Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 33, p. 127-152, jul./dez. 2007
RECORDAR,
REPETIR,
ELABORAR
CONTRATRANSFERÊNCIA1
Lucy E. Tower
Neste número, a Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre apresenta, em português, um clássico da psicanálise dos anos 50: o artigo de Lucy
Tower, Contratransferência, de 1956, publicado originalmente pelo Journal of the
American Psycho-Analytic Association e citado por Jacques Lacan durante o
Seminário da Angústia. Lacan faz referência ao texto dessa psicanalista nas
aulas de 20 e 27 de fevereiro de 1963 e nas aulas de 20 e 27 de março de 1963.
Mas é principalmente nestas últimas que ele o comenta detalhadamente.
Diz Lacan que a discussão da contratransferência alcança o seu máximo desenvolvimento num momento culminante da ego psychology, vertente à qual
Lucy Tower pertencia. Tower foi vice-presidente da Chicago Psychoanalytic
Society, filiada à escola American Psychoanalytic, no período de 1952-1953.
No texto, a autora dedica-se a discutir sua experiência clínica, através do relato
de dois pacientes, a partir daquilo com que, segundo ela, o meio psicanalítico
da época não queria se deparar, as questões da contratransferência. Nesse
texto, Tower afirma que a neurose de transferência e a estrutura da contratransfe-
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Publicado no The Journal of the American Psycho-Analytic Association 1956, vol. IV retirado
do site www.gymno.sites.uol.com.br, traduzido por Carlos Serafim Martinez, revisado por Daniel
Ritzel.
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Lucy E. Tower
rência parecem estar intimamente ligadas em um processo vital e devem ser
levadas em conta continuamente no trabalho de psicanálise.
Para Lacan, então, o texto de Tower interessa, não somente para ilustrar uma
discussão importante do meio psicanalítico, a da contratransferência, mas também pela sintomatologia que Lucy diz ser a de seus pacientes: a neurose de
angústia. De acordo com o estilo que lhe é característico, Lacan redefine a
contratransferência como “tudo o que, daquilo que recebe da análise como
significante, o psicanalista recalca”, renovando a perspectiva teórica a partir da
questão do desejo do analista. Lacan salienta, no entanto, que a contratransferência não é verdadeiramente a questão, pois a única significação a que nenhum psicanalista pode escapar é a do desejo de analista.
Ao citar o texto de Lucy Tower, Lacan menciona, ainda, que as mulheres devem
suportar melhor a condição de objeto do desejo, pois o que ocorre é que a
mulher sente ser, verdadeiramente, o objeto no centro de um desejo. E Lacan
aponta para o quanto L. Tower escapa desse lugar, no momento em que não se
confunde com o objeto a ser desejado. É isso que daria às mulheres, então,
certa facilidade para a posição de analista, na medida em que suportar não
implica identificar-se com o objeto. Assim, segundo Lacan, não por acaso, foram as mulheres que disseram coisas verdadeiras sobre a contratransferência.
Portanto, a importância desse texto, incluído na sessão de nossa Revista, consiste em possibilitar aos seus leitores, e aos de Lacan, o contato com o texto
trabalhado por ele no Seminário da Angústia, tomando-o para ilustrar a implicação do desejo na angústia, através do lugar de analista. Segundo Lacan, Lucy
Tower, ao conseguir circunscrever o eixo de sua relação com o desejo do paciente, implica aí também o seu desejo, e com isso, pode circunscrever a relação,
tornando-a somente de transferência, e, é o que possibilita ao psicanalista suportar as conseqüências do desejo de analista.
I - Considerações Teóricas
A
lgumas referências à contratransferência podem ser encontradas nas pri
meiras publicações psicanalíticas, e se, de início, sua existência foi aparentemente bem recebida, o modo de falar sobre ela era displicente. Dizia-se
apenas que os analistas poderiam ter reações tranferenciais a seus pacientes.
Pouco se disse além disso, e havia indicações de que se tratava de reações
dúbias, a serem controladas, e a discussão pública desse assunto pelos analis128
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Contratransferência
tas representava uma espécie de auto-revelação indecorosa. Há cerca de 10
anos atrás, um pequeno número de artigos começou a surgir, e seu tom geral
era de embaraço, pois tais reações eram tomadas como imperfeições maiores
em nossos procedimentos terapêuticos, e é de fato evidente que alguns fenômenos contratransferenciais devem ser considerados extremamente repreensíveis.
A literatura sobre a contratransferência teve ampla revisão feita por Douglas
Orr. Meu principal propósito é apresentar algumas idéias próprias, com material
clínico detalhado, por isso farei apenas um breve comentário sobre essa literatura.
Embora haja ampla concordância entre os analistas quanto à transferência, o mesmo não se dá com a contratransferência. A primeira referência de
Freud, em 1910, era proibitiva: “Tornamo-nos cientes da contratransferência,
que surge no analista como resultado da influência do paciente, sob os sentimentos inconscientes do analista e estamos inclinados a dizer que ele a reconhecerá em si mesmo e a sobrepujará”.
É incrível que um fenômeno, tanto natural quanto inevitável, capaz de
enriquecer nossa compreensão, tenha ficado tão censurado por 40 anos, quanto a sua existência. Não se supõe existirem analistas tão perfeitamente analisados a ponto de não terem mais um inconsciente, ou serem imunes ao revés de
impulsos instintivos e de defesas contra esses impulsos. O próprio linguajar de
nossas práticas no treinamento desmentem essa máscara de analista perfeito.
Dizemos que a análise pessoal do estudante deveria servir como “uma experiência inicial com o inconsciente”; que deveria dar-lhe o poder de “trabalhar livre de
seus próprios padrões emocionais perturbadores” e habilitá-lo a prosseguir depois em sua auto-análise por conta própria. Em nenhum momento se espera
que ele tenha sido perfeitamente analisado. Além disso, nossa recomendação
de retornos periódicos à análise aos analistas pressupõe uma grande reserva
inconsciente, origem de novas respostas neuróticas a pressões emocionais de
pacientes de análise sobre o inconsciente do analista.
As concepções de contratransferência, diversas e contraditórias, deram
origem a uma série de proposições. Idéias iniciais a definem como a reação
emocional consciente do analista à transferência do paciente, as atitudes que
incluem toda reação consciente e inconsciente ao paciente, normal ou neurótico, construções de mecanismos na relação interpessoal entre o paciente e o
analista segundo o esquema edípico. Foram incluídas disposições de caráter e
excentricidades pessoais do analista. Reações ao paciente como um todo foram consideradas transferência, e a aspectos parciais do paciente, contratransferência. A angústia, no analista, foi considerada como o denominador comum a
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todas as reações contratransferenciais e toda resposta que produz angústia no
analista também foi considerada contratransferência. Por fim, apenas os impulsos sexuais com os pacientes foram considerados como contratransferência.
As maiores diferenças têm como questão central a idéia de “ver o analista como
um espelho ou como um ser humano”. Contratransferências foram consideradas como transferências e nada mais, ou, ao contrário, algo totalmente diverso
e diferente disso.
Outras diferenças envolvem questões como discutir ou não a contratransferência com pacientes; sendo fenômeno sempre presente, seria por isso normal; se deve ser considerada razoavelmente normal, uma vez que está sempre
presente, ou é sempre anormal. A noção de “envolvimento persistente” do analista é mencionada várias vezes como inquietante por suas implicações.
Quase invariavelmente, há proibições explícitas contra qualquer manifestação de contratransferência erótica. Em apenas uma menção, acredito, sugeriu-se
que a ausência de períodos ou ocasiões de “sobrecarga” indica que a análise não
terá êxito. Apenas uma vez, acredito, sugeriu-se que possa haver, sob circunstâncias normais e mesmo oportunas, algo que se aproxima de uma neurose de
contratransferência. Principalmente essa idéia é extremamente criticada.
A natureza proibitiva do que se escreve sobre o assunto pode ser indicada
de modo resumido pelas típicas citações seguintes:
– nossa contratransferência deve ser saudável;
– supõe-se que as respostas apropriadas predominem;
– alguma toalete analítica é indispensável na rotina do analista;
– a contratransferência é o mesmo que a transferência, e é então obviamente indesejável e constitui um obstáculo;
– erros contratransferenciais devem ser admitidos, para que o paciente
possa expressar sua raiva e seu analista deve manifestar alguma forma de arrependimento para o paciente;
– não é seguro permitir que manifestações contratransferenciais sutis se
desenvolvam lenta e inadvertidamente na relação interpessoal; o analista deve
reconhecer e controlar essas reações.
Essas e outras atitudes semelhantes pressupõem uma habilidade consciente no analista em controlar o seu próprio inconsciente. Tal suposição viola a
premissa básica de nossa ciência, de que os seres humanos são tomados por
um inconsciente que não está sujeito a controle consciente, embora afortunadamente seja sujeito a investigação através da neurose da transferência (e
presumivelmente também da contratransferência).
Evidências comuns de contratransferência são descritas como:
– angústia durante o tratamento;
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– sentimentos perturbadores quanto aos pacientes;
– estereotipia nos sentimentos ou nos comportamentos dirigidos aos pacientes;
– amor e ódio pelos pacientes;
– preocupações eróticas, principalmente quanto a se apaixonar pelo paciente, persistência ulterior de afetos despertados durante a sessão;
– sonhos com pacientes e acting-outs.
A recente literatura sobre o tema inclui vários artigos perceptivos, ricos
em material descritivo e exemplos clínicos, cujo tom é menos proibitivo.
Penso que o uso do termo contratransferência deva ser reservado para
fenômenos que são transferências do analista a seu paciente. Estou convicta
de que há em toda análise o aparecimento de contratransferências inevitáveis,
naturais, e freqüentemente desejáveis, evanescentes ou mais duráveis, correlatas
do fenômeno de transferência. Interações (ou transações) entre transferências
do paciente e contratransferências do analista se dão em nível inconsciente e
poderão ser, talvez sempre sejam, vitais para o resultado do tratamento. A
verbalização intelectual, que consiste nas comunicações do paciente, e a atividade interpretativa do analista são os meios pelos quais se criam canais subterrâneos e profundos de comunicação entre o paciente e o médico. Tais interpretações não curam, nem tampouco nenhum analista será lembrado em primeiro
lugar por seu talento interpretativo, por qualquer paciente com que tenha tido
êxito. Não é razão para depreciar a importância da interpretação no procedimento analítico. Obviamente, apenas através das comunicações verbais do paciente
e dos esforços diligentes, imparciais e interpretativos, do analista será possível,
pouco a pouco, retirar as defesas e obterem-se comunicações e insights profundos. É o que constitui a essência do efeito curativo do processo analítico.
As transferências e as contratransferências são fenômenos inconscientes, baseados na compulsão de repetição, derivadas de experiências significativas, em grande parte da própria infância da pessoa, dirigidas a pessoas significativas da vida emocional passada do indivíduo. Atitudes habituais, relativas ao
caráter, não deveriam ser incluídas como fenômeno de contratransferência, uma
vez que sua expressão aparece praticamente inalterada em qualquer situação e
falta a elas a especificidade da contratransferência a uma determinada situação. A permissão obtida de derivados do instinto em se tornarem egossintônicos
e incorporados à estrutura de caráter torna tais atitudes essencialmente conscientes ou pré-conscientes, em contraste com o fenômeno da transferência, derivado de conflitos inconscientes profundos em determinada situação, em determinado momento, e em resposta a determinado indivíduo para quem foram mobilizadas antigas experiências, marcantes em relação a figuras importantes do
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início de sua vida. É provável que a doutrinação de pacientes, por exemplo, não
seja normalmente um fenômeno de contratransferência, mas um derivado do
impulso. Muitas outras coisas incorretamente discutidas como contratransferências são simples falhas nas percepções ou na experiência do analista.
As dificuldades em discutir os problemas da contratransferência são
muitas. Há escassez de bom material clínico resultante de sistemas defensivos
dos analistas quanto ao problema. As mesmas resistências em admitir na consciência a contratransferência, entre analistas, são verificadas em maior grau e
de forma mais insidiosa que nas resistências de seus pacientes a insights da
transferência. Há boas razões para isso. O analista praticante é alvo de constantes ataques e tem uma posição precária a manter. Sua motivação para se
modificar é pequena e, quando ocorre, normalmente se dá por razões pessoais.
O paciente vem ao analista com a finalidade de ser mudado, e só valoriza o
procedimento se perceber mudanças a caminho. O analista, porém, fica ansioso quando percebe mudanças em si próprio, promovidas por pressões emocionais de pacientes, e não há ninguém que o leve a se confrontar com isso,
exceto ele mesmo.
Além das resistências dos analistas em explorar a contratransferência e
o tempo insuficiente para que tal questão possa estar madura, há razões práticas para a escassez de nossa informação sobre o assunto. Nas sessões analíticas de tratamento, o analista habitualmente se esforça em minimizar suas
próprias fantasias sobre si mesmo. Exige-se tempo para analisar qualquer um,
o que inclui a si mesmo, e o analista ocupado, cujo maior tempo do dia é
dispensado aos pacientes, naturalmente desconsidera muito material potencialmente esclarecedor que por vezes surge em sua mente. Outro fator é a urgência imposta pelos fenômenos de contratransferência quando escancarados na
consciência. Episódios de acting-out contratransferenciais, por exemplo, confrontam o analista com uma situação surpreendente, que exige rápida ação e
bom senso. Ele deve se concentrar em manter a situação analítica sob controle,
e freqüentemente a surpresa e o choque apagam da memória os processos que
conduzem até o incidente, provavelmente devido à repressão do desconforto
então experimentado.
A decisão, tomada há muito tempo, de que os analistas devem ser analisados antes que pratiquem foi um enorme avanço em relação a qualquer forma
prévia de treinamento médico. A idéia de fazer do médico um paciente, antes
que possa praticar como médico é, em si, traumática. Afinal de contas, aquele
que se tornará analista dar-se conta do caráter insidioso do fenômeno de
contratransferência como ameaça e decepção. A importância da análise, para o
futuro analista, foi logo reconhecida. Provavelmente constituiu, na prática, o maior
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fator para o rápido avanço de nossa ciência, mas não se avançou mais longe
que isso. De certo modo, a análise preparatória ou pessoal do futuro analista
ofereceu algo parecido com a proteção que o sonho oferece aos nossos pacientes. O sonho é por eles considerado como um corpo estranho, do qual não
possuem nenhum controle, distante no tempo, e algo para o qual não precisam
ter qualquer sentimento de culpabilidade. De modo semelhante, a análise pessoal preliminar é freqüentemente considerada pelo analista em atividade como
sendo algo perdido no tempo, que havia sido imposto a ele, e que se ligava a
problemas anteriores, sem conexão com situações atuais, distanciado no
questionamento sobre as defesas e racionalizações. As análises (ou as observações) dos analistas praticantes serão, no futuro, a melhor via para entender o
processo de tratamento. Analistas supervisores estão em condição de entender
e fazer tais observações.
As resistências do grupo à exploração do inconsciente do analista, na
situação de tratamento, seguem padrões bem conhecidos. Há um medo dissimulado de estudar a atividade do analista, como se informar quaisquer de suas
reações significasse ser permissivo quanto a reações cujo caráter é duvidoso.
Em quase todo artigo sobre contratransferência, algum preço é pago a essa
rigidez do grupo, sob forma de moralismo e proibição piedosa, a despeito de se
discutirem os problemas da contratransferência com inteligência e simpatia.
Quase todo autor, na questão da contratransferência, por exemplo, se declara
inequivocamente contrário a toda forma de reação erótica para o paciente. Isso
indicaria que as tentações nessa área são grandes, e talvez onipresentes. Tal
posição é enfática e praticamente unânime. Outras “manifestações de
contratransferência” habitualmente não são condenadas. Presumo que, em certa medida, tais respostas eróticas aborrecem quase todo analista. Isso é fenômeno interessante e pede por uma investigação. Em minha experiência, praticamente todo médico, ao ganhar confiança suficiente em seu analista, relata
sentimentos eróticos e impulsos para seus pacientes, habitualmente com uma
boa dose de medo e em conflito. A seguinte história é típica: Um candidato que
fizera análise terapêutica parcial, anterior ao início de sua formação, colocou em
discussão o caso de uma paciente muito atraente, cujo tratamento caminhava
para desfecho próspero. A paciente apresentara resistência através de prolongado e irritante silêncio. O candidato dizia: “Com essa paciente eu experimentei
talvez a contratransferência mais sexual dentre todos os meus pacientes. Durante os períodos de silêncio, eu ficava sentado, imerso em fantasias sexuais
com ela. Meu pensamento era que isso não seria comunicado no caso de iniciar
uma análise didática, por causa do que Dr. X (o analista prévio) disse. Quando
falei sobre isso, ele pareceu bravo e de fato disse: “Como pode você se interes133
Lucy E. Tower
sar por uma paciente assim doente. Você não tem nenhum direito de ter qualquer fantasia com qualquer paciente!” É confuso porque penso que minhas fantasias produziram uma série de insights. Eu realmente nunca imaginei que poderia lhe falar sobre isso, e estou seguro de que posso fazê-lo. O que terá você
feito para possibilitá-lo?
“Hoje me recordo de que uma vez falei sobre a ”atração” que senti por
certa paciente. Bastante defendido, não admitia que a atração era sexual, admitia apenas uma atração, e você perguntou, “O que garante que seus sentimentos não podem ser úteis a ela”? Foi o que tornou possível falar sobre minhas
fantasias sexuais. Gostaria de saber se sua observação realmente inclui a aceitação de fantasias sexuais (i. e. de sentimentos) ou se se restringia à atração”.
Esse homem era excelente terapeuta e não era propenso a produzir actingouts. Não obstante, sentiu um medo artificial do erótico e de reações
contratransferenciais, ligado ao que percebeu ser a atitude proibitiva do grupo ao
qual aspirou pertencer. Nele não havia essencialmente um sentimento de que
houvesse algo de errado em ter reações desse tipo.
Somos bastante atentos na seleção de candidatos à formação, quanto a
seus recursos libidinais, na hipótese de que grandes quantidades de libido disponíveis serão necessárias para tolerar a pesada tarefa de muitas análises intensas. Ao mesmo tempo, qualquer investimento libidinal feito pelo analista no
paciente será motivo de zombaria. É muito obscura a nossa compreensão sobre as vicissitudes e funções da libido do analista na relação de tratamento.
Creio que o tema seja em si mesmo extenso e importante. Não basta falar em
dedicação, empatia e rapport, por mais importantes que sejam. Trago a discussão sobre as reações libidinais do analista porque evocam uma grande
contracatexia entre os analistas, que suponho pertencer à categoria de rígidas
defesas do grupo analítico. Posso dizer que várias formas de fantasias e fenômenos de contratransferência erótica, de caráter afetivo, estão presentes em
minha experiência e são presumivelmente normais. Entre características manifestas desse fenômeno temos o fato de que não existe o impulso para agir em
função deles, e na maioria vezes os encontramos completamente separados
temporalmente de transferências eróticas do paciente.
Temos muitas fantasias e sentimentos em relação aos pacientes, e sua
admissão não é problemática, especialmente quando correspondem a algum
elemento da realidade. Quase todo sentimento racional ou irracional que podemos ter com pessoas de nosso cotidiano pode ser às vezes experimentado em
relação a nossos pacientes. Porém, sentimentos que parecem excessivos ou
impróprios ao que o paciente parece ser, ou ao que ele diz, especialmente se
associados com angústia, indubitavelmente significam contratransferência. So134
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nhos sobre pacientes são significantes e sempre se deveria explorar seu significado contratransferencial específico.
Há muito tempo conjecturo que em muitos, talvez em todo tratamento
intenso de análise, produz-se algo da natureza de uma estrutura contratransferencial, talvez até mesmo uma “neurose”, que é a contrapartida essencial e
inevitável da neurose de transferência. Tais estruturas contratransferenciais podem ser maiores ou menores em seu aspecto quantitativo, mas no cômputo
geral seu significado pode ser considerável para o resultado do tratamento. Creio
que funcionam como catalisadores no processo de tratamento. Sua compreensão pode ser tão importante para o desfecho do tratamento quanto o entendimento intelectual da própria neurose de transferência, porque tal compreensão
talvez seja o meio pelo qual o analista pode entender emocionalmente a neurose de transferência. A neurose de transferência e a estrutura da
contratransferência parecem estar intimamente ligadas em um processo vital e
devem ser levadas em conta continuamente no trabalho de psicanálise. De fato,
duvido que haja qualquer relação interpessoal entre quaisquer duas pessoas,
independente da finalidade, que não envolva, em maior ou menor grau, algo da
natureza desse processo psicológico vital: interação com um inconsciente e
transferência.
Sabemos que mal tocamos na questão das análises preparatórias de
futuros analistas, no que se refere à compreensão de si próprios e de seus
potenciais em favorecer a transferência com seus pacientes no futuro trabalho
analítico. Estou inclinada a acreditar que há níveis de transferência que nossa
capacidade atual não permite alcançar. Há talvez até mesmo níveis de transferência que nunca atingiremos, através de qualquer método psicológico, devido
ao que fica na fronteira entre o biológico e o hereditário. O fenômeno do
apaixonamento, tão pouco compreendido dinamicamente, pode estar aí situado.
Uma coisa, porém, é ser capaz, a partir da experiência e da formação,
formular conscientemente a possível ocorrência de determinados problemas
contratransferenciais. Outra coisa é ser capaz de tomar todas as precauções,
com total e absoluta eficiência, na medida em que se vai cada vez mais fundo
em um tratamento analítico, semana após semana, mês após mês, e ano após
ano, com a crescente identificação, interesse, e atenção aos pacientes e seus
problemas. Por outro lado, a excessiva atenção a reações desfavoráveis de
contratransferência poderia levar o analista a defesas fixas, em virtude do que se
poderia negligenciar material significativo. Todo analista experiente sabe que, ao
se aprofundar em uma análise, se perde, em alguma medida, certa perspectiva
da situação total.
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Conjecturo que o desenvolvimento de estruturas neuróticas contratransferenciais no analista, a partir de longo período de tempo, pode ser algo como
a teoria da relatividade de Einstein. Para essa teoria, a luz viaja em uma linha
reta, de um ponto a outro, quando as distâncias são pequenas. Porém, quando
a luz viaja por distâncias gigantescas, conhecidas por nós em termos de milhões de anos-luz, outros fatores previamente não-compreendidos ou mesmo
concebidos entram em ação. Einstein provou que, na imensidão do tempo e do
espaço, há desvios na linha reta dos raios de luz. Também assim, o analista,
hipoteticamente formado e analisado com perfeição, deveria ser capaz de encontrar um rumo totalmente direto, que evitasse as armadilhas da
contratransferência. Sua análise pessoal lhe teria ensinado a se antecipar e a
evitar. Ele pode, por períodos consideráveis de tempo, ser de fato capaz de
fazê-lo. Mas, até mesmo em circunstâncias ideais, o analista é levado a desvios no eixo de sua compreensão e de sua conduta em um caso, desvios imperceptíveis e insidiosos, produzidos como reação inconsciente a pressões e motivações veladas dos pacientes, o que constitui a essência do desenvolvimento
da estrutura da contratrans-ferências. Que possam ser excrescências bastante secundárias em relação a uma estrutura total maior, que é a situação de
tratamento, é irrelevante à tese. Eu simplesmente creio que quaisquer duas
pessoas, independente da circunstância, possam se fechar em uma sala, dia
após dia, mês após mês, ano após ano, sem que algo aconteça a cada uma
delas a respeito da outra. Talvez a mudança principal seja impossível para
aquele que é afinal de contas, o alvo da terapia, sem que ao menos alguma
mudança secundária aconteça com o outro, e é provavelmente sem importância
ela seja racional. É provavelmente bem mais importante que a mudança secundária no outro, isto é, no terapeuta, seja aquela que é especificamente importante e necessária para aquele em que esperamos alcançar a mudança principal.
As “mudanças” no terapeuta, em minha visão, são composições de respostas
adaptativas do ego e da contratransferência inconsciente, cuja interação expande o poder integrador do ego de modo especifico para lidar com as resistências
transferenciais de um paciente específico. É da natureza das resistências
transferenciais que elas busquem pelos pontos mais fracos no arsenal do
terapeuta.
Este enfoque, em um detalhe de um tratamento longo e envolvente, pode
criar inadvertidamente a impressão de não-desejo, isto é, a ilusão de que ao
assunto em estudo se deve atribuir maior importância do ponto de vista quantitativo, ou que ele seja qualitativamente muito diferente do conjunto de nossa
experiência. A defesa do grupo analítico sobre o fenômeno de contratransferência
torna necessário cautela contra este mal-entendido.
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Contratransferência
Não aprecio o termo “neurose de contratransferência” e não o empregaria. Porém, a analogia com a “neurose de transferência” fez com que ele se
instalasse na literatura. O último, entretanto, talvez seja também um termo errôneo, em vista daquilo que efetivamente acontece na análise. Em geral, o fenômeno de transferência é experimentado sob variadas formas ao longo de qualquer experiência analítica, tanto pelo paciente quanto pelo terapeuta. Uma neurose de transferência nítida, bem estruturada como tal, é provavelmente rara,
sendo justamente por isso que se torna menos freqüente que uma neurose de
contratransferência nítida se desenvolva. Usa-se o termo neurose de modo bastante impróprio em nossa literatura. É empregado como um epíteto (com a
especificidade da palavra reumatismo), como um diagnóstico psiquiátrico bemdefinido, ou serve para todo tipo de imaturidade, excentricidade e conflito emocional de pessoas que vêm a nós pedindo por ajuda. É fácil dizermos que suas
transferências a nós dirigidas constituem outra neurose, artificialmente produzida, mas é uma questão totalmente diferente conceber que nossas próprias transferências a elas são da mesma natureza, mas, afortunadamente, numa proporção milesimal.
Reservo ao futuro o pensamento adicional quanto ao entendimento da
natureza e do significado do afeto contratransferencial, ou de sua falta, em psicanálise. A conquista de mais maturidade, pessoal e grupal, deverá tornar a
observação científica mais tolerável. Em certa medida, isso está em curso, mas
a cautela é dominante. Um artigo apresentado na Sociedade Psicanalítica de
Chicago, há quatro anos, por Adelaide Johnson, tocou tangencialmente o problema e evocou a maior contracatexia e angústia na audiência que já observei
em muitos anos de reuniões psicanalíticas. Essa reação parecia desproporcional em relação a objeções válidas que poderiam ser levantadas contra o argumento do trabalho.
Se for aceita a premissa de que as contratransferências deveriam ser
entendidas como transferências do analista, que são normais e constantes, os
afetos contratransferenciais têm teoricamente uma razão de ser no dito universal de que o verdadeiro insight só é alcançado na análise das transferências
apenas acompanhado pela liberação apropriada dos afetos. Apesar de se vangloriar de que suas análises pessoais preliminares constituem um meio de remoção de pontos cegos, o fato de que o grupo analítico ainda se defenda
vigorosamente, contra aplicar suas próprias operações às mesmas interpretações dinâmicas sistematicamente aplicadas a seus pacientes, é testemunho
adicional do interminável no processo analítico e do poder das forças repressivas do ego.
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II- Material Clínico
Escolhi elementos percebidos como contratransferenciais para a discussão nas análises de quatro de meus próprios pacientes. Em três casos, afetos
contratransferenciais de intensidade média tiveram certo papel em certos períodos. Dois casos foram razoavelmente bem sucedidos, e o outro talvez poderia
ter tido resultado melhor. Creio que meu medo de envolvimentos
contratransferenciais limitou um pouco o resultado. Em um caso, relativamente
mal sucedido, houve pouco afeto contratransferencial, inabilidade em tornar claro para mim mesma meu envolvimento contratransferencial, se é que houve
algum, e comunicação afetiva superficial entre o paciente e mim. Gostaria de
enfatizar que, no geral, um observador externo nada encontraria de muito discordante do habitual em qualquer dessas análises.
Selecionei material que melhor demonstra, de modo simples, alguns pontos
discutidos na Parte I. Ainda, selecionei material que me permitisse estar à vontade para apresentar, sem embaraço. Na verdade, nenhum desses casos representou falha dolorosa. Selecionei também materiais de antigas análises clássicas, por razões óbvias. Esses pacientes pareceram ser tanto analisáveis quanto requerer uma análise completa. Não penso que as experiências que tive com
esses pacientes sejam incomuns em comparação com muitos outros de meus
próprios casos ou com casos vistos na supervisão de outros analistas, exceto
pela contratransferência em certa medida marcadamente ou acima ou abaixo
da média.
Começarei com o exemplo de uma reação contratransferencial com actingout. Há muitos anos atrás, uma paciente, após reação próxima da psicose, foi
encaminhada a uma “análise” com alguém sem formação, e estava furiosa por
sua frustração com esse terapeuta prévio. Semana após semana, mês após
mês, ela se enfurecia comigo de modo agressivo, apesar da grande paciência
que eu tinha com ela. Suportei dela um abuso sem antecedentes com outros
pacientes. Às vezes, esse abuso me irritava, mas na maioria das vezes gostava
muito da paciente, estava muito interessada em ajudá-la e, de certa forma,
fiquei surpresa com a minha habilidade de controlar a irritação com ela. Finalmente, entendi que aquela atitude terapêutica desejável representava uma complicação contratransferencial. O seguinte episódio chamou a minha atenção
quanto a esse problema.
Num belo dia de primavera, saí do consultório vinte minutos antes do
horário dessa paciente, com a agenda aberta sobre a mesa. Tive um almoço
prazeroso, sozinha, apreciado mais que de costume, depois voltei para o escritório, a tempo para o próximo compromisso, quando me disseram que essa
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Contratransferência
paciente estivera lá e se fora extremamente brava. Era óbvio que eu havia esquecido sua sessão, inconsciente e propositalmente, e de repente percebi que
estava farta de seu abuso, a ponto da intolerância. A essa altura, comecei a ficar
brava com minha paciente e, entre essa sessão e a seguinte, um ódio imenso
surgiu contra ela. Parte desse ódio relacionei à culpa, e parte a certa angústia
sobre como conduzir a sessão seguinte, porque esperava poder ultrapassar
todos os abusos anteriores, e tinha consciência do fato de que era impossível
continuar suportando aquilo. Imaginei (o que de certo era uma esperança) que a
paciente terminaria o tratamento. Na sessão seguinte, me olhou com raiva e
disse, de forma acusadora, “Onde você estava ontem?” Eu apenas disse, “Me
desculpe, eu esqueci”. Ela começou a me atacar com sua censura costumeira,
dizendo saber que eu estive lá um pouco antes. Não fiz nenhum comentário,
achei que o melhor era não dizer nada. Continuou por cinco ou dez minutos e de
repente, parou, ficou um silêncio, e subitamente começou a rir, dizendo: “Bem,
sabe, Dra. Tower, não posso dizer que a culpo”. Essa foi a primeira ruptura em
sua resistência obstinada. Depois desse episódio, a paciente ficou muito mais
cooperativa e, após uma ou duas pequenas recorrências de abuso, provavelmente para me testar, a defesa desapareceu totalmente, e passou a níveis de
transferência profunda. À primeira vista, isso parece um episódio tão supérfluo
que mal merece descrição. Poder-se-ia dizer que eu estava irritada com a paciente e que perdi sua consulta por causa de sua agressividade, o que era verdade. Mas o problema contratransferencial real não era esse. Na verdade, meu
acting-out era baseado na realidade e trouxe uma solução para o problema
contratransferencial, que fora ter sido paciente com ela por tempo excessivo.
Pude relacionar em detalhes essa minha tendência a certas influências de minha infância. Passei por dificuldades dessa natureza em alguns períodos de
meu desenvolvimento. Minha compreensão sobre isso era parcial, bem como
sua resolução em minha personalidade. Essa resistência prolongada ao abuso
não precisaria ter durado tanto, se eu estivesse mais livre para ser mais agressiva frente a isso. A maneira pela qual reprimi minha agressividade permitiu que
ela se acumulasse até o ponto em que fui forçada a “atuar”, o que não foi procedimento terapêutico inteiramente desejável. Assim, teoricamente, uma boa atitude terapêutica, aquela de infinita paciência e esforço para compreender o paciente muito problemático, foi na verdade, nessa situação, uma montagem
contratransferencial negativa, virtualmente uma neurose contratransferencial de
curta duração, que consistiu sem dúvida num desperdício de tempo da paciente
e, se não fosse minha repentina solução, através do acting-out, teria durado
muito mais. Dei a esse pequeno episódio uma grande importância durante muitos anos e, assim, vim a compreender melhor seu verdadeiro significado.
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Lucy E. Tower
Só recentemente, contudo, pude questionar se essa reação contratransferencial, com tantas implicações negativas em alguns pontos desse tratamento, não poderia talvez ter tido implicações positivas, em outros pontos. Minha
disposição pessoal poderia ter facilitado a habilidade eventual da paciente de
lidar totalmente e de forma afetiva com seu problema mais altamente defendido
– o aspecto passivo homoerótico da transferência – uma vez que um tipo de
reação paranóica aguda foi o que a trouxe ao tratamento comigo.
No material seguinte, tento delimitar o desenvolvimento contratransferencial em duas análises que levam a uma série de comparações.
Esse material provém dos casos de dois homens, ambos negociantes
bem sucedidos, de origens semelhantes, mais ou menos da minha idade, que
gostavam de mim como pessoa, sentimento esse recíproco. Eram inteligentes,
casados e tinham filhos; ambos fizeram longas análises. Uma análise teve sucesso, com um trabalho em níveis mais profundos na transferência, de uma
intensa neurose transferencial, que resultou em grande melhora sintomática,
muita maturidade e grande sucesso. Na segunda, não houve nenhuma perlaboração real da neurose transferencial, a análise foi insatisfatória, e me senti insegura quanto ao futuro do paciente. Houve melhora sintomática e o paciente não
estava tão insatisfeito, mas meu conselho foi de que procurasse análise com
outra pessoa, o que ele fez após uma considerável resistência.
No início, minha inclinação era mais favorável para o segundo paciente,
que parecia altamente motivado ao tratamento, mais adequado, e cujo desenvolvimento psicossexual parecia mais normal. Por outro lado, o primeiro paciente, no final mais bem sucedido, era no início ambivalente, mordaz, e logo me
despertou dúvidas quanto a aceitar me incumbir de seu tratamento.
Nos dois casos, os casamentos dos pais foram estáveis, e os pais eram
de certa forma passivos, mas razoavelmente bem sucedidos. As mães pareciam compulsivas e os pacientes pareciam ter sofrido profundas complicações do
desenvolvimento em relação a elas, talvez em menor intensidade no caso do
primeiro. O curso e o conteúdo de sua análise sugeriram principalmente regressão, partindo do conflito edípico e, como traço dominante, tal regressão era
inquestionável no segundo caso.
Ambos apresentavam problemas graves de inibição na afirmação da masculinidade, com formações reativas homossexuais passivas. Tinham problemas
profundos e inconscientes de disposição assassina sádico-oral contra a irmã;
ambos desenvolveram sintomatologia razoavelmente séria na adolescência tardia, e apresentavam traços esquizóides. Os dois reagiram a questões homossexuais precipitando-se em casamentos com mulheres agressivas, controladoras
e narcisistas. Ambas eram atraentes, compulsivas, perturbadas, e tão forte140
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Contratransferência
mente em atitude defensiva, que nenhuma das duas concordava com o tratamento, apesar de os casamentos serem conturbados. Os maridos eram devotados e esforçados em manter o casamento. As esposas se ressentiam com os
tratamentos dos maridos e tentavam sabotá-los. Tive a chance de me encontrar
com elas, embora não tivesse buscado isso. Não me abalei com elas, apesar
de seus esforços angustiados em acabar com os tratamentos.
Nos dois casos era muito claro que eles mesmos contribuíram para as
dificuldades com suas esposas, a saber, eram muito submissos, muito hostis,
e em certo sentido excessivamente devotados; e as mulheres eram frustradas
pela falta da afirmação suficientemente desinibida da masculinidade. Em ambos os casos, isso foi muito trabalhado e interpretado, sem muitas mudanças.
Obviamente, isso era um problema que não poderia ser satisfatoriamente
perlaborado sem análise completa das raízes do conflito com suas irmãs, e, ao
lado disso, a raiva assassina contra a mãe, como regressão sádico-oral a partir
do conflito edípico. Atravessei fases em que me colocava como protetora (devido
à contratransferência?) nos dois casos; no primeiro isso foi direcionado ao casamento e à esposa, e no segundo, a ele mesmo. Ambos me confrontaram com
um material transferencial, sugerindo que eu estava sendo muito protetora e
como me conscientizei disso, creio que pude corrigi-lo.
No primeiro caso, a proteção era dirigida para evitar uma perturbação
secundária na esposa, que em certa ocasião foi considerada como psicótica
por um psiquiatra. Desejei, na realidade, evitar uma descompensação, com todos os efeitos perturbadores sobre a família, que um episódio desse tipo pode
causar. No segundo caso, a proteção foi dirigida ao próprio paciente, em situação semelhante. O próprio paciente havia sido considerado psicótico. Um exame de Rorschach feito no paciente mostrou que, em suma, se tratava de uma
neurose profundamente instalada; indicava-se a análise, embora se esperasse
muita dificuldade no processo. Seu discurso era muito produtivo, sem material
esquizofrênico. Com a energia e o dinamismo extremamente altos, a organização da personalidade era tal que nos levava a esperar que ele transbordasse
desordenadamente seus afetos no mundo externo. A imaginação era limitada e
havia poucas brechas para a manifestação de sua vida interior.
A sintomatologia que trouxe esses pacientes ao tratamento era semelhante: angústia difusa com alguma depressão, forte consciência de inibição
grave e certa quantidade de confusão, especialmente quanto aos papéis sexuais. Ambos, portanto, estariam classificados no quadro da neurose de angústia.
O desenvolvimento psicossexual mais normal do segundo caso e meu sentimento inicial mais favorável por ele poderiam sugerir teoricamente que, se minha própria organização libidinal estivesse mais próxima do que se considera
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Lucy E. Tower
normal, se eu tivesse de desenvolver desvios contratransferenciais, a ocorrência
seria mais provável no segundo caso que no primeiro, que, de início, apresentava alguns problemas psicossexuais pouco atraentes. Na verdade, o que aconteceu foi justamente o contrário.
Ambos apresentaram problemas irritantes na comunicação: resmungar,
hesitar, falar com prolixidade, repetição, detalhismo. Houve vezes, em ambas
as análises, em que me irritei profundamente com o problema de comunicação.
Só tardiamente, no tratamento desses pacientes, quando se desdobraram as
neuroses infantis, comecei a perceber algumas diferenças entre coisas a princípio muito semelhantes nas dificuldades de fala. No primeiro caso, tratava-se de
resistência altamente estruturada, com o propósito oculto de destruir meu poder
como analista e se vingar de minhas atenções para outras irmãs e outros homens. Os bloqueios de fala ocultavam impulsos dirigidos ao objeto, amargos,
sarcásticos e destrutivos, e desapareceram com a perlaboração do profundo
problema sádico-oral na transferência. No segundo caso, parecia ser a extensão do aspecto anaclítico velado de seu ego, essencialmente ligado ao caráter
e destinado mais a conseguir um objeto do que destruir algum objeto frustrante,
dificuldade que nunca foi substancialmente reparada. Apesar do meu longo e
consciencioso esforço em ajudar esse homem, acho que não houve bom retorno, bem sucedido, em relação ao tempo e à energia gastos, tanto por mim
quanto por ele.
Nesse ponto, poderia ser feita a objeção de que já se sabe, há tempos,
que casos que poderiam ser classificados como neuroses transferenciais, como
parecia ser o de nosso primeiro paciente, são muito mais acessíveis a procedimentos analíticos do que neuroses narcísicas, como era aparentemente o diagnóstico de nosso segundo paciente. Por que se deveria levar em consideração a
contratransferência como fator no sucesso final desses tratamentos? Isso é
bastante verdadeiro e, ao mesmo tempo, muito simples. Foi, sem dúvida, necessário longo tempo antes que pudesse diferenciar os dois casos claramente,
e só depois de ter passado tudo isso. Por muito tempo, o primeiro paciente
pareceu ser o mais narcisista. Certas delinqüências desse homem e seus problemas psicossexuais maiores me levaram a esse pensamento. E mais, não
estou tentando provar que o fenômeno neurótico contratransferencial é o único
ou mais importante fator envolvido no progresso terapêutico. Minha proposta é
tentar demonstrar sua existência de forma mais aguda e talvez mais significativa do que geralmente lhe é concedido, oferecer evidências de que tal fenômeno
pode ser de importância crucial sob certas circunstâncias, e contribuir para
traçar suas origens, desenvolvimento e resolução no curso do tratamento analítico.
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Contratransferência
Isso me leva a pontos de virada cruciais nas análises desses dois homens. Até agora, discuti situações emocionais e práticas com as quais fui
confrontada, e o material de fundo que parece pertinente a uma estrutura na
qual eu poderia ou não desenvolver alguma resposta contratransferencial relativamente organizada. Ambos me apresentaram um problema específico, dos
quais se supõe a potencialidade de provocar algumas respostas
contratransferenciais de caráter normal, em qualquer analista mulher que estivesse, de certa forma, desprevenida. Refiro-me ao fato de serem muito amáveis, de estarem estreitamente dependentes de suas esposas, que, por sua
vez, defensivamente ofendiam e se esforçavam em subestimar as análises,
possessivas quanto a seus maridos, e deles depreciadoras de um modo requintado. Ambos agrediam muito suas esposas, o que as amedrontava, e usavam variadas formas de comportamento como compensação. Ambos seriam
assim levados, mais cedo ou mais tarde, a se esforçar em jogar a analista
contra as esposas, bem como eventualmente levados, finalmente, à tentativa
de explorar as análises, na transferência heterossexual, em busca de qualquer
gratificação que pudesse ser obtida da analista. Ambos eram, com certeza,
inevitavelmente levados a ter sucesso ou falhar, até certo ponto em função dos
aspectos mais profundos da solução do conflito edipídico na própria personalidade do analista. Eu estava, é claro, teoricamente consciente a respeito de
tudo isso desde o início, e estava consistente e racionalmente preparada para
minhas próprias reações, especialmente diante da grande quantidade de reclamações contra as esposas, bem como resguardada de me deixar influenciar e
de me irritar com as respectivas esposas, com seus comportamentos subversivos em relação ao tratamento dos maridos.
O ponto de virada no primeiro caso se deu da seguinte maneira: no final
do segundo ano dessa análise, apesar do grande conhecimento intelectual da
dificuldade do paciente, quando parecia não haver nenhuma melhora em seu
casamento, no bloqueio da comunicação ou em sua dependência defensiva, a
esposa do paciente desenvolveu uma doença psicossomática séria. Esse fato
despertou imediatamente minha atenção, refletindo se essa doença poderia se
relacionar à ansiedade já apresentada de um modo que parecia pré-psicótico.
Imaginava se isso não poderia ser uma abertura para ela, uma situação em que
abandonaria seu comportamento de ataque e controle e se apoiaria mais no
marido, sem muita ansiedade. Pensei que isso podia beneficiar o casamento.
Contudo, o que percebi conscientemente deve ter permanecido separado do
que eu já vinha desenvolvendo inconscientemente, como o núcleo de uma pequena reação contratransferencial para a situação em seu todo. Creio que a
neurose transferencial desse homem estava vagarosa e inexoravelmente me
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Lucy E. Tower
empurrando na direção de ser com ele, em determinadas situações, a figura
materna superpreocupada e superidentificada que, sem consideração com os
méritos da situação, veria as coisas segundo a avaliação dele e se identificaria
melhor com suas hostilidades, ao invés de ser apenas uma observadora sem
nenhum envolvimento. Creio que, apesar dos meus cuidados, não percebi que
fui influenciada por suas pressões transferenciais no que se refere à esposa,
considerando-a como um problema maior do que ela de início parecia ser. De
qualquer forma, falhei em observar que ela vagarosamente havia se tornado um
problema menor, pois, apesar da resistência frustrante e crônica do paciente,
ele estava lidando com sua situação doméstica com mais firmeza e gentileza.
Não importa na questão se o paciente o escondeu de mim, ou se por razões
inconscientes próprias não o enxerguei. Muito provavelmente, as duas coisas
eram verdadeiras. Nesse ponto da análise, as satisfações egóicas de melhora
no funcionamento fora do tratamento foram perturbadas por impulsos libidinais
frustrados, inconscientes e fortes, na neurose transferencial. Prestavam-se a
tirar o máximo proveito de uma pessoa verdadeiramente interessada, percebida
como maternal, além das necessidades transferenciais, como também além de
qualquer potencial inconsciente que eu tivesse a oferecer com o intuito de
preenchê-las.
A mãe desse homem na realidade abandonou-o emocionalmente em períodos cruciais por duas vezes na vida. Havia uma distância entre mãe e filho
que nunca entendi a fundo, mas que me levou a considerar se ela não era uma
mãe desconectada. Fases posteriores da análise de sua neurose transferencial
descartaram isso, e revelaram por que, para ele em particular, foi talvez crucial
ser literalmente capaz de minimamente me seduzir, por um desvio contratransferencial alinhado com suas defesas dependentes e hostis contra a esposa,
antes de poder confiar-me suas necessidades neuróticas transferenciais mais
profundas. Creio que esses são alguns dos fatores que me levaram a querer
saber sobre o significado da doença psicossomática da esposa, ao passo que a
contratransferência em desenvolvimento a respeito dela permanecia fora de meu
campo de visão.
Cerca de um ano depois, tudo isso veio à tona. Eu havia ficado tanto
ansiosa quanto frustrada com o caráter masoquista, depressivo e monótono da
resistência do paciente. De repente, tive um sonho que me assustou e que me
trouxe a memória do que levou a isso. O sonho foi muito simples. Em visita à
casa desse paciente, encontrava lá apenas a esposa. Ela parecia contente, foi
muito hospitaleira e gentil. O contexto geral da visita pareceu-se muito com o de
um bate-papo de esposas amigas em uma tarde, cujos maridos eram provavelmente amigos ou colegas. O sonho me perturbou não sei por quê.
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Quando comecei a pensar nisso, me dei conta de que sabia há algum
tempo, mas não havia percebido, que a esposa já não estava mais interferindo
no tratamento do marido. Isso aconteceu em virtude de seu melhor ajustamento, da confiança adquirida de que eu não a ameaçava, e da diminuição da inveja
da relação de seu marido comigo. Lembrei-me também de que quase um ano
antes havia investigado o significado da doença psicossomática da esposa e
tinha então esquecido. Em outras palavras, percebi que inconscientemente, de
certa forma, desenvolvi uma postura rígida de muito medo de seu potencial
psicótico, e tinha ignorado sua melhora. O sonho me mostrou que eu havia sido
incapaz de me identificar com ela na situação de casamento, que ela de fato
queria que eu fosse à sua casa, que seria muito bem-vinda uma melhor perspectiva a respeito dela. O sonho me disse que a esposa estava muito mais orientada em relação a mim do que eu tinha acreditado durante o ano anterior, e que
estava na hora de olhar para a cena doméstica do ponto de vista dela.
Depois de pensar sobre tudo com muito cuidado e me sentir bastante
segura e firme, entrei em ação. Escolhi analisar primeiro a ação sutil de sua
parte contra a sua esposa, dentro da situação doméstica, um ponto que havia
sido abandonado durante algum tempo. Fui muito direta, discutindo a agressão
contra ela, pelo mecanismo de sua hostilidade masoquista e dependente, problema que ambos entendíamos muito melhor agora do que na análise antes
realizada.
Seguindo-se a isso, recoloquei em discussão, mais ativamente, suas
tentativas de jogar a esposa e a mim mesma, uma contra a outra, a supervalorização e a manutenção da situação ruim no casamento, com vistas a gratificações transferenciais. Tudo isso havia sido formulado previamente e de modo
extensivo, sem grande efeito. É claro que havia em meu próprio inconsciente
algum conflito edípico por trás de minha resposta contratransferencial, cujo retorno se dava sob a forma de uma competição sobredeterminada e no medo de
outra mulher numa situação triangular.
Seguindo-se a esse reparo ativo das falhas na análise, como se diz, o
paciente assumiu prontamente a análise de modo decidido. Passou de uma
interminável lamúria, que já durava três anos, para um movimento decidido.
Começou a me submeter a grandes pressões emocionais; reviu por conta própria
todo o percurso da análise, acrescentando novos insights a respeito de experiências de vida cruciais, muito atento à reconstrução da situação infantil. Mais lembranças do início de sua vida foram recuperadas, especialmente de material referente à cena primitiva e da distância peculiarmente silenciosa entre os pais.
Seguindo-se a esse material edípico, num extensivo trabalho – porém,
sem a revivência da ansiedade de castração suficiente para me assegurar quan145
Lucy E. Tower
to a haver uma perlaboração do material – o paciente se voltou para material oral
mais profundo, deslocado da irmã nascida quando ele estava com aproximadamente dois anos de idade para a irmã nascida durante o auge do período edípico.
Com o aparecimento desse material, surgiu pela primeira vez na análise um
afeto intenso e sem reservas. Houve um longo período, caracterizado por profundos sentimentos depressivos e raiva declarada, bastante limitados às sessões
de análise. Com essa efusão afetiva, o bloqueio na comunicação do paciente
desapareceu permanentemente. Sonhos e materiais de fantasia incluíram nessa fase quase toda forma de ataque sádico ou de indignidade concebível. Isso
era, evidentemente, sadismo fálico expresso em linguagem oral. Durante esse
período, a relação entre nós foi muito tensa. A quantidade de afeto do paciente,
por si só, teria constituído um fardo grave para qualquer um que tentasse lidar
com isso. Além disso, me submeteu ao mais persistente, detalhista e
desconfortável julgamento, como que me fazendo em pedaços – célula por célula. Todo movimento, toda palavra minha, foram mirados tão de perto, que o mais
leve movimento em falso poderia colocar tudo a perder. Porém, a ameaça não
era a mim mesma. O afeto que se criou em mim era mais da seguinte ordem: se
eu falhasse nesse teste ele se quebraria, e nunca mais confiaria em outro ser
humano. Em várias ocasiões tive sonhos que diretamente me anteciparam coisas que estavam por vir, como se meu próprio inconsciente viesse me prevenir
do que estava por vir, e me fortalecesse para lidar com a imensidade de afeto
quando surgisse.
Durante esse período, as horas eram exaustivas e freqüentemente os
sentimentos então gerados em mim eram um peso. Em várias ocasiões, comecei a ficar preocupada com a intensidade disso. Mas as tendências mórbidas
que me rodeavam então se dispersaram de modo repentino e incrível. Estava
saindo de férias numa tarde, depois de ter visto o paciente de manhã. Isso fez,
por si só, com que aumentassem em mim tanto os sentimentos sádicos quanto
os depressivos colocados sobre mim. Senti-me diminuída e à beira de um ódio
generalizado. A depressão e a irritação duraram horas e, de repente, desapareceram completamente. Nada de estranho aconteceu para essa dispersão, nem
fiz qualquer esforço consciente para consegui-lo. Duvido tenha ao menos pensado nesse paciente, exceto muito casualmente, ao longo das férias inteiras. O
fato de que isso pudesse acontecer tão espontaneamente me fez chegar à
conclusão tranqüilizadora de que meus sentimentos perturbadores não fizeram
com que eu fosse envolvida em qualquer problema contratransferencial
quantitativamente excessivo que se provasse com implicações desfavorecedoras,
para ele ou para mim. A indicação provável era de que meu inconsciente tinha de
algum modo finalmente se sintonizado o suficiente com seu inconsciente; que
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eu podia tolerar o afeto ligado a seus sentimentos de absoluto desespero, por
causa de afetos e atitudes minhas que, mesmo sem meu controle consciente,
eram apropriadas às necessidades do paciente na perlaboração do problema.
Conforme pensei na ocasião, parece que dois fatores importam no entendimento de minha resposta a esse paciente. Por um lado, desenvolveu-se em mim, de
modo passageiro, uma quantidade de masoquismo suficiente para absorver o
sadismo que ele descarregava agora, e que o terrificara ao longo da vida. O outro
ingrediente de minha resposta afetiva era, acredito, uma união com ele e meu
apoio, por identificação, em uma verdadeira reação de luto inconsciente. Penso
tratar-se de algo semelhante à “tristeza” do afeto no terapeuta, sobre o qual
Adelaide Jonhson e Michael Balint escreveram. Como descarregou seu sadismo, livre de medo da perda de controle e de qualquer medo de retaliação, creio
que o ego desse homem finalmente se livrou desse sadismo ligado ao superego.
O afeto depressivo se tornou completamente livre da autodepreciação e da culpabilidade, e assumiu o caráter de um luto verdadeiro por um objeto de amor
perdido.
Seguindo-se a isso, o paciente voltou-se à situação edípica com afeto
intenso. A competição reprimida com o pai mostrou-se na transferência de modo
bastante habitual, em fantasias a respeito de homens na vida da analista, na
competição com substitutos paternos, e no medo real derivado de impulsos
competitivos contra esses homens, bem como em impulsos de transferência
eróticos voltados para o analista. Através desse trabalho final com material
edípico, o paciente encaminhou-se ao término da análise. As mudanças e
melhorias na personalidade desse paciente se mantiveram durante algum tempo, e tenho a impressão de que as dificuldades da esposa são pessoais, sem
influência do marido.
Curiosamente, foi só com o surgimento e a solução da minha resposta
contratransferencial à situação matrimonial, e a superação da resistência do
paciente contra a comunicação, com o extravasamento de um grande peso
afetivo, que comecei a ter sentimentos de admiração por esse homem como
pessoa. Não quero dizer que havia desgostado dele previamente. É precisamente aqui que acredito estarem as evidências de que nesse caso a resposta
contratransferencial teve efeito benéfico. Sou levada a pensar que só depois de
seu inconsciente perceber que havia me forçado de fato a uma resposta
contratransferencial, que adquiriu confiança suficiente em seus poderes em me
influenciar, e de minha disponibilidade, pelo menos em pequena parte, em ser
influenciada ou dominada por ele. Foi só então que me permitiu finalmente penetrar em sua defesa masoquista, e me dar acesso ao sadismo inconsciente
profundo em seu superego, o que tornou possível e necessário voltar aquele sa147
Lucy E. Tower
dismo contra mim. Esse sadismo maciço, derivado presumivelmente de uma depressão infantil, foi reexperimentado na situação edípica, acrescentando muito
sadismo oral regressivo no sadismo fálico do conflito edípico. Não acredito que
sem a experiência, percebida por seu inconsciente, de ter sido de fato capaz de
em pequena medida me dobrar afetivamente para suas necessidades, esse homem tivesse tido sucesso em ir às fontes mais profundas de sua neurose. Ser
assim capaz de me dobrar conforme sua vontade, simultaneamente reparou a
ferida no ego masculino, e eliminou o medo infantil de meu sadismo na transferência materna. Pareceria que finalmente alcançara uma confiança interna de que
seus controles eram de fato adequados, e que eu de fato neles acreditei.
Curiosamente, seu inconsciente também percebeu que eu tinha mudado
meu sentimento sobre ele. Durante esse período, fez vários comentários sobre
isso, sem qualquer referência a amor sexual. Eram declarações de fato simples, e não penso que teve algum pensamento consciente sobre minha mudança. Nunca pediu qualquer confirmação, nunca indicou sentir que eu não gostava
dele previamente; eram declarações simples e casuais da percepção de algo
que, do seu ponto de vista, era sem discussão e sem ambivalência desde sempre. Seu inconsciente tinha percebido corretamente algo que de fato se desenvolveu em mim. Na verdade, penso que é possível que qualquer perlaboração
definitiva e bem sucedida em uma análise profunda e completa envolve algum
desenvolvimento desse tipo. É do conhecimento de todos que há muitas análises, ou menos ou mais bem sucedidas, que são na verdade análises parciais.
Muitas, claramente, nunca poderão ser senão parciais. Duvido que qualquer
perlaboração completa de uma profunda neurose de transferência, no sentido
mais estrito, não envolva alguma forma de levante emocional no qual paciente e
analista são envolvidos. Em outras palavras, há uma neurose de transferência e
uma neurose de contratransferência correspondente (não importa quão pequena
ou temporária), analisadas ambas na situação de tratamento, conduzindo a
sentimentos de uma orientação substancialmente nova de um com relação ao
outro.
Não sei se o episódio crucial, que me pareceu um ponto de virada no
segundo caso, foi minha percepção súbita de que esse homem não era analisável
por mim, e a real dificuldade contratransferencial era minha ilusão de poder
tratá-lo. A resistência descrita anteriormente se cronificara. Aos poucos, surgiram ganhos que, com toda honestidade, como psicoterapeuta, deveria ter sido
capaz de reconhecer em sua extensão. Aos poucos, me dei conta de um tom
pegajoso e sutil em atitudes do paciente com a esposa, e também comigo na
análise. Isso se apoiava, entretanto, em material oral sádico manifesto e de
dependência oral de um modo tão obscuro que nunca pude trazer à tona para
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lidar. Mesmo hoje, penso se não tratava de um derivado da inconsistência dos
limites do ego desse homem. Vi-me aos poucos simpatizando e me identificando com sua esposa, o que relacionei a princípio com minha percepção dessa
atitude pegajosa com ela. Fiquei também atenta a mudanças paulatinas nas
atitudes da esposa. Sua interferência abrandou gradualmente, e começou a
cooperar com ele quanto à análise, e finalmente se virou contra mim em desespero, porque não havia nenhuma melhora significativa em sua atitude com ela.
Esse paciente me cercou com suas necessidades eróticas e de dependência
de mim, do modo como esse tipo de material costuma aparecer. Retrospectivamente, diria que a razão pela qual não fui tocada por isso era de que se tratava
de algo não-estruturado e, assim, intangível à interpretação, e, no fundo, esse
homem não teve a força mobilizável capaz de me dobrar à sua vontade, como
fez o primeiro paciente. Creio que com essa organização profundamente anaclítica
de ego, seu potencial máximo seria me seduzir em dobrá-lo eu à minha vontade.
Por conseguinte, devo ter sentido sempre que esses protestos eram
supercompensatórios, incontidos, e não de verdadeira transferência.
O ponto de virada nesse caso veio quando, de repente e fora de qualquer
previsão, desenvolveu um estado depressivo esquizóide. Não tive nenhum aviso
de que isso estava para acontecer, havia pouco material disponível para tentar
entender isso, e antes que pudesse avaliar o que estava acontecendo, veio para
uma sessão marcada às 5 horas um dia, depois de vários dias de intensa angústia e fantasias obsessivo-suicidas. Ficou muito agitado, e fantasias suicidas
deram passagem a uma explosão violenta de sentimentos assassinos, tais,
que fiquei verdadeiramente alarmada. Sentia que ele estava muito perto de uma
ruptura no ego e poderia perfeitamente atirar-se pela janela, ou tomar a saída de
emergência, fugindo de medo das idéias assassinas. Estávamos apenas nós
dois, as secretárias já haviam saído. Disse logo, e com calma, que o achava
muito transtornado para discutir problemas naquela tarde, que fosse, por favor,
para casa, tomasse um sedativo, tentasse achar uma distração e que a primeira
coisa a ser feita na manhã seguinte deveria ser voltar, quando provavelmente
estaria mais calmo. O paciente atendeu meu pedido, em um estado semelhante
ao transe, e partiu. Aos poucos pude tirá-lo desse estado agudo, aparentemente
pré-psicótico. Depois desse episódio, nunca mais tive confiança novamente em
minha habilidade para fazer qualquer coisa com esse homem, psicanaliticamente, nem o vi mais outra vez fora do horário comercial. Finalmente, terminei
sua relação comigo e providenciei seu tratamento com outra pessoa. Achei que
poderia ser trabalhado por um analista-homem, que pudesse ser percebido como
alguém capaz de controlá-lo. Nós nos separamos com um sentimento bom e
mútuo, de caráter bastante superficial. Porém, além desse grande empenho na
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Lucy E. Tower
terapia, penso que pouca comunicação de sentimento, de modo realmente profundo e mútuo (i. e., não-verbal), aconteceu entre nós.
Se esse homem não foi analisável por mim – ou por uma mulher –
conjecturaria que a razão está em ser o defeito de seu ego masculino reparável
apenas por identificação e incorporação real de um ego masculino, em uma
situação de tratamento com um homem, e talvez só depois de experimentar
uma intensa transferência passiva homoerótica. Aparentemente não poderia nem
lhe oferecer isso, nem mobilizar qualquer afeto no material homoerótico trazido.
Em contraste, o defeito no ego masculino do primeiro homem foi reparado de
fato, aparentemente pela via de uma pequena vitória sobre mim na transferência.
Em outras palavras, havia controles internos em seu ego que percebi inconscientemente, o que me permitiu responder sem angústia excessiva, em pouca,
mas talvez crucial medida, para esse homem, como mulher reagindo a um homem, ao mesmo tempo em que minha relação dominante a ele era de médico
para paciente. Controles internos pareceram ausentes no segundo caso, e teriam de ser adquiridos por identificação e incorporação, antes que pudesse sobreviver afetivamente a seu sadismo subjacente, ou me mobilizar em confiar
nele como mulher.
Há alguns anos atrás analisei um jovem que teve essencialmente os
mesmos problemas, com a mesma estrutura de personalidade que o primeiro
dos dois casos discutidos, cuja análise alcançou virtualmente a mesma profundidade, com intensidade semelhante de afeto mútuo. Esse caso não teve um
resultado plenamente bem sucedido, e acredito que deveria ter tido. Houve complicações contratransferenciais adicionais, e não pude decidir se era um desses
raros casos em que o analista deve encorajar ativamente um divórcio. Retrospectivamente, acredito que dois fatores importantes operaram em mim. Em primeiro lugar, meu incômodo com o afeto da transferência-contratransferência
bloqueou uma perlaboração desse problema. Em segundo, provavelmente me
intimidaram as pressões de um analista mais velho e agressivo que tratava a
esposa, francamente determinado a que esse casamento tivesse êxito. Encerrei prematuramente o caso, com todas as supostamente habituais compreensões e racionalizações mútuas, que entre nós indicam o término de uma análise. Que o inconsciente do paciente percebeu corretamente o que eu havia lhe
feito inconscientemente, e o porquê, ficou demonstrado por alguns acting-outs,
movidos pelo ódio, bastante sérios, que posteriormente fez contra mim, de imediato entendidos, mas infelizmente um pouco tarde para que algo pudesse ser
feito a respeito. Felizmente, esse jovem iniciou outra análise depois, com outra
pessoa.
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Resumo e conclusões
Este trabalho é uma tentativa de esclarecer concepções atuais de psicanalistas sobre a contratransferência e de trazer algum material clínico para a
tese de que tais concepções necessitam de simplificação e de modificação, e
que fenômenos de contratransferência, dinâmicos e inerentes, operam em todos os procedimentos do tratamento.
Enfatizei que a contratransferência é uma entre várias respostas do analista, de maior ou igual importância na situação de tratamento. Empatia, concordância, intuição, compreensão intelectual e respostas ego-adaptáveis são, evidentemente, outros elementos muito significativos.
A situação de tratamento entre o paciente e o analista em níveis mais
profundos e não-verbais provavelmente segue o protótipo da simbiose entre mãe
e criança, descrita tão sensivelmente por Benedek, e envolve troca libidinal ativa
entre ambos, através de canais de comunicação inconsciente e não-verbais.
Generalizando, os pacientes realmente afetam os analistas. Nesses níveis profundos de intercâmbio, as tendências dominantes, de uso construtivo ou destrutivo
da situação de tratamento pelo paciente provavelmente derivam das relações
precoces com a mãe.
Na análise bem sucedida, o paciente não só revela por completo seus
próprios piores impulsos, mas talvez arrebate o analista a realizar algo semelhante, em menor escala, em parte para submetê-lo a uma prova, em parte para
se apropriar do analista como ser humano com limitações. Ao mesmo tempo,
com o propósito de fortalecer seu próprio ego, alcança a capacidade de lidar
com as falhas do analista construtivamente, de perdoá-lo por sua agressão e
por seus acting-outs contratransferenciais, e estabelece uma relação libidinal
adequadamente positiva e madura com ele, apesar dessas imperfeições.
O termo contratransferência deveria ser reservado para transferências do
analista – na situação de tratamento – e nada mais. Como tais, são sínteses do
ego inconsciente do analista e, com as transferências do paciente, constituem
produtos do trabalho inconsciente e combinado de ambos. São múltiplos e variados em suas origens e manifestações, e mudam a cada dia, e de paciente
para paciente. São fenômenos normais, e sua raiz está na compulsão de repetição. Tornam-se “anormais”, ou talvez seja melhor dizer interferências, excessos, fixações ou estorvos, em função tanto de fatores qualitativos e quantitativos
de sua síntese, como também em função da maneira pela qual repercutem na
situação analítica.
Esforcei-me em explorar o conceito e as possíveis funções de uma neurose de contratransferência como tal. Há evidências de que formações
151
Lucy E. Tower
estruturadas podem ocorrer mais constantemente do que geralmente se supõe
e podem exercer funções úteis sob certas circunstâncias. Essa utilidade pode
ser um fenômeno mais ou menos temporário, e a natureza da estrutura em si
mesma deriva de sua origem. Por outro lado, a descoberta do fenômeno, sua
análise e resolução pelo analista podem ser úteis a sua compreensão emocional mais profunda da neurose de transferência.
Creio que em toda situação em que, entre paciente e terapeuta, se desenvolve algo mais que uma relação superficial, o que é inevitável em procedimentos analíticos verdadeiramente profundos, há muitas reações de
contratransferência e se desenvolve algo da natureza de uma neurose de
contratransferência que, não importando sua magnitude, pode ser de grande
significado no curso do tratamento, como um catalisador. Por definição, um
catalisador é uma substância habitualmente inerte que, em determinado ambiente, acelera ou desacelera um processo químico. Não me parece muito irreal
considerar a existência de um fenômeno semelhante nesses níveis profundos
de relação interpessoal, encontrado no processo de tratamento psicanalítico.
O estudo científico do inconsciente do psicanalista em situação de tratamento deveria melhorar nossa eficiência terapêutica e promover base científica
sólida na avaliação de técnicas de tratamento. Tal estudo iluminaria igualmente
o que é defensivo e reativo na parte do terapeuta, e o que é cientificamente e
demonstravelmente construtivo.
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Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 33, p. 153-159, jul./dez. 2007
ENTREVISTA
DEPRESSÃO, A GRANDE
NEUROSE CONTEMPORÂNEA?1
Roland Chemama
R
oland Chemama, entrevistado deste número da Revista da APPOA, é psicanalista, membro da Association Lacanienne Internationale, agregé de
filososfia. Bastante conhecido por suas publicações, como o Dicionário de psicanálise (Ed. Unisinos) e Elementos lacanianos para uma psicanálise no cotidiano (CMC Editora), esteve há pouco em Porto Alegre, por ocasião do lançamento do seu mais recente trabalho, chamado Depressão, a grande neurose contemporânea (CMC Editora, 2007). Esse livro insere-se numa perspectiva bastante peculiar, qual seja, a de aproximar as formulações teóricas dos
questionamentos clínicos mais presentes no cotidiano dos psicanalistas, de
maneira muito clara, precisa e rigorosa, tarefa que não é fácil.
Se em seu livro anterior, Clivage et modernité (Éditions Érès, Paris, 2003),
o estilo utilizado fora a construção ficcional de um diálogo, nesta obra o autor
recorre à imagem de uma troca de cartas com um interlocutor imaginário, que,
nas respostas, endereça-lhe questões, provocações e reflexões a respeito da
temática da depressão. Esse recurso torna a leitura do livro extremamente agradável, pois remete de imediato à noção de compartilhar algo de muito íntimo, de
muito próximo, não só do autor e de seu interlocutor imaginário, mas também
do leitor. Ainda mais se considerarmos que se trata de um tema espinhoso.
Dentro desse mesmo espírito foi que transcorreu a entrevista. Roland
Chemama, que participou de inúmeras atividades junto à APPOA, concedeu-
1
Transcrição de Patricia C. R. Reuilllard, Beatriz Kauri dos Reis e Otávio Augusto Winck Nunes.
Tradução de Patricia C. R. Reuilllard (UFRGS).
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Roland Chemama
nos a oportunidade de explorar um pouco mais as questões que estão presentes no livro, o que, por certo, possibilitará aos leitores desta entrevista e de seu
livro a produção de novos interrogantes, pois, como o entrevistado afirma, seu
trabalho não se inscreve a partir da produção de um saber.
REVISTA – O seu último livro, Depressão, a grande neurose contemporânea, é todo ele escrito em forma de cartas dirigidas a um interlocutor. Fiquei me
perguntando sobre os motivos que o levaram a escolher esse estilo de escrita:
por que se utilizar do endereçamento para falar de depressão?
CHEMAMA – Bom, posso responder em francês? Para começar, penso
que para cada coisa que se escreve, a própria escritura faz parte do trabalho que
se pode fazer, e não se pensa da mesma maneira, portanto, não se escreve da
mesma maneira sobre todos os assuntos. Antes desse livro, eu havia escrito
outro, que se chamou Clivagem e modernidade (2003), em que há um diálogo
entre dois interlocutores; isso funciona bem, essa noção de diálogo. E neste
aqui, penso, com efeito, que o fato de escrever cartas, ou seja, o fato de que o
que escrevo seja endereçado vem responder a uma das dificuldades primeiras
da depressão, que é uma dificuldade de endereçamento. O depressivo tem muita
dificuldade para se endereçar ao outro. Escrever um livro já de início endereçado
me permitia talvez reagir sobre esse ponto, escrever algo relacionado diretamente com as questões levantadas, não somente no conteúdo, mas também
no próprio estilo. Posso até mesmo ir um pouco mais longe e dizer que, hoje em
dia, freqüentemente tenho reticências em escrever textos longos, que possam
se assemelhar demais a teses de universitários, porque isso seria se colocar
numa posição de saber, e não é o que faço em meu trabalho.
REVISTA – Neste seu livro mais recente, o senhor indica, muitas vezes,
a difícil relação do depressivo com o futuro, ou, por vezes, a impossibilidade que
o sujeito depressivo tem de construir a perspectiva de futuro. Pois bem, Freud
sempre caracterizou o inconsciente como atemporal. Então, como poderíamos
equacionar essa articulação entre o futuro e a atemporalidade?
CHEMAMA – Não há tempo no inconsciente, isso significa que as diferentes épocas do tempo são contemporâneas. Quer dizer que, num sonho,
pode haver tanto algo que venha da véspera, de dez anos atrás ou da primeira
infância, e tudo fica misturado, não há tempo; isso também quer dizer que o
desejo permanece o mesmo, mas o sujeito, para se achar, para se sustentar
como sujeito, precisa do tempo. O tempo da psicanálise é um tempo particular,
é o tempo do a posteriori, ou seja, é o futuro anterior. Eu posso avaliar o que me
acontece hoje em função do que será amanhã. É a partir da posição de algo no
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Depressão: a grande neurose contemporânea
futuro que posso ressituar o que sou e também em função do que fui. Lacan
insistiu muito sobre essa noção de futuro anterior; mas, no que diz respeito ao
depressivo, esse foi um pouco o problema inicial de meu trabalho, ou seja, o
depressivo tem muita dificuldade para se situar nessa dimensão. Para ele, tudo
se repete, e se repete de maneira absoluta, quer dizer, sem possibilidade de
mudança, ao passo que Lacan nos ensinou a pensar que a repetição é também
o produto de certa variação. Porque a repetição é fundada sobre o significante.
Vocês conhecem aquela famosa frase “meu avô é meu avô”, em que o segundo
“avô” não tem absolutamente o mesmo valor que o primeiro. Portanto, no
significante, a repetição assume uma forma particular para o sujeito humano,
mas é essa forma que é negada pelo depressivo; ele insiste em dizer que
sempre será a mesma coisa, que mesmo que haja sessões, mesmo que ele
reclame sem parar, mesmo que ele interprete, não vai mudar; ele sempre vai
ser sempre do mesmo jeito; portanto, é uma questão de tempo. E há efetivamente vários capítulos no livro sobre o tempo, mas acho que não dá para resumir tudo!
REVISTA – Nesse caso há uma mudança na posição do sujeito frente à
teorização que Freud propunha e à teorização que Lacan faz em relação ao
significante?
CHEMAMA – Acho que, de fato, Lacan esclarece o aporte de Freud, que
significa destruir uma concepção linear de tempo. É nesse sentido que efetivamente o inconsciente ignora o tempo, ele ignora esse tempo. Mas há uma
estruturação do tempo para o sujeito. Foi por isso também que Lacan desenvolveu muito cedo a questão do tempo lógico, ou seja, a relação entre o
instante de ver, o tempo de compreender e o momento de concluir. Tudo isso
mostra bem que a teorização de Lacan supõe que se dê atenção à relação com
o tempo, pois há sujeitos que se encontram numa espécie de tempo indefinido e geralmente eles sofrem com isso. Freqüentemente, são os sujeitos
depressivos.
REVISTA – Isso ocorre porque em relação à repetição Lacan considera
que seja necessário que se dê uma volta mais!
CHEMAMA – Em uma sessão, o sujeito depressivo apresenta-se freqüente-mente assim: ele chega, diz que está mal e depois conta um sonho em
que há algo interessante, em que ele vê alguma coisa e, no momento de se
levantar, ele diz “Estou mal”; tem uma recaída, exatamente como se não tivesse
havido sessão.
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Roland Chemama
REVISTA – Há em seu livro uma noção inovadora sobre uma espécie de
forclusão parcial, que estaria na base do funcionamento psíquico do sujeito
depressivo. O senhor poderia nos falar sobre isso?
CHEMAMA – Essa pergunta é muito ampla, porque, para mim, o sujeito
depressivo, a verdadeira depressão pode se definir como o evitamento radical
do desejo. Em meu livro, tento distinguir essa posição daquela da neurose, no
sentido de Freud, já que na neurose, no sentido freudiano, o desejo se encontra incluído. Ele se encontra incluído, mas é negado. O sintoma é justamente a presença do desejo sobre o tempo do recalcado. Há uma perturbação
muito mais grave do desejo na depressão, a qual, para mim, talvez se torne
ao mesmo tempo, com freqüência, uma estrutura. Para pensar que é uma
estrutura, não se deve nem pensar no mecanismo de forclusão, no sentido
estrito de recalcamento, nem, sem dúvida, na forclusão no sentido do Nomedo-Pai que faz entrada na psicose. Foi a partir daí que desenvolvi várias hipóteses. Em primeiro lugar, tentei mostrar que a própria noção de forclusão podia
mesmo não ser absoluta, como se entende normalmente; pois, por exemplo,
no Homem dos lobos, Freud diz que havia três correntes psíquicas, e uma só
delas era a forclusão. Então, essa é uma outra maneira de formular a forclusão
parcial, porque forclusão parcial indica que é um pouco forcluído, mas não
totalmente. E, nesse momento, podem me dizer: mas a forclusão ou é ou
não é. Mas minha idéia é que ela pode ser em uma corrente e não sê-lo em
outra. E as duas podem existir. Avançando um pouco, por exemplo, a partir
dos casos de depressão de que me ocupei, haveria uma forclusão do falo,
mas não haveria forclusão do Nome-do-Pai. Normalmente, o Nome-do-Pai,
a operação do Nome-do-Pai produz uma simbolização do falo, isto é, do que
representa uma limitação de gozo, e é ela que permite o desejo. Não estou
mais tão certo disso, porque se percebe quando, em um tratamento de sujeito
depressivo que se alonga um pouco, as coisas avançam. Não se fica completamente nessa ausência, nessa exclusão radical. Atualmente, minha tendência é utilizar a noção de clivagem, porque na clivagem é possível haver o
significante fálico sem que ao mesmo tempo seja reconhecido. Imagino em
um dado momento que também o sujeito depressivo possa estar numa posição de clivagem. Então, o falo foi simbolizado, mas ele não funciona; é
preciso instalar certo significante que represente uma suspensão desse gozo,
mas ele pode não funcionar. Tudo isso supõe também que haja um gozo na
depressão, o que eu não indiquei nesse livro. Aliás, meu próximo livro, que
ainda não foi publicado em português, mas que saiu há três semanas, um
mês, na França, é sobre o gozo.
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Depressão: a grande neurose contemporânea
REVISTA – Sobre o gozo, apenas, nos depressivos?
CHEMAMA – Não, não apenas. Se há uma fragilidade da falicização
hoje, da qual se fala muito há várias décadas, isso pode produzir ao mesmo
tempo sujeitos que buscam gozar a qualquer preço, como fala Melman, e, por
outro lado, produzir, também sujeitos depressivos. São duas faces da clínica.
Mas aparentemente há um gozo sobretudo no nível da experiência psíquica,
uma espécie de complacência, uma espécie de ruminação sombria, mas não
só isso. Também há certamente uma relação com o corpo. Para alguém que
fica na cama o dia inteiro, há uma espécie de gozo. É aí que é preciso recorrer
à teorização sobre a angústia.
REVISTA – Definir a depressão como uma inibição radical frente ao desejo leva a pensar num sujeito privado da condição desejante na relação a um
objeto a reduzido a signo do gozo do Outro. Concebendo-se a angústia, tal qual
Lacan, como o encontro da falta da castração do Outro, como diferenciá-la da
depressão?
CHEMAMA – Durante bastante tempo, pensei que se devia distinguir de
modo bem radical depressão e angústia. O que poderia haver de ansiedade
difusa naquilo que se apresentava como depressão? Era importante saber se
era ou uma ou outra. Por quê? Porque a angústia surge, com freqüência, quando o sujeito se confronta com a questão de seu desejo, de certa maneira. Ele
encontra algo que diz respeito a seu desejo e fica angustiado. Desde o início,
Lacan diz que a angústia tem seu objeto. Na época, é o objeto-causa do desejo. Portanto, na angústia há esse encontro. Enquanto a depressão, sem dúvida, consiste no fato de que o sujeito se retrai mais, renuncia ao acesso ao
desejo. Eu pensava ser difícil fazer os dois conceitos coexistirem. Na verdade,
mudei um pouco de opinião, porque o objeto também está na depressão e,
portanto, com sua angústia, mas é outro objeto, é um objeto muito mais invasivo.
O enfraquecimento da função fálica na depressão não permite ao objeto ser
verdadeiramente destacado, faltante e inscritível apenas no quadro do fantasma. Por isso ele é tão invasivo no real da depressão, quer o sujeito se perceba
como uma merda, quer sinta sobre si, sem cessar, o olhar do Outro e dos
outros. É uma espécie de presença forte do objeto, o qual cola mais no sujeito.
Então, penso que isso pode explicar a importância da angústia, de uma forma
de angústia. Não é uma angústia na qual se poderia pôr fim, por exemplo,
renunciando a sair de casa. Ao contrário, quando o depressivo renuncia a sair
de casa, ele fica ainda mais angustiado, porque mesmo que ali não haja o olhar
dos outros, isso cola nele assim mesmo; o outro o segue até em casa, para
observá-lo.
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Roland Chemama
REVISTA – É importante fazer notar como a concepção de depressão
proposta pelo senhor dialoga permanentemente com a clínica do sintoma social. De certa forma, o diálogo entre o sintoma social e o individual é algo caro
para os analistas lacanianos, nada fácil de se fazer e, não raramente, campo de
muitas batalhas e polêmicas. Porém, gostaria de observar o cuidado com que o
senhor avança nesse terreno, afirmando que na articulação entre a clínica social
e a individual não se trata de uma relação em espelho: “O sintoma social serve
como um prêt-à-porter para o sintoma individual”. Ou então: “É ao sintoma social que o sujeito responde com seu sintoma”.
CHEMAMA – É verdade que são questões difíceis. A psicanálise não é
sociologia, mas ao mesmo tempo o sujeito individual se inscreve no social. Para
mim, uma das maneiras de apresentar as coisas é dizer que o sintoma individual responde ao sintoma social; a clínica individual responde à clínica social.
Cada um de nós se encontra em um mundo em que há sintomas, isto é, expressões coletivas do mal-estar. A escalada da violência é um sintoma social. E a
questão é saber como o sujeito vai responder a isso. E responder tem duplo
sentido. De um lado, corresponde, mas também diz algo em relação a isso.
Sabe-se que existem diferentes níveis de determinação. Por exemplo, em dado
momento, falávamos muito – refiro-me a meu círculo de psicanalistas – de
forclusão social do falo. No nível coletivo, como pensá-la? No que concerne ao
falo, o significante que simboliza a diferença dos sexos não encontraria seu
lugar no discurso contemporâneo coletivo. Isso não é impossível: o que não se
pode, certamente, é dizer que não distingamos mais homem e mulher, mas de
certa maneira não queremos saber mais nada sobre as implicações dessa distinção. Então se pode falar de forclusão social do falo. Provavelmente, essa
forclusão social do falo só pode produzir efeito sobre o sujeito individual, se for
substituída por um mecanismo do mesmo tipo nesse sujeito. Não sei exatamente como se pode chamar esse mecanismo, forclusão do falo no nível individual, ou digamos, forclusão parcial do falo... Em todo caso, trata-se de forclusão
no nível individual. Quanto à noção de prêt-à-porter, sim, talvez, isso possa ir
muito longe. Por exemplo, se vocês lerem bem o livro de Melman sobre O homem sem gravidade (Cia. de Freud, 2003) verão que, em um dado momento, ele
fala que não há amarração fálica, para o sujeito moderno, há uma espécie de
descrédito sobre a operação de simbolização da diferença, no nível da satisfação do gozo, já que é disso que estou falando. Então, isso tende a anular a
diferença. Ele diz finalmente que há uma amarração sobre o objeto. Isso é interessante porque significa que no objeto, inclusive no objeto de gozo, o objeto é
comercializado, o objeto técnico é comercializado em grande escala. Pois bem,
o sujeito constrói uma espécie de barragem, ao mesmo tempo em que o sujeito
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Depressão: a grande neurose contemporânea
é ligado ao objeto. E será preciso prestar atenção, porque se trabalhamos, o
deixamos na posição de insatisfação em relação a esse objeto. E talvez o sujeito depressivo seja alguém que não encontrou essa ancoragem, ou seja, de um
lado, ele se encontra, como todos os outros, numa ausência, numa dificuldade
de amarração, enfim, fragilização da lei; mas, do outro lado, não é alguém que
vá poder se prender ao objeto, considerando-se seu descrédito sobre o objeto,
isso não vale nada. E então não resta nada mais além da depressão.
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Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 33, p. 160-180, jul./dez. 2007
VARIAÇÕES
ATOPIA E DERIVA
Intervenção num caso de psicose
não-decidida na infância1
2
Beatriz Kauri dos Reis
Edson Luiz André de Sousa
3
A
bordo, neste trabalho, os efeitos da intervenção do psicanalista de crianças
com funcionamento psicótico. Essas crianças apresentam uma particularidade na sua relação com a linguagem, uma deriva discursiva que denota confusão subjetiva. Encontram-se em posição mimetizada frente ao outro, como
fruto da insuficiência da função fálica, o que compromete a constituição do
registro simbólico, resultando desde a dificuldade, até mesmo a impossibilidade, de interpretar o sentido das idéias e, conseqüentemente, de produzi-las. A
minha pretensão com este trabalho é apontar o alcance que pode ter a intervenção psicanalítica, na cura de crianças cuja hipótese diagnóstica é a psicose
não-decidida.
Julguei pertinente trabalhar esse tema por dois motivos. Primeiro, porque
ainda há muito que ampliar os estudos no campo da psicose infantil. Esse é um
capítulo da clínica que merece mais atenção, pois, se, por um lado, a cada dia
que passa é mais comum recebermos em atendimento crianças com esse tipo
1
Este artigo consiste num recorte de minha dissertação de Mestrado Da atopia ao laço social,
apresentada ao PPG de Psicologia Social e Institucional da UFRGS em 2006.
2
Psicóloga; Psicanalista; Membro da APPOA; Integrante da equipe do Centro Lydia Coriat de
Porto Alegre; Mestre em Psicologia Social e Institucional/UFRGS. E-mail:[email protected]
3
Psicanalista; Membro da APPOA; Doutor em Psicanálise e Psicopatologia pela Universidade de
Paris VII; Professor do PPG Psicologia Social e Institucional do Instituto de Psicologia UFRGS;
Professor do PPG Artes Visuais do Instituto de Artes UFRGS; Autor do livro Freud, coleção Para
Saber Mais. São Paulo: Editora Abril, 2005. E-mail:[email protected]
160
Atopia e deriva...
de sintoma, por outro, paradoxalmente, nem mesmo os atuais manuais de doenças psiquiátricas (CID X e DSM IV) contemplam as psicoses na infância. O
que acontece é que a classificação de autismo passou a englobar as psicoses,
como se fossem categorias nosológicas semelhantes. Consideramos isso um
engano extremamente danoso, uma vez que, em termos de condução do tratamento psicanalítico, há grande diferença na abordagem de uma e outra
psicopatologia. Em segundo lugar, ressalto a importância de essas crianças
serem atendidas na área psicanalítica, já que a intervenção pode auxiliá-las a
obter um lugar no campo social, do qual elas estavam alijadas.
Jean Bergès e Gabriel Balbo salientam que “a psicose infantil é um campo enorme e ao mesmo tempo não se diz muito sobre ele” (2003b, p. 33).
Alertam para exclusão que se faz, nos nossos dias, do significante “psicose”,
em benefício do significante autismo. “Não nos enganemos: o autismo é raro e
a psicose na criança é muito mais freqüente” (2003a, p.95).
O pré-especular e o especular na constituição psíquica
Bergès e Balbo (2002) fizeram um estudo aprofundado do conceito de
transitivismo, a partir da reinterpretação de Lacan, em O estádio do espelho
como formador da função do eu (je) ([1936] 1998), reforçando o viés constitutivo
da noção de eu, que o conceito introduz. Esse é um pensamento que já havia
sido desenvolvido por Henry Wallon, desde 1921, num outro sentido, ou seja,
desprendido do acento psicopatológico que até então carregava na psiquiatria
clássica. É em 1934, na obra denominada As origens do caráter na criança que
Wallon (1995) formaliza a aproximação que faz entre o transitivismo mórbido e o
normal, afirmando: “O transitivismo precede imediatamente o instante que a
criança saberá distribuir sem erro, entre ela e outro, os estados e atos que ela
percebe” (Wallon, 1995, p.264).
Transitivar nada mais é que fazer falar o bebê, justamente aquele que
ainda nada sabe da linguagem, mas que, para logo vir a saber, deverá ter sido
suposto capaz de fazê-lo. A função do transitivismo passa pela antecipação que
a mãe faz sobre os atos de seu filho (gestos, fonações, choros, apelos), criando
assim uma demanda a partir da suposição de saber que ela empresta a ele. É
um convite à fala, muito embora ela não fique esperando que ele lhe responda,
no real, ao que ela, imaginariamente, lhe supôs simbolizar. Essa é uma operação de recobrimento do real pelo imaginário e simbólico.
Agindo assim, a mãe cumpre sua função fundamental, que é a de transformar as imagens numa rede significante, que se decifra na ordem da linguagem e não na da imagem por si só.
161
Beatriz Kauri dos Reis e Edson Luiz André de Sousa
Segundo Bergès e Balbo:
[...] esse jogo não se joga a dois, mas implica um terceiro. É no
crédito que a mãe dá à criança em função do qual esta lhe faz uma
demanda, endereçada a ela, à mãe, que está implicado esse elemento terceiro. E o que esse crédito diz é logicamente articulado à
hipótese que faz a mãe: a criança é competente para lhe fazer uma
demanda. Com poucos dias de vida a mãe lhe diz: “Você tem frio?
Eu vou cobrir você”. Ao mesmo tempo em que a mãe supõe que a
criança sabe o que quer dizer “frio”, supõe também que ela pede
para ser aquecida. É através desse golpe de força, assim como
propusemos nomear essa operação, que a mãe demanda à criança identificar-se com o que ela lhe diz (2002, p.58).
Os autores esclarecem que se trata de uma identificação primária, que,
como tal, opera como uma introjeção. Além disso, o tradutor da obra citada
alerta para o esforço que foi preciso fazer ao construir a frase, concordando com
um complemento direto e não um indireto, como se esperaria, a fim de conseguir transmitir a idéia de identificação transitivista, que se dá na passagem direta entre a mãe e a criança, sem afastamento ou intervalo. A mãe toma para si, e
por antecipação, as sensações do seu filho, mesmo sem senti-las. Ela as nomeia e lança ao filho para que ele as incorpore, apropriando-se das mesmas,
deixando assim de serem estranhas a ele.
Dessa forma, o agente materno habita o Outro, mas também institui um
Outro de seu filho. Esse é um princípio fundamental que se institui nos primórdios
do desenvolvimento, ou seja, na época pré-especular, com o qual fica demonstrado que o caráter de díade não se realiza, pois já está colocado em cena, de
saída, um terceiro.
Há uma segunda operação psíquica que inaugura a fase especular, desenvolvida por Lacan, momento primordial de estruturação do sujeito, de nascimento do eu. Está situada entre o oitavo e o décimo oitavo mês de vida da
criança, momento de formação de uma imagem unificada do corpo, a qual constituirá a matriz simbólica.
Vejamos como Bergès e Balbo interpretam essa experiência:
O corpo da criança está presente na fase do espelho, é essencialmente tomado nessa imagem globalizante que contrasta, do lado
sensorial, com a vertente tônica e motora efetuada pela prematuração. Nesse sentido, essa fase não vai somente situar o corpo
162
Atopia e deriva...
em sua alteridade frente ao do outro, mas também antecipar essa
imaturidade natural. Essa especularidade da imagem do corpo é
enquadrada pela jubilação da incontinência motora, ela própria substituída, apoiada, encontrando seu aval na e pela motricidade e postura da própria mãe: a criança a toma como testemunha, voltandose para ela, que a suporta; esse retorno a constitui como terceira
pessoa entre ela própria e sua imagem real no espelho. Por sua
motricidade de acompanhamento, a mãe vai, no real, antecipar a
maturação motora de seu filho (1997, p.14).
É nessa dupla antecipação que se dá a articulação com o registro simbólico: do lado da criança, é a antecipação da motricidade pela imago totalizada;
do lado da mãe, trata-se da mesma antecipação motora de seu filho, através de
seus próprios movimentos e postura.
O que a especifica é, pois, o que lhe falta. Essa desarmonia, engendrada
pela falta, pela falha daquilo que vem fazer falta tanto do lado da criança como
do lado da mãe, opõe-se, pois, necessariamente à harmonia de um todo, de
uma totalidade que faria Um no corpo.
Lacan não deixava de chamar a atenção para o caráter funcional e constituinte da fase do espelho:
Essa imagem é funcionalmente essencial no homem, na medida
em que lhe dá o complemento ortopédico dessa insuficiência nativa, desse desconcerto, ou desacordo constitutivo, ligado a sua
prematuração no nascimento. Sua unificação não será jamais completa, porque é feita precisamente por uma via alienante, sob a
forma de uma imagem estranha, que constitui uma função psíquica original (1955, p.113).
Sigo acompanhando Bergès e Balbo para melhor compreender do que se
defende a mãe do psicótico ao não poder fazer a transmissão da experiência do
espelho a seu filho.
No momento do estádio do espelho, quando a criança rejubila e
antecipa, arriscamo-nos a ignorar tudo o que há de luto em se ver
num espelho, ou seja, em se distinguir de tudo o que está em
volta. De tudo o que o enxergava e o olhava por todos os lados, em
particular a mãe, o filho deve fazer o luto: não é ele. É preciso que
a mãe transitive, que ela faça a hipótese, ao nomear o filho, de que
163
Beatriz Kauri dos Reis e Edson Luiz André de Sousa
ele demande a ela que renuncie a ser ele, para que ele possa
renunciar a ser ela (2003, p.77).
Se assim fosse, a mãe estaria necessariamente remetida à falta, coisa
que a mãe do psicótico evita. A ausência de uma suposição de demanda em
seu filho o envia à psicose. Ela fica às voltas com o corpo de seu filho sem poder
transitivá-lo. Ela cuida dele como um corpo que tem necessidades; é isso que
ela sabe fazer, e é sobre isso que não é preciso falar. Aliás, a demanda da mãe
é de excluir seu filho do campo da linguagem, com isso ela pretende subverter a
castração a que está concernida.
Ao se submeter a essa exclusão, a criança mantém-se numa relação
privada de linguagem com sua mãe, tornando permanente a relação entre eles
incestuosa .
E o que isso teria a ver com a forclusão do Nome-do-Pai, mecanismo
central da dinâmica da psicose? Aí está algo que se institui desde o lugar da
mãe, uma vez que é ela quem dá ou não voz ao pai. A palavra dele deve ter lugar
primeiramente para ela, a fim de que ela legitime a transmissão desta ao filho.
Lacan é categórico ao afirmar, no seminário As formações do inconsciente ([195758] 1999), que é a partir do desejo sexual da mãe que a função paterna opera. O
que significa que a falta está no cerne dessa operação.
A alteridade que se esperaria estabelecer-se na fase especular - naquele
momento antes mencionado, de retorno da criança a sua imagem no espelho,
depois de ver sua mãe como testemunha dessa experiência - essa terceira
pessoa que parece ser vista ali daria lugar a um quarto termo, que é o discurso
paterno e sua função. A criança psicótica não somente se defende desse quarto
termo, como também se defende de contar até três, na sua relação com sua
mãe. A mãe não está, como seria de esperar, no lugar do Outro primordial, ela
encarna o Outro. Ao se estabelecer essa apropriação indevida, a criança fica
sem a hipótese da mãe de atribuição de um Outro a ela, o que a fixa numa
sideração, pois a origem do sentido provém justamente da hipótese de que há
um Outro. Na falta dessa hipótese, ou seja, dessa alteridade, é no eixo imaginário que nos encontramos. Ainda segundo Bergès e Balbo:
[...] conceber dois sujeitos e dois grandes Outros torna necessário
o recurso ao Simbólico. Resulta daí uma disparidade subjetiva,
uma desarmonia, uma hiância. Para que haja disparidade de sujeitos, é preciso que haja disparidade de grandes Outros. O sujeito
representado por um significante, escolhido pelo filho no grande
Outro de sua mãe, para um outro significante, que ela distingue no
164
Atopia e deriva...
grande Outro do filho, mostra precisamente essa necessidade
(2003, p.18).
Os autores sustentam que essa noção de disparidade é central na constituição do sujeito, eles lembram um dito de Lacan, em O ato psicanalítico
(Lacan, apud Bergès e Balbo, 2003, p.19) “nenhum inconsciente pode se sustentar se em sua disparidade dois sujeitos não contribuem para isso”. Lacan
afirma também que é o sujeito, através de seu discurso, que é constitutivo do
grande Outro, da demanda, do desejo e do recalcamento. Se não há
recalcamento, não há castração; assim, o que temos é a forclusão. Logo, a
hipótese de Bergès e Balbo é a de que são dois grandes Outros ou nada.
Sendo assim, não se encontra um grande Outro barrado, como na neurose, o qual nos remeteria ao significante da falta no Outro, em que o atravessamento
representa também o não-acesso direto a essa instância inconsciente. Pelo
contrário, os autores afirmam que na psicose a barra do recalque recai sobre o
desconhecimento. É como se não houvesse, então, o desconhecimento, o que
coloca o sujeito a trabalhar na via de construir certezas, deixando o psicótico na
convicção, a qual nada mais é que o pensamento delirante, fruto do saber absoluto do agente materno.
O caso clínico
Rafael4 chega à clínica com 4 anos, encaminhado pelo neuropediatra,
com o diagnóstico de síndrome de Asperger e medicado com um anticonvulsivante, por ter apresentado um EEG com algumas alterações (descargas). Ao
conversar com os pais, me inteirei de parte da trajetória que vinham fazendo na
busca de atendimento adequado para o filho.
Aos 2,9 anos Rafael havia sido levado a tratamento psicológico, por solicitação da escola infantil que ele freqüentava. O motivo alegado fora a falta de
reação do menino, quando provocado por seus colegas. Ele era capaz de apanhar sem se defender, dizia o pai, visivelmente incomodado com a passividade
do filho.
A psicóloga que o tomou em atendimento na ocasião, segundo a mãe,
trabalhou com ele questões referentes a sua imagem corporal. Ela costumava
4
Nome fictício.
165
Beatriz Kauri dos Reis e Edson Luiz André de Sousa
andar atrás dele pelo consultório com um espelho na mão a fim de que ele
aprendesse a se reconhecer, pois diante da pergunta dela de quem ele via no
espelho, ele ora respondia que era a mãe e ora o pai. Ela, então, explicava à
mãe que ele não tinha a sua própria imagem constituída e era mister que a
constituísse, assim seguia seu trabalho.
Ao final de um ano e meio de tratamento, sem que ela tenha se reunido
uma só vez com a equipe pedagógica da escolinha por ele freqüentada, a terapeuta
lhe dá alta do atendimento individual e encaminha-o para ambientoterapia numa
comunidade terapêutica. Na época ele tinha 4,4 anos.
Três meses depois eles chegam ao centro clínico, no qual integro a equipe de trabalho, já que depois de visitarem a referida comunidade terapêutica se
deram conta de que aquele não era o lugar apropriado para o filho, principalmente, porque ele ali estaria em companhia apenas de crianças sem linguagem e
bem mais empobrecidas, psiquicamente, que ele. Além disso, a indicação da
instituição era a de que ele não fosse matriculado numa escola, e, sim, freqüentasse um grupo de ambientoterapia, diariamente.
A queixa principal era a de que ele andava com medo de fazer determinadas coisas que anteriormente não configuravam problema. Por exemplo, ir até à
casa dos avós maternos, em função do ruído de um relógio cuco que havia na
sala-de-estar, que o perturbava. Além disso, estava se negando a andar de ônibus, também porque o barulho do mesmo o assustava.
Os pais estranhavam a conduta de Rafael em casa, já que, se deixassem, ele era capaz de passar horas a fio postado na janela do apartamento da
família, observando o entra-e-sai dos carros de uma garagem em frente. Ele não
brincava.
Quando conheci o menino, logo notei um fio de saliva que escorria do
canto de sua boca, denotando hipotonia labial. Sua fala era entrecortada de
disfonias, ou seja, troca e omissões de vocábulos, o que caracterizava uma fala
infantilizada e causava algumas dificuldades de compreensão. Ele se ocupou já
de saída de uma garagem de brinquedo e de alguns carrinhos, os quais ele fazia
descer e subir as rampas do brinquedo. Verbalizou que não havia perigo, porque
era que nem o ônibus. Falava como se estivesse tranqüilizando os passageiros
dos veículos, bonequinhos que eu havia introduzido na brincadeira, assim como
seus pais devem fazer com ele, cada vez que ele expressa medo em subir num
transporte coletivo.
Para minha grande surpresa, em determinado momento ele interroga:
“Quem sou eu?” Ao que eu respondo que essa é uma dúvida que ele tem e que
estamos ali para ajudá-lo a responder a ela com o passar do tempo, na medida
em que fôssemos nos conhecendo melhor.
166
Atopia e deriva...
Dei início ao atendimento também com os pais, os quais recebi nesse
primeiro tempo do trabalho, conjuntamente com uma colega psicopedagoga e
psicomotricista. Indicamos atendimento psicanalítico com duas sessões semanais e atendimento na área instrumental com a colega uma vez por semana.
Rafael já tinha freqüentado duas escolas diferentes, uma vez que seu pai,
sendo professor de matemática, o colocava na pré-escola do estabelecimento
de ensino onde ele estava locado. Ao final de um ano de trabalho, o pai se
desligou dessa escola, levando o filho consigo para um novo lugar. No momento
em que chegaram à clínica, março de 1999, Rafael era aluno de sua mãe, pois
ela era professora de um jardim de infância; assim, achou por bem matriculá-lo
como aluno seu, logo ela não teria dúvida quanto ao bem-estar do filho.
Foi muito importante naquele momento contar com a intervenção da colega para trabalharmos juntas essa situação. Pois se produziu uma identificação
dos pais com ela, na medida em que eram todos relacionados pelo trabalho
com as questões escolares, eles como professores e ela como psicopedagoga.
Mesmo assim, a mudança foi lenta. Foi somente em meados do segundo semestre (outubro) que ela aceitou passá-lo para o jardim de infância, conduzido
por uma colega sua, que se localizava na sala de aula ao lado da sua. Coisa que
facilitava o controle que ela tentava continuar exercendo sobre o filho.
“VOU DORMIR COM A MAMÃE!”
Com essa frase Rafael nomeia o desenho que ilustra a capa de uma
pasta, em que guarda os trabalhos e avaliações da época em que cursava o
jardim A e era aluno de sua mãe.
Constata-se, assim, a realização de uma díade, uma montagem incestuosa, em que o filho é o falo imaginário da mãe.
Como intervir nisso? Como fazer para que essa mulher abra seu abraço
engolfante e deixe deslizar para fora de seu corpo o filho amado?
Fomos tomando conhecimento da história de Rafael.
Durante a gestação já houve problema, pois a mãe estava com cinco
meses de gravidez, quando presenciou um assalto à mão armada, na escola de
periferia em que ela, na época, trabalhava. Ela contraiu uma infecção urinária,
posteriormente, e, de tão assustada, não conseguiu voltar mais ao trabalho, até
seu filho nascer e já contar sete meses de idade. Aliás, Rafael não saía de casa
a não ser para ir ao médico, até completar dois anos de vida. Os pais procuravam evitar ao máximo o contato do filho com o calor ou o frio excessivos, que
viesse acarretar algum prejuízo para sua saúde. O que logo nos fez constatar
que para esse casal o bem-estar do filho estava ligado, exclusivamente, a sua
integridade física.
167
Beatriz Kauri dos Reis e Edson Luiz André de Sousa
Essa criança sofreu as conseqüências, desde muito cedo, do medo de
seus pais de perdê-la. É que o fato de eles a surperprotegerem dos perigos do
mundo externo me leva a pensar que o agente materno esteve impossibilitado
de fazer a hipótese de uma demanda no filho. Não há uma atribuição de saber a
essa criança, quem sabe sobre ela são eles, os pais e o médico pediatra.
Sendo assim, o que representa a criança para os pais, é, principalmente, um
corpo eminentemente frágil, que corre riscos vitais e que deve ser isolado e
vigiado. Eles não o deixavam na companhia de tios nem de avós.
Rafael foi amamentado até 2,6 anos, segundo a mãe, pela simples razão
de ela ter leite em abundância! Esse é um acontecimento que reforça a idéia de
que esse filho é um prolongamento do corpo materno. Ela o alimenta, durante
tanto tempo, com o seu leite, supondo a sua suficiência. Dito de outro modo, se
ele a tem, não necessita de algo ou alguém, a mais.
Rafael dormia na cama dos pais, diariamente, até conciliar o sono. Se ele
não está muito bem de saúde, permanece aí, mais especificamente, no meio
deles. Quando questionei essa conduta, a mãe se justificou dizendo que Rafael
sua muitíssimo e fica encharcado durante a noite, o que lhe exige cuidados
constantes, do contrário ele adoece.
Os pais começaram a conversar com o filho sobre a possibilidade de ele
ser transferido para o jardim de infância da outra professora, deixando finalmente de ser aluno de sua mãe. Ele respondeu dizendo que só iria depois de crescer, apesar de demonstrar interesse por essa outra turma da escola, uma vez
que tinha sido visto observando o grupo trabalhando.
Naquele ínterim, levaram-no a uma consulta de rotina com o neuropediatra,
o qual chamou a atenção para o quanto Rafael havia crescido. A mãe aproveitou
a situação e na saída da consulta se dirigiu ao filho, confirmando que estava
mesmo na hora de ele mudar de professora. No outro dia ele já foi inserido na
turma da nova professora. Houve dias em que tentou reconsiderar, alegando
que tinha um corpo grande, mas que voltaria a ficar pequeno novamente.
A nova professora observou que logo em seguida Rafael passou a escrever o nome de seus colegas de aula; em geral, a grafia era correta, até porque ela
notava que ele escrevia e depois ia se certificar no mural, onde constava o nome de
todos que compunham o grupo. Anteriormente ele sabia escrever apenas o seu
prenome e a partir da mudança passou a escrever seu nome completo.
A mãe trabalhava, na época, duas noites por semana; quando ela chegava em casa, Rafael pedia uma surpresa. Em determinado dia ela o presenteou
com um coração de papel, dizendo que havia feito na escola para ele. Gostou
tanto que o colocou debaixo de seu travesseiro e quando seu pai chegou em
casa ele se apressou em mostrar-lhe o presente e pediu para ela fazer outro
168
Atopia e deriva...
para seu pai. Parece que com essa atitude o menino esforça-se para incluir
seu pai junto à mãe, que o empurra para fora de cena, pelo menos da cena de
desejo.
Houve um episódio marcante após os primeiros três meses de tratamento. Rafael havia se ausentado por uns dez dias, em função de problemas de
saúde (febre, congestionamento nasal e mal-estar) e, ao final da primeira sessão depois de seu retorno, tivemos muita dificuldade para encerrar. Quando
anunciei a proximidade do final da sessão, ele se pôs embaixo da mesa, protestando, ficou descontrolado, chorando e gritando intensamente: “Todos me dizem sim!”
A fim de evitar um embate corporal para retirá-lo do consultório, já que por
meio da palavra ele havia deixado claro que seria impossível, pois o “não” ali era
inconcebível, fui em busca de ajuda junto ao pai dele, que o aguardava na sala
de espera. Ao entrar na sala questionando o que estava acontecendo, Rafael
chorando lhe respondeu que estava ficando rouco. Seu pai então, em tom categórico, ordenou: “Levanta-te já daí porque vamos para o Cruz Azul tomar uma
injeção para tua rouquidão”! Para meu espanto, Rafael atendeu imediatamente o
pai, calando-se, saindo de debaixo da mesa e o acompanhando.
Podemos interpretar esse episódio, tendo como pano de fundo a preponderância do registro do real na vida de Rafael. O que acontece ali é que ele tenta
burlar um limite, que está dado pelo próprio setting do trabalho, que chega um
momento em que termina, apelando ao real de seu corpo, o qual ele argumenta
que está se prejudicando; afinal, ele está ficando rouco, logo, doente. Esse
limite que eu lhe imponho o faz adoecer. O pai, ao responder daquela maneira,
segue na preponderância do registro do real. Ele não consegue considerar a
possibilidade de o filho possuir uma subjetividade; se o considerasse, tomaria a
atitude de Rafael num contexto simbólico; poderia assim pensar em dizer algo
como que compreende que ele estava com saudades de vir ali, já que passou
um tempo ausente, e que quem sabe por isso ele teria gostado de ficar mais,
mas que ele poderá, em poucos dias, voltar...
Outra cena terapêutica que importa mencionar ocorreu durante esse primeiro ano de trabalho, também após um período de ausência no tratamento,
pelo mesmo motivo, ou seja, sintomas de uma gripe. Rafael desenhou uma
escada e disse: “tem que ter cuidado para subir, porque tem perigo!” Além disso,
aparece no desenho uma cama, ele deitado sobre esta, uma tevê, que exibe um
filme que ele denomina: “Do porco”. Diante de minha insistente pergunta de
como se chamava este porco, ele responde: “Filho”!
Posso tomar essa fala como ilustrativa da identificação imaginária que
ele faz, colando-se a esse lugar de filho que lhe está destinado, no discurso de
169
Beatriz Kauri dos Reis e Edson Luiz André de Sousa
seus pais. Ao invés de um nome, lhe transmitem um lugar de objeto. Ao invés de
subir os degraus de uma escada que representa perigo, uma ascensão que não
se sabe aonde o levará, Rafael figura na cama na frente da tevê, tomado pela
imagem do filho.
Ao evitarem o contato do filho com o mundo lá fora, seus pais pensam
que o protegem da morte, e assim o mantêm vivo. Mas, afinal, de que vida se
trata aqui?
São pais que não transitivam, que não dão voz à criança, porque se
assim o fizessem eles próprios ficariam na incerteza, pois quando se “ouve” o
bebê, estamos sempre na dúvida. “Será mesmo disso que se trata”? “Por que
será que ele está chorando”? “Será que está indisposto, porque se cansou e
necessita dormir”? “Ou será que ele está chateado de estar só e agora quer
companhia para brincar”? “O que será que ele está querendo me dizer com
isso”?
Em compensação, se levamos em conta somente um corpo em funcionamento, temos aí quase uma equação lógica. No dizer de Bergès e Balbo, é
um corpo-significante, ou seja, não é um corpo que evoca significados, sentidos. Dito de outra forma, não é um corpo real, recoberto pelo imaginário e
simbólico, como seria de se esperar.
Um dos recursos que introduzimos logo de saída no trabalho foi o desenho. Havia dias em que Rafael vinha mais agitado, falando de forma menos
compreensiva; como eu não o compreendia, comecei a propor que ele me contasse de outra forma o que vinha falando. Propus que ele fizesse um desenho,
mostrando numa imagem a novidade que ele chegava contando. Então ele prontamente sentava junto à mesa de trabalho e se punha a desenhar.
Naquele primeiro dia em que isso aconteceu, ele desenhou um ônibus. A
novidade era, justamente, que ele tinha saído de ônibus com sua mãe. Logo, o
ruído do ônibus já não o invadia mais, como outrora, ou seja, essa era realmente uma grande novidade!
As imagens que ele foi sucessivamente criando, a partir do desenho,
mostravam localidades que ele não só conhecia, mas que também freqüentava
sistematicamente. Eram estas: a cidade natal do pai, que fica no interior do
Estado, onde vivem vários familiares, inclusive os avós paternos; e as praias
em que eles veraneiam. Rafael passou a criar mapas que continham essas
cidades, era uma costura geográfica que ele ia fazendo através da elaboração
desses mapas inventados. Na medida em que ele ia registrando, me pedia para
ficar com esse material e eu permitia. Observava que a confecção dessas ima170
Atopia e deriva...
gens tinham valor de inscrições simbólicas para ele. A invenção do mapa criava
uma linha contínua, que juntava os pedaços, integrando aquilo que antes estava solto, fragmentado. Tais fragmentos eram os passos que ele dava, as
andanças que ele fazia com sua família, ou seja, seu dia-a-dia. Além disso, há
um valor metafórico na construção dessas imagens, pelo que já abordei, no
sentido de dar um norte à sua circulação, mas também porque a palavra mapa
nos remete a mãe e pai. Aqui há uma elaboração de sua origem: “Quem sou
eu?” Essa, aliás, era uma questão já colocada de saída no tratamento, o qual,
diga-se de passagem o auxiliou a direcioná-la.
O interesse dele pela geografia foi se estabelecendo; através da escola
seu conhecimento nessa área foi se ampliando. As aulas de geografia passaram a ter um valor ainda maior e Rafael começou a se mostrar incansável na
pesquisa de novos conhecimentos geográficos. Eu passei a dispor, no consultório, de um atlas para suas consultas. Assim, os mapas passaram a ter um
traçado não mais inventado, e, sim, o traçado adotado passou a ser o do código
universal (ou compartilhado) a que estamos todos referidos.
Parece-me que há propriamente a constituição de uma filiação, processo
simbólico que ainda está em andamento no trabalho clínico. Rafael brinca com
as descobertas que vai fazendo, procurando grandes cidades no atlas, tipo Nova
Iorque, Los Angeles, São Francisco, São Paulo, e investigando se essas são
banhadas por oceanos ou não. Querendo saber sobre o número de habitantes
de cada uma delas, interessado na imensidão das localidades.
Trabalhei também com a escrita, a partir da construção de histórias. No
uso desse recurso clínico ficava evidente a deriva de seu pensamento. A intervenção clínica nesse momento consistia em fazer o registro da história e a
posterior leitura, a fim de que ele talvez pudesse retomar algum trecho, na tentativa de tornar mais compreensivo seu texto.
Naquele momento ele estava cursando a 2ª série do ensino fundamental.
Entrei em contato com sua professora, a fim de discutir com ela a repercussão da
modalidade do pensamento de Rafael na produção escolar. Refiro-me ao transbordamento das idéias no texto, que se apresentam sem nexo, desconectadas, já
que atestam a falta de ordenamento simbólico.
Eis aqui a abordagem da professora:
“[...] Isso foi um pouco difícil no início, porque ele tinha muita tendência a
fazer uma viagem pelos pensamentos e aí trazia coisas que não tinham nada a
ver com as questões do grupo naquele momento, daí a gente tem a questão do
grupo, é preciso estar bem atenta para não criar a idéia de que tudo o que o
Rafael fala é engraçado, não é assim, o Rafael fala coisas importantes, que
171
Beatriz Kauri dos Reis e Edson Luiz André de Sousa
precisam ser ouvidas e respeitadas. A gente tem que fazer essa ponte e ajudálo a se centrar no que estamos falando, no conteúdo”.
Algumas vezes eu pedi para ele ler em voz alta:
“Rafael lê pra “profe” a tua história.
O que é que tem muito aqui neste teu texto?
Rafael: – Ah! pois é, tem de repente, de repente e de repente.
Ela segue me explicando o seu método: – Não que ele fosse mudar
naquele momento, mas a leitura em voz alta fez ele ouvir a própria escrita e se
dar conta daquilo que estava demais no texto”.
A professora demonstra estar atenta às particularidades de Rafael, ela
monta um esquema de trabalho de leitura com a turma, fazendo-os ler em voz
alta, para que a auto-crítica vá se construindo para cada um. Dessa forma, ela
não sai, automaticamente, corrigindo erros. Não, ela faz com que cada aluno se
escute e escute os demais, e que dessa interlocução retorne e sobressaia o
que não está bem, para que possa ser corrigido.
Esses fragmentos ilustram o tipo de intervenção que, calcado no desejo
de ensinar do professor, faz com que Rafael perceba melhor que há uma interpretação, um sentido a ser decifrado nas produções discursivas e que ele precisa estar atento a isso, para construir o seu próprio deciframento.
Nessa conversa com a professora, fico sabendo que Rafael costumava
situar nos seus temas as partes nas quais sua mãe lhe prestava alguma ajuda.
Ele, então, traçava uma seta e escrevia: “Aqui, minha mãe me ajudou.”
Essa parece ser uma saída do engolfamento materno, é um esforço que
ele faz, no sentido de se diferenciar do Outro.
Retomando o caminho das pesquisas do paciente, aparece o seu interesse pela constituição e funcionamento do corpo humano. As aulas escolares
de ciências o estimularam nesse sentido. A partir daí, suas leituras preferidas
passaram a ser aquelas que se referem ao funcionamento dos órgãos internos
que compõem o nosso corpo.
172
Atopia e deriva...
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Beatriz Kauri dos Reis e Edson Luiz André de Sousa
Temos aí uma demonstração do tipo de elaboração que ele vai armando.
Pode-se observar o esforço que ele faz, no sentido de integrar conhecimentos
que ainda não estão consolidados. Por exemplo, quando desenha no interior do
braço uma glândula especial, ou mesmo define um lugar no interior do corpo
para situar o ombro. Ele se esforça para integrar todos os elementos que compõem esse corpo e mesmo não sabendo algumas coisas, as dúvidas não emergem.
Há certa impostura no saber que Rafael constrói, uma vez que ele é
capaz de inventar uma resposta para algo que não sabe. Arma uma saída quando se sente acuado, quer dizer, não conhecer determinada coisa que lhe faz
falta em algum momento poderia funcionar como uma injunção e isso o
desestabilizaria.
É claro que não faz parte da direção da cura, nesse caso, interferir nesse
processo, no sentido de apontar-lhe o erro. Continuo apostando na capacidade
crescente dele em ir lidando com as dificuldades que vão surgindo, na medida
em que vai amadurecendo. Para Rafael, a inteligência é o seu forte, ele reconhece e valoriza muito isso. Através desse traço identificatório, que tomou de seus
pais, professores envolvidos com a produção de conhecimento, ele talvez possa, no futuro, dar-se conta dos furos em seu conhecimento, sem que eles sejam
tomados como rombos diante dos quais ele sucumbiria.
Atualmente se chateia quando não obtém o conceito máximo nas provas.
Ele luta para se alçar aos mais altos vôos, sem desanimar. Está cursando a 8ª
série do ensino fundamental e desde a 5ª série passou a ser avaliado através de
provas, em função da dinâmica da escola que freqüenta.
Nesse momento, seu foco de interesse são carros e ônibus. Isso está,
notoriamente, ligado ao fato de seu pai trabalhar com vendas de automóveis. No
ano passado ele construiu uma maquete, representando uma revenda de carros. Eu o incentivei a trabalhar com sucatas e ele fez essa escolha temática.
Primeiramente, enquanto planejava o trabalho, mencionou a construção de uma
cidade, apresentando suas fronteiras. Mas acabou declinando dessa idéia para
fazer o comércio de carros. Disse-me que faria isso, porque no futuro pretende
ter uma dessas, em sociedade com seu pai.
Observa-se um vacilo seu, entre mexer com algo que o fascina, como as
cidades e suas fronteiras, ou manter-se junto ao pai, continuando e ampliando
um negócio que já é o do pai, preservando-se na atitude paterna. Afirmo isso,
me valendo de uma expressão que ele mesmo utilizou para responder-me sobre
suas preferências quanto aos carros. Ele me dizia que o carro que seu pai
gostaria de ter é uma Ferrari; eu imediatamente interrogo-lhe:
– E tu, qual preferes?
174
Atopia e deriva...
Ele diz:
– Uma Ferrari também, eu tenho a mesma atitude de meu pai.
O diálogo segue:
– E a Ferrari sai da loja a 350km/h.
Ao que eu respondo:
– Mas e a lei? Como poderias desenvolver essa velocidade, se é proibido
andar assim no trânsito?
Ele diz, sem titubear:
– Só num caso de emergência, se eu fico doente e daí precisaria uma
sirene, é que nem uma ambulância!
Como essa, ainda me ocorre outra passagem, em que Rafael me conta
que não terá festa de aniversário nesse ano, em troca ganhará um celular, pois
agora, que fará 12 anos, já pode ter um celular. Antes disso, me explica, não
poderia, pois os olhos de uma pessoa só estão completamente formados aos
12 anos, tanto que um dia ele usou o celular do pai e ficou com os olhos
vermelhos.
Mais uma vez se constata que a lógica de seu pensamento é ordenada
pelo real do corpo. O padrão de amadurecimento nessa família não está dado
pela subjetividade de cada um, e, sim, pelos vestígios de desenvolvimento que
o corpo revela. É uma referência que não passa pelo discurso, e, sim, pela
imagem.
Mesmo assim, Rafael é capaz de construir saídas para seus impas-ses.
Aquele medo que o invadia inicialmente, ao ouvir o barulho vindo da rua, de um
ônibus ou caminhão, dá lugar a uma significação. Ele agora escuta esses ruídos
desde um lugar enunciativo, sabendo da diferença que há entre um veículo, que
tem embreagem automática ou não. Ultimamente, nossos encontros semanais
iniciam com um diálogo em torno do tipo de veículo que eu utilizei para chegar à
clínica. Caso eu responda que fui de ônibus ou de lotação, ele faz questão de
saber de que marca era. Diante de minha ignorância sobre isso, ele me indica
os vários locais situados dentro do veículo que estampam o símbolo da marca
do mesmo. E, por último, ele fala dessa diferença nos motores e embreagens.
Houve um momento, há dois anos e meio atrás, em que os pais estavam
se separando, por iniciativa da mãe. O pai não queria aceitar a decisão dela e
muito insistiu para manter a união. A fim de que Rafael falasse a respeito do
conflito entre os pais, insisti para que ele viesse trabalhar comigo na mesa,
para desenhar ou escrever. É comum ele querer repetir uma brincadeira ou um
jogo de que gosta muito; naquele momento seu interesse estava voltado para o
jogo de boliche e era disso que queria brincar, mas, diante de meu pedido, ele
cede, senta e se põe a escrever:
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Beatriz Kauri dos Reis e Edson Luiz André de Sousa
Era uma vez num lugar muito distante, havia 7 irmãos: Rafael,
João, Henrique, Pedro, Gabriel, Maria e Paula. O amigo de Rafael
era Lucas, irmão adotado. Eles eram alegres, tinha uma piscina,
uma fazendinha e um campo de futebol e ginásio de volêi. Um dia
formaram um clube de futebol chamado Floresta Futebol Clube.
Eles tinham os cachorros Pitu, Pitucha, Bidu, Sumytcher e Pitoco.
Naquele campo de futebol formaram uma pista de atletismo e um
mini-estádio. Esse estádio se chamou Pinheirão dos Jacarés. Só
os meninos jogaram nesse clube de futebol. As meninas junto com
outra irmã adotada Cibele serviam de torcida juntos com os moradores do bairro floresta em Porto Esperança da Alegria. O Bairro
floresta ficava próximo ao bairro paz. Os habitantes do bairro da
paz também torciam pelo FFC. Os pais das crianças eram José e
Anita com a madrasta simpática e carinhosa Bere. Para entrar no
clube precisava de mais quatro jogadores, que vieram do bairro da
Paz. Richard, Vinicius e Luis e Gustavo. Toda a família daqueles
irmãos vivia numa mansão e era Mello dos Santos Oliveira
Brathcovsky. Aquelas crianças estudavam no Colégio (usou o nome
da sua escola e agregou a palavra que segue) da União. E todas
aquelas crianças do FFC, participaram através do CBU com a Copa
Fox Kids, Guri Bom de Bola, E campeonato Gaúcho de Mirins.
Aqui houve uma interrupção da história por falta de tempo para continuála naquela sessão. Foi retomada três semanas depois e finalizada com o parágrafo que segue:
Anita ganhou esses filhos por quê o José tinha percebido um susto
e ganhou tranqüilidade e depois no seu pênis foi reproduzido muitos e muitos espermatozóides. Após isso cada tempo aconteceu
nascimentos. Todos nasceram com parto normal, menos Gabriel e
Pedro que foi cesária. Após isso Bere, a madrasta ofereceu dois
amigos que Rafael queria e se tornou irmãos adotivos.
Os nomes que ele utilizou para representar os personagens são reais, ou
seja, são os nomes de seus colegas e amigos, a maioria que freqüenta, juntamente com ele, uma escolinha de futebol que funciona no seu próprio colégio. O
nome da “madrasta simpática e carinhosa” é o nome de sua mãe, o mesmo
acontece com o pai; já o nome da mãe, na história, ele inventou. O sobrenome
da família é uma junção do sobrenome de solteira de sua mãe e o sobrenome do
176
Atopia e deriva...
pai. Fiz algumas substituições por nomes fictícios e não anexei o desenho ao
texto, em função de não expor, publicamente, o paciente.
Comparativamente às histórias anteriores, pode-se constatar uma organização maior, a explanação das idéias se deu de forma mais compreensiva e
há encadeamento nas frases.
O conteúdo do texto se refere diretamente ao conflito conjugal de seus
pais e sua resolução. Trata-se de um final feliz para algumas de suas próprias
faltas, ou seja, poder ganhar um irmão ou alguns irmãos é um desejo que ele
costuma declarar. Ter cachorros, morar numa mansão, contar com um campo
de futebol para poder jogar com os amigos.
Além disso, formar uma família para o pai, o qual tem se mostrado muito
fragilizado, com o desejo de separação de sua esposa, faz parte da resolução.
Já a mãe permanece com seu filho e os outros dois adotivos. Na realidade, a
mãe tentou uma segunda gestação sem êxito, acontecimento que me parece
ter sido relevante no distanciamento do casal de pais, com o conseqüente desejo de separação da esposa.
O fato de ela não ter um companheiro na história dele, como se lhe bastasse a companhia dos filhos, é mais um elemento significativo. Aponta para o
viés incestuoso que se mantém na relação mãe-filho.
Na verdade, o casal acabou não se separando. O pai parece ter se
infantilizado, passou a ter sintomas psicossomáticos, o que assustou a esposa, que resolveu voltar atrás na sua decisão.
No dia das mães do ano passado, Rafael entregou para sua mãe a seguinte carta:
05/05/05
Mamãe querida,
Estou orgulhosíssimo de ter vivido uma década de esperança
Mas não é até isso que viverei com você, viverei contigo para sempre junto com o melhor perfume do Universo que é tu.
Quando a sua hora chegar eu ficarei tranqüilo a mais uma década
e depois eu já sentirei seu cheiro belo.
Querida lembranças a tu, quando estava dentro da sua casa, que
vivi, já estava tão orgulhoso e mesmo sem a comunicação e já
conheci e amei você. Tempos depois quando resolvi sair de ti e
conhecer o mundo, já liguei pra ti porque já sabia que você é tão
preciosa, mais valiosa que o ouro e o universo. Por isso , desde
que ti conheci já provo que tu nunca estará á venda, esclusive pro
diabólico.
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Beatriz Kauri dos Reis e Edson Luiz André de Sousa
E a melhor mãe do mundo é
TU
E tu terás uma maravilhosa tecnologia de presente5.
Assinado=Seu precioso filho6
É uma carta muito comovente, onde ele dá voz ao amor que sente pela
mãe. A referência à vivência de uma década de esperança ao lado dela refere-se
a seu tempo de vida. Mais uma vez, Rafael se coloca numa posição convicta, ou
seja, não há dúvida de que partiu dele o primeiro contato que teve com sua mãe.
Ele se refere à casa dela, que ele habitava, que na verdade era o ventre da mãe
e que, ao sair de lá, faz um chamado à mãe, lhe telefona. Aqui me parece que
ele está de alguma forma tomado pela imagem do telefone celular, com o qual
está presenteando a ela, no seu dia.
Quanto à frase seguinte da carta, em que ele se refere à impossibilidade
de vendê-la, me parece muito enigmática, ainda mais quando a frase produz um
sentido que, para o diabólico, sim, ela estaria à venda. De qualquer forma, há
uma analogia na série associativa dele em relação à mãe como um objeto, a ser
ou não comercializado. São idéias que me ocorrem a partir, apenas, da leitura
da carta, pois esse foi um material que a mãe me passou.
São muitas as questões que ainda me faço, mas há uma, em especial,
que insiste. Diz respeito à posição de Rafael frente ao desejo de seus pais. Ele
ainda está fixado ao gozo do Outro, ou sua posição de mestria, denota, justamente, a separação e não mais a alienação?
São interrogantes que freqüentemente retornam, mas, ao mesmo tempo,
não me fazem esquecer o desdobramento que esse caso testemunha. Dito de
outro modo, as saídas que o paciente tem sido capaz de construir parecem
emergir de um lugar próprio, lugar enunciativo que o integra num laço social.
Para concluir
Recentemente, Rafael me disse a seguinte frase: “Minha mãe está me
educando”. Nós conversávamos sobre as atividades de que ele têm participado
em seu cotidiano. Do tipo coral da igreja, aulas de teclado, inglês e futesal. Eu quis
saber como ele estava indo a esses lugares e ele me respondeu que vai de transporte escolar, e às vezes sua mãe o leva. E terminou o diálogo com essa frase.
5
Ele está se referindo a um telefone celular que era o presente que ela tinha ganhado, naquela
oportunidade.
6
Mantivemos o texto tal como ele digitou.
178
Atopia e deriva...
Quer dizer que ele está conforme à educação que recebe, sua mãe sabe
o que é melhor para ele, isso é certo. A não ser quando ela o proíbe de fazer algo
que ele quer muito. Nesses momentos, ele recorre a mim para interceder junto
aos pais. Um dia, por exemplo, foi para poder assistir ao último filme de Harry
Potter. Outra vez, era para o seu pai autorizá-lo a trazer seus legos para a
sessão. Eu o ajudo a fazer valer sua palavra, junto aos pais, uma vez que o
trabalho que se fez com eles, até então, não surtiu tanto efeito. É um casal que
resiste, intensamente, em se deixar atravessar pela falta.
Esse é um caso que talvez permita ainda, muito rapidamente, articular os
conceitos lacanianos de fronteira-litoral, tomando, por exemplo, o desenho que
vimos, anteriormente, que mostra o corpo humano. Há ali a elaboração de uma
borda litorânea, na medida em que faz limite entre o corpo e o mundo, duas
naturezas tão diversas. Aquela imagem do corpo humano mostra um traçado
contínuo, por que não dizer, moebiano, sem separação entre um dentro e um
fora, é uma demonstração transparente. Já a fronteira aparece constituída em
seus desenhos geográficos, aqueles que limitam territórios, são divisores de
águas, contornos organizadores.
Retomando a frase: “Minha mãe está me educando”, ressalto o seu caráter emblemático, pois atesta que o desejo materno deixa de ser um enigma para
ser uma determinação.
Bem, mas é hora de colocar um ponto final no texto, não diria o mesmo
sobre a pesquisa. Na medida em que o trabalho continua, e agora de uma forma
mais iluminada. Esta reflexão foi um exercício capaz de lançar-me revigorada
numa via de reconhecimento da trajetória de alguém que vivia numa atopia,
parafraseando Charles Melman (2002), para inaugurar uma possibilidade de existência.
REFERÊNCIAS
BALBO G.; BERGÈS J. A criança e a psicanálise. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
_________ Jogo de posições da mãe e da criança; ensaio sobre o transitivismo.
Porto Alegre: CMC, 2002.
_________ Seminário 2 , Há um infantil da psicose? Porto Alegre: CMC, 2002.
_________ Psicose, autismo e falha cognitiva na criança. Porto Alegre: CMC, 2003
(a).
_________ Há um infantil da psicose? Porto Alegre: CMC, 2003 (b).
LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função eu [je] [1936]. In: Escritos.
Rio de Janeiro: J. Zahar Ed., 1998. p. 96-103.
LACAN, J. O seminário, livro 5: as formações do inconsciente [1957-58]. Rio de
Janeiro: J. Zahar Ed., 1995.
MELMAN, C. Novas formas clínicas no início do terceiro milênio. Porto Alegre: CMC,
2003.
179
Beatriz Kauri dos Reis e Edson Luiz André de Sousa
WALLON, H. As origens do caráter na criança.[1934]. São Paulo: Nova Alexandria,
1995.
Recebido em 30/11/2007
Aceito em 25/01/2008
Revisado por Inajara Erthal Amaral
180
Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 33, p. 181-187, jul./dez. 2007
VARIAÇÕES
O OUTRO INSTITUCIONAL:
GOZO E ANGÚSTIA NAS
RELAÇÕES DE TRABALHO 1
Rosana de Souza Coelho2
N
o início do artigo intitulado Um sujeito para o objeto, Roland Chemama
questiona se o sujeito de que trata a psicanálise é historicamente determinado. A partir daí, ele vai desdobrando respostas até formular a questão principal
de seu texto: “Com que sujeito a psicanálise lida hoje?” (Chemama, 1997, p.
25).
Procurando dar resposta a ela, se ocupa, até o final do artigo, em nos
lembrar que o imperativo de consumo ditado pelo capitalismo moderno impõe a
abolição da operação metafórica na relação com o objeto, e que tal imposição
certamente não resulta sem conseqüências na subjetividade, uma vez que o
sujeito não é assimilável pura e simplesmente a um objeto de troca e nem tem
acesso, na troca, ao que vale para ele como objeto a.
De fato, à descoberta freudiana de que o neurótico se desloca, de objeto
em objeto, na busca do objeto para sempre perdido, veio somar-se a proposição
lacaniana de que esse deslocamento não se dá no vácuo, mas se enlaça ao
discurso social vigente em determinada época.
A fim de identificar qual discurso estaria no seio do capitalismo moderno,
Lacan formula o discurso do capitalista, o qual pretende, de certa forma, substituir o discurso do mestre, inicialmente pensado por ele. Há duas distinções,
1
Trabalho apresentado nas Jornadas Clínicas da APPOA – Angústia, realizadas em Porto Alegre,
outubro de 2007.
2
Psicanalista; Psicóloga; Consultora Institucional. E-mail: [email protected]
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181181
Rosana de Souza Coelho
entre os discursos do mestre e do capitalista, que são importantes para o que
nos ocupa neste trabalho.
Uma delas é a ausência de disjunção, de barramento entre sujeito e
objeto, já referida anteriormente na citação do texto de Chemama. A outra é a
que aponta Marcos do Rio Teixeira, no texto O espectador inocente (1997). Ali,
Teixeira nos lembra que enquanto o discurso do mestre referia-se a um momento histórico no qual o domínio do mestre sustentava-se na tradição, e não no seu
esforço pessoal, o discurso do capitalista nos coloca “diante de um mestre que
não precisa da força simbólica da tradição para impor o seu domínio; ele se
impõe como mestre apenas por sua vontade de lucrar e pela sua capacidade de
acumular. Ou seja, exerce o seu domínio enquanto sujeito”, o que é enfatizado
por Lacan com a escrita de “S” barrado no lugar reservado ao agente do discurso, ficando o significante mestre S1 – que seria a força simbólica do trabalho –
colocado sob a barra (Teixeira, 1997, p. 74). Importante ressaltar que, quanto ao
discurso do capitalista, compartilhamos o entendimento do autor supra-citado
de que, ao formulá-lo, Lacan pretende nos mostrar que “S” barrado exerce o seu
domínio enquanto sujeito, mas se apresenta como indivíduo, uma vez que imaginariamente se supõe como não barrado (Teixeira, 1997, p. 75).
Sabemos que, por razões de estrutura, o Outro ocupa para o sujeito o
lugar em que ato e palavra colocam-se como verdadeiros ou não, e que sua
incidência produz efeitos nas escolhas do sujeito, ao se manifestar metaforicamente em figuras tais como “Justiça”, “Pátria”, “Deus”, etc. Sabemos, ainda,
que no plano da realidade também podemos apreender concretamente esse
Outro através de seus representantes de carne e osso3.
Vou me apoiar nesse conceito lacaniano para articular teoricamente o
que denomino como Outro Institucional, e cuja representação irei situar na figura do chefe.
Ajustando agora o foco, pergunto: quais os efeitos que o comportamento
desse sujeito-indivíduo pode provocar quando, ao vestir a roupagem de Outro
Institucional, ele confunde seu apetite de gozo pessoal com o simbólico da
investidura?
Para tecer algumas considerações que possam nos fazer avançar em
possíveis respostas, tomarei o fragmento de uma situação que acompanhei
3
Compartilho aqui do entendimento de Ricardo Estacolchic (1997), presente no interessante
texto Corrupção. Tomando o referencial teórico da psicanálise, Estacolchic lembra que, por
sermos seres falantes, em nosso cotidiano está sempre presente simbolicamente o que ele
denomina de “instância Terceira”, responsável por regular as relações legais entre os sujeitos.
182
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O Outro institucional...
através de atendimentos a uma funcionária, no ambulatório de uma empresa
pública. Chamarei a funcionária pelo nome de Vera.
Vera trabalha na empresa há dezoito anos. Iniciou no setor operacional e
há cerca de seis anos foi transferida para um dos setores de manutenção, sem
a concordância de seu chefe, o qual a aceitou por imposição da gerência de
recursos humanos. Vera inicia o trabalho em um grupo predominantemente de
homens, e, por força do cargo que ocupa, vem a desempenhar as mesmas
tarefas que seus colegas.
Desde o primeiro atendimento, Vera queixa-se bastante, e suas queixas
dirigem-se ao que ela denomina “covardia das chefias”, “atos de abuso de poder
e preconceito”, dirigidos a ela, por ela “ser uma mulher e não compactuar nem
aceitar estes abusos”. Diz que por várias vezes seu chefe lhe sugeriu a troca de
setor, alegando que ela “não tinha jeito para aquele trabalho e que aquelas tarefas não eram trabalho para mulher”. Chora muito ao falar de tudo isso, diz que
está adoecendo, que se sente desmotivada e desinteressada pelo trabalho.
Pergunto-lhe em que situações a covardia, o abuso de poder e o preconceito aparecem. Vera exemplifica com situações vividas ao longo desses seis
anos, principalmente na relação com seu chefe. Fala que ele não responde aos
seus cumprimentos de “bom dia” ou de “até logo” e que em determinada ocasião
estava ela sozinha em uma sala quando esse chefe abriu a porta, olhou para
dentro da sala e comentou: “É, a sala está vazia”, fechando a porta em seguida.
Numa outra ocasião, ao realizar um trabalho em dupla com um colega, obteve
desse chefe que a observava o seguinte comentário: “tem atividades que realmente não são para mulheres”. Ainda segundo Vera, em outros momentos era
sua sexualidade que se tornava alvo de comentários, quer seja através de insinuações sobre homossexualidade ou sobre prováveis relações amorosas com
colegas de trabalho. Vera reagia, apontando as falhas da empresa e as deficiências no desempenho gerencial desse chefe e dos outros colegas, na maioria
das vezes, revidando a esses insultos de forma direta.
O conteúdo manifesto da fala de Vera apresenta sempre críticas a respeito do desempenho e do caráter de sua chefia, mas o sofrimento e a angústia
presentes em sua fala deixavam entrever um pedido de olhar e de reconhecimento.
Entretanto, era enquanto objeto no campo desse Outro que Vera lhe endereçava este pedido, não só através da extrema preocupação em atender a
suas expectativas, realizando uma busca compulsiva de conhecimento técnico;
como também pela interrogação sobre como se comportar para satisfazê-lo,
pois, ao mesmo tempo em que lhe apontava as falhas, ela dizia angustiada: –
“Tudo bem, eu não sou sempre certa, mas se ele acha que eu estou errando,
183
Rosana de Souza Coelho
me explica como fazer certo” ou “Por que ele não me diz como que eu devo
fazer?”.
Aqui, escuto ecoar o “Che vuoi?” lacaniano: “Que queres?”, O que quer
esse Outro de mim, enquanto objeto de seu desejo? Como aponta Lacan ([196263] 2005), “não se trata apenas de ‘Que quer ele comigo?’, mas também de uma
interrogação em suspenso, que concerne diretamente ao eu: Que quer ele a
respeito deste lugar do eu?” (p. 14). Uma interrogação que vem tentar dar conta
do momento em que o sujeito se vê em uma posição, que torna “ao mesmo
tempo, homólogas e distintas, a relação com o desejo e a identificação narcísica”
(p. 15).
Pergunto se não há possibilidade de mudar-se para outro setor. E se há
essa possibilidade, porque ela não o faz. Vera me olha, balança a cabeça de
forma negativa e responde: “Só saio dali morta! (sic)”.
O que a impede de mudar-se de setor e mesmo sair dessa empresa?
Certamente não só algo da ordem da necessidade, embora saibamos que essa
também tem o seu peso.
Podemos pensar que Vera, enquanto sujeito, vacila entre a assunção de
seu desejo de reconhecimento e a identificação com a imagem desse objeto
que lhe é demandado pelo Outro, um objeto depreciado e morto. Capturada por
essa imagem, insiste sintomaticamente em permanecer sob o jugo desse chefe. “E o sintoma em sua natureza é gozo”, (Lacan, [1962-63] 2005, p. 140), é
aquilo que, distinto do desejo, busca incessantemente ultrapassar a barreira do
princípio do prazer em direção à morte.
A partir desse entendimento, não obstante a expectativa de Vera por uma
ação direta e que resolva o seu problema, proponho continuarmos o atendimento e procuro privilegiar a escuta do sujeito. Escutar sua história e seus desejos.
Vera fala de um casamento que acabou e que era insatisfatório sexualmente. Conta-me que tem relação distante com sua mãe, a qual, diz ela, sempre preferiu sua irmã e seu irmão. Fala pouco da relação com seu pai, descrevendo-o como “um cara carinhoso, só que muito na dele”. Na transferência comigo, transitava entre a sedução e a agressividade, mas invariavelmente me
pedia a confirmação de seus atos. Pedia também para eu agir de forma a intervir
diretamente na situação que a levou a me procurar, sugerindo, por exemplo, que
eu desse um parecer afirmativo sobre a incompetência de seu chefe. Em outros
momentos, sugeria que eu propusesse um treinamento para que ele mudasse
seu comportamento ou falasse com as chefias do escalão acima, para resolverem o problema, já que ela não era recebida por eles.
A cada atendimento, procurava escutar o que era da ordem de sua estrutura e o que dela fazia laço na relação com a demanda desse Outro Institucional,
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O Outro institucional...
uma demanda à qual Vera preferia atender a ter que se deparar com sua castração, pois, como nos diz Lacan, o sujeito quer que lhe seja demandado algo,
mas não quer pagar com sua castração.
Isso se apresentava principalmente quando, em meio às queixas e acusações que fazia ao seu chefe, eu retomava a questão da mudança de setor ou
quando ela própria o fazia, considerando um convite que recebeu de um outro
setor. Nesses momentos, um duplo movimento surgia: a consideração de uma
“saída” através da mudança de setor e a conseqüente negação desta, através
de expressões como: “Se eu sair, fica parecendo que o problema sou eu” ou,
mais explicitamente: “Eu não tenho que sair, pois o problema não sou eu”. Aqui,
vemos um recuo, mas diante do que Vera recua? Contamos com Lacan ([196263] 2005) para termos a resposta:
Aquilo diante do que o neurótico recua [...] é fazer da sua castração algo positivo, ou seja, a garantia da função do Outro, desse
Outro que se furta na remissão infinita das significações, desse
Outro em que o sujeito não se vê mais do que como um destino,
porém um destino que não tem fim, um destino que se perde no
oceano das histórias (p. 56, grifo meu).
Da mesma forma, quando conversei com o chefe de Vera sobre essa
situação, a responsabilidade pelos conflitos e mal-estares presentes no setor
era toda depositada nela, quer seja pelo entendimento de que “é ela quem briga
com todos os colegas”, pelo seu comportamento considerado “louco” ou ainda
por suas “atitudes inadequadas para uma mulher”.
Assim, havia uma relação de cumplicidade que alimentava esse gozo
compartilhado: de um lado, Vera preferia gozar como objeto do “Grande Chefe”,
mesmo que ao preço de só aparecer enquanto objeto depreciado e morto, e, de
outro, esse chefe, que precisa afirmar continuamente o status desse objeto,
para assim exercer toda a sua vontade de gozo, afirmar a virilidade a toda
prova.
Mas, na continuidade dos atendimentos, Vera me conta que decidiu aceitar o convite que recebera anteriormente de um outro setor da empresa, local
em que, segundo ela, o clima de trabalho é melhor e ela poderá colocar em
prática seus conhecimentos técnicos. Apesar de ainda demonstrar grande preocupação em como seria recebida no novo setor, Vera informou a seu chefe
sobre sua decisão e esse a autorizou a definir com o outro setor como e quando
se daria a troca. Vera então combina uma reunião com os envolvidos na troca
para acertarem tudo.
185
Rosana de Souza Coelho
Curiosamente, logo após Vera ter me informado sobre sua decisão de
trocar de setor, seu chefe me procura para falar sobre as “atitudes obscenas
dela” (sic). Nessa ocasião, conta com detalhes e gestos, uma situação na qual
Vera teria dito palavrões e feito gestos obscenos para um colega de trabalho.
Disse que “foi cobrado pelo grupo” quanto à atitude de Vera e conversou com
ela, mas não conseguiu que o ouvisse. Disse ainda que só estava me contando
isso porque se preocupa com ela e com a recepção que poderá ter no outro
setor. Digo-lhe que entendo sua preocupação, mas que essa parece ser uma
questão que diz respeito agora a Vera e a seus futuros colegas de trabalho.
Um dia antes da reunião, é Vera quem me procura no ambulatório, em um
momento em que não posso atendê-la. Vou até a recepção para lhe dizer isso e
percebo que está angustiada, queixa-se de que seu chefe a abordou, cobrandolhe a data de sua saída do setor. Repete para mim várias vezes que é ela quem
vai decidir a data e que, inclusive, pode mudar de idéia, se quiser. Limito-me a
reforçar o que ela mesma me disse sobre a decisão da mudança de setor ter
partido dela.
Poucos minutos depois, o chefe de Vera também me procura e me diz
que ela mudou de idéia, que não vai mais sair do setor. Pergunto-lhe o que o faz
pensar assim e ele então me diz que a abordou para perguntar-lhe sobre a
mudança de setor e ela lhe respondeu que só vai se ela quiser. Proponho que
aguarde a reunião, conforme o combinado, e que nela certamente poderão fazer
as definições sobre isso.
Parece que aqui, na iminência do desfecho desse script, tanto o sujeito
quanto o Outro se angustiam4, revelando o que Lacan ([1962-63] 2005) pontuou
sobre esse modo tão absoluto de comunicação entre eles, que indica o quanto
essa angústia lhes é comum. Angústia que surge a partir da castração imaginária, a qual “aparece ali a partir do momento e na medida em que o registro da
demanda tenha se esgotado” (Ibid, p. 63).
Angústia cuja presença sinaliza “a falta de apoio dada pela falta” (p. 64).
Falta do objeto a no campo do Outro. Esse objeto que resiste à “significantização”,
mas que por isso mesmo vem a se mostrar constitutivo do sujeito desejante,
que precisa desse tempo para fazer seu aparecimento, que aparece justamente
depois de superado o tempo da angústia.
4
Aqui, sigo Lacan quando no capítulo IX do seminário A Angústia, ao se ocupar do acting out e
da passagem ao ato, ele discorre sobre a função da angústia. Porém, é importante ressaltar que,
conceitualmente, quem se angustia com o desfecho do script é o sujeito – chamado por mim de
Vera – e o outro, o semelhante, representado pela figura do chefe.
186
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O Outro institucional...
Angústia que sinaliza essa falta com que tem que se haver o “Grande
Chefe”, pois o objeto morto resolveu ganhar vida e mudar de setor.
Angústia que também sinaliza a falta em Vera, a qual precisa sustentar o
seu desejo de construir relações outras a partir de seu ser. Desejo que precisou
“passar” pelo gozo e superar o “tempo da angústia” para se constituir (Lacan,
[1962-63] 2005, p. 193).
Através da situação circunscrita no fragmento que lhes trouxe, procurei
contribuir para que a angústia que vem se instalando cada vez mais amiúde nas
relações de trabalho tenha mais visibilidade, pois cotidianamente ela parece
passar despercebida ou situada somente como um problema particular de quem
a sente na pele. No primeiro caso, disfarçada pela aparente felicidade que a
posição de objeto confere a alguns trabalhadores. No segundo, reduzida a uma
estatística de casos de doenças psicossomáticas e descompensações psíquicas, cujas causas os especialistas situam como casos que resultam de certa
fraqueza pessoal.
Utopias à parte – ou talvez nem tanto – penso que a escuta da angústia
que habita a clínica, bem que poderia estar mais presente nessas relações, para
servir-se dela na justa medida em que pudesse ajudar o sujeito a resistir à tentação
de organizá-la através dos manuais de reengenharia e de qualidade total.
Até porque, quanto a isso, Freud não nos poupa da lembrança de que
esses “Manuais para a Vida” ficam logo desatualizados, e que, no final das
contas, apesar de podermos cantar alto para negar nossos temores quando
formos surpreendidos pela noite, isso não nos fará enxergar nada mais do que
um palmo adiante do nariz.
REFERÊNCIAS
CHEMAMA, Roland. Um sujeito para o objeto. In: GOLDENBERG, Ricardo. Goza!
Capitalismo globalização psicanálise. Salvador: Ágalma. 1997.
ESTACOLCHIC, Ricardo. Corrupção. In: GOLDENBERG, Ricardo. Goza! Capitalismo
globalização psicanálise. Salvador: Ágalma. 1997.
FREUD, Sigmund. Inibição, sintoma e angústia (1926 [1925]). In: ______. Edição
standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
1976.
LACAN, Jaques. O seminário, livro 10: a angústia [1962-63]. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2005.
TEIXEIRA, Marcus do Rio. O espectador inocente. In: GOLDENBERG, Ricardo. Goza!
Capitalismo globalização psicanálise. Salvador: Ágalma, 1997.
Recebido em 06/11/2007
Aceito em 07/01/2008
Revisado por Siloé Rey
187
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Ex: Freud ([1914] 1981).
As citações textuais serão indicadas pelo uso de aspas duplas, acrescidas dos seguintes dados, entre parênteses: autor, ano da edição, página.
V REFERÊNCIAS
Lista das obras referidas ou citadas no texto. Deve vir no final, em ordem
alfabética pelo último nome do autor, conforme os modelos abaixo:
OBRA NA TOTALIDADE
BLEICHMAR, Hugo. O narcisismo; estudo sobre a enunciação e a gramática inconsciente. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
LACAN, Jacques. O seminário, livro 5: as formações do inconsciente
[1957-1958]. Rio de Janeiro: J. Zahar Ed., 1999.
PARTE DE OBRA
CALLIGARIS, Contardo. O grande casamenteiro. In: CALLIGARIS, C. et
al. O laço conjugal. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1994. p. 11-24.
CHAUI, Marilena. Laços do desejo. In: NOVAES, Adauto (Org). O desejo.
São Paulo: Comp. das Letras, 1993. p. 21-9.
FREUD, Sigmund. El “Moises” de Miguel Angel [1914]. In: ______. Obras
completas. 4. ed. Madrid: Bibl. Nueva, 1981. v. 2.
ARTIGO DE PERIÓDICO
CHEMAMA, Roland. Onde se inventa o Brasil? Cadernos da APPOA,
Porto Alegre, n. 71, p. 12-20, ago. 1999.
HASSOUN, J. Os três tempos da constituição do inconsciente. Revista
da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Porto Alegre, n. 14, p. 43-53, mar.
1998.
ARTIGO DE JORNAL
CARLE, Ricardo. O homem inventou a identidade feminina. Entrevista
com Maria Rita Kehl. Zero Hora, Porto Alegre, 5 dez. 1998. Caderno Cultura, p.
4-5.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
KARAM, Henriete. Sensorialidade e liminaridade em “Ensaio sobre a
cegueira”, de J. Saramago. 2003. 179 f. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária). Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre. 2003.
TESE DE DOUTORADO
SETTINERI, Francisco Franke. Quando falar é tratar: o funcionamento da
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Lingüística Aplicada). Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do
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DOCUMENTO`ELETRÔNICO
VALENTE, Rubens. Governo reforça controle de psicocirurgias. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff01102003 23.htm>. Acesso
em: 25 fev. 2003.
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Revista n.° 33 - APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre