
colégio interno para passar o natal em casa e notei um clima meio estranho entre os dois,
mas ela jurou que ele só veio porque não tinha família e queria passar as festas com
alguém. Mas na virada de ano novo foi realmente nosso último encontro, pois logo depois
ela começou a namorar com um cara que nunca tinha escutado falar seu nome, mas eu
mesmo assim, não quis mais vê-la, embora realmente soubesse que sofreria muito, pois a
moça tinha virado minha cabeça. O cara era um traficante de verdade, filiado a uma facção
criminosa bem conhecida no Brasil. Depois disso ela namorou um amigo meu de infância,
daqueles que são mais chegado que um irmão, eles tiveram um filho, viveram mais ou
menos uns cinco anos juntos, se separaram e depois ele faleceu em um acidente de moto
inexplicável. Ele um ciclista de renome, também era bombeiro, e competia por todo o
Brasil. Ele foi um dos amiguinhos da infância que me levava para a escola dominical de sua
igreja. Porém, morreu desviado dos caminhos do Senhor, e talvez possa ter sido vitima de
um trabalho de feitiçaria, pois com a destreza que tinha, jamais morreria por colidir sua
moto com um barranco de terra no caminho de casa, no mesmo lugar que por toda a nossa
infância passamos de bicicleta, na tal BR 101.
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Anos depois, fui a casa dela em virtude do enterro de sua mãe, que veio a óbito de
uma forma muito estranha, pois bateu a cabeça dando comida para o cachorro e horas
depois estava morta. Eu, porém, não mais a vi, só vi de relance passando em um carro
vermelho, mas assim como entrou em minha história, se foi, sem deixar rastro.
Depois disso virei um cara realmente cafajeste com as mulheres. Usava e depois
jogava fora, como se fossem descartáveis, tomando todo cuidado para nunca mais ter
nenhum sentimento que me fizesse passar por tudo o que já tinha vivido sentimentalmente
até ali, não queria mais ser trapaceado, preferia daquele momento em diante apenas e
divertir por alguns momentos, embora a meta íntima e secreta de meu coração sempre fora
ser feliz, amar uma mulher de verdade e viver com ela pelo resto de minha vida.
A minha fama correu em Brasília, mesmo eu não sendo nada e nem fazendo nada,
porém, todos pareciam me olhar com temor onde eu passava. Até mesmo os amigos de
infância que me conheciam como ninguém, temiam minha presença, mas tudo era só fama,
má fama por sinal, pois eu não era nada daquilo.
Continuei a me enveredar pelo mundo espiritual do mal, comprando as literaturas
proibidas, procurando novos mestres, andando com pessoas que se davam de corpo e alma
para esses demônios em busca de poder. As drogas passaram a ser um desafio em minha
vida, pois cada dia mais eu ia provando algo novo, Chás de todas as espécies, LSD,
anfetaminas, benzidídricos, drogas de inalar, de fumar, de lamber e de injetar.
Cada dia eu me sentia mais e mais triste como se a vida tivesse se esvaído
totalmente de mim, sem nenhuma relação maior com Deus, excerto a lembrança da infância
e o cheiro dos bancos da igreja.
A tristeza parecia corroer todo o meu ser, me deixando esfriar cada vez mais, tanto
como ser humano e como família.
Os amigos já estavam se afastando também, pois todos estavam achando que eu
estava indo longe demais. Aqueles mais fracos, que não usavam nada, que eram tímidos,
filhinhos de papai, eu os transformava em poucos dias em pessoas destemidas, violentas e
viciadas. Quando iniciava mais um, sentia um estranho prazer, como se assim eu costivesse
conseguindo vingar cada dia que fui rejeitado e humilhado. Depois de vicialos, introduzia
alguns no mundo das trevas, levando-os a ter simpatia pelo Príncipe das Trevas, ou
simplesmente despertava a curiosidade sobre a existência de vampiros, o resto eles faziam
sozinhos como foi comigo.
Mas houve uma pessoa que me dói até hoje, chegando a bater um arrependimento
de morte, o nome dela é Daniela, uma grande amiga e depois discípula, levando ela pela
carreira das drogas e por fim, introduzi a Dani no mundo do ocultismo. Até bem pouco
tempo antes de escrever esse livro, eu estive na cidade de Belo Horizonte,onde tive a
grande alegria de me encontrar com ela, chorei quando a vi, hoje ela tem dois lindos filhos,
mas o olhar de tristeza como quem busca algo que não sabe o que é permanece.
Confesso que convivo com meus fantasmas até hoje, pois sei que muita gente está
perdida por culpa minha. Eu tive a minha chance de recuperação, mas eles, na sua maioria
já foram ceifados pela mão negra da morte sem Cristo.
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Não é fácil saber que fui eu quem os aliciou e que hoje não há o que fazer para
reverter a situação dos que já morreram. Porém o Espírito nos dá armas para estar em paz
com esses conflitos, nos usando para levar a mensagem a outra geração após a minha e
assim ganhando almas para Cristo.
Mas nesse tempo em que estava procurando por mentores maiores, conheci um cara
que respondia pela estranha alcunha de “Mentirinha”, porém, nada do que dizia era
acreditado, provavelmente por causa do apelido, mas também porque ele vivia uma vida de
fantasias. Ele não media esforços para que todos acreditassem que ele era o melhor de todos
os caras da cidade, e para isso, tinha teclados, baterias, equipamentos de estúdio. Formou
algumas bandas de rock progressivo (era moda entre os undergrounds da época), se vertia
de preto e pintava os olhos, fazendo um estilo dark, provavelmente para causar mais
impressão ainda. Acredite, ele estava sempre rodeado das moças mais bonitas da cidade.
Quase ninguém dava crédito as suas histórias, exceto eu. E pouco a pouco ele ia
revelando livros que mantinha guardado. Seu padrasto, um antropólogo do CNPQ, fornecia
o caminho para chegar a alguns livros proibidos, outros ele mesmo emprestava para nós.
Entre eles, o manual prático do Vampirismo, mas não o popular escrito por Paulo Coelho,
mas o legitimo, onde era contada a história de alguns grandes vampiros da história e de
como eram feitos os pactos e rituais para se tornar um morto vivo. Eu me apaixonei tanto
por esse livro, que até dormia em cima dele, como se ele fosse um travesseiro.
Me perdi por estas veredas. Começamos a fazer o que aquele e outros livros nos
ensinavam, sejam ritos, pactos ou mesmo jogos de RPG, que era a forma mais ligth de
recrutar novos admiradores do satanismo em forma de brincadeira. Cada dia um novo
lugar, com pessoas diferentes e pouco a pouco amarrávamos nossos pés em grilhões
invioláveis, onde poucos conseguiram sair. Dos que estavam conosco naquela época, foram
sendo ceifados um a um. O primeiro foi um punk chamado Felipe, que mesmo sendo da
turma, morreu pouco antes que eu pudesse conhecê-lo. Ele colocou uma bala no revolver,
pois assim mandava o personagem dos jogos (embora ninguém nunca tenha afirmado isso,
talvez para despistar a investigação policial, mas é bem provável que esse tenha sido o
motivo do suicídio) e atirou contra a própria cabeça, caindo quase morto no colo da Dani
Beth (não era esse o seu verdadeiro nome, mas todas as moças que faziam parte da
irmandade das Beths usavam-no como segundo nome).
Depois, Tobias foi embora com seu pai para morar em São Paulo, pois seu pai tinha
sido transferido pelo Banco do Brasil. Semanas depois tivemos a notícia de seu
falecimento, provavelmente causado por uma overdose de cocaína como relataram na
época. Alguns afirmam tê-lo visto vendendo côco em uma praia da Bahia, mais seu
paradeiro ao certo eu nunca mais soube.
Depois Cid, que foi para o Rio de Janeiro curtir um barato mais forte, como ele
próprio que se dizia a reencarnação de Cid Vicious, vocalista da banda punk Sex Pistols,
até por terem o mesmo nome e a mesma tendência suicida. Cid foi encontrado morto com
uma bala de fuzil plantada na sua cabeça. Foi reconhecido por sua identidade, que estava no
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bolso da calça, pois ficou irreconhecível. Seus parentes estavam muito decepcionados com
ele e já não o procuravam mais.
Ana, que atendia pelo pseudônimo de Bruxinha, foi uma das poucas sobreviventes,
pois foi para São Paulo, se convertendo logo que chegou lá, e passou a viver uma nova
vida, batizando se nas águas e se tornando membro de uma Assembléia de Deus local.
Alguns estavam com AIDS, outros com hepatite C, e assim iam sendo levados por
aquele que tinha suas vidas nas mãos. E sozinho, cada dia mais, me via longe de Deus,
longe dos amigos, longe da família e até longe de mim mesmo.
Eu não saberia exprimir com palavras o vazio que sentia. Sabia que mesmo se eu
me sentasse em uma praça, ou na rodoviária da cidade, onde toda a cidade passa por ali, era
como se não existisse ninguém ou quem sabe uma sensação de ser invisível, pois ninguém
me via de verdade, todos me ignoravam.
Ia a um barzinho à noite, onde todos ou a maioria eram conhecidos, conversava com
muita gente, beijava lindas mulheres, estava com o pessoal das bandas, as vezes com
produtores ou mesmo com os donos dos bares, mas a sensação era de estar absolutamente
sozinho no mundo, ninguém me agradava mais e nenhum assunto me fazia bem. No fim da
noite, me deitava com a moça mais bonita que encontrava, mas depois do sexo, sentia nojo,
desprezava a pessoa, mandava embora, não agüentava nem mesmo olhar na cara. Era como
se eu tivesse me deitado com um animal, ou tivesse beijado a boca de um demônio.
Foi quando a depressão e a Síndrome de Pânico chegaram.
Não conseguia pegar um ônibus, pois o via capotando em minha mente. Não saia
mais de casa, pois sentia que a morte estava a me espreitar o tempo todo. E para dormir,
tinha que fumar muita maconha, caso contrário, ficava acordado a noite inteira, sem
conseguir pregar o olho.
Acordava cansado como se durante a noite eu tivesse caminhado um enorme
percurso. Cheio de olheiras, me sentia um zumbi, totalmente morto, porém ainda vivo. E o
pior é que eu tinha noção de que como todos os meus amigos aviam morrido, o próximo da
lista provavelmente seria eu, o que me deixava mais aflito ainda, pois a criação na igreja
deixava claro para mim o destino que eu teria depois que a morte me levasse.
Foi nessa época que tentei ouvir um disco dos Vencedores por Cristo no aparelho de
som que ficava no meu quarto. Me lembro observar a capa de papelão com a foto do
conjunto, todos de mãos dadas pulando sobre uma grama verde, calças boca de sino,
bigodes horríveis, mas com um sorriso no rosto, expressando uma paz interior sobrenatural.
Tirei o disco de vinil da embalagem e fui em direção ao aparelho de som, quando o
disco foi tomado de minhas mãos por algo que eu não podia ver, se espatifando na parede a
minha frente. Não sobrara nada além de pequenos caquinhos do que antes foram um disco
de música evangélica.
Alguém não queria que eu escutasse aquele disco.
As coisas foram ficando pior depois disso, pois o diabo estava furioso. E não
demorou para começar as mensagens trazida por seus “cavalos”.
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“É meu velho! Você andou mexendo com o que não devia e isso soou como traição.
Eu acho que eles vão matar você.”
Um velho amigo que de certa forma me levou para esse inferno em que eu estava
metido, bateu em minha porta para trazer esse recado, usando um chapéu comum em rituais
de tranca rua, disse:
“_Você é um traidor, e a pena para um traidor você já sabe qual é!”
Sem entender de onde vinham as palavras, mais cheio de uma autoridade que não
era minha, imediatamente devolvi:
“_Maior é o que está em mim do que o que está no mundo!”
E fechando a cara, me dando as costas sem responder a minha frase, ele se foi. Vi
apenas sua silueta saindo pelo portão da minha casa pela última vez.
Eu sabia que a minha vida viraria do avesso, mas queria pagar para ver.
46
Capítulo 9
“Porque fostes comprados por preço; glorificai pois a Deus no vosso
corpo.”
I Coríntios 6:20
Aqueles dias não foram como os outros, de certa forma eu sabia que começaria
uma retaliação contra minha vida, devido à “traição” cometida por mim, que ofendeu o
príncipe das trevas.
Na semana seguinte, segui de cabeça baixa, contando os quadrados das calçadas
como era de costume, tomando sempre cuidado para não pisar duas vezes no mesmo, e sem
ver o que se passava em volta, pois sempre estava absorto em pensamentos muito além
daquela calçada. Seguia rumo a casa de uma família que hoje mora em Woshington D.C
nos Estados Unidos da América, onde o patriarca tem um restaurante de renome lá, onde
servem comida brasileira. Lá, provavelmente aconteceria algum ritual, visto que um dos
cavalos mais usados pelo diabo naqueles dias, uma lésbica carioca, com jeito de homem, e
cara de homem e voz de homem, só era perceptível que era uma mulher devido a saliência
na blusa causada pelos seios. Era balela, se ela estivesse lá, o bicho ia baixar nela e eu logo
saberia o que ele estava tramando contra mim.
Nesse dia, eu tia passado à tarde com uma pseudo namorada, pois eu nunca
apresentei ela como namorada, mas ela parecia gostar de mim, e insistia em estar comigo,
mesmo sabendo que eu ficava com sua melhor amiga logo depois que ela ia embora das
festas. Ela queria ir comigo, então nos encontramos em uma lanchonete antes, comemos
pão de queijo com refrigerante, e seguimos. A escada era íngreme, e dava direto na sacada,
pois era uma sobreloja, comum em Brasília, onde geralmente existe um comercio na parte
de baixo, e residência na parte superior. Chegando lá o diabo já estava manifestado nela, e
como fazia sempre para mostrar sua força, andava em brasas e comia copos de vidro.
De repente, me olhou do nada e começou a falar coisas que iriam acontecer comigo,
e que aquela namorada minha ficaria grávida, que eu passaria um grande aperto com ele
pois mostraria o seu poder em breve, e que eu sairia fugido para outra cidade. Então sem
muita explicação, me virei e fui embora, eu estava cansado disso tudo, queria ir para minha
casa ficar a sós, onde eu poderia tentar achar Deus.
Aquela saudade estava me sufocando, saudade dos tempos em que eu estava feliz, e
que nada parecia poder me tocar. Podia ouvir os cânticos na igreja:
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“Bendito seja o cordeiro
Que por nós na cruz padeceu
Bendito seja o seu sangue
Que por nós pecadores verteu
Sim neste sangue lavado
Com roupas que tão alvas são
Os pecadores remido
Que perante seu Deus hoje estão
Quão espinhosa coroa
Que Jesus por nós suportou
Oh, quão profundas as chagas
Que nos provam quanto ele amou
Sim, nessas chagas há pureza
Para o mais pobre pecador
Porque mais alvo que a neve
O teu sangue nos torna Senhor
Alvo mais que a neve
Alvo mais que a neve
Sim, neste sangue lavado
Mais alvo que a neve serei
Se nós a ti confessarmos
E seguirmos na tua luz
Tu não somente perdoas
Purificas também, oh Jesus
Sim, é de todo pecado
Que maravilhas desse amor
Porque mais alvo que a neve
O teu sangue nos torna Senhor
Alvo mais que a neve
Alvo mais que a neve
Sim, neste sangue lavado
Mais alvo que a neve serei
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Voltei no caminho depois de aguardar com ela o seu ônibus, chorando pelas ruas
com uma saudade imensurável, incapaz de ser descrita. Sentia o cheiro dos bancos da
igreja, e me recordava dos louvores que minha mãe cantava pela manhã sob
acompanhamento da maquina de lavar roupas. Doía, como uma ferida latejante, como um
câncer que não foi extirpado.
Chegando em casa, me tranquei no meu quarto sinistro e obscuro, e tive pela
primeira vez na minha vida um misto de medo e nojo de tudo aquilo. Chorei muito, porque
eu não sabia o que fazer, nem prá onde ir, e muito menos conhecia o caminho de volta.
Foi nesse momento que pedi para que se Deus realmente existisse, se não fosse
coisa da minha cabeça, que Ele me salvasse.
Fui a casa do Leléco, amigo punk, que morava com a sua namorada Bruxinha. Eles
moravam em uma casa alugada no Guará, cidade satélite de Brasília, e tinham uma casa
atípica, cheia de bonecas negras penduradas nas paredes, incenso abre caminho aceso em
toda a casa, e poucos móveis. Lembro-me de ter um ramister chamado Zezinho, uma
geladeira, um fogão, uma TV na sala com um sofá, almofadas espalhadas pólo chão, uma
cama de casal no quarto deles e um guarda-roupa.
Apareceram umas meninas por lá, para um ritual mais pesado, então começaram a
tocar um disco de trás para a frente, e a música era em latim, e o conteúdo era a oração do
Pai Nosso, porém tocada de forma inversa no toca disco.
Coisas estranhas começaram a acontecer, e parecia que eles estavam perdendo o
controle do ritual. Eu porém comecei a flertar com uma mocinha daquelas que acabara de
chegar, e fui com ela para o quarto do casal. Ela logo pegou fogo, e arrancando a roupa,
exibiu seu corpo de menina, que quase não tinha pelos, nem mesmo seios. Mas logo fomos
perturbados por pessoas que batiam na porta, perguntando quem estava lá.
Fomos então para a rua, caminhamos até um poste distante e lá, e naquela esquina
escura, revelamos um ao outro a nossa intimidade. Porém, quando tudo acabou, novamente
senti aquele nojo, como se algo pegajoso, sujo, estivesse sobre minha pele. Não consegui
nem olhar mais nos olhos dela, que saiu aos prantos de lá, deixando apenas um recado com
alguém que encontrou na saída da casa, para que me mandasse um beijo. Eu friamente me
sentia aliviado em ver seus cabelos loiros e cacheados sacudindo ao vento do lado de fora,
indo embora para sempre.
Então mentirinha entrou na sala, totalmente empalidecido, e sua voz guardava um
tom de pavor, e eu sabia que o que presenciara não era desse mundo. “cara, precisamos da
sua ajuda urgente!”
Mentirinha não era uma pessoa que pedia desculpas, que reconhecia erros e muito
menos que pedisse ajuda.
“_ Cara, perdemos o controle de tudo!”
“_E o que aconteceu?”
“_Fizemos um ritual mais pesado, e a coisa saiu de controle.”
“_como assim?”
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“_Meu, a Bruxinha está com uma legião de demônios dentro dela, falando com
várias vozes masculina, e para piorar, ainda está com um lápis em casa mão, e eles
disseram que vão matá-la, ela deve ter pisado na bola, ou coisa parecida.”
“_E como eu posso ajudar?”
“_Cara, você já foi crente, tem pastor na família, então deve saber o que fazer.
Entramos no quarto e a cena era chocante. Um monte de gente em cima dela,
segurando seus braços com toda força, e como se existisse um trator dentro dela, jogava
todos para longe, e novamente tomava os lápis para furar a jugular dela.
Desesperados, todos olhavam para mim, esperando que eu fizesse algo
imediatamente. Então eu fiz.
Cheguei bem próximo dos ouvidos dela, e certo do poder que existia no Jesus que vi
minha mãe adorar por toda a minha infância, ordenei aos demônios:
“_Sai! Em o nome poderoso de Jesus!
Um grito vindo das profundezas do inferno saiu da boca da moça, dando um
solavanco no corpo dela. Ela estava liberta!
Olhou para os lados, sem entender o que estava acontecendo, e se sentindo fraca e
enjoada, olhou para o seu companheiro perguntando o que tinha acontecido, e Ele, sem
saber explicar, disse que ela tinha passado mal. Então ele a levou para um pronto socorro,
onde passamos a noite aguardando ela receber alta.
“_O que você fez?” perguntou Mentirinha.
“_Nada, meu. Apenas ordenei que saísse no nome de Jesus.”
“_Só isso?”
“_Só, cara. Só isso!”
“_Então meu camarada, tenho que afirmar que você está do lado errado. Se Deus te
deu isso, deve ir atrás dele e largar essa parada toda aqui. Isso não é prá tu não, meu
brother, tem coisa melhor para você, do tipo ser pastor ou coisa assim”
“_ Meu velho, desencana e me deixa em paz. Vou embora prá casa.”
E sai, deixando todos ali na porta do hospital cheios de confusão no olhar, sem
entender ao certo o que tinha acontecido.
Entrei no primeiro ônibus pela manhã, indo a caminho da casa, porém a estrada
parecia não ter fim. E algo martelava o tempo todo na minha cabeça, dizendo que eu estava
do lado errado, e que eu tinha que voltar para Deus, abandonando de vez aquela vida
miserável que eu vivia. Eu escutava a minha voz mandando os demônios saíram, e
relembrava nitidamente, como em um filme, o grito estridente e pavoroso dos capirotos
antes de deixar o corpo dela.
Dormi o dia inteiro, como era de costume. Mas a cena não saída de minha cabeça,
porém alguns amigos vieram ter comigo, e durante a visita deles em minha casa, sabidos de
que minha mãe estava viajando, me pediram para dar uma festa em casa, e eu topei.
Organizavam tudo, enquanto eu ficava no calçadão de Sobradinho, fazendo
artesanato com alguns amigos Hippies, um argentino, e era bem sério, como se aquilo fosse
ama profissão e tanto, e o outro só pensava em beber. E foi esse que só pensava em beber
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que me chamou para ir com ele em um bar. Chegando lá, bebemos muito, mais muito
mesmo, ao ponto de começarmos a discutir religião. Quando nós dois, já embriagados de
cais, ele arrancou uma bíblia de sua bolsa de artesanato, e lendo I Coríntios 13, começou a
ser usado por Deus para falar ao meu coração.
“1 Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o
metal que soa ou como o címbalo que retine.
2 E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e
ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada
seria.
3 E ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e ainda que entregasse
o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
4 O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não se vangloria, não se
ensoberbece,
5 não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não
suspeita mal;
6 não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade;
7 tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8 O amor jamais acaba; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão;
havendo ciência, desaparecerá;
9 porque, em parte conhecemos, e em parte profetizamos;
10 mas, quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado.
11 Quando eu era menino, pensava como menino; mas, logo que cheguei a ser homem, acabei
com as coisas de menino.
12 Porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas então veremos face a face; agora
conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, como também sou plenamente conhecido.
13 Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, o amor, estes três; mas o maior destes é o
amor.”
“_Cara, esse negócio de viver nesse mundão está errado, mano, você precisa voltar
para Deus, pois só nele podemos encontrar amor de verdade. Aqui não tem amor, mas ao
contrário, tem muita maldade no meio dos homens, das pessoas que estão perto de você,
que por sinal, não tem nada a ver com esse pessoal do diabo que anda contigo. Cara,
acorda, você é de Jesus, e nada vai impedi-lo de te chamar para perto Dele, e é isso que Ele
está fazendo, só você é quem não vê!”
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Deus usou uma mula para falar com Balaão, e comigo usou um andarilho hippie,
sem nada nessa vida, sem estudo, e para piorar, totalmente embriagado. Mas as palavras
dele entravam no meu coração.
Chegou a hora da festa, e estavam lá hippies de vários tipos e modelos, punks,
darks, carecas de subúrbio, cabeludos, alguns alternativos, budistas, hare crishnas, bruxos,
vampiristas, satanistas, e todo tipo de gente underground que conhecíamos.
Som alto, comida de maconheiro, sem noção de o que estava fazendo quando foi
preparar, e mais sem noção ainda éramos nós que comíamos. Tinha um dos hippies
tentando assar ovo em uma fogueira no meio do quintal, já tinha explodido vários, mas
estava lá, tentando mais uma vez. Garrafas de bebidas da pior qualidade, cigarrinho de
maconha exibindo suas brasas em meio à escuridão do quintal e muita conversa, um
grupinho aqui, outro ali, e assuntos variados.
Eu? Eu estava sozinho, apesar de tanta gente ao meu lado.
Na tarde do dia seguinte, eu vi que um dos meus cães, o que eu mais amava, e que
não saia de casa sem ele, e todos me respeitavam devido ao tamanho da fera, estava muito
quieto, então fui até o canil para ver como ele estava, a cena foi uma das mais horríveis que
vi em toda minha vida.
Alf estava morto, o cheiro do demônio da morte ainda estava ali, e a cena era
chocante. As patas dianteiras para um lado, as traseiras para outro, como se algo o torcesse
até quebrar, o pescoço pendurado para um lado, a língua para fora da boca do outro lado.
Chorei amargamente abraçado ao cadáver do meu melhor amigo que tivera esse
tempo todo. Eu amava o Alf mais do que qualquer ser humano, a dor era aguda, como se eu
tivesse vendo o cadáver de um parente bem chegado. Eu queria morrer também.
Comprei uma garrafa de caninha 51, sentei na rua e comecei a beber. Logo achei
alguém para dividir a bebida e a dor comigo.
Quando fiquei muito bêbado, comecei a querer bater nas pessoas que passavam na
rua, correndo atrás delas, eu e o parceiro de dor, mas elas conseguiam correr bastante, e não
alcancei nenhuma delas. Acordei na calçada, havia dormido ali, ao relento, como um cão.
Me levantei e fui andando até a junta militar, pois tinha que me apresentar naquela manhã.
Cheguei lá sujo, e cheirando a bebida, quando o homem começou as perguntas;
“_Idade?”
“_dezoito anos senhor.”
“_Altura?”
“_Um metro e Noventa e um”
“_Cor da pele?” Será que ele não consegue ver isso só olhando para mim? Preciso
mesmo ficar respondendo todas essas coisas, pensei.
“_Branca”
“_Cor dos olhos?”
“_Verdes”
Isso não acabava nunca, quando ele me disse a data, o local e como eu deveria me
apresentar no quartel para exame de saúde.
52
Capítulo 10
“
filho.
Quando Israel era menino, eu o amei, e do Egito chamei a meu
Quanto mais eu os chamava, tanto mais se afastavam de mim;
sacrificavam aos baalins, e queimavam incenso às imagens esculpidas.
Todavia, eu ensinei aos de Efraim a andar; tomei-os nos meus braços;
mas não entendiam que eu os curava.
Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor; e fui para eles
como os que tiram o jugo de sobre as suas queixadas, e me inclinei
para lhes dar de comer.
Não voltarão para a terra do Egito; mas a Assíria será seu rei;
porque recusam converter-se.
Cairá a espada sobre as suas cidades, e consumirá os seus
ferrolhos; e os devorará nas suas fortalezas.
Porque o meu povo é inclinado a desviar-se de mim; ainda que
clamem ao Altíssimo, nenhum deles o exalta.
Como te deixaria, ó Efraim? como te entregaria, ó Israel? como
te faria como Admá? ou como Zeboim? Está comovido em mim o meu
coração, as minhas compaixões à uma se acendem.
Não executarei o furor da minha ira; não voltarei para destruir a
Efraim, porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; eu
não virei com ira.
Andarão após o Senhor; ele bramará como leão; e, bramando
ele, os filhos, tremendo, virão do ocidente.
Também, tremendo, virão como um passarinho os do Egito, e
como uma pomba os da terra da Assíria; e os farei habitar em suas
casas, diz o Senhor.
Efraim me cercou com mentira, e a casa de Israel com engano; mas
Judá ainda domina com Deus, e com o Santo está fiel.”
Oséias 11:1-12
Eu não sabia, mas Deus já estava me cercando com seus laços de amor.
A coisa foi ficando feia, então tentei ir a um ritual, na sobreloja em que o diabo
costumava falar conosco, lá. Mas no caminho, falei aos céus:
“_Senhor, se realmente o Senhor me ama, e se me quer ao teu lado, me mostra isso
hoje.”
Cheguei. Fui subindo as escadas, quando a dona da casa me mandou descer. Disse
que a entidade a ameaçou, dizendo que se eu subisse as escadas ele jogaria todo mundo lá
de cima. Pediu minha compreensão e me tocou de lá.
Realmente, foi assustador o que aconteceu, pois só pelo fato de eu estar falando com
Deus, os demônios que ali estavam ficaram amedrontados ao ponto de não permitirem a
minha entrada ali.
53
“_Estou do lado errado.” Pensei
Ate hoje eu servi alguém que me prometia poder, força e segurança, mas sai de uma
vida apenas com o nome de Jesus, e agora, só por que eu falei com Deus antes de chegar lá,
não permitiram entrar.
Eu tinha vivido uma vida pesada e carregada até aquele momento, mas eu sabia que
não haveria jeito de fugir das orações daquela senhorinha que chamei de mãe até os dias de
hoje.
Ela também começou a se movimentar, pois nossa vida virou um verdadeiro
faroeste. Era gente tentando entrar em casa e eu respondia a bala, ou a policia por todos os
lados da minha rua, ou fazendo emboscada, e eu tentando revidar. Até que me pegaram. Foi
em frente a Boate Vogue, onde eu estava com uns hippies passando droga, quando de
repente um incontável número de viaturas começou a subir na calçada, os policiais armados
desciam gritando e jogando gás, outros traziam a lata de gás bem próximo de nossos rostos
e deflagravam. A única coisa de que tenho recordação depois disso, foi quando eu gritei
que éramos menor de idade, e tomei a primeira pancada por causa disso, e o número de
uma das viaturas, um Fiat Uno com um adesivo sobre o capô, que o fazia diferente dos
outros, 1100.
Só me recordo de ter saído do Hospital Regional de Sobradinho, e ir direto para a
casa de uma amiga onde uma festa estava acontecendo, beber, me drogar, usufruir do corpo
de alguma mulher que encontrasse por lá, e logo encontrei.
Nesse tempo, minha mãe mais que depressa estava vendendo tudo o que tinha,
desde pequenos objetos e plantas, até uma mesa de mármore rosa, onde fora meu abrigo
durante a infância, com seus enormes pés de jacarandá, cadeiras com fundo de palhinha
trançada, e assentos almofadados, o que deixava a mesa com aparência daquelas vistas nos
livros de história, nos palácios dos reis.
Em suas orações na porta do quarto em que eu dormia ou debaixo de uma
mangueira que ficava no fundo do nosso quintal, clamava ao Deus dos céus. Chamava por
socorro, chorava, adorava, noite adentro, e a vigília só acabava quando me via entrar em
casa, às vezes já de dia. Depois que eu entrava no quarto, ainda via um par de joelhos, e
sussurros pedindo que o amor de Deus viesse sobre mim, me separando dessa vida, porque
no que dependesse dela, até a última força, o último fôlego ela gastaria clamando.
Ele já tinha escutado, e seu enorme amor ia fazer esse monstro de violência e sujeira
se prostrar, transformando-se em um cordeiro manso. Ele não olhava para mim e enxergava
o meu pecado, mas com certeza via o que faria comigo, pois Ele sonhou antes mesmo de eu
vir ao mundo. Mas ela gostaria que a minha vida fosse tão linda, assim como foi na mente
de Deus quando Ele pensou em mim pela primeira vez.
Chegamos em Goiânia, e as poucas coisas da mobília que ainda restava, chegaria
depois em um caminhão de mudanças. Ao entrar na cidade, o calor logo mostrou a sua cara,
e apesar de escutar muita gente falar que a cidade era muito quente, eu achava que tinha um
54
pouco de exagero, mas agora eu não só tinha certeza, como achava que tinham sidos
bonzinhos no comentário.
Seguimos pela entrada principal da cidade, a Avenida Anhanguera. Assustador!
Tudo era muito grande, e tinha muita gente andando pelas ruas. E prá deixar as coisas bem
piores, ainda tinha na praça central “o Homem da Cobra” dando berros e vendendo sua
porção milagrosa de óleo de Curimatã, Raiz de Sucupira, Peixe Elétrico, casca de Barba
Timão, Urucum e Arnica. Na seqüencia, pedintes avançavam no vidro do carro onde
estávamos, mulheres com crianças no colo e cachorros acompanhando bêbados, que na
maioria das vezes estavam caídos na sarjeta e o cãozinho cumpria o seu papel de guardião
fielmente, não saindo de perto por nada.
Chegamos ao Edifício Trianon, na rua quatro no centro da cidade, em cima da
agência central da Caixa Econômica Federal. Paramos o carro na rua, e seguimos, e como
não podia deixar de ser, o porteiro se chamava Joaquim, e logo foi se apresentando. Muito
cordial, nos entregou as chaves do apartamento, explicando que ficava no segundo andar, a
direita do elevador.
Mas o que era aquilo? Tinha uma dúzia de apartamento, seguindo por um monte de
corredores, e perdemos bastante tempo procurando o 212. Mas, acabamos achando, e
adentramos na nossa mais nova morada, e que eu nem faria idéia de que seria o cenário de
minha conversão, e também de algumas decepções e dores, que marcaram profundamente
minha alma. Mas Deus estava no controle!
A mudança chegou, e começamos a arrumação. Meu quarto dava de frente para a
rua, que era com certeza uma das mais movimentadas da cidade, e o barulho infernal não
parava nunca, nem com as janelas de vidro fechadas. O que eu poderia fazer naquela
situação era aprender a viver com o barulho, me acostumar. Alguns dias depois, ao descer
para caminhar um pouco, encontrei um hippie conhecido, que atendia pelo pseudônimo de
Lobo. Já um coroa, e que rapidamente me apresentou para a sua galera, e ai saímos para
fumar um baseado. Confesso que drogas de graça naqueles dias e amizades da pesada não
faltaram. Parecia piada, esses caras apareciam. Até tocar no interfone, e para minha
surpresa era uma moça de moto, que me levou em uma linda pracinha, coisa que não falta
em Goiânia, para fumar maconha, e confesso que até hoje eu não sei de onde ela veio e nem
para onde foi.
Tentei voltar a estudar em um colégio próximo dali, mas já nos primeiros dias, uma
moça me parou no corredor e perguntou se eu era novo por ali, e quando eu disse que sim,
me deu um beijo no rosto, e pegando em minha mão, saiu pelos corredores, e de sala em
sala me apresentando para seus amigos, querendo me enturmar. Ela era loira, magrinha, e
linda, se não fosse por uma cicatriz em sua face, o que eu achava charmoso, ele era perfeita.
No dia seguinte ela foi em minha casa e nos beijamos pela primeira vez. Ficamos o
dia passeando pela cidade, e a noite me chamou para “fumar um com a galera”.
Pessoal estranho, mas que nos receberam rapidinho, e logo “passaram a bola”. Já
com a cabeça nas alturas, fomos na praça Tamandaré, e ali ela sentada em um daqueles
bancos típicos de praça, me pediu para deitar a cabeça no colo dela, e fez um cafuné
55
maravilhoso. Mas entre um assunto e outro, ela me confessou ser desviada do evangelho, e
que estava muito triste por isso. Eu confessei também ser um desviante, mas que tinha
enorme vontade de voltar, e ela também. Depois de nossa conversa, ela continuou a mesma
pessoa, entrando em lojas e roubando peças de roupa, fumando seu cigarrinho de maconha,
mas eu, por outro lado, não conseguia tocar nela com maldade, e passei a vê-la como
alguém pela qual eu não poderia fazer mal algum, mas ela queria que eu fizesse, indo na
minha casa e se insinuando, fazendo com que eu entendesse suas intenções, então, tranquei
as aulas e me afastei. A última vez que a vi, já convertida, chorou muito quando me viu, e
confessou estar grávida de um cafetão, e que estava fazendo programas para ajudar ele.
Nunca mais a vi até os dias de hoje.
Lembro-me de ter escrito uma carta para a minha amiga Dani Beth, e relatar a
minha luta para deixar os vícios e mudar de vida em meio aquela cidade tumultuada, mas
cheia de esperanças para minha vida naquele momento. Ela nunca respondeu!
Sentia-me tremendamente só, então aceitei o convite de um amigo da antiga escola,
para sair com ele a noite, e conhecer uns barzinhos da cidade. Ele veio me buscar de taxi,
então fomos à uma boate, dois barzinhos, um prostíbulo sem futuro onde arrumamos uma
briga e saímos de lá fugidos, outro barzinho, uma festa agropecuária e por fim um bar de
velhos e drogados, onde amanhecemos o dia. Ele pagou tudo!
Pela manhã quando cheguei em casa, passei muito mal, mas dava para suportar, mas
no fim da tarde início da noite, percebi que algo estava errado com meu coração. Um
desespero tomou conta de mim, pois eu não poderia morrer daquele jeito, sem ter me
reconciliado com Deus. Chamei minha mãe, e contei de minha taquicardia, da dor que
sentia no peito, da dormência nos braços e da falta de ar. Ela calmamente passou os braços
em torno do meu pescoço, tirando ele do sofá e transferindo-o para seu colo, dizendo:
“_Meus filho, eu simplesmente não posso te levar no hospital, pois se você for,
poderá ser preso, ou coisa assim. Então eu vou orar por você!” Ela orou e eu dormi, ali nos
seus braços, como quando ainda era uma criança. Era um momento ruim, mas eu estava
amando, queria que aquele cafuné não acabasse nunca mais.
Não sei explicar o porque mas na noite seguinte o ritual foi o mesmo, seguindo essa
rotina por vários dias, piorando cada vez mais, foi quando esse meu “amigo” me levou a
casa de um traficante.
O cara nos recebeu cordialmente em seu sobrado, que na verdade servia para vigiar
os pontos de venda. Ele nos ofereceu cerveja, uísque, merla (uma droga feita a partir da
pasta da coca), maconha e um prato cheio de cocaína.
Eu usei tudo com muita vontade, porém, na cocaína eu me esbaldei. Cheramos tudo,
e me recordo que ainda lambi o prato e comi o canudinho que usamos para inalar a droga. E
quando amanheceu, fomos a um bar que fica nas proximidades do Parque Agropecuário, e
tomamos algumas garrafinhas de vodca. Então fomos cada um para sua casa.
E qual foi a minha surpresa? Cheguei em casa e não tinha ninguém, minha mãe não
estava lá. Sozinho, comecei a passar mal, mais dessa vez a crise de overdose foi muito
maior que a primeira. Sozinho, agoniei na minha cama até que ela chegou. A morte!
56
Capítulo 11
“Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e esmagado por
causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele,
e pelas suas pisaduras fomos sarados.”
Isaías 53:05
Aquele medo tomou conta de minha alma. Enquanto isso, Sérgio, meu tio, mas
que o considero mais um irmão, mobilizava sua igreja em oração. Em outro ponto da
cidade, irmão da Igreja Metodista Central de Goiânia, também oravam por mim, assim
como inúmeras igrejas que minha mãe e Sérgio pediam que intercedessem por minha
salvação, apesar de não me conhecerem. Um grande exercito de homens e mulheres de
Deus estava sendo arregimentado, e algo estava acontecendo nas regiões celestiais, e o
exercito do Todo Poderoso estava se preparando para atacar.
Um gemido saiu de minha boca sem ar. Algo como uma mão pressionava meu
pescoço, e podia escutar o sangue quase como um rio, fluindo dentro de mim para me
destruir, levando as artérias ao limite. A cabeça estava ardendo, e o peito parecia estourar
de tanta dor, que corria pelos braços. A boca seca não me permitia gritar, e nem mesmo
dizer: “Jesus, vem!” ou coisa assim. Os olhos estatelados presenciavam a chegada suja do
demônio da morte, apesar de não o ver, sentia sua presença a se aproximar, com seu cheiro
de flor de cemitério, e sua nuvem de podridão.
Podia sentir o inferno se abrindo debaixo de mim, e o bafo quente da sua garganta,
mas na mente, mais que de repente, vinha um cheiro agradável de madeira, e a visão que
tinha na igreja, dos bancos, visto por baixo, onde me rastejava feliz e sem macula.
Nesse momento me lembrei de que sempre queria saber o que havia atrás da grande
cortina vermelha que ficava atrás do púlpito, pois a igreja tinha sido construída para ser
uma escola, e por esse motivo, tinha um grande palco com chão de madeira por trás do
altar, mas que até então era usado apenas para guardar velhos moveis e entulho, e o lugar
empoeirado e escuro não tinha outra finalidade, porém em minha mente de criança, como
ali era a casa de Deus, mas eu nunca o tinha visto, tentei ir até aquele lugar, procurar por
Ele, pois eu queria ver sua face, olhar nos seus olhos, e sem saber iniciava o desejo de todo
homem: encontrar Deus.
Acordei da quase morte, com a imagem dos bancos da igreja tatuada nos olhos, e
uma voz dizia dentro de mim: “Eu quero que me siga, pois ouvi as orações dos meus
servos.”
57
Sentei-me desesperado na cama ainda muito debilitado, mas sem saber como buscar
esse caminho, pelo qual Sérgio e minha mãe caminhavam. Então disse em alta voz: “Eu te
quero, mas me mostra como te encontrar!”
Alguns dias se passaram, e a imagem perturbadora daquele dia não saia de minha
mente, porém eu não fazia a menor idéia de como eu faria para deixar os caminhos que
tinha escolhido para minha própria vida, e menos ainda de como eu faria para voltar a
Cristo, pois eu tinha Fobia de igreja, aquele lugar onde fui rejeitado, onde as pessoas mais
favorecidas me humilhavam, esbanjando suas viagens para o exterior, os carros novos de
sua família, suas novas casas e os novos brinquedinhos que possuíam. Mas de uma coisa eu
estava certo, pois se alquilo tudo que eu vivi era real, alguma coisa aconteceria e eu sairia
daquele poço, mais hora menos hora.
Mas o diabo não ia deixar barato, e meu telefone tocava de dia e de noite, assim
como o interfone do apartamento, e eram sempre as mesmas pessoas, das quais eu fugia
sempre, mas lá estavam eles, me oferecendo gratuitamente a morte o tempo todos.
Pareciam incansáveis, não desistiam nunca, e aos poucos fui cedendo, e acabei topando dar
mais umas voltas por ai.
Você deve estar pensando: “você não tinha o menor caráter mesmo!”, mas não se
tratava de caráter, pois quem esteve flertando com o diabo sabe que ele passa a conhecê-lo,
e não vai jogar barato, e não vai usar armas falíveis, pois quer ver o seu fim. Quem já está a
algum tempo com o Senhor também sabe disso, pois eternamente seremos pressionados e
tentados, assim como aquele cão faminto, que para em frente aquelas máquinas de assar
frango, e os frangos giram e desfilam, bailarinos, com aquela roupa dourada, derretendo
sob fogo intenso, fazendo com que o perfume da carne saia por longas distâncias, atraindo
o pobre cão pelo nariz, mas ele conhece os obstáculos para entrar naquele estabelecimento,
mas quando vê já está lá, babando, desejoso, pensando em como fazer para provar um
daqueles suculentos pedaços de carne assada. Comigo não foi diferente, pois eu queria o
Senhor, mas as tentações são fortes demais.
Costumo falar para jovens onde palestro, para não provarem nunca, nem mesmo
para matar a curiosidade, pois a sensação que os vícios proporcionam são deliciosos, como
aquele suculento frango. Se o cão chegar a pegar um daqueles frangos em suas fortes
mandíbulas, ninguém mais toma deles.
Eu tenho um cão da raça Rotweiller, e ele é do maior deles, quando quer um abraço
fica impossível dizer não, pois ele nos pega a força e beija. Eu sei que ele me ama, e nunca
duvidei disso, pois basta olhar para o modo como ele olha para mim e como me segue onde
eu vou, querendo sempre estar perto. Mas um dia eu conheci outro cão dentro dele, quando
fui a um açougue e trouxe três suculentos pedaços de fêmur de boi. Quando entreguei os
ossos a ele, confesso que ele se transfigurou. Deitou sobre os ossos, e desesperadamente
roia aqueles ossos, e como se não existisse mais nada no mundo, dedicou todo tempo, amor
e carinho a aqueles pedaços de boi. Mesmo eu, o seu dono, aquele a quem ele ama, se
chegasse perto dos ossos, ele rosnava irado, e para testá-lo, aproximei uma vassoura e ele
agrediu a vassoura como se a odiasse desde o dia em que nasceu. No terceiro dia de
58
loucura, decidi recolher os ossos enquanto dormia e joguei-os fora, mas ele ainda passou
algum tempo procurando, quando esqueceu aqueles pedaços de ossos, voltou a me dar
carinho e atenção. O que me remeteu aos dias em que eu queria muito voltar para o Senhor,
porém eu não tinha forças para resistir, a vontade de usar as drogas eram maiores do que
eu. Então, quando eu percebia, já estava lá outra vez.
A intercessão das igrejas e dos irmãos continuava, e minha mãe estava firme e forte,
mesmo tendo perdendo tudo, suas forças ainda estavam firmes para interceder em favor da
minha vida.
Em sua mente ela sabia que deveria lutar, pois se esmorecesse perderia a guerra.
Então, se cingiu de forças e prosseguiu na batalha, certa de que o seu Senhor
pelejaria a sua causa.
59
Capítulo 12
“Porque a ardente expectação da criatura espera a manifestação dos filhos
de Deus.”
Romanos 08:19
Algo extraordinário estava para acontecer, mais ninguém poderia esperar. Deus
surpreenderia a todos. Apesar de todos estarem esperando a manifestação do senhor, quem
mais estava esperançoso era eu mesmo. Sentia saudade Dele, das experiências dos
acampamentos da igreja, dos momentos em que eu chorava convulsivamente e nem sequer
sabia explicar, só sabia que era tão bom. Consolo, tranqüilidade impar, assim como um
colo, e eu queria outra vez, e depois do ocorrido, passei a esperar que Deus fizesse algo
urgente, mas não que eu sentisse medo do inferno, não foi por isso, não foi por medo, mais
dentro de mim ardia um amor inexplicável, que dizia que algo aconteceria que mudaria
minha vida para todo sempre.
Sinto saudade até hoje destes dias de despertamento espiritual do povo de Deus,
talvez porque ninguém estivesse buscando bens, bênçãos e barganhando com Deus, mas
antes a presença Dele era tudo o que nos motivava a ficar até amanhecer o dia buscando em
oração e louvor. Era realmente lindo, e essas imagens ficaram na minha cabeça por todo
esses dias, e eu queria viver aquilo outra vez.
Você deve estar se perguntando nesse momento o porque que não existem mais
sinais como estes, e a resposta é simples, pois sempre ocorreu, mas essa última geração de
igrejas perdeu a essência do evangelho: A cruz!
A política tomou conta dos púlpitos, e naquele tempo pastor era pastor e pronto,
hoje são vereadores, prefeitos, deputados. E ainda acreditam que são chamados para isso, e
ainda dizem que a igreja necessita deles.
Outro ponto que definitivamente nos afastou da presença, foi o ensino à humildade,
onde nossos pastores nos diziam que toda honra e toda glória era devida a Deus, e que se
recebêssemos a glória que é Dele, então não mais veríamos o seu agir.
O pecado tem se tornado comum, e as pessoas não querem mais viver buscando
santidade, por isso as pregações dos pastores e líderes também mudaram. Em dias em que
as pessoas são contadas como gado, por cabeça, o número passou a ser mais importante do
que a qualidade dos cristãos, e crentes como os do passado entraram em extinção, e com
eles o mover do Espírito nas igrejas.
60
As conversões não duram muito, devido a esse apagamento que a igreja sofreu, pois
a presença da glória é que convence o povo e gera transformação genuína. Então, igreja se
tornou um sinônimo de clube social, onde as pessoas que são legais vem para ver amigos de
seu grupinho social, porém sem vida, e crente sem vida não dá fruto, e se der, seus frutos
são estéreis.
O avivamento nascia nas vigílias, nas reuniões de oração, nos cultos de busca. Hoje
os cultos são para empresários, campanhas, sucesso financeiro, resolução de problemas e
casamento. Mas me recordo de um trecho de um jornal escrito por Wesley, um
reavivamentista inglês, que com seu grupo de metódicos amigos, buscavam o poder, e
acabaram mudando a história do cristianismo.
“Mr.Hall, Kitchen, Ingram, Whitfield, Hutchins e meu irmão Charles estavam
presentes com mais 60 outros irmãos em uma vigília de oração. Como perseverávamos em
oração, às 3 horas da manhã, o poder de Deus vei sobre as nossas vidas de tal forma que
muitos gritavam por causa da transbordante alegria e muitos outros simplesmente caiam
pelo chão. Logo após nos recobrarmos um pouco de tamanho espanto e glória da sua
majestade, começamos a declarar em grande voz:‟Te adoramos Senhor, ó Deus!
Verdadeiramente reconhecemos que tu és o Senhor!`”
(Trecho de um texto publicado por John Wesley em um jornal, em 1739)
Em meu intimo, eu sabia que teria que provar uma ou mais experiências dessas para
reviver, deixando para trás todas as coisas velhas e seguir rumo a uma nova vida, mas tudo
o que eu podia fazer era dizer para Deus, na certeza de que Ele estava me ouvindo.
Foi em um sábado do mês de Abril, no ano de 1994, que tudo se desenrolou. Sérgio
havia deixado uma fita K-7 do falecido compositor gospel Sérgio Munis Pimenta,
exatamente na faixa “Teus Altares”, onde a música se baseia no salmo 84, em meu aparelho
de som, no quarto. Sempre que eu entrava no quarto, automaticamente apertava o play, e
dessa vez não foi diferente, então tirei os sapatos e as meias, empurrando-os para baixo da
cama, e me lançando pesadamente sobre a cama, quando percebi que aquela fita não era
minha, e nem a música era conhecida por mim, então falei comigo mesmo: “Sérgio esteve
por aqui, e deixou uma daquelas músicas de igreja no meu som, bom, estou cansado demais
para desligar, deixa rolar, vai!”
Nesse momento, comecei a ouvir a letra, e prestar atenção nela:
“Quão amáveis são os teus tabernáculos
Senhor dos exércitos
A minha alma suspira e desfalece
Pelos teus átrios
O pardal encontrou casa
E a andorinha ninho para si
E eu encontrei teus altares
Senhor Rei meu e Deus meus
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Bem aventurados aqueles que habitam
Em tua casa
Pois um só dia Senhor nos teus átrios
Valem mais que mil
O pardal encontrou casa
E a andorinha ninho para si
E eu encontrei teus altares
Senhor Rei meu e Deus meus
Pois o Senhor é sol e escudo
Da graça e glória
Não negará bem algum aos que vivem corretamente
O pardal encontrou casa
E a andorinha ninho para si
E eu encontrei teus altares
Senhor Rei meu e Deus meus
Nesse momento, comecei a me lembrar dos sonhos e dos planos que sempre tive em
minha vida, e que por causa das minhas escolhas estavam indo por água a baixo, como o
desejo de ser pai e de que forma isso poderia acontecer em meio a essa vida terrível?
Queria ter um lar, uma casa, uma esposa, um bom salário, uma vida digna, com um
cachorro para criar, e viajar com a família nas férias, mas sabia que eu tinha jogado isso
fora. Mas quando a letra da música falava sobre o pardal encontrar casa e a andorinha ninho
para si e eu os teus altares, comecei a chorar, e a entender que tudo isso era dom de Deus e
que Ele dá a quem ele quer, e é reservado para aqueles que o amam e o buscam.
Então gritei na cama abraçado ao travesseiro: “Senhor eu sei que o Senhor está me
ouvindo, e eu quero uma vida digna, assim como eu sonhei, e sei que minha família sonhou
também, pois vejo o Sérgio com sua família, levando as crianças na escola, e sua esposa
cuidando dele e da obra adjuntamente, e eu sempre desejei isso para mim, mais sei que
estas coisas estão em ti, e é por isso que eu te peço nessa hora, apesar de meus pecados,
lembra-te de mim, e me faz ser alguém de verdade, e andar nos teus caminhos, assim como
aqueles a quem tanto amo!”
Chorei muito, maravilhado com aquela presença tão real, tão doce e que eu havia
me esquecido completamente de como era tremenda aquela sensação.
Então o Espírito do Senhor veio sobre minha vida ali, naquele quarto, e quando eu
gritei: “Senhor, eu te desejo, quero outra vida ao teu lado, me toma outra vez!” Então o
Senhor ouviu lá do santo lugar onde vive, e seu poder me encheu tão poderosamente que
perdi a consciência por alguns minutos ou até por uma hora, não sei ao certo, porém, me
62
recordo que apenas que minha cama e eu estávamos molhados de suor, acredito até que foi
ali que Deus operou sua libertação em minha vida, pois me levantei completamente
restaurado.
Confesso que fico apreensivo em relatar esses fatos de minha vida, em dias onde eu
mesmo escuto um ex isso, outro ex aquilo, e que daqui alguns dias descobrimos que tudo
não passava de charlatanismo, e pura enganação. Outros confessam ter usado testemunho
de outras pessoas, e até assumem ter inventado apenas para serem ouvidos, e com certeza
muito glória a Deus foi dado nas igrejas ao ouvirem tais testemunhos. O que me levou a
parar de contar esse testemunho nas igrejas, reservando-me apenas em relatá-los aqui, nesse
livro, para que Deus permita que ele chegue apenas nas mãos das pessoas certas, e jamais
seja motivo de escândalo, mas antes objeto da graça e do amor de Deus, para aqueles ao
qual foi permitido chegar em suas mãos, por intermédio do próprio Espírito de Deus. E não
aceite como uma verdade apenas porque eu estou dizendo para fazê-lo, mais antes, coloque
a prova, perguntando para o próprio Deus se essas palavras são realmente verídicas.
Tenho muito temos ao dizer isso, mais vigiei muito durante os períodos em que
escrevi essas livras, e que não foram escritas continuamente, mais apenas em momentos
que Deus vinha sobre minha vida e me inspirava, daí então eu sentava diante de um
computador para fazer uso da ferramenta que Ele nos deus para alcançar vidas, ministrar a
graça e derramar o óleo.
Muitas lutas aconteceram durante esse período de preparo e confecção desse livro,
começando em um computador e terminando em outro, sem falar em lutas em ambiente
físico e espiritual, passando períodos de silêncio, pois não havia condição emocional e
espiritual para escrever devido a lutas espirituais e ataques do maligno.
Mais tenho minha família, meus amigos de infância, colegas dos tempos de escola,
contemporâneos da igreja onde me converti ao Senhor, entre outros que viram, estiveram
presentes ou são pessoas citadas, que servem como testemunhas vivas de tudo o que foi
escrito aqui, apenas para honra e glória daquele que me resgatou das trevas para sua
maravilhosa luz.
Apesar de tudo, nunca me atreveria a escrever um livro, e confesso que não sei nem
mesmo como Deus me usa, exceto por sua infinita graça e misericórdia, pois conheço
minhas limitações, e não sou nenhum erudito, doutor em teologia, ou mestre em alguma
coisa, mais quando o Senhor me falou para fazê-lo, temi muito, deixando que isso
demorasse dezesseis anos para acontecer. Quando ministrava nas igrejas, muitos queriam
um vídeo, livro ou cd de áudio com meu testemunho, e eu nunca o permiti, pois confesso
que temo pelas palavras aqui escritas, mais enfim, o Espírito me deu força e coragem para
prosseguir nessa caminhada.
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Capítulo 13
“Não amem este mundo, nem as coisas que ele oferece. Se alguém ama o
mundo, mostra que o amor do Pai não está nele.”
1 João 2:15
Quero relatar nesse capítulo a seqüencia de acontecimentos que geraram a
mudança de caráter, a aproximação da igreja e de como o Senhor se moveu para que tudo
acontecesse perfeitamente durante o processo de cura e libertação completa de minha vida.
No momento que deixei meu quarto, ainda atônito por tudo que tinha acontecido e
tentando achar explicação para tudo o que tinha acontecido, sabendo apenas que nunca
estivera tão limpo, livre e feliz do que naquele momento, dei alguns passos em direção ao
banheiro, quando me deparei com minha mãe, que assustada perguntou: “O que ouve com
você, pois está tão diferente? E onde vocês está indo?” respondi ainda me sentindo mole e
leve demais para sentir meu corpo: “Não sei ao certo, mais quero sair e ir a uma igreja, seja
qual for, a primeira que eu encontrar de porta aberta.”
Quando finalizei minha frase, por providencia santa, Sérgio ia entrando na sala de
casa, pois iria ministrar a palavra em um encontro de jovens da Igreja Metodista Central de
Goiânia, mais resolveu dar uma passadinha em nossa casa antes de seguir para o local do
evento. Ao ouvir meu pronunciamento, mesmo não tendo percebido ainda sua presença ali,
bradou ainda da porta de entrada do apartamento: “Você disse que vai onde?” e espantado
pela surpresa de vê-lo entrando exatamente no momento que mais precisei dele em toda
minha vida, disse: “Isso mesmo que ouviu, estou com saudade da igreja e da presença de
Deus.” E sem acreditar muito no que via me convidou para ir com ele ao evento que estava
indo para ministrar a palavra, e quando dei por mim, já estávamos a caminho da rua 20 no
centro da cidade de Goiânia, dentro do seu opalão antigo.
Paramos o carro na rua, e adentramos por um grande portão de ferro, passamos pela
lateral do templo, de onde já se podia enxergar algumas pessoa, e ouvir o ritmo da música
que estava tocando.
Quando chegamos a quadra de espertes que ficava nos fundos da igreja, vi um telão,
onde passava alguns clips musicais, e no palco de madeira, um grupo de louvor arrumava
os instrumentos. As pessoas estavam sorridentes e felizes, pareciam conter uma fonte de
alegria dentro de si. Alguns conversavam, outros apenas observavam os demais, e a grande
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maioria se movimentava em busca de confraternizar com mais pessoas, ou estavam
trabalhando em alguma coisa para o evento.
De repente, do meio do povo surgiu uma senhora de cabelos curtos e loiros,
gordinha, e com um sorriso simpático, mostrando o espaço entre os dentes da frente. E
como se me conhecesse a muitos anos, me abraçou com tanto amor que me desarmou, visto
que apesar da minha figura não ser ainda nada agradável, eu tinha um rosto muito rude,
marcado pelo mundo em que eu vivera até aquele dia, o que não a intimidou. Então ela
disse: “Filho, que bom que você veio! Oramos muito por você aqui em nossa igreja, e fico
feliz que finalmente veio até nós.”
Tentei fugir daquela situação para não chorar ali na frente de todos e adiantei meus
pés mais alguns metros. Comecei a prestar a atenção no clip que passava no telão, e era
sobre um jovem que saiu gastar sua vida, e depois de arrebentado voltava para casa,
arrependido, cabisbaixo e com saudades de casa. O pai sai de casa, e feliz em rever seu
filho o abraça com muito amor, assim como o abraço que eu havia recebido da senhora
instantes antes. Tudo muito estranho, parecia que tudo aquilo tinha sido armado para mim.
O grupo de teatro começou a atuar, e a peça mostrava como as forças do mal atuava
na vida dos homens. O primeiro era a prostituição, o segundo a cobiça, depois a inveja, os
vícios e por fim a destruição... um calafrio me subiu pela espinha, fazendo transparecer que
estava assustado, pois novamente estavam falando de mim, como podia? Como sabiam
tanto sobre mim? E eu, tolo, não sabia que era o próprio Espírito Santo que havia feito
todas aquelas coisas para me amarrar em suas cordas de amor, me atraindo mais uma vez
para perto dele e me fazer livre de uma vez.
Tudo estava se fazendo novo dentro em mim, e Cristo se tornara meu tudo, ali, em
instantes eu sabia como viveria e morreria, amando-o com todas as minhas forças, com toda
a minha vida.
Por fim, o Reverendo Sérgio iniciou sua pregação, falando sobre a parábola do filho
pródigo. Então me derramei em lágrimas, chorei como criança, aliás chorar é pouco, creio
que urrava, pois a verdade estava me sendo revelada, ali, diante de todos, e eu me sentia
amado, querido, mesmo não o merecendo. Quando foi feito o apelo: “...se você está longe
do lar, tem saudade do pai, e quer voltar para casa, o lugar da tua segurança, onde você é
amado e querido, essa é a hora, venha aqui na frente,” e adivinhem! Corri como nunca
para frente, creio que só eu fui a frente aquele dia, não me lembro de ter olhado para os
lados, mais ali, me ajoelhei e chorei, e mais uma vez pedi perdão por ter andado longe. Foi
quando meu irmão desceu do palco ali em frente, e me abraçou e orou por mim, e me senti
tão livre, tão limpo, que poderia morrer ali, pois estava apaixonado por Ele, queria vê-lo,
queria tê-lo, e ele era meu tudo. Deixei ali no altar meus sonhos, meus anseios, meus
pecados, meus ídolos, minha vida anterior e a futura, pedindo que fosse Senhor de minha
vida plenamente.
Quando voltamos para casa, nada falamos sobre o assunto, mais meu irmão fez
questão de comentar com minha mãe, que veio correndo e me abraçou.
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Amanheceu domingo e corri para a escola dominical. A classe de jovens estava
cheia, porém não me lembro ao certo quem era nosso professor. Mais sei que ao findar a
aula, um grupo de moços e moças me chamaram para ir ao autódromo, pois teria uma
corrida de carro, e de imediato topei.
Não parou por ai, pois dois deles, Bruno e Marisol Baeta, me levaram para almoçar
na casa deles, onde fui muito bem recebido pelos pais deles, e ainda me recordo como se
fosse hoje, como a irmã Edir tinha uma mão maravilhosa para cozinhar. Depois disso me
deixaram em casa, onde subi correndo para tomar banho e rever a todos novamente no
culto. Que maravilha, como eu estava feliz!
O culto foi lindo, e eu chorava a cada louvor, e posso me recordar dos cânticos: “te
exaltamos, oh cordeiro santo de Deus... Grande é o Senhor e mui digno de louvor, na
cidade do nosso Deus seu santo monte...” entre outros. A palavra do pastor Adonias
Pereira do Lago entrou no meu coração como uma espada, e começava o aprendizado de
caráter cristão, e de como eu deveria ser dali em diante. Ao terminar o culto, saímos e
fomos a uma lanchonete, e como eu estava sem dinheiro, fui surpreendido pelos meus
novos amigos e irmãos mais uma vez, que fizeram questão de pagar pelo lanche.
Amanheceu, e sai do quarto, tomando uma bíblia pequena e bem velhinha que se
encontrava na estante de nosso apartamento, fui para o bosque que fica no centro da cidade.
Chegando lá me embrenhei na mata, para ficar sozinho pare reencontrá-lo. E comecei a ler
o livro de Genesis. Porém, a bíblia era como se estivesse viva, e entrasse no meu coração
fazendo sentido. Antes eu lia e achava quase que um código secreto, escrito para não ser
compreendido, mais agora eu tinha a revelação do Espírito, o que fazia com que tudo ali
tivesse sentido pleno. Era como se Deus realmente estivesse falando. A tarde passou, e
começou a anoitecer e eu nem se quer percebi.
Coloquei a bíblia na cintura, como se fosse uma arma e segui de volta ao nosso lar,
pois queria conversar com minha mãe a respeito de tudo que estava acontecendo, e foi uma
conversa linda, onde senti o amor do Pai outra vez, me dando uma mãe maravilhosa e eu
não sabia.
Os dias seguintes foram cada um melhor que o outro, e Deus me surpreendia
sempre, sem falar nos irmão da igreja que gravavam fitas K-7 com louvores que acabaram
formando o meu caráter. Pegava livros emprestado, ganhava alguns e dia a pós dia eu
crescia, amando ainda mais o Senhor.
Aqueles dias, por mais que eu escreva, só quem sentiu o gozo de ser uma nova
criatura sabe do que estou falando, mais palavras não podem dizer o que vivi, por mais que
tente, será em vão o meu esforço.
Dias maravilhosos, que sinto ainda, como se fosse agora!
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Capítulo 14
“Portanto, vocês não são mais estrangeiros nem forasteiros. Ao contrário, são
concidadãos do povo de Deus e membros da família divina..”
Efésios 2:19
Os dias que seguiram me marcaram muito, mais nenhum foi mais forte do que o
primeiro retiro ou acampamento como chamávamos.
Eu estava me acostumando com a bondade e a diferença impar do povo de Deus,
dos demais que conhecera até aquele momento. Estava feliz em cultuar a Deus no templo,
na rede em nosso apartamento, ou pelos hortos e bosques de Goiânia, muitas vezes de
madrugada, ignorando os perigos, para ficar sozinho em um lugar, buscando intimidade
com Ele. Estava feliz com o novo tratamento que minha família estava tendo para comigo,
e mais ainda com a descoberta de que eu poderia sonhar novamente, coisa que eu tinha
abandonado em meus projetos, pelo fato de viver até então uma vida fadada a ser curta se
Deus não entrasse em meu caminho no tempo certo como o fez. Mais ainda não tinha
vivido nem o começo do que Deus tinha para minha vida naqueles dias.
Feriado de sete de setembro, dia da independência do Brasil, e a igreja saia da porta
da Igreja Metodista Central de Goiânia, rumo a fazenda Ebenezer, de propriedade dela
mesma, para o segundo retiro espiritual do ano, visto que o primeiro acontecera no carnaval
e eu ainda não estava convertido nesse período.
Chegamos e logo fomos procurando lugar nos alojamentos. Eu escolhi uma cama
perto da porta, e deixei minha mochila e saí junto com os demais irmãos para tomar chá
com biscoito que as irmãs que moram e congregam no local. Logo depois fomos dormir,
porém ninguém conseguia esconder a ansiedade, pois já estavam acostumados a aquelas
experiências naquele lugar. Mais a minha ansiedade a de todos sobrepujava, visto que para
mim, tudo era novo demais, e todos que passavam por mim, compartilhavam suas antigas
experiências e eu queria muito ter as minhas.
Fomos acordados muito cedo ainda, para um rito chamado de Alvorada, onde cada
participante ocupava um lugar na vastidão da fazenda para passar a primeira hora do dia a
sós com o Senhor, e depois teríamos a primeira reunião às 7 horas da manhã. E que gora
maravilhosa, tudo estava indo muito bem até ali.
Não tenho palavras para descrever as demais reuniões. Deus derramava o perfume
de sua glória em todo o tempo. E vi coisas inexplicáveis, coisas inefáveis, gravetos que
acendiam, pessoas caindo tomadas pelo fogo do Espírito, gente rindo, gente chorando, e eu
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chorava como criança, pois não me achava digno de provar aquilo tudo, muito menos ser
tocado por Ele, mais Ele me tocou.
Entre uma reunião e outra, havia intervalos para lanche e atividades esportivas, mais
eu adentrava na mata para ficar mais tempo com o amado de minha alma, eu não tinha mais
nenhum prazer humano, só queria Ele, e Ele vinha outra vez.
Depois do último culto, nas noites que não tinha vigília, eu e outros irmãos também
novos convertidos, pegávamos um violão e passávamos toda a noite sem dormir, e o mais
incrível e que mesmo nesse ritmo sem dormir ou dormindo muito pouco, sentíamos
cansaço físico, mais a alma estava tão sedenta de estar com Deus que esquecíamos o
cansaço e seguíamos outro dia de busca, sem que nada pudesse nos desviar de nossa busca.
No ultimo dia, entramos no ônibus, e todos chorávamos pelo caminho, pois não
queríamos que tudo aquilo findasse, e nem queríamos nos separar mais, pois estávamos
acostumados com a presença uns dos outros.
Mais ao chegarmos já inventávamos uma subida ao monte para orar, ou íamos
louvar na casa de um de nós, ou mesmo íamos a eventos como o “Clubão” da MPC,
Mocidade Para Cristo, ou no “Ponto de encontro” na igreja Cristã Evangélica, mais
estávamos sempre dando um jeito de nos reencontrar.
Mais eu sentia o desejo de mais, era como água na terra seca, que quando cai até
molha, mais logo esta seco outra vez, carente de ser encharcado.
A nova vida com Cristo estava cheia de surpresas agradáveis preparadas pelo Pai,
porém ele não pararia por ai, pois deveria revelar o seu querer para com minha vida, ainda
nesses dias.
Hoje, quando reencontro alguns irmão que se converteram nesse mesmo período,
fico feliz ao entender que o Espírito queria gerar em nós, naquela geração, um alicerce
firme para o ministério Dele através de nós. Pois na sua maioria, ninguém se perdeu, e
apesar de cada um ir para um lugar diferente do outro, um como juiz de direito, funcionário
da ONU na Alemanha, representante farmacêutico e na sua maioria pastores, obreiros,
evangelistas, todos são verdadeiros homens de Deus até o presente momento, pois foram
formados pela experiência que tiveram com Deus e não embasado em conhecimentos
humanos passados por literaturas, sermões ou discipulados, mais provamos Dele, e isso fez
toda a diferença.
Enquanto escrevo esse capitulo, encontro-me em Goiânia, na casa de um desses
grandes amigos mais chegado que um irmão, ao qual chamamos carinhosamente de
Madinho, E tenho visto como Deus o formou, sem teorias, mais foi feito de vida e poder.
Eu não gosto muito de teorias, até mesmo quando a literatura cristã. Quando pego um livro
que alguém diz que temos que fazer assim e assado, mais o mesmo nunca provou de
verdade o que está ensinando, fecho o livro e o abandono, mais quando sinto a presença de
Deus nas palavras, e quando a pessoa afirma “É real o que digo, eu vivi isso!” fico feliz,
choro, me emociono, pois é verídico o fato.
Jesus não é um ser mitológico para ser contado apenas como história, e seu Espírito
não pode ser colocado em um tubo de ensaio para ser analisado, Ele é Deus! Eu não me
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atreveria em tentar criar uma visão analítica de um Deus inteligente acima de todos e de
tudo, e tentar testá-lo ou criar um teorema de como Ele age. Eu confesso que ando dentro
de uma livraria com sede de ler algo que alimente minha alma, mais na maioria das vezes
saio sem nada nas mãos, sofrendo com os olhares decepcionado do vendedor, que sempre
tenta oferecer algo interessante, mais não consegue. São sempre o mesmo blá, blá, blá de
sempre, “Deus faz assim”, “Deus age dessa forma” ou “Faça assim que tudo vai dar certo”,
o que tem permitido que os crentes acabem por comparar e ler livros seculares de autoajuda, buscando desesperadamente a ajuda que não estão encontrando no nosso meio, por
falta de um fogo renovado, por falta de experiências verídicas e não de teorias humanas.
Sei que o Senhor fará uma reforma urgente, pois estamos indo pelo mesmo caminho
da Igreja Católica Romana. Estamos vendidos à política, hoje pastor é também vereador,
prefeito, senador, deputado, etc. menos pastor. Gastamos nosso dinheiro com festas,
programas na televisão que nada tem de evangelístico, apenas auto-promoção, e nada, nada
mesmo de fogo que alimente o povo, e muitos de fome, tem debandado, espantado com a
parafernália ritualística, rito x barulho, paganismo gospel x evangelho chocolate, pedintes
de dinheiro x falsa humildade. Se o Senhor não mandar um renovo, a igreja moderna está
fadada a cair na descrença do povo em breve, ou tomar uma forma religiosa de frieza sem
nenhum, mais nenhum poder mesmo.
Por fim, precisamos voltar ao evangelho e pregar a bíblia novamente, sem usar
piadas, truques, fábulas nos sermões. Queremos ver outra vez as curas, os sinais, demônios
sendo expulsos e as vidas sendo libertadas das mãos do maligno. Se assim não for, tudo o
que teremos não passará de clubes evangélicos, mortos mais com gente sorrindo, fazendo
sua campanha pessoal, para ser querido e quem sabe conseguir uma vaguinha nas próximas
eleições.
Porém, a culpa maior ainda está entre os ministros, que bajulam o povo sem se
preocupar em agradar o Mestre, falam palavras milimetricamente medidas, porque o povo
pode não gostar, sabe como é, né? Então, falam coisas agradáveis mais que não geram vida,
e o povo fica feliz por fora, e criamos uma geração melindrosa, cheia de não me toques, e
sem nenhuma experiência com o Espírito Santo de Deus.
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Capítulo 15
"Porque, vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a
carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados."
(I Coríntios 1 : 26)
Depois, de tantas experiências que me consolidaram, era de se esperar que viesse
o chamado do Pai, visto que não existe nenhum cristão que não haja sido chamado para o
ministério, mais antes, todos fomos chamados para trabalhar com a mão no arado, alguns
apenas se acomodam e ignoram isso. Mais eu estava ansioso para dar-lhe meu sim, mais do
que rapidamente.
Tudo começou quando fui a um culto de terça feira em nossa igreja, e uma mulher
de Deus que era missionária em nossa igreja subiu ao púlpito para ministrar a palavra.
Quase não conseguiu, tamanha era a presença da glória naquele lugar, e nem sei dizer ao
certo se a igreja subiu ou o céu que desceu, mais graças a deus que eu estava lá, vivendo
tudo isso. Que grande glória!
Ao terminar a ministração ela desceu chorando do púlpito e declarando o texto de
Josué 1:9 “Não to mandei eu? Esforça-te, e tem bom ânimo; não temas, nem te
espantes; porque o SENHOR teu Deus é contigo, por onde quer que andares.” Depois
disse ter visto a visão mais linda que já havia visto em toda a sua vida. Jesus entrava pelas
portas da igreja, atravessava toda a nave, e sentando ao meu lado dizia: “Esse é meu, eu o
chamei, ele é meu.”
Fiquei maravilhado com a revelação, porém eu não sabia o que fazer com ela.
Apenas comecei a orar por isso, para que Deus me ensinasse como dizer sim, com seguir
naquilo pelo qual Ele havia me chamado, porque eu um bebê na fé.
Comecei duas atividades ao mesmo tempo, dando aulas de teatro para as crianças, e
escrevendo peças para que elas atuassem, e dando aula para as mesmas crianças na escola
dominical. O meu pastor também me convidou para atividades remuneradas na igreja,
cuidando da sonoplastia e dirigindo o carro da igreja, e eu prontamente aceitei.
Nesse tempo minha mãe voltou para Brasília, e fiquei só em Goiânia, morei um
tempo na casa pastoral junto com a família do Pastor Sérgio, porém logo percebi que estava
atrapalhando, e nesse mesmo período comecei também a cursar o seminário teológico da
igreja, chagando tarde e saindo cedo.
Decidi, enquanto caminhava sem rumo, e buscando direção da minha vida para
saber onde eu deveria ir. E como tinha as chaves da igreja, passei a dormir em um tapete
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que servia de apoio a uma bateria na sala onde guardávamos os instrumentos musicais.
Dormi nesse humilde aposento por uns cinqüenta dias mais ou menos, me alimentando às
vezes, quando a Maria, zeladora da igreja amorosamente dividia a marmita dela comigo,
uma daquelas de alumínio bem pequena, mais que tinha um grande amor dentro, pois
rendia, e depois conversávamos e riamos satisfeitos depois de nosso almoço. Maria foi
como uma mãe para mim nesse período, e sei que ela foi instrumento da graça de Deus para
me manter em pé, apesar das provas e lutas que enfrentei no começo de minha caminhada.
Dias depois, o Pai providenciou uma nova morada na casa de Tia Ida, como era
chamada por todos na igreja. Ela era uma ânsia muito respeitada por todos, não somente
por sua idade, mais por seu conhecimento bíblico e escatológico. Vocês devem imaginar
como foi uma escola para mim, ter o privilégio de morar um lugar assim. Aproveitei cada
minuto de sabedoria derramada sobre mim, e usufrui dos livros que tinham lá também. Não
houve mais falta de comida, nem de noites bem dormidas em um colchão de palha dentro
da dispensa, mais que se tornou o meu aposento, meu lugar de oração, meu lugar de
descanso e onde confeccionava as cartas que enviei a todos os antigos amigos do passado,
contando como o Senhor estava sendo bom para comigo, e de como Ele havia me mudado,
me curado e estava me sustentando. Pena que muitos morreram sem nem se quer ter a
chance de me rever ou receber notícias minha, mais muitos, eu creio, foram alcançados pela
graça através dessas cartas.
Grandes coisas fez o Senhor nesse tempo, mais também vieram provas árduas.
Como quando o líder da escola dominical me excluiu do corpo de professores, apesar de
minha classe ser a que mais cresceu ao ponto de alunos de outras turmas desejarem estar lá,
conosco. Essa punhalada me feriu ardentemente a lama. Mais Deus tinha seus planos e logo
fui ajudar a cuidar das congregações do Palmito, Novo Mundo, Fim Social e Bela Vista.
Dei o máximo de mim, me deixei consumir pela obra e creio que Ele se agradou de tal
forma que deixou preparado um milagre maior que todos esses.
Em apenas alguns meses da minha conversão, um grupo de missões da Califórnia
denominado Covenant Player (Atores da Aliança), e que usam a música, a palavra e o
teatro, daí o nome da missão. Eu não entendia o porquê de eu ter estudado teatro, ter
trabalhado no meio musical e muito menos o porquê de eu ter conhecido outros idiomas,
mais foi quando esse grupo chegou à minha igreja que tudo veio a meu entendimento.
Eles começaram a apresentação, foi comovente, muita gente tocada, e ao final,
explicaram o porque de estarem ali, em nossa igreja. À dez dias atrás estavam em sua
cidade nos Estados Unidos, quando todos os nove membros da equipe esperavam por uma
nova ordem do Senhor, quando em uma vigília, Deus os avisou que o décimo membro da
equipe estaria naquela cidade do Brasil e naquela igreja. Mas nada disseram à igreja, apenas
ao pastor falaram sobre o fato, mais ao fim do culto, eles disseram que se alguém sentisse
seu coração arder por missões, pelo desejo de ir ao campo, que dissessem a eles no final do
culto. O meu estava ardendo!
Assim eu fiz, e procurei por eles, e quando olharam para mim, começaram a chorar,
pois era exatamente a minha figura que havia vistos em visão dez dias atrás. Fui em casa,
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arrumei uma mochila de roupas, e no dia seguinte estava na estrada com eles em minha
primeira missão a serviço do Rei.
Confesso que nos primeiros dias fiquei amedrontado com a novidade. Dormiam
cada dia em um lugar diferente, e em cidades diferentes, com culturas diferentes. Apenas
$30 dólares chegavam pelo correio para cada um de nós, e com esse valor, viajávamos,
tínhamos que multiplicar para alimentação, vestimentas e demais necessidades pessoais, e
eu ainda conseguia enviar meu dízimo pelo correio, para minha igreja em Goiânia. A graça
de deus nos alcançava de forma poderosa, que quando víamos, nossas necessidades tinham
sido sanadas e ainda sobrava dinheiro para ir a uma lanchonete, ou sair com os irmãos da
igreja em que estávamos naquele momento, andando de ônibus e tudo mais. Milagre, só
poderia chamar de milagre.
Ouve dias de tribulação, onde a saudade de casa bateu, e como eu e Jeff éramos os
únicos solteiros em atividades aqui no Brasil, eu desejava muito ter alguém ao meu lado.
Via os outros casais conversando, dividindo seus motivos de oração, e eu me senti triste e
sozinho por muitas vezes, mais ai Deus nos fazia um mimo e já nos víamos felizes outra
vez.
Lembro-me de ter sido hospedado em uma casa em Maringá, que jamais vi outra
igual em toda a minha vida. Um quarto só para mim, com uma cama de casal, e tantos
travesseiros e edredons, que a noite eu mal podia me mexer. Dos dois lados da cama
haviam aquecedores elétricos, pois o frio aqueles dias era de rachar, e não me lembro de ter
pisado em algo que não fosse carpete e tapete. Esse irmão ainda colocou um dos seus carros
a nossa disposição, para usarmos no translado ministerial enquanto ficássemos ali naquela
cidade, o que foi outro grande sinal de que Deus estava nos abençoando.
Por fim, fui me acostumando a viver pela fé, e a depender Dele para todas as coisas.
Consultando sua vontade antes de tomar qualquer decisão, atendendo as sua vontades, e
andando em conformidade à sua palavra. O ministério foi tomando conta do que antes era
sonho. Deixei pouco a pouco todos os meus próprios sonhos, e fui descobrindo quão
maravilhoso é viver os Dele, me esvaindo de mim mesmo, para me encher de sua
maravilhosa graça.
Vivo pela fé até hoje, dezesseis anos depois de minha conversão, e confesso que
cada dia mais me surpreendo, a cada manhã um novo milagre, e sempre mais e mais da sua
presença, assim como um rio em que suas águas estão sempre em atividade, não param.
Confesso que existem alguns fantasmas em minha mente, pois não consigo esquecer
os velhos amigos e as pessoas que eu mesmo aliciei nas drogas e em tantas perversões
desse mundo, e oro por eles, pois ficaria feliz de vez se pudesse encontrar todos eles no céu,
mais me conformo quando penso que Deus está no controle de tudo e de todos, e que nada
sai do alcance de suas mãos.
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Capítulo 16
"Mas agora, ó SENHOR, tu és nosso Pai; nós o barro e tu o nosso oleiro; e todos
nós a obra das tuas mãos.
(Isaias 64:08)
Tenho visto a poderosa mão do amado de nossas almas poderosamente, mais não
quero iludi-los com uma história fantasiosa em que tudo termina bem. Cometi falhas, errei,
paguei um alto preço por isso, mais nada disso eliminou a determinação da história que
Deus tinha sonhado.
Minha humanidade é nata, sou descendente de Adão, e como todo humano, não
soube discerni quando Deus disse não, ou quando me deu uma orientação especifica, o que
me fez dar de cara com o poste por diversas vezes, tendo que recomeçar do zero.
Posso citar vários deslizes. Confiei em muitos homens, me deixei levar por um
estelionatário, que levou a mim e outro ministro de Deus para outra cidade, na promessa de
que a obra precisava de nós, e fomos envolvidos em uma maracutaia horrível. Fui casado
por dez anos, certo de que era a mulher de Deus para minha vida, hoje sou divorciado e
tenho três abençoadíssimos filhos, porém o casamento nunca foi um mar de rosas, mas
posso dizer que nadei entre os espinhos cada dia dele.
Mas em nenhuma dessas coisas, Deus falhou comigo, apenas eu errei, mais estou
bem certo de que tudo isso contribuiu para o meu crescimento e o do reino.
Não somos deuses, pelo contrário, somos barro. E de barro que somos, estamos
sujeitos a paixões e deslizes. Não estou querendo justificar meus erros, mais antes mostrar
que não sou nenhum super-homem e nem quero iludi-los com contos da carochinha, mais
quero que olhem apenas para Ele, ao qual merece toda honra e glória.
Durante o período em que fiquei escrevendo esse livro, Deus me deixou claro que
deveria escrever a história de alguns amados irmãos também, daí o titulo dado. Mais houve
um que me impressionou em particular. Não estou narrando fatos de pessoas que não
conheço, mais antes, tenho falado de pessoas a quem tenho participação de suas histórias, e
outros conheço como a um irmão, por isso suas histórias estão aqui. Não foi apenas uma
febre alta, e uma crise de delírio, mais Deus queria que eu estivesse fazendo isso. Foi
quando orei e procurei em Deus revelação para entender sobre quem eu deveria citar nessas
linhas. Foi quando esse amado irmão me confessou que sua história era linda realmente,
porém, durante o período de sua conversão, mitos surgiram sobre sua história, e ele nunca
os desmentiu, pois aquilo fazia com que as pessoas o respeitasse, mais quando chegou o dia
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em que sentamos para gravar, ele me confessou que nem tudo que contavam era
exatamente como aconteceu. Os fatos narrados aqui, foram de fato a primeira vez que ele
testemunhou à alguém seu testemunho, pois como um cristão temente, não gostaria que sua
história tivesse alguma mancha que depois não conseguisse apagar.
Outra linda história acontece em minha própria família, de alguém que convivo
desde que nasci, e que nunca ouvi nada sair de sua boca que não fosse 100% fiel. Por isso,
parei aqui o relato de minha própria história, pois trata-se de algo que ainda está sendo
escrito, e que grandes pinceladas do Mestre ainda precisam ser dadas para que a narração
continue, por esse motivo, deste capitulo em diante, você será impactado com outras
histórias de homens e mulheres de Deus, soldados anônimos até agora, que ajudaram a
escrever a história de Deus aqui na terra.
74
Parte 2
A graça que
alcançou a
muitos
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Capítulo 1
"Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem
com os olhos se viu um Deus além de ti que trabalha para aquele que nele
espera."
(Isaías 64 : 4)
Eram dias entediantes e muito quentes na cidade de João Pessoa, capital do estado
da Paraíba. Eu já estava ali a algum tempo, no oficio da pregação da palavra. Estava
passando por tremenda adaptação quanto a cultura local, e as formas de evangelismo que
fosses eficazes naquele lugar.
Enquanto isso, minha mãe-avo, estava indo para sua segunda cirurgia na coluna,
para correção de uma hérnia de disco, cirurgia essa que consistia na colocação de quatro
parafusos de fixação. Sérgio, meu tio-irmão, já estava em Brasília para acompanhá-la
quando fosse para o leito, e ficaria até sua recuperação.
Falávamos todos os dias pelo telefone, e tudo estava dando certo. Após todos os
exames feitos, o médico, um amigo da família, o que nos deixava tranqüilos em ralação a
todo o procedimento.
Chegou o dia, orações foram feitas durante todo o dia e aguardávamos o término da
cirurgia.
Porém, naquele dia, ao entrar no pequeno quarto que morava em João Pessoa, ouvi a
voz do Espírito Santo falar dentro em mim. De joelhos, busquei sua face para que viesse o
entendimento. E ali, Ele me instruiu a ficar 26 dias em jejum e oração, porém em nenhum
momento me disse o porque, e como sempre, prontamente obedeci.
Mesmo sem saber o porquê, no dia seguinte, iniciei um jejum parcial, ficando quase
o tempo todo no quarto, em oração e leitura da palavra. E nenhuma informação se quer
sobre de que se tratava aquele propósito.
Os dias iam passando, e como homem, sentia necessidade de ação. Queria fazer
alguma coisa como ministrar na praia, ir até outras localidades pregar ou mesmo sair um
pouco, ver pessoas, porém, quando eu orava, ficava claro que não deveria me desviar desse
propósito nem por um instante sequer. Confesso que desobedeci por algumas vezes, indo à
casa de algum irmão, ou mesmo à praia, mais me sentia estranho e desejoso de retornar.
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Porém em Brasília a coisa estava complicada. Do meio para o fim da cirurgia,
minha mãe teve um choque anafilático, e sua pressão arterial sumiu, e sua temperatura caia
bruscamente. Enquanto todos contemplavam aquela cena horrível, dela saia uma espuma
branca pela boca e ecoava um som assombroso causado pela agonia da morte.
Ela havia chegado, a morte chegara para levar a minha família, visto que ela hoje e
quase tudo o que tenho.
O medico apavorado gritava para que as enfermeiras desocupassem a UTI, onde
tentaram todas as técnicas de ressurreição.
Esses fatos foram narrados por minha mãe, em lágrimas, quatro anos depois do
acontecido. Ela me confessou que nunca quis contar os fatos que narrarei em seguida, com
temor de que alguém não cresce, ou que fosse usado de forma inescrupulosa. Espero que eu
consiga descrever da forma mais fiel possível, pois a grande intenção desse livro é a
edificação do corpo de Cristo na terra, para que creiam no seu poder e devolvam a Ele toda
honra e toda glória.
Chegado na UTI, ela se lembra que daí em diante, podia ver duas dimensões bem
distintas. Uma começava no chão e ia até o teto, porém esse não mais existia, dando lugar a
um lindo céu, de um azul indescritível, onde só quem viu sabe como realmente o é. Depois,
a imagem fechava, como um grande túnel, onde ela se esforçava para ver seu fim, porém
era impossível se não entrasse por ele. A sala da UTI era como um parapeito de um prédio
imenso, e se ela desse um passo, entraria no túnel.
Nenhuma lembrança das coisas terrenas existiam ali, era como se todo o sofrimento,
todas as aflições, angustias e preocupações ficassem dali para trás. Nem mesmo dos
queridos familiares era possível haver recordação alguma, mais antes, um grande desejo de
seguir pelo túnel e não mais retornar, seguindo para o querido e esperado lar, eterno lar.
Porém, foi impedida por um grande anjo que na contra mão a levou de volta para a
cama do hospital, e sobre ela se colocou.
Assim como o céu que ela via, a descrição do anjo é idêntica, como algo
esfumaçado, como que para que sua aparência não fosse vista. Acredito que Deus tenha
grande preocupação de que as coisas celestiais não seja vista nitidamente para que não
sejamos tentados a adorá-las, ou fazer imagem daquilo que foi visto.
Dias se seguiram, e a imagem era a mesma, porém, para ela tudo não durou mais
que 15 minutos, pois não estava presa ao chronos(1)*, mais estava provando o tempo de
Deus, o kairós(2)*.
Porém a minha angustia ia aumentando cada vez que eu ligava em Brasília. Quando
Sérgio atendia ao celular de minha mãe ou o telefone de casa, dizia que minha mãe ainda
estava no hospital, mais não me dizia o que realmente tinha acontecido. Não sei se para me
poupar, ou se não queria falar sobre o assunto, por ser ele o que mais sofria porque estava
vendo e sabendo sobre todo o ocorrido. O médico ainda contou o fato de que ela disse,
mesmo sem lucidez nenhum que seria a última vez que ele via ela em vida. Agora imagine
como estava o seu coração, acredito que eu também evitaria falar sobre o assunto.
77
* Chronos: É o tempo terreno, marcado por relógio, hora minuto e segundos.
*Kairós: É o tempo de Deus, onde início e fim se confundem em um tempo só, não tem relação com o tempo terreno.
Deus em seu infinito amor estava nos preparando um milagre, mais não
imaginávamos como esse milagre viria, mais sabíamos que viria, pois Deus sempre fora fiel
a nós, e confiávamos Nele. Sérgio tinha vivido algo assim com seu filho caçula o Gustavo,
que nasceu com uma má formação no estomago, e ao nascer não podia se alimentar. Os
médicos colocavam uma gota de leite com um conta-gotas em sua boca, e ele logo
vomitava. Aos poucos Gustavo morria e nada podia ser feito. Seu pai, desesperado mais
confiante de que Deus faria algo, foi aos pés do Senhor em oração, e chorando entregou seu
filho ao Pai dizendo: _“Tu me deu, se quiseres podes me tomar. Mais sei que se quiseres
podes fazer um milagre e devolve-lo a nós!” assim Ele fez, nos devolvendo o Gustavo, que
em seguida começou a receber o leite e não mais vomitá-lo. Me recordo que dias depois,
Sérgio deu uma entrevista para o programa Pare e Pense do canal Vinde TV sob a direção
do Reverendo Caio Fábio D´araujo Filho, ícone da igreja e da pregação do evangelho
nessa época. Gustavo se exibia mamando no seio de sua mãe, e quando cresceu logo se
tornou parrudo, e o maior entre seus irmãos. Hoje ele tem 14 anos e ainda é um exemplar
magnífico de adolescente, forte e cheio de vitalidade.
Esperava ele que o mesmo poder fosse se manifestar nesses dias, e que algo
maravilhoso iria acontecer para também nos devolve-la, mas ninguém sabia como deus
faria isso.
Do outro lado do país eu estava ajoelhado, clamando por algo que nem imaginava o
que seria. Pranto apaixonado me vinha a face, e desesperado eu orava pedindo a Deus que
mostrasse sua grande e forte mão, mesmo sem saber o porque, mais sabia que um grande
milagre estava para acontecer, porém, no vigésimo sexto dia a paz inundou o meu coração e
dormir como criança aquela noite, certo que a graça de Deus tinha me alcançado.
Então, o anjo foi se afastando, subindo vagarosamente, foi, e enfim sumiu. Ao
desaparecer, o túnel foi se fechando com ele, e o teto da UTI novamente apareceu. Então
alguém gritou: _”Ela voltou, ela voltou!”
Chamaram seu médico, e então ela e Sérgio se encontraram outra vez, felizes por
vê-la, porém sem entender muito como subitamente recobrou os sinais vitais bem como a
consciência, sem nenhuma seqüela ou problema decorrente aos dias que esteve ligada aos
aparelhos.
Em João Pessoa acordei e ainda de olhos fechados percebi que tinha alguém do lado
esquerdo de minha cama, e abrindo rapidamente o olho pude ver aquele que se assemelhava
a um homem. Então ele muito rapidamente disse: “_ A mulher já está bem!”. E sumiu.
Sentei à cama, e confesso que não imaginava que mulher seria essa da qual o anjo
havia me avisava. Não imaginava que minha mãe estivesse mal pois Sérgio em nenhum
momento deixou transparecer que algo estava errado.
Então, durante o dia liguei e para minha surpresa quem atendeu o celular foi minha
própria mãe.
78
Então ela mesma me contou tudo o que havia acontecido durante aqueles dias em
que eu estava orando e ninguém me dava noticia alguma dela.
Passei aquele dia na praia em oração, porém daí em diante foi em ações de graças
por tudo o que Ele havia feito. Cantei canções que ela me ensinou quando eu era criança e
que muitas vezes me fizeram dormir ao som de suas notas. Recordei de cada imagem que
tinha de minha mãe em minha mente, e vi como deus havia sido bom para conosco, e de
como sua misericórdia nos poupou a dor e o sofrimento daqueles dias.
Mais foi apenas em Setembro de 2010 que sentamos e conversamos a fundo sobre o
acontecido, e sob lagrimas, que me permitiu pela primeira vez relatar o fato ocorrido. Como
eu já citei, pessoas que vivem experiências sobrenaturais como essa evitam falar temendo
serem confundidas com lunáticos, mais o fato é mais comum do que imaginamos.
Estudos tem sido realizados em todo o mundo, o que chamam de EQMS ou
Experiência de quase morte, e revelam algo alarmante.
O Dr. Jeff Long, do IANDS – International Association for Near Death Studies
(Associação Internacional de Experiências de Quase Morte) fala que é tão incrível o nível
que uma pessoa pode chegar, que há relatos de pessoas cegas de nascença, cujo a primeira
experiência visual foi exatamente durante a sua parada cardíaca e cerebral. Há relato de
consciência separada do corpo em que pessoas enxergam em ângulos privilegiados, e vêem
e ouvem tudo, e o que viram e ouviram estava totalmente corretas, mesmo depois de uma
parada cárdio-pulmonar.
Um médico do renomado Hospital Infantil de Seattle (Seattle Children´s Hospital),
o Dr. Melvin Morse, e ele afirma cientificamente que as experiências de quase morte são na
verdade experiências de morte. Houve três importantes pesquisas sobre o assunto nos
últimos 15 anos, e todos os três estudos afirmam que essas experiências são reais e que
todos nós passaremos por ela em algum momento. Ao contrário de tudo que se afirmou até
hoje, onde a sociedade cientifica associava essas experiências a fatores hormonais, ou às
drogas ministradas aos pacientes caíram por terra. Isso é fato cientifico e não uma opinião.
O Dr. Tony Lawrence da Universidade Coventry (Coventry University) sugere que
isso não pode ser causado por drogas ministradas, pois as experiências seriam diferentes,
porém, são parecidíssimas, como se as pessoas estudadas houvessem combinação no que
diriam.
A rede GNT exibiu um programa sobre o assunto, e crianças e militares das forças
armadas norte americanas, as crianças vitimadas pela morte ou coma, foram submetidas a
experiência, sendo pedido a elas que desenhassem o que viram, e todas desenharam anjos,
nuvens e uma fonte de luz vinda do alto. Os militares eram colocados em uma centrífuga de
treinamento, e deixadas até que apagassem e iniciassem um coma, depois eram
ressuscitadas. Dependendo de sua conduta pessoal ou estilo de vida, viam inferno,
demônios, agonia terrível, outros davam a mesma explicação dadas pelas crianças.
Esses fatos tem levado a sociedade científica a reconhecer a existência de céu e
inferno, e que a vida não acaba aqui, mais há algo além dessa existência terrena.
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Podemos falar sobre Daniel Ekechukwo da Nigéria, que foi embalsamado e depois
de três dias morto veio a vida e relata ter estado no céu e no inferno. O mais incrível dessa
história é que a sua ressurreição foi documentada por câmeras, com testemunho de várias
pessoas, incluindo centenas das que estavam na igreja onde fora trazido a vida, além do
homem que fez sua autopsia e de dois médicos que estiveram com ele no momento de sua
morte. Daniel exibe em dois filmes que relatam sua incursão no misterioso mundo da morte
sua certidão de óbito. Os filmes são “Ressucitado dos Mortos (Raise to be Dead)” e
“Fenomeno Lazaro(Lazarus Fenomenun)” esse segundo relata também o testemunho de
um neo zelandês chamado Ian McCormack, um surfista que após ser atingido cinco vezes
por uma água-viva chamada Cubosoa, o segundo animal mais mortal da terra, agonizou até
morrer em um hospital das ilhas Mauricio. O relato de Ian sobre o céu é surpreendente, e
como os demais nos deixam certos de que teremos que dar conta de como vivemos aqui na
terra e isso irá definir o nosso destino depois daqui.
Primeiro ano de vida
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Aos nove anos de idade, na casa dos avós em Sobradinho, cidade satélite de Brasília.
Uma das poucas fotos que tem com seu pai biológico.
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Sérgio, Max, a Avó-Mãe Dona Maria do Carmo, o Avô-Pai Valfrido e
Acácia (Prima de Segundo grau).
Neusa mais ou menos na época que voltara do colégio interno.
82
Casamento de Neusa e Ty.
Sérgio e Valfrido em frente a Torre de TV, uma das atrações turísticas do DF.
83
Seu Valfrido com colegas da Polícia Legislativa sentados em cadeiras do Plenário da
Câmara dos Deputados.
Já convertido, nos anos 90 em uma das últimas fotos em que seu Valfrido e
Dona Maria do Carmo estão juntos. Ele já havia se mudado para Aracajú e
constituído nova família.
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Já em sua vida pregressa pouco antes de se tornar punk, mais já usuário de
drogas, cigarro e bebidas alcoólicas.
Batizando detentos no presídio de Santo Antônio do Descoberto – GO.
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Capítulo 2
" Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do
Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo
Espírito do Senhor."
(II Coríntios 3:18)
Zé Bolacha,é assim que é conhecido até hoje, nome inspirado em um personagem
de uma novela exibida no canal Globo de televisão,foi desde sua adolescência, uma figura
temida por muitos. Assim, durante a sua idade adulta, deixou escorrer um boato que
futuramente viraria um boato, que faria sua fama.
Nascido em Araguari, cidade do triangulo mineiro, filho de pais severos como ele
mesmo descreve, devido à vida na roça e as dificuldades da vida, era o segundo filho do
casal, sendo cinco anos mais novo do que o primogênito. Ele descreve que em sua mente
infantil, acreditava ser tudo para seu irmão mais velho, não sobrando nada para si, onde diz
que a predileção pelo irmão mais velho era explícita.
Revoltado, colocou no seu coração um desejo imenso deixar o lar dos pais, o que
faria assim que houvesse a primeira chance. Entre os 14 e 15 anos, sua chance de seguir
para longe de sua família chegou, quando um caminhoneiro o convidou para ser seu
ajudante, viajando junto com ele na boleia do caminhão para Goiânia, capital do estado de
Goiás. Zé aceitou de primeira, deixando claro que não mais retornaria ao lar dos pais.
Desde então, o adolescente plantou em seu coração uma semente de armargura que
o guiaria por toda a sua vida, o rancor. Seu desejo era de não perdoar jamais aqueles que
entrassem em seu caminho. Duro, odioso se tornou sua vida, porém, para adquirir o respeito
das pessoas deixava seu personagem tomar forma.
O próximo destino foi Barretos, cidade do interior do estado de São Paulo onde
acontece uma das maiores festas de pião do Brasil. Daí em diante, a estrada era sua casa.
Tornou-se habilitado para dirigir caminhões quando atingiu a maioridade, passando
a transportar de tudo, dirigindo todo tipo de caminhão, que o levariam a uma vida sem
regras e sem lei, regada a muita bebida, mulheres, em especial as de beira de estrada da pior
estirpe possível, drogas, e por fim a macumba.
Zé foi convidado para um trabalho em cachoeira por conhecidos, disseram a ele que
a farra seria muito boa e que se conhecesse não deixaria mais. E em partes era verdade, pois
mulheres fáceis se disponibilizaram para serem consumidas como em um self-service,
havia também muitas noitadas regadas à bebida, comidas e drogas. Ele logo se fez membro
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do grupo, participando na preparação das galinhadas, recebendo o batismo com a queima
de pólvora, dormindo em *roncó, bebendo pinga derramada em um buraco feito no chão,
onde segundo ele a pinga permaneceu ali por mais de duas horas sem evaporar, até que
fosse totalmente bebida.
Ele acreditava estar fazendo a coisa certa, assim como muitos que lá estão, e ao
ouvirem falar de Jesus, ou mesmo ver uma imagem de gesso daquilo que dizem ser Jesus,
crêem que estão fazendo uma coisa boa, e que as entidades estão ali para servir e ajudar
aqueles que as obedecem e as servem. Porém o diabo é o tipo amigo da onça, ele dá com a
colher e tira com a concha, no começo parece ser um mar de rosas, mais depois a cobrança
é dura, tudo o que recebeu desaparece, muitos se transformam em homossexuais, perdem
sua saúde física e metal, entrando em um colapso vital, e morrendo tragicamente, como que
em um desejo maligno de deixar exposto o seu corpo para que seja visto o que o diabo fez
com a criação de Deus.
Assim, Zé se casou aos 22 anos, e com a vida de viagens, adultério, totalmente
entorpecido, esse relacionamento não passou de um ano, onde sua jovens esposa,
desencantada com o marido, decide deixar o lar, e junto levam a primeira e única filha do
casal, que veio ao mundo em 1972, e hoje, no momento em que este livro era escrito, tinha
a idade de 39 anos.
Mais um filho foi feito, e a história se repete, bruno e deixado sem pai , hoje com 30
anos de idade, mais sem convivência alguma com seu genitor durante todos os seus anos de
vida.
Zé relata ainda crer na existência de mais uns três ou quatro, espalhados pelo
mundo, e sem nenhuma notícia ou contato.
Enquanto me contava detalhes de sua vida e história, Zé me disse com lágrima de
sua luta para ter a amizade dos filhos já adultos e encontrar os demais, nem que seja para
pedir perdão, visto que o ato de irresponsabilidade não poderia ser reparado.
Assim se encontram muitos filhos, sem a presença ou mesmo o conhecimento de
quem são seus pais. Uns criado pelas ruas, afagados pelo frios, abraçados pela morte.Isso
serve de conselho aos jovens que lêem estas páginas, pois tudo o que for feito aqui nesta
terra terá de ser dado conta, tudo tem uma conseqüência. Muitos pais, depois de velhos,
assim como o meu amigo Zé Bolacha, vivem com fantasmas na sua mente, de um passado
que não volta mais.
Daí em frente, Zé incrementou seu personagem, criando para seu personagem uma
nova roupagem, dizendo a todos que fora criado na extinta FEBEM – Fundação para o Bem
estar do Menor e do Adolescente, hoje denominada Fundação CASA. Amedrontava seus
amigos e colegas de roda de bate papo, afirmando também que passara a idade adulta no
SEPAIGO, presídio que fica no coração da cidade de Goiânia-GO. Relatava que tinha
matado policiais militares em uma troca de tiros, e por esse motivo caíra na prisão, onde
cumpriu toda a pena, e lá aprendeu toda sorte de crimes e coisas vis possíveis.
A resposta do boato era imediata, pois até o mais valente dos homens passava a
respeitá-lo depois de tal testemunho, o que o deixava muito confortado, sendo o centro das
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atenções onde chegava, e contando com o medo e o respeito de todos.
Desenvolveu um ódio mortal de crentes. Não podia ouvir falar!
Certa feita, uma dupla de crentes, um pastor e uma missionária, evangelizavam na
rodoviária do Plano Piloto em Brasília, cidade onde o Zé permanece até hoje, e resolveram
abordá-lo, quando a mulher disse:
“_ Senhor, posso falar com você?”
“_ Você já está falando!” Respondeu odiosamente vendo que se tratava dos
malditos crentes de quem tanto desenvolvera ódio no decorrer de sua vida.
A moça tenta mais uma vez, dizendo “_Senhor, queria falar de Jesus.”
E o Zé, mostrando toda a sua severidade aos crentes respondeu: “_Se é sobre o seu
Jesus eu não quero ouvir falar não, porque eu sou macumbeiro, fumo charuto e não gosto
de crente.”
O pastor logo chamou a moça de lado e subitamente desapareceram em meio a
multidão que superlota aquele lugar.
Outra vez, foi convidado por um pastor conhecido nosso, da Igreja Metodista, e para
se ver livre de uma vez por todas de tantos crentes enchendo o seu saco, foi, mais ficou
espetado na parede como uma lagartixa, exibindo suas guias branco e preto, fazendo alusão
a entidade demoníaca tranca-rua. O filho do pastor inocentemente pergunto:
“_Você é Botafoguense?”
E ele sem demora respondeu:”_Não, sou macumbeiro!”
E foi assim que conhecemos o Zé, onde quando soube que eu era pastor, fazia
questão de assoprar o charuto que constantemente estava aceso entre seus dedos e dizia:
“_ Esse aqui foi meu pastor que me mandou fumar!” Fazendo referencia as
entidades da macumba.
Zé nunca se permitiu ser evangelizado, pois deixava claro que eu, Fernando, nosso
amigo em comum, pastor Maurício Panisset grande amigo e parceiro ministerial, éramos os
únicos crentes com que ele ainda falava, e se pregássemos para ele, não haveria mais
nenhum, deixando entender que não mais teríamos acesso a sua pessoa.
Porém, Deus tinha seus planos.
Sentimos o desejo de orar no monte, eu e Fernando, seguidos algumas vezes pelo
pastor Maurício Panisset, os angolanos Goio e Calson, e mais alguns amados irmãos do
Distrito Federal. Oravamos sobre muitas coisas, porém, um dos principais pontos colocados
diante do Senhor, era a conversão do Zé. Semanas a fio se seguiam, e todas as quintasfeiras estávamos lá, firmes no propósito de oração e na intenção de ganhar essa alma para
Cristo. Meses, anos se passaram e nada. Chegamos a desacreditar no milagre que pedíamos.
Mais foi no ano de 2003 que tudo começou. Eu trabalhava em uma marina da
cidade, e o proprietário me falou sobre a necessidade de contratar um novo caminhoneiro
para transportar as lanchas das marinas e dos clientes. Imediatamente liguei para o Zé, que
prontamente chegou para se apresentar no novo serviço.
Ele ficou maravilhado com o ramo, e podíamos ficar bastante tempo juntos. “-Será
que essa é a minha chance de falar do amos de Deus para o Zé?” Eu me perguntava.
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Deus estava trabalhando, porém era muito difícil ver o que Ele estava fazendo.
Todos os dias, o Zé chegava em sua moto sete galo customizada, parecida com uma
Harley Davidson Chopper, batizada por ele mesmo de Auzíra. Logo o ronco de sua moto, e
sua personalidade forte atraía todos em sua roda. Assim era o temido, mais também muito
querido Zé Bolacha. Agora já não exibia mais a musculatura do inicio, devido a uma
diabetes que lhe agredia a saúde, o obrigando a se afastar da comida que lhe dava prazer,
deixando a bebida e todas as práticas antigas. Acredito eu que já era o trabalhar de Deus.
Certa noite, fomos até o Jardim Planalto, bairro próximo da náutica, para buscar
marmitex para o jantar, No caminho, coloquei um cd no aparelho de som do meu carro, e
durante uma das música, o cantor para de cantar e passa mais ou menos uns sete minutos
penas chorando e soluçando. O Zé me perguntou o porque daquele camarada estar
chorando daquele jeito, e sem demora, o disse que quando Deus toca em um homem, tudo
perde o sentido, só importa se render e chorar, é algo inevitável, é o Todo Poderoso,
tocando em um homem mortal como eu e você. Não tem um que não chore!
“_Esse cabra é muito é frouxo!” Respondeu Zé Bolacha, deixando claro que homem
macho como ele nunca chora, por nada desse mundo.
“_Não chorei nem quando minha mãe morreu!”
Assim, nosso assunto cessou, mais ele continuou ouvindo, calado, sem dar nem um
pio. Acreditei naquela hora que ele estava sentindo a presença de Deus, e estava.
“_Zé, porque não vai La na igreja amanhã? Vai sentir essa mesma presença lá!”
Ele afirmou que iria, mais só para me mostrar que nada o faria chorar.
Domingo, o fogo começara a cair na igreja desde as cinco horas da tarde, horário
que a mocidade e o ministério de louvor começava a se reunir em um quartinho que servira
de berçário, mais o Pastor Maurício teve a idéia de usá-lo como quarto de oração. As sete
horas, quando o culto começou, estávamos tomados pela glória, e conforme as pessoas
chegavam, se prostrava e chorava, não tinha como ser diferente.
Zé chegou, e como fez na outra igreja, se colocou colado, pregado contra a parede
no fundo da igreja, mais eu ainda não o tinha visto. E o culto continuou. Louvor, ofertório,
palavra pregada pelo pastor Maurício Panisset,e por fim o apelo. Chamamos todo o povo
para ir a frente, e ministrávamos sobre todos, foi quando eu dei sinal para que o Zé também
viesse, e ele relutou mais veio.
Ao chegar ali na frente, acreditava ele que iria tomar um passe, assim como na
macumba, pois não conhecia nada além daquilo que vira lá, e ao nos ver impor as mãos
sobre as cabeças dos homens e mulheres que estavam lá, pensou se tratar de um passe, e
por isso deixou que orássemos por ele. Eu na frente, Maurição atrás, e duas irmãs dos lados.
Impus as mãos mas não sobre a cabeça, mais no peito, ele caiu de joelhos na mesma hora, e
para honra e glória de Deus, aquele homem duro se desmanchou em lágrimas, e com a mão
no peito parecia sentir uma grande dor no seu coração, o que era real segundo relato futuro
do próprio Zé, como se algo rasgasse seu coração. E como uma criança que se reencontra
com seu pai depois de um longo tempo distante, assim, ele se desfalecia em lágrimas aos
pés de Jesus, aquele que sempre o amou, e esperava esse dia desde quando o criara.
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No dia seguinte, não haviam mais guias em sua moto Enem em seu pescoço. Suas
palavras haviam mudado, havia uma docilidade em suas palavras que agora mencionavam
o nome de Jesus sem medo, mais com lágrimas sempre que esse nome era mencionado.
Uma relação de amor profunda havia nascido, e em meio a um ambiente de
conversas torpes, ele desviava o assunto e falava do seu novo amigo, JESUS.
Eu deixei a náutica, e ele voltou a trabalhar com o Fernando, com o guincho da
oficina e como entregador de peças para as lojas vizinhas, permanecendo assim até os dias
de hoje, porém, não dirige mais caminhão e nem guincho devido a idade e a saúde afetada
pela diabetes.
Mais o novo Zé Bolacha, assassinou o personagem criado a base de mentiras, cheio
de marra para assustar as pessoas, passando a ser alguém com uma docilidade tremenda e
segundo ele, transformado 90% pois acredita que ainda possa alcançar mais de Cristo em
seu viver e em seu caráter.
A moto do Zé hoje tem uma chama, representando o Espírito Santo de Deus no
lugar das guias evocativas a demônios. Sua aparência resplandece, como a de alguém que
viu a Jesus, e que o vê, não pode mais ser o mesmo, não tem como.
Hoje palavras como eu não posso viver sem Ele, ou ele é tudo o que tenho, motivam
os cliente, colegas de oficina a quererem o que ele tem.
Naquele ambiente de palavrões e assuntos eróticos, um novo cenário se deu, o de
muitos cristãos reunidos, pois a palavra do evangelho cresceu em meio a aquela antiga
podridão.
È por esse motivo que eu também não posso viver sem ti JESUS!
Tu és lindo, amado meu,
Toda honra e glória seja para ti, somente a ti.
Amado JESUS.
*Lugar onde aquele que faz a cabeça permanece por 7dias. Quarto escuro e confinado para dedicação aos demônios.
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Capítulo 4
"CONJURO-TE, pois, diante de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, que há de julgar os
vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino,
Que pregues a palavra, instes a tempo e fora de tempo, redarguas, repreendas,
exortes, com toda a longanimidade e doutrina.
Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão
nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias
concupiscências;
II Timóteo 4:1-4
E desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas.
(II Timóteo 4:1-4)
Gostaria de finalizar este livro, fazendo um apelo a essa geração. O texto de II
Timóteo, sem dúvida grita em nossos ouvidos nos dias de hoje. O intuito que o Senhor nos
permitiu escrever esse livro foi principalmente para deixar claro que o que convence o
homem do seu pecado é apenas a presença do Espírito Santo. Todos os testemunhos
descritos mostram que foi a simples atuação da presença da glória transformou, impactou e
libertou cada uma das vidas aqui citadas, inclusive a minha própria.
Hoje, muitos se achegam as portas dos templos acreditando que o lugar, as pessoas,
os eventos, as campanhas irão mudar sua vida. Duas confusões são cometidas de imediato,
pois igreja vem do grego Eklesia = Chamados para fora, a função da igreja é estar no
mundo, sendo testemunha de Cristo e jamais confinada em paredes e bancos crendo que
aquilo é igreja. Segunda confusão é relacionada ao melhorar sua vida através do encontro
com a fé em Cristo. A maioria crê que essas mudanças são na vida natural, como ter mais
carros, mais casas, mais bens. Na verdade o Senhor nos prometeu uma cruz, alertando que
no mundo teríamos aflições, mas deveríamos ter bom animo, pois Ele venceu o mundo. O
que isso tem haver com vida financeira.
Para atrair mais pessoas, lideres criam campanhas, seminários de finanças, formulas
maravilhosas de como ficar mais rico dentro da igreja. Todas a reuniões, dia-após-dias, é
pedido dinheiro, que na verdade quase nunca são destinados aos que fazem a obra, como
deveria acontecer, mais servem para comprar mais coisas.
O resultado disso são templos cheios de gente vazia. Pessoas sem qualidades cristãs,
que não foram convertidas de verdade. Por isso é necessário um grande aparato para o
show, bandas, instrumentos, iluminação, entretenimento. Mais continuam vazias. Quando
um homem de Deus chega em uma dessas igrejas e pela graça do Senhor as pessoas sentem
a presença de Deus, o povo fica confuso, pois conheceram uma falsa paz, gerada por boa
musica, por um ar condicionado e cadeiras vazias, de repente ao sentirem a doce presença,
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a presença real do Senhor, começam a chorar, enxergar seus próprios pecados e perguntar a
si mesmos: “o que eu fiz da minha vida até hoje?”
Conversão é mudança, é visão de dentro para fora. E por favor nunca mais diga que
alguém “aceitou a Jesus”, pois quem somos nós para aceitá-lo se Ele não nos aceitar? Tente
perguntar se alguém nasceu de novo ou foi convertido ao Senhor, mais não rebaixe o
Senhor ao ponto de um simples mortal o aceitar.
Desculpe-me pelo desabafo, mais o que chamamos hoje de igreja está na verdade a
anos luz de ser o corpo vivo de Cristo, somos apenas a apostasia da verdadeira igreja.
Pergunte aos que se dizem cristão se por algum acaso o Senhor levasse seu querido
bebezinho para glória se ele permaneceria fiel, olharia para o céu e como Jó diria: “Deus de
e ele tirou!” Ou mesmo se deixaria sua casa confortável para obedecer ao Senhor indo
pregar em algum lugar onde sua vida correria risco, como Paulo que teve prisões após
prisões? Ou se andaria 700 000 km montado no lombo de um jumento como fez John
Wesley? Ou suportaria o calor de uma fogueira cantando louvores enquanto seu corpo
queimava como John Hus? Não estou pegando pesado, estou sendo verdadeiro, isso é o
mais próximo de ser cristão que deveríamos ser!
Não somos desse mundo, somos apenas forasteiro.
“Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não
está nele.
Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também agora muitos
se têm feito anticristos, por onde conhecemos que é já a última hora.
E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus
permanece para sempre.
Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e
a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo.
I João 2:15-16
Porque será que ninguém prega textos como esses? Porque as pessoas preferiram
amar ao mundo e as coisas desse mundo, e por isso afirmo que os que tal coisa fazem, não
tem a eternidade dentro de si e muito menos entenderem o reino e a pregação de Jesus.
Por isso muitos não são transformados pelo poder do Espírito Santo, simplesmente
porque poucos ajuntamentos desses conseguem chamar e manifestar a presença
maravilhosa do Senhor, porque isso só acontece com humilhação, jejuns, petições
desesperadas por sua presença e principalmente quando as pessoas se achegam a Ele sem
nenhum interesse.
Imagine você que é pai ou mãe, descobrisse que seu filho que você criou, investiu
seu vigor e sua vida nele, de repente descobrisse que ele só está perto de você por auilo que
você pode dar a ele, e não por amor, não apenas para usufruir da sua amada presença, mais
apenas por interesse? Como você reagiria?
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Então talvez seja assim que o pai nos vê, como filhos mimados, interesseiros e
arrogantes, que somos capazes de reivindicar, determinar ou exigir alguma coisa como
muitos tem o destemor de fazer.
Precisamos voltar a falar a palavra, não com preocupação se o povo vai gostar, mais
com a consciência limpa perante o Pai, que pregamos a verdade. Se formos rejeitado, Ele
nos aceitará, se formos humilhado Ele nos exaltará, então o que temos a perder?
Voltemos ao evangelho!
Pr. Max S. Pond
C.S.I (Candidato a Servo Inútil)
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Tranformados Pela Graça - Pr. Max Pond