UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
Gilda Maria Pitombo Mesquita
A ORFANDADE NA PSICANÁLISE: CONEXÕES COM O MITO DE ÉDIPO
Rio de Janeiro
2008
GILDA MARIA PITOMBO MESQUITA
A ORFANDADE NA PSICANÁLISE: CONEXÕES COM O
MITO DE ÉDIPO.
Dissertação apresentada ao curso de Pósgraduação em Psicanálise, Saúde e Sociedade
da Universidade Veiga de Almeida, como
requisito parcial à obtenção do grau de Mestre.
Área
de
concentração:
Subjetividade
Práticas da Ciência da Saúde.
Orientador: Antonio Quinet
Rio de Janeiro
2008
nas
Mesquita, Gilda Maria Pitombo
B419a
A orfandade na psicanálise: conexões com o mito de Édipo /
por Gilda Maria Pitombo Mesquita. — 2008.
XIII, 65 f.; 30cm
Digitado (original)
Dissertação (mestrado em Psicanálise) — Universidade Veiga
de Almeida, Departamento de Psicologia, Psicanálise, Saúde e
Sociedade, Rio de Janeiro, 2008.
“Orientação: Prof. Dr. Antonio Quinet, Curso Psicanálise,
Saúde e Sociedade”.
1. O mito de Édipo. 2. Constituição do sujeito.
3. Alienação. 4. Separação.
Dissertações acadêmicas. I. Quinet, Antonio (orientador). II.
Universidade Veiga de Almeida, Departamento de Psicologia,
Psicanálise, Saúde e Sociedade, Rio de Janeiro.
I. Título.
CDD —
GILDA MARIA PITOMBO MESQUITA
A ORFANDADE NA PSICANÁLISE: CONEXÕES COM O MITO DE ÉDIPO.
Dissertação apresentada ao curso de Pósgraduação em Psicanálise, Saúde e Sociedade da
Universidade Veiga de Almeida, como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre. Área de
concentração: Subjetividade nas Práticas da
Ciência da Saúde.
Aprovada em 10 de outubro de 2008–15–30.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Quinet
Universidade Veiga de Almeida
___________________________________________________________________
Profª Dra. Glória Sadala
Universidade Veiga de Almeida
___________________________________________________________________
Profª Dra. Nadiá Ferreira
Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ
Aos homens da minha vida:
Ao meu pai Cláudio, pelas memórias deixadas.
Ao Marcos, pelo carinho e companheirismo nesta trajetória.
Aos meus filhos, Eduardo e Rodrigo, pelos homens que se revelaram nesta
caminhada.
AGRADECIMENTOS
Freud, no ensaio sobre a Transitoriedade, escrito em 1915, defende que aquilo que
amamos e admiramos é valorado pelo seu caráter transitório, ou seja, a constatação
da finitude faz com que possamos apreciar com intensidade as experiências únicas
em nossas vidas. Considero esse percurso transitório do mestrado com essa
conotação preciosa, pois a partir dessa experiência, algo mudou profundamente em
mim.
Agradeço à criatividade do orientador Antonio Quinet que muito me ajudou com seu
brilhantismo a avançar e superar as dificuldades nos momentos de paralização.
A analista Denise Maurano, por ter participado do exame de qualificação e ter
acrescentado tanto conteúdo sobre a tragédia na discussão. Agradeço também pelo
acolhimento nos momentos de impasse com a sua sensibilidade e inteligência.
Glória Sadala, pela sabedoria de sempre e com uma frase que muito me marcou:
“Toda pesquisa nasce de uma exigência vital”.
Vera Pollo, pelo seu carinho, delicadeza e seu acolhimento num momento de muita
aflição e dificuldade no percurso do mestrado.
Yolande Lisbonne, Adelina Freitas e Sônia Borges, pelas contribuições e indicações
pertinentes ao estudo.
A Nadiá, por ter aceito compor a banca de defesa desta dissertação
A uma amiga em especial desde a graduação na UFRJ e que neste percurso não
mediu esforços para me ajudar nas pesquisas e sempre esteve ao meu lado,
Christiane Zeitoune.
A uma outra amiga dessa época, pelo carinho de sempre, Edna Sarmento.
Às colegas do curso do Mestrado, em especial a Ruth Cristina, uma grande amiga
que me chamou para participar do mestrado; Eliane Aloe, Eliane Brandão, Alzira e
Marli, pelas amizades recentes.
Às revisoras e amigas, Rosanne Grippi e Bianca Dieke.
A KWAY, pela atenção incondicional de Ana Cristina.
E em especial, a uma mulher pela sua paixão à vida, minha mãe Marlene.
É desde a relação imaginária primitiva, aquela por onde a
criança é doravante introduzida a este mais-além da mãe,
que o sujeito vê, toca, experimenta o fato de que o ser
humano é um ser privado e um ser abandonado.
LACAN, 1956-1957.
RESUMO
Este trabalho é uma pesquisa sobre a questão da orfandade na psicanálise.
Associamos esse termo ao conceito de desamparo — Hilflosigkeit — em Freud. Com
esse eixo, propomos uma releitura da peça de Sófocles, Édipo Rei, enfocando seu
abandono pelos pais. Em seguida estudamos os textos de Freud em que consta o
conceito de desamparo à luz dos comentários de Jacques Lacan. Complementamos
nossa pesquisa com os conceitos de alienação e separação como operações de
causação do sujeito. Concluímos que a orfandade é estrutural, foi vinculada à
operação de separação do sujeito em relação ao Outro — evidenciando a falta no
Outro e consequentemente do Outro.
Palavras-chave: Édipo; desamparo; orfandade; constituição subjetiva.
RÉSUMÉ
Cet travail est une recherche sur la question de l’orphelinage en
psychanalyse. Nous avons associé ce terme à la notion de détresse — Hilflosigkeit
— avec Freud. Avec cet axe, nous proposons une relecture de la pièce de Sophocle,
Œdipe Roi, en se concentrant sur son orphelinage par les parents. Ensuite, nous
avons étudié les textes de Freud dans lesquels figure la notion de détresse à la
lumière des commentaires de Jacques Lacan.
Nous avons complété nos recherches avec les concepts d'aliénation et de
séparation comme opérations de causalité du sujet. Nous avons conclu que
l’orphelinage est d'ordre structurel, qu’il a été lié à l’opération de la séparation du
sujet par rapport à l’Autre — mettant en évidence le manque en l'Autre et par
conséquent de l'Autre.
Mots-clé: Oedipe; orphelinage; détresse; constitution subjective.
Sumário
INTRODUÇÃO
11
1 ÉDIPO: DE SÓFOCLES A FREUD
15
1.1 O DESEJO DO OUTRO E O ENIGMA DA ESFINGE
19
1.2 ÉDIPO: O ESTRANHO FAMILIAR
23
2 CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: RELAÇÃO DO DESAMPARO E DA
ORFANDADE NA PSICANÁLISE
26
2.1 DESAMPARO: A FALTA DO OUTRO
28
2.2 DESAMPARO: A OPACIDADE DO DESEJO DO OUTRO
33
2.3 DESAMPARO E ANGÚSTIA
37
2.4 O CONCEITO DO OUTRO
38
2.5 A RELAÇÃO DO SUJEITO COM A ORFANDADE E A CASTRAÇÃO 46
2.6 ROMANCES FAMILIARES: UMA RESPOSTA AO DESAMPARO
3 ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO: A DUPLA CAUSAÇÃO DO SUJEITO
52
56
3.1 A QUESTÃO DO SUJEITO
57
3.2 ALIENAÇÃO: O VIR-A-SER DO SUJEITO
59
3.3 A OPERAÇÃO DE SEPARAÇÃO
62
CONCLUSÃO
65
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
68
APÊNDICE
75
ANEXOS
76
INTRODUÇÃO
Propomos neste trabalho pesquisar de que maneira a questão da orfandade
pode ser lida numa dimensão que não é só contingente à história do sujeito, mas
inerente à condição humana e, neste sentido, como a orfandade se aproxima do
conceito de desamparo, que é atravessado na obra freudiana e comentado por
Lacan.
A psicanálise nos auxilia profundamente na verificação da questão do
desamparo, posição do sujeito diante de um Outro onipotente que pode deixá-lo.
Entendemos que as conexões com o mito de Édipo vêm ao encontro do que
queremos demonstrar: a mudança de posição da criança Édipo na posição de
orfandade, visto que foi rejeitado por seus pais, Jocasta e Laio, para a de sujeito da
sua história na relação com Mérope e Pôlibo, seus pais adotivos.
Uma vez submetido à ordem simbólica, o sujeito através da fantasia vai tentar
dar conta do real que se apresenta em relação ao desamparo. A questão importante
a ser investigada em nosso trabalho é se a criança teve um lugar no desejo do Outro
e qual é esse lugar. É a partir da relação com esse Outro, do desejo e das fantasias
em jogo nessa relação, que o sujeito se constitui como sujeito dividido, sujeito
desejante.
Podemos inferir que a orfandade é um estado no qual está em causa a
separação das figuras parentais. Os romances familiares estão diretamente
associados a esse significante ‘orfandade’ na medida em que o que está em questão
é a separação dos pais idealizados da primeira infância. Segundo Freud
(1909[1908]), em Romances Familiares, cada sujeito repete na sua história a
vivência edípica e se interroga sobre sua origem. O autor atribui a fantasia de
12
adoção à criança que se sente negligenciada ou mal amada pelos pais ou quando
começa a duvidar das qualidades destes, então os comparando aos outros pais, a
criança os substitui imaginariamente por figuras que lhe sejam mais atraentes: “O
Imperador e a Imperatriz (ou o Rei e a Rainha), via de regra, realmente representam
os pais daquele que sonha, e um Príncipe ou Princesa representam aquele que
sonha” (FREUD, 1909[1908], p.376). Essas fantasias estão a serviço dos desejos
edipianos, pois, ao imaginar ser filho de outra família, a criança pode minimizar as
culpas advindas dos desejos incestuosos vividos na relação com os pais.
Em Interpretação dos Sonhos, Freud (1900) evoca a tragédia grega Édipo
Rei, de Sófocles, para explicar o nó dos impulsos psíquicos que determinarão o
aparecimento posterior das neuroses; ele associa a atração e a hostilidade em
relação à mãe e ao pai como suas determinantes. Essa descoberta, cujo alcance lhe
parece amplo, encontra sua confirmação no mito de Édipo, o qual analisaremos no
primeiro capítulo.
A partir do estudo sobre a tragédia de Édipo, aprofundaremos as questões
relativas ao pai, vinculando-o com a função da lei, bem representada em outro mito
freudiano: Totem e Tabu (FREUD, 1913[1912-1913]). Detalharemos o pensamento
freudiano fazendo uma relação com a questão da orfandade, uma vez que, como
Édipo, todos nós nos interrogamos em relação ao nosso lugar na filiação, ou melhor,
nosso lugar em relação ao Outro, que não nos garante absolutamente nada.
No segundo capítulo, percorreremos a obra de Freud focalizando os
enunciados acerca do problema do desamparo, assim como os comentários de
Lacan (1956/1957), em O Seminário 4: a relação de objeto, onde nos ensina que
inicialmente para a criança o objeto é real e o agente — função materna — é
simbólico. É no movimento da mãe, no sentido de satisfazer a necessidade da
criança, que podem aparecer os buracos, as carências, já que a mãe não atende
totalmente à criança, mas já aparecendo aí uma marca de satisfação.
Quando o agente (a mãe) não atende ao apelo, torna-se poderosa por ter o
privilégio de satisfazer as necessidades (tem o poder de dar ou não dar). É com a
entrada da função paterna, no complexo de Édipo, que a criança pode assumir o falo
como significante e reconhecer que ela não é o único objeto da mãe e que ela
própria é privada desse objeto. É nessa relação que “tira e dá” que se configura a
dimensão do pacto de uma interdição, de uma lei.
13
É através da imagem do outro que o sujeito vai ascender à sua identidade
percebendo o seu semelhante sob a forma do outro especular, de sua própria
imagem. Lacan faz intervir a função primordial da imagem do outro como elemento
indispensável para dar antecipadamente à criança a experiência da unidade de seu
próprio corpo. Nessas condições, a elaboração de suas hipóteses sobre o “estádio
do espelho” visa mostrar a constituição fundamentalmente imaginária do eu.
A importância do estádio do espelho está ligada à prematuração específica do
nascimento do ser humano. O bebê, logo que nasce, assim como nos primeiros
meses de sua vida, é totalmente dependente do outro. Nascemos totalmente
desamparados. Existe um inacabamento anatômico e motor inerente à espécie
humana.
(...) O estádio do espelho é um drama cujo impulso interno se precipita da
insuficiência à antecipação — e que para o sujeito, preso a uma ilusão
parcial, maquina as fantasias que se sucedem de uma imagem
despedaçada do corpo a uma forma que chamaremos ortopédica de sua
totalidade — e à armadura enfim assumida de uma identidade alienante que
vai marcar, com sua estrutura rígida, todo o seu desenvolvimento psíquico.
(LACAN, 1949, p.100).
Lacan (1949) fala de uma deficiência biológica nesses primeiros meses de
vida. O bebê está indiferenciado de seu mundo externo, vivencia o seu corpo como
despedaçado, fragmentado em sensações dispersas. Logo, o bebê depende do
desejo do adulto para que possa construir uma imagem, uma unidade, ao que antes
era uma dispersão ilimitada, sem contornos. Assim, se a mãe, ou alguém que venha
a ocupar este lugar, não adotar seu bebê ele poderá morrer. É imprescindível que se
realize a adoção psíquica assim que o bebê nasce, caso contrário a possibilidade da
morte entra em questão. Na perspectiva psicanalítica, a adoção passa por um ato de
desejo, nada tem a ver com natureza materna.
Nesse sentido, podemos nos reportar a Édipo Rei — mencionado
anteriormente, considerado o texto mais perfeito de Sófocles em relação à tragédia
—, que nos apresenta um herói duplamente órfão: inicialmente, órfão-desamparado
de Tebas e, posteriormente, de Corinto.
Édipo somos todos nós diante do desejo do Outro. O que o Outro quer de
mim? Pode o Outro me perder? O Outro não me deseja?
Para a psicanálise o sujeito é o que emerge onde alguma coisa falta. Se o
sujeito é determinado pela linguagem e pela fala, isso significa que ele aparece no
lugar do Outro, tesouro dos significantes, definido como efeito de significante. O
14
sujeito do inconsciente é representado pelo significante que desenvolve suas redes,
suas cadeias e sua história. O Outro precede o sujeito como lugar da linguagem. De
acordo com Colette Soler (1997, p.62), “Nenhum sujeito falante evita a alienação,
esta é destino e está ligada à fala”. Já a separação não é destino. A separação
requer um trabalho para que o sujeito possa então se desviar da cadeia significante
que o aprisiona.
O terceiro capítulo consiste nessa investigação teórica acerca da constituição
do sujeito através das operações de causação: alienação e separação. Para seu
desenvolvimento nos atemos ao O Seminário 11: os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise e ao texto “Posição do Inconsciente”, ambos de Jacques Lacan, de
1964.
Partimos do seguinte pressuposto teórico para desenvolver esta pesquisa: a
posição de orfandade é condição estrutural necessária de separação das figuras
parentais que se situam, segundo Lacan, no lugar do Outro. Lacan articula da
relação do sujeito com o Outro, duas operações: uma de alienação e a outra de
separação. O momento de alienação — primeiro tempo da operação — está
fundado na subestrutura da união e inaugura a possibilidade do sujeito vir-a-ser. A
separação — segundo tempo — está fundada na interseção entre eles. É na
separação que intervém o momento do complexo de castração e que implica no
recobrimento de duas faltas: 1) a falta no campo do Outro, que o sujeito encontra
nos intervalos do discurso, hiância na qual o desejo do Outro emerge instituindo no
sujeito a possibilidade de se perder como objeto deste Outro; 2) a outra falta, a falta
no campo do sujeito que possibilita sua emergência, sujeito do desejo.
15
1. ÉDIPO: DE SÓFOCLES A FREUD
Édipo Rei talvez seja o texto clássico mais conhecido da tradição ocidental.
Dois milênios antes de Freud publicar A Interpretação dos Sonhos, em 1900,
Aristóteles, em sua Poética, já definia a obra de Sófocles como o modelo por
excelência da tragédia (ARISTÓTELES, 1973). As razões de Aristóteles para
estudar essa obra são em muitos aspectos, evidentemente, diferentes das de Freud.
Entretanto, ambos compartilham da convicção de que as tragédias mais dolorosas
são aquelas em que estão envolvidos membros de uma família, e, além disso,
reconhecem a importância da tragédia de Sófocles para o pensamento ocidental.
Assim, a “era de Édipo” tem início com a “canonização” de Édipo Rei na Poética de
Aristóteles. (RUDNYTSKY, 2002, p. 332).
Em A Interpretação dos Sonhos, Freud (1900) chama a atenção para a chave
da tragédia de Édipo: o assassinato do pai. É nessa obra que pela primeira vez
Freud evoca o mito grego Édipo Rei para explicar o nó dos impulsos psíquicos
responsáveis pelo surgimento das neuroses. Segundo Freud, o mito trágico está
ligado à natureza particular do material utilizado por Sófocles, ou seja, ao sonho de
união com a mãe e ao assassinato do pai. A esse respeito, Freud relaciona a
tragédia de Édipo à reação da nossa imaginação a esses dois sonhos típicos e
como eles são, nos adultos, acompanhados de sentimento de repulsa — é preciso
que o mito traga o terror e a autopunição em seu próprio conteúdo. Enfocaremos em
nosso trabalho não tanto os dois desejos inconscientes — incesto e parricídio —
relatados por Freud, mas Édipo rejeitado e exposto à morte por seus pais biológicos.
16
Lacan (1955/1956), em O Seminário 3: as psicoses, diz que “a questão do
nascimento, com efeito, não tem solução no significante”1 (LACAN, 1955/1956,
p.27). O acesso à verdade do inconsciente é uma construção mítica. O mito é o que
confere uma fórmula discursiva a qualquer coisa que não pode ser transmitida na
definição da verdade. A palavra, segundo Lacan (1953), não pode apreender a si
própria, nem apreender o movimento de acesso à verdade, enquanto verdade
objetiva. Ela apenas a pode exprimir de um modo mítico.
A tragédia possui elementos próprios para presentificarem o mito.
Na modernidade, o termo tragédia adquiriu diversas acepções. Hoje, não se
refere apenas a uma forma de expressão artística, mas pode designar
destino fatídico de caráter bem definido, algo que ultrapassa os limites do
humano. Este é o ponto em que a desmesura, a hybris, apresenta-se em
seu vigor maior. (MAURANO, 2001, p.37).
Originariamente, a tragédia surgiu do culto a Dioniso na Grécia, no século V
a.C. Trata-se de um gênero dramático que sucedeu a poesia épica e precedeu a
filosofia grega. Em O Nascimento da Tragédia, texto escrito em1875, Nietzsche
(2003) considera que todos os heróis trágicos são representações de Dioniso.
Assim, Prometeu, Édipo e todos os outros são apenas máscaras desse proto-herói,
Dioniso. A máscara utilizada no coro, característica da tragédia, porta consigo a
expressão dessas transformações. O coro comenta a tragédia, encoraja os heróis,
faz descrições, lamenta-se, explica o sentido moral do assunto e lisonjeia o povo
que o escuta. Na perspectiva de Nietzsche, quando a tragédia culmina na queda e
morte do herói, que não é senão Dioniso no estado de indivíduo, isso que cai, isso
que encontra o seu termo, é a individuação mesma considerada como a causa
primeira do mal. A morte do herói torna-se a esperança de um restabelecimento da
unidade perdida. Quando o deus surge nas tragédias, assemelha-se ao individuo
comum, que comete erros, deseja, sofre, adquire uma forma individual; padece do
processo de individuação.
A tragédia reúne sentimentos contraditórios, ambivalentes: amor e ódio,
sabedoria e ignorância, júbilo e sofrimento. O sentimento de culpa presente na
tragédia, segundo Maurano (2001), faz questão a Freud que elabora a significação
da culpabilidade trágica dizendo que o herói deve sofrer, porque encarna o pai
1
Significante: termo introduzido por Ferdinand de Saussure (1969), no quadro de sua teoria estrutural
da língua, para designar a parte do signo lingüístico que remete à representação psíquica do som (ou
imagem acústica), em oposição à outra parte, ou significado, que remete ao conceito. Lacan põe em
relevo a supremacia do significante sobre o significado. (N.A.)
17
primordial cujo assassinato é efetuado pelos filhos reunidos, constituindo o quadro
do mito da origem. É em Totem e Tabu que Freud (1913[1912-1913]) elabora o mito
da horda primeva: o pai só é efetivamente respeitado depois de assassinado pelos
filhos; estes que, até então, odiavam esse pai por considerá-lo um tirano, passam a
amá-lo e a reverenciá-lo após sua morte. Tal ambivalência — ódio e amor — traz a
culpa como conseqüência.
A peça trágica Édipo Rei, de Sófocles, foi representada pela primeira vez por
volta de 430 a.C., em Atenas; nela, Édipo movido pelo mal-estar sobre sua origem,
pergunta-se:
— Que pais? Espera! Que homem me deu a vida? — e continua: Meu pai é
Pôlibo, coríntio, minha mãe, Mérope, dórica. Todos me consideravam o
cidadão mais importante de Corinto, verificou-se um dia um fato inesperado,
(...) foi numa festa; um homem que bebeu demais se embriagou e logo, sem
qualquer motivo, pôs-se a insultar-me e me lançou o vitupério de ser filho
adotivo (SÓFOCLES, 1997,p.58).
Quem sou eu? Quem é Édipo? “É a pergunta que ele [Édipo] fez ao oráculo, o
enigma no qual, durante toda a peça, ele não pára de tropeçar”. (VERNANT, 1999,
p. 68). Édipo quer saber a sua origem.
Conta o mito que Laio nutrira em sua juventude uma paixão por Crísipo, filho
de Pélops. Por causa do suicídio de Crísipo, seqüestrado por Laio, Pélops lançou
sobre o príncipe tebano, Laio, e sua descendência a chamada "Maldição dos
Labdácidas": o castigo de morrer sem deixar descendente. Posteriormente, Laio
casa-se com Jocasta e se torna rei de Tebas. Apesar de um oráculo haver lhe
anunciado que — como castigo por ter se envolvido com Crísipo — se nascesse um
filho dele com Jocasta esse filho o mataria, Laio torna-se pai de um menino. Para
tentar fugir à predição do oráculo, mandou Jocasta dar o recém-nascido, após
perfurar-lhe os pés e amarrá-los, a um dos pastores de seus rebanhos. A ordem foi
abandoná-lo no monte Citéron para morrer. Entretanto, movido pela piedade, o
pastor entregou o menino a um outro pastor2. Este pastor chama-o Édipo em alusão
a seus pés feridos e inchados e leva-o a seu senhor Pôlibo, rei de Corinto, que não
tinha filhos. Pôlibo e sua mulher, Mérope, criaram Édipo como se fosse seu filho.
Quando Édipo chega à maioridade, confronta-se com um habitante de Corinto
que embriagado chama-o de filho adotivo. Diante dessa revelação, Édipo vai para
2
No filme Édipo Rei de Píer Paolo Pasolini (1967), foi o choro desesperado de Édipo que o salvou,
pois o pastor de Corinto veio em seu socorro. (N.A.).
18
Delfos a fim de consultar o oráculo de Apolo a respeito de sua origem. O deus nada
lhe responde sobre a sua pergunta, mas lhe revela que um dia mataria o pai e se
casaria com sua própria mãe. Por supor que Pôlibo era seu pai e Mérope, sua mãe,
Édipo resolve não voltar jamais a Corinto. Àquela época, os habitantes de Tebas
estavam alarmados com a Esfinge, pois esta vinha devorando os tebanos incapazes
de decifrar os enigmas propostos por ela. Em sua fuga, Édipo passa pelos arredores
de Tebas quando avista um homem idoso seguido por criados. O homem gritou-lhe
insolentemente que deixasse o caminho livre para que seus cavalos passassem,
sendo ainda espancado por um dos criados. Reagindo, mata o velho sem saber que
se tratava de Laio, seu pai. Em seguida, Édipo chega a Tebas e, ao passar pela
Esfinge consegue decifrar o enigma. Édipo torna-se rei de Tebas e casa-se com
Jocasta, que havia sido prometida em casamento por seu irmão, Creonte, àquele
que decifrasse o enigma da Esfinge e libertasse o reino de Tebas.
Por muitos anos Édipo governou Tebas como um grande rei. Somente mais
tarde descobriu sua verdadeira história, cegando-se ao perfurar seus olhos com os
alfinetes da roupa de Jocasta.
Édipo é o homem de pé inchado (ôidos), enfermidade que remete à criança
maldita, rejeitada por seus pais, abandonada para morrer na natureza
selvagem. Mas Édipo é também o homem que sabe (oîda) o enigma dos
pés. O duplo sentido de Oidípous encontra-se no interior do próprio nome,
na oposição entre as duas primeiras sílabas e a terceira. Oîda: eu sei, uma
das palavras dominantes na boca de Édipo triunfante, de Édipo tirano.
Poús: o pé — marca imposta desde o nascimento àquele cujo destino é
terminar como começou, um excluído. (VERNANT, 1999a, p.83-4).
Quanto a Laio, como no mito proposto por Freud (1913[1912-1913]), Totem e
Tabu, sua paternidade só é descoberta e reconhecida por seu filho depois que ele já
está morto. “A única função do pai, diz Lacan, é a de ser um mito” (LACAN,
1959/1960, p. 370).
Jean Pierre Vernant (1999b) interpreta que Laio ao se envolver na juventude
com Crísipo, filho de seu anfitrião, infringe a lei da hospitalidade, da “sagrada
hospedagem”:
Laio, o Canhestro, ao tornar-se adulto, mostra-se desequilibrado e unilateral
nas suas relações sexuais e no relacionamento com seu hóspede. Ele
desvia seu comportamento erótico através de um homossexualismo
excessivo, através de uma violência que faz o jovem Crísipo, filho de
Pélops, sofrer, rompendo assim as regras de simetria, de reciprocidade, que
se impõem tanto entre amantes como entre hóspedes. Crísipo se mata.(
VERNANT, 1999b,p.183-4).
19
Laio apaixonou-se por Crísipo? Em francês o verbo apaixonar-se significa cair
de amor — tomber amoureux; também em inglês temos o mesmo significado para
fall in love. Em ambas as línguas trata-se de uma queda. Aonde se cai? A história de
Édipo é marcada por transgressões/quedas que começam pelo rapto de Crísipo por
Laio e culminam na consumação do incesto. Ainda a respeito de Laio, Vernant
observa: “Laio mantém com a esposa uma relação desviada, de tipo homossexual,
para não ter filhos. Mas, numa noite de embriaguez, não toma cuidado: semeia um
filho no sulco de sua esposa.” (VERNANT, 1999b,p.184).
Desde seu nascimento, Édipo já se deparara com a questão da morte, ela já
estava lá e é o que nos remete a história mitológica de Sileno3. O rei Midas4 lança
uma pergunta a Sileno: o que há de mais valoroso para o ser humano? Responde,
então, Sileno: “O melhor de tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter nascido,
não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer”.
(NIETZSCHE, 2003, p.36).
1.1 O DESEJO DO OUTRO E O ENIGMA DA ESFINGE
Édipo foi marcado no corpo pelo desejo de morte, desejo de não existir,
desejo que é marcado pelo significante.
Seus pais o abandonaram para que morresse, porém não o mataram com
suas próprias mãos por medo da punição divina; então, amarraram-lhe e
perfuraram-lhe os pés e entregaram a um pastor para que este o jogasse num
precipício. Mas ele sobreviveu à morte desejada por seus pais e foi entregue a uma
rainha estéril que desejava muito um herdeiro.
Mas a história de Édipo não se resume às insígnias do desejo de seus pais
biológicos, ela é marcada por dois desejos antagônicos. Em primeiro lugar, um
desejo de morte por parte de Jocasta, grávida de um filho que matará o próprio pai;
em segundo lugar, marcado por Mérope, com o desejo de vida: foi o desejo de ser
3
Sileno é o deus das fontes e dos rios, pai de criação do deus Dioniso e pai dos sátiros que são
deuses rústicos que têm rabo, cornos e pernas de bode. Segundo Victor Hugo, Sileno é um grotesco
bufo. (Cf. HUGO, V. (1827). Do Grotesco e do Sublime. São Paulo: Pespectiva, 2004).
4
Conta a lenda que Apolo enciumado por ter o Rei Midas (717-676 a.-C.) preferido o talento musical
de outro e não o seu, vinga-se dotando-o de orelhas de asno.
20
mãe que a levou a acolher a criança e a transformar o choro de dor e desamparo em
choro de apelo, demanda. Édipo teve o seu destino mudado: de objeto passou a
sujeito.
Esse enredo trágico aponta para algo da ordem do horror e da angústia diante
da existência. Somos todos Édipo diante do desejo do Outro5. O que o Outro quer de
mim? Pode o Outro me perder? O Outro não me deseja? O que construímos como
resposta nessa lacuna, torna-se o mito estruturante para cada um de nós.
Há desencontros, ambigüidades e paradoxos ao longo da vida humana e
vemos, com Édipo, de que maneira a busca de sentido se esgarça até atingir seu
limite trágico: a ruptura de todo sentido. No início, Édipo é o filho-objeto rejeitado
pelos pais. Mais tarde, aparece como herói triunfante e pratica o incesto.
Posteriormente, tornado um nada pela condenação que ele mesmo se impôs —
passa então a existir como um homem comum, ainda que como um homem banido.
Nesse fim drástico parece se reencontrar com seu destino de estrangeiro. Como
mencionado, fugindo de Corinto, Édipo cumpre a primeira parte de seu destino
trágico: mata no caminho o pai, um estranho que interditou sua passagem rumo à
terra materna, lugar de origem. Recebido como estrangeiro em Tebas, lá se instala
depois de ser consagrado rei pelo povo tebano por ter livrado a cidade da ameaça
da Esfinge.
A Esfinge, “monstro fabuloso com cabeça e busto de mulher, corpo de leoa,
cauda em forma de serpente, asas de ave, garras de leoa e voz humana”
(SÓFOCLES, 1997, p. 97) propõe um enigma ao sujeito Édipo: “Qual o animal que,
possuindo voz, anda pela manhã em quatro pés, ao meio dia, com dois e, à tarde,
com três?” (BRANDÃO, 1992, p.261). Édipo responde que é o homem, pois na
infância, no amanhecer da vida, usa as mãos e os pés para engatinhar, na
maturidade, metade da vida, usa os pés e na velhice, no entardecer da vida, recorre
a um bordão, um terceiro pé para caminhar. Dessa forma, a Esfinge recita para
Édipo, metaforicamente e por três vezes, o seu nome e o aponta como o próprio
enigma; ele, entretanto, não escuta e, sem saber, segue carregando no nome o seu
enigma.
5
Termo utilizado por Jacques Lacan para designar um lugar simbólico – o significante, a lei, a
linguagem, o inconsciente, ou, ainda, Deus – que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele,
ora de maneira intra-subjetiva em sua relação com o desejo (ROUDINESCO; PLON, 1998, p.558)
21
Segundo Robert Graves (1990), o enigma proposto pela Esfinge alude à
imagem na qual aparecem uma criança, um guerreiro e um velho em atitude de
adoração a cada uma das deusas que compõem uma trindade divina — a Deusa
tripla. Édipo está na mesma condição do pai e dos filhos: com sua existência
destruiu a fronteira entre as gerações descrita no enigma formulado pela Esfinge, ou
seja, Édipo condensa três idades sucessivas: a infância, a idade adulta e a velhice.
Ao analisar Édipo Rei, Freud identifica o primeiro problema com o qual o
sujeito se defronta, a saber, “o enigma da Esfinge” (FREUD, 1905, p.200)
dimensionando-o como estruturante, o que nos remete à questão sobre a origem do
sujeito. A dimensão da verdade, segundo Lacan, é o que está em questão na
referência ao Édipo freudiano:
O que há de certo é que o grosseiro esquema assassinato do pai-gozo da
mãe elide totalmente a força trágica. [...] O importante é que Édipo foi
admitido junto a Jocasta porque tinha triunfado em uma prova da verdade
[...] Não é possível abordar seriamente a referência freudiana sem fazer
intervir, além do assassinato e do gozo, a dimensão da verdade. (LACAN,
1969/1970, p.109)
A busca pelo conhecimento sobre a própria origem está intrincada com a
questão sexual. Em Interpretação dos Sonhos, Freud (1900, p.279) afirma que
existe uma indicação inegável no texto de Sófocles de que a conjugação “matar o
pai e se unir à mãe” teria surgido de algum material onírico primitivo cujo conteúdo
são as inquietações provenientes da relação da criança com seus pais, devido aos
primeiros estímulos da sexualidade. O que é essa pulsão de saber na infância? A
curiosidade de saber sobre os órgãos sexuais e sobre a relação sexual dos pais. A
resposta não resolve a questão da origem, porque remete a outro enigma: qual é o
desejo do Outro? Qual é o meu lugar no desejo do Outro? Como vou emergir como
sujeito?
Os pés de Édipo trazem a marca do desejo, do desejo de morte. Há um saber
sobre sua origem inscrito no corpo. Mas ele não quis saber sobre o filicídio. Ao
decifrar o enigma da Esfinge, que é sempre um semi-dizer, Édipo, segundo Lacan
(1972/1973), tem a pretensão de suprimir um certo suspense que a verdade
comporta. Édipo é proclamado rei e se casa com Jocasta, viúva de Laio e sua mãe
verdadeira. Uma peste recai sobre Tebas e os meios para contê-la acabam por leválo à verdade sobre sua origem, qual seja, que ele era filho do homem que
22
assassinara e marido de sua mãe. Diante de tal revelação, Édipo, para se punir,
cega-se, furando os próprios olhos.
Lacan (1972/1973), em O Seminário 20: mais, ainda, afirma que conforme a
relação que o homem guarda com o saber, serão as conseqüências. Édipo pagou
com os olhos. A tragédia termina no ato em que Édipo fura seus olhos. Antes disso,
porém, após descobrir que Jocasta o havia levado para morrer no monte Citéron,
Édipo entra enfurecido no palácio para matá-la e a encontra morta. Neste momento,
observa Antonio Quinet (2007), Édipo vê pela primeira vez a imagem condensada de
Jocasta como “mãe, esposa e a morte”. É aí que ele fura os olhos. Não quer mais
ver esse mal (Kakon). Contra o impossível de ver “o incesto e o parricídio”, Édipo
perpetra a auto-enocleação.
Édipo por não assumir simbolicamente a castração em sua relação com o
saber, impõe-na ao próprio corpo. Com os olhos furados ele se torna a própria
imagem de alguém marcado por uma falta radical, e, só dessa forma, pode ver
efetivamente o que não conseguia ver antes de se cegar: seus pés furados, essa
marca inscrita no nome e no corpo.
Édipo Rei tem cicatrizes. Dispõe de uma inscrição no corpo que assinala sua
identidade em relação ao oráculo. Isso é o que Jocasta deveria ter reconhecido, mas
não o fez. Porém, sabia. Jocasta sabia. Quando implora a Édipo que pare de buscar
sua origem e lhe diz que todo homem já fantasiou dormir com sua mãe, é como se
estivesse tentando banalizar o incesto. Édipo também deveria saber. Tebas sabia.
Todos sabiam, mas negavam esse saber.
A partir dessa marca, Édipo poderia ter pensado sobre sua origem. Seus pés
marcados portam, metaforicamente, sua condição de sujeito do inconsciente, manco
e aprisionado por essas inscrições no corpo. Sua história carrega três gerações de
coxos: o avô Labdaco, o manco, o pai Laio, o torto, e o filho Édipo, o de pés
inchados.
De acordo com Lacan (1972/1973), o que há de mais trágico em Édipo Rei é
o fato de a personagem principal não saber sobre seus atos, o que é próprio do
inconsciente. Ele observa ainda que Freud escolheu o mito de Édipo não só pela
conjunção “matar o pai e dormir com a mãe”, comum em muitas outras narrativas,
mas também, e principalmente, pelo fato de Édipo não saber quem eram seu pai e
sua mãe, já que esse aspecto é fundamental em suas formulações acerca da
dimensão inconsciente do desejo. Além de apontar Édipo Rei como um drama da
23
auto-análise de Freud, Lacan insiste na importância do tema do incesto na arte de
Sófocles, que traz à luz o que até então era totalmente obscuro e inacessível sobre
o desejo incestuoso.
1.2 ÉDIPO: O ESTRANHO FAMILIAR
Em seu artigo O Estranho, Freud (1919) afirma que aquilo que retorna e nos
assusta não é nem algo absolutamente diferente, novo, desconhecido ou estranho,
nem algo totalmente idêntico, velho, conhecido ou familiar. O que retorna e assusta
é próprio do inconsciente: o igual como diferente, o passado enquanto novo, o
familiar sendo estranho, o conhecido, desconhecido. A idéia de que o que está mais
próximo é também o que está mais longe, o mais conhecido é o mais desconhecido,
o mais familiar, o mais estranho, é tema da tragédia grega, assim como da teoria
psicanalítica.
Em torno da temática do pai — “o que é o pai?” — a obra de Freud
circunscreve uma perspectiva em referência ao complexo de Édipo que não é nada
tranqüilizadora: contendo um nó mortal, um assassinato. Podemos articulá-la à
afirmação lacaniana de que “existe sempre no desejo alguma delícia da morte, mas
de uma morte que não podemos nós mesmos nos infligir” (LACAN, 1960/1961,
p.303). Lacan ressalta a importância do “ele não sabia”, na tragédia de Sófocles,
como própria do inconsciente, dando ênfase ao mundo freudiano que é o mundo do
desejo: não se trata nem do mundo das coisas, nem do mundo do ser, mas da
relação do ser com a falta.
A questão da rejeição/adoção na história de Édipo aponta para algo da ordem
do equívoco, do mistério, que se mantêm até o final da peça como um significante a
ser percorrido, uma vez que o próprio nome, Édipo, como mencionamos, aponta
para criança maldita, rejeitada por seus pais.
Os adotados parecem ter na realidade de suas histórias aquilo que a maioria
vive na fantasia, ou seja, a duplicidade de casal parental presente na fantasia do
romance familiar. Sabemos que toda fantasia, quando construída, é reconhecida
como algo estranho. Freud considerou o complexo de Édipo sua maior descoberta
24
para psicanálise, uma vez que essa complexidade trágica envolve todo o campo
próprio ao inconsciente. O estranho é o inconsciente. Édipo é a encarnação viva do
estranho (Unheimlich), o inconsciente é, como diz Lacan (1953, p.260), “o capítulo
de minha história, que é marcado por um branco ou ocupado por uma mentira: é o
capítulo censurado”. A verdade pode ser reencontrada, pode ser decifrada como um
hieróglifo, uma inscrição significante.
“Estranho filho adotivo” (QUEIROZ, 2007), Édipo carrega nos pés a marca do
seu nascimento. O estranho remete a algo assustador, provocador de medo e
horror, mas ao mesmo tempo remete também ao conhecido e, há muito, familiar. Em
alemão o Unheimlich tem significado oposto ao Heimlich (doméstico, familiar). Em O
estranho, Freud (1919) observa que nem tudo que é Unheimlich diz respeito a algo
que não se sabe abordar. Schelling (apud Freud, 1919,p.282) apresenta um outro
sentido para o Unheimlich — próximo do sentido de estranho que conotamos na
adoção: “refere-se a tudo que deveria ter permanecido secreto e oculto, mas veio à
luz” — e o Heimlich “um lugar livre da influência de fantasmas”.
Assim, Unheimlich anuncia a aproximação de algo inconsciente e oculto,
enquanto que o Heimlich, o seu afastamento. Embora opostos, Freud reconhece
uma aproximação nos dois sentidos, como nas palavras antitéticas (FREUD, 1910).
O caráter antitético de Édipo é ressaltado por Vernant (1999), que se refere a Édipo
como dual, duplo. Édipo concilia em um único ser não apenas dois elementos
diferentes, mas, mais do que isso, dois opostos absolutos. No inicio na tragédia,
Édipo aparece como “o melhor dos homens” e, no final, como “o mais infeliz entre os
homens”. (AZEVEDO, 2004).
Tomado por um sentimento de estranheza diante das previsões do oráculo,
Édipo tentava fugir delas, mas se depara com o Heimlich, o familiar, íntimo e oculto.
Édipo encarna a própria divisão do sujeito: ele sabe, mas não sabe. É culpado, mas
também é inocente; ignorante e sábio. O trágico é a contradição própria do
inconsciente no qual, paradoxalmente, não há “não”: Édipo é ao mesmo tempo a
criança-objeto-rejeitada e o adulto-sujeito-herói. “Do rei da significância ao lixo da
civilização” (QUINET; 2007). Lacan diz dessa ambigüidade:
(...) o ponto de chegada tem uma relação profunda com o ponto de partida,
sem ser, todavia, o mesmo. O impasse, qualquer que seja, que é sempre
contido na partida, se reencontra no ponto de chegada sob uma forma
invertida, para ser considerado como a solução (...). O impasse de que se
25
partiu se reencontra sempre, sob algum modo, ao fim do deslocamento
operatório do sistema significante. (LACAN, 1956/1957, p.30)
Visando dar continuidade ao caráter trágico na estruturação psíquica dos
sujeitos, no segundo capítulo abordaremos a constituição subjetiva em relação ao
desamparo a partir da psicanálise.
26
2. CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: RELAÇÃO DO
DESAMPARO E DA ORFANDADE NA PSICANÁLISE
Sublinhamos como o mito de Édipo pode estar associado à proposição
inaugural da queda, que é a experiência fundamental da condição humana, o
desamparo. O que faz de Édipo um mito trágico é a queda em que a ruptura no
campo do sentido revela o não-senso da existência humana. Apresentamos através
dos desejos mortíferos de Jocasta e Laio os desencontros e os mal-entendidos
próprios das relações humanas. Enfocamos Édipo tal a criança rejeitada pelos pais e
sempre em busca de respostas, ou seja, a partir do olhar da criança que está
sempre se interrogando sobre seu lugar no desejo do Outro. A condição do
desamparo ilustrada na tragédia de Édipo é sentida por todos os sujeitos em suas
relações primordiais, condição esta que retorna em momentos diversos ao longo da
história do sujeito. Citamos Freud:
(…) A mesma pessoa, à qual a criança deveu sua existência, o pai (ou,
mais corretamente, sem dúvida, a instância parental composta do pai e da
mãe) também protegeu e cuidou da criança em sua debilidade e
desamparo, exposta como estava a todos os perigos que a esperavam no
mundo externo, sob a proteção do pai, a criança sentiu-se segura. Quando
um ser humano se torna adulto, ele sabe, na verdade, que possui uma força
maior, mas sua compreensão interna (insight) dos perigos da vida também
se tornou maior, e com razão conclui que fundamentalmente ainda
permanece tão desamparado e desprotegido como era na infância; ele sabe
que, na sua confrontação com o mundo, ainda é uma criança. (FREUD,
1932, p.198-9)
Neste segundo capítulo, abordaremos a relação do sujeito com o desamparo,
que propomos considerar como um estado de “orfandade” estrutural. Freud (1926),
em seu ensaio Futuro de uma Ilusão, deixa claro que seu intuito ao escrever esse
texto foi o de retirar o sujeito de um estado infantilizado, iludido, que espera na
27
infância por um pai poderoso, um salvador. Freud afirma a importância de
enfrentarmos “a vida hostil” com os recursos que tivermos. Em suas palavras:
Os homens não podem permanecer crianças para sempre; têm de por fim
sair para a ‘vida hostil’. Podemos chamar isso de ‘educação para a
realidade’. Precisarei confessar-lhe que o único propósito de meu livro é
indicar a necessidade desse passo à frente. Já é alguma coisa, alguém
saber que está entregue aos seus próprios recursos: aprende a fazer um
emprego correto deles. (FREUD, 1927, p.64).
A impressão terrificante de desamparo na infância despertou a necessidade
de proteção (de proteção por meio do amor) a qual foi proporcionada pelo pai. O
reconhecimento de que esse desamparo perdure através da vida tornou necessário
o apego à existência de um pai, dessa vez, porém, um pai mais poderoso. Os
avatares da civilização são, segundo Freud (1927), a nostalgia de um pai, o amor ao
poder, a crença, a religião e a angústia de desamparo. Freud mostra como os
homens se organizam em sociedade e conferem a um líder o lugar de Deus ou
desse pai idealizado da infância, o grande Outro protetor, que leva o homem à
renúncia pulsional em função de compensações civilizatórias.
No primeiro capítulo de Mal-estar na civilização, Freud (1930) fala do estado
de desamparo fundamental do ser humano e aponta para a construção do Eu como
resultado. Um recém-nascido não faz distinção entre o seu Eu e o mundo externo
como fonte das sensações que fluem sobre ele. Aprende a fazê-lo, à medida que
reage aos diversos estímulos desse mundo. Há um “objeto” externo que ao ser
oferecido à criança causa-lhe prazer: o seio materno. Há também o desprazer
quando uma necessidade interna se instala e o seio materno não está presente.
Surge, então, uma tendência a isolar o Eu de tudo o que pode tornar-se fonte desse
desprazer; há uma propensão a lançar para fora esse desconforto e a criar um puro
Eu, que busca o prazer ao mesmo tempo em que se defronta com um “exterior”
estranho e ameaçador.
Aos poucos o Eu vai apreendendo o princípio de realidade e passa a
diferenciar o que é interno — isto é, o que pertence ao eu, do que é externo — ou
seja, daquilo que emana do mundo externo. Portanto, inicialmente não há distinção
entre o eu e o mundo externo; posteriormente esta distinção passa a ser feita.
A derivação das necessidades religiosas a partir do desamparo do bebê e do
anseio pelo pai é, segundo Freud (1930) em Mal-estar da civilização,
incontrovertível, visto que é permanentemente sustentada pelo medo do poder
28
superior do destino. A maior necessidade que há na infância é a proteção de pai.
Dessa forma, Freud remonta ao sentimento de desamparo infantil a origem da
atitude religiosa. Dialoga com Romain Rolland sobre o “sentimento oceânico”. Este
lhe sugere uma “sensação de eternidade”, um sentimento de ausência de limites ou
barreiras, oceânico, uma experiência subjetiva na qual o sujeito se sente em
comunhão indissolúvel com o mundo exterior em sua totalidade, mas que não
implica em nenhuma segurança de imortalidade pessoal. A explicação de Freud
para esse sentimento em sua gênese, retoma a dimensão do eu. Segundo ele, a
sensação de identidade, de comunhão indissolúvel e inseparável pertinência à
totalidade do mundo exterior, são dadas pelo eu, que não tem limites internos no
aparelho psíquico. Para Freud não há estado oceânico inicial, o que há é desamparo
primordial.
Freud (1930) conclui que em muitos seres existe um “sentimento oceânico”,
que ele reduz a uma fase precoce do eu, as necessidades religiosas são derivadas
do desamparo infantil e da nostalgia pelo pai, reanimando sempre diante da angústia
ante a onipotência do destino. O sentimento oceânico se torna secundário diante da
necessidade infantil do amparo paterno. Sua origem está no desamparo infantil e só
posteriormente ele entrou em relação com a religião.
Consideramos a orfandade estrutural como algo que está associado ao
reconhecimento por parte do sujeito da incompletude na relação com o Outro. Isso
implica que o sujeito terá que contar com seus próprios recursos e, neste sentido,
somos todos órfãos. Esse estado de orfandade, portanto, é fundamental para que o
sujeito possa romper com o estado de ilusão infantil de proteção e libertar-se das
“amarras”, que muitas vezes são confortáveis ao próprio sujeito do inconsciente. O
Outro que falta é o que o sujeito mais evita, porque gera angústia e para defender-se
desse encontro o sujeito esquece, recalca.
2.1 DESAMPARO: A FALTA DO OUTRO
Freud (1895) descreve, em Projeto de uma psicologia científica, uma cena
hipotética em que o recém-nascido estabelece o primeiro e rudimentar laço social
com o seu próximo (Nebenmensch): o primeiro outro que atende seu grito de
29
socorro, satisfazendo sua sede, frio e fome, livrando-o do estado de desamparo em
que este se encontra. O recém-nascido necessita de “ajuda estranha”, e o infans,
aquele que não fala, atrai pelos gritos. Porém, uma vez acolhido pelo cuidante6, o
grito não pode ser reduzido apenas à mera expressão de uma necessidade
orgânica, mas será escutado como apelo de sentido. Trata-se aí da primeira
convocação à entrada na linguagem. Segundo Lacan, esse outro não é só um outro
imaginário de quem o bebê recebe um objeto para suprir sua falta, mas é também
um outro simbólico, representado pela letra A, referente à L´Autre — Outro em
francês. O Outro, para além da mãe, pode ser entendido como lugar do
inconsciente, o tesouro dos significantes, aquilo que determina o sujeito, que
preexiste a ele no desejo da mãe e que se impõe na linguagem, constitui o registro
do simbólico. (LACAN, 1960, p.820).
É antiga a idéia em Freud de que o excesso de Reize (estímulo) é vivido pelo
sujeito como algo avassalador que o remete a seu desamparo primordial, pois o
outro pode não acudi-lo. Neste sentido, lidar com o estímulo tentando conseguir sua
descarga, é algo que se impõe para evitar um estado de desamparo (Hilflosigkeit). O
termo Hilflosigkeit7 é carregado de intensidade, expressa um estado próximo ao
desespero e ao trauma. Esse estado é semelhante àquele vivido pelo bebê, que
após o nascimento é incapaz pelas próprias forças de remover o excesso de
excitação pela via da satisfação.
O aparelho psíquico, proposto por Freud (1895) em Projeto para uma
psicologia científica, parece, a princípio, voltado para a alucinação como a forma
mais direta de descarga de tensão. Contudo, cada vez que uma “ação reflexa é
introduzida, a conseqüência inevitável é o desapontamento” (FREUD, 1895, p.337).
Na tentativa de obter satisfação a qualquer preço, superinvestindo em uma
representação do objeto do desejo, o resultado do desapontamento é inevitável.
Freud (1895) descreve a relação especular: diz que o bebê olha para a mão
da mãe, olha para sua mão e compara as duas mãos. É a partir dessa comparação
do objeto que o bebê começa a perceber-se na especularização com o semelhante.
Freud observa “que tal objeto é ao mesmo tempo o primeiro objeto de satisfação, e,
6
Cuidante é um termo estabelecido por Antônio Quinet para designar aquele que se debruça sobre o
recém-nascido na função materna. (cf. QUINET, A. É-dipos: De Sófocles a Lacan. Curso ministrado
em Pólo de Pensamento Contemporâneo = PoP, de 2 a 23 de outubro 2007).
7
Cf. HANNS, L. Dicionário comentado do Alemão de Freud por Luiz Hanns. Rio de Janeiro:
Imago, 1996, p. 211.
30
além disso, o primeiro objeto inimigo, assim como a única força que ampara”
8
(FREUD, 1895, p.348).
Em Interpretação dos sonhos, Freud (1900, p.602-3) continua dizendo que o
infans acossado por estímulos internos e externos grita ou dá pontapés
impotentemente. Mas a situação só pode ser alterada através de auxílio externo.
Hipoteticamente, se o estímulo é fome, o Outro materno dá o seio e essa
experiência deixa no psiquismo uma primeira marca mnêmica de uma experiência
de satisfação. Na vez seguinte, em que essa necessidade despertar, surgirá
imediatamente um impulso psíquico que procurará reinvestir a imagem mnemônica
da percepção do objeto que veio em socorro ao incômodo anterior. Tal movimento é
o que em psicanálise chamamos desejo. O reaparecimento da percepção é a
realização do desejo e o caminho mais curto a essa realização é uma via que
conduz diretamente da excitação pelo desejo a um investimento completo da
percepção, o que resulta em alucinação.
Ao significar o grito do bebê como fome, o Outro materno transforma o que
era um puro grito em um significante da falta. Essa operação foi apresentada por
Lacan (1960) em Subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente
freudiano. No “grafo do desejo”, em seu primeiro degrau, Lacan demonstra que um
puro som, sem significação alguma, é transformado em significante através da
significação que lhe é dada pelo Outro. Lacan lança mão da topologia para
apresentar onde se situa o desejo em relação com um sujeito definido graças a sua
articulação pelo significante. Apresenta no grafo o ponto que chama de “capiton”,
ponto de estofo, ou seja, aquele ponto que reordena o discurso pelo qual o
significante detém o deslizamento de outro ruído indefinido da significação. O termo
ponto de estofo é empregado em tapeçaria para designar um entrecruzamento de
fios que por pressão produzem as depressões da superfície; todos esses pontos se
produzem simultaneamente ao puxarem-se os fios.
A cadeia significante suportada pelo vetor SS’ é cortada em dois pontos
pelo grito do bebê.
8
Sonia Alberti traduz do alemão “força auxiliar” por “força que ampara” em disjunção com o
desamparo fundamental, que é o conceito que Freud vai desenvolver algum tempo depois. Cf.
Anotações de aula no curso de pós-graduação na UERJ.
31
•
A — tesouro do significante — não conserva “a relação unívoca entre
um signo e alguma coisa, mas sim que o significante só se constitui por
uma reunião sincrônica e enumerável na qual qualquer um só se
sustenta pelo princípio de sua oposição a cada um dos demais”.
•
S(A) — é a pontuação em que a significação se constitui como produto
acabado.
•
O delta (∆) é um ponto de partida, é um vivente que parte da
necessidade. O sujeito não está desde o início, ele é um efeito ligado à
propriedade retroativa do significante, é como que uma primeira
resposta da captura que o significante faz do vivente. (LACAN, 1960,
p.820).
Em A descoberta do Inconsciente, Quinet (2003) acrescenta que o enunciado
de uma necessidade implica a dimensão do Outro, ou seja, quando falamos que
temos fome, mesmo que este enunciado inclua uma necessidade, já traz implícita
uma demanda, um apelo que se dirige ao Outro. Dessa forma, diferentemente da
necessidade, uma demanda não visa a um objeto, e sim ao Outro a quem a
demanda é dirigida. Essa demanda do Outro é incondicional e o sujeito diante dela
se vê assujeitado.
Em seu artigo Introdução ao narcisismo, Freud (1914) nos esclarece a
respeito dos desejos que os pais projetam numa criança quando esta chega ao
32
mundo. Para isso ele utiliza a expressão “Sua majestade o bebê”. Mesmo antes de
nascermos, somos falados por nossos familiares, já falam do lugar que esperam que
o bebê ocupe em seus desejos. Isto é, constituem-no como objeto de suas fantasias,
oferecendo coordenadas simbólicas inconscientes às quais irá se identificar ou não.
Contudo, trata-se de coordenadas imprescindíveis para que a criança construa um
eu ideal, uma imagem narcísica. Portanto o desejo do Outro, do Outro da linguagem,
é uma condição para que a criança possa existir como ser humano, sujeito falante
que faça parte de uma cultura, de uma sociedade. O desejo é sempre inconsciente,
constitui-se a partir do desejo do Outro, pois a grande questão que se coloca para o
sujeito é saber o que o Outro deseja dele.
Maria Anita Carneiro Ribeiro (2005) trabalha a questão do desejo do Outro, do
Outro da linguagem, a partir do caso “O menino selvagem de Aveyron” 9. No início
do século XIX, o Dr. Itard, um pedagogo, segue um programa educativo derivado
das especulações pedagógicas de Jean Jacques Rousseau, que têm como princípio
o condicionamento adquirido através de treinamento motor e sensorial. Victor de
Aveyron foi criado até certa idade sem palavras dirigidas a ele, e a hipótese
levantada pelo delegado no relatório que fez sobre o menino, quando este foi
encontrado, é de que provavelmente ele teria sido muito maltratado por seus
familiares, tendo então fugido para a floresta. Nunca ninguém se apresentou
procurando por essa criança (GINESTE, 1980, p.27). Victor não tinha visão de
profundidade, ele não via em terceira dimensão, não distinguia a diferença entre um
quadro e uma paisagem.
A visão em terceira dimensão é debitária da linguagem, da operação
significante. O olhar do menino era inclinado, não fixava ninguém, satisfazia suas
necessidades em qualquer lugar sem nenhum pudor, não gostava de usar roupas,
sempre rasgando-as, aparentava um animal selvagem, ficava acocorado pelos
cantos. Quando era contrariado, mordia quem estivesse por perto, porém, quando
era elogiado e bem tratado ficava feliz e completamente entregue ao outro. Num
primeiro contato deduziram que o menino era mudo, fazia sons guturais, mas com o
passar do tempo começou a articular alguns sons. Parecia escutar só barulhos que
estavam associados a seu sustento, como o barulho da porta do armário que
ficavam trancados os alimentos que mais gostava, barulho da noz sendo partida,
9
A história contada do menino de Aveyron é uma tradução livre da autora da obra citada.
33
etc. A noite ria, dava gargalhada e fazia sons que não expressavam nem dor nem
prazer. Era indiferente às pessoas que o alimentavam, sempre querendo fugir dos
lugares, o único vínculo com a vida, a vida pseudo-humana, era com o professor
Itard. Victor morreu esquecido em 1828, com aproximadamente 40 anos, sem nunca
ter falado (GINESTE, 1980, p.60)
Carneiro Ribeiro (2005) recorta este caso para sinalizar a diferença entre um
psicótico10 que está na linguagem — mesmo que ele não domine a linguagem, é
dominado por ela — do menino selvagem, que não entrou no campo da linguagem,
mesmo com o carinho do pedagogo ele não se humanizou, continuou comportandose como um animal treinado. Este relato ilustra a importância da alienação no Outro,
como destino de todo ser falante e a função primordial do Outro do cuidado e do
amor para que o sujeito possa advir.
2.2 DESAMPARO: A OPACIDADE DO DESEJO DO OUTRO
Nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905) propõe como
paradigmático de ‘todo vínculo de amor’ o elo inicial entre o lactante e o seio
materno. Esse modelo de felicidade perdida mantém-se como referência na escolha
dos objetos amorosos. Deste modo “a criança aprende a amar as outras pessoas
que remediam seu desamparo e satisfazem suas necessidades” (FREUD, 1905,
p.228). A própria angústia infantil explica-se nessa ocasião pela falta da pessoa
amada, pela situação em que coloca à criança: a da impossibilidade de satisfazer
sua libido. Freud cita um exemplo de um menino que “vê mais claro” na escuridão ao
escutar a voz de sua tia, que se encontra no cômodo ao lado. A presença da tia
elimina a presença da angústia. Sobre a relação entre o amor e a satisfação, diz
Freud:
A relação de uma criança com quem quer que seja responsável por seu
cuidado proporciona-lhe uma fonte infindável de excitação sexual e de
10
O enigma de Kaspar Hauser é uma das obras primas do cineasta alemão Werner Herzog, baseado
em registros históricos. Foi encontrado em uma praça em 1828, não falava e não conseguia manterse de pé. Passara a vida inteira trancada em um porão. Kaspar Houser, durante dois anos conviveu
em uma sociedade que o acolheu e passou a interagir, chegando a construir metáforas com seu
próprio nome. Fez uma inscrição de seu nome com um talo de agrião na terra e assimilou alguns
conhecimentos. (N.A.)
34
satisfação de suas zonas erógenas. Isto é especialmente verdadeiro, já que
a pessoa que cuida dela, que, afinal de contas, em geral é sua mãe, olha-a
ela mesma com sentimento que se originam de sua própria vida sexual: ela
a acaricia, beija-a, embala-a e muito claramente a trata como um substituto
de um objeto sexual completo. (...) o que chamamos afeição infalivelmente
mostrará seus efeitos, um dia, também nas zonas genitais. A mãe está
apenas cumprindo seu dever de ensinar o filho a amar. (FREUD, 1905,
p.228)
Segundo Lacan (1956/1957), em seu O Seminário 4: a relação de objeto, o
ponto de vista da criança sobre as atenções da mãe para com ela passa através da
dádiva, e a dádiva é, antes de tudo, símbolo de amor. Contudo, as satisfações de
pedidos de amor são fundamentalmente frustrantes, dado que o símbolo, enquanto
símbolo de uma ausência, sempre deixa uma falta de satisfação em seu lugar: o que
faz com que a demanda seja sempre demanda de amor. É a mãe que interpreta
como necessidade o grito do bebê e se dispõe a satisfazê-lo, de modo que o choro
do bebê não é mais da ordem da necessidade, mas já tem um valor significante,
algo da ordem da demanda. Na linguagem perde-se algo da particularidade da
necessidade e essa parte perdida retorna como o incondicional da demanda. A
demanda em si se dirige a algo mais do que as satisfações a que ela apela,
anulando tudo o que pode ser dado, transformando-o em prova de amor. (LACAN,
1958, p.697-8).
Dessa forma, a demanda é dirigida a outrem, mas caso se refira a um objeto
como uma necessidade, este objeto não é essencial, uma vez que a demanda é
demanda de amor. A necessidade de natureza biológica satisfaz-se com um objeto
real, enquanto que o desejo nasce da distância entre a necessidade e a demanda.
Irredutível à necessidade, o desejo não se refere a um objeto, mas a uma falta.
Nesse mesmo Seminário, Lacan (1956/1957) busca demonstrar como a
relação de dependência aparentemente unilateral (sempre do lado da criança) é
engajada numa dialética que pode colocar a criança como quem determina a
satisfação da mãe. Desde o começo “banhado” na estrutura de uma ordem
simbólica a ela preexistente, a criança acaba por encontrar um lugar onde é aquele
que pode ou não realizar as expectativas maternas de reconhecimento. É da criança
que a mãe espera receber o reconhecimento de seu papel de “mãe”. Deste modo, a
criança descobre muito rápido que possui um poder decisivo nas aspirações da mãe
e não deixa de lançar mão das prerrogativas de sua posição. Lacan
(1956/1957,p.188) dá o exemplo de anorexia mental em que a recusa a comer
35
corresponde ao negativismo como único modo de opor-se à onipotência de uma
mãe invasora.
Assim, para Lacan (1956/1957), a dependência da criança em relação à mãe
é, sobretudo, uma dependência de amor. A criança constitui-se como o objeto
imaginário do desejo da mãe, objeto pelo qual a mãe a simboliza como sendo seu
próprio falo. A angústia instaura-se quando a criança se vê nessa posição de ser
objeto incontrovertível da realização do desejo materno. No plano imaginário, ela
pode viver fantasias de enclausuramento, de ser devorada ou de fazer fusão com o
corpo materno. A angústia constitui, assim, o sinal de perigo de uma possessão
subjetiva radical.
Nessa mesma perspectiva, Lacan (1958/1959) expõe mais tarde, no
Seminário sobre O desejo e sua interpretação, uma hipótese sobre a problemática
do desamparo. Ele propõe que o desamparo que o sujeito tem estruturalmente de
enfrentar é, fundamentalmente, o da opacidade do desejo do Outro, diante do qual o
sujeito se vê sem recursos. A Hilflosigkeit é, pois, como vimos, a condição mais
primitiva na qual a criança descobre-se sem recursos, não frente às exigências das
necessidades, mas frente ao desejo da mãe, em uma posição onde a angústia é um
esboço de organização. Resta, portanto, ao sujeito a tarefa simbólica de se situar
frente a este desejo do Outro que “o aspira” e o deixa sem recursos.
Nesse mesmo Seminário, na lição de seis de março, Lacan (1958/1959)
escreve:
(...) A Hilflosigkeit de Freud, em seu artigo sobre L’Inconscient, artigo de
1915, é esta posição de estar sem recurso, mais primitiva que todas, e em
relação à qual a angústia é já um esboço da organização, pois ela é já
espera — se não se sabe de que, se não se articula em seguida, de
qualquer modo ela é antes de tudo Erwartung, nos diz Freud. Mas antes
existe isto, Hilflosigkeit, “o sem recurso”. O “sem recurso” diante de quê? O
que não pode ser definível, centrável de nenhum outro modo senão diante
do desejo do Outro. É essa relação do desejo do sujeito, na medida em que
ele deve se situar diante do desejo do Outro que, entretanto, literalmente o
aspira e o deixa sem recursos, é nesse drama da relação do desejo do
sujeito com o desejo do Outro que se constitui uma estrutura essencial, não
somente da neurose, mas de qualquer outra estrutura analiticamente
definida. (LACAN, 1958/1959, lição de 6 mar. 1959).
O alcance da questão do desamparo, conforme Lacan aponta, chega ao
desamparo como uma condição estrutural diante da qual o sujeito tem de se situar.
Esse encontro com o obscuro desejo do Outro — em relação ao qual o sujeito
é impotente — é abordado no Seminário 10: a angústia quando Lacan (1962/1963) o
36
ilustra com a metáfora do louva-a-deus gigante. Sabemos que a fêmea do louva-adeus costuma devorar seu parceiro durante os jogos amorosos. A angústia do
sujeito é a de não saber quem ele é e que lugar ocupa de fato em relação ao desejo
onipotente do Outro: o louva-a-deus gigante, potencialmente mortal. Este estado de
desamparo diante do desejo desconhecido do Outro onipotente constitui, para
Lacan, o plano do Hilflosigkeit, a base do afeto da angústia. Esta condição não é
contingente, não depende de um acidente qualquer. Ela é constituinte da inserção
do sujeito na linguagem e da sua relação ao desejo do Outro. É importante lembrar
aqui que a partir desse Seminário, Lacan passa a se interessar de modo privilegiado
por aquilo que escapa irredutivelmente às possibilidades de uma apreensão
simbólica: o Real e a questão do objeto a.11
Em Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico, Freud
esclarece: “(...) visto que o cuidado posterior das crianças modela-se no cuidado dos
bebês, o predomínio do princípio de prazer só pode realmente terminar quando a
criança atingiu um completo desligamento psíquico dos pais” (FREUD, 1911, p.279).
Este recorte sublinha a importância do desligamento dos pais, no sentido de
que, após a criança ter se servido do cuidante na situação de desamparo estrutural,
abrigando-se estar nessa dimensão absolutamente nefasta, nesse desamparo, é
preciso a ela retornar, só que munida de recursos para então se separar
psiquicamente.
Em relação ao tema desenvolvido nesta dissertação, há um filme que
demonstra de maneira muito sensível esta questão do desamparo: “Vermelho como
o céu”, cuja direção é de Juan Antonio Bayona. O filme retrata uma história verídica
de um menino que sofreu um acidente se tornando cego desde então. Mirco era um
jovem toscano de dez anos apaixonado por cinema. Foi enviado para um instituto de
deficientes visuais em Gênova, uma vez que a escola em que estudava,
anteriormente ao acidente e sua condição de cego, não o aceitaram mais como uma
criança normal. Mirco Mencacci então, a partir da descoberta de um gravador velho,
passou a criar histórias, gravava os sons e hoje é um sonoplasta conhecido no
mundo cinematográfico.
11
Remetemos o leitor ao Seminário R.S.I. de 1974/1975 de Jacques Lacan, visando um
aprofundamento desses conceitos tão complexos à Psicanálise, pois não é nosso objetivo nos
determos nesses conceitos aqui, visto que são de longo alcance e nos afastaríamos da questão
central deste trabalho.
37
O menino Mirco, diante do desamparo que o tornou deficiente da noite para o
dia, passa a criar possibilidades dentro de uma escola onde os deficientes não
teriam lugar no mundo dos “normais”. Mirco através da sua criatividade promove um
outro laço social despertando o desejo em seus colegas, que embarcam em suas
histórias participando ativamente da descoberta dos sons, tornando-os sujeitos
desejantes e criativos. Esta história demonstra o quanto a deficiência física é
também simbólica, não sendo apenas biológica. O sujeito desejante emergiu através
da descoberta dos sons, já que não possuía mais o sentido da visão.
2.3 DESAMPARO E ANGÚSTIA.
Em seu texto Inibição, sintoma e angústia, Freud (1926, p.162) formula que a
angústia é, por um lado, uma expectativa de um trauma e, por outro, uma repetição
dele em forma atenuada. O neurótico é aquele que se apega ao traumático para dar
consistência ao Outro, por considerar este apego menos doloroso que o desamparo
diante da constatação da inexistência do Outro. O eu, que experimentou o trauma
passivamente, agora o repete ativamente em versão enfraquecida, na esperança de
ser ele próprio capaz de dirigir seu curso.
A respeito disso, em O Seminário 10, Lacan (1962/1963, p.64) afirma que
Freud diz que a angústia é a reação-sinal ante a perda de um objeto: perda sofrida
em bloco, quando do nascimento saído do meio uterino; perda eventual da mãe,
considerada como objeto; perda do pênis; perda do amor do objeto; perda do amor
do supereu. Conclui enfatizando que a angústia não é sinal de uma falta, mas de
algo que devemos conceber em um nível duplicado, por ser a falta de apoio
resultante da falta. Lacan ilustra com um exemplo esclarecedor: uma mãe nas
costas de uma criança o tempo todo a lhe limpar o bumbum, modelo da demanda,
da demanda que não pode falhar. Esse modelo deixa a criança perturbada ao
máximo pela possibilidade de que não haja falta. A possibilidade da ausência, diz
Lacan, é a segurança da presença. Assim, o que se trata na angústia não é da
perda de objeto, mas do problema que se instaura se os objetos não aparecerem
como faltosos.
38
O desamparo é relativo à experiência do sujeito de se defrontar com o furo do
outro, que corresponde à inexistência do outro do amparo (falta de um pai, por
exemplo). Já a experiência da angústia corresponde à emergência do objeto a. O
conceito de objeto a foi introduzido por Lacan, inicialmente, como outro objeto
desejado pelo sujeito, objeto perdido, não representável, resto não simbolizável.
Lacan (1960/1961) o introduz no Seminário 8, A Transferência, onde comenta O
Banquete de Platão, trazendo a questão do agálma — objeto que presentifica algo
além de si mesmo — ao se referir a Sócrates como tendo o objeto de desejo de
Alcibíades. Em obras posteriores a esse Seminário, Lacan aproxima cada vez mais
o objeto a do conceito de resto não simbolizável, referente ao real quando o corpo
pode ser representante dele, ou melhor, algumas partes do corpo: seio, fezes, olhar
e voz. Lacan nos esclarece sobre o objeto a definindo-o como causa de desejo,
objeto perdido que não pode ser encontrado, por isso o desejo nunca se satisfaz,
por exemplo: o grito do bebê — emissão vocal material que tem uma dimensão de
significação. Essa dimensão material também é o objeto a.12 Nas palavras de Lacan
(1962/1963):
Mas hoje não quero sair do primeiro nível, chamado nível oral, sem apontar
com clareza que a angústia já aparece nele, antes de qualquer articulação
como tal de demanda do Outro. Singularmente essa manifestação da
angústia coincide com a própria emergência no mundo daquele que virá a
ser o sujeito. Essa manifestação é o grito. (LACAN, 1962/1963, p.354).
A demanda, o grito, é sempre dirigida ao Outro, o que implica a questão da
alteridade. Nesse sentido, se faz necessário elaborarmos de forma mais detalhada o
conceito do grande Outro.
2.4 O CONCEITO DO OUTRO
Após 1949, Lacan, influenciado pelas leituras de Claude Lévi-Strauss (2003),
particularmente pelo livro Estruturas elementares do parentesco, teorizou sua noção
de simbólico, de onde surgiu uma nova concepção da alteridade, que segundo
12
Podemos considerar os anos 60 como a década dedicada por Lacan à conceitualização do objeto
a, sem o qual não seriam possíveis a constituição do campo do gozo e a teoria dos discursos como
laços sociais.
39
Roudinesco (1998, p.559) desembocou na invenção do termo “grande Outro” e se
separou de todas as concepções pós-freudianas da relação de objeto que estavam
em vigor na época.
Além das representações do eu, especulares ou imaginárias, o sujeito é
determinado, segundo Lacan, por uma ordem simbólica designada como “lugar do
Outro” e perfeitamente distinta do que é do âmbito de uma relação com o outro. Em
O Seminário do ano de 1954-1955, O eu na teoria de Freud e na técnica da
psicanálise, Lacan afirma que “não existe metalinguagem”, ou seja, não existe
determinação anterior à linguagem que possa garantir a existência de uma
linguagem. Assim como não há garantia da existência da linguagem fora da própria
linguagem, não há transparência da comunicação.
Vivemos imersos na linguagem, em um mundo onde os significantes habitam
o próprio mundo do sujeito falante, em um mundo onde é possível enganar. A falta é
simbólica, pois não há falta no real, a falta só é conhecida por intermédio do
simbólico.
O simbólico, que antecede o sujeito, é o registro que se constitui como o
verdadeiro articulador do sentido com o não-sentido, isto é, do imaginário com o
real. Apesar da criança não ter ainda acesso à sua própria fala, ela é falada pelos
outros, já surgindo em um lugar marcado simbolicamente. Para Lacan, o significante
pré-existe ao infans, pois ao nascer ele é falado pelo Outro, está inserido em um
circuito de desejo.
(...) e a situação do sujeito — vocês devem sabê-lo desde que lhes repito —
é essencialmente caracterizada pelo seu lugar no mundo simbólico, ou, em
outros termos, no mundo da palavra. É desse lugar que depende o fato de
que tenha direito ou defesa de se chamar Pedro. (LACAN, 1953/1954, p.97)
O sujeito está no mundo do símbolo, quer dizer, em um mundo de outros que
falam; por isso seu desejo é suscetível da mediação do reconhecimento.
O homem é definido, portanto, por uma diferença específica: é um animal
simbólico. O simbólico é uma mediação entre o sujeito e o outro, é o que dá ao
homem a consciência de si mesmo e o caracteriza como “humano” diferente do
“natural”. Surgido do encontro com a palavra, o eu passa a ser, por intermédio da
própria palavra, o lugar da ocultação, da mentira.
Para Lacan a passagem do imaginário ao simbólico é correlativa a
constituição do inconsciente como discurso do Outro.
40
Neste mesmo Seminário, na lição cujo título é “Introdução do grande Outro”,
Lacan introduziu pela primeira vez o termo grande Outro e afirma: “Há dois outros a
serem distinguidos, pelo menos dois — um outro com A maiúsculo e um outro com
um pequeno a, que é o eu. O Outro, é dele que se trata na função da fala” (LACAN,
1954/1955, p.297). Pode ser escrito com maiúscula, opondo-se então a um outro
com letra minúscula. Mas pode também receber a grafia grande Outro ou grande A,
opondo-se então, quer seja ao pequeno outro, quer seja ao pequeno a definido
como objeto (pequeno) a. Para entendermos esses conceitos, vamos evocar o
“Esquema L” que Lacan apresenta neste mesmo ano (1954/1955, p.307) e também
nos Escritos no texto intitulado “De uma questão preliminar” (1959, p.555)
(ES)
S
a’ (outro)
ria
ná
i
g
a
I m In
o
co
ã
l aç
ns
Re
cie
nte
(Eu, moi)
a
S- sua
A (Outro)
(S) - inefável e estúpida existência, preso às redes da linguagem;
(ES) – “isto fala” (ça parle), que corresponderia à tradução deste termo
alemão (ES) utilizado por Freud.
(a) - seus objetos;
(a’) - seu eu, isto é, o que se reflete de sua forma em seus objetos;
(A) - lugar de onde pode lhe ser formulada a questão de sua existência.
Neste esquema Lacan mostra que “o sujeito S (neurose ou psicose) depende
do que se desenrola no Outro A”. O que nele se desenrola articula-se como um
discurso (o inconsciente é o discurso do Outro), lugar de onde lhe pode ser
formulado a questão de sua existência: “Que sou eu nisso?” e Lacan (1959) continua
afirmando:
(...) que a questão de sua existência inunde o sujeito, suporte-o, invada-o ou
até o dilacere por completo, é o que testemunham ao analista as tensões,
as suspensões e as fantasias com que ele depara; mas resta ainda dizer
que é sob a forma de elementos do discurso particular que essa questão no
Outro se articula. (LACAN, 1959, p.556).
41
Nesse esquema, Lacan demonstra que o sujeito S jamais apreende a si
mesmo a não ser sob a forma de seu eu (moi) em a. A forma de seu eu, que
constitui sua identidade, permanece dependente do outro especular, como nos
indica o estádio do espelho, por isso a relação que o sujeito mantém consigo mesmo
e com os outros (seus objetos) é sempre mediada pelo eixo imaginário aa’. Em
razão desse eixo imaginário (aa’) quando um sujeito (S) se esforça para
comunicar com um sujeito a, ele jamais alcança esse destinatário em sua
autenticidade, e é sempre um eu (moi) que comunica concretamente com um outro
eu (moi) semelhante a ele. Assim, o S que se endereça ao grande Outro nunca
comunica senão com um pequeno outro. Na comunicação, o sujeito permanece
prisioneiro da ficção em que introduz sua própria alienação subjetiva. Daí Lacan
afirmar que não existe metalinguagem.
Entendemos que o Outro é um lugar, o Outro pode ser o lugar de
questionamento, o lugar do tesouro dos significantes (tesouro que por maior que
seja não será inesgotável, visto que a combinatória é exaustiva). Se o Outro constitui
o tesouro dos significantes no lugar do inconsciente, não é, no entanto, um conjunto
fechado, em que tudo está coberto pelo significante. No Outro há uma falta que é
estrutural e que pode se escrever: [S ()].
Esse matema13, segundo Quinet (2003, p.46), pode ser lido de várias
maneiras. Como significante da falta do Outro, designa que falta o significante que
completaria o Outro, e que nem tudo é significantizável, e que nem tudo pode ser
dito. O Outro para o neurótico é inconsistente, pois é barrado pelo significante da
castração, contendo, portanto, uma falta.
No texto já mencionado “De uma questão preliminar a todo tratamento
possível da psicose”, Lacan (1959, p.555) escreve o aforismo que se repetirá em
outros textos: “O inconsciente é o discurso do Outro”. A linguagem é considerada
Outro (A) porque está aí antes mesmo do sujeito nascer e estará aí depois que ele
morrer, o Outro poderá ser também um Outro idioma, um Outro país, a mãe, o pai, a
professora, a babá etc. O Outro falta para o neurótico, falta por ele ser inconsistente.
Já para o psicótico, o Outro não é barrado, é consistente. Quinet (2006, p.17) deduz;
“Se o Outro, tanto para o neurótico como para o psicótico, é o tesouro de
13
Termo criado por Jacques Lacan, em 1971, para designar uma escrita algébrica capaz de expor
cientificamente os conceitos da psicanálise.
42
significantes, o que faz a diferença entre eles é que para o psicótico não há no Outro
a inscrição da lei”.
Esse Outro absoluto que não contém o Nome-do-Pai pode ser mitificado pelo
pai da horda primitiva, descrito por Freud em Totem e Tabu (1913[1912-1913]), para
pensarmos a função paterna como a função da lei que se instaura a partir do
assassinato do pai totêmico, realizado pelos filhos que se uniram para com esse fim.
Nesse mito, o pai era aquele que gozava de todas as mulheres da tribo, por isso
mesmo é morto pelos filhos que visavam assim poder usufruir daquilo que
imaginavam que só o pai gozava. Entretanto, após o assassinato do pai, os filhos
passam a se sentirem ameaçados de serem eliminados, assim como o próprio pai o
foi. A lei é instituída, a interdição sobrevém com a sua morte e o desejo se enlaça à
lei. O pai morto é incorporado canibalisticamente e é erguido um totem no meio da
tribo como símbolo, significante do pai, fazendo-se presente, embora morto. A
presença na ausência, eis o significante, eis o pai simbólico instituído. O pai torna-se
mais vivo, estando morto, oxímoro que marca a ordem do simbólico.
Lacan identifica o pai morto ao Nome-do-Pai, instância simbólica do Pai. O
Outro do psicótico, por não conter essa lei, apresenta-se como essa figura que dele
goza como de um objeto que lhe pertence. Como o deus de Schreber que exige dele
a perpetuação da espécie dos homens. Diferentemente da neurose que o sujeito
pede a deus, na psicose é deus quem pede ao sujeito (QUINET, 2006, p. 27) Então,
qual seria o sentido do pai morto para o pensamento psicanalítico?
É importante ressaltar que é do significante que se trata, uma vez que a
representação desse pai morto se faça por meio do significante. Para a psicanálise a
realidade é concebida pelo sujeito, a realidade do sujeito é a realidade psíquica:
fantasística, subjetiva, construída singularmente por cada sujeito. As construções
dos romances familiares fazem parte do desenvolvimento normal do sujeito.
Uma vez submetido à ordem simbólica, o sujeito, através da fantasia vai
tentar dar conta do real que se apresenta. A questão importante nessa pesquisa a
ser investigada é, se a criança teve um lugar no desejo do Outro e qual é esse lugar.
Na psicanálise, é a partir da relação com esse Outro, do desejo e das fantasias em
jogo nessa relação, que o sujeito se constitui enquanto sujeito dividido, sujeito
situado no campo da linguagem. Se o inconsciente, Isto fala, é exatamente na
medida em que depende da linguagem, como estrutura, como discurso do Outro,
podemos situar o sujeito do inconsciente assujeitado ao desejo do Outro, ele fala
43
sem saber o que diz, e muitas vezes à sua revelia. Sendo o inconsciente o discurso
do Outro, nele o sujeito se encontra com sua mensagem, mas de forma invertida.
Por isso,quando falamos em discurso do Outro, estamos nos referindo ao próprio
sujeito do inconsciente e o que demarca esta passagem é o momento do Édipo.14 O
Édipo marca, como demonstramos no primeiro capítulo, o limite que a psicanálise
confere à subjetividade. Ele é o estruturador fundamental do constructo psicanalítico,
a saber, o inconsciente.
Lacan faz uma leitura do complexo de Édipo, com base na estrutura
lingüística e aborda o processo de constituição desejante como resultante dos três
tempos do Édipo onde se pode identificar o Outro:
Em um primeiro momento a questão que se coloca para a criança é a de “ser
ou não ser“ o falo da mãe, questão que a leva a uma posição de sujeição e
alienação, isto é, identifica-se como o objeto de desejo da mãe (aquilo que lhe falta).
Lacan nos sinaliza:
(...) o sujeito se identifica especularmente com aquilo que é objeto do desejo
de sua mãe. Essa é a etapa fálica primitiva, aquela em que a metáfora
paterna age por si, uma vez que a primazia do falo já está instaurada no
mundo pela existência do símbolo do discurso e da lei. Mas a criança só
pesca o resultado. Para agradar a mãe, se vocês me permitem andar
depressa e empregar palavras figuradas, é necessário e suficiente ser o
falo. Nessa etapa, muitas coisas se detêm e se fixam num certo sentido.
(LACAN, 1957, p. 198).
No segundo tempo, o pai intervém como privador da mãe, como aquele que
normatiza e que faz a lei organizadora. Esta inserção do pai é realizada pela mãe,
pois é ela quem o instaura como aquele que lhe faz a lei, demonstrando que seu
desejo está em Outro lugar, um Outro que tem o que ela deseja.
O pai desse segundo momento é o pai descrito por Freud em Totem eTabu,
esse pai violento e ciumento que guarda todas as fêmeas para si e expulsa os filhos
à medida que crescem (FREUD, (1913[1912-1913],p.169). Tal como no mito da
horda primordial, o pai desse segundo momento do Édipo é o “pai terrível”, o “pai
interditor”de que nos fala Lacan em As formações do inconsciente. Ele é duplamente
privador: priva a criança do objeto do seu desejo e priva a mãe do objeto fálico.
(LACAN, 1958, p.89) É essa dupla privação que vai permitir à criança superar o
momento de perfeição narcisista anterior e ter acesso à Lei do Pai. No entanto, esse
14
Para Lacan o Édipo se desenvolve em três tempos. Remetemos o leitor ao O Seminário, livro 5: as
formações do inconsciente (1958). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
44
pai não é ainda inteiramente revelado, seu aparecimento se faz através do discurso
da mãe, que o reconhece como homem e como representante da Lei. É mediado
pelo discurso da mãe que o pai exerce sua dupla proibição: I) ao filho: “Não dormirás
com tua mãe” 2) à mãe: “Não reintegrarás o teu produto” (LACAN, 1958, p.89) É
essa função paterna que Lacan denomina “Nome-do-Pai” ou “metáfora paterna”,
como veremos adiante.
O pai estabelece uma relação triangular, desfazendo a dualidade mãe-filho
que ocorre com a intervenção da metáfora paterna, efetivando-se no significante do
Nome-do-Pai. Lacan nos esclarece:
(...) A estreita ligação desse remeter a mãe a uma lei que não é a dela, mas
a de um Outro, com o fato de o objeto de seu desejo ser soberanamente
possuído, na realidade, por esse mesmo Outro a cuja lei ela remete, fornece
a chave da relação do Édipo. O que constitui seu caráter decisivo deve ser
isolado como relação não com o pai, mas com a palavra do pai. (LACAN,
1957,p.199).
Assim, Lacan deixa muito claro que a mãe, consequentemente, deixa de ser
um Outro absoluto para ser um Outro que porta uma falta, indicando a castração do
Outro.
À medida que este segundo tempo é atravessado, é preciso então, nos
esclarece Lacan (1957, p.200), “que aquilo que o pai prometeu seja mantido. Ele
pode dar e recusar, posto que o tem , mas o fato de que ele, o pai, tem o falo, disso
ele tem que dar provas”. E continua nos explicando a terceira etapa do Édipo:
É por intervir no terceiro tempo como aquele que tem o falo, e não que o é,
que se pode produzir a báscula que reinstaura a instância do falo como
objeto desejado da mãe, e não mais apenas como objeto do qual o pai pode
privar(...) O terceiro tempo é este; o pai pode dar à mãe o que ela deseja, e
pode dar porque o possui. Aqui intervém, portanto, a existência da potência
no sentido genital da palavra – digamos que o pai é um pai potente. Por
causa disso, a relação da mãe com o pai torna a passar para o plano real.
(LACAN, 1957, p.200).
Dessa forma, o pai se revela como aquele que tem o falo, que intervém como
real e potente, não com sua presença, mas com sua palavra, É ele que pode dar à
mãe aquilo que ela deseja, porque o possui. E porque ele o possui, a criança
identifica-se a ele, instituindo-o como o seu ideal do Eu. A criança passa a querer ter
o falo como o pai e deixa de ser o falo da mãe. É neste terceiro tempo que o
complexo de Édipo declina.
O menino se servirá do pai como modelo de virilidade, e através da metáfora
paterna, instituirá um significante. Assim como o pai, receberá o falo, desde que
45
aceite não o ser. Já para a menina é mais difícil, pois ela não tem de aguardar o
título de virilidade, pois sabe que não tem o falo, nem poderá vir a tê-lo.
Como observamos, o sujeito é produzido na linguagem, muito antes de sua
aquisição da linguagem, a criança já é capaz de constituir oposições significantes
(como no jogo do Fort- Da)15. O simbólico lhe é anterior e inscreve seu lugar no
Outro. O campo do simbólico é marcado pela impossibilidade de se dizer tudo, há
sempre um resto, um não-dito que não cansa de pedir representação. Por emergir
na ordem significante o sujeito é constituído por esta impossibilidade. Daí o sujeito
poder ser apenas representado pelos significantes do Outro e se questionar, a partir
dessa incompletude do Outro, qual é o seu lugar no significante do desejo do Outro.
Em seu O Seminário, A angústia, Lacan (1962/1963) afirma que o desejo do
Outro não reconhece o sujeito e nem o desconhece, ele não se dirige ao sujeito,
mas ele interroga sobre a existência desse sujeito, desse ser. O desejo do Outro
causa mal-estar e leva o sujeito a alguns questionamentos: Quem sou eu no desejo
do Outro? Qual é o meu lugar frente ao Outro? O Outro me desejou? Pode o Outro
me perder? Questões geradoras de angústia, pois dizem respeito à existência do
sujeito e que apontam a falta do Outro, que não responde, remetendo o sujeito ao
desejo. A angústia está sempre em relação com o desejo do Outro.
A criança apreende que há algo de indecifrável no discurso dos pais (Outro)
— “ele me diz isso, mas o que é que ele quer?“ (LACAN, 1964, p.203). Diante da
falta que percebe no seu discurso, nos intervalos entre os significantes utilizados, a
criança está interessada por aquilo que o discurso dos pais pode dizer sobre o
desejo deles, pelo lugar que as coisas ocupam para eles, para então, tentar
assegurar seu próprio lugar. Contudo, como o desejo só pode ser expresso pela
palavra, e desta forma nunca expresso adequadamente, não haverá coincidência
possível, haverá sempre um desencontro.
É na busca de um lugar no Outro materno, sinalizado pela falta no seu
discurso, que a criança deseja. Em diversos momentos de sua obra, Lacan reitera
15
O jogo do Fort-da, ou jogo do carretel, é paradigmático na psicanálise. O brinquedo de uma criança
de 18 meses, neto de Freud, é tomado como inspiração para introduzir o texto “Mais além do
princípio do prazer” ( 1920) O bebê quando confrontado com a ausência da mãe, atirava para longe o
objeto fazendo-o desaparecer. Associa esse jogo uma oposição de fonemas (Fort-da) longe-perto. O
bebê transformou uma situação na qual estava passivo para outra na qual está ativo. “Pois bem,
então: vá embora! Não preciso de você. Sou eu que estou mandando você embora”. Freud ainda
acrescenta que isto pode ser atribuído à vontade de vingar-se da mãe por afastar-se dele.
46
que o desejo da criança nasce subordinado ao desejo da mãe. E isto é capital, como
ele mesmo nos enuncia na seguinte passagem:
O papel da mãe é o desejo da mãe, é capital. O desejo da mãe não é algo
que se possa suportar assim, que lhes seja indiferente. Carreia sempre
estragos. Um grande crocodilo em cuja boca vocês estão – a mãe é isso.
Não se sabe o que lhe pode dar na telha, de estalo fechar sua bocarra. O
desejo da mãe é isso. (LACAN, 1969/1970, p.105).
A questão fundamental para o sujeito é a seguinte: O que o Outro quer de
mim? “Che vuoi?”16. Diante desta questão, o sujeito enquanto desejante aparece. O
sujeito, orientado pelo desejo do Outro, vai desejar o desejo do Outro, desejando ser
o desejo do Outro, na medida em que o que este Outro deseja, o falo – que é o
significante do desejo - está para além do sujeito. Por trás desse todo-poderoso (a
boca do crocodilo), existe uma falta remetendo ao próprio desejo. A partir da
tentativa de responder à pergunta “Che vuoi?”, que o sujeito poderá dialetizar os
significantes produzindo diferentes sentidos para si.
Vamos investigar no próximo item qual a relação do sujeito com a
castração/orfandade.
2. 5 A RELAÇÃO DO SUJEITO COM A ORFANDADE E A CASTRAÇÃO
Para abordarmos a questão da falta no Outro e sua articulação com a falta do
Outro, como veremos adiante, estudaremos o conceito de castração.
A castração sempre esteve relacionada à falta e a lei. Se em Freud ela se
articula à falta de pênis na mulher, em Lacan ela se configura como falta do Outro. O
nome da castração na psicanálise é esta falta, este corte, e tudo o que se opõe à
completude (incesto).
Lacan (1962/1963) nos ensina que a castração é fundamentalmente simbólica
e a partir dessa definição podemos inferir que a orfandade estrutural está
diretamente ligada ao conceito de castração no sentido de que não há completude,
16
Lacan retirou esse termo Che vuoi? de um conto chamado” O diabo enamorado” de Cazotte. O
conto começa em Nápoles, numa caverna onde o autor se entrega à evocação do diabo, o qual, após
as formalidades habituais não deixa de aparecer. Ele se manifesta sob a forma de uma formidável
cabeça de camelo, provida, em especial, de grandes orelhas, e pergunta ao autor com a voz
cavernosa que se possa imaginar — O que queres? Che vuoi? (LACAN, 1956/1957, p.171-2).
47
ou seja, falta algo ao Outro, assim como ao sujeito. A castração é evitada pelo
sujeito a todo custo, evitação de defrontar-se com a castração do Outro. Sendo
assim, “o sujeito recua é de devotar sua castração à castração do Outro”. (LACAN,
1962/1963, p. 56). Ao recuar, o sujeito acaba por recuar do próprio desejo. Se a
castração viabiliza o desejo, aqui entendido como desejo do Outro, então, o sujeito,
o neurótico, ao evitar a castração arranja uma estratégia contra ele mesmo, o que
traz conseqüências para o desejo.
Lacan (1975, p.55), em Televisão, nos define o mito: “é a tentativa de dar uma
forma épica ao que se opera na estrutura”. O mito de Édipo dá forma épica à
proibição do incesto e demonstra que gozar da mãe leva o sujeito ao pior, ou seja, à
castração no próprio corpo. Édipo, com seus olhos furados, parte rumo a Corinto na
posição do desamparado absoluto, o sem recursos, nas mãos do outro para ser
cuidado. O outro do socorro foi sua filha, Antígona.
Através do mito, aprendemos que a interdição do incesto é a lei universal
estruturante do simbólico, normalizadora do indivíduo e da sociedade. Freud utilizase do mito para tecer articulações com sua teoria que confere ao desejo do incesto e
do parricídio o fundamento da vida psíquica. A suposição postulada pela psicanálise
é que o desejo é desejo incestuoso, logo, a lei tem a função de impedimento, de
proibição em relação à realização do desejo. A tragédia pessoal vivida por Édipo
enquanto ato, ganha, em Freud, a partir de verificações clínicas, o estatuto de
desejo inconsciente universal que rege a vida psíquica desde a tenra infância. É o
desejo o que está em relevo quando falamos de Édipo.
O Édipo, evento psíquico, instala um jogo de identificações que vai
posicionando a criança, através da alternância de amor e ódio com relação aos pais,
num lugar de desejo. Tal lugar marcará definitivamente, segundo Freud (1905) nos
Três ensaios, a criança nas suas escolhas sexuais. A passagem pela cena edípica é
singular a cada um e inscreverá uma marca subjetiva.
Freud (1925), em Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica
entre os sexos, nos diz que nas meninas o complexo de Édipo é uma formação
posterior ao complexo de castração, que precede e a prepara para o Édipo.
Enquanto nos meninos o complexo de Édipo é destruído pelo complexo de
castração; na menina seu desejo de pênis é substituído pelo desejo de filho, para
que tome o pai como objeto de amor (pênis = filho).
48
Poderíamos lembrar o exemplo fornecido por Karl Abraham e comentado por
Lacan (1956/1957, p.196) em O Seminário 4: a relação de objeto . Trata-se de uma
menina de dois anos que vai até o armário de charutos depois do almoço. Ela pega
três charutos. Dá o primeiro para seu pai, o segundo para sua mãe, que não o fuma,
e põe o terceiro entre as pernas. Abraham admite de maneira explícita que o terceiro
gesto da menina indica que esse objeto simbólico lhe falta. Para Lacan, contudo,
que se apóia no artigo de Freud sobre a sexualidade feminina, não se trata apenas
disso. Não se pode ocultar seu segundo gesto: de dar um charuto para sua mãe.
Segundo
Lacan
(1956/1957,
p.193)
“a
criança
realiza,
mais
ou
menos
conscientemente, que falta algo à sua mãe onipotente”. Ela precisa encontrar um
meio de satisfazê-la, de lhe dar alguma coisa, receosa de que seja ela o objeto que
preencherá o que falta à sua mãe. A situação entre a mãe e a criança neste exemplo
remete à descoberta da criança de que sua mãe deseja alguma coisa que não ela
própria. O que está em jogo é saber qual é a função da criança para a mãe “no que
diz respeito a esse falo que é o objeto de seu desejo”. E sobre esse ponto Lacan é
bem preciso: a criança seria para a mãe a metonímia de seu desejo de falo,
“metonímica como totalidade” (LACAN, 1956/1957, p.242). E nesse plano, para
Lacan, o falo do menino não vale muito mais que o da menina.
De fato, o falo é descoberto progressivamente a partir da profunda
insatisfação experimentada pela mãe em sua relação com a criança ou pela criança
em sua relação com a mãe. É assim que ela se enlaça à nostalgia do falo
imaginário, que faz da criança uma figura imaginária. Ninguém mais encontra sua
liberdade nessa relação.
Lacan (1956/1957, p.206), nos diz que a menina sairia do Édipo sem uma
identificação especificamente feminina e teria de encontrar uma solução através de
sua relação com um homem ou uma compensação com uma criança, pela vertente
fálica. Embora diferissem quanto à resolução, o Édipo tanto feminino quanto
masculino foi inicialmente considerado nessa articulação falo-castração.
À medida que introduz novos conceitos na psicanálise, Lacan aprofunda seu
exame do Édipo feminino para concluir que a articulação falo-castração só era
suficiente para dar conta do complexo edípico do menino. Para explicar o da menina
era necessário avançar para um mais-além do falo. Ele não deixa de sinalizar que
falar de mais-além do falo não significa desconsiderar o falo, mas sim guardá-lo
como referência para conceituar o mais-além dele.
49
A metáfora paterna, conceito pelo qual Lacan (1957/1958), em O Seminário:
as formações do inconsciente, redefine o Édipo freudiano: mostra-se, no caso da
menina, em parte inoperante. Se contribui para a constituição da menina como
sujeito, libertando-a da alienação completa ao Outro, como nos primeiros tempos,
não a constitui propriamente mulher. Daí infere-se que a metáfora paterna deixa um
resto, no caso dela, na medida em que não lhe fornece um significante
especificamente feminino. A consideração do que fica fora da simbolização permite
a compreensão do argumento lacaniano de a “filha, como mulher, esperar mais
substância de sua mãe, do que seu pai”; retira seu fundamento. A maneira em itálico
de escrever-se o termo substância referindo-se à mulher, significa o paradoxo de
falar de substância no seu caso feminino na medida em que a mulher não tem um
significante específico para seu sexo, isto é, na lógica fálica do significante, a mulher
inscreve-se em falta de substância. (LACAN, 1973 apud ZALCBERG, 2003, p.120).
Lacan nesse mesmo Seminário declara que o pai é uma metáfora, significa
dizer que promove a substituição entre significantes. Nesse sentido, a intervenção
mais essencial do Nome-do-Pai no complexo de Édipo é ser um significante que
substitui um outro significante (o do desejo da mãe). O Nome-do-Pai é, portanto, um
significante de “serventia múltipla”, um “significante-chave” que incide sobre o sujeito
no sentido de se ordenar (fazer parte de uma ordem)
A condição da falta do objeto remete a uma incompletude do sujeito que o
atormenta ao mesmo tempo em que o funda. Relacionar-se com esse tormento é o
que propõe a psicanálise, e é dessa concepção de sujeito como um ser incompleto
que Freud nos fala quando nos apresenta sua teoria do complexo de Édipo.
No desamparo constitutivo do humano, o significante Nome-do-Pai ampara,
ao sustentar e possibilitar o desejo ao sujeito-criança, até então completamente
assujeitado ao desejo da mãe. Rompe com a ilusão de completude e oferece uma
“hiância” na qual o sujeito pode vir a emergir como sujeito desejante.
Se a castração é considerada por Lacan como um dado de estrutura e se o
pai, a partir de O Seminário, as formações do inconsciente, é também marcado pela
castração, então, não faz mais sentido falarmos em O Pai, mas em Um Pai. Um Pai
é, portanto, a figura eleita para encarnar esta função da castração que, como
insistimos, é um dado de estrutura. Um pai é então um representante, um agente da
castração, responsável por representar essa função.
50
Em O Seminário O avesso da psicanálise, Lacan nos sinaliza que “o que se
transmite de pai para filho é a castração” (LACAN, 1969/1970, p.114). Sendo assim,
vamos nos deter no conceito de recalque.
No artigo “O Recalcamento”, Freud (1915) distingue um recalcamento
compreendendo três momentos. O primeiro momento, um “recalcamento originário”,
não incide na pulsão enquanto tal, mas nos seus sinais, nos seus “representantes”
que não têm acesso à consciência nos quais a pulsão se conserva fixada. O
recalcamento propriamente dito, ou “recalcamento posterior”, é, pois, um processo
duplo, aliando a esta atração uma repulsa por parte de uma instância superior. O
terceiro momento é o “retorno do recalcado”, sob a forma de sintomas, sonho, atos
falhos etc.
O recalque originário aparece como processo fundamentalmente estruturante
e consiste numa metaforização — o ato mesmo da simbolização primordial da lei,
que se efetua na substituição do significante fálico pelo significante Nome-do-Pai.
A operação necessita que a criança seja conduzida a colocar-se como
“sujeito”, e não mais apenas como “objeto” do desejo do Outro. O advento deste
“sujeito” atualiza-se em uma operação inaugural de linguagem, na qual a criança se
esforça por designar simbolicamente sua renúncia ao objeto perdido. Tal designação
só é possível se estiver fundada no recalque do significante fálico, nomeado também
significante do desejo materno. Coloquemos tal significante (S1) como aquele que
irá governar a rede ulterior de toda a cadeia de significantes:
O processo metafórico consiste em introduzir um significante novo (S2) que
faz o significante antigo (S1) passar sob a barra de significação ($), com esta
conseqüência de mantê-lo provisoriamente inconsciente.
51
Podemos ilustrar o seu mecanismo com a experiência do fort-da, na qual a
criança vivencia a renúncia da expressão de seu desejo original através da
seqüência/presença e ausência de sua mãe:
Pai
Mãe
Mãe
x
“O que quer essa mulher aí? Eu bem que gostaria que fosse a mim que ela
quer, mas esta muito claro que não é só a mim que ela quer. Há outra coisa que
mexe com ela — é o x, o significado. E o significado das idas e vindas da mãe é o
falo”. (LACAN, 1957, p.181).
Coloquemos a expressão desse desejo original designado pela relação
significante:
S1
S2
↔ Significante do desejo da mãe
Idéia da mãe: falo
Como lembra Lacan (1955/1956, p 563.): “é na medida em que o pai substitui
a mãe como significante que irá produzir o resultado ordinário da metáfora, expresso
na fórmula”.
Nome − do − pai
Desejo da mãe
 A 
⋅
→ Nome do Pai 

Desejo da mãe Significado para o sujeito
 falo 
Para que o processo da metáfora paterna possa ser tomado como a
justificativa mais completa do inconsciente estruturado como uma linguagem, sua
abordagem necessita de algumas observações preliminares que concernem ao
objeto em torno do qual gravita a questão desta metáfora do Nome-do-pai: o objeto
fálico.
Na obra do Freud fica claro que o falo não é o pênis imaginariamente
atribuído à mulher sob a forma da mãe fálica, mas que, em contrapartida, o pai só é
estruturalmente terceiro na situação edipiana, porque o falo é o elemento significante
que lhe é atribuído. O objeto fálico é, antes de mais nada, um objeto cuja natureza
está em ser um elemento significante. Por mais que o falo seja prevalente, não o é
senão como referência simbólica.
52
A introdução do Nome-do–pai no Outro barra o acesso do sujeito ao gozo e o
sujeito não poderá ser objeto de gozo do Outro, a não ser em sua fantasia como
tentativa de complementar a falta, o desamparo. No próximo item abordaremos a
questão da fantasia como resposta ao desamparo
2.6 ROMANCES FAMILIARES: UMA RESPOSTA AO DESAMPARO
Em 1909, em um artigo escrito especialmente para o livro de Otto Rank, O
mito do nascimento do herói, Freud utilizou a expressão “romance familiar” para
designar uma construção inconsciente na qual a família inventada ou adotada pelo
sujeito é adornada de todos os elementos de prestígio, fornecidos pela lembrança
dos pais idealizados da infância. (ROUDINESCO; PLON, 1998). Tais elementos nos
encaminham a uma melhor explicitação da função da fantasia no psiquismo e de sua
participação na construção do romance familiar.
O conhecimento do papel dos pais nas relações sexuais — mater certissima,
pater incertus — funciona como uma variável que tem como efeito a ênfase no pai
na construção do romance. Há também a tendência de a criança se imaginar em
relações e situações eróticas com seus pais. Segundo Freud (1909[1908], p.245), a
“força motivadora para isso é o desejo de colocar a mãe (objeto da mais intensa
curiosidade sexual) em situações de secreta infidelidade e em secretos casos
amorosos”. Em ambos os casos, Freud se refere a motivos de vingança e retaliação.
São crianças que foram punidas por travessuras sexuais e que se vingam por meio
dessas fantasias. Freud também atribui essas produções fantasiosas ao ciúme dos
irmãos e a uma possível atração sexual por uma irmã.
Outro texto freudiano que examina as fantasias é Escritores Criativos e
Devaneios (1907). Nele, Freud formula que a criança só abdica da brincadeira em
função da fantasia: constrói castelos no ar e cria o que chamamos de devaneios
(fantasias conscientes). O adulto, ao contrário, envergonha-se de suas fantasias e
por isso as esconde das outras pessoas. Acalenta suas fantasias como seu bem
mais íntimo; em geral preferiria confessar suas faltas a confiar a outro suas
fantasias.
53
A fantasia17 ocupa a elaboração freudiana durante um longo período — que
podemos denominar “período áureo da fantasia” — situado entre 1907 e 1911,
estendendo-se desde o ensaio sobre a Gradiva de Jensen até o texto
metapsicológico Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental.
Durante esse período, Freud tematiza a questão da fantasia em diversos pequenos
artigos, todos eles dedicados a tratá-la em suas diferentes manifestações: como
sintoma, no ataque histérico, nas teorias sexuais infantis e na criação literária.
As fantasias relacionam-se com os processos: consciente, pré-consciente e
inconsciente. No âmbito da primeira tópica freudiana, observamos a predominância
da fantasia articulada à realização do desejo. Sob esta ótica, o sonho, os escritos
criativos, a vivência do drama teatral e o brincar da criança apontam para esse
processo psíquico.
O brincar da criança é determinado por desejos: desejo de ser grande, de ser
adulto. Não devemos supor que os produtos dessa atividade imaginativa sejam
estereotipados ou inalteráveis. Ao contrário, afirma Freud (1907), adaptam-se às
impressões mutáveis que o sujeito tem da vida.
O trabalho mental vincula-se a uma impressão atual, a alguma ocasião
motivadora no presente que foi capaz de despertar um dos desejos
principais do sujeito. O que se cria então é um devaneio ou fantasia. Dessa
forma o passado, o presente e o futuro são entrelaçados pelo fio do desejo
que os une. (FREUD, 1907, p.153).
Freud (1907) relata o caso de um órfão que tentava conseguir um emprego e
que no caminho permite-se a um devaneio adequado à situação: ele consegue o
emprego, conquista as boas graças do novo patrão, torna-se indispensável, é
recebido pela família do patrão, casa-se com sua encantadora filha etc. Nessa
fantasia, o sonhador reconquista o que possui ou possuiu em sua feliz infância: o lar
protetor, os pais amantíssimos e os primeiros objetos do seu afeto. Esse exemplo,
diz Freud, mostra como o desejo utiliza uma ocasião do presente para construir,
segundo moldes do passado, um quadro do futuro.
Através de seus casos clínicos, Freud pode observar que uma fantasia estava
presente em todos eles. Uma fantasia que não podia ser falada, mas que com
17
Não é por acaso que o termo fantasia aproxima-se etimologicamente de fantasma que significa
aparição, imagem que aparece no espírito e, em latim, significa visão. A fantasia fundamental
apresenta-se deste modo para o sujeito, daí talvez Lacan ter preferido utilizar fantasma ao invés de
fantasia, que estaria mais próximo do imaginário. (Cf. QUINET, A. Um olhar a mais: ver e ser visto
na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002).
54
poucas palavras expressava muito: ‘uma criança é espancada’. Essa fantasia
fundamental orienta a clínica de Freud a Lacan. Na clínica freudiana a construção
em análise da fantasia é condição para que o sujeito possa se curar de sua neurose,
enquanto que na clínica lacaniana a direção está demarcada pela sua travessia.
Freud (1919a), no texto Uma criança é espancada, formula os três tempos da
fantasia. No primeiro tempo, a pessoa que a relata não é a criança vítima do
espancamento, mas a ação recai sobre um rival e ela está apenas na posição de
espectador. No segundo tempo, e o mais importante dos três, é a própria criança
que está colocada na condição de vítima do espancamento pelo pai. É sempre
inconsciente, nunca surge como lembrança, é fruto de uma construção em análise.
O terceiro tempo está constituído por meninos que apanham: a criança retorna à
posição de espectador e o adulto que bate está na posição de autoridade.
Ao incluir esses três tempos na construção da fantasia, Freud (1919a)
promove importantes transformações em relação às conclusões da inserção da
fantasia na vida psíquica. A primeira delas é que esta construção fantasística se dá
após a criança entrar na trama edípica, sendo então a fantasia masoquista que aí se
origina por ocasião de sua primeira desilusão amorosa. As questões edipianas que
estão em jogo e que culminam com a instalação dessas fantasias são derivadas da
precoce escolha de objeto de amor da criança. As frases em relação ao amor
incestuoso, às quais estas fantasias estão relacionadas são: “o meu pai está
batendo na criança que eu odeio”, melhor dizendo,” meu pai não ama meu irmão
rival, ele só ama a mim”.
A fantasia do segundo tempo, “meu pai só ama a mim e não a outra criança”,
cujo sentimento de culpa do amor incestuoso transforma-se em “não, ele não ama a
mim, pois está me batendo”. Passagem em que a fantasia adquire o caráter
puramente masoquista. Ser espancado nos três tempos está ligado à privação de
amor e humilhação.
A terceira fase é a mais familiar e é a criança que cria a fantasia e aparece
quase como um espectador, ao passo que o pai persiste sob a forma de um
professor. Esta terceira fase juntamente com a primeira são lembradas
conscientemente, ao passo que a do meio permanece inconsciente. As duas fases
conscientes parecem ser sádicas, enquanto a segunda, a inconsciente, é de
natureza masoquista; seu conteúdo consiste em ser a criança espancada pelo pai, e
55
faz-se acompanhar de uma carga libidinal e de um sentimento de culpa. (FREUD,
1919, p.244).
A fantasia fundamental só entra em cena a partir da operação do recalque
originário, cujo efeito primordial será o de instalá-la como uma espécie de escudo
protetor, uma ancoragem para manter a “consistência” do Outro. A fantasia não é o
que cria a neurose e sim o que responde de forma fixa, com uma significação
absoluta, aos enigmas que se apresentam ao sujeito em relação à sua traumática
entrada na linguagem e na sexualidade. Na psicose, o delírio é uma tentativa de
suplência da não-instauração da fantasia fundamental.
No capítulo II de seu texto A Família, Lacan (1938) nos adverte com relação
ao delírio de filiação para a importância de estarmos atentos na clínica aos detalhes
do “romanciamento”, pois nele podemos localizar os elementos estruturais na
fantasia do sujeito. Lacan chama a atenção para “a importância clínica de certos
temas (...) como a erotomania ou o delírio de filiação ao deslocarem a atenção do
conjunto para os detalhes de seu romanciamento e descobrirem nisso as
características de uma estrutura”. (LACAN, 1938, p.72).
Otto Rank (apud ROUDINESCO; PLON, 1998) estudou as lendas típicas das
grandes mitologias ocidentais sobre o nascimento dos reis e dos fundadores de
religiões. Observou que Rômulo, Moisés, Édipo e até Jesus Cristo foram crianças
achadas, abandonadas ou “expostas” a um curso d’água por pais reais em razão de
alguma previsão sombria. Destinados a morrer, em geral são recolhidos por uma
família nutriz de classe social inferior. Na idade adulta, recuperam sua identidade
originária, vingam-se do pai e reconquistam seus reinos.
A idéia de romance familiar, segundo Elisabeth Roudinesco (&PLON, 1998,
p.669), foi utilizada por Freud em várias obras relativas à cultura, em especial em
Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância (1910 [1909]), Totem e Tabu
(1913[1912-1913]) e Moisés e o monoteísmo (1939[1934-1938]). “Esta idéia abriu
caminho para um amplo questionamento, na medida em que evidencia uma analogia
entre os mitos fundadores, os relatos romanceados modernos, os sistemas
delirantes e um mecanismo fantasístico de natureza subjetiva”.
Visando dar continuidade à constituição subjetiva, o próximo capítulo
abordará as operações de causação do sujeito na relação com o Outro.
56
3. ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO: A DUPLA CAUSAÇÃO DO
SUJEITO
Para continuarmos nossa investigação teórica acerca da constituição do
sujeito segundo a psicanálise, estudaremos os textos em que Jacques Lacan tratou
desta questão, especificamente em O Seminário 11. Lacan iniciou esse Seminário
em 1964, cerca de um mês depois de deixar a International Psychoanalytical
Association (IPA). Foi uma ruptura política séria que tinha como eixo central a
formação do analista, e é nesse Seminário que Lacan propõe as duas operações de
causação do sujeito: alienação e separação. O sujeito é responsável pela sua
escolha e, ao escolher a vida, escolhe necessariamente a morte, como diz Carneiro
Ribeiro (2005), “A morte está inscrita no bilhete da entrada”. Com essa escolha o
sujeito se aliena à linguagem.
A alienação envolve a lógica de uma escolha forçada pelo sentido, trazendo
sempre uma perda, um ponto de sem-sentido que corresponde ao inconsciente.
Este momento lógico da constituição do sujeito caracteriza o recalque originário, a
divisão fundante do sujeito do inconsciente. Com a operação de separação se
consuma a causação do sujeito. Nos intervalos da cadeia significante, inscreve-se o
desejo do Outro. Para responder à falta no Outro, o sujeito opera com sua própria
falta. É o recobrimento de duas faltas. Na operação de separação entram em jogo o
pequeno objeto a, através do qual o sujeito se faz objeto do desejo do Outro,
procurando recuperar a sua perda de ser, resultante da operação de alienação.
57
3.1 A QUESTÃO DO SUJEITO
O que é o sujeito para a psicanálise? Como se constitui? Qual sua relação
com o campo da linguagem? São questões que norteiam esse capítulo.
Sobre a constituição do sujeito, que Freud atribuía ao Édipo e à castração,
Lacan lança um novo conceito que diverge quanto ao momento da constituição
subjetiva que antecederia na entrada do complexo de Édipo, pois para Lacan já há
sujeito antes da questão edípica.
Freud não se utilizou do vocábulo sujeito, mas a partir de sua teorização do
complexo de Édipo fica claro que lá estava implícito, pois Édipo, como já
sublinhamos no primeiro capítulo, é a própria representação do sujeito do
inconsciente, o sujeito dividido. Mas o que Freud (1933) vem mostrar com a
descoberta do inconsciente é que o sujeito da consciência, “não é mais senhor em
sua casa”. O eu é a sede das resistências e fonte de desconhecimento. Freud
desvia o estatuto do sujeito cartesiano que pensa, demonstrando, pela análise dos
sonhos – “a via régia de acesso ao inconsciente” – que este sujeito é pensado. A
novidade de Freud, segundo Lacan, está no fato de que ele indica que é no campo
do sonho que o sujeito está em casa. Wo es War, soll Ich werden. “Onde isso
estava, o eu (como sujeito) deve advir”. (LACAN, 1964,p. 47).
Sigmund Freud inaugura com a psicanálise uma nova forma de laço social,
nomeada por Lacan de discurso analítico, que pressupõe o conceito de inconsciente
e a cura pela palavra.
Escutando seus pacientes, Freud interessou-se pelo que aparecia de falho,
de lacunar, de sem-sentido em seus discursos: os esquecimentos de nomes, os atos
falhos, os chistes, os sonhos e os sintomas. Ao deparar-se com o fenômeno clínico
da resistência, pode deduzir o recalque e supor uma “Outra cena” onde se desenrola
a vida psíquica. Essa Outra cena é constitutiva do inconsciente, que irrompe no
discurso como um equívoco, uma falta, um desfalecimento. (FREUD, 1915). Nesses
momentos, Freud percebeu que se articulava algo da verdade do sujeito. O conceito
freudiano de inconsciente abre uma fenda no sujeito, pensado até então como
senhor de si, constituindo uma ruptura com os paradigmas teóricos que o
antecederam.
58
Lacan nos esclarece: “Não digo que Freud introduz o sujeito no mundo, pois é
Descartes quem o faz” (LACAN, 1964, p.85). Lacan refere-se ao sujeito que nasce
com o cogito cartesiano, para subvertê-lo como o sujeito da psicanálise.
Descartes, nas Meditações, pretende livrar-se das falsas opiniões que
recebera até então, na busca pelo conhecimento da verdade. O instrumento que
utiliza para encontrar um ponto de certeza é a dúvida metódica, que é o exercício da
dúvida sistemática e generalizada. Começa por duvidar do que foi aprendido pelos
dados dos sentidos, que são enganadores. É o primeiro grau de dúvida. O
argumento do sonho introduz um segundo grau de dúvida: “Quantas vezes ocorreume sonhar, durante a noite, que estava neste lugar, que estava vestido, que estava
junto ao fogo, embora estivesse inteiramente nu em meu leito?” (DESCARTES,
1991, p.85). Isto sublinha que Descartes duvidava da existência do mundo exterior e
do próprio corpo. Chegará a um terceiro grau de dúvida com a hipótese
metodológica de que pode haver um Deus enganador, um gênio maligno que o faz
acreditar em tudo que está a sua volta, iludindo-o. Coloca em dúvida um saber mais
resistente, as verdades matemáticas. A astronomia, a física e a medicina já haviam
sido consideradas incertas. A dúvida é, então, universalizada, na primeira
meditação.
Na segunda meditação, Descartes se pergunta pelo que existe afinal, e
alcança uma primeira certeza. Se há um Deus que o pode enganar todo o tempo, é
somente porque ele existe. A saber, chega assim à proposição: Eu sou, eu existo.
Ao perguntar-se sobre sua natureza, sobre o que é verdadeiramente, atinge uma
certeza: sou uma coisa pensante. “Eu sou, eu existo: isto é certo; mas por quanto
tempo? A saber, por todo tempo em que penso.” (DESCARTES, 1991,p.96). Sua
existência é autentificada no exato instante do pensar. É o que o levará a formular
“Cogito ergo sum” — Penso, logo sou.
Descartes esvazia o sujeito de todos os saberes de suas representações e
imagens. Acede a um ponto de certeza do sujeito no pensar. É o sujeito como puro
vazio, um sujeito desencarnado. A leitura mais conhecida do cogito cartesiano,
tende a identificar o sujeito ao eu, entendê-lo como uno e substancial. No entanto, o
que Lacan decifrou da leitura das primeiras meditações, implica o sujeito como um
ponto desvanecente, dessubstancializado, por essa operação de esvaziamento que
leva ao cogito. O que ele encontra aí é o sujeito da psicanálise, o sujeito dividido,
59
simbolizado por um S barrado (). No escrito “Posição do Inconsciente”, Lacan
(1964a, p.314) diz: “O inconsciente é um conceito forjado sobre o rastro do que
opera para construir o sujeito”. Dito de outra forma, na constituição do sujeito, que se
dá através das operações de alienação e separação a linguagem deixa marcas,
rastros não evidentes que são, propriamente, o inconsciente. O sujeito só poderá
inserir-se na estrutura descompletando-a, barrando-se um significante S barrado ($).
Trata-se de introduzir uma descontinuidade no conjunto dos significantes, um sujeito
barrado, que só poderá ser contado aí como falta.
Lacan aponta para a necessidade dos conceitos do sujeito e do Outro,
definindo o Outro como “o lugar em que se situa a cadeia significante que comanda
tudo que vai poder presentificar-se do sujeito” (Lacan, 1958,p.193-194). O sujeito
nasce, numa relação de dependência significante com o lugar do Outro. Desde logo,
sempre que um significante representa um sujeito para outro significante, a
alienação se produz.
3.2 ALIENAÇÃO: O VIR-A-SER DO SUJEITO
O que Lacan chama de vel da alienação implica a lógica de uma escolha
forçada pelo sentido, comportando, por outro lado, uma perda, um sem-sentido. A
operação denominada alienação reside nesta entrada no campo do Outro, sob a
forma da divisão subjetiva. É preciso que o Outro organize e ordene o mundo
imaginário no qual o sujeito se aliena para remetê-lo à ordem simbólica. Através do
Outro da linguagem, se dará a identificação do sujeito, e pelo efeito dessa
identificação lhe será permitido incluir-se na ordem simbólica. É o campo “desse
vivo, chamado à subjetividade, que se manifesta essencialmente a pulsão.” (LACAN,
1964, p.194).
O sujeito nasce no campo do Outro. O sujeito do inconsciente está sob o
significante que desenvolve suas redes, suas cadeias e sua história. O sujeito do
inconsciente está num lugar indeterminado.
60
Por nascer com o significante, o sujeito nasce dividido. Diz Lacan: “O sujeito é
esse surgimento que, justo antes, como sujeito, não era nada, mas que, apenas
aparecido, se coagula em significante” (LACAN, 1964, p.188).
Colette Soler, no artigo O sujeito e o Outro, nos explica essa citação:
O Outro precede o sujeito como lugar da linguagem — o Outro que fala
precede o sujeito e fala sobre o sujeito antes de seu nascimento. Assim, o
Outro é a primeira causa do sujeito. O sujeito não é uma substância; o
sujeito é um efeito de significante. O fato de não existir sujeito não quer
dizer que não existe nada, porque pode existir um ser vivo, mas este ser
vivo se torna um sujeito somente quando um significante o representa.
Logo, antes do surgimento do significante, o sujeito é nada. (SOLER, 1997,
p.56).
O sujeito “petrificado” pelo significante, é um sujeito que não faz quaisquer
pergunta. A definição mais simples de um sujeito petrificado é a daquele que não se
questiona sobre si mesmo. Recusa-se mesmo a pensar sobre si.
Para falar do processo de borda que é circular, Lacan (1964) utiliza a figura
do losango como algoritmo. É uma borda que funciona lhe provendo uma direção
vetorial no sentido anti-horário. Em Psicanálise, lemos da esquerda para direita. O
segundo tempo é que explica o primeiro tempo. Isso é o esquema do a posteriori de
Freud (Nachträglich).
O V inferir do losango é o vel constituído pela primeira operação essencial em
que se funda o sujeito, a alienação. Alienar-se no significante é a única maneira de
estarmos no mundo. A alienação consiste nesse vel que condena o sujeito a só
aparecer nesta divisão, ou seja, se ele aparece de um lado como sentido, produzido
pelo significante, do outro ele aparece como afânise (desaparecimento).
Se escolhermos o SER, O SUJEITO desaparece, ele nos escapa, cai no nãosenso. Se escolhermos o SENTIDO, este só existe decepado do não-senso, o
inconsciente.
É da natureza desse sentido, tal como devem emergir no campo do Outro, ser
eclipsado pelo desaparecimento do SER induzido pela função mesma do significante.
No caso do sujeito, os dois termos que Lacan considera em jogo, no nível da
alienação, são o sentido e o não-sentido (não-senso). Lacan deixou claro que esses
61
termos são os dois termos da cadeia significante (S1  S2). O sujeito tem uma só
escolha entre “petrificar-se” num significante ou deslizar no sentido, porque quando
se tem um elo entre os significantes (S1 e S2) tem-se sentido.
SER
Sujeito
SENTIDO
Outro
O significante advém do campo do Outro e marca o sujeito, mas o sujeito
marcado pelo significante é “petrificado” sob o significante. Ou você é representado
pelo significante ou você não é sujeito. Na medida em que o sujeito emerge no
intervalo dos significantes que o representam, temos a abertura do inconsciente, o
sujeito da enunciação – abertura. Sujeito representado pelo significante –
petrificação – fechamento. Então, é no intervalo que vamos vislumbrar o sujeito do
desejo, é pontual. Essa questão é muito importante na clínica, pois vislumbramos
realmente o sujeito para além do significante, na enunciação dele, no jeito singular
de cada um. Há um momento que Lacan sublinha que o ou alienante não é uma
invenção arbitrária, ele está na linguagem, a “a escolha forçada” entre o ser e o
sentido, “a bolsa ou a vida”, ou a liberdade ou a vida. Entre o ser e o significante,
entre o ser e o sentido, escolhemos o sentido, o significante, porém, mata a coisa, o
significante é letal. Não só a vida contém a morte, como o significante contém a
morte da coisa. Sempre que fazemos uma escolha pela vida, estamos escolhendo a
morte. Só morre o que está vivo. (LACAN, 1964, p.201-2).
Escolhe-se a bolsa, perco as duas. Se escolher a vida, tenho a vida sem a
bolsa, uma vida decepada, ou seja, uma vida sem dinheiro, sem prazer, por
62
exemplo. Deve haver aí algo de particular, que Lacan denominou FATOR LETAL.
Este é o essencial do vel alienante.
3.3. A OPERAÇÃO DE SEPARAÇÃO
Na segunda operação, termina a circularidade da relação do sujeito com o
Outro. Aí se demonstra uma torção essencial, há uma separação.
Esta operação se constitui na INTERSEÇÃO. Com isso, reencontramos a forma
da hiância, ou seja, a relação do sujeito ao Outro se engendra por inteiro num
processo de falta. A idéia de interseção surge para Lacan para demonstrar o
recobrimento de duas faltas. Uma falta é encontrada no Outro, na mesma intimação
que lhe faz o Outro por seu discurso. A segunda, tem a ver com o desejo.
Nos intervalos do discurso do Outro, surge para a criança a pergunta: Ele me
diz isso, mas o que é que ele quer? A criança está interrogando sobre a
ambigüidade do discurso. Com a sua curiosidade, as crianças revelam que já
entraram no jogo de significante. O desejo do Outro é apreendido pelo sujeito
naquilo que não cola, nas faltas do discurso do Outro.
Lacan (1964) nos ilustra esta questão com os “POR-QUÊS?” das crianças
que seriam o testemunho do enigma do desejo do adulto: “Por que será que você
me diz isso?”.
O primeiro objeto que o sujeito propõe a esse desejo parental, cujo objeto é
desconhecido, é a sua própria perda. Na pergunta “Pode ele me perder?”, coloca-se
a fantasia de sua morte, de seu desaparecimento. Isso é o que há de mais
assustador para o sujeito, é o que entra em questão de uma forma muito radical em
todas as relações amorosas, porque o sujeito supõe que, no fundo, o Outro não
pode perdê-lo, porque o Outro não pode viver sem ele, que ele de fato completa o
Outro. E quando há o rompimento de uma relação amorosa, o que fica evidente para
o sujeito é que o outro pode perdê-lo, levando-o a sua Hilflosigkeit.
Lacan continua dizendo nesse Seminário que uma falta recobre a outra. A
dialética dos objetos do desejo está aí, no que ela faz a junção do desejo do sujeito
com o desejo do Outro. (LACAN, 1964, p.200-1).
63
União - Alienação
Interseção - Separação
Enquanto a alienação está fundada na subestrutura da reunião, a separação
está fundada na interseção. O sujeito vem a encontrar no desejo do Outro sua
equivalência ao que ele é como sujeito do inconsciente; descobre que o Outro é
barrado, que nele também há falta.
Podemos dizer que a alienação consiste na causação do sujeito pelo desejo
do Outro que precedeu seu nascimento. Na alienação, há uma “escolha forçada”
que descarta o SER para o sujeito, instituindo em seu lugar a ordem simbólica, e
relegando o sujeito à mera existência como um marcador de lugar dentro dessa
ordem.
A separação consiste na tentativa por parte do sujeito alienado de lidar com
esse desejo do Outro, na maneira como ele se manifesta no mundo do sujeito. A
criança tenta sondar o desejo do Outro materno, que está em constante mudança,
desejo entendido como desejo por algo mais. A criança é forçada a aceitar o fato de
que não é o único interesse da mãe, seu mundo ou universo. Separare — tem valor
de se parare, que em latim significa engendrar-se —, dá origem ao ser, mas a um
ser evanescente e evasivo. (LACAN, 1964, p.202). Na separação, há a idéia de
justaposição de duas faltas: o Outro materno precisa mostrar algum sinal de
incompletude para a separação se concretizar e para o sujeito vir a ser como S
barrado (). Aqui, tanto o sujeito quanto o Outro estão excluídos. O ser do sujeito
deve advir, de certa forma, de fora, “como conseqüência um nem um, nem outro”.
(LACAN, 1964, p.200).
O Outro materno aprisiona-se como sujeito desejante, faltante e alienado, ou
seja, que também se sujeitou à ação da divisão da linguagem. O sujeito tenta
preencher na separação a falta do Outro materno, de forma que possa alinhar e
conjugar essas duas faltas. Entretanto, esse momento é irrealizável. A criança não
poderá monopolizar por completo o espaço do desejo da mãe. O sujeito é impedido
ou barrado de tomar por completo o espaço do desejo.
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Pela separação o sujeito pensa, segundo Lacan, o ponto fraco da articulação
significante, no que ela é de essência alienante. É no intervalo entre esses dois
significantes que aparece o desejo, estrutura mais radical da cadeia significante, é o
lugar freqüentado pela metonímia, veículo do desejo. Daí a metonímia estar ligada a
falta-a-ser e remeter a essa divisão do sujeito.
A falta-a-ser é própria da alienação e é reencontrada na operação de
separação. É na separação que intervém a instância da castração. A operação de
separação só opera na neurose, pois é propriamente esta operação de
castração/separação que o Outro e o sujeito são marcados pela falta. A fantasia
fundamental, trabalhada no segundo capítulo, é uma tentativa de recuperar esse
objeto que uniria o sujeito ao Outro numa ilusão de completude.
A alienação é o destino. Nenhum sujeito falante pode evitar a alienação. É um
destino ligado à fala. Mas a separação não é destino, é escolha. A separação é algo
que pode ou não estar presente.
Foi no contexto de ruptura com a IPA, em 1964, que Lacan construiu toda
essa teoria sobre alienação e separação, marcada fortemente por seu desejo de
separação em relação às cadeias de significantes alienantes, mortificantes que o
aprisionavam. Nesse momento, Lacan deparou-se com seu desamparo e munindose de seus próprios recursos levou-o a não demandar nada mais ao grande Outro,
ao grande Outro da IPA.
Para concluir esse capítulo, chamamos a atenção para que na operação de
separação o sujeito ganha autonomia em relação ao Outro e reencontra sua
orfandade estrutural, podendo, então, ocupar um lugar mais autêntico.
65
CONCLUSÃO
A repetição do encontro da psicanálise com o mito de Édipo, “não cessa de
não se escrever” (AZEVEDO, 2004, p.68). Guimarães Rosa nos diz que “o mito é
esta malha tecida para capturar o indizível” (ROSA apud AZEVEDO, p.67). Freud
precisou recorrer ao mito para situar o lugar do sujeito e seus desejos.
Esta pesquisa enfocou na tragédia Édipo Rei o desamparo — Hilflosigkeit —
presente desde o nascimento de Édipo, uma vez que seus pais desejaram sua
morte e agiram para que esse destino se realizasse. Nessa perspectiva, a condição
mais primitiva na qual a criança descobre-se sem recursos sem o outro constitui,
paradoxalmente, a única garantia do ”pouco de liberdade” que o sujeito dispõe para
sustentar o inesgotável de seu desejo. (LACAN, 1958/1959).
O infans quando nasce é falado pelo Outro, está inserido num circuito de
desejo que existe desde a escolha de seu nome, e mesmo antes. Entretanto, esse
desfilar de significantes ainda não constitui uma cadeia, é um “enxame de
significantes” sem significados a ele articulado. É na possibilidade de articulação,
entre um significante e outro, na hiância entre eles, que o sujeito é capturado e de
onde a fala se produz. Primeiro capturado pelos significantes doados pelo Outro
materno, o sujeito é arremessado, paradoxalmente, ao processo de orfandade, que
implica numa certa desilusão: quando o sujeito percebe que o Outro não lhe dá
garantias e que ao Outro falta algo; não há Outro do Outro. Sendo assim, cabe ao
próprio sujeito se haver com seu desamparo e com seu próprio recurso enfrentar o
“mundo hostil”, de modo a não precisar mais se esconder em uma posição
infantilizada e regredida, na qual necessita do pai da infância para se proteger, como
muito bem nos ensina Freud (1927) em Futuro de uma Ilusão.
66
A “cura” psicanalítica, por sua vez, supõe que o sujeito possa tolerar esse
estado de desamparo e fazer dele não um foco sintomático de desespero, mas uma
fonte de criatividade.
Lacan (1959/1960, p.364), em seu Seminário sobre a ética da psicanálise,
nos atenta para a questão do final de análise: momento que o sujeito não deve
esperar mais a ajuda de ninguém, e sim encarar o seu desamparo com seus
próprios recursos. A angústia produz um sinal que não é nada mais do que a
Hilflosigkeit, a desolação, em que o homem nesta relação consigo mesmo se depara
com sua própria morte, ou seja, com sua castração. O final de análise é a
possibilidade do sujeito poder ter feito sua travessia pelo “rochedo da castração”: “o
sujeito não se cura de sua divisão. Fazer da castração sujeito é o dever do analista”
(LACAN apud QUINET, 2002, p.97). E poder assim dispensar a proteção do Outro,
pois o Outro falta.
A partir da alienação como destino no campo do Outro, a separação advirá e
conforme a estrutura o sujeito deparar-se-á com a falta do Outro (), isto é, com sua
orfandade.
O devir de uma criança não pode ser considerado somente a partir da relação
de determinação e de continuidade que a precede com as pessoas que ocuparem
para ela o lugar do Outro. Esses marcos são parciais, pois existe uma hiância que
permanece aberta e que faz surgir o novo, daí que nos permite escapar ao
determinismo. O psicanalista que conduz uma análise sustenta um ponto de
suspensão em relação ao que precede o sujeito e faz o sujeito deparar-se com o
real de que o Outro falta.
É isso que está em jogo no tratamento analítico. É importante que o analista
possa ir além de suas resistências e evite cair nas armadilhas das histórias e sua
superabundância de sentido e, desse modo, possa marcar a importância do
equívoco como direção de cura que aponta para a ambigüidade da linguagem e a
inconsistência do Outro.
O que desejamos sublinhar nesta pesquisa é a importância da entrada do
sujeito no campo da linguagem – seu acolhimento pelo Outro do cuidado e do amor
— a alienação no Outro como o destino de todo ser falante, sendo, entretanto,
necessária a operação de separação, pensada aqui como um processo de assunção
da orfandade estrutural, representando o corte necessário em relação ao Outro para
67
que o sujeito possa criar algo novo e fazer sua própria história. Isso implica que o
sujeito terá que contar com seus próprios recursos e, nesse sentido, somos todos
órfãos.
68
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75
APÊNDICE A — Seminários de psicanálise para dar subsídios aos
profissionais que trabalham em Instituições — creches, abrigos,
escolas, orfanatos — com crianças em situação de desamparo.
Os dois seminários são oferecidos como subsídios da psicanálise aos
profissionais que trabalham em Instituições que se dedicam a crianças carentes em
abrigos e orfanatos, visando atender aos profissionais no sentido de orientá-los para
lidar com a questão do desamparo.
Os seminários são constituídos de duas palestras sobre o desamparo como
orfandade estrutural, produzidas em Power-point. A primeira apresentação visa
situar os profissionais no campo da psicanálise a partir do mito de Édipo. A segunda
palestra propõe abordar a questão do desamparo em termos teóricos e clínicos, a
partir do recorte de Édipo criança, rejeitado e abandonado para ser morto por seus
pais biológicos.
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ANEXOS
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A orfandade na psicanálise - UVA – Universidade Veiga de Almeida