Revista Trimestral de Jurisprudência
volume 225 – tomo II
julho a setembro de 2013
páginas 817 a 1644
Disponível também em: <http://stf.jus.br/portal/indiceRtj/pesquisarIndiceRtj.asp>
Secretaria-Geral da Presidência
Flávia Beatriz Eckhardt da Silva
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Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência
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Equipe técnica: Giovana Rodrigues da Cunha Coelho (estagiária), José Roberto
da Silva, Priscila Heringer Cerqueira Pooter e Valquirio Cubo Junior
Diagramação: Camila Penha Soares
Revisão: Amélia Lopes Dias de Araújo, Divina Célia Duarte Pereira Brandão,
Ingrid Mariana Alves Barros (estagiária), Lilian de Lima Falcão Braga, Mariana
Sanmartin de Mello e Rochelle Quito
Capa: Núcleo de Programação Visual
(Supremo Tribunal Fe­­deral — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)
Revista Trimestral de Jurisprudência / Supremo Tribunal Federal. – V. 1,
n. 1 (abr./jun. 1957) ­‑ . – Brasília : STF, 1957‑ .
v. ; 22 x 16 cm.
Trimestral.
Título varia: RTJ.
Repositório Oficial de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Nome do editor varia: Imprensa Nacional / Supremo Tribunal Federal,
1957 a 2001; Editora Brasília Jurídica, 2002 a 2006; Supremo Tribunal
Federal, 2007‑ .
Disponível também em formato eletrônico a partir de abr. 1957:
http://www.stf.jus.br/portal/indiceRtj/pesquisarIndiceRtj.asp.
ISSN 0035‑0540.
1. Tribunal supremo, jurisprudência, Brasil. 2. Tribunal supremo,
periódico, Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).
Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. II. Título: RTJ.
CDD 340.6
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Supremo Tribunal Federal
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SU­PRE­MO TRIBUNAL FEDERAL
Mi­nis­tro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25‑6‑2003), Presidente
Mi­nis­tro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16‑3‑2006), Vice­‑Presidente
Mi­nis­tro José CELSO DE MELLO Filho (17‑8‑1989)
Mi­nis­tro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13‑6‑1990)
Mi­nis­tro GILMAR Ferreira MENDES (20‑6‑2002)
Mi­nis­tra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21‑6‑2006)
Ministro José Antonio DIAS TOFFOLI (23‑10‑2009)
Ministro LUIZ FUX (3‑3‑2011)
Ministra ROSA Maria WEBER Candiota da Rosa (19­‑12­‑2011)
Ministro TEORI Albino ZAVASCKI (29-11-2012)
Ministro Luís ROBERTO BARROSO (26-6-2013)
COMPOSIÇÃO DAS TURMAS
PRIMEIRA TURMA
Ministro LUIZ FUX, Presidente
Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello
Ministro José Antonio DIAS TOFFOLI
Ministra ROSA Maria WEBER Candiota da Rosa
Ministro Luís ROBERTO BARROSO
SEGUNDA TURMA
Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha, Presidente
Ministro José CELSO DE MELLO Filho
Ministro GILMAR Ferreira MENDES
Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI
Ministro TEORI Albino ZAVASCKI
PROCURADOR‑GERAL DA REPÚBLICA
Doutor ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS
COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES
COMISSÃO DE REGIMENTO
Mi­nis­tro MARCO AURÉLIO
Mi­nis­tro LUIZ FUX
Ministro TEORI ZAVASCKI
Ministra ROSA WEBER
COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Mi­nis­tro GILMAR MENDES
Mi­nis­tra CÁRMEN LÚCIA
Ministro DIAS TOFFOLI
COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO
Mi­nis­tro CELSO DE MELLO
Ministra ROSA WEBER
Mi­nis­tro ROBERTO BARROSO
COMISSÃO DE COORDENAÇÃO
Mi­nis­tro RICARDO LEWANDOWSKI
Ministro DIAS TOFFOLI
Ministro TEORI ZAVASCKI
SUMÁRIO
Pág.
AP 470, votos, tomo II............................................................................................... 827
AP 470
AÇÃO PENAL 470 — MG
Relator: O sr. ministro Joaquim Barbosa
Revisor: O sr. ministro Ricardo Lewandowski
Autor: Ministério Público Federal — Réus: José Dirceu de Oliveira e Silva,
José Genoíno Neto, Delúbio Soares de Castro, Sílvio José Pereira, Marcos Valé‑
rio Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz,
Rogério Lanza Tolentino, Simone Reis Lobo de Vasconcelos, Geiza Dias dos
Santos, Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane, Ayanna Tenó‑
rio Tôrres de Jesus, João Paulo Cunha, Luiz Gushiken, Henrique Pizzolato, Pedro
da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto, José Mohamed Janene, Pedro Henry
Neto, João Cláudio de Carvalho Genu, Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg,
Carlos Alberto Quaglia, Valdemar Costa Neto, Jacinto de Souza Lamas, Antônio
de Pádua de Souza Lamas, Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues),
Roberto Jefferson Monteiro Francisco, Emerson Eloy Palmieri, Romeu Ferreira
Queiroz, José Rodrigues Borba, Paulo Roberto Galvão da Rocha, Anita Leocá‑
dia Pereira da Costa, Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho), João Magno de
Moura, Anderson Adauto Pereira, José Luiz Alves, José Eduardo Cavalcanti de
Mendonça (Duda Mendonça) e Zilmar Fernandes Silveira
DEBATE
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Senhor Presidente, gostaria de
indagar da ministra Rosa se ela votou com relação ao item referente ao Banco do
Brasil. Já votou?
A sra. ministra Rosa Weber: Sim. Procurei estabelecer as premissas teó‑
ricas e me manifestar, ainda que brevemente, sobre os pontos em que Vossa
Excelência e o revisor divergiram. Com relação àqueles pontos de absoluta
concordância, gostaria muito de ler o meu voto, mas prefiro ouvir os votos dos
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R.T.J. — 225
nossos eminentes pares, que, seguramente, vão, compondo o conjunto, traduzir a
compreensão do Colegiado para efeito da definição final do processo.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Com relação a este item 3.3.
A sra. ministra Rosa Weber: Com relação ao Banco do Brasil, eu o acom‑
panhei na íntegra. E posso acrescer: agradeço ao eminente revisor, que, especifi‑
camente em relação ao bônus de volume, fez um estudo brilhante, uma exposição
que veio ao encontro da minha compreensão quanto ao instituto bônus de volume
pago pelas empresas de mídia às agências de publicidade. Referiu o eminente
revisor, todavia, que, no caso específico do contrato com o Banco do Brasil,
houve um desvirtuamento. Então, quer analise sob a ótica do eminente relator, no
que diz respeito à cláusula contratual, ao se referir a bonificações, quer examine
pela ótica do eminente revisor, que, para mim, está absolutamente adequada à
realidade dos autos, concluo no sentido da condenação, destacando – também
está muito bem provado nos autos – que as próprias agências de publicidade, no
que diz respeito a outros contratos, faziam o repasse à contratante desses bônus,
e não o faziam neste caso específico do contrato do Banco do Brasil.
Senhor Presidente, é como voto.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Senhor Presidente, eu, como
relator, devo esclarecer parte em que há essa divergência com o revisor e com a
ministra Rosa Weber. Por uma vez só, não pretendo repetir afirmações aqui, não.
Sobre essa divergência trazida pelo eminente revisor e pela ministra Rosa,
que é pequena em relação à parte do meu voto até agora proferida, eu gostaria de
pontuar rapidamente, em dois minutos, o seguinte:
Sobre a questão de Luiz Costa Pinto, que era o assessor que, segundo a
denúncia, foi contratado em caráter pessoal pelo senhor João Paulo Cunha, mas
pago com recursos públicos. O primeiro ponto que tenho a frisar sobre esse
caso: há de fato depoimentos e – digamos – “provas” segundo os quais ele teria
prestado esses serviços não só para a Câmara dos Deputados, mas também em
caráter pessoal. E, nesse sentido, eu citei inúmeros encontros entre o senhor João
Paulo Cunha e esse seu assessor pessoal, encontros de natureza puramente polí‑
tico-partidária eleitoral, que não tinha absolutamente nada a ver com a Câmara
dos Deputados. Isso consta do meu voto.
Com relação à comprovação dos serviços, quando o senhor Luiz Costa
Pinto fez a sua proposta de trabalho formal à Câmara dos Deputados, mas
segundo a denúncia seria, na verdade, de caráter pessoal, ele se comprometeu
a apresentar dados materiais, ou seja, fazer boletins mensais da sua atividade.
Esses boletins jamais foram encontrados, e há farto material probatório nesse
sentido, dizendo que ele era visto, sim, com o senhor João Paulo Cunha, por
todos os cantos da Câmara, mas não há nada de concreto que possa documentar,
testemunhar, da prestação de serviços por ele.
E, por último, há dois pontos que eu gostaria de frisar para encerrar:
a Câmara dos Deputados, Senhor Presidente, dispõe de uma secretária de
R.T.J. — 225
829
comunicação, e dispunha à época, dispunha de um assessor de imprensa, que
é uma pessoa largamente conhecida em Brasília, a senhora Arlete Milhomem.
Portanto, eu tiro daí a conclusão de que não havia nenhuma necessidade, para a
Câmara dos Deputados, da contratação de um assessor de comunicação, porque
ela já era, abundantemente, dotada desses serviços.
E, por fim, foi feita uma comparação que me parece absolutamente imprópria
pelo eminente revisor, que comparou a situação desse senhor Luiz Costa Pinto com
essa situação da nossa assessora de imprensa, aqui do Supremo Tribunal Federal.
Ora, são situações incomparáveis. A assessora de comunicação do Supremo Tribu‑
nal Federal é nomeada da maneira a mais apropriada possível, ou seja, ela é nomeada para um cargo DAS, Direção e Assessoramento Superior, para chefiar a área de
comunicação do Supremo. O Supremo jamais usou, e jamais usará, dessa prática
enviesada, ilícita, de contratar um alto dirigente, um assessor categorizado, através
de uma empresa que presta serviços a ele próprio, o Supremo.
São essas as considerações que eu tenho a fazer. Por essa razão, eu reafirmo
o meu voto com relação a esse tópico também.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (revisor): Senhor Presidente, eu peço
a palavra.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Com a palavra o eminente revisor,
Ministro Ricardo Lewandowski.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (revisor): Senhor Presidente, com o
devido respeito ao eminente relator, eu disse, na sessão passada, em que proferi
o voto, que o juiz é o peritus peritorum, ele avalia as várias perícias que exis‑
tem nos autos. E nós temos aqui, eu distribuí a Vossas Excelências, um acórdão
da mais alta Corte de Contas do País, subscrito por dois ex-presidentes e outros
eminentes ministros conselheiros, dizendo que todos os serviços contratados
pela Câmara dos Deputados foram prestados, tanto aqueles que dizem respeito
ao primeiro peculato, quanto os que dizem respeito ao segundo peculato, mais
especificamente à subcontratação da IFT.
Em 2008, e também está nos documentos que eu distribuí a Vossas Exce‑
lências, em resposta a uma pergunta feita pelo eminente relator aos peritos da
Polícia Federal, estes responderam o seguinte: Não há provas de que a IFT
tenha prestado serviços. Por que não há provas? Porque, realmente, os tais dos
boletins, que seriam exigíveis, não foram efetivamente apresentados, porque eles
não foram objeto do contrato. Ocorre que há um documento nos autos, que Sua
Excelência não considerou, datado de 2005, ou seja, três anos antes, que também
distribuí a Vossas Excelências, em que a IFT faz uma prestação de contas cabal,
exaustiva, enunciando inclusive testemunhas que comprovam a prestação de ser‑
viços. Está nos autos, é um documento que cronologicamente é muito anterior.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Documento feito a posteriori, Ministro.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (revisor): Mas está nos autos, Exce‑
lência. E não foi contraditado.
830
R.T.J. — 225
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Não, não! Esse documento foi
feito depois da denúncia do Roberto Jefferson. É esse o problema.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (revisor): Mais ainda, desculpe, eu
não interrompi Vossa Excelência.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Desculpe-me, Ministro.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (revisor): Desculpe, em quase um
quarto de século de magistratura, aprendi que o contraditório está entre as partes,
e não entre os juízes, Ministro.
Agora, queria aduzir uma última observação, Senhor Presidente: se o emi‑
nente relator ou qualquer outro membro desta egrégia Corte entender que as
testemunhas, qualificadíssimas, que prestaram depoimento em juízo, fizeram-no
mendazmente, elas cometeram o crime de perjúrio, de falso testemunho. Então,
o Plenário tem que pedir que sejam retiradas as peças correspondentes dos autos,
encaminhadas ao douto procurador-geral da República, para que este apure res‑
ponsabilidade no que diz respeito ao crime previsto no art. 342 do Código Penal,
crime de falso testemunho ou falsa perícia.
Ou nós admitimos como verdadeiras essas perícias e esses testemunhos
prestados em juízo, ou então esta Corte tem que ser coerente e representar ao
procurador-geral da República, para que imediatamente faça a apuração da res‑
ponsabilidade. É o que eu tinha que dizer, Senhor Presidente.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Obrigado a Vossa Excelência.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Senhor Presidente, eu tinha uma
outra observação a fazer, porque nós teremos que nos debruçar sobre essa ques‑
tão: há, em diversas passagens, divergências entre os órgãos de apuração do Tri‑
bunal de Contas da União, ou seja, a auditoria faz a sua verificação, constata um
fato, documenta e apresenta isso ao TCU. O TCU ignora completamente o que
é dito pelos órgãos técnicos e diz o contrário. Isso ocorreu duas vezes neste pro‑
cesso: ocorreu em relação ao bônus de volume, mas, sobre isso, aparentemente,
não haverá, eu espero, divergência; e ocorreu também com relação a essas pres‑
tações de serviços supostamente feitas pelas empresas de Marcos Valério.
Demonstrei largamente, no meu voto, que a empresa de Marcos Valério,
neste caso da Câmara dos Deputados – e acho que contra isso não há divergên‑
cia –, prestou apenas R$ 17.000,00 de serviços executados por ela própria. Não
contam serviços que foram executados pela própria Secretaria de Comunicação
da Câmara, como aqueles inúmeros pagamentos que foram elencados, aqui,
pelo revisor. Todos aqueles serviços foram feitos, elaborados pela Secretaria de
Comunicação da Câmara, então nós temos que levar em consideração. E essa
dubiedade na análise feita pelo Tribunal de Contas: a auditoria diz uma coisa e
os ministros dizem outra, teremos que observar isso.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Obrigado a Vossa Excelência. Fei‑
tos os esclarecimentos.
O sr. ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, Vossa Excelência me permite?
R.T.J. — 225
831
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Pois não, Excelência, Ministro
Cezar Peluso. Vossa Excelência tem a palavra.
O sr. ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, eu não sei se foi equívoco
meu, mas acho que o ministro relator deixou de explicitar, no seu voto, quanto a
Ramon Hollerbach e Cristiano Paz.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Não, não deixei. Qual o item?
O sr. ministro Cezar Peluso: Em relação ao capítulo número 1.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Em relação ao 1?
O sr. ministro Cezar Peluso: A denúncia foi recebida, tanto pela corrupção
quanto por peculato, em relação aos três.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Vossa Excelência está se refe‑
rindo ao item 1?
O sr. ministro Cezar Peluso: É, o item 1.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Não, 3.2.
O sr. ministro Cezar Peluso: É só para ficar claro. Vossa Excelência pode
até consultar os registros aí.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Não, eu tenho aqui, Ministro.
Deve estar na parte final do meu voto.
O sr. ministro Cezar Peluso: Eu me recordo de que alguém suscitou uma
dúvida e ouvi resposta de Vossa Excelência, que disse: “Ah, eles não foram
denunciados”. Foram, sim, e a denúncia foi recebida. Eu só queria, para efeito de
me orientar, que ficasse esclarecido.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Eu respondo daqui a pouco.
Eu vou localizar aqui e respondo.
O sr. ministro Cezar Peluso: Pois não.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Vossa Excelência faz a consulta,
pesquisa e, depois, quando entender oportuno, pedirá o uso da palavra.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Presidente, queria apenas me certificar do
que ouvi, também, quanto à proclamação, porque Vossa Excelência, ao procla‑
mar o voto da ministra Rosa Weber, fez referência a que os réus teriam respon‑
dido por corrupção ativa e passiva, e João Paulo Cunha é denunciado pelo crime
de corrupção passiva, que é o voto. Os demais, Marcos Valério e Ramon Roller‑
bach, seriam por corrupção ativa.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Passiva, isso, perfeito, os outros de
corrupção ativa.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Está bem, só para ficar claro, porque, como
ficou no conjunto, poderia parecer que todos praticaram todos os crimes.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Indistintamente.
832
R.T.J. — 225
A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, não quero, de forma
alguma, tumultuar os trabalhos, já terminei. Disse a Vossa Excelência: “Este é
o meu voto”. Mas, só para que o réu João Paulo Cunha entenda – eu acho que
ele tem direito a... –, porque o meu voto é no sentido da sua condenação pelo
crime de corrupção passiva, além dos fundamentos já externados, peço todas
as vênias ao eminente revisor para dizer que, a meu juízo, essas notas fiscais de
prestação de serviços relativas às pretensas, ou às supostas, ou às alegadas – tal‑
vez seja melhor dizer assim –, pesquisas pré-eleitorais de Osasco e Municípios
limítrofes em absoluto o beneficiam. Teriam sido tais pesquisas efetuadas mais
de um ano antes das eleições municipais de 2004. Fui examinar essa prova, essas
notas fiscais de prestação de serviços da Datavale. O valor de R$ 50.000,00 em
espécie foi recebido em 4 de setembro de 2003 pela esposa do senhor João Paulo
Cunha na agência Brasília do Banco Rural, embora proveniente de cheque da
empresa SMP&B da agência de Belo Horizonte. Na verdade, chegou-se ao nome
da esposa de João Paulo Cunha por meio dos documentos obtidos em medidas
cautelares de busca e apreensão, só assim, porque, segundo os registros formais
do Banco Rural, esses valores teriam sido pagos para fornecedores.
Então, há todos esses aspectos – e eu me eximo de destacá-los porque o
eminente relator o fez com absoluta precisão. Com relação a esses documentos,
que também auxiliaram, subsidiariamente, diga-se de passagem, a embasar o
voto do eminente revisor, destaco que a primeira nota fiscal da Datavale é de 10
de setembro de 2003 (R$ 30.000,00). A segunda nota fiscal é de R$ 11.000,00,
e o pagamento teria sido feito em 30 de setembro de 2003. A terceira nota fiscal
está datada de 19 de dezembro de 2003, no valor de R$ 10.000,00, totalizando
R$ 51.000,00. O interessante, foi bem destacado, é que as notas de série, a des‑
peito dessa segmentação no tempo, são seguidas.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
A sra. ministra Rosa Weber: É, em ordem sequencial contínua: 151, 152 e
153 – série 1A, 1A, 1A.
Senhor Presidente, esses elementos todos atuam como reforço para a
minha convicção.
Obrigada.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Obrigado a Vossa Excelência.
VOTO
(Antecipação)
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Eu já vi inúmeras vezes, aqui,
Ministro. Eu mesmo já mudei.
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
R.T.J. — 225
833
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Não. Eu disse inúmeras, inúmeras
vezes. Já ocorreu isso aqui.
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Trago uma tese, o colega contra‑
põe-se a essa tese, e eu mudo de ponto de vista.
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Ministro, eu não fiz crítica.
Eu trouxe ao Colegiado aspectos sobre o item sobre o qual eu já votei, que não
foram abordados pela ministra Rosa.
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Só porque ela divergiu do meu
voto, que eu trouxe essas achegas.
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Não fatiei, Ministro. Esse item foi
apresentado na denúncia tal como está. Essa história de fatiamento, isso é ótimo
para a imprensa. Foi apresentado assim.
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): É. Perfeito. Vossas Excelências
estão convergindo.
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Bem explicado, Excelência.
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Não, eu gostaria de esclarecer
que Ramon Hollerbach e Cristiano Paz não foram denunciados com relação a
um dos peculatos.
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Vossa Excelência acabou de dizer
“dois peculatos” ao pronunciar o nome deles. Eles não foram denunciados...
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Está correto no voto inicial.
Nesse adendo que distribuí hoje...
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Isso.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Isso.
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Inciso V.
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
834
R.T.J. — 225
VOTO
Item III da denúncia
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, Senhores Ministros, Senhor
Procurador-Geral da República, eminentes Advogados.
Preliminarmente, incumbe-me cumprimentar a todos pela competência
demonstrada nas atuações orais e escritas, o que exacerba sobremodo a difícil
função de julgar um processo materialmente complexo porquanto composto de
mais de 235 volumes, centenas de apensos, mais de quinhentos depoimentos,
cuja digitalização, posto não comportar num hard disk de inúmeros computado‑
res, mereceu um HD à parte que contém mais de 40 GB de documentos.
A complexidade que o caso sub judice encerra, pelo seu caráter múltiplo (37
réus), e as teses minuciosamente defendidas pelas partes e por mim anotadas uma
a uma, inclusive as veiculadas nas sustentações orais brilhantemente realizadas
por ambas as partes, de um lado o procurador-geral da República competente e
combativo, de outro um verdadeiro pool da inteligência jurídica da advocacia penal
brasileira, atributo extensivo aos advogados dativos, impuseram-me uma meto‑
dologia expositiva que fosse aplicável à votação de cada réu no que concerne às
teses jurídicas comuns. Assim, v.g., restaram constantes alegações sobre carência
probatória, ausência de contraditório na coleta da prova, ausência de tipicidade por
força da inexistência de ato de ofício no crime de corrupção, além das vicissitudes
apontadas em relação aos delitos que compõem o mosaico penal do caso sub judice.
Em face dessas nuances, permiti-me, preliminarmente, traçar premissas
teóricas sobre os temas acima indicados para depois, sem o vezo da repetição,
analisar fatos, provas, incidência da norma penal e conclusão.
Assim explicitado o modo como me proponho a votar a presente ação
penal, inicio, então, pelas premissas teóricas para ao depois adentrar nos capítu‑
los até então enfrentados, na ordem de votação.
Origens dos recursos empregados no esquema criminoso
Os graves fatos noticiados nestes autos foram inicialmente revelados pelo
29º denunciado (Roberto Jefferson) na CPMI dos Correios em 2005. O aprofun‑
damento das investigações conduziu ao depoimento da secretária do 5º denun‑
ciado (Marcos Valério), senhora Fernanda Karina Ramos Somaggio, que restou
por revelar as inúmeras operações suspeitas praticadas pelo referido réu e pelas
suas empresas de publicidade, em especial a SMP&B e a DNA.
Em síntese, a tese defendida pela acusação pode ser identificada com a gênese
do denominado “esquema do mensalão” nas palavras do discurso de defesa do 29º
denunciado (Roberto Jefferson) na Câmara dos Deputados, ocorrido em 14-9-2005.
A expressão “mensalão” foi, assim, empregada para designar a suposta
mesada recebida por parlamentares da Câmara dos Deputados oriunda de pagamen‑
tos feitos por uma suposta quadrilha integrada por um núcleo político, publicitário e
R.T.J. — 225
835
financeiro. O propósito dos pagamentos seria o de obter o apoio político ao Governo
Federal e necessário, sobremaneira, para a aprovação de matérias sensíveis e delibe‑
radas no Congresso Nacional no período de 2003 e 2004 a que se refere a denúncia.
Os recursos destinados ao suposto pagamento dos congressistas volúveis à
recompensa seriam, em linhas gerais, obtidos através de empréstimos contraídos pelo
PT e por empresas do 5º denunciado (Marcos Valério) com o Banco Rural e Banco
BMG. Os referidos empréstimos seriam, segundo a compreensão do Parquet, forja‑
dos, e as aludidas instituições realizavam, na prática, a disponibilização dos recursos
sem exigir a sua restituição. A acusação também sustenta que os valores necessários
para o preenchimento dos objetivos do esquema eram fruto de dinheiro desviado dos
cofres públicos e destinados ao pagamento de políticos e de campanhas eleitorais.
Na apresentação dos fatos e da dinâmica dos ilícitos supostamente perpe‑
trados, a denúncia partiu de uma premissa de que havia diversos núcleos, grupos
de pessoas com funções específicas no suposto “mensalão”. Essa formatação em
grupos de réus e de ilícitos originou um texto dividido por itens. Há, na denúncia,
um total de oito itens, cada qual, com exceção do primeiro que veicula a introdu‑
ção da peça inicial acusatória, correspondente a um contexto fático abrangente
de diversos réus e ilícitos.
O eminente relator optou por iniciar os trabalhos com o julgamento do
item III da denúncia, que retrata, entre outros crimes, a prática de supostos ilíci‑
tos pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, o 15º denunciado (João Paulo
Cunha), na contratação de uma agência de publicidade do 5º denunciado (Mar‑
cos Valério). De acordo com o aludido item III, intitulado Desvio de Recursos
Públicos, encartado às fls. 5659 e seguintes do vol. 27, o 15º denunciado (João
Paulo Cunha), o 5º denunciado (Marcos Valério), o 6º denunciado (Ramon Hol‑
lerbach) e o 7º denunciado (Cristiano Paz) teriam participado de diversos ilícitos
envolvendo o desvio de recursos da Câmara dos Deputados para o favorecimento
da agência de publicidade contratada pelo referido órgão. Os crimes imputados
aos réus no item III.1 da denúncia são os de peculato, corrupção ativa, corrupção
passiva e de lavagem de dinheiro.
Em linhas gerais, de acordo com a versão do Ministério Público, o 5º denun‑
ciado (Marcos Valério) possuía empresas de publicidade que já mantinham contra‑
tos com o Banco do Brasil, Ministério do Trabalho e Eletronorte. Em decorrência
de sua proximidade com a agremiação partidária ocupante do poder no Governo
Federal, o 5º denunciado (Marcos Valério) teria, segundo a acusação, conseguido
renovar essas avenças, manter um contrato com o Ministério dos Esportes e vencer
uma licitação feita pelos Correios em 2003 para prestar serviços de publicidade.
O estreito vínculo com integrantes da cúpula do Governo Federal também
teria, segundo a peça vestibular, gerado resultados positivos ao conseguir a conta
de publicidade da Câmara dos Deputados, órgão de estatura constitucional presi‑
dido, na época dos fatos, pelo 15º denunciado (João Paulo Cunha), cuja campanha
à presidência havia sido realizada por uma das empresas do 5º denunciado (Marcos
Valério), do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz).
836
R.T.J. — 225
A acusação noticia a ocorrência de diversas irregularidades na execução do contrato
de publicidade com a Câmara dos Deputados, v.g., a excessiva subcontratação dos
serviços e a ausência de comprovação da prestação dos serviços cobrados.
No item III da denúncia, há relato do Parquet de que o modus operandi do des‑
vio de recursos públicos ocorria pela simulação de mútuos entre empresas do grupo
do 5º denunciado (Marcos Valério) e terceiros; pela ausência de contabilização de
serviços e operações financeiras; pela emissão de notas fiscais falsas para justificar o
pagamento de serviços sem a devida contraprestação, além de outras práticas ilícitas
envolvendo, v.g., a Câmara dos Deputados, o Banco do Brasil, a DNA Propaganda
Ltda. e a Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (Visanet).
No contexto da peça acusatória, há relato de que o 5º denunciado (Marcos
Valério), em nome do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º denunciado (Cris‑
tiano Paz), ofereceu a vantagem indevida de R$ 50.000,00 ao 15º denunciado (João
Paulo Cunha), tendo em vista sua condição de presidente da Câmara dos Depu‑
tados, com a finalidade de receber tratamento privilegiado para a sua agência de
publicidade. A referida quantia teria sido sacada pela senhora Márcia Regina no
Banco Rural, em 4 de setembro de 2003, um dia após a reunião do 15º denunciado
(João Paulo Cunha) com o 5º denunciado (Marcos Valério), e, segundo o Parquet, o
modo como o saque ocorreu teve o intuito de ocultar a origem dos recursos.
O MPF também destaca que a empresa SMP&B teria participado do con‑
trato de publicidade com a Câmara dos Deputados apenas para intermediar
subcontratações, recebendo honorários de 5% só para fazer isso, o que caracte‑
rizaria um ilícito.
Antes de adentrarmos a análise da dinâmica dos fatos pertinentes ao item
III, revela-se necessário abordar algumas premissas teóricas concernentes aos
crimes imputados aos réus. Essa análise teórica é feita com o escopo precípuo de
enfrentar os principais argumentos e teses invocados pelas partes. Serão enfrenta‑
dos, outrossim, temas comuns na acusação e nas defesas de diversos dos acusados
na presente ação penal, sob os aspectos do direito penal e do direito processual
penal, evitando-se a cansativa repetição de fundamentos ao longo do voto.
Premissas teóricas
Introdução: prova da infração penal em crimes do colarinho branco
A tônica das sustentações escritas e orais se calca na prova de delitos de
sofisticada atuação delitual, nos quais nem sempre os elementos de convicção
usuais do vetusto processo concebido como actus ad minus trium personarum
são satisfatórios prima facie. Aliás, é dessa constatação que a história penal inau‑
gura a pré-compreensão dos denominados crimes do colarinho branco.
Os “crimes do colarinho branco” constituem um conceito relativamente
novo, que apenas alcançou reconhecimento no ano de 1939, nos Estados Uni‑
dos, em um discurso do sociólogo Edwin Sutherland na American Sociological
Society, que criticou criminólogos da época por atribuírem a criminalidade à
R.T.J. — 225
837
pobreza ou às condições psicopáticas e sociopáticas. A noção de white collar
crime é particularmente importante por evidenciar a necessidade de considerar
as infrações praticadas por indivíduos ocupantes de posições de poder como cri‑
mes e não apenas ofensas civis. Opõe-se aos blue-collar crimes, que são delitos
perpetrados por integrantes de estratos sociais mais desfavorecidos.
A definição de Sutherland, que enfatizava mais o sujeito que o delito pra‑
ticado – sendo, por isso, mais adequada a expressão “criminosos do colarinho
branco” –, foi substituída posteriormente por uma concepção voltada para o fato.
Assim, o Bureau of Justice Statistics (BJS) dos Estados Unidos utiliza o seguinte
conceito de white collar crime: “crime não violento dirigido ao ganho financeiro,
cometido mediante fraude”. Observa-se, portanto, que não há um rol delimitado
de delitos que compõem a categoria de “crimes do colarinho branco”, o que,
todavia, não impede a repressão e a punição aos autores desse tipo de infrações.
Entre os delitos que podem se amoldar ao conceito, incluem-se os crimes tri‑
butários (tax crimes), as fraudes bancárias (bank fraud), os crimes de corrup‑
ção (public corruption) e a lavagem de dinheiro (money laundering), todos de
relevantíssimo interesse para a presente causa (PODGOR, Ellen S. White collar
crime in a nutshell. Minnesota: West Publishing Co., 1993. p. 1-4).
Na Alemanha, utiliza-se a denominação Wirtschaftsstrafrechts para desig‑
nar o direito penal econômico, que se ocupa dos aqui cognominados crimes do
colarinho branco, sendo certo que não há uma lei que regulamente o tema de
maneira uniforme (KUDLICH, Hans; OGLAKCIOGLU, Mustafa Temmuz.
Wirtschaftsstrafrecht. Heidelberg: Hüthig Jehle Rehm, 2011; MANSDÖRFER,
Marco. Zur Theorie des Wirtschaftsstrafrechts. Heidelberg: Hüthig Jehle Rehm,
2011; HELLMANN, Uwe; BECKEMPER, Katharina. Wirtschaftsstrafrecht.
Stuttgart: Kohlhammer, 2008). Klaus Tiedemann, expoente do direito penal eco‑
nômico alemão, afirma que esse ramo engloba todas as infrações que atingem
bens jurídicos coletivos ou supraindividuais da vida econômica (TIEDEMANN,
Klaus. Poder económico y delito. Trad. Amelia Mantilla Villegas. Barcelona:
Ariel, 1985. p. 16).
Os crimes do colarinho branco, em essência, são condutas puníveis na
esfera penal, e não apenas civilmente irregulares; são proibições relevantíssimas
para o seio social, e não apenas restrições formais e circunstanciais. Cuida-se,
nas palavras de Abanto Vásquez, da proteção dos bens jurídicos mais importan‑
tes contra as ações perigosas mais graves em uma sociedade, motivo pelo qual a
tendência da legislação e da doutrina penal dominante é a de recrudescer o tra‑
tamento penal conferido a condutas que afetem negativamente interesses sociais
econômicos (ABANTO VÁSQUEZ, Manuel A. Derecho penal económico: con‑
sideraciones jurídicas y económicas. Lima: IDEMSA, 1997. p. 37).
O desafio na seara dos crimes do colarinho branco é alcançar a plena
efetividade da tutela penal dos bens jurídicos não individuais. Tendo em conta
que se trata de delitos cometidos sem violência, incruentos, não atraem para
si a mesma repulsa social dos “crimes do colarinho azul” (Go directly to jail:
white collar sentencing after the Sarbanes-Oxley Act. Harvard Law Review,
838
R.T.J. — 225
vol. 122, 2008-2009. p. 1742 et seq.). A inoperância das instituições causa um
nefasto efeito sistêmico, que, fomentado pela impunidade, causa pobreza atrás de
pobreza, para o enriquecimento indevido de alguns poucos.
A dificuldade de repressão também se deve, conforme aponta o argentino
Fernando Horacio Molinas, ao fato de que o delito econômico é, aparentemente,
uma operação financeira ou mercantil, uma prática ou procedimento como outros
muitos no complexo mundo dos negócios. A ilicitude não se constata diretamente,
sendo necessário, não raras vezes, lançar mão de perícias complexas e interpretar
normas de compreensão extremamente difícil. As manobras criminosas são reali‑
zadas utilizando complexas estruturas societárias, que tornam muito difícil a indi‑
vidualização correta dos diversos autores e partícipes. Além disso, é comum o apelo
à chamada “moral de fronteira”, apresentando o fato criminal como uma prática
inevitável, generalizada, conhecida e tacitamente tolerada por todos, de modo que o
castigo seria injusto, passando-se o autor do fato por vítima do sistema ou de ocultas
manobras políticas de seus adversários (MOLINAS, Fernando Horacio. Delitos de
“cuello blanco” en Argentina. Buenos Aires: Depalma, 1989. p. 22-23 e 27).
Essas sutilezas que marcam a identidade dos crimes do “colarinho branco”
constituem razões que devem informar a lógica probatória inerente à sua persecução.
O direito probatório em delitos econômicos
Com efeito, a atividade probatória sempre foi tradicionalmente ligada ao
conceito de verdade, como se constatava na summa divisio que por séculos sepa‑
rou o processo civil e o processo penal, relacionando-os, respectivamente, às
noções de verdade formal e de verdade material. Na filosofia do conhecimento,
adotava-se a concepção de verdade como correspondência.
Nesse contexto, a função da prova no processo era bem definida. Seu
papel seria o de transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na
vida dos litigantes. Daí dizer-se que a prova era concebida apenas em sua fun‑
ção demonstrativa (cf. TARUFFO, Michele. Funzione della prova: la funzione
dimostrativa. Rivista di Diritto Processuale, 1997).
O apego ferrenho a essa concepção gera a compreensão de que uma con‑
denação no processo só pode decorrer da verdade dita “real” e da (pretensa)
certeza absoluta do juiz a respeito dos fatos. Com essa tendência, veio também
o correlato desprestígio da prova indiciária, a circumstancial evidence de que
falam os anglo-americanos, embora, como será exposto a seguir, o Supremo Tri‑
bunal Federal possua há décadas jurisprudência consolidada no sentido de que os
indícios, como meio de provas que são, podem levar a uma condenação criminal.
Contemporaneamente, chegou-se à generalizada aceitação de que a verdade
(indevidamente qualificada como “absoluta”, “material” ou “real”) é algo inatin‑
gível pela compreensão humana, por isso que, no afã de se obter a solução jurídica
concreta, o aplicador do direito deve guiar-se pelo foco na argumentação, na per‑
suasão, e nas inúmeras interações que o contraditório atual, compreendido como
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839
direito de influir eficazmente no resultado final do processo, permite aos litigan‑
tes, como se depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabral (Il principio del
contraddittorio come diritto d’influenza e dovere di dibattito. Rivista di Diritto
Processuale, Anno LX, n. 2, aprile-giugno, 2005, passim).
Assim, a prova deve ser, atualmente, concebida em sua função persuasiva,
de permitir, através do debate, a argumentação em torno dos elementos probató‑
rios trazidos aos autos, e o incentivo a um debate franco para a formação do con‑
vencimento dos sujeitos do processo. O que importa para o juízo é a denominada
verdade suficiente constante dos autos; na esteira da velha parêmia quod non
est in actis, non est in mundo. Resgata-se a importância que sempre tiveram, no
contexto das provas produzidas, os indícios, que podem, sim, pela argumentação
das partes e do juízo em torno das circunstâncias fáticas comprovadas, apontar
para uma conclusão segura e correta.
Essa função persuasiva da prova é a que mais bem se coaduna com o sis‑
tema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, previsto no
art. 155 do CPP e no art. 93, IX, da Carta Magna, pelo qual o magistrado avalia
livremente os elementos probatórios colhidos na instrução, mas tem a obrigação
de fundamentar sua decisão, indicando expressamente suas razões de decidir.
Aliás, o Código de Processo Penal prevê expressamente a prova indiciária,
assim a definindo no art. 239: “Considera-se indício a circunstância conhecida e
provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a exis‑
tência de outra ou outras circunstâncias”.
Sobre esse elemento de convicção, Giovanni Leone nos brinda com magis‑
tral explicação:
Presunção é a indução da existência de um fato desconhecido pela existência de
um fato conhecido, supondo-se que deva ser verdadeiro para o caso concreto aquilo
que ordinariamente sói ser para a maior parte dos casos nos quais aquele fato acontece.
(...)
A presunção é legal (praesumptio iuris seu legis) se a ilação do conhecido ao
desconhecido é feita pela lei; por outro lado, a presunção é do homem (praesumptio
facti, seu hominis, seu iudicis) se a ilação é feita pelo juiz, constituindo, portanto,
uma operação mental do juiz.
(...)
No Direito Processual Penal não existem, de regra, ficções e presunções le‑
gais (...). Existe, ao contrário, a possibilidade de inclusão, no processo penal, como
em qualquer outro processo, das presunções hominis.
A expressão máxima da presunção hominis é dada pela prova indiciária.
(Tradução livre do texto: Presunzione è “l’induzione della esistenza di un fatto ignoto da quella di un fatto noto, sul presupposto che debba essere vero pel caso concreto
ciò che ordinariamente suole essere vero per la maggior parte dei casi in cui quello rientra”. (...) La presunzione è legale (praesumptio iuris seu legis) se la illazione dal noto
all’ignoto è fatta dalla legge; ovvero dell’uomo (praesumptio facti, seu hominis, seu iudicis) se la illazione è fatta dal giudice, costituendo pertanto una operazione mentale del
giudice. (...) Nel diritto processuale penale nonesistono, di regola, finzioni e presunzioni
legali (...). Trovano invece possibilità di inserimento nel processo penale, come in ogni
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altro processo, le presunzioni hominis. L’espressione massima della presunzione hominis è data dalle prove indiziarie.) [LEONE, Giovanni. Trattato di Diritto Processuale
Penale. v. II. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1961. p. 161-162.]
No mesmo sentido, Nicola Malatesta, para quem, pela prova indiciária,
alcança-se determinada conclusão sobre um episódio através de um processo
lógico-construtivo; mais precisamente: “o indício é aquele argumento probatório
indireto que deduz o desconhecido do conhecido por meio da relação de causa‑
lidade” (MALATESTA, Nicola Framarino dei. A lógica das provas em matéria
criminal. Trad. J. Alves de Sá. Campinas: Servanda, 2009. p. 236).
Assim é que, através de um fato devidamente provado que não constitui
elemento do tipo penal, o julgador pode, mediante raciocínio engendrado com
supedâneo nas suas experiências empíricas, concluir pela ocorrência de circuns‑
tância relevante para a qualificação penal da conduta.
Aliás, a força instrutória dos indícios é bastante para a elucidação de
fatos, podendo, inclusive, por si próprios, o que não é apenas o caso dos autos,
conduzir à prolação de decreto de índole condenatória. (cf. PEDROSO, Fer‑
nando de Almeida. Prova penal: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2005. p. 90-91).
Neste sentido, este egrégio Plenário, em época recente, decidiu que “indí‑
cios e presunções, analisados à luz do princípio do livre convencimento, quando
fortes, seguros, indutivos e não contrariados por contraindícios ou por prova
direta, podem autorizar o juízo de culpa do agente” (AP 481, rel. min. Dias
Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 8-9-2011). Idêntica a orientação da Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal, cabendo a referência aos seguintes julgados:
O princípio processual penal do favor rei não ilide a possibilidade de utili‑
zação de presunções hominis ou facti, pelo juiz, para decidir sobre a procedência
do ius puniendi, máxime porque o Código de Processo Penal prevê expressamente
a prova indiciária, definindo-a no art. 239 como “a circunstância conhecida e pro‑
vada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência
de outra ou outras circunstâncias”. Doutrina (LEONE, Giovanni. Trattato di Diritto
Processuale Penale. v. II. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1961. p. 161162). [HC 111.666, rel. min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 8-5-2012.]
Condenação – Base. Constando do decreto condenatório dados relativos a
participação em prática criminosa, descabe pretender fulminá-lo, a partir de alega‑
ção do envolvimento, na espécie, de simples indícios. [HC 96.062, rel. min. Marco
Aurélio, Primeira Turma, julgado em 6-10-2009.]
Em idêntico sentido: HC 83.542, rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma,
julgado em 9-3-2004; HC 83.348, rel. min. Joaquim Barbosa, Primeira Turma, jul‑
gado em 21-10-2003.
As digressões ora engendradas se justificam porque, nesses delitos econô‑
micos e sofisticados, unem-se as forças das provas diretas e dos indícios.
R.T.J. — 225
841
No direito comparado, no qual se abeberam nossos juristas, também se
perfilha entendimento semelhante. Assim é que a utilização da prova indiciária
para embasar a sentença penal condenatória é admitida, v.g., em Portugal, cujo
Supremo Tribunal de Justiça já decidiu:
IV – A prova nem sempre é directa, de percepção imediata, muitas vezes é
baseada em indícios.
V – Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais,
mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme,
segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de
ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra.
VI – A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto
punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os
indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de or‑
dem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais,
contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo
a que reforcem o juízo de inferência.
VII – O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou in‑
fundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar
o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo,
segundo as regras da experiência. [Portugal, Supremo Tribunal de Justiça, Processo
07P1416, n. convencional JST000, n. do documento SJ200707110014163, relator:
Armindo Monteiro, data do acórdão: 11-7-2007.]
Consectariamente, o quadro probatório dos autos, composto das provas
orais, documentais e periciais são suficientes para lastrear uma decisão justa e
atenta às garantias penais e processuais.
Advirta-se que a presunção de não culpabilidade somente atua como um peso
em favor do acusado no momento da prolação da sentença de mérito. É dizer: se, para a
sentença absolutória, existe um relaxamento na formação da convicção e na fundamen‑
tação do juiz, na sentença condenatória, deve o magistrado romper esta força ou peso
estabelecido pelo ordenamento em sentido contrário. Em suma: a presunção de não
culpabilidade pode ser ilidida até mesmo por indícios que apontem a real probabilidade
da configuração da conduta criminosa. A condenação, na esteira do quanto já exposto,
não necessita basear-se em verdades absolutas, por isso que os indícios podem ter, no
conjunto probatório, robustez suficiente para que se pronuncie um juízo condenatório.
O critério de que a condenação tenha de provir de uma convicção formada
para “além da dúvida razoável” não impõe que qualquer mínima ou remota possi‑
bilidade aventada pelo acusado já impeça que se chegue a um juízo condenatório.
Toda vez que as dúvidas que surjam das alegações de defesa e das provas favo‑
ráveis à versão dos acusados não forem razoáveis, não forem críveis diante das
demais provas, pode haver condenação. Lembremos que a presunção de não cul‑
pabilidade não transforma o critério da “dúvida razoável” em “certeza absoluta”.
Nesse cenário, caberá ao magistrado criminal confrontar as versões de
acusação e defesa com o contexto probatório, verificando se são verossímeis as
alegações de parte a parte diante do cotejo com a prova colhida. Ao Ministério
842
R.T.J. — 225
Público caberá avançar nas provas ao ponto ótimo em que o conjunto probatório
seja suficiente para levar a Corte a uma conclusão intensa o bastante para que
não haja dúvida, ou que esta seja reduzida a um patamar baixo no qual a versão
defensiva seja “irrazoável”, inacreditável ou inverossímil.
Nesse contexto, a defesa deve trazer argumentos devidamente provados
que infirmem as ilações articuladas pela acusação. A simples negativa genérica
é incapaz de desconstruir o itinerário lógico que leva prima facie à condenação.
Como é de sabença geral, a prova do álibi incumbe ao réu, nos termos do que
dispõe o art. 156 do Código de Processo Penal (“A prova da alegação incumbirá
a quem a fizer (...)”). Assim também a remansosa jurisprudência do Supremo Tri‑
bunal Federal, sendo de rigor consignar os seguintes arestos:
Ementa: Penal. Processual penal. Habeas corpus. Júri: soberania. CF, art. 5º,
XXXVIII. CPP, art. 593, III, d. Álibi: ônus da prova. CPP, art. 156. I – A sobera‑
nia dos veredictos do tribunal do júri não exclui a recorribilidade de suas decisões,
quando manifestamente contrárias à prova dos autos (CPP, art. 593, III, d). Provido o
recurso, o réu será submetido a novo julgamento pelo júri. II – Cabe à defesa a produ‑
ção de prova da ocorrência de álibi que aproveite ao réu (CPP, art. 156). III – Habeas
corpus indeferido. [HC 70.742, rel. min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em
16-8-1994, DJ de 30‑6‑2000.]
Ementa: Habeas corpus. Álibi. Circunstância invocada após a condenação.
Contradição com os demais elementos de prova. Impossibilidade de reexame dessa
matéria em sede de habeas corpus. Alegação de cerceamento de defesa. Inocorrência. Ordem denegada. O álibi, enquanto elemento de defesa, deve ser comprovado, no
processo penal condenatório, pelo réu a quem seu reconhecimento aproveita. O habeas corpus não constitui sede processualmente adequada ao reconhecimento do álibi
se este se revela incompatível com a prova produzida, sob o crivo do contraditório,
no procedimento penal. É lícita a audiência de instrução quando, ausente o advogado
constituído, que fora regularmente intimado de sua realização, vem o réu a ser assis‑
tido por defensor dativo designado pelo juiz processante. [HC 68.964, rel. min. Celso
de Mello, Primeira Turma, julgado em 17-12-1991, DJ de 22‑4‑1994.]
A lição é idêntica em sede doutrinária. Tratando do álibi, preleciona Damá‑
sio de Jesus que “[q]uem alega deve prová-lo, sob pena de confissão” (Código de
Processo Penal anotado. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 187).
Ora, se a prova deve ser compreendida em sua função persuasiva, é na
argumentação do processo que se deve buscar o convencimento necessário aos
magistrados para o teste probatório às alegações das partes. E um conjunto pro‑
batório seguro, cuja elaboração, decorrente do debate processual, seja apta a
reconstruir os fatos da vida e apontar para a ocorrência dos fatos alegados pelo
Ministério Público, é o suficiente para extirpar qualquer “dúvida razoável” que
as alegações de defesa tentavam impingir na convicção do julgador.
Isso é especialmente importante em contextos associativos, no qual os crimes
ou infrações administrativas são praticados por muitos indivíduos consorciados,
nos quais é incomum que se assinem documentos que contenham os propósitos da
R.T.J. — 225
843
associação, e nem sempre se logra filmar ou gravar os acusados no ato de come‑
timento do crime. Fato notório, e notoria non egent probatione, todo contexto de
associação pressupõe ajustes e acordos que são realizados a portas fechadas.
Nesse sentido, por exemplo, a doutrina norte-americana estabeleceu a tese
do “paralelismo consciente” para a prática de cartel. Isso porque normalmente
não se assina um “contrato de cartel”, basta que se provem circunstâncias indiciá‑
rias, como a presença simultânea dos acusados em um local e a subida simultânea
de preços, v.g., para que se chegue à conclusão de que a conduta era ilícita, até
porque, num ambiente econômico hígido, a subida de preços, do ponto de vista
de apenas um agente econômico, seria uma conduta irracional economicamente.
Portanto, a conclusão pela ilicitude e pela condenação decorre de um conjunto de
indícios que apontem que a subida de preços foi fruto de uma conduta concertada.
No mesmo diapasão é a prova dos crimes e infrações no mercado de capitais.
São as circunstâncias concretas, mesmo indiciárias, que permitirão a conclusão pela
condenação. Na investigação de insider trading (uso de informação privilegiada
e secreta antes da divulgação ao mercado de fato relevante): a baixa liquidez das
ações; a frequência com que são negociadas; ser o acusado um neófito em operações
de bolsa; as ligações de parentesco e amizade existentes entre os acusados e aqueles
que tinham contato com a informação privilegiada; todas essas e outras são indícios
que, em conjunto, permitem conclusão segura a respeito da ilicitude da operação.
As provas colhidas em investigações preliminares e o contraditório
O contraditório e a prova representam binômio inseparável, o que foi objeto
de todas as sustentações. Nesse contexto, há que se enfrentar o tema da eficá‑
cia das provas colhidas em procedimentos preliminares de investigação, como
comissões parlamentares de inquérito e inquéritos policiais.
As CPIs são comissões temporárias do Legislativo nacional, destinadas à
apuração de dados relativos a fatos determinados e relevantes, com o fito de poste‑
rior promoção da responsabilidade cível, criminal e política de eventuais envolvi‑
dos. De acordo com a doutrina do insigne jurista Luís Roberto Barroso, a fórmula
“poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, constante do art. 58,
§ 3º, da Constituição, “atribui às comissões parlamentares de inquérito competên‑
cias instrutórias amplas, que incluem a possibilidade de (i) determinar diligências,
(ii) convocar testemunhas (que têm o dever de dizer a verdade, sob pena de crime
de falso testemunho), (iii) ouvir indiciados (quando estes não optem pelo silên‑
cio), (iv) requisitar documentos públicos, (v) determinar a exibição de documentos privados, (vi) convocar ministros de Estado e outras autoridades públicas, (vii)
realizar inspeções pessoais, transportando-se aos locais necessários” (Temas de
direito constitucional. São Paulo: Renovar, 2001. p. 138).
O inquérito policial é um procedimento administrativo pré-processual que
tem por objetivo colher elementos aptos à formação da opinio delicti do órgão
acusador sobre a autoria e a materialidade do crime, seja pela sua configuração,
844
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seja pela sua não ocorrência. Precisamente em razão desse viés unilateral, como
preleciona Bruno Bodart,
a participação do investigado no procedimento pré-processual não se funda‑
menta no princípio do contraditório. [BODART, Bruno Vinícius da Rós. Inquérito
policial, democracia e Constituição: modificando paradigmas. Revista Eletrônica
de Direito Processual, Rio de Janeiro. v. III, ano 2, p. 133, jan./jul. 2009.]
Os elementos amealhados no curso desses procedimentos preliminares, toda‑
via, não ficam permanentemente alijados da apreciação judicial em futuro processo.
A uma, porque esses elementos podem ser confirmados, sob o crivo do con‑
traditório, no curso do processo penal, adquirindo, desse modo, a eficácia necessária
para embasar um decreto condenatório. É o caso, deveras comum, da testemunha que
ratifica em juízo todas as declarações prestadas em sede preliminar, oportunidade na
qual o réu exerce em plenitude o seu direito de defesa. A prova, para todos os efeitos,
passa a ser processual, na esteira da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal
(v. HC 83.348, rel. min. Joaquim Barbosa, Primeira Turma, julgado em 21-10-2003).
A duas, em razão da expressa exceção contida na parte final do art. 155
do Código de Processo Penal, que autoriza que o magistrado fundamente a sua
decisão nos elementos informativos colhidos na investigação quando cuidar-se
de “provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
Por fim, há que se ter em mente que o mesmo art. 155 do CPP apenas
proíbe que o juiz fundamente “sua decisão exclusivamente nos elementos infor‑
mativos colhidos na investigação”, não impedindo a utilização de elementos
pré-processuais quando acompanhados e corroborados por provas produzidas
em juízo. Esta também a pacífica jurisprudência deste Pretório Excelso, como se
nota a partir dos seguintes julgados:
Os elementos colhidos no inquérito policial podem influir na formação do
livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementados por
outros indícios e provas obtidos na instrução judicial. Precedentes. [HC 104.669,
rel. min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 26-10-2010.]
Os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento
do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que
passam pelo crivo do contraditório em juízo. [HC 102.473, rel. min. Ellen Gracie,
Segunda Turma, julgado em 12-4-2011 – Assim também RE 425.734-AgR, rel.
min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 4-10-2005.]
Superadas as questões prejudiciais probatórias, passo às premissas teóricas
referentes aos delitos em espécie.
Lavagem de dinheiro
Incluindo as condutas narradas em seu item III, a exordial acusató‑
ria imputa, no total, a prática de crimes de lavagem de dinheiro a 36 dos 40
R.T.J. — 225
845
denunciados. As acusações envolvem a interpretação e aplicação dos incisos V,
VI e VII do art. 1º da Lei 9.613/1998.
De proêmio, alerto que a recente alteração da Lei 9.613/1998, operada pela
Lei 12.683/2012, em vigor desde o dia 10 de julho de 2012, não tem o condão de
afetar este julgamento. É que se trata de legislação destinada a alargar o tipo penal
da lavagem de dinheiro para abranger a ocultação ou dissimulação da natureza,
origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos
ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de qualquer tipo de infração
penal. Não houve alteração das penas cabíveis, de modo que as imputações lança‑
das na exordial acusatória devem continuar sendo regidas pela redação pretérita.
A lavagem de dinheiro, entendida como a prática de conversão dos provei‑
tos do delito em bens que não podem ser rastreados pela sua origem criminosa,
é prática combatida no mundo todo. Não se deve perder de vista que a atividade
de lavagem de recursos criminosos é o grande pulmão das mais variadas maze‑
las sociais, desde o tráfico de drogas, passando pelo terrorismo, até a corrupção
que desfalca o erário e deixa órfãos um sem-número de cidadãos que necessitam
dos serviços públicos (v. SATOW, Joe Tadashi Montenegro. Segurança pública.
Núria Fabris, 2011). Saber de onde vem o dinheiro é, muitas vezes, o único diag‑
nóstico para identificar a prática de um crime e o seu autor.
Além disso, conforme descreve Oliveira Ascensão, a respeito do direito por‑
tuguês, o branqueamento de capitais (como é denominada a lavagem de dinheiro
naquele país) é um mal por si, pois o seu combate previne o envenenamento de todo
o sistema econômico-financeiro (ASCENSÃO, J. Oliveira. Repressão da lavagem do
dinheiro em Portugal. Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, p. 37, 2003). Estima-se que a
lavagem de dinheiro envolva, hoje, até 5% do PIB mundial, ou seja, até dois trilhões de
dólares – alguns dados chegam ao absurdo montante de 10% do PIB global (NAÍM,
Moisés. Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia
global. Trad. Sérgio Lopes. Jorge Zahar Editor Ltda., 2006. p. 130). A repressão à lava‑
gem de dinheiro visa a prevenir a contaminação da economia por recursos ilícitos, a
concorrência desleal, o zelo pela credibilidade e pela confiança nas instituições.
Sendo assim, a dissimulação ou ocultação da natureza, origem, localiza‑
ção, disposição, movimentação ou propriedade dos proveitos criminosos desafia
censura penal autônoma, para além daquela incidente sobre o delito antecedente,
tal como ocorre com a ocultação do cadáver (art. 211 do Código Penal) subse‑
quente a um homicídio – não se opera a consunção de um crime pelo outro.
Em sede doutrinária, o entendimento é idêntico:
Com relação ao concurso de crimes, o entendimento é de que há concurso
material com o crime antecedente. Então, o agente que pratica o crime de lavagem
de dinheiro oriundo de atividade criminosa, responde em concurso material pelo
crime de lavagem e pelo crime antecedente que deu origem criminosa aos bens,
valores ou direitos. Essa não seria uma hipótese de progressão criminosa, porque
a autonomia dos crimes está expressa na própria lei. [BALTAZAR JR., José Paulo.
Crimes federais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 594.]
846
R.T.J. — 225
No direito norte-americano, a doutrina costuma distinguir três fases da
lavagem de dinheiro (money laundering). A primeira fase é a da “colocação”
(placement) dos recursos derivados de uma atividade ilegal em um mecanismo
de dissimulação da sua origem, que pode ser realizado por instituições finan‑
ceiras, casas de câmbio, leilões de obras de arte, entre outros negócios aparen‑
temente lícitos. Após, inicia-se a segunda fase, de “encobrimento”, “circulação”
ou “transformação” (layering), cujo objetivo é tornar mais difícil a detecção da
manobra dissimuladora e o descobrimento da lavagem. Por fim, dá-se a “integra‑
ção” (integration) dos recursos a uma economia onde pareçam legítimos (REU‑
TER, Peter; TRUMAN, Edwin M. Chasing dirty money: the fight against money
laundering. Washington: Peterson Institute, 2004).
Uma vez que qualquer dessas fases tenha sido levada a efeito, resta consumado
o crime do art. 1º da Lei 9.613/1998, não havendo que se cogitar da completude do
ciclo para o aperfeiçoamento do delito. Suficiente, portanto, para fins de condenação,
a prova da autoria e materialidade de uma das etapas da lavagem de dinheiro.
Bem por isso, ao contrário do que sustentaram as defesas dos réus, não
se pode exigir da acusação a demonstração de que os recursos retirados de um
mecanismo de lavagem de dinheiro equivalem, com exata perfeição, aos bens
de origem criminosa injetados na economia regular. É que o dinheiro lícito e o
ilícito não reagem como água e óleo. Bens fungíveis que são, uma vez reunidos
em uma mesma economia, resta impossível dissociar qual a parte advinda da
atividade delituosa. Afinal, é exatamente nesta tarefa de gerar a impossibilidade
de distinção que reside a atividade de lavagem.
O elemento intencional necessário para a tipificação do delito em comento
é o dolo genérico, isto é, a vontade consciente e dirigida à realização de uma ou
algumas das fases da lavagem de dinheiro. Rodolfo Tigre Maia, tecendo consi‑
derações sobre o art. 1º da Lei 9.613/1998, lembra que:
[a]os moldes da lei portuguesa que inspirou o dispositivo, não se exige qualquer
outro elemento subjetivo (dolo específico da doutrina tradicional) ou especial fim de
agir, como requer, por exemplo, o tipo de “branqueamento” da legislação francesa (...)
e, no Direito brasileiro, na receptação ou no favorecimento. [MAIA, Rodolfo Tigre.
Lavagem de dinheiro (Lavagem de ativos provenientes de crime) – Anotações às dispo‑
sições criminais da Lei n. 9.613/1998. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 89.]
Não se reclama que o órgão acusador comprove o elemento anímico, sob
pena de se lhe incumbir de um mister impossível, verdadeira prova diabólica.
Exatamente no intuito de evitar a impunidade, a segunda das quarenta reco‑
mendações do Grupo de Ação Financeira sobre a Lavagem de Dinheiro (GAFI),
organismo internacional que estabelece padrões e desenvolve e promove polí‑
ticas de combate a essa espécie de criminalidade, indica: “Os países deveriam
assegurar que: a) A intenção e o conhecimento requeridos para provar o crime de
branqueamento de capitais estão em conformidade com as normas estabelecidas
nas Convenções de Viena e de Palermo, incluindo a possibilidade de o elemento
intencional ser deduzido a partir de circunstâncias factuais objectivas.”
R.T.J. — 225
847
Deveras, basta, para o reconhecimento do dolo, ainda que na sua modali‑
dade eventual, que se comprove que, pelas condições materiais em que praticado
o delito, há motivos suficientes para se inferir que o agente desejava ocultar ou
dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou proprie‑
dade do numerário, em relação ao qual, também pelas circunstâncias objetivas
dos fatos provados, conclua que o réu sabia ou devia saber ser proveniente, direta
ou indiretamente, de crime. Conforme já decidiu esta Corte:
O dolo eventual compreende a hipótese em que o sujeito não quer direta‑
mente a realização do tipo penal, mas a aceita como possível ou provável (assume
o risco da produção do resultado, na redação do art. 18, I, in fine, do CP). (...) Faz‑
-se imprescindível que o dolo eventual se extraia das circunstâncias do evento, e
não da mente do autor, eis que não se exige uma declaração expressa do agente.
[HC 97.252, rel. min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 23-6-2009.]
Outra não é a lição de Klaus Tiedemann, que transcrevemos na íntegra:
Na linha dos mais recentes acordos internacionais, que devem ter uma espe‑
cial importância para o mundo anglo-americano, há que se esclarecer, todavia, que é
sim admissível deduzir dolo a partir das circunstâncias do fato. Não é que com isso
se retome a teoria do dolus ex re, mas, sim, que isso se deriva da admissibilidade
processual da prova indiciária.
(Tradução livre do trecho: “en la línea de los más recientes acuerdos internacionales, que han de tener una especial importancia para el mundo anglo-americano, hay que aclarar todavía que sí es admisible deducir dolo (etc) a partir de
las circunstancias del hecho. No es que con ello se retome la teoría del dolus ex re,
sino que esto se deriva de la admisibilidad procesal de la prueba indiciaria.” TIE‑
DEMANN, Klaus. Eurodelitos: El derecho penal económico en la Unión Europea.
Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2004. p. 15)
Outra objeção reiteradamente veiculada nas razões de defesa dos acusados diz
respeito à eficácia do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/1998. Alegam os réus, em
suma, que a inexistência de um crime intitulado “organização criminosa” no orde‑
namento pátrio impediria a aplicabilidade desta hipótese de lavagem de dinheiro.
O argumento, contudo, não resiste a uma análise mais atenta, pois fundado
em premissas equivocadas. Ao contrário do que sustentam os defensores, a Lei
9.613/1998 em momento algum prevê, como delito antecedente à lavagem de dinheiro,
um “crime de organização criminosa”. Nem parece razoável acreditar que tenha sido
a intenção do legislador fazer referência a um crime que ele mesmo não criou.
Em verdade, pune-se, por meio do inciso VII da referida lei, a lavagem de
dinheiro que tenha como antecedente o crime “praticado por organização criminosa”,
algo absolutamente distinto da figura delitiva suscitada pela defesa. Por exemplo,
sabe-se que o crime de roubo (art. 157 do CP) não era contemplado no rol de crimes
antecedentes da Lei 9.613/1998, antes da sua recente alteração pela Lei 12.683/2012.
Entretanto, a ocultação ou dissimulação da origem, natureza, localização, disposição
ou propriedade de ativos provenientes de crimes de roubo praticados por uma organi‑
zação criminosa configura, indubitavelmente, o delito de lavagem de dinheiro.
848
R.T.J. — 225
Por essa razão, é perfeitamente possível considerar como antecedente da
lavagem o crime, seja qual for a sua natureza, praticado por uma organização
criminosa. A expressão “organização criminosa” é prevista não como objeto,
ou seja, como o crime antecedente em si, tratando-se, isso sim, do sujeito ativo
responsável pela consecução do delito antecedente.
O art. 1º, VII, da Lei 9.613/1998, no que concerne à concepção do termo orga‑
nização criminosa, é complementado por duas normas, uma de maior abrangência
e outra de espectro mais restrito. São elas o art. 2º da Convenção das Nações Uni‑
das contra o Crime Organizado Transnacional e o art. 288 do Código Penal.
Assim, conforme já reconhecido por este Pretório Excelso, o conceito de
“organização criminosa”, para fins de complementação do tipo previsto na Lei de
Lavagem de Dinheiro, pode ser extraído da Convenção das Nações Unidas contra
o Crime Organizado Transnacional, cognominada “Convenção de Palermo”, pro‑
mulgada pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004 (Inq 2.786, rel. min. Ricardo
Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 17-2-2011). Eis o que dispõe o seu art. 2:
Artigo 2
Terminologia
Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:
a) “Grupo criminoso organizado” – grupo estruturado de três ou mais pessoas,
existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer
uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção
de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;
b) “Infração grave” – ato que constitua infração punível com uma pena de pri‑
vação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;
c) “Grupo estruturado” – grupo formado de maneira não fortuita para a prá‑
tica imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções
formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não
disponha de uma estrutura elaborada;
Frise-se que este Supremo Tribunal Federal tem longeva jurisprudência no
sentido de reconhecer aos tratados e convenções internacionais devidamente inter‑
nalizados ao ordenamento brasileiro o mesmo status conferido às leis ordinárias
(RE 80.004, rel. min. Xavier de Albuquerque, Tribunal Pleno, julgado em 1º-6-1977;
ADI 1.480-MC, rel. min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 4-9-1997).
A integração da norma penal em branco, no caso, é feita por diploma que
também tem caráter legal, não havendo que se cogitar de qualquer afronta ao
princípio da legalidade. Klaus Tiedemann assevera que as normas penais em
branco (Blankettstrafgesetze) são o meio típico e mais importante à disposi‑
ção da técnica legislativa no direito penal econômico (TIEDEMANN, Klaus.
Tecnica legislativa nel Diritto Penale Economico. Trad. Claudia Kaufmann. In:
Rivista Trimestrale di Diritto Penale Dell’economia, ano XIX, n. 1-2, jan./jun.
2006, CEDAM. p. 2). Abanto Vásquez alerta que essa técnica da norma penal
“em branco” e, portanto, lex dixit quam voluit, é a adequada para conseguir o
objetivo final: a proteção suficiente dos bens jurídicos que o legislador considere
R.T.J. — 225
849
importantes (ABANTO VÁSQUEZ, Manuel A. Derecho penal económico: con‑
sideraciones jurídicas y económicas. Lima: IDEMSA, 1997. p. 24).
Além do conceito previsto na Convenção de Palermo, o art. 1º, VII, da Lei
de Lavagem de Dinheiro também é complementado pelo art. 288 do Código
Penal, que prevê a quadrilha ou bando, modalidade de organização criminosa há
muito conhecida no direito penal brasileiro, nos seguintes termos:
Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de
cometer crimes. [Sobre o tema, afirma Rodolfo Tigre Maia, fazendo menção ao
idêntico posicionamento de Mirabete, que, para determinar-se a presença de uma
organização criminosa], bastará – tão somente – a presença dos requisitos tradicio‑
nalmente exigíveis para o crime descrito no art. 288 do Código Penal, desde que
associados à efetiva prática de pelo menos um crime. [MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 78.]
Portanto, não procede a alegação de que o inciso VII do art. 1º da Lei
9.613/1998 era desprovido de eficácia antes da internalização da Convenção de
Palermo no ordenamento pátrio – a complementação da norma já era realizada,
embora com espectro mais restrito, pelo art. 288 do Código Penal.
Ao acolher, no rol de delitos originários da lavagem de dinheiro, cláu‑
sula abrangente de todos os delitos perpetrados por organizações criminosas,
posicionou-se a lei brasileira na vanguarda da repressão mundial a essa sorte de
ilícitos. Como é sabido, as legislações de combate à lavagem de dinheiro podem
ser classificadas historicamente em três gerações. A primeira diz respeito às leis
que previam somente o tráfico de drogas como delito antecedente do branquea‑
mento de capitais. A geração subsequente é composta pelos diplomas que listam
diversos crimes que podem figurar como antecedentes da lavagem. Por fim, na
terceira geração de leis, qualquer delito é apto a constituir antecedente da prática
da lavagem de dinheiro.
Oliveira Ascensão, a respeito da evolução legislativa, ressalta manifestar‑
-se “orientação internacional no sentido de estender a incriminação ao branque‑
amento de capitais com origem noutras actividades criminosas” (ASCENSÃO,
JR., Oliveira. Repressão da lavagem do dinheiro em Portugal. Revista da
EMERJ, v. 6, n. 22, p. 42, 2003).
A própria Convenção de Palermo exige de todos os Estados-partes, no seu
art. 6º, n. 2, a, a extensão do crime de lavagem de dinheiro ao maior número
possível de infrações subjacentes. Na Suíça, onde recentemente foi aprovado um
novo Código Penal, são antecedentes da lavagem de dinheiro as infrações puni‑
das com pena privativa de liberdade superior a três anos (BERNASCONI, Paolo.
La criminalità economica nel nuovo codice penale svizzero. Rivista Trimestrale
di Diritto Penale Dell’economia, ano XX, n. 1-2, jan./jun. 2007, CEDAM. p. 10).
Ressalte-se, ainda, que a Lei 9.613/1998, conforme já indicado, foi recen‑
temente alterada pela Lei 12.683/2012 para alinhar-se às legislações de terceira
geração, em um claro sinal de que a lavagem de dinheiro, seja qual for a origem
dos ativos, é prática reprovável e não tolerada pela ordem jurídica brasileira.
850
R.T.J. — 225
Desta feita, proclamar a não incidência do inciso VII do art. 1º da Lei
9.613/1998 é caminhar na contramão da história, restringindo indevidamente a
imputação do crime de lavagem de dinheiro, quando, na realidade, a norma penal
existente, devidamente complementada pela Convenção de Palermo e pelo art. 288
do Código Penal, permite a identificação de todos os elementos da sua fattispecie.
Corrupção passiva, ato de ofício e “caixa dois”
Ao tipificar a corrupção, em suas modalidades passiva (art. 317, CP) e ativa
(art. 333, CP), a legislação infraconstitucional visa a combater condutas de inegá‑
vel ultraje à moralidade e à probidade administrativas, valores encartados na Lei
Magna como pedras de toque do regime republicano brasileiro (art. 37, caput e
§ 4º, CRFB). A censura criminal da corrupção é manifestação eloquente da into‑
lerância nutrida pelo ordenamento pátrio para com comportamentos subversivos
da res publica nacional. Tal repúdio é tamanho que justifica a mobilização do
arsenal sancionatório do direito penal, reconhecidamente encarado como ultima
ratio, para a repressão dos ilícitos praticados contra a administração pública e os
interesses gerais que ela representa.
Consoante a legislação criminal brasileira (CP, art. 317), configuram cor‑
rupção passiva as condutas de “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta
ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão
dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Por seu turno,
tem-se corrupção ativa no ato de “oferecer ou prometer vantagem indevida a fun‑
cionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”
(CP, art. 333). Destaque-se o teor dos dispositivos:
Corrupção passiva
Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem inde‑
vida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o
pratica infringindo dever funcional.
§ 2º Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com
infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Corrupção ativa
Art. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público,
para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem
ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo
dever funcional.
R.T.J. — 225
851
Sobressai das citadas normas incriminadoras o nítido propósito de o legisla‑
dor punir o tráfico da função pública, desestimulando o exercício abusivo dos pode‑
res e prerrogativas estatais. Como evidente, o escopo das normas é penalizar tanto o
corrupto (agente público), como o corruptor (terceiro). Daí falar-se em crime de cor‑
rupção passiva para a primeira hipótese, e crime de corrupção ativa para a segunda.
Ainda que muitas vezes caminhem lado a lado, como aspectos simétricos
de um mesmo fenômeno, os tipos penais de corrupção ativa e passiva são intrin‑
secamente distintos e estruturalmente independentes, de sorte que a presença de
um não implica, desde logo, a caracterização de outro. Isso fica evidente pelos
próprios verbos que integram o núcleo de cada uma das condutas típicas. De um
lado, a corrupção passiva pode configurar-se por qualquer das três ações do
agente público: (i) a solicitação de vantagem indevida (“solicitar”), (ii) o efetivo
recebimento de vantagem indevida (“receber”) ou (iii) a aceitação de promessa
de vantagem indevida (“aceitar promessa”). De outro lado, a corrupção ativa
decorre de uma dentre as seguintes condutas descritas no tipo de injusto: (i) o
oferecimento de vantagem indevida a funcionário público (“oferecer”) ou (ii) a
promessa de vantagem indevida a funcionário público (“prometer”).
Assim é que, se o agente público solicita vantagem indevida em razão da
função que exerce, já se configura crime de corrupção passiva, a despeito da
eventual resposta que vier a ser dada pelo destinatário da solicitação. Pode haver
ou não anuência do terceiro. Qualquer que seja o desfecho, o ilícito de corrupção
passiva já se consumou com a mera solicitação de vantagem. De igual modo, se
o agente público recebe oferta de vantagem indevida vinculada aos seus misteres
funcionais, tem-se caracterizado de imediato o crime de corrupção ativa por parte
do ofertante. O agente público não precisa aceitar a proposta para que o crime se
concretize. Trata-se, portanto, de ilícitos penais independentes e autônomos.
Essa constatação implica, ainda, outra.
Note-se que em ambos os casos mencionados não existe, para além da
solicitação ou oferta de vantagem indevida, nenhum ato específico e ulterior por
qualquer dos sujeitos envolvidos. A ordem jurídica considera bastantes em si,
para fins de censura criminal, tanto a simples solicitação de vantagem indevida
quanto o seu mero oferecimento a agente público. É que tais comportamentos
já revelam, per se, o nítido propósito de traficar a coisa pública, cujo desvalor é
intrínseco, justificando o apenamento do seu responsável.
Um exemplo prosaico auxilia a compreensão do tema. Um policial que,
para deixar de multar um motorista infrator da legislação de trânsito, solicita‑
-lhe dinheiro, incorre, de plano, no crime de corrupção passiva. O agente público
sequer necessita deixar de aplicar a sanção administrativa para que o crime de cor‑
rupção se consume. Basta que solicite vantagem em razão da função que exerce.
De igual sorte, se o motorista infrator é quem toma a iniciativa e oferece dinheiro
ao policial, aquele comete crime de corrupção ativa. O agente público não precisa
aceitar a vantagem e deixar de aplicar a multa para, só após, o crime de corrupção
852
R.T.J. — 225
ativa se configurar. Ele se materializa desde o momento em que houve a oferta de
vantagem indevida para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.
Isso serve para demonstrar que o crime de corrupção (passiva ou ativa)
independe da efetiva prática de ato de ofício. A lei penal brasileira, tal como
literalmente articulada, não exige tal elemento para fins de caracterização da
corrupção. Em verdade, a efetiva prática de ato de ofício configura circunstância
acidental na materialização do referido ilícito, podendo até mesmo contribuir
para sua apuração, mas irrelevante para sua configuração.
Um exame cuidadoso da legislação criminal brasileira revela que o ato
de ofício representa, no tipo penal da corrupção, apenas o móvel daquele que
oferece a peita, a finalidade que o anima. Em outros termos, é a prática possível
e eventual de ato de ofício que explica a solicitação de vantagem indevida (por
parte do agente estatal) ou o seu oferecimento (por parte de terceiro).
E mais: não é necessário que o ato de ofício pretendido seja, desde logo,
certo, preciso e determinado. O comportamento reprimido pela norma penal é a
pretensão de influência indevida no exercício das funções públicas, traduzida no
direcionamento do seu desempenho, comprometendo a isenção e imparcialidade
que devem presidir o regime republicano.
Não por outro motivo a legislação, ao construir linguisticamente os aludidos
tipos de injusto, valeu-se da expressão “em razão dela”, no art. 317 do Código Penal,
e da preposição “para” no art. 330 do Código Penal. Trata-se de construções linguís‑
ticas com campo semântico bem-delimitado, ligado às noções de explicação, causa
ou finalidade, de modo a revelar que o ato de ofício, enquanto manifestação de potes‑
tade estatal, existe na corrupção em estado potencial, i.e., como razão bastante para
justificar a vantagem indevida, mas sendo dispensável para a consumação do crime.
Voltando ao exemplo já mencionado, pode-se dizer que é a titularidade de
função pública pelo policial que explica a solicitação abusiva por ele realizada
ao motorista infrator. Não fosse o seu poder de aplicar multa (ato de ofício), difi‑
cilmente sua solicitação seria recebida com alguma seriedade pelo destinatário.
Da mesma forma, é a simples possibilidade de deixar de sofrer a multa (ato de
ofício) que explica por que o motorista infrator se dirigiu ao policial e não a qual‑
quer outro sujeito. Em ambos os casos, o ato de ofício funciona como elemento
atrativo ou justificador da vantagem indevida, mas jamais pressuposto para a
configuração da conduta típica de corrupção.
Não se pode perder de mira que a corrupção passiva é modalidade de crime
formal, assim compreendidos aqueles delitos que prescindem de resultado natura‑
lístico para sua consumação, ainda que possam, eventualmente, provocar modifi‑
cação no mundo exterior, como mero exaurimento da conduta criminosa. O ato de
ofício, no crime de corrupção passiva, é mero exaurimento do ilícito, cuja materia‑
lização exsurge perfeita e acaba com a simples conduta descrita no tipo de injusto.
Em síntese: o crime de corrupção passiva configura-se com a simples soli‑
citação ou o mero recebimento de vantagem indevida (ou de sua promessa), por
agente público, em razão das suas funções, ou seja, pela simples possibilidade
R.T.J. — 225
853
de que o recebimento da propina venha a influir na prática de ato de ofício. Já o
crime de corrupção ativa caracteriza-se com o simples oferecimento de vanta‑
gem indevida (ou de sua promessa) a agente público com o intuito de que este
pratique, omita ou retarde ato de ofício que deva realizar. Em nenhum caso a
materialização do ato de ofício integra a estrutura do tipo de injusto.
Antes que se passe à análise das particularidades do caso sub examine,
mister enfrentar uma construção muitas vezes brandida da tribuna que, não
fosse analisada com cautela, poderia confundir o cidadão e embaraçar a cor‑
reta compreensão do ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se do argumento –
improcedente, já adianto – de que, fosse o ato de ofício dispensável no crime
de corrupção passiva, os ministros do Supremo Tribunal Federal seriam todos
criminosos por receberem com alguma frequência livros e periódicos de edi‑
toras e autores do meio jurídico. Noutras palavras, a configuração do crime de
corrupção passiva, tal como articulado por alguns advogados, dependeria da
demonstração da ocorrência de um certo e determinado ato de ofício pelo titu‑
lar do múnus público.
A estrutura do raciocínio é típica dos argumentos ad absurdum, ampla‑
mente conhecidos e estudados pela lógica formal. Assume-se como verdadeira
determinada premissa e dela se extraem consequências absurdas ou ridículas, o
que sugere que a premissa inicial deva estar equivocada.
Ocorre que, in casu, a reductio ad absurdum não tem o condão de infirmar
a conclusão quanto à desnecessidade de efetiva prática de ato de ofício para con‑
figuração do crime de corrupção passiva.
Com efeito, a dispensa da efetiva prática de ato de ofício não significa que
este seja irrelevante para a configuração do crime de corrupção passiva. Con‑
soante consignado linhas atrás, o ato de ofício representa, no tipo penal da cor‑
rupção, o móvel do criminoso, a finalidade que o anima. Daí que, em verdade, o
ato de ofício não precisa se concretizar na realidade sensorial para que o crime
de corrupção ocorra. É necessário, porém, que exista em potência, como futuro
resultado prático pretendido, em comum, pelos sujeitos envolvidos (corruptor e
corrupto). O corruptor deseja influenciar, em seu próprio favor ou em benefício
de outrem. O corrupto “vende” o ato em resposta à vantagem indevidamente
recebida. Se o ato de ofício “vendido” foi praticado pouco importa. O crime de
corrupção consuma-se com o mero tráfico da coisa pública.
Nesse cenário, é indispensável, para caracterizar a corrupção passiva, que
o agente público, ao receber a vantagem indevida, saiba para que ele está rece‑
bendo (para praticar certo e específico ato de ofício). Os ministros desta Casa
recebem livros que nunca solicitaram e de que muitas vezes nunca ouviram falar.
Do recebimento do livro não se pode esperar que haja qualquer comportamento
ou favorecimento. Pelo contrário, é possível que o livro seja utilizado justamente
em sentido contrário àquele pretendido, como forma de rebater as ideias nele
lançadas, apontando divergência de entendimentos.
854
R.T.J. — 225
Daí o engano da tese suscitada pela defesa. Os ministros do Supremo
Tribunal Federal não cometem qualquer crime simplesmente porque não mer‑
canciam sua função pública em troca de livros e periódicos jurídicos. De fato,
tais bens não têm o condão de influenciar o exercício da prestação jurisdicio‑
nal em qualquer sentido. Em outras palavras, falta, na comparação esdrúxula
sugerida da tribuna, um ajuste mínimo de vontade entre o agente público e a
editora/autor do livro no sentido de influenciar, de alguma maneira, o exercício
da função pública.
Ressalte-se, ademais, que é totalmente despropositada a comparação entre
vultosos valores em pecúnia e alguns poucos exemplares de livros. Se os réus
da presente ação penal tivessem recebido livros e periódicos jurídicos, talvez
não estivessem figurando no polo passivo deste feito. A práxis demonstra que é
o dinheiro – e não os livros – que são usados para “comprar” agentes públicos,
subvertendo os valores republicanos da nação brasileira.
Por fim, não se pode deixar de conceder que, embora contraintuitivo, o crime
de corrupção passiva pode, sim, configurar-se a partir da entrega de livros ao agente
público, desde que demonstrado, por indícios robustos, que a concessão do material
foi motivada pela obtenção de algum favorecimento no exercício da função pública.
Tecidas essas considerações, imperioso aprofundar a análise do tema de
modo a traçar as devidas distinções entre o crime de corrupção e outra figura
típica muitas vezes com ela confundida, o crime de “caixa dois”.
O jargão político consagrou a expressão “caixa dois” para referir-se à
prática de manutenção ou movimentação de recursos financeiros não escritu‑
rados ou falsamente escriturados na contabilidade de pessoas jurídicas as mais
diversas, como associações, fundações, sociedade comerciais e partidos polí‑
ticos. Apesar do seu enraizamento no discurso midiático, a noção carece de
positividade no direito brasileiro. Com efeito, não existe em qualquer recanto de
nossa legislação pátria um conceito jurídico-positivo de “caixa dois”. À doutrina
coube o mister de definir seus limites semânticos no que erigiu as definições
de “sistema paralelo de contabilidade” ou de “movimentação de capitais sem
registro da escrituração” (ROSA, Fábio Bittencourt da. O caixa dois. Revista
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, v. 15, n. 51, p. 15, 2004). A ideia
elementar aqui é a de fraude escritural com o propósito de mascarar a realidade,
impedindo que os órgãos de controle fiscalizem e rastreiem fluxos monetários
de inegável relevância jurídica.
Embora sem endereçamento direto e imediato pela legislação brasileira,
a prática de “caixa dois” é atualmente enquadrada como crime de falsidade
ideológica, descrito genericamente no art. 299 do Código Penal (Decreto-Lei
2.848/1940); e previsto especificamente no art. 350 da Lei 4.737/1965 enquanto
relacionado ao processo político-eleitoral. Eis o teor dos dispositivos:
Falsidade ideológica (Código Penal)
Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele
devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que
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855
devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a ver‑
dade sobre fato juridicamente relevante:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e
reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
Parágrafo único. Se o agente é funcionário público, e comete o crime preva‑
lecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro
civil, aumenta-se a pena de sexta parte.
Falsidade ideológica (Código Eleitoral)
Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele
devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que de‑
via ser escrita, para fins eleitorais:
Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o do‑
cumento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o
documento é particular.
Como se pode notar, o art. 350 do Código Eleitoral tipifica a mesma con‑
duta que o art. 299 do Código Penal, evidenciando que, ontologicamente, a
essência dos comportamentos é a mesma, qual seja, de ato fraudulento, qualquer
que seja a finalidade pretendida pelo criminoso. O aparente conflito de normas
penais resolve-se pelo postulado da especialidade, de sorte que a incidência da
falsidade eleitoral (art. 350, Código Eleitoral) prejudica a aplicação do tipo ins‑
culpido no art. 299 do Decreto-Lei 2.848/1940 (Código Penal).
Questão fundamental suscitada nestes autos tem que ver com a adequada
diferenciação entre o crime previsto no art. 317 do Código Penal (corrupção
passiva) e aquele estipulado no art. 350 do Código Eleitoral (falsidade ideológica
eleitoral em razão de “caixa dois”).
É que, segundo a denúncia, os acusados (parlamentares e outros agentes
públicos) teriam recebido dinheiro indevido em razão da sua função, como
contraprestação para apoiar politicamente a agremiação partidária do governo.
Tal circunstância importaria o crime de corrupção passiva (art. 317, Código
Penal). Já a defesa sustenta que o dinheiro foi pago como simples acerto de con‑
tas não regularmente escrituradas no balanço contábil dos partidos políticos
(“caixa dois”), o que, na visão dos acusados, configuraria o crime do art. 350
do Código Eleitoral.
Pois bem. Analisando o tipo da corrupção passiva, observa-se a existência
dos seguintes elementos: (i) solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente; (ii) vantagem indevida; e (iii) em razão da função.
Quanto ao elemento “vantagem indevida”, tem-se a sua caracterização quando
auferido benefício de qualquer espécie em desacordo com o ordenamento jurídico,
seja em razão da ilicitude da sua causa, seja em razão do modo irregular da sua
aquisição. Portanto, o repasse de verbas para um partido político feito em desacordo
com a legislação eleitoral pertinente configura, sem dúvidas, uma vantagem inde‑
vida. Entretanto, essa situação pode ou não evoluir para a caracterização do crime
de corrupção passiva, a depender do preenchimento dos demais requisitos do tipo.
856
R.T.J. — 225
Exemplificativamente, quando um partido político realiza um repasse de
verbas para outra agremiação com regular escrituração do montante transferido,
a vantagem recebida pelo partido donatário é devida, porquanto encontra espe‑
que no ordenamento jurídico aplicável. Assim, tratando das coligações partidá‑
rias, José Jairo Gomes preleciona que, verbis:
Doações de comitês financeiros ou partidos – admite-se que comitê financeiro
ou partido doe a outro comitê, partido ou candidato. Atende-se, aqui, ao interesse das
coligações que não podem ter comitê financeiro próprio. Assim, os partidos coligados
poderão doar entre si, de sorte que o consórcio resulte fortalecido na disputa. [GO‑
MES, José Jairo. Direito eleitoral. São Paulo: Atlas, 2012. p. 298 – Grifos no original.]
Em um segundo tipo de situação, figure-se o caso em que determinado can‑
didato a cargo público eletivo recebe doação de terceiro que simpatize com a sua
plataforma de campanha, sem, contudo, realizar a correspondente escrituração
contábil do valor. Nesse caso, a vantagem é indevida, já que os candidatos são
obrigados por lei a declarar à Justiça Eleitoral todas as importâncias recebidas
para custear a campanha, até para a verificação dos limites legais aplicáveis.
Porém, não se observa, só por essa conduta, uma correspondente potencialidade
de interferência no exercício da função pública, mas apenas um compartilha‑
mento de ideais. Faltando o elemento típico “em razão da função”, não incide
o praeceptum iuris do art. 317 do Código Penal. O fato, porém, não é atípico.
O agente deve responder pelo delito previsto no art. 350 do Código Penal.
Outra é a hipótese em que integrantes de agremiação política oferecem e
pagam dinheiro aos membros de outro partido, em troca do apoio político aos
interesses da primeira organização. A vantagem é indevida pelo simples fato de
ter sido repassada sem a observância da liturgia imposta pela lei eleitoral. Além
disso, é certo que foi paga em razão da função pública, pois teve por finalidade
angariar ou manter o apoio de parlamentares, capazes, por óbvio, de influir na
vida política nacional.
Nesse cenário, quando a motivação da vantagem indevida é a potencia‑
lidade de influir no exercício da função pública, tem-se o preenchimento dos
pressupostos necessários à configuração do crime de corrupção passiva. Como já
exaustivamente demonstrado, a prática de algum ato de ofício em razão da vanta‑
gem recebida não é necessária para a caracterização do delito. Basta que a causa
da vantagem seja a titularidade de função pública. Essa circunstância, per se, é
capaz de vulnerar os mais básicos pilares do regime republicano, solidamente
assentado sobre a moralidade, a probidade e a impessoalidade administrativa.
De qualquer sorte, ainda que despiciendo seja o ato de ofício, as regras
da experiência comum, que integram o iter do raciocínio jurídico discursivo,
indicam que o “favor” será cobrado adiante, em forma de sujeição aos interes‑
ses políticos dos que o concederam. Por isso, é mesmo dispensável a indicação
de um ato de ofício concreto praticado em contrapartida ao benefício auferido,
bastando a potencialidade de interferência no exercício da função pública.
R.T.J. — 225
857
A comprovação da prática, omissão ou retardamento do ato de ofício é apenas
uma majorante, prevista no § 2º do art. 317 do Código Penal.
Não obsta essa conclusão o fato de o agente público destinar vantagem ilí‑
cita recebida a gastos de titularidade do partido político. Com efeito, o animus
rem sibi habendi se configura com o recebimento “para si ou para outrem”, nos
termos do caput do art. 317 do CP.
In casu, os elementos carreados aos autos dão conta da existência do paga‑
mento de consideráveis valores pecuniários a agentes públicos pertencentes aos qua‑
dros do Poder Legislativo federal com o objetivo de receber, em troca, o seu apoio
político ao programa de governo levado a efeito pelo Poder Executivo federal.
Peculato
A tutela jurídica da moralidade e da probidade administrativas também
se reflete na legislação infraconstitucional pela tipificação do peculato como
ilícito criminal. Consoante o magistério de Damásio de Jesus, a aludida figura
típica consubstancia:
(...) modalidade especial de apropriação indébita cometida por funcionário
público ratione officii. É o delito do sujeito que arbitrariamente faz sua ou desvia,
em proveito próprio ou de terceiro, a coisa móvel que possui em razão do cargo, seja
ela pertencente ao Estado ou a particular, ou esteja sob sua guarda ou vigilância.
[JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 4: Parte
especial: dos crimes contra a administração pública. p. 119-122.]
O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é a confiança pública
no escorreito e impessoal desempenho das funções estatais, justificando o apena‑
mento daqueles que, subvertendo essas finalidades, desviem ou apropriem-se de
dinheiro, valor ou qualquer bem cuja posse lhes tenha sido atribuída em razão do
exercício de múnus público. Nesse sentido, “sendo o crime de peculato um crime
contra a Administração Pública e não contra o patrimônio, o dano necessário e
suficiente para a sua consumação é o inerente à violação do dever de fidelidade
para a mesma administração, associado ou não ao patrimonial” (MIRABETE,
Júlio Fabbrini. Código Penal interpretado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 2372).
O caput do art. 312 do Código Penal brasileiro criminaliza a conduta
caracterizadora do peculato próprio, que pode assumir duas distintas modali‑
dades, quais sejam, peculato-apropriação (1ª parte do dispositivo) e o peculato‑
-desvio (2ª parte do dispositivo).
O peculato-apropriação configura-se quando o funcionário público apro‑
pria-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de
que tem a posse em razão do cargo. O núcleo da conduta típica é a apropriação
indevida do bem possuído ratione officii. Apropriação, por seu turno, significa
assenhoramento, de sorte que o agente público age como se o bem fosse seu,
retendo-o, consumindo-o ou dele dispondo.
858
R.T.J. — 225
O peculato-desvio, por seu turno, caracteriza-se quando o agente estatal
imprime à coisa destinação diversa da exigida ou esperada, em proveito próprio
ou de outrem. O proveito a que se refere a lei tanto pode ser material como moral,
auferindo o agente qualquer vantagem ainda que não de natureza econômica.
Note-se que, nessa hipótese, o núcleo da conduta típica é o desvio de finalidade
no emprego da coisa, cuja destinação in concreto passa a diferir daquela para a
qual foi confiada, em proveito do próprio agente do Estado ou de terceiro.
Em ambas as hipóteses, é relevante destacar que o dinheiro, a coisa ou o
bem apropriado ou desviado não precisa ser público para que o crime de peculato
se configure. Em verdade, o relato normativo é de clareza meridiana ao reportar‑
-se a “dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular” (sem
grifos no original). O que figura indispensável é que o objeto tenha sido confiado
ao agente público em razão da sua qualidade. Daí por que a caracterização do
delito independe da natureza do bem, se pública ou privada, bastando que se
comprove que o agente o possuía em razão das suas funções.
É nesse exato sentido a remansosa jurisprudência desta Corte, cujos acór‑
dãos, há pelo menos três décadas, já registram a desnecessidade da natureza
pública do bem para a configuração do crime de peculato:
Ementa. Penal. Peculato. Dinheiro apreendido e, em seguida, apropriado por
agentes policiais, no exercício da função. Delito configurado, já que, para a reali‑
zação do tipo do art. 312, caput, basta a posse da coisa em razão do cargo, ainda
que a sua propriedade seja de particular. [HC 56.430/SP, rel. min. Décio Miranda,
Segunda Turma, DJ de 7-11-1978, p. 8824 – Sem grifos no original.]
Ementa. Peculato. Configuração. Irrelevância de serem particulares os bens
apropriados ou desviados, desnecessidade de previa prestação de contas. Habeas
corpus denegado. [HC 56.998, rel. min. Xavier de Albuquerque, Primeira Turma,
DJ de 8-6-1979, p. 115 – Sem grifos no original.]
As palavras pedagógicas do i. ministro Xavier de Albuquerque merecem
transcrição, in verbis:
No peculato, a lesão patrimonial se configura ainda quando a coisa apro‑
priada, ou desviada, pertença ao patrimônio particular, como na hipótese destes
autos. É o que diz o art. 312, caput, quando se refere a “valor ou qualquer outro bem
móvel, público ou particular” (...) (Grifamos). O que importa é que a apropriação
ou o desvio tenha por objeto bens possuídos “em razão do cargo”. E, no caso, isso
igualmente se deu.
Outra conclusão relevante para a presente causa é a de que o crime de pecu‑
lato se configura ainda que o desvio de finalidade ocorra de forma escamoteada
ou disfarçada. É o que se dá quando o agente público emprega dinheiro, bens ou
valores sob sua posse com a justificativa formal de satisfazer necessidade de inte‑
resse público, sendo que, sob o ângulo material, acabam por satisfazer interesse
particular, próprio ou de terceiro.
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Comprovado o desvio em proveito próprio, configurado estará o crime de
peculato. Daí se concluir que a forma pode, em um primeiro momento, camu‑
flar a realidade, mascarando o desvio da finalidade subjacente ao emprego de
dinheiro, bens ou valores cuja posse tenha sido confiada a agentes estatais.
Aliás, uma análise mais detida da legislação penal brasileira revela que
dificilmente o peculato-desvio caracteriza-se de plano, pelo emprego direto e
imediato de recursos sob custódia estatal em proveito particular, próprio ou de
terceiros. Caso isso ocorra, configura-se o peculato-apropriação.
Em verdade, no peculato-desvio comumente nota-se uma aparência de
regularidade, traduzida na pretensa realização do interesse público, seguida da
sua efetiva e concreta subversão, representada pelo desvio em proveito particular,
próprio ou de terceiro. Mister, portanto, aprofundar a análise e perquirir sobre a
real e efetiva utilidade proporcionada pelos recursos utilizados pelo funcionário
público. Só após é que se pode afirmar a configuração ou não do crime de pecu‑
lato, aí entendido na sua modalidade desvio.
Estabelecidas essas premissas teóricas, procedo à análise das imputações
feitas aos agentes.
Das imputações
III.1 – Câmara dos Deputados
João Paulo Cunha (15º denunciado)
Da imputação de corrupção passiva (art. 317 c/c art. 327, § 2º, CP)
O acervo probatório afiança a tese ministerial, no sentido de que o 15º
denunciado (João Paulo Cunha), exercendo o cargo de presidente da Câmara dos
Deputados, recebeu vantagem indevida na data de 4 de setembro de 2003, qual
seja, o valor de R$ 50.000,00, como peita para beneficiar a empresa SMP&B
Comunicação em licitação pública (Concorrência 11/03 da Câmara dos Deputados, Contrato 2003/204.0).
O recebimento da quantia, por intermédio de sua esposa, foi confessado pelo
próprio acusado, em seu interrogatório (fl. 14335).
Em oportunidades anteriores, o 15º denunciado (João Paulo Cunha) havia
negado o recebimento de qualquer quantia, alegando que sua esposa comparecera ao
Banco Rural para tratar de pendências referentes a cobrança de empresa de televisão
por assinatura (informações prestadas ao Conselho de Ética, fl. 10697 do vol. 50).
Entretanto, após a busca e apreensão de documentos que evidenciaram o recebi‑
mento de R$ 50.000,00 pela senhora Márcia Regina Milanésio Cunha, passou o 15º
denunciado (João Paulo Cunha) a sustentar que a verba sacada fora enviada pelo 3º
denunciado, com vistas ao custeio de despesas da campanha da agremiação política
a que pertence à prefeitura de Osasco/SP. A divergência entre as versões milita em
favor da versão acusatória, corroborada pelos demais elementos dos autos.
860
R.T.J. — 225
À fl. 325 do Apenso 7 consta o recibo assinado por Márcia Regina Milané‑
sio Cunha, referente ao saque de cheque da empresa SMP&B.
A relação existente entre os réus envolvidos no episódio foi explicitada pelo
ministro relator e pelas provas produzidas.
A testemunha Virgílio Guimarães confirmou, às fls. 20085 e seguintes, as
suas declarações de fls. 8588 e seguintes, oportunidade em que relatou ter apre‑
sentado o 5º denunciado (Marcos Valério) ao 15º denunciado (João Paulo Cunha),
bem como que o 5º denunciado (Marcos Valério) participou, em 2002, da pro‑
gramação visual da propaganda da campanha do 15º denunciado (João Paulo
Cunha) à Presidência da Câmara dos Deputados. O 15º denunciado (João Paulo Cunha),
no seu interrogatório de fl. 15435, noticiou a realização de reunião em hotel de
São Paulo, na qual estiveram presentes, além dele próprio, o 5º denunciado (Mar‑
cos Valério), o 4º denunciado (Sílvio Pereira) e o senhor Luís Costa Pinto. Disse
também que, já como presidente da Câmara dos Deputados, participou de várias
reuniões com o 5º denunciado (Marcos Valério).
A especial intimidade verificada entre o 5º denunciado (Marcos Valério)
e o 15º denunciado (João Paulo Cunha) resultou notória do episódio em que
o primeiro presenteou o segundo com uma caneta Montblanc, bem como da
oportunidade em que custeou uma viagem de sua secretária ao Rio de Janeiro,
incluindo passagens aéreas e hospedagem. Os fatos foram confirmados pelo 5º
denunciado (Marcos Valério), em seu interrogatório de fl. 16363, pela secretária
do 15º denunciado (João Paulo Cunha) (fls. 6009/6010) e pelo próprio 15º denun‑
ciado (João Paulo Cunha) no interrogatório de fl. 14337.
A conexão entre o recebimento da vantagem indevida e a interferência na
função pública exercida pelo 15º denunciado (João Paulo Cunha) exsurge evidente.
Em primeiro lugar, constata-se que o montante foi recebido ilicitamente na
data de 4 de setembro de 2003, enquanto que o edital da aludida concorrência foi
publicado doze dias depois, data peculiarmente próxima. Além disso, no dia 3 de
setembro de 2003, véspera do recebimento dos valores, houve uma reunião entre o
15º denunciado (João Paulo Cunha) e o 5º denunciado (Marcos Valério) na residên‑
cia oficial da Câmara dos Deputados, conforme assumido pelo próprio 15º denun‑
ciado (João Paulo Cunha), em seu interrogatório de fl. 15432. Não fosse o bastante,
conforme argutamente apontado pelo ministro relator, na data de 12 de setembro de
2003, três dias antes da assinatura do Edital de Concorrência 11/2003, a empresa
Graffiti, do grupo econômico do 5º denunciado (Marcos Valério), do 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz), obteve um empréstimo de
R$ 9.975.400,00, posteriormente repassado à agremiação partidária a que pertence
o 15º denunciado (João Paulo Cunha), em uma sucessão de acontecimentos, minu‑
dentemente explicitados pelo relator, que não se pode atribuir ao mero acaso.
Documentos comprovaram, também, uma reunião entre o 15º denunciado
(João Paulo Cunha), o 5º denunciado (Marcos Valério) e o 7º denunciado (Cris‑
tiano Paz), na data de 16 de julho de 2003 (fl. 1074). Essa reunião precedeu em
apenas alguns dias o ato da Presidência da Câmara dos Deputados, assinado pelo
R.T.J. — 225
861
15º denunciado (João Paulo Cunha) em 8 de agosto do mesmo ano, que deu início
ao procedimento licitatório.
O 15º denunciado (João Paulo Cunha) confirmou em seu interrogatório (fl.
14334) que, como presidente da Câmara dos Deputados, assinou o ato de nome‑
ação da comissão especial de licitação, responsável pela contratação da SMP&B
Comunicação. Desse modo, resta afastado o argumento da defesa, no sentido de
que o acusado não teria poderes para interferir no certame licitatório.
Cumpre referir que o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) foi apresentado, na
antessala do gabinete do 15º denunciado (João Paulo Cunha), ao diretor da Secreta‑
ria de Comunicação da Câmara dos Deputados, senhor Márcio Marques de Araújo,
aproximadamente em abril de 2003, de acordo com as declarações deste último
(fl. 40810). Márcio Marques de Araújo foi nomeado para o cargo em fevereiro de
2003, justamente pelo 15º denunciado (João Paulo Cunha), e posteriormente inte‑
grou a comissão responsável pelo contrato administrativo ora questionado.
Outro dado que descredita as alegações defensivas reside na circunstância
de que a empresa SMP&B já havia participado de licitação anterior para con‑
tratação com a Câmara dos Deputados, oportunidade em que obteve apenas o
último lugar, tendo sido desclassificada por não alcançar a nota mínima na ava‑
liação técnica (fls. 568 e seguintes do vol. 3 do Apenso 84).
Conclui-se, assim, que o 15º denunciado (João Paulo Cunha) recebeu vantagem
indevida em razão das funções exercidas na Presidência da Câmara dos Deputados.
O 15º denunciado (João Paulo Cunha) deduziu, em sua defesa, que o valor
recebido foi destinado ao custeio de pesquisas eleitorais em Osasco/SP. A afir‑
mação não infirma a configuração do delito. A uma, porque o praeceptum iuris
do art. 317 do Código Penal contém o elemento subjetivo especial do tipo “para
si ou para outrem”, de modo que o valor ilicitamente auferido pode também ser
revertido para destinações outras que não a imediata composição do acervo eco‑
nômico do agente, sem que com isso se desnature a figura da corrupção passiva.
A duas, porque, fosse o caso de quantia pertencente ao Partido dos Trabalhado‑
res e licitamente revertida às suas atividades políticas, deveria ter sido obtida e
empregada nos estritos termos da legislação eleitoral em vigor. De acordo com
o art. 26, II, da Lei 9.504/1997, “São considerados gastos eleitorais, sujeitos
a registro e aos limites fixados nesta Lei: propaganda e publicidade direta ou
indireta, por qualquer meio de divulgação, destinada a conquistar votos”. Não
observada a legislação pertinente, considera-se que a vantagem percebida pelo
agente é indevida, configurando-se o delito do art. 317, caput, do Código Penal.
Da imputação de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VI e VII, Lei 9.613/1998)
Também há provas da autoria e da materialidade do delito de lavagem de
dinheiro, consistente na utilização da estrutura ilícita de pagamentos por meio do
Banco Rural para o recebimento dos R$ 50.000,00 configuradores da corrupção
passiva. A esposa do 15º denunciado (João Paulo Cunha) compareceu à agência
862
R.T.J. — 225
do Banco Rural no Shopping Brasília e recebeu a quantia em espécie, conforme
admitido pelo próprio acusado em juízo (fl. 14335).
Malgrado tenha refutado a origem ilícita dos recursos, a versão apresen‑
tada pelo réu está em dissonância com as provas dos autos, na medida em que o
cheque sacado estava em nome da SMP&B Propaganda e o dinheiro foi recebido
por interposta pessoa, em espécie. O recibo assinado pela senhora Márcia Regina
Milanésio Cunha consta à fl. 325 do Apenso 7. O registro dos dados da esposa do
15º denunciado (João Paulo Cunha) foi realizado informalmente, não tendo sido
repassado aos órgãos públicos de controle pertinentes. Todos os dados foram obti‑
dos coercitivamente, mediante cumprimento de mandado de busca e apreensão.
Não é óbice ao reconhecimento da configuração do crime da lavagem de
dinheiro o fato de ter o 15º denunciado (João Paulo Cunha) também praticado
o crime antecedente, de corrupção passiva. Os tipos penais são independentes e
tutelam bens jurídicos distintos, não havendo consunção de um pelo outro.
O crime do art. 317 do Código Penal tutela a moralidade administrativa,
consumando-se com o recebimento, solicitação ou aceitação de promessa de
vantagem indevida, pelo funcionário público, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão
dela. Por sua vez, o delito previsto no art. 1º da Lei 9.613/1998 protege a admi‑
nistração da justiça – sendo certo que a lavagem de bens, direitos ou valores,
dificulta a aplicação da lei penal, por escamotear a materialidade do crime ou a
sua autoria – e a ordem econômica – reduzindo a confiança de investidores no
mercado financeiro e gerando a concorrência desleal. Por isso, há incidência con‑
junta de ambos os tipos penais, em concurso material.
No mesmo sentido, o Plenário desta Corte já teve a oportunidade de deci‑
dir: “Não sendo considerada a lavagem de capitais mero exaurimento do crime
de corrupção passiva, é possível que dois dos acusados respondam por ambos os
crimes, inclusive em ações penais diversas” (Inq 2.471, rel. min. Ricardo Lewan‑
dowski, Tribunal Pleno, julgado em 29-9-2011).
O recebimento dos valores por interposta pessoa é suficiente para mascarar
a origem, a localização e a disposição do capital, pois, consoante a jurisprudência
da Casa, “o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente,
nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada ‘engenharia financeira’
transnacional, com os quais se ocupa a literatura” (RHC 80.816, rel. min. Sepúl‑
veda Pertence, Primeira Turma, julgado em 18-6-2001, DJ de 18‑6‑2001).
Alega o 15º denunciado (João Paulo Cunha), em sua defesa, que a retirada
do montante disponibilizado pela estrutura de lavagem de dinheiro criada atra‑
vés do Banco Rural não configuraria crime, na medida em que, conforme alega,
os valores já estariam lavados. A afirmativa não procede.
A uma, porque a retirada do dinheiro por interposta pessoa constitui, por
si só, mecanismo destinado à dissimulação da propriedade e da natureza dos
valores provenientes de crime. Vale dizer: o fato de a senhora Márcia Regina
Milanésio Cunha ser jornalista, conjugado com a sua identificação no recibo de
R.T.J. — 225
863
fl. 325 do Apenso 7, foi precisamente o artifício para a dissimulação da origem
e da natureza dos valores, fazendo parecer um normal recebimento de verbas
pagas por uma empresa de publicidade a uma pessoa do ramo.
Nada obstante, sequer o registro do sacador foi realizado de forma regu‑
lar. A sistemática empreendida pelos agentes formalizava a operação como se o
sacador fosse o próprio emitente do cheque. A adesão do agente a semelhante sis‑
temática, promovendo a retirada de elevada quantia em espécie para burlar a fisca‑
lização dos órgãos de controle, atrai a incidência do delito de lavagem de dinheiro.
Resulta dos elementos reunidos ao longo do processo que o acusado dirigiu
sua conduta finalisticamente à dissimulação da origem dos valores provenientes
dos crimes de peculato e gestão fraudulenta, cometidos por meio de uma organi‑
zação criminosa (quadrilha), configurando o tipo penal previsto no art. 1º, V, VI
e VII, da Lei 9.613/1998, verbis:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de crime:
(...)
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para ou‑
trem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para
a prática ou omissão de atos administrativos;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa.
Das imputações de peculato (art. 312 c/c art. 327, § 2º, CP, duas vezes)
A exposição exauriente do voto do relator legou prova inequívoca da confi‑
guração do delito de peculato-desvio, por duas vezes, com a majorante em razão
de o agente tê-lo praticado no exercício de cargo de direção na administração.
O 15º denunciado (João Paulo Cunha) desviou em seu proveito o valor de
R$ 252.000,00, pertencente à Câmara dos Deputados, no bojo da execução do
Contrato 2004/204.0, estabelecido com a SMP&B Comunicação. Os valores dizem
respeito à contratação da empresa IFT Consultoria em Comunicação & Estratégias,
de propriedade de Luís Costa Pinto, em 30-1-2004 e em 30-6-2004. Em ambas as
ocasiões, a contratação foi autorizada pelo 15º denunciado (João Paulo Cunha), no
âmbito do contrato administrativo mantido com a empresa SMP&B.
O Laudo de n. 1.947/2009-INC dá conta de que a subcontratação da empresa
IFT Consultoria em Comunicação & Estratégias foi irregular, na medida em que
as duas outras concorrentes no processo seletivo sequer assinaram as propostas.
Além disso, o mesmo laudo comprova que a IFT Consultoria em Comunicação &
Estratégias não prestou os serviços para os quais foi contratada, conclusão a que
também chegou a Secretaria de Controle Interno da Câmara dos Deputados, após
realização de auditoria (fls. 40841 e seguintes).
864
R.T.J. — 225
Não ilide essa conclusão o fato de que as notas fiscais apresentadas pela
IFT Consultoria em Comunicação & Estratégias receberam o “atesto”, na
medida em que metade delas foi subscrita pelo diretor da Secretaria de Comuni‑
cação da Câmara dos Deputados, senhor Márcio Marques de Araújo, e o restante
por subordinados a ele (cf. Laudo de n. 1.947/2009-INC). À fl. 40809, Márcio
Marques de Araújo relata que foi nomeado em fevereiro de 2003 pelo 15º denun‑
ciado (João Paulo Cunha) para o cargo de diretor da Secretaria de Comunicação;
no exercício desse cargo, integrou a comissão de licitação e, na fase contratual,
requisitou a realização dos serviços, atestou o seu respectivo cumprimento, bem
como fiscalizou a gestão do contrato.
Em verdade, como se depreende das provas produzidas, a subcontratação
do serviço teve o intuito de permitir que Luís Costa Pinto, que realizou a asses‑
soria de imprensa da campanha do 15º denunciado (João Paulo Cunha) para o
cargo de presidente da Câmara, continuasse a prestar o mesmo trabalho em favor
do acusado, agora com custeio pela Câmara dos Deputados. O intuito subjacente
restou claro no interrogatório do 15º denunciado (João Paulo Cunha) (fl. 14338),
que admitiu que o senhor Luís Costa Pinto participou consigo de reuniões para
tratar das eleições municipais de 2004.
A prova oral consistente na testemunha Flávio Elias Pinto, servidor da
Secretaria de Comunicação da Câmara dos Deputados que integrou a comissão
de licitação, afirmou que Luís Costa Pinto “era um assessor de imprensa do pre‑
sidente, um assessor de comunicação social do presidente” (fl. 42215), eviden‑
ciando que a contratação teve por objetivo único a prestação de serviços de cariz
pessoal ao 15º denunciado (João Paulo Cunha).
Conforme destacado pelo ministro relator, a primeira contratação da
empresa IFT, de propriedade do senhor Luís Costa Pinto, ocorreu já na gestão do
15º denunciado (João Paulo Cunha) na Presidência da Câmara dos Deputados,
no âmbito do contrato publicitário com a agência Denison Brasil Ltda., e não na
gestão anterior, como sustentado pela defesa. Outro dado relevante é o de que
a DNA Propaganda, de propriedade do 5º denunciado (Marcos Valério), do 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz), havia custeado, em época anterior à subcontratação ora questionada, os serviços prestados
por Luís Costa Pinto ao 15º denunciado (João Paulo Cunha). Em suas declara‑
ções de fl. 42331, Luís Costa Pinto relatou ter participado de reuniões com o 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) e com o 7º denunciado (Cristiano Paz).
Desse modo, restou caracterizado o delito do art. 312, caput, do Código
Penal, na sua modalidade “desvio”, considerando o valor pago à IFT por serviços
prestados para atender a interesses particulares do 15º denunciado (João Paulo
Cunha), que atingiu a quantia de R$ 252.000,00.
Quanto ao segundo peculato, configurou-se com o desvio de montante
relacionado ao contrato estabelecido entre a Câmara dos Deputados e a SMP&B
Comunicação (n. 2003204.0). Houve indevida subcontratação da execução
R.T.J. — 225
865
integral do objeto contratual pela SMP&B Comunicação, que auferiu a remune‑
ração por uma atividade não prestada.
A prova da materialidade do crime encontra-se no Laudo de n. 1.947/2009INC, no qual se conclui que “a participação percentual da SMP&B na presta‑
ção de serviços de criação ou de produção em relação às peças de publicidade
e propaganda foi ínfima”. A conclusão está em consonância com o relatório de
auditoria da 3ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União
(fl. 22 do vol. 1 do Apenso 84) e com o parecer da Secretaria de Controle Interno
da Câmara dos Deputados (fl. 40826v.).
A autoria é evidenciada pelos documentos de fls. 37461/37523, nos quais
consta que o 15º denunciado (João Paulo Cunha) autorizou as subcontratações.
A prova oral restou uníssona, inclusive o depoimento de Márcio Marques de
Araújo, diretor da Secretaria de Comunicação à época, no sentido de que os pro‑
cessos de contratação eram encaminhados ao presidente da Câmara dos Deputados
para aprovação, e que a Presidência tinha consciência do objeto subcontratado
pela empresa SMP&B (fl. 40811). Deveras, os gastos da Câmara dos Deputados
com a execução do contrato com a SMP&B foram drasticamente reduzidos após o
término do mandato do 15º denunciado (João Paulo Cunha), revelando que o inde‑
vido dispêndio de dinheiro público resultou de suas irregulares determinações.
O voto do relator indicou, com minudências, todas as autorizações conce‑
didas pelo 15º denunciado (João Paulo Cunha) e as comissões percebidas pela
empresa do 5º denunciado (Marcos Valério), do 6º denunciado (Ramon Holler‑
bach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz) – merecendo relevante destaque o fato
de que houve, certa feita, falsificação da assinatura de proposta de suposta con‑
corrente consultada para a cotação de preços necessária à subcontratação; em
outras diversas ocasiões, a empresa SMP&B recebeu honorários sobre campa‑
nhas desenvolvidas por servidores públicos, eventos delituosos que, somados aos
demais, de acordo com o Laudo 1.947/2009-INC, geraram o desvio do valor de
R$ 1.077.857,81.
A adequação típica é perfeita, em vista dos termos do art. 312 do CPC, in
fine, verbis:
Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem
móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo,
em proveito próprio ou alheio.
O denunciado, com efeito, detinha o poder de dispor dos valores desviados
através da contratação irregular, em função do exercício do cargo de presidente
da Câmara dos Deputados.
A argumentação da defesa, no sentido de que o Tribunal de Contas emitiu
parecer pela regularidade do contrato firmado entre a Câmara dos Deputados
e a SMP&B Comunicação, não procede. É que o aludido parecer contrapõe-se
à inequívoca prova dos autos, suplantado que foi pelo laudo pericial produzido.
866
R.T.J. — 225
Sob esse enfoque, forçoso destacar as lições da doutrina gravitadas em torno
do crime de peculato:
A consumação do peculato está sujeita a prazos e a tomada de contas?
Não. A tomada de contas constitui um ato regulamentar que a Administração
realiza quando se torna necessário, não vinculando a consumação do crime. Desde
que apurado o desfalque, o delito poderá ser demonstrado por qualquer meio.
Os prazos e a tomada de contas servirão apenas para melhor demonstrar a prática
delituosa, não condicionando o momento consumativo do delito.
A aprovação de contas pelo órgão competente impede a existência do crime?
Não. Caso contrário, a aprovação de contas constituiria requisito do delito.
E a norma do art. 312, como vimos, não a contém como elementar. [JESUS, Da‑
másio de. Direito penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4: Parte especial: dos
crimes contra a administração pública. p. 129.]
Afiança esta conclusão o art. 21, II, da Lei 8.429/1992, que dispõe no sen‑
tido de que a aplicação das sanções por improbidade administrativa independe
“da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tri‑
bunal ou Conselho de Contas”. Se a rejeição das contas não é pressuposto sequer
da condenação por improbidade administrativa, também não pode constituir
requisito do tipo penal, reprimenda de gravidade superior. No mesmo sentido é
a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sendo oportuno transcrever os
seguintes arestos:
Ementa: I – Denúncia: cabimento, com base em elementos de informação
colhidos em auditoria do Tribunal de Contas, sem que a estes – como também
sucede com os colhidos em inquérito policial – caiba opor, para esse fim, a inobservância da garantia ao contraditório. II – Aprovação de contas e responsabili‑
dade penal: a aprovação pela Câmara Municipal de contas de Prefeito não elide a
responsabilidade deste por atos de gestão. III – Recurso especial: art. 105, III, c: a
ementa do acórdão paradigma pode servir de demonstração da divergência, quando
nela se expresse inequivocamente a dissonância acerca da questão federal objeto
do recurso. [Inq 1.070, rel. min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em
24-11-2004, DJ de 1º‑7‑2005 PP-00006 EMENT VOL-02198-01 PP-00142 RTJ
VOL-00194-02 PP-00445.]
Ementa: Habeas corpus. Recurso ordinário. Improcedência das alegações de
inépcia da denúncia e da falta de justa causa. Não é o habeas corpus o meio proces‑
sual idôneo ao exame aprofundado de prova. A aprovação de contas pelo Tribunal
de Contas da União não impede que o Ministério Público apresente denúncia, se
entender que há, em tese, crime em ato que integra a prestação de contas àquele
órgão de natureza administrativa. Recurso ordinário a que se nega provimento.
[RHC 71.670, rel. min. Moreira Alves, Primeira Turma, julgado em 11-10-1994, DJ
de 20‑10‑1995 PP-35263 EMENT VOL-01805-02 PP-00406.]
Acrescem a tudo quanto foi exposto as informações veiculadas no processo
de cassação do 15º denunciado (João Paulo Cunha) na Câmara dos Deputados,
no sentido de que normalmente os contratos desta Casa Parlamentar são execu‑
tados pelo órgão fiscalizador e pela Diretoria-Geral, sendo que o contrato objeto
R.T.J. — 225
867
da presente análise foi o único no qual houve um expediente da Secretaria de
Comunicação à Presidência propondo a subcontratação de empresas ou a rea‑
lização de serviços diretamente pela SMP&B Comunicação, seguindo-se um
despacho do presidente autorizando a subcontratação ou o serviço e a despesa
correspondente (fls. 10703/10704).
Ante o exposto, é imperioso concluir que o 15º denunciado praticou, por
duas vezes, o crime de peculato-desvio (art. 312, caput, do Código Penal), ambos
com a causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal.
Marcos Valério (5º denunciado)
Da primeira imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)
As provas dos autos demonstraram que o acusado, em conluio com o 6º e o
7º denunciado (Ramon Hollerbach e Cristiano Paz), para assegurar que a empresa
SMP&B Propaganda, da qual era sócio, fosse beneficiada na Concorrência 11/03
da Câmara dos Deputados, Contrato 2003/204.0, entre outras benesses, ofereceu
e pagou ao 15º denunciado (João Paulo Cunha) a vantagem indevida consistente
no valor de R$ 50.000,00, na data de 4 de setembro de 2003. À fl. 325 do Apenso
7 consta o recibo assinado pela esposa do 15º denunciado (João Paulo Cunha),
constando como sacado do cheque a SMP&B Propaganda Ltda., de propriedade
dos 5º, 6º e 7º denunciados (Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz).
O 15º denunciado (João Paulo Cunha), em seu interrogatório de fls. 14334
e seguintes, admitiu conhecer o 5º denunciado (Marcos Valério) e o 6º denun‑
ciado (Ramon Hollerbach), bem como noticiou diversas reuniões realizadas com
o 5º denunciado (Marcos Valério), antes e após assumir o cargo de presidente da
Câmara dos Deputados.
Reforça a autoria delitiva o interrogatório do 15º denunciado (João Paulo
Cunha), no qual este confirmou que o 5º denunciado (Marcos Valério) “passou na
residência oficial da Câmara dos Deputados na véspera da retirada dos cinquenta
mil reais” (fl. 15432).
É oportuno rememorar a estreita relação entre o 5º denunciado (Marcos
Valério) e o 15º denunciado (João Paulo Cunha), revelada, ad exemplum, com
o fato de o publicitário ter presenteado o segundo com uma caneta Montblanc,
bem como custeado uma viagem de sua secretária, incluindo passagens aéreas
e hospedagem, ao Rio de Janeiro. Os fatos foram confirmados pelo 5º denun‑
ciado (Marcos Valério), em seu interrogatório de fl. 16363, pela secretária do 15º
denunciado (João Paulo Cunha) (fls. 6009/6010) e pelo próprio 15º denunciado
(João Paulo Cunha) no interrogatório de fl. 14337, mercê da robusta prova espe‑
cificada no voto do relator, o qual acolho na íntegra para concluir configurado o
delito do art. 333 do Código Penal.
868
R.T.J. — 225
Da imputação de peculato (art. 312 do CP)
A instrução probatória ainda revelou a prática, pelo 5º denunciado, do
delito de peculato, na modalidade “desvio”. Ocorre peculato-desvio quando o
funcionário altera o destino do dinheiro, valor ou outro bem móvel, público ou
particular, de que tem a posse (ou detenção) em razão do cargo. In casu, houve
a contratação da SMP&B Comunicação, pertencente aos 5º, 6º e 7º denuncia‑
dos (Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz), pela Câmara dos
Deputados, através do Contrato 2003204.0. Todavia, o objeto contratual foi sub‑
contratado na sua quase totalidade, tendo sido auferido dinheiro público sem a
necessária contrapartida, configurando-se, com isso, o desvio.
Malgrado a atividade publicitária possa ser dividida em produção e cria‑
ção, tal distinção em nada obsta a configuração em peculato. É que, através dos
custos internos da agência de publicidade, é possível constatar aquilo que efeti‑
vamente foi produzido pela contratada e o que foi terceirizado. Nesse sentido,
engendro rápida remissão ao Laudo 1.947/2009-INC, que concluiu taxativa‑
mente que (item 29), verbis:
28. Dessa forma, os gastos comprovados com os serviços de criação, além
de outros serviços prestados pela própria SMP&B, (...) totalizaram R$ 17.091,00
(valor bruto). Considerando que esse valor se refere ao ressarcimento de 20% de
seus custos internos, esses totalizaram R$ 85.455,00 (valor dos serviços prestados,
observados como limite máximo desses valores os previstos na tabela de preço do
Sindicato das Agências de Propaganda do Distrito Federal). Os gastos com serviços
terceirizados, excluindo-se as veiculações, totalizaram R$ 3.687.300,13 sem distin‑
ção entre “criação” e “produção”.
29. Assim, o percentual dos serviços prestados pela própria SMP&B
(R$ 85.455,00) com relação aos serviços terceirizados (R$ 3.687.300,13) corres‑
ponde a 2,32%.
Ante a parcela irrisória de serviços prestados efetivamente pela empresa
do 5º denunciado (Marcos Valério), do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e do
7º denunciado (Cristiano Paz), restou inegavelmente descumprido o item 9.7 do
Edital de Concorrência 11/2003, segundo o qual apenas seria lícita a “execução
parcial do objeto desta Concorrência, desde que mantida a preponderância da
atuação da contratada na execução do objeto como um todo”.
Nos termos da conclusão dos peritos (Laudo 1.947/2009, fls. 34933-34940),
a SMP&B Comunicação recebeu da Câmara dos Deputados a quantia de
R$ 1.092.479,22, mas a remuneração líquida pelos serviços diretamente prestados
é de apenas R$ 14.621,41. O montante desviado, portanto, é de R$ 1.077.857,81.
Conforme dito alhures, o voto do relator indicou, com minudências,
todas as autorizações concedidas pelo 15º denunciado (João Paulo Cunha) e as
comissões percebidas pela empresa do 5º denunciado (Marcos Valério), do 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz), sendo certa
a prova de que, em determinado caso, houve falsificação da assinatura de pro‑
posta de suposta concorrente consultada para a cotação de preços necessária à
R.T.J. — 225
869
subcontratação; e que, em outras diversas ocasiões, a empresa SMP&B recebeu
honorários sobre campanhas desenvolvidas por servidores públicos.
A condição de funcionário público, necessária para a caracterização do
crime do art. 312 do Código Penal, é estendida ao 5º denunciado (Marcos Valé‑
rio) a partir do 15º denunciado (João Paulo Cunha), com o qual atuou em conluio,
em razão do art. 30 do mesmo diploma, que determina a comunicação das con‑
dições de caráter pessoal quando elementares do crime.
Ramon Hollerbach (6º denunciado)
Da imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)
Em concurso com o 5º e o 7º denunciados (Marcos Valério e Cristiano Paz),
como indicam os elementos probatórios produzidos, o 6º acusado (Ramon Hol‑
lerbach), para assegurar que a empresa SMP&B Propaganda, da qual era sócio,
fosse beneficiada na Concorrência 11/03 da Câmara dos Deputados, Contrato
2003/204.0, ofereceu e pagou ao 15º denunciado (João Paulo Cunha), por intermé‑
dio do 5º denunciado (Marcos Valério), a vantagem indevida consistente no valor
de R$ 50.000,00, nas condições e sob a forma já mencionadas, com a intermedia‑
ção da esposa do parlamentar denunciado, na data de 4 de setembro de 2003. À fl. 325 do Apenso 7 consta o recibo assinado pela esposa do 15º denunciado (João
Paulo Cunha), constando como sacado do cheque a SMP&B Propaganda Ltda.
Cumpre referir que o 6º denunciado (Ramon Hollerbach), à semelhança
dos demais integrantes desse tópico, foi apresentado, na antessala do gabinete do
15º denunciado (João Paulo Cunha), ao diretor da Secretaria de Comunicação da
Câmara dos Deputados, senhor Márcio Marques de Araújo, conforme declarações
deste último (fl. 40810), responsável pelo contrato administrativo ora questionado.
Em suas alegações finais, a defesa do 6º denunciado (Ramon Hollerbach)
sustentou a inexistência de elementos probatórios nos autos conducentes à con‑
denação pleiteada pelo Parquet federal. Mais que isso, afirmou que a denúncia
limitara-se a descrever genericamente as condutas praticadas pelo acusado, ine‑
xistindo qualquer individualização de suas ações.
A tese defensiva, concessa venia, não merece ser acolhida.
Demarque-se, ab initio, que a caracterização da autoria do delito prescinde
da realização, por parte do agente, de todos os elementos objetivos do tipo penal.
Como é sabido, não apenas pela prática do verbo nuclear da fattispecie criminal
se verifica a autoria do delito.
O contexto probatório assenta a inequivocidade de que as condutas prati‑
cadas pelo 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e narradas na exordial acusatória,
amoldam-se ao crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal).
Com efeito, a moderna dogmática jurídico-penal apregoa que os coautores
são aqueles que, possuindo domínio funcional do fato, desempenham uma parti‑
cipação importante e necessária ao cometimento do ilícito penal.
870
R.T.J. — 225
Nas palavras de Claus Roxin, principal artífice desta teoria do domínio
funcional do fato:
se pone de manifiesto que entre las dos regiones periféricas del dominio de
la acción y de la voluntad, que atienden unilateralmente sólo al hacer exterior o
al efecto psíquico, se extiende um amplio espacio de actividad delictiva, dentro del
cual el agente no tiene ni otra classe de dominio y sin embargo cabe plantear su
autoria, esto es, los supuestos de participación activa em la realización del delito
em los que la acción típica la lleva a cabo outro. [ROXIN, Claus. Autoría y dominio
del hecho em derecho penal. 7. ed. Barcelona: Marcial Pons, 2000. p. 305.]
Em outras palavras, a atuação do coautor detém uma função específica
na execução do ilícito penal que possui reflexos para o seu aperfeiçoamento, de
sorte que a não colaboração compromete o êxito do ilícito. Como bem observa
Johannes Wessels,
todo colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, cotitular da
resolução comum para o fato e da realização comunitária do tipo, de forma que
as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total
deve ser imputado a todos os participantes. [WESSELS, Johannes. Direito penal.
Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. p. 121.]
No mesmo sentido o magistério do professor titular da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Nilo Batista, quando preleciona que o domínio funcional
do fato seria aquele que “não se subordina à execução pessoal da conduta típica ou
de fragmento desta, tampouco deve ser pesquisado na linha de uma divisão aritmé‑
tica de um domínio ‘integral’ do fato, do qual tocaria a cada coautor certa fração.
Considerando-se o fato concreto, tal como se desenrola, o coautor tem reais interfe‑
rências sobre o seu Se e o seu Como; apenas, face à operacional fixação de papéis,
não é o único a tê-las, a finalisticamente conduzir o sucesso” (BATISTA, Nilo. Concurso de agentes: uma investigação sobre os problemas da autoria e da participação
no direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Liber, 1979. p. 77).
É exatamente o critério do domínio funcional do fato que demarca a fronteira
entre a coautoria e a participação: na coautoria, a natureza da contribuição deve ser
de tal sorte relevante que, sem ela, o fato punível não poderia ter sido realizado.
(ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito
penal brasileiro. Parte Geral. 7. ed. São Paulo: RT, 2007. v. 1, p. 577). Disso se depre‑
ende que, ínsitas a esta modalidade de coautoria, encontram-se a divisão de tarefas
e a distribuição funcional dos papéis para a consecução de um fato típico específico.
À luz da teoria da coautoria funcional, pode-se considerar como autor do
crime mesmo aquele que não realizou diretamente qualquer dos elementos obje‑
tivos do tipo. Revela-se suficiente, para fins de imputação, que a conduta atribu‑
ída ao agente na divisão prévia de tarefas contribua de forma determinante para
o sucesso da empreitada criminosa. Assim, não se exige do coautor funcional a
prática da conduta descrita no núcleo do tipo penal, mas tão somente que a fração
do ato executório por ele praticada seja indispensável, diante das singularidades
do tipo penal e do caso concreto, para a consecução do resultado delituoso.
R.T.J. — 225
871
No caso específico, a parcela de contribuição atribuída ao 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) para o êxito das pretensões criminosas do grupo, revelou-se
imprescindível à consumação do crime de corrupção passiva. Senão vejamos.
Como visto, as relações entre o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e o 15º
denunciado (João Paulo Cunha) se estreitaram quando a SMP&B Propaganda,
empresa em que aquele acusado figurava como sócio – os demais eram o 5º
denunciado (Marcos Valério) e o 7º denunciado (Cristiano Paz) –, foi contratada
para realizar a campanha do 15º denunciado (João Paulo Cunha) à Presidência
da Câmara Baixa do Poder Legislativo.
Consta dos autos a informação de que, ao longo do ano de 2003, o 15º denun‑
ciado (João Paulo Cunha) frequentemente se reunia com o 5º denunciado (Marcos
Valério) e com os seus sócios – o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) – para debater assuntos atinentes às eleições municipais de
2004. Em seu depoimento, de fls. 1876/1879, vol. 9, o 15º denunciado (João Paulo
Cunha) ratificou a veracidade de tais informações. Na ocasião, afirmou: “ter se
encontrado com o sr. Marcos Valério, uma vez, no ano de 2003, em um hotel da
cidade de São Paulo/SP, onde se encontrava presente o sr. Luís Costa Pinto, e foram
tratados assuntos referentes às campanhas eleitorais municipais do ano de 2004; Que
ressalta que um desses encontros ocorreu durante o café da manhã e que o sr. Marcos
Valério estava acompanhado de uma pessoa, da qual não se recorda a identidade (...).
Que não pode pormenorizar os assuntos tratados nos mencionados encontros, toda‑
via sustenta que foram tratados assuntos de campanhas eleitorais de 2004”.
O 15º denunciado (João Paulo Cunha), no seu depoimento de fls. 15434/15436,
reiterou que sua relação com o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) remonta à sua
campanha para a Presidência da Câmara dos Deputados, e que, desde então, a
relação com o acusado e com os demais sócios da SMP&B Propaganda foram se
tornando mais comuns e mais estreitas. O parlamentar declarou:
Que, na campanha para Presidente da Câmara, conheceu o Sr. Ramon Hollerbach; Que conheceu Cristiano Paz na sede da SMP&B em Belo Horizonte; (...) Que
o Sr. Luís Costa Pinto participou, com o réu e terceiros, sobre as eleições municipais
de 2004; Que lembra de uma reunião em São Paulo, em um hotel, em que estavam
presentes o Sr. Luís Costa Pinto, Marcos Valério, Sílvio Pereira e o Sr. Antônio dos
Santos [secretário do PT em São Paulo]; Que a intenção de Marcos Valério com
Luís Costa Pinto, e mais o representante de outra empresa de publicidade de Minas
Gerais, era a criação de uma empresa, visando prestar assessoria nas eleições muni‑
cipais para candidatos; Que, depois que foi eleito Presidente da Câmara, teve várias
reuniões com Marcos Valério, para discutir a situação política do País; Que no iní‑
cio de 2003 as reuniões eram mais frequentes e depois foram ficando mais escassas;
(...) Que a única vez que o PT repassou valores para o réu foi os R$ 50.000,00 men‑
cionados; Que não ocorreu em nenhuma outra ocasião;
A propósito, em uma dessas reuniões, ocorrida no ano de 2003, estavam
presentes o 5º denunciado (Marcos Valério), o 6º denunciado (Ramon Holler‑
bach) e o 7º denunciado (Cristiano Paz), conforme o depoimento prestado pelo
15º denunciado (João Paulo Cunha) (fl. 1877) e as declarações de Luís Costa
872
R.T.J. — 225
Pinto (fls. 42317/42346). Em determinado trecho do depoimento, o 15º denun‑
ciado (João Paulo Cunha) informou “(...) ter se encontrado com o Sr. Marcos
Valério, uma vez, no ano de 2003, em um hotel na cidade de São Paulo/SP, onde
se encontrava presente o Sr. Luís Costa Pinto e foram tratados assuntos referentes
às campanhas municipais do ano de 2004”.
A seu turno, Luís Costa Pinto afirma que na reunião estiveram presentes: “(...)
desde o Marcos Coimbra, do Vox Populi, até o Paulo Vasconcelos, que é ex-publicitário
da Vitória Comunicação (...) e os publicitários da DNA e da SMP&B (...)”. Em seguida,
relata que os representantes das agências de publicidade DNA e SMP&B Propaganda
eram o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado (Cristiano Paz).
A prova dos autos ainda demonstra que, em abril de 2003, antes do recebi‑
mento da propina de R$ 50.000,00, o 15º denunciado (João Paulo Cunha) recebeu,
em seu gabinete na Câmara dos Deputados, o 6º denunciado (Ramon Hollerbach),
em ocasião em que inexistia qualquer avença entre as empresas do 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) e a Câmara dos Deputados, razão pela qual deve ser repudiado
o argumento de defesa, segundo o qual as atividades do 6º denunciado (Ramon Hol‑
lerbach) seriam apenas internas e burocráticas. Este fato é devidamente comprovado
pelas informações de Márcio Araújo Marques, de fls. 40809/40811v., que, à época,
era diretor da Secretaria de Comunicação da Câmara dos Deputados (SECOM).
Nesse encontro, o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) foi apresentado a
Márcio Marques de Araújo na antessala do gabinete do 15º denunciado (João
Paulo Cunha), em abril de 2003, de acordo com as declarações deste último (de
fl. 40810). A relevância dessa informação é facilmente explicada: após a reunião,
desencadeou-se todo o procedimento que culminaria na contratação da SMP&B
Propaganda, empresa na qual o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) figurava como
um dos sócios, para prestar serviços institucionais à Câmara dos Deputados.
Em suma: dias após o encontro acima mencionado, precisamente em 7 de
maio de 2003, Márcio Marques de Araújo assinou um ofício dirigido ao diretor de
material e de patrimônio da Câmara dos Deputados, no intuito de providenciar a
abertura de procedimento licitatório para a contratação de agência de publicidade
para prestar os serviços à Câmara. (doc. fl. 423, Apenso 84, vol. 3). Como com‑
provado, a empresa escolhida no certame foi justamente a SMP&B Propaganda.
Importante frisar que Márcio Marques de Araújo participou da Comissão
Especial de Licitação, que procedeu à escolha da SMP&B Propaganda. Mais:
o diretor da Secom atribuiu, inclusive, a maior nota à empresa dentre todos os
cinco membros da Comissão.
Com efeito, os estreitos laços estabelecidos pelo 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) com o 15º denunciado (João Paulo Cunha) e o diretor da Secom
(Márcio Marques de Araújo) propiciaram o ambiente para a consumação do
esquema criminoso. É o que consta do depoimento de Márcio Marques de
Araújo, afirmando que o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) frequentava com
certa regularidade a Câmara dos Deputados mesmo antes da assinatura do con‑
trato entre a Casa Legislativa e a SMP&B Propaganda, em 31-12-2003.
R.T.J. — 225
873
É dizer: a atuação do 6º denunciado foi determinante para o êxito da
empreitada criminosa. O lobby feito perante o 15º denunciado (João Paulo
Cunha) estreitou os vínculos entre este e a empresa SMP&B, de modo a dire‑
cionar o resultado do procedimento licitatório que culminou com a contratação
irregular da agência de publicidade.
Outrossim, também, não assiste razão à tese de defesa, segundo a qual o
6º denunciado (Ramon Hollerbach) não desempenhava funções de gestão na
SMP&B Propaganda.
Isso porque, consoante o depoimento do 5º denunciado (Marcos Valério),
verifica-se que a divisão de tarefas na SMP&B Propaganda possuía caráter mera‑
mente formal. À fl. 16357, o 5º denunciado (Marcos Valério) categoricamente
aduz que “havia uma divisão de tarefas apenas no plano formal, sendo, de fato,
a empresa administrada, em conjunto, pelo interrogando, Ramon e Cristiano; diz
que a empresa era ‘tocada a três mãos’; prova disto é que havia a necessidade de
aprovação, em conjunto, dos três em decisões administrativas, havendo, outrossim,
a necessidade de ao menos duas assinaturas nos cheques emitidos pela SMP&B”.
Essa informação é corroborada, ainda, no depoimento do contador das empre‑
sas de Marcos Valério, Marco Aurélio Prata (fl. 3597). Segundo Marco Aurélio
Prata, “todos os três sócios, a saber, Cristiano, Ramon e Marcos Valério, participa‑
vam das decisões administrativas da SMP&B Comunicação e DNA Propaganda”.
A presente imputação, ao fim e ao cabo, decorre da efetiva vontade do 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) em cooperar no cometimento do delito, o que se
comprova, entre outras razões acima expostas, pelas assinaturas nos documen‑
tos que repassam verbas indevidas a parlamentares e pela sua participação em
reuniões com o 15º denunciado (João Paulo Cunha) e os seus demais sócios, o 5º
denunciado (Marcos Valério) e o 7º denunciado (Cristiano Paz).
Mister ressaltar, no ponto probatório alcançado, que, embora não se men‑
cione que o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) tenha oferecido pessoalmente
a vantagem indevida ao 15º denunciado (João Paulo Cunha), impõe-se concluir
que a fração do ato executório que lhe cabia foi indispensável e essencial para
a consumação da corrupção ativa (art. 333 do Código Penal), de modo que lhe
deve ser imputada a prática do ilícito em coautoria com o 5º denunciado (Marcos
Valério) e o 7º denunciado (Cristiano Paz).
Da imputação de peculato (art. 312 do CP)
O 6º denunciado (Ramon Hollerbach) também concorreu, juntamente com o 5º
e o 7º denunciados (Marcos Valério e Cristiano Paz), para a prática do delito de pecu‑
lato, consubstanciado no desvio de verbas públicas no montante de R$ 1.077.857,81
referente aos serviços pagos e não prestados pela SMP&B Comunicação no bojo da
execução do Contrato 2003204.0, firmado com a Câmara dos Deputados, nos termos
indicados pelo Laudo 1.947/2009-INC.
874
R.T.J. — 225
Conforme já repisado, foi violada a cláusula contratual que proibia a sub‑
contratação integral do objeto pactuado. Uma parcela ínfima do serviço foi de
fato exercida pela empresa SMP&B. As provas da configuração do delito foram
oportunamente descritas, cabendo a menção aos documentos de fls. 37461/37523
e ao testemunho de Márcio Marques de Araújo (fl. 40811).
Abstenho-me, também, de repetir a minuciosa análise empreendida pelo
ministro relator em cada uma das subcontratações operadas, ocasião em que Sua
Excelência apontou inúmeras fraudes e ilicitudes.
A condição de funcionário público, necessária para a caracterização do
crime do art. 312 do Código Penal, é estendida ao 6º denunciado (Ramon Hol‑
lerbach) a partir do 15º denunciado (João Paulo Cunha), com o qual atuou em
conluio, em razão do art. 30 do mesmo diploma, que determina a comunicação
das condições de caráter pessoal quando elementares do crime.
Cristiano Paz (7º denunciado)
Da imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)
De acordo com as provas dos autos, o 7º denunciado (Cristiano Paz), em con‑
luio com o 5º e o 6º denunciados (Marcos Valério e Ramon Hollerbach), ofereceu
e pagou ao 15º denunciado (João Paulo Cunha) a vantagem indevida consistente
no valor de R$ 50.000,00, na data de 4 de setembro de 2003, com vistas a assegu‑
rar que a empresa SMP&B Propaganda fosse beneficiada na Concorrência 11/03
da Câmara dos Deputados, da qual resultou a assinatura do Contrato 2003/204.0.
A defesa do 7º denunciado (Cristiano Paz), em suas alegações finais,
também enfatiza a inexistência de provas nos autos que amparem o pedido de
condenação pela prática de corrupção ativa, art. 333 do Código Penal, feito pelo
Parquet federal. Sustenta que tal imputação não se revela idônea, na medida em
que não houve individualização da conduta, limitando-se a denúncia a mencio‑
nar genericamente o nome do acusado.
A tese defensiva, porém, não merece ser acolhida.
Nos termos expostos alhures, a defesa desconsidera a moderna teoria da coau‑
toria funcional, sem a qual seria impossível a responsabilização penal dos agentes
nos chamados crimes societários. Ante a divisão de tarefas observada no plano
fático, a conduta de um dos sujeitos ativos do delito pode ser orientada a uma ativi‑
dade que não configura diretamente a conduta descrita no tipo penal. A consumação
do crime, no entanto, resulta da conjugação de esforços, praticando, cada um dos
coautores, uma conduta relevante para o atingimento do objetivo criminoso.
É assaz relevante fixar essa premissa, porquanto a relação entre o 7º denun‑
ciado (Cristiano Paz) e o 15º denunciado (João Paulo Cunha) não se restringe ao
apoio político para a campanha à Presidência da Câmara dos Deputados, con‑
forme também já repisado.
R.T.J. — 225
875
Na verdade, ao longo do ano de 2003, o 7º denunciado (Cristiano Paz) man‑
teve contato com o 15º denunciado (João Paulo Cunha), o que se comprova ante a
análise do depoimento do 15º denunciado (João Paulo Cunha) e das informações
contidas no Apenso 43, vol. 1.
Em seu depoimento de fls. 1876/1879, o 15º denunciado (João Paulo Cunha)
afirmou “que um desses encontros ocorreu durante o café da manhã e que o Sr.
Marcos Valério estava acompanhado de uma pessoa, da qual não se recorda a
identidade; (...)”. Em juízo, o 15º denunciado (João Paulo Cunha) confirmou que
teve reunião com o 5º denunciado (Marcos Valério) em 3 de setembro de 2003.
Os documentos de fl. 78 do vol. 1 do Apenso 43 dão conta de que o 7º denunciado
(Cristiano Paz) e o 5º denunciado (Marcos Valério) voltaram juntos de Brasília
para Belo Horizonte no dia 3 de setembro de 2003.
Também consta dos autos a informação de que, em 16 de julho de 2003, o
7º denunciado (Cristiano Paz), na companhia do 5º denunciado (Marcos Valério),
encontrou-se com o 15º denunciado (João Paulo Cunha), conforme documento
de fl. 1074, de modo que resta incontroversa a sua participação, juntamente com
seus sócios na empresa SMP&B (o 5º denunciado – Marcos Valério – e o 6º
denunciado – Ramon Hollerbach), na empreitada criminosa.
Isso significa que o 7º denunciado (Cristiano Paz) não apenas tinha com‑
pleta ciência do oferecimento de vantagem em troca de benefícios junto à
Câmara dos Deputados (i.e., a assinatura do contrato com a respectiva Casa
Legislativa) como também atuou decisivamente, praticando atos materiais, para
a consumação do ilícito. Vale dizer, os diversos encontros com o 15º denunciado
(João Paulo Cunha) não eram despidos de qualquer interesse econômico, mas, ao
revés, visavam à troca de favores pouco republicanos.
Em termos técnicos, embora o 7º denunciado (Cristiano Paz) possa não ter
realizado exclusivamente todos os elementos objetivos do tipo, não se pode negar
a sua autoria, uma vez que, na divisão prévia de tarefas para o cometimento do
ilícito penal, a sua conduta atribuída foi imprescindível ao atingimento do fato
punível. Trata-se de um coautor funcional, porquanto a realização dos ilícitos
somente pode ser viabilizada mediante a cooperação comunitária no fato. Assim,
não se deve exigir do 7º denunciado (Cristiano Paz) a prática da conduta descrita
no núcleo do tipo penal, mas tão somente que a fração do ato executório por ele
praticada seja indispensável, diante das singularidades do tipo penal e do caso
concreto, para a consecução do ilícito penal.
Por outro lado, a defesa afirma também que a farta documentação acostada
aos autos aponta no sentido de que o 7º denunciado (Cristiano Paz) não desempe‑
nhava funções nos setores administrativos e financeiros na SMP&B Propaganda.
A única participação do 7º denunciado (Cristiano Paz), conforme propugnado,
seria nos casos em que a sua assinatura fosse exigida contratualmente, o que
somente ocorreria em hipóteses relacionadas a alguns documentos esparsos.
Isso, porém, não é o que se depreende do conjunto probatório acostado aos autos.
876
R.T.J. — 225
Conforme leitura atenta do depoimento do 5º denunciado (Marcos Valério),
verifica-se que a divisão de tarefas na SMP&B Propaganda possuía caráter mera‑
mente formal. À fl. 16357, o 5º denunciado (Marcos Valério) categoricamente
aduz que “havia uma divisão de tarefas apenas no plano formal, sendo, de fato,
a empresa administrada, em conjunto, pelo interrogando, Ramon e Cristiano; diz
que a empresa era ‘tocada a três mãos’; prova disto é que havia a necessidade de
aprovação, em conjunto, dos três em decisões administrativas, havendo, outrossim,
a necessidade de ao menos duas assinaturas nos cheques emitidos pela SMP&B”.
Tal informação é corroborada, ainda, no depoimento do contador das empre‑
sas de Marcos Valério, Marco Aurélio Prata (fl. 3597). Segundo Marco Aurélio
Prata, “todos os três sócios, a saber, Cristiano, Ramon e Marcos Valério, participa‑
vam das decisões administrativas da SMP&B Comunicação e DNA Propaganda”.
Diante do robusto acervo probatório, é incontroversa a prática de corrup‑
ção ativa pelo 7º denunciado (Cristiano Paz), razão pela qual entende-se pela sua
condenação pelo prática do crime de corrupção ativa, art. 333 do Código Penal.
Da imputação de peculato (art. 312 do CP)
Reconhece-se, também, a prática de peculato pelo 7º denunciado (Cristiano
Paz), em concurso com o 5º e o 6º denunciados (Marcos Valério e Ramon Hol‑
lerbach). Na qualidade de presidente da SMP&B Comunicação, o 7º denunciado
(Cristiano Paz) detinha o controle sobre todas as atividades efetivamente praticadas
pela empresa, não podendo furtar-se à responsabilidade penal pelo recebimento de
verbas do erário sem a correspondente prestação dos serviços. Assim, deve ser
penalizado pelo desvio de R$ 1.077.857,81 dos cofres públicos, referente aos ser‑
viços pagos e não prestados no bojo da execução do Contrato 2003204.0, firmado
com a Câmara dos Deputados, nos termos indicados pelo Laudo 1.947/2009-INC.
A defesa do 7º denunciado (Cristiano Paz), em suas alegações finais, pro‑
cura deslegitimar a imputação ministerial argumentando, inicialmente, que a
contratação pela Câmara dos Deputados da SMP&B Comunicação foi precedida
de idôneo procedimento de licitação (Procedimento Licitatório 11/03), na qual a
empresa sagrou-se vencedora em certame que possuía outras sete participantes.
Esse argumento fora exaustivamente examinado no tópico concernente à
imputação de corrupção ativa e não merece ser retomado. Insta ressaltar, tão
somente, que o aludido procedimento licitatório restou absolutamente viciado
em razão do direcionamento do certame para atingir o resultado anteriormente
acordado entre o 5º denunciado (Marcos Valério), o 6º denunciado (Ramon Hol‑
lerbach), o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 15º denunciado (João Paulo Cunha).
A defesa alega, ainda, ser impossível falar, tecnicamente, em subcontrata‑
ção, uma vez que as agências de publicidade contratam serviço de terceiros, que
seriam simples fornecedores. Na verdade, segundo consta, alegações finais do 7º
denunciado (Cristiano Paz), enquanto alguns serviços são prestados diretamente
pela agência de publicidade (e.g., serviços de criação de materiais publicitários),
R.T.J. — 225
877
outros são supervisionados pela agência, mas executados pelos fornecedores e
pelos veículos por ela contratados, com a prévia autorização dos clientes (e.g.,
execução e distribuição de materiais publicitários/promocionais ou a organização
e coordenação dos eventos realizados pelo anunciante ou por ele patrocinados).
Fundamenta, ademais, sua tese em acórdão proferido pelo Tribunal de Contas da
União (Acórdão 430/2008, proferido no Processo TC – 012.040/2005-0 doc. 1, de
suas alegações finais), que assentou a regularidade tanto dos serviços contratados
quanto dos valores pagos a título de honorários à SMP&B Comunicação.
Do minucioso exame do contrato e das cláusulas editalícias do certame,
chega-se à conclusão oposta àquela sustentada pela defesa do 7º denunciado
(Cristiano Paz).
O Contrato 2003204.0, celebrado entre a Câmara dos Deputados e a
SMP&B Propaganda, estipulava: “Cláusula segunda. Os serviços objeto do pre‑
sente Contrato serão executados com rigorosa observância do disposto no Edital
de Concorrência n. 11/03 e seus Anexos, bem como da Proposta Técnica e da
Proposta de Preço da contratada, com as modificações que tenham decorrido do
procedimento previsto no Título 7 do edital” (fl. 76, Apenso 84, vol. 1).
A seu turno, o Edital 11/2003, acostado à fl. 433, Apenso 84, vol. 2, dispu‑
nha que: “A contratada poderá subcontratar outras empresas, para a execução
parcial do objeto desta Concorrência, desde que mantida a preponderância da
atuação da contratada na execução do objeto como um todo e haja anuência pré‑
via, por escrito, da contratante, após avaliada a legalidade, adequação e conve‑
niência de permitir-se a subcontratação, ressaltando-se que a subcontratação não
transfere responsabilidades a terceiros nem exonera a contratada das obrigações
assumidas, nem implica qualquer acréscimo de custos para a contratante”.
De fato, o Edital 11/2003 autorizou a subcontratação do serviço, desde que,
por razões óbvias, a delegação fosse apenas parcial. Desse modo, deveria a empresa
vencedora do certame manter a preponderância da realização dos serviços, como
forma de garantir a lisura do procedimento de escolha que, ao final, selecionou a
empresa que apresentou mais expertise para a execução dos serviços ofertados.
Não obstante isso, a SMP&B Comunicação descumpriu flagrantemente a
avença firmada, na medida em que operou a subcontratação integral da execução
do objeto contratado. Neste ponto, pouco importa se a expressão mais técnica
é “subcontratação” ou “contratação de fornecedores”. O relevante para o equa‑
cionamento da controvérsia consiste em saber se a empresa contratada manteve
ou não a preponderância dos serviços pactuados. Se sim, faz jus à remuneração.
Do contrário, não deve haver a contraprestação por descumprimento da avença.
In casu, porém, verifica-se que apenas 0,01% do objeto pactuado ficou a
cargo diretamente da empresa SMP&B Comunicação. Todo o restante – leia-se,
99,9% – dos serviços fora subcontratado. Independentemente do termo que se
emprega (subcontratação ou contratação de fornecedores), certo é que a SMP&B
Comunicação descumpriu a avença firmada com a Câmara dos Deputados, por‑
quanto não manteve a preponderância da execução do objeto contratual. Nada
878
R.T.J. — 225
obstante isso, os pagamentos previstos no contrato foram autorizados à SMP&B
Comunicação (cf. doc. de fls. 37461 e seguintes).
Ainda que se adira à tese defensiva (no sentido de que há distinção entre
os serviços prestados diretamente pela agência de publicidade e os serviços que
podem ser terceirizados), o que se admite apenas para fins de argumentação,
o percentual de serviços prestados por “fornecedores” é da ordem de 97,68%.
Vale dizer, a SMP&B Propaganda não detinha a preponderância da execução do
objeto pactuado. Esses percentuais restam demonstrados por meio das perícias
técnicas realizadas, consubstanciadas no Laudo 1.947/2009-INC.
De acordo com o mencionado Laudo 1.947/2009-INC, os valores pagos
à SMP&B Comunicação relativos ao contrato firmado com a Câmara dos
Deputados ultrapassam um milhão de reais. Para ser mais exato, o desvio foi
de R$ 1.077.857,81, conforme a Tabela 6 do Laudo 1.947/2009-INC. Curioso
que, após a saída do 15º denunciado (João Paulo Cunha), em 15 de fevereiro
de 2005, a remuneração da empresa SMP&B Propaganda pela execução dos
serviços prestados à Câmara dos Deputados sofreu drástica redução, perfa‑
zendo R$ 65.841,36, no ano de 2005. (Documento subscrito pelo diretor-geral
da Câmara dos Deputados de fl. 582, Apenso 84, vol. 2.)
Em suma, escorreita a conclusão a que chegou o relator, de que a
empresa SMP&B Comunicação atuou aqui, com a anuência de seus sócios,
entre os quais se inclui o 7º denunciado (Cristiano Paz) como uma simples
destinatária de honorários.
Consoante mencionado, apenas 0,01% (ou seja, R$ 17.091,00) dos valores
pagos à SMP&B Comunicação corresponde aos serviços por ela executados.
Ora, a coautoria no delito é incontroversa. Não há como negar que o 7º
denunciado (Cristiano Paz) e os seus sócios – o 5º denunciado (Marcos Valério) e
o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) – tinham completa ciência da prática deli‑
tuosa que se valia de sua empresa como veículo para o desvio das verbas.
Além da inequívoca ciência da utilização de sua empresa como o canal
para o desvio das verbas, o 7º denunciado (Cristiano Paz), na condição de pre‑
sidente da SMP&B Comunicação, anuiu com tal prática delituosa. Vale dizer,
sem o seu consentimento e o dos demais sócios, a empreitada criminosa restaria
inviabilizada, razão pela qual deve ser a ele imputado o crime de peculato, con‑
soante art. 312 do Código Penal.
Adite-se a isso que o mencionado Acórdão do TCU (Acórdão 430/2008,
proferido no Processo TC – 012.040/2005-0 doc. 1, de suas alegações finais),
no qual a defesa busca se fiar para legitimar as subcontratações, distancia sobre‑
modo da análise do conjunto probatório acostados nos autos. A partir da leitura
do acórdão, constata-se que a decisão da Corte de Contas fundamentou-se em
esclarecimentos prestados pelo então diretor-geral da Câmara dos Deputados –
Sérgio Sampaio Contreiras de Almeida. A propósito, tal fato foi precisamente
diagnosticado no voto do e. ministro relator Joaquim Barbosa.
R.T.J. — 225
879
A condição de funcionário público, necessária para a caracterização do
crime do art. 312 do Código Penal, é estendida ao 7º denunciado (Cristiano Paz)
a partir do 15º denunciado (João Paulo Cunha), com o qual atuou em conluio, em
razão do art. 30 do mesmo diploma, que determina a comunicação das condições
de caráter pessoal quando elementares do crime.
III.2 e III.3 – Banco do Brasil – Bônus de volume e Visanet
Henrique Pizzolato (17º denunciado)
Da primeira imputação de peculato (art. 312, caput, c/c art. 327, § 2º, CP)
As provas dos autos demonstram, de forma inequívoca, que o 17º denun‑
ciado (Henrique Pizzolato), em concurso de agentes com o 5º denunciado
(Marcos Valério), o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach), cometeu o delito de peculato, consubstanciado no desvio do mon‑
tante de R$ 2.923.686,15 pertencentes ao Banco do Brasil S.A., no período entre
31-3-2003 e 14-6-2005.
O 17º denunciado (Henrique Pizzolato), na condição de diretor de marke‑
ting e comunicação do Banco do Brasil, assinou o contrato entre esta sociedade
de economia mista e a empresa DNA Propaganda. Desse contrato consta expres‑
samente a obrigação da DNA Propaganda de “transferir, integralmente, ao Banco
os descontos especiais (além dos normais, previstos em tabelas), bonificações,
reaplicações, prazos especiais de pagamento e outras vantagens” (fls. 48/49 do
vol. 1 do Apenso 83). Ocorre que o necessário repasse jamais ocorreu, gerando
um indevido locupletamento da empresa DNA Propaganda, em detrimento do
patrimônio do Banco do Brasil S.A.
Há prova pericial no sentido de que os valores relativos aos “Bônus de
Volume (BV) deveriam ter sido restituídos pela DNA Propaganda Ltda. ao Banco
do Brasil, por força contratual” (Informação Técnica 63/2010, fl. 38525). Outra
não foi a conclusão da 2ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas
da União (fls. 30864 e seguintes), órgão esse que também observou que as boni‑
ficações de volume foram embutidas no preço final, na medida em que o Banco
poderia ter adquirido os produtos e serviços por valor inferior.
Improcede a alegação da defesa de que, em outros contratos, pretéritos,
firmados por outras empresas e pela própria DNA Propaganda com o Banco do
Brasil S.A., o valor relativo ao bônus de volume não foi repassado ao anunciante.
Tais fatos, ainda que verdadeiros, não ilidem a cristalina previsão do contrato
que regeu a relação ora questionada.
A defesa sustenta a aplicabilidade, ao caso, do art. 18 da Lei 12.232/2010,
que assim dispõe: “É facultativa a concessão de planos de incentivo por veículo de
divulgação e sua aceitação por agência de propaganda, e os frutos deles resultan‑
tes constituem, para todos os fins de direito, receita própria da agência e não estão
compreendidos na obrigação estabelecida no parágrafo único do art. 15 desta Lei”.
880
R.T.J. — 225
O argumento, contudo, não é de ser acolhido.
A uma, porque o caso sub judice não versou sobre “planos de incentivo
por veículo de divulgação”, girando a discussão em torno das “vantagens obtidas
em negociação de compra de mídia diretamente ou por intermédio de agência
de propaganda, incluídos os eventuais descontos e as bonificações na forma
de tempo, espaço ou reaplicações que tenham sido concedidos pelo veículo de
divulgação”, valores que, nos termos do art. 15, parágrafo único, do mesmo
diploma, “pertencem ao contratante” – é dizer, ao Banco do Brasil S.A.
A duas, ainda que se tratasse de norma pertinente à hipótese, não poderia
retroagir para alterar a avença anterior à sua vigência, sendo certo que a Constitui‑
ção determina que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI).
Demais disso, como bem ressaltado pelo ministro relator e pelo ministro
revisor, houve o desvio de valores relativos a bônus de volume por serviços que
não guardaram qualquer pertinência com a seara da publicidade e comunicação,
no montante total de R$ 2.504.274,88.
Ante a clareza da cláusula contratual, não há como sustentar que a ausência
de fiscalização do seu cumprimento decorreu de simples negligência, restando
evidente que o 17º denunciado (Henrique Pizzolato) dirigiu a sua conduta fina‑
listicamente à apropriação dos valores pelo 5º denunciado (Marcos Valério), o 7º
denunciado (Cristiano Paz) e o 6º denunciado (Ramon Hollerbach).
Também não convence a argumentação da defesa no sentido de que a estru‑
tura decisória do Banco do Brasil S.A. não permitiria a realização de determinações
unilateralmente pelo 17º denunciado (Henrique Pizzolato), nem lhe incumbiria da
fiscalização dos contratos de publicidade. Além do regimento interno do Banco do
Brasil S.A., que estabelece, entre as normas e alçadas da Diretoria de Marketing e
Comunicação, a responsabilidade pela integridade dos controles internos nos pro‑
cessos, produtos e serviços a cargo da Diretoria, o próprio contrato impunha ao
17º denunciado (Henrique Pizzolato) o referido mister, conforme a cláusula 12.2,
in verbis: “A fiscalização dos serviços será realizada diretamente pela Diretoria de
Marketing e Comunicação do Banco” (fl. 61 do vol. 1 do Apenso 83).
É de se mencionar que o 17º denunciado (Henrique Pizzolato) é filiado ao Par‑
tido dos Trabalhadores desde a sua fundação e participou do Comitê de Campanha
do mencionado partido para as eleições presidenciais, em 2002, tendo, inclusive,
contato com o 3º denunciado (Delúbio Soares) (cf. interrogatório do 17º denunciado,
de fls. 15948/15953). No mesmo interrogatório, o 17º denunciado (Henrique Pizzo‑
lato) também demonstrou peculiar intimidade com o 5º denunciado (Marcos Valé‑
rio), em relação estreita que incluía a prestação de “favores” (fl. 15980).
À fl. 20122, a testemunha Danévita Ferreira de Magalhães, ex-funcionária
do Núcleo de Mídia do Banco do Brasil, confirmou que o 17º denunciado (Henri‑
que Pizzolato) e o 5º denunciado (Marcos Valério) possuíam uma direta ligação.
Também a testemunha Fernanda Karina Somaggio declarou que o 17º denun‑
ciado (Henrique Pizzolato) e o 5º denunciado (Marcos Valério) realizaram reu‑
niões, em Brasília e em Belo Horizonte (fls. 19646 e seguintes). O depoimento
R.T.J. — 225
881
de Eduardo Fisher, sócio de outra empresa de publicidade que contratou com o
Banco do Brasil, deu conta de que as agências publicitárias se relacionavam com
o Banco através do 17º denunciado (Henrique Pizzolato).
Causa espécie, ainda, o fato, apontado pelo ministro relator, de que o 17º
denunciado (Henrique Pizzolato) foi a única autoridade responsável pela assinatura
do contrato entre o Banco do Brasil S.A. e a empresa DNA Propaganda, que previa
gastos da ordem de R$ 142.000.000,00, bem como pela assinatura da prorrogação do
negócio, que atingiu o montante de gastos de R$ 200.000.000,00 (fls. 53 e 69 do vol. 1
do Apenso 83). Tantas as irregularidades do contrato com a empresa DNA, que a
Controladoria-Geral da União concluiu, em auditoria especial, que houve indevida
prorrogação do contrato de publicidade (fls. 31159 e seguintes).
Os recursos destinados à execução do objeto do contrato com a DNA Pro‑
paganda foram consignados na dotação orçamentária de Publicidade e Propa‑
ganda, conforme a cláusula 5.2 do contrato (fl. 53 do vol. 1 do Apenso 83), por
isso que o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), ante a sua omissão em fiscalizar
a devolução da quantia referente ao bônus de volume, foi responsável pelo pecu‑
lato-apropriação consumado (art. 312, caput, do Código Penal).
Da segunda imputação crime de peculato (art. 312 c/c art. 327, § 2º, do CP,
quatro vezes, na forma do art. 71 do CP)
O órgão de acusação teve êxito em demonstrar, no curso do processo, que o
17º denunciado (Henrique Pizzolato), no exercício do cargo de diretor de marketing
e comunicação do Banco do Brasil, entre os anos de 2003 e 2004, efetivamente
desviou o valor total de R$ 73.851.000,00, provenientes do Fundo de Investimento
da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (Visanet), composto de recursos
do Banco do Brasil S.A., em favor do 5º denunciado (Marcos Valério), do 6º denun‑
ciado (Ramon Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz).
Constata-se, da prova colhida, a ocorrência de um desvio de R$ 23.300.000,00
em 19-5-2003; um desvio de R$ 6.454.331,43 em 28-11-2003; um desvio de
R$ 35.000.000,00 em 12-3-2004; e um desvio de R$ 9.097.024,75 em 1º-6-2004.
Consta a assinatura do 17º denunciado (Henrique Pizzolato), como dire‑
tor de marketing e comunicação do Banco do Brasil S.A., nos documentos de
autorização dos repasses de verbas para a DNA Propaganda Ltda. de fl. 5377
(R$ 23.300.000,00), fl. 5384 (R$ 35.000.000,00) e fl. 5388 (R$ 9.097.024,75).
Em todos os documentos, consta que cabe à Diretoria de Marketing e Comunica‑
ção apresentar relatório de acompanhamento de desembolso. O ministro relator
apontou, ainda, que o 17º denunciado (Henrique Pizzolato) prorrogou o contrato
entre o Banco do Brasil S.A. e a empresa DNA Propaganda pouco antes de auto‑
rizar a primeira transferência de recursos do Fundo Visanet.
A Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (Visanet) prestou informações
no sentido de que todos os pagamentos realizados pela Visanet à DNA Propaganda
882
R.T.J. — 225
foram executados por instrução e sob a responsabilidade do Banco do Brasil, com
base na quota que cabia a esta instituição financeira (fls. 9619 e seguintes).
A argumentação da defesa, que invocou o modelo segmentado de decisões
do Banco do Brasil S.A. para suscitar a ausência de responsabilidade do 17º denun‑
ciado (Henrique Pizzolato), não encontra esteio na prova dos autos, máxime porque
o relatório de auditoria interna do Banco do Brasil concluiu que, para a realização
dos repasses ilícitos, “os Diretores de Marketing e Comunicação e de Varejo avoca‑
ram para si atribuições que deveriam ser exercidas em colegiados, desconsiderando
a segregação de funções estabelecidas na arquitetura de governança da Empresa”,
assim como notou a “ausência de controles que possibilitassem ao Banco acompanhar
a movimentação financeira da conta creditada, quanto à aplicação dos repasses efetu‑
ados, inclusive em relação ao estabelecimento formal de cronograma e de condições
para utilização dos recursos repassados” (fls. 29337/29336 do Apenso 427). De forma
incisiva, o relatório afirmou, quanto ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato), que,
“como Diretor de Marketing e Comunicação, cabia-lhe exigir que a DNA Propaganda
prestasse contas da utilização dos valores a ela repassados, tanto no que se referia ao
ano de 2003 quanto ao de 2004, o que não aconteceu” (fl. 29302 do Apenso 427).
O ministro relator bem apontou que o então gerente de varejo do Banco
do Brasil S.A., Douglas Macedo, foi ouvido como testemunha, relatando que a
matéria era de exclusiva competência da Diretoria de Marketing e Comunicação,
porquanto vinculada ao orçamento deste setor (fls. 42677 e 42842).
Desse modo, houve repasses milionários para a empresa do 5º denunciado
(Marcos Valério), do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º denunciado
(Cristiano Paz), sem que qualquer serviço tenha sido prestado em contrapartida.
Quanto às notas fiscais apresentadas, o Laudo 3.058/2005-INC dá conta de que
havia “informações suficientes para que se identificasse incompatibilidade de datas,
curto interstício de tempo entre a aprovação e a execução dos serviços, divergências
de ações entre as descrições de serviços com os JOBs apresentados, faturamento
como custo interno de todo o valor da nota, além de não constar nos documentos
quaisquer comprovantes da efetiva execução dos serviços pagos”. Essa informação,
em cotejo com os demais elementos dos autos, que apontam estreita relação do 17º
denunciado (Henrique Pizzolato) com o Partido dos Trabalhadores e o 5º denun‑
ciado (Marcos Valério), denota que o agente procedeu com dolo.
À fl. 20122, a testemunha Danévita Ferreira de Magalhães, ex-funcionária do
Núcleo de Mídia do Banco do Brasil, confirmou que esse setor recebia ordens do 17º
denunciado (Henrique Pizzolato) e por ele era comandado. Afirmou, ainda, que com‑
petia ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato) aprovar e liberar as verbas para paga‑
mento às agências, após a conferência de valores, de estratégia e de tática de mídia.
Não merece prosperar o argumento do réu, no sentido de que os recursos
do Fundo Visanet não possuíam caráter público e, por tal razão, não haveria que
se falar em peculato. Conforme explicitado pelo Laudo Pericial 2.828/2006-INC,
o Fundo de Incentivo Visanet é composto de recursos distribuídos de acordo com
cotas proporcionais à participação acionária de cada sócio, sendo que os valores
R.T.J. — 225
883
repassados à DNA Propaganda Ltda. foram retirados do montante que cabia ao
Banco do Brasil S.A.
Ademais, a par de ser elemento do tipo do peculato o desvio ou apropriação
“de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular” (art. 312,
caput, do CP), é clássica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido
de que pouco importa a natureza dos bens apropriados ou desviados, bastando que
deles pudesse dispor o funcionário público em razão das suas funções. Assim, v.g.:
Peculato. Configuração. Irrelevância de serem particulares os bens apropriados ou desviados, desnecessidade de prévia prestação de contas. Habeas corpus
denegado. [HC 56.998, rel. min. Xavier de Albuquerque, Primeira Turma, julgado
em 22-5-1979, DJ de 8‑6‑1979 PP-04535 EMENT VOL-01135-01 PP-00115.]
Comprovada a prática de quatro crimes de peculato (art. 312, caput, do
CP), pode-se verificar entre os eventos similaridade das condições de tempo,
lugar e maneira de execução, atraindo a sistemática do crime continuado, pre‑
vista no art. 71 do Código Penal.
Da imputação de corrupção passiva (art. 317 c/c art. 327, § 2º, do CP)
O 17º denunciado (Henrique Pizzolato) recebeu, para si, em razão da fun‑
ção que exercia no Banco do Brasil S.A., a vantagem indevida de R$ 326.660,67,
em 15 de janeiro de 2004, paga pelo 5º denunciado (Marcos Valério), pelo 6º
denunciado (Cristiano Paz) e pelo 7º denunciado (Ramon Hollerbach).
Tudo resulta evidente das provas dos autos. No seu interrogatório de
fl. 15980, o 17º denunciado (Henrique Pizzolato) afirmou que, em janeiro de 2004,
recebeu um telefonema, em sua linha celular, da secretária do 5º denunciado (Mar‑
cos Valério), informando que este lhe havia solicitado o favor de buscar “documen‑
tos” no Centro do Rio de Janeiro, os quais queria que fossem entregues ao PT. O 17º
denunciado (Henrique Pizzolato), segundo o seu relato, solicitou ao contínuo da
Previ que buscasse os “documentos” e os entregasse no seu apartamento.
Não é fidedigna a versão apresentada pelo 17º denunciado (Henrique Pizzo‑
lato), mormente em razão do fato de que, ante uma comunicação do 5º denun‑
ciado (Marcos Valério), ordenou a um preposto que buscasse elevada quantia em
dinheiro e a entregasse em sua residência. Esses fatos, somados aos outros crimes
cuja prática restou comprovada, conduzem à configuração do delito de corrupção
passiva.
Além disso, à fl. 15987 do seu depoimento, o 17º denunciado (Henrique
Pizzolato) reconheceu que, pouco tempo depois do episódio, comprou um apar‑
tamento em Copacabana, tendo pago uma parte com cheque do Banco do Brasil
e a outra parte em espécie. Enquanto a propina foi paga em 15 de janeiro de
2004, o imóvel foi adquirido em fevereiro do mesmo ano.
Vale notar que o numerário foi recebido pelo 17º denunciado (Henrique
Pizzolato) apenas cinco dias antes da assinatura da nota técnica que determinou
884
R.T.J. — 225
o repasse de R$ 35.000.000,00 à DNA Propaganda, com recursos do Fundo
Visanet, em 20-1-2004 (fl. 27215).
A vantagem indevida foi paga em razão da função exercida pelo 17º denun‑
ciado (Henrique Pizzolato) no Banco do Brasil S.A., que envolvia a fiscalização
e execução do contrato entre a instituição financeira e a empresa DNA Propa‑
ganda, gerida pelo 5º denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) e pelo 7º denunciado (Cristiano Paz).
Da imputação de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VI e VII, da Lei 9.613/1998)
Para o recebimento da quantia de R$ 326.660,67, paga a título de propina
pelo 5º denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano Paz) e pelo
7º denunciado (Ramon Hollerbach), o 17º denunciado (Henrique Pizzolato) se
valeu da estrutura de lavagem de dinheiro engendrada por meio do Banco Rural,
com o fito de dissimular a origem, a natureza, a localização e a propriedade dos
valores ilicitamente auferidos.
O montante recebido é oriundo da prática de crimes contra a administra‑
ção pública, o sistema financeiro nacional e praticados por organização crimi‑
nosa, sendo que há nos autos robusta prova da prática dos delitos antecedentes.
À fl. 153 do Apenso 5, consta o comprovante da entrega do dinheiro, pelo
Banco Rural, ao contínuo enviado pelo 17º denunciado (­Henrique ­Pizzolato),
nos seguintes termos: “Autorizamos o Sr. Luiz Eduardo Ferreira da Silva
CI 06806585-3 a receber a quantia de R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e seis mil,
seiscentos e sessenta reais e sessenta e sete centavos), ref. ao cheque 413170 da
Empresa DNA Propaganda Ltda., que se encontra em nosso poder”. O cheque
sacado foi assinado pelo 7º denunciado (Cristiano Paz), consoante o documento
de fl. 732 do vol. 3 do Apenso 87.
O 17º denunciado (Henrique Pizzolato) recebeu a propina por interposta
pessoa, ordenando que ela se dirigisse à agência do Banco Rural e transportasse
consigo vultosa quantia em espécie, tudo no afã de obnubilar a natureza dos valo‑
res, sua origem e o seu destinatário.
Consoante repisado alhures, não há óbice ao reconhecimento do concurso
de crimes entre a corrupção passiva (art. 317 do CP) e a lavagem de dinheiro,
máxime em razão da diversidade de bens jurídicos tutelados num e noutro delito.
Desse modo, reputo configurado o crime tipificado no art. 1º, V, VI e VII,
da Lei 9.613/1998.
Luiz Gushiken (16º denunciado)
Quanto ao 16º denunciado (Luiz Gushiken), as provas produzidas no curso
do processo penal não foram capazes de indicar a prática do delito de peculato
(art. 312 do Código Penal), nos termos descritos pela acusação.
R.T.J. — 225
885
Assim, por exemplo, o 5º denunciado (Marcos Valério), em seu interroga‑
tório de fl. 16353, afirmou não conhecer o 16º denunciado (Luiz Gushiken) e que
não teve com ele qualquer reunião.
Em seu interrogatório de fls. 16726 e seguintes, o 16º denunciado (Luiz
Gushiken) afirmou que jamais determinou ao 17º denunciado (Henrique Pizzo‑
lato) a realização de qualquer pagamento. Também disse que não conheceu o 5º
denunciado (Marcos Valério), nem qualquer dos dirigentes do Banco Rural.
Os depoimentos foram abalizados pela ausência de provas documentais
que os desabonassem. Não por outro motivo, o Ministério Público, em alegações
finais, protestou pela absolvição do 16º denunciado (Luiz Gushiken).
Ex positis, absolvo o 16º denunciado (Luiz Gushiken), por inexistir prova
de ter o réu concorrido para a infração penal, na forma do art. 386, V, do Código
de Processo Penal.
5º denunciado (Marcos Valério)
Da segunda imputação de peculato (art. 312 do CP)
A instrução probatória logrou demonstrar que o 5º denunciado (Marcos
Valério), em concurso de agentes com o 6º denunciado (Ramon Hollerbach), o 7º
denunciado (Cristiano Paz) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), praticou o
delito de peculato, em razão da apropriação do valor de R$ 2.923.686,15 perten‑
centes ao Banco do Brasil S.A., no período entre 31-3-2003 e 14-6-2005.
Conforme cláusula do contrato entre a DNA Propaganda e o Banco do Brasil
S.A., era obrigação da primeira empresa “transferir, integralmente, ao Banco os
descontos especiais (além dos normais, previstos em tabelas), bonificações, rea‑
plicações, prazos especiais de pagamento e outras vantagens” (fls. 48/49 do vol. 1
do Apenso 83). Entretanto, a obrigação foi descumprida, tendo a DNA Propa‑
ganda se apropriado dos valores obtidos a título de bônus de volume no valor de
R$ 2.923.686,15, o que restou provado por informação prestada pelo Banco do
Brasil S.A., à fl. 332 do vol. 2 do Apenso 83. Ademais, a ausência de repasse é fato
incontroverso nos autos, admitido por todos os denunciados envolvidos.
A tese defensiva de que os valores foram retidos porque pertenciam à DNA
Propaganda não convence. A uma, em razão da expressa previsão contratual,
que não dá margem a equívocos e distorções. A duas, porque a outra empresa
da qual o 5º denunciado (Marcos Valério), o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o
6º denunciado (Ramon Hollerbach) eram sócios, a SMP&B Comunicação, no
contrato estabelecido com a Câmara dos Deputados, repassou a quantia referente
aos bônus de volume para o órgão público, o que denota que os acusados sabiam
qual deveria ser o destino das verbas (informações prestadas pela Câmara dos
Deputados, fl. 40816).
Ademais, conforme já versado, há prova pericial afiançando a conclusão de
que o Banco do Brasil S.A. fazia jus aos valores relativos aos bônus de volume
(Informação Técnica 63/2010, fl. 38525).
886
R.T.J. — 225
A prova oral produzida indica a íntima relação entre o 5º denunciado (Mar‑
cos Valério) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato) (testemunho de Danévita
Ferreira de Magalhães, fl. 20122; testemunho de Fernanda Karina Somaggio,
fls. 19646 e seguintes; interrogatório do 17º denunciado, fls. 15948 e seguintes).
Inaplicável à hipótese o disposto na Lei 12.232/2010, que versa sobre con‑
tratos com agências de propaganda, seja porque se trata de legislação posterior,
seja por força da previsão contratual expressa em contrário, tal como exposto
alhures. Por isso mesmo, não se pode considerar a nova legislação como abolitio
criminis, mercê da sua total impertinência com a seara penal.
Da terceira imputação de peculato (art. 312 do CP, quatro vezes, na forma
do art. 71 do CP)
De acordo com os elementos dos autos, o 5º denunciado (Marcos Valério),
em conluio com o 6º denunciado (Ramon Hollerbach), o 7º denunciado (Cristiano
Paz) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), desviou o valor de R$ 73.851.000,00,
provenientes do Fundo de Investimento da Companhia Brasileira de Meios de Paga‑
mento (Visanet), composto de recursos do Banco do Brasil S.A.
Conforme constatado pelo Laudo Pericial 2.828/2006-INC (fls. 77/119
do Apenso 142), a DNA Propaganda Ltda. emitiu notas fiscais inidôneas
para o recebimento das seguintes verbas: R$ 23.300.000,00 em 19-5-2003;
R$ 6.454.331,43 em 28-11-2003; R$ 35.000.000,00 em 12-3-2004; e
R$ 9.097.024,75 em 1º-6-2004. Duas das quatro notas fiscais nem sequer foram
registradas na contabilidade original da DNA Propaganda Ltda., de acordo com
o Laudo 3.058/2005-INC (fls. 8452/8472). O mesmo laudo comprova inúmeras
incongruências na prestação de contas da DNA Propaganda Ltda., relativa aos
exorbitantes valores percebidos.
Às fls. 20114 e seguintes consta o depoimento da testemunha Danévita Fer‑
reira de Magalhães, ex-funcionária do Núcleo de Mídia do Banco do Brasil. Segundo
narra, o Núcleo de Mídia do Banco do Brasil administrava a verba oriunda da Visa
e que cabia a esta testemunha verificar a efetiva implementação dos planos de mídia
para autorizar o pagamento aos veículos de comunicação. Entretanto, nos termos do
seu depoimento, o dinheiro foi transferido para a DNA Propaganda sem a efetiva
prestação do serviço de publicidade. Portanto, houve o pagamento sem que o serviço
tenha sido prestado, tal como concluído no Laudo Pericial 2.828/2006.
Nada obstante, é de se ressaltar que, também segundo o Laudo Pericial
2.828/2006, o 5º denunciado (Marcos Valério) se apropriou de parte dos valo‑
res desviados dos pagamentos feitos pela Visanet. Especificidades dos saques e
transferências realizadas em favor do 5º denunciado (Marcos Valério) já foram
referidas no voto do ministro relator.
Comprovada a prática de quatro crimes de peculato (art. 312, caput, do
CP), pode-se verificar entre os eventos similaridade das condições de tempo,
R.T.J. — 225
887
lugar e maneira de execução, atraindo a sistemática do crime continuado, pre‑
vista no art. 71 do Código Penal.
Da segunda imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)
Exsurge das provas produzidas, ainda, a prática do crime de corrupção
ativa (art. 333 do Código Penal), reconhecida no oferecimento e posterior paga‑
mento pelo 5º denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano Paz)
e pelo 7º denunciado (Ramon Hollerbach), da quantia de R$ 326.660,67 para o
17º denunciado (Henrique Pizzolato), como contrapartida pelo favorecimento
ilícito que este último proporcionou à empresa DNA Propaganda Ltda. O che‑
que sacado para a obtenção do numerário que serviu de peita, assinado pelo 7º
denunciado (Cristiano Paz), consta à fl. 732 do vol. 3 do Apenso 87.
O 5º denunciado (Marcos Valério), em seu interrogatório, admitiu o repasse
de dinheiro ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato), tendo, contudo, atribuído o
evento a uma transferência, determinada pelo 3º denunciado (Delúbio Soares),
para o Diretório do PT no Rio de Janeiro.
Quanto ao ponto, o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), em seu interroga‑
tório de fl. 15980, afirmou que, em janeiro de 2004, recebeu um telefonema, em
sua linha celular, da secretária do 5º denunciado (Marcos Valério), informando
que este lhe havia solicitado o favor de buscar “documentos” na agência do
Banco Rural do Centro do Rio de Janeiro. Os elementos de prova demonstraram
que tais “documentos” eram, na realidade, R$ 326.660,67 em espécie, pagos a
título de peita ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato), que logo após o episódio
adquiriu um apartamento de valor equivalente.
Nos termos expostos alhures, o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), no
exercício do cargo de diretor de marketing e comunicação do Banco do Bra‑
sil S.A., beneficiou indevidamente a empresa DNA Propaganda Ltda., perten‑
cente ao 5º denunciado (Marcos Valério), ao 6º denunciado (Cristiano Paz) e
ao 7º denunciado (Ramon Hollerbach), tanto permitindo a retenção dos bônus
de volume, quanto concedendo pagamentos sem a efetiva contraprestação com
recursos advindos do Fundo de Incentivo Visanet.
Configurado, pois, o tipo penal do art. 333 do Código Penal, in verbis:
“Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para deter‑
miná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.
6º denunciado (Ramon Hollerbach)
Da segunda imputação de peculato (art. 312 do CP)
Consta da denúncia que o 6º denunciado (Ramon Hollerbach), em concurso
de agentes com o 5º denunciado (Marcos Valério), o 7º denunciado (Cristiano
Paz) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), praticou o crime do art. 312,
888
R.T.J. — 225
caput, do Código Penal (crime de peculato), em razão da apropriação do valor de
R$ 2.923.686,15 pertencentes ao Banco do Brasil S.A.
Em suas alegações finais, a defesa, inicialmente, insistiu no argumento de
que a denúncia não descrevera minuciosamente as condutas praticadas pelo 6º
denunciado (Ramon Hollerbach), que pudessem amparar a imputação pelo crime
de peculato (art. 312 do Código Penal). Ademais, justifica a desnecessidade
do repasse ao Banco do Brasil no fato de que os valores pertenciam à própria
empresa contratada, no caso, a DNA Propaganda. Por fim, a defesa propugna
pela atipicidade da conduta.
Contudo, não procede a tese da defesa.
Inicialmente, deve-se deixar consignado que o Parquet federal se deso‑
brigou no seu mister de detalhar a conduta imputada aos acusados. Com efeito,
a exordial acusatória narra que a empresa DNA Propaganda, cujos sócios eram
o 5º denunciado (Marcos Valério), o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e o 7º
denunciado (Cristiano Paz), apropriou-se de valores devidos ao Banco do Brasil,
em flagrante descumprimento à avença previamente pactuada.
Isso impõe a conclusão de que o 6º denunciado (Ramon Hollerbach), da
DNA Propaganda, na condição de sócio, agiu com o dolo específico de desviar
as verbas que, contratualmente, deveriam ser transferidas ao Banco do Brasil.
E, como já demonstrado algures, não havia a separação estanque de atribuições
dentro das decisões em que eram sócios o 5º denunciado (Marcos Valério), o 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado (Cristiano Paz).
Com efeito, a atenta leitura do depoimento do 5º denunciado (Marcos Valério)
esclarece que a divisão de tarefas na SMP&B Comunicação e na DNA Propaganda
possuía caráter meramente formal. À fl. 16357, o 5º denunciado (Marcos Valério)
categoricamente aduz que “havia uma divisão de tarefas apenas no plano formal,
sendo, de fato, a empresa administrada, em conjunto, pelo interrogando, Ramon e
Cristiano; diz que a empresa era ‘tocada a três mãos’; prova disto é que havia a neces‑
sidade de aprovação, em conjunto, dos três em decisões administrativas, havendo,
outrossim, a necessidade de ao menos duas assinaturas nos cheques emitidos pela
SMP&B”. Tal informação é corroborada, ainda, no depoimento do contador das
empresas de Marcos Valério, Marco Aurélio Prata (fl. 3597). Segundo Marco Auré‑
lio Prata, “todos os três sócios, a saber, Cristiano, Ramon e Marcos Valério, partici‑
pavam das decisões administrativas da SMP&B Comunicação e DNA Propaganda”.
Forçoso concluir que as funções desempenhadas pelo 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) na DNA Propaganda corroboram a imputação ministerial
de que o acusado, em coautoria, desviou verbas pertencentes ao Banco do Bra‑
sil, relativas ao bônus de volume, caracterizando o crime de peculato (art. 312,
caput, do Código Penal).
Demais disso, a tese defensiva de que os valores foram retidos porque per‑
tenciam à DNA Propaganda não convence. Explico.
R.T.J. — 225
889
Em apertada síntese, a empresa DNA Propaganda, da qual o 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) era um dos sócios, sagrou-se como uma das vencedoras da
Concorrência 1/2003, realizada pelo Banco do Brasil. No contrato firmado entre a
agência de publicidade e o Banco do Brasil, constavam cláusulas (2.7.4.6 e 6.5) que
estabeleciam o repasse à empresa estatal dos valores obtidos a título de bônus de
volume. Confira-se, por oportuno, o teor dos itens 2.7.4.6 e 6.5, respectivamente:
Cláusula segunda – Obrigações da contratada
(...)
2.7.4.6. Envidar esforços para obter as melhores condições nas negociações
junto a terceiros e transferir, integralmente, ao Banco os descontos especiais (além
dos normais, previstos em tabelas), bonificações, reaplicações, prazos especiais de
pagamento e outras vantagens. [Documento de fls. 48/49, Apenso 83, vol. 1.]
Cláusula sexta – Remuneração
(...)
6.5. A Contratada não fará jus a nenhuma remuneração ou desconto padrão
de agência quando da utilização, pelo Banco, de créditos que a esta tenham sido
eventualmente concedidos por veículos de divulgação, em qualquer ação publicitá‑
ria pertinente a este Contrato.
As supracitadas cláusulas se revelam suficientemente claras no sentido de
atribuir ao Banco do Brasil a titularidade das verbas auferidas pela DNA Propa‑
ganda no curso do contrato. E isso se justifica em razão de ser o Banco do Brasil,
por meio de sua Diretoria de Marketing, e não as agências de publicidade por ele
contratadas, que negociavam diretamente com veículo de divulgação, a teor das
declarações do 17º denunciado (Henrique Pizzolato), de fl. 15964, vol. 74.
Entretanto, há informações nos autos de que tal obrigação não foi adim‑
plida, tendo a DNA Propaganda se apropriado dos valores obtidos a título de
Bônus de Volume (BV), no valor de R$ 2.923.686,15. Tal fato restou provado
pelas declarações prestadas pelo Banco do Brasil S.A., à fl. 332 do vol. 2 do
Apenso 83. Insta ressaltar que a ausência de repasse ao banco é fato incon‑
troverso nos autos, admitido por todos os denunciados envolvidos. Assim, a
expressa previsão contratual não dá margem a equívocos e distorções, de modo
que os valores obtidos no curso do contrato deveriam ser transferidos pela DNA
Propaganda ao Banco do Brasil.
Adite-se a isso que as Informações Técnicas 63/2010, de fls. 38523/38528,
vol. 179, complementando o Laudo 1.870/2009 (às fls. 34843/34858), reafirmam
peremptoriamente que, por expressa determinação contratual, “todas as cobran‑
ças dos referidos Bônus de Volume (BV) deveriam ter sido restituídas pela DNA
Propaganda Ltda. ao Banco do Brasil”.
E, mais que isso, o mesmo Laudo 1.870/2009, de fls. 34843/34858, forta‑
lece a tese de que houve a apropriação indevida por parte da DNA Propaganda.
Examinando o teor da referida perícia, verifica-se a sistemática da apropriação
operada pela DNA Propaganda: o Banco do Brasil negociava com os veículos
de mídia e com outros prestadores de serviços, repassando o preço integral
890
R.T.J. — 225
do serviço contratado com tais empresas à DNA Propaganda, nele embutido o
valor correspondente ao bônus de volume. Desse montante, a DNA Propaganda
retirava a sua remuneração – esta sim devida, porquanto percebida a título de
honorários advocatícios – e o restante transferia para as empresas contratadas.
Em seguida, tinha-se o pagamento pela empresa contratada à DNA Propaganda
referente ao Bônus de Volume (BV), em razão dos serviços prestados ao Banco
do Brasil. Por fim, e aqui é que se configurava o crime de peculato, a DNA Pro‑
paganda emitia as notas fiscais correspondentes (inidôneas, frise-se!), retendo os
recursos de titularidade do Banco do Brasil, no lugar de restituí-los.
Também não procede a alegação da defesa segundo a qual a apropriação dos
valores feita pela DNA Propaganda consubstanciava uma espécie de “comissão” a
que fazia jus em razão do complexo de serviços por ela contratados com os veículos
de mídia. Como dito acima, todos os valores auferidos pela DNA Propaganda deve‑
riam ser repassados ao Banco do Brasil, por expressa previsão contratual.
Mas não é só. O argumento de que se tratava de comissões somente se
legitima se as bonificações se limitassem à contraprestação pelas avenças fir‑
madas pela DNA Propaganda com outras empresas prestadoras de serviços
de divulgação na imprensa (veiculação de propaganda em televisão, rádio, jor‑
nais e revistas). Entrementes, as bonificações abarcavam ainda outros serviços
subcontratados pela agência de publicidade (Laudo Pericial 1.870/2009, às fls.
34843/34858), e não apenas a compra de mídia.
Diante disso, se se considerar apenas estes valores, ainda assim a DNA Pro‑
paganda apropriou-se do montante total de R$ 2.504.274,88, conforme documento
de fl. 386, Apenso 83, vol. 2. Em outras palavras, tão somente R$ 419.411,27,
atinentes ao somatório das notas fiscais emitidas pela Três Editorial Ltda., subsu‑
mem-se ao conceito de Bônus de Volume (BV) proposto pelo acusado.
Por outro lado, verifica-se, in casu, que a outra empresa da qual o 5º denun‑
ciado (Marcos Valério), o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) eram sócios, a SMP&B Comunicação, no contrato estabelecido com
a Câmara dos Deputados, repassou a quantia referente aos bônus de volume para
o órgão público, o que denota que os acusados conheciam a escorreita destinação
das verbas (informações prestadas pela Câmara dos Deputados, fl. 40816).
Nesse particular, convém registrar a não incidência à hipótese do disposto
na Lei 12.232/2010, que versa sobre contratos com agências de propaganda.
Em primeiro lugar, porque se trata de legislação posterior aos fatos narrados na
exordial. O texto constitucional, em seu art. 5º, XXXVI, veda a retroatividade da
lei quando afetar atos jurídicos perfeitos, como é o caso dos contratos celebrados
entre a SMP&B Propaganda e o Banco do Brasil.
Ademais, não se pode considerar a nova legislação como abolitio criminis.
Conforme mencionado no depoimento do 17º denunciado (Henrique Pizzolato),
de fl. 15964, vol. 74, a negociação de compra de mídia era feita diretamente pelo
Banco do Brasil, e não pela DNA Propaganda, cuja atuação circunscrevia-se em
efetuar o pagamento. Isso significa que os sócios da DNA Propaganda sabiam de
R.T.J. — 225
891
antemão que o pagamento realizado pelas empresas subcontratadas deveria ser
transferido ao Banco do Brasil.
Muito pelo contrário. O parágrafo único do art. 15 da Lei 12.232/2010
positivou no ordenamento jurídico pátrio o que fora estabelecido anteriormente
no negócio jurídico celebrado entre o Banco do Brasil e a DNA Propaganda: que
os recursos obtidos pela compra de mídia, diretamente ou por agência de publi‑
cidade, devem ser transferidos ao contratante, no caso o Banco do Brasil. Assim
dispõe in verbis o supracitado preceito legal:
Art. 15. (...)
Parágrafo único. Pertencem ao contratante as vantagens obtidas em negocia‑
ção de compra de mídia diretamente ou por intermédio de agência de propaganda,
incluídos os eventuais descontos e as bonificações na forma de tempo, espaço ou
reaplicações que tenham sido concedidos pelo veículo de divulgação.
Como se logrou demonstrar nos presentes autos, os recursos apropriados
pela DNA Propaganda não se relacionavam com qualquer “plano de incentivo”.
Com efeito, as notas fiscais acostadas aos autos, Laudo 1.870/2009, vol. 162, de
fls. 34843/34858) dão conta de que os Bônus de Volume (BV) retidos pela DNA
Propaganda se relacionam aos serviços contratados pelo Banco do Brasil, e que, por
expressa determinação contratual e legal, pertencem ao próprio Banco do Brasil.
E ainda que se considerasse que houve abolitio criminis, a materialidade
do delito de peculato estaria configurada, na medida em que houve a apropria‑
ção, conforme acima descrito, de parte substancial do montante R$ 2.923.686,15,
mais especificamente de R$ 2.504.274,88, doc. fl. 386, Apenso 83, vol. 2.
Diante do robusto acervo probatório acostado aos autos, impõe-se reco‑
nhecer que o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) praticou o crime de peculato
(art. 312, caput, do Código Penal).
Da terceira imputação de peculato (art. 312 do CP, quatro vezes, na forma
do art. 71 do CP)
De acordo com os elementos dos autos, o 6º denunciado (Ramon Hollerbach),
em conluio com o 5º denunciado (Marcos Valério), o 7º denunciado (Cristiano Paz)
e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), desviou o valor de R$ 73.851.000,00, pro‑
venientes do Fundo de Investimento da Companhia Brasileira de Meios de Paga‑
mento (Visanet), composto de recursos do Banco do Brasil S.A.
Em suas alegações finais, propugna a defesa que o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) não desempenhava funções na administração da DNA Propaganda,
conforme análise do contrato firmado entre a aludida agência de publicidade e
o Banco do Brasil, doc. 6, anexado à Defesa Preliminar, Apenso 111 dos autos),
razão pela qual não subsistiria a imputação pelo crime em tela. Demais disso, sus‑
tentam que a retenção dos valores não caracterizou crime de peculato, na medida
em que os recursos adiantados à DNA Propaganda pelo 17º denunciado (Henri‑
que Pizzolato) pertenciam à Visanet – empresa privada –, e não ao erário federal.
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R.T.J. — 225
As alegações da defesa não merecem ser acolhidas.
Em breve síntese dos fatos, o 17º denunciado (Henrique Pizzolato) autori‑
zou a liberação antecipada de R$ 73.851.000,00. Com efeito, consta da peça acu‑
satória ministerial que, das quatro autorizações antecipatórias, o 17º denunciado
(Henrique Pizzolato) assinou três delas (doc. de fls. 5376/5389). Tal informação
foi ratificada pelo próprio acusado, quando da apresentação de sua defesa antes
do recebimento da denúncia (à fl. 43, Apenso 117), ocasião em que aquiescera
com a transferência dos recursos do Fundo Visanet para a DNA Propaganda.
Conforme constatado pelo Laudo Pericial 2.828/2006-INC (fls. 77/119 do
Apenso 142), a DNA Propaganda Ltda. emitiu notas fiscais inidôneas para o rece‑
bimento das seguintes verbas: R$ 23.300.000,00 em 19-5-2003; R$ 6.454.331,43
em 28-11-2003; R$ 35.000.000,00 em 12-3-2004; e R$ 9.097.024,75 em 1º-6-2004.
Duas das quatro notas fiscais nem sequer foram registradas na contabilidade
original da DNA Propaganda Ltda., de acordo com o Laudo 3.058/2005-INC
(fls. 8452/8472). O mesmo laudo comprova inúmeras incongruências na prestação
de contas da DNA Propaganda Ltda., relativa aos exorbitantes valores percebidos.
Não bastasse isso, essas antecipações feitas à agência de publicidade não
foram acompanhadas das comprovações dos serviços que justificariam a trans‑
ferência dos volumosos recursos, conforme restou comprovado pelo Laudo
Pericial 2.828/2006-INC, às fls. 77/119, Apenso 142. Abaixo transcreve-se, por
oportuno, trecho significativo que corrobora a afirmação supra:
IV.5 – Dos Contratos
(...)
40. Considerados os contratos entre o BB e a DNA e as movimentações fi‑
nanceiras na conta corrente da DNA, foi constatado que, para executar despesas de
publicidade, deveria haver prévia aprovação de campanha publicitária, da execução
dos serviços, a confirmação da execução e o posterior pagamento de cada um dos
fornecedores em créditos específicos na conta corrente da agência de publicidade.
41. Quanto aos recursos do Fundo de Incentivo, constatou-se que os valo‑
res faturados pela DNA contra a Visanet eram aprovados de maneira global, sem
análise prévia das despesas, sem a confirmação de execução dos serviços e com
antecipação de recursos.
42. Esses valores eram depositados nas contas 601999-4 ou 602000-3 da
DNA, no Banco do Brasil. Em seguida, eram transferidos, no todo ou em parte, para
fundos de investimentos do BB, vinculados às contas 602000-3 ou 603000-9. Do‑
cumentos da DNA explicam o funcionamento dessas contas e suas exclusividades
para movimentação de recursos do Fundo, Anexo I, fls. 002 a 04.
43. Após autorização formal do BB, mediante Nota Técnica, para pagamento
a prestadores de serviços, a DNA transferia recursos da conta 602000-3 para conta
601999-4 e a partir desta, mediante cheque, TED ou saques em espécie, eram efe‑
tuados os pagamentos aos fornecedores.
44. Durante os exames verificou-se que muitos dos projetos ou campanhas
publicitárias para o Banco do Brasil, vinculados à verba do Fundo de Incentivo,
não apresentavam documentos que permitissem comprovar que a DNA realizou os
respectivos serviços. Em determinados casos, a DNA somente executou serviços
R.T.J. — 225
893
de pagamentos de faturas apresentadas pelo Banco do Brasil, tais como Unesco,
BBTUR, Casa Tom Brasil, Paço Alfândega, Lowe Ltda., dentre outros.
IV.6 – Dos Valores Destinados ao Banco do Brasil Repassados à DNA
45. Após autorização formal do BB, mediante Nota Técnica, para pagamento
a prestadores de serviços, a DNA transferia recursos da conta 602000-3 para a conta
601999-4 e a partir desta, mediante cheque, TED ou saques em espécie, eram efe‑
tuados os pagamentos aos fornecedores.
46. Os exames foram direcionados para seis grandes repasses realizados no perí‑
odo. A análise do processo de liberação de recursos e de prestação de contas, incluindo
as notas fiscais emitidas pela DNA, permitiu concluir que esses valores foram transferi‑
dos em forma de adiantamentos, o que contraria o Regulamento do Fundo.
47. Para os valores transferidos, não existia ou não foi apresentado um plano
para utilização dos recursos, tanto pela Visanet, quanto pelo BB ou pela DNA. Tam‑
bém não havia quaisquer documentos entre as partes vinculando a necessidade de
prestar serviços em decorrência dos valores transferidos.
48. Os valores foram adiantados com a apresentação de correspondências do
Banco do Brasil, JOBs, informando o valor a ser utilizado pelo Banco, sem detalha‑
mento das ações a serem empreendidas, e, também por meio de correspondência do
BB, de notas fiscais emitidas pela DNA, sem especificação dos serviços prestados
ou a serem realizados.
49. Com base nesses JOBs, a Visanet, mediante uma rotina burocrática de apro‑
vação da solicitação de pagamento dos serviços, sem quaisquer análises documentais,
em desacordo com as normas do Fundo, efetivava os “pagamentos”, quando na verdade
tratava-se de adiantamentos de recursos, que também não são previstos no regulamento.
Por outro lado, o Laudo Pericial 3.058/05-INC corrobora as afirmações
esposadas na exordial, no sentido de que as notas fiscais emitidas por antecipa‑
ção careciam de legitimidade. Assim, é induvidoso que o repasse de recursos
do fundo ocorreu com a prévia anuência do Banco do Brasil e da Visanet, na
medida em que as notas fiscais não correspondiam a qualquer serviço prestado.
De acordo com o Laudo Pericial 3.058/05-INC:
62. Além desses fatos, vale ressaltar que as notas fiscais analisadas foram
emitidas como custo interno, o que significa que a própria empresa DNA deveria ter
prestado todos os serviços relacionados às notas, não existindo referência a contrata‑
ções de outros prestadores de serviços, tais como gráficas, ou mídias de comunicação.
63. Na contabilidade, a Visanet registrou essas notas fiscais como efetiva
prestação de serviços pela DNA, embora houvesse nessas notas e JOBs informações
suficientes para que se identificasse incompatibilidade de datas, curto interstício de
tempo entre a aprovação e a execução dos serviços, divergências de ações entre as
descrições de serviços com os JOBs apresentados, faturamento como custo interno
de todo o valor da nota, além de não constar nos documentos quaisquer comprovan‑
tes da efetiva execução dos serviços pagos.
64. Nesse contexto, consideradas também as características de custos inter‑
nos das notas fiscais e a necessidade de terceirização na execução de serviços, cabe
destacar que os prepostos do Banco do Brasil, que decidiram e apresentaram para
pagamento as notas fiscais emitidas pela DNA contra a Visanet, os prepostos da
Visanet, que acataram as notas sem quaisquer análises, e os representantes da DNA
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R.T.J. — 225
eram conhecedores de que essas notas apresentadas para sacar recursos do Fundo
não representavam serviços prestados.
65. Ainda em relação a essas notas fiscais, considerando que todas são vin‑
culadas ao fisco da Prefeitura do Município de Rio Acima/MG, cabe trazer as cons‑
tatações do Laudo de Exame Contábil n. 3.058/05-INC, de 29-11-2005, a saber:
Ao 5º – Os investigados elaboraram, distribuíram, forneceram, emiti‑
ram ou utilizaram documento fiscal falso ou inexato?
72. Sim. Houve adulteração de Autorizações de Impressões de Documentos Fiscais (AlDF), comprovada por meio do Laudo de Exame Documentoscó‑
pico n. 3.042/05-INC/ DPF, de 24-11-2005.
73. Houve falsificação de assinaturas de servidores públicos e de ca‑
rimbos pessoais, comprovada por meio do Laudo de Exame Documentoscó‑
pico n. 3.042/05-INC/ DPF, de 24-11-2005.
74. Foram impressas 80.000 notas fiscais falsas. Vide letra h, parágrafo
16, seção III – Dos Exames.
75. Foram emitidas dezenas de milhares de notas fiscais falsas. Vide letra
i, parágrafo 16, e parágrafo 22, da seção m – Dos Exames. Entre essas, pode‑
-se destacar três notas fiscais da DNA emitidas à CBMP (Visanet): NF 029061,
de 5-5-2003, R$ 23.300.000,00; NF 037402, de 13-2-2004, R$ 35.000.000,00;
NF 033997, de 11-11-2003, R$ 6.454.331,43; e uma da Eletronorte: NF 028207,
de 8-2-2003, R$ 12.000.000,00.
66. Assim, os Peritos puderam concluir que essas notas da DNA, além de se‑
rem falsas no suporte, também o são no conteúdo, pois nenhuma delas retrata uma
prestação de serviços efetiva pela agência de publicidade vinculada a Marcos Valério.
Ao vasto acervo probatório é preciso incluir ainda o depoimento da testemu‑
nha Danévita Ferreira de Magalhães, ex-funcionária do Núcleo de Mídia do Banco
do Brasil, às fls. 20114 e seguintes. Segundo narra, o Núcleo de Mídia do Banco do
Brasil administrava a verba oriunda da Visa e que cabia a esta testemunha verificar
a efetiva implementação dos planos de mídia para autorizar o pagamento aos veí‑
culos de comunicação. Entretanto, de acordo com as suas considerações, o dinheiro
foi transferido para a DNA Propaganda sem a efetiva prestação do serviço de publi‑
cidade. Portanto, houve o pagamento sem que o serviço tenha sido prestado. Ante
a relevância, reproduzem-se, in verbis, os excertos que afirmam o esquema ilícito:
Que o Núcleo de Mídia do Banco do Brasil é formado por profissionais contra‑
tados pelas agências licitadas para administrar todo o processo publicitário e de comu‑
nicação do Banco do Brasil; (...) Que o NMBB era subordinado administrativamente
ao setor de marketing do Banco do Brasil, a quem cabia repassar as diretrizes, orienta‑
ções e determinações a serem seguidas; (...) Que no NMBB exercia a junção de gerente
de mídia, tendo como principal atividade o controle da verba de veiculação publicitária
do Banco do Brasil; (...) Que no ano de 2003 lhe foi apresentado o plano de mídia da
campanha Banco do Brasil/Visa Electron para ser verificado e analisado para poste‑
rior pagamento; Que cabia à declarante atestar que a campanha havia sido realmente
veiculada para poder autorizar o pagamento aos veículos; Que entretanto o dinheiro já
havia sido transferido para a DNA Propaganda, sendo que o plano de mídia do Banco
do Brasil/Visa Electron apresentado iria apenas regularizar e simular a prestação do
serviço de publicidade; Que entretanto esta campanha, no valor aproximado de R$ 60
milhões, de fato nunca havia sido veiculada; Que o próprio diretor de mídia da agência
R.T.J. — 225
895
DNA Propaganda, Fernando Braga, afirmou para a declarante que esta campanha do
Banco do Brasil/Visa Electron não tinha e nem iria ser veiculada; Que cabia à agência
DNA Propaganda apresentar as notas fiscais relativas aos gastos de veiculação da refe‑
rida campanha; Que acredita que as notas fiscais frias emitidas pela DNA Propaganda
e que estavam sendo destruídas, conforme notícias da imprensa, foram elaboradas para
justificar esta campanha de 2003 ou outras campanhas que nunca foram veiculadas;
Que a partir da sua recusa em assinar o plano de mídia Banco do Brasil/Visa Electron
do ano de 2003, bem como outros documentos que poderiam lhe comprometer, perce‑
beu que iria ser demitida. [Doc. de fls. 19158/19161, confirmado às fls. 20114/20128.]
A relação entre o 5º denunciado (Marcos Valério) e o 17º denunciado
(Henrique Pizzolato) também restou comprovada nas declarações da testemunha
Danévita Ferreira de Magalhães, consoante se pode verificar:
A sra. representante do Ministério Público: A senhora sabe informar se o
Marcos Valério tinha alguma ligação com esse diretor lá do núcleo de mídia?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: A diretora do núcleo de mídia era eu;
é o diretor de Marketing do Banco do Brasil o Senhor Henrique Pizzolato.
A sra. representante do Ministério Público: Ele tinha alguma ligação com ele?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: Sim, direta.
A sra. representante do Ministério Público: E vocês obedeciam às diretrizes
determinadas por quem lá no núcleo? Como que era o trabalho? Vocês faziam a
campanha, o trabalho da – vamos dizer – veiculação era aprovado por quem? Pela
própria agência de publicidade ou alguém do Banco do Brasil?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: O Banco é quem determinava. Sem‑
pre o Banco quem determinava.
A sra. representante do Ministério Público: Quem do Banco lhe transferia as
orientações?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: É, vinha orientação do diretor com o
gerente e a pessoa era o subgerente, que era o Senhor Roberto Messias, mas quem
realmente comandava era o Senhor Henrique Pizzolato.
Segundo o Laudo Pericial 2.828/2006, parte do dinheiro desviado do Fundo
Visanet foi repassado para a conta de titularidade da SMP&B Comunicação, da
qual o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) era vice-presidente de operações. Vale
dizer, os estreitos laços que ligavam o 17º denunciado (Henrique Pizzolato) e os
sócios da DNA Propaganda – 5º denunciado (Marcos Valério), o 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado (Cristiano Paz) prepararam o terreno para
que os repasses se concentrassem na aludida agência de publicidade.
Insta ressaltar que a relação não republicana entre os acusados – assim
como a constatação de que a gestão do 17º denunciado (Henrique Pizzolato),
enquanto diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil, foi determi‑
nante para a mudança do formato dos repasses Via Visanet – foram precisamente
diagnosticadas no relatório final da CPMI dos Correios (vol. 63).
De outra banda, os peritos ratificaram que o 6º denunciado (Ramon Hol‑
lerbach), em conluio com o 5º denunciado (Marcos Valério) e o 7º denunciado
(Cristiano Paz), apropriaram-se das verbas objeto dos pagamentos realizados
pela Visanet, como uma espécie de remuneração pelos serviços supostamente
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prestados. A gramática interna da retenção ilícita das verbas se fundava em
saques e transferências realizadas a título de “distribuição de lucros”.
Diante disso, ante a sua posição de sócio da DNA Propaganda e a SMP&B
Comunicação, deve-se imputar ao 6º denunciado (Ramon Hollerbach) a prática do
crime de peculato, porquanto não estava alheio à empreitada criminosa, conso‑
ante bem apontou o e. ministro revisor Ricardo Lewandowski, aquiescendo com
a retenção ilícita.
Da segunda imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)
Exsurge das provas produzidas, ainda, a prática do crime de corrupção ativa
(art. 333 do Código Penal), reconhecida no oferecimento e posterior pagamento
pelo 5º denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano Paz) e pelo 7º
denunciado (Ramon Hollerbach), da quantia de R$ 326.660,67, no dia 15 de janeiro
de 2004, para o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), como contrapartida pelo favo‑
recimento ilícito que este último proporcionou à empresa DNA Propaganda Ltda.
Com efeito, o cheque tinha como origem a conta da DNA Propaganda,
conforme prova acostada aos autos às fls. 729/738, Apenso 87, vol. 3. Conso‑
ante prática iterativa, o cheque foi assinado nominalmente à DNA Propaganda,
em que um dos sócios era o 6º denunciado (Ramon Hollerbach), e endossado à
própria agência. Mais ainda, foi emitido sob o rótulo de “pagamento de forne‑
cedor” (à fl. 734), como tentativa de ludibriar a transferência indevida ao 17º
denunciado (Henrique Pizzolato).
De acordo com relato contido nos autos, o cheque não fora sacado dire‑
tamente pelo 17º denunciado (Henrique Pizzolato), mas por interposto, Luiz
Eduardo Ferreira da Silva, mensageiro da Previ, da qual o ora acusado era o
presidente à época. A comprovação se encontra nos recibos de uso interno dos
denunciados, acostado aos autos à fl. 736, Apenso 87, vol. 3.
A remição do cheque foi também ratificada pelo depoimento do próprio
mensageiro Luiz Eduardo Ferreira da Silva, às fls. 992/994, vol. 4, quando decla‑
rou ter recebido uma ligação do 17º denunciado (Henrique Pizzolato), solicitando
que se dirigisse ao Banco Rural para efetuar o saque do montante. Declarou,
ademais, que repassara todo o valor percebido, em mãos, ao 17º denunciado
(Henrique Pizzolato), acrescentando a informação de que tal verba se destinou à
aquisição do apartamento em que o 17º denunciado (Henrique Pizzolato) reside.
Esses eventos restaram demonstrados consoante interrogatório do 17º denun‑
ciado (Henrique Pizzolato), à fl. 15980, na qual afirmou que, em janeiro de 2004,
recebera um telefonema, em sua linha celular, da secretária do 5º denunciado
(Marcos Valério), informando que este lhe havia solicitado o favor de buscar
“documentos” na agência do Banco Rural do Centro do Rio de Janeiro. Os ele‑
mentos de prova demonstraram que tais “documentos” eram, na realidade, R$
326.660,67 em espécie, pagos a título de peita ao 17º denunciado (Henrique Pizzo‑
lato), que logo após o episódio adquiriu um apartamento de valor equivalente.
R.T.J. — 225
897
Adite-se a isso que consta dos autos informações contraditórias para jus‑
tificar o recebimento do montante. De um lado, o 17º denunciado (Henrique
Pizzolato), às fls. 1009/1013, assevera ter prestado favores ao 5º denunciado
(Marcos Valério), enquanto, do outro lado, o 5º denunciado (Marcos Valério), à
fl. 16365, afirma categoricamente que o repasse do dinheiro foi determinado pelo
3º denunciado (Delúbio Soares).
Ocorre que, a despeito da presença de informações colidentes nos depoi‑
mentos, o valor repassado ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato) se dera como
uma contrapartida em razão das benesses concedidas por este, na condição de
diretor de Marketing e de Comunicação do Banco do Brasil, à DNA Propaganda,
pertencente ao 6º denunciado (Ramon Hollerbach), ao 5º denunciado (Marcos
Valério) e ao 7º denunciado (Cristiano Paz), que assinou o cheque, repita-se.
Nos termos expostos algures, o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), no
exercício do cargo de diretor de Marketing e Comunicação do Banco do Bra‑
sil S.A., beneficiou indevidamente a empresa DNA Propaganda Ltda., perten‑
cente ao 5º denunciado (Marcos Valério), ao 6º denunciado (Cristiano Paz) e
ao 7º denunciado (Ramon Hollerbach), tanto permitindo a retenção dos bônus
de volume, quanto concedendo pagamentos sem a efetiva contraprestação com
recursos advindos do Fundo de Incentivo Visanet.
Demais disso, verifica-se que a empresa DNA Propaganda, da qual o 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) era um dos sócios, fora agraciada, dias após a
emissão do cheque, com a transferência de R$ 35.000.000,00, devidamente auto‑
rizados pelo 17º denunciado (Henrique Pizzolato). De efeito, essa transferência
habilitou a DNA Propaganda a firmar empréstimos junto ao Banco BMG, cuja
finalidade precípua era repassar essas verbas a pessoas previamente apontadas
pelo 3º denunciado (Delúbio Soares). O depoimento do 5º denunciado (Marcos
Valério), à fl. 356, vol. 2, confirma o ocorrido.
Dois argumentos finais comprovam a ilicitude dos pagamentos feitos ao 17º
denunciado (Henrique Pizzolato). O primeiro consiste na malfadada alegação de
que o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) não se reunia diretamente com o 17º
denunciado (Henrique Pizzolato). Dentro da divisão de tarefas, típica da coau‑
toria, os contatos pessoais reservavam-se ao 5º denunciado (Marcos Valério).
Os demais sócios da DNA Propaganda – o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e
o 7º denunciado (Cristiano Paz) – atuavam internamente, de modo a permitir o
uso das agências das quais eram sócios como solo fértil para a empreitada crimi‑
nosa, consubstanciada em enriquecimentos ilícitos e desvios de verbas públicas.
Dito de outro modo, o 6º denunciado (Ramon Hollerbach), o acusado que nos
move neste momento, não estava alheio ao que ocorria sob sua vigilância.
O segundo, e derradeiro, ponto que gostaria de destacar se refere ao teor do
depoimento da testemunha Paulino Alves Ribeiro Júnior, à época diretor financeiro
da agência DNA Propaganda. Segundo consta de seu interrogatório, o 5º denunciado
(Marcos Valério) determinava a emissão de vultosos saques daquela agência de publi‑
cidade como forma de distribuição de lucros da Graffiti Ltda. e como empréstimos
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à SMP&B Propaganda, ambas de sociedade exclusiva do 5º denunciado (Marcos
Valério), do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz).
Configurado, pois, o tipo penal do art. 333 do Código Penal, in verbis:
“Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para deter‑
miná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.
7º denunciado (Cristiano Paz)
Da segunda imputação de peculato (art. 312 do CP)
A instrução probatória logrou demonstrar que o 7º denunciado (Cristiano
Paz), em concurso de agentes com o 6º denunciado (Ramon Hollerbach), o 5º
denunciado (Marcos Valério) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), praticou
o delito de peculato, em razão da apropriação do valor de R$ 2.923.686,15 per‑
tencentes ao Banco do Brasil S.A.
Conforme cláusula do contrato entre a DNA Propaganda e o Banco do Brasil
S.A., era obrigação da primeira empresa “transferir, integralmente, ao Banco os
descontos especiais (além dos normais, previstos em tabelas), bonificações, reapli‑
cações, prazos especiais de pagamento e outras vantagens” (fls. 48/49 do vol. 1 do
Apenso 83). Entretanto, a obrigação foi descumprida, tendo a DNA Propaganda
se apropriado dos valores obtidos a título de bônus de volume no valor de valor de
R$ 2.923.686,15, o que restou provado por informação prestada pelo Banco do Brasil
S.A., à fl. 332 do vol. 2 do Apenso 83. Ademais, a ausência de repasse é fato incon‑
troverso nos autos, admitido por todos os denunciados envolvidos.
A tese defensiva de que os valores foram retidos porque pertenciam à DNA
Propaganda não convence. A uma, em razão da expressa previsão contratual, que
não dá margem a equívocos e distorções. A duas, porque a outra empresa da qual o
5º denunciado (Marcos Valério), o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) eram sócios, a SMP&B Comunicação, no contrato estabe‑
lecido com a Câmara dos Deputados, repassou a quantia referente aos bônus de
volume para o órgão público, o que denota que os acusados sabiam qual deveria ser
o destino das verbas (informações prestadas pela Câmara dos Deputados, fl. 40816).
Inaplicável à hipótese o disposto na Lei 12.232/2010, que versa sobre con‑
tratos com agências de propaganda, seja porque se trata de legislação posterior,
seja por força da previsão contratual expressa em contrário. Por isso mesmo, não
se pode considerar a nova legislação como abolitio criminis, mercê da sua total
impertinência com a seara penal.
Também não prospera a alegação defensiva de que o 7º denunciado (Cris‑
tiano Paz) não exercia qualquer interferência na atividade gerencial da DNA
Propaganda Ltda. Primeiramente porque o 7º denunciado (Cristiano Paz) efeti‑
vamente representava a aludida empresa, tanto assinou o cheque que se destinou
ao pagamento de R$ 326.660,67 para o 17º denunciado (Henrique Pizzolato),
segundo consta dos autos (Apenso 87, vol. 3, fl. 732). Ademais, o depoimento do
senhor Ivan Guimarães, ex-presidente do Banco Popular do Brasil, registra que
R.T.J. — 225
899
o 7º denunciado (Cristiano Paz) e 5º denunciado (Marcos Valério) se apresenta‑
ram a ele como representantes da DNA Propaganda Participações Ltda. (vol. 135,
fls. 29523/29537), o que revela papel verdadeiramente decisivo na condução dos
negócios sociais. Consta ainda dos autos depoimento de Walfrido dos Mares Guia
(vol. 98, fls. 21272/9), afirmando que, após a morte do senhor Daniel Freitas em
2002, a SMP&B e a DNA Propaganda passaram a ser controladas pelo mesmo
grupo composto exclusivamente pelos 5º denunciado (Marcos Valério), 6º denun‑
ciado (Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado (Cristiano Paz).
Some-se a isso que o depoimento do 5º denunciado (Marcos Valério) esclarece
que a divisão de tarefas na SMP&B Comunicação e na DNA Propaganda possuía
caráter meramente formal. À fl. 16357, o 5º denunciado (Marcos Valério) categori‑
camente aduz que “havia uma divisão de tarefas apenas no plano formal, sendo, de
fato, a empresa administrada, em conjunto, pelo interrogando, Ramon e Cristiano;
diz que a empresa era ‘tocada a três mãos’; prova disto é que havia a necessidade de
aprovação, em conjunto, dos três em decisões administrativas, havendo, outrossim, a
necessidade de ao menos duas assinaturas nos cheques emitidos pela SMP&B”. Tal
informação é corroborada, ainda, no depoimento do contador das empresas de Mar‑
cos Valério, Marco Aurélio Prata (fl. 3597). Segundo Marco Aurélio Prata, “todos os
três sócios, a saber, Cristiano, Ramon e Marcos Valério, participavam das decisões
administrativas da SMP&B Comunicação e DNA Propaganda”.
Esses dados são corroborados pelo documento de fl. 29 do Apenso 51 do
vol. I. O Instituto Nacional de Criminalística traçou esclarecedor diagrama das
relações empresariais articuladas pelo 5º denunciado (Marcos Valério), aí evi‑
denciando a ampla integração do grupo econômico de que fazia parte a DNA
Propaganda e a Graffiti Participações, tudo isso revelar a sintonia criminosa em
que operavam os envolvidos.
Em seu depoimento (fls. 2253/2256, vol. 11), o 7º denunciado (Cristiano
Paz) reconhece que formalizou cinco empréstimos em nome da Graffiti Partici‑
pações, sendo três deles junto ao Banco BMG e dois junto ao Banco Rural, tendo
sido informado pelo 5º denunciado (Marcos Valério) que os valores obtidos se
destinavam ao Partido dos Trabalhadores, segundo entendimentos firmados
entre ele e o 3º denunciado (Delúbio Soares).
Diante de todo esse quadro probatório, é incontroverso que as funções desem‑
penhadas pelo 7º denunciado (Cristiano Paz) na DNA Propaganda corroboram
a imputação ministerial de que acusado, em coautoria, desviou verbas pertencen‑
tes ao Banco do Brasil, relativas ao bônus de volume, caracterizando o crime de
peculato (art. 312, caput, do Código Penal).
Da terceira imputação de peculato (art. 312 do CP, quatro vezes, na forma
do art. 71 do CP)
De acordo com os elementos dos autos, o 7º denunciado (Cristiano Paz), em
conluio com o 5º denunciado (Marcos Valério), o 6º denunciado (Ramon Holler‑
bach) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), desviou o valor de R$ 73.851.000,00,
900
R.T.J. — 225
provenientes do Fundo de Investimento da Companhia Brasileira de Meios de Paga‑
mento (Visanet), composto de recursos do Banco do Brasil S.A.
A incursão no crime de peculato por quatro vezes decorre de quatro diferentes
repasses pelo Fundo Visanet de verbas milionárias pertencentes ao Banco do Brasil
para a empresa DNA Propaganda Ltda. Conforme constatado pelo Laudo Pericial
2.828/2006-INC (fls. 77/119 do Apenso 142), a DNA Propaganda emitiu notas fiscais
inidôneas para o recebimento das seguintes verbas: R$ 23.300.000,00 em 19-5-2003;
R$ 6.454.331,43 em 28-11-2003; R$ 35.000.000,00 em 12-3-2004; e R$ 9.097.024,75
em 1º-6-2004. Duas das quatro notas fiscais nem sequer foram registradas na conta‑
bilidade original da DNA Propaganda Ltda., de acordo com o Laudo 3.058/2005-INC
(fls. 8452/8472). O mesmo laudo comprova inúmeras incongruências na prestação de
contas da DNA Propaganda Ltda., relativa aos exorbitantes valores percebidos.
Constam dos autos diversas razões pelas quais os recursos não poderiam
ter sido repassados à DNA Propaganda:
(i) Segundo o Laudo 2.828/2006-INC, “a forma de uso dos recursos do Fundo
de Incentivos Visanet não estava amparada por qualquer dos contratos apresentados
à perícia” (fl. 77, Apenso 142);
(ii) A agência de publicidade não prestou qualquer serviço que justificasse o
pagamento. A fls. 20114 e seguintes consta o depoimento da testemunha Danévita
Ferreira de Magalhães, ex-funcionária do Núcleo de Mídia do Banco do Brasil. Se‑
gundo narra, o Núcleo de Mídia do Banco do Brasil administrava a verba oriunda
da Visa e que cabia a esta testemunha verificar a efetiva implementação dos planos
de mídia para autorizar o pagamento aos veículos de comunicação. Entretanto,
segundo afirma, o dinheiro foi transferido para a DNA Propaganda sem a efetiva
prestação do serviço de publicidade. Portanto, houve o pagamento sem que o ser‑
viço tenha sido prestado;
(iii) As notas fiscais apresentadas pela DNA Propaganda não era idôneas.
[Laudo 2.828/2006-INC, fls. 77/119, Apenso 142.]
Também aqui não prospera a tese defensiva quanto à pretensa falta de
envolvimento do 7º denunciado (Cristiano Paz). De acordo com o Laudo Pericial
2.828/2006, parte do dinheiro desviado do Fundo Visanet foi repassado para a
conta de titularidade do 7º denunciado (Cristiano Paz), mantida no Banco Rural;
além disso, outro montante foi transferido para a conta da SMP&B Comunica‑
ção, da qual o 7º denunciado (Cristiano Paz) era presidente. Inequívoco, por‑
tanto, o benefício pessoal auferido com a prática dos ilícitos.
Além de ter obtido vantagens, o 7º denunciado (Cristiano Paz) inegavel‑
mente tomou parte decisiva e determinante nas operações fraudulentas. Como
assentado supra, o 7º denunciado (Cristiano Paz) assumia obrigações em nome
da DNA Propaganda, apresentava-se a agentes públicos como seu representante
e exercia o controle da sua gestão. Tudo isso denota que, em termos técnicos,
embora o 7º denunciado (Cristiano Paz) possa não ter realizado exclusivamente
todos os elementos objetivos do tipo, não se pode negar a sua autoria, uma vez
que, na divisão prévia de tarefas para o cometimento do ilícito penal, a sua con‑
duta atribuída foi imprescindível ao atingimento do fato punível. Trata-se de um
R.T.J. — 225
901
coautor funcional, porquanto a realização dos ilícitos somente pode ser viabili‑
zada mediante a cooperação comunitária no fato. Assim, não se deve exigir do
7º denunciado (Cristiano Paz) a prática da conduta descrita no núcleo do tipo
penal, mas tão somente que a fração do ato executório por ele praticada seja
indispensável, diante das singularidades do tipo penal e do caso concreto, para a
consecução do ilícito penal.
Comprovada a prática de quatro crimes de peculato (art. 312, caput, do
CP), pode-se verificar entre os eventos similaridade das condições de tempo,
lugar e maneira de execução, atraindo a sistemática do crime continuado, pre‑
vista no art. 71 do Código Penal.
Da segunda imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)
Exsurge das provas produzidas, ainda, a prática do crime de corrupção
ativa (art. 333 do Código Penal), reconhecida no oferecimento e posterior paga‑
mento pelo 5º denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano Paz) e
pelo 7º denunciado (Ramon Hollerbach), da quantia de R$ 326.660,67 para o 17º
denunciado (Henrique Pizzolato), como contrapartida pelo favorecimento ilícito
que este último proporcionou à empresa DNA Propaganda Ltda.
Quanto ao ponto, o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), em seu interroga‑
tório de fl. 15980, afirmou que, em janeiro de 2004, recebeu um telefonema, em
sua linha celular, da secretária do 5º denunciado (Marcos Valério), informando
que este lhe havia solicitado o favor de buscar “documentos” na agência do
Banco Rural do Centro do Rio de Janeiro. Os elementos de prova demonstraram
que tais “documentos” eram, na realidade, R$ 326.660,67 em espécie, pagos a
título de peita ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato), que logo após o episódio
adquiriu um apartamento de valor equivalente.
Como já exaustivamente destacado nesses autos, o 7º denunciado (Cristiano
Paz) foi quem efetivamente visou o cheque de R$ 326.660,67 (Apenso 87, vol. 3,
fl. 732), em nome da empresa DNA Propaganda, como pagamento ao 17º denun‑
ciado (Henrique Pizzolato), em troca do benefício indevido por este prestado,
consistente na retenção dos bônus de volume e em pagamentos sem a efetiva con‑
traprestação com recursos advindos do Fundo de Incentivo Visanet.
Configurado, pois, o tipo penal do art. 333 do Código Penal, in verbis: “Ofe‑
recer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a
praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.
Conclusão
Ex positis, relativamente ao item III da denúncia ofertada pelo Ministério
Público Federal, voto pela:
(i) condenação do 15º denunciado (João Paulo Cunha) como incurso nos
seguintes crimes:
902
R.T.J. — 225
(i.1) art. 317 c/c art. 327, § 2º, do Código Penal (corrupção passiva);
(i.2) art. 1º, V, VI e VII, Lei 9.613/1998 (lavagem de dinheiro);
(i.3) art. 312 c/c art. 327, § 2º, do Código Penal, por duas vezes (peculato
majorado);
(ii) condenação do 17º denunciado (Henrique Pizzolato) como incurso nos
seguintes crimes:
(ii.1) art. 312 c/c art. 327, § 2º, do Código Penal (peculato majorado);
(ii.2) art. 312 c/c art. 327, § 2º, do Código Penal, por quatro vezes (peculato
majorado);
(ii.3) art. 317 c/c art. 327, § 2º, do Código Penal (corrupção passiva);
(ii.4) art. 1º, V, VI e VII, Lei 9.613/1998 (lavagem de dinheiro);
(iii) condenação do 5º denunciado (Marcos Valério) como incurso nos
seguintes crimes:
(iii.1) art. 333 do Código Penal (corrupção ativa);
(iii.2) art. 312 do Código Penal (peculato);
(iii.3) art. 312 do Código Penal (peculato);
(iii.4) art. 312 do Código Penal, por quatro vezes (peculato);
(iii.5) art. 333 do Código Penal (corrupção ativa);
(iv) condenação do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) como incurso nos
seguintes crimes:
(iv.1) art. 333 do Código Penal (corrupção ativa);
(iv.2) art. 312 do Código Penal (peculato);
(iv.3) art. 312 do Código Penal (peculato);
(iv.4) art. 312 do Código Penal, por quatro vezes (peculato);
(iv.5) art. 333 do Código Penal (corrupção ativa);
(v) condenação do 7º denunciado (Cristiano Paz) como incurso nos seguin‑
tes crimes:
(v.1) art. 333 do Código Penal (corrupção ativa);
(v.2) art. 312 do Código Penal (peculato);
(v.3) art. 312 do Código Penal (peculato);
(v.4) art. 312 do Código Penal, por quatro vezes (peculato);
(v.5) art. 333 do Código Penal (corrupção ativa);
(vi) absolvição do 16º denunciado (Luiz Gushiken), por inexistir prova de
ter o réu concorrido para a infração penal, na forma do art. 386, V, do Código de
Processo Penal.
R.T.J. — 225
903
Dosimetria
Adotando como razões de decidir os fundamentos expostos pelo ministro
relator, aplico aos condenados as seguintes penas:
(i) ao réu Marcos Valério,
(a) pelo crime de corrupção ativa (art. 333 do CP), descrito no item III.1
(b.1) da denúncia, fixo a pena em 4 anos e 1 mês de reclusão e 180 dias-multa, no
valor de 10 salários mínimos cada;
(b) pelo crime de peculato (art. 312 do CP), descrito no item III.1 (b.2) da
denúncia, fixo a pena em 4 anos e 8 meses de reclusão e 210 dias-multa, no valor
de 10 salários mínimos cada;
(c) pelo crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal) descrito no
item III.3 (c.1) da denúncia, fixo a pena em 4 anos e 8 meses de reclusão e 210
dias-multa, no valor de 10 salários mínimos cada;
(d) pelo crime de peculato (art. 312 do CP) descrito nos itens III.2 (b) e III.3
(c.2) da denúncia, fixo a pena em 5 anos, 7 meses e 6 dias de reclusão e 230 dias‑
-multa, no valor de 10 salários mínimos cada;
(ii) ao réu Ramon Hollerbach,
(a) pelo crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal) descrito no
item III.1 (b.1) da denúncia, fixo a pena definitiva em 2 anos e 6 meses de reclu‑
são e 100 dias-multa, no valor de 10 salários mínimos cada;
(b) pelo crime de peculato (art. 312 do Código Penal) descrito no item III.1
(b.2) da denúncia, fixo a pena definitiva em 3 anos de reclusão e 180 dias-multa,
no valor de 10 salários mínimos cada;
(c) pelo crime de corrupção ativa descrito no item III.3 (c.1) da denúncia,
fixo a pena definitiva em 2 anos, 8 meses de reclusão e 180 dias-multa, no valor
de 10 salários mínimos cada;
(d) pelo crime de peculato descrito nos itens III.2 (b) e III.3 (c.2) da denún‑
cia, fixo a pena definitiva em 3 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão e 190 dias‑
-multa, no valor de 10 salários mínimos cada;
(iii) ao réu Cristiano Paz,
(a) pelo crime de corrupção ativa (art. 333 do CP), descrito no item III.1
(b.1) da denúncia, fixo a pena em 2 anos e 6 meses de reclusão e 100 dias-multa,
no valor de 10 salários mínimos cada;
(b) pelo crime de peculato (art. 312 do CP), descrito no item III.1 (b.2) da
denúncia, fixo a pena em 3 anos de reclusão e 180 dias-multa, no valor de 10
salários mínimos cada;
904
R.T.J. — 225
(c) pelo crime de corrupção ativa, descrito no item III.3 (c.1) da denúncia,
fixo a pena em 2 anos e 8 meses de reclusão e 180 dias-multa, no valor de 10
salários mínimos cada;
(d) pelo crime de peculato (art. 312 do Código Penal), descrito nos itens
III.2 (b) e III.3 (c.2) da denúncia, fixo a pena em 3 anos, 10 meses e 20 dias de
reclusão e 190 dias-multa, no valor de 10 salários mínimos cada;
(iv) ao réu João Paulo Cunha,
(a) pelo crime de corrupção passiva descrito no item III.1 (a.1) da denúncia,
fixo a pena em 3 anos de reclusão e 50 dias-multa, nos termos do voto do minis‑
tro Cezar Peluso, fixando em 10 salários mínimos o valor de cada dia-multa, nos
termos do voto do relator;
(b) pelo crime de peculato descrito no item III.1 (a.3) da denúncia, relati‑
vamente à empresa SMP&B, fixo a pena em 4 anos e 8 meses de reclusão e 100
dias-multa, no valor de 10 salários mínimos cada;
(c) pelo crime de lavagem de dinheiro descrito no item III.1 (a.2) da denún‑
cia, fixo a pena de reclusão em 3 anos e 50 dias-multa, no valor de 10 salários
mínimos cada;
(v) ao réu Henrique Pizzolato,
(a) pelo crime de corrupção passiva, descrito no item III.3 (a.1) da denún‑
cia, fixo a pena em 3 anos, 9 meses de reclusão e 200 dias-multa, no valor de 10
salários mínimos cada;
(b) pelo crime de peculato (art. 312 do CP), descrito nos itens III.2 (a) e III.3
(a.3) da denúncia, fixo a pena em 5 anos e 10 meses de reclusão e 220 dias-multa,
no valor de 10 salários mínimos cada;
(c) lavagem de dinheiro, descrito no item III.3 (a.2) da denúncia, fixo a pena
em 3 anos e 9 meses de reclusão e 60 dias-multa, nos termos do voto do ministro
Cezar Peluso, fixando em 10 salários mínimos o valor de cada dia-multa, nos
termos do voto do relator.
É como voto.
VOTO
(Antecipação)
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, inicio cumprimentando o
árduo trabalho realizado pelo eminente relator e pelo eminente revisor e, tam‑
bém, a condução de Vossa Excelência. Também estendo meus cumprimentos às
partes, ao Ministério Público e aos advogados.
O meu voto está estruturado da seguinte maneira – eu vou resumir o meu voto,
como o fizeram os colegas que, na qualidade de vogais, já votaram. Narro os fatos
R.T.J. — 225
905
descritos na denúncia, a defesa apresentada inicialmente, as alegações finais do
Ministério Público e, por fim, o contraponto estabelecido nas alegações finais
da defesa respectiva. Em seguida, eu faço o meu juízo de valor.
Como muito do que está narrado nas alegações finais, na acusação e na
defesa já foi lido, relido e redito, vou procurar omitir a leitura desses trechos para
colaborar com o bom andamento dos trabalhos, mas estão colocados em meu voto.
Pois bem, essa é a metodologia por mim adotada, da qual fazem parte a
dialética e o meu juízo de valor.
VOTO
O sr. ministro Dias Toffoli:
III.1 Câmara dos Deputados
João Paulo Cunha – 15º acusado
O denunciado João Paulo Cunha responde aos delitos de lavagem de
dinheiro (art. 1º, V, VI e VII, da Lei 9.613/1998), corrupção passiva (art. 317 do
CP) e peculato (art. 312 do CP), por duas vezes.
A respeito do crime de lavagem de dinheiro, narra o Ministério Público Federal em suas alegações finais que João Paulo Cunha “optou por receber o dinheiro
em espécie porque não queria o registro, em sua conta corrente, de valor recebido
por meio de cheque emitido pela SMP&B Comunicação” (fl. 117, alegações finais).
Aduz, na sequência, que:
(...) se o dinheiro era do Partido dos Trabalhadores, não havia justificativa
para que a sua entrega ao acusado fosse feita por meio de cheque emitido pela
SMP&B que, sabe-se, era o operadora do grandioso esquema de desvio de recursos
e de lavagem de dinheiro objeto da presente ação penal. E mais, que a entrega do
dinheiro ao acusado fosse feita pelo mesmo método de que se valeu o Banco Rural
para proceder ao pagamento aos Parlamentares que aceitaram negociar o seu in‑
gresso à base de apoio do Governo mediante o recebimento de vantagem indevida.
259. O recebimento do dinheiro por interposta pessoa constitui ato tipificador
do crime de lavagem de dinheiro. Há inúmeras referências na literatura especiali‑
zada relatando o emprego de parentes como intermediários para a prática de crimes
dessa natureza. Conforme o Procurador da República Deltan Martinazzo Dallagnol:
O uso de familiares para movimentação e a fim de figurarem como pro‑
prietários nominais de bens, valores e empresas, merece destaque em separado
em razão de sua frequência, ainda que os familiares possam ser enquadrados
em outras categorias, como a dos laranjas e testas de ferro. Sob o ponto de vista
do criminoso, o uso de pessoa com vínculo familiar, de um lado, apresenta
certa desvantagem por haver maior probabilidade de ser foco da atenção, do
que outro terceiro (laranja, testa de ferro, fantasma ou ficto), em uma investiga‑
ção mais ampla ou profunda. De outro lado, é altamente tentador, pois não de‑
manda maior esforço – quase toda pessoa possui relação com pais, ou filhos, ou
irmãos, ou possui um companheiro(a) –, chama menos a atenção no momento
906
R.T.J. — 225
do uso, e apresenta segurança, decorrente do vínculo de confiança, tanto sob
o prisma econômico como de manutenção do segredo. (Lavagem de dinheiro:
prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, fl. 342.)
260. No caso, ainda deve ser considerado que a circunstância de Márcia Re‑
gina Milanésio Cunha ser jornalista era um elemento facilitador da lavagem, pois,
em caso de descoberta da operação, seria possível criar artificialmente uma causa
para o recebimento. Afinal de contas, seria uma agência de publicidade remune‑
rando uma jornalista. [Fls. 118/119, alegações finais.]
Em contrapartida, em suas alegações finais (fls. 4 a 53), a defesa ressalta,
inicialmente, que, em defesa preliminar, sustentou ser “integralmente atípica a
conduta de determinar, à sua própria esposa, que sacasse os R$ 50 mil reais assi‑
nando, inclusive, recibo” (fl. 4, alegações finais).
Em seguida, divide a defesa em tópicos, alegando que não é possível saber
qual foi o crime antecedente da lavagem de dinheiro: a própria corrupção passiva
ou os crimes da suposta quadrilha (fls. 8-9, alegações finais).
Inicia dizendo que, para se punir alguém por esse delito, “É necessário que ‘o
autor da lavagem de dinheiro’ tenha ‘consciência de que atua para ocultar ou dissi‑
mular dinheiro, bens ou valores e que sabe que a procedência desses está relacionada
com a comissão de crimes previstos na Lei de Lavagem brasileira’ (CALLEGARI,
André Luís. Lavagem de dinheiro, 1. ed., p. 157)” (fl. 10 das alegações finais).
Alega, na sequência, que, “quando João Paulo recebeu este dinheiro em 2003,
ao que sabia, não havia absolutamente nada de estranho ou errado que pudesse fazê‑
-lo desconfiar da origem do dinheiro que lhe foi destinado pelo seu partido político”
(fl. 10 das alegações finais). Menciona, em reforço, os interrogatórios prestados na
Corregedoria da Câmara dos Deputados e em juízo (fls. 10-11, alegações finais).
Aduz, igualmente, que o réu não foi sequer acusado de formação de qua‑
drilha, o que afasta a possibilidade de ele conhecer a origem ilícita do dinheiro
disponibilizado por Delúbio Soares e sacado na conta bancária da SMP&B (fl.
12 das alegações finais). Nesse sentido, destaca novamente os depoimentos de
Delúbio Soares (fl. 16628 dos autos), Nelson Roberto de Oliveira Guimarães (fls.
30161-30162 dos autos), Irineu Casemiro Pereira (fls. 29890-29894 dos autos) e
Gelso Lima (fls. 29898-29899 dos autos). Traz, ainda, ensinamentos doutrinários
de Raul Cervini, William Terra, Luiz Flávio Gomes e Fausto de Sanctis, entre
outros, sobre a matéria (fl. 20 das alegações finais).
Afirma, outrossim, que não ficou comprovado nos autos que o acusado “[tenha
determinado] à sua esposa que sacasse os 50 mil reais com o fim de ‘ocultar a ori‑
gem, natureza e o real destinatário do valor’ (fl. 5661)” (fl. 22 das alegações finais).
Nesse contexto, enfatiza, mais uma vez, os ensinamentos de Raul Cervini, para
quem existem três grandes fases na conduta de lavagem de dinheiro, quais sejam:
1) a primeira delas é a fase de “ocultação, onde o dinheiro obtido diretamente
com a atividade criminosa passa por sua primeira transformação, visando conseguir uma
menor visibilidade. A criminalidade organizada, principalmente o mercado de droga,
produzem grandes quantidades de dinheiro em espécie, um alto volume de pequenas
R.T.J. — 225
907
notas, além de objetos de valor. Assim, o criminoso necessita transformar esse conjunto
de capitais em correspondentes quantias mais manejáveis e menos visíveis (...)”;
2) Com a posse do dinheiro já manipulado, tem início a segunda fase: a “cobertura”
ou “fase de controle”. O objetivo principal do agente é distanciar ao máximo o dinheiro
de sua origem, apagando os vestígios de sua obtenção. Durante todo o tempo o dinheiro é
controlado, e para tanto entra em cena uma complexa rede de operações econômico‑
-financeiras, numa cascata de negócios jurídicos envolvendo pessoas e instituições. São
comuns múltiplas transferências de dinheiro, compensações financeiras, manipulação das
bolsas, remessas aos paraísos fiscais, superfaturação das exportações etc.
3) Finalmente, o dinheiro deve retornar ao normal circuito econômico: é cha‑
mada “fase da integração”. Nesse momento o agente converte o dinheiro “sujo” em
capital lícito, adquirindo propriedades e bens, pagando dívidas, constituindo empresas e
estabelecimentos lícitos, financiando atividades de terceiros, concedendo empréstimos,
além de inverter parte do capital na prática de novos delitos (In: Lei de Lavagem de Capitais, São Paulo, ed. RT, 1998, p. 321/1). [Fls. 25-26, alegações finais.]
Sustenta, então, a defesa que, “na linha do que define Cervini, não há pri‑
meira transformação alguma. Não há primeira, segunda, nem terceira fases.
Ademais, que ocultação se pretendia fazer mandando sua própria mulher –
lembre-se o João Paulo era nada menos do que o Presidente da Câmara dos
Deputados, figura notória e conhecida – no Banco Rural sacar dinheiro mediante
recibo e sua identificação! (sic)” (fl. 26 das alegações finais – Grifos do autor).
Ademais, não teria sido demonstrado o nexo econômico entre o produto do
crime antecedente e a quantia supostamente “lavada” (fl. 31 das alegações finais).
Aduz, para tanto, que:
(...) mesmo entendendo provados os crimes praticados pela “organização
criminosa”, para se chegar à certeza de materialidade da suposta lavagem praticada
pelo Acusado, seria necessária, igualmente, a comprovação de que o dinheiro ili‑
citamente auferido pela “quadrilha” formou o objeto material sobre o qual recaiu
a conduta descrita no tipo penal de lavagem de capitais. Ou seja, não é qualquer
dissimulação ou ocultação de valores que constitui a figura típica, mas tão somente
aquela que incidir sobre o bem ou valor que seja produto do crime antecedente.
O objeto material do delito de lavagem de capitais é justamente “bem, direito ou
valor” de origem criminosa que será objeto das ações típicas de “ocultação ou dissi‑
mulação” (art. 1º, Lei n. 9.613/98) e nisso não há discordância na doutrina. [Fl. 32 das
alegações finais.]
Acrescenta, adiante, que não seria possível punir a lavagem de dinheiro
já previamente lavado (fl. 37 das alegações finais). Quanto a esse aspecto, faz o
seguinte raciocínio:
O modus operandi da Lavagem de Dinheiro de todo o esquema, segundo a
denúncia, consistia em (fl. 5692):
– emissão de cheque de conta mantida no Banco Rural, oriundo da SMP&B
Comunicação Ltda., nominal à própria empresa e endossado pela SMP&B;
– preenchimento do “Formulário de Controle de Transações em Es‑
pécie”, com timbre do Banco Rural, informando sempre que o portador e o
908
R.T.J. — 225
beneficiário final dos recursos era a SMP&B Comunicação Ltda. e que tais
recursos destinaram-se ao pagamento de fornecedores;
– correio eletrônico (e-mail) enviado por funcionária da SMP&B ao
gerente do Banco Rural, informando os nomes das pessoas autorizadas a sa‑
car o dinheiro na “boca do caixa”, assim como o local do saque;
– fac-símile, enviado pela agência do Banco Rural de Belo Horizonte
à agência do Banco Rural de Brasília, autorizando o pagamento àquelas pes‑
soas indicadas pela funcionária da SMP&B no e-mail;
– saque na “boca do caixa” efetuado pela pessoa autorizada, contra recibo,
muitas vezes mediante uma rubrica em papel improvisado, e em outras situações
por meio do registro da pessoa que efetuou o saque no documento emitido pelo
Banco Rural, denominado “Automação de Retaguarda – Contabilidade”; e
– o Banco Rural, embora tivesse conhecimento dos verdadeiros sa‑
cadores/beneficiários dos recursos sacados na “boca do caixa”, registrou no
Sistema do Banco Central (Sisbacen – opção PCAF 500, que registra opera‑
ções e situações com indícios de crime de lavagem de dinheiro) que os saques
foram efetuados pela SMP&B Comunicação Ltda. e que se destinavam a
pagamento de fornecedores.
Seis, portanto, segundo a denúncia, eram as etapas de lavagem de dinheiro.
Ocorre que, adotando-se como verdadeiros os crimes supostamente praticados pela
organização criminosa, em cada uma dessas etapas ocorria algum crime previsto
no art. 9.613/98. Afinal, cada etapa visava ocultar a origem do dinheiro ilícito que
supostamente havia sido angariado.
Assim, ao se chegar nas “etapas finais do modus operandi do suposto es‑
quema de lavagem de dinheiro”, o dinheiro já havia sido previamente lavado! Desse
modo, ainda que acreditemos na versão acusatória, ad argumentandum, João Paulo
teria ocultado a origem de dinheiro proveniente de lavagem de capitais, e não de
“organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o sistema financeiro
nacional e contra a administração pública”.
Assim, se é certo que no art. 1º, da Lei n. 9.613/98, a lavagem de capitais não
integra o rol taxativo de crimes que podem ser considerados antecedentes de outra
lavagem de capitais, a conduta de João Paulo, como descrita na denúncia, é atípica,
razão pela qual requer-se (sic) sua absolvição, nos termos do art. 386, VI, do Código
de Processo Penal. [Fls. 37/39, alegações finais.]
Sustenta a defesa, ademais, que, se considerado o crime antecedente de
corrupção imputado ao réu João Paulo Cunha, poderia ele ser punido duas
vezes pelo mesmo fato, em verdadeiro bis in idem (fl. 69 das alegações finais):
“[i]sso porque a evolução patrimonial é a própria finalidade da corrupção. Não
fosse por isso, não seria pacífico na doutrina e jurisprudência que o recebimento
do dinheiro, em crimes de corrupção, configura mero exaurimento do crime:
‘destinação dada pelos acusados aos recursos recebidos seria, ao menos em tese,
mero exaurimento dos crimes anteriores, in casu, crimes de corrupção passiva
e lavagem de dinheiro’ (fl. 12081)” (fl. 41 das alegações finais). Cita doutrina e
jurisprudência nacional e estrangeira nesse sentido (fls. 42-49, alegações finais).
Afirma, por fim, que não seria exigível do suposto autor do crime ante‑
cedente “outra conduta senão a de tentar dar uma aparência lícita ao dinheiro
ilícito” (fls. 49 a 53, alegações finais).
R.T.J. — 225
909
Análise da imputação da prática do crime de lavagem de dinheiro (Lei
9.613/1998, art. 1º, V, VI e VII)
Destaco, de início, que as contas bancárias das empresas ligadas ao corréu
Marcos Valério eram guarnecidas, em grande parte, com recursos desviados
por meio de peculato ou de gestão fraudulenta.
Do conjunto probatório extrai-se que os réus Delúbio Soares e Marcos
Valério empregaram engenhoso esquema para repasse a partidos políticos de
valores obtidos ilicitamente.
Para tanto, a SMP&B, pertencente a Marcos Valério e seus sócios, emitia
cheques nominais a ela mesma, em seguida solicitava à agência do Banco Rural
em Belo Horizonte/MG que comunicasse à agência do Banco Rural situada em
Brasília/DF para que procedesse à entrega do dinheiro correspondente aos che‑
ques emitidos a um intermediário por ela indicado.
Em relação à primeira conduta imputada ao réu, penso não ser possível atri‑
buir-lhe a prática do crime de lavagem de capitais, previsto no art. 1º, V a VII, da
Lei 9.613/1998, pelo recebimento da quantia de R$ 50.000,00, por meio de saque
efetuado pela sua esposa; pois, de acordo com as provas orais e documentais acos‑
tadas aos autos, restou demonstrado que dita importância, na realidade, foi entre‑
gue ao réu por ordem de Delúbio Soares, visando custear pesquisas eleitorais na
região de Osasco/SP, sem que tenha alcançado a acusação derruir essa afirmação.
O fato de o recebimento haver-se empreendido por meio de interposta pes‑
soa, por si só, não é suficiente para caracterizar o delito em questão, uma vez
que todos os elementos constantes nos autos apontam no sentido de que aqueles
recursos foram, de fato, repassados ao réu para essa finalidade específica, sem
que tivesse ele conhecimento prévio de sua real origem, fato esse que somente
veio à tona por ocasião da revelação do esquema por meio das declarações públi‑
cas feitas por Roberto Jefferson, amplamente divulgadas pela imprensa. A esse
respeito, confira-se o que disse o acusado em seu interrogatório judicial:
Que solicitou para o Tesoureiro do PT, Sr. Delúbio Soares, recursos para fazer
quatro pesquisas na região de Osasco – São Paulo; Que solicitou cinquenta mil reais;
Que o Sr. Delúbio Soares disse ao réu que estava disponível na Agência do Banco
Rural em Brasília os cinquenta mil reais; Que não cogitaram de qualquer transfe‑
rência do valor, pois Delúbio Soares disse que o dinheiro estava disponível e quem
iria buscá-lo; Que não solicitou para transferir para sua conta porque os cinquenta
mil pertenciam ao PT; Que solicitou sua esposa Márcia Regina para ir buscar os cin‑
quenta mil, pois estava muito ocupado e isso ocorreu em setembro de 2003 (...); Que
não tinha conhecimento que os cinquenta mil recebidos por Marcia Regina vinha de
uma conta de Marcos Valério; Que não tinha conhecimento que Marcos Valério esti‑
vesse ajudando ao PT com recursos. [Fls. 14335/14336 do vol. 72.]
Nesse mesmo sentido foram as declarações do corréu Delúbio Soares (fls.
16591/16633 do vol. 77) e os depoimentos de Nelson Roberto de Oliveira Guimarães, representante legal da Datavale (fls. 30161/30163 do vol. 138); Irineu
Casemiro Pereira, assessor parlamentar, que afirmou haver solicitado aqueles
910
R.T.J. — 225
recursos diretamente ao réu (fls. 29890 a 29896 do vol. 136) e Gelso Lima, pes‑
soa encarregada de arrecadação da verba (fls. 29897/29905 do vol. 136).
Ademais, consta dos autos cópia das notas fiscais apresentadas pela
empresa Datavale comprovando a realização das pesquisas na região de Osasco/
SP em favor do candidato do Partido dos Trabalhadores.
Como destacado pela defesa em suas alegações finais, para a condenação
do réu pelo crime de branqueamento de capitais, “é necessário que ‘o autor da
lavagem de dinheiro’ tenha ‘consciência de que atua para ocultar ou dissimular
dinheiro, bens ou valores e que sabe que a procedência desses está relacionada
com a comissão de crimes previstos na Lei de Lavagem brasileira’ (CALLE‑
GARI, André Luís. Lavagem de dinheiro. 1. ed., p. 157)” (fl. 10).
O elemento subjetivo do crime de lavagem de dinheiro é o dolo, não
havendo, na legislação pátria, a figura culposa. Todas as condutas alternativas
previstas no tipo estão intrinsecamente ligadas à intencionalidade de se ocul‑
tar ou dissimular o patrimônio ilícito originário de crime antecedente. Mesmo
quando se trata de condutas paralelas de colaboração (não imputadas ao réu,
diga-se de passagem), é necessário, para configurar o tipo, haver prévia ciência
da origem ilícita dos bens, direitos ou valores.
Como anota Marco Antonio de Barros (Lavagens de capitais e obrigações
civis correlatas. 2. ed, São Paulo: RT, 2008. p. 59), “mister se torna reconhecer que
a consciência por parte do autor do fato, no sentido de que os bens procedam de um
delito anterior é um elemento normativo do tipo, pois, para que o sujeito o conheça,
necessita realizar previamente um processo de valoração. Por isso, só se configura
o crime de ‘lavagem’ quando o sujeito ocultar ou dissimular a natureza, origem,
localização, disposição, movimento ou propriedade de bens, direitos ou valores,
‘sabendo’ que estes são provenientes de ao menos um dos delitos primários”.
No mesmo sentido, as palavras de Marcia Monassi Mougenot Bonfim e
Edilson Mougenot Bonfim (Lavagem de dinheiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
2008. p. 52/53), quando lembram que “uma das questões mais polêmicas relacio‑
nadas ao tipo subjetivo dos crimes de lavagem de dinheiro é a que se refere ao
‘grau de conhecimento’ que o sujeito ativo da lavagem de dinheiro deve ter do
delito prévio (elemento normativo do tipo)”.
Sérgio Fernando Moro, em uma visão menos restritiva a respeito desse
tema, destaca:
Como a lei brasileira não exige explicitamente tal conhecimento específico,
e como há a tendência de divisão de tarefas entre o agente do crime antecedente
e o agente da lavagem, a melhor interpretação do artigo 1º da Lei n. 9.613/1998
é aquela no mesmo sentido do citado dispositivo na legislação norte-americana,
ou seja, o dolo, pelo menos direto, deve abranger o conhecimento de que os bens,
direitos ou valores envolvidos são provenientes de atividades criminosas, mas não
necessariamente o conhecimento específico de qual atividade criminosa ou de seus
elementos e circunstâncias. [Sobre o elemento subjetivo no crime de lavagem. In:
R.T.J. — 225
911
Lavagem de dinheiro. Comentários à lei pelos juízes das varas especializadas em
homenagem ao Ministro Gilson Dipp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.]
No caso específico, os depoimentos aqui convergem também no sentido de que
João Paulo Cunha, ao determinar que os recursos financeiros destinados ao paga‑
mento de pesquisa eleitoral fossem recebidos por sua esposa, sempre os teve como
repasse partidário feito pelo PT; jamais como proveniente de uma das infrações sub‑
sumíveis aos incisos V a VII do art. 1º da Lei 9.613/1998, razão pela qual não demons‑
trada, na espécie, a presença do elemento subjetivo do tipo – dolo –, a impossibilitar o
reconhecimento, no caso, do cometimento do crime de lavagem de dinheiro.
Note-se que, no caso, nenhuma prova foi produzida demonstrando que
tivesse o réu, ao determinar o saque dos R$ 50.000,00 por intermédio de sua
mulher (fl. 235 do Apenso 7), conhecimento de que o numerário viria da SMP&B,
e não do Partido dos Trabalhadores, a quem solicitara aqueles recursos em prol de
serviços de pesquisa em sua base partidária.
Nesse sentido:
Penal. Recebimento de dinheiro decorrente de crime de peculato. “Lavagem”
ou ocultação de valores (Lei 9.613/98, art. 1º, § 1º). Especial elemento subjetivo: propósito de ocultar ou dissimular a utilização. Ausência. Configuração de receptação
qualificada (CP, art. 180, § 6º). Emendatio libelli. Viabilidade. Denúncia procedente.
1. No crime de “lavagem” ou ocultação de valores de que trata o inciso II
do § 1º do art. 1º da Lei 9.613/98, as ações de adquirir, receber, guardar ou ter em
depósito constituem elementos nucleares do tipo, que, todavia, se compõe, ainda,
pelo elemento subjetivo consistente na peculiar finalidade do agente de, praticando
tais ações, atingir o propósito de ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos
ou valores provenientes de quaisquer dos crimes indicados na norma incriminadora.
Embora seja dispensável que o agente venha a atingir tais resultados, relacionados
à facilitação do aproveitamento (“utilização”) de produtos de crimes, é inerente ao
tipo que sua conduta esteja direcionada e apta a alcançá-los. Sem esse especial ele‑
mento subjetivo (relacionado à finalidade) descaracteriza-se o crime de ocultação,
assumindo a figura típica de receptação, prevista no art. 180 do CP.
2. No caso, não está presente e nem foi indicado na peça acusatória esse especial
elemento subjetivo (= propósito de ocultar ou dissimular a utilização de valores), razão
pela qual não se configura o crime de ocultação indicado na denúncia (inciso II do § 1º
do art. 1º da Lei 9.613/98). Todavia, foram descritos e devidamente comprovados os
elementos configuradores do crime de receptação (art. 180 do CP): (a) a existência do
crime anterior, (b) o elemento objetivo (o acusado recebeu dinheiro oriundo de crime),
(c) o elemento subjetivo (o acusado agiu com dolo, ou seja, tinha pleno conhecimento
da origem criminosa do dinheiro) e (d) o elemento subjetivo do injusto, representado
no fim de obter proveito ilícito para outrem. Presente, também, a qualificadora do § 6º
do art. 180 do CP, já que o dinheiro recebido pelo acusado é produto do crime de pecu‑
lato, praticado mediante a apropriação de verba de natureza pública. [STJ, AP 472/ES,
Corte Especial, rel. min. Teori Albino Zavascki, DJE de 8-9-2011.]
Nessa conformidade, não tendo sido devidamente comprovado pelo órgão
acusador que tivesse o acusado ciência da origem espúria dos recursos que lhe
912
R.T.J. — 225
foram repassados por Delúbio Soares, incumbência sua (CPP, art. 156), não há
como imputar-lhe o cometimento do crime de lavagem de dinheiro.
Com essas considerações, julgo improcedente a denúncia e absolvo o
réu pelo crime de lavagem de dinheiro, previsto no art. 1º, V a VII, da Lei
9.613/1998, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
A respeito do crime de corrupção passiva (art. 317 do CP), narra o Minis‑
tério Público Federal, em suas alegações finais, que o réu teria recebido a quantia
de R$ 50.000,00 “para beneficiar a empresa SMP&B Comunicação, de que eram
sócios Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz”, os quais respondem
pela prática do crime de corrupção ativa (fl. 111, alegações finais do MP).
Aduz, para tanto, que:
238. A aproximação entre João Paulo Cunha e Marcos Valério aconteceu no
final do primeiro turno das eleições de 2003, tendo sido apresentados pelo Depu‑
tado Federal Virgílio Guimarães, atendendo a pedido de Marcos Valério. Na época,
João Paulo Cunha era líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados.
239. Desde então passaram a manter intensos contatos que continuaram no
decorrer dos anos de 2003 e 2004. Conforme declarou o próprio João Paulo Cunha
(fls. 187/1877):
Que não pode precisar o número de vezes que se encontrou com o Sr. Marcos Valério durante a campanha em referência, contudo ressalta que esse número
não é superior a dez vezes, durante a campanha; Que a companha do declarante
iniciou-se em dezembro/2002, terminando em 15/fevereiro/2003, data em que
ocorreu a eleição para a presidência da Câmara; Que durante a campanha foram
confeccionados diversos materiais de propaganda política pela empresa DNA
Propaganda; Que durante o período em que o declarante exerceu o cargo de Pre‑
sidente da Câmara ocorreram encontros entre o declarante e o Sr. Marcos Valério;
Que não sabe precisar o número de encontros ocorridos com o Sr. Marcos
Valério; Que todos os encontros ocorreram nas dependências da Câmara dos De‑
putados e na residência oficial; Que ressalta ter se encontrado com o Sr. Marcos
Valério uma vez, no ano de 2003, em um hotel na cidade de São Paulo/SP, onde se
encontrava presente o Sr. Luis Costa Pinto e foram tratados assuntos referentes às
campanhas eleitorais municipais do ano de 2004; (...) Que não sabe precisar o nú‑
mero de encontros entre o declarante e o Sr. Marcos Valério no ano de 2004, con‑
tudo ressalta que foram em menor número que aqueles ocorridos no ano de 2003.
240. A ligação tornou-se tão estreita que Marcos Valério, em abril de 2003,
presenteou Silvana Paz Japiassu, secretária e pessoa de confiança de João Paulo
Cunha desde 1999, e sua filha, com passagens aéreas de ida e volta para o Rio de
Janeiro, além da hospedagem em hotel naquela cidade.
241. Em seu interrogatório, inquirido sobre o ponto, Marcos Valério afirmou
(fl. 16363):
diz que Silvana Japiassu, secretária de João Paulo Cunha, era amiga
pessoal do interrogando e, por esta razão, pagou à mesma e à sua filha uma
viagem para o Rio de Janeiro/RJ, utilizando-se de um crédito que tinha em
uma agência de turismo, da qual não recorda o nome.
242. O presente foi confirmado por Silvana Paz Japiassu às fls. 6009/6010:
R.T.J. — 225
913
Que conheceu Marcos Valério Fernandes de Souza, por telefone, na
época da campanha para Presidência da Câmara dos Deputados; Que conheceu
Marcos Valério pessoalmente no gabinete da presidência da Câmara dos Depu‑
tados, após fevereiro de 2003, não sabendo precisar a data; Que após essa opor‑
tunidade encontrou-se algumas vezes com Marcos Valério nas ocasiões em que
este visitava a Câmara dos Deputados; Que os poucos encontros que manteve
com Marcos Valério ocorreram no ano de 2003; Que recebeu de Marcos Valério, como presente de seu aniversário e de sua filha, duas passagens aéreas
no trecho Brasília/Rio de Janeiro/Brasília e hospedagem em hotel que não se
recorda; Que apesar de não manter qualquer relacionamento de amizade com
Marcos Valério, foi surpreendida com este presente após ter comentado com
o publicitário, em uma visita deste ao Congresso, que estava procurando uma
opção de passeio para comemorar seu aniversário e de sua filha; Que, inclusive,
tentou devolver o presente, pois não esperava receber tal agrado; (...) Que após
a divulgação na mídia do escândalo denominado “Mensalão”, a declarante fez
uma doação para o programa “Fome Zero” no valor correspondente ao presente
que recebera de Marcos Valério Fernandes de Souza.
243. Encerradas as eleições e reeleito para mais um mandato de Deputado
Federal, João Paulo Cunha candidatou-se ao cargo de Presidente da Câmara dos
Deputados para o biênio 2003 e 2004, tendo contratado a DNA Propaganda para
comandar a sua vitoriosa campanha:
Que no início do ano de 2003 Marcos Valério passou a coordenar, atra‑
vés de sua empresa, a campanha da candidatura do Deputado Federal João
Paulo Cunha para a Presidência da Câmara dos Deputados. (Depoimento do
réu Delúbio Soares, fls. 245/250).
Que posteriormente a dezembro de 2002, o Diretório Nacional do Par‑
tido dos Trabalhadores, contratou o Sr. Marcos Valério para fazer a campanha
do réu para Presidente da Câmara dos Deputados. (Interrogatório do réu João
Paulo Cunha, fl. 14334).
244. Na condição de único candidato, a sua eleição para o cargo aconteceu
em fevereiro de 2003.
245. Em maio de 2003, quando o acusado já estava no exercício do cargo de
Presidente da Câmara dos Deputados, teve início a fase interna do procedimento
licitatório para a contratação da agência que faria a publicidade da Câmara dos De‑
putados, tendo sido o edital (concorrência n. 11/03) publicado em 16 de setembro
de 2003. [Fls. 111 a 115, alegações finais finas do MP.]
Afirma, ainda, que, “em razão do plexo de atribuições do Presidente da
Câmara dos Deputados, que envolvia decisões e prática de atos administrativos
concernentes à concorrência n. 11/03 e a execução do Contrato n. 2003/2004,
dele decorrente, Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach ofereceram
e, posteriormente, pagaram R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a João Paulo
Cunha” (fl. 115, alegações finais do Ministério Público).
Destaca, então, a acusação que:
248. João Paulo Cunha concordou com a oferta, e, ciente da sua origem ilí‑
cita, valeu-se da estrutura de lavagem de dinheiro disponibilizada pelo Banco Ru‑
ral para receber o valor. Maria Regina Milanésio Cunha, sua esposa, compareceu
914
R.T.J. — 225
à agência do Banco Rural no Shopping Brasília e recebeu a quantia em espécie.
A prova documental está à fl. 235 do Apenso 7.
249. Márcia Regina Milanésio Cunha admitiu o recebimento do dinheiro
(fls. 978/979):
Que confirma ter realizado em 4 de setembro de 2003 um saque no
valor de R$ 50 mil junto à Agência do Banco Rural em Brasília; (...) Que
realizou o saque junto à Agência do Banco Rural em Brasília a pedido de seu
esposo, João Paulo Cunha; (...) Que após ter realizado o saque, o numerário
foi entregue diretamente a seu esposo em sua residência.
250. O próprio João Paulo Cunha admitiu que sua esposa recebeu cinquenta
mil reais em seu nome. Contudo, negou que o valor representasse vantagem inde‑
vida paga por Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz.
251. Num primeiro momento, argumentou que a sua mulher teria ido ao Banco
Rural pagar uma fatura de TV por assinatura. Leia-se, quanto ao ponto, o que constou
do Relatório Final do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados (fl. 10694):
Declarações do Representado à CPMI dos Correios: dois documentos,
duas versões.
Embora soubesse do saque desde quando ele ocorreu, tanto que orien‑
tou sua esposa a ir ao Banco Rural para fazer dita operação, o Representado,
logo após a instauração da CPMI dos Correios, encaminhou àquele órgão de
investigação documento no qual declarava que sua esposa havia comparecido
ao Banco Rural para tratar de problemas relativos a faturas de TV por assina‑
tura, nada informando a respeito do saque.
Ocorre que, dias depois, quando da divulgação da lista de sacadores
nas contas da empresa do Sr. Marcos Valério, o Representado apresentou
um segundo documento à CPMI dos Correios, contradizendo o primeiro que
apresentara. Neste segundo documento, o Deputado João Paulo assumiu o
saque de R$ 50 mil realizado por sua esposa no Banco Rural.
252. Depois, admitindo ter recebido os R$ 50.000,00, apresentou a versão
de que solicitou cinquenta mil reais a Delúbio Soares para custear quatro pesquisas
pré-eleitorais em Osasco/SP, sua base eleitoral (fl. 14335):
Que solicitou para o Tesoureiro do PT, Sr. Delúbio Soares, recursos
para fazer quatro pesquisas na região de Osasco – São Paulo; Que solicitou
cinquenta mil reais; Que o Sr. Delúbio Soares disse ao réu que estava dispo‑
nível na Agência do Banco Rural em Brasília os cinquenta mil reais.
253. Essa versão, entretanto, não encontra ressonância na prova que instrui a
presente ação penal.
254. Mesmo que se aceitasse como verdadeira a versão, causa perplexidade
o fato de o acusado não ter solicitado a Delúbio Soares que enviasse o dinheiro por
intermédio de uma corriqueira transferência bancária: operação simples, rápida e
segura. Ainda mais tendo-se presente que a manipulação de grandes somas de di‑
nheiro em espécie constitui indício grave de ilicitude.
255. Se o dinheiro era lícito e pertencia ao Partido dos Trabalhadores, como
afirmou o acusado, nada mais lógico que lhe fosse transferido por intermédio do
sistema bancário. Por isso, é inaceitável o seu argumento:
Que não cogitaram de qualquer transferência de valor, pois Delúbio
Soares disse que o dinheiro estava disponível e quem iria buscá-lo; Que não
solicitou para transferir para sua conta corrente porque os cinquenta mil per‑
tenciam ao PT (fl. 14335).
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257. Na verdade, o acusado optou por receber o dinheiro em espécie porque
não queria o registro, em sua conta corrente, de valor recebido por meio de cheque
emitido pela SMP&B Comunicação. O recebido assinado por Márcia Regina Mi‑
lanésio Cunha (fl. 325 do Apenso 7) confirma que o valor foi dado pela empresa de
Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz:
Assunto: Saque
Autorizamos a Sra. Marcia Regina Cunha a receber a quantia de
R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), ref. ao cheque SMP&B Propaganda Ltda.
que se encontra em nosso poder.
258. Ademais, se o dinheiro era do Partido dos Trabalhadores, não havia jus‑
tificativa para que a sua entrega ao acusado fosse feita por meio de cheque emitido
pela SMP&B que, sabe-se, era a operadora do grandioso esquema de desvio de re‑
cursos e de lavagem de dinheiro objeto da presente ação penal. E mais, que a entrega
do dinheiro ao acusado fosse feita pelo mesmo método de que se valeu o Banco
Rural para proceder ao pagamento aos Parlamentares que aceitaram negociar o seu
ingresso à base de apoio do Governo mediante o recebimento de vantagem indevida.
259. O recebimento do dinheiro por interposta pessoa constitui ato tipificador
do crime de lavagem de dinheiro. Há inúmeras referências na literatura especiali‑
zada relatando o emprego de parentes como intermediários para a prática de crimes
dessa natureza. (...)
(...)
261. É irrelevante a alegação do acusado de que o valor foi aplicado no paga‑
mento de pesquisas eleitorais em Osasco/SP. Não constitui elementar do crime de
corrupção passiva o eventual destino que o agente dê ao valor recebido. O acusado
podia até ter doado os R$ 50.000,00 a uma instituição de caridade, ou ao programa
“Fome Zero”, como fez com a caneta Montblanc que recebeu de Marcos Valério,
em junho de 2003, como presente de aniversário.
262. Nesse sentido, já decidiu essa Corte no julgamento da Ação Penal n. 307/DF
(...). [Fls. 115 a 119, alegações finais.]
Em abono argumentativo, ressalta o Ministério Público a desnecessidade
de comprovação da efetiva prática do ato de ofício, consignando que esta Corte,
no julgamento da AP 307/DF, entendeu que “não é requisito típico do crime de
corrupção passiva que o ato de ofício chegue a ser praticado. Basta, para tanto, a
mera perspectiva de sua realização” (fl. 120, alegações finais).
Nesse ponto, assevera que:
(...) João Paulo Cunha, como presidente da Câmara dos Deputados, tinha o
domínio do processo de licitação, do contrato a ser assinado com a empresa que
vencesse o certame e dos atos de sua execução.
Cabia-lhe, por exemplo, nomear a comissão de licitação, fato confirmado em
seu interrogatório:
Que a Câmara dos Deputados tem permanentemente uma Comissão de
licitação; Que para a licitação mencionada, foi criada uma Comissão Especial
de Licitação; Que foi criada a Comissão Especial porque tem uma previsão
no Ato da Mesa n. 80, de 7 de junho de 2001, como também no Decreto
n. 57.690, de 1º de fevereiro de 1966 e na Lei 4.680, de 18 de junho de 1965,
que tratam da função de publicitários e do exercício de sua profissão; Que foi
916
R.T.J. — 225
o réu, como Presidente da Câmara, que assinou o ato de nomeação da Comis‑
são Especial mencionada.
274. Do mesmo modo, podia alterar a composição da comissão de licitação,
total ou parcialmente”, bem como “revogar a licitação, por conveniência adminis‑
trativa, desde que julgasse necessário”. [Fls. 122/123, alegações finais.]
Daí por que “o argumento de que a denúncia não teria indicado ato admi‑
nistrativo específico apontado como ilegal (infringindo dever funcional), prati‑
cado por João Paulo Cunha, não tem qualquer influência na caracterização do
delito de corrupção passiva” (fl. 123, alegações finais).
Por fim, afirma que o acusado, “apesar de várias tentativas, não conseguiu
justificar com argumentos minimamente aceitáveis, porque no exercício do cargo
de presidente da Câmara dos Deputados, recebeu R$ 50.000,00 (...) da empresa
que logo depois sagrou-se vencedora de licitação milionária realizada pela Casa
Legislativa que administrava” (fl. 125, alegações finais).
Em contrapartida, a respeito do delito de corrupção passiva, aduz a defesa
em suas alegações finais (fls. 53 a 94), em síntese, não haver provas suficientes
para a condenação do réu, afirmando que o Ministério Público Federal tentava,
na verdade, inverter o ônus probatório, como se a defesa fosse obrigada a com‑
provar que os fatos imputados ao réu não aconteceram.
Afirma, em seguida, que não teria sido apontado o ato de ofício suposta‑
mente praticado pelo réu e que não teria sido demonstrada a ligação “entre o
saque da quantia de R$ 50 mil pela mulher do ora Acusado e o processo licitató‑
rio da empresa prestadora de serviços de publicidade e comunicação da Câmara
dos Deputados” (fl. 68 das alegações finais).
Destaca, em reforço, que “não teria como João Paulo ter tido ‘domínio de
todo o processo licitatório’ – para se lançar mão da equivocada expressão do órgão
ministerial (fl. 122, alegações finais) –, uma vez que tal poder não era inerente ao
seu cargo” (fl. 72 das alegações finais – Grifos do autor). Aduz, para tanto, que:
(...) embora omitido da denúncia, havia uma Comissão Especial de Licitação
destinada apenas à contratação de serviço de publicidade e propaganda (cf. doc.
juntado com a defesa preliminar).
Aliás, a legalidade de tal procedimento é ressaltada no ofício encaminhado
pelo Diretor-Geral da Câmara dos Deputados, Sr. Sérgio Sampaio Contreiras de
Almeida, expedido em 29-11-2005 ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, no
qual esclarece:
Indaga-se, primeiramente, uma vez que a Câmara dos Deputados dispõe
de uma Comissão Permanente de Licitação, da necessidade de se compor uma
comissão especial de licitação destinada apenas à contratação de serviços de
publicidade e propaganda. Quanto a este aspecto da questão, de plano há que
se ressaltar a existência de norma legal expressa na Lei de Licitações, que au‑
toriza tal procedimento administrativo (art. 6º, XVI e art. 51, caput), que, nas
condições particulares do que a Administração pretendia, mostrava-se como o
caminho mais natural e eficiente (cf. doc. juntado na defesa preliminar).
R.T.J. — 225
917
Para a contratação daqueles serviços, a avaliação das propostas era de caráter
eminentemente técnico e intelectual, necessitando, portanto, que fosse executada por
pessoas com capacitação específica e elevado nível de conhecimento sobre a matéria.
Daí a nomeação de cinco servidores com formação e currículo funcionais que
os apontavam como os mais habilitados no universo da Câmara, para, formando a re‑
ferida Comissão, emitir avaliação técnica das propostas de modo a selecionar aquela
que melhor atendesse às expectativas da Casa e ao interesse público específico no
ajuste pretendido. Ainda conforme o interrogatório judicial do Acusado foi esclare‑
cido que “para esse tipo de licitação demandava pessoas especializadas em ‘tema de
comunicação’; que a própria Lei de Licitações prevê a criação de Comissão Especial
para contratação da espécie; que a Comissão era composta de cinco funcionários do
quadro da Câmara dos Deputados; (...) que os cinco membros declararam que não
houve qualquer pressão por parte do réu (fls. 14334/5)”. [Fls. 72/73, alegações finais.]
Em reforço argumentativo, menciona os depoimentos das testemunhas Marcos Magro Nardon e Márcio Marques de Araújo (fls. 42347 a 42351 e 42280 a
42299 do vol. 198, respectivamente), que afastaram qualquer tipo de ingerência do
presidente da Câmara na referida comissão de licitação (fl. 74 das alegações finais).
Argumenta, na sequência, “que a SMP&B não venceu o certame sem méri‑
tos e a lisura do procedimento não foi colocada em xeque em momento algum,
nem mesmo pelas empresas derrotadas” (fl. 77 das alegações finais).
Lembra, ainda, que não foi o acusado, “na condição de presidente da Casa, que
determinou a realização de procedimento licitatório para a contratação de empresa de
publicidade para a Câmara dos Deputados, o que afasta qualquer ‘influência’ de sua
parte no futuro resultado do certame, [bem como] foi o então 1º Secretário da Câmara,
o deputado Geddel Vieira Lima, quem chancelou o ofício enviado pelo Secretário de
Comunicação da Câmara, datado do mês de maio de 2003 – ou seja, mais de 4 (qua‑
tro) meses antes do procedimento –, autorizando a abertura do processo de licitação
(fl. 432 do Apenso 84 – Ofício 197/2003)” (fls. 77/78, alegações finais).
Quanto ao recebimento do dinheiro por meio da sua esposa, esclareceu o
acusado que o repasse foi decorrente de um pedido feito ao corréu Delúbio Soares para custear pesquisas pré-eleitorais na região de Osasco/SP. Nesse aspecto,
ressalta a defesa a observação de João Paulo em seu interrogatório judicial, no
sentido de que, até por uma questão de lógica, “se a visita do Sr. Marcos Valério
na residência oficial da Presidência, conforme mencionado, tivesse qualquer rela‑
ção com o recebimento dos cinquenta mil, o próprio Marcos Valério teria levado
os valores em mãos” (fl. 14336).
Transcreve, ainda, excerto do depoimento de Marcos Valério:
Diz que quanto à imputação de corrupção ativa quanto ao parlamentar João
Paulo Cunha diz que os fatos não são verdadeiros, não tendo oferecido e nem pago
qualquer valor ao mesmo, a título de beneficiamento da SMP&B e licitação no âmbito
do Congresso Nacional; diz que recebeu um telefonema de Delúbio Soares solicitando
que repassasse R$ 50.000,00 para o PT de Osasco, pois estavam sendo feitas pesquisas
eleitorais na região visando à eleição municipal e a pessoa que iria buscar esses recur‑
sos no Banco seria a mando de João Paulo Cunha, deputado pela região de Osasco;
918
R.T.J. — 225
diz que essa pessoa, de nome Márcia Regina, se identificou e assinou recibo; diz que o
trabalho foi bem feito, conseguindo o PT a prefeitura de Osasco. [Fl. 16362.]
A defesa menciona, também, excerto do interrogatório do réu à fl. 14335 dos
autos, onde constam as seguintes afirmativas: “que solicitou para o Tesoureiro
do PT, Sr. Delúbio Soares, recursos para fazer quatro pesquisas na região de
Osasco – São Paulo; que solicitou cinquenta mil reais; que o Sr. Delúbio Soares disse
ao réu que estavam disponíveis na Agência do Banco Rural em Brasília os cinquenta
mil reais; que não cogitaram de qualquer transferência do valor, pois Delúbio Soares
disse que o dinheiro estava disponível e quem iria buscá-lo; que não solicitou para
transferir para sua conta porque os cinquenta mil pertenciam ao PT; que solicitou sua
esposa Márcia Regina para ir buscar os cinquenta mil, pois estava muito ocupado e
isso ocorreu em setembro de 2003; (...) que a Sra. Márcia Regina entregou ao réu os
cinquenta mil em um envelope; que os valores recebidos passou (sic) para um funcio‑
nário que trabalhava com o réu de nome Celso Aparecido, que fez os pagamentos em
espécie; que as pesquisas foram realizadas em Osasco, Carapicuíba e Jandira: que a
pesquisa foi realizada pelo Instituto Datavale; que dispõe dos recibos que compro‑
vam o pagamento realizado” (fl. 81 das alegações finais – grifos do autor).
Mais adiante, argumenta que “as pesquisas eleitorais realizadas pela
empresa Datavale e as notas fiscais que comprovam o pagamento dos serviços constituem prova documental robusta que dá lastro às afirmações do
Acusado, tudo a comprovar a efetiva utilização da quantia sacada para tal finali‑
dade (doc. 2 – documentos inicialmente juntados na defesa de João Paulo Cunha
perante o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados)”
(fl. 81 das alegações finais – grifos do autor).
Enfatiza a defesa que foram no mesmo sentido os depoimentos de Delúbio Soares (fl. 16591-16633, vol. 77), Nelson Roberto de Oliveira Guimarães,
proprietário do instituto de pesquisa Datavale (fls. 30161-30163, vol. 138), Irineu Casemiro Pereira, assessor parlamentar (fls. 29890-29896, vol. 136), Gelso
Lima, assessor parlamentar (fls. 29897-29905, vol. 136), todos confirmando a
realização das pesquisas pré-eleitorais na região de Osasco/SP.
Aduz, adicionalmente, que:
Soubesse o acusado de que o dinheiro tivesse origem ilícita, não o teria acei‑
tado. Mas, para argumentar, se tivesse aceitado, não mandaria sua própria mulher
apanhá-lo no Banco e, mais que isso, identificando-se e, mais que isso, assinando
recibo do saque. Chega a ser ignominioso acreditar na versão acusatória.
Por isso, a situação do ora acusado João Paulo é bem distinta da de outros
parlamentares, corréus nesta ação penal, acusados de também terem sacado recur‑
sos em espécie da conta corrente da SMP&B da agência do Banco Rural no Brasília
Shopping. [Fl. 89 das alegações finais.]
E prossegue:
Como o Acusado tinha plena ciência da estrutura delituosa? Se tivesse e
fizesse parte dela como sugere covardemente a versão acusatória ao dizer que
R.T.J. — 225
919
ocupava função estratégica dentro das pretensões do grupo, certamente, o ilustre
Procurador-Geral da República, insista-se, não o teria deixado de fora na parte
da denúncia que trata da quadrilha.
Isto sem dizer que foi o próprio Acusado, tão logo eclodiram os fatos envolvendo
a empresa do Sr. Marcos Valério, quem solicitou ao Tribunal de Contas da União a
realização de uma auditoria no referido certame, até hoje não finalizada (cf. doc. jun‑
tado com a resposta à acusação). À fl. 555 dos autos do Apenso 84, há solicitação de
auditoria, da lavra do acusado João Paulo Cunha, ao Tribunal de Contas da União,
para que realizasse auditoria no processo licitatório no qual se sagrou vencedora a em‑
presa SMP&B, bem como na execução do referido contrato. Deste modo, evidente que
o então Presidente da Câmara não foi corrompido, afinal, quem é corrompido para dar
“tratamento privilegiado no procedimento licitatório” não requer uma auditoria para
investigar o mesmo procedimento. [Fl. 91 das alegações finais – Grifos do autor.]
Materialidade do delito:
Exame da imputação da prática do crime de corrupção passiva (CP, art. 317)
O saque efetivado por Márcia Regina M. Cunha, esposa do réu, se encon‑
tra devidamente comprovado nos autos, vide cópia de um fac-símile enviado
pela agência do Banco Rural em Belo Horizonte/MG à agência de Brasília
autorizando essa pessoa a receber a quantia de R$ 50.000,00, mediante simples
aposição de sua assinatura naquele documento, que fazia referência a um cheque
da SMP&B de idêntico valor, que se encontrava em poder da agência mineira.
Confira-se o teor daquele documento:
Assunto: Saque
Autorizamos a Sra. Marcia Regina Cunha a receber a quantia de R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais), ref. ao cheque SMP&B Propaganda Ltda. que se encontra em
nosso poder. [Fl. 235 do Apenso 7.]
Penso, contudo, que não está demonstrada de forma suficiente para ense‑
jar a imposição de édito condenatório contra o réu a afirmação do Ministério
Público Federal de que essa quantia teria sido recebida pelo acusado para que
favorecesse a empresa SMP&B em futuro procedimento licitatório da Câmara
dos Deputados (Edital de Concorrência 11/2003), o qual visava à contratação de
serviços de empresa de publicidade.
Destaque-se que a prova documental apresentada nos autos não enseja a
conclusão de que tenha havido irregularidades na aludida concorrência.
Os depoimentos dos integrantes da Comissão Especial de Licitação,
Ronaldo Gomes de Souza (fls. 42414/42422 do vol. 198), Marcos Magro Nardon
(fls. 42347/42351 do vol. 198) e Márcio Marques de Araújo (fls. 42280/42299
do vol. 198) são uníssonos em afirmar a lisura e a regularidade daquele certame,
assim como negaram eles qualquer ingerência por parte do acusado na escolha
da proposta vencedora.
920
R.T.J. — 225
Veja-se que essa comissão especial de licitação, instituída para a Concorrên‑
cia 11/2003, era composta por servidores concursados da Casa, sem qualquer indí‑
cio de que tenha havido interferência por parte do réu, então presidente da Câmara
dos Deputados, ou do seu diretor-geral, na escolha ou indicação de seus integrantes.
Ressalto, por último, que, diante das suspeitas veiculadas por ocasião das
denúncias contra o réu, partiu dele próprio a iniciativa de, por meio do Ofício
OFJP/DF 389/2005 (fl. 555 do vol. 2 do Apenso 84), requerer ao então presidente
da Câmara dos Deputados que encaminhasse ao Tribunal de Contas da União
uma solicitação para abertura de auditoria no processo licitatório e na execução
do referido contrato de publicidade firmado com a SMP&B, tendo aquela Corte
de Contas concluído pela regularidade de ambos os procedimentos.
É igualmente veraz que o Ministério Público Federal destacou, em abono
de sua tese, o fato de haver o acusado afirmado, perante a Comissão de Ética da
Câmara, que a sua mulher esteve na aludida agência bancária visando resolver pro‑
blemas relativos a uma fatura, e, somente depois da divulgação da lista de sacadores
apresentada pelo corréu Marcos Valério, haver admitido a realização do saque no
valor de R$ 50.000,00, afirmando que dita importância teria sido remetida a mando
de Delúbio Soares, para pagamento de pesquisas pré-eleitorais em Osasco/SP.
Esse comportamento, todavia, não é suficiente para uma condenação,
máxime quando as demais provas produzidas no curso da instrução foram no
sentido de ratificar essa última versão, não tendo o órgão acusatório comprovado
a falsidade dessas alegações.
Em contraposição à tese de acusação, a abonar a versão da defesa, há as
declarações de Delúbio Soares (fls. 16591 a 16633 do vol. 77) e os depoimentos de
Irineu Casemiro Pereira, assessor parlamentar responsável pela solicitação dos
recursos necessários à realização de serviços de pesquisa pré-eleitoral diretamente
ao réu (fls. 29890/29896 do vol. 136), Gelso Aparecido de Lima, pessoa que rece‑
beu os recursos do acusado e providenciou o pagamento dos serviços de pesquisa
(fls. 29897/29905 do vol. 136) e de Nelson Roberto de Oliveira Guimarães, res‑
ponsável legal pela Datavale Pesquisas e Comunicações e Sistemas S/C Ltda., que
confirmou haver realizado as pesquisas em favor do Partido dos Trabalhadores nos
Municípios de Carapicuíba, Jandira, Osasco e Cotia (fls. 30161 a 30163 do vol. 138).
Além disso, há prova documental consubstanciada em notas fiscais, cuja
inidoneidade não se comprovou, atestando a realização dos serviços de pesquisas
em favor do réu em Osasco/SP, ainda que esses documentos estejam datados de
10-9-2003, 30-9-2003 e 19-12-2003, com numeração sequencial (151, 152 e 153,
respectivamente – fl. 10699), e o recolhimento dos tributos incidentes sobre os
serviços prestados (ISS) somente tenha ocorrido dois anos depois das suas emis‑
sões, em virtude da divulgação dos fatos na imprensa.
Apesar de esses fatos indicarem a ocorrência de sonegação fiscal, elidida
posteriormente pelo pagamento dos tributos e seus acréscimos, eles, por si sós,
não são capazes de comprovar a inidoneidade das notas e demonstrar que a pres‑
tação dos serviços por elas atestados efetivamente não ocorreu.
R.T.J. — 225
921
Com essas considerações, julgo igualmente improcedente a ação e absolvo
João Paulo Cunha pelo crime de corrupção passiva (art. 317 do CP), nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
Em relação ao delito de peculato (CP, art. 312), narra o Parquet que teria
ele desviado em proveito próprio “o valor de R$ 252.000,00 (duzentos e cin‑
quenta e dois mil reais), que pertenciam à Câmara dos Deputados. O crime
consumou-se na execução do Contrato n. 2004/204.0, firmado com a SMP&B
Comunicação” (fl. 125, alegações finais).
Aduz, para tanto, que:
287. Iniciada a execução do contrato, João Paulo Cunha, valendo-se de per‑
missão contratual, autorizou a subcontratação da empresa IFT – Ideias, Fatos e
Texto, de propriedade do jornalista Luiz Carlos Pinto pela SMP&B Comunicação,
para prestar serviços de assessoria de comunicação.
288. Comprovou-se, no entanto, que a subcontratação da IFT pela SMP&B
teve justificativa meramente formal, sendo a verdadeira finalidade permitir que
Luiz Carlos Pinto continuasse assessorando João Paulo Cunha, como vinha fazendo
desde janeiro de 2003.
289. João Paulo Cunha conheceu Luiz Costa Pinto em janeiro de 2003,
quando teve início a sua campanha para a presidência da Câmara dos Deputados.
Nesse sentido, os depoimentos de Luiz Costa Pinto e João Paulo Cunha:
Que foi contratado por João Paulo Cunha para fazer a campanha para
Presidente da Câmara dos Deputados; (...) Que a bem da verdade o declarante
apenas traçou estratégia de marketing e coordenou a campanha que foi im‑
plementada pela empresa DNA Propaganda (depoimento de fls. 6005/6006,
confirmado às fls. 42317 a 42346).
Conheci o deputado João Paulo Cunha nos primeiros dias de
janeiro de 2003, não me lembro se no dia 4 ou 5 de janeiro. Fui cha‑
mado – eu estava no Rio de Janeiro, de férias – para conversar com ele e
fazer uma proposta de campanha. Ele era o líder do PT, na época, e seria
candidato à presidência da Câmara; foi nesse momento que eu o conheci
pessoalmente; nós sentamos, conversamos, e eu fiz a proposta do que eu
imaginava que deveria ser aquela campanha (depoimento de fl. 42319).
290. Encerrada a eleição e tendo João Paulo Cunha assumido a presidência
da Câmara, a empresa então contratada para fazer a publicidade da Casa, Denison
Brasil Publicidade, imediatamente providenciou a subcontratação da IFT– Ideias,
Fatos e Texto Ltda., que continuou prestando serviços ao acusado. O Laudo Pericial
n. 2.947/2009-INC, registrou o fato (fls. 34921/34959):
12) A empresa IFT – Ideias, Fatos e Texto Ltda. já prestava serviços
à Câmara dos Deputados, como subcontratada de contrato de publicidade
e propaganda, em período anterior ao contrato entre a Câmara dos Depu‑
tados e a SMP&B (n. 2003/2004, de 31-12-2003)? Em caso afirmativo,
qual era a agência de publicidade e propaganda contratada pela Câmara
dos Deputados no período anterior? Quais os serviços que a IFT prestava
no período anterior?
47. Sim. A SMP&B atuou como subcontratada da empresa Denison Brasil
Publicidade Ltda., para a prestação de serviços de consultoria de comunicação.
922
R.T.J. — 225
291. Com o término do contrato da Câmara com a empresa Denison Brasil
Publicidade em dezembro de 2003, logo no início do ano seguinte, em janeiro de
2004, a SMP&B Comunicação, que assumiu o serviço, subcontratou a IFT. Com
o vencimento do prazo da primeira subcontratação, em junho de 2004, a IFT ven‑
cendo nova disputa, voltou a ser subcontratada.
292. Nas duas ocasiões, a subcontratação da empresa IFT foi autorizada por
João Paulo Cunha, no exercício do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados:
Isto posto, e tendo em vista ter sido esta a melhor das três propostas
apresentadas, autorizo a contratação da empresa IFT Consultoria em Comu‑
nicação & Estratégias para a prestação de serviço de consultoria em comuni‑
cação, pelo período de 6 (seis) meses, no valor total de R$ 126.000,00 (cento
e vinte e seis mil reais), devendo o pagamento ser feito pela empresa SMP&B
Comunicação Ltda., nos termos do Contrato n. 2003/2004.
293. A análise do processo revelou, no entanto, que o procedimento foi realizado apenas pro forma, com o objetivo de conferir aparência de legalidade à
contratação de Luiz Costa Pinto. Além de outras irregularidades, apurou-se que as
duas outras concorrentes no processo seletivo sequer assinaram as propostas, o que
constitui indício grave de fraude. Nesse sentido, o Laudo de n. 1.947/2009-INC:
14. Além disso, as propostas apresentadas pelas supostas empresas con‑
correntes à IFT não possuem sequer assinatura, portanto inválidas, demonstrando
que as graves falhas de fiscalização se deram desde antes da subcontratação.
294. Outras irregularidades podem ser apontadas: servidor designado para
integrar a comissão de licitação, o então Diretor da Secretaria de Comunicação da
Câmara dos Deputados Márcio Marques de Araújo, foi o mesmo que, na fase con‑
tratual, requisitou a realização dos serviços, atestou o seu respectivo cumprimento
e fiscalizou a gestão contratual.
295. Além disso, a IFT não prestou os serviços para os quais foi contratada.
Segundo constou do contrato, a IFT comprometeu-se a elaborar “boletins mensais
com resumo das ações propostas, a explicação dos trabalhos desenvolvidos por ela
e a avaliação da opinião da mídia em relação à Câmara dos Deputados a ser produ‑
zida a partir de conversas reservadas em insights junto aos fornecedores de opinião
dos maiores meios de comunicação credenciados junto à Câmara. Este trabalho, em
caráter reservado será encaminhado ao presidente da Câmara e ao diretor da Secom.
No conjunto deste trabalho também está abrigada a atividade de leitura e análise
estratégica de pesquisas de opinião – sejam elas encomendadas especificamente
pela Câmara dos Deputados ou não – e de elaboração de propostas de agendas le‑
gislativas que sirvam para dar maior visibilidade ao trabalho dos parlamentares no
ano de 2004”.
296. No entanto, o documento subscrito pelo Diretor da Secretaria de Comu‑
nicação Social que sucedeu a Márcio Marques Araújo, registrou que o serviço não
foi executado:
Quanto ao pedido constante da alínea a do mesmo ofício, cumpre-me,
inicialmente, esclarecer que assumi a Direção da Secretaria de Comunica‑
ção Social da Câmara dos Deputados em 18 de fevereiro de 2005 (fl. 4), não
tendo acompanhado, direta ou indiretamente, a contratação da execução dos
serviços da IFT Consultoria em Comunicação e Estratégia, previstos nos pro‑
cessos n. 101.389/04 e 114.902/04.
R.T.J. — 225
923
Com o objetivo de atender citada solicitação da Equipe de Auditoria,
foi promovida pesquisa nos arquivos documentais da Secom e ouvidos servi‑
dores que trabalhavam na Secretaria à época.
Desse trabalho, resultou a conclusão que inexistem, na Secom, os cita‑
dos boletins da IFT Consultoria em Comunicação e Estratégia.
297. Nesse sentido, também, as conclusões da perícia (Laudo n. 1.947/2009-INC):
17. Dentre as ações propostas pela IFT, não há nenhum documento
escrito que comprove qualquer atividade de assessoria. Além de não fazer os
boletins mensais a que a IFT se propôs, não há nos autos, nenhuma análise
regular de pesquisas de imagem e opinião, elaboração de propostas de agenda
legislativa ou planos de mídia.
298. O que aconteceu de fato é que o acusado, após ser eleito Presidente da
Câmara dos Deputados, quis manter Luiz Costa Pinto como seu assessor pessoal,
tendo simulado a sua contratação pela Câmara para não ter que arcar com a remu‑
neração do jornalista.
299. Um dado que comprova a assertiva de que Luiz Costa Pinto continuou,
após a subcontratação, a exercer as mesmas atividades de assessoria que prestava a
João Paulo Cunha, é que a remuneração mensal continuou a mesma. Durante a cam‑
panha para presidente da Câmara, a remuneração mensal de Luiz Costa Pinto era
de R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais) e na fase de subcontratação, permaneceu
quase no mesmo valor, 21.000,00 (vinte e um mil reais), situação que indica uma
continuidade da prestação dos serviços.
300. Provou-se, também, que, ao invés de executar os serviços para os quais
a sua empresa foi contratada, Luiz Costa Pinto assessorava João Paulo Cunha,
acompanhando-o, por exemplo em reuniões para tratar de eleições municipais jun‑
tamente com Sílvio Pereira e Marcos Valério. Foi o que revelou o próprio acusado
no seu interrogatório (fl. 14338) e Sílvio Pereira (fl. 254):
Que o Sr. Luis Costa Pinto participou com o réu e terceiros sobre as
eleições municipais de 2004; Que lembra de uma reunião em São Paulo em
um hotel em que estavam presentes o Sr. Luis Costa Pinto, Marcos Valério,
Silvio Pereira e o Sr. Antônio dos Santos. (João Paulo Cunha)
Que a participação de Marcos Valério nesses encontros era necessária
tendo em vista a possibilidade de o PT contratá-lo para atuar no planejamento de
marketing e propaganda eleitoral das campanhas eleitorais do PT (Sílvio Pereira).
301. Conforme o Laudo n. 1.947/2009-INC, o desvio perpetrado por João
Paulo Cunha, ao longo do ano de 2004, alcançou o montante de R$ 252.000,00 (du‑
zentos e cinquenta e dois mil reais), valor pago à empresa IFT.
302. Não se desconhece que o Tribunal de Contas da União, em sua análise, con‑
siderou que a empresa IFT prestou o serviço subcontratado pela Câmara dos Deputados.
303. No entanto, a perícia elaborada pelo Instituto Nacional de Criminalística
da Polícia Federal, tomando por base a documentação existente sobre a execução
contratual, divergiu frontalmente das conclusões do Tribunal de Contas.
(...)
304. Não é aceitável, ante o contexto probatório, admitir que o mero “atesto”
nas notas fiscais apresentadas pela IFT sirva como prova do serviço executado.
305. Ainda mais quando metade foi subscrita por Márcio Marques de Araújo,
Diretor da Secretaria de Comunicação da Câmara dos Deputados, e a outra metade por
seus subordinados (Laudo n. 1.947/2009-INC).
924
R.T.J. — 225
306. Registre-se, como já feito acima, que nos doze meses de prestação dos ser‑
viços, a Secretaria de Comunicação da Câmara dos Deputados não exigiu um único do‑
cumento apto a revelar a execução dos serviços contratados da IFT. Nessa circunstância,
não é razoável conferir credibilidade ao procedimento de controle executado pela Câmara
dos Deputados, ainda mais quando se tem nos autos da presente ação penal substanciosa
prova de que não existiu a execução dos serviços. [Fls. 125 a 138, alegações finais.]
A defesa, por seu turno, com referência ao primeiro episódio narrado na
denúncia – subcontratação da empresa Ideias, Fatos e Texto (IFT) –, sustenta
que a SMP&B subcontratou aquela empresa “para assessorar na divulgação dos
trabalhos legislativos desenvolvidos na Câmara dos Deputados e consolidar o
relacionamento entre a mídia e o parlamento, como possibilitava a cláusula 3ª
do Contrato n. 2003/2004 (fls. 148/157 do Apenso 2) c/c o título 9.7 do Edital
n. 11/2003 (fls. 181/252 do Apenso 96)” (fl. 114, alegações finais).
Frisa, em seguida, que “a acusação da prática de peculato sustenta-se em dois
pilares essenciais, quais sejam: (i) Luis Costa Pinto não teria executado serviços em
benefício da Câmara dos Deputados, mas em proveito pessoal de João Paulo Cunha;
e (ii) a contratação da IFT pela Câmara dos Deputados teria sido uma simulação para
que esta arcasse com a remuneração do jornalista” (fl. 115, alegações finais).
Quanto ao primeiro item ressalta que:
Diante dessas dúvidas lançadas pelo Ministério Público, o próprio Deputado
João Paulo Cunha expediu ofício ao então presidente da Câmara dos Deputados,
Sr. Severino Cavalcanti, solicitando a realização de auditoria no processo licitatório
e na execução do Contrato n. 204/2003.0 (assinado com a SMP&B), inclusive na
subcontratação da empresa IFT (fl. 555 do Apenso 84).
Assim, o então presidente da Câmara dos Deputados, Sr. Severino Caval‑
canti, solicitou ao Tribunal de Contas da União que auditasse a execução do referido
contrato (fl. 555 do Apenso 84). Instaurado o processo TC-012.040/2005-0, após a
juntada de toda documentação pertinente para uma detida análise da execução do
contrato, o relator Ministro Benjamin Zymler solicitou à 3ª Secretaria de Controle
Externo do TCU que fizesse um relatório de inspeção, no qual se concluiu:
27.9. Realizada a Inspeção, em cumprimento à deliberação preliminar
constante à fl. 1289, esta Equipe verificou que:
a) Os serviços foram efetivamente prestados pela empresa
IFT Ltda., sendo que foram objeto de atesto por servidores daquela Casa Legislativa, conforme notas fiscais n. 1320, 1354, 1478,
1644, 1866, 1984, 2147, 2343, 2501, 2595, 2707 e 2822 emitidas pela
empresa SMP&B, onde se evidencia que os serviços foram prestados pela empresa contratada, a IFT Ltda. Consta às fls. 750/751, a
relação dos mencionados servidores com as suas matrículas, que
coincidem com os respectivos atestos (fl. 40369).
E esse entendimento foi corroborado pelo Plenário do Tribunal de Contas da
União no julgamento do TC-012.040/2005-0 quando, por unanimidade, foi reco‑
nhecido que a IFT prestou todos os serviços contratados pela Câmara dos Deputados à própria Casa, in verbis:
6. Inicialmente, com relação à suposta inexecução (a) dos servi‑
ços subcontratados à empresa IFT Ltda., por meio da empresa SMP&B
R.T.J. — 225
925
Comunicações Ltda., compulsando os autos, verifico que a proposta de tra‑
balho de consultoria de comunicação para a Câmara dos Deputados, apresen‑
tada pela IFT Ltda. (fls. 239/241 – vol. 2), incluía atividades diversas a serem
realizadas junto a veículos de comunicação, a fornecedores de opinião da
mídia nacional, a órgãos da estrutura da Câmara dos Deputados e à empresa
de publicidade e propaganda contratada.
7. A aludida proposta previa, também, a produção de boletim mensal, de caráter reservado, a ser encaminhado ao Presidente da Câmara
e ao diretor da Secom. Os indícios de que esse boletim não havia sido
elaborado geraram a compreensão preliminar, no primeiro relatório de
auditoria, acerca da inexecução total dos serviços pela IFT Ltda.
8. Após a realização de exames posteriores, com base nos novos documentos e informações juntados aos autos, a Unidade Técnica concluiu
que: “as irregularidades referentes a serviços não prestados, motivo de
proposta de citação de alguns responsáveis, por ocasião da realização da
auditoria inicial, não procediam, já que se comprovou, conforme relatório da equipe de inspeção, que tais serviços tinham sido realizados”.
9. Examinando-se o mencionado relatório da equipe de inspeção
(fls. 1885/1896 – vol. 13), verifica-se o seguinte registro quanto à possibi‑
lidade de terem ocorrido pagamentos de serviços não realizados à empresa
subcontratada IFT Ltda. pela empresa SMP&B Comunicações Ltda.:
a) Os serviços foram efetivamente prestados pela empresa IFT
Ltda., sendo que foram objeto de atesto por servidores daquela Casa
Legislativa, conforme notas fiscais n. 1320, 1354, 1478, 1644, 1866,
1984, 2147, 2343, 2501, 2595, 2707 e 2822 emitidas pela empresa
SMP&B, onde se evidencia que os serviços foram prestados pela
empresa contratada, a IFT Ltda. Consta às fls. 750/751, a relação dos
mencionados servidores com as suas matrículas, que coincidem com
os respectivos atestos;
10. Ante a constatação de que os serviços contratados foram realizados e que tiveram sua execução atestada pelos servidores competentes
da Câmara dos Deputados, em conformidade, portanto, com o art. 63, da
Lei 4.320/1964; considerando a forma global da contratação realizada; e,
ainda, considerando, assessoriamente, as declarações de profissionais da
mídia acerca dos serviços realizados pela IFT (fls. 1658/1660 – vol. 12);
considero esclarecidos os indícios de irregularidade apontados, conforme
manifestação da Unidade Técnica. [Fl. 40357.]
Como se sabe, o Tribunal de Contas da União, por força do art. 70, IV, da CF,
tem a atribuição de “realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do
Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de
natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas
unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário”.
Assim, ao fiscalizar o contrato discutido na presente ação penal, em espe‑
cial a subcontratação da empresa IFT, o TCU atestou a prestação dos serviços
à Câmara dos Deputados, inclusive dos boletins tão alardeados pelo Ministério Público e salientados no recebimento da denúncia como elementos
indiciários do suposto crime.
926
R.T.J. — 225
Especificamente sobre a elaboração dos boletins, a testemunha Márcio
Marques de Araújo deixou bem claro que os mesmos não faziam parte do con‑
trato, razão pela qual seriam desnecessários, in verbis:
(...) em verdade, ao contrário do que vejo por aí, não havia a necessidade de
apresentar boletim mensal, não é uma exigência contratual (...). [Fl. 42297.]
Por outro lado, mesmo que fossem exigidos – o que se admite apenas para
argumentar –, a elaboração de boletins mensais tinha o intuito de facilitar a fis‑
calização da execução do trabalho, ou seja, não era o objeto da subcontratação.
Desse modo, é certo que a eventual “ausência dos boletins que seriam con‑
feccionados não comprometeu a substância do trabalho realizado pelo Sr. Luis
Costa Pinto”, razão pela qual “o próprio Tribunal de Contas da União reformou o
parecer preliminar decidindo que a entrega extemporânea dos boletins não gerou
prejuízo ao erário” (fls. 14339/14340 – Interrogatório de João Paulo Cunha).
Além disso, a utilização dos boletins para fiscalizar o trabalho da IFT era
absolutamente desnecessária, uma vez que o servidor público imbuído de exercer
essa tarefa de controle é categórico ao afirmar que Luis Costa Pinto discutia dia‑
riamente com ele todo o trabalho realizado, uma espécie de boletim oral:
Fernando da Nóbrega Cunha: O senhor discutia com o Sr. Luiz Costa Pinto as
orientações gerais sobre a estratégia de comunicação da Casa?
Márcio Marques de Araújo: Discutia. Com frequência a gente se reunia para
discutir tanto as formas para qualificar os serviços de comunicação da Casa quanto
relacionados, se era mais da área dele do que da minha, com a consultoria para os
membros da Mesa, porque tinha um critério para prestar o serviço para a Casa (...)
(fl. 42287 – depoimento de Márcio Marques de Araújo).
E de fato os serviços foram prestados à Câmara, o que se comprova pelas de‑
clarações de diversas testemunhas ouvidas ao longo da instrução penal (...). [Fls. 117
a 121, alegações finais – Grifos do autor.]
Destaca a defesa, em abono a sua tese (fls. 121 a 124), os depoimentos do
então deputado federal José Eduardo Cardozo, atualmente ministro de Estado
da Justiça; de Maurício Rands Coelho Barros; Inocêncio Gomes de Oliveira;
Ciro Nogueira Lima Filho e Sueli Aparecida Navarro Garcia Vasconcelos,
jornalista e presidente do Comitê de TV Digital da Câmara dos Deputados; bem
como as “declarações de profissionais de mídia e comunicação que comprovam
os diversos trabalhos de assessoria à Câmara dos Deputados realizados pelo pro‑
prietário da IFT, Luis Costa Pinto” (fl. 124, alegações finais).
Faz menção, ainda, às notas fiscais “juntadas aos autos, cujas autoriza‑
ções de pagamento eram obrigatoriamente vistoriadas por diversas instâncias
de controle da Câmara dos Deputados (fls. 339/353 e 364/374 do Apenso 84)”
(fl. 125, alegações finais), destacando o depoimento da testemunha Márcio
Marques de Araújo, que detalhou em juízo todo o procedimento de fiscalização
da execução do serviço e de controle das notas fiscais para realização de seu
pagamento, in verbis:
R.T.J. — 225
927
todos os serviços tinham que ser, não só comprovados, como notas fiscais
passavam por todas as instâncias de controle da Casa, que são várias, sendo execu‑
tado por um sistema muito rígido de controle, então, passa pelo departamento de
contratos, assessoria jurídica, assessoria técnica, que envolve alguma especificidade
do ramo, entre outros, departamento de finanças, Diretoria-Geral, Diretoria-Admi‑
nistrativa, passa por todos esses órgãos. [Fl. 42286.]
Relata também que, ao final da subcontratação, a empresa IFT apresentou
“um extenso relatório descrevendo, mês a mês, todas as atividades desenvolvidas
em prol da Câmara dos Deputados, suprindo, definitivamente, a suposta falta dos
boletins (fls. 308/319 do Apenso 96)” (fl. 126, alegações finais).
Mais adiante, argumenta que:
No que tange às reuniões que Luis Costa Pinto teria participado acompa‑
nhando João Paulo Cunha – argumento citado também na r. decisão que recebeu a
denúncia (fl. 11830) –, a explicação é mais do que óbvia: é natural que o assessor
de comunicação da Câmara dos Deputados esteja junto com o Presidente da
Casa em reuniões diversas.
Além disso, a empresa IFT não prestava serviços exclusivos à Câmara dos
Deputados. Então, obviamente, seu proprietário também podia participar de reu‑
niões para tratar de outros assuntos de seu interesse, nos quais João Paulo Cunha
também poderia estar envolvido, como é o caso da única reunião que se tem notícia,
realizada em razão da possibilidade de contratação da IFT para atuar em campanhas
municipais no Estado de São Paulo.
Por certo que o fato de Luis Costa Pinto prestar assessoria à Câmara não o
impedia de assessorar um político em campanha para Prefeitura de qualquer muni‑
cípio e, tampouco, de participar de uma reunião na presença de João Paulo Cunha
e outros interessados para tratar desse assunto.
O fato é que Luis Costa Pinto não prestou assessoria à pessoa física do de‑
nunciado durante a vigência da subcontratação da sua empresa. Prestava serviços,
isto sim, para a Câmara dos Deputados, na qual se inclui, como parece óbvio, a sua
Presidência. [Fls. 128/129, alegações finais – Grifos do autor.]
A respeito do segundo item, afirma a defesa que, “em cumprimento às
determinações do aludido edital, consta do Protocolo n. D-2.004/101.389 que
a SMP&B encaminhou à Secretaria de Comunicação da Câmara os orçamen‑
tos das empresas Cross Content Comunicação Integrada S/C Ltda., Lanza
Comunicação e Consultoria Política e IFT – Ideias, Fatos e Texto” (fl. 131,
alegações finais).
Explica, na sequência, que,
(...) ao receber as três propostas, o Sr. Márcio Marques de Araújo, Diretor da
Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados – SECOM, analisou‑
-as e, dentre elas, solicitou ao então Presidente João Paulo Cunha autorização para
a subcontratação da IFT:
Em 2003, por meio da Denison Brasil, a Câmara dos Deputados contra‑
tou Serviços de consultoria da empresa IFT – Ideias, Fatos e Texto. Durante
sete meses foi empreendido, com sucesso, um programa-piloto de atuação
junto aos principais veículos de comunicação do país, para divulgação dos
928
R.T.J. — 225
trabalhos legislativos que se desenvolvem nesta Casa. A nova proposta pre‑
tende consolidar um aparato constante de análise de pesquisa de imagem e
opinião, além de aprimorar o relacionamento entre a mídia e o Parlamento.
Compreendendo a necessidade de continuação do projeto iniciado no ano
passado, solicito autorização para a contratação do serviço por seis meses.
Informamos que o custo total é de R$ 126.000,00 (cento e vinte e seis mil re‑
ais). Destaca-se que o pagamento será efetuado pela SMP&B Comunicações
Ltda., nos termos do Contrato n. 2003/2004 (fl. 360 do Apenso 96).
Vale salientar que a Comissão de Licitação não tinha qualquer subordinação ao denunciado – inclusive o Sr. Márcio Marques de Araújo – tinha
absoluta independência para indicar qualquer uma das empresas. Nas
palavras do integrante da comissão Marcos Magro Nardon, “a comissão de
licitação trabalhou todo o tempo com inteira autonomia” (fl. 42349).
Somente após o recebimento de 03 (três) orçamentos – dentre os quais a IFT
apresentava o menor preço – e a indicação da assessoria de Luis Costa Pinto pelo Di‑
retor da Secretaria de Comunicação Social – SECOM foi que João Paulo Cunha auto‑
rizou a subcontratação da empresa. [Fls. 131/132, alegações finais – Grifos do autor.]
Mais adiante, adverte que:
(...) o Ministério Público omitiu a informação de que, pelas cópias juntadas
aos autos, a proposta da IFT também não está assinada – o que não sugere fraude,
mas sim que nos autos da ação penal não foram juntados os documentos originais.
E pior: é incompreensível que a acusação ardilosamente deixe para sustentar
a falta de assinatura nas propostas apenas nas suas alegações finais e não tenha feito
prova dessa ventilada fraude durante a instrução penal.
(...)
Ocorre que uma rápida pesquisa eletrônica em nome das empresas Cross
Content Comunicação Integrada S/C Ltda. (www.crosscontent.com.br) e Lanza
Comunicação e Consultoria Política revela a existência e idoneidade de ambas,
sendo certo que, assim como a IFT, elas não se submeteriam ao vexame de enviar
propostas fraudulentas à Câmara dos Deputados.
Vale dizer, enquanto a empresa Cross Content exibe em seu site uma enorme
relação de prêmios vencidos na área de comunicação, a empresa Lanza é de pro‑
priedade do renomado jornalista Luiz Lanzzeta, a qual já prestou consultoria à Pre‑
sidente da República Dilma Rousseff, o que demonstra a seriedade das empresas.
[Fls. 134-135, alegações finais.]
Já em relação ao segundo episódio de peculato, narra o Parquet, em suas
alegações finais, que “João Paulo Cunha, no exercício do cargo de presidente da
Câmara dos Deputados, desviou valores objeto do contrato firmado entre a Câmara
dos Deputados e a empresa SMP&B Comunicação, de propriedade de Marcos
Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz” (fls. 140/141, alegações finais).
Descreve a conduta da seguinte forma, in verbis:
308. O Contrato n. 2003204.0, firmado entre a Câmara dos Deputados e a
SMP&B Comunicação previu em sua cláusula segunda que “os serviços objeto
do presente Contrato serão executados com rigorosa observância do disposto no
Edital de Concorrência n. 11/03 e seus Anexos, bem como da Proposta Técnica e
R.T.J. — 225
929
da Proposta de Preço da contratada, com as modificações que tenham decorrido do
procedimento previsto no Título 7 do edital” (fl. 76, Apenso 84, vol. 1).
309. O edital da Concorrência n. 11/03 (fl. 433, Apenso 84, vol. 2), estabeleceu que
a Contratada poderá subcontratar outras empresas, para a execução
parcial do objeto desta Concorrência, desde que mantida a preponderância da atuação da Contratada na execução do objeto como um todo e haja
anuência prévia, por escrito, da Contratante, após avaliada a legalidade, ade‑
quação e conveniência de permitir-se a subcontratação, ressaltando-se que
a subcontratação não transfere responsabilidades a terceiros nem exonera a
Contratada das obrigações assumidas, nem implica qualquer acréscimo de
custos para a Contratante.
310. No entanto, descumprindo a avença, a SMP&B Comunicação subcon‑
tratou a execução integral do objeto pactuado, recebendo a remuneração prevista no
contrato sem exercer atividades que autorizassem os pagamentos.
311. Desse total, apenas o valor de R$ 17.091,00 (dezessete mil e noventa e um
reais) representou o serviço executado diretamente pela empresa SMP&B Comunica‑
ção, o que correspondeu a 0,01% do objeto contratual, tendo sido subcontratado 99,9%.
312. Mesmo que se exclua o item “veiculação de propaganda em órgãos de
comunicação”, tese desenvolvida pela defesa, a terceirização do objeto ainda alcan‑
çou o patamar de 97,68%.
313. É fato incontroverso, extraído dos dados oriundos da execução contra‑
tual, que a empresa SMP&B Comunicação nada produziu. Até mesmo a sua tenta‑
tiva de abalar a imputação formulada, argumentando que teria atuado diretamente
na área de criação, foi refutada tecnicamente pelo Laudo n. 1.947/2009-INC:
(...)
314. A perícia conseguiu individualizar os serviços prestados diretamente pela
SMP&B que corresponderam, como dito, ao percentual de 0,01% do objeto contratado.
315. Conforme os documentos de fls. 37461/37523, João Paulo Cunha, na con‑
dição de Presidente da Câmara dos Deputados, autorizou as subcontratações referidas.
316. Embora a denúncia tenha apontado o montante desviado de R$ 536.440,55,
o Laudo n. 1.947/2009-INC, após a análise dos pagamentos efetuados no curso do
Contrato n. 2003/2004, demonstrou que o valor desviado foi de R$ 1.077.857,81 (um
milhão, setenta e sete mil, oitocentos e cinquenta e sete reais e oitenta e um centavos).
317. O valor, extraído da Tabela n. 6 do Laudo n. 1.947/2009-INC, repre‑
senta o montante integral recebido pela empresa SMP&B Comunicação a título de
honorários líquidos (R$ 1.092.479,22) menos a remuneração líquida auferida pela
execução direta de serviços prestados (R$ 14.621,41).
(...)
319. Registre-se que, com a saída de João Paulo Cunha da Presidência da Câ‑
mara dos Deputados a partir de 15 de fevereiro de 2005, o valor da execução do ajuste
assinado com a empresa SMP&B diminuiu significativamente, perfazendo apenas
R$ 65.841,36 (sessenta e cinco mil, oitocentos e quarenta e um reais e trinta e seis cen‑
tavos) no ano de 2005, ou 0,6% do total. Confira-se, nesse sentido, o teor do documento
subscrito pelo Diretor-Geral da Câmara dos Deputados (fl. 582, Apenso 84, vol. 2):
Como decorrência dessa política de contenção de despesas, no caso con‑
creto, a execução do contrato com a agência SMP&B, a partir de 15 de fevereiro
de 2005 (data da posse da nova Mesa Diretora), perfez, até agora, a soma de
apenas R$ 52.925,00 (cinquenta e dois mil, novecentos e vinte e cinco reais).
930
R.T.J. — 225
320. Em sua defesa afirmou o acusado que não tinha a posse direta ou indireta
dos valores desviados, razão por que não podia ser responsabilizado pelo crime.
321. O tema foi discutido na sessão de recebimento da denúncia, tendo a
Corte rejeitado o argumento.
(...)
323. O acusado, na condição de Presidente da Câmara dos Deputados, exercia a
posse jurídica dos valores desviados. Tinha o domínio absoluto do fato, na medida em
que estava inserida em sua competência dispor sobre o destino a ser dado ao dinheiro.
324. Por fim, considerando que constou expressamente da denúncia o fato
de João Paulo Cunha ostentar a condição de Presidente da Câmara dos Deputados
à época dos crimes, deverá incidir a causa especial de aumento de pena prevista no
art. 327, § 2º, do Código Penal em relação aos delitos de corrupção passiva e pecu‑
lato. [Fls. 139 a 144, alegações finais.]
Em contrapartida, em suas alegações finais acerca desse segundo episódio,
sustenta a defesa que, “como decidido pelo Tribunal de Contas da União, a real
porcentagem de subcontratação é de 88,68% – ou seja, 11,32% do serviço
foi prestado diretamente pela SMP&B –, valores absolutamente comuns nos
contratos na área de publicidade e propaganda (comunicação) (...)” (fl. 98 das
alegações finais – grifos do autor).
Prossegue destacando o seguinte:
De fato, como confirmou o TCU, o alto índice de subcontratação nos contratos de comunicação é comum. Nesse sentido foi o testemunho do Sr. Oliveiros
Domingos Marques Neto, proprietário da agência Loducca Publicidade, que con‑
correu com a SMP&B no processo licitatório:
Fernando da Nóbrega Cunha: Grosso modo, essa prática de subcontratação é uma prática comum no mercado de agência de publicidade,
comum na execução dos serviços, quando se cuida de uma conta.
Oliveiros Domingos Marques Neto: é comum porque é necessária.
Dentro de agência, eu não tenho produtora, e, aliás, a regulação do mercado não permite que se tenha produtora em agência. Ou é agência de
propaganda, ou é produtora de vídeo, ou é gráfica. Não há uma gráfica
dentro da minha agência. Para imprimir o material que tenho que entregar para o meu cliente, tenho que contratar uma gráfica, então, eu administro a verba do cliente, contratando essa gráfica (fl. 42716).
E o contrato em tela não foge da regra, está dentro dos padrões estabelecidos
pelo mercado e pelo TCU. Aliás, quando se leva em consideração que “os serviços de veiculação correspondem a 65,53%” (Laudo n. 1.947/2009 – fl. 34939), o
Contrato n. 2003/2004 apresenta ótimo índice de subcontratação.
Entende-se por serviço de veiculação aquele prestado por um veículo de
comunicação, ou melhor, é o valor cobrado pela emissora de televisão, jornal ou
revista para divulgar a campanha.
Por certo que nenhuma agência de publicidade como a SMP&B possui um
jornal próprio para divulgar as campanhas que produz, de forma que os valores gas‑
tos com a veiculação não podem ser considerados para o cálculo de terceirização.
Apenas para ilustrar a enormidade dos gastos com veiculação, segue a rela‑
ção das despesas efetuadas no valor total de R$ 7.016.924,65 (gastos também re‑
lacionados no Apêndice A do Laudo n. 1.947/2009 elaborado pela Polícia Federal,
R.T.J. — 225
931
segundo o qual o valor total é ainda maior, R$ 7.041.511,04 – fls. 34941/34959)
(...). [Fls. 100/101, alegações finais – Grifos do autor.]
Alega, ainda, in verbis, que,
[e]xtraída a despesa com veiculação que representa 65,53% do valor total
do contrato e também os 11,32% dos serviços que foram prestados de fato pela
SMP&B, percebe-se que sobra apenas 23,15% para se considerar subcontratado,
caindo por terra o argumento ministerial.
Além disso, assim como o Tribunal de Contas da União, o Laudo n. 1.947/2009
confirma que não só o Contrato n. 2003/2004 admitia a terceirização de serviços
(fl. 34937), como também “não estabeleceu limite para a subcontratação” (fl. 34938).
[Fl. 106, alegações finais.]
Afirma também que
não subsiste a alegação ministerial acatada por ocasião do recebimento
da denúncia, pois a remuneração prevista no Contrato n. 2003/2004 não se
limitava ao pagamento dos “serviços prestados diretamente pela SMP&B”
(fl. 45228 – Denúncia).
Pelo contrário, como ficará demonstrado, o modo de remuneração era muito
mais complexo, sendo inquestionável que a quantia recebida pela SMP&B foi
exatamente aquela prevista no Contrato n. 2003/2004 – ainda que se considere,
apenas para argumentar, a subcontratação de 99,9% do serviço.
Como detalha o Laudo n. 1.947/2009, o Contrato n. 2003/2004 trazia três
espécies distintas de remuneração em favor da SMP&B, a saber:
– Desconto de 80% em custos internos dos valores previstos na tabela
do Sindicato das Agências de Propaganda do Distrito Federal;
– Taxa de 5% sobre custos de produção cujas peças não proporcionem
comissão de veiculação;
– Comissão de veiculação concedida pelos veículos de 20%. Dessa co‑
missão, repasse à Contratante sob a forma de desconto de 5% do valor total
(acordo Conselho Executivo das Normas-Padrão – CENP) (fls. 34929/34930).
E, de fato, foi isso que aconteceu.
De acordo com a tabela de pagamentos elaborada no Laudo n. 1.947/2009
(fl. 34932), a SMP&B recebeu R$ 1.092.479,22, dos quais R$ 14.621,41 foram
pagos em razão de serviços prestados pela própria empresa (ver tabela 6 do Laudo
n. 1.947/2009 – fl. 34932).
Do valor restante (R$ 1.077.857,81), R$ 948.338,41 foi recebido (sic) pela
SMP&B em virtude das comissões pagas pelas empresas de veiculação (redes de
televisão, por exemplo). A referida quantia é exatamente 15% dos R$ 6.324.566,92
gastos com veiculação – 20% menos o repasse de 5% à contratante (ver Tabela 6,
do Laudo n. 1.947/2009 – fl. 34932).
Já com relação ao que foi pago às terceirizadas, a SMP&B recebeu R$ 129.519,40,
o que representa 5% dos R$ 3.315.740,44 gastos nas subcontratações intermediadas por
ela (ver Tabela 6, do Laudo n. 1.947/2009 – fl. 34932).
Somando-se as remunerações acima individualizadas, as quais eram devidas
por determinação contratual, atinge-se a quantia de R$ 1.092.479,22 recebida pela
SMP&B. [Fls. 108 a 110, alegações finais.]
932
R.T.J. — 225
Coloca a defesa em evidência que, “como ‘os peritos constataram que os
serviços contratados foram prestados’ (fl. 34924 – Laudo n. 1.947/2009) e
o pagamento efetuado à SMP&B estava em consonância com as determinações
contratuais, o alto índice de subcontratação configuraria uma mera irregularidade administrativa, não um ilícito penal” (fl. 111, alegações finais – gri‑
fos do autor).
Em arremate, a defesa sustenta a atipicidade das condutas (1º e 2º epi‑
sódios) imputadas ao acusado João Paulo Cunha quanto ao tipo previsto no
art. 312 do Código Penal. Traz, para tanto, os seguintes argumentos:
O réu nunca teve a posse direta ou indireta e, nem mesmo, a detenção de
qualquer valor. Ao contrário, é notório e, contra isto, o Ministério Público não se
opõe, que o dinheiro era liberado pela Secretaria de Comunicação Social e pelo
Diretor-Geral da Câmara.
(...)
Como explicado acima, o pagamento da empresa contratada ou das subcon‑
tratadas não se dá tão logo a licitação é vencida ou no momento em que é autori‑
zada a subcontratação. Para que o pagamento seja efetuado, as empresas precisam
apresentar nota fiscal comprovando a execução do serviço e, após minuciosa análise
feita pelo órgão responsável, a verba é liberada. É o que prevê a cláusula 12.1 do
edital n. 11/2003:
(...)
E, nos termos da cláusula 13ª, caput e § 1º, do Contrato n. 2003/2004, o ór‑
gão de fiscalização do cumprimento do contrato e responsável pelo aceite das notas
fiscais é a Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados (SECOM):
(...)
Fiscalizada a execução do serviço e dado o aceite nas notas fiscais pela Se‑
com, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados atribui exclusivamente ao
Diretor-Geral a realização do pagamento:
(...)
Percebe-se, então, que a liberação do dinheiro não é atribuição do Presidente
da Câmara dos Deputados. Mas, sim, do Diretor da Secretaria de Comunicação So‑
cial em parceria com o Diretor-Geral, cargos ocupados por funcionários de carreira,
os quais não podem ser demitidos pela simples vontade dos Parlamentares ou em
razão do não atendimento de algum pedido, de modo que exercem suas funções
independente e autonomamente.
Somando-se ao exposto, o testemunho de Flávio Elias Ferreira Pinto, mem‑
bro da Comissão Especial de Licitação da Câmara dos Deputados, esclarece que o
Presidente da Casa não tem poder para determinar a liberação do pagamento:
(...)
Desse modo, jamais, em momento algum, o dinheiro passava pelas mãos do
Presidente da Câmara, nem tinha ele capacidade em razão do cargo para determinar
a liberação do pagamento. Em outras palavras, o Deputado João Paulo Cunha jamais teve a posse do dinheiro a que título fosse.
Se não tinha posse direta ou indireta, não podia o réu se apropriar do dinheiro
e, tampouco, desviá-lo no sentido de dar “ao objeto material destinação diferente
daquela para a qual o objeto lhe foi confiado” (ob. cit., p. 553). Primeiro, porque o
R.T.J. — 225
933
valor não lhe foi confiado e, segundo, o acusado não tinha atribuição para determi‑
nar a liberação ou entrega do dinheiro para quem quer que seja.
Portanto, ainda que quisesse – apenas para argumentar –, o réu não teria
meios materiais para desviar valor algum proveniente do contrato de publicidade
feito entre a empresa vencedora da licitação e a Câmara dos Deputados, porque não
tinha a posse deste, nem direta nem indireta.
(...)
O réu nunca teve a posse de dinheiro algum e também não podia determinar
sua liberação. E nem, em razão do cargo que exercia, poderia dispor das verbas
como lhe aprouvesse. A prova dos autos espanca quaisquer dúvidas. O acusado não
tinha qualquer ingerência sobre o contrato, sobre os pagamentos das verbas pagas,
não havendo qualquer possibilidade de dispor sobre elas (...).
Sendo atípica a imputação de peculato, por ausência de elemento essencial ao
tipo penal, aguarda-se, também por este motivo, a absolvição de João Paulo Cunha.
[Fls. 136 a 141, alegações finais – Grifos do autor.]
Análise dos episódios de peculato (CP, art. 312) imputados ao acusado
No que tange ao primeiro episódio (subcontratação da IFT), observo que,
em janeiro/2004, nos termos da cláusula 3ª do Contrato 2003/2004 (fls. 148/157
do Apenso 2), a SMP&B subcontratou a empresa Ideias Fatos e Textos Ltda.
(IFT), para assessoramento da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados na
divulgação dos trabalhos legislativos desenvolvidos, bem como para consolidar
o relacionamento entre a mídia e o Parlamento, (fls. 181/252 do Apenso 96);
A esse respeito, destaco o item 9.7 do Edital 11/2003, in verbis:
9.7 A Contratada poderá subcontratar outras empresas, para a execução par‑
cial do objeto desta Concorrência, desde que mantida a preponderância da atuação
da Contratada na execução do objeto como um todo e haja anuência prévia, por
escrito, da Contratante, após avaliada a legalidade, adequação e conveniência de
permitir-se a subcontratação, ressaltando-se que a subcontratação não transfere
responsabilidades a terceiros nem exonera a Contratada das obrigações assumidas,
nem implica qualquer acréscimo de custos para a Contratante.
A meu sentir, diversamente do que sustenta o Parquet, entendo que a escolha
da empresa Ideias Fatos e Textos Ltda. (IFT) se encontra devidamente justificada
nos autos, em especial pelas propostas apresentadas pelas empresas concor‑
rentes, tendo a IFT apresentado o melhor preço, conforme se vê dos documentos juntados às fls. 329/337 do vol. 2.
Observo que, ainda que nas demais propostas trazidas aos autos não haja
a assinatura dos proponentes, esse fato não autoriza desconsiderar-se a escolha
da IFT, cuja proposta também não se encontra assinada, podendo, perfeitamente,
cuidar-se de simples cópia dos originais.
A alegação do Parquet de que a subcontratação seria, na verdade, mera
simulação visando à contratação do jornalista Luís Costa Pinto para prestar
serviços pessoais ao réu, sem que tivesse ele que suportar a correspondente
934
R.T.J. — 225
remuneração, não me parece estar correta, até porque, diante das denúncias em
torno da regularidade do certame licitatório, foi solicitado pelo então presidente
da Câmara dos Deputados, a pedido do próprio acusado (fl. 555 do Apenso 84,
vol. 2), que empreendesse o Tribunal de Contas da União uma auditoria naquele
procedimento licitatório, bem como aferisse a execução do Contrato 204/2003.
A conclusão no Processo TC-012.040/2005-0, da relatoria do ministro Benjamim Zymler, confirmada pelo Plenário daquele Tribunal de Contas, foi a seguinte:
6. Inicialmente, com relação à suposta inexecução (a) dos serviços subcon‑
tratados à empresa IFT Ltda., por meio da empresa SMP&B Comunicações Ltda.,
compulsando os autos, verifico que a proposta de trabalho de consultoria de comu‑
nicação para a Câmara dos Deputados, apresentada pela IFT Ltda. (fls. 239/241 –
vol. 2), incluía atividades diversas a serem realizadas junto a veículos de comunica‑
ção, a fornecedores de opinião da mídia nacional, a órgãos da estrutura da Câmara
dos Deputados e à empresa de publicidade e propaganda contratada.
7. A aludida proposta previa, também, a produção de boletim mensal, de ca‑
ráter reservado, a ser encaminhado ao Presidente da Câmara e ao diretor da Secom.
Os indícios de que esse boletim não havia sido elaborado geraram a compreensão
preliminar, no primeiro relatório de auditoria, acerca da inexecução total dos servi‑
ços pela IFT Ltda.
8. Após a realização de exames posteriores, com base nos novos documentos
e informações juntados aos autos, a Unidade Técnica concluiu que: “as irregulari‑
dades referentes a serviços não prestados, motivo de proposta de citação de alguns
responsáveis, por ocasião da realização da auditoria inicial, não procediam, já que
se comprovou, conforme relatório da equipe de inspeção, que tais serviços tinham
sido realizados”.
9. Examinando-se o mencionado relatório da equipe de inspeção (...), veri‑
fica-se o seguinte registro quanto à possibilidade de terem ocorrido pagamentos de
serviços não realizados à empresa subcontratada IFT Ltda. pela empresa SMP&B
Comunicações Ltda.:
a) os serviços foram efetivamente prestados pela empresa IFT Ltda.,
sendo que foram objeto de atesto por servidores daquela Casa Legislativa,
conforme as notas fiscais n. 1320, 1354, 1478, 1644, 1866, 1984, 2147, 2343,
2501, 2595, 2707 e 2822 emitidas pela empresa SMP&B, onde se evidencia
que os serviços foram prestados pela empresa contratada, a IFT Ltda. Consta
às fls. 750/751, a relação dos mencionados servidores com as suas matrículas
que coincidem com os respectivos atestos.
10. Ante a constatação de que os serviços contratados foram realizados e que
tiveram sua execução atestada pelos servidores competentes da Câmara dos Depu‑
tados, em conformidade, portanto, com o art. 63, da Lei 4.320/1964; considerando
a forma global da contratação realizada; e, ainda, considerando, acessoriamente, as
declarações de profissionais da mídia acerca dos serviços realizados pela IFT (...);
considero esclarecidos os indícios de irregularidade apontados, conforme a mani‑
festação da Unidade Técnica. [Fl. 40357 do vol. 188.]
Todas as testemunhas ouvidas em juízo sobre esse fato confirmaram que
o jornalista Luis Costa Pinto efetivamente prestou os serviços de assessoria de
comunicação à Mesa da Câmara dos Deputados, e não pessoalmente ao réu João
Paulo Cunha, como sustentado pela acusação.
R.T.J. — 225
935
Jornalistas setoristas que lá trabalhavam também atestaram a prestação dos
serviços pelo jornalista Luis Costa Pinto. É importante destacar isso. Nesse
mesmo sentido foram os depoimentos de Flávio Elias Ferreira Pinto, servidor
da Secretaria de Comunicação Social (fls. 42209 a 42228), e de Sueli Aparecida
Navarro Garcia Vasconcelos da TV Câmara (fls. 42433 a 42439).
Confiram-se, ainda, as notas fiscais acostadas às fls. 339/353 e 364/374 do
Apenso 84 e os depoimentos dos deputados federais Maurício Rands Coelho Barros
(fl. 42591), Inocêncio Gomes de Oliveira (fl. 42694), Ciro Nogueira Lima Filho (fls.
42710/42711) e José Eduardo Cardozo (fl. 42741) atestando a prestação dos serviços.
Afirmar a inexecução dos serviços com base exclusivamente em manifesta‑
ção constante de laudo pericial inconclusivo importaria em abominável presun‑
ção de responsabilidade penal objetiva. A simples falta de apresentação mensal
de relatório de atividades que a IFT se comprometeu a elaborar não implica, a
meu sentir, o reconhecimento da inexecução do contrato, que tinha por objeto
principal o assessoramento, e não a elaboração de relatórios.
Nessa conformidade, penso que eventual dúvida quanto à correta execução
do ajuste, ainda que existente para alguns, deva também favorecer o acusado – in
dubio pro reo, nunca o inverso.
Quanto à segunda imputação de peculato (desvio de valores objetos do
contrato firmado entre a Câmara dos Deputados e a empresa SMP&B), assinalo
que a alegação é de que o alto índice de subcontratações autorizadas pelo réu na
execução do contrato de publicidade celebrado entre a SMP&B e a Câmara dos
Deputados teria ocasionado o desvio de R$ 1.077.857,81, caracterizando a prática
do crime de peculato-desvio.
Embora efetivamente tenham ocorrido subcontratações, essa prática não
configura o delito de peculato, uma vez que empreendida em consonância com
permissivo constante de cláusulas contratuais.
A esse respeito, destaco excerto do Laudo Pericial 1.947/2009-INC, elabo‑
rado pelo Instituto de Criminalística da Polícia Federal:
28. Dessa forma, os gastos comprovados com os serviços de criação, além de
outros serviços prestados pela própria SMP&B, conforme parágrafo 26, totalizaram
R$ 17.091,00 (valor bruto). Considerando que este valor se refere ao ressarcimento
de 20% de seus custos internos, estes totalizaram R$ 85.455,00 (valor dos serviços
prestados, observados como limite máximo desses valores os previstos na tabela de
preço do Sindicato das Agências de Propaganda do Distrito Federal). Os gastos com
serviços terceirizados, excluindo-se as veiculações, totalizaram R$ 3.687.300,13
sem distinção entre “criação” e “produção”.
29. Assim, o percentual dos serviços prestados pela própria SMP&B
(R$ 85.455,00) com relação aos serviços terceirizados (R$ 3.687.300,13) corres‑
ponde a 2,32%.
(...)
IV – Respostas aos Quesitos
IV.1 Quesitos do Ministro Joaquim Barbosa
936
R.T.J. — 225
(...)
4) qual foi a efetiva remuneração da SMP&B no contrato.
34. A efetiva remuneração da SMP&B (honorários líquidos) foi de
R$ 1.092.479,22. Vide Seção III.4 Da Efetiva Remuneração da SMP&B no Contrato.
IV.2 Quesitos do Ministério Público
(...)
b) informar, em termos de valores e em termos percentuais, os serviços prestados
diretamente pela empresa SMP&B Comunicação Ltda. e os serviços subcontratados.
36. O valor dos serviços prestados diretamente pela SMP&B é de R$ 85.455,00
(R$ 17.091,00 correspondem ao ressarcimento de 20% dos seus custos internos con‑
forme Tabela 7), que corresponde a 2,32% do total de serviços terceirizados, excluindo‑
-se as veiculações. Vide Seção III.5 Dos Serviços de Criação, Produção e Veiculação.
c) Com base no item h, descrever quais foram os serviços prestados direta‑
mente pela empresa SMP&B Comunicação Ltda.
37. Os serviços prestados diretamente pela SMP&B podem ser vistos no
Apêndice A e estão resumidos a seguir:
(...)
IV.3 Quesitos da Defesa
3) Em um contrato firmado com uma agência de publicidade e propaganda,
relativa à conta de publicidade e propaganda, seja de um órgão público, seja de uma
empresa privada, é da rotina operacional do contrato a terceirização dos serviços
contratados, especialmente as atividades de produção e veiculação? Essas duas ati‑
vidades correspondem, em geral, a qual percentual dos serviços contratados?
39. Com relação aos órgãos públicos, sim. O Acórdão 2.062/2006 (Plená‑
rio – TCU) consolidou os trabalhos de auditoria realizados na área de publicidade
e propaganda, no exercício de 2005, em 17 órgãos e entidades da administração
pública federal. Além de apresentar resumo das principais irregularidades detecta‑
das, a análise visou à identificação de falhas de caráter generalizado que pudessem
revelar a necessidade de aprimoramento da sistemática dessas contratações. Dentre
as principais falhas/irregularidades detectadas estão a “intermediação desnecessária
da agência (pagamentos sem contrapartida de serviços prestados)”. Abaixo, alguns
trechos do referido Acórdão que merecem destaque:
(...)
4) O contrato (CD/SMP&B n. 2003/2004, de 31-12-2003) admitia pudesse
haver terceirização de serviços?
40. Sim. Conforme o item 9.7 do edital, verbis: “9.7 A Contratada poderá
subcontratar outras empresas, para a execução parcial do objeto desta Concorrência, desde que mantida a preponderância da atuação da Contratada na execução
do objeto como um todo e haja anuência prévia, por escrito, da Contratante, após
avaliada a legalidade, adequação e conveniência de permitir-se a subcontratação,
ressaltando-se que a subcontratação não transfere responsabilidades a terceiros nem
exonera a Contratada das obrigações assumidas, nem implica qualquer acréscimo
de custos para a Contratante”.
5) O contrato (CD/SMP&B n. 2003/2004, de 31-12-2003) estabelecia algum
limite (quantitativo, qualitativo ou de percentual) para a terceirização de serviços?
41. O contrato não estabeleceu limite para subcontratações.
6) O Sr. Perito pode distinguir, na execução do contrato, em relação às peças
de publicidade e propaganda, quais serviços são de criação, quais serviços são de
produção e quais serviços são de veiculação?
R.T.J. — 225
937
42. É possível distinguir os serviços de veiculação, os serviços prestados di‑
retamente pela SMP&B e os serviços terceirizados. Esses dois últimos sem distin‑
ção entre criação e produção. Vide Seção III.5 Dos Serviços de Criação, Produção
e Veiculação.
7) Na execução do contrato, em relação às peças de publicidade e propaganda,
os serviços de criação foram feitos, diretamente, por equipe da SMP&B ou foram ter‑
ceirizados? Neste último caso, quais foram terceirizados e em que percentual?
8) Na execução do contrato, em relação às peças de publicidade e propaganda
os serviços de produção foram feitos, diretamente, por equipe da SMP&B ou foram
terceirizados? Neste último caso, quais foram terceirizados e em que percentual?
43. Com relação aos quesitos 7 e 8, vide as considerações da Seção III.5 Dos
Serviços de Criação, Produção e Veiculação sobre as dificuldades em se distinguir
os serviços de criação e produção. No entanto, de acordo com a Tabela 6, constata‑
-se, pelo valor dos custos internos incorridos, que a participação da SMP&B foi de
2,32% com relação a todos os serviços produzidos, ou seja, 97,68% dos serviços,
independentemente da distinção entre “criação” e “produção”, foram terceirizados,
sem considerar os serviços de veiculação. Além disso, do total pago à SMP&B refe‑
rente ao ressarcimento de seus custos internos (Tabela 7), R$ 12.372,56 se referem
a serviços prestados para a realização de seminários ou exposições e R$ 4.718,44 se
referem à “produção” ou “criação” de serviços voltados para as campanhas publi‑
citárias “Plenarinho”, “Institucional” e “Visite a Câmara” veiculadas nos diversos
meios de comunicação, conforme tabela abaixo. Dessa forma, a participação per‑
centual da SMP&B na prestação de serviços de criação ou de produção em relação
às peças de publicidade e propaganda foi ínfima.
9) Na execução do contrato, em relação às peças de publicidade e pro‑
paganda, os serviços de veiculação foram feitos, diretamente, por equipe da
SMP&B ou foram terceirizados? Neste último caso, quais foram terceirizados e
em que percentual?
44. Terceirizados. Os gastos com veiculações correspondem a 65,53% do
contrato. O detalhamento dos serviços de veiculação pode ser visto no Apêndice A.
10) A atividade de seleção, coordenação e supervisão dos serviços terceiri‑
zados de produção e veiculação das mesmas peças de publicidade e propaganda na
execução do contrato era de responsabilidade da SMP&B? Qual foi a remuneração
percebida pela SMP&B por esta atividade?
45. Sim. A remuneração total recebida pela SMP&B foi de R$ 1.092.479,22,
sendo que R$ 948.338,41 correspondem aos honorários líquidos recebidos em fun‑
ção das veiculações e R$ 129.519,40 correspondem aos honorários líquidos recebi‑
dos em função dos serviços terceirizados, conforme Tabela 6.
11) Na execução do contrato (CD/SMP&B n. 2003/2004, de 31-12-2003), em
relação aos custos, quais os percentuais das despesas realizadas, com as atividades
de criação, de produção e de veiculação das peças de publicidade e propaganda?
46. Os serviços de veiculação correspondem a 65,53%. Os serviços de criação
e produção correspondem a 34,47%, indistintamente. [Fls. 34931 a 34939 dos autos.]
Veja-se, ainda, o que previsto no Edital 11/2003, in verbis:
9.7 A Contratada poderá subcontratar outras empresas, para a execução par‑
cial do objeto desta Concorrência, desde que mantida a preponderância da atuação
da Contratada na execução do objeto como um todo e haja anuência prévia, por
escrito, da Contratante, após avaliada a legalidade, adequação e conveniência de
938
R.T.J. — 225
permitir-se a subcontratação, ressaltando-se que a subcontratação não transfere
responsabilidades a terceiros nem exonera a Contratada das obrigações assumidas,
nem implica qualquer acréscimo de custos para a Contratante.
Nesse mesmo sentido foi a conclusão do Tribunal de Contas da União:
18. A propósito, cumpre registrar o seguinte excerto dos esclarecimentos
prestados pelo Sr. Diretor-Geral da Câmara dos Deputados (fl. 1924, vol. 13):
Um ponto ainda merece ser destacado em contratos dessa natureza.
É que, na essência e em verdade, o maior dispêndio, ou seja, os gastos pro‑
priamente ditos com campanhas institucionais, verifica-se quando da veicu‑
lação. Nesse sentido, pode-se afirmar sem medo de errar, que a maior e mais
significativa parte dos recursos empregados foram, na verdade, repassados
às TVs abertas, rádios e jornais, ou seja, as ditas mídias que veicularam as
campanhas decorrentes do trabalho intelectual formulado sob a supervisão e
responsabilidade técnica, direta ou indireta, da contratada.
Em suma, nesse tipo de contrato sempre a maior parte dos recursos serão
gastos com terceiros, que efetivamente divulgam as campanhas institucionais.
19. Dessa forma, observa-se que o contrato examinado apenas exemplifica a si‑
tuação identificada pelo Tribunal nas contratações de mesma natureza realizadas pela
Administração Pública, nas quais as agências de publicidade são intermediárias das
contratações com terceiros de qualquer ação publicitária da Administração. No entanto,
cumpre destacar a respeito do contrato em tela a conclusão da Unidade Técnica de que
as informações prestadas pelo Sr. Diretor-Geral da Câmara dos Deputados foram su‑
ficientes para demonstrar a ausência de irregularidade nos atos de gestão analisados, o
que me leva a considerar esclarecida a questão. [Fls. 40358/40359 do vol. 188.]
Ante o exposto, julgo igualmente improcedente a acusação e absolvo o réu
João Paulo Cunha da imputação de peculato (art. 312 do CP), por duas vezes,
nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
III.1 Câmara dos Deputados
Marcos Valério Fernandes de Souza – 5º acusado
Ramon Hollerbach Cardoso – 6º acusado
Cristiano de Mello Paz – 7º acusado
Os acusados Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, em
relação a este item da denúncia, respondem ao crime de peculato (art. 312 do CP)
e de corrupção ativa (art. 333 do CP).
No que tange ao delito de corrupção ativa, argumentou a acusação que:
236. A prova colhida no curso da instrução comprovou a acusação feita na
denúncia, de que no dia 4 de setembro de 2003, o Deputado Federal João Paulo
Cunha, no exercício do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, recebeu
vantagem indevida, consistente no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), para
beneficiar a empresa SMP&B Comunicação, de que eram sócios Marcos Valério,
Ramon Hollerbach e Cristiano Paz.
R.T.J. — 225
939
237. Comprovou-se, também, a prática pelo acusado dos crimes de pecu‑
lato e lavagem de dinheiro, por duas vezes. No mesmo contexto, Marcos Valério,
Ramon Hollerbach e Cristiano Paz consumaram os crimes de corrupção ativa e
peculato (fl. 45195, vol. 214).
(...)
246. A empresa SMP&B Comunicação, também de propriedade de Marcos
Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, foi a vencedora, firmando, em 31 de
dezembro de 2003, o Contrato n. 2003/2004 com a Câmara dos Deputados.
247. Justamente em razão do plexo de atribuições do Presidente da Câmara
dos Deputados que envolvia decisões e prática de atos administrativos concernentes
à concorrência n. 11/03 e a execução do Contrato n. 2003/2004, dele decorrente,
Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach ofereceram e, posteriormente,
pagaram R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a João Paulo Cunha.
248. João Paulo Cunha concordou com a oferta, e, ciente da sua origem ilí‑
cita, valeu-se da estrutura de lavagem de dinheiro disponibilizada pelo Banco Ru‑
ral para receber o valor. Maria Regina Milanésio Cunha, sua esposa, compareceu
à agência do Banco Rural no Shopping Brasília e recebeu a quantia em espécie.
A prova documental está à fl. 235 do Apenso 7.
(...)
272. (...) João Paulo Cunha, como presidente da Câmara dos Deputados, ti‑
nha o domínio do processo de licitação, do contrato a ser assinado com a empresa
que vencesse o certame e dos atos de sua execução.
(...)
278. A denúncia atribuiu ao acusado apenas o delito capitulado no caput do
art. 317. E assim procedeu com base no consolidado entendimento dessa Corte
Suprema e na melhor doutrina, que afirmam categoricamente a desnecessidade da
efetiva prática do ato. A consumação do delito de corrupção passiva contenta-se, é
imperioso repetir, com a simples perspectiva da prática de um ato. Por esse motivo
é que existe a exigência de que o ato almejado pelo corruptor ativo, ao oferecer e
pagar a vantagem indevida, esteja inserido nas atribuições do funcionário público.
(...)
284. E o acusado, apesar das diversas tentativas, não conseguiu justificar com
argumentos minimamente aceitáveis, por que, no exercício do cargo de presidente
da Câmara dos Deputados, recebeu R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) da empresa
que logo depois sagrou-se vencedora de licitação milionária realizada pela Casa
Legislativa que administrava.
285. Ressalte-se que o dinheiro foi recebido no dia 4 de setembro de 2003, en‑
quanto o edital da concorrência n. 11/03 ganhou publicidade no dia 16 do mesmo mês.
O Contrato n. 2003/2004 foi assinado no dia 31 de dezembro de 2003. [Fls. 111 a 125.]
Quanto ao crime de peculato, apontou a acusação os seguintes aspectos:
288. Comprovou-se, no entanto, que a subcontratação da IFT pela SMP&B
teve justificativa meramente formal, sendo a verdadeira finalidade permitir que
Luiz Carlos Pinto continuasse assessorando João Paulo Cunha, como vinha fazendo
desde janeiro de 2003.
(...)
312. Mesmo que se exclua o item “veiculação de propaganda em órgãos de
comunicação”, tese desenvolvida pela defesa, a terceirização do objeto ainda alcan‑
çou o patamar de 97,68%.
940
R.T.J. — 225
313. É fato incontroverso, extraído dos dados oriundos da execução contra‑
tual, que a empresa SMP&B Comunicação nada produziu. Até mesmo a sua tenta‑
tiva de abalar a imputação formulada, argumentando que teria atuado diretamente
na área de criação, foi refutada tecnicamente pelo Laudo n. 1.947/2009-INC:
(...)
314. A perícia conseguiu individualizar os serviços prestados diretamente pela
SMP&B que corresponderam, como dito, ao percentual de 0,01% do objeto contratado.
316. Embora a denúncia tenha apontado o montante desviado de R$ 536.440,55,
o Laudo n. 1.947/2009-INC, após a análise dos pagamentos efetuados no curso do
Contrato n. 2003/2004, demonstrou que o valor desviado foi de R$ 1.077.857,81 (um
milhão, setenta e sete mil, oitocentos e cinquenta e sete reais e oitenta e um centavos).
[Fls. 126 a 144.]
Defesa de Marcos Valério
Em relação ao delito de corrupção ativa atribuído ao acusado Marcos
Valério no contrato de publicidade firmado com a Câmara dos Deputados, argu‑
menta sua defesa que:
O Ministério Público, no curso da ação penal, não se desincumbiu do
ônus de provar o imaginário “tratamento privilegiado” que teria dado à SMP&B
o então Presidente da Câmara, Deputado João Paulo. Os representantes daquelas
sete outras empresas licitantes, agências de publicidade concorrentes da SMP&B
não reclamaram, nem recorreram do resultado da licitação. O Edital de Licitação
foi assinado pelo Presidente da Comissão de Licitação, Ronaldo Gomes de Souza
(p. 977, do Apenso 84). O contrato e seus aditivos são assinados pelo Diretor-Geral
da Câmara dos Deputados, Sérgio Sampaio Contreiras de Almeida (Apenso 2, con‑
trato – fls. 147/156 e aditivos – fls. 134/143).
O gestor do contrato era o Diretor da Secom da Câmara dos Deputados,
Márcio Marques de Araújo (p. 644, Apenso 84) designado nos termos da Cláusula
Décima Terceira do contrato (fls. 154/5 – Apenso 2). [Fl. 68 – Grifos do autor.]
Afirma ter ficado provado que
[o] deputado João Paulo não teria como dar “tratamento privilegiado” (...),
pois lhe competia qualquer “ato de ofício” no mencionado processo de licitação.
Nada podia ele fazer “em razão da função” para dar o imaginário “tratamento privi‑
legiado” no procedimento de licitação.
João Paulo e Delúbio Soares esclareceram, em depoimentos, que o valor re‑
passado por Marcos Valério, por orientação do PT, destinava-se a cobrir gastos de
campanha em Osasco, São Paulo, tendo a defesa de João Paulo produzido a respec‑
tiva prova desse fato (depoimento de fl. 30161, vol. 138 – Nelson Roberto de Oliveira
Guimarães). [Fl. 68.]
Nesse contexto, sob a óptica da defesa, em relação a esta imputação no con‑
texto narrado, não se teria demonstrado a prática de ato de ofício, demonstração essa
necessária para a caracterização do crime de corrupção ativa atribuído ao acusado.
Quanto ao episódio de peculato (SMP&B) narra a defesa de Marcos
Valério que,
R.T.J. — 225
941
Em primeiro lugar, cumpre registrar, como já exposto nesta defesa, que o
deputado João Paulo, embora fosse o Presidente da Câmara dos Deputados, não era
o executor do contrato de publicidade entre a SMP&B e aquela Casa. Esta tarefa
estava formalmente delegada pelo Diretor-Geral da Câmara dos Deputados, Sérgio
Sampaio Contreiras de Almeida, ao Diretor da Secom da Casa, Márcio Marques de
Araújo (p. 644, Apenso 84) designado nos termos da Cláusula Décima Terceira do
contrato (fls. 154/5 – Apenso 2).
Nos diferentes documentos existentes no processo relativo à execução da‑
quele contrato, quem aparece cuidando do acompanhamento das atividades contra‑
tuais é o referido Diretor da Secom (Apenso 84, p. 616 a 1381). Logo, a afirmação
de que o deputado João Paulo desviou, ou autorizou o desvio de recursos, durante a
execução deste contrato, não restou provada. Ele não era o executor e não detinha a
posse ou a disponibilidade jurídica dos recursos financeiros. Atribuir-lhe culpa por
quaisquer atos relativos ao contrato, apenas porque era o Presidente da Câmara dos
Deputados na época, sem mínima prova de participação pessoal e direta, constitui
intolerável responsabilidade penal objetiva. [Fl. 92.]
Entende que, “como o deputado João Paulo não pode ser o autor de pecu‑
lato, crime próprio de funcionário público, em relação aos fatos narrados na
denúncia, o 5º denunciado, Marcos Valério, não pode ser responsabilizado por
peculato, na condição de coautor ou partícipe” (fls. 92/93).
E prossegue afirmado que, “no Laudo n. 1.947/2009 do INCIDPF (colhido em
juízo, sob o crivo do contraditório, mas ignorado pelo PGR), os Peritos Criminais,
excluindo os serviços prestados pela IFT do jornalista Luís Costa Pinto, (item 6,
fl. 34922 – vol. 162), afirmando que ‘constataram que os serviços contratados
foram prestados’ e ‘não foram encontrados indícios que pudessem indicar uma
terceirização fictícia dos serviços’ (item 7, fl. 34925 – vol. 162) (...) a seu turno o
Tribunal de Contas da União, no reexame final do contrato /SMP&B, igualmente,
chegou à conclusão que não houve a alegada subcontratação de 99,9% e que não
havia limite para a terceirização da prestação de serviços” (fl. 96).
Na sequência, a defesa de Marcos Valério argumenta que:
Em relação à subcontratação da empresa IFT – Ideias, Fatos e Texto Ltda.,
do conhecido e conceituado jornalista Luís Costa Pinto, que, na versão da denúncia,
teria possibilitado um desvio de R$ 252.000,00, em favor do próprio deputado João
Paulo, cumpre observar que, aquela empresa já prestava serviços para a Câmara dos
Deputados, em data anterior ao contrato da SMP&B (31-12-2003), subcontratada
pela agência Denison Brasil Publicidade Ltda., que era a contratada da Câmara dos
Deputados em 2002 e 2003 (Contrato e aditivos, p. 918/922 e 934/941, Ofício da
p. 850, Apenso 84).
(...)
A SMP&B apenas manteve a empresa subcontratada, por orientação da Se‑
cam/CO, a qual empresa, efetivamente, prestou os serviços objeto dos documentos
e Notas Fiscais pela mesma apresentados e atestados pela Secam/CO (p. 857/894,
Apenso 84).
Luís Antônio Aguiar da Costa Pinto prestou os serviços e pelos mesmos foi
remunerado, pois não trabalha de graça, sendo um respeitável assessor de imprensa
brasiliense (depoimento de fls. 6005/7 – vol. 29). Se a versão da denúncia, no
942
R.T.J. — 225
sentido de que esta subcontratação seria uma “manobra articulada por João Paulo
para desviar recursos públicos em proveito próprio” o PGR teria que denunciar,
como coautor, nunca o 50º denunciado, Marcos Valério, mas o próprio Luís Costa
Pinto. [Fls. 97/98 – Grifos do autor.]
Mais adiante argumenta que:
(...) os Peritos Criminais do INCIDPF, que demonstraram nada conhecer de
serviços de publicidade e propaganda, bem como da terceirização dos mesmos, não
aceitaram as provas da prestação dos serviços da IFT – Ideias, Fatos e Texto Ltda.
apresentadas pela Secom/CO.
Entretanto, o Tribunal de Contas da União, que fiscalizou o mesmo contrato CD/SMP&B, concluiu que os serviços foram prestados pela IFT (Conferir
no voto do Relator, itens 6 a 10, do acórdão de fl. 40357 do vol. 188 – abaixo trans‑
critos), conforme admitido pelos próprios peritos (item 11 – fl. 34926 – vol. 162) (...)
[bem como que] o trabalho de Luís Costa Pinto na Câmara dos Deputados é con‑
firmado por outros dois deputados federais que fizeram parte da Mesa da Câmara:
Ciro Nogueira Lima Filho (fls. 42710/11 – vol. 200) e Geddel Quadros Vieira Lima
(fl. 42809 – vol. 201), bem como pelo atual Ministro da Justiça, o Deputado Federal
José Eduardo Cardozo (fls. 42741 – vol. 200). [Fl. 102 – Grifos do autor.]
Defesa de Ramon Hollerbach Cardoso
Já a defesa do réu Ramon Hollerbach Cardoso esclarece, quanto ao crime
de corrupção ativa relacionado neste capítulo da denúncia, que:
A Acusação, mais uma vez, faz considerações genéricas, impessoais e equi‑
vocadas, registrando haver vários crimes cometidos pelo “grupo Marcos Valério”.
Ademais, ao relatar a “participação” do Requerente nos fatos que em tese carac‑
terizariam o delito de Peculato, a Acusação não descreve e não aponta qualquer
conduta típica por parte do ora Acusado, contentando-se em dizer apenas que outra
pessoa (no caso Marcos Valério) agia em seu nome.
De todo o exame dos autos e em especial da Denúncia e, alegações finais não
se identifica qualquer conduta supostamente perpetrada por Ramon Hollerbach
Cardoso. A pretensa corrupção – se houve – foi realizada por terceiro, nunca pelo
Requerente. Como acusar e pedir sua condenação se não existe qualquer referência
à ação de “oferecer” ou “prometer” de sua parte? [Fl. 16 – Grifos do autor.]
Mais adiante colaciona que “os valores repassados a João Paulo Cunha
ocorreram por determinação do Sr. Delúbio Soares. Mas, mesmo que se aceitasse
como verdadeira a hipótese de que ‘em uma dessas reuniões, Marcos Valério,
em nome de Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, ofereceu
vantagem indevida (50 mil reais) a João Paulo Cunha (...)’ esqueceu o Ministé‑
rio Público de esclarecer algumas questões: Onde foi ‘uma dessas reuniões’?
Quando ocorreu? Em que consistiu a conduta de Ramon Hollerbach? Qual
a base para afirmar que Ramon Hollerbach Cardoso sabia desse oferecimento ou de que alguém agia em seu nome? Onde há nos autos (ou fora
deles) alguma prova de que isso tenha acontecido?” (fl. 19 – grifos do autor).
R.T.J. — 225
943
Nesse aspecto, destaca que “a Denúncia e as Alegações Finais apenas rela‑
tam que o Requerente receberia ‘tratamento privilegiado’ do então Presidente
da Câmara dos Deputados, Deputado Federal João Paulo Cunha. No entanto,
esqueceu-se, novamente, o Ministério Público de identificar qual prática, omis‑
são ou retardo de ato funcional por parte do Deputado Federal João Paulo Cunha
caracterizaria o alegado tratamento privilegiado e, se ele efetivamente tinha
como praticar esse suposto fato em favor do acusado” (fl. 19).
Entende que “a este tópico da Acusação também se aplica tudo o que já foi
exposto pela defesa ao contestar a acusação da prática do crime de formação de
quadrilha por padecer dos mesmos vícios incuráveis que devem ser reconhecidos
neste momento processual” (fl. 19).
Na sequência, traz os seguintes argumentos:
Importante registrar que a esmagadora maioria das licitações para contrata‑
ção de serviços publicitários ocorre na modalidade “Concorrência”, no tipo “Melhor Técnica” e, ainda, que a quase totalidade das licitações prevê como regime a
“Execução indireta-empreitada por preço global”.
O contrato que a SMP&B firmou com a Câmara dos Deputados é igual a
todos os demais firmados pela Administração Pública Federal com as agências
de propaganda.
A Acusação não deve ignorar que o contrato, em sua íntegra, é conhecido no
início do processo licitatório e não é alterado depois, restando apenas o preenchi‑
mento dos dados da agência vencedora (documento n. 2 e 3 anexado com a da
Defesa Preliminar, Apenso n. 111, vol. 1 dos autos).
Embora não seja objeto direto da Denúncia, é importante explicar como ocorreu
a licitação e os termos do contrato com a Câmara dos Deputados. A SMP&B partici‑
pou do certame licitatório do tipo “Melhor Técnica” – Edital de Concorrência Pública
n. 11/03 – aberto por aquela Instituição, sagrando-se vencedora por haver apresentado
a melhor Proposta Técnica e a melhor (menor) Proposta de Preços. (documento n. 2 e
3, anexado com a Defesa Preliminar – Apenso n. 111, vol. 1 dos autos).
Tudo isso com estrita observância ao que dispõe o Regulamento dos Procedimentos Licitatórios da Câmara dos Deputados, aprovado por Ato da Mesa n. 80/01,
de 7-6-01 e publicado no Diário Oficial da União, edição de 5-7-01.
A avaliação das propostas foi efetuada por comissão composta por pessoas
preparadas tecnicamente e aptas a fazê-la, todas elas com autonomia funcional e
responsabilidade sobre o processo licitatório. Tanto foi assim que o regular e legal
procedimento foi confirmado pelo Sr. Sérgio Contreiras de Almeida, em 29 de no‑
vembro de 2005, por meio de ofício dirigido ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, no qual expôs o porquê da instalação da referida comissão:
(...)
Daí se conclui facilmente que o então Presidente da Câmara não teria como
intervir no resultado do certame licitatório; motivo, inclusive, suficientemente claro
para demonstrar que não haveria razão para lhe dar qualquer vantagem patrimonial
a pretexto de receber “tratamento privilegiado”, não chegando a Denúncia a dizer
em que consistiria tal situação. [Fl. 20 – Grifos do autor.]
944
R.T.J. — 225
Quanto ao peculato esclarece a defesa que ele seria “referente à Câmara
dos Deputados diz respeito à suposta apropriação de R$ 536.440,55 afirmando
que a SMP&B recebeu sem trabalhar” (fl. 21).
Nesse contexto, aduz que “equivoca-se cabalmente a Acusação, pois a
SMP&B prestou serviços para a Câmara dos Deputados, com reduzida margem
de ganho. Ofereceu à Câmara dos Deputados uma Proposta de Preços elaborada
dentro de limites traçados pelo mercado. A constatação disto pode ser encon‑
trada na Cláusula Nona – ‘Do desconto de Agência’, que dispõe em seu pará‑
grafo único (...)” (fl. 23).
E prossegue afirmando, in verbis, que:
Constata-se que a SMP&B foi remunerada com 20% (vinte por cento) dos
valores constantes da Tabela de Custos Internos do Sindicato das Agências de Pro‑
paganda do Distrito Federal, conforme constava em sua Proposta de Preços e da
Cláusula Oitava, alínea a, do Contrato n. 2003/204-0.
A SMP&B foi remunerada com honorários de 5% (cinco por cento) sobre o
valor faturado por terceiros, fornecedores, em relacionamentos em que foi envol‑
vida na contratação, na supervisão (serviços de produção) e no processo de paga‑
mento, conforme constava de sua Proposta de Preços, da Cláusula Oitava, alínea b
do Contrato n. 2003/204-0 e dos subitens 3.6.1 e 3.6.2 das normas-padrão.
A SMP&B, repita-se, não recebeu valor algum que não procedesse de sua real e
efetiva prestação de serviços, como bem comprovam os quadros apresentados na De‑
fesa Preliminar (Apenso n. 111 dos autos) e que observaram estritamente a tabela do
Sindicato das Agências de Propaganda, e os custos internos, nos anos de 2004 e 2005.
A afirmação de que o Deputado João Paulo Cunha desviou, juntamente com o
“núcleo Marcos Valério”, R$ 536.440,55 (quinhentos e trinta e seis mil, quatrocentos e
quarenta reais e cinquenta e cinco centavos) do Contrato n. 2003/204-0, usando o Con‑
trato firmado pela Câmara dos Deputados com SMP&B, não encontra o menor suporte
probatório. A atividade da SMP&B sempre foi irrepreensível conforme demonstrado
pela Controladoria-Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União. [Fl. 24.]
Defesa de Cristiano de Mello Paz
As alegações finais da defesa trazem a análise sequencial dos delitos de
corrupção ativa e peculato envolvendo o presidente da Câmara dos Deputados,
João Paulo Cunha. Nesse ponto esclarece, sobre a corrupção ativa, que, “mais
uma vez, como se deu ao longo de toda a instrução processual, deixou o Ministério Público Federal de apontar, individualmente, qual teria sido o ato específico do defendente, que pudesse caracterizar o crime previsto pelo artigo 333
do Código Penal” (fl. 20 da inicial – grifos do autor).
Aduz que “[a] prova dos autos demonstrou, de maneira cristalina, que o
deputado João Paulo Cunha não possuía competência para influenciar os tra‑
balhos da Comissão Permanente de Licitações. (...) [Dessa forma,] além de ine‑
xistir nos autos prova de qualquer participação do denunciado no oferecimento,
promessa ou mesmo pagamento de vantagem ao deputado João Paulo Cunha, de
outro lado restou comprovado que as decisões concernentes ao procedimento
R.T.J. — 225
945
licitatório em questão, não compunham o plexo das atribuições do Presidente da Câmara dos Deputados” (fls. 23/24 – grifos do autor).
Assim, “seja porque inexiste prova da participação do defendente no ofere‑
cimento ou promessa de pagamento, seja porque o suposto ato de ofício praticado
não compunha o feixe de atribuições do Presidente da Câmara dos Deputados,
requer seja também absolvido neste ponto” (fl. 25 – grifos do autor).
Sobre o peculato, esclarece a defesa não haver “qualquer irregularidade
ou ilegalidade nos honorários recebidos pela SMP&B, que foram pagos com
estrita obediência das normas contratuais” (fl. 32 – grifos do do autor).
Afirma, ainda, que “a imputação de peculato não se sustenta e está a
desautorizá-la a prova colhida, mormente a apreciação feita pela Corte de
Contas, que, em sessão plenária, decidiu pelo arquivamento dos autos” (fl. 33 –
grifos do autor).
Materialidade do delito:
Análise do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) imputado aos acusados
Oferecimento da importância de R$ 50.000,00 ao deputado federal João
Paulo Cunha, na condição de presidente da Câmara Federal
Em relação ao delito de corrupção ativa (CP, art. 333) imputado aos réus
em decorrência do oferecimento de vantagem indevida ao deputado federal João
Paulo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, constata-se que o
saque efetivado por Márcia Regina M. Cunha, esposa do parlamentar em ques‑
tão, se encontra devidamente comprovado nos autos, como se vê de cópia de
um fac-símile enviado pela agência do Banco Rural em Belo Horizonte/MG à
agência de Brasília autorizando essa pessoa a receber a quantia de R$ 50.000,00,
mediante simples aposição de sua assinatura naquele documento, o qual faz refe‑
rência a um cheque da SMP&B de idêntico valor que se encontrava em poder da
agência mineira.
Confira-se o teor daquele documento, ipsis litteris:
Assunto: Saque
Autorizamos a Sra. Marcia Regina Cunha, a receber a quantia de R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais), ref. ao cheque SMP&B Propaganda Ltda. que se encontra em
nosso poder. [Fl. 235 do Apenso 7.]
Penso, contudo, que não está demonstrada de forma suficiente para ensejar
a imposição de um édito condenatório contra os acusados a afirmação do Minis‑
tério Público Federal de que essa quantia teria sido ofertada pelos réus a João
Paulo Cunha para que favorecesse a empresa SMP&B em iminente procedi‑
mento licitatório para a contratação de empresa de publicidade pela Câmara dos
Deputados (Edital de Concorrência 11/2003).
Destaque-se que a prova documental apresentada nos autos não corrobora a
assertiva de que tenha havido irregularidades na aludida concorrência.
946
R.T.J. — 225
Os depoimentos dos integrantes da Comissão Especial de Licitação, Ronaldo
Gomes de Souza (fls. 42414/42422, vol. 198), Marcos Magro Nardon (fls. 42347/42351,
vol. 198) e Márcio Marques de Araújo (fls. 42280/42299, vol. 198), foram uníssonos
em afirmar a lisura e a regularidade daquele certame, assim como negaram qualquer
ingerência por parte do então presidente na escolha da proposta vencedora.
Veja-se que essa comissão especial de licitação, instituída para a Concorrên‑
cia 11/2003, era composta por servidores concursados da Casa, sem qualquer indí‑
cio de que tenha havido interferência por parte do então presidente da Câmara dos
Deputados, ou de seu diretor-geral, na escolha ou indicação de seus integrantes.
Ressalto, por último, que, diante das suspeitas veiculadas por ocasião das
denúncias contra o deputado João Paulo Cunha, partiu dele próprio a iniciativa
de, por meio do Ofício OFJP-DF 389/2005 (fl. 555), requerer ao então presidente
da Câmara dos Deputados que encaminhasse ao Tribunal de Contas da União
uma solicitação para abertura de auditoria no processo licitatório e na execução
do referido contrato de publicidade firmado com a SMP&B, tendo aquela Corte
de Contas concluído pela regularidade de ambos os procedimentos.
É igualmente veraz, conforme destacado pelo Ministério Público Federal em
abono de sua tese, que João Paulo Cunha afirmara, perante a Comissão de Ética
da Câmara, que a sua mulher estivera na aludida agência bancária visando resolver
problemas relativos a uma fatura e que, somente depois da divulgação da lista de
sacadores apresentada pelo réu Marcos Valério, admitiu a realização do saque no
valor de R$ 50.000,00, afirmando que dita importância teria sido remetida, a mando
de Delúbio Soares, para pagamento de pesquisas pré-eleitorais em Osasco/SP.
Esse comportamento, todavia, não é suficiente para uma condenação,
máxime quando as demais provas produzidas no curso da instrução foram no
sentido de ratificar essa última versão, não tendo o órgão acusatório comprovado
a falsidade dessas alegações.
Em contraposição à tese da acusação e a abonar a versão da defesa, encontram‑
-se as declarações de Delúbio Soares (fls. 16591/16633 do vol. 77) e os depoimentos
de Irineu Casemiro Pereira, assessor parlamentar responsável pela solicitação dos
recursos necessários à realização dos serviços de pesquisa pré-eleitoral diretamente a
João Paulo Cunha (fls. 29890/29896 do vol. 136); Gelso Aparecido de Lima, pes‑
soa que recebeu os recursos e providenciou o pagamento dos serviços de pesquisa (fls.
29897/29905 do vol. 136); e de Nelson Roberto de Oliveira Guimarães, responsável
legal pela Datavale Pesquisas e Comunicações e Sistemas S/C Ltda., que confirmou
haver realizado as pesquisas em favor do Partido dos Trabalhadores nos Municípios
de Carapicuíba, Jandira, Osasco e Cotia, (fls. 30161/30163 do vol. 138).
Ademais, existe prova documental, consubstanciada em notas fiscais cuja ini‑
doneidade não se comprovou, atestando a realização dos serviços de pesquisa em
favor de João Paulo Cunha na região de Osasco/SP, não obstante os fatos de esses
documentos serem datados de 10-9-2003, 30-9-2003 e 19-12-2003, de terem nume‑
ração sequencial (151, 152 e 153, respetivamente – fl. 10699) e de o recolhimento dos
R.T.J. — 225
947
tributos incidentes sobre os serviços prestados (ISS) somente ter ocorrido dois anos
depois da emissão das notas, em virtude da divulgação dos fatos na imprensa.
Apesar de esses fatos indicarem a ocorrência de sonegação fiscal (elidida
pelo pagamento dos tributos e seus acréscimos posteriormente), eles, por si sós,
não são suficientes para comprovar a inidoneidade das notas ou para demonstrar
que os serviços por elas atestados não tenham sido efetivamente prestados.
Dos fatos também não decorre que o repasse efetuado por ordem de Delúbio Soares, e operacionalizado pelo réu Marcos Valério, tenha sido feito com o
intuito, especificamente, de cooptar o parlamentar para que atuasse em prol da
SMP&B no citado procedimento licitatório, não sendo possível confirmar a cor‑
relação estabelecida pela acusação.
Veja-se que a conduta descrita também não se adéqua ao tipo imputado ao
acusado, na medida em que o oferecimento da vantagem, na espécie, não foi compro‑
vadamente motivado pela função pública exercida pelo parlamentar, de modo a possi‑
bilitar o reconhecimento da relação de causalidade entre a conduta e o fato imputado.
Nesse contexto, não tendo restado claramente demonstrado o oferecimento ao
parlamentar de vantagem indevida, nem que o valor pago por intermédio da agência
de publicidade de Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano de Mello Paz
tivesse por finalidade obter vantagens na contratação da empresa pela Câmara dos
Deputados, não se tem por configurado o crime de corrupção ativa imputado aos réus.
Com essas considerações, julgo improcedente a denúncia e absolvo Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de
Mello Paz do crime de corrupção ativa (art. 333 do CP), nos termos do art. 386,
VII, do Código de Processo Penal.
Análise do delito de peculato (art. 312 do CP)
Desvio, em proveito da SMP&B, de R$ 536.440,55 por serviços não prestados à Câmara dos Deputados por intermédio do Contrato 2003/2004
Pois bem, em relação ao delito de peculato (CP, art. 312) imputado ao réu con‑
sistente no desvio, em proveito da SMP&B, de R$ 536.440,55, via a não prestação à
Câmara dos Deputados de serviços previstos no Contrato 2003/2004, a alegação é de
que o alto índice de subcontratações autorizadas por João Paulo Cunha na execu‑
ção do contrato de publicidade caracterizaria a prática do crime de peculato-desvio.
Embora efetivamente tenham ocorrido subcontratações, essa prática não
configura o delito de peculato, uma vez que empreendida em consonância com
permissivo constante de cláusulas contratuais.
Ressalto, ainda, que, embora a denúncia tenha apontado o montante desviado
de R$ 536.440,55, o Laudo 1.947/2009-INC, após a análise dos pagamentos efe‑
tuados no curso do Contrato 2003/2004, aponta que o valor das comissões pagas
à SMP&B por serviços subcontratados foi de R$ 1.077.857,81. Contudo, em razão
da necessidade de observância da correlação entre a denúncia e a sentença
948
R.T.J. — 225
(HC 109.151/RJ, Primeira Turma, rel. min. Rosa Weber, DJE de 17-8-2012),
mantenho a análise circunscrita ao valor imputado pelo Parquet na exordial acusatória, o que, inclusive, dadas as minhas conclusões, é totalmente irrelevante.
Assim, feito esse esclarecimento, destaco excerto do Laudo Pericial 1.947/2009INC, elaborado pelo Instituto de Criminalística da Polícia Federal:
28. Dessa forma, os gastos comprovados com os serviços de criação, além de
outros serviços prestados pela própria SMP&B, conforme parágrafo 26, totalizaram
R$ 17.091,00 (valor bruto). Considerando que esse valor se refere ao ressarcimento
de 20% de seus custos internos, esses totalizaram R$ 85.455,00 (valor dos serviços
prestados, observados como limite máximo desses valores os previstos na tabela de
preço do Sindicato das Agências de Propaganda do Distrito Federal). Os gastos com
serviços terceirizados, excluindo-se as veiculações, totalizaram R$ 3.687.300,13
sem distinção entre “criação” e “produção”.
29. Assim, o percentual dos serviços prestados pela própria SMP&B (R$ 85.455,00)
com relação aos serviços terceirizados (R$ 3.687.300,13) corresponde a 2,32%.
(...)
IV – Respostas aos quesitos
IV.1 Quesitos do Ministro Joaquim Barbosa
(...)
4) qual foi a efetiva remuneração da SMP&B no contrato.
34. A efetiva remuneração da SMP&B (honorários líquidos) foi de
R$ 1.092.479,22. Vide Seção III.4 Da Efetiva Remuneração da SMP&B no Contrato.
IV.2 Quesitos do Ministério Público
(...)
b) informar, em termos de valores e em termos percentuais, os serviços prestados
diretamente pela empresa SMP&B Comunicação Ltda. e os serviços subcontratados.
36. O valor dos serviços prestados diretamente pela SMP&B é de R$ 85.455,00
(R$ 17.091,00 correspondem ao ressarcimento de 20% dos seus custos internos con‑
forme Tabela 7), que corresponde a 2,32% do total de serviços terceirizados, excluindo‑
-se as veiculações. Vide Seção III.5 Dos Serviços de Criação, Produção e Veiculação.
c) Com base no item h, descrever quais foram os serviços prestados direta‑
mente pela empresa SMP&B Comunicação Ltda.
37. Os serviços prestados diretamente pela SMP&B podem ser vistos no
Apêndice A e estão resumidos a seguir:
(...)
IV.3 Quesitos da Defesa
3) Em um contrato firmado com uma agência de publicidade e propaganda,
relativa à conta de publicidade e propaganda, seja de um órgão público, seja de uma
empresa privada, é da rotina operacional do contrato a terceirização dos serviços
contratados, especialmente as atividades de produção e veiculação? Essas duas ati‑
vidades correspondem, em geral, a qual percentual dos serviços contratados?
39. Com relação aos órgãos públicos, sim. O Acórdão 2.062/2006 (Plená‑
rio – TCU) consolidou os trabalhos de auditoria realizados na área de publicidade
e propaganda, no exercício de 2005, em 17 órgãos e entidades da administração
pública federal. Além de apresentar resumo das principais irregularidades detecta‑
das, a análise visou à identificação de falhas de caráter generalizado que pudessem
revelar a necessidade de aprimoramento da sistemática dessas contratações. Dentre
as principais falhas/irregularidades detectadas estão a “intermediação desnecessária
R.T.J. — 225
949
da agência (pagamentos sem contrapartida de serviços prestados)”. Abaixo, alguns
trechos do referido Acórdão que merecem destaque:
(...)
4) O contrato (CD/SMP&B n. 2003/2004, de 31-12-2003) admitia pudesse
haver terceirização de serviços?
40. Sim. Conforme o item 9.7 do edital, verbis: “9.7 A Contratada poderá
subcontratar outras empresas, para a execução parcial do objeto desta Concorrência, desde que mantida a preponderância da atuação da Contratada na execução
do objeto como um todo e haja anuência prévia, por escrito, da Contratante, após
avaliada a legalidade, adequação e conveniência de permitir-se a subcontratação,
ressaltando-se que a subcontratação não transfere responsabilidades a terceiros nem
exonera a Contratada das obrigações assumidas, nem implica qualquer acréscimo
de custos para a Contratante”.
5) O contrato (CD/SMP&B n. 2003/2004, de 31-12-2003) estabelecia algum
limite (quantitativo, qualitativo ou de percentual) para a terceirização de serviços?
41. O contrato não estabeleceu limite para subcontratações.
6) O Sr. Perito pode distinguir, na execução do contrato, em relação às peças
de publicidade e propaganda, quais serviços são de criação, quais serviços são de
produção e quais serviços são de veiculação?
42. É possível distinguir os serviços de veiculação, os serviços prestados direta‑
mente pela SMP&B e os serviços terceirizados. Esses dois últimos sem distinção entre
criação e produção. Vide Seção III.5 Dos Serviços de Criação, Produção e Veiculação.
7) Na execução do contrato, em relação às peças de publicidade e propaganda,
os serviços de criação foram feitos, diretamente, por equipe da SMP&B ou foram
terceirizados? Neste último caso, quais foram terceirizados e em que percentual?
8) Na execução do contrato, em relação às peças de publicidade e propaganda
os serviços de produção foram feitos, diretamente, por equipe da SMP&B ou foram
terceirizados? Neste último caso, quais foram terceirizados e em que percentual?
43. Com relação aos quesitos 7 e 8, vide as considerações da Seção III.5 Dos
Serviços de Criação, Produção e Veiculação sobre as dificuldades em se distinguir
os serviços de criação e produção. No entanto, de acordo com a Tabela 6, constata‑
-se, pelo valor dos custos internos incorridos, que a participação da SMP&B foi de
2,32% com relação a todos os serviços produzidos, ou seja, 97,68% dos serviços,
independentemente da distinção entre “criação” e “produção”, foram terceirizados,
sem considerar os serviços de veiculação. Além disso, do total pago à SMP&B refe‑
rente ao ressarcimento de seus custos internos (Tabela 7), R$ 12.372,56 se referem
a serviços prestados para a realização de seminários ou exposições e R$ 4.718,44 se
referem à “produção” ou “criação” de serviços voltados para as campanhas publi‑
citárias “Plenarinho”, “Institucional” e “Visite a Câmara”, veiculadas nos diversos
meios de comunicação, conforme tabela abaixo. Dessa forma, a participação per‑
centual da SMP&B na prestação de serviços de criação ou de produção em relação
às peças de publicidade e propaganda foi ínfima.
9) Na execução do contrato, em relação às peças de publicidade e propaganda,
os serviços de veiculação foram feitos, diretamente, por equipe da SMP&B ou foram
terceirizados? Neste último caso, quais foram terceirizados e em que percentual?
44. Terceirizados. Os gastos com veiculações correspondem a 65,53% do
contrato. O detalhamento dos serviços de veiculação pode ser visto no Apêndice A.
10) A atividade de seleção, coordenação e supervisão dos serviços terceiri‑
zados de produção e veiculação das mesmas peças de publicidade e propaganda na
950
R.T.J. — 225
execução do contrato era de responsabilidade da SMP&B? Qual foi a remuneração
percebida pela SMP&B por esta atividade?
45. Sim. A remuneração total recebida pela SMP&B foi de R$ 1.092.479,22,
sendo que R$ 948.338,41 correspondem aos honorários líquidos recebidos em fun‑
ção das veiculações e R$ 129.519,40 correspondem aos honorários líquidos recebi‑
dos em função dos serviços terceirizados, conforme Tabela 6.
11) Na execução do contrato (CD/SMP&B n. 2003/2004, de 31-12-2003), em
relação aos custos, quais os percentuais das despesas realizadas, com as atividades
de criação, de produção e de veiculação das peças de publicidade e propaganda?
46. Os serviços de veiculação correspondem a 65,53%. Os serviços de criação
e produção correspondem a 34,47%, indistintamente. [Fls. 34931 a 34939 dos autos.]
Veja-se, ainda, o que previsto no Edital 11/2003, in verbis:
9.7 A Contratada poderá subcontratar outras empresas, para a execução par‑
cial do objeto desta Concorrência, desde que mantida a preponderância da atuação
da Contratada na execução do objeto como um todo e haja anuência prévia, por
escrito, da Contratante, após avaliada a legalidade, adequação e conveniência de
permitir-se a subcontratação, ressaltando-se que a subcontratação não transfere
responsabilidades a terceiros nem exonera a Contratada das obrigações assumidas,
nem implica qualquer acréscimo de custos para a Contratante.
Nesse mesmo sentido a conclusão do Tribunal de Contas da União:
18. A propósito, cumpre registrar o seguinte excerto dos esclarecimentos
prestados pelo Sr. Diretor-Geral da Câmara dos Deputados (fl. 1924, vol. 13):
Um ponto ainda merece ser destacado em contratos dessa natureza.
É que, na essência e em verdade, o maior dispêndio, ou seja, os gastos pro‑
priamente ditos com campanhas institucionais, verifica-se quando da veicu‑
lação. Nesse sentido, pode-se afirmar sem medo de errar, que a maior e mais
significativa parte dos recursos empregados foram, na verdade, repassados
às TVs abertas, rádios e jornais, ou seja, as ditas mídias que veicularam as
campanhas decorrentes do trabalho intelectual formulado sob a supervisão e
responsabilidade técnica, direta ou indireta, da contratada.
Em suma, nesse tipo de contrato sempre a maior parte dos recursos serão
gastos com terceiros, que efetivamente divulgam as campanhas institucionais.
19. Dessa forma, observa-se que o contrato examinado apenas exemplifica a si‑
tuação identificada pelo Tribunal nas contratações de mesma natureza realizadas pela
Administração Pública, nas quais as agências de publicidade são intermediárias das
contratações com terceiros de qualquer ação publicitária da Administração. No en‑
tanto, cumpre destacar a respeito do contrato em tela a conclusão da Unidade Técnica
de que as informações prestadas pelo Sr. Diretor-Geral da Câmara dos Deputados
foram suficientes para demonstrar a ausência de irregularidade nos atos de gestão
analisados, o que me leva a considerar esclarecida a questão.
Ante o exposto, julgo improcedente a acusação, devendo-se absolver os réus
Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de
Mello Paz da imputação de peculato relativamente à importância de R$ 536.440,55
(art. 312 do CP), nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
R.T.J. — 225
951
III.2 Banco do Brasil – Bônus de volume
Henrique Pizzolato – 17º acusado
O acusado Henrique Pizzolato responde aos crimes de peculato (art. 312
c/c art. 327, § 2º, do CP), por 5 vezes, corrupção passiva (art. 317 c/c art. 327,
§ 2º, do CP) e lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VI e VII, da Lei 9.613/1998).
Narra a Procuradoria-Geral da República, no que tange ao Banco do Brasil – Bônus de volume, a prática do delito de peculato-desvio praticado pelo
acusado, in verbis:
326. As provas colhidas na instrução comprovaram a prática do crime de pe‑
culato por Henrique Pizzolato, Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach,
consistente no desvio do montante de R$ 2.923.686,15 (dois milhões, novecentos
e vinte e três mil, seiscentos e oitenta e seis reais e quinze centavos) referente ao
denominado bônus de volume – BV.
327. A empresa DNA Propaganda foi uma das vencedoras da Concorrência
n. 1/2003, realizada pelo Banco do Brasil. No contrato posteriormente assinado
constou a seguinte cláusula (2.7.4.6. fls. 48/49, Apenso 83, vol. 1):
(...)
328. Apesar da previsão contratual expressa, a DNA não repassou ao Banco
do Brasil os valores obtidos a título de bônus de volume. Nesse sentido, a informa‑
ção prestada pelo Banco do Brasil (fl. 332, Apenso 83, vol. 2):
Em atenção ao ofício à epígrafe, não há registro de ocorrência de valo‑
res transferidos ao Banco do Brasil pelas agências de propaganda a título de
descontos especiais (além dos normais, previstos em tabelas e/ou negociados
antecipadamente), bonificações, reaplicações e outras vantagens.
(...)
330. No caso, como afirmado acima, havia previsão contratual expressa de
que o valor do bônus de volume deveria ser repassado ao Banco do Brasil, não
sendo pertinente a discussão teórica, que os acusados tentam desenvolver, sobre a
quem pertencia a comissão.
331. É certo que à época não existia legislação específica sobre o tema, que
somente veio a ser regulamentado com a Lei n. 12.232, de 29 de abril de 2010,
em seu art. 15, parágrafo único: “pertencem ao contratante as vantagens obtidas
em negociação de compra de mídia diretamente ou por intermédio de agência de
propaganda, incluídos os eventuais descontos e as bonificações na forma de tempo,
espaço ou reaplicações que tenham sido concedidos pelo veículo de divulgação”.
332. Mas a circunstância de a Lei ter tratado do tema, pondo fim à eventual
discussão que se tinha especialmente na seara privada – onde não há o trânsito de
dinheiro público –, não induz à conclusão de que havia um vazio legislativo e que,
por isso, o valor referente ao bônus de volume seria da agência.
333. No contrato de publicidade, pelo menos nos contratos públicos, são previstos
os valores dos serviços e a remuneração devida à agência de publicidade. Essas parcelas
compõem o valor do contrato que é pago pelo contratante, no caso o Banco do Brasil.
334. Afigura-se indiscutível que os descontos eventualmente concedidos, as
comissões pagas, ou qualquer outro benefício que venha ser obtido pela agência,
deve reverter em favor do contratante, que pagou o valor do contrato, não represen‑
tando o bônus de volume uma remuneração a mais para a agência de publicidade.
952
R.T.J. — 225
335. Por isto que a Lei veio pôr fim às discussões que se desenvolviam quanto
ao destino dos bônus de volume, determinando que o valor pertence ao contratante.
336. Mas essa discussão, como já dito, é impertinente no caso, dado aos ter‑
mos cogentes do contrato. A DNA, representada pelos acusados Marcos Valério,
Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, era obrigada a entregar ao Banco do Brasil tudo
o que viesse a receber a título de “descontos especiais, bonificações, reaplicações,
prazos especiais de pagamento e outras vantagens”.
337. No entanto, recebeu bonificações no valor, pelo menos de R$ 2.923.686,16
(dois milhões, novecentos e vinte e três mil, seiscentos e oitenta e seis reais e dezes‑
seis centavos) e, com a autorização de Francisco (sic) Pizzolato, que não acompanhou
e nem fiscalizou adequadamente a execução do ajuste, apropriou-se da quantia, sem
repassá-la ao Banco do Brasil.
338. Os próprios acusados admitiram que não procederam ao repasse, afir‑
mando que assim agiram porque o valor pertencia à empresa contratada, no caso,
a DNA Propaganda.
339. Reforçando a tese acusatória, provou-se no curso da instrução que no
contrato firmado entre a Câmara dos Deputados e a empresa SMP&B Comunica‑
ção, também de propriedade de Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz,
o bônus ou bonificação de volume pertencia ao órgão público em razão de disposi‑
ção contratual e foi devidamente entregue.
340. Essa foi a informação prestada oficialmente pela Câmara dos Deputados, por meio do Diretor da Secretaria de Comunicação Social, ao responder
questionamento do Ministério Público (fl. 40816):
(...)
342. O fato de a Câmara dos Deputados receber o bônus de volume decor‑
rente do contrato de publicidade firmado com a empresa SMP&B, executado no
mesmo período, mostra que é plenamente legítima a exigência. [Fls. 147 a 150.]
Prossegue a acusação asseverando que:
344. Segundo os acusados, bônus de volume seria uma remuneração devida à
agência de publicidade em razão do volume contratado com veículos de comunica‑
ção. Uma espécie de “plano de milhagem” existente entre a agência de publicidade
e os veículos de mídia. Em outras palavras, o bônus de volume incidiria apenas nos
serviços de veiculações (televisão, rádio, jornais e revistas), que, diga-se de passa‑
gem, são volumosos em um contrato de publicidade.
(...)
346. No entanto, as notas fiscais selecionadas pelos analistas de controle externo
do TCU, e que serviram de base para o levantamento do valor de R$ 2.923.686,15,
em sua esmagadora maioria não se referem a veículos de comunicação (lista in‑
dividualizando o valor do bônus de volume acrescido do honorário incidente à
fl. 386, Apenso 83, vol. 2).
347. Do total, apenas a quantia de R$ 419.411,27 (quatrocentos e dezenove
mil, quatrocentos e onze reais e vinte e sete centavos), resultado da soma das notas
fiscais emitidas pela Três Editorial Ltda., enquadrou-se no conceito de bônus de
volume apresentado pelos acusados.
348. Todas as demais notas fiscais, perfazendo um total de R$ 2.504.274,88
(dois milhões, quinhentos e quatro mil, duzentos e setenta e quatro reais e oitenta e
oito centavos), têm como objeto outros serviços subcontratados e não a veiculação
R.T.J. — 225
953
de propaganda em televisão, rádio, jornais e revistas. Na verdade, representam ob‑
jetos completamente distintos.
349. Assim, ainda que se deseje dar credibilidade à tese dos acusados, não há
como deixar de admitir que, nos termos em que eles próprios põem a questão – no
sentido de que bônus de volume é a comissão paga pelos veículos de comunica‑
ção –, os valores que receberam não se enquadram no conceito de bônus de volume
e, por isto, deveriam necessariamente serem (sic) repassados ao Banco do Brasil,
como expressamente previsto no contrato.
350. Se os acusados tivessem aplicado na prática o que alegaram durante o
processo, a DNA teria repassado o bônus de volume ao Banco do Brasil, pelo menos
no valor de R$ 2.504.274,88, quando considerado apenas o universo das notas fis‑
cais examinadas, pois elas, insista-se nesse ponto ante sua relevância, não têm como
objeto veiculação de mídia. [Fls. 151/152.]
Pede, assim, a acusação a condenação de Henrique Pizzolato pelo delito
de peculato (art. 312 do CP), com a incidência do aumento de pena previsto no
art. 327, § 2º, do mesmo Codex, tendo em vista que o acusado exercia, à época,
o cargo de diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil, conforme
constou expressamente da denúncia.
A defesa, em sede de alegações finais, faz a seguinte narrativa sobre o episódio:
3.2.2. Ficou comprovado nos autos que Bônus ou bonificação de volume não
pertence, como jamais pertenceu ao Banco do Brasil S.A. Por esta razão o Banco do
Brasil S.A. formalmente prestou a informação de que “não há registro de ocorrência
de valores transferidos ao Banco do Brasil pelas agências de propaganda a título de
descontos especiais (além dos normais, previstos em tabelas e ou negociados anteci‑
padamente), bonificações, reaplicações e outras vantagens”. Constata-se que a PGR
quer induzir esta Corte a erro. Primeiro porque em momento algum o Banco do
Brasil S.A. afirma que não recebeu o repasse do bônus de volume somente da DNA
Propaganda. Pelo contrário, afirma que não há registro dos valores transferidos das
agências de propaganda. Ou seja, o Banco do Brasil não recebeu a transferência de
nenhuma agência de propaganda que, como é cediço, público e notório, não havia
somente a DNA Propaganda contratada pelo Banco do Brasil S.A. Segundo, porque
a pergunta fora efetuada ardilosamente, já que não perguntou se era devido (sic) a
transferência do bônus de volume, exatamente para colocar em dúvida o processo
e “articular” a sua denúncia. Terceiro, falta com a verdade a PGR quando afirma
que o bônus de volume tinha previsão expressa contratual. Como visto, o vocábulo
bonificação, constante no contrato não se trata de bônus de volume e sim outra bo‑
nificação. Quarto, porque o bônus de volume não é como nunca foi devido ao Banco
do Brasil S.A e sim às agências de propaganda, vejamos:
A. O bônus de volume (BV) era e é uma prática empresarial instituída
de forma voluntária pelos fornecedores em favor das agências de publicidade
e adotada pelas Agências de Publicidade, prestadoras de serviços ao Banco
do Brasil há muito tempo – vale dizer, é uma prática institucional que ultra‑
passa as fronteiras de uma possível obrigação e responsabilidade individual
do agente incumbido das tarefas relacionadas aos setores de marketing e
propaganda do Banco.
954
R.T.J. — 225
A bonificação de volume (BV) é uma remuneração para as agências em vir‑
tude de seu relacionamento com os fornecedores e paga por estes exclusivamente
em virtude desse relacionamento.
Todas as agências de publicidade que prestaram serviços ao Banco do Brasil
S.A a partir de 22-3-2000 recebiam a bonificação de volume (BV) de seus fornecedo‑
res e não repassaram ao Banco: agências: Lowe, Groterra, DNA, D+Brasil e Oglivy,
conforme afirma o TCU nos autos do processo n. TC- 019.032/2005-0. [Fls. 17 a 19.]
Esclarece, ainda, que, “na instrução processual, a PGR limitou-se, no
tocante ao bônus de volume a requerer perícia técnica para comprovar que o
bônus de volume é um valor devido ao Banco do Brasil S.A. e que o réu permitiu
o seu não pagamento, insistindo na sua tese inicial” (fl. 24).
Em contrapartida, afirma a defesa que:
As provas produzidas pelo réu, contudo, comprovam cabalmente que a tese le‑
vantada pela PGR é totalmente improcedente, fruto de uma imaginação de quem, por
ignorância ou má-fé, desconhece os procedimentos para o exercício de uma função,
pública ou privada, da atividade de marketing e comunicação.
Todas as testemunhas arroladas e ouvidas são oriundas do meio de comunicação
e marketing. São experts na área. Têm muito mais conhecimento, diga-se, que o próprio
Perito nomeado. Todos eles foram enfáticos ao afirmar que o bônus de volume, também
conhecido e denominado de bonificação de volume ou incentivo não pertence a empresa
contratante (anunciante) e sim a agência de publicidade e propaganda, seja qual for ela.
O Diretor da Globo quem criou e instituiu o bônus de volume no mercado de pro‑
paganda e marketing (sic) foi incisivo ao afirmar que este bônus, o de volume, não per‑
tence a empresa contratante e sim a empresa de propaganda e marketing. [Fls. 24/25.]
Em reforço argumentativo, diz a defesa que “o depoimento do Sr. Otávio
Florisbal, Diretor da Rede Globo, que não tem qualquer relação com o réu, e de
reputação ilibada, é suficiente para provar que os fundamentos da PGR são total‑
mente improcedentes” (fl. 29).
Prossegue a defesa argumentando que as bonificações descritas no item 2.7.4.6.,
assinado pelo Banco do Brasil S.A. e pela empresa DNA Propaganda, referem-se a
bonificações de mídia, oferecidas pelos fornecedores para estimular vendas
por períodos mais longos. Exemplo: o Banco propunha a compra de um espaço para
publicidade em um determinado Jornal por um período de um mês.
O Jornal oferecia ao Banco, para firmar o contrato, ou seja, como vantagem
(bonificação), 15 dias de bonificação, caso o banco realizasse a compra por dois
meses. Ou ainda, ofereciam bonificação de espaço em um Caderno Especial de
Economia do Jornal, etc. Da mesma forma se passava com TVs, rádios, revistas, etc.
Portanto as bonificações, previstas no contrato, se referem a espaços publicitários
que eram negociados com a participação do Banco. [Fl. 33.]
Portanto,
a obrigação prevista no item 2.7.4.6 do Contrato (descontos, bonificações,
reaplicações, prazos especiais de pagamento e outras vantagens) refere-se aos pro‑
dutos ou serviços que sejam objeto de negociação com os fornecedores, o que não
R.T.J. — 225
955
é o caso do bônus de volume, que não é objeto de qualquer negociação seja da con‑
tratada seja do contratante para com os fornecedores.
Os benefícios serão os decorrentes das negociações com terceiros, nos quais
não se insere o bônus de volume, que independe de qualquer negociação com os
fornecedores de materiais e prestadores de serviços para a sua concessão. Tanto é
assim que o contrato afirma que se deve “Envidar esforços para obter as melhores
condições nas negociações junto a terceiros (...)”. A negociação é feita antes da
aquisição de um produto ou serviço. [Fl. 34.]
A respeito do paralelo traçado pela acusação entre os contratos celebrados pela
SMP&B com a Câmara dos Deputados (Contrato 2003/2004) e com o Banco do
Brasil, destaca a defesa que “nunca houve devolução do bônus de volume no contrato
da Câmara dos Deputados. Isto porque, como amplamente comprovado, o bônus de
volume não pertencia ao contratante e sim às agências de publicidade” (fl. 39).
Quanto à edição da Lei 12.232/2010, esclarece que fora ela editada para
regulamentar o que já existia nas relações de fato, quer para entidades públicas,
quer para entidades privadas.
Prossegue afirmando que
aos contratos de publicidade, até o advento da Lei 12.232, de 29-4-2010, eram
aplicadas as normas da Lei 4.680, de 18-6-1965, que dispõe sobre o exercício da
profissão de publicitário e de agenciador de propaganda e dá outras providências, re‑
gulamentada pelo Decreto 57.690, de 1º de fevereiro de 1966, e pelas Normas-Padrão
da Atividade Publicitária, expressamente reconhecidas pelo citado decreto, conforme
ficou devidamente comprovado pelas provas produzidas e reproduzidas acima.
Há confissão da PGR quanto a este fato na medida em que reconhece expres‑
samente os procedimentos de regulamentação citados. [Fl. 40.]
Nesse contexto,
a obrigação prevista no item 2.7.4.6 da Cláusula Segunda do Contrato fir‑
mado entre o Banco do Brasil S.A. e a empresa DNA assinado pelo réu (sic) refere‑
-se aos produtos ou serviços que sejam objeto de negociação com os fornecedores, o
que não é o caso do bônus de volume, que não é objeto de qualquer negociação seja
da contratada seja do contratante (sic) para com os fornecedores.
Como se vê, a cláusula é bastante clara ao especificar que os benefícios serão
os decorrentes das negociações com terceiros, nos quais não se insere o bônus de
volume, que independe de qualquer negociação com os fornecedores de materiais e
prestadores de serviços para a sua concessão. [Fl. 41.]
Análise do crime de peculato (art. 312 do CP) imputado ao acusado em relação ao Banco do Brasil – Bônus de volume
Pois bem, em relação ao delito de peculato (CP, art. 312) imputado ao
réu consistente no desvio, em proveito da DNA Propaganda, da importância de
R$ 2.923.686,15, relativa a “bônus de volume” decorrentes da execução de
contratos de publicidade mantidos com o Banco do Brasil, afirma o Ministério
Público Federal que a DNA não repassou ao Banco do Brasil os valores obtidos a
956
R.T.J. — 225
título de bônus ou bonificação de volume – também conhecido como BV, comis‑
são paga pelos fornecedores de serviços às agências de publicidade –, tendo o
réu Henrique Pizzolato, na condição de diretor de marketing e comunicação do
Banco do Brasil, se omitido na fiscalização da execução do contrato.
Dada a impossibilidade óbvia de a agência de publicidade prestar ela
mesma todos os serviços objetos do contrato, é comum proceder-se à subcontra‑
tação de alguns deles, pagando a empresa subcontratada à subcontratante uma
comissão, que vem a ser exatamente o bônus de volume.
Afirma o Parquet que, no caso em análise, haveria previsão contratual
expressa de que o valor do bônus de volume deveria ser repassado ao Banco
do Brasil, de modo que não seria pertinente a discussão teórica que o acusado
tenta desenvolver a respeito da propriedade da comissão (se do contratante ou
do contratado).
É certo que, à época, não existia legislação específica sobre o tema, que
somente veio a ser regulamentado com a Lei 12.232, de 29 de abril de 2010. Vide
o seu art. 18:
Art. 18. É facultativa a concessão de planos de incentivo por veículo de di‑
vulgação e sua aceitação por agência de propaganda, e os frutos deles resultantes
constituem, para todos os fins de direito, receita própria da agência e não estão
compreendidos na obrigação estabelecida no parágrafo único do art. 15 desta Lei.
§ 1º A equação econômico-financeira definida na licitação e no contrato não
se altera em razão da vigência ou não de planos de incentivo referidos no caput
deste artigo, cujos frutos estão expressamente excluídos dela.
§ 2º As agências de propaganda não poderão, em nenhum caso, sobrepor os
planos de incentivo aos interesses dos contratantes, preterindo veículos de divul‑
gação que não os concedam ou priorizando os que os ofereçam, devendo sempre
conduzir-se na orientação da escolha desses veículos de acordo com pesquisas e
dados técnicos comprovados.
Buscando uma conceituação técnica sobre o que seria o denominado “bônus
de volume”, Henrique Araújo Costa e Alexandre Araújo Costa (Direito da
publicidade, Brasília: Thesaurus, 2008, p. 31-32) esclarecem:
Diverso do desconto-padrão é o Bônus sobre Volume (BV), que é um benefício concedido semestral ou anualmente por certos veículos às agências, pelo
volume global de veiculação de anúncios, o que soma os gastos com campanhas
de todos os clientes da agência. Porém, é difícil avaliar a real dimensão do BV para
as agências, pois, como identificaram os técnicos do TCU ao avaliar a questão, “a
regra de mercado é manter a confidencialidade, não sendo revelados detalhes dos
planos de incentivo firmados entre veículo e agência, tais como a periodicidade, va‑
riações regionais, metas estipuladas e forma de pagamento (pecúnia ou em mídia)”.
Essa espécie de plano de fidelização somente gera benefícios para as agências
que veiculam grandes volumes em um mesmo veículo, o que termina gerando uma
pressão para a sua utilização, mesmo em campanhas nas quais ele talvez não fosse
tecnicamente o mais adequado. Assim, o BV gera uma potencial tensão entre os
interesses de anunciantes e agências, que conduziram as Normas-Padrão de 1957
R.T.J. — 225
957
a considerar condenável “receber dos veículos bonificações, concedidas ao fim de
cada ano, em função do volume total da propaganda autorizada por conta e ordem
dos seus Clientes”.
Porém, essa prática consolidou-se no mercado, chegando a ser expressamente
admitida pelas NPAP de 1998 e pelo projeto de lei apoiado pelo CENP que atual‑
mente tramita no Congresso Nacional (PL n. 3.305/08 – atual Lei n. 12.232/10).
Não obstante, o direito ao BV nos contratos públicos está sendo questionado pelo
TCU, que tende a se manifestar pela sua ilegalidade, na medida em que o seu corpo
técnico indicou que essa forma remunerativa “tem o potencial de afetar a escolha
das agências, consistindo em mecanismo que as estimula a concentrarem a publici‑
dade em menor número de veículos”.
Além disso, a investigação do TCU identificou que a nomenclatura BV também
é utilizada por veículos menores e por produtores, mas que nesse caso não se trata
de um plano de incentivo vinculado ao volume, pois o benefício “é pago caso a caso,
diretamente vinculado ao negócio que o produtor ou veículo pretende fechar com
o cliente”. Nessa situação, o chamado BV representa apenas um desconto ligado
diretamente a uma campanha determinada, de tal modo que o seu não repasse ao
anunciante seria irregular, mesmo nos termos da argumentação do CENP. [Grifei.]
Por outro lado, segundo parte da doutrina à qual me filio, veículo de comu‑
nicação “são os meios colocados à disposição do anunciante para divulgar a
publicidade aos consumidores. Também denominado mídia, que deriva do latim
‘media’ (plural ‘medium’) e significa ‘meios’. Segundo J. B. Pinho, dividem-se
basicamente em três: mídia impressa (jornais, revista, outdoor), mídia eletrônica
(rádio, televisão aberta e por assinatura, cinema) e, mais recentemente, mídia
interativa (Internet)” (DIAS, Luciana Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade
e direito. São Paulo: RT, 2010. p. 31).
Como bem destacado pela acusação em suas alegações finais, as notas
fiscais selecionadas pelos analistas de controle externo do TCU, e que serviram
de base para o levantamento do valor de R$ 2.923.686,15, em sua esmagadora
maioria não se referem a veículos de comunicação (cf. lista individualizando
o valor dos bônus de volume acrescidos dos honorários incidentes à fl. 386,
Apenso 83, vol. 2).
Daquele total, como ressaltado pela Procuradoria-Geral da República,
apenas a quantia de R$ 419.411,27, resultado da soma das notas fiscais
emitidas pela Três Editorial Ltda., enquadrou-se no conceito de bônus de
volume apresentado pela DNA.
Todas as demais notas fiscais, perfazendo um total de R$ 2.504.274,88, têm
como objeto outros serviços subcontratados, e não a veiculação de propaganda em
televisão, rádio, jornais e revistas. Na verdade, representam objetos completamente
distintos – entre eles a aquisição de agendas e brindes (que alguns doutrinadores
qualificam como veículos funcionais) –, cujos descontos, evidentemente, tinham
relação direta com o volume (quantidade) de mercadoria adquirida e estavam vin‑
culados apenas àquele negócio específico. Nesse caso, nos termos da cláusula 6ª
do contrato firmado, decorrente das Concorrências 99/1131 e 1/2003, deveriam os
valores ressarcidos ser revertidos em prol do Banco do Brasil.
958
R.T.J. — 225
Eis o teor da disposição contratual em questão, que estabelece como obri‑
gação da contratada “envidar esforços para obter as melhores condições nas
negociações junto a terceiros e transferir, integralmente, ao Banco os descontos
especiais (além dos normais, previstos em tabelas), bonificações, reaplicações,
prazos especiais de pagamento e outras vantagens” (grifei).
O próprio acusado Marcos Valério admitiu que não procedeu ao repasse,
afirmando que assim agiu porque o valor pertencia à empresa contratada, no
caso, a DNA Propaganda.
Nessa conformidade, diante i) do inequívoco recebimento pela DNA de
bonificações no valor de pelo menos de R$ 2.504.274,88 e ii) da ausência de
repasse desses valores ao Banco do Brasil, com a conivência de Henrique Pizzolato, que não acompanhou nem fiscalizou adequadamente a execução do ajuste, é
fato que a DNA se beneficiou, incidindo o crime de peculato (CP, art. 312).
Nesse sentido:
Habeas corpus. Acórdão confirmatório de sentença que teria contrariado os
princípios da ampla defesa, da presunção de inocência e do contraditório, além de
não haver fundamentado a pena-base, fixada acima do mínimo legal. 1. Não cons‑
titui nulidade o fato de não haver sido submetido a perícia, de resto não requerida
pela defesa, “confissão” extrajudicial do paciente, se não teve ela valor decisivo
para a condenação. 2. Ato que, de resto, não configura propriamente uma confissão,
mas tentativa de caracterizar, como retiradas salariais, os alcances perpetrados pelo
paciente, não valendo, por isso, para os efeitos do art. 65, III, d, do CPP. 3. Con‑
quanto aplicável ao caso o rito dos arts. 513 e 514 do CPP, e sua inobservância não
haver comprometido o processo, em cujo curso foi assegurado ao paciente a mais
ampla defesa, sem que, não obstante, tenha ele logrado demonstrar inocência. Pre‑
tensa nulidade que, de resto, nem sequer foi aduzida nas alegações finais. 4. Função
exercida em sociedade de economia mista, que o CP, no art. 327, § 2º, equipara
a de funcionário público, para efeitos penais. 5. Pena-base que, contrariamente
ao afirmado, foi fundamentadamente fixada pouco acima do mínimo legal, se con‑
siderada a pena máxima prevista para o peculato (12 anos). Nulidades inexistentes.
Habeas corpus indeferido. [HC 72.198/PR, Primeira Turma, rel. min. Ilmar Galvão, DJ de 26-5-1995 – Grifei.]
Portanto, julgo procedente a ação penal para condenar o réu Henrique Pizzolato por incursão nas sanções do art. 312 do Código Penal, por desvio, em proveito
da DNA Propaganda, de R$ 2.504.274,88 pertencentes ao Banco do Brasil.
III.2 Banco do Brasil – Bônus de volume
Marcos Valério Fernandes de Souza – 5º acusado
Ramon Hollerbach Cardoso – 6º acusado
Cristiano de Mello Paz – 7º acusado
Os acusados Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, em
relação a este item da denúncia, respondem ao crime de peculato (art. 312 do CP).
R.T.J. — 225
959
Em suma, a narrativa da Procuradoria-Geral da República a respeito da prática
do crime de peculato (art. 312 do CP) no que tange ao Banco do Brasil – Bônus
de volume é a mesma já referida por ocasião da análise dessa conduta imputada ao
corréu Henrique Pizzolato, razão pela qual deixo de reproduzi-la neste tópico.
Defesa de Marcos Valério
Em contrapartida, a defesa de Marcos Valério sobre esse episódio faz as
seguintes considerações:
A atividade das agências de publicidade e propaganda tem regulamentação espe‑
cífica, pouco conhecida e compreendida pelo público e pela própria comunidade jurídica.
Impõe esclarecer que a atividade publicitária é regulamentada por legislação federal – Lei
n. 4.680/65 e Decretos n. 57.690/66 e 4.563/02 – e por uma convenção de mercado de‑
nominada “normas-padrão da atividade publicitária” expedidas pelo CENP (Conselho
Executivo das Normas Padrão), face às quais nada há de anormal ou irregular no paga‑
mento direto pelos veículos de comunicação de “bonificação de volume” para a agência,
que não está obrigada a transferir este valor para o seu cliente, seja público ou privado,
denominados “anunciantes”. É o que consta nas Normas-Padrão sobre o assunto:
Item 4.1. É reservado exclusivamente à Agência como tal habilitada e
certificada o “desconto padrão de agência”, nos termos do item 2.5 e seguin‑
tes destas Normas-Padrão, bem coma eventuais frutos de planos de incentivo,
voluntariamente instituídos por Veículos.
Item 4.1.1 – Os planos de incentivo concedidos pelos Veículos não po‑
derão se sobrepor aos critérios técnicos na escolha de mídia nem servir coma
pretexto de preterição aos Veículos que não as pratiquem;
Item 4.2 – Os planos de incentivo às Agências, mantidos para Veículos, não contemplarão os Anunciantes. [Fls. 105/106.]
Cita, ainda, o disposto na Lei 12.232/2010, especialmente o que previsto no
art. 18, segundo o qual, “[é] facultativa a concessão de planos de incentivo por veículo
de divulgação e sua aceitação por agência de propaganda, e os frutos deles resultantes
constituem, para todos os fins de direito, receita própria da agência e não estão com‑
preendidos na obrigação estabelecida no parágrafo único do art. 15 desta Lei” (fl. 106).
Defesa de Ramon Hollerbach
A defesa de Ramon afirma que
o suposto desvio de R$ 2.923.686,15, valor relativo aos contratos relativos
à Concorrência n. 1/2003 (9984) (documento n. 06, anexado com a Defesa Preliminar, apenso n. 111, vol. 2 dos autos) assinados pelo Banco do Brasil e pela
DNA, conhecido como Bônus de Volume ou Bonificação de volume, por imposição
contratual deveria, segundo afirma a Acusação beneficiar a instituição financeira.
A defesa repete que o Denunciado Ramon Hollerbach Cardoso, não teve
nenhuma participação nos fatos narrados, até porque não participava nem do dia a
dia e nem da direção, comando, planejamento ou qualquer outra atividade nessa
empresa de publicidade. O único vínculo que possuía com essa empresa era ser só‑
cio cotista de uma empresa sócia da DNA. [Fl. 28 – Grifos do autor.]
960
R.T.J. — 225
Em continuação, diz a defesa que
Ao relatar a “participação” do ora Defendente nos fatos que atribui o delito de
peculato, a Acusação novamente não descreve qualquer conduta típica por parte do
ora Acusado, contentando-se em dizer apenas que o “grupo empresarial de Marcos
Valério” seria beneficiado pelos desvios praticados por Henrique Pizzolato.
Mas mesmo que se aceitasse como verdadeira essa imputação, não seria
crime; a solução do caso caberia ao direito civil, posto que se estaria, quando muito,
diante de um ilícito civil.
O Bônus de Volume, também chamado de Bonificação de Volume, existe no
mercado e é uma prática absolutamente regular. Tanto é assim que a Associação
Brasileira de Agências de Publicidade – ABAP –, entidade que há mais de 50 anos
representa as principais agências de propaganda do país, à época em que os fatos
aqui narrados vieram a público, distribuiu nota para esclarecer o referido proce‑
dimento, a qual foi transcrita com a Defesa Preliminar (apenso n. 111, vol. 1 dos
autos). [Fl. 29 – Grifos do autor.]
Defesa de Cristiano Paz
Em tópico específico, a defesa analisa a imputação do delito de peculato
em relação ao episódio bônus de volume. Faz as seguintes considerações:
Cristiano de Mello Paz, Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Henrique Pizzolato foram denunciados como incursos nas penas do artigo 312 do Código Penal,
acusados do desvio da importância de R$ 2.923.686,15 (dois milhões, novecentos e
vinte e três mil, seiscentos e oitenta e seis reais e quinze centavos), relativamente ao
contrato firmado entre a DNA Propaganda Ltda. e o Banco do Brasil.
Sustenta a acusação que tal valor se refere ao denominado bônus de volume
que, por força contratual, teria que ser transferido ao Banco do Brasil.
Neste ponto, vale ser destacado que o delito em tela não pode, em caso al‑
gum, ser imputado ao defendente.
Cristiano de Mello Paz foi sócio, até 26-2-2004, da pessoa jurídica Grafitti
Participações Ltda., empresa esta que compunha o quadro societário da DNA
Propaganda Ltda., tal como consignado no contrato social desta última (doc. 3).
[Fl. 34 – Grifos do autor.]
Afirma a defesa que “a representação da Grafitti Participações Ltda., na DNA
Propaganda Ltda., sempre foi exercida por Marcos Valério Fernandes de Souza,
como bem demonstra o contrato social da empresa e suas respectivas alterações [e
que, portanto,] em momento algum, Cristiano de Mello Paz exerceu qualquer
atividade de direção na DNA Propaganda Ltda.” (fl. 36 – grifos do autor).
Traz, ainda, os seguintes argumentos:
(...) que Cristiano de Mello Paz possuía tão somente participação na DNA
Propaganda Ltda., na condição de sócio quotista da empresa Grafitti Participações Ltda.
Tal qualidade de mero quotista lhe conferia apenas um assento no Conselho
de Quotistas, cujas funções eram inteiramente diferentes daquelas previstas para a
Diretoria Executiva, como se verifica da documentação acostada.
R.T.J. — 225
961
Vale esclarecer que, como comprovado nos autos, Cristiano de Mello Paz
era o Presidente da SMP&B, concorrente direta da DNA Propaganda Ltda.
Tal fato, por si só, já demonstra de forma cabal que era inconcebível que o mesmo
tivesse qualquer atividade gerencial na DNA Propaganda Ltda.
Por estas razões, nunca tomou qualquer iniciativa deliberativa no âmbito da
DNA Propaganda Ltda., e sequer frequentava suas instalações, o que poderia con‑
figurar verdadeira espionagem, posto que o defendente, como esclarecido, era a
mente criativa da SMP&B, uma das principais concorrentes daquela empresa.
Logo, não é possível declinar qualquer conduta por parte de Cristiano de
Mello Paz que tenha, de alguma forma, concorrido para a prática do suposto crime
que lhe é atribuído neste tópico. [Fls. 37/38 – Grifos do autor.]
Entende, ainda, que:
(...) se de um lado a acusação deixa de individualizar eventuais condutas cri‑
minosas do defendente, de outro os autos demonstram que o único fato que pode
lhe ser atribuído, neste ponto, é o de possuir mera participação societária indireta
na empresa DNA Propaganda Ltda., através de outra pessoa jurídica. Nada mais.
De outra parte, a denúncia ou as razões últimas do Ministério Público não
indicam em que consistiu a participação efetiva do acusado nos fatos, ou seja, qual
teria sido sua conduta típica. Não pode responder por fato de terceiro, sendo que
está sendo processado apenas por sua condição de sócio de empresa outra que tinha
participação na DNA Propaganda Ltda., o que configura responsabilidade penal
objetiva, que não tem guarida na lei brasileira. [Fl. 38.]
Mais adiante, a defesa afirma inexistir “qualquer crime em relação ao fato
em questão. É que o repasse do bônus de volume ao Banco do Brasil não era obri‑
gação da empresa, eis que não previsto no contrato [, pois] o bônus de volume ou
bonificação de volume não se inclui no gênero bonificações referido no contrato
porque, segundo o que vigia à época, bônus de volume é o que foi veiculado na
mídia pela Associação Brasileira de Agências de Publicidade (...)” (fls. 38/39).
Em arremate a esses argumentos, “considerando-se o fato de que o defen‑
dente não praticava atos de gestão na DNA Propaganda Ltda., limitando-se a
integrar o Conselho de Quotistas, que não tinha função executiva, nos termos
do contrato social, bem como a circunstância de que o bônus de volume é renda
própria e intransferível da agência de publicidade, impõe-se a absolvição
do acusado da imputação que lhe é feita neste tópico” (fl. 40 – grifos do autor).
Análise do delito de peculato (art. 312, do CP) imputado aos acusados, tendo em vista o desvio, em proveito da DNA Propaganda, da importância de
R$ 2.923.686,15, relativa a “bônus de volume” decorrentes da execução de
contratos de publicidade mantidos com o Banco do Brasil
Pois bem, em relação ao delito de peculato (CP, art. 312) imputado aos
réus em decorrência do desvio, em proveito da DNA Propaganda, da importân‑
cia de R$ 2.923.686,15, relativa a “bônus de volume” decorrentes da execução de
contratos de publicidade mantidos com o Banco do Brasil, afirma o Ministério
962
R.T.J. — 225
Público Federal que a DNA não repassou ao Banco do Brasil os valores obtidos
a título de bônus ou bonificação de volume.
Afirma o Parquet que, no caso em análise, haveria previsão contratual
expressa de que o valor do bônus de volume deveria ser repassado ao Banco do
Brasil, de modo que não seria pertinente a discussão teórica que os defensores
dos acusados tentam desenvolver sobre a propriedade da comissão.
Como já dito anteriormente, à época, não existia legislação específica sobre
o tema, que somente veio a ser regulamentado com a Lei 12.232, de 29 de abril
de 2010. Vide, novamente, o seu art. 18, in verbis:
Art. 18. É facultativa a concessão de planos de incentivo por veículo de di‑
vulgação e sua aceitação por agência de propaganda, e os frutos deles resultantes
constituem, para todos os fins de direito, receita própria da agência e não estão
compreendidos na obrigação estabelecida no parágrafo único do art. 15 desta Lei.
§ 1º A equação econômico-financeira definida na licitação e no contrato não
se altera em razão da vigência ou não de planos de incentivo referidos no caput
deste artigo, cujos frutos estão expressamente excluídos dela.
§ 2º As agências de propaganda não poderão, em nenhum caso, sobrepor os
planos de incentivo aos interesses dos contratantes, preterindo veículos de divul‑
gação que não os concedam ou priorizando os que os ofereçam, devendo sempre
conduzir-se na orientação da escolha desses veículos de acordo com pesquisas e
dados técnicos comprovados.
Como bem destacado pela acusação em suas alegações finais, as notas fis‑
cais selecionadas pelos analistas de controle externo do TCU, e que serviram de
base para o levantamento do valor de R$ 2.923.686,15, em sua esmagadora maio‑
ria não se referem a veículos de comunicação (Apenso 83, vol. 2).
Daquele total, apenas a quantia de R$ 419.411,27, resultado da soma das
notas fiscais emitidas pela Três Editorial Ltda., enquadrou-se no conceito de
bônus de volume apresentado pela DNA.
Todas as demais notas fiscais, perfazendo um total de R$ 2.504.274,88, têm
como objeto outros serviços subcontratados e não a veiculação de propaganda
em televisão, rádio, jornais e revistas. Na verdade, representam objetos completa‑
mente distintos – entre eles a aquisição de agendas e brindes (que alguns doutri‑
nadores qualificam como veículos funcionais) –, cujos descontos, evidentemente,
tinham relação direta com o volume (quantidade) de mercadoria adquirida e
estavam vinculados apenas àquele negócio específico. Nesse caso, nos termos da
cláusula 6ª do contrato firmado, decorrente das Concorrências 99/1131 e 1/2003,
deveriam os valores ressarcidos ser revertidos em prol do Banco do Brasil.
Eis o teor da disposição contratual em questão, que estabelece como obri‑
gação da contratada “envidar esforços para obter as melhores condições nas
negociações junto a terceiros e transferir, integralmente, ao Banco os descontos
especiais (além dos normais, previstos em tabelas), bonificações, reaplicações,
prazos especiais de pagamento e outras vantagens” (grifei).
R.T.J. — 225
963
O acusado Marcos Valério e os outros réus, em defesa técnica apresen‑
tada pela DNA ao TCU, admitiram que não procederam ao repasse, afirmando
que assim agiram porque o valor pertencia à empresa contratada, no caso, a
DNA Propaganda.
Nessa conformidade, i) diante do inequívoco recebimento de bonificações
no valor de pelo menos de R$ 2.504.274,88, com a autorização de Henrique
Pizzolato, que não acompanhou nem fiscalizou adequadamente a execução do
ajuste; e ii) diante do preconizado pelas regras dos arts. 29 e 30 do Código Penal,
é evidente que os réus se apropriaram da referida quantia, sem repassá-la ao
Banco do Brasil, cometendo, assim, o crime de peculato (CP, art. 312).
Nesse sentido:
Habeas corpus. Acórdão confirmatório de sentença que teria contrariado os
princípios da ampla defesa, da presunção de inocência e do contraditório, além de
não haver fundamentado a pena-base, fixada acima do mínimo legal. 1. Não constitui
nulidade o fato de não haver sido submetido a perícia, de resto não requerida pela de‑
fesa, “confissão” extrajudicial do paciente, se não teve ela valor decisivo para a conde‑
nação. 2. Ato que, de resto, não configura propriamente uma confissão, mas tentativa
de caracterizar, como retiradas salariais, os alcances perpetrados pelo paciente, não
valendo, por isso, para os efeitos do art. 65, III, d, do CPP. 3. Conquanto aplicável ao
caso o rito dos arts. 513 e 514 do CPP, e sua inobservância não haver comprometido
o processo, em cujo curso foi assegurado ao paciente a mais ampla defesa, sem que,
não obstante, tenha ele logrado demonstrar inocência. Pretensa nulidade que, de resto,
nem sequer foi aduzida nas alegações finais. 4. Função exercida em sociedade de
economia mista, que o CP, no art. 327, § 2º, equipara a de funcionário público,
para efeitos penais. 5. Pena-base que, contrariamente ao afirmado, foi fundamen‑
tadamente fixada pouco acima do mínimo legal, se considerada a pena máxima pre‑
vista para o peculato (12 anos). Nulidades inexistentes. Habeas corpus indeferido.
[HC 72.198/PR, Primeira Turma, rel. min. Ilmar Galvão, DJ de 26-5-1995 – Grifei.]
Portanto, julgo procedente a ação penal para condenar os réus Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano de Mello Paz por incursão nas
sanções do art. 312, do Código Penal, por desvio, em proveito da DNA Propaganda, de R$ 2.504.274,88 pertencentes ao Banco do Brasil.
III.3 Banco do Brasil – Visanet
Henrique Pizzolato – 17º acusado
Narra a Procuradoria-Geral da República, no que tange ao Banco do Brasil – Visanet, a prática dos crimes de peculato (art. 312, c/c art. 327, § 2º, do CP),
por quatro vezes; corrupção passiva (art. 317, c/c art. 327, § 2º, do CP) e lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VI e VII, da Lei 9.613/1998), nos seguintes termos:
353. As provas colhidas comprovaram a prática dos crimes de peculato, cor‑
rupção passiva e lavagem de dinheiro pelo acusado Henrique Pizzolato e de corrup‑
ção ativa e peculato por Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz.
964
R.T.J. — 225
354. Henrique Pizzolato, na condição de Diretor de Marketing e Comunica‑
ção do Banco do Brasil, desviou, entre 2003 e 2004, o valor de R$ 73.851.000,00
(setenta e três milhões e oitocentos e cinquenta e um mil reais) oriundo do Fundo de
Investimento da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento – Visanet. O valor,
constituído com recursos do Banco do Brasil, foi desviado em proveito dos réus
Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach.
355. Os desvios verificaram-se nas seguintes datas: a) 19-5-2003 –
R$ 23.300.000,00; b) 28-11-2003 – R$ 6.454.331,43; c) 12-3-2004 – R$ 35.000.000,00;
e d) 1º-6-2004 – R$ 9.097.024,75.
356. O crime consumou-se mediante a autorização, dada por Henrique Pizzo‑
lato, de liberação para a DNA Propaganda, a título de antecipação, do valor acima
referido de R$ 73.851.000,00. Henrique Pizzolato, pessoalmente, assinou três das
quatro antecipações delituosas (fls. 5376/5389).
(...)
357. Os recursos foram transferidos para a DNA Propaganda sem a compro‑
vação, entretanto, dos serviços que teriam justificado tão vultoso pagamento. Para
tanto, a DNA emitiu notas fiscais inidôneas (“frias”), tanto do ponto de vista formal
como material para receber os quatro repasses.
358. Foi o que constatou, além de outros aspectos relevantes, o Laudo Peri‑
cial n. 2.828/2006-INC (fls. 77/119, Apenso 142):
IV.5 – Dos Contratos
35. Visto a complexidade dos fatos, os Peritos entenderam ser necessá‑
rio analisar os contratos de prestações de serviços entre a DNA e o BB para
utilização de verba do próprio banco, com publicidade, a fim de demonstrar
que a forma de uso dos recursos do Fundo Incentivo Visanet não estava am‑
parada por qualquer dos contratos apresentados à Perícia.
(...)
40. Considerados os contratos entre o BB e a DNA e as movimenta‑
ções financeiras na conta corrente da DNA, foi constatado que, para executar
despesas de publicidade, deveria haver prévia aprovação de campanha publi‑
citária, da execução dos serviços, a confirmação da execução e o posterior
pagamento de cada um dos fornecedores em créditos específicos na conta
corrente da agência de publicidade.
41. Quanto aos recursos do Fundo de Incentivo, constatou-se que os
valores faturados pela DNA contra a Visanet eram aprovados de maneira
global, sem análise prévia das despesas, sem a confirmação de execução dos
serviços e com antecipação de recursos.
42. Esses valores eram depositados nas contas 601999-4 ou 602000-3 da
DNA, no Banco do Brasil. Em seguida, eram transferidos, no todo ou em parte,
para fundos de investimentos do BB, vinculados às contas 602000-3 ou 603000-9.
Documentos da DNA explicam o funcionamento dessas contas e suas exclusivi‑
dades para movimentação de recursos do Fundo, Anexo I, fls. 02 a 04.
43. Após autorização formal do BB, mediante Nota Técnica, para
pagamento a prestadores de serviços, a DNA transferia recursos da conta
602000-3 para conta 601999-4 e a partir desta, mediante cheque, TED ou
saques em espécie, eram efetuados os pagamentos aos fornecedores.
44. Durante os exames verificou-se que muitos dos projetos ou cam‑
panhas publicitárias para o Banco do Brasil, vinculados à verba do Fundo de
Incentivo, não apresentavam documentos que permitissem comprovar que a
R.T.J. — 225
965
DNA realizou os respectivos serviços. Em determinados casos, a DNA so‑
mente executou serviços de pagamentos de faturas apresentadas pelo Banco
do Brasil, tais como Unesco, BBTUR, Casa Tom Brasil, Paço Alfândega,
Lowe Ltda., dentre outros.
(...)
45. Após autorização formal do BB, mediante Nota Técnica, para
pagamento a prestadores de serviços, a DNA transferia recursos da conta
602000-3 para conta 601999-4 e a partir desta, mediante cheque, TED ou
saques em espécie, eram efetuados os pagamentos aos fornecedores.
46. Os exames foram direcionados para seis grandes repasses realiza‑
dos no período. A análise do processo de liberação de recursos e de prestação
de contas, incluindo as notas fiscais emitidas pela DNA, permitiu concluir
que esses valores foram transferidos em forma de adiantamentos, o que con‑
traria o Regulamento do Fundo.
47. Para os valores transferidos, não existia ou não foi apresentado um
plano para utilização dos recursos, tanto pela Visanet, quanto pelo BB ou pela
DNA. Também não havia quaisquer documentos entre as partes vinculando
a necessidade de prestar serviços em decorrência dos valores transferidos.
48. Os valores foram adiantados com a apresentação de correspondên‑
cias do Banco do Brasil, JOBs, informando o valor a ser utilizado pelo Banco,
sem detalhamento das ações a serem empreendidas, e, também por meio de
correspondência do BB, de notas fiscais emitidas pela DNA, sem especifica‑
ção dos serviços prestados ou a serem realizados.
49. Com base nesses JOBs, a Visanet, mediante uma rotina burocrá‑
tica de aprovação da solicitação de pagamento dos serviços, sem quaisquer
análises documentais, em desacordo com as normas do Fundo, efetivava os
“pagamentos”, quando na verdade tratava-se de adiantamentos de recursos,
que também não são previstos no regulamento.
359. As conclusões do Laudo ratificam as afirmações lançadas na denúncia,
amparadas no Laudo Pericial n. 3.058/05-INC, de que houve a emissão de notas
fiscais falsas, tanto no conteúdo quanto no suporte, para “justificar” o pagamento de
valores pela Visanet à empresa de Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano
Paz (DNA Propaganda).
360. Para a consumação do crime houve clara conivência da Visanet e do
Banco do Brasil, pois sabiam que as notas fiscais apresentadas pela DNA não repre‑
sentavam serviços prestados. Mesmo assim, realizaram pagamentos por antecipa‑
ção, em clara violação ao Regulamento da Visanet.
(...)
362. Danévita Ferreira de Magalhães, testemunha inquirida no curso do pro‑
cesso, confirmou, em contundente depoimento, que não havia qualquer contrapres‑
tação por parte da empresa DNA em razão das antecipações de valores do Banco do
Brasil, repassados pela Visanet.
363. A testemunha trabalhava justamente no Núcleo de Mídia do Banco do
Brasil e revelou que as verbas vinculadas a Visa Electron, produto de bandeira Visa
do Banco do Brasil, eram repassadas mediante notas falsas, pois não havia contra‑
prestação por parte da DNA.
364. Seguem trechos dos depoimentos:
Que o Núcleo de Mídia do Banco do Brasil é formado por profissio‑
nais contratados pelas agências licitadas para administrar todo o processo
966
R.T.J. — 225
publicitário e de comunicação do Banco do Brasil; (...) Que o NMBB era
subordinado administrativamente ao setor de marketing do Banco do Brasil,
a quem cabia repassar as diretrizes, orientações e determinações a serem se‑
guidas; (...) Que no NMBB exercia a função de gerente de mídia, tendo como
principal atividade o controle da verba de veiculação publicitária do Banco
do Brasil; (...) Que no ano de 2003 lhe foi apresentado o plano de mídia da
campanha Banco do Brasil/Visa Electron para ser verificado e analisado para
posterior pagamento; Que cabia à declarante atestar que a campanha havia
sido realmente veiculada para poder autorizar o pagamento aos veículos;
Que entretanto o dinheiro já havia sido transferido para a DNA Propaganda,
sendo que o plano de mídia do Banco do Brasil/Visa Electron apresentado
iria apenas regularizar e simular a prestação do serviço de publicidade; Que
entretanto esta campanha, no valor aproximado de R$ 60 milhões, de fato
nunca havia sido veiculada; Que o próprio diretor de mídia da agência DNA
Propaganda, Fernando Braga, afirmou para a declarante que esta campanha
do Banco do Brasil/Visa Electron não tinha e nem iria ser veiculada; Que ca‑
bia à agência DNA Propaganda apresentar as notas fiscais relativas aos gastos
de veiculação da referida campanha; Que acredita que as notas fiscais frias
emitidas pela DNA Propaganda e que estavam sendo destruídas, conforme
notícias da imprensa, foram elaboradas para justificar esta campanha de 2003
ou outras campanhas que nunca foram veiculadas; Que a partir da sua recusa
em assinar o plano de mídia Banco do Brasil/Visa Electron do ano de 2003,
bem como outros documentos que poderiam lhe comprometer, percebeu que
iria ser demitida. (fls. 19158/19161, confirmado nas fls. 20114//20128).
A sra. representante do Ministério Público: A senhora sabe informar se
o Marcos Valério tinha alguma ligação com esse diretor lá do núcleo de mídia?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: A diretora do núcleo de mídia era
eu; é o diretor de Marketing do Banco do Brasil o Senhor Henrique Pizzolato.
A sra. representante do Ministério Público: Ele tinha alguma ligação
com ele?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: Sim, direta.
(...)
A sra. representante do Ministério Público: E vocês obedeciam às dire‑
trizes determinadas por quem lá no núcleo? Como que era o trabalho? Vocês
faziam a campanha, o trabalho da – vamos dizer – veiculação era aprovado por
quem? Pela própria agência de publicidade ou alguém do Banco do Brasil?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: O Banco é quem determinava.
Sempre o Banco quem determinava.
A sra. representante do Ministério Público: Quem do Banco lhe trans‑
feria as orientações?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: É, vinha orientação do diretor
com o gerente e a pessoa era o subgerente, que era o Senhor Roberto Messias,
mas quem realmente comandava era o Senhor Henrique Pizzolato.
(...)
A sra. representante do Ministério Público: O Plano de mídia, a se‑
nhora recebeu de quem. Aquele que a senhora recusou a assinar.
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: O Plano de Mídia vem direta‑
mente da agência. O diretor de mídia da agência confecciona o plano, e o pro‑
cedimento anterior era: tudo passava pelo núcleo de mídia para que houvesse
R.T.J. — 225
967
uma conferência, inclusive de valores, de estratégia, de tática de mídia. Só após
essas operações é que o Banco aprovava e liberava a verba para pagamento.
A sra. representante do Ministério Público: Do Banco, a quem com‑
petia a aprovação?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: Senhor Roberto Messias,
Senhor Cláudio Vasconcelos e Senhor Henrique Pizzolato. (depoimento de
fls. 20114/20128)
365. O depoimento harmoniza-se perfeitamente com o contexto probatório,
especialmente com as análises técnicas empreendidas.
(...)
366. A gestão de Henrique Pizzolato como Diretor de Marketing e Comu‑
nicação do Banco do Brasil foi marcante por dois aspectos: a) em primeiro lugar,
porque alterou o formato dos repasses via Visanet para viabilizar o desvio; e b) em
segundo lugar, porque concentrou os repasses na empresa de propriedade de Mar‑
cos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz.
367. O Relatório Final da CPMI dos Correios abordou os dois itens (vol. 63):
(...)
368. Apesar da existência de antecipações antes do ingresso de Henrique
Pizzolato na Diretoria de Marketing do Banco do Brasil, inclusive para a própria
DNA, houve uma substancial diferença nos procedimentos de controle adotados em
relação à destinação e aplicação dos recursos antecipados.
369. Segundo o relatório de auditoria realizado pelo Banco do Brasil
(fls. 5226/5241), a partir de 2003, as antecipações não observaram qualquer pro‑
cedimento que pudesse garantir o mínimo de controle da aplicação dos recursos
públicos originários do Banco do Brasil.
(...)
370. A aplicação dos valores pela DNA também constitui prova inequívoca
de que houve de fato o desvio de recursos, como descrito na denúncia.
371. O Laudo Pericial n. 2.828/2006-INC comprovou, mediante a análise
das quatro notas fiscais emitidas pela DNA (n. 29061, de 8-5-2003, 33997, de 1111-2003, 37402, de 13-2-2004 e 39179, de 13-5-2004), o destino dado por Marcos
Valério e seu grupo aos valores recebidos da Visanet:
(...)
372. O rastreamento feito pelos peritos serviu para comprovar, também, que
os acusados Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach apropriaram-se de
parcela dos valores objeto dos pagamentos feitos pela Visanet, a título de remunera‑
ção pelos serviços prestados. Os saques e transferências efetuados sob a justificativa
de distribuição de lucros não passavam da contraprestação pela atuação delituosa.
373. Além disso, R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) havido do Banco
do Brasil (Visanet) foi utilizado para garantir, em uma operação de lavagem, um dos
empréstimos fictícios que serviu para o financiamento do esquema de cooptação de
políticos no Congresso Nacional liderado pelo acusado José Dirceu. Quanto a esse
fato, descreveu o Laudo o seguinte:
147. Ainda em relação aos valores apropriados pela DNA, constatou-se
que, em 22-4-2004, R$ 10.038.000,00 foram sacados de aplicação, quando
R$ 10.000.000,00 foram transferidos ao BMG, diretamente da conta 6020003, da DNA no Banco do Brasil, e utilizados para contratação de CDB de
mesmo valor.
968
R.T.J. — 225
148. Em 26-4-2004, esse CDB foi utilizado como garantia de em‑
préstimo, do BMG a Rogério Lanza Tolentino & Associados Ltda., CNPJ
04.397.086/0001-99. O valor líquido do empréstimo de R$ 9.962.440,00, foi
transferido para a conta 25687-0, agência 643-2, no Banco do Brasil, de titu‑
laridade da própria empresa que obteve o financiamento.
374. O destino final dos recursos obtidos por Rogério Tolentino a título de
empréstimo concedido pelo BMG foi a Corretora Bônus Banval, empresa especia‑
lizada em lavagem de dinheiro, que operou parte relevante do esquema objeto da
presente ação penal:
149. Ainda na data de concessão do empréstimo, a quantia de
R$ 3.460.850,00, proveniente da conta na qual o valor foi depositado, foi
transferida mediante depósito online na conta 8442, de titularidade da Bônus
Banval Participações Ltda., CNPJ 72.805.468/0001-64, mantida na agência
1892, do Banco do Brasil.
150. Em 26-4-2004, a quantia de R$ 6.463.732,73, também prove‑
niente de tal conta, foi depositada em dinheiro, na conta 24627, do banco
001, de titularidade da empresa 2S Participações Ltda. A partir da conta da
2S Participações, por meio de vários cheques, a quantia de R$ 3.140.100,00
foi retirada em espécie ou depositada na conta 8442, agência 1892, no Banco
do Brasil, em favor da Bônus Banval Participações Ltda., ou Bônus Banval
Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários Ltda.
(...)
152. Os valores repassados para o grupo de empresa Bônus Banval,
originários inicialmente da empresa Rogério Lanza Tolentino & Associados
Ltda. totalizaram R$ 6.600.950,00, sendo que a parte diretamente repassada
pela Tolentino e Associados, R$ 3.460.850,00, foi depositada na conta cor‑
rente 2420, no banco Bradesco, agência 2878.
375. Ainda sobre operações com recursos públicos beneficiando a empresa
Bônus Banval, o item 130 do Laudo Pericial n. 2.828/2006-INC registrou que “ainda
nessa data, R$ 255.000,00 foram sacados, por meio do cheque 413187, na agência
Avenida Paulista, por Júlio Benoni Nascimento de Moura. O valor de R$ 933.322,00,
transferido para a conta 601999-4, foi utilizado para pagamentos diversos e não veri‑
ficada relação com o Fundo de Incentivo Visanet”. Benoni Nascimento de Moura era
funcionário da Bônus Banval.
376. O saque efetuado por Paulo Vieira por ordem do réu João Magno (item
9) também teve origem em recursos do Banco do Brasil (Visanet), como destaca o
tópico 151 do Laudo Pericial n. 2.828/2006-INC: “o restante do saldo teve vários
beneficiários, dentre os quais Ademar dos Santos Ricardo Filho, Marcos Valério
Fernandes de Souza, Orlando Martinho, Sandra Rocha, Ramon H. Cardoso, Andréa
Cristina Guimarães, Guido Luiz da Silva Filho, Paulo Vieira Abergo e outros valo‑
res com destinatários não identificados.” (negrito acrescido).
377. Embora Henrique Pizzolato negue seu envolvimento nos fatos, a reali‑
dade é que as antecipações ilícitas efetuadas pela Visanet para a empresa DNA de
recursos do Banco do Brasil precisavam da sua prévia autorização. Sem sua inter‑
venção direta o crime não teria consumado.
378. A promiscuidade entre Henrique Pizzolato, Marcos Valério, Cristiano Paz e
Ramon Hollerbach era tão intensa que mesmo no período de prorrogação do contrato da
DNA, quando realizava-se o processo de licitação, Henrique Pizzolato concordou com
a antecipação do valor de vinte e três milhões para a DNA Propaganda (...).
R.T.J. — 225
969
(...)
379. Em razão da liberação dos recursos do Banco do Brasil à DNA Propa‑
ganda (repassado pela Visanet) e de outros atos administrativos irregulares praticados
no exercício do cargo de Diretor de Marketing do Banco do Brasil em benefício tam‑
bém da DNA Propaganda, Henrique Pizzolato recebeu vantagem indevida de Marcos
Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, consistente no valor de R$ 326.660,67
(trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e sessenta reais e sessenta e sete centavos).
380. Como exemplo dos outros atos ilícitos praticados por Henrique Pizzo‑
lato cabe referir ao Relatório de Auditoria n. 166917, produzido pela Controladoria‑
-Geral da União – CGU (fls. 31138/31196), que, após levantamento tendo como
base os pagamentos feitos no período compreendido entre outubro de 2003 e se‑
tembro de 2004, constatou o “favorecimento indevido à agência DNA Propaganda
Ltda., por descumprimento de cláusula contratual (item 1.1.1, da Cláusula Primeira
do Contrato de Prestação de Serviços de Publicidade), que obteve 8% a mais do que
o limite máximo definido em contrato para o rateio da verba publicitária entre as
três Agências. Valor extrapolado de aproximadamente R$ 7.234.000,00”.
381. A vantagem indevida foi recebida no dia 15 de janeiro de 2004. Valendo‑
-se da estrutura de lavagem de dinheiro disponibilizada pelo Banco Rural, Henrique
Pizzolato, por intermédio de Luiz Eduardo Ferreira da Silva, mensageiro de uma
empresa prestadora de serviços contratada pela Caixa de Previdência dos Funcio‑
nários do Banco do Brasil – PREVI, retirou R$ 326.660,67 em espécie na Agência
do Banco Rural no Rio de Janeiro/RJ. A prova documental da operação criminosa
encontra-se à fl. 153 do Apenso 5.
382. O mensageiro Luiz Eduardo Ferreira da Silva relatou o episódio em seus
depoimentos de fls. 992/994 e 17862/17865:
(...)
383. Questionado em seu interrogatório sobre a imputação formulada na
denúncia, Henrique Pizzolato apresentou versão diversa. Disse que recebeu o te‑
lefonema de uma pessoa que se apresentou como secretária de Marcos Valério e
pediu-lhe o favor de ir no centro da cidade do Rio de Janeiro buscar documentos que
Marcos Valério desejava entregar ao Partido dos Trabalhadores.
384. Diante disso, sem nem mesmo conhecer a secretária de Marcos Valério,
solicitou ao contínuo Luiz Eduardo Ferreira da Silva que fosse buscar os documen‑
tos e os levasse para a sua casa. No final do dia, os documentos foram entregues a
uma pessoa que se identificou como sendo do Partido dos Trabalhadores.
385. Apesar de não conhecer o suposto mensageiro do Partido dos Trabalha‑
dores, Henrique Pizzolato autorizou que subisse ao seu apartamento e entregou-lhe
os dois envelopes pardos. A partir daí, “nunca mais ouviu falar no assunto”.
386. A desculpa apresentada por Henrique Pizzolato foi tão inusitada que
provocou a seguinte reação do magistrado federal que conduzia o interrogatório:
JF Marcelo Granado: Sinceramente, o senhor não acha estranho?
Acusado sr. Henrique Pizzolato: Não acho estranho. Uma agência de
publicidade poderia estar mandando, na minha interpretação, fitas de vídeo,
DVD, folders, o que seria totalmente normal.
JF Marcelo Granado: O que estou estranhando nessa história é que em
nenhum momento o senhor fala de contato direto com o Senhor Marcos Valério
e nem da certeza absoluta de que era a própria agência. Apenas o prefixo 31.
Acusado sr. Henrique Pizzolato: Exato.
970
R.T.J. — 225
JF Marcelo Granado: Se ligarem amanhã para o senhor do prefixo 21,
dizendo que é este Juiz que está falando agora, o senhor acredita? Pedindo
para o senhor fazer uma coisa desse tipo? “Foi o Dr. Marcello Granado que
pediu que o senhor pegasse um envelope.” Entende? Estou dando um exem‑
plo esdrúxulo apenas para demonstrar...
Acusado sr. Henrique Pizzolato: Doutor, hoje, se Deus me pedir, eu
não me movo mais, não faço mais nada. Eu fiz uma gentileza, ninguém me
informou o que era...
JF Marcelo Granado: Neste estado em que vivemos, uma pessoa
chegar no dia seguinte na sua casa, subir para pegar e entrar, com a violência
que nós vemos todo dia...
Acusado sr. Henrique Pizzolato: A pessoa se apresentou. O que me
foi dito era que viria uma pessoa do PT. A pessoa se apresentou como uma
pessoa do PT, eu entreguei os documentos.
JF Marcelo Granado: Se fosse um sequestro, o senhor estaria sequestrado.
Acusado sr. Henrique Pizzolato: Se formos trabalhar sobre hipóte‑
ses... Não quero trabalhar sobre hipóteses.
JF Marcelo Granado: Não é questão de trabalhar sobre hipóteses,
senhor. É questão de senso comum. Somos brasileiros, como lhe disse no
início, vivemos num país violento, em cidades violentas, como as grandes
cidades do mundo. O mínimo de cuidado, presumo, devemos ter. Creio que
o senhor também tenha.
387. Definitivamente não há como dar credibilidade à versão do acusado.
388. A verdade, extraída dos autos, é que Henrique Pizzolato recebeu van‑
tagem indevida em razão do cargo que exercia no Banco do Brasil, absolutamente
estratégico para as pretensões da empresa de publicidade DNA Propaganda.
389. Como demonstrado documentalmente, para o recebimento da propina,
Henrique Pizzolato utilizou-se da estrutura de lavagem de dinheiro disponibilizada
pelo Banco Rural, enviando, ainda, um intermediário em seu lugar.
390. O artifício teve por objetivo ocultar a origem, a natureza e o real destina‑
tário do valor pago como vantagem indevida.
391. A principal tese de defesa de Henrique Pizzolato é a de que os recursos
recebidos pela DNA Propaganda não têm natureza pública, o que afastaria os cri‑
mes de que é acusado.
392. O argumento, no entanto, é improcedente. O valor que compõe o Fundo
de Incentivo Visanet é público, de propriedade do Banco do Brasil. O seu repasse é
feito pela Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP) de acordo com a
proporção da participação acionária de cada entidade que a integra. O Banco do Bra‑
sil recebe exatamente o valor correspondente à sua participação acionária na CBMP.
393. O motivo da simetria é simples: os recursos injetados em razão da partici‑
pação acionária são destinados ao Banco do Brasil. Cabe-lhe, na condição de titular dos
valores, decidir o seu destino: pagamento direto pela Visanet ou reembolso ao investidor.
394. A opção pelo pagamento direto não altera a natureza jurídica (pública)
do montante desviado. Os valores pertencem e se destinam ao Banco do Brasil.
Qualquer desvio repercute no patrimônio do banco.
395. No caso, as empresas do Grupo Visanet não têm e nunca tiveram qual‑
quer relacionamento contratual direto com a empresa DNA Propaganda. Os repas‑
ses foram feitos por determinação do Banco do Brasil.
R.T.J. — 225
971
396. O Laudo de Exame Contábil n. 2.828/2006-INC tratou de modo amplo e
exauriente do tema, fornecendo todos os subsídios técnicos para o debate:
(...)
398. Ressalte-se que, no caso, a Visanet, como gestora dos recursos do
Banco do Brasil, tinha duas opções: pagar diretamente à DNA Propaganda ou re‑
passar o montante ao Banco do Brasil, que, por sua vez, faria o pagamento. Isto
mostra que a Visanet era apenas depositária do valor, que pertencia, na verdade, ao
Banco do Brasil.
399. É o que emerge do Regulamento do Fundo Visanet: “IV.6 – Pagamento
ou reembolso das despesas decorrentes das ações de incentivo aprovadas – As des‑
pesas com a Ação de Incentivo serão pagas diretamente pela Visanet à(s) empresa(s)
executora(s) ou reembolsadas ao Incentivador.”
400. Outra não foi a conclusão do Relatório Final da CPMI dos Correios (vol.
63): (...). [Fls. 153 a 192 – Grifos do autor.]
Pede, assim, a Procuradoria-Geral da República a condenação do acusado
Henrique Pizzolato, em concurso material, pelos delitos: i) de peculato (art. 312
do CP), por quatro vezes; ii) corrupção passiva (art. 317 do CP) – ambos com a
incidência do aumento de pena previsto no art. 327, § 2º, do mesmo Codex, tendo
em vista que o acusado exercia, à época, o cargo de diretor de marketing e comu‑
nicação do Banco do Brasil, conforme constou expressamente da denúncia; e iii)
de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VI e VII, da Lei 9.613/1998).
A defesa, em sede de alegações finais, afirma, in verbis, que “a denúncia da
PGR, quanto aos ilícitos cometidos pelo réu, está fundamentada/baseada em: o réu,
enquanto Diretor de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil, detinha com‑
petência e autonomia para dispor de recursos do Banco do Brasil S.A. e da empresa
Visanet (CPMB), ou seja, o réu detinha amplos poderes para determinar a liberação
e pagamento de forma isolada e exclusiva, inclusive junto a Visanet” (fl. 47).
Reitera que:
(...) o réu enquanto Diretor de Marketing não detinha poderes e autonomia
administrativa, financeira e muito menos capacidade de determinar pagamentos,
qualquer que fosse ele, principalmente de forma isolada.
Não detinha competência o réu para determinar isoladamente o pagamento
de qualquer despesa ou qualquer outro pagamento em especial da conta de terceiros
como no caso da Visanet. [Fl. 49.]
Mais adiante, assevera que:
(...) a administração do fundo de incentivo Visanet é totalmente indepen‑
dente, o Banco do Brasil S.A. não tem qualquer ingerência, e seus recursos são de
natureza privada. Não há, como afirmado pela empresa Visanet (CPMB), nenhuma
possibilidade de qualquer dinheiro que componha o fundo seja de natureza pública,
ou melhor, seja pertencente ao Banco do Brasil S.A.
Neste aspecto, novamente todas as testemunhas ouvidas foram unânimes em
confirmar o conceito e finalidade do fundo de incentivo Visanet como acima apon‑
tado. [Fl. 63.]
972
R.T.J. — 225
Prossegue afirmando que:
(...) a administração do Fundo de Incentivo Visanet não era isolada. As deci‑
sões somente poderiam ser tomadas pelo Comitê Gestor.
O Comitê Gestor do Fundo de Incentivo Visanet de que trata o Item II.5 do
seu regulamento, como citado acima, é composto pelos Diretores da Visanet.
As testemunhas ouvidas comprovaram a existência do Comitê Gestor do
Fundo de Incentivo Visanet. A fiscalização da gestão do Fundo de Incentivo Visanet
era realizado por este comitê gestor da Visanet. [Fl. 67.]
Diz, ainda, que “o Banco do Brasil S.A. indicava os gestores responsáveis junto
ao Fundo de Investimento Visanet. Desta forma, o documento de fls. aponta que o
Banco do Brasil S.A. através de seu Diretor de Varejo Sr. Fernando Barbosa de Oli‑
veira, indicou o Sr. Léo Batista dos Santos como o gestor responsável pelo Banco do
Brasil junto ao fundo de investimento Visanet [, o que comprovaria que] o réu Henri‑
que Pizzolato não detinha qualquer poder de gestão junto ao Fundo de Investimento
Visanet sendo de competência e responsabilidade do Sr. Léo Batista dos Santos –
indicado como Gestor do Fundo de Incentivo de 19-8-2002 a 19-4-2005” (fls. 69/70).
A respeito dos desvios verificados nas seguintes datas: “a) 19-52003 – R$ 23.300.000,00; b) 28-11-2003 – R$ 6.454.331,43; c) 12-3-2004 –
R$ 35.000.000,00; e d) 1º-6-2004 – R$ 9.097.024,75” (fl. 71), a defesa afirma a
impossibilidade de serem eles imputados ao acusado:
Primeiro, porque como demonstrado acima o gestor do Banco do Brasil S.A.
junto ao Fundo de Investimento Visanet era o Sr. Léo Batista dos Santos.
Segundo, porque como comprovam os documentos anexados aos autos, as
liberações dos valores citados acima foram todos determinados diretamente pelo
gestor do Banco do Brasil S.A. junto ao Fundo de Investimento Visanet, Sr. Léo
Batista dos Santos (...).
(...)
Terceiro, porque ficou devidamente comprovado que os pagamentos eram
realizados diretamente pelo fundo Visanet à empresa DNA Propaganda, sem qual‑
quer vinculação ou determinação do Banco do Brasil S.A. e muito menos do réu
Henrique Pizzolato. [Fls. 71 a 72.]
Destaca a defesa que “em nenhum destes documentos consta a assinatura
de Henrique Pizzolato. E nem poderia (sic) na medida em que o réu não era o
gestor do Banco do Brasil S.A. junto ao Fundo de Investimento Visanet” (fl. 71).
Em arremate a esses argumentos, diz que “as provas apontam que o
dinheiro não era do Banco do Brasil S.A., posto que o fundo Visanet é um fundo
privado; o Sr. Henrique Pizzolato não era gestor representante do Banco do Bra‑
sil S.A. junto ao fundo Visanet e, (sic) os pagamentos à empresa DNA Propa‑
ganda eram efetuados diretamente pelo fundo Visanet, não tendo o réu Henrique
Pizzolato qualquer ingerência sobre este ato” (fl. 74).
Quanto à corrupção passiva e à lavagem de dinheiro, a defesa ressalta os
seguintes aspectos, in verbis:
R.T.J. — 225
973
Ficou provado que o réu Henrique Pizzolato não era gestor do Fundo Visanet;
Ficou provado que os valores pagos para empresa DNA Propaganda foram
efetuados diretamente pelo Fundo Visanet sem qualquer vinculação ou determina‑
ção do Banco do Brasil S.A.;
Ficou provado que o gestor do representante do Banco do Brasil S.A. junto
ao Fundo Visanet era o Sr. Léo Batista dos Santos, que atuava de forma autônoma
junto ao Fundo Visanet e era quem determinava os pagamentos;
Logo, quem determinava os pagamentos para a empresa DNA Propaganda
não era o Sr. Henrique Pizzolato.
A pergunta que fica é: por que então seria pago vantagem ao réu Henrique
PizzoIato se ele nada poderia fazer em termos de administração para beneficiar a
empresa DNA Propaganda?
Esta resposta, simples, somente não fora dada pela PGR para que ela pudesse
manter sua “tese”.
Está provado, e a PGR não conseguiu desconstruir as provas produzidas, que
o réu Henrique Pizzolato não recebeu qualquer vantagem em dinheiro. O que fez
ele, como devidamente apontado em seu depoimento pessoal, foi ter aceito realizar
um favor, comum neste meio de propaganda, qual seja, pegar uma encomenda em
determinado endereço.
(...)
Conforme seu depoimento, o seu ato foi apenas o de fazer um favor. Pegar um
envelope em um endereço para entregar ao PT. Como não podia naquele momento,
solicitou para um contínuo do Conselho da Previ.
O réu Henrique Pizzolato não tinha conhecimento do que se tratava o enve‑
lope. Uma vez que era para ser entregue a uma pessoa do PT nada de anormal exis‑
tiu no pedido. [Fls. 77 a 80.]
Conclui a defesa que,
[c]onforme comprova a Declaração de Imposto de Renda do réu, solicitado
pela PGR, todos os seus bens são compatíveis com o seu rendimento financeiro.
Não detém nenhum patrimônio que não esteja de acordo com um funcionário do
Banco do Brasil S.A. que tenha exercido cargos de Direção.
A ausência de prova material no sentido de que o réu agiu de forma prévia e
que utilizou o seu cargo como Diretor de Marketing para liberar recursos do Fundo
de Investimento Visanet para a empresa DNA Propaganda tendo recebido vantagem
ilícita, é totalmente improcedente.
Portanto, o réu Henrique Pizzolato em momento algum enquanto Diretor de
Marketing do Banco do Brasil S.A. adotou conduta que se tipificasse no delito pre‑
visto no art. 1º, V, § 1º, lI, da Lei 9.613/98. [Fl. 81.]
Assenta, ao final, que “as provas apontadas acima e todas constantes nos autos
comprovam que não há qualquer nexo causal entre o cargo exercido pelo réu e a
imputação dos crimes de peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro” (fl. 85).
Análise do desvio, em proveito da DNA Propaganda, em quatro ocasiões, da importância total de R$ 73.851.000,00, mediante a antecipação àquela empresa de
974
R.T.J. — 225
quantias do Fundo de Investimento Visanet destinadas a 93 ações de incentivo
distintas, sem qualquer comprovação de sua aplicação nas atividades previstas
Pois bem, tenho que está devidamente comprovada a imputação feita ao réu
de prática do delito de peculato (CP, art. 312), consistente no desvio, em proveito da
DNA Propaganda, em quatro ocasiões, da importância total de R$ 73.851.356,18,
mediante a antecipação àquela empresa de quantias do Fundo de Investimento
Visanet destinadas a 93 ações de incentivo distintas, sem que tenha havido qualquer
comprovação da efetiva aplicação desses recursos nessas atividades.
O delito em questão consumou-se graças às ações de Henrique Pizzolato,
que, na condição de diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil,
entre 2003 e 2004, propiciou o desvio de R$ 73.851.356,18 oriundos do Fundo de
Investimento da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (VISANET), em
proveito da DNA Propaganda.
Os desvios, como discriminado pelo MPF, ocorreram nas seguintes datas:
a) 19-5-2003 – R$ 23.300.000,00; b) 28-11-2003 – R$ 6.454.331,43; c) 12-32004 – R$ 35.000.000,00; e d) 1º-6-2004 – R$ 9.097.024,75.
Observo, a propósito, que Henrique Pizzolato autorizou, pessoalmente,
três das quatro antecipações delituosas (fls. 5377, 5384 e 5388), no importe de
R$ 38.851.356,18, não se podendo imputar a ele mera ciência das antecipações
empreendidas, mas, sim, efetiva coautoria na empreitada, uma vez que, se não
houvesse aposto seu quirógrafo nos respectivos documentos, os específicos
repasses descritos nos itens (a), (c) e (d) não teriam sido efetivados.
Não obstante tenha o acusado deixado de assinar a nota técnica para o repasse
indicado no item (b), conforme ressaltou o eminente relator em seu voto, “o réu Henrique Pizzolato só assinou a segunda Nota Técnica (2003/3281, de R$ 6.454.331,43),
ocasião em que foi substituído Sr. Cláudio Vasconcelos, que era seu subordinado
na Diretoria de Marketing (fl. 27198, vol. 124). Tal nota remeteu à anteriormente
assinada pelo réu Henrique Pizzolato (n. 2003/1141, de R$ 23,3 milhões), na qual
havia sido indicada a conta da DNA Propaganda como beneficiária dos recursos”
(fls. 257/258).
Ainda sobre a questão, é importante destacar o seguinte excerto do voto do
relator, in verbis:
O Sr. Henrique Pizzolato acabou reconhecendo sua responsabilidade sobre as
transferências para a conta da DNA Propaganda, ao afirmar que deu o “de acordo”
para os repasses (Apenso 117, fl. 43):
deu, também, o “de acordo” (na prática do dia a dia um mero
“ciente”) na Nota Técnica que, depois, foi encaminhada para a Diretoria de
Varejo e a Gerência de Cartões, para as providências junto à Visanet. Foram
liberadas quatro Notas Técnicas com recurso do Fundo Visanet para a
agência DNA. [Fl. 258 – Grifos do autor.]
Prosseguindo, ressalto que não houve comprovação de que os recursos
antecipados à DNA tenham sido empregados em serviços efetivos, não havendo
R.T.J. — 225
975
demonstração, senão por notas fiscais emitidas pela própria beneficiária, da efe‑
tiva contraprestação por aqueles valores.
Foi o que constatou o Laudo Pericial 2.828/2006-INC (fls. 77/119, Apenso 142):
IV.5 – Dos Contratos
35. Visto a complexidade dos fatos, os Peritos entenderam ser necessário
analisar os contratos de prestações de serviços entre a DNA e o BB para utilização
de verba do próprio banco, com publicidade, a fim de demonstrar que a forma de
uso dos recursos do Fundo Incentivo Visanet não estava amparada por qualquer dos
contratos apresentados à Perícia.
(...)
40. Considerados os contratos entre o BB e a DNA e as movimentações fi‑
nanceiras na conta corrente da DNA, foi constatado que, para executar despesas de
publicidade, deveria haver prévia aprovação de campanha publicitária, da execução
dos serviços, a confirmação da execução e o posterior pagamento de cada um dos
fornecedores em créditos específicos na conta corrente da agência de publicidade.
41. Quanto aos recursos do Fundo de Incentivo, constatou-se que os valo‑
res faturados pela DNA contra a Visanet eram aprovados de maneira global, sem
análise prévia das despesas, sem a confirmação de execução dos serviços e com
antecipação de recursos.
42. Esses valores eram depositados nas contas 601999-4 ou 602000-3 da
DNA, no Banco do Brasil. Em seguida, eram transferidos, no todo ou em parte, para
fundos de investimentos do BB, vinculados às contas 602000-3 ou 603000-9. Do‑
cumentos da DNA explicam o funcionamento dessas contas e suas exclusividades
para movimentação de recursos do Fundo, Anexo I, fls. 02 a 04.
43. Após autorização formal do BB, mediante Nota Técnica, para pagamento
a prestadores de serviços, a DNA transferia recursos da conta 602000-3 para conta
601999-4 e a partir desta, mediante cheque, TED ou saques em espécie, eram efe‑
tuados os pagamentos aos fornecedores.
44. Durante os exames verificou-se que muitos dos projetos ou campanhas
publicitárias para o Banco do Brasil, vinculados à verba do Fundo de Incentivo,
não apresentavam documentos que permitissem comprovar que a DNA realizou os
respectivos serviços. Em determinados casos, a DNA somente executou serviços de
pagamentos de faturas apresentadas pelo Banco do Brasil, tais como Unesco, BB‑
TUR, Casa Tom Brasil, Paço Alfândega, Lowe Ltda., dentre outros.
IV.6 – Dos Valores Destinados ao Banco do Brasil Repassados à DNA.
45. Após autorização formal do BB, mediante Nota Técnica, para pagamento
a prestadores de serviços, a DNA transferia recursos da conta 602000-3 para conta
601999-4 e a partir desta, mediante cheque, TED ou saques em espécie, eram efe‑
tuados os pagamentos aos fornecedores.
46. Os exames foram direcionados para seis grandes repasses realizados no
período. A análise do processo de liberação de recursos e de prestação de contas, in‑
cluindo as notas fiscais emitidas pela DNA, permitiu concluir que esses valores foram
transferidos em forma de adiantamentos, o que contraria o Regulamento do Fundo.
47. Para os valores transferidos, não existia ou não foi apresentado um plano
para utilização dos recursos, tanto pela Visanet, quanto pelo BB ou pela DNA. Tam‑
bém não havia quaisquer documentos entre as partes vinculando a necessidade de
prestar serviços em decorrência dos valores transferidos.
976
R.T.J. — 225
48. Os valores foram adiantados com a apresentação de correspondências do
Banco do Brasil, JOBs, informando o valor a ser utilizado pelo Banco, sem detalha‑
mento das ações a serem empreendidas, e, também por meio de correspondência do
BB, de notas fiscais emitidas pela DNA, sem especificação dos serviços prestados
ou a serem realizados.
49. Com base nesses JOBs, a Visanet, mediante uma rotina burocrática de
aprovação da solicitação de pagamento dos serviços, sem quaisquer análises do‑
cumentais, em desacordo com as normas do Fundo, efetivava os “pagamentos”,
quando na verdade tratava-se de adiantamentos de recursos, que também não são
previstos no regulamento.
Ratifica essa conclusão o depoimento da testemunha Danévita Ferreira
de Magalhães, que confirmou não haver qualquer contraprestação por parte da
empresa DNA às antecipações dos valores do Banco do Brasil repassados pela
Visanet, in verbis:
Que o Núcleo de Mídia do Banco do Brasil é formado por profissionais contrata‑
dos pelas agências licitadas para administrar todo o processo publicitário e de comuni‑
cação do Banco do Brasil; (...) Que o NMBB era subordinado administrativamente ao
setor de marketing do Banco do Brasil, a quem cabia repassar as diretrizes, orientações
e determinações a serem seguidas; (...) Que no NMBB exercia a função de gerente de
mídia, tendo como principal atividade o controle da verba de veiculação publicitária
do Banco do Brasil; (...) Que no ano de 2003 lhe foi apresentado o plano de mídia da
campanha Banco do Brasil/Visa Electron para ser verificado e analisado para poste‑
rior pagamento; Que cabia à declarante atestar que a campanha havia sido realmente
veiculada para poder autorizar o pagamento aos veículos; Que entretanto o dinheiro já
havia sido transferido para a DNA Propaganda, sendo que o plano de mídia do Banco
do Brasil/Visa Electron apresentado iria apenas regularizar e simular a prestação do
serviço de publicidade; Que entretanto esta campanha, no valor aproximado de R$ 60
milhões, de fato nunca havia sido veiculada; Que o próprio diretor de mídia da agência
DNA Propaganda, Fernando Braga, afirmou para a declarante que esta campanha do
Banco do Brasil/Visa Electron não tinha e nem iria ser veiculada; Que cabia à agência
DNA Propaganda apresentar as notas fiscais relativas aos gastos de veiculação da refe‑
rida campanha; Que acredita que as notas fiscais frias emitidas pela DNA Propaganda
e que estavam sendo destruídas, conforme notícias da imprensa, foram elaboradas para
justificar esta campanha de 2003 ou outras campanhas que nunca foram veiculadas;
Que a partir da sua recusa em assinar o plano de mídia Banco do Brasil/Visa Electron do
ano de 2003, bem como outros documentos que poderiam lhe comprometer, percebeu
que iria ser demitida. [Fls. 19158/19161, confirmado nas fls. 20114//20128 do vol. 93.]
A sra. representante do Ministério Público: A senhora sabe informar se o
Marcos Valério tinha alguma ligação com esse diretor lá do núcleo de mídia?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: A diretora do núcleo de mídia era eu;
é o diretor de Marketing do Banco do Brasil o Senhor Henrique Pizzolato.
A sra. representante do Ministério Público: Ele tinha alguma ligação com ele?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: Sim, direta.
(...)
A sra. representante do Ministério Público: E vocês obedeciam às diretrizes
determinadas por quem lá no núcleo? Como que era o trabalho? Vocês faziam a
R.T.J. — 225
977
campanha, o trabalho da – vamos dizer – veiculação era aprovado por quem? Pela
própria agência de publicidade ou alguém do Banco do Brasil?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: O Banco é quem determinava. Sem‑
pre o Banco quem determinava.
A sra. representante do Ministério Público: Quem do Banco lhe transferia as
orientações?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: É, vinha orientação do diretor com o
gerente e a pessoa era o subgerente, que era o Senhor Roberto Messias, mas quem
realmente comandava era o Senhor Henrique Pizzolato.
(...)
A sra. representante do Ministério Público: O Plano de mídia, a senhora re‑
cebeu de quem. Aquele que a senhora recusou a assinar.
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: O Plano de Mídia vem diretamente
da agência. O diretor de mídia da agência confecciona o plano, e o procedimento
anterior era: tudo passava pelo núcleo de mídia para que houvesse uma conferência,
inclusive de valores, de estratégia, de tática de mídia. Só após essas operações é que
o Banco aprovava e liberava a verba para pagamento.
A sra. representante do Ministério Público: Do Banco, a quem competia
a aprovação?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: Senhor Roberto Messias, Senhor
Cláudio Vasconcelos e Senhor Henrique Pizzolato. [Fls. 20114/20128 do vol. 93.]
Por outro lado, a meu sentir, despicienda, no caso, a análise quanto à natureza
dos recursos desviados em proveito da DNA, porquanto o tipo previsto no art. 312
do CPP é claro ao estabelecer que constitui crime dessa natureza “apropriar-se
o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público
ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito
próprio ou alheio” (grifei), de modo que, tendo o delito sido praticado mediante
coautoria de Henrique Pizzolato (funcionário público lato sensu – CP, art. 327,
§ 1º), estão presentes todas as elementares exigidas para a tipificação da infração.
Portanto, julgo procedente a ação penal para condenar o réu Henrique
Pizzolato por incursão, por quatro vezes, nas sanções do art. 312, do Código
Penal, por desvio, em proveito da DNA Propaganda, de R$ 73.851.356,18 pertencentes ao Fundo de Investimento Visanet.
Análise da imputação da prática do delito de corrupção passiva (art. 317 do CP)
Em relação ao delito de corrupção passiva (CP, art. 317) imputado ao réu,
temos, segundo a imputação da acusação, que, na condição de diretor de marke‑
ting e comunicação do Banco do Brasil, teria ele possibilitado o desvio, entre
2003 e 2004, de R$ 73.851.356,18 oriundos do Fundo de Investimento da Com‑
panhia Brasileira de Meios de Pagamento (VISANET).
Para tanto, o acusado teria autorizado a liberação para a DNA Propaganda,
a título de antecipação, do valor acima referido (R$ 73.851.356,18), assinando,
pessoalmente, três das quatro antecipações delituosas (fls. 5376/5389).
978
R.T.J. — 225
Os recursos, contudo, teriam sido transferidos para a DNA Propaganda
sem que se comprovasse a execução dos serviços que teriam justificado tão vul‑
toso pagamento. A DNA teria emitido notas fiscais inidôneas (“frias”), tanto do
ponto de vista formal como material, para receber os quatro repasses.
Em contrapartida, o réu teria recebido, no dia 15 de janeiro de 2004, vantagem
indevida de R$ 326.660,67 em espécie, que foram sacados por intermédio de Luiz
Eduardo Ferreira da Silva, mensageiro de uma empresa prestadora de serviços
contratada pela Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI).
Em abono a essa tese, vide o depoimento dessa testemunha, que narrou o
seguinte:
Que no dia quinze de janeiro de 2004, recebeu uma ligação de Henrique
Pizzolato no setor onde o depoente trabalha; Que nesta ligação, Pizzolato solici‑
tava que o depoente fosse ao Banco Rural e pegasse “um documento”; (...) Que
Henrique Pizzolato passou o endereço do banco e o nome da pessoa com quem o
depoente iria pegar “os documentos”; Que dirigiu-se de carro até o Banco Rural
localizado no centro do Rio de Janeiro, cujo endereço não se recorda, entrando
sozinho no estabelecimento bancário; Que lá dentro, procurou a pessoa indicada
por Henrique Pizzolato, que o atendeu em um setor onde não existe atendimento
ao público; (...) Que o funcionário do banco colocou dois pacotes embrulhados em
papel pardo em cima da mesa, e pediu ao depoente que assinasse um recibo; (...)
Que de posse dos dois embrulhos, dirigiu-se para a porta do banco onde aguardou
o motorista José Claudio; Que Henrique Pizzolato tinha solicitado ao depoente que
levasse “os documentos” na sua residência, localizada na Rua República do Peru
n. 72, apartamento 1205, salvo engano; Que diante disso, entrou no carro da Previ
e se encaminhou para o bairro de Copacabana com os dois embrulhos no banco tra‑
seiro do veículo; Que não tinha a mínima ideia de que transportava dinheiro; Que
chegando na residência de Henrique Pizzolato, foi o mesmo quem o recepcionou na
porta de seu apartamento; Que entregou os dois embrulhos nas mãos de Henrique
Pizzolato. [Fls. 992/994.]
Disse, ainda:
que é mensageiro da empresa Conservadora Itatuité, firma que presta serviços
para a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil – PREVI; que
trabalha como mensageiro há quase 20 anos; que conhece o Sr. ­Henrique ­Pizzolato
desde 1998/1999, quando o réu foi nomeado diretor da Previ; que num certo dia rece‑
beu uma ligação de uma das secretárias da diretoria da Previ; (...) que a secretária lhe
transferiu uma ligação da Sr. Henrique Pizzolato; que nesta ligação, Henrique Pizzolato pediu ao depoente que fosse a um determinado endereço e lá procurasse uma
dada pessoa, cujo nome não se recorda, que lhe entregaria uma encomenda; que em
nenhum momento Henrique Pizzolato pediu que o depoente tivesse especial cuidado
com o transporte da encomenda, nem lhe disse qual era o objeto a ser transportado,
tampouco exigiu que esse serviço fosse prestado por um meio de transporte especí‑
fico; que o único pedido foi para que o depoente deixasse a encomenda na residência
de Henrique Pizzolato; que o depoente pediu a um motorista que também presta ser‑
viço à Previ, que geralmente faz serviço de entrega de malotes no Centro da cidade,
que lhe desse carona para ir e voltar do endereço fornecido por Henrique Pizzolato;
R.T.J. — 225
979
que quando chegou em tal endereço percebeu que era o Banco Rural; que o depoente
não foi acompanhado de mais ninguém; que ao chegar ao local indicado procurou a
pessoa indicada por Henrique Pizzolato, que o atendeu em um setor onde não existe
atendimento ao público; (...) que o funcionário do banco colocou dois envelopes de
papel pardo lacrados, tamanho A4, em cima da mesa, e pediu ao depoente que assi‑
nasse um recibo; que o depoente não conseguiu ler todo o conteúdo desse papel que
lhe foi apresentado para assinatura, porém conseguiu identificar que realmente era
um recibo; (...) que o funcionário do Banco Rural disse apenas que era um recibo de
estar recebendo dois pacotes; que o depoente não perguntou qual era o conteúdo dos
dois pacotes; (...) que de posse dos dois embrulhos, dirigiu-se para a porta do banco
onde aguardou o motorista José Cláudio; que então se dirigiram para a residência
de Henrique Pizzolato na Rua República do Peru, no bairro de Copacabana; que
chegando na residência de Henrique Pizzolato, foi o mesmo quem o recepcionou na
porta do apartamento; que Henrique Pizzolato não abriu os envelopes na presença do
depoente nem lhe disse qual era o conteúdo. [Fls. 17862 a 17863.]
Conforme se infere do recibo firmado naquela ocasião pela testemunha
Luiz Eduardo no Banco Rural (fl. 153 do Apenso 5), foi a ela entregue a impor‑
tância de R$ 326.660,67 em espécie, representativa de cheque da empresa DNA,
o qual permaneceu de posse daquela instituição financeira.
Embora Henrique Pizzolato negue o recebimento dessa quantia, afir‑
mando que apenas fizera um favor a Marcos Valério, determinando a retirada de
“documentos” na agência do Banco Rural por ele indicada, e que, encaminhados
a sua residência pela testemunha, teriam sido entregues a emissário não identi‑
ficado, que ali compareceu na mesma noite, dizendo ter vindo apanhar aquele
envelope a mando do Partido dos Trabalhadores, essa versão soa totalmente
inverossímil e meramente exculpatória.
Diante da identificação expressa da testemunha encarregada de apanhar a
“encomenda” (a qual, posteriormente, de forma inexplicável, foi agraciada com um
“empréstimo” pessoal de R$ 18.000,00 feito por Henrique Pizzolato), tudo leva a
concluir que foi ela, na verdade, expressamente indicada por Henrique Pizzolato
a Marcos Valério para receber a importância atestada no recibo; recebimento esse
para o qual não havia qualquer justificativa plausível senão ser ele a contraparte
oferecida por Marcos Valério e seus sócios a Henrique Pizzolato pela antecipa‑
ção das verbas publicitárias do Fundo Visanet conferidas à agência DNA.
Configura-se, portanto, ato de ofício praticado com clara violação das nor‑
mas regulamentares do Banco do Brasil e do Fundo Visanet, o qual redundou no
recebimento, por Henrique Pizzolato, diretor de marketing e comunicação do
Banco do Brasil S.A., de vantagem indevida ofertada por Marcos Valério àquele
agente público equiparado (CP, art. 327, § 1º).
Nessa conformidade, tenho por igualmente configurada a prática do crime
de corrupção passiva pelo réu, e, em consequência, deve Henrique Pizzolato
ser condenado às penas previstas no art. 317, caput e § 1º, do Código Penal.
980
R.T.J. — 225
Análise do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VI e VII, da Lei 9.613/1998)
A respeito do delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998, art. 1º, V,
VI e VII) imputado ao réu, começo por destacar a lição de Marco Antônio de
Barros no sentido de que:
Em razão dos diversos comportamentos típicos de “lavagem” relacionados
pelo legislador, alguns tipos penais se amoldam à figura de crime formal. Quando
isto ocorre é porque o tipo menciona o comportamento e o resultado, mas não exige
a sua produção para a consumação. Vale dizer, a norma reivindica tão só que a inten‑
ção do agente se enderece à produção de determinado evento, não exigindo, porém,
para a consumação do delito, que tal se verifique.
São espécies de crimes formais as modalidades delituosas dita no art. 1º, caput,
I a VIII, e seu § 1º, I a III, da Lei 9.613/98. Não obstante indicarem que a vontade do
agente destina-se a produção de um resultado (dar aparência lícita ao dinheiro “sujo”
ou ao patrimônio de origem ilícita), mediante a realização de uma ou mais operações
de “lavagem”, que afinal constituem lesão à credibilidade e estabilidade do sistema
financeiro ou econômico do País, o certo é que, para a sua consumação, não se exige
que tal resultado (aparente licitude) se verifique. Em outras palavras, não é indispen‑
sável que a pretendida mutação de lucro ilícito para ativo lícito se confirme, pois o
crime de “lavagem” se realiza concomitante à conduta do agente lavador, que oculta
ou dissimula o patrimônio proveniente de crime antecedente. [Lavagem de capitais e
obrigações civis correlatas. 2. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 60/61.]
Convergentes são os ensinamentos extraídos da produção intelectual de
Marcia Monassi Mougenot Bonfim e Edilson Mougenot Bonfim (Lavagem de
dinheiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 47), os quais classificam o crime
de lavagem de dinheiro como “crime formal que se consuma quando o agente,
mediante condutas ativas ou omissivas, oculta ou dissimula a natureza, origem,
localização, etc. dos bens, direitos ou valores provenientes dos crimes antecedentes, ainda que não consiga introduzi-los nos sistemas econômico ou financeiro” (grifei).
Quando do julgamento do RHC 80.816/SP, o eminente ministro Sepúlveda
Pertence descreveu que “o tipo do art. 1º, caput (...) é ‘ocultar ou dissimular
a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de
bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente’, de um dos cri‑
mes enumerados nos seus diversos incisos”.
Mais adiante, citando Jobim, entende que “o art. 1º da Lei 9.613/1998 diz
que consiste o crime de lavagem em ocultar e dissimular (...). É necessário ter
obtido o resultado de ocultar e de dissimular. Não basta o mero momento; teria
a tentativa, evidentemente, mas o tipo penal consumativo, a consumação do
crime, caracteriza-se pelo resultado de ter ocultado e dissimulado (...)” (Pri‑
meira Turma, DJ de 18-6-2001 – Grifei).
No caso, o réu, como já reconhecido quando da análise do crime de cor‑
rupção passiva, utilizando-se de astúcia e visando dissimular o recebimento
irregular, ao menos de R$ 326.660,67 em espécie, determinou que o saque se
R.T.J. — 225
981
materializasse por intermédio de Luiz Eduardo Ferreira da Silva, mensageiro
de uma empresa prestadora de serviços contratada pela Caixa de Previdência dos
Funcionários do Banco do Brasil (PREVI), que, em seu depoimento em juízo,
confirmou essa versão.
Assim agindo, pretendia o acusado impedir o rastreamento dos recursos
que lhe foram repassados, tendo deles se utilizado sem que os órgãos de controle
das atividades financeiras pudessem fiscalizar a operação.
Note-se que, se não existem, além das provas orais, outras provas de que
o réu era o destinatário do saque, isso se deve exatamente ao expediente por ele
adotado, com o recebimento do numerário em espécie e por interposta pessoa.
Veja-se que as circunstâncias presentes na espécie revelam a presença de
um dos elementos objetivos do tipo, qual seja, a dissimulação, revestindo-se a
conduta, inegavelmente, do elemento subjetivo do tipo: o dolo direto.
Não vejo, assim, como isentar o réu da conduta que lhe é imputada.
Nessa conformidade, bem amoldada a conduta do acusado ao tipo penal
descrito no art. 1º, V, da lei de regência, de modo a configurar o delito de lavagem.
Portanto, acolhendo os fundamentos da acusação, julgo procedente a
ação penal para condenar o réu Henrique Pizzolato como incurso na sanção
do art. 1º, V, da Lei 9.613/1998.
III.3 Banco do Brasil – Visanet
Marcos Valério Fernandes de Souza – 5º acusado
Ramon Hollerbach Cardoso – 6º acusado
Cristiano de Mello Paz – 7º acusado
Os acusados Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, em
relação a este item da denúncia, respondem pelos crimes de peculato (art. 312 do
CP), por quatro vezes, e corrupção ativa (art. 333 do CP).
Em suma, a narrativa da Procuradoria-Geral da República a respeito da
prática dos crimes de peculato (art. 312 do CP), por quatro vezes, e de corrupção ativa (art. 333 do CP), no que tange ao Banco do Brasil – Visanet são as
mesmas já referidas por ocasião da análise dessas condutas imputadas ao cor‑
réu Henrique Pizzolato, razão pela qual deixo de reproduzi-las neste tópico.
Defesa de Marcos Valério
Com relação aos delitos de corrupção ativa e aos quatro episódios de pecu‑
lato atribuídos ao acusado em relação à Visanet, a defesa também sustenta que
esses não restaram caracterizados. Afirma, para tanto, que os recursos seriam
privados, porque a entidade (Visanet) possui natureza de direito privado. Por‑
tanto, eventual desvio ou lesão dos recursos não poderia configurar peculato,
delito que visa tutelar o patrimônio público.
982
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Aduz a defesa que:
O Fundo de Incentivo Visanet pertencia a CBMP – Companhia Brasileira
de Meios de Pagamento, empresa privada cujos sócios são 26 (vinte e seis)
instituições financeiras, que usam o cartão da bandeira Visa: Bradesco/Alvorada
(38,8383%), BB Banco de Investimento (31,9964%), ABN Amro/Real (14,2823%),
Visa International (10,0090%) e com participações acionárias inferiores a 1%: Uni‑
banco/Bandeirante, BRB, Santander, Bradesco/Mercantil, Fininvest, Bank Boston,
ABN/Sudameris, Banrisul, Panamericano, Itaú/Banestado, HSBC, Simples, Ba‑
nestes, Santos, Safra, Santander/Banespa, BEMGE, Bradesco/Cidade, Bradesco I
Boavista, Santander/Meridional, Bradesco/ BBV e Alfa (fls. 5410/5411 – vol. 25).
O Banco do Brasil de Investimento, e não o Banco do Brasil S.A., é um dos sócios
da CBMP, a qual é uma “empresa privada”, como afirmou e disso se esqueceu o Pro‑
curador-Geral da República, na petição de fl. 5402 (vol. 25). [Fl. 71 – Grifos do autor.]
Argumenta, ainda, que:
Jamais foram recursos públicos pertencentes ao Banco do Brasil e geridos pesso‑
almente pelo ex-diretor do BB, como afirmou, sem suporte probatório fático algum, o
PGR na denúncia e repetiu em suas alegações finais. Ademais, está claro, também, que
a gestão do fundo Visanet seguia o seu próprio Regulamento (fls. 5246/52553 – vol. 25),
sendo gerido por um Comitê Gestor da Visanet. Este fundo Visanet não era gerido
pelo ex-Diretor de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil S.A., que não tinha
poder para autorizar nenhuma despesa sozinho, muito menos com recurso de terceiro.
Como o Banco do Brasil de Investimento é um dos sócios da CBMP, com cerca
de 32% do seu capital, por ocasião do acórdão de recebimento da denúncia, levantou‑
-se a hipótese de que os recursos da Visanet seriam, em parte, oriundos proporcio‑
nalmente do Banco do Brasil. A instrução criminal veio demonstrar que o Banco do
Brasil não aportou dinheiro na Visanet. Ocorreu o contrário. A Visanet, retirando
1% do lucro auferido com as receitas decorrentes do uso dos cartões Visa (depoimento
de Rogério Sousa de Oliveira, fls. 37948/50 – vol. 176), criou o fundo de incentivo Visanet e repassou dinheiro para as ações de incentivo de interesse do Banco do Brasil.
Na fase da prova pericial, indagou-se aos Peritos Criminais do INC/DPF “se
houve repasse de dinheiro do Banco do Brasil para a CBMP (Visanet)”. Demons‑
trando toda a sua irresponsabilidade, aqueles Peritos, no Laudo n. 2.046/2009, no
item 29, afirmaram o seguinte:
29. Os documentos constantes dos autos do processo permitem concluir
que a Companhia Brasileira de Meios de Pagamento Visanet recebeu recur‑
sos tendo como origem o Banco do Brasil. Esses recursos são oriundos das
operações comerciais das empresas. O Banco do Brasil é um dos principais
acionistas da CBMP, empresa com a qual mantém estreita relação financeira,
ocorrendo constantes operações de transferências de recursos entre as mesmas.
Como esta afirmação é falsa, a defesa requereu fossem os dois Peritos Criminais
intimados a prestar esclarecimentos em audiência, a fim de apontarem quais seriam “os
documentos constantes dos autos” que lhes permitiram aquela afirmação. O Ministro
Relator, inicialmente, indeferiu o pedido. Posteriormente, deu provimento a agravo
regimental e autorizou a audiência (fl. 39699 – vol. 185 e fl. 40225 – vol. 187). Nesta
audiência realizada na Seção Judiciária Federal de Brasília, os Peritos Criminais aca‑
baram confessando que não há nos autos nenhum documento que permita a afirmação
contida na perícia, quando indagados sobre o conteúdo do “item 29” do laudo:
R.T.J. — 225
983
O sr. Marcelo Leonardo (advogado): Dr. Joacir, no laudo, se o senhor
quiser acompanhar para ficar mais fácil, página 8, n. 29, está dito que: “Os
documentos constantes dos autos do processo permitem concluir que a Com‑
panhia Brasileira de Meios de Pagamento, Visanet, recebeu recursos tendo
como origem o Banco do Brasil. Esses recursos são oriundos das operações
comerciais da empresa. O Banco do Brasil é um dos principais acionistas da
CBMP, empresa com a qual mantém estreita relação financeira, ocorrendo
constantes operações de transferência de recursos entre as mesmas.” O meu
pedido de esclarecimento ao senhor é, se para fazer essa afirmação, os senho‑
res tiveram acesso à contabilidade do Banco do Brasil e da Visanet?
O sr. Joacir C. de Mesquita Junior (inquirido): Não.
O sr. Marcelo Leonardo (advogado): Segunda pergunta: existe algum
documento nos autos que aponte valor e data de alguma transferência do
Banco do Brasil para a Visanet?
O sr. Joacir C. de Mesquita Junior (inquirido): Não. (fls. 40995/6 –
vol. 191)
O sr. Marcelo Leonardo (advogado): O senhor disse que não teve
acesso à contabilidade nem da Visanet nem do Banco do Brasil.
O sr. Raphael Borges Mendes (inquirido): Não.
O sr. Marcelo Leonardo (advogado): Especificamente, não estou fa‑
lando nada genérico de transações comerciais, especificamente a afirmação
que está aqui: “o Banco do Brasil transferiu dinheiro para a Visanet” – existe
algum documento no processo que permita dizer foi transferido, por exem‑
plo, dois milhões de reais dia tal?
O sr. Raphael Borges Mendes (inquirido): Não; não tem nenhum documento específico em relação, por exemplo, a extrato bancário. Não foi ve‑
rificado no extrato bancário... (fl. 41923 – vol. 191)
Esta constatação já havia sido feita pelos Assistentes Técnicos, que sobre esta
falsa afirmação, disseram o seguinte:
Os peritos assistentes não localizaram nos autos os documentos que
poderiam conter as evidências de transferências de recursos financeiros do
Banco do Brasil para a CBMP – Companhia Brasileira de Meios de Paga‑
mento – Visanet. Os peritos técnicos do INC DPF não indicaram os valo‑
res, nem tampouco, as datas em que os recursos foram recebidos, o que, de
acordo com a técnica contábil, impede a verificação da autenticidade da afir‑
mação (fl. 40300 – vol. 188). [Fl. 79 – Grifos do autor.]
Destaca, ainda, que “a DNA Propaganda Ltda. não foi a única agência de
publicidade que prestou serviços para o Fundo de Incentivo Visanet e recebeu
antecipações para as ações de incentivo da mesma forma. A agência de publi‑
cidade Lowe Lintas recebeu antecipações segundo o mesmo procedimento (...)
[bem como] este procedimento foi adotado, também, nos anos de 2001 e 2002,
antes do Governo Lula e antes de Henrique Pizzolato ser diretor do Banco do
Brasil (...)” (fl. 81 – grifos do autor).
Prossegue a defesa afirmando que:
Nas alegações finais, o ilustre Procurador-Geral da República, nesta parte da acu‑
sação, invoca exclusivamente laudos feitos na fase do inquérito (por exemplo, itens 360,
361, 365, 371 e 375) e as conclusões políticas da CPMI dos Correios (por exemplo,
984
R.T.J. — 225
item 367), não tecendo qualquer consideração fundada nos laudos feitos sob o crivo
do contraditório judicial, quando foi possível, inclusive, ouvir os peritos em audiência,
para prestação de esclarecimentos. Nestes laudos, no entanto, está dito o seguinte:
n. 34 – O Fundo de Incentivos Visanet era constituído com recursos
oriundos da CBMP (fl. 37524 – vol. 174).
n. 37 – O Fundo de Incentivo Visanet era administrado por um comitê
gestor, responsável por avaliar propostas de “ações de incentivo” e pelo cumpri‑
mento das disposições do Regulamento de Constituição e Uso do Fundo de In‑
centivo Visanet, composto por Diretor Presidente, Diretor Executivo de Finanças
e Administração e Diretor de Marketing da Visanet (fl. 37542 – vol. 174);
n. 39 – (para a pergunta, os recursos do fundo Visanet transitaram em
contas de titularidade do Banco do Brasil?) resposta: No período de 2003
a 2005 os valores transferidos para a DNA Propaganda em nome do
Fundo Visanet foram originários de contas correntes da empresa CBMP
(fl. 37543 – vol. 174);
n. 40 – O Diretor de Marketing do Banco do Brasil S.A. integrava o
Comitê Gestor da Visanet segundo seu próprio Regulamento? Resposta: De
acordo com o Regulamento de Constituição e Uso do Fundo de Incentivo
Visanet, cabia ao respectivo acionista a indicação do gestor responsável pelas
ações de incentivo do Fundo Visanet. Entre os anos de 2001 e 2005, o Banco do
Brasil indicou, por meio de correspondência assinada pelo diretor de varejo
do Banco, quatro gestores: Leandro José Machado, Léo Batista dos Santos,
Rogério Sousa de Oliveira e Antônio Carlos Correia (fl. 37543 – vol. 174);
n. 48 – A responsabilidade pela fiscalização e correta aplicação dos
recursos do Fundo era do Comitê Gestor, composto pelo Diretor Presidente,
Diretor Executivo de Finanças e Administração e Diretor de Marketing da
Visanet (fl. 37545 – vol. 174);
n. 49 – No período citado (fevereiro de 2003 a julho de 2005) o Sr. Henri‑
que Pizzolato ocupou a função de Diretor de Marketing e Comunicação do Banco
do Brasil, não constando que tenha ocupado cargo ou função na Visanet ou no
Fundo de Incentivo Visanet (fl. 37545 – vol. 174). [Fls. 88/89 – Grifos do autor.]
Defesa de Ramon Hollerbach
Com relação ao delito de peculato atribuído ao acusado em relação ao Visa‑
net, a defesa esclarece que, “em relação às alegadas antecipações de dinheiro por
parte da Visanet e que configurariam a incidência de ‘4 (quatro) vezes no art. 312
do Código Penal (19-5-2003 – R$ 23.300.000,00; 28-11-2003 – R$ 6.454.331,43;
12-3-2004 – R$ 35.000.000,00; e 1º-6-2004 – R$ 9.097.024,75)’, não se pode
afirmar que tenha havido, em razão disso, o cometimento de crime. É importante
fazer de pronto alguns registros: é a própria Acusação que reconhece que, mesmo
antes do ingresso de Henrique Pizzolato na diretoria de marketing, ocorreram
antecipações, inclusive para outras agências (fl. 69 da Denúncia)” (fl. 32).
Menciona a defesa que
o exame do contrato entre a DNA Propaganda Ltda. e o Banco do Brasil
(documento n. 6 anexado com a Defesa Preliminar – Apenso n. 111, vol. 2 dos
autos) demonstra que o denunciado Ramon Hollerbach Cardoso, não participava
R.T.J. — 225
985
da administração daquela agência. Isto também fica comprovado pelo exame do
Contrato de Prestação de Serviços de Publicidade entre o Banco do Brasil S.A. e a
DNA Propaganda Ltda. (Concorrência n. 1/2003 – 9984), datado de 23 de setembro
de 2003: “(...) a Contratada, neste ato representada pelo seu Diretor Operacional,
Sr. Francisco Marcos Castilho Santos, (...)”.
Verifica-se, inclusive, que nesse documento figura como testemunha a Sra.
Margareth Maria de Queiroz Freitas, sócia e diretora da referida empresa de publi‑
cidade, sem que haja qualquer participação de Ramon Hollerbach Cardoso nos fatos
narrados. [Fls. 32/33.]
Ressalta, ademais, que,
em momento ou documento algum se encontra a assinatura de Ramon
Hollerbach Cardoso.
Nos milhares de folhas que compõem os autos, não há qualquer indicação de
que ele tenha atuado no caso, mesmo que profissionalmente [, bem como] os tão
mencionados adiantamentos dizem respeito a valores pertencentes à Visanet, que,
sabidamente, nunca foi órgão público, seja da Administração Direta ou Indireta,
não pertencia, portanto, esse dinheiro ao erário. A prova disso pode ser encontrada
no relatório preliminar da auditoria realizada por determinação do Banco do Brasil,
encontrada nos autos (vol. 25). [Fl. 33.]
Quanto ao delito de corrupção ativa, frisa a defesa os seguintes aspectos,
in verbis:
Mais uma vez as Alegações Finais, repetindo a Denúncia, em relação ao de‑
lito do art. 333 do Código Penal, não particulariza a suposta conduta do Requerente
em oferecer a quantia de R$ 326.660,67, ao então, Diretor de Marketing do Banco
do Brasil, Henrique Pizzolato.
Onde está a participação de Ramon Hollerbach Cardoso nesse suposto fato?
Como já dito, para a configuração do delito do art. 333 do Código Penal – e de qual‑
quer outro crime – é necessário que a acusação individualize qual prática, omissão
ou retardo de “ato de ofício” do funcionário corrompido. Mais uma vez, a Acusação
não descreve qual ação deveria Henrique Pizzolato praticar para privilegiar Ramon
Hollerbach Cardoso. Do mesmo modo, não descreve qual a conduta atribuída ao
servidor público, que em contraprestação lhe cabia, para beneficiar o Requerente.
Nas nove páginas dedicadas a esse ponto de criminalização a Denúncia men‑
ciona nove vezes o que insistentemente chama de “grupo/núcleo Marcos Valério”,
e somente duas vezes cita o nome de Ramon Hollerbach Cardoso. Na primeira
vez (pág. 61 da Denúncia), seu nome está entre parênteses e ao lado do de Cristiano
Paz e Rogério Tolentino, depois da denominação “do grupo liderado por Marcos
Valério”, e na segunda citação (também pág. 61), ao afirmar que o denunciado,
“Henrique Pizzolato, em razão do cargo de Diretor de Marketing do Banco do Bra‑
sil, também recebeu de Marcos Valério, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach e Rogé‑
rio Tolentino, valendo-se de um intermediário, na data de 15 de janeiro de 2004, a
quantia de R$ 326.660,67, como contraprestação pelos benefícios ilicitamente pro‑
porcionados, no exercício de sua função, ao grupo empresarial de Marcos Valério”.
Note-se que a Acusação não se dispõe aí nem ao menos a citar quem é o suposto
intermediário, onde ocorreu e de que maneira o denunciado Ramon Hollerbach
Cardoso teria participado desse presumido fato. [Fl. 32 – Grifos do autor.]
986
R.T.J. — 225
Defesa de Cristiano de Mello Paz
Faz a defesa uma análise sequencial dos delitos de peculato e corrupção
ativa em relação ao episódio envolvendo o Fundo Visanet. Nesse ponto escla‑
rece, sobre o peculato, in verbis, o seguinte.
Ocorre que neste tópico, tal como no anterior, a situação é ainda mais aber‑
rante que aquela em relação aos fatos narrados em desfavor da SMP&B. Isto por‑
que, se em relação à SMP&B o defendente era sócio direto, ainda que sem qualquer
função de gerência, no que tange à DNA a prova documental comprova que Cris‑
tiano de Mello Paz sequer compunha, diretamente, seus quadros.
Além disso, desde 26-2-2004, nem mesmo era sócio da Graffiti, como
bem demonstra a 11ª alteração contratual (doc. 3). Assim, ainda que por absurdo se
pudesse atribuir-lhe a prática das infrações apontadas, as transferências que teriam
sido realizadas nos valores de R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais),
em 12-3-2004 e de R$ 9.097.024,75 (nove milhões, noventa e sete mil e vinte e
quatro reais e setenta e cinco centavos), em 1º-6-2004, foram realizadas quando
ele já estava afastado da composição societária da Graffiti, que por sua vez
compunha a DNA.
Evidentemente, a não ser que pretendamos retornar à um odioso período de
responsabilização objetiva, não pode ser punido pela única razão de ser sócio, indi‑
retamente, da DNA, sem nunca haver praticado qualquer ato de gestão na mesma.
As operações narradas na denúncia e reiteradas, quando, alegações finais
escritas do Ministério Público Federal, sequer foram conhecidas pelo acusado,
até porque os contratos sociais, acostados (doc. 3), não lhe conferiam tal poder.
[Fls. 41/42 – Grifos do autor.]
Na sequência, argumenta a defesa que “não há que se falar em desvio de
dinheiro público, já que a Visanet, conforme fartamente comprovado nos autos,
é empresa privada, da qual o Banco do Brasil é mero sócio. Além disso, como
demonstrado, os repasses foram feitos pela Visanet, diretamente, à DNA (...) [T]endo
os pagamentos sido feitos diretamente pela Visanet, empresa de cunho privado,
de peculato não há que se falar” (fls. 42/43 – Grifos do autor).
Sobre a corrupção ativa, colaciona a defesa que, com relação à “imputa‑
ção do crime de corrupção ativa, consistente no pagamento a Henrique Pizzolato,
do valor de R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e sessenta reais
e sessenta e sete centavos), aduz Cristiano de Mello Paz que não conhecia, como
até hoje não conhece, o eventual beneficiário, o que se comprovou através dos
interrogatórios acostados às fls. 15854/15947 e 16470/16477” (fls. 43/44).
Reitera a tese de que a acusação foi feita ao acusado “apenas e exclusivamente em virtude de sua simples condição de sócio, numa repetição da fami‑
gerada responsabilidade objetiva” (fl. 44 – grifos do autor).
R.T.J. — 225
987
Análise do delito de corrupção ativa imputado aos acusados em razão do
oferecimento da importância de R$ 326.660,67 a Henrique Pizzolato, então
diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil
Pois bem, em relação ao delito de corrupção ativa (CP, art. 333) imputado
aos réus, temos, segundo a imputação da acusação, que Henrique Pizzolato, na
condição de diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil, teria possi‑
bilitado o desvio, entre 2003 e 2004, de R$ 73.851.356,18, oriundos do Fundo de
Investimento da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (Visanet).
Para tanto, Henrique Pizzolato teria autorizado a liberação para a DNA
Propaganda, a título de antecipação, do valor acima referido de R$ 73.851.359,18,
assinando, pessoalmente, três das quatro antecipações delituosas (fls. 5376/5389).
Os recursos, contudo, teriam sido transferidos para a DNA Propaganda
sem que se comprovasse a realização dos serviços que teriam justificado tão vul‑
toso pagamento. Para tanto, a DNA teria emitido notas fiscais inidôneas (“frias”),
tanto do ponto de vista formal como material, para receber os quatro repasses.
Em contrapartida, Henrique Pizzolato teria recebido, no dia 15 de janeiro
de 2004, vantagem indevida de R$ 326.660,67 em espécie, que foram saca‑
dos por intermédio de Luiz Eduardo Ferreira da Silva, mensageiro de uma
empresa prestadora de serviços contratada pela Caixa de Previdência dos Fun‑
cionários do Banco do Brasil (PREVI).
Em abono a essa tese, vide o depoimento dessa testemunha, que narrou o
seguinte:
Que no dia quinze de janeiro de 2004, recebeu uma ligação de Henrique Pizzolato no setor onde o depoente trabalha; Que nesta ligação, Pizzolato solicitava que
o depoente fosse ao Banco Rural e pegasse “um documento”; (...) Que Henrique
Pizzolato passou o endereço do banco e o nome da pessoa com quem o depoente
iria pegar “os documentos”; Que dirigiu-se de carro até o Banco Rural localizado no
centro do Rio de Janeiro, cujo endereço não se recorda, entrando sozinho no estabe‑
lecimento bancário; Que lá dentro, procurou a pessoa indicada por Henrique Pizzolato, que o atendeu em um setor onde não existe atendimento ao público; (...) Que o
funcionário do banco colocou dois pacotes embrulhados em papel pardo em cima da
mesa, e pediu ao depoente que assinasse um recibo; (...) Que de posse dos dois em‑
brulhos, dirigiu-se para a porta do banco onde aguardou o motorista José Claudio;
Que Henrique Pizzolato tinha solicitado ao depoente que levasse “os documentos”
na sua residência, localizada na Rua Republica do Peru n. 72, apartamento 1205,
salvo engano; Que diante disso, entrou no carro da Previ e se encaminhou para o
bairro de Copacabana com os dois embrulhos no banco traseiro do veículo; Que não
tinha a mínima ideia de que transportava dinheiro; Que chegando na residência de
Henrique Pizzolato, foi o mesmo quem o recepcionou na porta de seu apartamento;
Que entregou os dois embrulhos nas mãos de Henrique Pizzolato. [Fls. 992/994.]
que é mensageiro da empresa Conservadora Itatuité, firma que presta serviços
para a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI); que traba‑
lha como mensageiro há quase 20 anos; que conhece o Sr. Henrique Pizzolato desde
988
R.T.J. — 225
1998/1999, quando o réu foi nomeado diretor da Previ; que num certo dia recebeu uma
ligação de uma das secretárias da diretoria da Previ; (...); que a secretária lhe transferiu
uma ligação da Sr. Henrique Pizzolato; que nesta ligação, Henrique Pizzolato pediu ao
depoente que fosse a um determinado endereço e lá procurasse uma dada pessoa, cujo
nome não se recorda, que lhe entregaria uma encomenda; que em nenhum momento
Henrique Pizzolato pediu que o depoente tivesse especial cuidado com o transporte da
encomenda, nem lhe disse qual era o objeto a ser transportado, tampouco exigiu que
esse serviço fosse prestado por um meio de transporte específico; que o único pedido
foi para que o depoente deixasse a encomenda na residência de Henrique Pizzolato;
que o depoente pediu a um motorista que também presta serviço à Previ, que geral‑
mente faz serviço de entrega de malotes no Centro da cidade, que lhe desse carona
para ir e voltar do endereço fornecido por Henrique Pizzolato; que quando chegou em
tal endereço percebeu que era o Banco Rural; que o depoente não foi acompanhado de
mais ninguém; que ao chegar ao local indicado procurou a pessoa indicada por Henri‑
que Pizzolato, que o atendeu em um setor onde não existe atendimento ao público; (...)
que o funcionário do banco colocou dois envelopes de papel pardo lacrados, tamanho
A4, em cima da mesa, e pediu ao depoente que assinasse um recibo; que o depoente
não conseguiu ler todo o conteúdo desse papel que lhe foi apresentado para assinatura,
porém conseguiu identificar que realmente era um recibo; (...) que o funcionário do
Banco Rural disse apenas que era um recibo de estar recebendo dois pacotes; que o
depoente não perguntou qual era o conteúdo dos dois pacotes; (...) que de posse dos
dois embrulhos, dirigiu-se para a porta do banco onde aguardou o motorista José Cláu‑
dio; que então se dirigiram para a residência de Henrique Pizzolato na Rua República
do Peru, no bairro de Copacabana; que chegando na residência de Henrique Pizzolato,
foi o mesmo quem o recepcionou na porta do apartamento; que Henrique Pizzolato não abriu os envelopes na presença do depoente nem lhe disse qual era o conteúdo.
[Fls. 17862 a 17863.]
Conforme se infere do recibo firmado naquela ocasião pela testemunha
Luiz Eduardo no Banco Rural (fl. 153 do Apenso 5), foi a ele entregue a impor‑
tância de R$ 326.660,67 em espécie, representativa de cheque da empresa DNA,
o qual permaneceu de posse daquela instituição financeira.
Embora Henrique Pizzolato negue o recebimento dessa quantia, afir‑
mando que apenas fizera um favor a Marcos Valério, determinando a retirada de
“documentos” na agência do Banco Rural por ele indicada, e que, encaminhados
a sua residência pela testemunha, teriam sido entregues a emissário não identi‑
ficado, que ali compareceu na mesma noite, dizendo ter vindo apanhar aquele
envelope a mando do Partido dos Trabalhadores, essa versão soa totalmente
inverossímil e meramente exculpatória.
Diante da identificação expressa da testemunha encarregada de apanhar a
“encomenda” (a qual, posteriormente, de forma inexplicável, foi agraciada com um
“empréstimo” pessoal de R$ 18.000,00 feito por Henrique Pizzolato), tudo leva a
concluir que foi ela, na verdade, expressamente indicada por Henrique Pizzolato
a Marcos Valério para receber a importância atestada no recibo, recebimento esse
para o qual não havia qualquer justificativa plausível senão ser ele a contraparte
oferecida por Marcos Valério e seus sócios a Henrique Pizzolato pela antecipa‑
ção das verbas publicitárias do Fundo Visanet conferidas à agência DNA.
R.T.J. — 225
989
Nessa conformidade, pelo meu voto, tenho por configurado o crime de
corrupção ativa praticado pelos réus, e, em consequência, condeno Marcos
Valério, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz às penas previstas no art. 333, caput, c/c o art. 29, ambos do Código Penal.
Análise do delito de peculato (art. 312 do CP) imputado aos acusados consistente no desvio, em proveito da DNA Propaganda, em quatro ocasiões, da
importância total de R$ 73.851.000,00, mediante autorizações para antecipação à DNA Propaganda de quantias do Fundo de Investimento Visanet
para 93 ações de incentivo distintas, sem qualquer comprovação de que
tenham sido aplicadas nessas atividades
Tenho que a ação também procede com relação ao delito de peculato (CP,
art. 312) imputado aos réus consistente no desvio, em proveito da DNA Propa‑
ganda, em quatro ocasiões, da importância total de R$ 73.851.356,18, mediante
autorizações para antecipação à DNA Propaganda de quantias do Fundo de
Investimento Visanet para 93 ações de incentivo distintas, sem qualquer compro‑
vação de que tenham sido aplicadas nessas atividades.
O delito em questão consumou-se mediante ações de Henrique Pizzolato,
na condição de diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil, que,
entre 2003 e 2004, desviou R$ 73.851.356,18 oriundos do Fundo de Investimento
da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (VISANET), em proveito da
DNA Propaganda.
Os desvios, como discriminado pelo MPF, ocorreram nas seguintes datas:
a) 19-5-2003 – R$ 23.300.000,00; b) 28-11-2003 – R$ 6.454.331,43; c) 12-32004 – R$ 35.000.000,00; e d) 1º-6-2004 – R$ 9.097.024,75.
Observo, inclusive, que Henrique Pizzolato autorizou, pessoalmente,
três das quatro antecipações delituosas (fls. 5377, 5384 e 5388), no importe de
R$ 38.851.356,18, não se podendo imputar a ele mera ciência das antecipações
empreendidas, mas, sim, efetiva coautoria na empreitada, uma vez que, se não
houvesse aposto seu quirógrafo nos respectivos documentos, o repasse não se
teria efetivado.
Não houve comprovação de que os recursos antecipados à DNA tenham
sido empregados em serviços efetivos, nem demonstração, senão por meio de
notas fiscais emitidas pela própria beneficiária, da efetiva contraprestação por
aqueles valores.
Foi o que constatou o Laudo Pericial 2.828/2006-INC (fls. 77/119, Apenso 142):
IV.5 – Dos Contratos
35. Visto a complexidade dos fatos, os Peritos entenderam ser necessário
analisar os contratos de prestações de serviços entre a DNA e o BB para utilização
de verba do próprio banco, com publicidade, a fim de demonstrar que a forma de
uso dos recursos do Fundo Incentivo Visanet não estava amparada por qualquer dos
contratos apresentados à Perícia.
990
R.T.J. — 225
(...)
40. Considerados os contratos entre o BB e a DNA e as movimentações fi‑
nanceiras na conta corrente da DNA, foi constatado que, para executar despesas de
publicidade, deveria haver prévia aprovação de campanha publicitária, da execução
dos serviços, a confirmação da execução e o posterior pagamento de cada um dos
fornecedores em créditos específicos na conta corrente da agência de publicidade.
41. Quanto aos recursos do Fundo de Incentivo, constatou-se que os valo‑
res faturados pela DNA contra a Visanet eram aprovados de maneira global, sem
análise prévia das despesas, sem a confirmação de execução dos serviços e com
antecipação de recursos.
42. Esses valores eram depositados nas contas 601999-4 ou 602000-3 da
DNA, no Banco do Brasil. Em seguida, eram transferidos, no todo ou em parte, para
fundos de investimentos do BB, vinculados às contas 602000-3 ou 603000-9. Do‑
cumentos da DNA explicam o funcionamento dessas contas e suas exclusividades
para movimentação de recursos do Fundo, Anexo I, fls. 2 a 4.
43. Após autorização formal do BB, mediante Nota Técnica, para pagamento
a prestadores de serviços, a DNA transferia recursos da conta 602000-3 para conta
601999-4 e a partir desta, mediante cheque, TED ou saques em espécie, eram efe‑
tuados os pagamentos aos fornecedores.
44. Durante os exames verificou-se que muitos dos projetos ou campanhas
publicitárias para o Banco do Brasil, vinculados à verba do Fundo de Incentivo,
não apresentavam documentos que permitissem comprovar que a DNA realizou os
respectivos serviços. Em determinados casos, a DNA somente executou serviços
de pagamentos de faturas apresentadas pelo Banco do Brasil, tais como Unesco,
BBTUR, Casa Tom Brasil, Paço Alfândega, Lowe Ltda., dentre outros.
IV.6 – Dos Valores Destinados ao Banco do Brasil Repassados à DNA.
45. Após autorização formal do BB, mediante Nota Técnica, para pagamento
a prestadores de serviços, a DNA transferia recursos da conta 602000-3 para conta
601999-4 e a partir desta, mediante cheque, TED ou saques em espécie, eram efe‑
tuados os pagamentos aos fornecedores.
46. Os exames foram direcionados para seis grandes repasses realizados no
período. A análise do processo de liberação de recursos e de prestação de contas, in‑
cluindo as notas fiscais emitidas pela DNA, permitiu concluir que esses valores foram
transferidos em forma de adiantamentos, o que contraria o Regulamento do Fundo.
47. Para os valores transferidos, não existia ou não foi apresentado um plano
para utilização dos recursos, tanto pela Visanet, quanto pelo BB ou pela DNA. Tam‑
bém não havia quaisquer documentos entre as partes vinculando a necessidade de
prestar serviços em decorrência dos valores transferidos.
48. Os valores foram adiantados com a apresentação de correspondências do
Banco do Brasil, JOBs, informando o valor a ser utilizado pelo Banco, sem detalha‑
mento das ações a serem empreendidas, e, também por meio de correspondência do
BB, de notas fiscais emitidas pela DNA, sem especificação dos serviços prestados
ou a serem realizados.
49. Com base nesses JOBs, a Visanet, mediante uma rotina burocrática de
aprovação da solicitação de pagamento dos serviços, sem quaisquer análises do‑
cumentais, em desacordo com as normas do Fundo, efetivava os “pagamentos”,
quando na verdade tratava-se de adiantamentos de recursos, que também não são
previstos no regulamento.
R.T.J. — 225
991
Ratificando essa conclusão, vide o depoimento da testemunha Danévita
Ferreira de Magalhães, que confirmou não haver qualquer contraprestação por
parte da empresa DNA às antecipações de valores do Banco do Brasil repassados
pela Visanet, in verbis:
Que o Núcleo de Mídia do Banco do Brasil é formado por profissionais con‑
tratados pelas agências licitadas para administrar todo o processo publicitário e de
comunicação do Banco do Brasil; (...) Que o NMBB era subordinado administrati‑
vamente ao setor de marketing do Banco do Brasil, a quem cabia repassar as dire‑
trizes, orientações e determinações a serem seguidas; (...) Que no NMBB exercia a
função de gerente de mídia, tendo como principal atividade o controle da verba de
veiculação publicitária do Banco do Brasil; (...) Que no ano de 2003 lhe foi apre‑
sentado o plano de mídia da campanha Banco do Brasil/Visa Electron para ser ve‑
rificado e analisado para posterior pagamento; Que cabia à declarante atestar que a
campanha havia sido realmente veiculada para poder autorizar o pagamento aos veículos; Que entretanto o dinheiro já havia sido transferido para a DNA Propaganda,
sendo que o plano de mídia do Banco do Brasil/Visa Electron apresentado iria ape‑
nas regularizar e simular a prestação do serviço de publicidade; Que entretanto esta
campanha, no valor aproximado de R$ 60 milhões, de fato nunca havia sido veicu‑
lada; Que o próprio diretor de mídia da agência DNA Propaganda, Fernando Braga,
afirmou para a declarante que esta campanha do Banco do Brasil/Visa Electron não
tinha e nem iria ser veiculada; Que cabia à agência DNA Propaganda apresentar
as notas fiscais relativas aos gastos de veiculação da referida campanha; Que acre‑
dita que as notas fiscais frias emitidas pela DNA Propaganda e que estavam sendo
destruídas, conforme notícias da imprensa, foram elaboradas para justificar esta
campanha de 2003 ou outras campanhas que nunca foram veiculadas; Que a partir
da sua recusa em assinar o plano de mídia Banco do Brasil/Visa Electron do ano de
2003, bem como outros documentos que poderiam lhe comprometer, percebeu que
iria ser demitida. [Fls. 19158/19161, confirmado nas fls. 20114/20128 do vol. 93.]
A sra. representante do Ministério Público: A senhora sabe informar se o
Marcos Valério tinha alguma ligação com esse diretor lá do núcleo de mídia?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: A diretora do núcleo de mídia era eu;
é o diretor de Marketing do Banco do Brasil o Senhor Henrique Pizzolato.
A sra. representante do Ministério Público: Ele tinha alguma ligação com ele?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: Sim, direta.
(...)
A sra. representante do Ministério Público: E vocês obedeciam às diretrizes
determinadas por quem lá no núcleo? Como que era o trabalho? Vocês faziam a
campanha, o trabalho da – vamos dizer – veiculação era aprovado por quem? Pela
própria agência de publicidade ou alguém do Banco do Brasil?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: O Banco é quem determinava. Sem‑
pre o Banco quem determinava.
A sra. representante do Ministério Público: Quem do Banco lhe transferia as
orientações?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: É, vinha orientação do diretor com o
gerente e a pessoa era o subgerente, que era o Senhor Roberto Messias, mas quem
realmente comandava era o Senhor Henrique Pizzolato.
992
R.T.J. — 225
(...)
A sra. representante do Ministério Público: O Plano de mídia, a senhora re‑
cebeu de quem. Aquele que a senhora recusou a assinar.
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: O Plano de Mídia vem diretamente
da agência. O diretor de mídia da agência confecciona o plano, e o procedimento
anterior era: tudo passava pelo núcleo de mídia para que houvesse uma conferência,
inclusive de valores, de estratégia, de tática de mídia. Só após essas operações é que
o Banco aprovava e liberava a verba para pagamento.
A sra. representante do Ministério Público: Do Banco, a quem competia a
aprovação?
A sra. Danévita Ferreira de Magalhães: Senhor Roberto Messias, Senhor
Cláudio Vasconcelos e Senhor Henrique Pizzolato. [Fls. 20114/20128 do vol. 93.]
Por outro lado, a meu sentir, despicienda, no caso, a análise quanto à natureza
dos recursos desviados em proveito da DNA, porquanto o tipo previsto no art. 312
do CPP é claro ao estabelecer que constitui crime dessa natureza “apropriar-se o
funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou
particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio
ou alheio” (grifei), de modo que, tendo o delito sido praticado mediante coautoria
de Henrique Pizzolato (funcionário público lato sensu – CP, art. 327, § 1º), estão
presentes todas as elementares exigidas para a tipificação da infração.
Portanto, julgo procedente a ação penal para condenar os réus Marcos
Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano de Mello Paz como incursos nas sanções do art. 312, caput, c/c os arts. 29 e 30, todos do Código Penal, por desvio,
em proveito da DNA Propaganda, de R$ 73.851.367,18 pertencentes ao Fundo
de Investimento Visanet.
Luiz Gushiken – 16º acusado
No que concerne a Luiz Gushiken, à época ministro da Secretaria de
Comunicação e Gestão Estratégica da Presidência da República, registro que a
denúncia atribuiu ao acusado a coautoria no delito de peculato (art. 312 do CP),
tendo em vista os depoimentos prestados pelo corréu Henrique Pizzolato afir‑
mando que sempre agiu a mando do então ministro.
Contudo, em sede de alegações finais, a própria Procuradoria-Geral da
República pediu sua absolvição, com base no art. 386, VII, do Código de Pro‑
cesso Penal, ao fundamento de que não se colheram elementos sequer indiciários
que justificassem a sua condenação.
Por sua vez, a defesa requereu a sua absolvição com base no art. 386, IV, do
Código do Processo Penal, ao argumento de estar provado que ele não concorreu
para a infração penal.
De minha parte, ressalto que acompanho tanto o ministro revisor quanto o
ministro relator, pois, conforme ressaltou sua excelência, “os indícios constantes
da denúncia, que autorizaram seu recebimento pelo Plenário, dizem respeito,
apenas, a afirmações do corréu Henrique Pizzolato, segundo o qual o então
R.T.J. — 225
993
ministro da Secretaria de Comunicação Social, sr. Luiz Gushiken, teria deter‑
minado a assinatura das Notas Técnicas para repasse de recursos à DNA Propa‑
ganda [e, nesse contexto,] nenhuma prova corroborou que o réu Luiz Gushiken
tenha se reunido com o sr. Henrique Pizzolato ou qualquer outro réu, e o acusado
Henrique Pizzolato alterou suas afirmações” (fl. 310).
Assim, inexistindo elementos que comprovem ter o réu concorrido para a
infração penal, nos termos do art. 386, V, do Código de Processo Penal, absolvo
Luiz Gushiken do delito a ele imputado.
É como voto com relação a este capítulo.
VOTO
(Incidências)
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, com a devida vênia do
ministro Fux, a acusação – pelo menos no nosso sistema constitucional, desde
1988 – é que tem que fazer prova. Não vamos inverter isso, pois muita gente
lutou para que tivéssemos essa garantia constitucional. A defesa não é obrigada
a comprovar as suas versões. É a acusação que tem que comprovar e trazer
provas sobre o seu libelo acusatório. Isso é das maiores garantias que a huma‑
nidade alcançou, e penso ser necessário que este Supremo Tribunal Federal as
resguarde. Não estou dizendo aqui em relação ao caso concreto, com suas várias
interpretações, mas como premissa. Estou rebatendo o que foi dito não em rela‑
ção ao caso concreto, mas como premissa teórica constitucional. Rogo vênia para
divergir de Sua Excelência quanto a essa premissa que lançou.
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
O sr. ministro Dias Toffoli: Quem tem que comprovar as alegações da
denúncia é a acusação.
O sr. ministro Luiz Fux: (Cancelado)
EXPLICAÇÃO
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Senhor Presidente, eu, como rela‑
tor, tenho curtas observações a fazer sobre o que foi dito pelo eminente ministro
Dias Toffoli. Sua Excelência, logo no início do seu voto, considerou absoluta‑
mente regular o contrato, ou melhor, a licitação que conduziu à assinatura do
contrato entre Câmara dos Deputados e a empresa SMP&B, de Marcos Valério.
Eu tenho observação a fazer no seguinte sentido: não é verdade, não foi total‑
mente irregular esse contrato, essa licitação. Por quê? Consta dos autos que uma
das empresas, supostamente concorrente da empresa de Marcos Valério, funcio‑
nava no mesmo endereço, tinha o mesmo telefone e usava os mesmos funcionários
da empresa de Marcos Valério. Isso é indício, claro e contundente, de concorrência
fictícia. Em segundo lugar, um dos membros da Comissão de Licitação, e não é
um dos membros de menor estatura, simplesmente o diretor de comunicação da
994
R.T.J. — 225
Câmara dos Deputados, a pessoa incumbida de conduzir as negociações e de fis‑
calizar o contrato. Ela veio, posteriormente, a reconhecer, a admitir que a empresa
de Marcos Valério não detinha os requisitos necessários exigidos pelo edital. Isso
está apontado no meu voto; isso consta dos autos com todas as letras.
Quanto ao João Paulo Cunha, que é a parte em que Sua Excelência diverge
do meu voto, eu, me basta fazer a seguinte pergunta: seria admissível, é admissível
que o presidente de uma das Casas do Poder Legislativo, que não é empresário, é
uma das mais importantes autoridades da República, é admissível que essa perso‑
nalidade receba, em seu gabinete, o diretor, o presidente de uma empresa, que tem
a expectativa de firmar um contrato com a Câmara dos Deputados, receba essa
pessoa num dia, e, no dia seguinte, manda a sua esposa receber uma determinada
quantia em dinheiro, de forma dissimulada, pago por essa mesma pessoa que ele
recebeu? Mudemos de situação: seria admissível o presidente ou o vice-presidente
do Supremo Tribunal Federal ter um comportamento dessa natureza? Absoluta‑
mente inadmissível – absolutamente inadmissível. E, no meu voto, eu fiz o devido
enquadramento legal desta conduta com as previsões do Código Penal.
Quanto aos serviços previstos nesse contrato: eu talvez não tenha sido muito
feliz em me expressar. Havia, sim, um contrato, esse contrato permitia, sim, a sub‑
contratação, mas a pergunta que se deve fazer é: era permissível a subcontratação
total do objeto desse contrato? Absolutamente não. Não, por quê? Porque o con‑
trato tinha um dispositivo que dizia: os serviços, ou seja, a criação, a elaboração
técnica que a empresa, ou seja, a expertise que a empresa afirmou possuir deveria
ser expressa em boa parte dos serviços a serem prestados. E ela, simplesmente, não
prestou nada, ela terceirizou tudo, ela recebeu honorário sobre todo e qualquer paga‑
mento feito no âmbito desse contrato. E mais, no âmbito desse contrato, foram feitas
compras de serviços que em nada tinham pertinência com o objeto da licitação. Dou
exemplos: serviços de arquitetura e engenharia foram contratados no âmbito de um
contrato para a prestação de serviços de publicidade. Outro exemplo: foram contrata‑
das pesquisas de absoluta impertinência com o objeto institucional do contrato. Uma
das pesquisas traz a seguinte pergunta: José Dirceu tem culpa no cartório no caso
Waldomiro Diniz? Outra pergunta: Como você considera a gestão de João Paulo
Cunha à frente da Câmara dos Deputados? Nenhuma pertinência com o contrato.
Por essas razões é que eu considerei que não houve prestação do serviço
como exigia o contrato, em, pelo menos, parte do seu objeto. Eu não nego que
havia essa possibilidade de subcontratar, mas, como o contrato dizia que a
empresa tinha que prestar preponderantemente os serviços da parte dela, eu
considero que houve desvio ilegal de dinheiro público; portanto, peculato e as
demais imputações que foram feitas.
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, não levarei mais de dois
minutos para, diante das palavras significativas e importantes do eminente rela‑
tor, responder de maneira bastante objetiva.
Em relação à testemunha que disse que, na sua visão, a SMP&B não tinha
condições de prestar aqueles serviços, há várias outras que dizem o contrário; há
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995
o acórdão do Tribunal de Contas da União e há o fato público e notório: ela era
uma empresa contratada para grandes atividades de publicidade.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Mas não fez nesse caso, Ministro.
O sr. ministro Dias Toffoli: Com pessoas premiadas.
E, em relação à prestação de serviços, nesta área de publicidade, é comum
contratos em que se chega próximo a 100% de terceirização. O TCU – e o pró‑
prio relatório da Polícia Federal – mostra que só de veiculação, com os custos de
veiculação, foram gastos 65% do valor do contrato.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Posso explicar.
O sr. ministro Dias Toffoli: Só se a empresa que é contratada for altruísta;
ela faz o trabalho por uma vocação, não para ter lucro...
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Bem, estão bem expostas as teses.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Não, Ministro. Senhor Presi‑
dente, há um detalhe importante sobre esses 65%.
O sr. ministro Dias Toffoli: Só vou concluir. Em relação ao fato de a esposa
ter ido buscar os valores – isso realmente causa espécie, causa estranheza –, a
análise que eu faço leva em conta a situação como um todo colocada na denún‑
cia. Estamos fazendo um julgamento segmentado – que é uma palavra que Vossa
Excelência adotou, que eu penso que é bastante adequada. Estamos analisando
agora essa fotografia, mas, do conjunto de todos os fatos, mostra-se verossímil
que os valores buscados eram provenientes de recursos ilícitos.
Mas o que disse a acusação? A acusação disse que aquilo era em razão do
contrato, era ato de corrupção da empresa visando a ser vitoriosa na licitação.
De todo o conjunto probatório, eu entendo que o ocorrido se enquadra muito
mais como repasse de recursos que foram terceirizados pelo então tesoureiro do
Partido dos Trabalhadores via SMP&B.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Presidente, com relação a esses
65%, há uma observação que me parece importante. O eminente revisor trouxe
uma lista de pagamentos que teriam sido feitos pela empresa do Marcos Valério a
título de divulgação à Rede Globo, Editora Abril, várias empresas. Acontece que
essa divulgação não foi divulgação de serviços feitos pela empresa do Marcos
Valério, divulgação de serviços elaborados pela própria Secretaria de Comuni‑
cação da Câmara. Onde está a expertise da empresa? Onde está o seu know-how,
que o tipo de contrato exigia? É essa a questão.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (revisor): Interessante, Ministro
Joaquim, a empresa contratada na gestão anterior, a Denison Brasil, subcon‑
tratou 100% do serviço e estava autorizada pelo contrato a fazê-lo, e não houve
nenhuma ação penal nem civil pública contra ela.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Mas ela não pagou nada ao presi‑
dente da Câmara dos Deputados.
996
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O sr. ministro Ricardo Lewandowski (revisor): São as contingências do
mercado publicitário. Cada contrato é um contrato.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Não. A empresa anterior... Para
começar, os valores eram muito inferiores, mas muito inferiores. Em segundo lugar:
não há nenhuma notícia de que essa empresa anterior tenha pago propina a dirigente
da Câmara dos Deputados, não é? Então, essas as diferenças. Eu acho, por outro lado,
que o fato de uma empresa ter cometido deslizes num contrato anterior não autoriza
a empresa seguinte a fazer o mesmo. Ou seja, os deslizes não se compensam.
VOTO
(Antecipação)
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, eu também, conforme os
colegas, ministra Rosa, ministro Fux e ministro Toffoli, farei a juntada do meu
voto, que repete muito do que já foi dito aqui, de uma maneira tão minudente,
tão pormenorizada, especialmente pelos ministros relator e revisor, quanto aos
documentos que acabaram se repetindo em algumas passagens, em algumas
citações. Portanto, vou me valer de algumas anotações apenas para um breve
esclarecimento de como estou votando, do que se contém nesse voto, que é basi‑
camente seguindo a linha do ministro Joaquim Barbosa, começando por João
Paulo Cunha. Na sequência dos crimes a ele imputados, o que se refere a Marcos
Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, e, depois, quanto a Henrique Pizzo‑
lato, também quanto aos crimes correspondentes, a suposta participação desse
réu nos crimes que lhe são imputados. Essa é a estrutura de meu voto. Portanto,
seguindo o recebimento da denúncia e, agora, o voto do ministro relator, no que
se refere à metodologia que eu adotei.
Quanto ao acusado João Paulo Cunha, a ele foi atribuída uma prática de
corrupção passiva, uma prática de lavagem de dinheiro e, em duas ocasiões, a
prática de peculato. A acusação de corrupção passiva, Senhor Presidente – como
eu disse, eu não vou ler o voto, mas gostaria de fazer uma breve leitura, brevís‑
sima realmente, do que se afirma sobre esse crime numa passagem de Nelson
Hungria, que faz remissão a um dito de Morris Carson, segundo o qual – farei
uma tradução livre –, sem dúvida, não se deve generalizar inconsideravelmente,
mas seria de enorme hipocrisia não querer considerar corrupção como um dos
males deste século – a minha é a edição 58 da obra de Nelson Hungria. Esse
grande penalista brasileiro afirma que:
O afarismo, o crescente arrojo das especulações, a voracidade dos apetites,
o aliciamento do fausto, a febre do ganho, e dos interesses financeiros sistematiza‑
ram, por assim dizer, o tráfico da função pública. A corrupção campeia como um
poder dentro do Estado. E em todos os setores: desde o contínuo, que não move
um papel sem a percepção de propina, até a alta esfera administrativa, onde tantos
misteriosamente enriquecem da noite para o dia. De quando em vez, rebenta um
escândalo. A opinião pública vozeia indignada e Têmis ensaia o seu gládio; mas
os processos penais, iniciados com estrépido, resultam, as mais das vezes, num
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997
completo fracasso, quando não na iniquidade da condenação de uma meia dúzia de
intermediários deixados à sua própria sorte. São raras as moscas que caem na teia
de Aracne. O estado maior da corrupção quase sempre fica resguardado, menos pela
dificuldade de provas do que pela razão do Estado (...).
Fecho as aspas para dizer que isso significa que o Brasil mudou. Apesar de
vermos algo que indignou tanto o Brasil, que foi a demonstração dos fatos denun‑
ciados, independente do resultado do julgamento e do que se tem como prova nos
autos, que é nosso compromisso nela nos atermos, é certo que houve uma grande
indignação pelos fatos mostrados. E isso vem continuadamente acontecendo no Bra‑
sil. Entretanto, estamos a julgar o processo. Portanto, a afirmativa de Nelson Hun‑
gria de que “São raras as moscas que caem na teia de Aracne”, mesmo que sejam
raras, as situações ocorrem, e o Judiciário Brasileiro está fazendo o possível, dentro
das dificuldades – e a ministra Rosa Weber as apontou tão bem em seu voto – de
se colherem provas. Porque, aqui, não se tem o corpo de delito como no homicídio;
aqui se tem exatamente uma dificuldade enorme de se saber qual é a verdade – tam‑
bém chamada a atenção pelo ministro Fux – real e a verdade processual, porque nós
temos de nos ater exatamente ao que se contém no processo, porque fazemos Direito.
No caso da imputação feita a João Paulo Cunha, teria havido prática de
corrupção passiva. O que se teve foi uma ligação – demonstrada nos autos e ple‑
namente confessada tanto por João Paulo Cunha quanto por Marcos Valério – de
uma proximidade dele com Marcos Valério, que data de 2002. O próprio Marcos
Valério é que expressamente afirma:
Que a empresa DNA foi a responsável pela campanha eleitoral do declarante
para o cargo de Presidente da Câmara dos Deputados; Que a campanha do decla‑
rante à Câmara dos Deputados iniciou-se em dezembro de 2002, terminando em 15
de fevereiro de 2003, data em que ocorreu a eleição para a presidência da Câmara;
Tenho todo o trecho desse interrogatório, mas fiz questão de chamar a
atenção apenas para mostrar que, empossado no cargo de presidente da Câmara,
menos de noventa dias depois, se tem o pedido de abertura da licitação, o que seria
normal, uma vez que a empresa anterior já estava com seu contrato prorrogado.
Entretanto, essa mesma empresa, que tinha participado, portanto – por confissão
expressa de Marcos Valério –, da campanha de João Paulo Cunha, do réu, à presi‑
dência da Câmara, comparece como competidora desse certame. É o próprio João
Paulo Cunha quem, por atribuição própria, constitui a comissão. E eu não tenho
nenhuma dúvida de que a comissão – como foi até alertado pelo ministro Ricardo
Lewandowski – pode não ter sofrido nenhum tipo de injunção, o que não significa
que alguém de fora não imagine, não pense e não ofereça alguma coisa imaginando
que ele pode fazê-lo, porque poderia realmente. Se não fez, é outra história.
Em 3 de setembro, Marcos Valério, no curso da licitação, comparece –
também por confissão expressa de todos – à residência do presidente da Câmara.
E, em 4 de setembro, no dia seguinte, sua esposa recebe, numa agência do Banco
Rural, em Brasília, R$ 50.000,00.
998
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Esse contrato licitado vem a ser assinado em 31 de dezembro de 2003. Não
me parece possível – e estou transcrevendo tanto passagens quanto documentos –
imaginar que tudo isso tenha sido lícito penalmente. Há comprovação, a meu ver, e
com as vênias dos ministros que têm uma compreensão diferenciada desse ponto,
de que realmente os elementos estão prontos, aptos a demonstrar, de forma cabal,
a ocorrência do crime de corrupção passiva pelo réu João Paulo Cunha. Nesse
caso, houve o recebimento, não apenas oferta ou solicitação, de R$ 50.000,00, por
intermediação por saque feito pela sua própria esposa, na forma narrada; houve,
portanto, o recebimento do que se sabia ser vantagem indevida, porque não havia
nenhum débito lícito de Marcos Valério em relação ao acusado. Ele sabia disso.
Valeu-se de uma interposta pessoa. E não me cala absolutamente, não me toca a
circunstância de ele ter se valido da própria esposa. Até reli, no recebimento da
denúncia, quando o ministro Eros Grau... Vossa Excelência, Presidente, e o minis‑
tro Gilmar Mendes entenderam que não se teria a ocultação. Acho que houve a
dissimulação. E, aqui, de tudo que se contém nos autos, parece que a singeleza do
ato se deve muito mais a uma circunstância extremamente penosa, para todos nós
brasileiros, que é saber se haverá punição...
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Mas, se Vossa Excelência me per‑
mite, muito rapidamente?
A sra. ministra Cármen Lúcia: Por favor.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Eu, o ministro Gilmar e o ministro
Joaquim, naquela oportunidade, emitimos um juízo chamado, tecnicamente, de
delibatório. Ou seja, prefacial, inicial, diante de uma outra circunstância...
A sra. ministra Cármen Lúcia: Até por isso fiz a referência, porque foi
citado aqui e estou exatamente afirmando isso. Aquele era um momento inicial
em que se tem essa cogitação...
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Recebimento da denúncia. Não
havia espaço para um juízo de culpabilidade.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Exatamente. Para apresentação de provas.
O sr. ministro Gilmar Mendes: Na verdade, nós sequer conhecíamos a
forma desse tipo de prática, quer dizer, mandar um parente próximo parecia que
ela estava a receber uma ordem de pagamento. Depois se viu que também esta
era uma forma de esconder a entrega dos recursos. Aparece isso nos autos.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Exatamente por isso fiz essa referência,
Ministro, porque foi colocado, até para dizer exatamente que, a meu ver, de tudo
o que li, estudei quinhentas vezes, voltei a esses dados e, por isso voltei à leitura
da denúncia, pareceu-me que isso se deve a uma singeleza – como eu dizia –
extremamente melancólica para nós, brasileiros, que é de uma certa certeza de
impunidade, de que se pode comparecer, de que não vai acontecer nada e que,
portanto, mande-se lá alguém, um parente e que nada se terá descoberto.
Por isso, Vossa Excelência fala até no seu voto que estava às claras – às
claras para esconder –, porque, às vezes, é isso mesmo. A circunstância de ser
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999
mostrado não significa que era alguma coisa que podia ser clarificada na exten‑
são do que estava acontecendo.
Por isso, estou fazendo citação de todos esses dados – é um voto também
alongado – e me convenceu inteiramente as razões da acusação, das provas pro‑
duzidas no sentido de que houve, sim, por parte do réu, a prática de corrupção
passiva, pelo que estou acompanhando o relator no que se refere a João Paulo
Cunha, na prática de corrupção passiva pelo recebimento de R$ 50.000,00 por
intermédio de sua esposa.
Também estou acolhendo e julgando procedente a acusação de lavagem de
dinheiro por ter recebido por interposta pessoa – no caso, sua esposa – o valor
de R$ 50.000,00 que foi pago a título de corrupção, visando ocultar a natureza,
a origem e a localização desse dinheiro, nos termos do art. 1º da Lei 9.613/1998.
E, quanto às duas práticas de peculato, a primeira referente à contratação
da empresa IFT, de que os serviços teriam sido prestados em caráter pessoal,
faço uma brevíssima distinção, Senhor Presidente. A mim me parece – e até o
que a ministra Rosa Weber chamou a atenção – à primeira vista, extremamente
pertinente. Porém, um exame mais aprofundado leva-me também, neste ponto,
a acompanhar o relator, porque a circunstância de que, ainda que fosse serviço
prestado mediante uma contratação para serviço na Câmara dos Deputados, que
tem toda uma estrutura de comunicação social; portanto, para a Câmara, real‑
mente não precisaria, mas que poderia até ensejar qualquer tipo de questiona‑
mento sobre a licitude dessa contratação da IFT, e o fato de os serviços terem sido
prestados pelo jornalista – e eu acredito que tenham sido –, não significa que essa
contratação ou que esta subcontratação tenha sido irregular. Significa que – nós
não temos trabalho escravo no Brasil – alguém foi subcontratado, ele não é réu
nesta ação, e não se está a saber nem a perquirir se ele poderia ou não ter prestado
esse serviço. O certo é que os serviços foram prestados, disso atesta o Tribunal de
Contas da União. Isso não significa, no entanto, que essa subcontratação pudesse
ter sido feita na forma como foi feita e duas vezes autorizada, portanto.
Só para se ter uma ideia, isso remonta a cada uma das autorizações de con‑
tratação da IFT, em R$ 126.000,00, pelo período de seis meses. Isso foi em 2003
e, pelos valores daquela época, nem se poderia ter um agente público nomeado
para lá, porque R$ 21.000,00 era mais do que recebia o ministro do Supremo, que
era o teto do serviço público. Ele contratou alguém além daquilo que a legislação
permitia. Portanto, eu estou afastando também toda a argumentação da defesa
relativa ao peculato, no que se refere à contratação da empresa IFT.
E a mesma coisa com relação à subcontratação dos serviços pela SMP&B de
um montante que, ainda que eu tome como valor o que foi fixado no voto do ministro
relator – 88% –, ainda assim o que consta do contrato de que teria de haver a prepon‑
derância da empresa contratada, no caso, a SMP&B, não foi devidamente observada,
e, portanto, o pagamento, neste caso, fez-se realmente com o peculato-desvio.
Havendo a corrupção passiva, eu também julgo procedente a corrupção
ativa, neste caso, praticado por Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano
1000
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Paz, e, neste caso, Senhor Presidente, no meu voto, estou tratando especifica‑
mente de qualquer alegação de responsabilidade penal objetiva, o que seria abso‑
lutamente inadmissível, mas não é por causa de um organograma de empresa que
estou a cuidar deste assunto, mas pelas circunstâncias de que verdadeiramente
houve a participação devidamente demonstrada, não apenas de contatos desses
empresários, como da forma de pagamento feita.
De toda sorte, eu estou, neste caso, considerando procedente a acusação
quanto a Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz relativamente à corrup‑
ção ativa e também ao peculato da subcontratação pelos mesmos fundamentos da
condenação de João Paulo Cunha. Portanto, acompanho o ministro relator, às intei‑
ras, no que se refere a João Paulo Cunha e os crimes de corrupção ativa e de peculato.
Quanto à questão do Banco do Brasil, bônus de volume e Visanet, relativa‑
mente a Henrique Pizzolato foi formulada a acusação de corrupção passiva pelo
recebimento do valor na forma comentada. Teria recebido um telefonema de
alguém, com o 31, portanto, de Belo Horizonte, que se anunciaria como alguém
a mando de Marcos Valério. Não se sabia quem era, mas ele mandou o contínuo,
o Luiz Eduardo, chamado de “Duda”, buscar um pacote que ele também não
sabia, mas, na hora que se chega lá, já tem um fax com nome, endereço, tudo
certinho para essa pessoa receber. Recebido, ele leva e a pessoa toca o interfone.
Ele também não sabe quem é, mas recebe o pacote, guarda este pacote, depois
entrega o pacote pardo, com R$ 326.000,00, que ele também não sabe para quem
e também não sabe por quê. E, embora o juiz tenha insistido, se ele não sabe em
que país vive, ele disse que não acha que era nada de mais, porque alguém disse
que alguém apareceria, que seria do PT, que ele poderia entregar.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Vossa Excelência está perfilhando
o entendimento do eminente relator.
A sra. ministra Cármen Lúcia: E aí, no caso, de todos os ministros que
votaram antes de mim.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Eu gostaria de fazer um comentá‑
rio picante: esse senhor era nada mais, nada menos que o presidente do conselho
administrativo do maior investidor privado do Brasil. É crível a afirmação de que
uma pessoa desse nível, responsável pelo manuseio de tão formidável soma de
dinheiro, vá receber recado de alguém para entregar algo a outra pessoa? Rece‑
ber recado de uma secretária para...
A sra. ministra Cármen Lúcia: Alguém que diz que era a secretária, porque
ele também não conhecia o telefone.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Alguém que diz ser a secretária
para entregar um pacote, fazer o favor de entregar um envelope a uma outra pessoa.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Muito obrigado a Vossa Excelência.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Há Pangloss no mundo, como diria Voltaire.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): A eminente ministra Cármen
Lúcia prossegue.
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1001
A sra. ministra Cármen Lúcia: Também, Senhor Presidente, quanto ao crime
de lavagem de dinheiro, imputado a Henrique Pizzolato, que teria recebido a quan‑
tia por intermédio de Luiz Eduardo Ferreira da Silva, o “Duda”, que sacou, no Rio
de Janeiro, numa agência do Banco Rural, R$ 326.660,67, proveniente do desconto
do cheque emitido, acompanho o relator para considerar devidamente provada a
acusação.
A acusação de peculato relativa ao bônus de volume, como já foi dito, nem
vou repetir, foi muitíssimo bem explicitada tanto pelo relator, quanto no belo traba‑
lho do voto do ministro revisor. Bônus de volume realmente é devido às agências
de publicidade, mas é um bônus que se recebe pelo volume de serviço prestado.
Se não foi prestado o serviço, a entrega desses recursos, obviamente, dá-se em des‑
vio, e num desvio, como se tratava no caso, do banco, e que estava, portanto, sob a
responsabilidade deste diretor, o que configura o peculato.
E o mesmo se dá em relação às transferências do Visanet – na forma em que
acho que todos aqui votaram até agora – no mesmo sentido de aceitar, como ocor‑
rendo o peculato, em razão dessas transferências feitas, basta se ter – e estou trans‑
crevendo também, como já o fez o ministro relator – todas as somas, a mudança
de valores de 2001/2002 para o altíssimo relevo que foi dado a partir de 2003, pela
circunstância de ter sido a antecipação feita exatamente nas datas coincidentes com
o repasse à DNA. Portanto, também aqui, no caso de Henrique Pizzolato, relativa‑
mente ao peculato, acompanhando o relator.
Quanto a Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, em relação
à corrupção ativa, o dinheiro foi entregue, o cheque foi assinado – aliás, a cópia
do cheque foi até apresentada aqui pelo Cristiano Paz –, mas exatamente como
parte do grupo que praticava a corrupção e, portanto, devidamente demonstrada
a vinculação entre todos eles.
O mesmo se dá, e acompanho o relator, quanto às práticas de peculato
relativas ao bônus de volume, que, como eu disse, não é que o bônus de volume
trate de dinheiro público, ou que trate de um pagamento que seria indevido, ele
é perfeitamente lícito, legítimo, o que aqui tornou-o penalmente ilícito foi a cir‑
cunstância de se ter feito esse pagamento quando não havia volume de serviço ao
qual correspondesse o bônus. Portanto, acompanho às inteiras o relator.
E relativamente ao Luiz Gushiken, eu também – na forma acho que de
todos, não sei se o ministro Toffoli se pronunciou sobre o Gushiken – estou
absolvendo, não com base no pedido formulado pela acusação, pelo Ministério
Público, mas com base no art. 386, V, portanto, do Código de Processo Penal.
É como voto, Senhor Presidente, como eu disse, fazendo juntada de voto.
VOTO
A sra. ministra Cármen Lúcia: Esta ação foi iniciada sob a epígrafe aposta
pelo procurador-geral da República de nela se cuidar do “maior escândalo contra
a Administração Pública” havido na República.
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Não tenho certeza de ser ou não o que se apresenta nesta ação como o
maior escândalo levado a efeito contra a República. Nossa República tem sido
maculada muitas vezes. Nenhuma delas, entretanto, é menos grave. Toda nódoa
com que se tinja a moralidade republicana é grave.
Sei que o que se pôs e se mostrou desde a exposição dos atos imputados aos
réus, para perplexidade e indignação de todos os cidadãos, é de enorme gravidade.
Ao comentar o crime de corrupção passiva, Nelson Hungria fazia remissão
a dito de Maurice Garçon, segundo o qual “sans doute on ne doit généraliser
inconsidérément, mais c’est une hypocrisie que de ne point vouloir considérer
la corruption comme un de maux du siècle”. E completa o grande penalista
brasileiro; “O afarismo, o crescente arrojo das especulações, a voracidade dos
apetites, o aliciamento do fausto, a febre do ganho, a steeplechase dos interesses
financeiros sistematizaram, por assim dizer, o tráfico da função pública. A cor‑
rupção campeia como um poder dentre do Estado. E em todos os setores: desde o
‘contínuo’ que não move um papel sem a percepção da propina, até a alta esfera
administrativa, onde tantos misteriosamente enriquecem da noite para o dia.
De quando em vez rebenta um escândalo, em que se ceva do sensacionalismo
jornalístico. A opinião pública vozeia indignada e Temis ensaia o seu gládio; mas
os processos penais, iniciados com estrépito, resultam, as mais das vezes, num
completo fracasso quando não na iniquidade da condenação de uma meia dúzia
de intermediários deixados à sua própria sorte. São raras as moscas que caem na
teia de Aracne. O ‘estado maior’ da corrupção quase sempre fica resguardado,
menos pela dificuldade de provas do que pela razão de Estado, pois a revelação de
certas cumplicidades poderia afetar as próprias instituições” (HUNGRIA, Nel‑
son. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. v. 9, p. 362).
O ex-ministro deste Supremo Tribunal Federal tinha razão. Mais uma vez,
outra vez, o Brasil vê-se a braços com caso gravíssimo de corrupção, que é o que
está na base do presente processo.
Antes, no entanto, de dar início ao meu voto, faço algumas observações.
Os tristes fatos narrados nos autos deste processo, desde a sua exposição ini‑
cial, foram causa de enorme desgosto ao povo brasileiro, independente da conclusão
a que aqui se chegue sobre ter se comprovado, ou não, a sua prática e a sua autoria.
O que se estampou, pelas práticas denunciadas por parlamentares e outros
dados e provas apresentadas pelo Ministério Público, no curso da ação penal, foi
um agressivo quadro de corrupção.
E nem se diga que se há discutir se se comprovou ou não ter havido efetiva‑
mente corrupção. Tome-se a palavra, neste item inicial, no sentido de ruptura de
valores éticos que têm de permear a convivência social e, mais ainda, no espaço
público e ver-se-á que muito tem o que lamentar o cidadão brasileiro.
Mas o que me leva a tecer estas observações preambulares no caso está em
que, desde 2005, quando vieram a lume os fatos depois denunciados e que estão
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1003
nas mais de cinquenta mil páginas deste processo, até os últimos dias em que
grandes advogados subiram à tribuna desta Casa, tomou-se de Minas a estrada.
Qualquer apelido que se dê a esta agressiva sucessão de fatos antiéticos rei‑
teradamente mostrados, sucederam-se as referências a Minas Gerais, falou-se de
suas ruas e praças e, o que é pior, de gentes mineiras, como se o ponto de partida
e de chegada de tão saturada infelicidade tivesse paragens únicas naquelas terras.
Nesta Casa, sou uma juíza brasileira, não uma juíza mineira, se bem que
teria toda honra de ser de Minas apenas servidora. Tenho gosto em ser de Minas.
Sou Minas como os mineiros todos são.
Por isso, porque Minas não tem deixado de cumprir e honrar o seu compro‑
misso com o Brasil nas horas mais difíceis; porque Minas merece ser lembrada,
como é, historicamente por ter germinado de Tiradentes a Drummond, de Clau‑
dio Manoel da Costa a Bilac Pinto, por ter acolhido Milton Campos e Guimarães
Rosa, Otto Lara Rezende e Paulo Mendes Campos, por cantar ainda hoje com
Milton Nascimento querer toda gente feliz e que a justiça reine em meu país;
porque sou cidadã a partir das Minas, vejo-me na contingência de, a partir desta
Cadeira comprometida com a Justiça democrática, que não se faz sem respeito
aos valores éticos, ter de realçar que o de que aqui se cuida não é de prática de um
Estado, mas de gravame ao País, de condutas contra o Estado do Brasil.
Independente do resultado deste julgamento, antes de qualquer conclusão a
que aqui se chegue para os acusados, tomo como certo que a narrativa dos fatos
pesaram na alma cívica dos brasileiros, e o que lhes anuviou a esperança de um
Brasil com brios, o que lhes empanou o direito de dormir sem ter sequer de des‑
confiar da afronta à ética nos espaços públicos, estatais ou não, nos quais a morali‑
dade é princípio constitucional, todos esses fatos, repito, esmoreceram a confiança
na República. E a confiança nas instituições estatais é base da Democracia.
O direito a governo e servidores públicos honestos é direito fundamental
de cada cidadão deste país.
Minas não está fora do mundo, não terá diferencial nesta face mais sombria
e triste do humano, que é a do erro. Afinal, Minas foi berço de Tiradentes, mas
gerou também Joaquim Silvério dos Reis. A traição aos ideais e práticas republi‑
canas de Minas não chega a ser novidade. Nem por isso é menos grave. Nem por
isso devo estar menos atenta a cada qual dos fatos que atingiram a República bra‑
sileira e, em especial, o nome de um Estado que é composto, majoritariamente,
como ocorre em todo lugar, de gente de bem, de gente que tem recato.
Não estamos a discutir se ocorreram atos de corrupção pública ou parti‑
cular. Com tal triste ocorrência concordaram Ministério Público e até mesmo
alguns dos advogados de defesa de alguns dos réus.
Não foi sem surpresa que assisti advogados subirem à tribuna, deste que
é o Tribunal Supremo na hierarquia dos órgãos do Poder Judiciário brasileiro, e
singelamente admitirem que os ilícitos ocorreram.
1004
R.T.J. — 225
Anotei da fala de um dos advogados a estupefata pergunta por ele proposta
ao procurador-geral da República: “por que não foram mostrados nem poderiam
ser os dinheiros? Porque eram ilícitos, ora.” Elementar. Não jurídico, porém...
Alertou-se apenas que não eram os crimes imputados pelo procurador-geral da
República. Eram outros. Eleitorais. E prescritos.
Neste momento, tenho a honra e fugaz oportunidade de presidir o Tribunal
Superior Eleitoral. Estamos a menos de sessenta dias de eleições para mais de
sessenta mil cargos do Poder Executivo e do Poder Legislativo municipal. E da
tribuna deste Supremo Tribunal, candidamente, advogados reconhecem que
toda a mazela mostrada e que pairou como exemplo do que não se pode aceitar
eticamente, do que a sociedade se recusa a placitar, do que agride a cidadania é
apenas uma singela prática. Ilícita, ora. Mas nada demais. Nada de novo.
Mas apesar do que dito e mostrado, afirmo que Minas ainda é recato. Minas
não é apenas o triste quadro que foi mostrado. Em Minas há também isso. Como
em todo lugar. Houve neste episódio mais do menos eticamente do que em outros
lugares. Lamento. E, como mineira, lamento por esse lado de Minas que não faz por
merecer o Brasil que a Constituição determina e que o cidadão brasileiro espera e
merece. Mas não se há de esquecer que Minas é mais. Que a sua história tem sabido
honrar o Brasil. Espero que se possa continuar a acreditar nisso. Porque a Minas
verdadeira também nega e renega todas as práticas imputadas aos réus. Por ruas e
praças de Minas, passaram gentes e dinheiros que transitaram contra a lei. Mas, por
estas mesmas ruas e praças, a tradição maior ainda é passar retidão e caráter.
Por tudo, portanto, por uma Minas que não esquece Joaquim Silvério dos
Reis, mas faz sua história pelo exemplo de Tiradentes é que lamento pelos dis‑
sabores cívicos que passaram os brasileiros em sua santa indignação pelos fatos
descritos no que veio a ser relatado nesta ação penal e cujo julgamento – segundo
o direito e as provas produzidas – agora se inicia.
Também cabe uma palavra sobre a importância da ética no serviço público,
dever legal e moral de cada qual de nós, agentes públicos. Até porque, na atuali‑
dade, é a ética ou o caos. Como enfatizado na doutrina:
O estudo da ética na administração pública é de relevantíssima atualidade,
principalmente diante dos contornos indisfarçáveis que emolduram a atividade
pública no Brasil.
Onde existe poder, existe usurpação. Pode ser maior ou menor, mais aparente,
sutil; mas existe e isto é inegável.
A natureza humana, como a própria história atesta, está inclinada a deslizes
egoístas, que comprometem a estabilidade do convívio e provocam a indignação
dos demais membros da sociedade, atingidos direta ou indiretamente pela conduta
reprovável, adotando-se como referência o padrão moral vigente.
Quando o fenômeno em questão ocorre em uma estrutura organizada para
atingir determinadas finalidades, como é a Administração Pública, a situação se
agrava, principalmente diante da repetição de fatos que comprometem tais fins e
provocam o descrédito das instituições.
R.T.J. — 225
1005
A finalidade da Administração Pública é o bem comum, pela realização do inte‑
resse público, com eficiência. A falta ética e os desvios de conduta em relação ao com‑
portamento moralmente desejável comprometem essa finalidade ao situar o interesse
particular acima do interesse coletivo. [CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas (Coord.).
Crimes conta a administração pública: aspectos polêmicos. São Paulo: Quartier Latin,
2010; FILHO, Fábio Romeu Canton. Ética na administração pública. p. 236.]
1. A presente ação penal dota-se de características que a erigiram a patamar dis‑
tinto daquelas julgadas por este Tribunal. Mas como todo cidadão, cada qual dos réus
tem o direito de ser julgado segundo o que dos autos consta. E todo juiz tem o dever de
ser imparcial em sua decisão e fundamentado nos dados comprovados para concluir o
seu juízo de convencimento quanto à absolvição ou à condenação dos acusados.
2. A sequência do voto obedece à metodologia utilizada pelo ministro rela‑
tor na exposição apresentada ao Plenário deste Supremo Tribunal.
I – Preliminar – Nulidade absoluta por cerceamento de defesa (fls. 4757347575 – Alegações finais)
Carlos Alberto Quaglia
3. A Defensoria Pública da União, representando o acusado Carlos Alberto
Quaglia, alega, em sua defesa preliminar, que “durante quase três anos (entre
janeiro de 2008 e dezembro de 2010) os atos processuais praticados na AP 470
foram publicados com a indicação incorreta de quem seria o patrono do acusado
Carlos Alberto Quaglia” (fl. 5 das alegações finais).
4. Na ata da audiência de interrogatório do réu Carlos Alberto Quaglia,
realizada em 30-1-2008, constam os seguintes termos:
Fica consignado que o defensor constituído do denunciado Carlos Alberto
Quaglia é o dr. Haroldo Rodrigues, OAB/SP 85.953, juntando, neste ato, o instru‑
mento de procuração. Esclarece o denunciado que os drs. Dagoberto Dufau e Elaine
Cristina de Souza Campregher não o representam nestes autos. [Fl. 15169.]
5. Em seu interrogatório, o réu, acompanhado do advogado Haroldo Rodri‑
gues, afirmou que o doutor Dagoberto Dufau não o representava nos autos e que
não havia lhe outorgado procuração:
(J): Sr. Carlos, mais alguma coisa que o senhor queria falar em sua defesa?
(R): Não seria, exatamente, em minha defesa, mas algo que me preocupa um
pouco, que falamos com ela antes. Aparece na mídia um suposto defensor meu...
(J): Isso é sobre...?
(R): Sobre este caso.
(J): O processo?
(R): Sim. Um suposto advogado chamado Dufau, Dagoberto acho que é o
nome, sobrenome Dufau – pode encontrar no Google, ele – dizendo que me re‑
presenta e dando entrevista. Eu gostaria que ficasse constando de que não conheço
esse senhor, nunca fiz uma procuração para ele e não é meu advogado. Isso é muito
importante porque, no caso de ter intimações (...). [Fl. 15181.]
1006
R.T.J. — 225
6. A procuração outorgada ao advogado Haroldo Rodrigues foi juntada à
fl. 15171 desta ação penal, logo após o interrogatório.
7. A defesa prévia do acusado, assinada pelo doutor Haroldo Rodrigues,
foi apresentada em 31-1-2008, o que demonstra que aquele advogado exercia a
defesa do acusado.
8. Consta dos autos que os advogados Dagoberto Dufau e Elaine Cristina
de Souza Campregher apresentaram carta de renúncia ao mandato em 6-12-2010
(fl. 42049) e o acusado Carlos Alberto Quaglia foi pessoalmente intimado da
renúncia em 22-12-2010 (fl. 42054). Porém, tal fato não muda a situação pro‑
cessual, porque, como antes demonstrado, os advogados renunciantes não mais
representavam o réu desde o seu interrogatório, quando constituído advogado o
doutor Haroldo Rodrigues.
9. Em tal situação processual, todas as intimações para os atos do processo,
a partir do interrogatório, deveriam ter sido feitas em nome de Haroldo Rodri‑
gues, o que, contudo, não ocorreu, pois as comunicações processuais continua‑
ram sendo realizadas em nome do advogado Dagoberto Dufau.
10. A situação persistiu de janeiro de 2008 até abril de 2011, quando a
Defensoria Pública da União foi intimada para assumir a defesa do réu.
11. Assim, durante quase toda a instrução do processo, mais precisamente
desde a apresentação da defesa prévia até a fase de alegações finais, o réu Carlos
Alberto Quaglia não pôde participar dos atos necessários à formação do conven‑
cimento do julgador, não se fez representar para influir na produção das provas,
ouvir ou contraditar testemunhas, por exemplo, por não ter sido intimado o seu
advogado para atuar no processo.
A defesa do acusado não pôde sequer participar do interrogatório dos
outros réus, alguns deles diretamente envolvidos no processo com o acusado
Carlos Alberto Quaglia.
12. A falta de intimação da defesa suprime o direito do acusado de se
defender nos autos, e a defesa constitui instrumento de efetivação das garantias
constitucionais, especialmente a do contraditório e a da ampla defesa, para cujo
exercício a Constituição da República assegura “os meios e recursos a ela ineren‑
tes” (inciso LV do art. 5º da Constituição).
Sobre os princípios do contraditório e da ampla defesa, Fernando da Costa
Tourinho Filho, entre outros doutrinadores, disserta:
em todo processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora esse princípio, se‑
gundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em relação à qual se propõe a ação penal, goza
do direito “primário e absoluto” da defesa. O réu deve conhecer a acusação que se lhe
imputa para poder contrariá-la, evitando, assim, possa ser condenado sem ser ouvido.
Tal princípio consubstancia-se na velha parêmia audiatur et altera pars – a
parte contrária deve ser ouvida. Traduz a ideia de que a defesa tem o direito de se
pronunciar sobre tudo quanto for produzido em juízo pela parte contrária. Já se
disse: a todo ato produzido por uma das partes caberá igual direito da outra parte
R.T.J. — 225
1007
de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de dar uma interpretação jurídica diversa daquela apresentada pela parte ex adversa (...).
O contraditório implica o direito de contestar a acusação, seja após a denún‑
cia, seja em alegações finais; direito de o acusado formular reperguntas a todas as
pessoas que intervierem no processo para esclarecimento dos fatos (ofendido, testemunhas, peritos, p. ex.); de contra-arrazoar os recursos interpostos pela parte ex
adversa; direito de se manifestar sobre todos os atos praticados pela acusação. Não
bastasse esse princípio, a Lei Fundamental acrescenta o da “ampla defesa”. Já aqui
se permite à Defesa o direito de produzir as provas que bem quiser e entender, dês
que não proibidas; direito de contraditar testemunhas; direito de recorrer das deci‑
sões que contrariarem os interesses do acusado; direito de opor exceções (art. 95 do
CPP), de arguir questões prejudiciais; direito de trazer para os autos todo e qualquer elemento que contradiga a acusação; direito de conduzir para o processo tudo
quanto possa beneficiar o acusado; direito à “defesa técnica”, tal como se infere
dos arts. 261 e 263, todos do CPP. [TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 19-20 – Grifos nossos.]
13. A situação processual a que foi submetido o réu demonstra clara e
direta inobservância aos princípios da ampla defesa e do contraditório, por se ter
impossibilitado que sua defesa atuasse na maior parte da instrução, tendo como
consequência inevitável a nulidade absoluta dos atos processuais viciados.
Eugênio Pacelli de Oliveira discorre sobre nulidades acentuando:
Os atos nulos, ou seja, aqueles praticados com violação à forma prescrita em
lei, poderão ter como consequência de seus vícios ora a nulidade absoluta, ora a
nulidade relativa, com importantes e diferentes efeitos.
Como já assinalamos, o tema das nulidades processuais encontra-se estreita‑
mente ligado à questão do prejuízo, efetivo ou potencial. E assim é porque a nuli‑
dade será sempre uma consequência da não observância da forma prevista em lei
para a prática de determinado ato processual.
Ora, o processo, bem como todos os ritos e formas procedimentais, dirige-se a
uma finalidade muito clara: o provimento judicial final, a ser construído com a contribui‑
ção dos interessados (acusação e defesa), de modo a realizar-se a única justiça judiciária
possível, isto é, aquela da qual tenham efetivamente participado, em igualdade de condi‑
ções, todos os envolvidos na questão penal. Assim, a não observância da forma prescrita
em lei somente terá relevância na exata medida em que possa impedir a realização do
justo processo, sejam promovendo o desequilíbrio na participação e efetiva contribuição
das parte, seja afetando o adequado exercício da função estatal jurisdicional.
(...)
Se o campo das nulidades relativas é, por excelência, aquele em que se situa
o interesse prevalente das partes, seja no que concerne à identificação da existência,
seja no que respeita à identificação das consequências do prejuízo, em tema de nu‑
lidades absolutas altera-se radicalmente o eixo da análise.
A expressão absoluta já é indicativa da diferença de grau quanto à medida da
preocupação destinada a específicas violações às formas previstas em lei. E nem
poderia ser diferente.
Se, de um lado, é possível admitir-se certa margem de disponibilidade quanto à
eficiência e à suficiência da atuação das partes (sobretudo e particularmente da defesa),
de outro, quando o vício esbarrar em questões de fundo, essenciais à configuração de
1008
R.T.J. — 225
nosso devido processo penal, não se pode nunca perder de vista a proteção das garantias constitucionais individuais inseridas em nosso atual modelo processual.
Com efeito, enquanto a nulidade relativa diz respeito ao interesse das partes em determinado e específico processo, os vícios processuais que resultam em
nulidade absoluta referem-se ao processo penal enquanto função jurisdicional,
afetando não só o interesse de algum litigante, mas de todo e qualquer (presente,
passado e futuro) acusado, em todo e qualquer processo. O que se põe em risco com
a violação das formas em tais situações é a própria função judicante, com reflexos
irreparáveis na qualidade de jurisdição prestada.
Configuram, portanto, vícios passíveis de nulidades absolutas as violações aos
princípios fundamentais do processo penal, tais como o do juiz natural, o do contraditório e da ampla defesa, o da imparcialidade do juiz, a exigência de motivação das
sentenças judiciais etc., implicando todos eles a nulidade absoluta do processo.
(...)
Assim, diante da qualidade do interesse em disputa, as nulidades absolutas
poderão ser reconhecidas ex officio e a qualquer tempo, ainda que presente, como
tivemos oportunidade de salientar, o trânsito em julgado da sentença. [OLIVEIRA,
Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2009. p. 695-697 – Grifos nossos.]
14. No caso em pauta, o prejuízo é evidente, sendo inevitável a conclusão
de que parte do processo, quanto ao acusado Carlos Alberto Quaglia, está eivado
de vício insanável, sendo, portanto, absolutamente nulo.
15. O art. 573 do Código de Processo Penal determina:
Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos anteriores,
serão renovados ou retificados.
§ 1º A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele
diretamente dependam ou sejam consequência.
§ 2º O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos que ela se estende.
16. Observando-se o princípio da causalidade, previsto no dispositivo, tem-se,
então, que o processo penal há de ser declarado nulo quanto ao réu Carlos Alberto
Quaglia, a partir da apresentação de sua defesa prévia, sendo de se reconhecer,
por igual, a nulidade de todos os atos subsequentes, que deverão ser renovados.
17. De se esclarecer que a nulidade apontada aproveita somente a este réu,
inocorrendo prejuízo quanto os demais acusados neste processo, cujos direitos ao
contraditório e à ampla defesa foram devidamente observados, tendo-lhes sido pos‑
sibilitada a participação na oitiva das testemunhas, na produção de todas as demais
provas, até mesmo do próprio interrogatório do réu Carlos Alberto Quaglia.
18. O art. 80 do Código de Processo Penal estabelece:
Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido
praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo ex‑
cessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por
outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.
R.T.J. — 225
1009
19. O processo está preparado para julgamento quanto a todos os réus,
exceção de apenas um, para o qual se voltará à fase inicial de instrução. Injusti‑
ficável seria que a demora se estendesse aos demais.
O princípio da duração razoável do processo penal, previsto no inciso LXXVIII
do art. 5º da Constituição da República, introduzido pela Emenda Constitucional 45, é
motivo relevante a justificar o desmembramento dos autos apenas quanto ao acusado
Carlos Alberto Quaglia, tendo prosseguimento regular para os demais réus:
Para a edição da mencionada Emenda, foram considerados os efeitos dele‑
térios do processo e que o direito à celeridade pertence tanto à vítima com ao réu.
Objetiva-se assim evitar a procrastinação indeterminada de uma persecução estig‑
matizada e cruel, que simboliza, no mais das vezes, verdadeira antecipação de pena.
(...) Deve ser lida com reparos a afirmação de que a dilação processual interessa necessariamente à defesa, que busca na prescrição o respaldo para procrastinar
o procedimento. O retardo aproveita a quem não tem razão, independentemente do
pólo da relação processual. Sendo o réu inocente, tem total interesse na solução imediata do conflito, retirando o peso de carregar uma imputação injusta. A seu turno,
a resposta punitiva deslocada no tempo pode soar como sinônimo de injustiça, que é
aquela feita a destempo. [TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso
de direito processual penal. 4. ed. Salvador: Podivm, 2010. p. 65-67 – Grifos nossos.]
20. Face ao exposto, voto no sentido de acolher a preliminar suscitada
pela defesa do réu Carlos Alberto Quaglia, reconhecendo a nulidade apontada
e determinando o desmembramento do processo quanto ao acusado.
Mérito
II – Corrupção passiva João Paulo Cunha/corrupção ativa Marcos Valério
Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz
(Capítulo III da denúncia, subitem III.1, a.1 e b.1); lavagem de dinheiro
João Paulo Cunha (Capítulo III da denúncia, subitem III.1, a.2); peculato –
subcontratação da IFT (Capítulo III da denúncia, subitem III.1, a.3); peculato – Câmara dos Deputados/SMP&B (Capítulo III da denúncia, subitem
III.1, a.3, segunda parte, e b.2)
Corrupção passiva João Paulo Cunha (Capítulo III da denúncia, subitem
III.1, a.1)
21. Em suas alegações finais, o Ministério Público sustentou:
A prova colhida no curso da instrução comprovou a acusação feita na denún‑
cia, de que no dia 4 de setembro de 2003, o Deputado Federal João Paulo Cunha,
no exercício do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, recebeu vantagem
indevida, consistente no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), para benefi‑
ciar a empresa SMP&B Comunicação, de que eram sócios Marcos Valério, Ramon
Hollerbach e Cristiano Paz.
Comprovou-se, também, a prática pelo acusado dos crimes de peculato e lava‑
gem de dinheiro, por duas vezes. No mesmo contexto, Marcos Valério, Ramon Holler‑
bach e Cristiano Paz consumaram os crimes de corrupção ativa e peculato. [Fl. 45195.]
1010
R.T.J. — 225
22. Dispõe o art. 317 do Código Penal ser crime de corrupção passiva:
Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida,
ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
23. A relação de proximidade dos acusados Marcos Valério e João Paulo
Cunha, durante os anos de 2003 e 2004, é fato incontroverso nos autos, conforme
narra, com detalhes, o próprio João Paulo Cunha:
Que a empresa DNA, de propriedade do Sr. Marcos Valério foi a responsável
pela campanha eleitoral do declarante para o cargo de presidente da Câmara dos Deputados; Que foi apresentado formalmente ao Sr. Marcos Valério no final do ano de
2002 pelos Deputados Virgílio Guimarães e João Magno, ambos do PT de Minas Ge‑
rais; (...) Que não pode precisar o número de vezes que se encontrou com o Sr. Marcos Valério durante a campanha em referência, contudo ressalta que esse número não
é superior a dez vezes, durante a campanha; Que a campanha do declarante iniciou-se
em dezembro/2002, terminando em 15/fevereiro/2003, data em que ocorreu a eleição,
para a presidência da Câmara; Que durante a campanha foram confeccionados diver‑
sos materiais de propaganda política pela empresa DNA Propaganda; Que durante o
período em que o declarante exerceu o cargo de Presidente da Câmara ocorreram en‑
contros entre o declarante e o Sr. Marcos Valério; Que não sabe precisar o número de
encontros ocorridos com o Sr. Marcos Valério; Que todos os encontros ocorreram nas
dependências da Câmara dos Deputados e na residência oficial; Que ressalta ter se en‑
contrado com o Sr. Marcos Valério uma vez, no ano de 2003, em um hotel da cidade
de São Paulo/SP, onde se encontrava presente o Sr. Luíz Costa Pinto e foram tratados
assuntos referentes às campanhas eleitorais municipais do ano de 2004; Que ressalta
que um desses encontros ocorreu durante o café da manhã e que o Sr. Marcos Valério
estava acompanhado de uma pessoa, do qual não se recorda a identidade; (...) Que
não sabe precisar o número de encontros ocorridos entre o declarante e o Sr. Marcos
Valério no ano de 2004, contudo ressalta que foram em menor número que aqueles
ocorridos, no ano de 2003; (...) Que no aniversário do declarante no ano de 2003, o Sr.
Marcos Valério o presenteou com uma caneta Montblanc, a qual veio posteriormente
a ser doada ao programa fome zero. [Fls. 1876-1877 e 1879.]
24. Durante aquele período e com a comprovada proximidade dos acusa‑
dos, tendo sido eleito presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha,
foi publicado edital regulamentando o processo licitatório para a contratação da
agência dos serviços de publicidade para aquela Casa Legislativa.
A empresa SMP&B, cujos sócios eram Marcos Valério, Ramon Hollerbach
e Cristiano Paz, saiu-se vencedora do certame e firmou contrato com a Câmara
dos Deputados no final de dezembro de 2003.
25. Nesse sentido, a manifestação judicial do réu João Paulo Cunha:
Que foi eleito Presidente da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2003;
Que em 07 de maio de 2003, a Câmara dos Deputados abriu uma licitação para
contratar uma empresa de publicidade, considerando que a empresa que atuava
na Câmara, Denison Propaganda, já estava com seu contrato prorrogado; Que a
R.T.J. — 225
1011
empresa de Marcos Valério, SMP&B foi a vencedora depois de toda a tramitação da
licitação; Que participaram da licitação oito empresas. [Fl. 14334.]
26. Complementando a prova dos fatos imputados na denúncia, tem-se que,
em 4 de setembro de 2003, Márcia Regina Cunha, esposa do acusado João Paulo
Cunha, sacou, em espécie, a quantia de R$ 50.000,00, na agência do Banco Rural,
em Brasília, referente a um cheque emitido pela empresa SMP&B Propaganda
Ltda. (fl. 235 do Apenso 7). É a própria Márcia Regina Cunha que admite os fatos:
Que confirma ter realizado em 04 de setembro de 2003 um saque no valor de
R$ 50 mil junto à Agência do Banco Rural em Brasília; Que confirma ser sua a assina‑
tura constante do documento às fls. JFMG 726 no qual consta autorização para que a
Sra. Marcia Regina Cunha receba a quantia de R$ 50 mil referente ao cheque SMP&B
Propaganda Ltda.; Que realizou o saque junto à Agência do Banco Rural em Brasília
a pedido de seu esposo, João Paulo Cunha; Que a depoente foi sozinha à Agência do
Banco Rural e procedeu ao referido saque; Que após ter realizado o saque, o numerário
foi entregue diretamente a seu esposo em sua residência. [Fl. 978-979.]
27. O acusado João Paulo Cunha ainda confirma que:
(...) realmente o Sr. Marcos Valério passou na residência oficial da Câmara
dos Deputados na véspera da retirada dos cinquenta mil reais, mas veio cumpri‑
mentar o réu pelo sucesso na votação da reforma tributária. [Fl. 14335.]
28. A defesa do réu alega que aquele montante teria sido empregado em
despesas partidárias (pagamento de pesquisas pré-eleitorais). Contudo, eventual
destinação lícita do dinheiro não desconfigura o crime de corrupção passiva.
O tipo penal em análise exige apenas que a vantagem seja ilícita, como anota,
por exemplo, Cezar Roberto Bitencourt: “a vantagem, como se constata, deve ser
indevida. Vantagem ‘indevida’ é aquela que é ilícita, ilegal, injusta, ou contra lege,
isto é, não amparada pelo ordenamento jurídico” (BITENCOURT, Cezar Roberto.
Tratado de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 5, p. 206).
A destinação da vantagem, lícita ou ilícita, é irrelevante para a consumação
do delito de corrupção passiva.
29. Tem-se, ainda, do acervo probatório constituído na instrução do pro‑
cesso, que o acusado João Paulo Cunha, então presidente da Câmara dos
Deputados, tinha, no rol de suas atribuições, o controle do processo licitatório,
cabendo-lhe, entre outros atos, a nomeação da comissão de licitação, a anulação
ou revogação do certame, a assinatura do contrato com a empresa vencedora e o
acompanhamento de sua execução.
Daí o interesse dos sócios da empresa SMP&B em fornecer o dinheiro dis‑
ponibilizado na agência do Banco Rural.
Com esse quadro probatório, qualquer outro raciocínio a que se chegasse
que não o pagamento indevido de vantagem em razão da função seria contrário
ao que nos autos se contém.
1012
R.T.J. — 225
Nos autos está comprovado que João Paulo Cunha tinha contatos frequentes
com Marcos Valério e, por intermédio de sua esposa, recebeu R$ 50.000,00 da
SMP&B, durante o processo licitatório no qual a empresa foi tida como vencedora.
Mais ainda, ficou demonstrado que João Paulo Cunha, então presidente da
Câmara dos Deputados, tinha competência para influenciar diretamente o resul‑
tado do certame.
30. Não se há desconsiderar ou se ter por lícito e legítimo o recebimento
pelo agente público, em razão da função exercida, de vultoso valor em espécie,
fornecido por pessoas interessadas diretamente em processo licitatório, cujo
resultado estava no rol de atribuições do beneficiado.
O conjunto de fatos comprovados realça as circunstâncias, presentes as
quais se distribuíram os favores.
31. Não se há de esquecer a regra do art. 239 do Código de Processo Penal,
segundo a qual:
Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com
o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.
Sobre tal dispositivo assevera a doutrina:
valemo-nos, no contexto dos indícios, de um raciocínio indutivo, que é o
conhecimento amplificado pela utilização da lógica para justificar a procedência da
ação penal. A indução nos permite aumentar o campo do conhecimento, razão pela
qual a existência de vários indícios torna possível formar um quadro de segurança
compatível com o almejado pela verdade real, fundamentando uma condenação ou
mesmo uma absolvição.
(...) Indução é o “raciocínio no qual de dados singulares ou parciais suficien‑
temente enumerados se infere uma verdade universal”, nas palavras de Jacques
Maritain (...).
A indução faz crescer o conhecimento do ser humano, unindo-se dados par‑
ciais para formar um quadro mais amplo. Ainda assim, é preciso ressaltar não produ‑
zir a indução verdades absolutas, mas nenhuma decisão judicial pode chamar a si tal
qualidade. O juiz decide, ainda que fundamentado em provas diretas, como a confis‑
são judicial ou a perícia, com uma grande probabilidade de acerto, mas jamais em ca‑
ráter absoluto, visto que confissões podem ser falsas, assim como o perito pode ter-se
equivocado. (...) Exemplo: no caso de furto, raciocinando o juiz: a) o réu confessou,
na polícia, a prática do crime; b) ostenta antecedentes criminais; c) a apreensão da res
furtiva foi feita em seu poder; d) instrumentos normalmente usados para a prática do
furto foram encontrados no seu domicílio; e) o réu tem um nível de vida elevado, in‑
compatível com sua renda declarada; f) foi visto nas imediações do local onde o furto
foi cometido no dia do fato. Ninguém o viu furtando, nem ele, em juízo, admitiu essa
prática. Mas esses indícios (prova indireta) fazem com que o juiz conclua, em pro‑
cesso indutivo, ter sido ele o autor do furto. (...) Ensina Miguel Reale que a indução
envolve, concomitantemente, elementos obtidos dedutivamente, além de trabalhar
nesse contexto a intuição, restando, pois, claro que “todo raciocínio até certo ponto
implica em uma sucessão de evidências” (Filosofia do direito, p. 145). E mais: “O
certo é que, na indução amplificadora, realizamos sempre uma conquista, a conquista
R.T.J. — 225
1013
de algo novo, que se refere a objetos reais e a relações entre objetos reais, tendo como
ponto de partida a observação dos fatos. Na base da indução está, portanto, a experi‑
ência, a observação dos fatos que deve obedecer a determinados requisitos, cercada
de rigorosas precauções críticas, tal como o exige o conhecimento indutivo de tipo
científico, inconfundível com as meras generalizações empíricas” (ob. cit., p. 145).
Por isso, a utilização de indícios, no processo penal, é autorizada não só pelo artigo
em comento, mas também pelo processo de raciocínio lógico, que é a indução.
(...) os indícios são perfeitos tanto para sustentar a condenação, quanto para
a absolvição. Há autorização legal para a sua utilização e não se pode descurar que
há muito preconceito contra essa espécie de prova, embora seja absolutamente
imprescindível ao juiz utilizá-la. Nem tudo se prova diretamente, pois há crimes
camuflados – a grande maioria – que exigem a captação de indícios para a busca da
verdade real. Lucchini, mencionado por Espínola Filho, explica que a “eficácia do
indício não é menor que a da prova direta, tal como não é inferior a certeza racional
à histórica e física. O indício é somente subordinado à prova, por não poder subsis‑
tir sem uma premissa, que é a circunstância indiciante, ou seja, uma circunstância
provada; e o valor crítico do indício está em relação direta com o valor intrínseco da
circunstância indiciante. Quando esteja esta bem estabelecida, pode o indício adqui‑
rir uma importância predominante e decisiva no juízo” (Elementi di procedura pe‑
nale, n. 131, apud Código de Processo Penal brasileiro anotado, v. 3, p. 175). Assim
também Bento de Faria, apoiado em Malatesta (Código de Processo Penal, v. 1, p.
347). Realmente, o indício apoia-se e sustenta-se numa outra prova. No exemplo
citado na nota anterior, quando se afirma que a coisa objeto do furto foi encontrada
em poder do réu não se está provando o fato principal, que consiste na subtração,
mas tem-se efetiva demonstração de que a circunstância ocorreu, através do auto de
apreensão e de testemunhas. Em síntese, o indício é um fato provado e secundário
(circunstância) que somente se torna útil para a construção do conjunto probatório
ao ser usado o processo lógico da indução.
(...) Como afirma, com razão Bento de Faria, os indícios possibilitam atingir
o estado de certeza no espírito do julgador, mas as presunções apenas impregnam‑
-no de singelas probabilidades e não podem dar margem à condenação (Código de
Processo Penal, v. 1, p. 349-350). [NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 512-515.]
32. Note-se que não se tem, aqui, sequer de longe, qualquer presunção de
culpa ou de inversão do ônus da prova.
As provas dos fatos e suas circunstâncias são límpidas e é delas que decorre
a conclusão de que o acusado João Paulo Cunha recebeu dinheiro dos sócios da
empresa SMP&B com o objetivo de favorecê-la a vencer o processo licitatório.
Assim, quanto ao crime de corrupção passiva imputado ao acusado,
tem-se a certeza necessária para sustentar decreto condenatório.
Lavagem de dinheiro João Paulo Cunha (Capítulo III da denúncia, subitem
III.1, a.2)
33. O Ministério Público atribui também ao acusado João Paulo Cunha a
prática do crime de lavagem de dinheiro, ao argumento de que “o recebimento
do dinheiro por interposta pessoa constitui ato tipificador do crime de lavagem de
1014
R.T.J. — 225
dinheiro. Há inúmeras referências na literatura especializada relatando o emprego
de parentes como intermediários para a prática de crimes dessa natureza” (fl. 45202).
Cuidando do tema, afirma Júlio Fabbrini Mirabete que “a ocultação ou
dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente,
desse crime [corrupção passiva] constitui o delito de ‘lavagem’ ou ocultação de
bens, direitos e valores (art. 1º, VIII, da Lei 9.613, de 3‑3‑1998, alterada pela Lei
10.467/2002)” (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal interpretado. 6. ed.
São Paulo: Atlas, 2007. p. 2408).
34. Tem-se nos autos que Márcia Regina Cunha, esposa do acusado João
Paulo Cunha, recebeu o dinheiro (R$ 50.000,00) disponibilizado pela empresa
SMP&B, para, posteriormente, entregá-lo ao seu destinatário real, seu marido,
conforme por ela expressamente assentido.
35. Na data dos fatos, João Paulo Cunha era autoridade conhecida da popu‑
lação, por ocupar o cargo de presidente da Câmara dos Deputados. Não poderia,
assim, se apresentar em público recebendo R$ 50.000,00 em dinheiro, o que
poderia levantar suspeita de algum cidadão.
Daí advém que, visando dissimular (disfarçar) a origem (forma de obten‑
ção) do valor proveniente do crime de corrupção, solicitou que interposta pessoa
(sua esposa) realizasse o saque, o que efetivamente ocorreu.
36. Tal conduta subsume-se perfeitamente ao tipo penal previsto para o
crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998):
Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimen‑
tação ou propriedade de bens, direitos o valores provenientes, direta ou indireta‑
mente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo e seu financiamento;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à
sua produção;
IV – de extorsão mediante sequestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para ou‑
trem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para
a prática ou omissão de atos administrativos;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa;
VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira
(arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 –
Código Penal).
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos e multa.
37. Ademais, comprovou-se nos autos que o acusado João Paulo Cunha
participou e tinha conhecimento de todos os fatos delituosos antes relatados,
sabendo ser o dinheiro recebido fruto de crime contra a administração pública e
pretendendo conferir aparência de legalidade ao recurso ilícito recebido.
R.T.J. — 225
1015
38. Pelo exposto, voto pela condenação do réu João Paulo Cunha pela
prática do crime de lavagem de dinheiro.
Corrupção ativa: Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach
Cardoso e Cristiano de Mello Paz (Capítulo III da denúncia, subitem III.1, b.1)
39. Quanto à imputação de corrupção ativa, de todo conveniente, no ponto,
a citação de Rogério Greco, segundo o qual:
Costuma-se usar uma velha máxima em Direito Penal que assevera que ne‑
nhum de nós tem condições de afirmar que nunca matará alguém, pois o homicídio
encontra-se no rol daquelas infrações penais que, em geral, são praticadas pelo im‑
pulso incontido do homem, atingido, muitas vezes, por um sentimento arrebatador
de ira, paixão, ódio, ciúmes, etc. No entanto, outras infrações penais podem ser
colocadas no elenco daquelas que jamais serão praticadas pelo homem que procura
preservar seu nome, sua integridade, sua dignidade, seu conceito perante a sociedade
na qual se encontra inserido. É o que ocorre com a corrupção. [GRECO, Rogério.
Curso de direito penal: parte especial. 5. ed. Niterói: Impetus, 2009. v. 4, p. 411.]
O art. 333 do Código Penal estabelece:
Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para deter‑
miná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Sobre o tipo penal Alberto Silva Franco e Rui Stoco lecionam:
A corrupção ativa é considerada um tipo penal emblemático e previsto em
todas as legislações penais de países organizados.
Aliás, a corrupção é inerente ao homem.
Tal como a criminalidade em geral, a tendência à subversão moral só pode ser
controlada, mas jamais extirpada por inteiro.
Embora a existência de uma nação organizada com servidores probos, efi‑
cientes e incorruptíveis seja um ideal a alcançar, não há como negar que se traduz
em um eterno mito.
Portanto, enquanto houver servidores ímprobos e mal-intencionados, sempre
haverá quem lhes ofereça vantagem indevida. E se não oferecerem aqueles, alguns
destes exigirão ou solicitarão.
Como abertura deste estudo, mostra-se oportuno lembrar a ponderação de
Norberto J. de la Mata Barranco: “Si bien no existe um concepto unívoco, unitário,
de corrupción, en casi todos los intentos de definición que se proponen de esta figura aparecen normalmente tres elementos: el abuso de uma posición de poder, la
consecución de uma ventaja patrimonial a cambio de su utilización y el carácter
secreto del pago” (El delito de cohecho activo. Revista de Derecho y Proceso Penal,
Thomson Aranzadi, Espanha, 2004, n. 12, p. 29).
(...) O bem jurídico tutelado ou protegido é, portanto, a Administração Pú‑
blica, que há de ser preservada em sua imagem exterior e também para que preva‑
leça em seus agentes a moralidade e a probidade, essenciais à boa administração e
à eficiência que se espera.
1016
R.T.J. — 225
A tutela que se busca é da lisura e probidade da função pública; da confiança
e respeitabilidade que se deve manter perante os administrados.
A máquina administrativa existe para organizar e dirigir o Estado e servir aos
cidadãos. Ao agente público em todos os níveis não basta ser eficiente e honesto;
impõe-se-lhe aparentar ser honesto e pautar-se pela honradez e probidade, de modo
a precaver-se e repudiar as tentativas visando corrompê-lo, arrostando pretensões
subalternas por parte dos administrados.
A norma penal que prevê coação e imposição de pena tem por escopo precípuo o
regular funcionamento da administração do Estado, sua moralidade e respeitabilidade.
(...) O objeto material contido na norma é a vantagem oferecida ou prometida
ao servidor público que assume feição de ilícito, na medida em que tem por escopo
dele obter em troca a prática, omissão ou retardamento de ato de ofício. [FRANCO,
Alberto Silva; STOCO, Rui (Coord.). Código Penal e sua interpretação: doutrina e
jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1561.]
40. O crime de corrupção ativa prevê como figura típica objetiva a conduta
alternativa de oferecer (apresentar, colocar à disposição) ou prometer (obrigar-se
a dar) vantagem indevida a funcionário público (agente público genericamente
considerado), a fim de determinar a prática (realizar), omissão (deixar de prati‑
car) ou retardamento (atrasar) de ato de sua competência.
O elemento subjetivo é o dolo específico.
A consumação ocorre com o efetivo conhecimento pelo funcionário da
oferta ou promessa de vantagem indevida.
41. A SMP&B, cujos sócios forneceram o dinheiro ao acusado João Paulo
Cunha, com a finalidade de tornar-se vitoriosa no certame licitatório, era inte‑
grada por Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e
Cristiano de Mello Paz, os quais participaram de variadas práticas delitivas que
se entrelaçam, conforme demonstrado nos muitos itens deste voto.
Sabiam da oferta e da entrega, participaram do esboço e montagem da
estrutura para dar forma e se levar a efeito a providência ilícita, anuíram com a
busca de obtenção de vantagem segundo a ação ilegítima, tudo conforme com‑
provado amplamente nos autos.
Pode-se afirmar, portanto, que estes réus tinham conhecimento dos fatos
relacionados ao fornecimento do dinheiro para fins de corrupção, devendo
ser condenados pela prática do crime de corrupção ativa relativamente a
João Paulo Cunha.
Peculato – Câmara dos Deputados/IFT (Capítulo III, subitem III.1, a.3)
42. O Ministério Público imputa ao acusado João Paulo Cunha, ainda, o
crime de peculato, tipificado no art. 312 do Código Penal:
Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem
móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo,
em proveito próprio ou alheio:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
R.T.J. — 225
1017
Luiz Regis Prado leciona sobre o crime de peculato:
No tipo em exame aflora não só o interesse em preservar o patrimônio pú‑
blico, mas principalmente a finalidade de resguardar a probidade administrativa,
cuja importância, inclusive, foi cristalizada pela Constituição da República de 1988
(art. 37, caput e § 4º). Não se pode olvidar que a eficácia funcional do Estado de‑
pende precipuamente da honestidade e da eficiência com que os agentes públicos
atuam no seu mister, já que, como longa manus daquele, suas atividades refletem
positiva ou negativamente na coletividade, no que tange à formação moral e política
dos cidadãos e no respeito que estes devem ter para com os entes públicos, essencial
para a própria solidez do Estado Democrático de Direito, planificado pela Constitui‑
ção da República Federativa do Brasil.
Com efeito, o funcionário probo, que cumpre seu desiderato visando atingir
sempre o interesse público, alcança a admiração dos cidadãos, que passam não só a
referendar os seus atos, como também a respeitá-lo. Contudo, quando o funcionário
público (lato sensu) envereda-se por caminhos escusos, buscando apenas, com os
citados atos, o enriquecimento ilícito ou a mera satisfação pessoal ou de outrem,
abusando do exercício da função, o próprio ente público cai em descrédito perante
os cidadãos. Estes passam a vê-lo como um mero instrumento colocado a serviço
dos detentores do poder político e econômico e de seus apaniguados, com efeitos
nefastos para a sociedade, como o desrespeito dos cidadãos para com a lei e os bens
públicos, a má-formação de novos agentes públicos, o estímulo à sonegação fiscal e
o incremento generalizado da corrupção administrativa, entre outros.
Defende-se, ainda, que aqui a tutela penal deve ser enfocada sob dois aspec‑
tos, em de caráter genérico e outro de caráter específico. No tocante ao primeiro, ob‑
jetiva-se velar pelo normal funcionamento da administração, enquanto no segundo
há o interesse específico em se proteger os bens móveis de propriedade do erário
e o dever do funcionário em velar pelo patrimônio público. [PRADO, Luiz Regis.
Curso de direito penal brasileiro. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 3:
Parte especial, arts. 250 a 359-H, p. 392-393.]
É de Nelson Hungria a lição de ser o peculato “na sua configuração central,
não (...) mais que a apropriação indébita (embora com certa diferença de disci‑
plina) praticada por funcionário público ratione officii. É a apropriação indébita
qualificada pelo fato de ser o agente funcionário público, procedendo com abuso
do cargo ou infidelidade a este. É o crime do funcionário público que arbitraria‑
mente faz sua ou desvia em proveito próprio ou alheio a coisa móvel que possui
em razão do cargo, seja ela pertencente ao Estado ou apenas se ache sob sua
guarda ou vigilância” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio
de Janeiro: Forense, 1958. v. 9, p. 332).
43. Consta dos autos que, nos anos de 2003 e 2004, a empresa IFT foi sub‑
contratada pela Câmara dos Deputados. Inicialmente, a empresa Denilson Brasil
Publicidade foi a responsável pela subcontratação e, posteriormente, a empresa
SMP&B, que, após vencer a licitação para os serviços de publicidade, manteve a
subcontratação, prorrogando o pacto antes ajustado.
As duas subcontratações da IFT pela SMP&B foram autorizadas pelo
então presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha:
1018
R.T.J. — 225
(...) autorizo a contratação da empresa IFT Consultoria em Comunicação &
Estratégias para a prestação de serviço de consultoria em comunicação, pelo perí‑
odo de 6 (seis) meses, no valor total de R$ 126.000,00 (cento e vinte e seis mil re‑
ais), devendo o pagamento ser feito pela empresa SMP&B Comunicação Ltda., nos
termos do Contrato n. 2003/204.0. [Fls. 37468 e 37483.]
44. Para a escolha da subcontratada se procedeu a uma disputa formal, dela
participando três empresas.
Contudo, a prova pericial apurou que a concorrência não foi mais que um
simulacro, não tendo ocorrido disputa verdadeira, senão mecanismo destinado
a mascarar as irregularidades e demonstrar o atendimento formal da legislação,
conquanto de fato não tenha tido o seu cumprimento:
(...) as propostas apresentadas pelas supostas empresas concorrentes à IFT não
possuem sequer assinatura, portanto inválidas, demonstrando que as graves falhas
de fiscalização se deram desde antes da subcontratação. [Fl. 34928 – Grifos nossos.]
A perícia constatou também que a empresa IFT não prestou os serviços
para o qual teria sido subcontratada:
Dentre as ações propostas pela IFT, não há nenhum documento escrito que com‑
prove qualquer atividade de assessoria. Além de não fazer os boletins mensais a que a
IFT se propôs, não há nos autos, nenhuma análise regular de pesquisas de imagem e
opinião, elaboração de propostas de agenda legislativa ou planos de mídia. [Fl. 34929.]
45. Apurou-se, ainda, que Luis Costa Pinto, proprietário da empresa IFT,
durante o período de vigência da subcontratação, atuou na assessoria pessoal
do acusado João Paulo Cunha, tratando de assuntos alheios aos interesses da
Câmara dos Deputados. É o que se comprova da manifestação do acusado em
seu interrogatório judicial:
Que o sr. Luis Costa Pinto participou com o réu e terceiros sobre as eleições
municipais de 2004; Que lembra de uma reunião em São Paulo em um hotel em
que estavam presentes o sr. Luis Costa Pinto, Marcos Valério, Silvio Pereira e o sr.
Antonio dos Santos. [Fl. 14338.]
46. Evidencia-se, portanto, que o acusado João Paulo Cunha utilizou-se da
SMP&B para que a empresa IFT fosse subcontratada, a fim de que seu proprie‑
tário, Luís Costa Pinto, prestasse serviços de assessoria particular ao acusado,
sendo remunerado com dinheiro da Câmara dos Deputados.
47. A ausência de prestação dos serviços à Câmara dos Deputados devida‑
mente comprovada pelo exame pericial não pode deixar de ser considerada, não
obstante a conclusão contrária do Tribunal de Contas da União, cujas decisões
não vinculam o Poder Judiciário:
III – Da Efetiva Prestação de Serviços Contratados
6. Os peritos constataram que os serviços contratados foram prestados, à
exceção da empresa IFT – Ideias, Fatos e Texto. Ressalta-se, no entanto, que fo‑
ram apontadas inúmeras irregularidades na auditoria realizada pela Secretaria de
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1019
Controle Interno da Câmara dos Deputados (Processo n. 161.478/2005), tais como
indícios de fraude em subcontratações, subcontratações de serviços com desvio
de finalidade, utilização do expediente da subcontratação para fugir ao dever de
licitar, contratação de serviços não abrangidos pelo objeto do contrato e a omissão
dos órgãos envolvidos no exame da legalidade, conveniência e adequação das sub‑
contratações efetivadas.
(...) 12. Apesar do exposto acima, os peritos não localizaram no processo
qualquer documento, que comprove a efetiva prestação dos serviços (pela empresa
IFT – Ideias, Fatos e Texto). Os critérios utilizados pelos servidores para atestar as
notas fiscais e as razões que levaram os auditores a concluírem pela efetiva presta‑
ção dos serviços são desconhecidos por parte da perícia. Memorial descritivo dos
serviços prestados ou o testemunho de parlamentares ou de profissionais da mídia
de que os serviços foram prestados são insuficientes para tal comprovação. Desta
forma, os peritos têm entendimento contrário ao Acórdão 43012008 do TCU, em
razão da ausência de documentação probatória.
13. Embora tenham sido apresentadas as notas fiscais emitidas pela empresa
com os devidos atestados, as inúmeras irregularidades apontadas na auditoria rea‑
lizada pela Secretaria de Controle Interno da Câmara dos Deputados demonstram
a possibilidade de conluio em virtude do desrespeito ao princípio da segregação
de funções, além de ficar demonstrado que por período superior a seis meses sim‑
plesmente não houve a devida fiscalização do contrato (Processo n. 115.841/2003).
(...) 16. Entendem os Peritos que não houve efetiva intermediação da contra‑
tada, tampouco os serviços prestados pela IFT se referem à elaboração de peças e
materiais de publicidade. A SMP&B não fazia jus, portanto, aos honorários de 5%
pela subcontratação da IFT.
17. Dentre as ações propostas pela IFT, não há nenhum documento escrito
que comprove qualquer atividade de assessoria. Além de não fazer os boletins men‑
sais a que a IFT se propôs, não há nos autos, nenhuma análise regular de pesquisas
de imagem e opinião, elaboração de propostas de agenda legislativa ou planos de
mídia. [Fls. 34924-34929.]
48. Daí a conclusão de ter ficado demonstrado que o acusado João Paulo
Cunha teria utilizado valores da Câmara dos Deputados para pagamento de ser‑
viços que lhe eram prestados pessoalmente.
Tais valores alcançaram o total de R$ 252.000,00, conforme autorização
dada por João Paulo Cunha em duas ocasiões, nos dias 30-1-2004 e 30-6-2004:
(...) autorizo a contratação da empresa IFT Consultoria em Comunicação &
Estratégias para a prestação de serviço de consultoria em comunicação, pelo perí‑
odo de 6 (seis) meses, no valor total de R$ 126.000,00 (cento e vinte e seis mil re‑
ais), devendo o pagamento ser feito pela empresa SMP&B Comunicação Ltda., nos
termos do Contrato n. 2003/204.0. [Fls. 37468 e 37483.]
49. Pelo exposto, tem-se por configurada a prática do crime de peculato
pelo acusado João Paulo Cunha.
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Peculato: Câmara dos Deputados/SMP&B (Capítulo III da denúncia, subitem III.1, a.3, segunda parte, e b.2)
50. Também é imputada aos acusados João Paulo Cunha, Marcos Valério,
Ramon Hollerbach e Cristiano Paz a prática de outro crime de peculato, pelo
desvio de valores objeto do contrato firmado entre a Câmara dos Deputados e a
empresa SMP&B Comunicação, por meio de ordem e recebimento de pagamento,
sem que fossem desempenhadas atividades autorizadoras da remuneração.
É de Waldo Fazzio Júnior a anotação sobre peculato:
Entre as expressões penais da corrupção pública, o peculato destaca-se por sua
lesividade material, atacando o patrimônio público, material e moralmente, e colo‑
cando em risco a integridade da função pública, por desviá-la de sua meta coletiva.
Não se trata de um crime patrimonial, no sentido em que o Código Penal em‑
prega a palavra patrimônio, referindo-se ao conjunto de bens de pessoas naturais e
jurídicas. É um delito que ofende o erário. Esse é um aspecto extremamente sensível
do Estado, porque implica o gerenciamento do complexo de bens materiais da socie‑
dade. Mais que em qualquer outro setor público, o dever da boa administração do te‑
souro público é decisivo, reclamando de todos que militam na Administração Pública,
além de aptidão técnica e elevado senso de probidade.
Se tirar o que pertence ao próximo é ato impregnado de acentuada censurabili‑
dade, tanto que as leis punem severamente delitos como o furto e o roubo, tirar o que
integra o acervo coletivo é conduta que merece pontual retribuição penal, seja pela
qualidade do sujeito passivo atingido, seja pela afronta às mínimas exigências de mo‑
ralidade, seja por comprometer a eficiência e, sobretudo, seja por revelar incontornável
substituição do interesse público pelos desígnios particulares de quem deveria cuidá-lo.
O peculato traduz uma disfunção pública absoluta, à medida que abriga um
desvio de poder doloso. Se o desvio de poder culposo representa uma disfunção
material extrínseca passível de reparação, o doloso é, também, e principalmente,
uma disfunção que se projeta no plano moral, insuscetível de recomposição. Não se
trata de simples falha debitada ao erro, à inexperiência, à omissão de cautela ou à
negligência, mas de intento deliberado, porque consciente, de interromper o desen‑
volvimento da atividade administrativa visando à locupletação. A competência do
agente público serve para a prossecução de vantagem particular, em vez da realiza‑
ção do interesse coletivo. Toma o lugar da finalidade legal; mercê da disfunção, o
peculatário faz-se destinatário anômalo da função pública.
Segundo outra perspectiva, o peculato doloso destaca-se com a manifestação
penal de um ato de abuso de confiança cometido pelo agente público. O agente pú‑
blico faz seu o que lhe foi confiado, o que é do povo, mediante simples apropriação,
desvio de bens de sua trajetória natural, subtração ou manipulação de dados. (...)
O desfalque público e a violação da confiança casam-se em prejuízo da sociedade.
Também é bom considerar que, entre os atos de corrupção pública em sentido
lato, o peculato doloso notabiliza-se por duas peculiaridades: é o delito mais sim‑
ples, íntimo e direto contra a função pública, resumindo-se à singela relação entre
o agente público e o erário; e a vantagem material que proporciona, ou pode pro‑
porcional ao agente ímprobo, sai diretamente dos cofres públicos, não de qualquer
administrado. [FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Corrupção no poder público: peculato,
concussão, corrupção passiva e prevaricação. São Paulo: Atlas, 2002. p. 92-93.]
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51. Tem-se do Laudo de Exame Contábil 1.947/2009, elaborado pelo
Departamento de Polícia Federal:
22. Com base nos autos do inquérito e em consultas ao SIAFI (Sistema Integrado
de Administração Financeira), foi elaborado o Apêndice A, no qual é possível visuali‑
zar o detalhamento dos pagamentos efetuados no âmbito do contrato celebrado entre
a Câmara dos Deputados e a SMP&B Comunicação Ltda., nos anos de 2004 e 2005.
23. Os serviços de veiculação de peças de publicidade e propaganda em rá‑
dio, revista, jornal, internet, televisão ou outdoor podem ser distinguidos sem maio‑
res dificuldades dos serviços de criação e produção.
24. A distinção entre produção e criação, no entanto, é mais tênue, visto que
os dois serviços estão atrelados um ao outro. A produção de vídeo, por exemplo,
inclui o próprio trabalho de criação. Toma-se impraticável, senão impossível, deter‑
minar o porcentual de “criação” que coube à Agência de Publicidade e o percentual
de “criação” que coube à Produtora de vídeo subcontratada.
25. No entanto, é possível distinguir a participação efetiva da Agência de pu‑
blicidade no contrato através de seus custos internos incorridos. Dessa forma pode‑
-se determinar, em termos percentuais, o que foi “produzido” pela própria agência,
de maneira global, daquilo que foi terceirizado.
26. De maneira global significa tudo aquilo que está dentro do campo de atu‑
ação da agência: Estudo do conceito, ideia, marca, produto ou serviço a difundir, in‑
cluindo a identificação e análise de suas vantagens e desvantagens absolutas e relativas
aos seus públicos; identificação e análise dos públicos onde o conceito, ideia, marca,
produto ou serviço encontrem melhor possibilidade de assimilação; elaboração do
plano publicitário, incluindo a concepção das mensagens e peças (criação) e o estudo
dos meios e veículos que, segundo técnicas adequadas, assegurem a melhor cobertura
dos públicos objetivados (planejamento de mídia); execução do plano publicitário,
incluindo orçamento e realização das peças publicitárias (Produção) e a compra,
distribuição e controle da publicidade nos veículos contratados (execução de Mídia).
27. Conforme explanado na Seção III.4 – Da Efetiva Remuneração da
SMP&B no Contrato, uma das modalidades de remuneração da agência é o paga‑
mento de 20% (desconto de 80%) referentes aos seus custos internos incorridos nas
atividades descrita acima. É o que estabelece a alínea a da Cláusula Oitava do Con‑
trato 2003/204.0: “20% (vinte por cento) dos valores representativos dos custos in‑
ternos incorridos em trabalhos realizados pela Contratada, a título de ressarcimento
parcial, observados como limite máximo desses valores os previstos na tabela de
preço do Sindicato das Agências de Propaganda do Distrito Federal”. A alínea c da
mesma Cláusula reza: “a Contratada se compromete a apresentar, antes do início
dos serviços, planilha detalhada com os preços previstos na tabela do Sindicato das
Agências de Propaganda do Distrito Federal e os preços correspondentes a serem
cobrados da Contratante, acompanhada de exemplar da referida tabela”.
28. Dessa forma, os gastos comprovados com os serviços de criação, além
de outros serviços prestados pela própria SMP&B, conforme parágrafo 26, totalizaram R$ 17.091,00 (valor bruto). Considerando que esse valor se refere ao ressarcimento de 20% de seus custos internos, esses totalizaram R$ 85.455,00 (valor
dos serviços prestados, observados como limite máximo desses valores os previstos
na tabela de preço do Sindicato das Agências de Propaganda do Distrito Federal).
Os gastos com serviços terceirizados, excluindo-se as veiculações, totalizaram
R$ 3.687.300,13 sem distinção entre “criação” e “produção”.
1022
R.T.J. — 225
29. Assim, o percentual dos serviços prestados pela própria SMP&B
(R$ 85.455,00) com relação aos serviços terceirizados (R$ 3.687.300,13) corresponde a 2,32%.
(...)
7) Na execução do contrato, em relação às peças de publicidade e propaganda,
os serviços de criação foram feitos, diretamente, por equipe da SMP&B ou foram
terceirizados? Neste Último caso, quais foram terceirizados e em que percentual?
8) Na execução do contrato, em relação as peças de publicidade e propaganda,
os serviços de produção foram feitos, diretamente, por equipe da SMP&B ou foram
terceirizados? Neste último caso, quais foram terceirizados e em que percentual?
43. Com relação aos quesitos 7 e 8, vide as considerações da Seção 111.5 Dos
Serviços de Criação, Produção e Veiculação sobre as dificuldades em se distinguir
os serviços de criação e produção. No entanto, de acordo com a Tabela 6, constata‑
-se, pelo valor dos custos internos incorridos, que a participação da SMP&B foi de
2,32% com relação a todos os serviços produzidos, ou seja, 97,68% dos serviços,
independentemente da distinção entre “criação” e “produção”, foram terceirizados,
sem considerar os serviços de veiculação. Além disso, do total pago à SMP&B re‑
ferente ao ressarcimento de seus custos internos (Tabela 7), R$ 12.372,56 se referem
a serviços prestados para a realização de seminários ou exposições e R$ 4.718,44 se
referem à “produção” ou “criação” de serviços voltados para as campanhas publicitá‑
rias “Plenarinho”, “Institucional” e “Visite a Câmara” veiculadas nos diversos meios
de comunicação, conforme tabela abaixo. Dessa forma, a participação percentual da
SMP&B na prestação de serviços de criação ou de produção em relação às peças de
publicidade e propaganda foi ínfima. [Fls. 34930-34931 e 34938 – Grifos nossos.]
52. Claro fica, assim, pelo laudo pericial que “a participação da SMP&B foi
de 2,32% com relação a todos os serviços produzidos, ou seja, 97,68% dos serviços,
independentemente da distinção entre ‘criação’ e ‘produção’, foram terceirizados”
e que “a participação percentual da SMP&B na prestação de serviços de criação ou
de produção em relação às peças de publicidade e propaganda foi ínfima”.
O contrato celebrado entre a empresa SMP&B Comunicações e a Câmara
dos Deputados estabeleceu, contudo, que “os serviços objeto do presente Con‑
trato serão executados com rigorosa observância do disposto no Edital de Con‑
corrência n. 11/03 e seus Anexos, bem como da Proposta Técnica e da Proposta
de Preço da Contratada, com as modificações que tenham decorrido do procedi‑
mento previsto no Título 7 do edital” (fl. 76 do Apenso 84, vol. 1).
No Edital de Concorrência 11/03, item 9.7, previa-se que “a contratada
poderá subcontratar outras empresas, para a execução parcial do objeto desta
Concorrência, desde que mantida a preponderância da atuação da Contratada
na execução do objeto” (fl. 451 do Apenso 84, vol 2 – Grifos nossos).
53. Tem-se por evidenciado que a SMP&B, integrada por Marcos Valério,
Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, subcontratou a quase totalidade do serviço
(97,68%), desobedecendo o contrato celebrado com a Câmara dos Deputados, que
determinava a preponderância de sua atuação na execução do objeto contratual.
R.T.J. — 225
1023
54. As subcontratações irregulares, autorizadas pelo acusado João Paulo
Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, permitiu o desvio de
R$ 1.077.857,81, conforme Tabela 6 do laudo pericial (fl. 34932).
Esse valor refere-se ao total dos honorários líquidos recebidos pela SMP&B
com as subcontratações, descontados os serviços por ela diretamente prestados.
55. Comprovado está, nos autos, que o acusado João Paulo Cunha desviou, em favor dos acusados Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano
Paz, proprietários da empresa SMP&B, valores de que tinha a posse em
razão do seu cargo, devendo todos responder pelo cometimento do crime de
peculato, em concurso de pessoas.
Causa especial de aumento de pena (art. 327, § 2º, do Código Penal)
56. Relativamente ao acusado João Paulo Cunha, pede o Ministério Público
incida causa especial de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal:
A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos
neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou
assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista,
empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.
Guilherme de Souza Nucci comenta sobre a disposição legal:
(...) as pessoas, funcionários públicos próprios ou impróprios, quando exer‑
cem cargos em comissão ou função de direção ou assessoramento, devem ser mais
severamente punidas. [NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal
comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1032.]
57. Para os efeitos da legislação penal, estabelece o art. 327 do Código Penal:
Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora tran‑
sitoriamente, ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função
em entidade parestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço con‑
tratada ou conveniada para execução de atividade típica da Administração Pública.
A definição de funcionário público no direito penal vigente abrange, portanto,
“não apenas o servidor público, concursado e empossado na Administração Direta
do Estado, mas também o que exerce emprego público (contratado, diarista, precá‑
rio, em função de confiança, etc.), mera função ou tarefa” (STOCO, Rui; STOCO,
Tatiana. Arts. 312-361. In: FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (Coord.). Código
Penal e sua interpretação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 1524).
Agente público é definição que, para os efeitos penais, estende-se para abran‑
ger “tanto o Chefe do Poder Executivo (em quaisquer das esferas) como os sena‑
dores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da
Administração direta dos três Poderes, os servidores das autarquias, das fundações
governamentais, das empresas públicas e sociedades de economia mista nas distin‑
tas órbitas de governo, os concessionários e permissionários de serviço público, os
1024
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delegados de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação
civil de serviços e gestores de negócios públicos” (MELLO, Celso Antônio Bandeira
de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 245).
E é nesse sentido que se tem a norma penal, cuja vigência impõe observân‑
cia no caso em pauta.
58. Consideradas as funções desenvolvidas pelo réu João Paulo Cunha, como
presidente da Câmara dos Deputados, na qual compunha órgão de direção da admi‑
nistração direta, incide a causa de aumento prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal.
59. Pelo exposto, reconheço a incidência da causa de aumento de pena
prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal.
É como voto no item especificado.
III – Peculato – Recursos referentes ao bônus de volume; contrato celebrado
entre a DNA Propaganda e o Banco do Brasil (Capítulo III da denúncia,
subitem III.2)
60. O Ministério Público imputa aos acusados Henrique Pizzolato, Mar‑
cos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz a prática do crime de peculato
“consistente no desvio do montante de R$ 2.923.686,15 referente ao denominado
bônus de volume – BV” (fl. 45231).
61. Alega-se que, “apesar da previsão contratual expressa, a DNA não repas‑
sou ao Banco do Brasil os valores obtidos a título de bônus de volume” (fl. 45231).
62. Transcreve-se ainda uma vez o art. 312 do Código Penal, em cujos ter‑
mos se tem:
Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem
móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo,
em proveito próprio ou alheio:
Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.
§ 1º Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a
posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em
proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a quali‑
dade de funcionário.
Sobre os elementos objetivos do tipo penal, ensina a doutrina:
A imputação da norma é feita pelos verbos apropriar e desviar, constituindo
o núcleo do tipo penal. A primeira conduta traduz o peculato-apropriação, tal como
ocorre com a apropriação indébita. O desvio conduz ao chamado “peculato-des‑
vio”, quando o agente deixa de destinar o bem para o fim previamente estabelecido
e o desvia para destinação diversa, em benefício próprio e de terceiro.
Busca a norma coibir a ação de seus agentes, punindo a apropriação de di‑
nheiro ou qualquer bem ou valor, seja público ou particular. Impõe a lei – tanto pe‑
nal como extrapenal – a moralidade dos servidores públicos e sua atuação correta e
honesta no exercício do seu múnus público.
R.T.J. — 225
1025
O peculato, na sua configuração central, não é mais do que a apropriação in‑
débita (embora com certa diferença de disciplina) praticada por agente ratione officii. É a apropriação indébita qualificada pelo fato de ser o agente servidor público.
No peculato chamado próprio, isto é, no definido no caput do artigo, a ação
material consiste na apropriação ou no desvio.
Na primeira hipótese, o agente (tal como no art. 168 do CP) comporta-se em
relação à coisa como se tivesse o domínio.
No desvio, o agente dá destinação diversa à coisa, em proveito seu ou de ou‑
trem. Tal proveito pode ser material ou moral. [STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O.
Arts. 312 a 361. In: FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (Coord.). Código Penal
e sua interpretação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 1435.]
Conforme Júlio Mirabete, o “sujeito ativo do crime de peculato é o funcio‑
nário público, no amplo conceito previsto no art. 327 (item 327.1). Nada impede,
porém, por força do art. 30, que, havendo concurso de agentes, seja responsabi‑
lizado por tal ilícito quem não se reveste dessa qualidade” (MIRABETE, Julio
Fabbrini. Código Penal interpretado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 2360).
Aplicam-se, no item, as mesmas observações antes feitas no que se refere
à definição normativa penal do sujeito que pode praticar o crime descrito na dis‑
posição do Código Penal.
Na linha de entendimento antes enfatizada é que este Supremo Tribunal
Federal assentou que “o art. 327 do Código Penal equipara a funcionário público
servidor de sociedade de economia mista” (HC 79.823, rel. min. Moreira Alves,
julgado em 28-3-2000).
63. É fato comprovado nos autos que a DNA Propaganda, contratada para
prestação de serviços de publicidade, não repassou ao contratante, Banco do Bra‑
sil, R$ 2.923.686,15, relativos ao bônus de volume.
Não há dúvida sobre este ponto, tendo sido provado que a DNA recebeu
aquele valor.
64. Quanto ao denominado bônus de volume, tem-se o depoimento esclare‑
cedor de Otávio Florisbal, diretor da Rede Globo de Televisão:
Dr. Marthius Sávio Cavalcante Lobato: O senhor sabe o que é bônus de volume?
Depoente sr. Otávio Florisbal: Eu sei.
Dr. Marthius Sávio Cavalcante Lobato: O senhor poderia definir o que é bô‑
nus de volume?
Depoente sr. Otávio Florisbal: Bonificação de volume, também conhecido
como plano de incentivo para as agências, é um tipo de incentivo que os veículos
de comunicação oferecem para as agências de publicidade.
Então, este plano de incentivo ou bonificação de volume é oferecido pelas
redes de televisão, pelas redes de rádio, pelas editoras, pelos jornais, pelas empresas de internet e é um estímulo que os veículos oferecem às agências – porque as
agências são intermediárias dos veículos de distribuição da publicidade – e também servem, de uma dada maneira, a complementar as necessidades de receita das
agências para que elas possam prestar bons serviços aos seus clientes.
1026
R.T.J. — 225
Bonificação de volume, institucionalmente, procura dar recurso para as
agências para que as agências possam trabalhar bem e defender essa ferramenta
mercadológica, que é a publicidade, junto aos anunciantes e cada meio de comunicação tem o seu plano de bonificação para as diferentes agências. E esse plano de
bonificação – a bonificação de volume – é de direito da agência, ela não é repassada aos anunciantes.
Aos anunciantes, é repassado um desconto de negociação. Então, um deter‑
minado anunciante, tem uma verba de mil, é feita uma negociação em função do
tipo de compra que ele vai fazer – numa rede de televisão, num jornal, numa edi‑
tora – e ele obtém um determinado desconto, que é negociado pela agência.
Há, ainda, o plano de bonificação de volume, que é dado à agência pelo conjunto de seus clientes e é retido pela agência. Praticamente todos os veículos impedem que a agência repasse esses volumes ou esses valores para os anunciantes.
No caso específico da empresa em que eu trabalho, toda vez nós temos conhecimento de que uma agência está repassando a bonificação de volume para
um determinado anunciante, nós suspendemos esse plano, porque esse não é o
objetivo. O objetivo é dar recurso para que a agência preste os melhores serviços
possíveis aos anunciantes, que valorizem a publicidade, que valorizem a televisão
aberta – que é o caso de onde eu trabalho –, mas não uma bonificação adicional
para os anunciantes, seja da iniciativa privada sejam anunciantes do governo.
Dr. Marthius Sávio Cavalcante Lobato: Essa bonificação de volume é paga
só nos contratos com empresas públicas ou com empresas privadas também – os
anunciantes, no caso?
Depoente sr. Otávio Florisbal: O plano de bonificação de volume, quando ele
é estabelecido por agência, leva em conta dois critérios. Há um critério quantitativo,
em que cada empresa de comunicação verifica que uma determinada agência, no
ano anterior, veiculou, naquele veículo, “x” milhões de reais. Então se imagina e se
analisando o conjunto, a carteira de clientes daquela agência, verificando um cresci‑
mento, correção pela inflação, se estabelecem metas de crescimento de faturamento.
Então, essa é uma variável quantitativa.
Na variável qualitativa, as agências se obrigam a trabalhar no sentido de ter
um bom planejamento de comunicação; uma boa área de criação, uma boa área de
mídia, comprar pesquisas de mídia que possam avalizar todas as recomendações.
Elas são responsáveis pelo pagamento. Quer dizer, caso, amanhã, um determinado
cliente da iniciativa privada ou do setor público não pague, por algum motivo, a sua
fatura, a agência é obrigada a pagar no lugar do cliente senão ela não tem direito a
essa bonificação de volume.
A bonificação de volume é dada por um conjunto. Não se citam clientes. Você
tem um valor mensal, que é pago à agência de acordo com o que ela “performou”
naquele mês anterior.
Dr. Marthius Sávio Cavalcante Lobato: Então há uma relação comercial para
o pagamento da bonificação de volume. Essa relação comercial é entre a agência e
o veículo de comunicação?
Depoente sr. Otávio Florisbal: O veículo – a rede de televisão, o jornal, edi‑
tora, rádio. É uma relação única entre o veículo e a agência, a agência e o veículo.
Inclusive, nós temos o Conselho Executivo das Normas-Padrão, que reúne anunciantes, agências e veículos, e temos, com base nisso, as normas-padrão.
As normas-padrão são reconhecidas, pelo mercado, como válidas. Ainda
agora, recentemente, no IV Congresso Brasileiro de Publicidade, elas foram
R.T.J. — 225
1027
referendadas mais uma vez. Houve um outro recente acordo entre anunciantes,
agência e veículo, exatamente para comprovar que a bonificação de volume é de
direito da agência e não deve ser repassada aos anunciantes, seja da iniciativa privada, seja anunciantes de estatais.
Dr. Marthius Sávio Cavalcante Lobato: Então, o anunciante não tem qual‑
quer participação em negociações de bonificações de volume?
Depoente sr. Otávio Florisbal: Não tem. São dois tipos de negociação, como
eu disse: uma é a negociação de volume do anunciante. Se o anunciante cresce o
investimento dele numa rede de televisão, numa editora, num jornal, pelo tipo de
compra que ele vai fazer, então, em relação à tabela de preço daquele veículo, ele
obtém uma determinada condição de descontos. Esses descontos variam de veículo
para veículo, desde os menores até os maiores. Nós temos até determinados veículos que chegam a dar 70 a 80% de desconto em relação às suas tabelas de preço.
Essa negociação é toda transferida para o anunciante. O anunciante deixa
de pagar com base naquele desconto. Já a bonificação de volume é realmente um
acordo entre os veículos e as agências e é restrito às agências: Ele não deve ser
repassado. Pelas normas-padrão, ele não pode ser repassado aos anunciantes.
Dr. Marthius Sávio Cavalcante Lobato: O senhor tem conhecimento de al‑
guma norma ou regulamento da Associação Brasileira de Agências de Publicidade
sobre bonificação de volume?
Depoente sr. Otávio Florisbal: Tenho conhecimento, sim. A Associação Bra‑
sileira de Agências de Propaganda (ABAP) assim como a Fenapro, que é a Federa‑
ção Nacional de Propaganda, que fazem parte do Cenp, são entidades fundadoras do
Cenp, assim como tem a Abert, para as redes de televisão, ANJ para jornais, Aner
para revistas, (ABA) Associação brasileira de Anunciantes, Foram essas grandes
entidades que formaram o Cenp, o Conselho Executivo das Normas-Padrão.
Por esses princípios, a bonificação de volume é exatamente isso que eu co‑
mentei agora.
Dr. Marthius Sávio Cavalcante Lobato: Todas as agências que atuam no mer‑
cado têm, com as entidades de publicidade, enfim, de propaganda, um contrato de
bonificação de volume?
Depoente sr. Otávio Florisbal: É claro que isso varia de veículo para veículo.
Dependendo do número de agências com que um determinado veículo se relaciona,
você tem uma quantidade maior ou menor. Então, normalmente, grandes redes de
televisão transacionam, no Brasil todo, com quatro mil e quinhentas agências.
No caso da empresa que eu represento, que é a Rede Globo de Televisão, nós
somos cento e vinte e uma emissoras em todo o País, nós transacionamos com mais
ou menos quatro mil e quinhentas agências e mais de cinquenta mil anunciantes.
Evidentemente que o plano de bonificação de volume não abrange todas essas agên‑
cias. É um número restrito, até porque algumas agências são muito pequenas e seria
difícil se estender um plano de bonificação de volume para elas.
Dr. Marthius Sávio Cavalcante Lobato: Certo! No caso, o senhor falou que
trabalha na Rede Globo, ela paga bonificação de volumes a suas agências?
Depoente sr. Otávio Florisbal: A Rede Globo tem um plano de incentivo para
as agências, que é tradicional – tem mais de trinta anos – e contempla, como eu
disse, aspectos quantitativos e aspectos qualitativos.
O que nós procuramos com o nosso plano de incentivo? Valorizar a publi‑
cidade e valorizar a publicidade em TV aberta, porque a TV aberta é um meio de
comunicação cuja única receita é a publicidade.
1028
R.T.J. — 225
Então, de que nós precisamos para permanecermos vivos no mercado? Preci‑
samos de que a publicidade veiculada em televisão surta efeito para os anunciantes,
seja na venda de produtos, de serviços, ou campanhas institucionais, que essa publi‑
cidade realmente traga resultado para os anunciantes.
E para isso, nós precisamos de quê? De ter boas agências, com bom plane‑
jamento de comunicação, com uma área de criação muito competente. Aliás, a pu‑
blicidade brasileira é uma das três maiores ou melhores em termos de criatividade.
Então, com isso, nós procuramos o quê? Nós procuramos valorizar o inter‑
valo comercial. Até temos um prêmio chamado Profissionais do Ano, que todo ano
premia exatamente os profissionais de criação e, produção que fazem comerciais
para a televisão, procurando valorizar e reconhecer esse trabalho, que é contar histó‑
rias em trinta segundos – que é uma coisa extremamente difícil – e vender produtos.
O objetivo do nosso plano é exatamente valorizara publicidade em TV aberta
e valorizar os nossos intervalos comerciais de tal forma que a TV aberta continue
atraindo as verbas publicitárias e os interesses dos anunciantes.
O Brasil é, certamente, entre as maiores economias do mundo, das vinte
maiores. Hoje, o Brasil ocupa o sexto, sétimo lugar com o maior investimento em
publicidade, e a televisão aberta aqui retém mais ou menos 60% do investimento
publicitário. Em outros países isso varia entre 50%, 45%, 40%.
Dr. Marthius Sávio Cavalcante Lobato: Sem mais perguntas, Excelência.
JF José Eduardo Nobre Matta: Dra. Márcia, por gentileza.
Dra. Márcia Faria Lima: Boa tarde, Excelência! Márcia Faria Lima, advo‑
gada dativa dos seguintes réus: José Dirceu de Oliveira e Silva, José Genoíno Neto,
Delúbio Soares de Castro, Sílvio José Pereira, Marcos Valério Fernandes de Souza,
Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz, Rogério Lanza Tolentino, Si‑
mone Reis Lobo de Vasconcelos, Geiza Dias dos Santos.
Eu gostaria de saber do depoente se ele conhece pessoalmente algum desses
acusados que acabei de ler.
Depoente sr. Otávio Florisbal: Pessoalmente, não.
Dra. Marcia Faria Lima: Já trabalhou com algum deles?
Depoente sr. Otávio Florisbal: Não. [Fls. 30262-30266 – Grifos nossos.]
Em idêntico norte o depoimento de Petrônio Cunha Corrêa, presidente do
Conselho Executivo das Normas Padrão (CENP):
Defensor: Senhor Petrônio, o senhor é ou foi presidente do Cenp, Conselho
Executivo das Normas Padrão?
Testemunha: Sou presidente, fui o fundador e sou presidente Cenp, Conselho
Executivo das Normas Padrão.
Defensor: O Cenp que edita a norma padrão da atividade publicitária?
Testemunha: Sim, senhor.
Defensor: Todas as agências do mercado de publicidade seguem essas nor‑
mas padrão emitidas pelo Cenp?
Testemunha: Eu diria que 90 e tantos por cento delas seguem, né?
Defensor: Estas normas-padrão da atividade publicitária contêm previsão sobre
o pagamento de bônus de volume ou bonificação de volume ás agências publicitárias?
Testemunha: Não, a bonificação de volume é no corpo das normas padrão,
ela é aceita como uma receita válida das agências. Naturalmente elas não obrigam
aos veículos, a todos os veículos pagarem essa bonificação, mas é aceito como uma
receita de direito das agências.
R.T.J. — 225
1029
Defensor: No item 4.2 das normas-padrão da atividade publicitária está
assim redigido: Os planos de incentivo ás agências mantidos por veículos não contemplarão os anunciantes.
Testemunha: Exatamente. Porque é uma receita exclusivamente da agência,
e é uma, uma receita extra em função do total dos clientes das agências ligadas ao
pagamento, quer dizer, a agência só recebe se ela pagar os veículos dentro de um
determinado, dentro dos prazos normais. [Fls. 29786-29787 – Grifos nossos.]
65. A testemunha Nelson Biondi Filho afirma:
Testemunha: A bonificação de volume, ela incide sobre o faturamento da
agência, de todos os clientes da agência num determinado veículo, funciona mais
ou menos como um estímulo para que a agência, além dos índices de audiência,
autorize, faça as autorizações para ele. Então, a bonificação de volume é calculada
sobre o faturamento da agência num determinado período.
Defensor: Esse cálculo torna por base um cliente ou todos os clientes da agência?
Testemunha: Não, todos os clientes. Faturamento líquido da agência na‑
quele período.
(...)
Testemunha: A bonificação de volume é pago à agência com recibo, tudo di‑
reitinho, (...) isso é pago pelas emissoras.
Defensor: A agência de publicidade devolve esse valor ao contratante ou fica
com a agência de publicidade?
Testemunha: Fica com a agência, não tem nem como devolver, porque não dá
para dividir, saber o que é de um e de outro (...).
Defensor: O senhor não tem conhecimento de nenhuma agência que repassa
isso ao cliente, nunca soube disso?
Testemunha: A minha nunca repassou, mas eu acho difícil até repassar para...
A quanto tal cliente faz jus, porque é tudo uma coisa só. [Fls. 29509-29510 – Gri‑
fos nossos.]
66. Em seu depoimento a testemunha Eduardo Fischer argumenta:
Defensor: Alguma das suas empresas já recebeu ou recebe o chamado bônus
de volume ou bonificação de volume que é adotado por alguns veículos de mídia?
Testemunha: Não, não é alguns veículos, todos os veículos de mídia adotam
como todas as companhias aéreas têm o sistema de fidelização, como todo o ar‑
quiteto tem o direito de ir numa loja de decoração e ter a sua bonificação. É assim,
repito, por lei, e por decreto, a remuneração no nosso negócio. Então, essa bonificação de volume é dada não para o cliente mas sim para as agências e há 50 anos é
assim, não aqui, é assim nos Estados Unidos, na França, na Grécia, na Suíça, toda a
Europa, Japão, o modelo é todo parecido, o modelo veio com as primeiras agências
de publicidade americanas, sim, portanto, recebo.
(...)
Defensor: Uma relação estranha ao cliente anunciante?
Testemunha: Por norma e padrão você jamais, quer dizer, o veículo não repassa esse bônus para nenhum cliente. Esse bônus é direito. [Fls. 29762-29763 –
Grifos nossos.]
1030
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67. Também Hiran Amazonas Castello Branco testemunha:
Defensor: No âmbito dessas normas padrão da atividade publicitária é aceito o
recebimento pelas agências do chamado bônus de volume ou bonificação de volume?
Testemunha: Sim.
Defensor: Esse bônus de volume ou bonificação de volume é pago por quem
nas agências de publicidade?
Testemunha: Pelos veículos de comunicação.
Defensor: E ele é pago em função do trabalho feito com um cliente específico
da agência ou do somatório dos clientes da agência em determinado lapso temporal?
Testemunha: Ele é pago pelo conjunto do trabalho da agência e condicionado
a alguns critérios que os veículos estabelecem.
(...)
Defensor: E o dinheiro auferido com esse bônus de volume é repassado pela
agência ao cliente anunciante ou é um dinheiro da agência?
Testemunha: Esse dinheiro é da agência. [Fls. 29794-29795 – Grifos nossos.]
68. A prova testemunhal esclarece, pois, ser prática consolidada no mer‑
cado publicitário a destinação dos valores referentes ao bônus de volume à agên‑
cia de publicidade e não à empresa contratante.
Quanto a esse aspecto a matéria é incontroversa.
69. Entretanto, no caso dos autos, havia válida e expressa disposição do
contrato assinado entre o Banco do Brasil e a DNA, segundo a qual competia à
empresa de publicidade “envidar esforços para obter as melhores condições nas
negociações junto a terceiros e transferir, integralmente, ao Banco os descontos
especiais (além dos normais, previstos em tabelas), bonificações, reaplicações, pra‑
zos especiais de pagamento e outras vantagens” (fls. 48-49 do Apenso 83, vol. 1).
De se esclarecer que a DNA era empresa composta pela Graffiti Participações
Ltda., integrada também por Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz,
vale dizer, entre outros mais, os mesmos membros da SMP&B, agência muitas vezes
mencionada no item anterior deste voto e composta, igualmente, pelos acusados cita‑
dos (conquanto constante dos autos ter se desligado Cristiano Paz da Graffiti Partici‑
pações Ltda., há provas de ter recebido recursos ainda como integrante da agência).
Pela cláusula contratual antes mencionada, não contestada e prevalecente fica
patente, de forma expressa, que os descontos obtidos em decorrência do bônus de
volume deveriam ter sido repassados pela agência de publicidade ao Banco do Brasil.
70. O acusado Henrique Pizollato, diretor de marketing do Banco do Brasil,
era o responsável pelo acompanhamento e fiscalização da execução do contrato
celebrado com as empresas de publicidade, notadamente a DNA Propaganda,
empresa de Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, também acusados
de peculato nesse item da denúncia.
71. De forma voluntária, objetiva e comprovada, Henrique Pizzolato não
fiscalizou nem apurou, na execução do contrato, os descumprimentos das cláusu‑
las ajustadas, permitindo que Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz
R.T.J. — 225
1031
se apropriassem, indevidamente, do valor de R$ 2.923.686,15, referente ao bônus
de volume obtido pela agência de publicidade DNA Propaganda.
Nas circunstâncias específicas, demonstradas nos autos, a retenção inde‑
vida de valores tão vultosos, em desacordo com cláusula contratual válida e
expressa, é indício da prática do crime de peculato que, acrescentada às provas
obtidas, deixa patente a prática delituosa.
72. Corrobora a prática do crime de peculato o exame levado a efeito pelos
analistas de controle externo do Tribunal de Contas da União (fl. 386, Apenso 83,
vol. 2), os quais, como anotado pelo Ministério Público, concluíram que valores reti‑
dos a título de bônus de volume não correspondiam ao conceito de bônus de volume:
346. (...) as notas fiscais selecionadas pelos analistas de controle externo do
TCU, e que serviram de base para o levantamento do valor de R$ 2.923.686,15, em
sua esmagadora maioria não se referem a veículos de comunicação (lista individualizando o valor do bônus de volume acrescido do honorário incidente às fls. 386,
Apenso 83, Volume 2).
347. Do total, apenas a quantia de R$ 419.411,27 (quatrocentos e dezenove
mil, quatrocentos e onze reais e vinte e sete centavos), resultado da soma das notas
fiscais emitidas pela Três Editorial Ltda., enquadrou-se no conceito de bônus de
volume apresentado pelos acusados.
348. Todas as demais notas fiscais, perfazendo um total de R$ 2.504.274,88
(dois milhões, quinhentos e quatro mil, duzentos e setenta e quatro reais e oitenta e
oito centavos), têm como objeto outros serviços subcontratados e não a veiculação
de propaganda em televisão, rádio, jornais e revistas. Na verdade, representam ob‑
jetos completamente distintos.
349. Assim, ainda que se deseje dar credibilidade à tese dos acusados, não há
como deixar de admitir que, nos termos em que ele próprios põem a questão – no
sentido de que bônus de volume é a comissão paga pelos veículos de comunicação –, os valores que receberam não se enquadram no conceito de bônus de volume
e, por isto, deveriam necessariamente ser repassados ao Banco do Brasil, como
expressamente previsto no contrato. [Fls. 45235-45236, alegações finais.]
Essas conclusões afastam a tese da defesa de que os valores desviados e
apropriados corresponderiam ao montante relativo ao bônus de volume na forma
licitamente praticada no mercado publicitário.
73. Registre-se que a matéria relativa ao bônus de volume foi regulamen‑
tada pela Lei 12.232/2010, muitos anos após as práticas cuidadas neste processo.
Pelo parágrafo único do art. 15 dessa lei “pertencem ao contratante as vantagens
obtidas em negociação de compra de mídia diretamente ou por intermédio de agência
de propaganda, incluídos os eventuais descontos e as bonificações na forma de tempo,
espaço ou reaplicações que tenham sido concedidos pelo veículo de divulgação”.
Entretanto, essa norma é inaplicável ao caso concreto, por ser posterior aos fatos.
Ademais, a norma impõe sem obrigar, pelo que as partes poderiam conven‑
cionar de modo diverso, como se deu no caso.
1032
R.T.J. — 225
74. Pelo exposto, julgo procedente a pretensão punitiva contida na
denúncia e voto pela condenação de Henrique Pizzolato, Marcos Valério
Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz
pela prática do crime de peculato a eles imputado neste item da denúncia.
IV – Corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato –
Repasse de recursos do Fundo Visanet para a agência DNA Propaganda
(Capítulo III da denúncia, subitem III.3)
75. Em suas alegações finais, reafirmando o que descrito na denúncia, o
Ministério Público sustenta:
354. Henrique Pizzolato, na condição de Diretor de Marketing e Comunica‑
ção do Banco do Brasil, desviou, entre 2003 e 2004, o valor de R$ 73.851.000,00
(setenta e três milhões e oitocentos e cinquenta e um mil reais) oriundo do Fundo de
Investimento da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento – Visanet. O valor,
constituído com recursos do Banco do Brasil, foi desviado em proveito dos réus
Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach.
355. Os desvios verificaram-se nas seguintes datas: a) 19-5-2003 –
R$ 23.300.000,00; b) 28-11-2003 – R$ 6.454.331,43; c) 12-3-2004 – R$ 35.000.000,00;
e d) 1º-6-2004 – R$ 9.097.024,75.
356. O crime consumou-se mediante a autorização, dada por Henrique Pizzo‑
lato, de liberação para a DNA Propaganda, a título de antecipação, do valor acima
referido de R$ 73.851.000,00. Henrique Pizzolato, pessoalmente, assinou três das
quatro antecipações delituosas (fls. 5376/5389).
(...)
372. O rastreamento feito pelos peritos serviu para comprovar, também, que
os acusados Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach apropriaram-se de
parcela dos valores objeto dos pagamentos feitos pela Visanet, a título de remunera‑
ção pelos serviços prestados. Os saques e transferências efetuados sob a justificativa
de distribuição de lucros não passavam da contraprestação pela atuação delituosa.
(...)
379. Em razão da liberação dos recursos do Banco do Brasil à DNA Propa‑
ganda (repassado pela Visanet) e de outros atos administrativos irregulares praticados
no exercício do cargo de Diretor de Marketing do Banco do Brasil em benefício tam‑
bém da DNA Propaganda, Henrique Pizzolato recebeu vantagem indevida de Marcos
Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, consistente no valor de R$ 326.660,67
(trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e sessenta reais e sessenta e sete centavos).
(...)
389. Como demonstrado documentalmente, para o recebimento da propina,
Henrique Pizzolato utilizou-se da estrutura de lavagem de dinheiro disponibilizada
pelo Banco Rural, enviando, ainda, um intermediário em seu lugar.
390. O artifício teve por objetivo ocultar a origem, a natureza e o real destina‑
tário do valor pago como vantagem indevida.
(...)
401. Muito embora a denúncia tenha atribuído a coautoria do peculato a
Luiz Gushiken, então Ministro da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica
da Presidência da República, em razão de depoimentos prestados por Henrique
R.T.J. — 225
1033
Pizzolato, no sentido de que sempre agiu a mando de Luiz Gushiken, não se colhe‑
ram elementos, sequer indiciários, que justificassem sua condenação.
402. Por fim, considerando que a circunstância do réu Henrique Pizzolato
exercer o cargo de Diretor de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil na
época dos fatos constou expressamente na denúncia, deverá incidir a causa especial
de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal.
403. Essa Corte tem entendimento consolidado de que a narração do fato na
denúncia viabiliza seu reconhecimento pelo Poder Judiciário quando do julgamento
da causa, ainda que represente alteração da capitulação efetuada pelo Ministério
Público na denúncia (emendatio libelli). O réu defende-se do fato imputado e não
da capitulação legal.
404. Diante do exposto, o Ministério Público Federal, na forma do artigo 29
do Código Penal, requer:
a) a condenação de Henrique Pizzolato, em concurso material, nas penas do:
a.1) artigo 312, combinado com o artigo 327, § 2º, ambos do Código Penal, 4
(quatro) vezes, em continuidade delitiva;
a.2) art. 317, combinado com o artigo 327, § 2º, ambos do Código Penal; e
a.3) artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei n. 9.613/1998.
b) a condenação de Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, em
concurso material, nas penas do:
b.1) artigo 312 do Código Penal, por 4 (quatro) vezes, em continuidade delitiva; e
b.2) artigo 333 do Código Penal.
c) a absolvição de Luiz Gushiken, com base no art. 386, inciso VII, do Có‑
digo Penal. [Fls. 45237-45267.]
Peculato
76. As provas demonstram que Henrique Pizzolato, diretor de marketing
e comunicação do Banco do Brasil na data dos fatos, desviou R$ 73.851.000,00
do Fundo de Incentivo da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (“Visa‑
net”) em benefício de Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach.
77. A Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (“Visanet”) “atua no
mercado de meios de pagamentos eletrônicos com os cartões da bandeira Visa.
É uma empresa privada que apresentava 26 acionistas em 31-12-2005, dentre os
quais se destacam o Bradesco com participação de 38,83%; o Banco do Brasil,
com 31,99%; o Banco Amro Real, com 14,28%, e a Visa Internacional, com
10,01. Pelos documentos analisados, é responsável pela administração da rede de
estabelecimentos afiliados ao sistema Visa, que envolve marketing promocional,
captura, processamento e liquidação de todas as transações efetuadas com car‑
tão de crédito e de débito da bandeira Visa no Brasil” (fl. 81, Apenso 142, Laudo
Pericial 2.828/2006-INC).
78. Em 2001, a Visanet e seus acionistas “constituíram o chamado ‘Fundo
de Incentivo Visanet’, com a finalidade de destinar valores aos bancos emisso‑
res dos cartões Visa especificamente para a realização das ações de marketing.
O Fundo de Incentivo Visanet foi constituído mediante o estabelecimento de
um Regulamento contendo as cláusulas e condições a serem observadas no
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R.T.J. — 225
planejamento e execução das ações de marketing, bem como as condições para
pagamento aos fornecedores e reembolso aos bancos (...)” (fl. 5413).
Para a realização das ações de marketing, que justificaram a criação do
fundo de incentivo, destinava-se verba anual a cada banco acionista na proporção
de sua participação acionária na Visanet.
Pelo regulamento do fundo, o banco acionista responsabilizava-se pela
elaboração da ação de marketing a ser encaminhada à Visanet para liberação do
dinheiro diretamente ao banco ou aos fornecedores por ele indicados:
(...) uma vez elaborada a proposta de ação de marketing pelo banco, ela
deve ser apresentada à Visanet para execução do pagamento mediante uma carta de
apresentação assinada pelo representante do banco. (...) Ainda, segundo as regras
do fundo, o pagamento poderá ser feito pela Visanet diretamente ao fornecedor dos
serviços contratados pelo banco, ou seja, na maioria das vezes à empresa de marke‑
ting que desenvolveu a ação, ou ainda ao próprio banco como reembolso das ações
de propaganda, marketing ou incentivo já pagas por esse. A esse respeito, as regras
do Fundo de Incentivo Visanet são únicas e se aplicam a todos os bancos indistin‑
tamente. [Fl. 5413.]
79. Como acionista da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento
(Visanet), o Banco do Brasil era destinatário, na proporção de sua participação
acionária, de verba anual oriunda do Fundo de Incentivo Visanet. Quer dizer: o
dinheiro era propriedade do Banco do Brasil, tendo, por isso, natureza pública.
80. Ainda que se pudesse admitir cuidar-se de bem de natureza particular,
o tipo objetivo da infração penal imputada aos réus prevê como conduta típica a
apropriação ou o desvio, pelo funcionário público, de dinheiro, valor ou qualquer
bem móvel, sejam públicos ou particulares, que estejam em sua posse.
Para fins do tipo penal, desimporta se o objeto material é público ou pri‑
vado, pois “pratica o delito de peculato o funcionário público que se apropria
tanto de um bem móvel pertencente à Administração Pública quanto de outro
bem, de natureza particular, que se encontrava temporariamente apreendido ou
mesmo guardado” (GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial.
5. ed. Niterói: Impetus, 2009. v. 4, p. 366).
Nesse sentido são as lições de Guilherme de Souza Nucci:
Origem do bem recebido: pode ser de natureza pública – pertencente à Ad‑
ministração Pública – ou particular – pertencente a pessoa não integrante da admi‑
nistração –, embora em ambas as hipóteses, necessite estar em poder do funcionário
público em razão de seu cargo. [NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 996.]
81. A posse mencionada no texto compreende também a posse indireta,
aquela em que o agente, sem detenção material, tem a disponibilidade jurídica
da coisa, podendo submetê-la a seu comando mediante ordens, requisições
ou mandados.
R.T.J. — 225
1035
Sobre o tema, Rui Stoco e Tatiana Stoco asseveram:
(...) a posse a que se refere o texto legal, deve ser entendida em sentido amplo,
compreendendo a simples detenção, bem como a posse indireta (disponibilidade
jurídica sem detenção material ou poder de disposição exercível mediante ordens,
requisições ou mandados). [STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Arts. 312 a 361.
In: FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (Coord.). Código Penal e sua interpretação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1435.]
82. Na espécie cuidada, tem-se que o Banco do Brasil não definiu “as nor‑
mas internas acerca de competências, alçadas e responsabilidades” para autori‑
zar o repasse de dinheiro às agências de publicidade que executassem as ações de
marketing financiadas pelo Fundo de Incentivo Visanet (fl. 5228).
Na prática, o dinheiro era, então, transferido diretamente do Fundo de
Incentivo Visanet para as agências de publicidade por meio de autorização da
Diretoria de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil, após emissão de
notas técnicas internas, também aprovadas pela Diretoria de Varejo.
A participação dessa diretoria, contudo, visava apenas operacionalizar a prática.
Nesse sentido, as constatações da Auditoria Interna realizada no Banco do Brasil:
5.2.1 De acordo com o Regulamento de Constituição e Uso do Fundo de In‑
centivo Visanet, a CBMP sempre se manterá como legítima proprietária do Fundo,
devendo os recursos ser destinados exclusivamente para ações de incentivo apro‑
vadas pela Visanet, não pertencendo os mesmos ao BB Banco de Investimentos e
nem ao Banco do Brasil. O mesmo Regulamento previa que as despesas com as
ações seriam pagas diretamente pela Visanet às empresas executoras do projeto ou
reembolsadas ao incentivador. O Banco optou pela forma de pagamento direto, por
intermédio da CBMP, à empresa fornecedora, sem trânsito dos recursos pelo BB.
5.2.2 Nesse período, na ausência de definições formais acerca dos direciona‑
mentos estratégico, como tipos de eventos ou ações que poderiam ser patrocinados,
vigorou como referencial básico o Regulamento de Constituição e Uso do Fundo
de cada exercício.
5.2.3 Não foram formalmente definidas as normas internas acerca de competências, alçadas e responsabilidades das Áreas envolvidas.
5.2.4 As decisões que aprovavam os dispêndios, consubstanciadas em Notas
Técnicas internas, eram tomadas, na maioria das vezes, em conjunto pelas Diretorias de Varejo e de Marketing e Comunicação e, a partir, daí a primeira basicamente se desincumbia do relacionamento com a Visanet e a segunda, das atividades
de operacionalização propriamente ditas. Eventualmente, a Diretoria de Varejo
ou outra Diretoria interveniente ocupava-se dos procedimentos operacionais, nas
situações em que a demanda decorria de sua iniciativa. [Fl. 5228 – Grifos nossos.]
83. A prova de que o procedimento de autorização de pagamento às agên‑
cias de publicidade era de responsabilidade da Diretoria de Marketing e Comu‑
nicação do Banco do Brasil está, dentre outras, na correspondência enviada pela
DNA Propaganda aos peritos oficiais:
1036
R.T.J. — 225
A verba Visanet integra um fundo gerido pelo Banco do Brasil, Bradesco,
Banco Real e pela própria Visa;
– Cada um desses integrantes do fundo recebe, anualmente, um valor para
divulgação dos cartões Visa, proporcional à sua participação acionária;
– Essa verba destina-se à divulgação dos cartões de crédito e débito de ban‑
deira Visa em todo o território nacional;
– A divulgação dos cartões Visa é feita através de ações de publicidade, de
patrocínios, de promoções, de marketing de relacionamento entre outras;
– O Banco do Brasil é quem dá destinação à parte que lhe cabe nessa verba, indicando à agência de publicidade onde ela será empregada e o valor que será investido;
– As agências são comissionadas pela administração dessa verba;
– As ordens para uso da verba Visa são dadas diretamente pela Diretoria de
Marketing e Comunicação, à qual as agências de publicidade estão subordinadas,
e recebem pareceres da Diretoria de Varejo, que são aprovados pelos Conselhos e
controles internos do Banco;
– Há um rodízio entre as três agências de publicidade que atendem ao Banco
no repasse da verba Visa, e também é frequente ocorrer que o Banco autorize o pa‑
gamento de fornecedores, veículos e valores de promoção ou patrocínio para as três
agências simultaneamente;
– A verba Visa é repassada adiantadamente às agências, que abrem uma conta
bancária especial para abrigá-la, com periódicas prestações de contas;
– A Verba Visa não é faturada pelo Banco do Brasil, mas sim pela Cia. Bra‑
sileira de Meios de Pagamento, que tem CNPJ diferente ao do Banco do Brasil;
– A operação Visa não faz parte do contrato publicitário das três agências com
o Banco do Brasil. [Fls. 121-122, Apenso 142 – Grifos nossos.]
Esses elementos demonstram, com segurança e clareza, que a autorização do
repasse do dinheiro do Fundo Visanet para as agências de propaganda era executada por ordem do diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil, posto
ocupado por Henrique Pizzolato de 17 de fevereiro de 2003 a 14 de julho de 2005.
84. No período em que Henrique Pizzolato foi o diretor de marketing do
Banco do Brasil, comprovou-se substancial aumento de repasse de dinheiro à
agência de publicidade DNA Propaganda por meio de autorização de antecipação de pagamento com recursos oriundos do Fundo de Incentivo Visanet,
inequívoco indício do desvio de dinheiro denunciado, que, acoplado a outras pro‑
vas, sustentam a acusação e conduzem o convencimento no sentido da denúncia
oferecida pelo Ministério Público.
Em 2001 e 2002, foram repassados à DNA Propaganda R$ 17.298.560,00,
originários do Fundo de Incentivo Visanet (fl. 5231, relatório de Auditoria
Interna do Banco do Brasil, tabela 4).
Em 2003 e 2004, sendo Henrique Pizzolato o diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil, os repasses saltaram ao total de R$ 73.851.000,00
(fl. 5231, relatório de Auditoria Interna do Banco do Brasil, Tabela 4), portanto
significativamente mais elevados do que nos períodos anteriores:
I) R$ 23.300.000,00 em 19-5-2003;
II) R$ 6.454.331 em 28-11-2003;
R.T.J. — 225
1037
III) R$ 35.000.000,00 em 12-3-2004;
IV) R$ 9.097.024,75 em 1º-6-2004.
85. Tão significativo aumento nos repasses para a DNA Propaganda veio
acompanhado de modificação do conteúdo das notas técnicas emitidas para auto‑
rização dos repasses.
Em 2001 e 2002, as autorizações dos repasses de dinheiro do Fundo de
incentivo Visanet às agências de publicidade eram precedidos de notas técnicas
emitidas com especificação das campanhas e eventos de marketing que deveriam ser implementados em contrapartida ao recebimento do dinheiro.
Em 2003 e 2004, diversamente, as notas técnicas não indicavam as campanhas e eventos a serem realizados, dificultando-se a efetiva verificação e a
fiscalização eficiente da prestação dos serviços pela agência.
86. Esse outro indício da prática do crime de peculato, que, somado às pro‑
vas dos autos, reforça o acervo dos fatos demonstrados, foi apontado no relatório
de Auditoria Interna do Banco do Brasil:
6.4.16 Em setembro e novembro de 2001 e em junho e outubro de 2002 e em
junho de 2002 foram concedidas antecipações, para a realização de ações específi‑
cas, contra a apresentação de documento fiscal de agência de publicidade, no valor
global de cada ação, num total de R$ 48.328 mil, representando 79,41% do total de
recursos destinados ao Banco, no período.
6.4.16.1 As Notas Técnicas que aprovaram as ações, nesse período (Anexo 2),
especificavam as campanhas ou eventos a serem realizados. Foram apreciadas nas
alçadas competentes (consideradas a alçada vigente para eventos que envolvem re‑
cursos do orçamento do próprio Banco) e não faziam referência a antecipações e nem
as autorizavam.
(...)
6.4.17 Em maio e novembro de 2003 e em março e junho de 2004, houve
antecipações, sem especificação das ações de incentivo a serem realizadas, contra
a apresentação de documentos fiscais de emissão de agência de publicidade pelo
valor de cada antecipação. Os valores abrangidos totalizaram R$ 73.851 mil, corres‑
pondendo a 81,65% do total de recursos destinados ao Banco no período.
6.4.17.1 As Notas Técnicas que aprovaram as antecipações (Anexo 3) não
indicavam as ações a serem realizadas, definiam o repasse dos recursos para a DNA
Propaganda Ltda. e condicionavam a utilização do adiantamento à aprovação das
campanhas pelas Diretorias de Varejo e de Marketing e Comunicação. [Fl. 5231.]
87. Complementando-se a prova, tem-se a constatação pelos peritos de que
os recursos foram repassados à DNA Propaganda sem a elaboração de contrato
escrito e em desacordo com o regulamento do Fundo de Incentivo Visanet:
36. A relação contratual oficial entre a DNA e o Banco do Brasil abrange período
superior a 10 anos, tendo sido mantida por meio de realização de novos contratos e de
termos aditivos, desde 1994. De modo geral, os contratos tinham como objeto a pres‑
tação de serviços de publicidade e propaganda do BB, de suas subsidiárias, inclusive
aquelas que viessem a ser criadas no decorrer dos contratos, realizados com verbas BB.
1038
R.T.J. — 225
37. A existência de contratos formais para a execução da verba do Fundo de
Incentivo Visanet foi questionada junto ao BB, à DNA e à Visanet. A empresa DNA
Propaganda apontou em documento que não possui contrato com o BB ou com a
empresa Visanet para execução dos serviços relacionados ao Fundo, bem como a
Visanet afirmou não possuir qualquer relação comercial direta com a DNA e que
esta nunca prestou àquela quaisquer tipos de serviços.
38. Quanto ao Banco do Brasil, além de não ter apresentado qualquer con‑
trato para a prestação de serviços pela DNA relacionado à verba proveniente da
Visanet, a Perícia recebeu o relatório de Auditoria Interna do Banco, que afirma,
no item 5.25.2, inexistir formalização de instrumento, ajuste ou equivalente para
disciplinar as destinações dadas aos recursos adiantados a agências de publicidade.
(...)
40. Considerados os contratos entre o BB e a DNA e as movimentações finan‑
ceiras na conta corrente da DNA, foi constatado que, para executar despesas de pu‑
blicidade, deveria haver prévia aprovação de campanha de publicitária, da execução
dos serviços, a confirmação da execução e o posterior pagamento de cada um dos
fornecedores em créditos específicos na conta corrente da agência de publicidade.
41. Quanto aos recursos do Fundo de Incentivo, contatou-se que os valores
faturados pela DNA contra a Visanet eram aprovados de maneira global, sem aná‑
lise prévia das despesas, sem a confirmação de execução dos serviços e com ante‑
cipação dos recursos.
42. Esses valores eram depositados nas contas 601999-4 ou 602000-3 da
DNA, no Banco do Brasil. Em seguida, eram transferidos, no todo, ou em parte,
para fundos de investimentos BB, vinculados às contas 602000-3 ou 603000-9. Do‑
cumentos da DNA explicam o funcionamento dessas contas e suas exclusividades
para movimentação de recursos do Fundo, Anexo I, fls. 002 a 04.
43. Após autorização formal do BB, mediante Nota Técnica, para pagamento
a prestadores de serviços, a DNA transferia recursos da conta 602000-3 para contra
601999-4 e a partir desta, mediante cheque, TED ou saques em espécie, eram efe‑
tuados os pagamentos aos fornecedores.
(...)
212. A utilização dos recursos se deu em total desacordo com os regulamentos
do Fundo, principalmente em decorrência dos adiantamentos. Agrava-se ainda que,
conforme exposto na resposta ao quesito anterior, a documentação encaminhada
não permite concluir acerca da efetiva prestação dos serviços após a concessão dos
adiantamentos. [Fls. 89, 90 e 118, Apenso 142, Laudo Pericial 2.828/2006-INC.]
88. Além da inexistência do imprescindível instrumento contratual a per‑
mitir a análise das obrigações assumidas pelas partes, outra prova inegável da
ocorrência do crime de peculato é a não comprovação, pela DNA Propaganda,
da prestação dos serviços de marketing que teriam justificado o recebimento dos
mais de R$ 70.000.000,00 pela agência de publicidade:
44. Durante os exames verificou-se que muitos projetos ou campanhas publicitárias para o Banco do Brasil, vinculados à verbas do Fundo de Incentivo,
não apresentavam documentos que permitissem comprovar que a DNA realizou os
respectivos serviços. Em determinados casos, a DNA somente executou serviços de
pagamentos de faturas apresentadas pelo Banco do Brasil, tais como Unesco, BB‑
tur, Casa Tom Brasil, Paço Alfândega, Lowe Ltda., dentre outros.
R.T.J. — 225
1039
(...)
210. A partir das análises, conclui-se que os documentos apresentados são
insuficientes para atestarem a efetiva prestação do serviço, principalmente por
não apresentarem descrição detalhada do serviço prestado e, em muitos casos, não
constarem nenhuma referência à Visanet ou aos cartões da bandeira Visa. [Fls. 90 e
118, Apenso 142, Laudo 2.828/2006-INC – Grifos nossos.]
89. Em 2003, especificamente, a inexistência de prestação dos serviços foi
confirmada também pela testemunha Danévita Ferreira Magalhães:
que, no ano de 2003, lhe foi apresentado o plano de mídia da campanha do Banco
do Brasil/Visa Electron para verificar e análise para posterior pagamento; que cabia à
declarante atestar que a campanha havia sido realmente veiculada para poder autorizar
o pagamento aos veículos; que, entretanto, o “dinheiro” já havia sido transferido para
a DNA Propaganda, sendo que o plano de mídia Banco do Brasil/Visa Electron apresentado iria apenas regularizar e simular a prestação do serviço de publicidade; que,
entretanto, esta campanha no valor aproximado de 60 milhões de fato nunca havia
sido veiculada; que o próprio diretor de mídia da agência DNA Propaganda Fernando
Braga afirmou para a declarante que esta campanha do Banco do Brasil/Visa Electron
não tinha nem iria ser veiculada; que cabia à agência DNA Propaganda apresentar as
notas fiscais relativas aos gastos de veiculação da referida campanha; que acredita que
as notas fiscais frias emitidas pela DNA Propaganda e que estavam sendo destruída,
conforme notícia da imprensa, foram elaboradas para justificar esta campanha de 2003,
outras campanhas que nunca foram veiculadas; que, a partir da sua recusa em assinar
o plano de mídia do Banco do Brasil/Visa Electron do ano de 2003, bem como outros
documentos que poderiam lhe comprometer, percebeu que iria ser demitida; que foi co‑
municada por Roberto Messias, à época gerente de mídia do Banco, que seria demitida,
tendo o mesmo, inclusive, lhe proposto dinheiro para pedir demissão voluntária do nú‑
cleo de mídia do Banco do Brasil; que não aceitou qualquer pagamento, a não ser seus
direitos trabalhistas (...). [Fl. 19160, confirmado às fls. 20117-20118 – Grifos nossos.]
90. A corroborar aquelas outras provas se tem, ainda, a constatação pela
auditoria interna de terem sido antecipados pagamentos à DNA Propaganda
mesmo quando o Banco do Brasil tinha créditos a receber da agência:
6.4.17. Entre julho e setembro de 2003, foi realizado processo licitatório
para contratação de agências de publicidade, sendo que a DNA Propaganda Ltda.
foi uma das três vencedoras do certame. Nesse período, considerando-se como re‑
ferência a data e o valor das Notas Técnicas que autorizaram a realização de ações
de incentivo por conta dos recursos antecipados à DNA, o Banco era credor junto
àquela Agência dos seguintes montantes aproximados: (a) julho/2003, R$ 15.748
mil: início dos procedimentos licitatórios; (b) agosto/2003, R$ 11.266 mil: abertura
dos envelopes; e (c) setembro/2003, R$ 6.736 mil: assinatura do contrato. [Fl. 5231,
Relatório de Auditoria Interna.]
91. Os repasses de recursos para a DNA Propaganda visavam o proveito de
Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz que foram sócios, também,
da Graffiti Participações Ltda., empresa integrante da DNA Propaganda.
1040
R.T.J. — 225
92. Em 11 de fevereiro de 1999, data da 10ª alteração contratual da Graffiti
Participações, Marcos Valério transferiu suas cotas para a esposa, Renilda Maria
Santiago Fernandes de Souza, admitindo, contudo, tê-lo feito apenas formal‑
mente para “evitar prejuízo das empresas das quais fazia parte”:
que no ano de 1999, o Dr. Clésio Andrade moveu uma ação de cobrança
em face do declarante, quando pleiteava o pagamento de aproximadamente seis
milhões de reais; que para evitar prejuízo para as empresas da quais fazia parte
resolveu substituir seu nome nos contratos sociais pelo de sua esposa; que, assim,
Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza assumiu as participações nas empre‑
sas Graffiti e SMP&B Comunicação (...). [Fls.1200-1201, confirmado à fl.16350.]
93. Em 26-2-2004, Cristiano Paz também deixou o quadro societário da
Graffiti Participações Ltda. (11ª alteração contratual juntada nas alegações finais
de Cristiano Paz).
Na prática, entretanto, independente do quadro societário da SMP&B
Comunicação, DNA Propaganda e Graffiti Participações Ltda., Marcos Valério,
Cristiano Paz e Ramon Hollerbach sempre se beneficiavam dos milhões de reais
obtidos ilicitamente pelas empresas.
94. Também faz prova deste quadro delituoso a destinação dada ao dinheiro
recebido do Fundo de Incentivo Visanet. Parte do montante serviu para garantir o
pagamento de empréstimo realizado pela DNA Propaganda em benefício da SMP&B
Comunicação, outra foi utilizada para distribuição de lucros da Graffiti Participações, ou seja, em proveito direto de Marcos Valério e Ramon Hollerbach, enquanto
outra foi transferida para uma conta pessoal de Cristiano Paz no Banco Rural.
Nesse sentido as conclusões do Laudo Pericial 2.828/2006-INC:
91. Do total recebido de R$ 23.300.000,00, em 19-5-2003, a importância de
R$ 23.211.000,00 foi destinada à aplicação financeira, “BB Fix Corporativo” e,
posteriormente, serviu como garantia de empréstimo, de R$ 9.700.000,00, firmado
entre a DNA Propaganda Ltda. e o BB, em 21-5-2003.
92. Em 22-5-2003, a conta 602000-3 da DNA foi creditada em R$ 9.700.00,00
oriundos desse empréstimo. Dessa conta, foi repassado para a conta 601999-4, tam‑
bém da DNA, o valor de R$ 9.698.000,00, que por sua vez, foi transferido para a
conta 06.002595-2, agência 009, Banco Rural, de titularidade da SMP&B.
93. Ainda nessa data, da conta 06.002595-2, foram transferidos R$ 9.701.000,00
para conta 9800113, agência 009, do Banco Rural, cujo saldo devedor era de
R$ 9.9444.154,99.
94. A conta 98001133 é uma conta garantida com limite de R$ 10.000.000,00,
aberta em 11-2-2003. Durante o período dessa data até 22-5-2003 foi utilizada
como fonte de recursos para pagamentos diversos.
95. Em 26-5-2003, a SMP&B recebeu na conta 06.002595-2 o valor de
R$ 18.929.111,00, do Banco Rural, a título de empréstimos. A partir dessa conta, foi
efetuada transferência de R$ 9.764.068,00 para a DNA, que utilizou os recursos para
pagamento do empréstimo de R$ 9.700.000,00 contraído junto ao Banco do Brasil.
96. Em síntese, pode-se afirmar que o empréstimo contraído pela DNA foi
repassado à SMPB para cobrir saldo negativo da conta garantida n. 098.0011333.
R.T.J. — 225
1041
A partir da liberação do empréstimo do Banco Rural para SMPB, esta efetuou o pagamento do valor recebido da DNA, que por sua vez quitou o empréstimo no Banco
do Brasil. Assim, cabe informar que a análise da movimentação financeira da conta
garantida será tratada em laudo específico.
97. Além disso, consta da planilha que, do montante de R$ 23.300.000,00, a
DNA apropriou-se da quantia de R$ 1.650.000,00, a título de distribuição de lucros,
o que corresponde a um percentual de aproximadamente 7%, sem considerar o ren‑
dimento das aplicações financeiras ao longo do período de pagamentos.
98. Cabe ressaltar que, a despeito das distribuições de lucros descritas nas planilhas
de prestação de contas apresentadas, os Peritos encontraram divergências entre o que foi
registrado na contabilidade reprocessada e a real movimentação financeira ocorrida na
conta corrente. A seguir, foi elaborado o Quadro 09, a fim de evidenciá-las, a saber:
Data
Valor
Contabilidade
Reprocessada
A
7-10-2003
400.000,00
Aplicação Financeira
Não Consta
B
21-10-2003
150.000,00
Distribuição de lucro
para Graffiti
Não Consta
C
19-11-2003
150.000,00
Distribuição de lucro
para Graffiti em
20-11-2003
Não Consta
D
22-12-2003
150.000,00
Distribuição de lucro
para Graffiti em
23-12-2003
Não Consta
E
6-1-2004
100.000,00
Distribuição de lucro
para Graffiti em
28-1-2004
Não Consta
F
10-2-2004
50.000,00
Adiantamento
fornecedores
Não Consta
G
20-2-2004
150.000,00
Empréstimo mútuo para
Graffiti no valor de
R$ 170.000,00
Não Consta
50.000,00
Distribuição de lucro
para Graffiti em 10-32004 – Renilda/Marcos
Valério
R$ 50.000,00
Não Consta
Item
H
5-3-2004
Contabilidade
Original
1042
R.T.J. — 225
I
26-3-2004
150.000,00
Distribuição de lucro
para Graffiti em 25-032004 – Renilda/Marcos
Valério no valor de
R$ 400.000,00
J
19-4-2004
150.000,00
Empréstimo mútuo para
Graffiti
Não Consta
K
18-5-2004
150.000,00
Adiantamento a
fornecedores
Não Consta
Total
Não Consta
1.650.000,00
99. Quanto ao item “A”, de 7-10-2003, a DNA efetuou resgate de aplicação “BB
Fix” no valor de R$ 401.520,00 e transferiu o valor integral para a conta 603000-9.
Tal valor corresponde a R$ 400.000,00 acrescidos de CPMF. Em 8-10-2003, transferiu
diretamente da conta 603000-9 do BB para o Banco Rural, R$ 364.357,00. Ocorre que,
no dia seguinte, Marcos Valério realiza saque na Agência Avenida Paulista, no valor
de R$ 364.356,55, por meio do cheque 413165. O saque foi contabilmente identificado
como suprimento de caixa, situação distinta da distribuição de lucros.
100. Em relação ao “B”, de 21-10-2003, a DNA efetuou novo resgate no va‑
lor de R$ 1.822.216,00 e transferiu R$ 150.000,00, diretamente da conta 602000-3,
para a conta 06.002241-4 no Banco Rural. O restante, R$ 1.731.646,00, foi trans‑
ferido para a conta 601999-4. Nesse dia, R$ 150.000,00 foram sacados por Marcos
Valério, no Banco Rural, agência Avenida Paulista, cheque 413166.
(...)
114. Do montante repassado de R$ 44.097.024,75, a DNA apropriou-se da
quantia de R$ 4.771.900,00, a título de distribuição de lucros, o que corresponde a
um percentual de mais de 10%, sem considerar o rendimento das aplicações finan‑
ceiras ao longo do período de pagamentos. Ressalte-se que esses valores tiveram
destinação distintas (...).
115. Quanto ao item “A”, de 16-4-2004, verificou-se que não houve efetiva
distribuição de lucros do valor total, pois a DNA efetuou resgate de fundo DI, de
R$ 1.204.560,00, correspondente à suposta quantia destinada à distribuição de
lucros acrescida de CPMF, e, na data, reaplicou R$ 1.046.706,00 em “BB Fix”, e
o restante, R$ 153.861,46, foi transferido para a conta 601999-4. Nessa conta, foi
verificada transferência no valor de R$ 150.000,00 para a conta 34524202, agência
016 do Bank Boston, de titularidade de Renilda Maria Soares Fernandes de Souza.
116. A análise documental permitiu identificar que, anterior a esse evento de
abril, houve outro resgate de aplicação da conta 602000-3, em 24-3-2004, no valor
de R$ 1.204.560,00, e transferido para a conta 601999-4, a partir da qual foram
efetuados saques totalizando R$ 1.200.000,00, que em parte beneficiaram pessoas
vinculadas à empresa, a saber:
a) R$ 400.000,00, em favor da conta corrente 34524202, agência 016
do Bank Boston, de titularidade de Renilda Maria Soares Fernandes de Souza.
Na contabilidade reprocessada o valor foi contabilizado como distribuição de lucros – Graffiti Renilda/Marcos Valério;
R.T.J. — 225
1043
b) R$ 200.000,00, em favor da conta 24627, agência 643, no Banco do Brasil, de
titularidade da 2S Participações Ltda., também contabilizado como distribuição e lucros;
c) R$ 200.000,00, transferidos em 25-3-2004, em favor da conta 88004087-6,
agência 009, no Banco Rural, de titularidade de Cristiano Mello Paz;
d) R$ 400.000,00 transferidos em 25-3-2004, em favor da conta 119343,
agência 159 do Banco 409, de titularidade da empresa RSC Editora e Produções
Promocionais Ltda., CNPJ 68.626.167/001-04. [Fls. 99-103 – Grifos nossos.]
95. As estreitas relações financeiras – quase mesmo inextrincáveis – exis‑
tentes entre a DNA Propaganda e a SMP&B Comunicação foram reafirmadas
por Ramon Hollerbach.
Em seu interrogatório judicial, ele confirma ter sido apresentada, para
garantia de um empréstimo tomado pela SMP&B Comunicação em favor do Par‑
tido dos Trabalhadores, uma carta de direitos creditórios da DNA Propaganda:
(...) questionado se tinha ciência do empréstimos tomado pela SMP&B junto
ao Banco Rural, respondeu positivamente, afirmando que Marcos Valério informou
ao interrogando e a Cristiano que havia uma demanda do PT relacionada à possibilidade de um empréstimo junto ao Banco Rural que poderia ser feito através
da SMP&B; diz que o interesse da SMP&B em participar de tal intermediação
adviria da possibilidade de realizar algumas das futuras campanhas eleitorais do
PT em 2006; neste contexto, concordaram os três sócios, portanto, na realização
da avença; diz que os três sócios figuraram como avalistas do referido empréstimo e, ainda, havia como garantia uma carta de direitos creditórios referente ao
contrato de publicidade realizado, por sua vez, entre a DNA e O Banco do Brasil;
[Fl. 16518 – Grifos nossos.]
96. Em outro item deste voto, na análise das imputações de gestão frau‑
dulenta, verifica-se que empréstimos simulados no Banco Rural para repasse de
dinheiro ao Partido dos Trabalhadores foram obtidos pela SMP&B Comunicação
com a aquiescência de Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, con‑
forme por eles expressamente admitido.
Não há como sequer se aceitar, portanto, pelo que comprovado nos autos, que
Cristiano Paz e Ramon Hollerbach desconhecessem os milionários empréstimos
realizados pela SMP&B ou não tivessem aquiescido quanto às práticas, quando
não as tenham executado diretamente. A partir daquelas condutas é que se obtive‑
ram recursos para a DNA Propaganda, que, identicamente, beneficiava cada qual
e todos eles na obtenção de recursos para repasse ao Partido dos Trabalhadores.
Causa especial de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal
97. O § 2º do art. 327 do Código Penal estabelece que “a pena será aumen‑
tada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem
ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de
órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou
fundação instituída pelo poder público”.
1044
R.T.J. — 225
O Banco do Brasil é “pessoa jurídica de direito privado, sociedade anônima
aberta, de economia mista, organizado sob a forma de banco múltiplo” (art. 1º do
Estatuto Social do Banco do Brasil), que compõe a administração pública indireta.
98. Ao comentar o § 2º do art. 327 do Código Penal, Luiz Regis Prado
afirma ser aplicável a causa de aumento da pena àqueles que cometem crimes
contra a administração pública como diretores de sociedade de economia mista,
tal como se deu no caso analisado:
O § 2º do art. 327 foi introduzido pela Lei 6.799/1980 e constitui majorante
a ser aplicada a qualquer um dos crimes descritos no presente capítulo, quando pra‑
ticado por agente detentor de cargo em comissão ou função de direção ou assesso‑
ramento de órgão da Administração direta, sociedade de economia mista, empresa
pública ou fundação instituída pelo poder público.
(...) Os cargos em comissão são aqueles destinados às funções de confiança, exer‑
cidas geralmente por superiores hierárquicos. A função de direção é ínsita à diretoria de
empresa, órgão executivo da sociedade, e que é composta de dois ou mais diretores, en‑
carregados das deliberações do conselho de administração. Função de assessoramento
é aquela desempenhada por técnicos contratados para auxiliar a diretoria das empresas
nominadas, tratando-se, normalmente, de função de confiança. [PRADO, Luiz Regis.
Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista do Tribunais, 2010. v. 3, p. 498.]
99. É de se reconhecer, pois, que na condição de diretor de comunicação
e marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato exercia função de direção
em sociedade de economia mista, pelo que deve a pena ser majorada em um
terço, na forma prevista no § 2º do art. 327 do Código Penal.
Continuidade delitiva
100. O art. 71 do Código Penal estabelece:
Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de exe‑
cução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação
do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave,
se diversas, aumentada, em qualquer caso, de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços).
Pela previsão legal, portanto, a continuidade delitiva reclama pluralidade
de condutas e prática de dois ou mais crimes da mesma espécie.
Ressalta a doutrina ser imprescindível que a esses dois elementos “se acres‑
cente a realidade de um nexo de causalidade que pode ser aferido pelas condições
de tempo, de lugar de maneira de execução e de outras semelhantes. A confirma‑
ção de que tais condições se fizeram presentes permite a conclusão da realidade
do nexo de continuidade ou, dito de forma diversa, que as ações ou omissões
criminosas devem ser havidas como subsequentes da primeira ação ou omissão
empreendida” (FRANCO, Alberto Silva. Das penas. Título V, arts. 32 a 99, p. 396.
In: FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007).
R.T.J. — 225
1045
101. Os quatro crimes de peculato correspondentes às quatro transferências
realizadas em 2003 e 2004, assim como aquele relativo aos valores recebidos
como bônus de volume pela DNA Propaganda, foram praticados nas mesmas con‑
dições de tempo, lugar e maneira de execução, devendo os subsequentes ser havi‑
dos como continuação do primeiro, como previsto no art. 71 do Código Penal.
Voto, pois, pela configuração de continuidade delitiva para os fins de
fixação da pena relativa aos crimes de peculato comprovados neste item.
Luiz Gushiken
102. Quanto à imputação da prática do crime de peculato a Luiz Gushiken,
não há nos autos prova de ter ele concorrido para a prática do crime de peculato
que lhe foi imputado.
Ao ser questionado sobre as afirmações constantes do seu depoimento na
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, Henrique Pizzolato negou qualquer
participação do então ministro Gushiken no crime:
JF Marcelo Granado: Vou ler o trecho que consta na denúncia, extraído do seu
depoimento na CPMI dos Correios. Começa aqui: (Lê)
O senhor Cezar Borges, pelo PFL da Bahia – aqui é um diálogo, uma
inquirição – Mais adiante entra o Deputado Eduardo Paes, pelo PSDB, do Rio
de Janeiro. Vou ler basicamente só os diálogos, sem mencionar os interlocuto‑
res, para ficar mais dinâmico. Começa com a pergunta que foi feita ao senhor:
“Mas o Ministro Gushiken sempre disse: assine o que é preciso assinar”.
O senhor responde: sim, senhor.
No caso dessa nota específica ele disse: “assina porque não há nenhum
problema. Isso é bom. O Banco. Então ele lhe falou desse respaldo de res‑
ponsabilidade que o senhor deveria assinar inclusive aquilo que autorizava o
adiantamento da DNA?” – dirigindo-se ao senhor.
O senhor teria respondido: “olha, entendi aquilo como uma ordem.
Eu não iria me confrontar ao Ministro”.
De onde saiu essa coisa dessa ameaça, do seu receio, lembrar do Ministro,
lembrar da expressão “assine o que dever ser assinado”.
Acusado sr. Henrique Pizzolato: A interpretação quem fala em adiantamento
não sou eu. Quem fala em adiantamento é o Senador. O que eu relatei foi o que o
Ministro disse: “não há nada de equivocado nisso”. O Ministro concordou com a in‑
terpretação do Banco. Que não existia nada errado com o fato de eu assinar. Era bom.
Por que? Porque o Banco do Brasil apareceria mais, com recursos que não eram do
orçamento do Banco do Brasil. O Banco do Brasil ia fazer mais propaganda.
JF Marcello Granado: O senhor disse nesse trecho que eu li: “olha entendi
aquilo como uma ordem. Eu não iria me confrontar com o Ministro”. O senhor con‑
firma isso: Quer dizer, reafirma, melhor dizendo?
Acusado sr. Henrique Pizzolato: Não, senhor.
JF Marcello Granado: É meio complicado, porque isso está nos registros da CPMI.
Acusado sr. Henrique Pizzolato: Eu não confirmo. Eu lhe disse que havia um
clima de ameaça, humilhação. O senhor pode ver pelos diálogos intercalados como
isso se dava. [Fls. 15976-15977.]
1046
R.T.J. — 225
O Ministério Público não apresentou qualquer prova da acusação feita a
Luiz Gushiken.
103. Pelo exposto, julgo procedente a pretensão punitiva em relação à
prática do crime de peculato, em continuidade delitiva, por Henrique Pizzolato, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e
Cristiano de Mello Paz.
104. Absolvo Luiz Gushiken da acusação do crime de peculato, com
fundamento no inciso V do art. 386 do Código de Processo Penal, pela inexistência de prova de ter praticado ou concorrido para a prática de conduta
tida como delituosa.
Corrupção passiva
105. O Ministério Público afirma que, “em razão da liberação dos recursos
do Banco do Brasil à DNA Propaganda (repassado pela Visanet) e de outros atos
administrativos irregulares praticados no exercício do cargo de diretor de marke‑
ting do Banco do Brasil em benefício da DNA Propaganda, Henrique Pizzolato
recebeu vantagem indevida de Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Holler‑
bach, consistente no valor e R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e seis mil, seiscen‑
tos e sessenta reais e sessenta e sete centavos)” (fl. 45267, alegações finais).
Ao comentar o tema da corrupção, Luiz Regis Prado anota:
A origem do vocábulo “corrupção” encontra-se ligada à ideia de degradação,
deterioração, menosprezo, seja natural, seja valorativo. Neste último aspecto, costuma
estar relacionada ao menosprezo a integridade moral ou a dignidade da pessoa humana
(v.g., a corrupção de menores). Na órbita da função pública, “corrupto” é o agente que
faz uso de sua função para atender finalidade distinta da do interesse público, movido
pelo objetivo de alcançar vantagem pessoal. Também aqui, portanto, o funcionário cor‑
rupto “degrada” ou “deteriora” a autoridade de que foi investido, em proveito próprio.
A venalidade é um mal que circunda a Administração Pública desde a Anti‑
guidade, fruto da avidez, do apego ao poder, do protecionismo dos apaniguados, das
sinecuras e do afrouxamento dos deveres cívicos por parte daqueles que detêm par‑
cela do poder estatal, estimulados pelos corruptores, que enfocam o Estado como
mero instrumento colocado a serviço dos seus interesses pessoais.
(...) É oportuno indagar aqui por que a corrupção, que tem sido uma cons‑
tante no cenário político desde o surgimento do liberalismo, suscita atualmente uma
maior preocupação no que diz respeito à sua repressão. Duas razões parecem jus‑
tificar essa preocupação: por um lado, as profundas transformações sofridas pelos
modernos sistemas democráticos com o surgimento dos grandes partidos políticos
(e suas consequentes necessidades financeiras); a interiorização dos valores rela‑
cionados ao governo popular; o crescimento dos meios de comunicação etc.; e, por
outro lado, a transformação da posição dos poderes públicos nas formas de produ‑
ção, que ampliou as possibilidades de os governantes utilizarem sua autoridade para
obter vantagens econômicas pessoais. Tem-se, assim, que as formas tradicionais de
combate à corrupção tornaram-se antiquadas diante dessa nova ordem de fatores.
São quatro as principais formas de repressão e controle da corrupção: o procedi‑
mento legislativo; o controle da Administração na execução das leis; o controle judicial e
R.T.J. — 225
1047
a transparência e a responsabilidade dos próprios governantes. Na atualidade, esta última
forma de combate à corrupção é a que tem apresentado as mais graves disfunções. A res‑
ponsabilidade dos governantes implica, essencialmente, a obrigação de responder, isto
é, o dever inerente a todo agente público de prestar contas de sua atuação no exercício
do cargo. Essa obrigação figura não apenas no âmbito político como também na esfera
jurídico-penal. A submissão dos governantes à lei penal é uma exigência do constitu‑
cionalismo democrático, que implica a obediência do poder ao direito e a igualdade de
todos perante a lei. [PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 6. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 3: Parte especial, arts. 250 a 359-H, p. 435 e 439.]
A assertiva do autor tem sido repetida por todos, como uma constante das
estruturas atuais. Entretanto, a advertência quanto aos males da corrupção pode
ser lida nas páginas da Bíblia:
(...) estabelecerás juízes e magistrados em todas as cidades que o Senhor,
teu Deus, te tiver dado, em cada uma das tuas tribos, para que julguem o povo com
equidade. Não farás vergar a Justiça, não farás distinção de pessoas e não aceitarás
presentes corruptores, pois a corrupção cega os olhos dos sábios e perverte a causa
do inocente. [Dt. 16, 18-19.]
106. O crime de corrupção passiva, tipificado no art. 317 do Código Penal,
exige “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que
fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou acei‑
tar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”.
O tipo penal objetiva proteger o funcionamento ético da administração
pública, acentuando Luiz Regis Prado ser
(...) interessante frisar que a corrupção representa uma agressão ao próprio
funcionamento do Estado de Direto democrático. Atinge tanto o prestígio da Adminis‑
tração Pública ante os administradores como o dever da Administração de servir com
objetividade aos interesses gerais, segundo exigência da Constituição Federal, que
destaca a probidade e a impessoalidade como dever de todos aqueles que exercem fun‑
ções pública, além da eficiência inerente à prestação do serviço público (art. 37, caput).
Assim, ao se deixar corromper, o funcionário atenta particularmente contra o
desempenho impessoal da atividade pública, pois nos casos em que executa ato próprio
de seu cargo em troca de retribuição, coloca-se numa posição parcial em relação ao par‑
ticular que lhe deu ou prometeu a vantagem. A corrupção é marcada pelo subjetivismo
do funcionário, que dá lugar à perda da objetividade na tomada de decisões administra‑
tivas, favorecendo a obtenção de vantagens pessoais, em detrimento do interesse geral.
Nesse sentido, o ato de corrupção pode ser visualizado como uma confusão
de interesses, ou melhor, uma interposição de interesses privados de natureza eco‑
nômica (do funcionário público e de um terceiro) sobre o interesse público, que
gera o enriquecimento pessoal do agente público corrupto e de uma ou várias outras
pessoas por meio da apropriação ou desvio ilícitos de dinheiro público para patri‑
mônios privados. Essa interposição de interesses privados sobre o interesse público
foi conformando uma “economia de transgressão”, que se vale de instrumentos ou
de instituições jurídico-privadas para a prática de delitos contra a Administração Pú‑
blica (v.g., por meio da criação de pessoas jurídicas fictícias ou compostas de sócios
e administradores testas-de-ferro) ou para o desvio ou encobrimento da vantagem
1048
R.T.J. — 225
ilícita recebida pelo agente com esses delitos (lavagem de dinheiro). Ou seja, o Di‑
reito privado adquire aqui um sentido eminentemente instrumental; o de permitir
aos corruptos revestir suas condutas, ou os efeitos delas decorrentes, da aparência da
legalidade. [PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. v. 3: Parte especial, arts. 250 a 359-H, p. 439 e 440.]
Para se configurar o tipo objetivo da corrupção passiva, a vantagem inde‑
vida solicitada, recebida ou aceita há de ser contrária às normas jurídicas, exi‑
gindo-se o elemento subjetivo, qual seja, o dolo específico.
107. Na instrução do presente processo, comprovou-se que Luiz Eduardo
Ferreira da Silva sacou, no Rio de Janeiro/RJ, na Agência Centro do Banco Rural,
R$ 326.660,67, provenientes do desconto de cheque emitido pela DNA Propaganda.
O saque foi autorizado pela Agência Assembleia do Banco Rural, de Belo
Horizonte/MG, por fax datado de 14-1-2004, no qual se contém:
Assunto: Saque
Autorizamos ao sr. Luiz Eduardo Ferreira da Silva CI 06806585-3 a receber
a quantia de R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e seis mil e seiscentos e sessenta reais
e sessenta e sete centavos), ref. ao cheque 413170 da Empresa DNA Propaganda
Ltda., que se encontra em nosso poder.
Favor colher assinatura. [Fl. 153, Apenso 5.]
Luiz Eduardo Ferreira da Silva confirmou ter ido à agência do Banco Rural
no Rio de Janeiro/RJ por ordem de Henrique Pizzolato, que lhe transmitiu o
endereço e o nome da pessoa a ser procurada para “recebimento da encomenda”,
tendo-se assim, inegável e objetivo indício da ocorrência do crime, que, somado
a outros elementos dos autos, formam prova consistente da prática delituosa:
que é mensageiro da empresa Conservadora Itatuité, firma que presta serviços
para a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil – PREVI; que
trabalha como mensageiro há quase 20 anos; que conhece o Sr. Henrique Pizzolato
desde 1998/1999, quando o réu foi nomeado diretor da Previ; que num certo dia
recebeu uma ligação de uma das secretárias da diretoria da Previ; que a diretoria
da Previ é atendida por um pool de secretária; que apesar de existir também uma
secretária específica para cada membro da diretoria, o depoente não sabe se essa
ligação foi realizada por tal pessoa ou por algumas das secretárias que atendem a
toda diretoria; que a secretária lhe transferiu um ligação do Sr. Henrique Pizzolato;
que nesta ligação, Henrique Pizzolato pediu ao depoente que fosse a um determinado endereço e lá procurasse uma dada pessoa, cujo nome não se recorda, que lhe
entregaria uma encomenda; que em nenhum momento Henrique Pizzolato pediu
que o depoente tivesse especial cuidado com o transporte da encomenda, nem lhe
disse qual era o objeto a ser transportado, tampouco exigiu que esse serviço fosse
prestado por um meio de transporte específico; que o único pedido foi para que o
depoente deixasse a encomenda na residência de Henrique Pizzolato; que o depoente pediu a um motorista que também presta serviço à Previ, que geralmente faz
serviço de entrega de malotes no centro da cidade, que lhe desse carona para ir e
voltar do endereço fornecido por Henrique Pizzolato; que quando chegou em tal
endereço percebeu que era o Banco Rural; que o depoente não foi acompanhado de
R.T.J. — 225
1049
mais ninguém; que ao chegar ao local indicado procurou a pessoa indicada por Hen‑
rique Pizzolato, que o atendeu em um setor onde não existe atendimento ao público;
que não se lembra do nome do funcionário do Banco Rural que o atendeu, e também
não se lembra do nome do setor onde foi recebido; que se recorda de ter sido aten‑
dido por uma pessoa branca e de estatura média de aproximadamente 30 anos; que
o atendimento foi muito rápido; que o funcionário do banco colocou dois envelopes
de papel pardo lacrados, tamanho A4, em cima da mesa, e pediu ao depoente que
assinasse um recibo; que o depoente não consegui ler todo o conteúdo desse papel
que lhe foi apresentado para assinatura, porém conseguiu identificar que realmente
era um recibo; que por isso não sabe dizer o que tal documento mencionava como
objeto recebido nem fazia alusão a algum valor que poderia estar sendo entregue na‑
quele momento; que o funcionário do Banco Rural disse apenas que era um recibo
de estar recebendo dois pacotes; que o depoente não perguntou qual era o conteúdo
dos dois pacotes; que o funcionário ainda solicitou ao depoente que fornecesse sua
identidade e tirou uma cópia desse documento pessoal; que não achou esse procedi‑
mento estranho; que, de posse dos dois embrulhos, dirigiu-se par a porta do banco
onde aguardou o motorista José Claúdio; que então se dirigiram para a residência
de Henrique Pizzolato na rua República do Peru, no bairro de Copacabana; que
chegando na residência de Henrique Pizzolato foi o mesmo que quem o recepcionou na porta do apartamento; que Henrique Pizzolato não abriu os envelopes na
presença do depoente, nem lhe disse qual era o conteúdo; que após entregar os embrulhos retornou para a Previ, onde voltou a trabalhar; [Fls. 17862-17863.]
108. Henrique Pizzolato confirma ter enviado o mensageiro Luiz Eduardo
para buscar “um documento” no Banco Rural após ter recebido um telefonema
de pessoa que se identificou como secretária de Marcos Valério.
Alega, entretanto, não saber dizer o conteúdo do envelope, tendo repassado
“a encomenda” a alguém enviado pelo Partido dos Trabalhadores, cujos dados
não pode fornecer por não saber de quem se trata:
JF Marcelo Granado: (...) O senhor podia me contar a sua versão desse episódio?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Sim, senhor. Eu estava no Rio de Janeiro
para a reunião do Conselho Deliberativo de Administração da Previ a que eu presi‑
dia. Eu preparava a reunião com meio dia de antecedência em função da minha con‑
dição de Presidente. Recebi um telefonema da secretária do Dr. Marcos Valério me
solicitando se eu poderia prestar um favor ao Dr. Marcos Valério de ir ao Centro da
Cidade em um endereço que ela determinou para buscar, apanhar uns documentos
que o Dr. Marcos Valério tinha para o PT.
JF Marcello Granado: Isso foi aproximadamente em...
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Isso foi em janeiro de 2004.
JF Marcello Granado: Quem era essa secretária do Senhor Marcos Valério?
O senhor se recorda do nome?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Não conheci nenhuma secretária. Nunca
estive em escritório do Dr. Marcos Valério.
JF Marcello Granado: Nessa época, então, ligou uma pessoa se dizendo secretária?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Disse que era secretária do Dr. Marcos Valé‑
rio. Eu conhecia o Dr. Marcos Valério porque, quando assumi a Diretoria de Marke‑
ting e Comunicação do Banco do Brasil, o Dr. Marcos Valério veio e se apresentou,
como os Presidentes das demais agências...
1050
R.T.J. — 225
JF Marcello Granado: Essa pessoa ligou para onde? Para a sede da Previ?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Não. Ligou para o meu telefone. Eu estava em casa.
JF Marcello Granado: Para o seu telefone residencial?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Não, meu telefone celular, corporativo.
JF Marcello Granado: Corporativo da Previ?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Não sei se era da Previ ou do Banco. Não
tenho essa informação...
JF Marcello Granado: Havia identificador no telefone?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Havia bina, apareceu o “031”. Eu não tinha
os telefones catalogados.
JF Marcello Granado: Pois não.
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Essa pessoa me fez o pedido se eu poderia
fazer a gentileza ao Dr. Marcos Valério. Eu lhe respondi que, no dia, estava atare‑
fado, que eu já tinha a minha agenda totalmente tomada e que não poderia atendê‑
-lo, mas que, no dia seguinte, eu teria uma reunião próxima ao Centro e que, então,
terminada a reunião, eu poderia fazer o favor a ele.
JF Marcello Granado: O favor era...
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Ir até o Centro, num endereço, apanhar os –
documentos que o Dr. Marcos Valério queria que entregasse ao PT.
JF Marcello Granado: Ir até o Centro, mas onde?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Ela deu o endereço. Eu não tenho de me‑
mória o endereço.
JF Marcello Granado: Não estou perguntando evidentemente o endereço.
Nada disso. Estou perguntando em que entidade, em que empresa, em que órgão...
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Ela citou o endereço e acredito que era es‑
critório. Ela falou, mas não tenho essa recordação. Ela citou o endereço e o nome
de uma pessoa...
JF Marcello Granado: Que o senhor não conhecia...
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: E eu não entrei mais em detalhe. Eu não co‑
nhecia. Eu estava atento ao meu trabalho e disse a ela que não poderia fazer naquele
dia porque tinha...
JF Marcello Granado: O senhor era o Presidente da Previ na época, não?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Do Conselho da Previ.
JF Marcello Granado: Do Conselho de Administração?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Conselho Deliberativo.
JF Marcello Granado: Certo.
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: E disse a ela que, naquele dia, a minha
agenda já estava totalmente ocupada, que não poderia, mas, no dia seguinte, poderia
após o compromisso.
JF Marcello Granado: Certo.
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Ela me respondeu que havia uma certa
urgência porque os documentos deveriam ser entregues ao PT naquele mesmo dia
até o final do dia. Eu, então, lhe perguntei se havia obrigatoriedade que fosse eu
pessoalmente ou se eu poderia mandar outra pessoa. Ela disse que sim desde que
os documentos fossem entregues até o final do dia ao PT.
JF Marcello Granado: Poderia mandar outra pessoa?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Poderia mandar outra pessoa. Eu falei, en‑
tão, que iria procurar uma outra pessoa. Liguei para a secretária do Conselho da
Previ, solicitei se havia um contínuo, que prestava serviços.
R.T.J. — 225
1051
JF Marcello Granado: Para fazer o mesmo serviço que tinha sido solicitado
ao senhor?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Para ir até o Centro buscar os documentos que
haviam sido solicitados. Ela me disse que o contínuo, o boy – nós assim chamamos
o contínuo do Conselho – não estava naquele momento – era próximo do horário do
almoço –, mas que eu aguardasse na linha que ela iria procurar um outro contínuo.
JF Marcello Granado: O senhor mesmo que fez isso? O senhor tinha secre‑
tária ou alguma pessoa assim?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Era a secretária do Presidente do conselho.
Ela transferiu a ligação...
JF Marcello Granado: Sim.
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Ela pediu que eu aguardasse na linha. Al‑
guns minutos depois, ela localizou o Luis Eduardo, transferiu a ligação, e eu soli‑
citei a Luiz Eduardo se ele poderia me fazer a gentileza de ir até o Centro. Dei o
endereço, o nome da pessoa que haviam me dado. Eu não me recordo nem o ende‑
reço nem o nome da pessoa.
JF Marcelo Granado: Esse Luiz Eduardo era contínuo?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Era contínuo da Previ. E disse ao Luiz Edu‑
ardo, como ele não era o contínuo do Conselho, que ele pegasse um táxi e eu lhe
reembolsaria pelo serviço, apanhasse os documentos e levasse ao meu apartamento.
Ele disse que de imediato iria. Aguardei, continuei no meu trabalho em casa. Passa‑
dos uns quarenta minutos, meia hora, o porteiro do prédio interfonou dizendo que o
Luiz Eduardo estava na portaria. Eu desci, o Luiz Eduardo estava com dois envelopes
pardos, dobrados em forma de pacote, entregou-me os dois envelopes. Eu perguntei:
“Quanto foram as despesas com o táxi?” Ele disse: “Não precisou, eu fui de carona
com o encarregado do malote, serviços gerais da Previ, o motorista encarregado de
fazer esses serviços de rotina nas empresas. Ele me deu uma carona, eu não gastei
nada de táxi.” Eu agradeci, nos despedimos, apanhei os dois envelopes, coloquei-os
num escaninho da portaria do prédio, saí para almoçar. Almocei apanhei os envelo‑
pes, levei-os até o meu apartamento. No final do dia, o porteiro interfonou dizendo
que uma pessoa do PT estava na portaria do prédio solicitando para subir no meu
apartamento. Eu autorizei que subisse; a pessoa chegou, apresentou-se dizendo que
era do PT, que teria vindo buscar os documentos enviados pelo Dr. Marcos Valério.
Eu entreguei os dois envelopes, nos despedimos. Nunca mais ouvira falar do assunto,
nunca mais ninguém tocou nesse assunto comigo, a não ser quando apareceu essa...
JF Marcelo Granado: O senhor abriu o envelope?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Em hipótese alguma. Os envelopes estavam
fechados. Eram envelopes de papel pardo, não eram para mim, eu não tinha por que
violar um...
JF Marcelo Granado: Sinceramente, o senhor não acha estranho?
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Não acho estranho. Uma agência de publici‑
dade poderia estar mandando, na minha interpretação, fitas de vídeo, DVD, folders,
o que seria totalmente normal.
JF Marcelo Granado: O que estou estranhando nessa história é que em ne‑
nhum momento o senhor fala de contato direto com o Senhor Marcos Valério e nem
da certeza absoluta de que era a própria agência. Apenas o prefixo 31.
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Exato.
JF Marcelo Granado: Se ligarem amanhã para o senhor do prefixo 21, dizendo
que é este Juiz que está falando agora, senhor acredita? Pedindo para senhor fazer uma
1052
R.T.J. — 225
coisa desse tipo? “Foi o Dr. Marcello Granado que pediu que o senhor pegasse um
envelope”. Entende? Estou dando um exemplo esdrúxulo apenas para demonstrar...
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Doutor, hoje, se Deus me pedir, eu não me
movo mais, não faço mais nada. Eu fiz uma gentileza, ninguém me informou o que era.
JF Marcelo Granado: Neste estado em que vivemos, uma pessoa chegar no dia
seguinte na sua casa, subir para pegar e entrar, com a violência que nós vemos todo dia...
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: A pessoa se apresentou: O que me foi dito
era que viria uma pessoa do PT. A pessoa se apresentou como uma pessoa do PT,
eu entreguei documentos.
JF Marcelo Granado: Se fosse um sequestro, o senhor estaria sequestrado.
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Se formos trabalhar sobre hipóteses. Não
quero trabalhar sobre hipóteses...
JF Marcelo Granado: Não é questão de trabalhar sobre hipóteses, senhor.
É questão do senso comum. Somos brasileiros, como lhe eu disse no início, vive‑
mos num país violento, em cidades violentas, como as grandes cidades do mundo.
O mínimo de cuidado, presumo, devemos ter. Creio que o senhor também tenha.
Acusado Sr. Henrique Pizzolato: Sim, senhor. Por isso o porteiro disse: “A
pessoa é do PT”. O que me havia sido dito é que viria uma pessoa do PT. Eu entre‑
guei para a pessoa do PT. [Fls. 15980-15984.]
109. Ao contrário da afirmativa feita em juízo, todas as provas são no sentido
de que Henrique Pizzolato estava ciente da disponibilização do dinheiro por Marcos
Valério, tendo por isso, enviado um mensageiro para o saque no Banco Rural. Esse
mesmo mensageiro foi diretamente ao apartamento do réu, vindo do Banco Rural, e
a ele entregou os dois “envelopes pardos”, segundo lhe fora orientado. E o réu afirma
que o recebimento teria sido feito para atender a um “pedido de Marcos Valério”.
Por sua vez, Marcos Valério esclareceu que Henrique Pizzolato foi indi‑
cado por Delúbio Soares como uma das pessoas que receberia, no Rio de Janeiro,
R$ 2.676.660,67, para pagamento de débito do Partido dos Trabalhadores.
O depoimento confirma a entrega do dinheiro a Henrique Pizzolato e cor‑
robora a prática da corrupção:
(...) lido para o acusado parte da denúncia constante das fls. 11859, referente
à corrupção ativa de Henrique Pizzolato (R$ 326.660,67), respondeu o interrogando
que o diretório do PT do Rio de Janeiro, de acordo com Delúbio Soares, tinha débitos
de campanha de 2002 e estava se preparando para a eleição de 2004 para prefeito do
Rio de Janeiro; diz que, então, Delúbio Soares solicitou ao interrogando que reme‑
tesse um total de R$ 2.676.660,67 ao referido diretório, tendo sido as pessoas indi‑
cadas para o recebimento de tais quantias os seguintes indivíduos Manuel Severino,
Carlos Manoel e Henrique Pizzolato; diz que o emissário de Henrique Pizzolato foi
identificado na agência do Rural no Rio de Janeiro; diz que Henrique Pizzolato era
filiado ao PT e trabalhou na campanha eleitoral de 2002 com Delúbio Soares no Rio
de Janeiro (...). [Fl. 16365.]
110. Em complemento àquela prova produzida, tem-se que o repasse do
dinheiro do Fundo de Incentivo Visanet à agência de publicidade DNA Propa‑
ganda dependia da aprovação do diretor de marketing e comunicação do Banco
do Brasil, cargo ocupado por Henrique Pizzolato na data dos fatos.
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1053
O saque de R$ 326.660,67 observou o mesmo procedimento adotado para
distribuição do dinheiro aos beneficiários das práticas criminosas imputadas a
alguns dos réus, o que é corroborado pelas provas dos autos, tendo tido aqueles
recursos o destino descrito pelo ministro relator.
111. Comprovado está, portanto, que Henrique Pizzolato recebeu vantagem indevida para a prática de ato de ofício, inserido no rol das atribuições
que lhe cabiam como diretor de marketing do Banco do Brasil, praticando,
dessa forma, o crime de corrupção passiva, pelo que deve ser condenado.
Causa especial de aumento de pena prevista no § 1º do art. 317 do Código Penal
112. Pelo art. 317, § 1º, do Código Penal, “a pena é aumentada de um terço,
se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de
praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional”.
Exaurido o crime de corrupção passiva nos termos do dispositivo acima se
tem a qualificação do tipo, ensinando Nelson Hungria:
144. Corrupção qualificada (§ 1º do art. 317). A pena cominada à corrupção
passiva simples é aumentada de um terço, “se, em consequência da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pra‑
tica infringindo dever funcional”. Apresenta-se, aqui, um caso de exaurimento do
crime (seguindo-se à consumação) funciona como condição de maior punibilidade.
A majoração é condicionada à efetiva violação do dever funcional: retardamento
ou abstenção de ato de ofício, ou prática de ato contrário ao dever do cargo ou
função. Nos dois primeiros casos, trata-se de ato ilícito (que se retarda ou se omite);
no terceiro, de ato ilícito. [HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio
de Janeiro: Forense, 1958. v. 9, p. 370.]
113. Comprovou-se, nos autos, que, por causa da vantagem indevida rece‑
bida, Henrique Pizzolato praticou ato de ofício com violação de dever funcio‑
nal, autorizando indevidas transferências de dinheiro do Fundo Visanet para a
SMP&B Comunicação.
Voto no sentido de reconhecer a incidência do § 1º do art. 317 do
Código Penal no item.
Causa de aumento de pena prevista no § 2º do art. 327 do Código Penal
114. Reconhecida a incidência daquela causa de aumento de pena (prevista
no § 1º do art. 317 do Código Penal), voto no sentido de não se aplicar aquela
estabelecida no § 2º do art. 327 do Código Penal, segundo a qual “a pena será
aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo
forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessora‑
mento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa
pública ou fundação instituída pelo poder público”.
1054
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Pelo parágrafo único do art. 68 do Código Penal, “no concurso de causas
de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se
a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo-se, todavia, a causa que
mais aumente ou diminua”.
No concurso de duas causas de aumento previstas na parte especial do
Código Penal, há de escolher o juiz uma causa para o aumento, valorando a
outra, se for o caso, quando da análise das circunstâncias judiciais, o que se tem
por feito na forma de excluir, no caso, o § 2º do art. 327 do Código Penal como
causa de aumento da pena aplicada.
Corrupção ativa
115. Dispõe o art. 333 do Código Penal tipificar corrupção ativa:
Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para deter‑
miná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
116. A configuração da corrupção ativa não pressupõe a ocorrência de cor‑
rupção passiva, sendo possível esta sem que se tenha comprovado aquela.
Leciona, dentre outros, Cezar Roberto Bitencourt:
Segundo a disciplina do nosso Código Penal de 1940, a corrupção nem
sempre é bilateral, ou seja, nem sempre pressupõe a existência de um pactum sceleris entre corruptor e corrupto, pois, qualquer das duas modalidades – ativa ou
passiva – consideram-se consumadas, independentemente da aceitação recíproca:
consuma-se – a passiva – com a simples solicitação da vantagem indevida pelo fun‑
cionário corrupto, mesmo que não seja aceita pelo extraneus; a ativa, com a simples
oferta ou promessa de dita vantagem pelo extraneus corruptor, sendo irrelevante
que o funcionário público a recuse. Em sentido semelhante, pontificava Heleno
Fragoso: “o código vigente não fez da corrupção um crime bilateral, de concurso
necessário, como o atual código italiano e nossa legislação penal anterior. Seguindo
o exemplo do código suíço, separou a corrupção passiva da corrupção ativa, delas
fazendo crimes independentes (um não depende necessariamente do outro).”
Trata-se de um tipo especial, que se compõe de elementos objetivos, sub‑
jetivos e normativos, que exige, além do dolo, um elemento subjetivo especial do
injusto. Para que se configure o tipo penal, todos esses elementos devem constar no
fato concretizado pelo agente. [BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito
penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 5, p. 206.]
117. O que se comprovou no caso (no item agora em análise), entretanto, é
ter havido o recebimento de vantagem indevida pelo agente corrompido, demons‑
trando-se, ainda, a prática e indicando-se os autores do crime de corrupção ativa:
O pactum sceleris ou bilateralidade só se apresenta nas modalidades de recebi‑
mento da vantagem indevida ou da aceitação da promessa de tal vantagem por parte
do intraneus, ou de adesão do extraneus à solicitação do intraneus, ou nas formas
qualificadas previstas no § 1º e parágrafo único, respectivamente, dos artigos 317 e
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1055
333. [STOCO, Rui. STOCO, Tatiana de O. Arts. 312 a 361. In: FRANCO, Alberto
Silva; STOCO, Rui (Coord.). Código Penal e sua interpretação. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007. p.1566.]
118. O conjunto probatório dos autos leva à conclusão da prática de corrup‑
ção ativa relativamente a este item da acusação.
A instrução conduziu à prova de que Marcos Valério, Ramon Hollerbach e
Cristiano Paz prometeram a Henrique Pizzolato, diretor de marketing e comuni‑
cação do Banco do Brasil na data dos fatos, a indevida quantia de R$ 326.660,67
para levá-lo a praticar atos de ofício consistentes em autorizações de repasses de
dinheiro do Fundo de Incentivo Visanet para a DNA Propaganda.
A entrega foi feita, tendo o primeiro dos repasses indevidos de valores
ocorrido em 19-5-2003, e tendo decorrido da promessa de vantagem indevida
feita a Henrique Pizzolato.
Naquela data, o crime de corrupção ativa já tinha se consumado, pois a
promessa ou oferta necessária para configuração do crime de corrupção ativa
ocorrera em momento anterior à prática ou à possibilidade de prática do ato.
É a doutrina sobre o tipo:
Oferecimento ou promessa anterior ao ato: exige-se. Quando a vantagem for
entregue depois da prática do ato, não se trata de corrupção ativa, podendo, con‑
forme o caso, constituir outro tipo de ilícito não penal (por exemplo: improbidade
administrativa – art. 9º, Lei 8.429/92) ou delito por parte do funcionário, com parti‑
cipação daquele que fornece o presente (...). [NUCCI, Guilherme de Souza. Código
Penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1048.]
119. No caso em pauta, Marcos Valério confirmou ter enviado o dinheiro
para Henrique Pizzolato que, por interposta pessoa, recebeu os recursos na agên‑
cia Centro do Banco Rural no Rio de Janeiro/RJ.
Em contrapartida à promessa de pagamento, que veio a ser efetivamente
cumprida, Henrique Pizzolato, então diretor de marketing do Banco do Brasil,
autorizou repasses de recursos do Fundo de Incentivo Visanet para as agências
de publicidade responsáveis pelas ações de marketing dos cartões Visa.
120. Em 2003 e em 2004, a agência de publicidade DNA Propaganda
recebeu como antecipação de pagamento repasses de R$ 73.851.000,00 (fl. 5231,
relatório de Auditoria Interna do Banco do Brasil, Tabela 4).
Conforme antes anotado, provou-se que Marcos Valério, Ramon Hollerbach
e Cristiano Paz beneficiavam-se com o dinheiro recebido pela DNA Propaganda,
razão pela qual tinham interesse no pagamento indevido a Henrique Pizzolato.
121. Pelo exposto, voto no sentido de julgar a pretensão punitiva para
condenar os acusados Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach
Cardoso e Cristiano de Mello Paz pela prática do crime de corrupção ativa.
1056
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Causa de aumento de pena prevista no parágrafo único do art. 333 do Código Penal
122. Como visto em tópico anterior deste voto, após a prática do crime de
corrupção ativa por Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach
Cardoso e Cristiano de Mello, Henrique Pizzolato praticou ato de ofício, com
violação de dever funcional, autorizando indevidas transferências de dinheiro do
Fundo Visanet para a SMP&B Comunicação.
Deu-se, então, o exaurimento do crime. Configurado está o que se deno‑
mina de corrupção exaurida.
123. Pelas idênticas razões expostas na análise do § 1º do art. 317 do
Código Penal, tenho como aplicável, neste caso, a causa de aumento de pena
prevista no parágrafo único do art. 333 do Código Penal.
Lavagem de dinheiro
124. Henrique Pizzolato é acusado também de lavagem de dinheiro, por
ter se utilizado de interposta pessoa para o recebimento da vantagem indevida de
R$ 326.660,67 com o objetivo de ocultar a natureza e a origem do dinheiro recebido.
125. Como visto em tópico anterior, “a ocultação ou dissimulação da natureza,
origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos
ou valores provenientes, direta ou indiretamente, desse crime [corrupção passiva]
constitui o delito de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores (art. 1º, VIII,
da Lei n. 9.613, de 3‑3‑1998, alterada pela Lei n. 10.467/2002)” (MIRABETE, Julio
Fabbrini. Código Penal interpretado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 2408).
126. Tem-se nos autos que Luiz Eduardo Ferreira recebeu o dinheiro dis‑
ponibilizado por Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz para, pos‑
teriormente, entregá-lo a Henrique Pizzolato, seu real destinatário.
Objetivando dissimular (disfarçar) a origem (forma de obtenção) do valor
proveniente do crime de corrupção, Henrique Pizzolato solicitou outra pessoa
(Luiz Eduardo) fazer o saque na agência bancária para o recebimento da vanta‑
gem indevida de R$ 326.660,67.
Esta conduta enquadra-se, à perfeição, no tipo penal previsto para o crime
de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998), no qual se estabelece:
Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimen‑
tação ou propriedade de bens, direitos o valores provenientes, direta ou indireta‑
mente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo e seu financiamento;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à
sua produção;
IV – de extorsão mediante sequestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para ou‑
trem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para
a prática ou omissão de atos administrativos;
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1057
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa;
VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira
(arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 –
Código Penal).
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos e multa.
Enviando terceiro para receber o dinheiro que recebera indevidamente,
para praticar ato de ofício e beneficiar o corruptor, Henrique Pizzolato objetivou
ocultar a verdadeira origem do dinheiro proveniente de crime contra a adminis‑
tração pública (art. 1º, V, da Lei 9.613/1998).
127. Comprovada está a prática do crime de lavagem de dinheiro por Hen‑
rique Pizzolato, pelo que voto no sentido de julgar procedente, no ponto, a
pretensão punitiva.
V – Capítulo V da denúncia – Gestão fraudulenta de instituição financeira
128. Alega o Ministério Público que os acusados Kátia Rabello, José
Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório teriam praticado
crime de gestão fraudulenta de instituição financeira.
Afirma-se, na denúncia, que “o crime consistiu: a) na concessão e renova‑
ção de empréstimos fictícios que serviram para financiar o esquema ilícito de
compra de votos; e b) na adoção de artifícios fraudulentos para impedir que os
fatos fossem descobertos” (fls. 45279-45280).
Sustenta-se também que “os acusados, por meio de empréstimos simula‑
dos, disponibilizaram ao esquema ilícito protagonizado por José Dirceu, Marcos
Valério e seus grupos, o valor de R$ 32.000.000,00” (fl. 45280).
129. A análise dos elementos dos autos comprova que, nos anos de 2003
e de 2004, o Banco Rural concedeu empréstimos fictícios às empresas SMP&B
Comunicação e Graffiti Participações Ltda. e ao Partido dos Trabalhadores.
Na forma exposta pelo Ministério Público e comprovada nos autos, esses
empréstimos seriam simulações, conquanto formalmente tenham sido ajustados.
Quer-se dizer, o dinheiro foi transferido da instituição financeira para a conta dos
tomadores dos empréstimos.
Todavia, quem tomou o empréstimo não era o verdadeiro contratante, não
se responsabilizava pelo negócio, comparecendo no ajuste apenas como o apa‑
rente tomador.
130. O Laudo de Exame Financeiro 1.869/2009, elaborado pelo Instituto
Nacional de Criminalística do Departamento de Polícia Federal, aponta:
8. Da análise dos extratos bancários e do relatório do Banco Rural, que rela‑
ciona operações do crédito do tipo mútuo, constante das fls. 30 a 36 do Apenso 147,
foram localizadas diversas operações de crédito celebradas entre SMP&B Comuni‑
cação Ltda. e Graffiti Participações Ltda. junto ao Banco Rural.
1058
R.T.J. — 225
9. Sob o aspecto formal, os recursos pertinentes às operações de crédito foram
efetivamente creditados às contas bancárias das empresas tomadoras, conforme veri‑
ficado nas informações bancárias extraídas das quebras de sigilo bancário dos inves‑
tigados, consolidados por ocasião da CPMI do Mensalão e nos extratos bancários.
(...)
21. Sob o ponto de vista formal, as operações de crédito contratadas por
SMP&B Comunicação Ltda. e Graffiti Participações Ltda. junto ao Banco Rural,
nos anos de 2003 e 2004, são verdadeiras. Ou seja, houve transferência de recursos
oriundos da instituição financeira creditados em favor dos tomadores dos emprésti‑
mos, conforme verificado nas informações bancárias extraídas das quebras de sigilo
bancário dos investigados, consolidados por ocasião da CPMI do Mensalão, e nos
extratos bancários constantes nos autos. [Fls. 34768 e 34771.]
131. Entretanto, a despeito da concessão formal do crédito, as provas dos autos
conduzem à conclusão de que o Banco não contava com o pagamento dos valores
emprestados no modo formalmente combinado. O que se teve, efetivamente, foi
troca espúria de favores na busca de benefícios para a instituição junto a órgãos
do Governo Federal e a outras entidades da União, objetivando-se, em especial,
o levantamento da liquidação extrajudicial do Banco Mercantil de Pernambuco.
132. A total falta de zelo e a inobservância da legislação vigente pela insti‑
tuição financeira na concessão do vultoso crédito comprova que o dinheiro trans‑
ferido pelo Banco Rural, a título de empréstimo, tinha natureza real de doação.
Pela ação comprovada dos acusados, o Banco Rural deixou de observar as
cautelas mínimas de segurança para a análise da capacidade de pagamento dos
aparentes contratantes/beneficiários, conforme legalmente exigido.
É o que se demonstrou no Laudo de Exame Contábil 1.666/2007-INC, con‑
feccionado pelo Departamento de Polícia Federal, o qual, pela sua importância para
a demonstração da prática criminosa em análise, merece transcrição mais extensa:
31. Com base na Lei 9.613/98 e normativos editados pelo Conselho Mone‑
tário Nacional e Banco Central do Brasil, foram examinadas as fichas cadastrais
(documentos preenchidos pelos próprios clientes) e cadastros (documentos con‑
feccionados pelo banco). Os Peritos esclarecem que o Banco Rural negligenciou a
importância de um cadastro completo e permanentemente atualizado das empresas
e pessoas físicas vinculadas a Marcos Valério Fernandes de Souza.
(...)
IV.2.1 – Partido dos Trabalhadores – PT (CNPJ: 00.676262/0002-51)
(...)
35. Juntamente com a cópia da ficha cadastra1 do Partido dos Trabalhadores,
foram apresentadas cópias das primeiras fichas cadastrais de José Genoíno Neto (Pre‑
sidente do Partido) e de Delúbio Soares de Castro, ambas de 14-5-2003. Anexas a es‑
sas fichas cadastrais, apenas cópias dos documentos de identidade, cópias dos CPF e
cópias de comprovantes de endereços. Não há anotações, referentes a consultas cadas‑
trais, nem documentos que ratifiquem a situação patrimonial dos cadastrados e com‑
provem que as fichas cadastrais deram origem a um cadastro dentro do Banco Rural.
36. De acordo com a documentação apresentada, o empréstimo ao Partido
dos Trabalhadores, no valor de R$ 3.000.000,00, realizado em 14-5-2003, foi
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1059
liberado sem que tivesse, sequer, cadastro do Partido, cadastros das pessoas físicas
responsáveis e/ou cadastros dos avalistas.
37. Os Signatários examinaram documento de análise econômico-financeira,
que teve como base balanços do Partido dos Trabalhadores de 2002 a 2004. Nessa
análise, fica evidente que o Banco Rural, ao conceder o empréstimo, não observou a
deficiência financeira do PT no ano de 2002, em montante superior a R$ 2.300.000,00.
38. Quanto às renovações, o Banco Rural também continuou omisso, sem
exigir qualquer garantia real para as novas negociações, uma vez que o déficit
havia se deteriorado.
IV. 2.2 – SMP&B Comunicação Ltda. (CNPJ: 01.322.078/0001-95)
39. Em única cópia de cadastro da SMP&B Comunicação Ltda. apresentada à
Perícia, consta que o cadastro foi elaborado em 15-6-2004. Nesse cadastro não constam
dados sobre os principais clientes, nem bens patrimoniais. Esse cadastro informa que,
de acordo com consulta ao Sisbacen, o endividamento é da ordem de R$ 26.632.700,74
junto ao Banco Rural. Existem registros de consultas a fontes comerciais e a outras
instituições financeiras, bem como dados contábeis da empresa: balanço de 2003 e ba‑
lancete de setembro de 2004; relação de faturamento de setembro de 1999 a fevereiro
de 2000, janeiro a abril de 2004 e março de 2004 a fevereiro de 2005.
40. Não foram apresentadas cópias de documentos que pudessem confirmar
a confecção de cadastro em datas anteriores, apesar de existir, no cadastro elaborado em 15-6-2004, números (dados financeiros da empresa), referentes aos anos
de 2001 e 2002.
41. Foi apresentado parecer técnico, de 9-6-2005, emitido pelo analista Car‑
los Roberto Cabral Guimarães, baseado em documento de análise econômico-finan‑
ceira de dados contábeis relativos ao ano de 2002 a 2004, que conclui:
Mesmo considerando a capacidade de geração de receita da proponente entendemos que o risco total esta superestimado. Considerando ainda
que o último dado contábil se refere a setembro/2004, não recomendamos a
reforma do limite.
42. Sobre essas informações contábeis apresentadas pela SMP&B, identificou-se tratar de declaração falsa, conforme evidenciado no corpo do Laudo
n. 1.854-06-SR/MG, referente aos trabalhos realizados no BMG S.A., in verbis:
Avaliando as informações contábeis presentes no dossiê das operações
de empréstimo da SMP&B, pode-se constatar que o balancete contábil em 3112-2003 apresentado pela contratante e utilizado pelo analista de crédito do
banco não registra a real posição de endividamento bancário naquela data.
Enquanto as informações presentes no Sistema de Informações de Crédito do
Banco Central do Brasil (SCR), as quais se encontram arquivadas no dossiê da
SMP&B indicam que a contratante apresentava, em 31-12-2003, dívidas com
instituições financeiras no montante de R$ 14.549 mil, seu balancete contábil
levantado na mesma data informava na rubrica “Empréstimos e financiamen‑
tos” o saldo de apenas R$ 3.469 mil. Todo o passivo da SMP&B registrado no
“balancete sintético” em 31-12-2003 totalizava apenas R$ 7.939 mil.
A situação acima descrita ocorreu também com o balancete contábil le‑
vantado em 30-9-2004, o qual foi utilizado pelo analista de crédito do banco.
Enquanto as informações presentes no Sistema de Informações de Crédito do
Banco Central do Brasil (SCR), indicavam que a contratante apresentava, em 309-2004, dívidas com instituições/financeiras no montante de R$ 33.345 mil, seu
balancete contábil levantado na mesma data informava na rubrica “Empréstimos
1060
R.T.J. — 225
e financiamentos” o saldo de apenas R$ 3.516 mil. Todo o passivo da SMP&B
registrado no “balancete sintético” em 30-9-2004 totalizava apenas R$ 7.522 mil.
As discrepâncias entre os saldos das dívidas bancárias consignados
nos balancetes contábeis da SMP&B e as informações constantes do Sistema
de Informações de Crédito do Banco Central do Brasil (SCR) são razão sufi‑
ciente para desqualificar as informações contábeis disponibilizadas pela con‑
tratante, as quais foram utilizadas nas avaliações de crédito, uma vez que, por
se tratarem de informações falsas, enquadram-se no item II-b da Carta-Circu‑
lar Bacen n. 2.826 de 4-12-1998 (transcrito no item 2.1 do capítulo III – Dos
exames do presente Laudo), norma essa que divulga a relação de operações e
situações que podem configurar indícios de lavagem de dinheiro no sistema
bancário. O aqui descrito não é comentado em nenhum documento integrante
do processo de avaliação de crédito, bem como em nenhum outro documento
integrante do dossiê da SMP&B.
Mesmo com a apresentação de informações contábeis falsas, o Banco
BMG celebrou o contrato de empréstimo n. 14.03.01036, em 14-7-2004, e o
de rolagem (aditivo contratual) do valor do principal e encargos do referido
contrato original, em 4-3-2005.
43. Agrava-se a situação do Banco Rural o fato de haver toda uma análise
econômico-financeira com base nessas informações falsas, que ele devia e tinha total
condição de saber que eram inidôneas, pois somente no período 26-5-2003 a 27-92004 a dívida da inadimplente SMP&B com o banco aumentou de R$ 19.000.000,00
para mais de R$ 27.000.000,00.
44. Assim, considerando que o Rural era o produtor e o detentor de infor‑
mações de alta relevância sobre a capacidade econômica da SMP&B, os Peritos
concluem que o Banco Rural descumpria conscientemente normativos de combate
à lavagem de dinheiro no sistema financeiro nacional.
45. Vale destacar ainda que essas informações contábeis falsas possuíam, em
relação ao Balanço de 31-12-2003, assinaturas em nome de Marco Aurélio Prata,
Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza e Ramon Hollerbach Cardoso, como
prepostos da SMP&B. Quanto ao balancete de 0912004, houve reconhecimento
de firmas apostas no documento, por meio do 1º Serviço Notorial, Belo Horizonte
(MG), Tabelião João Mauricio Villano Ferraz, em nome de Ramon Hollerbach Car‑
doso, Cristiano de Mello Paz e Marco Aurélio Prata.
IV.2.3 – Graffiti Participações Ltda. (CNPJ: 19.163.138/0001-30)
46. Os Signatários examinaram cópia de ficha cadastra1 da Graffiti Participa‑
ções Ltda. Essa ficha cadastral está datada de 27-5-2004, Não há documentos que
assegurem que essa ficha cadastral tenha sido utilizada para confecção de cadastro.
Inclusive há divergência entre as informações contidas na ficha cadastra1 e um
cadastro confeccionado pelo Banco Rural, quando mostra a composição acionária
da empresa, em que atribui participação acionária de 67% a Ramon Hollerbach
Cardoso, enquanto o informado pelo cliente é participação de 33,33%.
47. A única cópia de cadastro (documento elaborado pelo Banco) é de 156-2004. Em anexo, foi apresentado documento intitulado de “Análise econômicofinanceira – Balanços”, realizada com dados do balanço de 2003. A despeito dos
empréstimos realizados pela empresa, a partir de 2003, o analista do Rural identificou
que a receita operacional da empresa era de apenas R$ 35.000,00 anuais, sendo ainda
consideradas outras receitas, não operacionais de R$ 706.000,00, também anuais.
R.T.J. — 225
1061
48. Sendo assim, os Peritos concluem que o Banco Rural não detinha informações econômicas e financeiras suficientes a respeito da Graffiti Participações
Ltda., que possibilitasse ancorar a liberação de operação de empréstimo no valor
de R$ 10.000.000,00, fato ocorrido em 12-9-2003. Isso fica evidente em parecer
técnico, emitido pelo analista Carlos Roberto Cabral Guimarães, sob proposta de
crédito n. 2005-43925, em que conclui: “c.) Os números apresentados no balanço
de 31-12-2003 são de ínfimo valor, além de cadastro com poucos dados”.
49. Outro aspecto importante trata-se da existência de observação realizada pelo
gerente Bruno A. Cezarini de que a “empresa pertence ao grupo (SMP&B Comunicação Ltda)”. Cabe destacar que a SMP&B Comunicação não tinha mais capacidade de
endividamento, uma vez que seu empréstimo de R$ 19.000.000,00 fora rolado, em 5-92003, dias antes da concessão do empréstimo à Graffiti, no valor de R$ 21.000.000,00.
(...)
IV.2.8 – Cristiano de Mello Paz (CPF: 129.449.476-72)
56. No cadastro de 6-6-1999, não há comprovação de bens e constam restri‑
ções de ações executivas. Não foram apresentadas cópias de documentos que deram suporte ao cadastro. Anotação existente: “Situação cadastra1 desfavorável”.
57. O cadastro de 11-8-2005, que tem como documento de suporte a Declaração de Ajuste Anual do IRPF ano-calendário 2004, encontra-se incompatível
com a mesma. O cadastro traz rendimento mensal de R$ 7.752,00 e não faz referên‑
cia aos rendimentos anuais isentos e não tributáveis, da ordem de R$ 1.000.022,21
Consta também anexa ao cadastro, cópia da Declaração de Ajuste Anual do IRPF,
ano-calendário 2003, mas não há indícios de que tenha sido usada para renovação
ou atualização de dados cadastrais.
IV.2.9 – Ramon Hollerbach Cardoso (CPF: 143.322.216-72)
58. No cadastro confeccionado em 6-9-1999, não há comprovação de bens.
Há registros de restrições de ações executivas. Não foram apresentadas cópias dos
documentos que deram suporte à confecção do cadastro. Existem as seguintes observações no cadastro: “o cadastrado não declarou rendimento”; “(...) Não declarou imoveis”; “situação cadastral desfavorável (...)”.
59. No cadastro de 13-6-2005, não constam registros referentes a comprova‑
ção de bens e também não foram apresentadas cópias de documentos de suporte.
Destaca-se anotação existente no cadastro: “acatar declaração de comprovante de
renda em anexo. (A pedido do sr. Amauri)”.
60. Também foram enviadas a Perícia cópias das Declarações Anuais de
Ajuste do IRPF, referentes aos anos-calendário de 2002 e de 2003, mas nenhum
documento que comprove que tais declarações foram utilizadas para confecção de
cadastro foi apresentado.
(...)
IV.2.13 – Marcos Valério Fernandes de Souza (CPF: 403.760.956-87)
64. Em cadastro de 31-8-1999, não houve comprovação de bens. De acordo com
analista do Banco Rural, foram comprovados rendimentos mensais de R$ 15.000,00
e não foram declarados imóveis. Consta que as empresas de que participa apresentam
restrições no Serasa. Apesar da existência desse cadastro, não foram apresentadas có‑
pias de documentação que deram suporte a sua confecção.
65. Em cadastro de 13-7-2004, foi anexada cópia da Declaração de Ajuste
do IRPF ano-calendário 2003, como documento de suporte. Entretanto, os dados
informados na ficha cadastral confeccionada pelo Banco Rural identificavam que
os rendimentos brutos de Marcos Valério eram superiores R$ 403.000.000,00,
1062
R.T.J. — 225
números totalmente incompatíveis com os dados constantes na referida Declaração
de Ajuste, que indicavam como rendimentos anuais: tributáveis de R$ 51.980,00;
isentos e não tributáveis de R$ 3.046.080,17; e sujeitos a tributação exclusiva ou
definitiva de R$ 773.538,18. [Fls. 98-104 do Apenso 143 – Grifos nossos.]
O mesmo laudo esclarece a fragilidade das garantias apresentadas para o
recebimento dos empréstimos:
257. Tendo em vista que os direitos creditórios dos contratos de prestação de
serviços de publicidade do Banco do Brasil S.A. serviram de garantia de diversos
contratos de mútuo e que o próprio Banco Rural reconheceu sua fragilidade legal,
foi realizada ampla análise da real capacidade econômico-financeira de esse con‑
trato de publicidade garantir a quitação dos empréstimos.
258. Segundo reza a cláusula 5ª dos contratos de prestação dos serviços de
publicidade do Banco do Brasil S.A., vinculados à concorrência n. 9911131 (8616),
o valor da verba de publicidade anual “é meramente estimativo, não implicando em
obrigatoriedade de o Banco solicitar serviços até esse valor”, bem como o valor dessa
verba “será distribuído entre três agências contratadas de forma que o valor mínimo
dos serviços solicitados a cada uma delas corresponderá a 25% (vinte e cinco por
cento) do montante” “e o valor – máximo poderá alcançar 40% (quarenta por cento)
daquele montante” (grifo dos Peritos).
259. A cláusula 6ª prevê honorários das agências de 2% sobre os custos com‑
provados. A cláusula 7ª prevê que, do valor corresponde aos 20% de desconto de
agência, cada agência de publicidade tem direito a 15%, sendo que os outros 5% se‑
rão repassados ao Banco do Brasil S.A. Esses percentuais, os quais regulamentam o
faturamento das agências, foram conservados no contrato de publicidade vinculado
a concorrência 0112003 (9984).
260. O segundo termo aditivo, de 21-2-2005, do novo contrato de publicidade al‑
terou os percentuais mínimos e máximos de distribuição da verba de publicidade anual
entre as agências, passando de 25% e 40% para 15% e 50%, respectivamente. Com base
nesses percentuais, foi estimado o faturamento da agência DNA nos 02 (dois) contratos
publicitários com o Banco do Brasil S.A. dados em garantias aos empréstimos.
(...) ainda que fossem considerados os valores máximos para a verba de
publicidade e para a cota de distribuição da agência DNA, a garantia dos direitos
creditórios do contrato de publicidade do Banco do Brasil S.A. é significativamente
inferior aos empréstimos concedidos.
263. Além disso, é importante destacar que a DNA não realizou adiantamentos a fornecedores, fato que poderia justificar a necessidade de empréstimos
desta monta e permitir entendimento de que as empresas de publicidade vinculadas
a Marcos Valério poderiam se apropriar, além de suas comissões, de outros fluxos
financeiros relativos aos fornecedores.
Essa realidade poderia ter sido facilmente observada pelo Banco Rural, caso
tivesse realizado exames simples na contabilidade das empresas, como os propostos
em seus próprios normativos internos. [Fls. 145-147 do Apenso 143 – Grifos nossos.]
133. Não bastassem as fraudes na concessão de empréstimos, apurou-se
também ter contrariado o Banco Rural, pela ação de seus dirigentes acusados na
presente ação penal, as normas de classificação de risco do Conselho Monetário
Nacional e os seus próprios atos normativos internos:
R.T.J. — 225
1063
269. O rating da experiência interna de um proponente deveria ser determi‑
nado pela avaliação da experiência de crédito, advindos de fatores como pontu‑
alidade, liquidez e reciprocidade em contas correntes e aplicações financeiras no
Grupo Rural. Cabe ressaltar que a experiência interna também deveria levar em
conta a soma do grupo econômico em que o proponente está inserido.
270. Diametralmente oposta a experiência interna apresentada pelo grupo
de empresas vinculadas ao Senhor Marcos Valério, a diretoria concedeu empréstimos ainda que existisse impontualidade nas amortizações e operações em prejuízo,
bem como foi desconsiderado o grupo econômico e, essencialmente, a inexistência
de garantias ou alta insuficiência de liquidez.
271. De acordo com o artigo 4º da Resolução n. 2.682, a classificação de
risco de cada operação deverá ser revista, de forma periódica, em razão de atraso
verificado no pagamento de parcela do principal ou de encargos. Na prática, a
cada período de atraso, uma operação de crédito inadimplente deverá ser reclassificada para pior (Ex: classificação risco nível A, para classificação risco nível B).
Em consequência, a cada aumento do nível de risco, aumenta-se o percentual de
provisão para fazer face as perdas prováveis na realização dos créditos.
272. O exame dos documentos que compuseram a análise de crédito dos em‑
préstimos contratados pelas pessoas físicas e jurídicas, anteriormente citadas, per‑
mitiu identificar o descumprimento de determinados artigos da Resolução n. 2.682
do Conselho Monetário Nacional, conforme elencado a seguir:
a) operações de crédito de tomadores de mesmo grupo econômico com clas‑
sificação de risco diferenciada;
b) operações de crédito vencidas, ou com atrasos nos pagamentos de parce‑
las, com classificação de risco indevida;
c) operações de crédito renegociadas com registro indevido de receita.
273. De acordo com o art. 3º da Resolução 2.682, a classificação das opera‑
ções de crédito de um mesmo cliente ou grupo econômico deve ser definida consi‑
derando aquela que apresenta maior risco.
274. Conforme demonstradas no quadro a seguir, informações disponibilizadas no Sistema de Informações de Crédito do Banco Central do Brasil (SCR), o
Banco Rural, contrariando as normas do Conselho Monetário Nacional e os próprios normativos internos, classificou as operações de crédito das empresas ligadas
ao Senhor Marcos Valério Fernandes de Souza com diferentes riscos.
275. Da mesma forma, o Banco Rural manteve o rating das operações de
empréstimos com o Partido dos Trabalhadores – PT, ainda que havendo sucessivas
rolagens para os empréstimos que não estavam sendo pagos (...).
276. O quadro relativo ao rating demonstra que as operações de crédito das
empresas ligadas a Marcos Valério Fernandes de Souza e do próprio Marcos Valério,
por determinação do Banco Central do Brasil, foram reclassificadas para o risco
“H”, a partir de junho de 2005, o que obrigaria o Banco Rural a constituir provisão
de 100% do valor, para fazer face às perdas prováveis na realização dos créditos.
277. Nos meses de maio e junho de 2000, setembro a dezembro de 2003,
abril, julho, agosto, e novembro de 2004 e janeiro a junho de 2005, as operações de
crédito das empresas ligadas a Marcos Valério Fernandes de Souza apresentaram
classificações diferenciadas de riscos, embora pertencessem a um só grupo eco‑
nômico, estivessem sendo objeto de rolagens e apresentassem garantias similares.
278. As operações de crédito foram garantidas por avais dos sócios e por
direitos creditórios de contratos de publicidades firmados entre a empresa DNA
1064
R.T.J. — 225
Propaganda Ltda. e o Banco do Brasil, ressalvando que a garantia dos direitos
creditórios não encontrava respaldo jurídico e os dados cadastrais dos avalistas e
econômico-financeiro das empresas se encontravam desatualizados.
279. Considerando o art. 8º da Resolução n. 2.682/99, a renegociação de uma
operação de crédito deve manter, no mínimo, a classificação de risco da operação
anterior. Esse artigo define, dentre outras modalidades, como sendo renegociação:
(...) a concessão de nova operação para liquidação parcial ou integral
de operação anterior ou qualquer outro tipo de acordo que implique na altera‑
ção nos prazos de vencimento ou nas condições de pagamento originalmente
pactuadas.
(...) 284. Não obstante essa conclusão, é importante destacar que, de acordo
com Papel de Trabalho Pt.0501301503 (vol. 1 – fl. 13), elaborado pelo Banco Cen‑
tral, foi determinado ao Rural a reclassificação de risco de operações de crédito,
devido à manipulação de registros dos contratos de empréstimos e ao não cumprimento das normas.
285. A reclassificação exigiu ajustes nos dados contábeis do Rural, principal‑
mente dos valores patrimoniais. Esses ajustes iniciais, de acordo com os Papéis de
Trabalho dos analistas do Banco Central, tiveram sérias consequências para o Con‑
glomerado Financeiro, que teve seu patrimônio de Referência no valor de R$ 713,6
milhões, em 31-5-2005, ajustado para R$ 507,6 milhões, impactando o índice da Ba‑
sileia, passando de 20,23% para 14,39%, e o índice de Imobilização, que aumentou de
29,57% para 41,74%. [Fls. 149-153 do Apenso 143 – Grifos nossos.]
134. Comprovou-se, ainda, a manipulação de dados contábeis pelo Banco Rural:
286. Durante as diligências à Sede do Banco Rural, em Belo Horizonte –
MG, foram realizadas diversas reuniões com a diretoria e com o corpo técnico,
principalmente nas áreas de crédito, jurídica, cambial e contábil, bem como com
representantes da firma de auditoria externa Deloitte Touche Tohmatsu.
287. A fim de ratificar as operações de créditos na contabilidade do Rural
(datas de contratação e desdobramentos, receitas, rolagens, quitações, etc.), os Peri‑
tos solicitaram os registros contábeis analíticos dessas operações, por três reuniões,
inclusive na presença do servidor do Banco Central do Brasil, Senhor Sérgio Alves
Perilo, ocorrendo, porém, negativas e desencontro de informações. Assim, em ra‑
zão dos acontecimentos, em 3-11-2005, o Banco Rural foi formalmente instado a
apresentar a contabilidade analítica.
288. Em 8-11-2005, o Banco Rural apresentou relação de “sistemas opera‑
cionais desenvolvidos para a gestão de operações ativas (empréstimos) e operações
passivas (depósitos), sistemas esses que efetuam controle de todas as operações por
cliente, de forma individualizada e analítica, gerando informações sintéticas para o
Sistema de Contabilidade”.
289. Por meio desse ofício informa, sem, contudo, disponibilizar os registros
contábeis analíticos, o que segue:
(...) Em resumo, todos esses sistemas produzem relatórios auxiliares
(analíticos) e executam interface com o Sistema de Contabilidade, sendo que
os lançamentos contábeis são aglutinados por sistema de acordo com a sua
natureza e classificação contábil (normalizada pelo Cosif), de forma automá‑
tica. As operações individualizadas são demonstradas nos relatórios auxilia‑
res gerados pelos sistemas operacionais já descritos anteriormente, os quais
suportam os lançamentos contábeis.
R.T.J. — 225
1065
(...)
291. Considerado esse arcabouço normativo, verifica-se que o Banco Rural, em
seu ofício de resposta, utilizou-se de expressões como “relatórios auxiliares (analíti‑
cos)”, “(normatizada pelo Cosif)”, “relatórios auxiliares (...) suportam os lançamentos
contábeis” como forma de não evidenciar a real situação de sua contabilidade.
292. As normas, acima transcritas, exigem livros auxiliares devidamente
autenticados por Órgão competente, com registros contábeis individualizados,
pormenorizados e em ordem cronológica. Portanto, em cumprimento à legislação
os livros deveriam existir e apresentar as autenticações devidas. Assim, observa-se
que o Banco Rural tem omitido elemento (documento) exigido pela legislação, em
seus demonstrativos contábeis. (Lei 7.492186, art. 10).
293. O Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional – CO‑
SIF possui um plano de contas para fins de apresentação de balanços e balancetes
mensais das instituições financeiras e não para justificar aglutinação de registros con‑
tábeis, muito menos de omiti-los às autoridades. Outro fato é que, ao contrário do que
afirma o Banco Rural, relatórios auxiliares não suportam registros contábeis, as normas exigem “(...) conservar em ordem, enquanto não prescritas eventuais ações que
lhes sejam pertinentes, os livros, e documentos e papéis relativos à sua atividade”.
294. Além dessa desobediência, as Autoridades devem ser cientificadas de
que um desses sistemas que produzem relatórios auxiliares (analíticos) e executam
interface com o Sistema de Contabilidade, alegados pelo Rural, é aquele que é sen‑
sibilizado de acordo com a vontade dos administradores do Rural, conforme des‑
crito no IV. 3.2 Dos Contratos de Mútuos – Características e Garantias – SMP&B,
quando foi identificado que o sistema de empréstimos não estava sendo afetado por
amortizações realizadas pela agência de publicidade.
295. Agrava-se a essa manipulação de dados contábeis o fato de o Rural ter se
utilizado de lançamentos de estorno de receitas para não evidenciar as movimentações
ocorridas em conta corrente, não espelhando, conscientemente, a realidade dos fatos.
296. Sendo assim, considerada a omissão de registros contábeis e de livros
contábeis, bem como a manipulação desses eventos contábeis para simulação de fa‑
tos jurídicos, como a quitação do contrato de mútuo n. 06.002289-9, de 29-9-1998,
no valor de R$ 7.000.000,00, os Peritos Domingos Sávio Alves da Cunha e Luigi
Pedroso Martini retomaram ao Banco Rural, período de 18-4-2006 a 3-5-2006, a
fim de ratificar essas questões, trabalho que culminou na elaboração da informação
Técnica n. 089/06-SETEC/MG, de 9-5-2006, em anexo.
297. Nessa informação, fica evidenciado que, à época dos exames periciais,
em Belo Horizonte, o Banco Rural, ao não entregar as informações requeridas pelo
Supremo Tribunal Federal, tentava dissimular a real situação de sua contabilidade,
pois não possuía os livros diários de 2004 devidamente registrados, sendo que só
foram providenciados em 2006, no bojo das investigações.
298. E, ainda, foi observado que o Banco Rural extraviou dezenas de microfichas de Livros Balancetes Diários e Balanços, incluindo todas as do segundo semestre de 2005, uma vez que há Livros registrados desse período no Departamento
Nacional de Registro do Comércio – DNRC.
299. Toda a movimentação referente ao mês de novembro de 2004 foi ocultada
pelo Banco Rural, como também não foram apresentados livros auxiliares autenticados, com registros individuados das operações, ratificando o descumprimento legal.
300. Dessa forma, os Peritos concluem que o Banco Rural não cumpriu as determinações do Código Comercial, do Código Civil, da legislação fiscal, contidas no
1066
R.T.J. — 225
RIR/1999, das especificações existentes no Plano Contábil das Instituições do Sistema
Financeiro Nacional (Cosif) e omitiu registros de suas transações financeiras sob a
alegação de extravio ou problemas operacionais. Tais justificativas, do ponto de vista
técnico, são descabidas tendo em vista o volume de recursos e o tipo de operações
realizadas pela instituição financeira. [Fls. 153-157 do Apenso 143 – Grifos nossos.]
135. A empresa de auditoria externa, contratada pelo próprio Banco Rural, cons‑
tatou muitas inconsistências nos empréstimos realizados pela instituição financeira:
313. Em outra correspondência, de 29-1-2004, foi reportado sobre o ciclo ope‑
racional de concessão de crédito e de operações de câmbio, para o exercício findo
em 31-12-2003. Apresenta análise sobre essas duas áreas, relatando a conclusão dos
trabalhos de revisão dos dossiês das empresas tomadoras de recursos e avaliação do
rating atribuído às mesmas, bem como irregularidades em operações de câmbio.
314. Em relação às operações de crédito, cabe ressaltar alguns apontamentos
efetuados pelos auditores:
a) empresas tomadoras de crédito não apresentavam balanço patrimonial em
seus dossiês ou com cadastro desatualizado;
b) o Banco cadastrou rating AA para alguns clientes quando o correto seria
“A” ou “B”;
c) rating de empresas não condizente com a documentação suporte utilizada
para análise e definição da classificação de risco;
d) alteração automática de rating de empresas tomadoras de crédito após li‑
quidação de parcelas em atraso;
e) grande número de operações de crédito sem apresentação de garantias,
ultrapassando o montante de R$ 38 milhões.
(...)
316. Em correspondência, de 2-9-2004, são apresentadas considerações sobre o exercício findo em 30-6-2004. Esse documento apresenta diversas irregularidades nos lançamentos contábeis, registro de operações com o exterior e inúmeras
outras operações do Banco Rural.
317. Em correspondência, de 15-1-2005, são apresentadas considerações so‑
bre o exercício findo em 31-12-2004. Novamente, o relatório de auditoria aponta
inúmeras irregularidades, algumas das quais se transcrevem a seguir:
a) Item 4:
Como resultado de nossos testes seletivos nas transações de operação
de crédito, observamos que os seguintes clientes apresentavam dossiês desa‑
tualizados ou incompletos na data-base de 31 de dezembro de 2004.
(...)
SMP&B Comunicação Ltda.
Graffiti Participações Ltda.
A falta de informações atualizadas sobre os clientes, além de estar em
desacordo com as normas internas do Banco, dificulta o trabalho de conferência, definição e avaliação do rating para concessão de créditos.
b) Item 5:
O sistema de operações bancárias não critica, no momento da implan‑
tação da operação, se o valor cadastrado está de acordo com o aprovado na
proposta e nem se a proposta está aprovada. Adicionalmente, verificamos que
o sistema não possui controle para verificação de propostas reprovadas pelo
comité e recadastradas com valores menores pelas agências.
R.T.J. — 225
1067
c) Item 7:
Identificamos algumas operações de crédito realizadas com clientes
impedidos de operar com o Banco, principalmente por inadimplência.
d) Item 8:
O sistema de cadastro de clientes permite o cadastramento de CPF com
dados inconsistentes tais como: “11111111111” e “99999999999”. Adicionalmente, verificamos que o sistema não realiza críticas para o preenchimento dos
demais dados cadastrais, como por exemplo, sexo, bairro, CEP, entre outros.
e) Item 9:
Não existe integração entre o Sistema de Controle de Garantias e o
Sistema de Operações Bancárias. Desta forma, é possível efetuar uma operação bancária com garantia inexistente ou não informada, assim como é
possível o cadastro de garantias distintas entre os dois sistemas. Adicionalmente, não há segregação entre o cadastro das operações nos sistemas de
controle de garantia e no sistema de operações bancárias.
f) Item 10:
O sistema de propostas de operações de crédito possui recursos para apro‑
vação eletrônica. Entretanto, o limite de alçada não é definido automaticamente
pelo sistema, e as propostas podem ser aprovadas sem que haja a aprovação ele‑
trônica por parte do comitê responsável.
g) Item 11:
O arquivo que demonstra analiticamente as obrigações com banquei‑
ros no exterior (Camlay 2) apresenta algumas operações com registro em
duplicidade, sem devida identificação do Banco correspondente. Alertamos
que o processo de controle das transações através das conciliações de saldo,
quando executado de forma incorreta, pode gerar distorções significativas nas
demonstrações financeiras da instituição.
(...)
320. Em relatório, referente ao primeiro semestre de 2003, são apontadas irregu‑
laridades na atribuição de rating para os clientes tomadores de empréstimos e na iden‑
tificação dos depositantes ou sacadores de valores superiores a R$ 10.000,00, a saber:
(pag. 14) – “As notas de rating não estão em conformidade com as definidas
na instrução IAD531-6, tendo em vista que as notas permitidas são de l (um) a 4
(quatro) e o sistema esta aceitando O (zero) e branco”.
(...)
(pag. 17) – “As transações de registro de movimentação em espécie, da forma
apresentada, não atendem o estabelecido no circular 2852/98 e na carta-circular 3098/03
do Bacen, uma vez que identificação do depositante ou do responsável pelo pagamento
está limitado a valores superiores a R$ 10.000,00. Se houver valor inferior, mas que na
somatória ultrapassem aos R$ 10.000,00 a transação não identifica a responsável pelo
depósito/pagamento em espécie”. [Fls. 161-164 do Apenso 143 – Grifos nossos.]
136. O art. 4º da Lei 7.492/1986 tipifica o crime de gestão fraudulenta de
instituição financeira:
Gerir fraudulentamente instituição financeira:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.
O cuidado penal sobre a matéria é explicitada, dentre outros, por José Paulo
Baltazar Júnior, segundo o qual:
1068
R.T.J. — 225
As instituições financeiras captam, administram e aplicam a poupança popu‑
lar, logo, qualquer deslize desta representa abalo no sistema, além de trazer risco de
prejuízo patrimonial aos investidores.
A Lei de Economia Popular (Lei n. 1.521/51), em seu art. 3º, inc. IX, já
descrevia a gestão temerária ou fraudulenta, exigindo, porém, como elementares,
a falência ou insolvência da empresa, o que não ocorre na Lei n. 7.492/86. [BAL‑
TAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes federais: contra a administração pública, a
previdência social, a ordem tributária, o sistema financeiro nacional, as telecomu‑
nicações e as licitações, estelionato, quadrilha ou bando, moeda falsa, abuso de au‑
toridade, tráfico transnacional de drogas, lavagem de dinheiro. 3. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2008. p. 329.]
E Guilherme de Souza Nucci anota:
Gerir significa administrar, gerenciar, dirigir. O objeto da gestão é a institui‑
ção financeira (...). Logo, o tipo (penal) diz respeito à tomada de decisões adminis‑
trativas na instituição financeira, conforme dispõem a lei e o seu estatuto.
(...) Fraude quer dizer meio enganoso, ação de má-fé com o fito de ludibriar,
enfim, é gênero do artifício (esperteza), do ardil (armadilha, cilada), do abuso de
confiança e outras atitudes de igual perfil. (...) O objeto material pode ser todo instru‑
mento utilizado pelo administrador para promover a gestão fraudulenta (documentos
falsificados; contrato indevidamente lavrado; dinheiro irregularmente transferido
etc.). Os objetos jurídicos são a credibilidade do mercado financeiro e a proteção ao
investidor. [NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1048-1049 – Grifos nossos.]
137. No caso dos autos, a concessão de empréstimos pelo Banco Rural
às empresas SMP&B, de que eram sócios Marcos Valério, Ramon Hollerbach
e Cristiano Paz e também à Graffiti Participações Ltda., composta, em parte,
pelas mesmas pessoas, em frontal descumprimento às normas legais e infrale‑
gais então vigentes, demonstra a materialidade do delito de gestão fraudulenta.
138. Quanto à autoria do delito, Kátia Rabello, José Roberto Salgado e
Vinícius Samarane tiveram participação direta, livre e consciente nas ações
apontadas na denúncia como criminosas, consoante demonstração nos autos.
139. Kátia Rabello, presidente do Banco Rural, juntamente com José
Augusto Dumont (falecido), comandava a cúpula da instituição financeira e man‑
tinha contato direto e frequente com Marcos Valério para resolver as questões da
liquidação extrajudicial do Banco Mercantil de Pernambuco, motivo pelo qual
buscou, por meio da relação com ele desenvolvida, atingir os seus interesses
objetivos e imediatos pela concessão dos empréstimos fictícios.
140. Tem-se na manifestação da própria acusada em seu interrogatório:
Que as duas outras interlocuções intermediadas por Marcos Valério perante o
Governo Federal diziam respeito às discussões envolvendo a suspensão da liquidação
do antigo Banco Mercantil de Pernambuco; Que era do interesse do Banco Rural que
o Banco Central definisse a fórmula de calcular o passivo e o ativo da massa em li‑
quidação; Que o Banco Rural juntamente com o ex-controlador do Banco Mercantil,
Sr. Armando Monteiro, entendiam que o ativo da massa teria se tornado superior ao
R.T.J. — 225
1069
passivo calculado; Que essa discrepância se deu principalmente devido às desvaloriza‑
ções do real e a diminuição do risco país; Que encontram-se em tramitação duas ações
judiciais propostas pelos antigos controladores do Banco Mercantil cujos a objetos se
referem a estes cálculos; Que acreditava que esta questão envolvendo o Banco Mercantil possuía soluções que envolviam vontades políticas; Que o núcleo de discussões
a respeito do Banco Mercantil estava principalmente no Banco Central; Que Marcos
Valério intermediou 02 encontros entre a declarante e o Ministro da casa Civil José
Dirceu; Que não houve qualquer oportunidade para encontros com o presidente do
Banco Central; Que Marcos Valério afirmava que poderia conseguiu um encontro com
a Casa Civil, na pessoa do Ministro José Dirceu; Que nunca conversou com Marcos
Valério a respeito de encontros ou negociações a serem realizadas no Banco Central;
Que acreditava que o Ministro José Dirceu poderia entender e auxiliar os pleitos do
Banco Rural; Que possuía tal entendimento pois achava que José Dirceu poderia influenciar o Banco Central, já que existiam divergências técnicas dentro daquele órgão;
Que acreditava que José Dirceu tinha um poder de influência no Governo Federal; Que
tinha consciência de que a Casa Civil é um cargo de influência no Governo Federal;
Que Marcos Valério em nenhum momento fez qualquer comentário a respeito do poder
ou da influência exercida pelo Ministro José Dirceu; Que Marcos Valério dizia que era
muito ligado ao Delúbio Soares e por isso tinha facilidades em conseguir promover
encontros com o Ministro José Dirceu; Que Marcos Valério afirmou que era ligado a
Delúbio Soares pois havia disponibilizado os recursos financeiros para o PT através
dos empréstimos obtidos no Banco Rural; Que não conversou com Marcos Valério
sobre os interesses do Banco Rural nas negociações envolvendo o Banco Mercantil
de Pernambuco; Que, entretanto, Marcos Valério tomou conhecimento deste interesse
do Banco Rural, provavelmente através de conversas com José Augusto Dumont; Que
foi Marcos Valério que se ofereceu para intermediar um encontro entre a declarante e
José Augusto Dumont com o Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu, com o objetivo
de tratar de assuntos relacionados ao Banco Mercantil de Pernambuco; Que desde o
primeiro encontro intermediado por Marcos Valério entre seu pai e o Ministro José
Dirceu a declarante já tinha conhecimento de que Marcos Valério possuía contatos no
Governo Federal; Que Marcos Valério afirmou que conseguiria uma agenda com José
Dirceu tendo questionado a declarante se este encontro seria do interesse do Banco
Rural; Que realmente era interessante conversar com José Dirceu para tratar da solução
do assunto do Banco Mercantil; Que desta forma foi agendado encontro na Casa Civil
em 06 de agosto de 2003; Que referido encontro durou aproximadamente meia hora
quando expôs ao Ministro José Dirceu exclusivamente a questão do Banco Mercantil
de Pernambuco; Que também conversaram um pouco a respeito do pai da declarante;
Que o Ministro José Dirceu não fez qualquer pedido a declarante; Que participaram
deste primeiro encontro com José Dirceu a declarante, José Augusto Dumont e Marcos Valério; Que no início da reunião Marcos Valério fez uma pequena explanação a
respeito de qual seria o trâmite normal de tais assuntos dentro do Banco Central; Que
Marcos Valério tinha conhecimento do percurso que normalmente tais tipo de assunto
possuem dentro do Banco Central; Que não sabe como Marcos Valério possuía tal tipo
de conhecimento, mas acredita de que se deve ao fato do mesmo já ter trabalhado no
Banco Central; Que não sabe dizer como tomou conhecimento de que Marcos Valério
teria trabalhado no Banco Central; Que não sabe dizer se Marcos Valério fez tal comentário; Que após explanação de Marcos Valério, José Dirceu fez algumas perguntas
para José Augusto Dumont; Que essas perguntas eram referentes à situação em que se
encontrava a massa falida do Banco Mercantil de Pernambuco; Que José Dirceu disse
1070
R.T.J. — 225
que iria estudar o caso e dar uma resposta; Que até hoje não recebeu qualquer resposta
da Casa Civil; Que em agosto de 2004 Marcos Valério informou a declarante que o Mi‑
nistro José Dirceu estaria em Belo Horizonte/MG em uma visita oficial, tendo sugerido
que o convidasse para um jantar; Que Marcos Valério afirmou que José Dirceu acei‑
taria tal convite; Que não sabe informar quem entrou em contato com o Ministro José
Dirceu para marcar o jantar, mas pode afirmar que não foi a declarante; Que de fato foi
marcado jantar no Hotel Ouro Minas no dia 06 de agosto de 2004, do qual participaram
a declarante, o Ministro José Dirceu e seu assessor Plauto; Que nesse jantar conversou
generalidades com o Ministro José Dirceu, fez comentários da situação política e eco‑
nômica do país, bem como questões pessoais; Que José Dirceu contou sobre uma loja
de roupas que possuía; Que não se recorda onde estaria sediada tal loja nem em que
época, mas se lembra que o Ministro comentou como era decorada a loja; Que no final
deste jantar Plauto abordou José Dirceu com o assunto referente ao Banco Mercantil
quando o mesmo voltou a afirmar que estava estudando o caso. [Fls. 4368-4370.]
141. Consta, ainda, dos autos que Marcos Valério esteve diversas vezes no
Banco Central, nos anos de 2003, 2004 e 2005, para tratar da liquidação extraju‑
dicial do Banco Mercantil de Pernambuco, em benefício do Banco Rural:
O Diretor da Dilid, acompanhado de seus consultores, recebeu o Sr. Marcos
Valério nos dias 11-11-2003, 13-1-2004 e 17-2-2004, em Brasília, e tratou da li‑
quidação extrajudicial do Banco Mercantil de Pemambuco e do interesse do Banco
Rural em encontrar solução que permitisse o levantamento da liquidação, mediante
pagamento aos credores existentes e liberação das garantias. [Fl. 8599.]
2. Sem ter solicitado audiência prévia com o Diretor da Dilid, o Sr. Marcos
Valério compareceu ao Banco Central, em Brasília e, tendo em vista impossibilidade de ser atendido pelo diretor, foi recebido pelos signatários, em conjunto ou
separadamente, em 25-11-2003, 17-12-2003, 4-5-2004, 22-2-2005 e 10-5-2005.
3. Em todas elas o assunto foi o interesse do Banco Rural no levantamento da
liquidação extrajudicial do Banco Mercantil de Pernambuco. [Fl. 8602.]
142. José Roberto Salgado, vice-presidente do Banco Rural, também par‑
ticipou, dolosamente, da simulação de empréstimos bancários para as empresas
de Marcos Valério, porque mesmo após ter sido alertado dos riscos da operação
pelos analistas de crédito do Banco Rural permitiu a renovação de contratos
de mútuo, conforme demonstra o Laudo de Exame Contábil 1.666/2007-INC
(fls. 132-137 do Apenso 143).
143. O acusado José Roberto Salgado aprovou, entre outras, as seguintes
renovações de contratos de mútuo:
– 1ª, 2ª, 4ª e 5ª renovações do Contrato de Mútuo Original 552/0009/03,
feito à Graffiti Participações Ltda., nos dias 29-12-2003 (R$ 10.990.000,00),
31-3-2004 (R$ 11.812.000,00), 15-10-2004 (R$ 13.592.000,00) e 24-3-2005
(R$ 15.512.000,00) – fl. 132 do Apenso 143;
– 4ª renovação do Contrato de Mútuo Original 345/0009/03, feito à SMP&B
Comunicação Ltda., no dia 29-6-2004, no valor de R$ 27.809.300,00 (fl. 113 do
Apenso 143).
R.T.J. — 225
1071
144. Os fatos são complementarmente comprovados pelo depoimento
da testemunha Carlos Roberto Sanches Godinho, ex-superintendente de compliance do Banco Rural, que esclareceu:
Que toda a área comercial e internacional ficou subordinada ao Sr. José Ro‑
berto Salgado, Vice-Presidente da Área Operacional, que também ocupava a Presi‑
dência do Comitê de Prevenção a Lavagem de Dinheiro, onde permaneceu desde a
criação desse Comitê, no ano de 2002, até o ano de 2004, quando foi substituído pelo
Diretor Vinícius Samarane; (...) Que, acima das Vice-Presidências, encontrasse a Pre‑
sidência do Banco, ocupada pela Sra. Kátia Rabello desde 2001. [Fls. 4785-4786.]
E:
O Sr. Representante do Ministério Público: O senhor mencionou que esse relatório,
“Conheça seu cliente”, era enviado para um diretor. Que diretoria e quem era o diretor?
O Sr. Carlos Godinho: o diretor responsável pela região, na época, era o Né‑
lio Brant. Era um diretor estatutário, que englobava as agências de Belo Horizonte.
O parecer dele era encaminhado à diretoria do Banco para poder discutir se aquele
cliente era informado ao Banco Central, ou não. Desde que essa resolução entrou
em vigor – só para ressaltar o Banco Central chamou a atenção do Banco Rural, que
nunca tinha informado ninguém com indícios de lavagem de dinheiro. Então, depois
de uma inspeção globalizada, eles recomendaram que o Banco tinha de informar.
Mesmo assim essas operações que apresentavam indícios não foram informadas.
O Sr. Representante do Ministério Público: Do diretor Nélio Brant, ele en‑
viava para alguma diretoria específica?
O Sr. Carlos Godinho: Para a diretoria responsável pela prevenção à lavagem
de dinheiro perante o Banco Central. Porque a Circular 2852 define que o Banco
tem de definir um diretor estatutário para ser penalizado e responsável por qualquer
problema em relação à lavagem de dinheiro. Esse diretor, na época, era o José Ro‑
berto Salgado, que, em 2004, saiu e entrou Ayanna Tenório.
O Sr. Representante do Ministério Público: Esse relatório semestral – já é ou‑
tro relatório que o senhor mencionou e que era feito por várias áreas – era enviado
para qual diretor?
O Sr. Carlos Godinho: É o seguinte: esse relatório surgia no compliance.
Eu fazia a versão inicial dele, colocava todas as recomendações. Como funciona o
compliance? O compliance é como um advogado que tem de analisar as normas, a
legislação e verificar se o Banco está em conformidade com aquilo. Ele não faz uma
fiscalização, ele recomenda: “Olha, se não fizer isso, pode acarretar um risco de
imagem, um risco legal, uma multa, perder um cliente.” Então, são recomendações
que a diretoria acata ou não. Por que isso? Porque sempre, a nível de Banco Central,
tem que ter um diretor estatutário para ser responsável por prevenção à lavagem de
dinheiro, por controles internos e compliance, por recursos de terceiros e uma série
de procedimentos que o Banco Central exige do diretor estatutário.
No caso de prevenção à lavagem de dinheiro, foi o José Roberto Salgado e
depois Ayanna Tenório. Em nível de controles internos foi o João Heraldo, depois o
Vinícius Samarane. [Fls. 19981-19983.]
145. Vinícius Samarane ocupava o cargo de diretor de controles internos
do Banco Rural, departamento encarregado de observar as obrigações legais
impostas ao banco para evitar a prática de lavagem de dinheiro.
1072
R.T.J. — 225
Contudo, tendo conhecimento dos fatos, dolosamente consentiu com as
práticas fraudulentas, deixando de fazer constar nos relatórios específicos as
inconsistências observadas quanto à empresa SMP&B.
Nesse sentido, a testemunha Carlos Roberto Sanches Godinho complementa:
(...) a partir de 2004, o depoente, enquanto Superintendente de Compliance,
estava diretamente subordinado ao Diretor Estatutário Vinícius Samarane; Que o
depoente, na Superintendência de Compliance, trabalhava com três analistas de
compliance, Fernando Pazzalio, Bete Lima e Daniele, encontrando-se subordinado
ao respectivo Diretor Estatutário de Controles Internos e Compliance; Que o Diretor
Estatutário de Controles Internos Vinícius Samarane encontrava-se subordinado a
Vice-Presidência de Apoio Operacional, que era ocupada pela Sra. Ayanna Tenório;
(...) Que a função de compliance é a de manter a conformidade dos procedimentos do
banco com a legislação e normativos externos e internos; Que, sendo um banco de ne‑
gócios, com um número limitado de clientes, há uma maior facilidade para verificação
de irregularidades e inconsistências nos procedimentos adotados pelos clientes; Que
a função do depoente não era a de fiscalizar, mas sim de recomendar a regularização
da ocorrência; Que, para tanto, foi criado um instrumento para facilitar o trabalho
denominado “programa de compliance”, constituído de um código de ética do banco,
política de “conheça seu cliente”, procedimentos de prevenção a lavagem de dinheiro;
treinamento para todos os funcionários sobre a Lei 9.613/98; Que o “programa de
compliance” foi totalmente implantado em fevereiro de 2005, tendo sido iniciado seu
desenvolvimento em 2002; Que essa política reflete a tentativa de melhorar os contro‑
les internos, visando preservar a instituição contra os riscos de imagem, legal e opera‑
cional; Que a política de conheça seu cliente foi implantada em 2002, com a criação do
relatório “conheça seu cliente”, que apresentava indícios dos clientes que movimenta‑
vam dez e quinze vezes o seu faturamento mensal ou de setores específicos, tais como
bingos, joalherias, igrejas e empresas de factoring; Que essas ocorrências geravam um
relatório automático chamado “conheça seu cliente”, que era encaminhado pelo de‑
poente a Diretoria Estatutária (Operacional e Diretor responsável, segundo a Circular
2.852) para justificar se se tratava de indício de lavagem; Que, as providências adota‑
das pela Direção do Banco não eram de conhecimento do depoente; Que esse relatório
continha campos para a indicação da justificativa referente a ocorrência levantada pelo
sistema, permanecendo arquivado no banco, à disposição do Bacen e de outros órgãos,
pelo período de cinco anos; Que as justificativas devem ser assinadas pelos respec‑
tivos Diretores, a quem compete comunicar o fato ao Banco Central nas situações
que entenderem cabíveis; Que esse relatório era apresentado mensalmente, havendo
clientes que apareciam todo mês; Que a empresa SMPB aparecia constantemente no
referido relatório, inclusive a partir do ano de 2003, assim como a empresa Graffiti,
cuja aparição pode afirmar ter ocorrido ao menos uma vez; Que o Diretor Estatutário
responsável pela região que abrangia as contas da SMPB era o Sr. Nélio Brant, até
a sua saída, ocorrida neste ano; Que o sistema também gerava automaticamente um
relatório de movimentação acima dos padrões que complementa a política “conheça
seu cliente”, na medida em que também captura as seguintes transações: duas, cinco,
dez, quinze vezes o faturamento mensal e setores específicos; Que esse relatório é mais
abrangente e contém situações indicadas no relatório “conheça seu cliente”, contendo
as seguintes sinalizações: “A” (setor específico), “J” (dez vezes) e “K” (quinze vezes),
bem como dois asteriscos (cliente que apareceu a primeira vez); Que esse relatório é
encaminhado em uma cópia á Diretoria Regional e outra para a agência, para análise e
R.T.J. — 225
1073
justificativas, complementando, assim, o procedimento de levantamento de indícios de
lavagem, realizado mensalmente; Que o parâmetro para a movimentação suspeita é a
renda ou o faturamento médio mensal do cliente, pessoa física ou jurídica; Que o que
facilitou o trabalho do depoente na área de compliance foi a experiência que tem na
área de tecnologia; Que, desta forma, tinha uma grande facilidade na identificação das
situações suspeitas; Que, pela Resolução Bacen 2.554, o banco é obrigado a elaborar
um relatório semestral de controles internos e de compliance, que é encaminhado ao
Conselho de Administração e assinado pelos seus membros, ficando a disposição do
Banco Central por cinco anos; Que esse documento relata as irregularidades encon‑
tradas pelo compliance, auditoria, inspetoria e controles internos, suas recomendações
para adoção de providências, bem como o prazo e o setor responsável para regularizar
a situação; Que as informações referentes às operações (empréstimos, movimentação,
saques em espécie) realizadas pelo PT e SMPB nunca foram inseridas nesse relatório;
Que esse relatório não era gerado automaticamente pelo sistema desenvolvido pelo de‑
poente, mas sim elaborado pelos responsáveis de compliance, auditoria interna e ins‑
petoria, sendo assinado pelos respectivos Superintendentes e pelo Diretor de Controles
Internos e Compliance, com a ciência de todo o Conselho de Administração; Que o
primeiro relatório foi elaborado a partir do ano de 2003, não obstante a Resolução
2.554 datar do ano de 1998, em razão de solicitação do Banco Central após realização
de inspeção globalizada; Que nesse período foram elaborados seis relatórios semestrais, sendo que, como o último não apontava as irregularidades relativas a SMPB
e ao PT, o depoente se recusou a assiná-lo; Que esse último relatório data de 30 de
junho de 2005; Que, nos demais, também não constaram as irregularidades das operações da SMPB e do PT que foram identificadas nos relatórios de compliance, mas
o depoente se viu compelido a assinar para garantir o seu emprego; Que o depoente,
em razão da sua função no banco, era o responsável pela elaboração da versão inicial
desse relatório semestral; Que fazia constar todas as irregularidades apuradas pelo
compliance, auditoria interna e inspetoria; Que esse relatório seguia para os seus
superiores, a saber, João Heraldo Lima, e, posteriormente, Vinícius Samarane, retornando a versão final, já assinada pelos superiores, com o nome do depoente e dos demais superintendentes para assinatura, sem aqueles apontamentos de irregularidades
inicialmente registrados; Que, ao observar que o documento com a última versão já
retomava a suas mãos assinado, inclusive pelos membros do Conselho de Administra‑
ção, o depoente entendeu não lhe restar outra alternativa senão assinar o documento;
Que, por ocasião da elaboração do último relatório, como os fatos já estavam muito ex‑
postos na mídia, o depoente se recusou a assiná-lo, sendo sinalizado que o compliance
seria terceirizado e que o depoente seria convidado a deixar o banco via PDV; Que
o depoente comunicou a sua recusa em assinar o relatório ao Diretor Vinícius, o que
ocasionou a substituição do referido documento, com a supressão do campo destinado
a assinatura do Superintendente de Compliance; Que, logo após, o Diretor Vinícius lhe
comunicou que os setores de Compliance e Auditoria Interna seriam terceirizados, o
que se comprovou com a publicação do balanço em agosto de 2005; Que o depoente
entrou no PDV em agosto e saiu em setembro; Que a única pessoa com autorização
para interagir com o Conselho de Administração era o Diretor Vinícius Samarane,
que também era responsável pela Secretaria-Geral do Banco; Que a auditoria apenas
analisava a administração do Banco, não tendo uma função específica nos casos de
análise de movimentações, clientes, agências ou atribuições da inspetoria. [Fls. 47854790, confirmado às fls. 19978/20036 – Grifos nossos.]
1074
R.T.J. — 225
146. Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna
Tenório contraditaram a testemunha Carlos Roberto Sanches Godinho.
A contradita assentou-se, basicamente, na circunstância de tais réus terem
ajuizado ações de reparação de danos moral e material contra a testemunha arrolada.
147. O Juízo da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais inde‑
feriu a contradita nos termos seguintes:
Como afirmado, entendendo que insere-se nos poderes ordenados pelo egrégio
STF o conhecimento de eventuais contraditas, impões a esse Juízo o indeferimento
da mesma na forma do art. 203 do CPP. É dever de todo o cidadão contribuir com o
Poder Judiciário para esclarecimento da verdade, excluídos apenas aquelas pessoas
constantes do rol do art. 207 do CPP, o qual não se encontra a testemunha. Nesses
termos, indefiro a contradita na forma do art. 214 do CPP. [Fl. 19323, vol. 89.]
O entendimento do Juízo da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas
Gerais harmoniza-se com as lições doutrinárias de Eugênio Pacelli de Oliveira
e Douglas Fischer:
Contraditada uma testemunha no processo civil, deve o juiz, se convencido de
sua procedência, excluir seu depoimento. Circunstâncias pessoais como a amizade,
a inimizade, e, enfim, a existência de relações anteriores envolvendo a testemunha
e as partes, parecem suficientes para duvidar da credibilidade da testemunha, daí
resultando a sua exclusão no processo civil.
No processo penal, porém, tal não ocorre, particularmente no que toca à co‑
leta do depoimento.
Nos termos do dispositivo ora em comento, somente se excluirá a testemu‑
nha nos casos expressamente previstos na lei. E nela (lei) não se aponta quaisquer
dessas circunstâncias que antes mencionamos como vícios ou defeitos impeditivos
da tomada de depoimento. Amigos ou inimigos, todos têm o dever de depor e, em
consequência o dever de dizer a verdade, sob pena de falso testemunho.
Não se pode aceitar a sugestão doutrinária no sentido de qualificar tais depo‑
entes (amigos, inimigos, etc.) como declarantes, como já o afirmamos linhas atrás.
Com efeito, não se pode aplicar o disposto no art. 405, § 4º, do CPC, por suposta ana‑
logia, dado que inexiste ausência de regulação da matéria no CPP. Muito ao contrá‑
rio, há norma expressa em sentido contrário, a exigir o depoimento de todos aqueles
que não se enquadram no rol de pessoas alinhadas no art. 207 do CPP. [FISCHER,
Douglas; OLIVEIRA, Eugênio Pacceli de. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 415 – Grifos nossos.]
148. Por estas razões, ao contrário do pretendido pela defesa, não se há
cogitar de suspeição da testemunha, cujo depoimento se presta a corroborar os
outros elementos de prova havidos nos autos, notadamente o laudo pericial refe‑
rente à movimentação contábil do Banco Rural.
149. Não fica comprovado que Ayanna Tenório Torres de Jesus tenha tido
clareza e consciência livre e voltada à prática de atos ilícitos. Conforme alegado
pela defesa e comprovado no curso da instrução processual, Ayanna Tenório
nunca havia trabalhado em instituição financeira.
R.T.J. — 225
1075
Em 29-6-2004, Ayanna Tenório era a vice-diretora de apoio operacio‑
nal do Banco Rural e, nessa condição, aprovou a 3ª renovação do Contrato de
Mútuo Original 552/0009/03, feito à Graffiti Participações Ltda., no valor
de R$ 12.578.000,00 (fl. 132 do Apenso 143) e a 4ª renovação do Contrato de
Mútuo Original 345/0009/03, feito à SMP&B Comunicação Ltda., no valor
de R$ 27.809.300,00 (fl. 113 do Apenso 143).
Entretanto, a denúncia descreve terem se iniciado as práticas criminosas
em 2002, forjando-se o esquema financeiro com a utilização da estrutura ban‑
cária, composta pelos acusados antes mencionados, a partir do início de 2003.
150. Ayanna Tenório foi contratada em 2004 como especialista em recursos
humanos, visando, com a sua contratação, à “elaboração de um trabalho específico
de planejamento e reestruturação interna”, conforme descrito nas alegações finais.
Sem função financeira, nem sendo esta a sua especialidade, não é certo que
tenha tido a sua vontade livre voltada à prática de atos cujas causas e consequências
não parecem ser do seu conhecimento, porque não se comprovou tivesse ela sequer
ciência dos dados financeiros que perpassavam as funções que lhe foram cometidas.
151. Conquanto juridicamente previsto no sistema penal brasileiro a possi‑
bilidade de alguém aderir a grupo que esteja a praticar crimes, não há elementos
a corroborar tal situação quanto a esta acusada.
Mais factível parece ter sido indicada ela vice-presidente, no organograma
da instituição bancária, exatamente pela sua insciência, não pela sua ciência.
Não há como se lhe imputar prática não comprovada nos autos, sendo de
se admitir, no caso, o argumento de sua defesa, qual seja a de que qualquer con‑
denação que se lhe impusesse decorreria do organograma do Banco Rural e não
de sua atuação profissional.
152. Assim, pelos elementos de prova produzidos e expostos nos autos, pode‑
-se afirmar, em juízo de certeza, que os acusados Kátia Rabello, José Roberto
Salgado e Vinícius Samarane, ocupantes de cargos de direção no Banco Rural,
agindo com vontade livre e consciência, foram responsáveis por viabilizar e
garantir a utilização dos empréstimos formais e simulados antes descritos.
Para tanto, serviram-se de expedientes fraudulentos na gestão da institui‑
ção financeira, devendo ser condenados pela prática do crime de gestão fraudulenta, que é como voto.
153. Diferentemente, voto no sentido de absolver a ré Ayanna Tenório
Torres de Jesus da acusação da prática do crime de gestão fraudulenta com
fundamento no inciso VII do art. 386 do Código de Processo Penal, por não
haver prova para a condenação.
1076
R.T.J. — 225
VI – Capítulo IV da denúncia – Lavagem de dinheiro (núcleo operacional-financeiro)
154. O Ministério Público assevera que os acusados Marcos Valério,
Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias, Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e
Ayanna Tenório teriam praticado o crime de lavagem de dinheiro.
Afirma que,
No esquema inaugurado em 2003, além de injetar recursos por meio de
concessões e renovações de empréstimos fictícios, os dirigentes do Banco Rural
idealizaram e disponibilizaram um seguro sistema de distribuição dos valores sem
identificação dos destinatários reais para o Banco Central do Brasil e para o Conse‑
lho de Atividades Financeiras – COAF.
O objetivo era ocultar a origem, a natureza e o real destinatário dos altos va‑
lores pagos em espécie às pessoas indicadas por Delúbio Soares a mando de José
Dirceu. [Fl. 45344.]
155. Como antes transcrito, dispõe o art. 1º da Lei 9.613/1998 ser crime de
lavagem de dinheiro:
Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimen‑
tação ou propriedade de bens, direitos o valores provenientes, direta ou indireta‑
mente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo e seu financiamento;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à
sua produção;
IV – de extorsão mediante sequestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para ou‑
trem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para
a prática ou omissão de atos administrativos;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por grupo criminoso;
VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira
(arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 –
Código Penal).
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos e multa.
156. Em comentários sobre os crimes denominados “de colarinho branco”
James William Coleman disserta:
Para a maioria das pessoas, os assaltantes, assassinos e traficantes que podem
ser encontrados em uma rua escura da cidade são o cerne do problema criminal. Mas
os danos que tais criminosos causam são minúsculos quando comparados com os
de criminosos respeitáveis, que vestem colarinho branco e trabalham para as orga‑
nizações mais poderosas (...). Até recentemente, o problema do crime do colarinho
branco manteve-se praticamente invisível. A atenção da mídia sempre esteve voltada
para os serial killers, as gangues de adolescentes e outros criminosos mais expostos
R.T.J. — 225
1077
e crimes mais dramáticos. A polícia está mal equipada para lidar até mesmo com as
mais simples transgressões do colarinho branco, e as próprias vítimas, frequente‑
mente, desconhecem a principal causa de suas dificuldades. Criminologistas como
Edward Ross e Edwin Sutherland, os primeiros a chamar a atenção para a realidade
do crime do colarinho branco, exerceram suas carreiras clamando a colegas que
pouco compreendiam o problema ou não tinham interesse por ele. A maioria das
pessoas com condições de chamar a atenção do público para esse problema supunha
que os detentores de privilégios e poder eram basicamente honestos ou, talvez, sim‑
plesmente não estivessem interessadas em morder a mão daqueles que a alimentam.
A primeira grande fratura nessa parede de silêncio aconteceu como o escân‑
dalo Watergate no começo da década de 1970. A partir daí, ano após ano, escândalo
após escândalo, a confiança do público nas instituições políticas e sociais foi sendo
minada, e o tema do crime do colarinho branco ganhou nova respeitabilidade e
importância. No entanto, ainda hoje, aqueles que reclamam da corrupção governa‑
mental ou da irresponsabilidade corporativa raramente compreendem a extensão do
problema ou as forças históricas, econômicas e estruturais que estão na sua base (...).
Em junho de 1996, o National White Collar Crime Center (Centro Nacional
contra o Crime do Colarinho Branco) realizou uma conferência com especialistas da
área para examinar o desconcertante tema dessas definições. Surpreendentemente,
eles conseguiram, com muito esforço, elaborar uma “definição de consenso” para o
crime do colarinho branco:
Os crimes do colarinho branco são atos ilegais ou antiéticos, que vio‑
lam a responsabilidade fiduciária do monopólio público, cometidos por um
indivíduo ou uma organização, geralmente no decorrer de uma atividade pro‑
fissional legítima, por pessoas de posição social elevada ou respeitável, para
obter ganhos pessoais ou organizacionais.
(...) praticamente por qualquer critério, o crime do colarinho branco é nosso pro‑
blema criminal mais sério. O ônus econômico desse crime é amplamente maior do que
o do crime de rua. E, embora possa ser impossível determinar com exatidão quantas
pessoas são mortas ou sofrem lesões anualmente devido a esse tipo de crime, a afir‑
mação de que esses crimes não causam danos físicos e não são violentos dificilmente
poderia ser levada a sério. Em média, menos de 20 mil assassinatos são cometidos nos
Estados Unidos por ano; sem dúvida, os criminosos “não violentos” matam um número
consideravelmente maior de pessoas do que todos os crimes violentos de rua juntos.
(...) os criminosos do colarinho branco são realmente membros de uma elite
do crime. Em comparação com outros, eles ganham mais dinheiro com seus crimes,
correm poucos riscos físicos, suas chances de parar na prisão ou ser condenados
são poucas e, quando condenados, recebem penas mais leves. [COLEMAN, James
William. A elite do crime: para entender o crime do colarinho branco. Tradução De‑
nise R. Sales. 5. ed. Barueri: Manole, 2005. p. 1-2, 11, 17 e 374.]
O crime de lavagem de dinheiro tem sido um dos tipos penais ligados a
práticas delituosas levadas a efeito pelos “colarinhos brancos”, tal como descrito
na denúncia apresentada.
157. Sobre o tipo penal imputado aos réus, neste específico item, leciona
José Paulo Baltazar Júnior:
Podemos conceituar a lavagem de dinheiro como atividade que consiste na
desvinculação ou afastamento do dinheiro da sua origem ilícita para que possa ser
1078
R.T.J. — 225
aproveitado. O que fundamentou a criação desse tipo penal é que o sujeito que comete
esse tipo de crime, que se traduz num proveito econômico, tem que disfarçar a origem
desse dinheiro, ou seja, desvincular o dinheiro da sua origem criminosa e conferir-lhe
uma aparência lícita a fim de poder aproveitar os ganhos ilícitos, considerado que o
móvel de tais crimes é justamente a acumulação material. O dinheiro em espécie é di‑
fícil de ser guardado e manuseado, apresenta grande risco de furto ou roubo (Callegari,
2002:48), além de chamar a atenção em negócios de alto valor, daí surgindo a necessi‑
dade da lavagem (Pitombo:42). É característica da lavagem, então, que os crimes an‑
tecedentes produzam lucros, tais como o tráfico ilícito de entorpecentes e a corrupção.
É característica da lavagem de dinheiro, também, a interação entre a economia
ilegal e legal, para onde se tenta levar o produto do crime, o que também é próprio do
crime organizado e traz dificuldades para sua definição teórica e controle, na prática.
Para fins didáticos apenas, tendo em vista que tais fases “não são estanques
e independentes, mas comunicantes e, até mesmo, superpostas, pois a reciclagem
é um processo (...)” (Maia, 1999:37), o crime se dá em três fases, de acordo com o
modelo do GAFI, a saber:
a) colocação (placement), ocultação ou conversão, é a separação física do di‑
nheiro dos autores do crime, sem ocultação da identidade dos titulares (Callegari,
2002:48) antecedida pela captação e concentração do dinheiro, podendo ser citados
como exemplos a aplicação no mercado formal, mediante depósito em banco, troca por
moeda estrangeira, remessa ao exterior através de mulas, transferência eletrônica para
paraísos fiscais, importação subfaturada; aquisição de imóveis, obras de arte, joias, etc.
b) dissimulação (layering), nessa fase, multiplicam-se as transações anterio‑
res, com várias transferências por cabo (wire transfer), através de muitas empresas
e contas, de modo a que se perca a trilha do dinheiro (paper trail), constituindo-se
na lavagem propriamente dita, que tem por objetivo fazer com que não se possa
identificar a origem ilícita dos valores ou bens;
c) integração (integration ou recycling), que se dá quando o dinheiro é em‑
pregado em negócios lícitos ou compra de bens, dificultando ainda mais a investi‑
gação, já que o criminoso assume ares de respeitável investidor, atuando conforme
as regras do sistema.
De ver que, para a consumação do delito, não se exige a ocorrência dessas
três fases.
Callegari cita como formas de colocação (...) o depósito em instituições fi‑
nanceiras com a conivência de seus empregados (...).
No conjunto, a lavagem de dinheiro é definida como: “o conjunto complexo de
operações, integrado pelas etapas de conversão (placement), dissimulação (layering)
e integração (integration) de bens, direitos e valores, que tem por finalidade tornar le‑
gítimos ativos oriundos da prática de atos ilícitos penais, mascarando esta origem para
que os responsáveis possam escapar da ação repressiva da justiça” (Maia, 1999:53).
A lavagem de dinheiro tanto pode dar-se mediante utilização do sistema finan‑
ceiro, caso em que será mais facilitada quanto maior for o grau de sigilo bancário
permitido (Callegari, 2002:48) ou por outros meios, como o mercado imobiliário,
de joias ou obras de arte, ou, ainda jogos legais e ilegais (Arlacchi). [BALTAZAR
JÚNIOR, José Paulo. Crimes federais: contra a administração pública, a previdência
social, a ordem tributária, o sistema financeiro nacional, as telecomunicações e as
licitações, estelionato, quadrilha ou bando, moeda falsa, abuso de autoridade, tráfico
transnacional de drogas, lavagem de dinheiro. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advo‑
gado, 2008. p. 495-496.]
R.T.J. — 225
1079
E no mesmo sentido ensina, dentre outros, Marco Antônio de Barros:
Configuram o objeto material dos crimes de “lavagem” os bens, direitos e valores
que sejam produto ou resultado dos crimes primários. Somente o lucro “sujo” ou o pa‑
trimônio cuja raiz seja proveniente de um dos crimes previstos nos oito incisos do art. 1º
[da Lei n. 9.613/1998 – vigente na data dos fatos] é que constituem o objeto material.
A expressão “bens, direitos e valores” foi utilizada pelo legislador no sen‑
tido genérico, ou seja, quaisquer bens, direitos ou valores que sejam produto ou
resultado daqueles crimes. Inclui-se neste universo o próprio fracionamento do
patrimônio, bem como as substituições de ativos utilizados na fase de dissimulação
do capital. [BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de capitais e obrigações civis
correlatas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 60.]
158. No caso dos autos, a prova produzida na instrução processual escla‑
receu o modo de operar dos réus para executar a lavagem de dinheiro. Tem-se,
assim, no Laudo de Exame Contábil 1.666/2007-INC:
IV.3.12 – Da Operacionalização dos Saques em espécie no Banco Rural
321. A princípio, vale dar conhecimento que é possível as instituições finan‑
ceiras disponibilizarem serviços de saques em espécie em agências distintas à de
origem do cliente, independente do favorecido, se o próprio ou terceiro.
322. Ao disponibilizar o serviço, o banco realiza o débito na conta do cliente
e, necessariamente, providencia uma instrução para pagamento, “Ordem de Paga‑
mento”, transmitida por meio de fax, telex, e-mail, etc. com precisa e obrigatória
identificação do emitente e do favorecido. Essa identificação tem por objeto atender
às normas sobre lavagem de dinheiro, como também salvaguardar o banco da sua
responsabilidade perante o seu cliente.
323. No caso do Rural, foram identificados saques em espécie realizados na
agência Assembleia, na agência Centro em Belo Horizonte e em outras praças como
Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.
324. Foi observado que os débitos em contas correntes da SMP&B Comuni‑
cação e Ltda., na agência 0009, Assembleia-BH/MG, eram efetuados por meio de
cheque nominal à própria SMP&B, com respectivo endosso, sem qualquer vincula‑
ção ou identificação de beneficiário diversa da própria SMP&B.
325. Ao sacar o cheque para disponibilização de recursos em espécie em ou‑
tra agência, inclusive em outro estado, a SMP&B apresentava documento timbrado
do Rural, denominado de “Controle de transações em espécie – saída de recursos/
pagamentos”, previamente preenchido, informando que era o titular da conta sa‑
cada; que se destinava a pagamento de fornecedores (não discriminados); que era a
portadora dos recursos; e, divergente com a informação de destinação, avisava que
era a beneficiária dos recursos.
326. Em que pese o fato de esse documento de controle ter destacada impor‑
tância no contexto das normas sobre lavagem de dinheiro, o Rural acatava antecipa‑
damente instrução de pagamento, normalmente por e-mail, solicitando que o valor
do cheque fosse pago a determinada pessoa, real beneficiário dos recursos, ainda
que recebesse o documento de controle de transações em espécie com informações
conflitantes em data posterior.
327. Operacionalmente, estando o novo beneficiário dos recursos em agência
fora de Belo Horizonte, o Banco Rural autenticava pagamento do cheque, conside‑
rando como favorecido o próprio emissor, a SMP&B Comunicação Ltda.; creditava o
1080
R.T.J. — 225
referido valor em contas internas da própria instituição financeira; enviava fax para a
outra agência autorizando que o referido valor fosse pago a determinada pessoa, a qual
deveria ser devidamente identificada. Por sua vez, a agência no outro estado, efetuava
o referido pagamento, levando o valor a débito da conta da própria instituição.
328. A consequência desses processos é que valores sacados, quando examinados na agência de origem, foram destinados à própria SMP&B para pagamento
de fornecedores. Ao examinar a operação como um todo, retifica-se que os beneficiários dos valores não foram fornecedores ou a SMP&B, mas sim pessoas físicas por
ela determinada. Essa forma de transferências de recursos teve como consequência a ocultação do real beneficiário dos recursos.
329. O encobrimento dos nomes de inúmeros beneficiários dos recursos só
foi possível com auxílio do Banco Rural, que mesmo tendo ciência dos nomes dos
intermediários ou dos efetivos beneficiários dos valores transferidos, disponibilizou
sua estrutura para que Marcos Valério Fernandes de Souza pudesse efetuar saques
em espécie destinados a terceiros como se fosse pagamento a fornecedores.
330. Agrava-se a esse contexto, quando se identifica casos em que não há
qualquer outra instrução de pagamento para que, além do documento de controle de
transações em espécie qualificando a SMP&B como beneficiária, o Rural destinasse
os recursos a terceiros, evidenciando a participação ativa do Banco no direcionamento dos recursos.
331. Nesse contexto, a análise de documentos de suporte de transferências
de recursos para saques na praça de Brasília, encaminhados pelo Banco Rural,
permitiu identificar que os beneficiários reais dos valores sacados da SMP&B não
eram fornecedores da empresa, o que tomam falsas as informações prestadas pelos
prepostos da SMP&B, no âmbito das exigências normativas para o combate a lavagem de dinheiro. [Fls. 164-165 do Apenso 143 – Grifos nossos.]
Esse laudo pericial tem o seu conteúdo reforçado em seus termos pelo
esclarecimento trazido, em idêntico norte, no depoimento da testemunha José
Francisco de Almeida Rego:
Que também era responsável em atender clientes de grande expressão, que fos‑
sem fazer depósitos ou retiradas de alto valor; Que os altos depósitos eram realizados
em uma sala especial, para viabilizar a contagem do dinheiro; Que já os saques vul‑
tuosos se davam dentro da tesouraria, pagos pelo depoente; Que desde o ano de 2002
esporadicamente recebia ligações do Banco Rural de Belo Horizonte/MG, agência
Assembleia, que indagava acerca da possibilidade de que fossem pagos saques no
valor aproximado de cinquenta a oitenta mil reais para a empresa SMP&B, que tinha
conta em Belo Horizonte/MG; Que essas ligações eram sempre efetivadas pelo tesou‑
reiro da agência do Banco Rural de Belo Horizonte, agência assembleia, e às vezes
pelo gerente geral da mesma agência; (...) Que no ano de 2003, contudo, logo a partir
de seu início, tais saques tornaram-se mais constantes e muito mais vultuosos; Que
se fosse possível fazer uma média, era feito aproximadamente um saque por semana;
Que tais saques permaneceram constantes até a saída do depoente do banco; Que
tinham semanas que eram feitos dois saques de mais de cem mil reais; (...) Que fato
curioso é que nestes dois anos de altíssimos e frequentes saques, nenhum recebedor
fez a conferência do numerário, sendo que apenas se limitavam a abrir uma “bolsa”
e colocar toda a quantia dentro dela; Que geralmente sacava notas de cinquenta ou
cem reais junto ao Banco Central com a finalidade de diminuir o volume do dinheiro;
(...) Que um fato curioso que deseja deixar consignado ocorreu em um dos saques,
R.T.J. — 225
1081
quando a pessoa apresentou a carteira de identidade muito diferente da pessoa que ali
comparecia; Que ao questionar este indivíduo sobre a diferença, o sacador disse que
era assessor parlamentar e que a foto era antiga; (...) Que também se recorda de uma
mulher com aparência pouco bela, que sempre chegava de mal humor, vociferando que
estava “fazendo favor para os outros” (...). Que indagado se algum membro da direto‑
ria da SMP&B realizou algum saque com o depoente, respondeu que sim; Que essa
pessoa se chama Simone Reis, que se apresentava como diretora da SMP&B; Que se
recorda de Simone Reis em virtude da mesma ser muito bonita e ter comparecido di‑
versas vezes na agência do Banco Rural de Brasília para realizar os ditos saques; Que
entretanto, apesar de Simone Reis assinar o recebimento do dinheiro, não chegava a
levá-lo consigo; Que no verso da própria autorização de saque que vinha de Belo Ho‑
rizonte/MG, Simone Reis assinava o recibo e escrevia o nome de pessoas que viriam
pegar o dinheiro com o depoente; Que estas pessoas chegavam a apresentar a carteira
de identidade para se confirmar sua identificação, mas não se tirava cópia, já que o
recibo estava assinado por Simone Reis; Que também deseja esclarecer que em geral
cada saque era fracionado em outros menores, comumente cinquenta ou cem mil reais;
Que para cada fração desta, vinha um fax especifico em nome da pessoa que sacaria
aquela parte; Que em geral os valores eram redondos, ou seja, cinquenta, cem e em
raríssimos casos duzentos mil reais; Que não se recorda de ter pago valores superiores
a duzentos mil reais a uma só pessoa; Que também não se recorda de ter pago valores
inferiores a cinquenta mil reais; Que esse fato aguçava a curiosidade do depoente; Que
realmente suspeitava de alguma coisa errada nesse procedimento, fato que o levou a
conversar com o então gerente José Alberto e também posteriormente Lucas Roque;
Que estes gerentes apenas diziam que era para o depoente fazer o seu trabalho já que
estavam tão somente atendendo solicitações da agência Assembleia do Banco Rural
de Belo Horizonte/MG. [Fls. 222-225, confirmado judicialmente às fls. 19069-19070.]
159. Na espécie vertente, as provas pericial e testemunhal demonstram,
com clareza, como funcionava a lavagem de dinheiro.
O Banco Rural firmou contrato de mútuo com as empresas SMP&B e a
Graffiti Participações Ltda., cujos sócios eram Marcos Valério, Ramon Holler‑
bach e Cristiano Paz.
Como antes anotado, a Graffiti Participações Ltda. compunha os quadros
societários de outra empresa publicitária, DNA, na qual comparecem como
sócios alguns dos membros daquela primeira.
Os empréstimos conseguidos com o Banco Rural tinham o específico
objetivo de obter recursos a serem transferidos ao Partido dos Trabalhadores,
cujas finanças, nas palavras do defensor do seu ex-presidente, José Genoíno, nas
alegações finais e na tribuna, durante este julgamento, “estavam em frangalhos”.
Os empréstimos eram feitos pelo Banco Rural às agências de publicidade
(basicamente à SMP&B), integradas por Marcos Valério, Ramon Hollerbach
e Cristiano Paz. Estas agências funcionavam como captadoras de recursos,
de forma escusa, oferecendo-se como fachada. Não eram as destinatárias do
dinheiro, senão as que apareciam formalmente como contratantes para esconder,
dissimular, enganar o sistema e repassar os recursos ao verdadeiro beneficiário,
a saber, o Partido dos Trabalhadores e aqueles por ele indicados.
1082
R.T.J. — 225
A obtenção dos empréstimos objetivava, portanto, repassar os recursos aos indi‑
cados pelo Partido, principalmente pelo seu tesoureiro no período, Delúbio Soares.
A empresa SMP&B emitia cheque do Banco Rural, nominal a ela mesma,
sendo o documento assinado por pelo menos dois de seus sócios.
A SMP&B informava, em formulário do banco, que o dinheiro se destinava
ao pagamento de fornecedores.
O Banco Rural era comunicado sobre quem seriam os reais destinatários
do dinheiro.
Na sequência, a agência daquele banco em Belo Horizonte informava às
outras agências, incluídas aquelas de outros Estados da Federação, o nome das
pessoas autorizadas a sacarem os valores, é dizer, a quem se destinavam, verda‑
deiramente, os valores.
Essas pessoas – desconhecidas do banco e que não guardavam qualquer
relação com os empréstimos – compareciam na agência indicada, apresentavam‑
-se ao caixa ou a alguém previamente indicado e sacavam o dinheiro mediante
apresentação da identidade e assinatura em um recibo ou outro documento, que
ficava com o Banco, o qual não se preocupava em anotar, de forma transparente
em molde a permitir a legítima e necessária fiscalização, do que se tratava, nem
por que tais pessoas eram as beneficiárias e sacadores diretos dos recursos.
160. Não há dúvida sobre aquelas operações, sua forma, sua ocorrência, sua
repetição em várias agências do Banco Rural, especialmente em Belo Horizonte,
Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.
Comprovou-se, nos autos, que o Banco Rural tinha conhecimento das ope‑
rações, do seu motivo e dos reais beneficiários dos recursos.
Entretanto, a informação passada ao Banco Central do Brasil era a de que
os saques eram efetuados pela empresa SMP&B e destinavam-se ao pagamento
de seus fornecedores.
Essa conduta dos gestores do Banco Rural impossibilitava a ciência e a
ação das autoridades competentes no combate à lavagem de dinheiro.
161. Quanto à prática do crime antecedente à lavagem de dinheiro – exi‑
gência da legislação vigente no período de ocorrência dos fatos –, está provada,
conforme fundamentação nos outros itens deste voto.
O dinheiro era proveniente de crimes praticados contra a administração
pública (peculato – art. 312 do Código Penal; corrupção passiva – art. 333 do
Código Penal) e contra o sistema financeiro nacional (gestão fraudulenta de ins‑
tituição financeira – art. 4º da Lei 7.492/1986), previstos nos incisos V e VI do
art. 1º da Lei 9.613/1998.
Pelo exposto, provou-se, nos autos, a materialidade delitiva, sendo de se
examinar a autoria dos crimes de lavagem de dinheiro.
R.T.J. — 225
1083
162. Como antes mencionado e demonstrado nos itens anteriores, Marcos
Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, sócios da SMP&B, administravam
os negócios com pleno conhecimento e domínio dos atos praticados pela empresa.
Registro não haver dúvida de que aquela empresa praticava os ilícitos como
parte de suas atividades, ficando claro que também atuava de forma lícita para
outros tantos clientes. Quer-se dizer, a agência atuava na legalidade em alguns
casos (que não são cuidados aqui, como é óbvio), mas operava também no ilícito,
como demonstrado nesta ação.
A verificação desta circunstância não altera o exame e a conclusão quanto às prá‑
ticas ilícitas, de que aqui se cuida, e a responsabilidade dos agentes pela sua execução.
Marcos Valério Fernandes de Souza
163. O acusado exercia, com desenvoltura que impressiona pela tranquili‑
dade e repetição de ações, a captação de recursos e o repasse do dinheiro para as
pessoas indicadas a recebê-lo. Para tanto, aproveitava-se de inegável proximidade
com alguns dos dirigentes do Banco Rural, o que lhe permitia exercer, em diversos
momentos, a interlocução com os demais participantes da operação criminosa.
Marcos Valério esteve, comprovadamente, em reuniões na Casa Civil da
Presidência da República com representantes do Banco Rural, acompanhando
negociações de interesse da instituição financeira:
(...) diz que pediu ao Sr. Delúbio que agendasse com o Ministro José Dirceu
uma reunião para que o então presidente do Banco Rural, Sabino Rabello, pudesse
discorrer com aquele ministro acerca de uma concessão de lavra de nióbio na Amazonas; diz que nesta reunião não se recorda se Kátia Rabello se encontrava; diz que
em outra reunião foi tratado, com o ministro, assunto referente ao interesse do rural
na suspensão da liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, pelo Bacen; diz que
nessa reunião Kátia Rabello se encontrava presente; diz que havia outras pessoas do
Banco Rural, não sendo estas pessoas quaisquer dos corréus ligados ao Banco Rural;
diz que com relação ao Banco Mercantil de Pernambuco a resposta do Ministro José
Dirceu foi que, apesar de legítima a pretensão, a mesma deveria ser exposta perante
o Bacen; [Fls.16353-16345; interrogatório judicial de Marcos Valério.]
Segundo Marcos Valério, nas operações de empréstimos e repasse realizadas
pelas sociedades das quais era sócio, foram movimentados quase R$ 40.000.000,00:
Em fevereiro de 2003, o declarante fez o primeiro empréstimo, junto ao Banco
BMG, em nome da SMP&B Comunicação Ltda., no valor de R$ 12.000.000,00
(doze milhões de reais); tendo esse dinheiro sido utilizado para pagamento de for‑
necedores do PT e na transferência em moeda corrente para terceiros, todos indi‑
cados pelo próprio Delúbio. Posteriormente, Delúbio lhe pediu para fazer novos
empréstimos com o mesmo objetivo do anterior e assim foram efetuados emprés‑
timos em nome de: I) Grafitti Participações Ltda. – Banco BMG em 28-1-2004,
no valor de R$ 15.720.300,00 (quinze milhões e setecentos e vinte mil e trezentos
reais); 2) Rogério Lanza Tolentino e Associados Ltda. – BMG em 26-4-2004, no
valor de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); 3) Grafitti – Banco Rural em
1084
R.T.J. — 225
12-9-2003, no valor de R$ 9. 975.400,00 (nove milhões novecentos e setenta e cinco
mil e quatrocentos reais); 4) SMP&B – Banco Rural em 26-5-2003 no valor de
R$ 18.299.111,00 (dezoito milhões duzentos e noventa e nove mil e cento e onze
reais); perfazendo um total originário de R$ 39.219.780,00 (trinta e nove milhões
duzentos e dezenove mil e setecentos e oitenta reais), sendo que a totalidade desse
valor, ao longo do ano de 2003 até o início desse ano, foi repassada ao PT por inter‑
médio ou por indicação do Sr. Delúbio. [Fls. 356-357.]
164. No Laudo 1.869/2009-INC/DITEC/DPF (fls. 34766-34772), cujo obje‑
tivo era “examinar a documentação encaminhada, relativamente às operações de
crédito celebradas entre as empresas SMP&B Comunicação Ltda., Graffiti Par‑
ticipações Ltda. e Rogério Lanza Tolentino & Associados com o Banco Rural,
firmadas no período de 2003 a 2004”, os peritos concluíram que a SMP&B
Comunicação Ltda. obteve, em 2003, R$ 18.929.111,00, em operações de crédito. Em 2004, “o total obtido foi de R$ 814.518,60 (oitocentos e quatorze mil e
quinhentos e dezoito reais e sessenta centavos)”.
O Ministério Público provou, portanto, a acusação de autoria do crime de
lavagem de dinheiro por Marcos Valério.
Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz
165. Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz eram sócios da
SMP&B Comunicação Ltda., como repetidamente afirmado, havendo entre eles
mera divisão formal de tarefas para administração da empresa. Comprovou-se
que, na prática, as decisões eram tomadas em conjunto pelos três integrantes,
tendo sido esta estrutura gerencial detalhadamente exposta por Marcos Valério:
(...) questionado acerca de seus sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, diz
que quanto à empresa DNA, inicialmente a mesma era composta por Francisco Cas‑
tilho, Margareth Queiroz e, nos outros 50%, Ramon Cardoso; quanto a SMP&B, o
interrogando, Ramon Cardoso e Cristiano Paz são sócios; diz que na SMP&B havia
uma divisão de tarefas apenas no plano formal, sendo, de fato, a empresa administrada em conjunto, pelo interrogando, Ramon e Cristiano; diz que a empresa era
“tocada a três mãos”; prova disto é que havia necessidade de aprovação, em conjunto, dos três em decisões administrativos, havendo, outrossim, a necessidade de
ao menos duas assinaturas no cheque emitidos pela SMP&B; [Fl. 16357.]
Também Simone Vasconcelos, diretora administrativo-financeira da SMP&B,
afirmou que Ramon Hollerbach e Cristiano Paz tinham conhecimento das transa‑
ções financeiras de captação de recursos por empréstimos para posterior repasse ao
Partido dos Trabalhadores:
(...) quanto aos sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, preliminarmente
gostaria de esclarecer que ingressou na SMP&B em 1999 tendo constatado que a
empresa possuía mais de 20 anos de atividade, sendo, inclusive, uma agência com
inúmeros prêmios em seu currículo; diz, porém, que se os mesmos eram muito bons
em sua atividade-fim eram, porém extremamente desorganizados na administração
da empresa; diz que neste contexto, após seu ingresso na empresa, passou a organizar
R.T.J. — 225
1085
todo o sistema de pessoal da empresa (CTPS, férias, Unimed, etc.) e, ainda, também
organizar pagamentos para que a empresa pudesse ter um setor financeiro organizado;
esclarece nesse ponto que a contabilidade era terceirizada ao escritório “Prata e Cas‑
tro”, do Sr. Marco Aurélio Prata; assim, criou um formulário para documentação de
todos os pagamentos a serem realizados pela SMP&B contendo requerente, destino,
valor, objetivo, etc.; questionada se tal formulário era utilizado nos pagamentos rea‑
lizados através do Banco Rural cujo destinatário final seria o Partido dos Trabalha‑
dores, respondeu que não, pois tais pagamentos eram realizados por ordem direta de
Marcos Valério; diz que por determinação estatutária, qualquer cheque exigia a presença mínima da assinatura de dois sócios; diz que na ausência de dois deles possuía
a interroganda poderes outorgados pelos sócios para assinar o com um dos sócios
presente; questionada se Cristiano ou Ramon indagavam à interroganda acerca da
razão destes cheques respondeu positivamente, afirmando que esclarecia aos mesmos
que os cheques foram emitidos a mando de Marcos Valério para o PT com os recursos dos empréstimos tomados pela SMP&B; diz que após os esclarecimentos de que
os cheques saíam sob a rubrica de “empréstimos ao PT”, estes apenas assinavam os
cheques sem outras indagações; [Fl. 16466 – Grifos nossos.]
166. Quanto a Cristiano Paz, confirmou ele, em seu interrogatório judicial,
a plena ciência que tinha dos empréstimos:
(...) questionado se tinha ciência dos empréstimos tomados pela SMP&B junto
ao Banco Rural, respondeu positivamente, afirmando que na época da lavratura do
contrato Marcos Valério informou que estava procurando encontrar uma solução
financeira para ajudar o PT – Partido dos Trabalhadores e que os três sócios da
SMP&B ainda ficariam como avalistas do referido empréstimo a ser tomado por sua
empresa; diz que indagou Marcos Valério acerca dos valores, pois os mesmos seriam
relativamente altos, mas que foi ponderado e concordou o interrogando que estes valores seriam suportáveis pela SMP&B, tendo em vista não só o faturamento da agência à época dos fatos mas, também, a estreita relação da agência com o Banco Rural;
diz que o Banco à época dos fatos, inclusive, era a maior conta publicitária da agên‑
cia; diz, ainda que grande parte dos recursos da agência eram concentrados no Banco
Rural; por fim, recorda que Marcos Valério informou o interrogando da existência de
uma carta redigida por Delúbio Soares em que o mesmo afiançava o PT como garante
do pagamento do referido empréstimo; (...). [Fls. 16471-16472.]
167. Ramon Hollerbach, igualmente, confirmou que os empréstimos eram
de seu conhecimento:
(...) questionado se tinha ciência do empréstimo tomado pela SMP&B junto
ao Banco Rural, respondeu positivamente, afirmando que Marcos Valério informou
ao interrogando e a Cristiano que havia uma demanda do PT relacionada à possibilidade de um empréstimo junto ao Banco Rural que poderia ser feito através da
SMP&B; diz que o interesse da SMP&B em participar de tal intermediação adviria da possibilidade de realizar algumas das futuras campanhas eleitorais do PT
em 2006; neste contexto, concordaram os três sócios, portanto, na realização da
avença; diz que os três sócios figuraram como avalistas do referido empréstimo e,
ainda, havia como garantia uma carta de direitos creditórios referentes ao contrato
de publicidade realizado, por sua vez, entre a DNA e o Banco do Brasil; [Fl. 16518.]
1086
R.T.J. — 225
Pela palavra dos réus, Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz,
é que se tem a prova de que tinham ciência dos empréstimos, de suas causas e
dos interesses que os levavam a atuar, visando a sua conveniência, independente
da ilegalidade patente das operações.
168. Sobre a escrituração contábil da SMP&B Comunicação Ltda., os peritos
do Instituto Nacional de Criminalística concluíram pela existência de “elementos
suficientes para descaracterizar toda a escrituração analisada, em razão de não
apresentar elementos mínimos de confiabilidade para análise dos fatos ocorridos
na empresa. Na verdade, trata-se de inidônea forma de escrituração, eivada de
artifícios e práticas contábeis indevidas, decorrentes de inequívoca fraude contábil, a que se pretende chamar de escrituração retificadora, de forma a tratar
como mera questão tributária, ao se revelar o fato da emissão de milhares de
notas frias, objeto do Laudo 3.058/05-INC, de 29-11-2005. (Fl. 73, Apenso 142).
169. Considerando-se a ilicitude da origem do dinheiro obtido pelos réus
tem-se por evidenciado que a escrituração contábil da SMP&B Comunicação,
empresa utilizada para a captação ilícita e repasse dos recursos a terceiros, não
poderia ser clara e transparente.
Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, cientes desta circunstância conforme
atestam, assinaram os livros e balanços patrimoniais escriturados irregular‑
mente, o que foi apontado pelos peritos do Instituto Nacional de Criminalística:
99. O Balanço Patrimonial e a DRE, relativos ao exercício de 2003, escritu‑
ração original, foram assinados por Ramon Hollerbach Cardoso, Renilda Maria S.
Fernandes Souza e pelo contador Marco Aurélio Prata.
100. O livro Diário de 2003, escrituração alterada, foi assinado por Ramon
Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz e Marco Aurélio Prata. O Balanço
Patrimonial e a DRE constantes deste livro, foram assinados pelo contador Marco
Aurélio Prata e contém lançamentos à guisa de assinatura, formalmente convergen‑
tes com outros lançamentos atribuídos a Marcos Valério Fernandes de Souza e a
Ramon Hollerbach Cardoso.
101. O Balanço Patrimonial e a DRE constantes do livro Diário, referentes ao
exercício de 2004, na escrituração original, foram assinados por Ramon Hollerbach
Cardoso, Renilda Maria S. Fernandes de Souza e pelo contador Marco Aurélio Prata.
102. O livro diário de 2004, escrituração alterada, foi assinado por Ramon
Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz e Marco Aurélio Prata. O Balanço Pa‑
trimonial e DRE constantes deste livro, foram assinados pelo contador Marco Au‑
rélio Prata e contém lançamentos à guisa de assinatura, formalmente convergentes
com outros lançamentos atribuídos a Marcos Valério Fernandes Souza e a Ramon
Hollerbach Cardoso. [Fls. 70-71, Apenso 142.]
170. Esse o quadro fático comprovado, não há o que desconsiderar quanto à
circunstância de que Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, cientes da ilicitude dos
atos praticados, tornados evidentes pela forma de captação e repasse de recur‑
sos a terceiros, coatuaram com Marcos Valério e os dirigentes do Banco Rural,
também apontados como réus na presente ação, sendo procedente a acusação
contra eles apresentada e devidamente corroborada.
R.T.J. — 225
1087
Simone Reis Lobo de Vasconcelos
171. Simone Reis Lobo de Vasconcelos era funcionária de confiança dos
sócios, tendo ficado demonstrado, nos autos, que tinha conhecimento e partici‑
pava das práticas ilícitas desenvolvidas pela empresa, envolvendo-se na execução
dos crimes e responsabilizando-se, diretamente, pela operação dos ilícitos.
Tem-se comprovado nos autos que Simone de Vasconcelos compareceu
pessoalmente, muitas vezes, na agência do Banco Rural, em Brasília, com a fina‑
lidade específica de efetuar os saques e distribuir o dinheiro aos destinatários
finais, sendo esta uma de suas funções na agência, nos termos das atribuições
que eram cometidas a cada qual na empresa SMP&B.
Nesse sentido é o depoimento da testemunha Raimundo Cardoso de Sousa Silva:
Que presenciou a realização destes pagamentos em diversas oportunidades;
Que a entrega do dinheiro se dava no balcão da agência Brasília; Que não se recorda
de nenhum recebedor destas quantias elevadas ter contado o dinheiro naquele ato;
Que se recorda que a Sra. Simone, funcionária da empresa SMP&B, esteve várias
vezes na Agência para receber os valores mencionados. [Fl. 263, confirmado à
fl. 42400 – Grifos nossos.]
De igual teor é o testemunho de João Cláudio de Carvalho Genu:
Que não sabe dizer quem informava Barbosa da necessidade de buscar as
quantias com Simone; Que Barbosa falava para o declarante ligar para Simone
Vasconcelos para combinar o recebimento das quantias; Que não se recorda do número do telefone utilizado por Simone; Que geralmente se encontrava com Simone
na sede do Banco Rural em Brasília, localizado no 9º andar do Brasília Shopping;
Que ao se encontrar com Simone entregava para ela uma pasta, tipo 007, quando a
mesma colocava em seu interior a quantia a ser entregue; Que não conferia o valor
recebido. [Fl. 578 – Grifos nossos.]
Também idêntico o conteúdo do depoimento de Jacinto de Souza Lamas:
Que, salvo engano, Simone Vasconcelos combinou a entrega do dinheiro em
um hotel; Que, pelo que se recorda, o hotel onde recebeu pela primeira vez valores de
Simone foi o Kubitscheck Plaza; Que após receber ligação de Simone, dirigiu-se ao
local do encontro para receber a encomenda; Que ao chegar no hotel foi diretamente
para o apartamento onde estava Simone; Que Simone havia informado ao declarante
o número do apartamento onde estava hospedada; Que o declarante entrou no quarto
de Simone e recebeu de suas mãos um envelope de papel pardo grande, contendo em
seu interior uma quantia em dinheiro; Que não contou quanto havia no envelope;
Que Simone apenas falou que aquela encomenda era do Dr. Delúbio Soares para o
Deputado Valdemar Costa Neto; (...) Que após o primeiro saque ocorrido provavelmente em junho de 2003, recebeu outros chamados de Simone para receber valores
em espécie; Que a entrega de valores por Simone não tinha nenhuma regularidade
de data; (...) Que, salvo engano, se encontrou com Simone duas outras vezes no hotel
Mercure para receber valores em dinheiro, conforme orientação do Deputado Federal
Valdemar Costa Neto; Que essas duas outras entregas foram realizadas seguindo o
procedimento já relatado, ou seja, o Declarante recebia ligações telefônicas, primeiro
1088
R.T.J. — 225
do Deputado Valdemar Costa Neto avisando da iminência da entrega dos valores e, em
seguida, de Simone Vasconcelos, informando o horário e local da entrega do dinheiro;
Que nunca conferia os valores que recebia de Simone; Que da mesma forma entregou
os dois saques diretamente para o Deputado Federal Valdemar Costa Neto, em encon‑
tros ocorridos em sua residência; Que posteriormente o procedimento mudou, quando
o Declarante passou a buscar o dinheiro encaminhado por Delúbio Soares diretamente
na Agência Brasília do Banco Rural; Que se encontrou duas vezes com Simone na
agência Brasília do Banco Rural, tendo recebido de suas mãos os pacotes com quantias em dinheiro; Que algumas vezes Simone deixava anotações na Agência Brasília
do Banco Rural com autorizações para que o declarante efetuasse o saque dos valores; (...) Que em uma oportunidade recebeu valores de Simone na sede da SMP&B em
Brasília/DF, localizada no Edifício da Confederação Nacional do Comércio – CNC,
no Setor Bancário Norte. [Fls. 611-612 – Grifos nossos.]
172. A atuação da acusada nas operações ilícitas denunciadas é compro‑
vada com clareza e vigor. A sua situação na operação criminosa é perfeitamente
delineada, atestada por muitos depoimentos e reconhecida em seu próprio tes‑
temunho quanto à conduta, incluída a de requerer carro forte para transportar
valores vultosos que teria de repassar.
173. Fragorosamente contrário ao que asseverado pela defesa, não se cuida
de situação “normal” requerer e fazer uso de carro forte para transporte de valo‑
res de uma empresa de publicidade para repasse a políticos e pessoas que não
guardavam qualquer relação profissional direta com a agência.
O que se tinha era desenvoltura acintosa de esquema de tráfego de recursos inde‑
vidamente conferidos a pessoas com o fim de obter vantagens ilícitas para os pagantes.
174. Simone de Vasconcelos revelou saber do esquema ilícito, o que, de
resto, quanto à sua atuação, era impossível, mesmo ao mais desalentado e frágil
entendedor de fatos normais da vida, deixar de saber. Ela participou da ação com
vontade livre e consciente, valendo-se de meios ilegais para impedir o conheci‑
mento da origem ilícita dos recursos pelas autoridades fiscais competentes; sabia
dos crimes antecedentes contra a administração pública, da destinação irregular
e da prática que permitia que o dinheiro de fonte ilegal se convertesse em recurso
utilizável com explicação de licitude inexistente.
Comprovada a prática do crime de lavagem de dinheiro pela acusada, voto
no sentido de sua condenação às penas do art. 1º, V e VI, da Lei 9.613/1998.
Rogério Lanza Tolentino
175. Rogério Lanza Tolentino, vinculado a Marcos Valério, não manteve
a sua relação com este no plano meramente profissional (atuando como seu advo‑
gado), passando, no período de ocorrência da operação criminosa, a atuar ilicita‑
mente em conjunto com aquele réu.
Antigo era o relacionamento entre Rogério Lanza Tolentino, Marcos Valé‑
rio e a SMP&B.
R.T.J. — 225
1089
Como afirmado por Rogério Lanza Tolentino em seu interrogatório, ele era
advogado da SMP&B “há dezoito anos”. Acrescente-se que Marcos Valério e
Rogério Lanza Tolentino eram sócios da Tolentino e Melo Assessoria Empresa‑
rial desde 2002 (fl. 16496, interrogatório judicial de Rogério Tolentino).
176. Ademais, como observado pelo Ministério Público em suas alegações
finais, “provou-se ao longo da instrução que Rogério Tolentino esteve lado a lado
com Marcos Valério em praticamente todos os episódios da trama criminosa
descrita na denúncia” (fl. 45165).
Para confirmar a afirmação do Ministério Público se tem que João Paulo
Cunha, corréu nessa ação penal, foi apresentado a Rogério Lanza Tolentino por
Marcos Valério na Câmara dos Deputados, numa demonstração desta proximidade,
que, de resto, não é negada pelo réu (ao contrário, apenas ele a caracteriza como
profissional, por ser advogado das empresas de que era sócio Marcos Valério):
que na campanha para Presidente da Câmara conheceu o Sr. Ramon Holler‑
bach; que conheceu Cristiano Paz na sede da empresa SMP&B em Belo Horizonte;
que Rogério Tolentino, conheceu apresentado por Marcos Valério na Câmara dos
Deputados; [Fl. 14338.]
Essa estreita vinculação, sem qualquer significação penal como é óbvio,
porém atestada pelo advogado do réu, em sustentação oral em 7-8-2012, no
Supremo Tribunal Federal, ao asseverar que esse teria mesmo acompanhado
Marcos Valério, na viagem feita a Portugal, em 2005, para “fazer turismo pago”,
toma formato diverso e penalmente relevante quando se afasta do quadro de pro‑
ximidade amistosa ou profissional e passa a ser vinculação ilícita e para o ilícito.
O corréu José Janene, falecido, um dos beneficiários do esquema de dis‑
tribuição ilícita de dinheiro, afirmou que, nas vezes em que encontrou Marcos
Valério, com ele estava sempre também Rogério Tolentino:
Dr. Marcelo Leonardo: Com relação ao acusado Rogério Tolentino, teve mais
de uma vez?
Acusado: Talvez duas ou três.
Dr. Marcelo Leonardo: Sempre na companhia de Marcos Valério?
Acusado: Sempre. As vezes que eu encontrei Marcos Valério, encontrei Rogério Tolentino. [Fl. 16100, interrogatório judicial.]
177. Não seria necessário afirmar que advogado não se confunde com o
cliente. É o óbvio, incontestável e desnecessário observar! Nisso, aliás, está a
nobreza da advocacia, pois o profissional encarrega-se da defesa do autor de
crime sem com ele se reunir na prática, sequer aceitá-la, na maioria das vezes
sequer entender as razões da conduta do cliente.
Também desnecessário afirmar não ser impossível, nem raridade ocorrer a
transgressão da advocacia. Tanto se dá pela atuação do profissional do direito que
transpõe essa condição e passa a atuar no ilícito com o cliente. Abandona ele, então,
a sua condição profissional e passa a situar-se, processualmente, como corréu.
1090
R.T.J. — 225
178. No caso em pauta, comprovou-se que Rogério Lanza Tolentino, ciente
do cometimento dos crimes, permitiu que a sociedade Rogério Lanza & Tolen‑
tino Advogados Associados Ltda., da qual é sócio, fosse utilizada em operação
levada a efeito para ocultar a verdadeira origem de R$ 10.000.000,00 desviados
pela DNA Propaganda, agência de publicidade ligada a Marcos Valério, Ramon
Hollerbach e Cristiano Paz.
Estas as conclusões do Laudo 2.828/2006, elaborado pelo Instituto Nacio‑
nal de Criminalística:
13. Os presentes exames têm por fim levar a instância decisória, com base na
documentação analisada, elementos de prova necessários a subsidiar a justa solu‑
ção, a esclarecer o funcionamento do Fundo de Incentivo Visanet, a identificar as
origens e os destinos de valores movimentados em decorrência desse Fundo, mais
especificamente em relação aos valores cabíveis ao Banco do Brasil (BB) e a conta‑
bilização dos fatos, bem como esclarecer a relação do BB com a DNA Propaganda
Ltda. e a forma de contratação da prestação dos serviços.
(...)
147. Ainda em relação aos valores apropriados pela DNA, constatou-se que, em
22-4-2004, R$ 10.038.000,00 foram sacados de aplicação, quando R$ 10.000.000,00
foram transferidos ao BMG, diretamente da conta 602000-3, da DNA no Banco do
Brasil, utilizados para contratação de CDB de mesmo valor.
148. Em 26-4-2004, esse CDB foi utilizado como garantia de empréstimo, do
BMG a Rogério Lanza Tolentino & Associados Ltda., CNPJ 04.397.086/0001-99. O va‑
lor líquido do empréstimo de R$ 9.962.440,00, foi transferido para a conta 25687-0,
agência 643-2, no Banco do Brasil, de titularidade da própria empresa que obteve o finan‑
ciamento. [Fls. 80 e 107, Apenso 142.]
179. A utilização de sociedade, da qual Rogério Lanza Tolentino era
sócio, para a formalização de empréstimo de R$ 10.000.000,00, com o posterior
repasse a políticos, prova ter ele participado do crime de lavagem de dinheiro.
A fala de Rogério Lanza Tolentino em relação à dinâmica da operação
deste empréstimo de R$ 10.000.000,00 reforça o teor das assertivas apresentadas
pela perícia elaborada, consubstanciando-se em mais um elemento de prova de
sua participação na operação criminosa:
(...) questionado se procedeu o pagamento do escritório do Dr. Aristides Jun‑
queira, respondeu que obteve um empréstimos de dez milhões junto ao Banco BMG
a pedido de Marcos Valério, não tendo ideia de como o dinheiro foi utilizado; gos‑
taria de esclarecer neste ponto do interrogatório que Marcos Valério pediu ao inter‑
rogando que contraísse junto ao BMG um empréstimo de dez milhões de reais; com
valor de face de dez milhões de reais, em nome da DNA, consentiu o interrogando
em contrair o referido empréstimo em nome do escritório Rogério Lanza Tolentino
e Associados; diz que então, de posse de um talão de cheque do Banco do Brasil,
referente a conta na qual foi depositado o valor emprestado, assinou três cheques em
branco e, a pedido de Marcos Valério, os entregou a Simone Vasconcelos; diz que
posteriormente, soube que dois desses cheques foram depositados em benefício da
empresa Bonus Banval e, um terceiro, em nome da empresa 2S Participações; diz
que é processado por falsidade ideológica em razão deste contrato de empréstimo,
R.T.J. — 225
1091
mas que o mesmo já foi judicialmente liquidado junto ao BMG; questionado qual o
motivo que o levou a contrair o empréstimo deste valor a pedido de Marcos Valério
e ainda porque razão confiou inclusive ao mesmo três cheques em branco sem saber
o destinatário dos mesmos, respondeu que assim procedeu pois há dezoito anos é ad‑
vogado da SMP&B e que é sócio de Marcos Valério desde 2002, apenas na empresa
Tolentino e Melo Assessoria Empresarial; diz que o mesmo, inclusive, tornou-se um
amigo do mesmo e diz ainda que não tinha como negar tal pedido de Marcos Valério
pois possuía uma garantia da DNA (CDB acima referida); diz que foi dada em garan‑
tia do empréstimo, perante BMG, o referido CDB; questionado qual a natureza do
vínculo entre o interrogando e a SMP&B, respondeu que recebia da mesma tanto um
valor fixo mensal, que não recorda agora o montante e percentuais sobre trabalhos
efetuados; diz, inclusive, que entre 1994 a 1998 que em razão de dificuldades en‑
frentadas pela empresa, era esporadicamente remunerado (...). [Fls. 16495-16496.]
180. O comprovado auxílio que Rogério Lanza Tolentino, vinculado a Mar‑
cos Valério, prestou para o perfeito funcionamento do esquema, com a realização
da inusitada operação de empréstimo acima descrita, somado às outras provas
colhidas na instrução processual penal, documental, pericial e testemunhal, con‑
firma a sua participação no crime agora examinado, procedendo a acusação no
ponto quanto a este réu.
Geiza Dias dos Santos
181. Geiza Dias dos Santos comunicava ao Banco Rural os nomes dos des‑
tinatários dos valores a serem disponibilizados nas agências e cuidava para que a
eles chegassem os recursos disponibilizados pela operação criminosa.
Têm-se nos autos cópias de várias mensagens eletrônicas tais como:
Prezado Bruno:
Amanhã, 12-3-2003, sacaremos o cheque 725330, no valor de R$ 300.000.00,
também na Ag. Assembleia.
A pessoa responsável pelo saque será o Sr. David Rodrigues Alves, portador
da cédula de identidade M-1.443.668, expedida pela Secretaria de Segurança Pú‑
blica de Minas Gerais.
Gentileza emitir uma cópia deste e-mail e pegar o aceite do Sr. David, con‑
firmando o recebimento da verba. Se possível xeroque a cédula de identidade e nos
envie juntamente c/ este protocolo.
Quaisquer dúvidas, estamos à disposição.
Grande abraço e muito obrigada.
Atenciosamente,
Geiza Dias – Depto Financeiro. [Fl. 9 do Apenso 5.]
Bruno,
Enviei a você 2 cheques, sendo um de R$ 300.000,00 e um de R$ 350.000,00.
Conforme nosso acordo, gentileza solicitar ao carro forte que faça a entrega
do numerário no seguinte endereço: Setor Bancário Norte, Quadra 1, Bloco B – Sala
201 Edifício CNC – Confederação Nacional do Comercio.
Procurar por Simone Reis Lobo de Vasconcelos – CI: M.920.218 – SSPMG.
Gentileza provisionar para que a entrega seja efetuada às 15:30h.
1092
R.T.J. — 225
Quaisquer dúvidas, entrar em contato comigo – 031.99670140 ou c/
Simone – 031.8838.5860
Grande abraço e obrigada,
Geiza Dias. [Fl. 11 do Apenso 5.]
Bruno,
Conforme nossa conversa, confirmamos o saque no valor de R$ 250.000,00,
a ser realizado amanhã, 10-9-2003, às 12:30h, Sr. Antonio Kalil Cury – RG
10266537, na Agencia Paulista – SP.
De acordo c/ a sua orientação, estou pedindo ao Sr. Antonio para procurar
pelo Sr. Guanabara (Agência Paulista – 11 – 3066.68) para efetivação da operação.
Estou enviando ainda hoje, aos seus cuidados, o cheque 745974, juntamente
c/ a carta p/ liberação da verba.
Quaisquer dúvidas, favor nos contatar.
Grande abraço,
Geiza Dias. [Fl. 251 do Apenso 5.]
182. Não é possível, contudo, extrair-se de tais ações, comprovadas nos
autos, tivesse ela ciência da operação criminosa desenvolvida ou de que parti‑
cipava das ações ilícitas, não tendo ficado demonstrado o seu envolvimento na
prática do crime de lavagem de dinheiro aqui analisado.
183. Por isso, voto no sentido de absolver a acusada Geiza Dias dos Santos da prática do crime de lavagem de dinheiro, nos termos do inciso VII
do art. 386 do Código de Processo Penal, pela inexistência de prova suficiente
para a condenação.
Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório
Tôrres de Jesus
184. Quanto aos integrantes do que o Ministério Público denomina “núcleo
financeiro”, tem-se que os acusados Kátia Rabello, José Roberto Salgado e
Vinícius Samarane, presidente e diretores do Banco Rural, viabilizaram, por
ação direta, objetiva, consciente e comprovada a operacionalização dos crimes
na instituição financeira.
Presidente do Banco Rural a primeira e integrantes, sucessivamente, do
Comitê de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, os dois outros, todos compunham
órgãos de direção da instituição e eram responsáveis pela área interna do banco
competente para análise e indicação de dados para evitar a prática de crimes de
lavagem de capitais.
Exceção feita a Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, cuja insciência e falta de
especialidade das matérias submetidas a seu crivo estão comprovadas, além de ter
sido alçada ao cargo da área financeira em 2004 (quando os contratos datam, inicial‑
mente, de 2003), os demais tinham conhecimento e aderiram à empreitada criminosa
de acordo com os fatos demonstrados nos itens específicos e antes pormenorizados.
185. Os contratos de mútuo firmados pelo Banco Rural, com aquiescência
comprovada e direta dos réus Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius
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Samarane, com as empresas SMP&B Comunicação e Graffiti Participações
Ltda. foram simulacros negociais formalizados para esconderem os seus desíg‑
nios, valendo-se os três dirigentes do Banco Rural de instrumentos próprios
das instituições financeiras, incluídas as renovações autorizadas, para burlar os
órgãos controladores, impedindo, assim, a fiscalização que conduziria ao conhe‑
cimento da prática do crime de lavagem de dinheiro.
A procedência da acusação, no ponto, quanto aos réus Kátia Rabello,
José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, tem fundamento fático e jurídico.
186. Situação diferenciada é apenas a da acusada Ayanna Tenório, como
antes observado, que ingressou na vice-presidência do Banco Rural em 12-4-2004,
após a sequência de infrações penais ter sido iniciada e não tendo sido comprovada
a sua vontade livre, a sua ciência, menos ainda, portanto, a sua consciência voltada
à prática de ilícitos, devendo ser absolvida das práticas que lhe são imputadas,
nos termos do inciso VII do art. 386 do Código de Processo Penal.
187. De se avaliar, ainda, a reiteração do crime e se está presente o con‑
curso material ou a continuidade delitiva.
Pela prova dos autos, pode-se afirmar que foram muitas as vezes em que se
cometeu o delito de lavagem de dinheiro.
188. João Cláudio Genu recebeu dinheiro fruto da lavagem em cinco oportuni‑
dades (fls. 59-59v., 76-76v., 223 e 225-226 do Apenso 5), Áureo Marcato duas vezes
(fls. 156 e 161 do Apenso 5) e Jacinto Lamas oito vezes (fls. 38-39, 76-77, 88, 236
do Apenso 5; fls. 12, 14 e 131 do Apenso 6 e fls 79/82 do Apenso 45), por exemplo.
Contudo, ao contrário do que afirma o Ministério Público, não se tem, no
caso, concurso material, mas crime continuado, mesmo nas situações de recebi‑
mento do dinheiro por pessoas diferentes.
189. Os delitos de lavagem de dinheiro foram praticados pelos réus nas
mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, devendo os subsequen‑
tes ser tidos como continuação do primeiro.
O art. 71 do Código Penal prevê:
Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de exe‑
cução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação
do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave,
se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Sobre a matéria ensina, entre outros, Cezar Roberto Bitencourt:
O crime continuado é uma ficção jurídica concebida por razões de política
criminal, que considera que os crimes subsequentes dever ser tidos como continu‑
ação do primeiro, estabelecendo, em outros termos, um tratamento unitário a uma
pluralidade de atos delitivos, determinando uma forma especial de puni-los.
(...) Ocorre o crime continuado quando o agente, mediante mais de uma con‑
duta (ação ou omissão), pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, devendo
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os subsequentes, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes, ser havidos como continuação do primeiro. São diversas ações, cada
uma em si mesma criminosa, que a lei considera, por motivos de política criminal,
como um crime único.
A regra do crime continuado deve ser aplicada tendo em vista o caso concreto
e sob a inspiração das mesmas razões da política criminal que o inspiram. (...)
1) Condições de tempo – (...) deve haver uma conexão temporal entre as
condutas praticadas, para que se configure a continuidade delitiva. Deve existir, em
outros termos, uma certa periodicidade que permita observar-se um certo ritmo,
uma certa uniformidade, entre as ações sucessivas, embora não se possam fixar, a
respeito, indicações precisas.
A condição de tempo é o que a doutrina alemã chama de “conexão temporal ade‑
quada”, isto é, uma certa continuidade de tempo. No entanto, essa continuidade tempo‑
ral será irrelevante se não se fizerem presentes outros indícios de continuação das ações.
2) Condições de lugar – Deve existir entre os crimes da mesma espécie uma
conexão espacial para caracterizar o crime continuado. Segundo Hungria “não é ne‑
cessário que seja sempre o mesmo lugar, mas a diversidade de lugares pode ser tal
que se torne incompatível com a ideia de uma série continuada de ações para a re‑
alização de um só crime. É a consideração total das condições mais do que de cada
uma delas que permite concluir pela continuidade ou não do crime”.
3) Maneira de execução – A lei exige semelhança e não identidade. A seme‑
lhança na “maneira de execução” se traduz no modus operandi de realizar a conduta
delitiva. Maneira de execução é o modo, a forma, o estilo de praticar o crime, que,
na verdade, é apenas mais um dos requisitos objetivos da continuação criminosa.
4) Outras condições semelhantes – Como outras “condições semelhantes” a
doutrina aponta a mesma oportunidade e a mesma situação propícias para a prática
do crime. Por essa expressão, a lei faculta a investigação de circunstâncias que se
assemelham às enunciadas e que podem caracterizar o crime continuado. Essa ex‑
pressão genérica – “e outras semelhantes’” – tem a finalidade de abranger quaisquer
outras circunstâncias das quais se possa deduzir a ideia de continuidade delitiva. (...)
Porém, todas essas circunstâncias objetivas, “de tempo, lugar, maneira de
execução e outras semelhantes”, não devem ser analisadas individualmente, mas no
seu conjunto, e a ausência de qualquer delas, por si só, não desnatura a continuidade
delitiva. Na verdade, nenhuma dessas circunstâncias constitui elemento estrutural
do crime continuado, cuja ausência isolada possa, por si só, descaracterizá-lo. [BI‑
TENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 8. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003. p. 566-567 e 570-572.]
Nas circunstâncias retratadas e provadas nos autos, quanto a este item,
há de se reconhecer a ocorrência de crime continuado, nos termos do art. 71
do Código Penal.
190. Pelo exposto, provado está nos autos que os acusados Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz,
Simone Reis Lobo de Vasconcelos, Rogério Lanza Tolentino, Kátia Rabello,
José Roberto Salgado e Vinícius Samarane praticaram os crimes de lavagem
de dinheiro, que lhes foram imputados na denúncia na forma continuada
(art. 1º, V e VI, da Lei 9.613/1998 c/c art. 71 do Código Penal), pelo que voto
no sentido de julgar procedente a acusação, condenando-os nos termos acima.
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191. Quanto às acusadas Geiza Dias dos Santos e Ayanna Tenório Torres de Jesus, voto no sentido de absolvê-las das práticas delitivas contra elas
imputadas, por não terem sido provadas suas participações na infração
penal, nos termos do inciso VII do art. 386 do Código de Processo Penal.
VII – Capítulo VI da denúncia – Corrupção passiva de parlamentares, lavagem de dinheiro e formação de quadrilhas autônomas
192. O Ministério Público afirma que “a instrução comprovou que os
altos valores recebidos pelos parlamentares federais integrantes do Partido Pro‑
gressista – PP (José Janene (falecido), Pedro Corrêa e Pedro Henry), Partido
Liberal – PL (Valdemar Costa Neto e Bispo Rodrigues), Partido Trabalhista Brasi‑
leiro – PTB (José Carlos Martinez (falecido), Roberto Jefferson e Romeu Queiroz)
e Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB (José Borba) constituíram a vantagem indevida oferecida e, posteriormente paga, por José Dirceu para
formar ilicitamente a base de sustentação do Governo Federal” (fl. 45372).
Sustenta que “perícias realizadas pelo Instituto Nacional de Criminalística,
tendo por base a substanciosa prova documental que instrui estes autos, compro‑
vam que os parlamentares cooptados à época por José Dirceu para compor a base
aliada do governo receberam, pessoalmente ou valendo-se de intermediários,
vultosos valores em dinheiro que lhes foram entregues por meio do esquema de
lavagem operacionalizado por Marcos Valério e seu grupo juntamente com os
dirigentes do Banco Rural” (fls. 45372-45373).
193. O crime de corrupção passiva, tipificado no art. 317 do Código Penal,
antes transcrito, é cometido quando alguém “solicitar ou receber, para si ou para
outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi‑
-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”.
194. A prática forense demonstra que, nesta espécie delitiva, normalmente
não ocorre confissão pelo autor da prática.
Entretanto, a certeza da autoria e da materialidade delitivas pode ser
obtida mediante outros elementos probatórios, de igual valor ao da confissão,
porque, no processo penal brasileiro, para a apreciação do acervo probante,
produzido com observância dos princípios constitucionais do contraditório e
da ampla defesa, vigora o sistema do livre convencimento motivado, segundo
o qual “o juiz é livre na formação de seu convencimento, não estando compro‑
metido por qualquer critério de valoração prévia da prova, podendo optar livre‑
mente por aquela que lhe parecer mais convincente. (...) o livre convencimento
motivado é regra de julgamento, a ser utilizada por ocasião da decisão final,
quando se fará a valoração de todo o material probatório levado aos autos”.
(OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. Rio de Janeiro:
Lumen, 2011. p. 328/329).
De igual teor é o apontamento de Fernando da Costa Tourinho Filho:
1096
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Sem o perigo do despotismo judicial que o sistema da íntima convicção ense‑
java e sem coarctar os movimentos do Juiz no sentido de investigar a verdade, como
acontecia com o sistema das provas legais, está o sistema da livre convicção ou do livre
convencimento. De modo geral, admitem-se todos os meios de prova. O Juiz pode des‑
prezar a palavra de duas testemunhas e proferir sua decisão com base em depoimento
de uma só. Inteira liberdade tem ele na valoração das provas. [TOURINHO FILHO,
Fernando da Costa. Manual de processo penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 444.]
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal adota o mesmo entendi‑
mento sobre a matéria:
Recurso em habeas corpus recebido como habeas corpus. Princípio do livre
convencimento motivado do juiz. Valoração de provas. Confissão. Princípio do favor
rei. 1. Recurso em habeas corpus, interposto contra acórdãos já transitados em jul‑
gado, que não observa os requisitos formais de regularidade providos no art. 310 do
RISTF, mas que merece ser recebido como habeas corpus. 2. Não constitui reexame
de matéria fático-probatória a análise, em cada caso concreto, da força probante dos
elementos de prova relativos a fatos incontroversos. 3. Vige em nosso sistema o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, segundo o qual
compete ao juiz da causa valorar com ampla liberdade os elementos de prova constantes dos autos, desde que o faça motivadamente, com o que se permite a aferição
dos parâmetros de legalidade e de razoabilidade adotados nessa operação intelectual.
Não vigora mais entre nós o sistema das provas tarifadas, segundo o qual o legislador
estabelecia previamente o valor, a força probante de cada meio de prova. 4. Tem-se,
assim, que a confissão do réu, quando desarmônica com as demais provas do processo,
deve ser valorada com reservas. Inteligência do art. 197 do Código de Processo Penal.
5. A sentença absolutória de 1º grau apontou motivos robustos para pôr em dúvida a
autoria do delito. Malgrado a confissão havida, as demais provas dos autos sustentam,
quando menos, a aplicação do princípio do favor rei. 6. Habeas corpus concedido.
[HC 91.691, rel. min. Menezes Direito, DJE de 25-4-2008 – Grifos nossos.]
195. O art. 155 do Código de Processo Penal estabelece que o juiz formará
sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusiva‑
mente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as
restrições estabelecidas na lei civil. [Grifos nossos.]
Em comentários a esse dispositivo observa Guilherme de Souza Nucci:
(...) todas as provas que não contrariem o ordenamento jurídico podem ser pro‑
duzidas no processo penal, salvo as que disserem respeito, por expressa vedação deste
artigo, ao estado das pessoas (casamento, menoridade, filiação, cidadania, entre outros).
Nesta hipótese, deve-se acatar o disposto na lei civil. Exemplo disso é a prova do estado
de casado, que somente se faz pela apresentação da certidão do registro civil, de nada
valendo outro meio probatório. No mais, as restrições fixadas na lei civil não valem no
processo penal. Ilustrando, podemos lembrar que a lei processual civil autoriza que o
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juiz indefira a produção da prova testemunhal, quando versar sobre fatos “já provados
por documento ou confissão da parte” ou quando “só por documento ou por exame pe‑
ricial puderem ser provados” (art. 400, CPC). Tal restrição não vige em processo penal,
pois, não dizem respeito ao estado das pessoas – única limitação admitida – pode a parte
pretender ouvir testemunhas, ainda que seja para contrariar algo constante em qualquer
tipo de documento ou mesmo para confirmar ou afastar a credibilidade da confissão,
cujo valor é relativo na esfera criminal. De outra parte, como o magistrado não está
atrelado ao laudo pericial (art. 182, CPP), também podem ser ouvidas testemunhas para
derrotar a conclusão do perito. [NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 342.]
196. No caso em pauta, merecem especial destaque, como elementos a for‑
mar o acervo probatório quando sustentados em dados de comprovação objetiva, os indícios acoplados às muitas circunstâncias que se interligam e formam o
conjunto probante, nos termos do art. 239 do Código de Processo Penal:
Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com
o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.
A doutrina esclarece que:
(...) valemo-nos, no contexto dos indícios, de um raciocínio indutivo, que é o
conhecimento amplificado pela utilização da lógica para justificar a procedência da
ação penal. A indução nos permite aumentar o campo do conhecimento, razão pela
qual a existência de vários indícios torna possível formar um quadro de segurança
compatível com o almejado pela verdade real, fundamentando uma condenação ou
mesmo uma absolvição.
(...) Indução é o “raciocínio no qual de dados singulares ou parciais suficientemente
enumerados se infere uma verdade universal”, nas palavras de Jacques Maritain (...).
A indução faz crescer o conhecimento do ser humano, unindo-se dados parciais para formar um quadro mais amplo. Ainda assim, é preciso ressaltar não produ‑
zir a indução verdades absolutas, mas nenhuma decisão judicial pode chamar a si tal
qualidade. O juiz decide, ainda que fundamentado em provas diretas, como a confis‑
são judicial ou a perícia, com uma grande probabilidade de acerto, mas jamais em ca‑
ráter absoluto, visto que confissões podem ser falsas, assim como o perito pode ter-se
equivocado. (...) Exemplo: no caso de furto, raciocinando o juiz: a) o réu confessou,
na polícia, a prática do crime; b) ostenta antecedentes criminais; c) a apreensão da res
furtiva foi feita em seu poder; d) instrumentos normalmente usados para a prática do
furto foram encontrados no seu domicílio; e) o réu tem um nível de vida elevado, in‑
compatível com sua renda declarada; f) foi visto nas imediações do local onde o furto
foi cometido no dia do fato. Ninguém o viu furtando, nem ele, em juízo, admitiu essa
prática. Mas esses indícios (prova indireta) fazem com que o juiz conclua, em pro‑
cesso indutivo, ter sido ele o autor do furto. (...) Ensina Miguel Reale que a indução
envolve, concomitantemente, elementos obtidos dedutivamente, além de trabalhar
nesse contexto a intuição, restando, pois, claro que “todo raciocínio até certo ponto
implica em uma sucessão de evidências” (Filosofia do direito, p. 145). E mais: “O
certo é que, na indução amplificadora, realizamos sempre uma conquista, a conquista
de algo novo, que se refere a objetos reais e a relações entre objetos reais, tendo como
ponto de partida a observação dos fatos. Na base da indução está, portanto, a experi‑
ência, a observação dos fatos que deve obedecer a determinados requisitos, cercada
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de rigorosas precauções críticas, tal como o exige o conhecimento indutivo de tipo
científico, inconfundível com as meras generalizações empíricas” (ob. cit., p. 145).
Por isso, a utilização de indícios, no processo penal, é autorizada não só pelo artigo
em comento, mas também pelo processo de raciocínio lógico, que é a indução.
(...) os indícios são perfeitos tanto para sustentar a condenação, quanto para a
absolvição. Há autorização legal para a sua utilização e não se pode descurar que há
muito preconceito contra essa espécie de prova, embora seja absolutamente imprescindível ao juiz utilizá-la. Nem tudo se prova diretamente, pois há crimes camuflados – a grande maioria – que exigem a captação de indícios para a busca da verdade
real. Lucchini, mencionado por Espínola Filho, explica que a “eficácia do indício não
é menor que a da prova direta, tal como não é inferior a certeza racional à histórica
e física. O indício é somente subordinado à prova, por não poder subsistir sem uma
premissa, que é a circunstância indiciante, ou seja, uma circunstância provada; e o
valor crítico do indício está em relação direta com o valor intrínseco da circunstância
indiciante. Quando esteja esta bem estabelecida, pode o indício adquirir uma impor‑
tância predominante e decisiva no juízo” (Elementi di procedura penale, n. 131, apud
Código de Processo Penal brasileiro anotado, v. 3, p. 175). Assim também Bento de
Faria, apoiado em Malatesta (Código de Processo Penal, v. 1, p. 347). Realmente, o
indício apoia-se e sustenta-se numa outra prova. No exemplo citado na nota anterior,
quando se afirma que a coisa objeto do furto foi encontrada em poder do réu não se está
provando o fato principal, que consiste na subtração, mas tem-se efetiva demonstração
de que a circunstância ocorreu, através do auto de apreensão e de testemunhas. Em sín‑
tese, o indício é um fato provado e secundário (circunstância) que somente se torna útil
para a construção do conjunto probatório ao ser usado o processo lógico da indução.
(...) Como afirma, com razão Bento de Faria, os indícios possibilitam atingir o
estado de certeza no espírito do julgador, mas as presunções apenas impregnam-no de
singelas probabilidades e não podem dar margem à condenação (Código de Processo
Penal, v. 1, p. 349-350). [NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 512-515 – Grifos nossos.]
197. Tem-se nos autos que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito,
denominada CPMI dos Correios, apurou os seguintes fatos:
Muitos ainda insistem em negar a existência desse esquema de cooptação: e o
fazem veementemente porque a compra de apoio político mediante pagamento em
dinheiro é um ato situado além da fronteira do imaginável no comportamento polí‑
tico. Afinal, diz o insustentável raciocínio: “Caixa 2” é prática comum na classe po‑
lítica e na sociedade de modo geral. Ora, isso fere mortalmente a ética pública e as
regras fixadas pela legislação eleitoral e ainda configura-se como crime tributário.
Esta tese, conquanto frágil, porque na maioria dos casos observados, longe pa‑
recem estar da configuração de mero “caixa 2”, isso não diminui o crime. Contudo,
confessar o recebimento em dinheiro em troca de apoio político é aceitar transformar
a representação dada ao parlamentar pelos eleitores em uma relação de corrupção.
Afirma-se, ainda, que os que se beneficiaram do esquema “Delúbio-Marcos
Valério” não receberam em troca de votos favoráveis, mas como “apoio finan‑
ceiro não contabilizado para suportar despesas de campanhas passadas e futuras”.
Ou seja, está subjacente, nesse discurso, um misto de sinceridade forçada pelos fa‑
tos e falsidade defensiva que se expressa nessa reformulação: “o partido do governo
deu a parlamentares, ilegal e camufladamente, recursos para pagar despesas de
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campanhas políticas sem que dessa transação nem a parte que fez o pagamento pu‑
desse exigir votos favoráveis nem a parte que o recebeu se sentisse a isso obrigada”.
A verdade é que houve repasses ilícitos de recursos direta ou indiretamente
a parlamentares, valendo-se de esquemas de transferências típicos do submundo
financeiro (como pagamento em espécie, utilização de intermediários), recursos
esses obtidos e gerenciados por empresário que mantinha contratos de publicidade
com órgãos e empresas do governo, supostamente emprestados por bancos com
notórios interesses em determinadas decisões.
Dos inúmeros depoimentos feitos à CPMI dos Correios, à CPMI da Com‑
pra de Votos e ao Conselho de Ética, bem como dos pareceres nos processos de
cassação, extraímos excertos para evidenciar as confirmações e as confissões de
recebimento de recursos, as destinações alegadas e as dificuldades em justificar esse
relacionamento político-financeiro com o partido do governo.
(...) Tendo em vista que os pagamentos foram feitos em espécie, ou se uti‑
lizando de intermediários, as provas do envolvimento de outras pessoas tendem a
ser obtidas mediante confissão ou dissidência, fenômeno comum em cizânia de
criminosos, ou nas palavras do eminente sub-relator, Deputado Gustavo Fruet: “Ne‑
nhuma quadrilha criminosa, no mundo, foi desmantelada, se não fosse por denúncia
de um de seus membros e componentes (...). É quando se quebra o código do silên‑
cio da máfia, a lei da omertà”.
O Deputado Júlio Delgado, relator do processo de cassação do ex-deputado
José Dirceu, acrescenta análises sobre o Mensalão:
Aqui, Dr. José Luís, vamos para alguns cruzamentos que foram feitos
pelo nosso trabalho, que vão trazer a V. Exa. não só mais evidências, mas
provas de que isso existiu.
Em junho de 2004, o “Valerioduto” despejou 247 mil reais nos cofres
do PT. Entre janeiro e maio de 2004, teriam sido 9 milhões, 622 mil, 806
reais e 94 centavos. Nesse período, foram votadas no Congresso medidas
provisórias que enfrentavam muitas resistências, como a do PIS-Pasep, da
Cofins; as Medidas Provisórias n. 177, 144 e 145; a da Biossegurança; a da
antecipação da Cide.
Outra história interessante rastreada no que está disponível nas quebras
de sigilo telefônico ocorreu em maio de 2003, no mês em que o Governo
conseguiu aprovar no Congresso a polêmica Medida Provisória n. 113, que
liberou a comercialização da sagra 2003, que continha transgênicos. No dia
13 de maio de 2003, a Medida Provisória acabou sendo retirada de pauta na
última hora porque o Governo viu que iria perder a votação.
No dia 12 de maio de 2003, de acordo com a quebra de sigilo telefônico
do Sr. Marcos Valério, ele faz, de Belo Horizonte, uma ligação para a Presi‑
dência da Câmara dos Deputados. O Presidente da Casa, estão, era o Deputado
João Paulo Cunha. No dia seguinte, 13 de maio, o Sr. Marcos Valério faz outra
ligação para a Presidência da Câmara dos Deputados, desta vez de São Paulo, o
Sr. Marcos Valério telefona para o Diretório Nacional do PT, em São Paulo.
Novamente, no dia 14 de maio de 2003, agora falando de Brasília, o Sr.
Marcos Valério telefona 6 vezes distintas para o Diretório Nacional do PT, em
São Paulo. Nesse mesmo dia 14 de maio de 2003, ainda estando em Brasília,
o Sr. Marcos Valério telefona para o Banco Rural. Ainda nesse dia 14 de maio
de 2003, a MP dos transgênicos é aprovada no plenário da Câmara dos Depu‑
tados. No dia 15 de maio de 2003, já de volta a Belo Horizonte, o Sr. Marcos
1100
R.T.J. — 225
Valério telefona para o Sr. Delúbio Soares. E no dia 19 de maio de 2003, o
Sr. Marcos Valério faz nova sucessão de telefonemas, a partir de São Paulo,
para o Diretório Nacional do PT, para o Sr. Delúbio Soares, para a Presidên‑
cia da Câmara dos Deputados, para a Multi-Action Empreendimentos Ltda.,
uma das empresas de Marcos Valério, e para os bancos Rural e BMG. Para o
BMG, o Sr. Marcos Valério telefonou 2 vezes nessa data.
Em maio de 2003, de acordo com o cruzamento de dados feito pela
CPMI dos Correios, o “Valerioduto” derramou 750 mil reais no PT e 250 mil
reais no PTB, Ao todo, naquele mês, foram identificados 29 telefonemas do
Sr. Marcos Valério para os bancos Rural e BMG, para a Presidência da Câ‑
mara dos Deputados, para o Sr. Delúbio Soares e para o Diretório Nacional
do Partido dos Trabalhadores.
Além disso, a CPMI dos Correios já detectou, de setembro de 2004 a
junho de 2005, mais de 240 ligações entre a sede nacional do PT e a SMP&B,
localizada em Belo Horizonte, apesar de só ter sido identificado, até agora,
um último repasse desse dinheiro das contas do Sr. Marcos Valério para Par‑
lamentares e partidos políticos em setembro de 2004.
Em seu depoimento ao Conselho, o Representado nega ainda que te‑
nha participado de negociações financeiras para que Deputados trocassem de
partido, especificamente para aqueles que são da base aliada. Mas admite que
existiu sim estímulo político para que essas trocas acontecessem. E vejam que
coincidência, foram beneficiados justamente os partidos que fizeram acordos
financeiros com o PT: o PTB cresceu 100%; o PL cresceu 100%; e o PP, 30%.
Diante da impossibilidade de negar que foi engendrado um esquema de dis‑
tribuição ilegal de dinheiro a partidos da base de sustentação política do Governo,
não restou alternativa senão a de sustentar que o esquema denunciado por Roberto
Jefferson, investigado e comprovado pela CPMI, não é um esquema de pagamento
regular, mensal, para manter a base votando com o governo. E, dizem, eufemistica‑
mente, que, se não há esse esquema, não há Mensalão, mas apenas a utilização de
“recursos não contabilizados” para pagamento de despesas de campanhas eleitorais.
O esquema comprovado pela CPMI é, nitidamente, um esquema de coopta‑
ção de apoio político ilícito. É nessa cooptação antiética, em que foram utilizadas
operações e transações financeiras simuladas, ilegais e fraudulentas, que reside a
gravidade dos fatos. Os recursos foram levantados de forma ilegal e transferidos a
partidos da base aliada, em troca de apoio político, obviamente, consubstanciado no
apoio majoritário às proposições e postulações de interesse do Governo em todas as
fases de tramitação no Congresso Nacional.
Afirma-se que o repasse de recursos aos partidos destinou-se ao pagamento de
despesas da campanha, como se isso legitimasse essa transação espúria, e que o di‑
nheiro não foi destinado a parlamentares para uso próprio e discricionário. Ao receber
os recursos do partido do governo, o parlamentar terá recebido vantagens indevidas e
ilícitas, independentemente se os utilizou para pagar dívidas de sua campanha ou para
custear suas despesas pessoais ou aumentar seu patrimônio. Aliás, não consta que os
distribuidores do esquema de cooptação teriam exigido qualquer prestação de contas
dos beneficiários. [Fls. 13639v.-13640 e 13655-13656.]
198. O relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – denominada
CPMI dos Correios – expôs e demonstrou, ainda, repasses ilegítimos de vultosas
R.T.J. — 225
1101
somas de dinheiro para integrantes de partidos políticos que seriam aliados do
Governo Federal:
No diagrama 5.1, observa-se que nos dez dias imediatamente anteriores e
posteriores à votação da Reforma Tributária ocorreu intensa movimentação de re‑
cursos, especialmente por intermédio de conhecidos operadores do Mensalão.
O Sr. José Luiz Alves, chefe de gabinete do ex-Ministro Anderson Adauto,
sacou R$ 50.000,00. A Sra. Eliane Alves Lopes, operadora do publicitário Marcos
Valério, sacou R$ 270.000,00. O Sr. Alexandre Vasconcelos Castro, igualmente ope‑
rador do Sr. Marcos Valério, sacou R$ 500.000,00. O Sr. Jacinto de Souza Lamas,
principal operador do Partido Liberal, sacou R$ 200.000,OO. O Sr. João Cláudio
de Carvalho Genu, principal operador do Partido Progressista sacou R$ 600.000,00.
O Sr. Jair dos Santos, motorista do ex-Dep. José Carlos Martinez PTB-PR, sacou
R$ 300.000,00. O Sr. Roberto Costa Pinho, ex-assessor do Ministro Gilberto Gil,
sacou R$ 100.000,00.
Ao todo, foram movimentados R$ 2.020.000.00 por essas pessoas nos dez
dias que antecederam e sucederam a votação da Reforma Tributária. Nesse intervalo
de vinte dias, houve 18 visitas ao Banco Rural de Brasília.
No Diagrama 5.2, verificamos também que, próximo à data de votação da
Lei de Falências, a Sra. Simone Reis Lobo de Vasconcelos sacou R$ 650.000,00.
Do mesmo modo, o Sr. Rui Millan, motorista de táxi, sacou R$ 250.000,00.
O mesmo padrão foi constatado no Diagrama 5.3, quando verificamos que
próximo às datas de votação da Reforma da Previdência e da PEC Paralela, Simone
Reis, principal operadora do Mensalão, sacou cerca de R$ 950.000,00.
Cabe ressaltar que só foram computados na análise os saques efetivados por
operadores conhecidos. Para se ter uma ideia da magnitude dos recursos movi‑
mentados durante o período de votação das Reformas Tributária e Previdenciária,
por operadores conhecidos ou não, o valor foi da ordem de R$ 14.829.811,00.
Apenas os operadores tradicionais do Mensalão sacaram no Valerioduto cerca de
R$ 5.255.000.00 no período.
Característica intrigante verificada no fluxo de recursos é que os saques eram
quase diários, em valores elevados e inteiros. Por exemplo, a Sra. Simone Reis Lobo
de Vasconcelos, fez 25 operações assim distribuídas: 1 x 350.000,00; 1 x 300.000.00;
3 x 200.000,00; 1 x 150.000,00; 7 x 100.000,00, 1 x 50.000,00; 1 x 35.000,00.
Ademais, foram constatadas 20 visitas de beneficiários ao Banco Rural em
Brasília. Notoriamente, esse era um dos endereços para o qual se dirigiam os inter‑
mediários do Mensalão, conforme descobriu-se nas investigações.
O comportamento observado nesses saques questiona a tese de que os repasses
tenham sido destinados a saldar dívidas de campanha eleitoral. A finalidade de distri‑
buição de recursos parece ser de outra ordem, próxima aos objetivos político-partidá‑
rios de viabilização da aprovação de matérias de seu interesse. [Fls. 13667v.-13668.]
199. Não tem relevo, para os específicos fins deste item da acusação, obter‑
-se a prova plena da efetiva prática do ato de ofício pelos parlamentares acusa‑
dos, por terem eles sido denunciados pela forma simples de corrupção passiva
(art. 317, caput, do Código de Processo Penal).
A prática do ato é imprescindível somente na forma qualificada deste crime
(art. 317, § 1º, do Código de Processo Penal), como leciona, dentre outros, Luiz
Regis Prado:
1102
R.T.J. — 225
Por se tratar de delito de mera atividade, a corrupção passiva se consuma com
a solicitação ou o recebimento da vantagem indevida, bem como com a aceitação
da promessa da aludida vantagem, não sendo imprescindível que o agente venha a
praticar ato funcional.
(...) O legislador inseriu no § 1º do artigo 317 causa especial de aumento de
pena (denominada pela doutrina como corrupção qualificada) em razão do exauri‑
mento da conduta delitiva, em que o agente, em face da motivação propiciada pela
vantagem indevida ou promessa de vir a recebê-la, retarda ou deixa de praticar
qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional, caracterizando‑
-se a corrupção própria. [PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro.
6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 3: Parte especial: arts. 250 a
359-H. p. 443 e 445.]
200. Quanto à alegação de que a destinação dada ao dinheiro seria lícita,
de se realçar ser tal fato igualmente irrelevante para a configuração do crime de
corrupção passiva, por não se tratar de elemento objetivo do tipo penal.
No caso em foco, há provas claras e afirmativas da prática do crime de cor‑
rupção passiva de alguns dos parlamentares acusados, não havendo que se cogi‑
tar, menos ainda em afirmar presunção de culpa ou de inversão do ônus da prova.
201. De se analisar, pois, com base no acervo probatório dos autos, a auto‑
ria delitiva.
7.1 Parlamentares do Partido Progressista (PP)
202. Demonstrou-se, nos autos, que os parlamentares José Janene (falecido),
Pedro Henry e Pedro Corrêa receberam, indevidamente, R$ 2.905.000,00 para
a prática de ato de ofício consistente em garantir, por meio de ações políticas na
Câmara dos Deputados, apoio ao Governo Federal.
A prática de ações políticas legislativas é o ofício dos parlamentares, seja
para apoiar seja para se contrapor às diretrizes e ações governamentais. Pela sua
atuação o parlamentar recebe subsídios, na forma constitucionalmente fixada.
Qualquer recebimento para essa atuação, máxime em se cuidando de prática que
conduza a ação como entrega contraprestada pela aceitação da promessa ou van‑
tagem indevida que seja oferecida, constitui conduta penalmente ilícita.
203. Documentos acostados aos autos comprovam que João Cláudio
Genu, então assessor de José Janene, ciente da ilicitude da prática constitutiva
do crime de corrupção passiva dos parlamentares do Partido Progressista, foi o
responsável pelo recebimento do total de R$ 1.100.000,00:
a) R$ 300.000,00 em 17-9-2003 (fls. 225-226 do Apenso 5);
b) R$ 300.000,00 em 24-9-2003 (fls. 108 e 160 do Apenso 6);
c) R$ 100.000,00 em 8-10-2003 (fls. 79-82 do Apenso 45);
d) R$ 200.000,00 em 13-1-2004 (fls. 59-59v. do Apenso 5);
e) R$ 200.000,00 em 20-1-2004 (fls. 76-76v. do Apenso 5).
R.T.J. — 225
1103
204. Em sua manifestação, em seu interrogatório judicial, João Cláudio Genu
esclareceu que as suas práticas de recebimento do dinheiro foram precedidas de auto‑
rização de José Janene ou de Pedro Corrêa, fato objetivo que comprova a plena ciên‑
cia dos parlamentares sobre o pagamento da quantia indevida que lhes era destinada.
Afirma João Cláudio Genu que o dinheiro por ele recebido foi entregue na
Direção Nacional do Partido Progressista no Senado Federal, indício objetivo,
comprovado e veemente de que o dinheiro destinava-se à distribuição ilícita a
parlamentares, demonstrado por outras circunstâncias nos autos, como o poste‑
rior efetivo e comprovado direcionamento dos recursos a congressistas:
que é assessor do Deputado José Janene desde agosto de 2003; (...) que recebeu
um telefonema do Sr. Barbosa, que trabalhava na direção do Partido Progressista, soli‑
citando para o réu comparecer no Banco Rural e procurar a Sra. Simone Vasconcelos,
que iria entregar ao réu uma quantia em dinheiro; que Barbosa lhe informou que a
quantia era de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais); que antes de receber o telefonema
do Sr. Barbosa, já tinha conhecimento pelo Deputado José Janene que iria receber a
ligação do Sr. Barbosa e o réu aqui presente deveria seguir a orientação de Barbosa;
que o deputado José Janene não disse ao réu aonde deveria se dirigir e o que seria a
encomenda; que anteriormente, o Deputado José Janene já tinha comunicado ao réu
que houve uma reunião da Executiva do Partido Progressista e comunicaram a neces‑
sidade de buscar no Banco Rural uma encomenda; que quando esteve na primeira vez
no Banco Rural, só trabalhava com o Deputado José Janene há cerca de 40 (quarenta)
dias; que quando chegou ao Banco Rural, nessa primeira ocasião, procurou a Sra. Si‑
mone, que nunca tinha visto e a mesma lhe entregou um numerário acondicionado em
três envelopes e solicitou ao réu para assinar um recibo; que achou estranho a solicita‑
ção para assinar o recibo e telefonou ao Deputado José Janene dizendo que não tinha
ido fazer nenhum saque e não iria assinar; que o Deputado informou que a assinatura
seria somente para controle da Sra. Simone, pois os valores já tinham sido sacados
por ela; que entregou a identidade para Simone e rubricou o recibo; que saiu do Banco
Rural, foi até o 17º andar do Senado Federal, aonde fica a direção nacional do Partido
Progressista e entregou os valores ao Sr. Barbosa; (...) que na ocasião em que recebeu
os R$ 300.000,00, não tinha conhecimento dos fatos mencionados nas fls. 84, que
consta que os saques se referiam a um cheque da SMP&B que estava na agência do
Banco Rural em Belo Horizonte; que a carteira de identidade que mencionou era do
Conselho Regional de Economia; que também não tinha conhecimento que o lança‑
mento dos saques foi feito da maneira que consta nas fls. 84/85; que esteve no Banco
Rural quatro vezes para buscar encomenda e da mesma maneira como mencionou
anteriormente; que em duas ocasiões que foi ao Banco Rural, recebeu R$ 300.000,00
e da Sra. Simone Vasconcelos e assinou os recibos, com identidade própria; que as
duas vezes mencionadas ocorreram em setembro de 2003; que da segunda vez que
recebeu ligação do Sr. Barbosa, como o deputado José Janene não tinha lhe dado ne‑
nhuma orientação anteriormente e como procurou o deputado José Janene e não o en‑
controu, telefonou para o Deputado Pedro Corrêa; que o deputado Pedro Corrêa disse
que “não existia nenhum problema em ir”; que na segunda ocasião, também entregou
os valores para o Sr. Barbosa, no mesmo lugar; que não sabia a origem dos valores,
pois não havia nenhum diálogo com a Sra. Simone; que em janeiro de 2004, o próprio
deputado José Janene pediu ao réu aqui presente para ir ao Banco Rural e procurar a
dona Simone da mesma maneira que ocorreu anteriormente; (...). [Fls. 15316-15317.]
1104
R.T.J. — 225
205. Complementa a prova desta prática de corrupção passiva a reunião
entre José Genoíno, Pedro Henry e Pedro Corrêa, na qual teria sido acertada
ajuda financeira do Partido dos Trabalhadores ao Partido Progressista:
Houve uma reunião entre o Presidente do Partido Progressista, Pedro Corrêa,
e o nosso líder, na época, Deputado Pedro Henry e o Deputado José Genoíno, que
era presidente do PT para se fazer um acordo não financeiro, mas um acordo po‑
lítico de apoio ao governo e isso incluía uma aliança política e nunca uma aliança
financeira. O que ocorreu na época é que essa aliança política era uma aliança que
deveria ter desdobramento para as eleições municipais e o Partido dos Trabalhado‑
res, que movia um monte de ações contra dois deputados nossos, um dos quais tinha
perdido o mandato, o segundo também perdeu o mandato, o PT era responsável por
essas ações e ficou de fazer uma ajuda financeira para pagar o advogado dos depu‑
tados, deputado Paulo Goiás, que confirmou, que recebeu, com recibo, enfim, tudo
licitamente. [Fls.16089-16090 – Interrogatório do corréu José Janene.]
206. Os saques e as transferências atípicas e sem lastro, executados por
interpostas pessoas em circunstâncias contrárias aos padrões de normalidade e
de legalidade, revelam o acordo ilegítimo firmado naquela reunião, no sentido
do pagamento de vantagem indevida aos parlamentares do Partido Progressista.
Prova de tal prática reafirma-se na circunstância de que a responsável pela
entrega do dinheiro a João Cláudio Genu, na agência do Banco Rural em Brasília
ou em hotéis da capital federal, foi Simone de Vasconcelos, diretora da SMP&B:
que em janeiro de 2004, foi outra vez ao Banco Rural, também a pedido do de‑
putado José Janene; que lembra que em uma das duas vezes que esteve no Banco Rural
em janeiro de 2004, recebeu uma informação de um funcionário do banco, dizendo
que a Sra. Simone ainda não chegou; que ficou cerca de duas horas sentado, esperando
e perguntou ao funcionário: “Ela vem? Ou não vem?”; que o funcionário informou que
ela não viria e o réu foi embora; que voltou para o Congresso e informou ao Deputado
José Janene; que na semana seguinte, recebeu novamente orientação do Deputado para
voltar ao Banco Rural; que não sabe ao certo, mas acredita que esteve no Banco Rural
no dia 07 e no dia 14 de janeiro de 2004; que quando chegou foi novamente atendido
por um funcionário que ficava em uma mesa bem no meio do banco, ao fundo, meio
careca; que o funcionário disse que a Sra. Simone não pôde esperar e deu o endereço
de um hotel para o réu se dirigir; que não lembra ao certo, mas acha que o hotel era o
Gran Bittar ou Confort da Asa Norte; que sempre ia ao Banco Rural em veículo próprio
e sozinho; que a dona Simone lhe perguntava se tinha levado alguma sacola pra trans‑
portar os valores; que normalmente entregava uma sacola, onde Simone colocava o
dinheiro e o réu sequer conferia; que ficava na parte de fora do banco e nunca conferiu
os valores com medo de se comprometer, pois caso faltasse o dinheiro, poderia ficar na
sua responsabilidade; que quando chegou no hotel, disse que queria falar com a Sra.
Simone e na recepção lhe deram o número do apartamento; que falou com Simone no
telefone e a mesma mandou o réu subir; que não chegou a entrar no apartamento de
Simone, que não sabe se ela estava sozinha e recebeu de Simone um envelope pardo la‑
crado e fez o réu assinar um recibo; que o recibo sempre constava o valor que a mesma
entregava ao réu; que não conferiu os valores que estavam dentro do envelope, mas no
recibo, dizia que constava R$ 100.000,00 (cem mil reais); que em janeiro de 2004, não
recebeu valores no Banco Rural, somente no hotel que mencionou; que não é verdade
R.T.J. — 225
1105
o que consta nos autos, mencionando que o réu aqui presente recebeu, em janeiro de
2004, duas vezes R$ 100.000,00; que na realidade, só recebeu R$ 100.000,00 de Si‑
mone e no hotel que mencionou; que de posse dos R$ 100.000,00, foi até o Partido
e entregou para um empregado de nome Valmir, pois o Sr. Barbosa não estava; que
quando saiu do hotel, ligou para o deputado José Janene e o mesmo orientou o réu en‑
tregar os valores para Valmir; que o deputado José Janene tomou conhecimento, pelo
deputado Pedro Corrêa, que o Sr. Barbosa não estava no local; que só trabalhava com
o deputado José Janene há cerca de seis meses, de agosto de 2003 a janeiro de 2004,
e não tinha intimidade para fazer perguntas ou, muito menos, o Deputado dar alguma
explicação; (...). [Fl. 15317.]
A confirmação da entrega do dinheiro a João Cláudio Genu é de Simone
de Vasconcelos:
que tinha verdadeiro pavor em sair da agência bancária portando grandes
quantias em dinheiro; que, certa vez, solicitou que um carro forte fosse levar seis‑
centos e cinqüenta mil reais para o prédio da Confederação Nacional do Comércio –
CNC, local onde funcionava a filial da SMP&B em Brasília/DF; que esses valores
foram entregues aos destinatários finais no hall de entrada do prédio da CNC; que
parte dos valores transportados pelo carro-forte também foi entregue ao Assessor
Parlamentar João Cláudio Genu, em um encontro ocorrido no hall do hotel, cujo
nome não se recorda; (...) que a relação supracitada foi elaborada com base em
anotações pessoais de Marcos Valério, cópias de cheques e extratos bancários; que
realmente pode afirmar ter entregue dinheiro para Jacinto Lamas, Jair dos Santos,
Emerson Palmieri, Pedro Fonseca, João Carlos de Carvalho Genu, José Luiz Alves,
Roberto Costa Pinho; [Fl. 591, confirmado à fl. 16467.]
207. Há também comprovação nos autos de que, por solicitação de José
Janene, algumas das transferências ao Partido Progressista foram executadas
por meio da corretora Bônus Banval, em intricadas operações de lavagem de
dinheiro, cujo objetivo era ocultar a verdadeira origem dos recursos.
Ficou provado, na ação, que tudo era feito com o deliberado intuito de
ocultar a origem ilícita do dinheiro e o seu oferecimento como vantagem inde‑
vida a parlamentar.
208. No depoimento prestado à Polícia Federal em 5-9-2005 e posterior‑
mente confirmado em juízo, Marcos Valério assegurou ter recebido de José
Janene orientação para as transferências de dinheiro ao Partido Progressista,
detalhando como eram repassados os recursos por meio da corretora Bônus Ban‑
val, cujos sócios eram Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg.
Marcos Valério esclareceu, ainda, que os beneficiários do dinheiro eram
indicados por Delúbio Soares e os contatos na Bônus Banval para realização das
operações eram mantidos com Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg:
que foi apresentado ao Sr. Enivaldo Quadrado pelo Deputado Federal José Ja‑
nene, que por sua vez foi apresentado ao declarante por Delúbio Soares; que José Janene
indicou a corretora Bônus Banval para receber repasses de verbas do Partido dos Tra‑
balhadores; que em nenhum momento cogitou ou demonstrou interesse em adquirir a
corretora Bônus Banval; que Janene afirmou ao declarante que gostaria que os recursos
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a serem repassados em nome do Partido dos Trabalhadores para o Partido Popular fos‑
sem encaminhados para a corretora Bônus Banval; que caberia à Bônus Banval efetuar
posteriormente o repasse das verbas para as pessoas indicadas pelo Deputado Federal
José Janene; que também pode afirmar que Delúbio Soares determinou o repasse de
recursos para outros partidos, bem como para Diretórios Regionais do Partido dos Tra‑
balhadores, através de depósitos realizados em nome da corretora Bônus Banval; que
através da Bônus Banval, foram encaminhados ao Partido Liberal R$ 900 mil, ao PT/
RJ R$ 750 mil, ao PT/DF R$ 120 mil, ao PT Nacional R$ 945 mil e ao PP R$ 1,200
mil; que repassou recursos para a Bônus Banval através de depósito on-line ou cheques
nominais; que os recursos encaminhados à Bônus Banval partiram das contas das em‑
presas 2S Participações Ltda. e Rogério Lanza Tolentino Associados; que a Tolentino
Associados transferiu para a Bônus Banval o total de R$ 3.460.850,00, sendo que a 2S
Participações transferiu o valor de R$ 6.322.159,33; que todos esses recursos tiveram
origem nos empréstimos obtidos junto aos bancos BMG e Rural; que nunca fez nenhum
empréstimo ao Banco do Brasil; que do total repassado à Bônus Banval, pode afirmar
que houve a devolução de R$ 5.861.212,63 para a conta da 2S Participaçõe Ltda.; que
tal devolução ocorreu tendo em vista que Delúbio Soares suspendeu alguns repasses;
que não conhece nenhum sócio, representante ou empregado da empresa Natimar Ne‑
gócios Intermedições Ltda.; que nunca concedeu qualquer autorização para a Bônus
Banval ou Natimar realizarem investimentos na Bolsa de Mercadoria e Valores em
nome do declarante; que nunca solicitou para a Natimar qualquer investimento em ouro
na BM&F, bem como de qualquer outro derivativo; que participou de três reuniões,
salvo engano, com Enivaldo Quadrado e Delúbio Soares, realizadas na sede nacional
do Partido dos Trabalhadores em São Paulo/SP (dois encontros) e em uma lanchonete
no piso superior do Aeroporto de Congonhas/SP (um encontro); que nessas reuniões
eram discutidos os repasses para o Partido Progressista e demais beneficiários; que o
repasse dos recursos para as pessoas indicadas por Delúbio Soares eram de responsa‑
bilidade da Bônus Banval, após a disponibilização dos valores pelo Declarante; que
esteve na sede da Bônus Banval em três ou quatro oportunidades, sempre para tratar de
assuntos relacionados aos repasses; que os interlocutores do Declarante junto à Bônus
Banval eram os Srs. Enivaldo Quadrado e Breno; que também já participou de reuniões
na Bônus Banval em que estava presente o Deputado Federal José Janene, juntamente
com seu assessor direto, João Cláudio Genu; que discutiu com Enivaldo Quadrado e o
Deputado Federal José Janene sobre os pagamentos a serem encaminhados ao Partido
Progressista; (...). [Fls.1459-1460, confirmado à fl.16350.]
209. Do total de R$ 4.100.000,00 repassados ao Partido Progressista,
R$ 1.200.000,00 foram transferidos por intermédio da corretora Bônus Banval,
conforme declarações de Marcos Valério:
(...) diz que conhece o denunciado Enivaldo Quadrado, podendo informar que
o mesmo é proprietário da corretora Bônus-Banval; diz que conheceu o mesmo atra‑
vés do Sr. José Janene; diz que o motivo da reunião foi a transferência de recursos
para o PP; diz que o total de valores transferidos ao Partido Progressista atinge a
cifra de R$ 4.100.000,00 sendo que destes R$ 1.200.000,00 foram repassados atra‑
vés da referida corretora; diz que tal transferência foi determinada ao interrogando
pelo corréu Delúbio Soares, originada de um empréstimo bancário contraído pela
SMP&B junto ao Banco Rural; (...). [Fl. 16350.]
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1107
210. Comprovou-se, nos autos, que a lavagem de dinheiro foi levada a efeito
da forma seguinte: recursos oriundos das empresas direta ou indiretamente liga‑
das a Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino
foram depositados na conta-corrente da Bônus Banval e, posteriormente, trans‑
feridos para uma conta interna da Natimar Negócios e Intermediações Ltda.,
cliente da corretora Bônus Banval.
Em seguida, os recursos foram depositados nas contas-correntes dos reais
destinatários do dinheiro, vinculados ao Partido Progressista e a José Janene.
211. Não obstante tenha negado a ilicitude do procedimento, Enivaldo
Quadrado confirmou as operações financeiras envolvendo a Natimar Negócios
e Intermediações Ltda. e empresas ligadas aos acusados que compõem o que o
Ministério Público denominou, na denúncia, de “núcleo operacional”:
que o reinquirido indicou a Marcos Valério a empresa Natimar Negócios In‑
termediações Ltda.; que acreditou que a Natimar se encaixava perfeitamente no tipo
de investimento pretendido por Marcos Valério no mercado da BMF; que a Natimar é
cliente da Bônus Banval desde o ano de 2002, sendo seu principal representante Carlos
Quaglia, residente em Florianópolis, Santa Catarina; que não se recorda como a Nati‑
mar se aproximou da Bônus Banval, mas acredita que foi por indicação de um cliente;
que Marcos Valério demonstrara ter interesse na aquisição de ouro e em virtude da
Natimar atuar na compra de ouro físico e resgate, foi indicada a empresa a Marcos Va‑
lério; que a Natimar não operava diretamente na Bolsa de Mercadorias e Futuros; que a
operação na BMF exige necessariamente a intermediação de uma corretora cadastrada
na BMF; que a Bônus Banval não atuava como empresa que já a Natimar Negócios e
Intermediações Ltda. atuava também como empresa de consultoria e investimentos; que
os investimentos a serem feitos na BMF necessariamente devem passar pela conta-cor‑
rente de uma corretora; que a corretora é o elo entre o cliente e a BMF; que a Natimar
decidia qual o tipo de investimento encaminharia o capital que a mesma administrava;
que a Natimar possui vários clientes e administra diversas carteiras de aplicação; que os
comprovantes dos investimentos realizados na BMF por intermédio da Bônus Banval
são as NCs – Notas de Corretagens; que a NC é o documento que discrimina qual o in‑
vestimento realizado na BMF, tais como ouro, dólar futuro e outros derivativos; que não
presenciou nenhum encontro entre Marcos Valério e os representantes da Natimar; que
Marcos Valério teria efetuado aplicações no mercado futuro e de ouro físico; que o de‑
talhamento dos investimentos feitos por Marcos Valério somente é possível com a aná‑
lise das respectivas Notas de Corretagem; que Marcos Valério, por meio das empresas
Rogério Lanza Tolentino & Associados e 2S Participações mantinha investimentos que
eram gerenciados pela Natimar Negócios Intermediações; que tais empresas efetuavam
depósitos na conta-corrente que a Natimar mantinha na Bônus Banval, cujos extratos
acompanham a petição apresentada nesse momento; que os resgates dos investimentos
de Marcos Valério eram comunicados pela Natimar via contatos telefônicos; que ao realizar os resgates, a Natimar já havia providenciado. [Fls. 1428-1429-1430, depoimento
de Enivaldo Quadrado prestado à Polícia Federal em 26-8-2005.]
212. Acrescente-se que uma filha de José Janene era estagiária naquela cor‑
retora e aquele então parlamentar frequentava a Bônus Banval sempre em com‑
panhia de João Cláudio Genu, responsável pelo recebimento de parte do dinheiro
destinado ao Partido Progressista.
1108
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Este o depoimento de Enivaldo Quadrado:
Juíza: O senhor conhecia as pessoas de José Janene, Pedro Corrêa, Pedro
Henry e João Cláudio Genu?
Interrogando: Eu conhecia o Sr. José Janene, porque frequentava a corretora,
visitando a filha, e o João Cláudio Genu que era assessor dele, estava sempre junto.
Mas não tinha contato com ele. [Fl. 16676.]
213. Nesse contexto fático demonstrado, pode-se concluir que, a pedido
de José Janene, parte do dinheiro destinado aos parlamentares do Partido Pro‑
gressista foi repassada à corretora Bônus Banval com o objetivo de ocultar a sua
verdadeira origem.
Naquelas operações de lavagem de dinheiro, houve comprovada participa‑
ção de Enivaldo Quadrado e de Breno Fischberg, sócios da corretora e interlo‑
cutores de Marcos Valério, conforme provado pelo depoimento acima transcrito.
214. Em seu interrogatório judicial, o corréu Carlos Alberto Quaglia, em
relação ao qual se teve o desmembramento do processo, confirmou que a sua
empresa Natimar Negócios e Intermediações Ltda. foi utilizada no procedimento
de lavagem de dinheiro, conquanto tenha alegado ter assinado as autorizações para
transferências de recursos em branco sem conhecimento dos destinatários finais:
(J): Bem, vamos à denúncia, então. De acordo com a denuncia, a Natimar
tinha uma conta junto à corretora Bônus Banval. Isso é verdadeiro?
(R): Isso é certo. Eu operava com a BM&F e com a Bovespa. Só que não
posso operar diretamente. É preciso operar através de uma corretora de valores.
A Bônus Banval era essa corretora.
(J): Como que o senhor chegou até essa corretora?
(R): Eu estou dentro do mercado financeiro, sobretudo a Bolsa e a BM&F,
desde que morava em São Paulo. Eu conheci essa corretora através de um corre‑
tor independente.
(J): Em que ano?
(R): Deve ter sido ano 2000, 2001.
(J): E desde 2000, 2001, o senhor teve sempre apenas uma conta junto a cor‑
retora ou mais de uma?
(R): Não, no ano de 2002, se não me engano, eu cadastrei minha empresa
na Bônus Banval. Também tinha o cadastro em outras corretoras (...) teve, né, real‑
mente. Mas a que eu operei, realmente, foi através da Bônus.
(J): A data de abertura dessa conta que é objeto da denúncia, eu gostaria de saber.
(R): No ano 2002, eu me cadastrei. Não me lembro o mês, mas, com certeza,
foi antes de maio.
(J): E foi sempre o senhor quem administrou os valores, quem fez os depósi‑
tos, ordens de transferência?
(R): Eram, basicamente, através de telefonemas.
(J): Feitos pelo senhor?
(R): Não somente eu. Eu autorizei uma pessoa a fazer isso, também, lá em São
Paulo, que conhece muito mais que eu sobre as operações de risco na Bolsa de Merca‑
dorias & Futuros, e ele fazia muitas vezes por mim, com a minha autorização expressa.
(J): Quem é essa pessoa?
R.T.J. — 225
1109
(R): O senhor chama Najun Azario Tumer.
(J): O senhor tem algum documento autorizando ele? É verbal?
(R): Não, não, não. A gente se move pela palavra.
(...)
(J): De que forma que o senhor fazia depósitos nessa conta mantida na corretora?
(R): Bom, eu queria esclarecer uma coisa: quando se fala em conta, a pes‑
soa, sim, não tem por que acreditar de outra maneira, associa imediatamente a uma
conta bancária, onde se deposita dinheiro, onde se fazem transferências eletrônicas
chamadas TED, onde se fazem DOCs, onde se emitem cheques. Isso é o que deu
lugar à confusão de eu estar envolvido em todo este assunto. Porque uma conta em
uma corretora não é isso, nem parecido. Uma conta é apenas uma formalidade, é um
cadastro. Então, eu faço uma operação, falo para o corretor da Bolsa e peço para ele
que me compre dez lotes de opções da Telebras, por exemplo, a tal preço ou a preço
de mercado. Ele compra. No fim do dia, eu tenho duas opções: ou vendo isso que
comprei ou três dias depois sou obrigado a depositar em uma conta bancária agora
o valor correspondente a essa operação. Normalmente as operações que a gente fa‑
zia eram “day-trade”, já começam e terminam no dia. Se há lucros, é a BM&F ou a
Bovespa que depositam na conta indicada o valor do lucro. Se há prejuízo por parte
do operador, eu sou obrigado a depositar. Se não fizer isso, não posso operar mais
na Bolsa. Mas não é uma conta-corrente como num banco, uma corretora. Não há
dinheiro aí para que o dono da corretora possa fazer envios ou coisa assim, a me‑
nos que eu autorize expressamente, eu coloque esse dinheiro para ele ou que esse
dinheiro surja de lucros operativos. Isso eu gostaria que fique muito claro, porque
depois de ler todas as declarações do Sr. Quadrado, Sr. Breno, sócio dele, eu estou
compreendendo que eles estão utilizando uma linguagem que não corresponde (...)
(J): Quem está utilizando?
(R): O Sr. Enivaldo Quadrado (...) os donos da Bônus Banval, quando me acu‑
sam disso, estão utilizando uma linguagem, um jargão técnico, que as pessoas não são
obrigadas a conhecer enquanto, claro, falam da minha conta-corrente (...) ele colocou
tanto esse. (...) considera que é uma conta de um banco, você confunde com isso.
(J): E sendo uma conta dessa forma que o senhor fala é possível que tenha havido
uma transferência, um depósito de terceiro nesta conta e como isso pode ter acontecido?
(R): O depósito de terceiro, o depósito real de terceiros, não pode ter, porque
um terceiro não pode dizer “Coloca tanto dinheiro no cadastro ou na conta da Natimar”. Isso não é possível, simplesmente.
(J): Eu pergunto isso porque quando o senhor prestou depoimento na fase
administrativa, o senhor disse assim: “No mês de junho de 2004, o senhor percebeu
um depósito desconhecido na conta da Natimar”. Como é possível isso?
(R): Reconheci um saldo que não correspondia, mesmo sendo formal, mas
não correspondia, não tinha nada a ver com minhas operações esse saldo. Eu per‑
cebi, sim, depois foi o próprio Sr. Enivaldo quem falou que se deu um erro de caixa,
uma logística, falou ele, sem eu entender muito bem o que significa isso, interno.
Eu pedi para resolver, estornar.
(J): O senhor pediu para quem?
(R): Para o Sr. Quadrado.
(J): E o que ele falou?
(R): Que não podia porque estava com uma auditoria.
(J): O senhor recorda o valor desse depósito?
(R): Não, mas não era depósito muito grande, não.
1110
R.T.J. — 225
(J): Seis milhões e meio de reais?
(R): Sim, foi o que escutei falar, mas não foi isso que eu percebi.
(J): Não confirma se foi esse valor?
(R): Aproximadamente cem mil, duzentos mil reais, me entende? Isso valo‑
res. Outra coisa: se fala em dinheiro, por exemplo, em aplicações, é outra confusão.
Por exemplo, eu posso aplicar quinze milhões na Bolsa de uma maneira, comprando
quinze milhões em ações à vista. Mas são outras operações em que eu posso in‑
ventar mais de quinze milhões, mas em um ano, porque faço por dia operações de
cento, duzentos mil reais, como aquelas que aplicava antes. E é coisa diferente, né?
Depósitos de cem mil, de quinze milhões para comprar ações a movimentar (...)
o mesmo dinheiro, sempre, talvez, sempre os mesmos duzentos mil reais, seguida‑
mente, durante um ano, se soma isso aritmeticamente, dá uma fortuna.
(...)
(R): Seria o mesmo que falei antes. Eu não recebi nada. Minha empresa não
recebeu nada. Absolutamente nenhum depósito, em nenhum banco, proveniente des‑
sas pessoas. Portanto, não tem sentido dizer que eu recebi depósitos dessas pessoas
ou dessas empresas. Eu acredito que isso quem teria que responder é o Sr. Quadrado,
como ele maneja sua contabilidade interna da corretora, que o que ele faz com a soma
de pagamento, com o depósito que eventualmente se produzam. Mas eu não, a empresa
Natimar nunca recebeu nada, nem do Sr. Marcos Valério e nem de suas empresas.
(J): O senhor assinou cartas de transferências de valores?
(R): Sim.
(J): Nesse ano de 2004?
(R): Sim, sim, sim.
(J): Recorda os nomes dos destinatários?
(R): Não. Realmente, eu soube dos nomes dos destinatários, é verdade, de‑
pois que vi eles na Polícia!
(J): Como é que eram essas cartas? O senhor assinava em branco...?
(R): Não, não.
(J): Recebia por fax? Como que se operava isso?
(R): Isso tinha a ver com o que estávamos dizendo antes. Depois que apare‑
cem esses depósitos errados, segundo o Enivaldo, depósito por erro de logística, na
minha conta frente à corretora, não podendo estornar diretamente esses valores por
ser uma aplicação direta, sofrer uma auditoria, ele me pediu de resolver isso de uma
maneira fácil: tirar esse lastro formal, em realidade, de minha conta para outra que
ele também tinha. Eu falei que não tinha nenhum problema fazer isso.
A mim, não ia prejudicar isso, porque não ia sair dinheiro real. Primeiro, não tinha
dinheiro real. Então, estive lá e assinei muitas cartas. Eu não memorizei todas elas, ali
via um nome por cima, não conhecia nenhum nome e, realmente, não me dizia respeito.
(J): O senhor assinou lá, na empresa?
(R): Sim, sim, sim, assinei...
(J): Alguma em branco?
(R): Em branco? Em branco, sem dizer nada?
(J): O senhor refere em branco aqui no seu depoimento: destinatários em branco.
(R): Algumas assinei sem colocar um nome específico, dizendo que vai ser
para fazer um cheque administrativo. Isso não tinha nome.
(J): Eu gostaria de saber quantas cartas de transferência o senhor assinou?
(R): Foram muitas.
(J): Números?
R.T.J. — 225
1111
(R): Cinquenta, fácil. Mas de pequenos valores, em geral.
(J): Cerca de cinquenta?
(R): Sim.
(J): Essas contas que foram identificadas, são sete operações. O senhor quer
que eu leia cada um dos destinatários?
(R): Eu já li...
(J): Já leu?
(R): Sim. Realmente, não conheço.
(J): Não reconhece nenhuma dessas transferências?
(R): Não, não porque, como lhe falei, senhora, eu assinei simplesmente para
resolver um problema interno da logística da Bônus Banval, sem pensar na possibi‑
lidade de correr nenhum risco financeiro com isso.
(J): E o senhor assinou (...) todas as cartas que assinou foram pessoalmente,
é isso? O senhor foi até a empresa e assinou?
(R): Eu assinei pessoalmente.
(J): Todas de uma vez, na mesma data?
(R): Em duas vezes. Se eu não me engano, foram em duas vezes, sim, em
duas vezes. E houve uma terceira tentativa do Sr. Enivaldo Quadrado. Ele me en‑
viou por correspondência aqui em Florianópolis, acho que isso já foi em (...) não me
lembro se isso já foi em 2005 (...) antes que (...) pouco antes que [incompreensível]
a outra, me mandou oitenta folhas, em branco. Em branco, não; sem assinar, né?
Com o mesmo pedido de transferência. Eu já tinha falado já para Enivaldo
Quadrado que não ia assinar mais isso, porque já até encerrei operações com ele,
né? Mas ele me enviou essas e eu não assinei. Além do mais que reconheci muitas
que já tinha assinado antes. E nunca quis me explicar a razão disso, porque tinha me
enviado isso de novo, fui a visitá-lo lá em São Paulo, não quis me receber. Mas eu
assinei pessoalmente, sim. [Fls. 15177-15180.]
215. Na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, Carlos
Alberto Quaglia afirmou que desconfiava das operações implementadas por
Enivaldo Quadrado:
O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PMDB-PR) – Segundo o Sr. Enivaldo Qua‑
drado, a Bônus Banval operava aplicando na Natimar em ouro e na BM&F, a pedido
de Marcos Valério. O senhor confirma isso?
O Sr. Carlos Alberto Quaglia – Não, eu não conheço o Sr. Valério.
O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PMDB-PR) – Consta que tanto a Tolentino,
que é uma empresa da qual Marcos Valério tem sociedade, quanto a 2S, uma outra
empresa da qual ele é sócio, depositaram – e essa informação que nos veio dele –
6,5 milhões de reais na conta-corrente que a Natimar mantinha na Bônus Banval.
O senhor também acha que houve um erro na origem?
O Sr. Carlos Alberto Quaglia – Estou achando que não é um erro. Acho que
isso foi manipulado, isso foi uma utilização criminosa na Natimar, porque o Sr.
Quadrado deveria precisar esconder isso. Não é a primeira vez que uma corretora
comete fraudes e desse tipo. [Fls. 13692-13693 – Grifos nossos.]
216. O Laudo Pericial 2.828/2006 evidencia que Rogério Lanza Tolentino
participou da operação criminosa da corrupção ativa.
1112
R.T.J. — 225
No exame acima mencionado e parcialmente transcrito, os peritos explica‑
ram como parte do dinheiro desviado do Fundo de Incentivo Visanet para a DNA
Propaganda foram direcionados à corretora Bônus Banval, com auxílio direto de
Rogério Lanza Tolentino:
147. Ainda em relação aos valores apropriados pela DNA, constatou-se que, em
22-4-2004, R$ 10.038.000,00 foram sacados de aplicação, quando R$ 10.000.000,00
foram transferidos ao BMG, diretamente da conta 602000-3, da DNA do Banco do
Brasil, e utilização para contratação de CDB de mesmo valor.
148. Em 26-4-2004, esse CDB foi utilizado como garantia de empréstimo do
BMG a Rogério Lanza Tolentino & Associados Ltda., CNPJ 04.397.086/0001-99.
O valor líquido do empréstimo de R$ 9.962.440,00 foi transferido para a conta 25687-0,
agência 643-2, no Banco do Brasil, de titularidade da própria empresa que obteve o
financiamento.
149. Ainda na data de concessão do empréstimo, a quantia de R$ 3.460.850,00,
proveniente da conta na qual o valor foi depositado, foi transferida mediante de‑
pósito on-line na conta 8442, de titularidade da Bônus Banval Participações Ltda.,
CNPJ 72.805.468/0001-64, mantida na agência 1892 do Banco do Brasil.
150. Em 26-4-2004, a quantia de R$ 6.463.732,73, também proveniente de tal
conta, foi depositada em dinheiro, na conta 24627, do banco 001, de titularidade da
empresa 2S Participações Ltda. A partir da conta da 2S Participações, por meio de
vários cheques, a quantia de R$ 3.140.100,00 foi retirada em espécie ou depositada na
conta 8442, agência 1892, no Banco do Brasil, em favor da Bônus Banval Participa‑
ções Ltda., ou Bônus Banval Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários Ltda.
151. O restante do saldo teve vários beneficiários, dentre os quais Ademar dos
Santos Ricardo Filho, Marcos Valério Fernandes de Souza, Orlando Martinho, San‑
dra Rocha, Ramon H. Cardoso, Andréa Cristian Guimarães, Guido Luzia da Silva
Filho, Paulo Vieira Abergo e outros valores com destinatários não identificados.
152. Os valores repassados para o grupo de empresa Bônus Banval, origi‑
nários inicialmente da empresa Rogério Lanza Tolentino & Associados Ltda. tota‑
lizaram R$ 6.600.950,00, sendo que a parte diretamente repassada pela Tolentino
e Associados, R$ 3.460.850,00 foi depositada na conta-corrente 2420, no banco
Bradesco, agência 2878. [Fls. 107-108, Apenso 142.]
217. O envolvimento da Bônus Banval e de seus sócios com o esquema é
corroborado pelos saques feitos por Áureo Marcato, Benoni Nascimento e Luiz
Masano, empregados da corretora (fls. 156, 161, 173 e 200 do Apenso 5).
A prova documental revela terem sido sacados R$ 605.000,00 no Banco
Rural, pelo mesmo procedimento empregado para distribuição do dinheiro:
a) em 23-3-2004, Áureo Marcato sacou R$ 150.000,00;
b) em 24-3-2004, Áureo Marcato sacou R$ 150.000,00;
c) em 16-6-2004, Luiz Carlos Masano sacou R$ 50.000,00;
d) em 10-9-2004, Benoni Nascimento sacou R$ 255.000,00.
218. Em inegável demonstração de que os dirigentes daquela corre‑
tora contribuíram também, diretamente, para a distribuição do dinheiro aos
R.T.J. — 225
1113
parlamentares do Partido Progressista, Enivaldo Quadrado confirma terem sido
os saques efetuados após contatos telefônicos com Simone de Vasconcelos:
Juíza: Consta aqui que a Bônus Banval realizou nessa época, realizou altos
saques em espécie repassando posteriormente esses montantes aos destinatários in‑
dicados pelo núcleo do PT. Houve esses saques altos em espécie?
Interrogando: Não, saques não. O que houve foi, a título de favor, eu mandei...
Juíza: A título de favor a quem?
Interrogando: Ao Marcos Valério, a tesouraria do Banco Rural, na Av. Pau‑
lista, com o tesoureiro Sr. Guanabara, a retirarmos envelopes em dinheiro que foram
entregues ao senhor Marcos Valério. A empresa não fez saque nenhum. Nós fizemos
simplesmente a gentileza de retirar esse dinheiro dentro da tesouraria do banco, eu
entreguei a ele.
Juíza: Nós quem?
Interrogando: Eu. Eu... Eu pedi aos meus funcionários.
Juíza: Quais funcionários?
Interrogando: Foi o senhor Luís Carlos Masano, senhor Benoni Nascimento
Moura que era o motorista e o senhor Áureo Marcato.
Juíza: Quais foram os valores sacados, o senhor se recorda?
Interrogando: Um de 50 mil reais, Excelência, eu estou querendo, eu só
queria descaracterizar o saque, porque não foi saque da empresa, não foi cheque da
empresa que eu fui na boca do caixa e saquei, o dinheiro já estava à disposição lá no
Banco Rural a pedido das empresas do Marcos Valério.
Eu nem sabia que era...
Juíza: Esse dinheiro era das empresas de Marcos Valério?
Interrogando: Vim a saber depois, chegou lá, meus funcionários se identifi‑
caram com RG e tudo mais, mas já estavam prontos os envelopes com o dinheiro.
Juíza: Mas qual foi o valor que Marcos Valério pediu?
Interrogando: Uma de 50 mil reais, uma de 150 e um de 250.
Juíza: Esse dinheiro das empresas de Marcos Valério estava depositado no
Banco Rural?
Interrogando: Não, estava à disposição na tesouraria. Como se eu fosse...
Juíza: Como assim?
Interrogando: A senhora pedisse para mim ir buscar um dinheiro no Bra‑
desco: “Olha, procura fulano no Bradesco, tem dinheiro lá para mim”. Assim, dessa
maneira, bem simples.
Juíza: Bom, para mim não é bem simples, eu não entendo muito bem como
é esse tipo de operação.
Interrogando: Não teve operação, Excelência, foi a título de favor, avisou.
Juíza: Explica?
Interrogando: Eu vou explicar, claro, eu acho que eu fui muito rápido, des‑
culpe. Ele avisou que o dinheiro estava disponível na tesouraria.
Juíza: O Marcos Valério?
Interrogando: Na verdade foi a Simone Vasconcelos.
Juíza: Ela telefonou, foi pessoalmente, como é que foi? Falou com o senhor?
Interrogando: O contato com ela sempre foi por telefone. Falou para mim se
eu podia mandar um funcionário, eu mesmo, na agência do Banco Rural na Av. Pau‑
lista, retirar um envelope para entregar a posteriori para o Marcos Valério, contendo
1114
R.T.J. — 225
50 mil reais, outro 250 e mais um com 150, em dias diferenciados. Foi esse o favor
que a gente, que eu fiz para ele.
Juíza: E esses envelopes depois foram entregue para quem?
Interrogando: Integralmente ao senhor Marcos Valério.
Juíza: E o senhor não sabe para que isso, não ficou sabendo?
Interrogando: Não tive nenhum conhecimento. [Fls. 16678-16679.]
Provada ficou, portanto, a ocorrência dos crimes cometidos por Enivaldo
Quadrado e Breno Fischberg nas práticas criminosas de que são acusados pelo
Ministério Público neste específico item da ação.
219. Cada qual das operações financeiras efetuada por intermédio da corre‑
tora Bônus Banval visando à entrega do dinheiro aos parlamentares corresponde
à prática de um crime de lavagem de dinheiro.
Tendo sido muitas as operações realizadas, há o múltiplo de crimes praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, devendo
os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, configurando-se,
dessa forma, continuidade delitiva como previsto no art. 71 do Código Penal.
Quadrilha
220. Ao contrário do alegado pelo Ministério Público, não há provas de
que Pedro Corrêa, Pedro Henry, João Claúdio Genu, Enivaldo Quadrado e
Breno Fischberg tenham praticado o crime de quadrilha.
Tipificado no art. 288 do Código Penal, a prática de crime de quadrilha
exige associação estável e permanente de mais de três pessoas com a finalidade
de cometer crimes, requisitos que não são os mesmos daqueles do concurso even‑
tual de pessoas previsto no art. 29 do Código Penal.
São institutos jurídicos diversos, inconfundíveis, como bem aponta a doutrina:
Na realidade, queremos demonstrar que é injustificável a confusão que rotineiramente se tem feito entre concurso eventual de pessoas (art. 29) e associação
criminosa (art. 288). Com efeito, não se pode confundir aquele – concurso de pessoas –, que é associação ocasional, eventual, temporária, par o cometimento de ou
mais crimes determinados, com esta – quadrilha ou bando –, que é uma associação
para delinquir, configuradora do crime de quadrilha ou bando, que deve ser duradoura, permanente e estável, cuja finalidade é o cometimento indeterminado de crimes. [BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva,
2007. v. 4, p. 305 – Grifos nossos.]
A configuração do crime de quadrilha ou bando reclama a existência de
vínculo associativo, formado pela vontade consciente do agente de unir-se com
a finalidade de praticar crimes, que sequer são ou precisam ser especificados.
Para Guilherme de Souza Nucci,
para se concretizarem a estabilidade e a permanência, devem os integrantes
do bando pretender realizar mais de um delito. Não fosse assim e tratar-se-ia de
R.T.J. — 225
1115
mero concurso de agentes. [NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 940.]
Não há prova, nos autos, de que os acusados tenham se reunido em quadrilha com a finalidade de praticar crimes, conquanto tenha ficado demonstrada a configuração de concurso de pessoas (art. 29 do Código Penal).
Por essa razão é que, no ponto, impõe-se a absolvição dos acusados no
que se refere a esta imputação de quadrilha ou bando.
221. Pelo exposto, voto pela:
a) Condenação de Pedro Henry Neto, Pedro da Silva Corrêa e João
Claúdio Genu pelos crimes de corrupção passiva;
b) Condenação de Pedro da Silva Corrêa, Pedro Henry Neto, João
Cláudio Genu, Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg pelos crimes de lavagem de dinheiro, em continuidade delitiva;
c) Absolvição, com fundamento no inciso III do art. 386 do Código Penal
(não constituir o fato infração penal), de Pedro Corrêa, Pedro Henry, João Claúdio Genu, Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg da imputação de quadrilha.
7.2 Parlamentares do Partido Liberal (PL)
222. Tem-se nos autos que a empresa Guaranhuns Empreendimentos foi
indicada pelo acusado Valdemar Costa Neto para intermediar o recebimento de
parte das vantagens indevidas disponibilizadas pela SMP&B e para participar do
esquema de lavagem de dinheiro, mediante a assinatura de um contrato fictício.
São depoimentos de Marcos Valério:
Waldemar Costa Neto/Jacinto Lamas, Delúbio Soares lhe repassou o nome
de ambos, inclusive telefone de contato, para transferência de recursos, primeira‑
mente para a empresa Guaranhuns Empreendimentos, Intermediações e Participações S/C, conforme indicado na planilha apresentada e num segundo momento, na
modalidade de saques realizados na agência do Banco Rural em Brasília, ou por
Simone Vasconcelos, ou pelos próprios destinatários dos recursos; Que esclarece
que, na época, foi firmado um contrato entre a SMP&B e a empresa Guaranhuns,
para justificar as saídas de recursos, embora a contabilização da empresa tenha sido
feita como empréstimos ao PT; Que foi Jacinto Lamas quem apresentou o nome da
Guaranhuns como sendo destinatária desses recursos financeiros. [Fls. 732-733.]
Que a empresa Guaranhuns Empreendimentos, Intermediações e Participações S/C Ltda. foi indicada pelo Sr. Jacinto Lamas em um encontro ocorrido no iní‑
cio de fevereiro de 2003 na sede da SMP&B em Belo Horizonte/MG; Que Jacinto
Lamas afirmou que a empresa Guaranhuns era de confiança do Deputado Federal
Valdemar Costa Neto; Que Jacinto Lamas não chegou a mencionar quem seriam
os proprietários ou responsáveis pela empresa Guaranhuns; Que Jacinto Lamas
solicitou ao Declarante a assinatura de um contrato com a Guaranhuns de inter‑
mediação de aquisição de ativos financeiros; Que assinou referido contrato, cuja
cópia apresenta neste momento para ser juntada aos autos, para justificar a entrada
1116
R.T.J. — 225
de recursos na contabilidade da Guaranhuns; Que foi repassado o montante de
R$ 6.037.500,00 para a Guaranhuns, sendo que o contrato mencionado tinha por
objeto a intermediação de certificados de participação em reflorestamentos ava‑
liados em R$ 10 milhões; Que quando assinou referido contrato já constavam no
mesmo as assinaturas do representante da Guaranhuns; Que no contrato também
já constava a assinatura da testemunha Renato, sendo que coube à SMP&B a indi‑
cação de Fernando Pereira para atuar como a segunda testemunha; Que referido e
contrato foi entregue à SMP&B pelo próprio Jacinto Lamas, juntamente com os tí‑
tulos de reflorestamento que seriam objeto do contrato; Que entrega neste momento
os certificados de participação e reflorestamento relacionados nas duas listas que
acompanham o contrato firmado com a Guaranhuns; Que apresentou o referido
contrato para o setor jurídico da SMP&B, que se recusou a autorizar o lançamento
do contrato na contabilidade da empresa; Que o setor jurídico considerou que refe‑
rido contato não possuía os elementos de veracidade, podendo causar futuros pro‑
blemas fiscais para a SMP&B; Que decidiu que os repasses à Guaranhuns fossem
contabilizados na conta “Empréstimos PT”. [Fls. 1454-1455.]
223. O contrato fictício firmado entre a SMP&B e a empresa Guaranhuns
Empreendimentos objetivava conferir aparência de legalidade às transferências
ilícitas de dinheiro para os acusados Valdemar Costa Neto e Jacinto Lamas.
Após a assinatura do ajuste, iniciaram-se várias transferências eletrônicas
e emissões de cheques pela SMP&B, sendo beneficiária a Guaranhuns Empreen‑
dimentos, que repassava os valores ao acusado Jacinto Lamas, intermediário do
réu Valdemar Costa Neto.
Valores em espécie foram também repassados em muitas oportunidades,
conforme se tem comprovado nos autos.
É o depoimento do acusado Valdemar Costa Neto:
Que em fevereiro de 2003, em uma reunião em São Paulo, Delúbio Soares
informou ao Declarante: “– Valdemar, dá um pulo em Belo Horizonte, ou manda
alguém de sua confiança nesse endereço na SMP&B e procura dona Simone”; Que o
Declarante perguntou se seria oficial este repasse; Que Delúbio Soares disse “– vai
lá que eles vão te explicar como vai ser o repasse”, sem dar mais explicações; Que
o Declarante solicitou a Jacinto Lamas para que este se dirigisse a Belo Horizonte/
MG pois estava em negociações com Delúbio Soares para o pagamento das dívidas
contraídas pessoalmente pelo Declarante em razão do segundo turno da campanha
presidencial; (...) Que Jacinto Lamas se dirigiu à sede da SMP&B em Belo Horizonte
e falou com Simone, que lhe entregou um envelope; Que o Declarannte recebeu a
ligação de Jacinto Lamas informando o recebimento da encomenda; Que o Declarante perguntou se era dinheiro e Lamas informou que se tratava de um envelope
lacrado; Que como Jacinto Lamas iria a São Paulo, o Declarante solicitou que este
deixasse o envelope em seu apartamento; Que chegando em São Paulo, o Declarante
abriu o envelope que continha um cheque de R$ 500 mil da SMP&B em favor da
Guaranhuns; Que realmente tem dúvidas se este primeiro cheque era no valor de
R$ 500 mil ou R$ 800 mil; Que no dia seguinte, no horário marcado, foram dois
cidadãos no apartamento do Declarante, perguntaram pelo cheque e lhe fizeram
a entrega de R$ 500 mil em troca do cheque; Que não sabe informar o nome das
pessoas, porém acredita que sejam seguranças; Que posteriormente houve o mesmo
R.T.J. — 225
1117
procedimento: Lamas foi à sede da SMP&B, recebeu um envelope lacrado e tele‑
fonou ao Declarante, que solicitou que o envelope fosse entregue em São Paulo;
Que o envelope continha outro cheque de R$ 500 mil para a Guaranhuns; (...) Que
Lamas entregou o envelope lacrado para o Declarante em seu flat em São Paulo/SP;
Que e o Declarante informou a Delúbio Soares que não faria sentido novo resgate
de cheque, e nem queria mais receber desta forma; Que mesmo assim, o resgate foi
efetuado da mesma forma no dia seguinte; Que da mesma forma foi efetuado um
terceiro pagamento, com um cheque no valor de R$ 200 mil nominal à Guaranhuns;
Que este cheque também foi buscado por Lamas na sede da SMP&B em Belo Hori‑
zonte/MG; Que Lamas recebeu outro envelope lacrado sem saber o que havia em seu
interior; Que o Declarante queixou-se novamente a Delúbio Soares, que informou
que esta seria a última vez; Que o resgate do cheque foi efetuado da mesma forma
no dia seguinte; Que o Declarante acredita que os portadores do numerário não eram
sempre os mesmos, apesar de achar que eram seguranças, possivelmente de casas de
câmbio; Que não tem condições de descrever tais pessoas, mas acredita que os mes‑
mos possuíam aparência de policiais; Que duas semanas após este terceiro cheque,
foi ao encontro de Delúbio Soares na sede do PT/SP; Que Delúbio Soares ligou para
Marcos Valério diante do Declarante, e mandou que fosse efetuado o pagamento de
R$ 500 mil em dinheiro, diretamente ao Declarante, em seus apartamento; Que este
pagamento em espécie se repetiu por mais três vezes, num total de R$ 2 milhões;
Que os sete pagamentos supracitados ocorreram entre fevereiro e abril de 2003, to‑
talizando R$ 3,2 milhões; Que houve uma interrupção nos pagamentos até julho de
2003; Que, a partir do segundo semestre de 2003, Delúbio Soares informou que volta‑
ria a efetuar os pagamentos; Que assim, conforme orientação de Delúbio Soares, Jacinto Lamas efetuou uma ligação para Simone que informou o local em um hotel em
Brasília, onde este receberia o valor informado por Delúbio Soares; Que o Declarante
não sabe informar o número do telefone nem o nome do hotel; Que desta forma foram
efetuados três pagamentos a Jacinto Lamas, em hotéis cujo nome o Declarante não
sabe informar; Que os três pagamentos foram efetuados por Simone a Jacinto Lamas,
que repassava os envelopes, pacotes ou eventualmente sacolas de lona diretamente ao
Declarante; Que Jacinto Lamas não conferia o conteúdo, apesar de saber do que se
tratava; Que houve mais um pagamento, também em espécie, da mesma forma, efetu‑
ado no apartamento do Declarante em São Paulo, por duas pessoas que aparentavam
ser seguranças; Que o Declarante não sabe precisar o valor de cada um destes quatro
pagamentos, porém afirma que o total destes foi de R$ 1,6 milhões; Que houve outra
série de pagamentos efetuados na Agência Brasília do Banco Rural, entre setembro
de 2003 e janeiro de 2004, sempre sob orientação de Delúbio Soares; Que, como de
costume, este solicitava para entrar em contato com Simone, que daria os detalhes do
saque; Que o Declarante sempre orientava Jacinto Lamas a entrar em contato com
Simone; Que a orientação de Simone era a de se dirigir à Agência Brasília do Banco
Rural, onde os pagamentos seriam efetuados pessoalmente por ela; Que o total desta
série foi de R$ 1,7 milhões; Que as entregas dos pagamentos foram sempre efetuadas
por Jacinto Lamas diretamente na residência do declarante, nunca recebendo em seu
Gabinete na Câmara dos Deputados ou na sede do Partido Liberal. [Fls. 1380-1382.]
De idêntico teor é o depoimento de Marcos Valério:
Que todas as negociações que manteve com Jacinto Lamas eram reportadas
ao tesoureiro do PT, Delúbio Soares; Que as remessas que realizou para a empresa
Guaranhuns foram efetivadas através de transferências bancárias ou por cheques
1118
R.T.J. — 225
emitidos nominalmente à referida empresa; Que os cheques emitidos em nome da
Guaranhuns eram entregues a pessoas indicadas pelos Srs. Valdemar Costa Neto e
Jacinto Lamas; Que todos os repasses de verbas ao Partido Liberal através da Guaranhuns eram determinados pelo Sr. Delúbio Soares; Que após receber a determi‑
nação de Delúbio Soares para realização do repasse ao PL, o Declarante entrava em
contato com Jacinto Lamas, e informava da disponibilização do recurso; Que ge‑
ralmente se encontrava com Jacinto Lamas na sede do PL no Anexo do Congresso
Nacional; Que nos encontros Jacinto Lamas informava a forma de recebimento dos
recursos destinados ao PL por Delúbio Soares; Que os cheques emitidos em nome
da Guaranhuns eram entregues a Jacinto Lamas ou a emissários indicados pelo
mesmo que compareciam na sede da SMP&B; Que após receberem os cheques no‑
minais à Guaranhuns, Jacinto Lamas ou seus emissários retornavam imediatamente
para São Paulo/SP; (...) Que do total repassado ao Partido Liberal pode afirmar que
R$ 6.037.500,00 foram através da Guaranhuns; Que o restante dos recursos enca‑
minhados ao Partido Liberal, conforme relação apresentada, foram entregues em
dinheiro a mensageiros da referida agremiação. [Fls. 1455-1456.]
O depoimento de Lúcio Bolonha Funaro confirma todos estes fatos:
Que, a partir de fevereiro de 2003 foi procurado pelo empresário para que o
débito começasse a ser quitado; Que, a partir dessa data o depoente começou a re‑
ceber cheques administrativos nominais a empresa Guaranhuns Empreendimentos
e Participações para quitação do empréstimo; Que, esses cheques eram repassados
primeiramente aos credores Álvaro Assunção e Richard Otterlloo e, por último, ao
depoente; Que, durante esse período, no ano de 2003, o depoente repassava um per‑
centual dos pagamentos que estavam amortizados com os cheques da SMP&B ao
Partido Liberal, que variava de semana a semana, entregando esses valores em espé‑
cie ao Sr. Tadeu Candelária no escritório do PL em Mogi das Cruzes/SP para que o
mesmo fizesse frente às despesas do Partido a época dos fatos; (...) Que, os valores
repassados no ano de 2003 perfazem o montante aproximado de R$ 3.100.000,00,
a uma taxa de 2% para a troca de cheques ou TED’s originários da SMP&B por di‑
nheiro em espécie para o ex-Deputado Valdemar Costa Neto; (...) Que, na conta do
depoente e em cheques administrativos nominais a empresa Guaranhuns circulou
o montante aproximado de R$ 6.500.000,00, sendo R$ 3.500.000,00 aproximada‑
mente para quitar o empréstimo originário de R$ 3.100.000,00 feito pelo depoente
ao ex-Deputado Valdemar Costa Neto e o restante foi repassado em espécie ao Sr.
Tadeu Candelária na sede do PL em Mogi das e Cruzes, na maioria das vezes pelo
Sr. José Carlos Batista ou por algum funcionário do Sr. Richard Otterlloo. [Fls. 1415 do Apenso 81, vol. 1, confirmado às fl. 19554.]
224. O Laudo de Exame Financeiro 1.450/2007-INC, anexos II e IV, (fls.
38-80 do Apenso 143 e fls. 17324-17325 dos autos principais) mostra ter sido
transferido o valor de R$ 3.500.000,00, por meio de cheques emitidos pela
SMP&B em favor da Guaranhuns Empreendimentos.
O mesmo laudo informa ter sido repassado, por transferências eletrônicas,
o valor de R$ 2.535.742,00 da conta de titularidade da SMP&B para a conta da
empresa Guaranhuns Empreendimentos.
Os documentos de fls. 126/177 do Apenso 45 também provam as transfe‑
rências efetuadas pela SMP&B em favor da Guaranhuns Empreendimentos.
R.T.J. — 225
1119
225. Além do repasse de valores por cheques e transferências bancárias,
na instrução desta ação se comprovou que Jacinto Lamas recebeu, em nome de
Valdemar Costa Neto, R$ 1.000.000,00 em espécie (fls. 38-19, 76-77, 88 e 236 do
Apenso 5; fls. 12, 14 e 131 do Apenso 6; e fls. 79-82 do Apenso 45).
É a manifestação do acusado Jacinto Lamas em seu interrogatório:
Que o Sr. Valdemar Costa Neto era o Presidente do PL e quem dava as or‑
dens para o réu aqui presente; (...) Que o Deputado Valdemar Costa Neto pediu ao
interrogando para receber valores de Marcos Valério e disse que seriam os valores
combinados com o PT; (...) Que a Sra. Simone Vasconcelos lhe entregou pessoal‑
mente dinheiro em espécie em quatro ocasiões; Que duas vezes recebeu de Simone
dinheiro em espécie no Banco Rural, mas não conferiu e não saberia dizer qual o
montante; Que recebeu também dinheiro de Simone nos hotéis Kubistchek e Mer‑
cury e que também não conferiu; Que os valores vinham acondicionados, às vezes,
em envelopes e, às vezes, em caixa; Que as caixas mencionadas eram caixas de
papelão, como arquivo-morto; Que não precisava mostrar a identidade para a Sra.
Simone, pois já tinha estado com a mesma na SMP&B em Belo Horizonte; Que
quando recebeu os valores da Sra. Simone, lembra de ter assinado algum papel; Que
não tem certeza, mas acha que chegou a ir ao Banco Rural cerca de quatro a cinco
vezes, incluindo as duas vezes que lá estava a Sra. Simone Vasconcelos; Que nas ou‑
tras vezes, isto é, duas ou três vezes, recebeu os valores do Sr. Francisco, funcioná‑
rio do Banco Rural; Que na portaria do shopping se identificava com a identidade;
Que na primeira vez sua identidade foi scaneada; Que sempre que recebeu valores
do Sr. Francisco também assinava um recibo; Que, sempre que ia buscar recursos
com Simone ou no Banco Rural, o Sr. Valdemar Costa Neto lhe avisava antes e dizia
que alguém ia entrar em contato a “mando de Marcos Valério”; Que os recibos a
que se referiu assinados em branco, eram em papéis simples e acredita que com o
carimbo do banco; Que também fornecia sua identidade para tirar cópia no Banco
Rural em todas as ocasiões. [Fls. 15557-15559.]
As assertivas são confirmadas pelo réu Valdemar Costa Neto:
Que o Sr. Jacinto Lamas recebeu recursos da SMP&B por catorze vezes para
o próprio réu aqui presente. [Fls. 14355-14356.]
O mesmo se tem no depoimento da acusada Simone de Vasconcelos:
Que, certa vez, solicitou que um carro forte fosse levar seiscentos e cinquenta
mil reais para o prédio da Confederação Nacional do Comércio-CNC, local onde fun‑
cionava a filial da SMP&B em Brasília/DF; Que esses valores foram entregues aos
destinatários finais no hall de entrada do prédio da CNC; Que parte dos valores trans‑
portados pelo carro-forte também foi entregue ao Assessor Parlamentar João Cláudio
Genu, em um encontro ocorrido no hall do hotel, cujo nome não se recorda; Que no
hall do prédio da CNC entregou valores para José Luiz Alves, que agora veio a saber
tratar-se de um ex-assessor do Ministério dos Transportes, e para Jacinto Lamas; Que
a relação supracitada foi elaborada com base em anotações pessoais de Marcos Valério, cópias de cheques e extratos bancários; Que realmente pode afirmar ter entregue
dinheiro para Jacinto Lamas, Jair dos Santos, Emerson Palmieri, Pedro Fonseca,
João Carlos de Carvalho Genu, José Luiz Alves, Roberto Costa Pinho. [Fl. 591.]
1120
R.T.J. — 225
Os fatos são reafirmados pela testemunha José Francisco de Almeida:
Que confirma que se recorda de ter atendido uma pessoa de nome “Lamas”,
durante o período em que atendeu os diversos saques ocorridos na agência Brasília
do Banco Rural; Que se lembra desse nome por ser um nome diferente e incomum;
Que se lembra de ter atendido esta pessoa em algumas vezes, não sabendo precisar
quantas exatamente; Que em geral “Lamas” costumava sacar cinquenta mil reais,
por vez que se dirigia ao Banco Rural; Que nesse momento lhe é apresentada foto
em nome de Jacinto de Souza Lamas, obtida junto ao Detran/DF, através do ofício
n. 231/2005 desta COAIN/COGER/DPF, datado de 6-7-2005; Que reconhece a foto
Jacinto de Souza Lamas como sendo da pessoa que recebeu pagamentos oriundos
da empresa SMP&B e que eram entregues na agência Brasília do Banco Rural,
mediante a assinatura de recibo no fax que vinha da agência Assembleia do Banco
Rural em Belo Horizonte/MG; Que confirma mais uma vez que “Lamas” esteve
com o depoente na tesouraria da agência Brasília do Banco Rural mais de uma vez.
[Fl. 233, confirmado às fls. 19069-19070.]
226. Apurou-se e mostrou-se também que Valdemar Costa Neto recebeu
dinheiro por intermédio do irmão de Jacinto Lamas, Antônio Lamas, o qual,
entretanto, teria atuado apenas na condição de mero mensageiro sem participa‑
ção no ilícito.
Antônio Lamas afirma em seu depoimento:
Que, em uma ocasião, o Deputado Valdemar Costa Neto mandou o réu aqui
presente ir até o Brasília Shopping receber uma encomenda endereçada a ele; Que
o Sr. Valdemar não disse para o réu que se tratava de dinheiro; Que o Sr. Valdemar
lhe deu o endereço em um cartão e disse que procurasse o Sr. Francisco, mas não
informou que seria no Banco Rural; Que o Sr. Valdemar também não lhe disse quem
estava encaminhando a “encomenda”; Que quando se identificou para o Sr. Francisco no Banco Rural, o mesmo o levou para uma sala, que acredita ser a tesouraria
e entregou uma caixa com o timbre do Banco Central; Que a caixa estava lacrada;
Que Francisco pediu para o réu conferir; Que o réu disse que não tinha vindo fazer
nenhuma conferência, somente buscar a “encomenda”; Que o Sr. Francisco abriu a
caixa e o réu viu que se tratava de dinheiro; Que verificou que se tratava de notas de
R$ 100,00 (cem reais), todas; (...) Que do Brasília Shopping se dirigiu a residência do
Sr. Valdemar Costa Neto no Lago Sul, QI 5; Que entregou a caixa diretamente para
o Deputado Valdemar Costa Neto e, apesar de na residência estarem presentes outros
deputados, o Deputado o chamou para uma sala reservada. [Fls. 15552-15553.]
Os acusados Jacinto Lamas e Valdemar Costa Neto confirmam o depoi‑
mento de Antônio Lamas:
Que em uma ocasião, quando estava viajando, o seu irmão Antônio foi ao
Banco Rural a mando do Deputado Valdemar Costa Neto, mas só tomou conheci‑
mento posteriormente pelo próprio Deputado. [Fl. 15559 – Jacinto Lamas.]
Que, em uma ocasião, Jacinto estava viajando e telefonou para ele pedindo
para entrar em contato com o Banco Rural para retirar dinheiro e como Jacinto es‑
tava em Santa Catarina, pediu para seu irmão Antônio Lamas ir até o Banco Rural
buscar a encomenda. [Fl. 14355 – Valdemar Costa Neto.]
R.T.J. — 225
1121
Provou-se também que o acusado Valdemar Costa Neto recebeu dinheiro pes‑
soalmente, sem intermediários, o que foi destacado no interrogatório do próprio réu:
Que conseguiu que o Sr. Delúbio Soares liberasse para o réu, em agosto de
2004, o valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), que foi pago
em São Paulo diretamente ao réu aqui presente; Que recebeu o valor mencionado
em seu flat em São Paulo e o mensageiro era um segurança. [Fl. 14353.]
227. Demonstrado está que o acusado Valdemar Costa Neto recebeu van‑
tagem indevida valendo-se de três modelos diversos: a) emissão de cheques ou
transferências eletrônicas pela SMP&B, tendo como beneficiária a empresa Gua‑
ranhuns Empreendimentos, que, posteriormente, repassava os valores ao réu;
b) utilização dos intermediários Jacinto Lamas e Antônio Lamas no recebimento
de valores em espécie; e c) recebimento de dinheiro pessoalmente.
228. Ficou provado, na instrução processual, ainda quanto ao crime de
corrupção passiva, que o acusado Carlos Alberto Rodrigues também recebeu
vantagem indevida, servindo-lhe de intermediário Célio Marcos Siqueira.
Em seu interrogatório, afirma o réu Carlos Alberto Rodrigues:
Que desceu até a garagem da Câmara onde encontrou o motorista do Depu‑
tado Vanderval Santos do PL de São Paulo, Sr. Célio; Que solicitou ao Sr. Célio
que se dirigisse até o local indicado no bilhete e lá buscasse com uma pessoa, cujo
nome não se recorda, “uma encomenda” para o declarante; Que não sabe precisar
a hora deste encontro; Que se dirigiu para sua residência, para onde Célio levou o
dinheiro recebido no local indicado no bilhete mencionado; Que Célio entregou ao
declarante um envelope contendo R$ 150.000,00 em espécie. [Fl. 2260.]
Meritíssimo, eu confirmo que recebi do Senhor Célio na minha residência.
O Senhor Célio não era meu funcionário, não tinha nenhuma ligação comigo,
exceto de uma amizade. Às vezes, ele fazia pequenos serviços para mim, ele era
motorista de um outro parlamentar. Como eu não queria que um outro parlamentar
fosse acusado indevidamente no meu lugar ou respondesse algo, eu disse: “Não, o
Senhor Célio foi buscar a meu mando, no banco, um dinheiro enviado para o Partido
Liberal, que eu presidia no Rio de Janeiro”. [Fl. 15934.]
Os fatos relatados são reiterados por Célio Marcos Siqueira:
Que recebeu uma ligação do Deputado Federal Carlos Rodrigues, então co‑
ordenador da bancada evangélica, no celular n. 61-9962.5534, solicitando que o
declarante descesse até a garagem destinada aos parlamentares; Que ao encontrá-lo
o Deputado Federal Carlos Rodrigues forneceu o endereço por escrito para que o
declarante recebesse “uma encomenda”; Que nesse endereço fornecido não havia
indicação da pessoa que deveria procurar, porém se recorda de que o Deputado Fe‑
deral Carlos Rodrigues comentou que uma pessoa iria procurá-lo para entregar a
encomenda; Que acredita que tal pessoa o reconheceria por meio da cor da roupa que
estava trajando; Que se recorda que nesse dia estava trajando um temo na cor bege;
Que possuía dois ternos na época; Que o Deputado Federal Carlos Rodrigues-PL/RJ
não fez qualquer comentário sobre que tipo de encomenda que seria entregue ao de‑
clarante; Que esse fato teria ocorrido no horário do almoço e no mês de dezembro de
1122
R.T.J. — 225
2003, um pouco antes do recesso parlamentar; Que após a determinação, deslocou-se
imediatamente até o endereço indicado pelo Deputado Federal Carlos Rodrigues;
Que somente ao chegar no andar do Edifício Brasília Shopping, constatou que se tra‑
tava do Banco Rural o local indicado pelo Parlamentar Carlos Rodrigues; Que nunca
havia ido à Agência Brasília do Banco Rural em outras oportunidades; Que ao se
deslocar ao balcão de atendimento foi abordado por uma mulher que perguntou ao de‑
clarante se era Célio, que estaria a mando do Deputado Carlos Rodrigues; Que nessa
ocasião a mulher solicitou ao declarante que se identificasse; Que não viu a mulher
proceder qualquer anotação de sua identificação; Que essa mulher não seria funcioná‑
ria da Agência Brasília do Banco Rural, vez que não portava qualquer identificação;
(...) Que após se identificar pegou a encomenda e encaminhou-se até a residência do
Deputado Federal Carlos Rodrigues. [Fls. 1325-1326, confirmado à fl. 20131.]
229. O documento de fls. 38-39 do Apenso 5 mostra que, em 17 de dezembro
de 2003, Célio Marcos Siqueira compareceu à agência do Banco Rural em Brasília e
recebeu de Simone de Vasconcelos R$ 150.000,00 em dinheiro, entregando o valor
ao acusado Carlos Alberto Rodrigues, na forma dos depoimentos acima transcritos.
230. Não houve distinção na prática e na finalidade combinada relativa‑
mente à entrega do dinheiro destinado aos acusados Valdemar Costa Neto, Car‑
los Alberto Rodrigues e Jacinto Lamas.
Conforme exaustiva fundamentação exposta antes, tem-se comprovada
a operação de esquema criminoso de corrupção passiva de parlamentares.
231. Jacinto Lamas serviu de intermediário de Valdemar Costa Neto no
recebimento da vantagem indevida, tendo agido com dolo, conhecendo a ilici‑
tude dos fatos, pelo que, nos termos do art. 30 do Código Penal, deve responder
pela prática do crime de corrupção passiva em concurso de pessoas.
Salienta Júlio Fabbrini Mirabete:
Sujeito ativo do crime de corrupção passiva é o funcionário público, em sua
acepção de direito penal (art. 327), ainda que se encontre afastado de sua função
por férias, licença, suspensão etc., bem como aquele que ainda não a assumiu.
Responde em concurso de agentes o particular que colabora na prática da conduta
típica. [MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal interpretado. 6. ed. São Paulo:
Atlas, 2007. p. 2407.]
232. O Ministério Público demonstrou que os réus Valdemar Costa Neto,
Jacinto Lamas e Carlos Alberto Rodrigues praticaram o crime de corrupção passiva, pelo que devem ser por ele condenados.
233. Quanto ao crime de lavagem de capitais, provou-se, nos autos, a
assinatura de contrato simulado, a transferência de valores com o emprego de
empresa intermediária e a utilização de interposta pessoa no recebimento de
dinheiro, o que demonstra a prática da espécie delituosa pelos acusados Valdemar Costa Neto e Jacinto Lamas.
Carlos Alberto Rodrigues também valeu-se, dolosamente, de interposta
pessoa para o recebimento de valores que lhe foram destinados como vanta‑
gem indevida em razão do cargo, ciente do crime antecedente, o que configura
R.T.J. — 225
1123
lavagem de dinheiro, como explicitado em fundamentação exposta em item ante‑
rior (art. 1º da Lei 9.613/1998 – antes transcrito).
234. Valdemar Costa Neto e Jacinto Lamas praticaram os delitos de
lavagem de dinheiro em condições de tempo, lugar e maneira de execução
semelhantes, devendo os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplicando-se, por conseguinte, a regra do crime continuado prevista no
art. 71 do Código Penal, tal como fundamento em itens anteriores.
235. O acusado Carlos Alberto Rodrigues praticou apenas um crime
de lavagem de dinheiro.
236. Voto, pois, pela condenação dos acusados nos termos seguintes:
a) Valdemar Costa Neto, pela prática do crime de corrupção passiva e
dos crimes de lavagem de dinheiro em continuidade delitiva;
b) Jacinto de Souza Lamas, pela prática do crime de corrupção passiva
e dos crimes de lavagem de dinheiro em continuidade delitiva;
c) Carlos Alberto Rodrigues Pinto pela prática do crime de corrupção
passiva e de um crime de lavagem de dinheiro.
237. Voto no sentido de absolver Antônio Lamas, contra o qual não
ficou provada a prática do crime que também lhe foi imputado (inciso VII
do art. 386 do Código de Processo Penal).
Quadrilha
238. Quanto à imputação do crime de quadrilha aos acusados Valdemar
Costa Neto, Jacinto Lamas e Antônio Lamas, tenho como improcedente a
pretensão punitiva.
239. Em relação a Valdemar da Costa Neto e Jacinto Lamas, não se tem por
comprovada, no caso, a associação estável e permanente para o cometimento de
crimes, requisito exigido para a configuração do crime de quadrilha.
O que se demonstrou foi ocorrência de concurso eventual de pessoas pre‑
visto no art. 29 do Código Penal.
Para se ter o crime de quadrilha ou bando, é de se comprovar formação de
vínculo associativo pela vontade consciente do agente de unir-se a outros com a
finalidade de praticar número indeterminado de crimes.
Jurisprudência e doutrina afinam-se quanto à imprescindibilidade de se
comprovar, objetivamente, a estabilidade e a permanência do elo entre os inte‑
grantes do bando e o seu objetivo de se reunirem para praticar delitos em geral.
Não sendo assim, o que se tem é concurso de agentes.
É o caso da imputação quanto a Valdemar da Costa Neto e Jacinto Lamas,
tendo-se como configurado e demonstrado concurso eventual de pessoas (art. 29
do Código Penal), sem prova de que os acusados tenham se reunido em quadrilha,
1124
R.T.J. — 225
com a finalidade de praticar crimes, impondo-se, por isso, a absolvição quanto a
essa imputação específica.
Quanto a Antônio Lamas sequer há prova de que a sua situação poderia ser
enquadrada como concurso de pessoas, impondo-se a sua absolvição pela total
ausência de prova quanto à sua participação no que é imputado como delito pelo
Ministério Público.
240. Voto, pois, no sentido de absolver os acusados Valdemar Costa
Neto e Jacinto de Souza Lamas do crime de formação de quadrilha a eles
imputado pelo Ministério Público, com fundamento no inciso III do art. 386
do Código de Processo Penal.
Julgo improcedente a acusação quanto a Antônio Lamas para absolvê-lo com base no inciso VII do art. 386 do Código de Processo Penal.
7.3 Parlamentares do Partido Trabalhista Brasileiro
Corrupção Passiva
241. Provou-se, no processo, ter sido garantida vantagem indevida a
Roberto Jefferson, Romeu Queiroz, deputados federais do Partido Trabalhista
Brasileiro, e Emerson Eloy Palmieri com a específica finalidade de se obter
deles apoio político consubstanciado em ações positivas para aprovação e susten‑
tação dos projetos e atos de interesse do Governo Federal.
242. Provou-se, nesta ação, que, em 2003, José Carlos Martinez, então
deputado federal e presidente do Partido Trabalhista Brasileiro e falecido pos‑
teriormente, recebeu indevidamente R$ 1.050.000,00 em pagamento para votar
sobre matérias legislativas submetidas à deliberação do Congresso Nacional.
Jair dos Santos, motorista de José Carlos Martinez, então presidente do Par‑
tido Trabalhista Brasileiro, recebeu de Simone de Vasconcelos, R$ 700.000,00,
na sede da SMP&B Comunicação, em três ocasiões:
a) 3-4-2003, R$ 150.000,00;
b) 6-5-2003, R$ 250.000,00;
c) 29-9-2003, R$ 300.000,00 (fl. 94101, Apenso 45).
O repasse do dinheiro a Jair dos Santos foi confirmado por Simone de
Vasconcelos:
que realmente pode afirmar ter entregue dinheiro para Jacinto Lamas, Jair
dos Santos, Emerson Palmieri, Pedro Fonseca, João Carlos de Carvalho Genu, José
Luiz Alves, Roberto Costa Pinho. [Fl. 591.]
243. R$ 300.000,00, não computados naqueles primeiros valores repassa‑
dos, foram recebidos por Jair dos Santos no Banco Rural pelo procedimento de
distribuição de dinheiro montado pelo grupo criminoso. Um saque ocorreu em
18-9-2003 (R$ 200.000,00) e o outro em 24-9-2003 (R$ 100.000,00) (fls. 230 e
240 do Apenso 5).
R.T.J. — 225
1125
244. Em julho de 2003, José Carlos Martinez solicitou a Romeu Queiroz
auxílio para recebimento de R$ 50.000,00.
Atendendo à solicitação e ciente da ilicitude da operação, Romeu Queiroz
designou seu assessor José Hertz para o recebimento do dinheiro e repassá-lo, como
pedido por José Carlos Martinez, a Emerson Eloy Palmieri (Apenso 45, fls. 117-118).
José Hertz solicitou, então, ao office boy Charles dos Santos Nobre que
fosse à SMP&B Comunicação para recebimento de cheque de R$ 50.000,00.
Com o cheque, José Hertz retirou R$ 50.000,00 do caixa do Diretório
Regional do Partido Trabalhista Brasileiro em Minas Gerais e se dirigiu à Brasí‑
lia para repassar o dinheiro a Emerson Eloy Palmieri.
Estes fatos foram confirmados por Romeu Queiroz e também por José Hertz:
que em julho de 2003 o então presidente do PTB, José Carlos Martinez, en‑
trou em contato com o declarante solicitando que o mesmo providenciasse alguém
para buscar R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) provenientes de doação do Partido
dos Trabalhadores para o Partido Trabalhista Brasileiro; que esses recursos estavam
disponíveis na empresa SMP&B Publicidade na cidade de Belo Horizonte/MG; que
imediatamente entrou em contato com o coordenador do Partido em Minas Gerais,
Sr. José Hertz, para que este providenciasse alguém para buscar os recursos na ci‑
tada empresa e posteriormente colocasse esse numerário à disposição do Sr. Emer‑
son Palmieri no Diretório Nacional; (...) que na oportunidade o recebimento destes
R$ 50.000,00, o declarante chegou a entrar em contato com a Sra. Simone Vasconce‑
los, Diretora Financeira da SMP&B Publicidade, comunicando que o Sr. José Hertz,
coordenador do PTB em Minas Gerais, estaria autorizado a atender os pleitos do Sr.
Emerson Palmieri. [Depoimento de Romeu Queiroz, fls. 2125/2130, fase policial.]
que houve um episódio anterior, em 10-7-2003, em que o declarante solicitou
ao boy do Escritório Regional do PTB/MG para que este se dirigisse à SMP&B em
Belo Horizonte/MG, procurasse Simone Vasconcelos com a finalidade de receber
recursos destinados ao PTB Nacional; que o declarante recebeu orientação do Depu‑
tado Federal Romeu Queiroz para providenciar o recebimento de tais recursos; que
o declarante acredita que o próprio Deputado Federal Romeu Queiroz tenha entrado
em contato com Simone Vasconcelos; que na SMP&B, o boy Charles dos Santos
Nobre recebeu de Simone Vasconcelos um cheque no valor de R$ 50.000,00, nomi‑
nal à SMP&B; que uma vez que tinha este valor em dinheiro no Caixa do Diretório
Regional, o declarante separou R$ 50 mil e trouxe este valor a Brasília, de carro,
saindo de Belo Horizonte às 09:30 h da manhã, entregando esse valor pessoalmente
ao Sr. Emerson Palmieir, no Diretório Nacional do PTB, na 303 Norte, Brasília/DF.
[Depoimento de José Hertz, fls. 1333/1336, confirmado às fls. 19364/19265.]
Roberto Jefferson também reafirmou o recebimento do dinheiro por José
Carlos Martinez:
que somente após o advento do escândalo do mensalão tomou conhecimento
do suposto repasse de R$ 1 milhão para José Carlos Martinez, conforme relação
divulgada por Marcos Valério; que, entretanto, se lembra que José Carlos Martinez
afirmou em diversas oportunidades que Delúbio Soares estava pagando os progra‑
mas partidários do PTB; que esses programas eram caríssimos, por volta de R$ 600
1126
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mil cada um; que pode afirmar que foram elaborados dois programas nacionais e
três ou quatro regionais. [Fl. 4225.]
245. Em dezembro de 2003, após solicitação de Roberto Jefferson para pro‑
videnciar arrecadação de recursos para o Partido Trabalhista Brasileiro, Romeu
Queiroz entrou em contato com Anderson Adauto, então ministro dos Transportes.
Três dias após reunir-se com o ministro, Romeu Queiroz foi avisado da
possibilidade de obtenção dos recursos com Delúbio Soares.
Foi o dizer de Romeu Queiroz em seu depoimento prestado na fase policial:
que em dezembro de 2003, foi contactado pelo então presidente do PTB,
Deputado Roberto Jefferson, na condição de segundo secretário do Partido para
que angariasse recursos para a agremiação política; (...) que, diante do pedido do
Deputado Roberto Jefferson, procurou o então Ministro dos Transportes Anderson
Adauto em seu gabinete, para quem formulou a solicitação de recursos; que cerca
de dois ou três dias após esta reunião, o ex-Ministro entrou em contato com o de‑
clarante esclarecendo que havia mantido entendimentos com o então Tesoureiro do
PT, Sr. Delúbio Soares, e que este por sua vez se colocou à disposição para disponi‑
bilizar recursos do PT através da empresa SMP&B Publicidade; que esses recursos
seriam liberados em janeiros do ano seguinte, ou seja, em janeiro de 2004; que o
ex-ministro Anderson Adauto disse na oportunidade que os valores liberados seriam
na ordem de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). [Fls. 2125/2130.]
246. As provas dos autos patenteiam que Roberto Jefferson, auxiliado por
Emerson Eloy Palmieri e Romeu Queiroz, recebeu R$ 4.545.000,00, vantagem
indevida a ele destinada “para votar a favor de matérias do interesse do Governo
Federal” (fl. 45424, alegações finais do Ministério Público Federal).
Desse total, parte foi recebida por Alexandre Chaves Rodrigues Barbosa, o
que foi confirmado por Roberto Jefferson e Emerson Eloy Palmieri:
que entretanto, realmente Alexandre Chaves recebeu R$ 145 mil em Belo Ho‑
rizonte para repassar para Cacá Moreno, publicitário que prestou serviço para o PTB;
que esses R$ 145 repassados para Cacá Moreno diziam respeitos à parte da conta de
R$ 520 mil contratada pelo José Carlo Martinez e autorizada por Delúbio Soares; (...)
que realmente solicitou de Delúbio Soares R$ 200 mil para repassar a Patrícia, filha de
Alexandre Chaves; que tinha conhecimento do envolvimento amoroso entre Patrícia e
José Carlos Martinez, e após o falecimento deste, procurou tal recurso para ampará-la.
[Depoimento de Roberto Jefferson, fase policial, fls. 4225-4226, confirmado em juízo.]
que Alexandre Chaves recebeu duas parcelas de R$ 100 mil Alexandre Chaves
recebeu duas parcelas de R$ 100 mil na Agência Brasília do Banco Rural referentes
a um auxílio à sua filha Patrícia, que tinha ligação com o falecido presidente do PTB,
José Carlos Martinez; que segundo informação de Roberto Jefferson, Delúbio Soares
teria disponibilizado R$ 200 mil em duas parcelas ao PTB, porém Roberto Jefferson
não teria aceito, mas teria dito que precisava ajudar uma pessoa que era a filha de
Alexandre Chaves; que o declarante, então, seguindo orientação de Roberto Jefferson,
telefonou para Delúbio Soares para saber o local para onde Alexandre deveria se diri‑
gir para retirar o numerário; (...) que o saque referente ao dia 19-12-2003, na verdade
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1127
se refere a uma saque de R$ 145 mil datado de 18-12-2003, recebido por Alexandre
Chaves em Belo Horizonte/MG, para pagamento de programa de televisão do PTB,
sendo repassado a Cacá Moreno, responsável pela produção do programa, na data do
recebimento, em BH/MG. [Depoimento, fase policial, fls. 3573-3575.]
247. Em juízo, Emerson Eloy Palmieri repetiu, em essência, o que antes
afirmara à polícia, confirmando também o que declarado por Roberto Jefferson:
J: O senhor André Chaves, o senhor conhece? Lembra quando conheceu e por
intermédio de quem?
R: André.
J: Alexandre. Perdão.
R: Alexandre Chaves era motorista do Ciro Gomes quando o PTB apoiou o
Ciro a candidato à presidência.
J: Ele chegou a ter alguma vinculação com o PTB ou prestar serviços para
o PTB?
R: Ele prestava serviços para uma empresa que fazia programas eleitorais
para o PTB.
J: Para o senhor ou para o senhor Roberto Jefferson o sr. Alexandre nunca
prestou serviços?
R: Não, senhor.
J: São referidos, na denúncia, três recebimento de valores, por parte do senhor
Alexandre Chaves. Um no valor de 145 mil, de 18 de dezembro de 2003, e dois rece‑
bimentos no valor total de R$ 200 mil reais, que teriam sido entregues pelo grupo de
Marcos Valério a Alexandre Chaves. O senhor tem conhecimento desses repasses?
R: O Roberto Jefferson me comunicou que tinha... Alexandre tava com um
problema com a filha, e o Roberto me comunicou que o Delúbio pra colocar o Ale‑
xandre em contato com ele. Eu liguei pro seu Delúbio e dei o endereço lá do PT e o
seu Alexandre foi até o PT conversar com o seu Delúbio. E aí, foi lá que ele parece
que recebeu, me disse que recebeu ajuda prometida.
J: O senhor sabe quanto ele recebeu naquela oportunidade?
R: Parece que foi duzentos mil.
J: Isso foi em Brasília mesmo?
R: Lá em Brasília.
J: E quanto ao outro recebimento de 145 mil reais, o senhor tem algum
conhecimento?
R: O senhor Roberto pediu uma ajuda também pro Delúbio e pediu que o
PTB emitisse uma passagem par o Alexandre ir a Minas. O Alexandre foi a Minas e
não sei o que aconteceu lá. Eu sei que, me parece, segundo o Roberto, era pra pagar
custo de televisão.
J: O senhor sabe por que foi eleito o senhor Alexandre para ir a Minas Gerais?
R: Não.
J: Não tem conhecimento?
R: Não.
J: Sabe se esse valor foi declarado pelo PTB?
R: Também não.
J: Também não sabe?
R: Não. Acredito que não tenha sido.
J: Esse custo de televisão seria para pagar programas televisivos contratados
pelo PTB?
1128
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R: Segundo o Roberto, eu não sei, então, eu não posso dar detalhes.
J: E aqueles valores que teriam sido recebidos em Brasília, pelo senhor Ale‑
xandre, o senhor sabe qual foi o efetivo destino daquele numerário?
R: A informação que eu tinha é que era pra filha dele.
J: A filha do senhor Alexandre, no caso?
R: É.
J: Ela tinha alguma vinculação com o PTB?
R: Ela tinha uma vinculação com o ex-presidente.
J: No caso, o senhor José Carlos Martinez?
R: É. No caso, uma relação pessoal. Não gostaria de (...). [Fls. 15078-15079.]
248. Parte do dinheiro destinado aos parlamentares do Partido Trabalhista
Brasileiro como pagamento de vantagem indevida foi recebida por José Hertz,
vinculado a Romeu Queiroz.
Em seu depoimento, José Hertz explicou como se dera o recebimento do
dinheiro e o seu repasse a Emerson Eloy Palmieri:
que na época dos fatos o declarante era funcionário do Gabinete do Deputado
Federal Romeu Queiroz, Presidente Estadual do PTB/MG e 2º Secretário da Execu‑
tiva Nacional, tendo trabalhado de fevereiro de 1999 a 30-6-2004; que concorreu à
candidatura de Prefeito Municipal do Município de Jequitinhonha/MG pelo PTB nas
eleições de 2004; que em 5-1-2004, o declarante recebeu uma ligação de Emerson
Palmieri, então Secretário Nacional do PTB, no telefone fixo do Diretório Regio‑
nal do PTB, nr (31) 3337-0014 para que procurasse a Sra. Simone Vasconcelos na
SMP&B em Belo Horizonte/MG; que o contato continuou por meio do celular (31)
9979-146; que Emerson Palmieri comunicou ao declarante que já havia conversado
com Simone Vasconcelos e o deputado federal Romeu Queiroz; que a finalidade da
ida do declarante à SMP&B seria buscar uma encomenda para o Diretório Nacional
do PTB; que, após ter telefonado para o celular de Simone Vasconcelos, o declarante
compareceu à sede da SMP&B em Belo Horizonte/MG; (...) que Simone Vascon‑
celos orientou ao declarante para que este se dirigisse a duas agências bancárias, a
saber, uma do Banco do Brasil e outra do Banco Rural, ambas na cidade de Belo
Horizonte/MG; (...) que o declarante deveria procurar por uma pessoa que acredita
ter sido o gerente, que lhe entregaria uma encomenda; (...) que ao chegar ao banco,
procurou pelo funcionário que Simone Vasconcelos teria indicado, para a entrega da
encomenda; que se recorda de ter apresentado a carteira de identidade, mas não se
recorda de ter assinado qualquer documento ou recibo, nem que o funcionário tenha
efetuado qualquer anotação de seus dados pessoais; (...) que recebeu do funcionário
um envelope do Banco do Brasil, sem qualquer inscrição ou referência a valores,
fechado com grampos; (...) que ficou surpreso com o recebimento do pacote que per‑
cebeu que se tratava de dinheiro; que de imediato telefonou para Emerson Palmieri
em razão de achar estranho o recebimento de valores em espécie em envelope, tendo
recebido como resposta que mandaria imediatamente as passagens para que o decla‑
rante viajasse a Brasília para ser entregue a ele, Emerson Palmieri; (...) que deixou o
pacote de dinheiro guardado no escritório regional do PTB, em um cofre, e se dirigiu
à agência do Banco Rural; (...) que, chegando à agência Assembleia do Banco Rural,
o declarante se dirigiu a um funcionário indicado por Simone Vasconcelos, tendo
recebido deste um envelope semelhante ao primeiro, em impresso do Banco Rural,
também lacrado, em tamanho menor que o envelope retirado no Banco do Brasil; (...)
R.T.J. — 225
1129
que em seguida se dirigiu ao Diretório Regional do PTB, pegou o pacote que deixara
no cofre, referente à encomenda que lhe fora entregue na agência do Banco do Brasil;
que, de posse dos dois pacotes, tomou o voo 1804 de Pampulha/Belo Horizonte para
Brasília, horário das 19:00 h, na mesma data, ou seja em 5-1-2004; que chegando em
Brasília/DF foi recebido no aeroporto pelo Dr. Emerson Palmieri, que identificou o
declarante pelo celular, uma vez que não o conhecia; (...) que o declarante e Emerson
Palmieri adentraram no veículo deste último, conduzido por um motorista; (...) que
ainda no veículo o declarante fez a entrega dos dois pacotes, lacrados, ao Sr. Emer‑
son Palmieri, pelo espaço que separa os dois bancos dianteiros; que o Sr. Emerson
Palmieri não abriu os pacotes e de imediato ligou para o Deputado Federal Roberto
Jefferson e fez o seguinte comentário: assunto resolvido. [Fls. 1333-1336, confirmado
às fls. 19264/19265.]
249. As viagens mencionadas, de José Hertz a Brasília, são confirmadas
pelas cópias das passagens aéreas juntadas às fls. 1337-1339.
Corroborando a prática do crime de corrupção, Emerson Eloy Palmieri
confirma ter recebido R$ 200.000,00 de José Hertz em Brasília/DF:
J: A denúncia descreve a suposta participação do sr. Anderson Adauto numa
reaproximação com o PT. O senhor alguma vez entrou em contato com o sr. Ander‑
son Adauto por força desse acordo?
R: Não conheço. Nunca falei nem por telefone, nunca falei pessoalmente,
nunca falei.
J: O Ministério Público Federal descreve outros repasses na denúncia. En‑
tendo oportuno a gente conversar sobre cada um deles. Alguns teriam sido feitos
para a pessoa do senhor José Hertz. O senhor conhece o senhor José Hertz? Quando
o conheceu? E por indicação de quem?
R: Não, eu não conheci o José Hertz. Numa certa situação, um época o Ro‑
berto entrou em contato com o deputado Romeu Queiroz e pediu uma ajuda, e aí
o Roberto me disse: “olha, o Romeu vai trazer uma ajuda pro partido”, e me pediu
que o PTB enviasse uma passagem pro PTB de Minas. Passado um período, chega
esse senhor José Hertz, se colocando como José Hertz, eu o vi uma vez, e levou um
recurso no partido, 200 mil reais. Eu fui tomado de surpresa porque não sabia onde
era o recurso, quando recebi falei “olha, não é assim que se traz dinheiro pro par‑
tido. Tem que ter recibo. Tem que ser legalizado”. Ele falou: “o Romeu disse que é
assim”. Eu peguei esse dinheiro, inclusive tava junto comigo um elemento que era
da juventude petebista, tava na sala quando viu essa...
J: O senhor se recorda o nome dele?
R: Seu Adriano. Tava junto quando viu que eu chamei a atenção do Zé Hertz,
“olha, não é assim”. Aí eu peguei o envelope e levei na sala do Roberto Jefferson: “olha,
tá errado, trouxe assim, você combinou com o Romeu pra fazer doação por partido, ele
trouxe assim”. Ele falou: “deixa comigo que eu resolvo”. E aí, eu dispensei o rapaz.
J: Essa pessoa que trouxe, então, o dinheiro, era o senhor José Hertz?
R: José Hertz.
J: Até essa oportunidade o senhor não o conhecia?
R: Não.
J: O senhor lembra quando foi isso?
R: A data excelência...
1130
R.T.J. — 225
J: A denúncia descreve um repasse ao senhor José Hertz, em janeiro de 2004.
Ele teria ido a Brasília no início do ano, no dia 5 de janeiro de 2004, quando teria
efetuado a entrega desse valor...
R: Lá no partido.
J: Exato.
R: Pode ser por essa data, no início de janeiro. Agora, eu não posso precisar
o dia. [Fls.15077-15078.]
250. Roberto Jefferson e Emerson Eloy Palmieri receberam, ainda,
R$ 4.000.000,00 em espécie de Marcos Valério.
Provou-se nos autos que, em reunião com a participação de José Genoíno,
Sílvio Pereira, Marcelo Sereno, Roberto Jefferson, Emerson Eloy Palmieri e José
Múcio, ficou acertado repasse financeiro de R$ 20.000.000,00 pelo Partido dos
Trabalhadores ao Partido Trabalhista Brasileiro.
Desse montante, está comprovado que R$ 4.000.000,00 foram entregues
a Roberto Jefferson e Emerson Eloy Palmieri, não tendo sido entregue a parte
restante segundo afirmou o primeiro.
251. De acordo com as provas produzidas e em consonância com a imputa‑
ção formulada na denúncia, Emerson Eloy Palmieri e Roberto Jefferson confes‑
saram o recebimento daquele valor:
J: O senhor me disse que não reconhece como verdadeira a acusação. Eu vou
lhe perguntar sobre alguns fatos da denúncia. Primeiro, vamos começar por uma
eventual reunião de acordo entre o PTB e o PT que é narrada na denúncia. O senhor
tem conhecimento dessa reunião? Participou, eventualmente, dessa reunião?
R: Tenho. Eu participei. Essa reunião aconteceu em 2004, nas eleições municipais. É bom deixar claro, excelência que o trabalho que foi feito, foi feito político
da ordem da eleição municipal. Quando foi feita essa reunião, como eu fazia esse tra‑
balho de estatística no partido, eu fui chamado pra reunião pra levar essa estatística.
Onde tinha candidato a prefeito, vereadores e vice-prefeito. Foi aí que iniciou-se a
negociação entre a cúpula do PT e o PTB pra uma acordo político. O PTB abriu mão
de algumas candidaturas em alguns Estados em favor do PT, e o PT abriu mão em
alguns Municípios, também, em favor do PTB. Então, foi feito um acordo político.
J: O senhor lembra quem estava presente nessa reunião?
R: Lembro. Estava presente o José Múcio, que era líder do PTB, Roberto Jefferson e eu, que fui chamado pra levar a posição de estatística. Do lado da cúpula do
PT, o seu Delúbio, José Genoíno e Marcelo Sereno.
J: Chegou a ser estabelecido nessa reunião algum valor? Algum valor que
seria transferido do PT, ou por parte do PT, para o PTB?
R: Foi conhecido, na época, que o PT disse que tinha um caixa de 100 a 120
milhões de reais, e, na época, foi combinado com o Roberto, nessa reunião, de que
o PT passaria para o PTB um recurso de R$ 20 milhões, 5 parcelas de R$ 4 milhões,
do PT pro PTB. Eu me lembro muito bem que o Roberto, inclusive, consultou a
assessoria jurídica do partido se isso era possível, e aí combinaram que seria feito
através de doações, pra conta-contribuição, através de recibo.
J: Essas doações seriam, efetivamente, do PT, ou eventualmente...
R: Do PT ou de alguns empresários que o PT, porventura, a cúpula indicaria,
que faria doações pro PTB, tudo através de recibo.
R.T.J. — 225
1131
J: Nesse acordo realizado qual seria a contrapartida do PTB para o PT, para
receber esses R$ 20 milhões?
R: Eu não participava dessas reuniões políticas. Eu não tenho como lhe in‑
formar isso, porque isso era competência do presidente e da executiva do partido.
Da liderança do partido. Eu só participei dessa...
J: Mas o senhor participou daquela reunião...
R: Só aquela reunião. Terminou, eu fui pra casa.
J: E naquela reunião não foi falado qual era a razão desse repasse?
R: Não. Não foi falado detalhes.
J: Por que o PT escolheu o PTB pra doar esses R$ 20 milhões?
R: Não foi... eu não participei dessa conversa.
J: Desses R$ 20 milhões acordados, algo chegou, de fato, a ser transferido
para o PTB, ou a ser entregue ao PTB?
R: Diretamente, na contabilidade, não. Foi entregue esses R$ 2,2 milhões e R$ 1,8
milhão na sede do PTB para o deputado Roberto Jefferson.
J: O senhor acompanhou essa entrega de dinheiro?
R: Eu estava no PTB quando o telefone tocou, estava na minha sala traba‑
lhando, o Roberto pediu que eu fosse à sala dele.
J: Isso foi em Brasília?
R: Foi em Brasília. Na sede do PTB. Cheguei lá, estava o seu Marcos Valério
com o Roberto e já com essa quantia em dinheiro. Eu me lembro muito bem que
o Roberto ainda cobrou o seu Marcos Valério sobre o recibo. Porque foi entregue,
se não me engano, R$ 2,2 milhões na primeira e na segunda R$ 1,8 milhão. Nessa
primeira, o Roberto questionou o recibo. Que eles tinham combinado com a cúpula
do partido do PT que viria com recibo. Aí, o Marcos respondeu: “Olha, na segunda
entrega nós vamos trazer o recibo e legalizar”. E não foi legalizado.
J: Além do senhor Marcos Valério, mais alguém esteve presente, ou trouxe o
dinheiro também, ou não?
R: Não. Quando eu entrei na sala do Roberto só estavam o Marcos e o Roberto.
J: O senhor foi ouvido no curso do inquérito policial, nas folhas 3575 do
inquérito policial, em determinado momento o senhor relata para a autoridade
policial: “acreditava que Roberto Jefferson esperaria até o último momento pelo
cumprimento do acordo entre o PTB e o PT, ou seja, a apresentação dos recibos”.
Eu pergunto para o senhor, esperaria para fazer o quê?
R: Para legalizar essa quantia que o Roberto recebeu como pessoa física.
J: Para legalizar na contabilidade do PTB?
R: Na contabilidade do partido.
J: E qual seria esse último momento para legalizar?
R: Eu acho que o recebimento dos recibos.
J: O senhor sabe qual foi o destino dado a esse dinheiro?
R: Não, senhor.
J: Além desses 4 milhões de reais, desse acordo de R$ 20 milhões o PTB
chegou a receber algum outro valor?
R: Não, senhor. [Fls. 1075-15076, interrogatório judicial de Emerson Palmieiri.]
JF Marcello Granado: Gostaria de entender, com relação a esse financia‑
mento, que o PT fazia ao PTB, e talvez a outros Partidos em razão de acordos po‑
líticos de campanha, por que esse ingresso de dinheiro no Partido ou para os seus
1132
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Deputados ou membros do Partido se dava em espécie? Na grande maioria das
vezes, os valores mais relevantes eram sempre em espécie, como relatado nos autos.
Acusado dr. Roberto Jefferson: É uma dúvida que também me assalta, Excelência.
JF Marcello Granado: Porque o nosso País é um tanto quanto inseguro para
um sujeito ficar circulando com quatro milhões, quinhentos mil reais...
Outra coisa: com relação ao destino desse dinheiro que foi recebido, con‑
forme está descrito na denúncia, a parcela dos quatro milhões de reais, qual foi o
destino dado a esse dinheiro?
Acusado dr. Roberto Jefferson: Excelência, nós fizemos um acordo no sentido
de o PTB ajudar nas coligações majoritárias ao PT, nos Estados de São Paulo, Mi‑
nas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Goiás, Acre, e o PT assumiu conosco o compro‑
misso de financiar candidaturas nossas de Prefeitos e Vereador no Brasil.
O PT alardeava, e a imprensa publicava, um caixa de cento e vinte milhões de reais.
Alardeava que possuía na conta contribuição vinte milhões de reais. Quando
eu conversei com o Presidente do PT, José Genoíno, e o fiz em companhia do Ministro José Mucio e do Emerson Palmieri, que é Secretário do Partido, em uma reunião
onde estavam Delúbio Soares, José Genoíno, Marcelo Sereno e o Secretário-Geral
do PT paulista, Silvinho Pereira, eu disse: “Nós ajustamos o apoio ao PT nessas
capitais, em Salvador, na Bahia, e, em contrapartida, o financiamento do PTB em
outros Estados da União”. Vinte milhões de reais.
A primeira parcela foi cumprida. Mas deu problema, porque não havia recibo. Eu já disse, naquela época ao Genoíno: “Genoíno, isso vai complicar. Vocês
têm um alarde de provisão de caixa por dentro. Isso está vindo por fora. Vai
complicar. No final, nós vamos ter que explicar isso”.
E a partir daí, começou a ruir a relação. Os quatro milhões iniciais foram
cumpridos. Os demais dezesseis, não. A quem o PTB entregou? A candidatos a Pre‑
feitos e Vereador em vários Estados do Brasil.
JF Marcello Granado: Essas ditas despesas de campanha eram custeadas
pessoalmente pelos Deputados, candidatos a Prefeito, no município, ou o Partido é
quem fazia o contato com o cinegrafista, com a empresa que produz vídeo, galhar‑
dete; enfim, o material de campanha em geral?
Acusado dr. Roberto Jefferson: Excelência, uma campanha como essa, can‑
didatos não conseguem fazer sozinhos. O Partido tem que ajudar. Vamos dizer, uma
despesa de campanha numa eleição nos municípios de Minas Gerais, o candidato
vai conseguir alavancar 20%, 30% dos recursos para a campanha dele.
JF Marcello Granado: Sim. Mas a contabilização não é feita em nome da
pessoa Partido, em nome da pessoa física do candidato?
Acusado dr. Roberto Jefferson: É feita em nome do Partido. Mas nunca são as
quantias gastas, Excelência. Mesmo porque os doadores não querem se apresentar
por dentro. Eles querem fazer a doação por fora.
JF Marcello Granado: Então, as pessoas envolvidas nesse caso sabiam que
essas doações eram por fora?
Acusado dr. Roberto Jefferson: Não sabiam. Havia uma expectativa de legiti‑
mação do dinheiro, que foi o acordo que nós fizemos.
JF Marcello Granado: Convenhamos: receber quatro milhões de reais, em
espécie, me parece que é um indício – quem recebe isso – de que a coisa não é muito
certa. Não é muito dentro, como se diz por aí.
Acusado dr. Roberto Jefferson: Eu não quero fazer o discurso do PT, nem o
discurso do Presidente Lula, mas é assim que funciona, Excelência. Infelizmente.
R.T.J. — 225
1133
JF Marcello Granado: Então, as pessoas quando recebem nessas circunstân‑
cias, podem, pelo menos, supor...
Acusado dr. Roberto Jefferson: É assim que funciona. Vamos dizer que as
despesas declaradas à Justiça Eleitoral sejam de dez milhões numa eleição presi‑
dencial. Ela não custou menos de cem.
JF Marcello Granado: Então, quando houve o recebimento desses quatro mi‑
lhões de reais dessa primeira parcela adimplida pelo PT, sabia-se, principalmente por
não haver o recibo, que a origem não era declarada, ou se sabia a verdadeira origem?
Acusado dr. Roberto Jefferson: A Impressão que eu tive, sempre, que eram
recursos do PT, mesmo porque eu conheci o Marcos Valério nessa ocasião.
JF Marcello Granado: Quer dizer, recursos obtidos pelo PT de forma espúria,
“caixa 2” – ou recursos que eram entregues por empresários...
Acusado dr. Roberto Jefferson: Eu volto a dizer a Vossa Excelência que eu
confiava que o PT fosse legalizar esse dinheiro, que eram recursos de empresários,
doados ao PT, mas que tivessem fonte de legalização.
JF Marcello Granado: Quando Vossa Excelência recebeu pelo Partido esse
valor, não presumia que a origem fosse não declarável em espécie?
Acusado dr. Roberto Jefferson: Dinheiro de eleição nunca é um dinheiro to‑
talmente declarado.
JF Marcello Granado: Então, Vossa Excelência sabia que não era declarado?
Acusado dr. Roberto Jefferson: Pelo menos, desconfiava, Excelência. Volto
a dizer a Vossa Excelência, das eleições de que participei – quero dar o meu teste‑
munho pessoal –, 20% do real é declarado. 80%, não é possível declarar. E explico
a Vossa Excelência por quê. Se ganha o PSDB, ele persegue a lista de doadores do
PT ou do PMDB. Se ganha o PMDB, o que ele tem é a Polícia Federal, a Receita
Federal é com ele. O Ministério Público dá uma ajuda, gosta de ajudar a destruir
reputações. Adora. Tem o Ministério do Trabalho.
Então, o empresário quer proteção. Ele doa um volume grande. Às vezes,
aceita colocar por dentro uma pequena doação, mas 90%, 80% das doações, Exce‑
lência, são feitas no “caixa 2”, e são feitas por fora.
JF Marcello Granado: E todos esses recursos recebidos são para custear campanha?
Acusado dr. Roberto Jefferson: Claro que sim. Dinheiro de política é para
ser usado...
JF Marcello Granado: E o “mensalão” em si, a mesada a Deputados, para
que votassem de acordo com interesses do Governo?
Acusado dr. Roberto Jefferson: O PT inaugurou na legislatura passada, no primeiro governo do Presidente Lula, a prática mais viciada de política que há. Nós sempre
soubemos que há em algumas Assembleias, em algumas Câmaras de Vereadores, mas
na Câmara Federal, foi a primeira vez que vi. Fui Parlamentar vinte e três anos, seis
mandatos consecutivos de Deputado Federal, mas nunca tinha visto transferência de
dinheiro, todo mês, a Deputado, para comprometer o Deputado com a base do Governo.
E assisti a isso no primeiro governo do Presidente Lula, patrocinado do PT. Nos fundos
do Plenário, no cafezinho, era um escândalo. A conversa era de quinta categoria.
JF Marcello Granado: Vossa Excelência diria quem recebeu e quem pagou?
Acusado dr. Roberto Jefferson: Não. Volto a dizer a Vossa Excelência que o
meu papel aqui é me defender.
JF Marcello Granado: Vossa Excelência recebeu?
Acusado dr. Roberto Jefferson: Claro que não. E foi onde eu comecei a ter
problemas de relação, porque eu disse: “No PTB, não vem. Não aceito isso.”
1134
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Ao PTB pode se ajudar a financiar, me dá a estrutura para o PTB andar, mas
mesada, aqui não permito que repasse aos meus liderados. Foi o conflito que tive.
Disse isso ao Presidente Lula, Excelência, duas vezes. Disse isso ao Ministro Ciro
Gomes, ao Ministro Miro Teixeira, ao Ministro Palocci, ao Ministro Gushiken: “Vai
pipocar.” A conversa é ruim. Eu tenho seis mandatos de Deputado Federal e nunca
foi assim. Vocês estão inovando uma prática que é terrível. Não tem como fazer silêncio sobre isso. Isso vai vazar. A imprensa já começava a dar notícias.
Eu não sou o autor da denúncia do “mensalão”. Quem fez primeiro foi o
Miro Teixeira. Eu coloquei para fora em junho de 2005. Em setembro de 2004 – eu
me recordo bem –, o Deputado Miro Teixeira, ex-Ministro do Governo, ex-Líder do
Governo, disse isso em uma entrevista ao Jornal do Brasil: “Está um escândalo isso
aqui.” Não fui eu o autor. É que a denúncia foi abafada, o Miro recuou, não insistiu, e a
coisa foi tapada. Mas o Jornal do Brasil, em setembro de 2004, já trazia uma entrevista
do Miro dizendo. E a expressão “mensalão” não fui que cunhei; já estava na boca dele.
Era uma coisa horrorosa, e havia pressões de... Nessa época, o Tribunal Su‑
perior Eleitoral, Excelência, e o Supremo não haviam decidido pela fidelidade par‑
tidária. E eu, no PTB, sofri um assédio brutal aos Deputados da Bancada com esse
tipo de conversa: “Vocês aí não têm, aqui tem”. Eu tive que interpelar alguns líderes, inclusive, de Partidos que tentavam cooptar Deputados do PTB na mudança,
dizendo: “Cara, toca a tua vida, deixa o PTB. Se você levar um Deputado meu no
‘mensalão’, vou para a tribuna e vou arrebentar com isso.”
JF Marcello Granado: Quem pagava esse “mensalão”?
Acusado dr. Roberto Jefferson: Eram recursos que vinham do PT.
JF Marcello Granado: Mas quem?
Acusado dr. Roberto Jefferson: Excelência...
JF Marcello Granado: Sempre tem alguém quem negocia. Presume-se.
Acusado dr. Roberto Jefferson: Recursos do PT. Parece-me que os autos têm
claramente isso, Excelência.
JF Marcello Granado: Eu gostaria que o Senhor dissesse se o Senhor quiser.
Acusado dr. Roberto Jefferson: Não Excelência, o meu papel aqui é falar so‑
bre as imputações a mim e ao meu Partido. [Fls. 15915-15919.]
252. Romeu Queiroz foi beneficiado também com o recebimento de recur‑
sos oriundos de ilícito penal contra a administração pública, de que ele tinha
conhecimento. Os recursos foram entregues por saque de dinheiro executado por
interposta pessoa, efetuada em agência do Banco Rural, procedimento caracte‑
rístico da lavagem de dinheiro.
À fl. 197 dos autos se tem cópia de e-mail enviado por Geiza Dias dos Santos
para o Banco Rural autorizando o saque de R$ 102.812,76 por Paulo Leite Nunes:
Marquinhos,
Boa tarde!
Estaremos encaminhando amanhã pela manhã, um cheque no valor de
R$ 102.812,76 p/ saque. A retirada da verba será efetuada pelo Sr. Paulo Leite Nu‑
nes, que irá ter procurar e se identificará.
Antecipadamente, agradeço por sua atenção.
Grande abraço,
Geiza.
R.T.J. — 225
1135
253. À fl. 198 se tem com a cópia do cheque também a cópia da identidade de
Paulo Leite Nunes, autorizado a retirar o dinheiro, depois entregue a Romeu Queiroz.
A sucessão dos fatos foi esclarecida por Paulo Leite:
que ao visitar o Deputado Romeu de Queiroz em seu escritório de represen‑
tação em Belo Horizonte, foi solicitado pelo referido Deputado que o declarante se
dirigisse a uma agência do Banco Rural localizada na Av. Olegário Maciel, com o
objetivo de pegar um dinheiro que ajudaria nas campanhas de candidatos a prefeito;
(...) que se dirigiu ao Banco Rural imediatamente após ter saído do escritório do
deputado Romeu de Queiroz; que não levou ao Banco Rural nenhum documento
que o credenciasse a efetuar o saque em nome do Deputado Romeu Queiroz; que ao
chegar na agência identificou-se para um funcionário que acredita ser o tesoureiro
da agência, cujo nome não sabe declinar, o qual entregou ao declarante determinada
quantia em dinheiro. [Fls. 631-633, confirmado às fls. 21430-21431.]
254. Embora tenha negado que o dinheiro representasse pagamento de vanta‑
gem indevida, o depoimento de Romeu Queiroz harmoniza-se com o de Paulo Leite:
que em agosto de 2004 recebeu um contato telefônico do Sr. Cristiano Paz,
sócio de Marcos Valério na SMP&B Publicidade; que Cristiano Paz era presidente
da empresa; que neste contato Cristiano Paz disse ao declarante que a empresa
Usiminas tinha disponibilizado R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) de do‑
ação para diversas campanhas eleitorais municipais de interesse do PTB; que esses
recursos foram destinados para diversos coordenadores de campanhas políticas em
vinte municípios do Estado de Minas Gerais; (...) que dos R$ 150.000,00 doados
pela Usiminas foram descontadas pela SMP&B a importância de R$ 47.187,24
(quarenta e sete mil e cento e oitenta e sete reais e vinte e quatro centavos) a título de
impostos e taxas; que, portanto, o Sr. Paulo Leite Nunes recebeu no Banco Rural a
quantia de R$ 102.812,76; que foi o declarante que quem decidiu a destinação dada
aos recursos sacados pelo Sr. Paulo Leite Nunes, doados pela Usiminas; (...) que
Paulo Leite Nunes se dirigiu ao Banco Rural orientado pelo declarante, de posse
de uma listagem parcial das pessoas que receberiam parte dos valores sacados, en‑
tregue pela secretária do declarante; que Paulo Leite Nunes recebeu os valores no
Banco e em virtude de não desejar levar o dinheiro para o escritório do PTB por mo‑
tivo de segurança, decidiu naquela mesma oportunidade efetuar TEDs para os bene‑
ficiários da listagem que possuía. [Depoimento de Romeu Queiroz, fls. 2125-2130.]
Assim, as provas dos fatos e as circunstâncias expostas e corroboradas mostram que o dinheiro recebido por Romeu Queiroz constituiu vantagem indevida fornecida em troca de atuação política dirigida no Congresso
Nacional em sentido positivo de apoio ao Governo Federal, como descrito na
denúncia, pelo que voto no sentido de sua condenação.
255. O Ministério Público imputou a Emerson Eloy Palmieri a coautoria
deste crime de corrupção passiva praticado por Romeu Queiroz.
Em suas alegações finais, entretanto, ponderou o Ministério Público:
693. Quanto a esse último fato, de autoria do então Deputado Federal Ro‑
meu Queiroz, muito embora a denúncia tenha atribuído a coautoria do delito a
1136
R.T.J. — 225
Emerson Palmieri, não se colheu provas de que o acusado contribui de qualquer
modo para a prática do crime, impondo-se, quanto a esse evento específico, a sua
absolvição. [Fl. 45432.]
256. Relativamente a esta específica imputação a Emerson Eloy Palmieri
não há prova de que ele tenha concorrido para a infração penal, pelo que
voto no sentido de sua absolvição, com fundamento no inciso V do art. 386
do Código de Processo Penal.
Lavagem de dinheiro
257. Ao receberem o pagamento indevido advindo de fontes que não os ver‑
dadeiros pagantes, por meio de saque disponibilizado pelo Banco Rural ou por
interpostas pessoas, os réus Roberto Jefferson, Romeu Queiroz e Emerson
Eloy Palmieri praticaram o crime de lavagem de dinheiro.
258. Os saques efetuados no Banco Rural seguiram procedimento peculiar,
antes explicitado, pelo endosso de cheques emitidos pela SMP&B Comunicação
à instituição financeira, permitindo a retirada do dinheiro como se fosse desti‑
nado ao pagamento de fornecedores, de forma a ocultar a verdadeira natureza,
origem e localização do dinheiro.
Pelo inciso V do art. 1º da Lei 9.613/1998, constitui crime de lavagem de
dinheiro, “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes direta
ou indiretamente, de crime contra a Administração Pública, inclusive a exigência
para si, ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como
condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos”.
259. Pelo conjunto probatório se tem demonstrado que, do total recebido por
parlamentares do Partido Trabalhista Brasileiro, R$ 50.000,00 foram entregues a
Emerson Eloy Palmieri por José Hertz, após o office boy Charles dos Santos Nobre
ter se dirigido à SMP&B Comunicação para recebimento de cheque daquele valor.
Além disso, em três oportunidades, Alexandre Chaves se encontrou com
Simone de Vasconcelos, por determinação de Roberto Jefferson e de Emerson
Eloy Palmieri, para o recebimento de outro valor, a saber, R$ 345.000,00.
Assim, utilizando-se de terceira pessoa para recebimento da vantagem indevida,
ficou provado que os réus Roberto Jefferson e Emerson Eloy Palmieri cometeram,
pelas condutas descritas no parágrafo anterior, três crimes de lavagem de dinheiro.
260. Ademais, adotando idênticos procedimentos àqueles antes descritos, por
determinação de Roberto Jefferson, Emerson Eloy Palmieri e Romeu Queiroz, José
Hertz compareceu à SMP&B Comunicação para recebimento de R$ 200.000,00.
Comprovou-se, ainda, que Marcos Valério entregou a Roberto Jefferson e
Emerson Eloy Palmieri, em duas ocasiões, R$ 4.000.000,00, sendo R$ 2.200.000,00
na primeira e R$ 1.800.000,00 na segunda.
R.T.J. — 225
1137
261. Ensina a doutrina que uma das maneiras de se ocultar movimentação
financeira decorrente de recursos obtidos pela prática de crime contra a adminis‑
tração pública, praticando-se lavagem de capitais, é o transporte sem declaração
de saída ou de entrada dos valores:
A ocultação da movimentação pode dar-se, também, em fundos falsos de veícu‑
los, junto ao corpo, em caixas de alimentos, em saltos de calçados, ou dentro de mer‑
cadorias, máquinas, veículos, ou cavidades corporais, assim como é feito com drogas.
A localização poderá ser ocultada com a utilização de cofres particulares,
fundos falsos e cofres bancários.
A ocultação e dissimulação da movimentação e da localização dá-se, ainda,
comumente, pela transferência do dinheiro (wire transfer) ou através de transporte
físico sem declaração na saída e na entrada (mala preta), ou declarando apenas o in‑
gresso dos valores, cheques ou cheques de viagem. São comuns ainda, a utilização
de transportadores (carriers) como FedEx ou assemelhados, ou sistemas alternati‑
vos de remessa, Hawalla, isto é, um método internacional, antigo, sem registros ou
destruição diárias dos registros, baseado na confiança, sendo os valores entregues
ao hawaladar no país de origem e daí transferido, por telefone, ao correspondente
no país de destino, sem transferência física. [BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo.
Crimes federais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 504.]
262. Demonstrou-se também, nos autos, que Romeu Queiroz recebeu, por
intermédio de Paulo Leite Nunes, R$ 102.812,76, valendo-se do procedimento de
saque de dinheiro no Banco Rural.
263. Tem-se, portanto, quanto aos delitos de lavagem de dinheiro prati‑
cados pelos réus Roberto Jefferson, Emerson Eloy Palmieri e Romeu Queiroz,
verifica-se, mais uma vez neste item, múltiplos crimes cometidos nas mesmas
condições de tempo, lugar e modo de execução, devendo os subsequentes ser
havidos como continuação do primeiro, configurando-se continuidade delitiva,
como previsto no art. 71 do Código Penal.
De se realçar que a continuidade delitiva deu-se pelas múltiplas práticas de
crime de lavagem de dinheiro.
Entre estes e os de corrupção passiva tem-se a ocorrência do concurso mate‑
rial de crimes, pois os agentes, por mais de uma ação, praticaram dois ou mais cri‑
mes, devendo-lhes ser aplicada, cumulativamente, as penas privativas de liberdade
aplicadas (art. 69 do Código Penal – “Quando o agente, mediante mais de uma ação
ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativa‑
mente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação
cumulativa das penas de reclusão e detenção, executa-se primeiro aquela”).
264. Pelo exposto,
– julgo procedente a pretensão punitiva e condeno:
a) Roberto Jefferson Monteiro Francisco, pela prática do crime de
corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) em concurso material com os
crimes de lavagem de dinheiro, esse em continuidade delitiva;
1138
R.T.J. — 225
b) Romeu Ferreira Queiroz, pela prática do crime de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) em concurso material com os crimes de lavagem de dinheiro, esse em continuidade delitiva;
c) Emerson Eloy Palmieri, pela prática do crime de corrupção passiva
(art. 317 do Código Penal) em concurso material com os crimes de lavagem
de dinheiro, esse em continuidade delitiva.
– julgo improcedente a pretensão punitiva e absolvo Emerson Eloy Palmieri
da imputação de um crime de corrupção passiva, relativo à coautoria com Romeu
Ferreira Queiroz, pela ausência de provas de que ele tenha concorrido para a infra‑
ção penal, com fundamento no inciso V do art. 386 do Código de Processo Penal.
7.4 Parlamentar do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)
265. Tem-se provado nos autos que o acusado José Borba recebeu o valor
de R$ 200.000,00, em espécie, proveniente da operação criminosa levada a efeito
para distribuição de recursos financeiros nos moldes antes relatados.
O dinheiro foi entregue na agência do Banco Rural, em Brasília, por Simone
de Vasconcelos, que efetuou o saque do valor, transferindo-o, em seguida, ao réu
José Borba.
Está no depoimento de José Francisco de Almeida Rego:
Que perguntado se recordava de algum caso específico de saque, tem a dizer
que em data que não sabe precisar, por volta das 11:00 horas, uma pessoa se apre‑
sentou para sacar os valores indicados pela SMP&B; Que em virtude de problemas
técnicos do Banco Central, o numerário não estava disponível no horário aprazado;
Que o reinquirido saiu para almoçar e somente retornou por volta das 13:30 horas;
Que neste momento solicitou a identificação da pessoa que iria sacar os valores para
confrontar com os dados contidos no fax recebido da Agência Assembleia do Banco
Rural, oportunidade em que o mesmo apresentou a carteira funcional de Deputado
Federal, sendo solicitado então o documento para extração de cópia, porém o Depu‑
tado Federal, de nome José Borba, não permitiu a extração de cópia e se recusou a
assinar o recibo do valor a ele destinado; Que, diante da negativa do Deputado José
Borba em permitir a extração da cópia do documento de identificação, fez contato
com a Agência Assembleia do Banco Rural em Belo Horizonte/MG, e falou com
o Gerente daquela Agência e lhe expôs o fato; Que o Gerente disse que o reinqui‑
rido teria tomado a decisão correta de não efetuar o pagamento e que iria entrar em
contato com a empresa SMP&B para tratar do assunto; Que, logo após, o gerente
retornou a ligação dizendo que uma pessoa estaria indo à Agência do Banco Rural/
Brasília resolver o problema, orientando o reinquirido a rasgar o fax anteriormente
recebido em nome do Sr. José Borba, pois seria mandado um outro fax em nome
da pessoa que seria a responsável pelo saque; Que tal pessoa chegou após o encer‑
ramento do expediente bancário para o público, permanecendo o Sr. José Borba na
Agência aguardando o desenrolar dos fatos; Que compareceu na agência para efe‑
tuar o saque a sra. Simone Vasconcelos, que assinou o recibo e autorizou a entrega
do numerário ao Sr. José Borba; Que o valor indicado no fax da SMP&B era de
R$ 200.000,00, porém não se recorda se o valor foi entregue integralmente ao
R.T.J. — 225
1139
Deputado Federal José Borba; Que não ficou nada registrado da operação em nome
do deputado Jose Borba, visto que foi enviado novo fax indicando como responsá‑
vel pelo saque a Sra. Simone Vasconcelos. [Fls. 559-560.]
O acusado Marcos Valério confirma os fatos:
Que, o Deputado José Borba recebeu em Brasília, no Banco Rural, tendo se
recusado a assinar os recibos. [Fl. 734.]
diz que, também nestes casos, as pessoas indicadas por José Borba foram
identificadas no Rural e, quando pessoalmente José Borba foi ao Rural, tendo se re‑
cusado a assinar o recibo de retirada, este foi identificado pelo funcionário do Rural
e pela Sra. Simone Vasconcelos. [Fl. 16352.]
Não há dissenso no depoimento de Simone de Vasconcelos sobre os fatos:
Que se recorda que José Borba teria se recusado a assinar um comprovante
de recebimento no Banco Rural, motivo pelo qual a declarante veio pessoalmente
assinar tal documento para poder efetuar o repasse ao mesmo. [Fl. 591.]
que esclarece que quanto à recusa de José Borba em assinar o recibo exigido
pelo Banco Rural, reitera os termos do depoimento de fls. 591 acrescentando, apenas,
que foi pessoalmente à agência do banco Rural de Brasília, por ordem de Marcos
Valério, assinar o recibo que José Borba havia se negado a fazer. [Fls. 16464-16465.]
266. O acervo probatório deixa patente que o dinheiro recebido por José Borba
voltava-se a garantir o seu apoio político às questões de interesse do Governo Federal,
o que, pelos fundamentos antes expostos, configura crime de corrupção passiva.
267. Quanto ao crime de lavagem de dinheiro, alega o Ministério Público
que “a recusa do acusado em assinar o recibo teve por objetivo dissimular a ori‑
gem, o destino e a natureza da vantagem indevida” (fl. 45434).
A acusação não traz qualquer elemento a corroborar a prática delitiva imputada.
Vigora no ordenamento jurídico penal brasileiro o princípio da não autoin‑
criminação, explicitando Eugênio Pacelli de Oliveira:
Atingindo duramente um dos grandes pilares do processo penal antigo, qual
seja, o dogma da verdade real, o direito ao silêncio e à não autoincriminação não
só permite que o acusado ou aprisionado permaneça em silêncio durante toda a in‑
vestigação e mesmo em juízo, como impede que ele seja compelido a produzir ou a
contribuir com a formação da prova contrário ao seu interesse (...).
(...) A não exigibilidade de participação compulsória do acusado na forma‑
ção da prova a ele contrária decorre, além do próprio sistema de garantias e fran‑
quias públicas instituído pelo constituinte de 1988, de norma expressa prevista no
art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da
Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, integrada ao nosso ordenamento jurídico
pelo Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992. [OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de.
Curso de processo penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 32-33.]
1140
R.T.J. — 225
268. Não se há de imputar crime ao acusado pela só circunstância de ter se
recusado a assinar o comprovante de recebimento de dinheiro que sabia ser ilícito.
A não assinatura do documento pelo réu apenas demonstra ter ele buscado
impossibilitar a sua identificação e, consequentemente, esquivar-se da responsa‑
bilidade criminal pela prática do delito de corrupção passiva.
Não há prova de dolo (vontade livre e consciência); não há comprovação de
ter o acusado vontade livre e consciente voltado à prática da lavagem de dinheiro.
O réu não pode ser compelido a produzir prova que possa lhe prejudicar em
eventual ação penal.
269. Pelo exposto, julgo procedente a pretensão punitiva apresentada na
denúncia em relação à imputação de corrupção passiva formulada contra o
acusado José Borba.
Voto no sentido de absolver o acusado José Borba da acusação de lavagem de dinheiro, por não constituir crime o fato que lhe é imputado, nos
termos do inciso III do art. 386 do Código de Processo Penal.
VIII – Capítulo VI da denúncia – Corrupção ativa (compra de apoio político)
270. Este Supremo Tribunal Federal reconheceu ter sido praticado crime
de corrupção passiva por parlamentares, nos termos antes descritos, nos anos de
2003 e 2004.
Como antes mencionado, a prática do crime de corrupção passiva não pres‑
supõe outra, bilateral, da corrupção ativa, sendo possível a ocorrência de uma
modalidade de corrupção sem que se comprove a outra.
Ensina Nelson Hungria que
perante o nosso Código atual, a corrução nem sempre é crime bilateral, isto é,
nem sempre pressupõe (em qualquer de suas modalidades) um pactum sceleris. Como
a corrupção passiva já se entende consumada até mesmo na hipótese de simples solici‑
tação, por parte do intraneus, da vantagem indevida, ainda que não seja atendida pelo
extraneus, assim também a corrupção ativa se considera consumada com a simples
oferta ou promessa da vantagem indevida por parte do extraneus, pouco importando
que o intraneus a recuse. [HUNGRIA, Nelson. Op. cit. v. 9, p. 427.]
271. Em situações como a que se comprova no caso dos autos, entretanto,
nas quais há o recebimento de vantagem indevida pelo agente corrompido,
concluindo-se pela existência do crime de corrupção passiva, tem-se, necessa‑
riamente, a prática da corrupção ativa:
O pactum sceleris ou bilateralidade só se apresenta nas modalidades de recebi‑
mento da vantagem indevida ou da aceitação da promessa de tal vantagem por parte
do intraneus, ou de adesão do extraneus à solicitação do intraneus, ou nas formas
qualificadas previstas no § 1º e parágrafo único, respectivamente, dos artigos 317 e
333. [STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Arts. 312 a 361. In: FRANCO, Alberto
R.T.J. — 225
1141
Silva; STOCO, Rui (Coord.). Código Penal e sua interpretação. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007. p. 1566.]
272. O Ministério Público acusa José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares
de terem adotado práticas ilícitas para levarem adiante “projeto político de poder”.
Para o atingimento desse objetivo teriam adotado práticas criminosas de
“compra de apoio de parlamentares do Congresso Nacional”, atuando com Marcos
Valério, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias e Anderson Adauto (no caso específico relativo ao ex-depu‑
tado federal, Romeu Queiroz), também acusados da prática de corrupção ativa.
Duas observações iniciais se impõem: a primeira, a de que “ter projeto
político de poder” não é crime, nem se supõe, sequer de longe, que o seja. Todo
partido político dispõe de projeto político de poder. Toda minoria quer tornar-se,
algum dia, maioria, o que há de ser conseguido pelo convencimento legítimo do
valor de suas ideias e ideais a partir de um projeto político de poder.
Mas, na democracia de direito, como adotado no Estado brasileiro, no qual
as regras do jogo político-estatal põem-se à observância de todos, não há como
se buscar levar a efeito qualquer projeto ou proposta política, nos cargos gover‑
namentais, senão atendendo o que a legislação dispõe e sem desobediência aos
preceitos que determinam os limites legais de ação política.
273. Dispõe o art. 333 do Código Penal tipificar corrupção ativa:
Art. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público,
para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei
n. 10.763, de 12-11-2003)
Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem
ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo
dever funcional.
274. A corrupção é a renúncia à dignidade. Essa, na celebrada formulação
de Kant, é qualidade do que não tem preço. O que não pode ser substituído não
pode ser mensurado, logo não pode ser precificado. E o que não tem preço, tem
dignidade. Quem compra gente ou gente que se vende submete-se à precificação.
Logo, não tem ou renuncia à sua dignidade. A corrupção é a mercancia do valor
que, nessa condição, é fora de comércio.
No espaço republicano, honradez para o exercício do cargo público não é
qualidade; é obrigação.
Mas a ética pública requer coragem; ela é imposição própria do compromisso
do cidadão com o outro. E ela exige vigilância e contrariedade a facilidades que, não
poucas vezes, são oferecidas aos titulares dos cargos e que não podem ser aceitas.
Numa sociedade em que as coisas parecem valer mais que as pessoas, a
escolha pela ética nem sempre é fácil. Ela é apenas necessária, máxime numa
1142
R.T.J. — 225
sociedade coisificada, em que, repita-se, as coisas mostram-se, segundo algumas
formas de experimentar a convivência política, mais valiosas que as pessoas.
Mas o destino de cada um de nós está em nossas mãos; pode ser o da servi‑
dão aos desvalores ou à esperança. A ética é a escolha do caminho da esperança.
No entanto, topamos a cada passo com casos de corrupção. Tornou-se uma
epidemia a destruir a moral e a minar o tecido social e a estrutura estatal.
Em todo o mundo, dois temas aproximam os povos e os tornam solidários
em seu permanente combate: corrupção e drogas. Aliás, a corrupção é uma droga:
a droga moral a carcomer a dignidade de quem a pratica e a destruir as condições e
políticas devidas ao povo. E a droga imbrica-se, necessariamente, com a corrupção.
A corrupção impede a realização dos fins do Estado e deslegitimiza as ins‑
tituições políticas. Daí por que é mais agressiva e o seu combate há de ser muito
mais intenso e rigoroso.
A corrupção subverte as formas mais ordinárias de combate ao crime, por‑
que não há corpo de delito. Esse crime é como água impura a minar as estruturas
sem fazer ruído. É certo que a soberba e a certeza da impunidade podem avolu‑
mar os atos a ponto de transformar em ruído o que, em regra, é feito à socapa.
Mas parece que o despudor perdeu o recato. E, quando o despudor do trato
da coisa pública atravessa a rua da sem cerimônia, ganha a calçada do crime. E é
aí que o direito penal encontra o sujeito.
275. Fez-se, no caso dos autos, de valores morais da vida pública bens de
comercialização em benefício de algumas pessoas.
É a lição de Fábio Konder Comparato que, “com a expressiva expansão do
capitalismo aos quatro cantos do planeta, o código ético da burguesia empresá‑
ria – a satisfação prioritária do interesse individual, o espírito de competição (...)
o predomínio do valor da utilidade – passou a ser inculcado a todas as classes e a
todos os povos, como o novo modelo de virtude. É contra essa falsificação privatista
do sistema ético que a humanidade é agora convocada a reagir. É preciso voltar a
distinguir, como salientou a filosofia grega, o bem comum do interesse particular, e
é indispensável mostrar a todos que um regime político de supremacia do interesse
público sobre os interesses privados é não só possível, mas urgentemente necessá‑
rio” (COMPARATO, Fábio Konder. Ética. São Paulo: Cia das Letras, 2006. p. 499).
A ação penal em julgamento é a resposta do Estado Democrático brasileiro
ao antidireito, que não pode prevalecer em quadro de tamanha gravidade, como
a que se contém na denúncia.
Delúbio Soares de Castro
276. Estando ministro da Casa Civil da Presidência da República José Dir‑
ceu, permaneceu Delúbio Soares próximo dos quadros do Poder, o que lhe possi‑
bilitou a interlocução qualificada com outros acusados afirmando-se interlocutor
ou figura de acesso e com acesso ao coração do poder do Governo Federal.
R.T.J. — 225
1143
Foi Delúbio Soares quem providenciou o agendamento de reuniões entre José
Dirceu e Marcos Valério, e desse com Kátia Rabello, presidente do Banco Rural.
Não sem razão, Marcos Valério afirmou, expressamente, ser Delúbio Soa‑
res, além de amigo, um dos seus principais interlocutores em Brasília:
Que um dos seus principais interlocutores em Brasília/DF é o seu amigo pessoal Delúbio Soares; Que se encontra com Delúbio Soares para conversar sobre
diversos assuntos, tais como política, imagem do Governo Federal, assuntos familiares e lazer; Que não possui nenhum negocio comercial com Delúbio Soares; Que
conhece Delúbio desde meados do segundo semestre de 2002; Que foi apresentado
a Delúbio pelo Deputado Federal Virgílio Guimarães, seu conterrâneo de Curvelo/
MG; Que a esposa do declarante é amiga da esposa de Delúbio Soares; Que nunca
visitou a casa ou os familiares de Delúbio em Goiás, tendo, entretanto, participado
do casamento do irmão desse, que ocorreu em Goiânia/GO; Que conhece Sílvio
Pereira da mesma época em que foi apresentado para Delúbio Soares; Que mantém
uma amizade; superficial com Sílvio Pereira, se encontrando com o mesmo para
discutir assuntos relacionados à prestação de serviços de marketing para candidatos
a prefeitos pelo Partido dos Trabalhadores; Que para desempenho de sua atividade
é essencial o contato com políticos; (...). [Fl. 1203, destaques no original.]
Delúbio Soares foi o responsável pela indicação dos beneficiários dos
recursos obtidos dos empréstimos contraídos pelas empresas de Marcos Valério:
diz que o motivo da reunião foi a transferência de recursos para o PP;
diz que o total de valores transferidos ao Partido Progressista atinge a cifra de
R$ 4.100.000,00, sendo que destes R$ 1.200.000,00 foram repassados através da
referida corretora; diz que – tal transferência foi determinada ao interrogando
pelo corréu Delúbio Soares, originada de um empréstimo bancário contraído pela
SMP&B junto ao Banco Rural, salvo engano; (...);
que não conhece o Bispo Rodrigues, informando que o repasse mesmo foi
determinado pelo corréu Delúbio; (...);
assevera que não foi repassado diretamente ao Sr. Roberto Jeferson, pelo in‑
terrogando, qualquer valor; diz, contudo, que recursos foram repassados ao PTB,
também por indicação de Delúbio, inicialmente a José Carlos Martinez e, posteriormente, a Emerson Palmieri;
(...); diz que o deputado Paulo Rocha foi indicado por Delúbio Soares para
receber recursos em nome do diretório do PT do Pará, tendo as pessoas que fizeram
as retiradas sido devidamente identificadas através de Carteira de Identidade e assi‑
natura de recibo, no Banco Rural;
(...); diz que também quanto ao ex-deputado Professor Luizinho foram repassados, pelo interrogando, recursos a mando de Delúbio Soares. [Fls. 1635016352 – Grifos nossos – Interrogatório judicial de Marcos Valério.]
277. As pessoas e os partidos beneficiários do esquema de distribuição de
dinheiro promovido de forma criminosa, aproveitando-se da facilidade com a
qual os milhões de reais eram obtidos e repassados, procuravam Delúbio Soares
para o atendimento das mais variadas demandas.
Exemplo disso é que, precisando resolver situação de pessoa nomeada
como Patrícia, que teria ficado “ao mais completo desamparo” com a morte de
1144
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José Carlos Martinez, o ex-presidente do Partido Trabalhista Brasileiro, Roberto
Jefferson, solicitou a Delúbio Soares ajuda financeira para solucionar a questão (fl.
15920).
A solicitação foi atendida com o repasse de R$ 200.000,00 a Alexandre
Chaves, que recebeu o dinheiro em Minas Gerais:
JF Marcello Granado: Perfeito. Consta da denúncia como fato específico
também o seguinte:
Em janeiro de 2004, em mais um episódio envolvendo Emerson Pal‑
mieri, Roberto Jefferson também providenciou, em duas parcelas, o repasse
de duzentos mil reais do grupo de Marcos Valério ao PTB, entregue a Alexan‑
dre Chaves, pai de pessoa chamada Patrícia, funcionária da liderança do PTB.
Isso consta do seu depoimento no inquérito, consta do depoimento de Simone Vas‑
concelos também, e há cópia nos autos da operação bancária, de documentos bancários.
O Senhor confirma esse fato?
Acusado dr. Roberto Jefferson: Confirmo.
JF Marcello Granado: É verdadeiro?
Acusado dr. Roberto Jefferson: Excelência, deixe eu lhe explicar: não é Marcos
Valério. Esse assunto eu não tratei com o Marcos Valério, eu tratei com o Delúbio.
Quando o Martinez morreu em um acidente de avião em 2003, ele deixou
um problema: uma relação, que era conhecida nossa, lá em Brasília, ao mais com‑
pleto desamparo – morreu em um acidente de avião, ele não esperava morrer jovem
ainda, em um acidente trágico que roubou sua vida –, a filha do Chaves, a Patrícia.
E eu chamei os meus colegas de Partido, os Senadores e Deputados, e disse: “Gente,
olha aqui: vamos ajudar. Vamos fazer uma ‘vaquinha’ todo mundo para ajudar a me‑
nina, porque ela vai ficar desamparada. E ela esse ano todo nos recebeu, fez jantar
para a gente, fez cafezinho para a gente. Uma coisa que a gente sabe que existe, e
ela vai ficar desamparada.” “Não, vamos ajudar, vamos ajudar.”
Ninguém ajudou.
Eu chamei o Delúbio e falei: “Delúbio, preciso de ajuda sua.” “O que é?” “A
Patrícia está desamparada, preciso ajudá-la.” Ele falou: “Tudo bem.” E eu mandei
que o pai fosse até Minas Gerais, ao banco, por orientação do Delúbio, receber du‑
zentos mil reais, que foi o que eu pedi a ele, para ajudar a Patrícia a comprar um
apartamento para que ela pudesse viver.
E assim foi feito, Excelência. O recurso chegou às suas mãos e ela comprou
um apartamento, onde reside hoje em Brasília. [Fl. 15920 – Interrogatório judicial
de Roberto Jefferson.]
Esse episódio demonstra que o dinheiro obtido de forma ilegal era destinado a propósitos sem relação alguma com o pagamento de dívidas ou financiamento de campanhas, tese sustentada por alguns dos acusados.
Aliás, dinheiro ganho facilmente é gasto facilmente. Apenas quando custa
ganhar é que, em geral, se pensa para gastar.
O episódio comprova, ao contrário do alegado, que a compra de apoio
político pela distribuição de dinheiro a pessoas indicadas por parlamentares e
partidos que participavam do esquema passava pelos agrados pessoais, em nada
se referindo a caixas de campanhas políticas.
R.T.J. — 225
1145
278. Também é demonstrativo da prática patrimonialista e ilícita a entrega
de outros R$ 145.000,00 a Alexandre Chaves, por determinação de Delúbio Soa‑
res, atendendo-se a mais um pleito de Roberto Jefferson.
Explicando esse repasse, Emerson Eloy Palmieri confirmou a participação
de Delúbio Soares em mais essa distribuição de dinheiro:
J: E quanto ao outro recebimento de 145 mil reais, o senhor tem algum
conhecimento?
R: O senhor Roberto pediu uma ajuda também pro Delúbio e pediu que o
PTB emitisse uma passagem para o Alexandre ir a Minas. O Alexandre foi a Minas
e não sei o que aconteceu lá. Eu sei que, me parece, segundo o Roberto, era pra
pagar custo de televisão.
(...)
J: E aqueles valores que teriam sido recebidos em Brasília, pelo senhor Ale‑
xandre, o senhor sabe qual foi o efetivo destino daquele numerário?
R: A informação que eu tinha é que era pra filha dele.
J: A filha do senhor Alexandre, no caso?
R: É.
J: Ela tinha alguma vinculação com o PTB?
R: Ela tinha uma vinculação com o ex-presidente.
J: No caso, o senhor José Carlos Martinez?
R: É. No caso, uma relação pessoal. Não gostaria de... [Fl. 15079 – Grifos nossos.]
279. Tem-se comprovado, portanto, que desde o início de 2003, quando
Marcos Valério tomou o primeiro empréstimo bancário para repasse ao Partido
dos Trabalhadores, até junho de 2005, quando Roberto Jefferson fez as denún‑
cias da existência da compra de apoio parlamentar no Congresso Nacional,
Delúbio Soares atuou com desenvoltura e proeminência na série de práticas
criminosas, fazendo-se responsável até mesmo por agendamentos de reuniões
de particulares (dirigentes de bancos, publicitários, dentre outros) com o então
ministro da Casa Civil.
280. Durante mais de dois anos, o acusado Delúbio Soares atuou com
destaque na captação de recursos financeiros para distribuição a integrantes
de partidos políticos, basicamente daqueles denominados de “base aliada” do
Governo Federal.
Para tanto, manteve-se próximo a José Dirceu, então ministro da Casa
Civil, providenciando reuniões entre a autoridade e integrantes da direção do
Banco Rural e dos sócios das empresas de publicidade, basicamente, da SMP&B.
281. É importante observar que Delúbio Soares foi o responsável pela
indicação daqueles que iriam receber o dinheiro captado pelo grupo de Marcos
Valério, o que está demonstrado nos autos.
Comprovada a prática do crime de corrupção ativa por Delúbio Soares,
como descrito na denúncia apresentada pelo Ministério Público, voto pela condenação do réu nas penas do art. 333 do Código Penal.
1146
R.T.J. — 225
José Genoíno
282. A análise das provas dos autos conduz à certeza de não ter sido a atu‑
ação de Delúbio Soares isolada, autônoma, sem respaldo de outros integrantes
do Partido dos Trabalhadores e mesmo do Governo Federal. Delúbio Soares não
poderia providenciar a captação do dinheiro e articular a respectiva distribuição
sem dispor de sustentação em sua desenvolta atuação.
Também se tem demonstrado nos autos que o dinheiro disponibilizado ao
Partido dos Trabalhadores, por intermédio de Delúbio Soares, somente foi obtido
mediante garantia de pagamento das vultosas quantias por quem poderia ser tido
como dirigente do partido.
Delúbio Soares não poderia fornecer garantia, pois não tinha patrimônio
financeiro compatível com os milhões de reais disponibilizados e não era o diri‑
gente do Partido dos Trabalhadores, senão o seu tesoureiro.
Nas circunstâncias retratadas e comprovados nos autos, fica evidenciado
que Delúbio Soares não praticou os crimes sozinho, dependendo do consenti‑
mento ou aval daqueles que negociavam o apoio político ao Governo Federal.
283. Tem-se provado nos autos que os acordos com os integrantes dos par‑
tidos políticos beneficiários dos recursos financeiros eram levados a efeito por
José Genoíno, então presidente do Partido dos Trabalhadores.
284. Defendeu-se o réu alegando que não tinha ingerência ou influência na
vida financeira do Partido dos Trabalhadores, conquanto fosse o seu presidente.
Sua defesa atestou não ser ele responsável nem saber o que fazia Delúbio Soares,
o tesoureiro do partido, porque, “em 2002, estava cuidando de sua campanha a
governador em São Paulo”. Afirma que “por ter assumido José Dirceu a Casa
Civil é que (ele) é réu neste processo” (defesa oral do réu no Supremo Tribunal
Federal, em 6-8-2012). Embora afirme que “as finanças do Partido (quando de
sua assunção como presidente) estivessem em frangalhos” (defesa oral do réu no
Supremo Tribunal Federal, em 6-8-2012), confirma que cuidava dos assuntos do
Partido “com as bases sociais e com os partidos”.
285. Não há negativa do réu quanto ao aval por ele oferecido nos contra‑
tos firmados pelo Partido dos Trabalhadores com o Banco Rural e com o Banco
BMG. Assevera que os empréstimos contratados buscariam recursos não para
repartir com partidos ou com parlamentares, menos ainda seriam simulados,
senão ajustes firmados de forma objetiva e verdadeira.
286. Ao contrário do alegado em seu interrogatório, no sentido de que ao
assumir a presidência do partido teria observado que não trataria “da sede do
Partido, das finanças e dos cargos públicos”, o que fica fora de dúvida, pela prova
dos autos, é que não haveria como se ter a abusada atuação do tesoureiro sem
participação ou anuência do presidente do partido.
E é o advogado de defesa que, expressa e taxativamente, acentuou que “José
Genoíno não tem qualquer aptidão para cuidar de finanças, mas é um expert em
articulação política” (defesa oral do réu no Supremo Tribunal Federal, em 6-8-2012).
R.T.J. — 225
1147
287. Há provas nos autos de que o réu concorreu para prática do crime
de corrupção ativa, aquiescendo com as condutas criminosas empregadas para
obtenção dos recursos financeiros e participando, diretamente, das tratativas
para acerto do apoio político que deveria ser dado ao governo em troca do
repasse de dinheiro aos parlamentares da denominada base aliada.
Mais uma vez fique registrado ser válido o acordo entre partidos – prin‑
cipalmente em regime de pluripartidarismo – para se lograr êxito na condução
e realização das políticas públicas expostas pelos governos. E a condução dos
acordos não é crime. Crime é não se chegar a tais ajustes pelo convencimento,
mas pelo pagamento, pela compra de alianças e de aliados, como se possível
fosse – e não é, nos termos do direito vigente – dar preço em dinheiro a votos e
ações políticos no espaço político parlamentar.
Como presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoíno, sem se
preocupar com a idoneidade do garantidor, assinou contratos de empréstimos
que somam mais de R$ 5.000.000,00.
O garantidor do pagamento dos empréstimos, na condição de avalista, era
Marcos Valério, alguém que José Genoíno alega lhe ser desconhecido. Apesar disso,
sem qualquer atenção exigível da conduta normal do homem médio, de questionar
quem era, porque assim agia, o que buscava em troca (porque que não se imaginaria,
obviamente, que tanto fosse espontâneo, voluntário ou ato de assistência social), ele
assinou os contratos garantindo-se pela assinatura do seu “mal conhecido”:
que conheceu o empresário Marcos Valério em julho de 2003; que conhe‑
ceu Marcos Valério em um evento da Prefeitura de Ipatinga com a Usiminas; que à
época, a Prefeitura de Ipatinga era dirigida pelo PT; que os empréstimos mencionados
com o Banco Rural eram em torno de R$ 2.400.000,00 e com o BMG, em torno de
R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais); que o PT pretendia pagar os empréstimos com
os valores arrecadados pelo fundo partidário, contribuições parlamentares e contri‑
buições de filiados; (...) que quando tomou conhecimento que Marcos Valério era
avalista dos empréstimos do PT, não procurou saber de quem se tratava porque
na ocasião não existia nada contra o mesmo; [Fls. 14326-14328 – Grifos nossos.]
288. Contratos de empréstimos de milhões de reais impõem ao credor e ao
devedor obterem informações detalhadas sobre aquele que irá garantir o paga‑
mento em caso de inadimplemento.
José Genoíno foi o responsável pelo empréstimo, sua formalização e seu
pagamento. Todavia, afirma que não se vinculava “ao cuidado das finanças do
Partido que presidia”. Mesmo assim, assinou os contratos e alega não ter tido a
mínima preocupação em colher informações sobre o avalista Marcos Valério,
garantidor do cumprimento da obrigação.
289. Fosse para ser paga a dívida na forma legal, a saber, em recursos do
próprio partido, e considerando-se a assertiva do advogado do réu de ter ele encon‑
trado as finanças do partido “em frangalhos”, como se poderia cogitar de obter, por
meios lícitos, o dinheiro para quitação das dívidas que assumiu e por elas assinou?
E como confiar em se garantir por quem sequer tinha conhecimento de quem era?
1148
R.T.J. — 225
E como se explicar não ter procurado saber e mesmo assim ter aposto a sua assina‑
tura como contratante, como presidente do partido, numa dívida de vultoso valor?
290. Presidindo o Partido dos Trabalhadores, José Genoíno acordou, ainda,
repasse de R$ 20.000.000,00 ao Partido Trabalhista Brasileiro, conforme expli‑
citado, judicialmente, por Roberto Jefferson, o qual também esclareceu que os
recursos eram repassados em valores altos e em espécie:
JF Marcello Granado: Gostaria de entender, com relação a esse financia‑
mento que o PT fazia ao PTB, e talvez a outros Partidos em razão de acordos po‑
líticos de campanha, por que esse ingresso de dinheiro no Partido ou para os seus
Deputados ou membros do Partido se dava em espécie? Na grande maioria das
vezes, os valores mais relevantes eram sempre em espécie, como relatado nos autos.
Acusado dr. Roberto Jefferson: É uma dúvida que também me assalta, Excelência.
JF Marcello Granado: Porque o nosso País é um tanto quanto inseguro para
um sujeito ficar circulando com quatro milhões, quinhentos mil reais... Outra coisa:
com relação ao destino desse dinheiro que foi recebido, conforme está descrito na de‑
núncia, a parcela dos quatro milhões de reais, qual foi o destino dado a esse dinheiro?
Acusado dr. Roberto Jefferson: Excelência, nós fizemos um acordo no sentido
de o PTB ajudar nas coligações majoritárias ao PT, nos Estados de São Paulo, Mi‑
nas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Goiás, Acre, e o PT assumiu conosco o compro‑
misso de financiar candidaturas nossas de Prefeitos e Vereador no Brasil.
O PT alardeava, e a imprensa publicava, um caixa de cento e vinte milhões de reais.
Alardeava que possuía na conta contribuição vinte milhões de reais. Quando
eu conversei com o Presidente do PT, José Genoíno, e o fiz em companhia do Minis‑
tro José Mucio e do Emerson Palmieri, que é Secretário do Partido, em uma reunião
onde estavam Delúbio Soares, José Genoíno, Marcelo Sereno e o Secretário-Geral
do PT paulista, Silvinho Pereira, eu disse: “Nós ajustamos o apoio ao PT nessas
capitais, em Salvador, na Bahia, e, em contrapartida, o financiamento do PTB em
outros Estados da União”. Vinte milhões de reais.
A primeira parcela foi cumprida. Mas deu problema, porque não havia re‑
cibo. Eu já disse, naquela época ao Genoíno: “Genoíno, isso vai complicar. Vocês
têm um alarde de provisão de caixa por dentro. Isso está vindo por fora. Vai compli‑
car. No final, nós vamos ter que explicar isso”.
E a partir daí, começou a ruir a relação. Os quatro milhões iniciais foram
cumpridos. Os demais dezesseis, não. A quem o PTB entregou? A candidatos a Pre‑
feitos e a Vereador em vários Estados do Brasil. [Fls. 15915-15916 – Interrogatório
judicial de Roberto Jefferson.]
As condições acordadas para repasse do dinheiro ao Partido Trabalhista
Brasileiro, assim como a efetiva participação de José Genoíno na reunião realizada
para a celebração do acordo, foram confirmadas por Emerson Eloy Palmieri:
J: O senhor me disse que não reconhece como verdadeira a acusação. Eu vou
lhe perguntar sobre alguns fatos da denúncia. Primeiro, vamos começar por uma
eventual reunião de acordo entre o PTB e o PT que é narrada na denúncia. O senhor
tem conhecimento dessa reunião? Participou, eventualmente, dessa reunião?
R: Tenho. Eu participei. Essa reunião aconteceu em 2004, nas eleições muni‑
cipais. É bom deixar claro, excelência, que o trabalho que foi feito, foi feito político
da ordem da eleição municipal. Quando foi feita essa reunião, como eu fazia esse
R.T.J. — 225
1149
trabalho de estatística no partido, eu fui chamado pra reunião pra levar essa estatís‑
tica. Onde tinha candidato a prefeito, vereadores e vice-prefeito. Foi aí que se iniciou
a negociação entre a cúpula do PT e o PTB pra um acordo político. O PTB abriu mão
de algumas candidaturas em alguns Estados em favor do PT, e o PT abriu mão em
alguns Municípios, também, em favor do PTB. Então, foi feito um acordo político.
J: O senhor lembra quem estava presente nessa reunião?
R: Lembro. Estava presente o José Múcio, que era líder do PTB, Roberto Jefferson e eu, que fui chamado pra levar a posição de estatística. Do lado da cúpula do
PT, o seu Delúbio, Genoíno, Silvinho Pereira e Marcelo Sereno.
J: Chegou a ser estabelecido nessa reunião algum valor? Algum valor que
seria transferido do PT, ou por parte do PT, para o PTB?
R: Foi conhecido, na época, que o PT disse que tinha um caixa de 100 a 120
milhões de reais, e, na época, foi combinado com o Roberto, nessa reunião, de que
o PT passaria para o PTB um recurso de R$ 20 milhões, em 5 parcelas de R$ 4 mi‑
lhões, do PT pro PTB. Eu me lembro muito bem que o Roberto, inclusive, consultou
a assessoria jurídica do partido se isso era possível, e aí combinaram que seria feito
através de doações, pra conta-contribuição, através de recibo.
J: Essas doações seriam, efetivamente, do PT, ou eventualmente...
R: Do PT ou de alguns empresários que o PT, porventura, a cúpula indicaria,
que faria doações pro PTB, tudo através de recibo.
(...)
R: Diretamente, na contabilidade, não. Foi entregue esses R$ 2,2 milhões e
R$ 1,8 milhão na sede do PTB, para o deputado Roberto Jefferson.
J: O senhor acompanhou essa entrega de dinheiro?
R: Eu estava no PTB quando o telefone tocou, estava na minha sala traba‑
lhando, o Roberto pediu que eu fosse a sala dele.
J: Isso foi em Brasília?
R: Foi em Brasília. Na sede do PTB. Cheguei lá, estava o seu Marcos Valério
com o Roberto e já com essa quantia em dinheiro. E eu me lembro muito bem que o
Roberto ainda cobrou o seu Marcos Valério sobre o recibo. Porque foi entregue, se
não me engano, R$ 2,2 milhões na primeira e na segunda R$ 1,8 milhão. Nessa pri‑
meira, o Roberto questionou o recibo. Que eles tinham combinado com a cúpula do
partido do PT que viria um recibo. Ai, o Marcos respondeu: “Olha, na segunda en‑
trega nós vamos trazer o recibo e legalizar”. E não foi legalizado. [Fls. 15075-15076.]
291. Ao contrário, pois, do alegado na defesa do réu José Genoíno, no sen‑
tido de que se cuidaria de crime eleitoral (mesma tese confessada pelo réu Delúbio
Soares, expressamente, pelo seu advogado, na tribuna do Supremo Tribunal Federal, em 6-8-2012), tanto deixa de subsistir pela descrição feita pelos corréus.
A reunião mencionada nos depoimentos data de 2004. O acordo financeiro
teria ocorrido, segundo o réu José Genoíno, para pagar as dívidas de campanha
de 2002, daí o início das tratativas e a assinatura dos contratos em 2003.
292. Alega-se que diferente do acordo com o Partido Trabalhista Brasileiro
teria sido o ajuste firmado com o Partido Liberal (agora Partido da República),
que também diria respeito a dívidas contraídas, mas em decorrência da coligação
estabelecida entre esse e o Partido dos Trabalhadores para as eleições de 2002.
1150
R.T.J. — 225
E diversa, ainda, seria a motivação dos ajustes para repasse ao Partido Tra‑
balhista Brasileiro, no vultoso valor de R$ 20.000.000,00, e que se destinaria a um
“por fora” (depoimento judicial de Roberto Jefferson) visando às eleições de 2004.
José Genoíno, dirigindo o Partido dos Trabalhadores, também teria firmado
“acordo de cooperação financeira com o Partido Progressista”. Embora José
Janene, então membro do Partido Progressista, sustentasse a licitude do acordo, as
provas produzidas no curso dessa ação penal, apontaram noutra direção:
Houve uma reunião entre o Presidente do Partido Progressista, Pedro Corrêa,
e o nosso líder, na época, Deputado Pedro Henry e o Deputado José Genoíno, que
era presidente do PT para se fazer um acordo não financeiro, mas um acordo po‑
lítico de apoio ao governo e isso incluía uma aliança política e nunca uma aliança
financeira. O que ocorreu na época é que essa aliança política era uma aliança que
deveria ter desdobramento para as eleições municipais e o Partido dos Trabalhado‑
res, que movia um monte de ações contra dois deputados nossos, um dos quais tinha
perdido o mandato, o segundo também perdeu o mandato, o PT era responsável por
essas ações e ficou de fazer uma ajuda financeira para pagar o advogado dos depu‑
tados, deputado Paulo Goiás, que confirmou, que recebeu, com recibo, enfim, tudo
licitamente. [Fls. 16089-16090 – Interrogatório do corréu José Janene.]
293. Salta aos olhos a desrazão de tal acerto e a inexplicação do ajei‑
tamento. O Partido dos Trabalhadores, “responsável por essas ações” contra
deputados que teriam perdido os respectivos mandatos pela atuação daquela
agremiação, pelo seu presidente, que “não interferia (...) nas finanças do Partido
(que presidia) e que estava em frangalhos (...)” acorda em pagar advogado para os
ex-parlamentares. E tudo licitamente!
294. As provas dos autos, os contratos firmados sem adoção de medidas
minimamente sustentáveis para garantia dos empréstimos e avalizadas por
publicitário mineiro mal conhecido do réu, depoimentos que garantem a sua
participação nos acordos financeiros ajustados, não deixam dúvidas quanto à
participação de José Genoíno na prática do crime de corrupção ativa, tendo con‑
tribuído para a empreitada criminosa, pelo que voto no sentido de condená-lo,
nos termos do art. 333 do Código Penal.
José Dirceu de Oliveira
295. Em seu interrogatório judicial, José Dirceu negou a veracidade dos fatos
narrados na denúncia, afirmando ter se afastado da vida administrativa e financeira
do Partido dos Trabalhadores após assumir o cargo de ministro chefe da Casa Civil:
Eu deixei a presidência do PT em dezembro de 2002 e assumi dia primeiro
de janeiro a Casa Civil e renunciei à presidência em março de 2003. Portanto, não
acompanhei mais a vida orgânica, administrativa, financeira do PT. [Fl. 16639.]
Contudo, ao confirmar a realização dos empréstimos milionários, Marcos Valé‑
rio atestou que José Dirceu tinha conhecimento dos contratos, dos elevados valores
R.T.J. — 225
1151
obtidos pela SMP&B junto às instituições financeiras e ainda garantiria o pagamento
da dívida em caso de descumprimento do acordo pelo Partido dos Trabalhadores:
Naquele momento o declarante alertou o Sr. Delúbio sobre o risco da operação proposta, especialmente, de quem garantiria o pagamento no caso de saída de
Delúbio do Partido ou qualquer outro evento, visto que se tratava de uma operação baseada na confiança, já que não seria e não foi documentada. O Sr. Delúbio
esclareceu que o então Ministro José Dirceu e o Secretário Silvio Pereira eram sabedores dessa operação de empréstimo para o Partido e em alguma eventualidade
garantiriam o pagamento junto às empresas do declarante. Não teve qualquer con‑
tato com o Ministro José Dirceu sobre a referida proposta. [Fl. 356 – Depoimento
prestado em 14 de julho de 2005 ao procurador-geral da República – Grifos nossos.]
(...) esclarece que todos os empréstimos que a SMP&B, isto é, o interrogando e
seus sócios, realizaram junto ao BMG e Rural foram destinados ao PT e não a qualquer de seus integrantes ou ao Governo Federal; diz que, inclusive, foi entregue uma
carta, por Delúbio, ao Sr. José Augusto Dumont, vice-presidente do Banco Rural garan‑
tindo o pagamento dos empréstimos contraídos peta SMP&B, junto ao Banco Rural,
pelo Partido dos Trabalhadores; diz que não possui a cópia desta carta, mas que possui
uma similar que foi entregue ao Banco BMG; diz que, inclusive, tal cópia foi entregue
ao Sr. procurador-geral da República; questionado se sabia, especificamente, se José
Dirceu tinha ciência desses empréstimos ao PT, diz que Silvio Pereira informou ao
interrogando que José Dirceu sabia destes empréstimos, desde a origem dos mesmos;
questionado acerca das declarações prestadas por sua esposa Renilda de Souza a CPMI
dos Correios, constantes das fls. 12125/12127, respondeu que a mesma foi convidada a
depor a referida CPMI quando a imprensa nacional informava que a mesma estaria em
processo de separação do interrogando; diz que nestas circunstâncias, a mesma “seria
um prato cheio para autoridades”; diz que confirma, contudo, que afirmou, nesse contexto, à sua esposa, que sabia que José Dirceu tinha ciência dos referidos empréstimos;
diz que não houve reunião do Banco Rural com José Dirceu para tratar dos referidos
empréstimos; diz que era irrelevante para o interrogando se José Dirceu sabia ou não
dos empréstimos, pois tinha a carta de Delúbio garantindo o pagamento dos emprés‑
timos pelo PT – Partido dos Trabalhadores; diz que nunca tratou desses assuntos com
José Dirceu; (...). [Fls. 16356-16357 – Interrogatório judicial – Grifos nossos.]
296. Há a afirmativa de participação do então ministro José Dirceu tam‑
bém nos acordos sobre repasse de dinheiro das empresas comandadas pelos
integrantes das agências publicitárias nos empréstimos irregulares, por Roberto
Jefferson e Emerson Eloy Palmieri, corréus nesta ação penal.
Em 1º-2-2006, no depoimento prestado na Polícia Federal, Roberto Jeffer‑
son asseverou que os acordos realizados na sede nacional do Partido dos Traba‑
lhadores precisavam da “homologação de José Dirceu”:
“(...) bater o martelo” nos acordos, que deveriam ser ratificados na Casa Civil
pelo Ministro José Dirceu; (...). [Fls. 4220-4221.]
Eu digo que o José Dirceu era o chefe, sem nenhum erro, disse isso a ele
olhando de frente, não estou aqui fazendo uma coisa por trás, o José Dirceu chefiava
1152
R.T.J. — 225
isso. As conversas eram todas nesse sentido. [Documento de fl. 13635, que integra o
Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios.]
297. Em juízo, questionado sobre as afirmações feitas na Comissão de Ética
da Câmara dos Deputados e na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos
Correios, Roberto Jefferson ratificou, reiterou e confirmou “todas as informa‑
ções que deu no passado” (fl. 15912):
JF Marcello Granado: Então, o Senhor, na Comissão de Ética da Câmara
dos Deputados e na CPMI dos Correios, não afirmou que o esquema era dirigido
e operacionalizado, entre outros, pelo Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu?
Acusado Dr. Roberto Jefferson: Excelência, reitero, confirmo, ratifico todas
as informações que dei no passado. Mas entendo que o momento era outro: era
político. Agora, nós temos a “tribunalização” dessas questões e a minha presença
aqui não é de testemunha política, é de acusado. E, como acusado, falarei sobre os
fato contra mim imputados, não mais quanto a terceiros. [Fl. 15912 – Grifamos.]
298. Ao confirmar as declarações dadas antes e que abrangem aquelas adu‑
zidas na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, acima trans‑
critas, Roberto Jefferson reafirmou em juízo que “José Dirceu era o chefe, sem
nenhum erro, (...), o José Dirceu chefiava isso” (documento de fl. 13635, que inte‑
gra o Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios).
299. Guilherme Nucci explica que o corréu “não pode ser testemunha, pois
não presta compromisso, nem tem o dever de dizer a verdade. Entretanto, quando
há delação (assume o acusado a sua culpa e imputa também parte dela a outro
corréu), sustentamos poder haver reperguntas do defensor do corréu delatado,
unicamente para aclarar pontos pertinentes à sua defesa. Nesse caso, haverá
durante o interrogatório, um momento propício a isso ou, então, marcará o juiz
uma audiência para que o corréu seja ouvido em declarações, voltadas, frise-se, a garantir a ampla defesa do delatado e não para incriminar de qualquer
modo o delator” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal
comentado. São Paulo, 2007. p. 433 – Grifos nossos).
Nessa mesma linha de entendimento, Eugênio Pacceli de Oliveira observa
a importância de se garantir às partes no processo penal a possibilidade de reagir
e responder a eventuais alegações contrárias aos seus interesses:
Da elaboração tradicional que colocava o princípio do contraditório como a
garantia de participação no processo como meio de permitir a contribuição das partes
para a formação do convencimento do juiz e, assim, para o provimento final almejado, a
doutrina moderna, sobretudo a partir do italiano Elio Fazzalari, caminha a passos largos
no sentido de uma nova formulação do instituto, para nele incluir, também, o princípio
da par conditio ou da paridade de armas, na busca de uma efetiva igualdade processual.
O contraditório, então, não só passaria a garantir o direito à informação de
qualquer fato ou alegação contrária ao interesse das partes e o direito à reação (con‑
trariedade) ambos – vistos, assim, como garantia de participação –, mas também
garantiria que a oportunidade da resposta pudesse se realizar na mesma intensidade
e extensão. Em outras palavras, o contraditório exigiria a garantia de participação
R.T.J. — 225
1153
em simétrica paridade. [OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 31.]
300. No caso dos autos, o juiz federal da 7ª Vara Federal Criminal do
Rio de Janeiro, doutor Marcello Granado, quando do interrogatório de Roberto
Jefferson, nos exatos termos das lições doutrinárias, possibilitou aos advogados
dos demais acusados a formulação de questionamentos ao delator.
Os advogados, contudo, não se manifestaram:
JF Marcello Granado: Boa tarde a todos. Fui informado de que alguns ad‑
vogados de acusados não compareceram, por enquanto. Consta que não estão pre‑
sentes os advogados do Senhor Cristiano de Mello Paz, da Senhora Geiza Dias dos
Santos. Se estiverem presentes, por favor (...)
O Senhor é pela Senhora Geiza, não é? E por Cristiano? Então, está presente.
Por José Roberto Salgado (...)? Pela Senhora Kátia Rabello (...)? Marcos Valério
Femandes de Souza (...)? Rogério Lanza Tolentino e Vinícius Samarane?
Estão todos presentes.
Vamos iniciar, então, o interrogatório do Doutor Roberto Jefferson nos autos
desta carta de ordem, encaminhada pelo Supremo Tribunal Federal, originária do
inquérito n. 2245.
Boa tarde, Doutor Roberto Jefferson.
Como o Senhor sabe, a denúncia é enorme. Acredito que o Senhor tenha re‑
cebido urna cópia dela e que tenha conhecimento disso.
Acusado Dr. Roberto Jefferson: Recebi, sim, Senhor.
(...)
JF Marcello Granado: Doutores Advogados, o Doutor Roberto Jefferson à
vontade para esclarecimentos.
Doutor Luiz Francisco Corrêa Barbosa: Excelência, eu preferiria falar por
último entre os Advogados.
JF Marcello Granado: Pois não. As demais defesas têm esclarecimentos a fazer?
O Doutor tem a palavra.
Doutor Luiz Francisco Corrêa Barbosa: O depoente se referiu, atendendo
a uma pergunta de Vossa Excelência, a dirigentes de estatais e empresários dessa
relação, que acabavam fazendo contribuições. Vossa Excelência indagou como se
dava isso, com que propósito, com que tipo de interesse, e foi respondido. A mim
pelo menos, não ficou claro se essas contribuições, que resultavam desses contatos
finais, se davam como: isso era informal?
As contribuições perseguidas eram de acordo com alguma norma legal. Essa
é a questão que peço seja esclarecida. [Fl. 15929.]
301. Assim, os depoimentos prestados por Roberto Jefferson antes da fase
judicial foram devidamente judicializados, tendo-se possibilitado o efetivo exer‑
cício do contraditório, garantindo-se às partes a oportunidade de formular ques‑
tionamentos diretos sobre o alegado, mesmo em outras instâncias. Garantiu-se às
partes paridade de armas, respeitando-se o devido processo legal.
302. Na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, corroborando
a versão de Roberto Jefferson, Emerson Eloy Palmieri afirmou que todas as questões
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tratadas com a cúpula do Partido dos Trabalhadores eram do conhecimento de José
Dirceu, ao qual Delúbio Soares e José Genoíno sempre se reportavam:
Foi combinado que o PT passaria uma ajuda de vinte milhões em cinco par‑
celas de quatro milhões. Aí nesse momento o Roberto Jefferson perguntou: De que
forma vai ser feito esse repasse? O Genoíno respondeu: “Vamos fazer através de
partido a partido ou ajuda contribuição ao fundo partidário de empresas”. Foi assim
que foi combinado.
(...) Em nenhuma reunião eu participei com o Ministro José Dirceu, mas
posso lhe afirmar que depois de conversado isso o Sr. Genoíno levantou e disse
que ia ligar para o Ministro José Dirceu.
(...)
Deputado, o que a gente sempre sentiu é que depois de todas as conversas
sempre havia uma ligação ou do Delúbio ou do Genoíno para o Deputado José
Dirceu. É o que eles diziam: Vou ligar para o Ministro José Dirceu. [Fl. 13637 –
Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – Grifos no original.]
303. Acrescente-se que, na data em que os fatos narrados na denúncia ocor‑
reram, José Dirceu aceitou manter contato próximo e direto com Marcos Valério,
principal operador da obtenção dos recursos financeiros no Banco Rural e con‑
tato permanente de Delúbio Soares, conforme antes transcrito.
Prova isso o conjunto de reuniões realizadas na Casa Civil da Presidência
da República com José Dirceu, pessoas ligadas ao Banco Rural e Marcos Valério.
As reuniões foram agendadas a pedido de Marcos Valério, com a interme‑
diação de Delúbio Soares, que, na condição de tesoureiro do Partido dos Traba‑
lhadores, guardou proximidade com os titulares dos cargos do Executivo, o que
lhe permitiu a interlocução com os outros partícipes das práticas criminosas:
(...) diz que pediu ao Sr. Delúbio que agendasse com o ministro José Dirceu
uma reunião para que o então presidente do Banco Rural, Sabino Rabello, pudesse
discorrer com aquele ministro acerca de uma concessão de lavra de nióbio na Ama‑
zonas; diz que nesta reunião não recorda se Kátia Rabello se encontrava; diz que em
outra reunião foi tratado, com o ministro, o assunto referente ao interesse do rural
na suspensão da liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, pelo Bacen; (...)
(...) diz que foi procurado por Kátia Rabello para que tentasse agendar uma
nova reunião com o ministro José Dirceu; diz que o assunto não foi informado por
Kátia ao interrogando; diz que, então, procurou o Sr. Delúbio Soares que informou
o interrogando de que José Dirceu se encontrava em Belo Horizonte/MG e poderia
jantar com Kátia Rabello, no hotel onde se encontrava hospedado; diz que Delúbio
nem perguntou ao interrogando qual seria o assunto a ser tratado no referido jantar;
[Fl. 16354 – Interrogatório judicial de Marcos Valério.]
Dessas declarações se tem que a) Marcos Valério, um publicitário mineiro,
tinha liberdade para pedir e obter marcação de reuniões na Casa Civil da Presidência da República por intermédio de Delúbio Soares; b) José Dirceu continuava
próximo e, ao contrário do que alegara, acompanhava a vida orgânica, administrativa e financeira do PT, marcando reuniões a pedido dos membros de sua cúpula
e respondendo às demandas partidárias relativas aos acordos de ajuda financeira
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feitos para garantia de apoio aos interesses governamentais no Congresso Nacional; c) recebia Marcos Valério, um publicitário sem ligação direta formal e transparente com a Casa Civil, em reuniões juntamente com o grupo que proporcionava
os empréstimos financeiros para o grupo do Partido dos Trabalhadores.
304. Na Casa Civil da Presidência da República, Marcos Valério partici‑
pou, ainda, de reunião com o presidente, no Brasil, do banco português Espírito
Santo, Ricardo Abecassis Espírito Santo:
diz que foi marcada, por Delúbio Soares, uma reunião com José Dirceu, o
interrogando e o Sr. Ricardo Espírito Santo, presidente do Banco Espírito Santo, no
Brasil; diz que essa reunião tinha por objetivo investimentos e que o Banco Espírito
Santo faria no Brasil, no setor hoteleiro, mais especificamente no litoral baiano; diz
que compareceu à reunião a pedido do Dr. Miguel Horta e Costa, na época presidente
da Portugal Telecom e acionista do banco do Espírito Santo, em Portugal. [Fl. 16354 –
Interrogatório judicial de Marcos Valério.]
As razões da participação de Marcos Valério nessa reunião não ficam
esclarecidas nos autos, mas a sua presença em mais esse encontro na Casa Civil
da Presidência da República está comprovada e constitui demonstração da pró‑
xima ligação entre ele e José Dirceu.
305. Em janeiro de 2005, Marcos Valério viajou a Portugal em companhia
de Emerson Eloy Palmieri e Rogério Lanza Tolentino para encontro com Miguel
Horta e Costa (presidente ou diretor do Banco do Espírito Santo, de Portugal),
então presidente da Portugal Telecom, empresa da qual o Banco Espírito Santo,
de Portugal, é acionista.
Nos autos, as versões sobre as razões dessa viagem são conflitantes; não há
divergência ou dúvida quanto à sua ocorrência.
306. Pelo depoimento judicial de Roberto Jefferson, a reunião tinha por
objetivo discutir um auxílio financeiro de €$ 8.000.000,00 que a empresa de
telefonia Portugal Telecom estaria disposta a conceder ao Partido dos Trabalha‑
dores e que seria repassado ao Partido Trabalhista Brasileiro (fls. 15926-15927).
Roberto Jefferson afirmou, ainda, ter recebido de José Dirceu solicitação
para indicar a Delúbio Soares, representante do Partido Trabalhista Brasileiro
para tal reunião em Portugal, tendo sido enviado Emerson Eloy Palmieri, que
corrobora o relato: “o Roberto me perguntou se eu poderia fazer o favor de acom‑
panhar a cúpula do PT até Portugal, porque tinha uns empresários em Portugal
que tinham investimento no Brasil e que tavam dispostos a ajudar o PT em fazer
esse repasse pro PTB” (fl. 15082).
307. Rogério Lanza Tolentino e Marcos Valério admitiram ter viajado a
Portugal na companhia de Emerson Eloy Palmieri.
Afirmaram, contudo, que a viagem ocorreu pelo interesse da agência
DNA Propaganda na manutenção da conta de publicidade da Telemig Celular,
considerando-se a hipótese de aquisição dessa operadora de telefonia pela Vivo,
sociedade da qual a Portugal Telecom era acionista.
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308. Constatações decorrentes dos depoimentos e as provas dos autos reve‑
lam que: a) a viagem ocorreu para encontro com o Banco do Espírito Santo de
Portugal; b) José Dirceu “solicitou” a Roberto Jefferson indicação de represen‑
tante do PTB, tendo sido indicado Emerson Eloy Palmieri, tesoureiro desse par‑
tido; c) houve a reunião; d) a justificativa apresentada envolve valores que seriam
garantidos por intermédio de Marcos Valério.
O advogado de Rogério Lanza Tolentino atesta ter ocorrido a viagem, a
qual teria sido feita pelo réu como “turismo pago” sem qualquer interesse.
Segundo Marcos Valério, o encontro com Miguel Horta não ocorreu e
Emerson Eloy Palmieri o teria acompanhado na viagem para descansar:
diz que foi a Portugal, salvo engano, por quatro vezes, tratar exclusivamente
deste assunto; questionado se, em alguma dessas ocasiões, teria sido acompanhado do
corréu Emerson Palmieri, respondeu que, como afirmado acima, Emerson Palmieri era
uma pessoa bastante agradável para o interrogando e havia confidenciado ao depoente
que se encontrava bastante estressado em razão de questões financeiras do PTB; diz
que, na verdade, o mesmo estaria sendo chantageado; questionado se sabe o interro‑
gando por quem do PTB, respondeu negativamente; diz que também não sabe qual
seria a eventual ameaça embutida na chantagem, pois, não sendo do seu interesse, nem
procurou saber; neste contexto, diz que Emerson Palmieri se ofereceu para viajar com
o interrogando; diz que informou a Emerson que sua viagem seria de negócios e curta,
pois precisava entregar uma cópia de filme de publicidade (portfólio da empresa) ao
referido Miguel Horta; diz que este não se encontrava em Portugal, tendo deixado o
filme com uma Sra. de nome Isabel, secretária de Miguel Horta; diz que estava acom‑
panhado de Emerson Palmieri e de Rogério Tolentino; [Fls. 16355-16356.]
309. Ouvido em Portugal, Miguel Horta e Costa confirmou ter participado
de encontros com Marcos Valério. Entretanto, negou ter tratado de ajuda finan‑
ceira a partido político brasileiro:
O Senhor Ivo Nelson Caires B. Rosa (Juiz de Direito) – Doutor, conhece aqui
alguns dos arguísticos que são, que estão aqui acusados, enunciados nesse processo;
primeiramente, José Dirceu de Oliveira e Silva.
O Senhor Miguel Antônio Igrejas Horta e Costa – Conheço o senhor Mar‑
cos Valério.
(...) O Senhor Ivo Nelson Caires B. Rosa (Juiz de Direito) – Em que circuns‑
tâncias conheceu este senhor?
O Senhor Miguel Antônio Igrejas Horta e Costa – Esse senhor apareceu no
Brasil, na altura em que eu exercia funções de Presidente da Comissão Executiva
do Grupo Portugal Telecom, que detém 50% do controle da Vivo e, na altura, esse
senhor apareceu-me como publicitário ligado a dirigentes de uma empresa de pu‑
blicidade que tinha a conta de uma operadora de telecomunicações no Estado de
Minas Gerais, chamada Telemig. Essa empresa era uma empresa que estava a ser
analisada pela Vivo e, portanto, também por nós, Portugal Telecom, bem como pela
Telefônica, que é o outro parceiro de controle da Vivo. E portanto conheci esse se‑
nhor, no Brasil, depois cá em Portugal, nessa condição.
O Senhor Ivo Nelson Caires B. Rosa (Juiz de Direito) – Quantas vezes en‑
controu com esse senhor.
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O Senhor Miguel Antônio Igrejas Horta e Costa – É difícil precisar quantas,
mas não mais do que umas duas ou três no Brasil, e umas duas ou três em Portugal.
(...)
O Senhor Ivo Nelson Caires B. Rosa (Juiz de Direito) – Aqui, a dada altura,
fala-se que a testemunha Roberto Jeferson disse que o Ministro José Dirceu queria
cassar alguém do PTB para que, só em Portugal, tratar em Portugal de interesses do
partido dos trabalhadores e do partido trabalhista brasileiro e que o objetivo deu para
finalizar, aqui, a ajuda da Portugal Telecom e ajudaria a esses dois partidos no Brasil.
O Senhor Miguel Antônio Igrejas Horta e Costa – Desconheço.
O Senhor Ivo Nelson Caires B. Rosa (Juiz de Direito) – Alguma vez foi con‑
tactado nesse sentido?
O Senhor Miguel Antônio Igrejas Horta e Costa – Não.
O Senhor Ivo Nelson Caires B. Rosa (Juiz de Direito) – Da Portugal Telecom
estar a ajudar esse partido político do governo para utilização de dívidas de campa‑
nhas, no momento no valor de oito milhões de euros, passagem no valor de vinte e
quatro milhões de reais?
O Senhor Miguel Antônio Igrejas Horta e Costa – Não. Nunca. [Fls. 37828-37837.]
310. Para o Ministério Público, esse alegado encontro em Portugal teria mar‑
cado o início das tratativas para recebimento da ajuda financeira de €$ 8.000.000,00
mencionada por Roberto Jefferson e Emerson Eloy Palmieri.
311. Na sequência do raciocínio exposto em suas alegações finais, o
procurador-geral da República afirma que a reunião ocorrida na Casa Civil da
Presidência da República entre José Dirceu e Ricardo Abecassis Espírito Santo,
presidente do Banco Espírito Santo no Brasil, com a participação de Marcos
Valério, teria sido “uma continuação do encontro que Marcos Valério tivera com
Miguel Horta em Portugal a mando de Marcos Valério. Por isso, a necessidade
da presença de Marcos Valério, exatamente a pessoa que estava negociando com
a Portugal Telecom e com o Banco Espírito Santo o adiantamento a José Dirceu
dos oito milhões de euros” (fl. 451333).
Para a defesa de José Dirceu, “logicamente, uma audiência oficial que se
deu no dia 11 de janeiro não pode ser ‘uma continuação’ da reunião de Marcos
Valério com Miguel Horta e Costa, que se deu no dia 26 daquele mesmo mês.
Assim, ‘a verdade que o Ministério Público vê’, não pode ser vista por mais
ninguém, pois um evento ocorrido no dia 26 jamais poderá ser considerado um
‘encontro anterior’ a outro que deu no dia 11” (fl. 48093).
Para comprovar essa assertiva, afirma a defesa em nota de rodapé:
A data desta reunião está expressa na agenda oficial do então Ministro-Chefe
da Casa Civil e foi citada inclusive no voto do Relator de seu processo disciplinar no
Conselho de Ética da Câmara dos Deputados: “(...) agenda do então Ministro José
Dirceu no dia 11-1-2005. Nesta data, conforme amplamente divulgado pelos jornais
nacionais, o Representando recebe em seu gabinete o presidente do Banco Espírito
Santo, Sr. Ricardo Espírito Santo (...). [Fl. 48093.]
312. A conclusão do Ministério Público acima transcrita não pode ser com‑
provada pelos elementos de prova existentes nos autos.
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É certo que somente a proximidade mantida por Marcos Valério com José
Dirceu explica a sua inusitada presença na Casa Civil da Presidência da Repú‑
blica em reunião do ministro titular com o presidente do Banco Espírito Santo no
Brasil, pois os assuntos de publicidade de empresa mineira não têm relação com
as atribuições daquele importante órgão do Governo Federal, menos ainda com
um representante de instituição financeira internacional.
Mas não é certo que aquela reunião tenha sido continuidade da outra, ocor‑
rida em Portugal, até mesmo porque não há prova definitiva das datas, sendo evi‑
dentes os descompassos das ocasiões nas quais se deram, menos ainda segurança
dos assuntos nelas abordados.
313. Questionado sobre a sua participação nessa reunião, Marcos Valério
afirma ter comparecido ao encontro por solicitação de Miguel Horta e Costa,
presidente da Portugal Telecom, acionista do Banco Espírito Santo, que estaria
interessado em investimentos turísticos no Brasil:
diz que foi marcada, por Delúbio Soares, uma reunião com José Dirceu, o
interrogando e o Sr. Ricardo Espírito Santo, presidente do Banco Espírito Santo, no
Brasil; diz que essa reunião tinha por objetivo investimentos que o Banco Espírito
Santo faria no Brasil, no setor hoteleiro, mais especificamente no litoral baiano; diz
que compareceu à reunião a pedido do Dr. Miguel Horta e Costa, na época presi‑
dente da Portugal Telecom e acionista do Banco Espírito Santo (...). [Fl. 16355.]
Anote-se, entretanto, que, ao confirmar a participação do Banco Espírito
Santo em investimentos na área turística, Miguel Horta e Costa não fez menção
a eventual participação de Marcos Valério, como representante da Portugal Tele‑
com, em reunião no Brasil:
O Senhor Ivo Nelson Caires B. Rosa (Juiz de Direito): Doutor, gostaria de
saber se atualmente é presidente do Banco Espírito Santo Investimentos.
O Senhor Miguel Antônio Igrejas Horta e Costa: Sou vice-presidente do
Banco Espírito Santo Investimentos.
O Senhor Ivo Nelson Caires B. Rosa (Juiz de Direito): Essa instituição tem
alguma relação com o Brasil?
O Senhor Miguel Antônio Igrejas Horta e Costa: Tem. Nós temos uma sucur‑
sal, digamos assim, no Brasil, que é o Banco Espírito Santo Investimento no Brasil.
O Senhor Ivo Nelson Caires B. Rosa (Juiz de Direito): Não é a nível de tu‑
rismo, não tem problema, (...) não tem investimento nenhum mesmo de turismo
no Brasil?
O Senhor Miguel Antônio Igrejas Horta e Costa: O Grupo Espírito Santo
tem. O grupo Espírito Santo está estruturado em duas ordens: uma financeira, onde
estão, portanto, as atividades bancárias, e outra não financeira, que está em área de
turismo. Portanto, a área de turismo tem também eficiência no Brasil.
O Senhor Ivo Nelson Caires B. Rosa (Juiz de Direito): Isso tem alguma coisa
a ver com essa (...)?
O Senhor Miguel Antônio Igrejas Horta e Costa: Não. [Fls. 37844-37845.]
314. No ponto, assiste razão à Procuradoria-Geral da República ao obser‑
var: “não é crível (...) que o Banco Espírito Santo, em Portugal, precisasse da
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presença de Marcos Valério em uma reunião com o Ministro Chefe da Casa Civil
para tratar de investimento no litoral da Bahia” (fls. 45132-45133).
315. A assídua presença de Marcos Valério em reuniões na Casa Civil da
Presidência da República é contundente indício que, somado aos outros dados
probatórios dos autos, conduz à constatação de vinculação de José Dirceu a
Marcos Valério, impossibilitando se possa afastar a sua ligação com os corréus,
especialmente para o fim de preservá-lo da acusação de partícipe dos atos de
corrupção narrados na denúncia, daí a conclusão no sentido da procedência
da ação quanto ao acusado José Dirceu, na condição de participante, não
de chefe do esquema criminoso como denunciado pelo Ministério Público.
316. Assim, os dados comprovados nos autos patenteiam a) a existência do
que o Ministério Público, desde a denúncia, apelidou de “esquema criminoso
planejado”; b) a participação de José Dirceu e de José Genoíno nos acertos com
os parlamentares, definindo os valores a serem repassados em contrapartida ao
apoio político cooptado; c) a atuação de Delúbio Soares, ao qual competia cooptar recursos e indicar os nomes das pessoas autorizadas a receber o dinheiro oferecido indevidamente aos parlamentares para a prática de ato de ofício.
Marcos Valério Fernandes de Souza, Cristiano de Mello Paz, Ramon Hollerbach Cardoso, Simone Reis Lobo de Vasconcelos, Rogério Lanza Tolentino
e Geiza Dias dos Santos
317. Marcos Valério, Rogério Lanza Tolentino, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Simone de Vasconcelos, cogitando objetiva possibilidade de auferir vul‑
tosos recursos com a realização de negócios pela aproximação ao partido vencedor da
eleição presidencial de 2002, dispuseram-se a obter empréstimos simulados, desvio de
recursos públicos, lavagem de dinheiro e compra do apoio político de parlamentares.
318. A escolha do Banco Rural para captação dos recursos não foi alea‑
tória. A relação entre a instituição financeira e as empresas de Marcos Valério,
Ramon Hollerbach e Cristiano Paz não era nova:
diz que indagou Marcos Valério acerca dos valores, pois os mesmos seriam
relativamente altos, mas que foi ponderado e concordou o interrogando que estes
valores seriam suportáveis pela SMP&B, tendo em vista não só o faturamento da
agência à época dos fatos, mas, também, a estreita relação da agência com o Banco
Rural; diz que o Banco à época dos fatos, inclusive, era a maior conta de publicitária da agência; [Fl. 16472 – Interrogatório de Cristiano Paz – Grifos nossos.]
Os vultosos recursos financeiros movimentados foram obtidos por contratos de
empréstimos atípicos, em desconformidade com as normas internas do Banco Rural.
Nesse sentido, as conclusões do Laudo Pericial 1.666/2007-INC:
254. De acordo com o manual “Princípios Fundamentais de Concessão e
Gestão do Crédito”, versão de julho/04, para as operações que possuem direitos cre‑
ditórios como garantia, o Departamento de Consultoria e Formalização (DECOF),
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vinculado à Diretoria Jurídica e de Cobrança (DIJUC), deverá analisar a viabilidade
da constituição da garantia pretendida.
255. A despeito desses normativos do Rural, das análises realizadas, foi constatado
que vários empréstimos e suas respectivas renovações, “rolagens”, foram celebrados com
insuficiência de informações cadastrais e contábeis ou informações defasadas para análise
de crédito e, também, com pareceres desfavoráveis à contratação por parte dos analistas.
256. Além de haver muitos casos em que não foram apresentadas cópias de
notas promissórias dadas em garantia, permitiu-se identificar descumprimentos de
procedimentos previstos nos manuais internos do Banco Rural, dentre os quais:
a) que retornando à pergunta inicial responde que realmente representou o PTB
em tratativas junto à Direção Nacional do PT em abril e maio de 2004, relativas às
campanhas municipais daquele ano; que nessas tratativas participaram pelo PTB o
declarante, como presidente da legenda, o líder da bancada na Câmara dos Deputados
José Múcio Monteiro, o primeiro secretário nacional do PTB Dr. Emerson Palmiery;
que pelo PT participaram José Genoíno, o Tesoureiro Nacional Delúbio Soares, o
secretário Marcelo Moreno e o então Ministro José Dirceu, que homologava todos os
acordos daquele partido; que José Genoino não possuía autonomia para insuficiência ou defasagem de informações para análise do crédito do contratante;
b) descumprimento do trâmite previsto para análise de operações de crédito;
c) contratação com garantias insuficientes ou não válidas juridicamente;
d) contratação com parecer contrário da Assessoria de Crédito. [Apenso 143,
fls. 144-145 – Grifos nossos.]
319. Outro laudo pericial (n. 2.076/2006-INC) comprova que significati‑
vas quantias tomadas por empréstimos junto ao Banco Rural não constavam da
escrituração contábil original da SMP&B Comunicação Ltda., uma das empre‑
sas utilizadas no esquema criminoso:
85. A análise dos saldos das contas nos Balanços sintéticos, de dezembro de 2003
e dezembro de 2004, permite afirmar que os empréstimos contraídos no BMG e no
Banco Rural não estavam contabilizados na escrituração original. [Fl. 66, Apenso 142.]
No mesmo laudo, os peritos atestaram a confusão contábil e financeira da
escrituração da SMP&B Comunicação Ltda., afirmando que repasses de recursos
“foram contabilizados de forma a dificultar a devida identificação dos benefici‑
ários de fato. Ao proceder a essa prática, o contador e os prepostos da SMP&B
ocultaram a identificação de beneficiários dos recursos repassados. Essa conduta
fica evidente quando foram confrontados os lançamentos existentes na conta
388003-6 do Partido dos Trabalhadores (PT) com a movimentação financeira da
conta-corrente 6002595-2 da SMP&B, mantida junto ao Banco Rural, onde foram
encontradas divergências com relação aos reais beneficiários” (fl. 66, Apenso 142).
320. Marcos Valério, juntamente com seus sócios Ramon Hol
Download

2 - Supremo Tribunal Federal