UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE ISADORA NUNES BARBOSA RAMOS SUICÍDIO: UM TEMA POUCO CONHECIDO NA FORMAÇÃO MÉDICA RIO DE JANEIRO 2011 ISADORA NUNES BARBOSA RAMOS SUICÍDIO: UM TEMA POUCO CONHECIDO NA FORMAÇÃO MÉDICA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Educação em Ciências e Saúde. Área de Concentração: Ensino de Ciências e Matemática. Orientadora: Prof.a Dr.a Eliane Brígida Morais Falcão RIO DE JANEIRO 2011 Ramos, Isadora Nunes Barbosa. Suicídio: um tema pouco conhecido na formação médica / Isadora Nunes Barbosa Ramos.– Rio de Janeiro: Nutes, 2011. 90 f. : il. ; 31 cm. Orientador: Eliane Brígida Morais Falcão. Dissertação (mestrado) -- UFRJ, Nutes, Programa de Pósgraduação em Educação em Ciências e Saúde, 2011 . Referências bibliográficas: f. 84-86. 1. Suicídio – Prevenção e controle. 2. Formação médica. 3. Residentes (Medicina). 4. Suicídio – Estatística e dados numéricos. 5. Educação em Ciências e Saúde - Tese. I. Falcão, Eliane Brígida Morais. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nutes, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde. III. Título. Isadora Nunes Barbosa Ramos SUICÍDIO: um tema pouco conhecido na formação médica Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde. Aprovado em __________________________________ ______________________________________________________ Profa. Dra. Eliane Brígida Morais Falcão – UFRJ ______________________________________________________ Prof. Dr. Nelson Spector – UFRJ ______________________________________________________ Profa. Dra. Isabel Gomes Rodrigues Martins – UFRJ Dedico este trabalho à vida. AGRADECIMENTOS À Profa. Eliane Brígida Morais Falcão, pela orientação que possibilitou a realização deste trabalho. À Ana Ferrara e Isabel Quental que me apresentaram ao Projeto Comviver, inspiração para este trabalho. Ao meu pai pelo incentivo e dedicação em me ajudar em todos os momentos da minha vida, sempre “dando um jeito” de remover os obstáculos do meu caminho. Às minhas colegas de laboratório Cristiana Valença, Luana Ferreira de Almeida e Alessandra Guida pela força e apoio que me deram ao longo destes dois anos. Às minhas amigas, sempre comigo em todas as horas, em especial minha amiga Daniela Azeredo que colaborou de forma imprescindível, disponibilizando seu computador, para a finalização da dissertação. Às minhas primas Carolina Nunes, Joanna Nunes e Amanda Cardoso por me receberem em sua casa inúmeras vezes para que eu utilizasse a internet, sem a qual seria impraticável a conclusão deste trabalho. Às professoras Maria Tavares e Ivone Cabral pela contribuição dada no exame de qualificação. Á equipe da Clínica da Gávea que sempre me apoiou, em especial Dra Anna Simões e Rodrigo Torres, meus “superiores” que flexibilizaram meus horários de trabalho para a realização do mestrado. À minha analista que me dá grande suporte no enfrentamento de novos desafios. Á minha avó Maria Helena (in memorium) pelos sábios conselhos e orientações que me deu ao longo da vida e pelos quais serei eternamente grata. Aos funcionários da Pós Graduação do Nutes Lúcia e Ricardo, sempre dispostos a esclarecer dúvidas e fornecer informações necessárias para a conclusão deste trabalho. RESUMO RAMOS, Isadora Nunes Barbosa. Suicídio: um tema pouco conhecido na formação médica. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011. Esta pesquisa foi realizada em instituição federal pública universitária com o objetivo de melhor conhecer visões, valores e atitudes dos médicos residentes em Clínica Médica e em Psiquiatria em relação ao suicídio. Trabalhou-se com o conceito de representação social (Moscovici) e a metodologia qualiquantitativa do discurso do sujeito coletivo (DSC) (Lefèvre e Lefèvre). Os discursos revelaram que os médicos residentes, tanto em Clínica Médica quanto os de Psiquiatria, se apresentam sensibilizados com a questão do suicídio, entretanto não familiarizados com a bibliografia especializada e nem com os procedimentos de atendimento já normatizados pelo Ministério da Saúde e pela OMS. Os pesquisados de ambos os grupos revelaram dificuldades para identificar e prestar atendimento a pacientes em risco de suicídio, ainda que os residentes em psiquiatria tenham apresentado maior segurança ao se expressarem em relação ao tema em questão. Conclui-se que parece faltar à formação médica (graduação e residência) maior atenção ao tema suicídio. Palavras-chave: Suicídio; Médicos Residentes; Formação Médica; Prevenção. ABSTRACT RAMOS, Isadora Nunes Barbosa. Suicídio: um tema pouco conhecido na formação médica. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011. The present research was held in a federal university and its purpose is to get more acquainted with opinions, values, and actions of intern resident physicians and psychiatry resident physicians when it comes to suicide issues. The research comprises the concept of social representation (Moscovici) and the discourse of the collective subject (DCS) qualiquantitative analysis (Lefèvre and Lefèvre). Discourses revealed that both intern and psychiatry resident physicians were sensitized with the suicide issue, although unacquainted with specialized bibliography on the matter or health care procedures standardized by Ministry of Health and WHO (World Health Organization). Consulted professionals of both groups reported difficulties to identify and tend patients in suicide risk, although those in psychiatry residency had shown more confidence when approaching the subject. Therefore, the conclusion is that medical degree (undergraduate and residency programs) seems to lack of proper attention to the suicide matter. Keywords: Suicide; Resident Physicians; Medical degree; Prevention. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 1. AS DIFERENTES ABORDAGENS PARA O SUICÍDIO ........................................... 1.1 Abordagens históricas, sociais e religiosas .................................................................. 1.2 Abordagens psicológicas e psicanalíticas para o suicídio ............................................ 1.3 A abordagem médica para o suicídio ........................................................................... 2. DADOS EPIDEMIOLÓGICOS DO SUICÍDIO NO BRASIL E NO MUNDO .......................................................................................... 2.1 Dados sobre as taxas mundiais e nacionais de suicídio e a relação com a idade e o gênero ...................................................................................................... 2.2 Dados sobre os fatores de risco para o suicídio ........................................................... 3. POLÍTICAS DE SAÚDE PARA A PREVENÇÃO DO SUICIDIO NO BRASIL ..................................................................................................................... 3.1 Orientações da OMS a médicos clínicos gerais para o atendimento a Pacientes em risco de suicídio ........................................................................................... 4. O CONTEXTO INSTITUCIONAL DA RESIDÊNCIA EM CLÍNICA MÉDICA ................................................................................................. 5. OBJETIVOS E METODOLOGIA ................................................................................. 5.1 Objetivo Geral .............................................................................................................. 5.2 Objetivos específicos .................................................................................................... 5.3 Metodologia .................................................................................................................. 6. RESULTADOS .............................................................................................................. 6.1 Resultados referentes aos residentes em Clínica Médica ............................................. 6.1.2 Dados dos questionários ............................................................................................ 6.2 Resultados referentes aos residentes em Psiquiatria ..................................................... 6.2.1 Dados dos questionários ............................................................................................ 7. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................................................................................ CONCLUSÃO ................................................................................................................... REFERÊNCIAS ................................................................................................................ ANEXOS 8 12 12 17 18 21 21 24 31 34 38 41 41 41 41 45 45 46 62 63 75 83 84 8 INTRODUÇÃO Minha experiência profissional com o tema da morte e do suicídio começou ao longo do curso de especialização em Terapia de Família no IPUB-UFRJ1 durante o atendimento psicológico às mais diversas pessoas que procuravam o setor, entre as quais familiares que haviam perdido entes próximos por suicídio. Naquele momento, já exercendo o papel de psicóloga, sentia a necessidade de confortá-los, tentando mostrar que a morte faz parte da vida sendo, então, algo que não podemos negar. Já no final do curso, participei de um projeto chamado ComViver, uma das ações implementadas com a Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, do Ministério da Saúde, em 2006, responsável pelo atendimento aos “sobreviventes do suicídio”, familiares e amigos de alguém que se suicida. Além do acompanhamento a tal clientela específica, o projeto, a partir de telefonemas, também fazia o encaminhamento daqueles que apresentavam outras demandas. Essas demandas vinham de pessoas em intenso sofrimento, buscando ajuda após tentativa de suicídio ou familiares/amigos preocupados com alguém próximo que atentou contra a própria vida. Com base em levantamento de instituições públicas e/ou serviços de saúde pública que ofereciam atendimento psiquiátrico e psicológico, realizado pela equipe, fazíamos, por intermédio de telefonemas, o encaminhamento e monitoramento dos casos a fim de verificar a chegada ao serviço e o atendimento recebido. Foi neste momento de monitoramento que passamos a ouvir relatos de pessoas que chegando ao serviço de saúde pública devido a tentativa de suicídio ou ideação suicida, se sentiram discriminadas pelos profissionais de saúde como enfermeiros e médicos. Tal discriminação, segundo os relatos, se manifestava na pouca atenção, no tratamento hostil ou ironia diante do quadro. Após meses de atendimentos, constatamos que a maior parte dos pedidos de ajuda partia de familiares e amigos de pessoas que estavam em sofrimento, com ideações suicidas, ou familiares de pessoas com transtorno mental, inclusive com histórias de tentativa de suicídio e que buscavam orientação para encontrar tratamento especializado na rede de saúde, principalmente pública, diante das dificuldades financeiras. Informações mais amplas confirmam essa demanda de atendimento e descrevem o aumento das mortes por suicídio no mundo, do número de tentativas e a necessidade de atenção a esses casos. Dados da Organização Mundial de Saúde – OMS (Manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental do Ministério da Saúde – Brasil, 2006) estimam 1 Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro 9 que o número de mortes por suicídio, em termos globais, para o ano de 2003 girou em torno de 900 mil pessoas, constituindo uma das dez maiores causas de morte em todos os países e uma das três na faixa etária de 15 a 35 anos. Em indivíduos entre 15 e 44 anos, o suicídio é a sexta causa de incapacitação e 1,4% do ônus global ocasionado por doenças no ano 2002 foi devido a tentativas de suicídio que, segundo a estimativa, chegará a 2,4% em 2020. O fenômeno do suicídio caracteriza-se, também, por comprometer um complexo de relações sociais. Para cada suicídio há, em média, cinco a seis pessoas entre amigos e parentes, próximas à vítima que sofrem intensas consequências emocionais, sociais e econômicas. Ao entrarem em contato com a morte por suicídio, tornam-se um grupo com risco aumentado de repetir o mesmo ato, uma vez que este passa a fazer parte da realidade destas pessoas e a configurar uma saída a ser considerada diante das dificuldades. Dessa forma, o atendimento aos sobreviventes, entendendo estes conforme explicado acima, também se faz necessário para a prevenção. A investigação acerca do suicídio pode e deve ser feita a partir de diferentes perspectivas como a da história, da epidemiologia e da sociologia. Entretanto, ainda considerando a base de contribuições das mencionadas áreas, o interesse desta dissertação concentra-se na perspectiva da formação médica na especialidade de Clínica Médica. O quão familiarizados estão os médicos residentes, em relação ao problema do suicídio, a ponto de contribuírem para a sua prevenção? O presente estudo faz parte de um amplo projeto de pesquisa intitulado Representações Sociais e Ensino da Morte na área da Saúde (professores e estudantes) e no Ensino Médio (professores e estudantes) coordenado pela Prof.a Eliane Brígida Morais Falcão (NUTES/UFRJ) e financiada pelo CNPq/CAPES. A escolha do grupo deveu-se ao interesse pela investigação da formação médica no que diz respeito ao lidar com o suicídio, dando continuidade a outras pesquisas, sobre o tema da morte, já realizadas pelo LEC/ NUTES/ UFRJ2. Os estudantes da graduação em medicina dessa mesma instituição foram investigados a partir de uma pesquisa realizada por Freitas (2005) na qual se objetivou estudar a inserção da morte como tema de relevância no ensino médico. Através da análise de questionários aplicados a estudantes do início e do final do curso de medicina, o autor buscou compreender a evolução da percepção dos estudantes a respeito do papel do médico diante dos pacientes à morte, assim como identificar as expectativas quanto a melhor forma de abordagem do 2 Laboratório de Estudos da Ciência do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 10 assunto durante o curso e a avaliação dos estudantes em final de curso sobre como o tema foi abordado. A análise dos resultados identificou que os dois grupos mencionaram um conjunto de papéis, sendo dez em comum, relacionados ao desempenho da função do médico no acompanhamento ao paciente à morte. Esses papéis foram agrupados de forma a se resumir em três principais: a importância de dar ao paciente uma morte digna, o cuidado a família do paciente e os aspectos legais do óbito. Concluiu-se que não houve mudanças qualitativas na percepção dos estudantes no que se refere ao papel do médico no acompanhamento desses pacientes e que eles percebem a importância da relação médico-paciente nesse contexto. No que se refere à abordagem do tema da morte ao longo do curso, percebeu-se que no início os estudantes têm expectativa de que a faculdade os capacite a desempenhar os papéis mencionados, entretanto no final do curso admitiram que a abordagem do tema não tinha sido satisfatória e que, portanto, não se consideravam capazes de acompanhar tais pacientes. Esses resultados foram semelhantes aos encontrados em outra pesquisa realizada, por Falcão e Lino, em uma faculdade de medicina. Ainda que esta faculdade não seja caracterizada como instituição de pesquisa, como é o caso da instituição pesquisada por Freitas (op.cit.), mostrou-se que as dificuldades em relação à morte são as mesmas (FALCÃO E LINO, 2004). O corpo docente da instituição federal mencionada, também foi investigado a partir da pesquisa desenvolvida por Falcão e Mendonça (2008). Esse estudo teve como objetivo conhecer as concepções, visões e valores de médicos docentes, envolvidos em ambiente de formação e produção científica, em relação ao processo de morrer. Os resultados mostram quatro pontos em comum nos discursos dos pesquisados sobre a pergunta: O que representa para os médicos docentes lidar com pacientes em processo de morrer ou à morte? Em primeiro lugar, os médicos percebem sofrimentos em si próprios e nos estudantes, em segundo identificam um despreparo dos alunos para lidar com tal situação. O terceiro ponto se refere aos diversos sentidos da morte produzidos por professores e alunos. Por último, percebe-se o predomínio da perspectiva da biomedicina como reguladora e limitadora da compreensão do contexto em que se insere o paciente à morte. Os docentes foram formados a partir dessa perspectiva, que continua a ser oferecida aos estudantes. Um outro ponto importante levantado na discussão dos resultados da pesquisa, é que os médicos docentes não se percebem responsáveis pelo comportamento dos alunos diante da situação de morte, deixando de notar que suas posturas se refletem nas atitudes dos alunos. A atuação dos médicos docentes, dos alunos e a formação aparecem como três componentes desarticulados, sem interação. 11 A conclusão feita por Falcão e Mendonça (2008) aparece como uma boa reflexão acerca da abordagem do tema da morte humana no contexto do ensino médico em questão nestes dois trabalhos: Por meio da formação oferecida nas escolas de Medicina e nas instituições hospitalares, essa herança, vista como de qualidade duvidosa, alimenta o reconhecimento da integridade de um paciente: vem passando de geração a geração de médicos. Com isso - as representações falam com clareza - sofrem muito os médicos, os estudantes e os pacientes. O silêncio sobre a morte não é o melhor tratamento nem o remédio mais eficaz para esse sofrimento, reconhecem os médicos docentes. Assim, deve ser mudada e pode ser mudada a forma de lidar com esse sofrimento. E essa decisão passa pela iniciativa de provocar alterações na vida institucional de um hospital universitário (FALCÃO E MENDONÇA, 2008, p.372). Nota-se que o tema do suicídio não foi mencionado, por médicos ou estudantes de medicina, em nenhuma das pesquisas, acima descritas, como configurando um tipo de morte a ser estudada ou acompanhada ao longo da formação médica. Ambos os estudos se debruçaram na situação da morte de pacientes terminais ou em risco de vida. Os aspectos que cercam tais situações e que envolvem médicos docentes, residentes e estudantes de medicina, configuram relevantes temas a serem abordados na formação médica. A aproximação destes profissionais com o fenômeno do suicídio também se faz necessária ao longo de sua formação possibilitando que contribuam para a prevenção, que é de sua responsabilidade, conforme aponta a OMS. A seguir será feita uma revisão de literatura a respeito do suicídio e as questões que o envolvem. No primeiro capítulo serão expostas as diferentes abordagens sobre este fenômeno, entre elas: a histórica, social, religiosa, psicológica e psicanalítica e finalmente a médica. O segundo capítulo consiste na apresentação de dados epidemiológicos sobre o suicídio, no que se refere aos índices, ao gênero, idade e seus fatores de risco. No terceiro capítulo será abordada a questão da prevenção do suicídio, que abrange as políticas de saúde para esta prevenção e as orientações da OMS para médicos clínicos gerais para o atendimento a pacientes em risco de suicídio. Em seguida contextualizaremos a residência em clínica médica. No capítulo cinco serão encontrados os objetivos e a metodologia utilizada na pesquisa. Nos capítulos finais, serão apresentados os resultados, as discussões e conclusões sobre a pesquisa. 12 1. AS DIFERENTES ABORDAGENS PARA O SUICÍDIO 1.1 Abordagens históricas, sociais e religiosas A morte é um tema amplamente estudado por diferentes pensadores especializados. A bibliografia referente é extensa, entretanto não esgotada diante da complexidade do tema. Frente aos estudos, nota-se que as percepções, idéias e sentimentos em relação à morte, se relacionam ao contexto sociocultural e histórico das diferentes sociedades. Os valores, crenças e preconceitos variam de uma sociedade para outra. Para compreender tal situação é necessário recorrer a alguns autores que estudaram a morte na sociedade ocidental. Ariès (1977) apresenta no contexto de um extenso período da história ocidental, desde o início da Idade Média até o século XX, as mudanças no modo como a morte tem sido percebida. A vivência da morte, no início da Idade Média ocorria em âmbito familiar, pois se acreditava no destino coletivo e aceitava-se a ordem natural das coisas, pois a socialização não separava o homem da natureza, o que tornava a finitude da vida humana, um fenômeno familiar com o qual se convivia com certa tranquilidade. A partir dos séculos XI e XII, embora a morte ainda se apresentasse como relativamente familiar e cotidiana, ela começava a ser compreendida como um sinal de fracasso diante da vida, passando a suscitar comoção e pena. Nesse momento, Ariès menciona a importância adquirida pela “morte de si mesmo” (Id, p.37-38), ou seja, quando a morte é vista como fenômeno individual e não mais coletivo, em que o temor pelo julgamento pessoal se faz presente e a morte se converte em momento no qual o homem toma conhecimento de sua própria individualidade. Já o século XVIII, é marcado pela “morte do outro” (Id, p.41), o que significa que a morte passa a ser compreendida como um instante de profunda ruptura, sendo que o luto tranquilo da Idade Média é substituído por intensas manifestações de dor daqueles que perderam entes queridos. No século XIX, a morte tornou-se objeto de interdição, sendo ocultada e vivida como algo amedrontador e de cuja existência não se quer lembrar. Essa transformação, segundo Ariès, se manifesta na preocupação dos médicos com o diagnóstico, fazendo com que o paciente deixe de ser uma pessoa para se tornar uma doença cuja identificação é necessária. Chegando ao século XX, o autor menciona a “inconveniência do sofrimento e da doença” (Id, p.165) e a repugnância em se admitir a morte, o que acarreta uma dificuldade em lidar com a proximidade da mesma. A visão sociológica de Norbert Elias (2001) também traz importantes considerações no que diz respeito à postura em relação à morte ao longo dos tempos. Elias analisa a morte e o ato de morrer e, mais importante, a reação dos vivos diante dessa realidade. Assim como 13 Ariès, o sociólogo fala do isolamento dos doentes e da dificuldade das pessoas que o cercam em lidar com a questão, enfatizando que “a morte é um problema dos vivos (Id, p.10)”. Elias descreve algumas características específicas das sociedades contemporâneas que influenciam na imagem da morte nessas sociedades. O autor destaca, entre essas características, a extensão da vida individual: com o aumento da expectativa de vida, a ideia de morte fica mais distante e menos presente no imaginário das pessoas. Dessa forma, espera-se que morte seja cada vez mais adiada, tornando-se um acontecimento que deve ser evitado. Outra característica que Elias considera é que o alto grau de pacificação das sociedades atuais acaba alimentando a expectativa comum de uma morte tranquila, ocasionada por doença. Já as mortes violentas, por acidentes ou assassinatos, passam a ser encaradas como algo excepcional, criminoso. Outro ponto levantado pelo sociólogo em relação à atitude atual da sociedade frente à morte é a relutância dos adultos em falar com as crianças sobre o assunto, gerando então uma série de fantasmas em torno da questão. A dificuldade está em como falar e não aquilo que é dito para as crianças, afirma o autor. Esta afirmação reflete o que Ariès chamou de “a morte interdita” (1977, p. 53), quando esta passa a ser ocultada, vivida como algo amedrontador e que não se quer comentar. Ariès (1977) e Elias (2001) abordaram o tema da morte a partir de aspectos históricos e sociológicos, entretanto não destacam o suicídio, que configura um dos tipos de morte presentes em nossa sociedade. Porém, outros autores que serão apresentados adiante, o fizeram. As interpretações acerca do suicídio têm sido vistas e modificadas ao longo dos tempos, do mesmo modo como ocorre com o tema da morte. Extensa bibliografia aborda a questão, entretanto, para fins deste estudo, serão apresentados alguns dos principais pensadores que abordaram esse tema e que deram base ao desenvolvimento da pesquisa realizada. O comportamento suicida, segundo Corrêa e Barrero (2006), sempre existiu, mesmo nas sociedades pré-históricas, sendo encarado de diferentes formas dependendo da época. Os autores enfatizam a variação das opiniões sobre o suicídio desde a Antiguidade, momento em que os suicídios heróicos eram valorizados, ao mesmo tempo em que existia uma recriminação. De acordo com Corrêa e Barrero, entre os gregos, as opiniões no que se refere ao suicídio não eram unânimes, sendo este passível de punições em algumas cidades, mas em outras não. Entre as punições estavam a perda de honras fúnebres do suicida que poderia também ter a mão cortada, queimada e enterrada separadamente. Já entre os romanos, o suicídio era visto de forma neutra e até positiva, gerando a expressão “morte-romana” para designar uma forma honrosa de morte por suicídio. 14 Werlang e Asnis (apud WERLANG E BOTEGA, 2004, p.59) também descrevem a ambiguidade com que o suicídio foi encarado ao longo dos tempos, sendo penalizado, condenado, considerado um ato proibido e até em certas circunstâncias, como para manter a honra, autorizado e encorajado. Na Antiguidade, como descrevem, a responsabilidade da morte para os gregos era atribuída às moiras, entidades mitológicas, que teriam o poder de tecer o destino e cortar o fio da vida quando necessário. Dessa forma não se pensava em suicídio neste momento, uma vez que independentemente da maneira como a morte ocorresse, as moiras é que estariam por trás e teriam cortado o fio da vida, pois haveria chegado o momento. Ainda não havia a idéia de um ou mais deuses como determinantes do momento da morte, sendo assim, não havia o julgamento religioso, afirmam os autores. De acordo com a trajetória, complementam, tanto na Grécia quanto em Roma, o suicídio era condenado e até penalizado, entretanto tal condenação se relacionava a um sentido político-jurídico. Os gregos tinham um sólido sentimento de pertinência comunitária, por isso o suicídio era considerado um ato transgressor deste espírito, o que ocasionava a privação de honras fúnebres. A partir da emersão do judaísmo e do cristianismo é que o suicídio passa a ser condenado de forma teológica. O cristianismo criticou o suicídio com base no mandamento bíblico “não matarás” que deveria, segundo essa religião abarcar a morte de si mesmo (DIAS, 1991, apud WERLANG E BOTEGA, 2004, p. 64). Na idade média o suicídio era condenado uma vez que se compreendia a vida como um dom divino, ao qual o homem não teria o direito de atentar contra. Sendo assim, o corpo do suicida era punido, podendo ser arrastado pelas ruas, queimado e enterrado sem honras. Para o judaísmo o suicídio também sempre foi considerado uma grave transgressão à inviolabilidade da vida humana, como preceito religioso. Entretanto, alguns casos podem ser aceitos como os que sofreram torturas, para a preservação da honra. Essa religião considera dois tipos de suicídio, aquele em que o sujeito está consciente do ato no momento em que o comete, e aquele no qual o indivíduo age por impulso em decorrência de uma alienação mental. Nesse caso a lei judaica não condena o suicida, entendendo que ele não é capaz de responder por seus atos, podendo receber as honras concedidas a qualquer outro morto (KOLATCH, 1988, apud WERLANG E BOTEGA, 2004, p. 65-66). Os autores Werlang e Asnis (apud WERLANG E BOTEGA, 2004, p.70) complementam que em qualquer período histórico ou contexto cultural, as religiões tem por finalidade a salvação do homem. O suicídio então iria contra este princípio presente em diversas religiões (Cristianismo, Judaísmo e Islamismo). Faz-se referência aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 para mostrar que enquanto para as religiões ocidentais, 15 tais ataques configuram um ato suicida, para as religiões fundamentalistas representam um ato heróico, passível de admiração, no qual a morte dá sentido à vida. No que diz respeito ao comportamento suicida, complementam, a religião pode ter a função de dar apoio a vida, contribuindo para a preservação da mesma, ao mesmo tempo em que pode contribuir para justificar a escolha pela morte. Corrêa e Barrero (2006) também se referem à reprovação do suicídio pelo Cristianismo, entretanto, apontam que nem sempre foi assim já que nos primórdios do Cristianismo, o suicídio se confundia com o martírio, sendo então considerado exemplo de moralidade, como as mulheres cristãs que optavam pela morte, frente à perda do marido ou para escapar de seus estupradores. A grande mudança na percepção em relação ao suicídio como algo a ser proibido e punido se dará, de acordo com os autores, após o quarto século, quando a Igreja Cristã tornou-se dominante. Durante um longo período o suicídio foi condenado com base em mandamentos bíblicos. A partir do século XVII, a incondicional condenação do suicídio, pregada até então pela igreja Católica, começa a sofrer algumas contestações. Com o surgimento do Iluminismo, as crenças tradicionais passaram a ser questionadas, levando a uma nova mudança na percepção do suicídio até então tratado por um viés filosófico-moral-religioso. De forma gradativa, o suicídio deixa de ser condenado por completo pela sociedade, que passa a tentar compreendê-lo. Novas abordagens teóricas para o suicídio possibilitaram o surgimento de outras teorias sobre o tema. Vamos abordá-las de forma mais completa a seguir. O primeiro estudo sociológico sobre o suicídio foi desenvolvido pelo cientista social francês Émile Durkheim, em 1897. Durkheim concebe o suicídio como um fenômeno social, ou seja, como algo que é exterior aos indivíduos, que possui lógica própria e deve ser conhecido externamente, na sociedade, na interação dos fatos sociais e não a partir de razões individuais internas. Segundo a definição durkheimiana, suicídio é "todo caso de morte provocado direta ou indiretamente por um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima e que ela sabia que devia provocar esse resultado” (2002, p.15) e seria um aspecto patológico característico das sociedades modernas. Duas causas extrassociais são descritas pelo sociólogo no que se refere à influência sobre as taxas de suicídio: disposições orgânicopsíquicas que estariam ligadas a uma tendência na constituição do indivíduo e a natureza do meio físico como o clima e a temperatura, que poderiam influir no organismo de cada um. Após discorrer sobre tais causas extrassociais influentes no suicídio, Durkheim conclui que em cada grupo haveria uma tendência específica para suicídio que não poderia ser explicada apenas pela constituição orgânico-psíquica e nem pela natureza do meio físico. Esses fatores 16 dependeriam de causas sociais, relacionadas ao contexto em que cada indivíduo está inserido. A partir da concepção do suicídio como um fenômeno social, são diferenciados três tipos de suicídio: (1) Egoísta - predominante nas sociedades modernas, geralmente praticado por aqueles indivíduos que não estão devidamente integrados à sociedade e se encontram isolados dos grupos sociais; 2) Altruísta - motivado pela força do coletivo, como os kamicases, os suicidas terroristas; 3) Anômico - acontecem em períodos de crises sociais (desemprego, modernização). Durkheim ainda diz que cada sociedade, em algum momento de sua história, apresenta uma predisposição definida para o suicídio. Outra análise sociológica do suicídio pode ser encontrada em Sobre o suicídio (2006), no qual Karl Marx, em coautoria com Jacques Peuchet, relata as circunstâncias que ocasionaram quatro suicídios no contexto da sociedade burguesa européia do séc. XIX. Longe de apontar apenas para fatores de ordem pessoal, são indicadas causas socioeconômicas para explicar o aumento de casos desse tipo de morte. O suicídio seria um sintoma de uma sociedade burguesa moderna, na qual as pessoas agiriam com hostilidade e estariam sempre em lutas e competições impiedosas. Para Marx os males do capitalismo, como o desemprego e a miséria, explicariam o desespero e muitos dos suicídios. Além disso, e principalmente, são ressaltadas como males do capitalismo, as “manifestações de injustiças sociais que não são diretamente econômicas, mas dizem respeito à vida privada de indivíduos não proletários” (2006, p.17). Dessa forma, Marx estende sua crítica à sociedade burguesa para além de questões econômicas enfatizando aspectos sociais e éticos que são comprometidos diante do caráter opressivo da sociedade. O autor afirma que as mulheres “são as vítimas não proletárias levadas ao desespero e ao suicídio pela sociedade burguesa” (Id, p.18). Marx relata três casos de suicídio de mulheres, consequentes da opressão sofrida por uma forma de poder arbitrário, exercido pela família. No primeiro caso analisado, uma jovem de origem popular, filha de um alfaiate, é humilhada publicamente pelos pais após passar a noite com seu noivo, antes do casamento. Censurada pela moral da família e envergonhada a jovem joga-se na correnteza do rio Sena para dar fim a sua vida. De acordo com Marx, o poder dos familiares reproduz as relações injustas da sociedade. Outra história se refere a uma jovem casada com um homem que, por ciúmes, a restringiu ao espaço doméstico, tornando-a escrava no seu lar. Amparado pelo Código Civil francês do séc. XIX e pelo direito de propriedade, o marido pôde andar com a esposa acorrentada já que neste contexto social, ela representava apenas uma parte de seu inventário. Chegando ao desespero, a mulher se suicida, também afogada. O terceiro caso diz respeito a uma jovem também burguesa, que desesperada e temendo sua desonra por estar grávida, suplica por ajuda a um médico para que realizasse o aborto. Diante 17 de conflitos éticos, o médico se nega a realizar o procedimento que para a jovem seria a única solução para seu conflito. Frente à negativa, a jovem comete o suicídio. Marx demonstra que, nesses três casos, a opressão ao gênero feminino sofrida no contexto social em questão, foi mais determinante para o suicídio que a classe social. Desta forma, o autor conclui que o suicídio configura-se “o último recurso contra os males da vida privada” (Id, p.48). As teorias acima expostas descrevem o suicídio através de uma interpretação sociológica, como fruto de alguma questão imposta pela sociedade e que se sentindo pressionado, o indivíduo chega ao desespero, encontrando na morte a solução imediata. Marx e Durkheim valorizam as condições sociais que permeiam a vida humana e de certa forma foram os precursores na compreensão de que tais condições são fatores determinantes do suicídio. Apesar de contribuírem para uma compreensão ampla do suicídio, essas teorias não consideram outros fatores que também são fundamentais para o entendimento do fenômeno, como os psicológicos, psicanalíticos e médicos, que serão apresentados a seguir. 1.2 Abordagens psicológicas e psicanalíticas para o suicídio Se a visão sociológica ressalta as contingências sociais do suicídio, já que compreende a vida humana sob o ponto de vista do conjunto das relações sociais, as abordagens psicológicas e psicanalíticas ressaltam a subjetividade do comportamento humano. A visão psicanalítica do suicídio é abordada por Freud no texto Além do princípio do prazer (1920), no qual procura explicar o conflito humano e o suicídio a partir da experiência pessoal. Para Freud o ser humano possuiria duas forças internas denominadas Eros e Thanatos entre as quais viveria em conflito. Eros seria a pulsão de vida, ou seja, a força que nos preservaria e nos impulsionaria a viver, já Thanatos a de morte, a força que funcionaria como uma tendência natural à autodestruição. O equilíbrio entre as duas, a que nos faria seguir adiante e a que nos impulsionaria a destruição, seria o fator essencial para que o suicídio não ocorresse. A morte por suicídio é entendida por essa teoria como o predomínio da pulsão de morte, da tendência a autodestruição, presente em todo o suicida. Neste momento então, a vontade de viver, produto da pulsão de vida, não seria suficiente para manter o equilíbrio e preservar a existência, fazendo com que o individuo perca a força de viver e busque a morte. As idéias de outros especialistas da área psicológica e psicanalítica do suicídio foram sintetizadas por Kovács (1992). Levy, embora médico, foi o primeiro a ser analisado pela autora e distingue a concepção do suicídio em seu sentido estrito e amplo. O primeiro consistiria na autoeliminação consciente, voluntária e intencional. Já em seu sentido mais amplo o suicídio incluiria os processos autodestrutivos inconscientes, concepção próxima a 18 abordagem psicanalítica, como em acidentes em que a pessoas se colocam em risco, os lentos e crônicos como certas doenças psicossomáticas e toxicomanias. Kovács assinala frente às afirmações de Levy que não há um consenso entre os autores que desenvolvem o tema suicídio quanto a ação consciente que levaria a este. Completando sua apresentação do tema, Kovács cita os psicanalistas Angel Garma e Karl Menninger. O psicanalista Angel Garma descreve as hipóteses psicanalíticas para o suicídio entre as quais aponta a possibilidade de se livrar de conflitos, a fantasia do encontro com outras pessoas, a busca por uma vida que antes da morte não tinha, fuga de uma situação intolerável e satisfação de tendências masoquistas, como um autocastigo. Garma considera o suicídio como uma deformação masoquista da personalidade. Menninger propôs que em todos os seres humanos existem tendências construtivas e destrutivas que se aliadas a forças externas, podem levar ao ataque do indivíduo à sua própria existência. Esse autor considera que três componentes são necessários para que ocorra o suicídio: o desejo de matar, com base no instinto destrutivo que se volta para o próprio indivíduo; o desejo de ser morto, como uma forma masoquista de extrema submissão e o desejo de morrer, pois a pessoa pode paradoxalmente querer se matar e não querer morrer, fazendo tentativas frustradas de suicídio. Vale ressaltar que as teorias psicológicas e psicanalíticas sobre o suicídio enfatizam as questões pessoais de cada indivíduo. Nesse sentido, o suicídio seria um ato individual e não teria a predominância do social conforme enfatizaram as teorias anteriormente vistas. A estrutura psicológica de cada um é que seria fator determinante para alguém optar pela morte. 1.3 A abordagem médica para o suicídio Corrêa e Barrero (2006) expõem que desde o século XVII, foram os médicos que começaram a debater a etiologia do suicídio e a defender a idéia de que esse fenômeno seria resultado de uma doença mental. Segundo os autores, a teoria psiquiátrica foi a primeira a tentar explicar as causas do suicídio, no início do século XIX, com Pinel e sistematizada, em 1927, por seu discípulo Esquirol. Este afirmava que o suicídio tinha as características das alienações mentais e que apenas na vivência de um delírio o indivíduo cometeria tal ato. Partindo do pressuposto que o suicídio seria algo involuntário, o suicida não deveria ser passível de punição e sim de compreensão para a prevenção. Os autores complementam que a partir dos trabalhos, principalmente de Esquirol, os médicos passaram a discutir três concepções diferentes da etiologia do suicídio. A concepção de Esquirol, já descrita acima, 19 defendia que o suicídio seria secundário a alguma alienação mental não especifica. Outra concepção, de Bourdin se referia a uma doença mental específica, chamada de monomania de suicídio, como causa para este. A última, que se tornou prevalente no final do século XIX, apesar de caracterizar o suicídio em relação às causas, reconhecia na alienação mental a principal delas, entretanto não se restringiria a este fator, como ocorre com a teoria de Esquirol. O que os autores enfatizam, considerando essas três concepções, é que havia um consenso sobre a importância das doenças mentais como sendo causa do suicídio e que atualmente essa idéia segue vigente, pois segundo eles, a mortalidade por suicídio é significativamente maior entre indivíduos acometidos por alguma doença psiquiátrica e, por isso, seu tratamento configura uma forma de prevenir o suicídio. Essa relação entre as doenças psiquiátricas e o suicídio leva a configuração deste como um objeto da Psiquiatria, ainda que em outros contextos de saúde, incluam-se elementos de compreensão que vão além dos distúrbios mentais. A visão do saber médico sobre o suicídio também foi abordada por Lopes (2008) que faz um estudo sobre a problematização do suicídio pela medicina brasileira, ao longo do século XIX (1830-1900), trazendo relevantes contribuições para a presente pesquisa, pois inclui em sua discussão as influências da ótica da sociologia e da psicanálise. O autor justifica seu foco no discurso médico, por ter sido este que levou a visibilidade do suicídio no Brasil, no campo do saber médico. O recorte temporal feito pelo autor tem como marco o ano de 1830, período em que as primeiras instituições médicas de ensino e pesquisa foram criadas, possibilitando o surgimento das primeiras abordagens do suicídio. Já o final do recorte (início do séc. XX), se apóia no momento em que os médicos brasileiros passam a repensar e estudar o suicídio, principalmente a partir das ideias de Durkheim e Freud, já descritas acima, e pela doutrina eugênica. Tal doutrina corresponde ao projeto de intervenção social das primeiras décadas do século XX. Naquele momento, a Psiquiatria e outros saberes disciplinares como a criminologia, a engenharia sanitária e a medicina higiênica, passam a investir na identificação de possíveis suspeitos de causar a desordem social, como alcoólatras, negros, suicidas, doentes mentais, para então isolá-los, com o objetivo de impedir o crescimento dos riscos sociais. Segundo Lopes, a preocupação com o social e a relação da medicina com aqueles outros saberes disciplinares levaram a outras análises, possibilitando que ao longo dos anos o suicida não fosse mais percebido apenas como um desequilibrado, visão esta presente no saber médico do séc. XIX. Ele discutiu as influências de Durkheim, Freud e da doutrina eugênica que contribuíram para que o suicídio fosse visto por outras perspectivas que não 20 apenas a da medicina, como decorrente de uma patologia. Em contrapartida, o estudo de Lopes enfatiza que foi a visão médica do suicídio que influenciou de maneira determinante a concepção ainda predominante no meio médico do suicídio, como relacionado, a priori, a algum desequilíbrio mental. A relação entre o suicídio e os transtornos mentais segue predominante atualmente, conforme apontado acima e tem sido foco de debate na área médica, ainda que em âmbito restrito. A identificação de sintomas, a prevalência e os comportamentos associados têm sido investigados com o objetivo de dar subsídios para a possibilidade de prevenção. Neury José Botega, médico e psiquiatra, professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), é atualmente um dos principais envolvidos com o tema no Brasil e desenvolve importantes trabalhos na área. Ele considera que apesar dos muitos trabalhos já desenvolvidos na área, há limites nesses resultados, uma vez que o conhecimento na área de suicidologia é derivado de estudos realizados com pessoas que tentaram o suicídio ou que estavam em tratamento psicológico ou psiquiátrico e se suicidaram, o que não representa plenamente a totalidade dos casos. Além disso, o autor ressalta que são poucas as pesquisas epidemiológicas sobre o suicídio no Brasil, o que dificulta que se tenha um panorama completo acerca deste fenômeno. (BOTEGA ET AL, 2006, p. 213-214) Apesar das mudanças ocorridas na maneira de se compreender o suicídio, ainda hoje, é um tema que segue dividindo opiniões e levantando discussões. Podem prevalecer certos preconceitos, críticas sociais ou religiosas, que não colaboram para uma abordagem objetiva do tema. Entretanto, a compreensão científica, que inclui as Ciências Humanas, tem ampliado a compreensão do fenômeno do suicídio humano. Independentemente da posição que se assuma, não se pode negar que o número de mortes por suicídio tem aumentado significativamente e que os estudos epidemiológicos se fazem necessários para colaborar com o estabelecimento de políticas de prevenção. A seguir serão apresentados documentos e pesquisas acerca da epidemiologia do suicídio no Brasil e no Mundo. 21 2. DADOS EPIDEMIOLÓGICOS DO SUICÍDIO NO BRASIL E NO MUNDO 2.1 Dados sobre as taxas mundiais e nacionais de suicídio e a relação com a idade e o gênero A partir de dados da OMS – Organização Mundial da Saúde – e de pesquisas realizadas em âmbito nacional é possível conhecer, com limitações que serão descritas, o panorama das mortes por suicídio no Brasil. Serão apresentados também alguns dados internacionais que se mostram importantes para situar o Brasil na escala mundial. A OMS tem como uma de suas funções processar informações relativas à mortalidade dos países que fazem parte da organização. Atualmente, dos 192 países membros da OMS, 115 são aqueles que notificam a mortalidade total, entre os quais o Brasil. Esses dados são enviados por cada país seguindo um protocolo preestabelecido e com base na Classificação Internacional de Doenças e de Causas de Óbito (CID). Os óbitos associados ao suicídio fazem parte deste banco de dados sobre mortalidade e são notificados em números absolutos. As taxas de suicídio são produzidas a partir desses números absolutos, juntamente com a população estimada para o ponto médio do ano e são expressas por base populacional de 100.00 pessoas. O atestado de óbito, que é padronizado internacionalmente, constitui a base de toda a informação sobre a mortalidade (BERTOLOTE E FLEISHMANN, apud WERLANG E BOTEGA, 2004, p. 35). Uma estratégia de prevenção eficaz de suicídio depende do conhecimento detalhado dos fatores de risco, o que é possível através da análise epidemiológica, assim como da estimativa da eficácia das medidas terapêuticas preventivas que municiam o profissional de saúde para este trabalho. Segundo os autores, a maneira mais rápida de se obter dados objetivos sobre as mortes por suicídio é o estudo dos registros de óbito. O contraponto desse método, segundo consideram, é que a taxa de suicídio pode ser subestimada, devido à subnotificação (VOLPE, CORRÊA E BARRERO, apud CORRÊA E BARRERO, 2006, p.1213). Uma vez que o suicídio é um tema estigmatizado, que já foi alvo de punições conforme descrito anteriormente e condenado por religiões, é possível que uma série de artefatos sejam utilizados para ocultar a real causa da morte. O preenchimento incorreto da certidão de óbito, a existência de cemitérios clandestinos e pedidos da família para mudança da causa de morte na certidão, são fatores que colaboram para tal subnotificação, fazendo com que os dados sobre os índices de suicídio possam não ser absolutos (LOVISI, SANTOS, LEGAY, ABELHA E VALENCIA, 2009, s87). 22 De acordo com os dados da OMS (OMS, 2003 apud CORRÊA E BARRERO, 2006, p.22), as maiores taxas de morte por suicídio, tanto entre homens quanto entre as mulheres, são encontradas na Europa, em especial na Europa Oriental (Tabela 1). País Estônia Lituânia Hungria Ucrânia Rússia Japão Finlândia Suíça Suécia Dinamarca Eslovênia Bielorússia Tabela 1 - Taxas de Suicídio por 100.000 habitantes Ano Homens Mulheres 2000 45,8 11,9 2000 75,6 16,1 2000 47,1 13 2000 52,1 10 2000 70,6 11,9 1999 36,5 14,1 2000 34,6 10,9 1999 26,5 10 1999 19,7 8 1998 20,9 8,1 1999 47,3 13,4 2000 63,6 9,5 Fonte: (OMS, 2003 apud CORRÊA E BARRERO, 2006, p.22) Dados mais recentes, dos coeficientes de mortalidade devidos a causas externas na América do Sul entre 2000 e 2005, mostram que panorama do suicídio é consideravelmente mais baixo na América do Sul, do que na América do Norte e Europa. Tendo o Uruguai (13,9 mortes por 100.000 hab.) em primeiro lugar, seguido do Suriname (11,5 mortes por 100.000 hab.), Guiana (11,1 mortes por 100.000 hab.) e Chile (10,9 mortes por 100.000 hab.). O Brasil está entre os países com baixa taxa de suicídio (4,9 mortes por 100.000), entretanto, por possuir grande população, ocupa o nono lugar em números absolutos de suicídio, sendo este responsável por 0,8% de todas as mortes no ano de 2004 (WHO, 2005, apud BOTEGA ET AL, 2006, p. 215). Vale lembrar o problema da subnotificação em relação ao suicídio no Brasil e em outros países. Com o objetivo de descrever as características epidemiológicas de mortalidade por suicídio em uma série histórica de dez anos no Rio Grande do Sul, Meneghel, et al. (2004) realizaram pesquisa a partir de dados do Sistema de Notificação de Mortalidade do Ministério da Saúde, para o período 1980 a 1999. As taxas de suicídios durante todo o período estudado (coeficientes e mortalidade proporcional) mostram que este estado representa uma das maiores taxas do país. Os coeficientes padronizados passaram de níveis em torno de 9/100.000 hab. nos anos 80 para 11/100.000 hab. em 1999. Esse alto nível de mortalidade, segundo os autores, deveu-se principalmente ao aumento da mortalidade masculina, cujos coeficientes passaram de 14/100.000 para 20/100.000. Os maiores coeficientes correspondiam 23 aos idosos, embora a taxa com maior aumento encontrada tenha sido na população de adultos jovens. Mais recentemente, outra pesquisa, realizada por Lovisi et al. (2009), apresentou a epidemiologia do suicídio no Brasil entre 1980 e 2006 e corroborou os dados da pesquisa acima referida. Os autores consideram que há poucos estudos no país sobre os índices nacionais de suicídio e que os que foram realizados evidenciam a necessidade de investigações sobre a taxa no país, considerando as diferenças regionais. Por ser um país grande, complementam os pesquisadores, com regiões que têm níveis de desenvolvimento diferentes, é preciso conhecer a especificidade de cada região para adequar as políticas de prevenção. A referida pesquisa constitui um estudo descritivo sobre as taxas de mortalidade por suicídio em cada região brasileira e capitais de 1980 a 2006. Os resultados mostram que o número de suicídios por 100.000 habitantes cresceu 29,5% neste período (4,4/100.000 em 1981 para 5,7/100.000 em 2006). Entre 1980 e 1994 não houve variação significativa, ocorrendo em média 4,5 mortes por 100.000 hab. Já entre 1995 e 1997 este número subiu para 5,4, permanecendo estável até 2006. Considerando as regiões do Brasil, verificou-se na pesquisa que o Sul é a região com maior média de taxa de suicídio (9,3/100.000), seguida do Centro- Oeste (6,1/100.000), Sudeste (4,6/100.000) Norte (3,4/100.000) e Nordeste que apresenta a menor taxa (2,7/100.000). Segundo esta pesquisa, o estado com maior taxa de suicídio no país é o Rio Grande do Sul. Uma possível explicação para tal índice elevado, sugerem os autores, é a presença de muitos trabalhadores rurais em precárias condições de vida e/ou a alta exposição a pesticidas que levam a transtornos depressivos. As altas taxas encontradas na região CentroOeste podem ser justificadas, segundo os autores, pelo alto índice de mortalidade por suicídio entre a população indígena, assim como na capital estadual Boa Vista. A caracterização das taxas de suicídio por idade e gênero pode ser encontrada na pesquisa realizada por Mello-Santos, Bertolote e Wang (2005) que constitui uma análise descritiva dos dados brasileiros sobre o suicídio, extraídos a partir do banco de dados de DATASUS, no período de 1980-2000. A partir de tais dados, foram examinadas as tendências de suicídio no Brasil quanto à distribuição etária e gênero. Foi constatado que os homens se suicidaram de 2,3 a 4 vezes mais do que as mulheres, em todas as idades. Enquanto entre os homens houve um aumento de 40% (de 4,6/100.000hab. em 1980, para 6,4 em 2000), entre as mulheres houve decrescimo de 20% ( de 2,0 em 1980 para 1,6 em 2000). Em relação à idade, a pesquisa mostra que os idosos acima de 65 anos apresentaram as maiores taxas de suicídio: homens entre 65–74 anos tiveram aumento de 23,4% (9,8/100.000 em 1980 para 24 12,1/100.000 em 2000) e acima de 75 anos, aumento de 14%. Já entre as mulheres, ocorreu diminuição de 20% e 30% respectivamente. Em contrapartida, em números totais, os jovens entre 15 a 24 anos formam o grupo de maior crescimento (1.900%). Em termos gerais este grupo cresceu de 0,4/100.000 para 4,0/100.000. Entre os homens desta faixa etária, o crescimento foi de 0,3/100.000 para 6,0/100.000 e entre as mulheres, de 0,5/100.000 para 2,0/100.000, mostrando o significativo aumento em ambos os sexos. No estudo de Lovisi, et. al. (2009) também foi constatado que entre as mulheres o crescimento foi menor. A média encontrada entre elas foi de 1,7/100.000 ao longo dos 26 anos a que se refere à pesquisa (de 1980 a 2006). Já entre homens a média entre 1992 e 1994 foi de 5,1/100.000, passando a mais de 7,0/100.000 no triênio a partir de 2001. No que se refere a idade, esta pesquisa corrobora os dados apresentados pela pesquisa anteriormente citada, de que a maior média fica entre os idosos, entretanto o maior aumento é percebido entre os jovens. Em suma, a partir dos dados acima apresentados, pode-se perceber que o sexo masculino predomina entre os suicidas. A faixa etária jovem tem apresentado os maiores aumentos no que se refere ao número de mortes por suicídio, independentemente do sexo. Da mesma maneira, os idosos continuam ocupando o primeiro lugar nas taxas de suicídio. A região sul aparece como a de maior índice de suicídio no Brasil, que apesar de não estar entre os países com maiores taxas, em números absolutos, ocupa o nono lugar. 2.2 Dados sobre os fatores de risco para o suicídio Segundo os dados epidemiológicos, a prevalência de algum transtorno mental constitui um dos principais fatores de risco para o suicídio. Dentre tais transtornos, a depressão aparece como o principal diagnóstico psicopatológico relacionado. Tal associação tem sido amplamente estudada e as conclusões apontam para a mesma direção: pessoas acometidas por depressão têm risco 20 vezes maior de cometer suicídio (CHACHAMOVICH ET AL, 2009, s18 – s25). A depressão, segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID-10ª revisão, é definida a partir de episódios típicos de cada um dos três graus de depressão: leve, moderado ou grave. Nos três graus, o paciente pode apresentar um rebaixamento do humor, redução da energia e diminuição da atividade. Existe alteração da capacidade de experimentar o prazer, perda de interesse, diminuição da capacidade de concentração, associadas em geral à fadiga importante, mesmo após um 25 esforço mínimo. Observam-se em geral problemas do sono e diminuição do apetite. Existe quase sempre uma diminuição da autoestima e da autoconfiança e frequentemente idéias de culpabilidade, mesmo nas formas leves. O humor depressivo varia pouco de dia para dia ou de acordo com as circunstâncias e pode ser acompanhado de sintomas ditos "somáticos", como por exemplo perda de interesse ou prazer, despertar matinal precoce, várias horas antes da hora habitual, agravamento matinal da depressão, lentidão psicomotora importante, agitação, perda de apetite, perda de peso e perda da libido. Os principais transtornos e fatores associados com o suicídio são descritos no manual de prevenção do suicídio destinado a médicos clínicos gerais (OMS, 2000), que objetiva prover informações referentes à identificação e ao manejo de pacientes suicidas. O manual se refere ao suicídio de um paciente como uma das piores situações que um médico pode passar em sua carreira, levando a sentimentos de inadequação profissional, insegurança, raiva, descrença. Este manual aponta que há cerca de 80% a 100% de prevalência de transtornos mentais ligados ao suicídio além de transtornos comórbidos, como alcoolismo associado a transtornos do humor. A depressão não reconhecida e não tratada representa um grande risco de suicídio, uma vez que pode ser mascarada por queixas somáticas. Sendo assim, torna-se um desafio para o médico correlacionar doença física, mental e aspectos emocionais. No manual são descritos sintomas depressivos típicos que podem auxiliar o médico generalista a identificar uma depressão: humor deprimido, perda de interesse e prazer, redução de energia, cansaço, tristeza, irritabilidade, ansiedade, distúrbios do sono, dores em diferentes partes do corpo, entre outros. As características clínicas associadas e listadas no manual são: insônia, negligência com cuidados pessoais, déficit de memória, agitação, entre outros. Vale ressaltar que os fatores apontados como agravantes do suicídio na depressão são: a idade inferior a 25 anos em homens, as fases precoces desta doença, o abuso de álcool, a fase depressiva do transtorno bipolar ou a fase maníaca com sintomas psicóticos, como alucinações auditivas. A esquizofrenia é outra doença mental apontada como relacionada ao suicídio, que representa a maior causa de mortes prematuras em esquizofrênicos. Os fatores agravantes descritos do suicídio na esquizofrenia são: sexo masculino, jovem, desempregado, medo da deteriorização pessoal, delírios, sintomas depressivos. Os transtornos de personalidade, de ansiedade e alimentares também são transtornos psiquiátricos que podem levar ao suicídio, enfatiza o manual. O diagnóstico de doenças físicas que sejam crônicas, com prognóstico ruim ou que acarretam em limitações (ex: neurológicas, câncer, HIV) também é considerado fator de risco para o suicídio, conforme apontado no manual. 26 Pesquisas nacionais e internacionais confirmam e complementam os dados apresentados pela a OMS acerca dos fatores de risco para o suicídio. Pesquisa realizada a partir de uma revisão sistemática de 31 artigos científicos publicados entre 1959 e 2001 concluiu que em 97% dos casos caberia um diagnóstico de transtorno mental na ocasião do ato fatal. Foram analisados cerca de 16 mil óbitos por suicídio na população geral. Os diagnósticos foram feitos antes ou depois da morte, neste caso a partir de autópsia psicológica (BERTOLOTE E FLEISHMANN, 2002, apud WERLANG E BOTEGA, 2004, p. 39, 40). Por esta, entende-se segundo Garcia–Perez (1998), a caracterização retrospectiva da vida de uma pessoa já falecida, através de relatos de familiares, colegas, companheiros de trabalho e de revisão de documentos pessoais. Botega, Rapeli e Freitas (apud WERLANG E BOTEGA, 2004, p. 107) também enfatizam que a existência de uma doença mental é o principal fator associado ao risco de suicídio. Para tal afirmação, os autores se baseiam em estudo realizado por Barraclough e colaboradores (1974) que demonstrou que mais de 90 das 100 pessoas que se suicidaram tinham alguma doença mental. A depressão apareceu em primeiro lugar dentre os distúrbios psiquiátricos, seguido pelos transtornos de personalidade, a dependência de álcool e a esquizofrenia. Entretanto a análise dos autores do estudo acima citado argumenta que a doença mental não é determinante para que ocorra o suicídio, pois não são todos os pacientes psiquiátricos que se suicidam. Neste contexto, vale lembrar os limites dos dados epidemiológicos acerca do suicídio, já que o conhecimento das causas daqueles que se suicidaram tem como base a autópsia psicológica, já apresentada anteriormente, que abrange principalmente pacientes que estavam em tratamento psiquiátrico. Há ainda aqueles que se suicidam não necessariamente em decorrência de um transtorno metal, mas seus registros podem não ser conhecidos. A existência de tentativas de suicídio anteriores também é considerada um fator de risco para o suicídio, ainda mais comum. Estima-se que as tentativas são dez vezes mais frequentes na população geral e que de 15 a 25% daqueles que tentaram, farão nova tentativa no ano seguinte e 10% terão êxito em dez anos (BOTEGA ET AL, 2006, p.214). Os comportamentos de impulsividade e agressividade, combinados a algum transtorno mental ou histórico de tentativas anteriores, podem aumentar ainda mais a possibilidade de suicídio, funcionando como mediadores entre doença mental e o suicídio, ou seja, configurando o elo entre a depressão maior e o suicídio (CHACHAMOVICH ET. AL, 2009, s18-s25). Outros fatores associados ao risco de suicídio podem ser encontrados na pesquisa realizada por Botega, em Campinas, no ano de 2003. Identificaram-se casos de ideação suicida, ou seja, pensamentos recorrentes de acabar com a própria vida, e buscou-se levantar 27 as variáveis associadas. Foram avaliadas questões relativas ao uso de álcool e outras drogas (cocaína, maconha, anfetaminas, benzodiazepínicos), tratamentos psiquiátricos anteriores, religião, solidariedade dos vizinhos e as variáveis sociodemográficas. O resultado de tal avaliação mostrou que não houve associação significativa quanto às variáveis sociodemográficas, à religião e ao uso de substâncias. Já quanto aos sintomas psiquiátricos, mais uma vez, a presença de humor depressivo foi frequente entre os que apresentaram ideação suicida. Estes avaliaram a vizinhança como distante ou não solidária, o que poderia fomentar a sensação de solidão dos mesmos (SILVA ET AL., 2006, p.1835-1843). O sentimento de não estar integrado à comunidade parece configurar mais um fator de risco para o suicídio de acordo com um estudo realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp). Foi avaliada a rede de apoio social dos pacientes atendidos no pronto-socorro e que haviam tentado o suicídio, comparando-a à de acompanhantes de outros pacientes atendidos no mesmo serviço. O número de acompanhantes daqueles em caso de tentativa de suicídio, foi em média de uma pessoa, já os do outro grupo de aproximadamente três. Percebe-se nessa pesquisa grande diferença no que diz respeito a satisfação com a rede de apoio social entre os dois grupos. Ficou clara a insatisfação dos indivíduos do grupo atendido por tentativa, que reconheceram sua rede de apoio social como sendo precária. Dessa forma, os resultados confirmam a hipótese de que uma rede de apoio social frágil pode contribuir para os índices de tentativas e consequentemente de suicídios (GASPARI E BOTEGA, 2002, p.233-240). Em suma, se considerarmos os dados encontrados nas pesquisas acima citadas e a descrição do manual da OMS, é possível afirmar que, de acordo com o saber médico, a identificação dos pacientes em risco de comportamento suicida, conta com os seguintes aspectos: diagnóstico de transtornos psiquiátricos ou de doença física; tentativas de suicídio anteriores; história familiar de suicídio; situação conjugal (solteiro, viúvo ou separado); isolamento social; luto na infância. Diante de tantos fatores de risco, a serem considerados, a entrevista clínica constitui a melhor forma de identificação de tais aspectos, orienta o manual, uma vez que em uma conversa é possível reunir informações importantes a respeito da história do paciente que levem a percepção do risco de suicídio. As referências até aqui apresentadas, demonstram que o suicídio é compreendido como um fenômeno complexo, sem uma causa única e sim resultante da interação de fatores biológicos, psíquicos, sociais, culturais. Entretanto, os manuais de prevenção da OMS e do MS, assim como a abordagem de alguns especialistas médicos, enfatizam os transtornos psiquiátricos como os de maior risco de suicídio. Se considerarmos as abordagens 28 sociológicas, psicológicas ou psicanalíticas pode-se pensar que os transtornos psiquiátricos são a fonte mais visível de um complexo de fatores determinantes para o suicídio. É a partir desta fonte que o trabalho de prevenção, no momento, está planejado. Diante dos fatores de risco de suicídio conforme descritos nos manuais, a identificação dos mesmos é estratégia para a abordagem deste fenômeno. Desta forma, a orientação é buscar a detecção precoce e o tratamento de transtornos psiquiátricos, assim como a identificação de comportamentos impulsivos/ agressivos, rede social frágil e outras comorbidades. Seguindo a linha desta política de saúde de prevenção, esta identificação pode começar a partir do atendimento em serviços básicos de saúde, como em postos de saúde e ambulatórios de hospitais gerais. Antes de abordarmos as políticas de saúde referentes à prevenção do suicídio, algumas pertinentes observações e reflexões de especialistas neste tema finalizarão este capítulo. De acordo com Barrero, Nicolato e Corrêa (apud CORRÊA E BARRERO, 2006, p. 103), deveria se considerar que os fatores de risco de suicídio são individuais, pois o que para um poderia representar um elemento de risco, para outro poderia não o ser. Tais fatores seriam também geracionais já que aquilo que se configura risco na infância, poderia não ser na adolescência. Além disso, segundo os autores, os fatores de risco dependeriam do gênero, da cultura e da biologia de cada indivíduo uma vez que os fatores de risco para as mulheres poderiam ser diferentes para os homens, assim como variar de acordo com os valores de cada cultura e características genéticas de cada um. Um projeto de prevenção de suicídio, segundo Serrano (2004), envolve três esferas: a prevenção primária, que abrangeria medidas gerais de promoção da saúde e outras específicas de proteção como controle de porte de armas de fogo e comercialização de venenos. Como exemplos, o autor cita o desenvolvimento de campanhas educativas para adolescentes sobre a prevenção da gravidez, considerando a gravidez na adolescência um fator de risco de suicídio; implementação de medidas de integração aos idosos solitários, que podem constituir outro grupo de risco e o aumento dos serviços de saúde mental e sua disponibilização para o público. A prevenção secundária contaria com o diagnóstico precoce e tratamento imediato dos casos de risco, além de agir planejando a diminuição dos impactos das sequelas ou limitações decorrentes de tentativas não letais. Nesta esfera de prevenção, a escuta e o acolhimento ao paciente são fatores positivos que, entretanto, não dependem apenas das equipes de saúde, mas também das condições de trabalho oferecidas pela organização do serviço, como a infraestrutura e a rede de apoio. O autor enfatiza que o avanço da rede de assistência técnica e administrativa possibilita a efetivação de estratégias de prevenção e abordagem que é feita em serviços de saúde. Já a prevenção terciária consistiria em intervir 29 nos sobreviventes, considerados por Serrano não somente as pessoas próximas a alguém que cometeu o suicídio, conforme descrevemos no início deste estudo, mas também aqueles que tiveram tentativas frustradas de suicídio. Essa intervenção contaria com aspectos de reabilitação como projetos de integração social e de incapacidades do sobrevivente. Complementando sua exposição acerca de um projeto de prevenção de suicídio, Serrano aponta limitações para quem não trabalha com saúde mental, para abordar as atitudes suicidas. As dificuldades desses profissionais para abordar as atitudes suicidas, afirma o autor, devem-se à baixa prevalência de atendimentos desses casos no contexto da atenção primária. Para esta afirmação, Serrano se baseia no estudo de Schulberg (2001) que demonstra que nos EUA, apenas 4,2% dos casos são vistos em ambientes da atenção primária e que os médicos desses serviços não fazem um bom trabalho de avaliação dos riscos e não sabem como proceder. O diagnóstico de um transtorno mental, como a depressão, é uma dificuldade para o médico não psiquiatra, enfatiza o autor, sendo então necessário ter vocação empática, ou seja, ser receptivo, acolher, estabelecer diálogo com paciente, além de conhecimento teórico. Serrano alerta que onde o serviço de saúde mental não está bem organizado, a proporção de pessoas em crise, que buscam o atendimento clínico geral, é maior tornando, portanto, necessária a capacitação desses profissionais. A postura dos médicos não-psiquiatras frente aos atos suicidas foi abordado por Cassorla (1991), médico e psicanalista estudioso do tema. O autor analisou o impacto dos atos suicidas no médico e na equipe de saúde, enfocando principalmente o médico generalista e especialista não-psiquiatra, que poderiam se defrontar com a situação do suicídio, e retratou as dificuldades enfrentadas pelos médicos ao lidar com atos suicidas. A discussão é feita a partir de sua experiência diária em estudos clínicos e epidemiológicos com pacientes com risco ou tentativa de suicídio, atendimento de familiares de pessoas que cometeram o suicídio e assessoria a médicos clínicos, generalistas e especialistas não-psiquiatras em reuniões de discussão de casos clínicos. Observando as reações que as equipes de saúde têm frente a determinadas tentativas de suicídio atendidas em emergência, foi percebido que não raro a equipe lidava com o paciente suicida com desprezo e agressividade, muitas vezes ridicularizando-o. Nos serviços denominados pelo autor como “mais afortunados” (Id, p.151) tais pacientes seriam encaminhados ao psiquiatra, entretanto, logo que estabilizado o quadro orgânico, decorrente de uma intoxicação medicamentosa, por exemplo, receberiam alta com o objetivo de “serem passados a diante” (Id, p.151). Esse relato reflete o despreparo que muitas vezes as equipes de saúde, que não são da saúde mental, têm diante dos casos de tentativa de suicídio. Cassorla interpreta tal postura 30 como uma “resposta assustada e agressiva da equipe médica a um ato de alguém também assustado e agressivo” (1991, p.152). Outro fator de influência nas atitudes do médico nesses casos, de acordo com o autor, é decorrente da formação profissional que muitas vezes é pautada pela relação causa-efeito, de linearidade, dificultando a consideração de aspectos inconscientes. Para Cassorla, o maior obstáculo do médico no manejo dos casos de tentativa ou de suicídio é a invasão de sentimentos de impotência, frustração, fragilidade que o paralisam. A percepção dessa invasão de sentimentos daria a possibilidade do médico atuar clinicamente da melhor forma. Os estudos de Cassorla e Serrano demonstram que o sucesso da prevenção envolve a capacitação das equipes de saúde e não apenas a de saúde mental. O treinamento surge como um passo importante para que o profissional esteja preparado para lidar com casos relacionados ao suicídio, sendo orientados para conseguir identificar pacientes em risco, acolhê-los em momento de urgência e encaminhá-los quando necessário. A capacitação dos profissionais de saúde, desde a atenção básica, aparece então como outra estratégia de prevenção. Estudo realizado na Suécia exemplifica uma intervenção de sucesso que envolveu a capacitação de profissionais para a detecção precoce e tratamento da depressão, reduzindo em 60% o coeficiente de mortalidade por suicídio, daqueles com diagnóstico de depressão, em dois anos (CHACHAMOVICH ET. AL, 2009, p. s18-s25). Frente ao reconhecimento de que os médicos clínicos gerais, assim como os profissionais da párea de saúde mental, são peças necessárias para a prevenção do suicídio, torna-se de fundamental importância que as informações sobre os fatores de risco, já adquiridas através de pesquisas na área e contidas nos manuais de prevenção da OMS, cheguem ao conhecimento desses profissionais. O acesso a essas informações colabora com a preparação dos profissionais para o manejo de pacientes em risco de suicídio e para que tenham conhecimento acerca da possibilidade de prevenção. Esta tem sido foco de políticas públicas de saúde, que serão apresentadas a seguir. 31 3. POLÍTICAS DE SAÚDE PARA A PREVENÇÃO DO SUICIDIO NO BRASIL Diante do crescimento mundial do número de mortes por suicídio, este passou a ser considerado uma questão de saúde pública. Em 1999, a OMS lançou a SUPRE (Suicide Prevention Program), a iniciativa mundial de prevenção do suicídio com o objetivo de reduzir a morbidade e mortalidade associadas ao comportamento suicida. Especificamente, são seus objetivos: Contribuir para aumentar a conscientização sobre os problemas advindos do comportamento suicida; Identificar variáveis válidas e confiáveis na determinação de fatores de risco para o comportamento suicida fatal e não-fatal, com especial ênfase em fatores sociais; Descrever padrões de comportamento suicida; Identificar variáveis que determinam o comparecimento, a serviços de saúde, de pessoas que tentaram o suicídio; Identificar quais tratamentos são capazes de diminuir o número de tentativas de suicídio; Melhorar a eficiência de serviços de saúde, por meio de intervenções específicas que consigam reduzir o número de tentativas de suicídio. Seguindo este modelo, outras estratégias nacionais de prevenção do suicídio tem sido implementadas em diversos países como Finlândia, Noruega, Suécia, Austrália, Nova Zelândia, França, Escócia, inclusive o Brasil que é o primeiro da América Latina, deixando claros os objetivos de acordo com a necessidade de cada um. Dentre os itens comuns nos planos nacionais de diferentes países encontra-se: estratégias educacionais para a população no sentido de fornecer informações que ajudem a população em geral e não só os médicos a identificar fatores de risco; incentivo de pesquisa na área; treinamento de equipes de saúde para a detecção precoce e tratamento de doenças mentais. Tais itens reforçam a importância da informação sobre os riscos para intervenção precoce. No Brasil, dados do Ministério da Saúde (Manual do Ministério da Saúde, Brasil, 2006) mostram que nos últimos anos as taxas de suicídio no país também têm aumentado, especialmente em determinadas populações, como idosos, jovens, trabalhadores rurais e populações indígenas. Estes dados se aproximam daqueles encontrados em outros países, conforme já exposto anteriormente, e que levam a caracterizar o suicídio como uma questão de saúde pública pela OMS, justificam a necessidade de atenção especial nos serviços de saúde. Neste contexto nacional e seguindo as ações internacionais de prevenção, o Ministério da Saúde lançou oficialmente em 18 de agosto de 2006 a Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio. A referida estratégia foi apresentada pela coordenação de saúde mental, construída por um grupo de trabalho composto por representantes do próprio Ministério, de 32 Universidades e do Centro de Valorização da Vida (CVV) e preconiza ações de pesquisa e de atenção ao comportamento suicida a serem implementadas em todo país. As ações instituídas pelo Ministério da Saúde para a prevenção do suicídio incluem as seguintes portarias: Portaria GM nº. 2.542 de 22/12/2005: institui grupo de trabalho com o objetivo de elaborar e implantar a Estratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio, considerando este como um problema de saúde pública. Seu Art. 1º institui, no âmbito do Ministério da Saúde o Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar e implantar a Estratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio. O Art. 2º define que o Grupo de Trabalho atuará sob a coordenação da Secretaria de Atenção à Saúde / Departamento de Ações Programáticas Estratégicas - Área Técnica de Saúde Mental e será representado pelas instituições/órgãos a seguir : Secretaria de Atenção à Saúde - SAS/MS; Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde - SEGETS/MS; de Vigilância na Saúde - SVS/MS; Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA; Programa SUPRE-OMS; Universidade de Brasília - UnB; Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - NESC/UFRJ; Pontifícia Universidade Católica, do Rio Grande do Sul - PUC-RS; do Núcleo de Epidemiologia do Instituto Phillipe Pinel, do Rio de Janeiro; Centro de Valorização da Vida - CVV. Portaria GM nº. 1.876 de 14/08/2006 com os principais objetivos: - desenvolver estratégias de promoção de qualidade de vida, de educação, de proteção e de recuperação da saúde e de prevenção de danos; - desenvolver estratégias de informação, de comunicação e de sensibilização da sociedade de que o suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido; - organizar linha de cuidados integrais (promoção, prevenção, tratamento e recuperação) em todos os níveis de atenção, garantindo o acesso às diferentes modalidades terapêuticas; - identificar a prevalência dos determinantes e condicionantes do suicídio e tentativas, assim como os fatores protetores e o desenvolvimento de ações intersetoriais de responsabilidade pública, sem excluir a responsabilidade de toda a sociedade; - promover a educação permanente dos profissionais de saúde das unidades de atenção básica, inclusive do Programa Saúde da Família, dos serviços de saúde mental, das unidades de urgência e emergência, de acordo com os princípios da integralidade e da humanização. - Elaboração e publicação de material técnico: manual para profissionais de Centros de atenção psicossociais (CAPS), Guia de referências e serviços para profissionais na área de suporte a sobreviventes. 33 Pode-se perceber então a importância que vem sendo dada ao tema suicídio no mundo atual e no Brasil, foco de nosso interesse. Configura-se um quadro que demanda políticas de saúde específicas, que tem sido reconhecida e traduzida em estratégia nacional conforme já mencionado. Entre os anos 2000 e 2007, o Departamento de Medicina e Psiquiatria (DPMP) da UNICAMP participou do Estudo Multicêntrico de Intervenção no Comportamento Suicida, o SUPRE-MISS3 (Suicide Prevention - Multi Site Intervention Study on Suicide) da OMS. Dez países participaram do estudo, sendo eles: Brasil, China, Irã, Índia, Sri-Lanka, Estônia, África do Sul, Vietnam, Suécia e Austrália. O estudo reuniu um inquérito epidemiológico e uma estratégia de prevenção do comportamento suicida aplicada a pessoas que tentaram o suicídio, com entrevista motivacional e telefonemas periódicos para acompanhamento. Ao final de 18 meses, essa modalidade de intervenção reduziu em dez vezes o número de suicídios. Manuais de prevenção de suicídio produzidos pela Organização Mundial da Saúde foram traduzidos pelo DPMP, como parte da estratégia do SUPRE-MISS. Tais recursos são dirigidos a diferentes públicos-alvos, entre eles, manuais para médicos clínicos gerais, já citado neste estudo, para profissionais de saúde da atenção primária, professores, amigos e familiares enlutados e profissionais da imprensa. Cada um deles possui informações gerais sobre o suicídio e específicas, dependendo do público a ser atingido. Através do manual para clínicos gerais, a OMS enfatiza que estes ocupam papel fundamental na prevenção do suicídio, uma vez que pesquisa na área sugere que entre 40% e 60% das pessoas que cometeram suicídio consultaram um médico, na maioria generalista e não psiquiatra, no mês anterior. Muitas pessoas acabam morrendo sem terem realizado sequer um atendimento por um profissional da área de saúde mental, desta forma, a detecção de sintomas e comportamentos suicidas na atenção primária é fundamental na prevenção. Entende-se, neste contexto, que não só os profissionais da área de saúde mental, mas também os da saúde básica devem estar preparados para a escuta e acolhimento possibilitando um encaminhamento de qualidade, assim como colaborar com o psiquiatra, garantindo o tratamento adequado. A sensibilização dos técnicos de cuidados de saúde primários deve incluir a expansão dos seus conhecimentos acerca dos fatores de risco de suicídio como a depressão, o abuso de substâncias tóxicas, comportamento anti-social, e comportamentos suicidas anteriores, diz o manual. 3 No Brasil, o projeto recebeu apoio financeiro da OMS e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP e tem como representante Neury José Botega, estudioso do tema, já apresentado acima. O documento que embasou este estudo (SUPRE-MISS) pode ser acessado pela internet: http://www.who.int/mental_health/PDFdocuments/SUPRE-MISS.pdf 34 Diante da identificação de sinais que caracterizem a possibilidade de suicídio, os médicos podem ter dúvidas em como proceder, caso não sejam especializados na área de saúde mental ou não tenham tido preparação para o manejo destes casos. Nestas situações, é importante que os médicos estejam conscientes desta dificuldade e procurem ajuda de outros profissionais, reconhecendo os riscos, para o melhor encaminhamento do caso. O Manual de Prevenção do Suicídio para Profissionais da Saúde Primária (OMS 2000), que inclui médicos, reforça o enfoque na preparação para o atendimento de pacientes em risco de suicídio de profissionais de saúde, além daqueles envolvidos com saúde mental: A equipe de atenção primária tem um longo e próximo contato com a comunidade e são bem aceitos pela população local. A equipe provê um elo vital entre a comunidade e o sistema de saúde. Em muitos países em desenvolvimento, onde os serviços de saúde mental não estão bem estruturados, o profissional de atenção primária é freqüentemente o primeiro recurso de atenção à saúde. O seu conhecimento da comunidade permite-lhe reunir o apoio dos familiares, amigos e organizações. Esse profissional está em posição de oferecer cuidado continuado. É também a porta de entrada aos serviços de saúde para os que deles necessitarem. Os profissionais de saúde da atenção primária são disponíveis, acessíveis, detentores de conhecimento e comprometidos com a promoção de saúde (OMS, 2000). Considerando o foco de interesse da presente pesquisa, que é a percepção dos médicos, em especial dos residentes em Clínica Médica sobre o suicídio, apresento a seguir o resumo dos conteúdos e orientações presentes no manual de prevenção do suicídio direcionado especificamente a médicos clínicos. O desenvolvimento deste manual configura o reconhecimento da importância destes profissionais na prevenção do suicídio pela OMS. Isto reforça o interesse pelo tema já que é um assunto de interesse da saúde pública. Neste contexto, questiono se estes médicos, em sua formação, estão sendo conscientizados da importância de seu papel e da possibilidade que tem de ajudar na redução dos índices de suicídio. 3.1 Orientações da OMS a médicos clínicos gerais para o atendimento a pacientes em risco de suicídio A revisão bibliográfica deste estudo apresentou e discutiu as principais abordagens para a compreensão científica do suicídio. Através destas fica explícita a interveniência de diferentes condicionantes do suicídio: sociológica, psicológica, psicanalítica e psiquiátrica (ou médica). Frente a estas diferentes condicionantes pode-se pensar que não há uma compreensão finalizada para a ocorrência do suicídio, mas sim, conforme foi visto há indicadores seguros para apoiar ações sociais e médicas de prevenção. A OMS já assumiu os 35 objetivos de prevenção e busca difundi-los através de diferentes documentos, alguns deles, aqui apresentados. O direcionamento de ações de prevenção no Brasil também tem crescido, conforme visto no capítulo anterior. Entretanto, parece haver espaço para diferentes ações. No presente capítulo, apresentaremos de maneira sistematizada o panorama dos indicadores do risco de suicídio. Nestes indicadores está absorvido muito do que as abordagens teóricas da sociologia, da psicologia, psicanálise e da psiquiátrica produziram a respeito do suicídio. A importância do conhecimento mais amplo de tais indicadores é favorecer a conscientização dos mesmos por profissionais de saúde que possam usá-los como referência constante nos trabalhos de atendimento e investigação e do que cerca o suicídio. As informações a seguir apresentadas fazem parte do Manual de Prevenção do Suicídio para médicos clínicos gerais, que configura um importante instrumento de orientação a todos os profissionais de saúde e contempla informações sobre a identificação dos pacientes em risco e as condutas a serem adotadas nestes casos, inclusive os critérios para encaminhamento a um especialista. No manual são listados fatores individuais e sócio-demográficos que se associam ao suicídio, úteis clinicamente. Pode-se perceber que são apontados aspectos de natureza médica como: Transtornos psiquiátricos (geralmente depressão, alcoolismo e transtornos de personalidade); doença física (doenças terminais, dolorosas ou debilitantes, AIDS); tentativas anteriores de suicídio; história familiar de suicídio, alcoolismo e/ou outros transtornos psiquiátricos. Também são apontados aspectos de natureza social e psicológica: Estado marital solteiro, viúvo ou separado; viver sozinho (isolamento social); alterações no status ocupacional ou financeiro - desemprego ou aposentadoria; luto na infância ou recente; problemas familiares; rejeição de uma pessoa significativa; vergonha e medo de ser culpado de algo. Finalmente o manual chama a atenção para o fato de que entre os pacientes em tratamento psiquiátrico, o risco é maior entre aqueles que tiveram alta recentemente do hospital e/ou tem história de tentativas anteriores. Quando o manual se refere aos sentimentos de uma pessoa suicida, descreve o que denominou de tríade de desesperança, desamparo e desespero, que pode configurar três estados emocionais mais comuns: 1. Ambivalência: A maioria dos pacientes suicidas são ambivalentes até morrer de fato. Existe uma batalha entre o desejo de viver e o desejo de morrer. Se a ambivalência é usada pelo médico para aumentar o desejo de viver, o risco de suicídio pode ser reduzido. 2. Impulsividade: O suicídio é um fenômeno impulsivo e o impulso é por natureza muito transitório. Se a ajuda é fornecida no momento do impulso, a crise pode ser combatida. 3. Rigidez. As pessoas suicidas têm o pensamento, afeto e ações restritos, seu raciocínio é dicotomizado. Explorando as várias alternativas de morte possíveis com 36 o paciente suicida, o médico gentilmente faz o paciente perceber que existem outras opções, mesmo que não sejam as ideais (OMS, 2000). O manual inclui também, o que se pode chamar de, a preocupação com a preparação psicológica do médico para o atendimento a pacientes em risco de suicídio. É enfatizado que a conduta do médico não deve se restringir ao tratamento farmacológico, mas abranger também, principalmente, num primeiro momento, apoio emocional. Daí a importância de seu preparo psicológico: O médico pode ser confrontado com uma variedade de condições e situações associadas com o comportamento suicida. Quando os médicos têm indicativos razoáveis de que o paciente pode ser um suicida, encontram o dilema de como proceder. Alguns médicos sentem-se desconfortáveis com pacientes suicidas. É importante para os médicos estarem conscientes deste sentimento e procurarem ajuda de colegas e possivelmente de profissionais de saúde mental, quando confrontados com este tipo de paciente. É essencial não ignorar ou negar o risco. Se o médico decide realizar algum procedimento, o passo mais imediato é reservar mentalmente um tempo adequado para o paciente, mesmo que muitos outros possam estar aguardando na sala de espera. Mostrando a vontade de compreender, o médico começa a estabelecer um relacionamento positivo com o paciente. Escuta com empatia é, em si, o passo mais importante na redução do nível do desespero suicida (OMS, 2000). O preparo psicológico do médico contribui para que ele se torne capaz de oferecer um contexto de acolhimento ao paciente em risco de suicídio. Este acolhimento pode permitir, segundo o manual, que o paciente tenha a oportunidade de falar sobre seus pensamentos suicidas. Nem sempre, enfatiza o manual, tal acolhimento é suficiente para evitar o suicídio, desta forma a orientação é que deve ser dado seguimento ao acompanhamento, em especial se o suporte social do paciente for inadequado. É o caso de encaminhamento a um especialista, psiquiatra, quando o paciente tem uma doença psiquiátrica, história de tentativas anteriores, história familiar de suicídio ou de doença mental, doença física grave ou possui um suporte social precário. É importante, ainda segundo o manual, que o médico explique ao paciente as razões para o encaminhamento, deixando claro que não o está “abandonando” e que mesmo após o encaminhamento a relação continuará. É indicado que o próprio médico providencie a consulta com o psiquiatra e que esclareça a eficácia de tratamento psicológico e farmacológico, diminuindo o estigma em relação a estes. A hospitalização do paciente, conforme orienta o manual, deve ser feita se os pensamentos suicidas são recorrentes, se há intenção imediata de morrer com plano arquitetado ou em casos de agitação e pânico. Para a internação é importante que o paciente não fique sozinho, que o médico providencie a hospitalização, assim como o transporte e informa a família e autoridades cabíveis. 37 Esta apresentação resumida do manual permite perceber o avanço para lidar, de forma tecnicamente adequada, com o comportamento suicida no âmbito da saúde e da educação médica. É de se perguntar se tal conhecimento já chegou tanto às diferentes organizações de saúde, quanto às instituições de formação dos profissionais desta área. O objetivo da pesquisa aqui relatada ocupou-se de investigar esta questão no contexto da formação médica. Procurouse investigar se os residentes estão sensibilizados com a questão do suicídio, sua familiaridade com o tema que inclui a identificação de sinais de comportamento suicida e a experiência de atendimento a estes casos. Optamos por pesquisar os residentes, pois estão, neste momento, consolidando a sua formação profissional, já colocando em prática o conhecimento previamente adquirido na graduação. A seguir será apresentado o contexto da residência em Clínica Médica no Brasil. 38 4. O CONTEXTO INSTITUCIONAL DA RESIDÊNCIA EM CLÍNICA MÉDICA A Residência Médica foi instituída no Brasil pelo Decreto nº 80.281, de 5 de Setembro de 1977 e, segundo o Ministério da Educação, se constitui uma modalidade de ensino de pósgraduação sob a forma de curso de especialização direcionada a médicos, funcionando em instituições de saúde, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional. O mesmo decreto que instituiu a residência médica criou a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). Extensa legislação apoiada em portaria, leis, decretos e resoluções regulamenta essa área. A Lei nº. 6.932 de 1981 incorporou algumas reivindicações dos médicos residentes, deixando claro que a admissão será feita por processo de seleção aprovado pela CNRM, haverá matrícula, pois é um curso, e dará direito à bolsa de estudo. A bolsa de residência médica funciona como um salário e seu valor deve ser definido de acordo com as normas da Lei Federal 6.932, de 1981, e do Decreto Federal 80.281, de 1977. O último reajuste da bolsa foi realizado em 2007, após 5 anos sem reajuste, passando de R$ 1.459,00 para R$ 1.916,45 a partir da lei nº 11.381 de Dezembro de 2006. A Clínica Médica no Brasil é também conhecida como Medicina Interna e Clínica Geral e compõe a especialidade médica que trata de pacientes adultos, atuando principalmente em ambiente hospitalar. A expressão “residência médica” só pode ser empregada para programas que sejam credenciados pela Comissão Nacional de Residência Médica. De acordo com esta comissão, os requisitos mínimos dos programas de residência em Clínica Médica são: Primeiro ano a) unidade de internação em enfermaria de Clínica Médica Geral: mínimo de 20% da carga horária anual; b) unidade de internação em enfermaria de especialidades: mínimo de 20% da carga horária anual; c) ambulatório geral e em unidade básica de saúde: mínimo de 20% da carga horária anual; d) urgência e emergência: mínimo de 15% da carga horária anual; e) unidade de terapia intensiva: mínimo de 5% da carga horária anual. Segundo ano a) unidade de internação em enfermaria de Clínica Médica Geral: mínimo de 20% da carga horária anual; 39 b) ambulatório de Clínica Geral e Unidade Básica de Saúde: mínimo de 30% da carga horária anual; c) ambulatório de clínicas especializadas: mínimo de 10% da carga horária anual; d) urgência e emergência: mínimo de 15% da carga horária anual; e) unidade de terapia intensiva: mínimo de 5% da carga horária anual; f) estágios obrigatórios: Cardiologia, Gastroenterologia, Nefrologia e Pneumologia; g) estágios opcionais: Dermatologia, Radiologia e Diagnóstico por imagem, Endocrinologia, Geriatria,Hematologia e Hemoterapia, Infectologia, Neurologia, Reumatologia ou outros a critério da instituição; h) cursos obrigatórios: Epidemiologia Clínica, Biologia Molecular Aplicada, Organização de Serviços de Saúde. Os hospitais universitários constituem grande parte do cenário das instituições de saúde que oferecem cursos de residência médica. Tais hospitais são descritos pelo MEC como: [...] centros de formação de recursos humanos e de desenvolvimento de tecnologia para a área de saúde. A efetiva prestação de serviços à população possibilita o aprimoramento constante do atendimento e a elaboração de protocolos técnicos para as diversas patologias. Isso garante melhores padrões de eficiência, à disposição da rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, os programas de educação continuada oferecem oportunidade de atualização técnica aos profissionais de todo o sistema de saúde.4 Para o ingresso na residência, os candidatos devem se inscrever e realizar provas, teóricas e prática, específicas para a universidade. O concurso consta de duas fases, sendo a primeira prova objetiva com questões de múltipla escolha e discursiva, ambas com conteúdo de conhecimentos médicos gerais. A segunda fase é a parte prática composta por duas etapas sucessivas. A primeira abordando aspectos observacionais e práticos nas cinco grandes áreas (Clínica Médica, Cirurgia Geral, Medicina Preventiva e Social, Pediatria, Obstetrícia e Ginecologia). Utilizando recursos de multimídia, os candidatos deverão identificar sinais, sintomas e situações da prática médica; desenvolver o raciocínio prático sequencial relacionado a imagens, filmes, gráficos, dados de exames físico e complementar de pacientes ou de simulações de fatos comuns da experiência médica. A segunda etapa toma como base uma entrevista com paciente ambulatorial, de emergência ou internado nas enfermarias, o desempenho dos candidatos será avaliado por: a) escala de atitudes (relação médico-paciente, comportamento ético, responsabilidade social); b) conhecimentos médicos subjacentes à 4 http://portal.mec.gov.br 40 investigação clínica e diagnóstica; e c) habilidades na realização de anamnese, de manobras semióticas, de desenvolvimento do raciocínio lógico e de registrar adequadamente os dados obtidos. A residência em Clínica Médica constitui um pré-requisito para realização de residência nas seguintes áreas: Cancerologia Clínica, Cardiologia, Endocrinologia, Gastroenterologia, Geriatria e Gerontologia, Hematologia/Hemoterapia, Nefrologia, Pneumologia, Reumatologia e Medicina Intensiva. Dessa forma, muitos residentes em Clínica Médica o fazem para futuramente se especializarem em área mais específica. No segundo ano da residência em Clínica Médica, os residentes cumprem carga horária extensiva, de segunda a sexta-feira, contando com um chamado, day off, ou dia de folga. Nos quatro dias em que estão no HU, passam as manhãs nas enfermarias de Clínica Médica, participam de sessões clínicas e à tarde fazem atendimentos nos ambulatórios. Obrigatoriamente, nesse segundo ano, atendem uma vez na semana no ambulatório de Clínica Médica e escolhem outros três ambulatórios para atuar, de acordo com a área de interesse de cada um. É obrigatória também a realização de um plantão quinzenal, em que ficam responsáveis pelo andar da internação da Clínica Médica. 41 5. OBJETIVOS E METODOLOGIA 5.1 Objetivo Geral A presente pesquisa buscou investigar, analisar e discutir as representações de médicos residentes em Clínica Médica e em Psiquiatria sobre a morte por suicídio. 5.2 Objetivos específicos Os objetivos específicos desta pesquisa são: I) Investigar se os médicos residentes em Clínica Médica e em Psiquiatria estão sensibilizados, no sentido de atentos e preocupados, com a questão do suicídio e sua possível prevenção; II) Investigar a familiaridade desses médicos com a literatura sobre o tema: documentos da OMS e/ou artigos científicos; III) Investigar se os médicos têm critérios para perceber sinais/comportamentos que possam levar a suspeita de risco de suicídio; IV) Investigar a experiência já existente ou não de identificação destes sinais/comportamentos, assim como de orientação e acompanhamento de pacientes em risco de suicídio. 5.3 Metodologia Os sujeitos da pesquisa são os residentes médicos de dois hospitais universitários da rede federal de ensino, no Rio de Janeiro, que no ano de 2010 estavam plenamente envolvidos com as atividades do segundo ano de residência, configurando dois grupos distintos. O primeiro grupo pesquisado é composto por 25 residentes na área de Clínica Médica. Vale ressaltar que a turma completa dos residentes em Clínica Médica é composta por 29 alunos, entretanto, até o final da conclusão deste estudo, quatro dos residentes não foram encontrados e não responderam aos contatos feitos para a realização da pesquisa. O segundo grupo pesquisado é composto por 12 residentes em Psiquiatria. Inicialmente a pesquisa seria realizada apenas entre os residentes do primeiro grupo, entretanto, com o objetivo de fazer um estudo comparativo para enriquecer a análise e discussão dos resultados, optamos por recorrer ao segundo grupo que, supostamente, estaria mais familiarizado com o tema do suicídio (dados epidemiológicos, possibilidades e políticas de prevenção, identificação dos fatores de risco e manejo dos casos). 42 A Teoria das Representações Sociais, desenvolvida por Moscovici (2003), constitui um importante referencial teórico para esta pesquisa já que permite que se observe o fenômeno na perspectiva do sujeito que o vivencia, possibilitando a compreensão de suas visões, crenças e valores. As representações sociais designam uma forma específica de conhecimento, cujos conteúdos manifestam uma forma de pensamento social referentes às condições e aos contextos nas quais emergem e circulam. O conceito de representações sociais desenvolvido por Moscovici é derivado da teoria das representações coletivas de Durkheim que propunha a separação entre as representações individuais – objeto da Psicologia – e as representações coletivas – objeto da Sociologia (MOSCOVICI, 2003, p.14). Moscovici critica esta separação, argumentando que Durkheim usou os termos social e coletivo de forma intercambiável. Para Durkheim, as representações coletivas são formas estáveis de compreensão do coletivo, algo possível de ser homogêneo. Já Moscovici, ao falar em representações sociais enfoca a heterogeneidade das idéias coletivas nas sociedades modernas. Tal heterogeneidade levaria a distribuição desigual de poder, que possibilitaria que as pessoas percebam e vivenciem a mesma sociedade por óticas distintas refletindo então em diferentes representações (Id, p.15). Para Moscovici, as representações sociais são o que constituem a realidade de nossas vidas, as visões de mundo, refletindo a expressão dos pensamentos de uma dada coletividade sobre certos acontecimentos e fenômenos. Entende-se assim que as representações sociais constituem uma forma específica de compreensão e comunicação de determinado grupo. Em síntese, as representações sociais são na linha de Moscovici: “(...) fenômenos específicos que estão relacionados com um modo particular de compreender e de se comunicar - um modo que cria tanto a realidade como o senso comum.” (Id, p. 49). O suicídio é um fenômeno que pode ser compreendido por diferentes perspectivas (social, psicológica, médica, religiosa) que influenciam na formação da concepção sobre o tema. As representações sociais possibilitam a busca não apenas de conteúdos científicos, mas também as visões, impressões, valores pessoais e coletivos de um grupo específico. Na pesquisa aqui apresentada, compreender as representações sociais significa compreender o pensamento coletivo dos residentes em relação ao suicídio. O movimento de construção da representação social é possível a partir de dois processos, segundo Moscovici, a ancoragem e a objetivação, através dos quais tornamos familiar aquilo que não é (Id, p.20). 43 1)Ancoragem: é o processo que aproxima aquilo que é estranho, sem sentido a algo já conhecido, classificando e dando nome ao que não tem. Diante da resistência que temos ao desconhecido, rotulamos e classificamos com o objetivo de facilitar a interpretação de características, formando opiniões. O conceito de ancoragem, descrito por Moscovici, também é usado por Lefèvre & Lefèvre (2003) que o definem como a expressão, de uma teoria ou ideologia, que é referida no discurso de um sujeito como algo genérico, aparentemente sem valor científico, mas que configura o embasamento da resposta dada. 2)Objetivação: é o processo pelo qual as representações assumem uma forma concreta, materializando uma abstração, reproduzindo um conceito em uma imagem. Para a coleta de dados, foi elaborado um questionário aplicado aos dois grupos, com questões abertas e fechadas, a ser respondido de forma individual e anônima. As perguntas abertas possibilitam respostas amplas que englobam uma variedade de abordagens e profundidade na resposta. Este questionário é iniciado com o preenchimento de dados objetivos como idade, sexo, ano de residência, se já fez residência em outra área e qual, se pretende exercer a Clínica Médica ou Psiquiatria e universidade de graduação. Em seguida foram elaboradas oito questões abertas referentes: ao que pensam sobre o suicídio, qual o papel do médico no tratamento de pacientes em risco, conhecimento acerca do panorama das mortes por suicídio no Brasil, o acesso à bibliografia especifica, a experiência no atendimento a tais pacientes, a possibilidade de identificação de sinais de comportamento suicida e a necessidade de realização de um trabalho de prevenção) relacionadas ao tema em questão, possibilitando repostas livres e espontâneas para o levantamento das representações sociais dos residentes acerca do suicídio. As quatro últimas questões foram formuladas para identificação das crenças religiosas dos residentes, que podem ser úteis para traçar possíveis relações entre essas crenças e as representações sociais do suicídio. Os dados referentes à religião, idade, sexo, universidade de graduação e interesse na área de atuação foram organizados através de procedimentos estatísticos. A interpretação das perguntas abertas foi feita através da metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) proposta por Lefèvre & Lefèvre (2003), que tem por finalidade a identificação das representações sociais de determinado tema, objeto ou grupo a partir de expressões orais ou escritas expressas individualmente em entrevistas ou questionários. É uma metodologia qualiquantitativa, pois, segundo os autores, permite qualificar o pensamento como um discurso (DSC), com seus conteúdos e argumentos e ao mesmo tempo quantificar este discurso, sabendo-se quantas pessoas foram necessárias para compor o mesmo. Eles afirmam que os pensamentos contidos em expressões individuais representam mais do que um 44 indivíduo pensa sobre um dado tema, eles revelam elementos do imaginário coletivo de um grupo, uma vez que, segundo essa abordagem metodológica, grupos sociais específicos compartilham idéias, crenças e valores comuns (ou padrões ideológicos), ou seja, dispõem de um imaginário social, comum, coletivo, existente num dado momento. A partir dos depoimentos (entrevistas ou questionários) de cada indivíduo são identificadas expressões-chave (EC), que são destacadas e agrupadas pelo pesquisador, a partir da semelhança em seu conteúdo. As EC são fragmentos dos depoimentos que configuram a essência do conteúdo do discurso. Cada conjunto de EC semelhantes é analisado e tem seu sentido sintetizado em um nome ou expressão, dado pelo pesquisador, que configura uma idéia central (IC). Ou seja, cada grupo de expressões - chave semelhantes constitui uma idéia central que resume o conteúdo expresso nas expressões - chave. Com estas expressões-chave semelhantes, um discurso–síntese (DSC) é redigido na primeira pessoa do singular: [...] o DSC é uma técnica de tabulação e organização de dados qualitativos que resolve um dos grandes impasses da pesquisa qualitativa na medida em que permite, através de procedimentos sistemáticos e padronizados, agregar depoimentos sem reduzi-los a quantidades. A técnica consiste basicamente em analisar o material coletado em pesquisas que tem depoimentos como sua matéria prima, extraindo-se de cada um destes depoimentos as Idéias Centrais ou Ancoragens e as suas correspondentes Expressões Chave; com as Idéias Centrais/Ancoragens e Expressões Chave semelhantes compõe-se um ou vários discursos-síntese que são os Discursos do Sujeito Coletivo (Lefèvre & Lefèvre 2003). Para a participação na pesquisa, os residentes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A aplicação dos questionários teve início somente após aprovação pelo Comitê de ética em pesquisa do Hospital universitário Clementino Fraga Filho. 45 6. RESULTADOS Os resultados serão apresentados seguindo a ordem das perguntas do questionário. Serão expostas as ideias centrais e os DSCs encontrados a partir da análise das respostas dos residentes em Clínica Médica, seguidas daqueles encontrados a partir das respostas dos residentes em Psiquiatria. Ainda que o número de pesquisados seja pequeno em ambos os grupos (Clínica Médica e Psiquiatria), inclui-se o número de expressões-chave encontradas para cada ideia central e sua percentagem em relação ao número de investigados, como um elemento a mais que permite melhor visualização da força de adesão a cada ideia central do grupo pesquisado. 6. 1 Resultados referentes aos residentes em Clínica Médica Os dados mostram que os residentes pesquisados estão na faixa etária, em sua maioria, entre 25-29, sendo 13 (treze) do sexo masculino e 12 (doze) do sexo feminino. Nenhum deles realizou residência anterior, entretanto, sendo a residência em Clínica Médica pré-requisito para a realização de outras residências, verificamos que 13 (treze) residentes pretendem realizar outra residência que são consideradas áreas de Clínica Médica como cardiologia, endocrinologia, nefrologia e gastroenterologia. Foram 11(onze) aqueles que afirmaram pretender seguir apenas a Clínica Médica e apenas um ainda não sabe o que área seguirá após a conclusão desta primeira residência. Foram diversas as universidades em que se graduaram em Medicina, entretanto a maioria é formada por universidades públicas. Apenas dois residentes declararam não acreditar em Deus, enquanto os outros 23 afirmaram que sim. Destes que acreditam em Deus, 3 não têm religião. Entre as religiões declaradas: 8 adeptos da religião Católica não praticante, 6 da Católica praticante, 2 da Kardecista praticante, 2 da Evangélica Batista praticante, 1 da Evangélica Nova Vida não praticante, 1 do Judaísmo praticante. O perfil dos residentes é apresentado na Tabela 2 Tabela 2 - Perfil dos residentes em Clínica Médica pesquisados Perfil dos residentes Sexo Faixa etária Realizou residência anterior Quantidade 13 – feminino 12 – masculino 24 entre 25-29 anos 1 entre 30-34 anos 0 46 Vai exercer a profissão na área de Clínica Médica Universidade de formação em Medicina Tem religião e crê em Deus Sem religião, mas crê em deus Ateu Total 13 – não 11 – sim 1 – não sabe 12 (UFRJ); 4 (UGF); 3 (UNIRIO); 2 (UNIGRANRIO); 1 (Souza Marques); 1 (UNESA); 1 (USS); 1 (UNIG); 1 (UMC) 20 3 2 25 6.1.2 Dados dos questionários Em relação à primeira questão, “O que você pensa sobre a morte por suicídio (visões, valores, ideias, sentimentos)?”, a análise das respostas permitiu a identificação de 4 ideias centrais não excludentes entre si, ou seja, alguns residentes expressaram mais de uma ideia central em suas respostas. No Quadro 1, a seguir, são apresentadas as ideias centrais mencionadas e os respectivos discursos do sujeito coletivo. Na coluna onde está citada cada IC, encontra-se o número absoluto (N) de sujeitos que apresentaram expressão-chave dessa IC e entre parênteses encontra-se a porcentagem em relação ao conjunto de todos os sujeitos investigados. Quadro 1 - O que você pensa sobre a morte por suicídio (visões, valores, ideias, sentimentos)? IDEIAS CENTRAIS DSC DOS RESIDENTES IC1 - O suicídio está associado a muito sofrimento e desesperança. N= 15 (60%) DSC1: O suicídio é o resultado de uma situação de extremo desespero ou tristeza intensa, associados à solidão. Vejo que para chegar a este ponto, a pessoa estava passando por um momento muito difícil e (juntamente) sozinho. Acredito que é uma forma de fuga de uma realidade adversa, utilizada por determinadas pessoas em situações extremas e insustentáveis, sejam elas fruto de questões sociais, morais ou médicas. Estas pessoas têm dificuldade em lidar com problemas mais difíceis, não tem apoio familiar ou de amigo e chegam a um ponto onde não encontram outra saída. Acho que a pessoa estava sofrendo muito para cometer o ato, sem nenhuma possibilidade de melhorar seu problema e acredita ser a morte a única saída ou o caminho mais fácil. Em muitos casos é uma tentativa de sanar um problema, muitas vezes um ato impensado, impulsivo, outras vezes meticulosamente planejado, como a visualização da solução de problemas “sem cura” para doenças “incuráveis”. Reflete uma situação extrema de 47 IC2 - O suicídio está associado a doenças psiquiátricas. N= 8 (32%) IC3 - O suicídio é inaceitável, nem as religiões aceitam. N= 7 (28%) IC4 - O suicídio pode ser evitado. N= 3 (12%) desgaste emocional ou frustração com relação a vida pessoal ou profissional, em um individuo predisposto, com graves problemas pessoais e que não conseguem enfrentar as dificuldades. É a última alternativa para pessoas desesperadas, sem ter a quem recorrer ou ser ajudada em momento de desespero completo e de falta de perspectiva de vida. DSC2: Acredito tratar-se da mais grave consequência dos diversos transtornos psiquiátricos tratáveis, como uma manifestação clínica de alguma doença. Pacientes psiquiátricos podem cometê-lo com mais frequência, seria “justificável” pela medicina. Penso que muitos casos são relacionados à depressão não tratada acometendo pacientes já com determinado nível de depressão ou em estágio avançado da doença. Óbvio que algumas doenças (ex: depressão) alteram a percepção da realidade. DSC3: Acho que é uma maneira covarde de lidar com os problemas, por não conseguir enfrentar e simplesmente desistir, mas também corajosa, pela iniciativa de acabar com a própria vida sem ter certeza do que lhe espera. Segundo meus valores é algo inaceitável, não aprovo e sou totalmente contra. Levando-se em consideração o lado espiritual, doença da alma, (pode estar) também atrelado a valores religiosos, são pessoas fracas em relação ao lado espiritual, acho que não tem Deus no coração. Religiosamente é condenada, acho que muitas pessoas não o cometem por razões religiosas já que muitas religiões não o praticam. DSC4: Morte de causa evitável, porém pouco valorizada. As queixas geralmente são vagas e poucas vezes se pergunta diretamente sobre a intenção. Fico extremamente triste quando alguém comete o suicídio, pois com certeza a pessoa estava sofrendo muito para cometer o ato e muitas vezes poderíamos ter feito algo para impedir. Em todos estes casos é provável que as pessoas morram sem ter conseguido ajuda real para os seus problemas, o que é muito triste, já que poderiam ser questões reversíveis ou remediáveis. O DSC1, do Quadro 1, mostra que a representação do grupo pesquisado para o suicídio associa de forma expressiva este ao sofrimento psíquico e existencial. O suicida estaria nesta condição, envolvido em situações existenciais percebidas como de grande dificuldade de enfrentamento: “[...] Acredito que é uma forma de fuga de uma realidade adversa, utilizada por determinadas pessoas em situações extremas e insustentáveis, sejam elas fruto de questões sociais, morais ou médicas”. 48 De forma menos expressiva há a percepção de que aspectos patológicos ou psiquiátricos estariam relacionados à decisão de se suicidar, como pode ser visto no DSC2, do Quadro 1: “Acredito tratar-se da mais grave conseqüência dos diversos transtornos psiquiátricos tratáveis, como uma manifestação clínica de alguma doença [...]”. Interessante observar que neste grupo pesquisado não prevalece a visão de que o suicídio ocorre por transtornos psiquiátricos, que configura uma tendência, conforme visto na bibliografia, no meio médico. Ao contrário, prevaleceu entre os residentes a sensibilização pelo sofrimento psíquico subjetivo. O DSC 3, do Quadro 1, expressa uma crítica que se baseia em valores religiosos, o que mostra a influência das crenças religiosas na representação social acerca do suicídio: “Segundo meus valores é algo inaceitável, não aprovo e sou totalmente contra [...] Religiosamente é condenada, acho que muitas pessoas não o cometem por razões religiosas já que muitas religiões não o praticam” (DSC3). Há ainda o discurso que se refere ao suicídio como uma morte de causa evitável e considera que na maioria das vezes é possível fazer algo para evitar. Embora tenha sido pouco expresso pelo grupo pesquisado, este discurso mostra que há uma consciência, mesmo que limitada da possibilidade de prevenção do suicídio. A análise das respostas, da questão 2 “Na sua percepção, o que pode um médico fazer, no exercício de sua profissão, em relação a pacientes com possibilidade de suicídio?” permitiu a identificação de 4 ideias centrais não excludentes entre si, ou seja, alguns residentes expressaram mais de uma ideia central em suas respostas. As ideias centrais e discursos expressos referentes a esta questão podem ser identificadas no Quadro 2. Quadro 2 - Na sua percepção, o que pode um médico fazer, no exercício de sua profissão, em relação aos pacientes com possibilidade de suicídio? IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: O médico deve saber identificar os pacientes em risco e tratar contando com profissionais especializados, psiquiatra e psicólogo. N= 22 (88%) DSC1: O médico deve tentar o máximo possível identificar pacientes de risco para o suicídio, avaliar quanto ao aspecto médico em si (depressão, necessidade de medicação, internação etc.) e solicitar avaliação com urgência de profissional com especialização na área de saúde mental (psicólogo e psiquiatra). O médico deve procurar o fundamento da ideia suicida e se houver doença por trás (esquizofrenia, psicose, depressão), deve-se usar medicamentos. Em casos de pacientes depressivos, o tratamento medicamentoso deve ser iniciado, sempre avaliando a necessidade de internação hospitalar. A psicoterapia também deve ser incluída no tratamento. Não liberar o paciente, tratar o mais rápido possível, intervir de forma a prevenir o suicídio, tentando utilizar das armas da medicina para tentar 49 IC2: O médico deve dar apoio emocional tão logo identifique o risco de suicídio. N= 11 (44%) IC3: O médico deve conversar com a família. N= 3 (12%) IC4: O médico deve considerar a religião do paciente. N= 1 (4%) mudar aquele pensamento e sanar os problemas que estiverem ao seu alcance. Acredito que estes pacientes devem ser sempre internados em caráter de urgência e monitorados. Impedir ou prevenir acidentes e em casos específicos, adotar medidas agressivas com ECT e contenção no leito. No caso do paciente terminal, a orientação e a terapia são ferramentas. A imensa maioria dos problemas tem alguma solução e se a decisão é tomada em contexto de depressão ou algum transtorno de adaptação, ele pode receber algum tratamento ou suporte e mudar de ideia. DSC2: O médico no exercício de sua profissão deve ouvir os pacientes e conhecer as suas necessidades, dando atenção e apoio emocional no que diz respeito a evitar o suicídio, fornecendo as orientações cabíveis. Procurar conversar com o paciente e buscar o real problema, entendendo os motivos que levam o paciente a querer buscar o suicídio. Aumentar o vinculo médicopaciente com maior dialogo entre as duas partes, entender quais as causas que levaram o paciente a aumentar a possibilidade para tentar solucioná-las. Mostrar-se disponível para ouvir, motivar os pacientes quanto a sua importância enquanto ser humano. A postura do médico não deve ser de julgar o pensamento alheio, nem mesmo reprimir as crenças individuais O mais importante é o paciente ser indagado de forma subjetiva, sentir-se apoiado, valorizado como um ser humano, saber que tem alguém que ele pode contar. DSC3: O médico deve buscar ajuda familiar. Conversar com seus familiares sobre situação financeira, familiar, social. Tentar identificar esta possibilidade e informá-la aos parentes ou acompanhantes do risco. DSC4: Identificar as causas levando-se em consideração sua religião (do paciente). Analisando o DSC1, do Quadro 2, pode-se perceber que os médicos residentes consideram que o médico pode e deve prestar atendimento aos pacientes em risco de suicídio: O médico deve tentar o máximo possível identificar pacientes de risco para o suicídio, avaliar quanto ao aspecto médico em si (necessidade de medicação, internação etc.) e solicitar avaliação com urgência de profissional com especialização na área de saúde mental (psicólogo e psiquiatra). Eles apontam para a necessidade de tratar aspectos psicológicos e patológicos, inclusive expressando que se deve procurar ou indicar outros profissionais mais familiarizados com a área (psiquiatras e psicólogos). O DSC2, do Quadro 2, mostra que o grupo pesquisado também reconhece como papel do médico, oferecer apoio emocional aos 50 pacientes, ouvindo seus relatos com atenção e cuidado. O DSC3, que se refere à importância do contato do médico com a família do paciente, aparece de maneira pouco expressiva, entretanto, mostra que é também considerada função do médico investigar o contexto familiar de seus pacientes e informar aos parentes e pessoas próximas sobre o risco. Pode-se notar, no DSC3 do Quadro 2, a pouca atenção expressa pelo grupo à investigação de possíveis crenças religiosas dos pacientes em risco de suicídio. Embora não se possa dizer que os residentes revelam condutas sistematizadas de acordo com as orientações presentes nos manuais da OMS e do MS, os discursos identificam e diferenciam condutas de comportamento para o atendimento a pacientes em risco de suicídio. A partir da análise da questão 3, “O que você pode dizer acerca do panorama das mortes por suicídio no Brasil?” foram identificadas 4 ideias centrais excludentes entre si, ou seja, nenhum residente expressou mais de uma ideia central em suas respostas. O Quadro 3 identifica as ideias centrais e discursos expressos pelos pesquisados. Quadro 3 - O que você pode dizer acerca do panorama das mortes por suicídio no Brasil? IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: Desconheço. N=10 (40%) DSC1: Desconheço, não estou atualizado com o tema, não tendo conhecimento de dados específicos. IC2: Não estou certo, mas tenho algumas suposições. N= 8 (32%) DSC2: Não estudei recentemente sobre o assunto, não tenho conhecimento preciso. Não sei informar com detalhes sobre dados quantitativos e se são corretos. Confesso não ter muito conhecimento sobre o tema, porém acredito que seja mais comum em faixas etárias jovens (20-30 anos), na adolescência ou idosos, em pessoas do sexo masculino ou feminino. Creio (também) ser inferior a de outros países desenvolvidos em termos de prevalência, no entanto, parece ser mais comum em alguns grupos ou profissões incluindo área médica. DSC3: Imagino que seja mais frequente nas doenças psiquiátricas. Alta prevalência em pacientes com história de transtornos depressivos, alcoolismo, vício em drogas ilícitas e outras doenças psiquiátricas. Em todos os casos que tive conhecimento foram secundários a doenças psiquiátricas: depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar. DSC4: Acredito que a incidência venha aumentando em virtude do estilo de vida encontrado hoje em nosso meio, com estimulo a competição e necessidade de se adequar a um modelo estabelecido pela sociedade. Elevação principalmente em países desenvolvidos em decorrência a pressão. IC3: Dados se relacionam com presença de transtornos mentais ou dependência química. N= 5 (20%) IC4: Tem relação com problemas sociais. N= 2 (8%) 51 Os discursos encontrados nesta questão revelam que o grupo pesquisado pouco conhece o panorama do suicídio no Brasil. O DSC1 do Quadro 3, revela um desconhecimento de dados objetivos sobre o suicídio. Os outros discursos de menor adesão sugerem um conhecimento limitado destes dados, pois é de forma insegura que eles se expressam. Esse aspecto pode ser percebido através das expressões como “não sei”, “confesso não ter conhecimento”, “creio que”, “imagino”, etc., que antecedem às diferentes afirmações sobre o panorama do suicídio no país. Em relação à quarta questão, Você já teve acesso a documentos, artigos, livros que abordassem o tema suicídio? Não ( ) Sim ( ) Em que momento? Poderia dar alguns exemplos?, a análise permitiu a identificação de 2 ideias centrais excludentes entre si, ou seja, nenhum residente expressou mais de uma ideia central em suas respostas. As ideias centrais e discursos expressos são encontrados no Quadro 4, a seguir. Quadro 4 - Você já teve acesso a documentos, artigos, livros que abordassem o tema suicídio? Não ( ) Sim ( ) Em que momento? Poderia dar alguns exemplos? IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: Não. N= 20 (80%) IC2: Sim, no contexto de Psiquiatria. N= 5 (20%) DSC1: Não DSC2: Sim, durante a graduação na faculdade de medicina, apenas no curso de Psiquiatria e dentro do contexto de algumas doenças. Esses discursos mostram que prevalece o limitado acesso do grupo à literatura sobre o suicídio. A grande maioria dos pesquisados negou ter tido algum acesso a qualquer bibliografia sobre o tema, como pode ser visto no DSC1, do Quadro 4. O DSC 2, do Quadro 4, revela que a única menção a esse acesso, refere-se a conteúdos de Psiquiatria vistos em algum momento da graduação. Em relação à quinta questão, “Você já teve a experiência de atender pacientes com história de tentativa de suicídio? Sim ( ) Como se sentiu? Como procedeu no caso? Não ( ) Como você acredita que se sentiria? Como acredita que conduziria o caso?”, a maioria dos residentes (16- 64%) afirmou já ter tido a experiência de atender pacientes com história de tentativa de suicídio, enquanto que apenas 9 – 36% declararam nunca ter tido tal experiência. Para melhor análise desta pergunta, que contém desdobramentos, optamos por separar as ideias centrais e discursos que se relacionam aos sentimentos, encontrados no Quadro 5, daquelas equivalentes à condução do caso, encontrados no Quadro 6. No que se 52 refere aqueles, a análise permitiu a identificação de 6 ideias centrais excludentes entre si, ou seja, nenhum residente expressou mais de uma ideia central em suas respostas. Quadro 5 – Você já teve a experiência de atender pacientes com história de tentativa de suicídio? Sim ( ) Como se sentiu? Não ( ) Como você acredita que se sentiria? IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: Sim, já tive a experiência e senti dificuldades em lidar com a situação. N= 13 (52%) IC2: Não tive a experiência, mas acredito que sentiria dificuldades em lidar com a situação. N= 8 (32%) IC3: Sim, já tive a experiência, mas não valorizei a situação. N= 1 (4%) IC4: Sim, já tive a experiência e me senti no dever de dar apoio ao paciente. N= 1 (4%) IC5: Sim, já tive a experiência e senti indiferença. N= 1 (4%) IC6: Não tive a experiência, mas acredito que me sentiria sensibilizado a ajudar. N= 1 (4%) DSC1: Sim. É sempre um fato que traz um pouco de “surpresa” e estranheza num primeiro momento. Inicialmente me senti um pouco apreensivo que o paciente viesse a cometer suicídio assim que saísse do hospital e com a função de tentar evitar que pudesse acontecer. Tive a preocupação em reverter prontamente o risco de morte, agindo com precisão para evitar o óbito e empenhado em entender a vida pessoal do paciente. Senti que devia conversar e saber o que está (va) acontecendo, identificando um problema que gerou. Tive dificuldade de lidar e ajudar, pois não sabia como abordar o tema. Me senti confuso a respeito dos motivos para tal atitude, curioso ao motivo daquela tentativa e por vezes angustiado, um pouco impotente e inseguro com a situação, sem saber ao certo a melhor forma de lidar. Fiquei com pena do paciente, triste de ver a pessoa assim e incomodado, pois todos os pacientes que atendi eram jovens. DSC2: Não. Acredito que inicialmente ficaria chocado e me sentiria despreparado. Deve ser um momento de apreensão e grande responsabilidade. Me sentiria diante de uma situação emergencial e com alguma responsabilidade de detectar qualquer tendência a nova tentativa. Ficaria extremamente preocupado com a situação e com a atenção redobrada. DSC3: Sim. Não valorizei, pois na verdade acho que a paciente inventou. DSC4: Sim. No dever de aconselhar, conversar e escutar. DSC4: Sim. Indiferente, porém acreditei na possibilidade. DSC6: Não. Acredito que me sentiria sensibilizado; tentado a ajudar. 53 Os DSCs, relacionados à pergunta do quadro 5, mostram que os médicos residentes são sensíveis a questão do suicídio uma vez que identificam diversos sentimentos, pelos quais foram ou acreditam que seriam, acometidos perante a experiência de atender pacientes com história de tentativa de suicídio. O DSC1 e o DSC2, do Quadro 5, foram os de maior adesão e revelam os sentimentos de dificuldade em lidar com a situação. Esses discursos se diferenciam, pois o primeiro foi expresso pelos residentes que já tiveram a experiência de atender pacientes com história de tentativa de suicídio, enquanto que o segundo se refere aos que não viveram tal experiência. Apesar de distintos, pela especificidade citada, são semelhantes no conteúdo da representação social que revela os sentimentos de preocupação, insegurança, despreparo, entre outros, que podem ser vistos nos respectivos DSCs. Os outros discursos encontrados aparecem de forma menos expressiva e mostram que os residentes, em determinadas situações não valorizaram a situação (DSC3), sentiram-se no dever de apoiar emocionalmente o paciente (DSC4), sentiram-se indiferentes (DSC5) e ainda, mesmo não tendo a experiência, acreditam que se sentiriam sensibilizados a ajudar (DSC6). Já em relação à condução do caso, a análise permitiu a identificação de 8 ideias centrais não excludentes entre si, ou seja, alguns residentes expressaram mais de uma ideia central em suas respostas. As ideias centrais e discursos encontrados são identificados no Quadro 6. Quadro 6 – Você já teve a experiência de atender pacientes com história de tentativa de suicídio? Sim ( ) Como procedeu no caso? Não ( ) Como acredita que conduziria o caso? IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: Já tive a experiência DSC1: Tentei identificar se a paciente estava com “ideamento” suicida no momento da consulta, chamei e tratei com ajuda de um colega da área da saúde mental para avaliação profissionais conjunta e ofereci auxílio psiquiátrico e psicológico especializados Tive a oportunidade de acessar profissional que me (psiquiatra/psicólogo). auxiliou na condução do caso. Tratei o problema N= 10 (40%) orgânico, orientei o retorno do antidepressivo, conversei com ele e o encaminhei para um hospital psiquiátrico entrando em contato direto com o médico que a receberia. (Por vezes foi necessário) avisar a equipe de enfermagem e médica, alocar o paciente em um quarto de isolamento, sem janelas, afastar possíveis instrumentos e ferramentas que permitissem nova tentativa de suicídio. DSC2: Não. Disposto a procurar, junto com ele, um IC2: Não tive a profissional qualificado. Pediria ajuda a um psiquiatra experiência, mas e psicólogo. Buscaria acompanhamento procuraria auxílio de multiprofissional, tentaria internar o paciente (para) equipe especializada 54 (médico/psicólogo). N= 7 (28%) vigilância contínua, rigorosa e exclusão de causas orgânicas. DSC3: Tentaria identificar e entender quais os motivos que fizeram o paciente agir assim e tentaria convencê-lo do contrário. Tentaria intervir no que me fosse possível e ser o mais cuidadoso e atencioso possível. Conversaria muito mostrando que essa não é a melhor saída e disposto a ouvir o paciente, o faria se sentir valorizado. IC4: Já tive a experiência, DSC4: Era um caso antigo em que no momento não exigia condutas em relação aquele episódio. Realizado mas não foi necessária tratamento específico de emergência, não foi possível conduta posterior. acompanhar o seguimento do caso. N= 3 (12%) IC5: Já tive a experiência DSC5: Tentei estabelecer uma boa relação médicoe ofereci apoio emocional. paciente, conversando e tentando causar uma impressão de abstração do ambiente do consultório para abordar N= 2 (8%) sobre seus problemas e circunstancias da tentativa de suicídio. Conversei com o paciente, ofereci conforto e encorajei fortemente a prosseguir. Acabei tendo uma consulta mais pessoal do que médica. IC6: Já tive a experiência DSC6: Conversei com a família e foi solicitado presença por 24 h. e contei com ajuda da família. N= 2 (8%) DSC7: Marcaria mais consultas que o normal. IC7: Não tive a experiência mas, aumentaria a frequência das consultas. N= 1 (4%) DSC8: (Faria) Contato intensivo com a família. IC8: Não tive a experiência, mas faria contato com a família. N= 1 (4%) IC3: Não tive a experiência, mas ofereceria apoio emocional. N=5 (20%) O DSC1 e o DSC2, do Quadro 6, mostram que diante da situação de atendimento a pacientes com história de tentativa de suicídio, os residentes destacam o contato com outros profissionais, especializados na área, como psiquiatras e psicólogos. Esses discursos se diferenciam pelo fato de o primeiro se relacionar àqueles que já tiveram a experiência de atender pacientes com história de tentativa de suicídio, enquanto que o segundo se refere aos que não viveram tal experiência. Entretanto, percebe-se que independentemente da experiência, os residentes identificam a necessidade de recorrer a outros profissionais diante do atendimento a pacientes com história de tentativa de suicídio. Isso sugere que eles reconhecem sua limitação diante desses casos e a necessidade do trabalho em equipe. 55 Percebe- se a partir dos DSC6 e DSC8, Quadro 6, a menor adesão do grupo ao discurso que se refere à necessidade de contato com a família dos pacientes, o que pode indicar a oscilação na convicção em relação à importância da rede social do paciente. De maneira também pouco enfatizada, entre os que não tiveram a experiência, encontra-se o aumento da frequência das consultas como uma postura a ser adotada pelo médico, que configura uma estratégia para um acompanhamento mais intenso ao paciente (DSC7, Quadro 6). Há ainda o discurso que revela que no ato do atendimento, o paciente não estava em risco, não havendo necessidade ou possibilidade de conduta posterior (DSC4, Quadro 6). Possivelmente esse discurso refere-se a situações circunstanciais, nas quais a história de tentativa já estava superada. A partir da análise das respostas da questão 6 “Na sua experiência, é possível identificar, ao longo de uma consulta, sinais de comportamento suicida em um paciente? Sim ( ) O que você considera sinais de comportamento suicida? Não ( ) Justifique”, foram identificadas 6 ideias centrais não excludentes entre si, ou seja, alguns residentes expressaram mais de uma ideia central em suas respostas. As ideias centrais e discursos expressos estão identificados no Quadro 7. Quadro 7 - Na sua experiência, é possível identificar, ao longo de uma consulta, sinais de comportamento suicida em um paciente? Sim ( ) O que você considera sinais de comportamento suicida? Não ( ) Justifique IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: É possível identificar, o paciente demonstra insatisfação com a vida, por vezes próximos a quadros depressivos. N= 21 (84%) DSC1: Na verdade, há como identificar sinais de doenças psiquiátricas que são fatores de risco, comportamento ou sintomas depressivos, falta de qualquer prazer, visão pessimista, não se sentir apegado a ninguém, desmotivação intensa com menção ao suicídio, quando questionado. O paciente sempre diz que não aguenta mais, que não sabe se virá na próxima consulta, está desesperançoso, desanimado, com perda de interesse pela vida, ideia obsessiva da morte ou de que a morte é a solução para todos os problemas. O próprio paciente refere desejo de morrer, “sumir”, em alguns casos relata até o planejamento de morte se interrogado com cautela. Discurso característico, conversas sobre o assunto, dar-se pouco valor, “não quero viver, não faço diferença”, diz não ser mais feliz, acha que não tem mais utilidade, que a família não o quer. Paciente choroso, sem cuidados pessoais, baixa estima, sem planejamento. Às vezes percebemos que o paciente nos mostra sinais de apatia, falta de cooperação no atendimento, tristeza, sensação de que a vida não tem mais sentido ou graça. A própria idealização suicida em algum momento da vida, ter um 56 IC2: É possível identificar pelo histórico de tentativas de suicídio. N= 3 (12%) IC3: Podem não ser dados sinais. N= 3 (12%) IC4: É possível identificar, mas não sei como. N= 1 (4%) IC5: Não, a identificação é difícil. N= 1 (4%) IC6: Sim é possível identificar sinais como a doença crônica. N=1 (4%) plano arquitetado para o suicídio e achar a morte um caminho para paz e/ou tranqüilidade. DSC2: Considero sinal de comportamento suicida, tentativas prévias e frustradas de suicídio. DSC3: Acredito que há os que não manifestam, pois o que realmente comete o suicídio o faz sem dar sinais. Deve-se ter em mente que nem sempre é possível identificá-los, fazendo parte de um processo dinâmico. DSC4: Sei que estes sinais existem, mas não sei como identificá-los. DSC5: Não, acho muito difícil a identificação correta de cada caso. DSC6: Talvez alguns fatores poderiam ser preditores de comportamento suicida como doenças crônicas limitantes. O DSC1, do quadro 7, revela que os residentes reconhecem alguns fatores de risco de suicídio, pertinentes com os apresentados na revisão bibliográfica, como os sintomas depressivos, as tentativas de suicídio e o diagnóstico de uma doença crônica. Entretanto a revisão bibliográfica aponta ainda outros fatores de risco a ser considerados como aqueles relacionados ao gênero, idade, estado conjugal, situação financeira, entre outros. Nota-se que os residentes reconhecem os fatores mais associados a patologias e que o discurso relacionado ao histórico de tentativas anteriores de suicídio e à doença crônica que são importantes fatores a serem considerados, foram discursos de fraca adesão. Chamam também atenção os discursos, igualmente de fraca adesão, “Podem não ser dados sinais”, “É possível identificar, mas não sei como” e “Não, a identificação é difícil”, que podem estar relacionados ao desconhecimento da literatura acerca do tema. Em relação à sétima questão “Você acha necessário fazer um trabalho de prevenção em relação ao suicídio? Sim ( ) como acredita que isso seria possível? Não ( ) justifique”, a análise permitiu a identificação de 6 ideias centrais não excludentes entre si, ou seja, alguns residentes expressaram mais de uma ideia central em suas respostas. As ideias centrais e discursos expressos estão identificados no Quadro 8. 57 Quadro 8 - Você acha necessário fazer um trabalho de prevenção em relação ao suicídio? Sim ( ) como acredita que isso seria possível? Não ( ) Justifique IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: Sim, oferecendo tratamento adequado, com auxílio psiquiátrico, psicológico e social. N=12 (48%) IC2: Sim, identificando grupos de risco de suicídio. N= 10 (40%) IC3: Sim, com a capacitação dos médicos. N= 4 (16%) IC4: Dando apoio emocional. N= 3 (12%) DSC1: Acredito que por meio de grupos de apoio ou consultas individuais e instituindo um tratamento psicocomportamental e farmacológico após serem identificados os de maior risco. Nos casos relacionados a condições patológicas: diagnosticar precocemente, controlando as doenças psiquiátricas, tratar com condutas médicas, com assistência continuada, abordando-os de maneira multidisciplinar, com tratamento psicoterápico adequado e garantindo melhor qualidade de vida aos pacientes terminais. Motivação pessoal e melhora da condição social do paciente, como estruturação da família e amigos. Além disso, que o acompanhamento fosse mantido durante internações. DSC2: Identificando precocemente os pacientes com risco, pessoas com problemas sociais, emocionais, com alteração no comportamento em casa e com sinais de depressão. Levantar dados objetivos (como:) idade, atividade profissional, doenças associadas, sobre as pessoas que tentaram ou se suicidaram pra identificar os “fatores de risco” Levantar dados objetivos (idade,..., atividade profissional, doenças associadas) sobre as pessoas que tentaram ou se suicidaram pra identificar os “fatores de risco”. Um trabalho descobrindo pacientes com sintomas depressivos (com) uma equipe de parecer. Caso alguém ou profissional de saúde identificasse algum possível suicida, avisaria a equipe. Poderia ser um questionário ou “perguntaschave” que o médico poderia incluir no meio da consulta, pelo menos anualmente. DSC3: Sim. Orientar os médicos como identificar pacientes em risco. Primeiramente, com orientação aos médicos não especialistas, na detecção de sinais/comportamentos prévio de paciente suicida, para que eles pudessem identificar sinais ao longo da consulta. Orientar-nos quanto às características do paciente que mais provavelmente tentam o suicídio, características do comportamento que sejam identificáveis e, principalmente, como conduzir o caso. DSC4: Sempre conversar ao máximo com o paciente, expor todos os esclarecimentos possíveis sobre sua doença, se mostrar disponível a ajudar, oferecer apoio psicológico, demonstrar que o médico está ali como um parceiro, pronto a ajudar, que a vida é um bem valioso e que devemos cuidar dela. Nos casos associados a fatores sociais ou emocionais buscar na história dos pacientes questões pessoais que fogem um pouco da 58 IC5: Não é possível prevenir completamente. N= 3 (12%) IC6: Sim, atuando no âmbito social. N= 2 (8%) abordagem médica tradicional, e oferecer apoio aos pacientes com alguma aflição pessoal muito importante. Nas causas previsíveis, fazendo discussão e levando o paciente a reflexão sobre essas causas, se são passíveis de modificação. DSC5: É difícil abordar o tema para pessoas mentalmente doentes, acho que deve sempre ser feito screening (triagem) de depressão, será uma medida cabível ou não, dependendo da avaliação de risco clínico, porém não prevenção em um aspecto global. DSC6: Sim. É necessário um trabalho de conscientização quanto aos limites que todo individuo tem e que estes são diferentes para pessoas diferentes. Palestras sobre depressão e outros transtornos do humor, assim como informação a população de que busquem ajuda médica psicológica. A partir dos discursos expressos pelos médicos residentes sobre a necessidade de realizar um trabalho de prevenção de suicídio e como este seria possível, percebe-se que eles reconhecem a necessidade e identificam algumas estratégias a serem adotadas nesse trabalho. Oferecer tratamento adequado, com médicos e psicólogos (DSC1, Quadro 8) assim como a identificação dos pacientes em risco (DSC2, Quadro 8) foram os discursos de maior adesão entre os residentes no que se refere às possibilidades para a prevenção. Os pesquisados ainda consideram que esta será prevenção pode ser feita com o apoio emocional aos pacientes (DSC3, Quadro 8) e com a conscientização da sociedade (DSC6, Quadro 8). Há ainda o discurso que reconhece que a prevenção tem seus limites e que nem sempre é possível alcançá-la (DSC3, Quadro 8). No que diz respeito à questão 8, “Há alguma consideração que você queira fazer sobre o tema?”, 16 residentes - 64% optaram por não fazer considerações. A partir da análise das respostas daqueles que as fizeram, foram identificadas 4 ideias centrais excludentes entre si, ou seja, nenhum residente expressou mais de uma ideia central em suas respostas. As ideias centrais e discursos expressos podem ser encontrados no Quadro 9. Quadro 9 - Há alguma consideração que você queira fazer sobre o tema? IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: O suicídio é um tema importante e pouco abordado. N= 5 (20%) DSC1: Acredito ser um tema importante e ainda pouco explorado de forma prática tanto nas faculdades biomédicas quanto no dia a dia. A maioria dos médicos não psiquiatras tem pouca experiência. Percebi que não tenho muito conhecimento sobre o tema e estudarei 59 IC2: Não é possível perceber claramente a intenção de suicídio. N= 2 (8%) IC3: A abordagem espiritual do suicídio é necessária. N= 1 (4%) IC4: É possível perceber os sinais de ideação suicida. N= 1 (4%) sobre o mesmo. É importante estudar como está sendo feito. DSC2: Realmente percebemos que muitas vezes o problema não está “estampado” na cara do paciente e é preciso ter uma conversa mais funda. Não acredito que quem comete suicídio queira acabar com a vida ou provocar sofrimento alheio. A intenção é “matar” o sofrimento, a dor a qual se torna insuportável conviver. DSC3: Existe uma carência sobre uma abordagem espiritual nesses pacientes. DSC4: Por ser o ato final de alguém em desespero, o paciente dá sinais claros de sua perda de estimulo e avanço em direção a ideia suicida. Embora poucos tenham optado por fazer alguma consideração extra sobre o tema, os discursos que foram expressos revelam o conhecimento quanto à carência na abordagem do assunto na formação médica (DSC1, Quadro 9). Ao mesmo tempo em que pontuam que é possível identificar os sinais da ideação suicida (DSC4, Quadro 9), afirmam que não é possível perceber com clareza a intenção (DSC3, Quadro 9), o que mostra que no que se refere a essa percepção, os residentes apresentam ideias ambíguas. Pode ser visto, mesmo que com pouca adesão, o discurso que indica a importância de uma abordagem espiritual nesses casos (DSC2, Quadro 9). A partir da análise da questão 9, “Você acredita em Deus? Sim ( ) Não ( ) Como você definiria Deus?”, podemos afirmar que trata-se de um grupo caracterizado pela presença de crenças religiosas, uma vez que 92% dos residentes afirmaram acreditar em Deus (23) e apenas 2 (8%) declararam não acreditar. Dentre os que afirmaram acreditar em Deus, 8% (2) não o definiram e foram encontradas 2 ideias centrais, excludentes entre si, referentes à definição de Deus. Os pesquisados, em sua grande maioria, afirmam acreditar em Deus e o definiram, independentemente de seguir uma religião. Dentre os que têm religião, quase todos se declararam católicos, ainda que a maioria não seja praticante. Suas definições pessoais de Deus indicam que a crença está bem estabelecida, como podemos perceber através dos dois discursos do sujeito coletivo (DSCs), excludentes entre si, expressos sobre a definição de Deus (Quadro 10). 60 Quadro 10 - Você acredita em Deus? Sim ( ) Não ( ) Como você definiria Deus? IDEIAS CENTRAIS IC1: Sim. Deus é algo superior que rege os acontecimentos e nos conforta. N= 13 (52%) IC2: Deus é um ser criador e misericordioso. N= 8 (32%) DSC DSC1: Deus é uma força maior, espiritual, inesgotável, sobrenatural acima de tudo que rege a nossa vida, que orienta o homem, nos guia e nos ampara. Um espírito de muita luz, uma força boa presente em todas as causas que controla tudo, olha por mim e me guia. Ser superior que rege todas as ações, sendo a base de tudo o que vivemos e que guia algo que é inexplicável: a fé. Tenho muita fé. DSC2: Sim. Deus é meu criador e do universo, de todo o mundo material e espiritual, ele que nos concedeu a vida. Um ser necessário que tudo criou, mas não foi criado. Ele é o fundador do céu e da terra, Ele é nossa alegria, é meu salvador e mensageiro de uma possibilidade de uma nova sociedade. Para mim, Deus é o espírito perfeito, uma ideia confortadora de que após a morte há algo para aqueles que viveram na bondade e justiça, um ser onipresente, onipotente e misericordioso. Amo deus, Ele é tudo pra mim. Em relação à questão 12, “Você encontra alguma explicação ou compreensão a partir de sua crença religiosa? Sim ( ) Justifique Não ( ) Justifique”, 7 residentes responderam que não encontram explicação religiosa para o suicídio, entretanto, não justificaram sua negativa (28%). A partir da análise das justificativas, foram identificadas 2 ideias centrais excludentes entre si, ou seja, nenhum residente expressou mais de uma ideia central em suas respostas (Quadro 11). Quadro 11 - Você encontra alguma explicação ou compreensão a partir de sua crença religiosa? Sim ( ) Justifique Não ( ) Justifique IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: A crença religiosa não justifica o suicídio. N= 14 (56%) DSC1: Na minha crença religiosa não há nada que justifique ou defenda o suicídio, acho que não há explicação para tal, apenas um destino (castigo) para os que o cometem. Sendo Deus o centro de tudo, não seria adequado o suicídio, pois estaria sendo desprezado o maior dom que recebemos: a vida. Segundo o cristianismo, matar alguém, mesmo que a si próprio é um pecado cuja condenação o torna distante de Deus e das promessas por ele feitas. Por mais que esteja com dificuldades isto não lhe dá o direito de suicidar. Talvez a falta de conforto que a fé ou de uma crença, qualquer que seja, oferece, pode predispor ao suicídio, acredito que ela ajude de alguma forma retaliando a sua realização com a condenação por Deus. Acredito que 61 IC2: Discordo da religião que condena o suicídio. N= 4 (16%) isso surta algum efeito. A igreja católica “criou” a crença que o suicida é um pecador para evitar que isso acorresse. É a expressão da falta de confiança em Deus, da percepção que Deus quer nosso melhor. Perda dos valores morais e familiares, individualismo, inversão de bens. A pessoa sem Deus não tem alegria. Pessoas que conhecem a Deus sabem que o suicídio é contra o bem, pois ninguém pode tirar a própria vida e nem a de ninguém. Acho um ato muito triste e na minha religião este sofrimento não acaba para o suicida, pelo contrario, piora, uma vez que o espírito do suicida se dá conta do ocorrido e que seus “problemas não foram resolvidos”. Entendo como uma doença da alma, do espírito encarnado, seja sobre influencia de outros espíritos obsessores ou não. DSC3: Não acredito em destino, carma. Acredito que suicídio é circunstancial e que a vítima era portadora de alguma patologia, potencialmente tratável, como depressão maior. É resultado de condições negativas na vida de alguém que não vê saída. Pelo que sei, a religião católica entende o suicídio como um pecado, porém não acredito que Deus condenaria alguém que se encontra em situação tão desesperadora. Acho que alguns que cometem o suicídio pensam que findarão com o sofrimento da carne, acabarão com a doença do corpo, mas seus espíritos permanecerão eternos. O discurso de maior adesão entre os residentes em Clínica Médica mostram o quanto eles não só reconhecem a influência da religião (no caso, a falta de fé) na decisão de acabar com a própria vida como a própria convicção religiosas dos sujeitos. Eles entendem que a falta de uma crença religiosa pode contribuir para que a pessoa queira cometer o suicídio, considerando que a fé fortalece. Além disto, partindo do princípio que sua religião condena o suicídio, a pessoa pode não cometê-lo, temendo ser punida. Estes residentes aderem mais ao discurso de posicionamento religioso contra o suicídio. Os católicos configuram a maioria dos sujeitos e a ótica que prevalece é aquela percebida como das religiões cristãs. Desta forma, há indícios que em algum nível as crenças religiosas podem influenciar suas atitudes em relação aos pacientes com história de tentativa de suicídio. Ao mesmo tempo, o que sugere que este ainda é um tema controverso, os residentes expressaram o discurso de que o suicídio está relacionado a questões de ordem não religiosa e inclusive se posicionam contra a opinião de sua religião. Isto pode ser visto a partir do fragmento do discurso a seguir: [...] Acredito que suicídio é circunstancial e que a vítima era portadora de alguma patologia, potencialmente tratável, como depressão maior [...]. Pelo que sei, a religião católica entende o suicídio como um pecado, porém não acredito que Deus 62 condenaria alguém que se encontra em situação tão desesperadora [...] (DSC2, Quadro 11). Vale ressaltar que o discurso religioso não é expresso de maneira tão enfática nas questões anteriores, o que poderia indicar que não há grande influencia das crenças religiosas na representação de suicídio. Entretanto, quando questionados diretamente sobre esta influência, conforme visto nos discursos acima nota-se que eles expressam conteúdo religioso vasto relacionado á representação de suicídio, o que pode ser visto através do fragmento do discurso a seguir: Na minha crença religiosa não há nada que justifique ou defenda o suicídio, acho que não há explicação para tal, apenas um destino (castigo) para os que o cometem. Sendo Deus o centro de tudo, não seria adequado o suicídio, pois estaria sendo desprezado o maior dom que recebemos: a vida [...]. (DSC1, Quadro 11) 6.2 Resultados referentes às respostas dos residentes em Psiquiatria Os dados mostram que os residentes pesquisados estão na faixa etária, em sua maioria, entre 25-29, sendo 5 (cinco) do sexo masculino e 7 (sete) do sexo feminino. Nenhum deles realizou residência anterior e todos afirmaram que seguirão a carreira na Psiquiatria por gostaram da área. Foram diversas as universidades em que se graduaram em Medicina, entretanto a maioria é formada por universidades públicas. Apenas dois residentes declararam não acreditar em Deus, enquanto os outros 10 afirmaram que sim. Dentre os que acreditam em Deus, apenas 1 não tem religião. Entre as religiões declaradas: 3 adeptos da religião Católica não praticante, 3 da Católica praticante, 1 da Kardecista praticante, 1 da Evangélica Batista praticante, 1 da Protestante praticante. O perfil dos residentes está apresentado na Tabela 3 Tabela 3 Perfil dos residentes em Psiquiatria pesquisados Perfil dos residentes Quantidade Sexo 5 – masculino 7 – feminino Faixa etária 9 entre 25-29 anos 2 entre 20-24 anos 1 entre 30-34 anos Realizou residência anterior 0 Vai exercer a profissão na área de Psiquiatria 12 Universidade de formação em Medicina 3 (UFF); 4 (UFRJ) 2 (Souza Marques); 1 (UFES) 1 (UFBA); 1 (UFRGS) Tem religião e crê em Deus 9 63 Sem religião, mas crê em deus Ateu Total 1 2 12 6.2.1 Dados dos questionários A seguir serão apresentadas as ideias centrais e discursos expressos em relação ao que o grupo pesquisado pensa sobre a morte por suicídio. A análise das respostas permitiu a identificação de 3 ideias centrais excludentes entre si, ou seja, nenhum residente expressou mais de uma ideia central em suas respostas. O Quadro 12 identifica as ideias centrais e discursos expressos. Quadro 12 - O que você pensa sobre a morte por suicídio (visões, valores, ideias, sentimentos)? IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: O suicídio está associado a muito sofrimento e desesperança. N= 7 (58,33%) IC2: Suicídio está relacionado patologias graves. N=3 (25%) IC3: O suicídio é uma escolha a ser respeitada. N= 1 (8,33%) DSC1: A morte por suicídio demonstra sinal de fracasso e desistência de lutar, o total desespero, a máxima falta de esperança e perspectiva. É a completa ausência de expectativas na vida e dificuldade de obter ajuda. O indivíduo não vê outra saída possível a não ser a morte. Geralmente é um ato extremo, não necessariamente relacionado a doença mental mas sim ao sentimento de desesperança. Quem morre por suicídio está sofrendo muito, essas pessoas muitas vezes não conseguiram pedir ajuda ou esperar os resultados da ajuda e não vê (vêem) outra saída que não esta para acabar com o sofrimento. Algo complexo para mim e muito triste. Coloca em conflito meu lado religioso e profissional, tenho opiniões filosóficas e espiritualistas sobre o assunto. DSC2: O suicídio é conseqüência de fatores biológicos associados ou não a fatores ambientais. Acho que é um sintoma de uma doença grave, conseqüência de transtorno depressivo grave ou descontrole dos impulsos e que deve ser detectado precocemente. DSC3: Triste, porém uma escolha válida e respeitável. O primeiro aspecto percebido na análise dos discursos acima apresentados foi que o discurso de maior adesão entre os residentes não se caracteriza pela visão psiquiátrica, mas sim pela atribuição do sofrimento emocional, não necessariamente patológico, ao suicídio. Nesse sentido, manifestam o mesmo pensamento dos residentes em Clínica Médica. Esse aspecto chama a atenção para a influência das contribuições das visões psicológicas e 64 psicanalíticas que talvez já relativizem a concepção psiquiátrica do suicídio no mundo acadêmico. No DSC2, do Quadro 12, mostra que este grupo também atribui o suicídio a patologias graves, entretanto esse discurso aparece com menor adesão, o que é interessante observar, pois se tratando de um grupo composto por médicos residentes em Psiquiatria poderia se esperar que prevalecesse em seus discursos a concepção psiquiátrica do suicídio. Houve ainda o discurso que qualifica o suicídio como uma escolha que deve ser respeitada (DSC3, Quadro 12). Vale ressaltar que esses residentes não expressaram o discurso de que “O suicídio pode ser evitado”, presente entre os residentes de Clínica Médica. A análise das respostas à questão 2 “Na sua percepção, o que pode um médico fazer, no exercício de sua profissão, em relação a pacientes com possibilidade de suicídio?” permitiu a identificação de três ideias centrais não excludentes entre si, ou seja, alguns residentes expressaram mais de uma ideia central em suas respostas. As ideias centrais e discursos expressos podem ser identificados no Quadro 13. Quadro 13 - Na sua percepção, o que pode um médico fazer, no exercício de sua profissão, em relação a pacientes com possibilidade de suicídio? IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: O médico deve saber identificar os pacientes em risco, tratar e encaminhar a psicoterapia. N= 12 (100%) IC2: O médico deve orientar a família e contar com a rede social do paciente com risco de suicídio. DSC1: O médico deve acolher e intervir de maneira que o paciente encontre outras possibilidades de fuga que não a morte. Prestar orientações e cuidados necessários a fim de diminuir o sofrimento. Podemos intervir tentando mostrar para o paciente outros valores na vida, outras visões. Detectar sinais psicopatológicos, avaliar risco iminente de suicídio e tratar a doença de base, intervindo com medicação. Perguntar ativamente sobre sintomas depressivos ou ideação suicida, identificar se há comorbidades psiquiátricas que demandem tratamento e assistir. Caso não haja, tentar mudar a intenção do paciente. Encaminhar para psicoterapia, (oferecer) orientações e abordagem médica psicoterápica explicando a possível organicidade do desejo de tirar a própria vida. Caso o médico detecte a possibilidade de suicídio, ele deve tentar (dar) maior suporte clínico, com intensificação dos atendimentos ou internar o paciente. Durante a internação iniciar ou dar continuidade ao tratamento, usando não só farmacoterapia como outros mecanismos comportamentais. DSC2: Oferecer apoio e orientação à família sobre o risco de suicídio, contando com ajuda dos integrantes da rede social do paciente. 65 N= 4 (33,33%) IC3: O médico deve recorrer a religião do paciente, para tentar evitar o suicídio. N= 1 (8,33%) DSC3: Usar de argumentos religiosos conforme a crença do paciente. Foi unânime entre os pesquisados que é papel do médico oferecer atenção e assistência médica e emocional, inclusive encaminhando a psicoterapia, aos pacientes em risco de suicídio. Nota-se que essas posturas aparecem em um só discurso, mostrando a compreensão integrada de tratamento. Eles entendem que essa assistência abrange, como pode ser visto no DSC1, Quadro 13, tanto cuidados técnicos como emocionais e reconhecem que em alguns casos a internação é um recurso: O médico deve acolher e intervir de maneira que o paciente encontre outras possibilidades de fuga que não a morte [...] Detectar sinais psicopatológicos, avaliar risco iminente de suicídio e tratar a doença de base, intervindo com medicação. Perguntar ativamente sobre sintomas depressivos ou ideação suicida, identificar se há comorbidades psiquiátricas que demandem tratamento e assistir [...] Caso o médico detecte a possibilidade de suicídio, ele deve tentar (dar) maior suporte clínico, com intensificação dos atendimentos ou internar o paciente [...]. A interação com a família e com a rede social do paciente também é reconhecida como uma postura a ser adotada pelos médicos, entretanto, esses discursos são pouco expressos pelos pesquisados (DSC2, Quadro 13). O DSC3, do Quadro 13 se refere ao uso de argumentos religiosos como possibilidade de evitar que o paciente se suicide. Embora com pouca adesão, esse discurso reflete a influência das crenças religiosas na compreensão que esses médicos têm sobre o suicídio. A seguir serão apresentados os discursos obtidos em relação às terceira e quarta questões que abordam o conhecimento acerca de dados objetivos e da literatura já existente sobre o tema. Em relação à terceira questão, que diz respeito ao panorama do suicídio no país, foram identificadas 5 ideias centrais não excludentes entre si, ou seja, alguns residentes expressaram mais de uma ideia central em suas respostas. As ideias centrais e discursos expressos podem ser identificados no Quadro 14. Quadro 14 - O que você pode dizer acerca do panorama das mortes por suicídio no Brasil? IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: Há prevalência maior entre homens. DSC: A prevalência é maior no sexo masculino, bastante prevalente entre homens jovens ou de mais 66 N= 8 (66,66%) IC2: É prevalente em quadros de transtornos psiquiátricos. N= 3 (25%) IC3: O suicídio é um problema de saúde pública. N= 1 (8,33%) IC4: O índice de suicídio no Brasil é grande. N= 1 (8,33%) IC5: Não sei. N= 1 (8,33%) idade que moram sozinhos e tem uma rede social precária. Somente sei que as mulheres tentam mais e conseguem menos, os homens têm menos tentativas, porém morrem mais. DSC: A morte por suicídio no Brasil é mais prevalente em paciente já com transtornos psiquiátricos prévios. É muito comum em paciente com transtorno de personalidade e impulsivos. DSC3: É um problema de saúde pública, mundialmente ainda temos taxas baixas. DSC4: No Brasil o índice é maior que em muitos países desenvolvidos. Acho que a prevalência está em torno de 0,5 a 1% da população. DSC5: Não sei Os discursos expressos pelo grupo pesquisado indicam que eles possuem alguma familiaridade com o tema (apenas um residente não soube responder), pois apontam com segurança dados objetivos, pertinentes com a bibliografia, sobre o panorama do suicídio no Brasil. Entretanto, os dados apresentados são limitados, abrangendo apenas alguns dos fatores que configuram tal panorama. Por exemplo, faltam elementos críticos a certas afirmações conclusivas de dados parciais, como os que se referem aos índices no Brasil, pois se sabe que esses dados podem ser subestimados. O DSC1, Quadro 14, mostra que eles reconhecem que o suicídio é mais frequente entre homens e que as mulheres possuem maior número de tentativas. A relação do suicídio com a presença de algum transtorno psiquiátrico é expresso, com pouca adesão, como pode ser visto no DSC2, Quadro 14. O discurso que reconhece o suicídio como um problema de saúde pública (DSC3, Quadro 14) e o que indica o alto índice no Brasil (DSC4, Quadro 14), também são expressos de maneira pouco significativa, o que demonstra a carência de informações básicas acerca do tema. A análise das respostas à quarta questão, acerca do acesso à literatura sobre o tema, permitiu a identificação de 5 ideias centrais excludentes entre si, ou seja, nenhum residente expressou mais de uma ideia central em suas respostas. As ideias centrais e os discursos expressos estão identificados no Quadro 15. Quadro 15 - Você já teve acesso a documentos, artigos, livros que abordassem o tema suicídio? Não ( ) Sim ( ) Em que momento? Poderia dar alguns exemplos? IDEIAS CENTRAIS DSC IC 1: Sim, durante a DSC1: Durante a faculdade de medicina nas aulas de 67 graduação e na residência. Psiquiatria, inclusive houve uma aula sobre suicídio e na residência de psiquiatra, tive acesso a aulas e livros. N= 4 (33,33%) A maior fonte por artigos acadêmicos DSC2: Durante a faculdade de Medicina, artigos, IC2: Sim, durante a textos, em um trabalho acadêmico e um artigo graduação. publicado no caderno do IPUB escrito pelo prof. N= 3 (25%) Marcio Amaral. IC3: Sim, durante a DSC3: Sim. Na residência. Foi por conta do atendimento de pacientes no ambulatório com tentativas residência. prévias, sessões clínicas e aulas. N= 2 (16,66%) IC4: Não. N=2 (16,66%) IC5: Em livrarias. N= 1 (8,33%) DSC4: Não DSC5: Sim. Em livrarias. Não me recordo. Os discursos mostram que esses residentes, em sua maioria, tiveram algum contato com a bibliografia que abordasse o tema suicídio, seja na graduação, na residência ou em livrarias, o que justifica a familiaridade, mesmo que limitada, com a temática. Pode-se pensar que não houve estudo sistematizado sobre o suicídio nem na graduação, nem na residência. Os discursos são excludentes, o que pode revelar um possível acesso desigual à literatura específica. Alguns só viram na graduação, outros apenas na residência e poucos, nos dois momentos, o que mostra que a abordagem ao tema não é feita de forma contínua. Em ambos os grupos, o conhecimento de documentos e manuais que fornecem informações sistematizadas sobre o suicídio, não foi expresso pelo grupo pesquisado. Em relação à quinta questão, “Você já teve a experiência de atender pacientes com história de tentativa de suicídio? Sim ( ) Como se sentiu? Como procedeu no caso? Não ( ) Como você acredita que se sentiria? Como acredita que conduziria o caso?”, 100% dos residentes afirmaram já ter tido a experiência de atender pacientes com história de tentativa de suicídio. Para melhor análise das respostas a essa pergunta, que contém desdobramentos, optamos por separar as ideias centrais e discursos que se relacionam aos sentimentos (Quadro 16) daquelas equivalentes à condução do caso (Quadro 17). No que se refere aqueles aos sentimentos, a análise permitiu a identificação de 3 ideias centrais excludentes entre si, ou seja, nenhum residente expressou mais de uma ideia central em suas respostas. Quadro 16 - Você já teve a experiência de atender pacientes com história de tentativa de suicídio? Sim ( ) Como se sentiu? Não ( ) Como você acredita que se sentiria? IDEIAS CENTRAIS DSC 68 DSC1: O sentimento varia de acordo com a história clínica do paciente e depende do motivo pelo qual o paciente tentou suicídio. Algumas vezes não vi consistência nos relatos de tentativas de suicídio, quando é por alguma coisa banal ou só para chamar atenção fico com raiva. Nas que tal história era concreta fiquei mais atento a procurar comorbidades, incentivado a buscar mais dados na HDA que levaram a tentativa e senti que poderia e com desejo de ajudar. IC2: Senti dificuldades em DSC2: Muito preocupado. O sentimento inicial foi angústia e ansiedade para compreender as lidar com a situação. circunstâncias da tentativa de suicídio e ajudar o N= 3 (25%) paciente e sua família. Em relação ao caso em questão, inicialmente me senti inseguro, prevendo que a paciente poderia tentar mais uma vez e incentivado a buscar mais dados na HDA que levaram a tentativa. Algumas vezes não vi consistência nos relatos de tentativas de suicídio e nas que tal história era concreta fiquei mais atento a procurar comorbidades. IC3: Me senti indiferente. DSC3: Faz parte da minha rotina de trabalho, tento não me envolver emocionalmente. (Me senti) Da mesma N= 3 (25%) maneira como me sentiria com qualquer outro paciente com história de doença grave. IC1: Meu sentimento depende da história clínica do paciente. N= 6 (50%) No que se refere à condução do caso, a análise permitiu a identificação de 4 ideias centrais excludentes entre si, ou seja, nenhum residente expressou mais de uma ideia central em suas respostas. Quadro 17 - Você já teve a experiência de atender pacientes com história de tentativa de suicídio? Sim ( ) Como procedeu no caso? Não ( ) Como acredita que conduziria o caso? IDEIAS CENTRAIS DSC DSC1: Avaliei a história clínica, investiguei sinais e IC1: Dei suporte médico, sintomas depressivos ou psicopatológicos e o risco de variando minha conduta de acordo com a demanda suicídio, tentando escolher o tratamento certo (mudando as medicações quando necessário). Depende do apoio do caso. familiar que o paciente tem, se a tentativa foi resultado N= 9 (75%) de descontrole dos impulsos ou síndrome depressiva, do juízo de morbidade, do pragmatismo do paciente e contexto social em geral. Se ainda houvesse ideação suicida no paciente, tentei dar maior suporte. As condutas variavam, iniciando tratamento, em alguns casos fiz internação e em outros, ambulatório de crise. Para uma paciente minha que sofria de depressão, realizei ajuste no esquema terapêutico e não estava respondendo a medicação, propus eletroconvulsoterapia. Ajudei conforme minhas 69 possibilidades, independente do motivo tento ajudar e encaminho paciente para tratamento psicológico/psiquiátrico. IC2: Ofereci apoio emocional. N= 2 (16,66%) IC3: Solicitei ajuda da família. N= 1 (8,33%) IC4: Conduta não especificada. N= 1 (8,33%) DSC2: Tentei abordagem verbal para mostrar novas visões do mundo, as perdas que a paciente teria e para entender a motivação. Buscar algo que pudesse fazer o paciente mudar de ideia, incentivando a adesão ao tratamento e melhora. DSC3: Solicitei a presença de um familiar, expliquei a ele os riscos e o encarreguei de administrar a medicação prescrita. DSC4: (Procedi) Normalmente. O DSC1, do Quadro 16, e o DSC1, do Quadro 17, revelam que tanto os sentimentos quanto a postura adotada nos atendimentos a casos de pacientes com história de tentativa de suicídio dos residentes variaram de acordo com a história do paciente e com a demanda de atendimento apresentada. A partir desses discursos é possível perceber que o fato desse tipo de atendimento não ser raro na rotina desses residentes, faz com que eles reconheçam a particularidade de cada caso e que seus sentimentos e condutas sejam mutáveis dependendo da situação. Ainda assim, os residentes expressaram dificuldades diante de tal experiência, como pode ser visto no DSC2, Quadro 16, identificando sentimentos como preocupação, angústia e insegurança. Há ainda o discurso de indiferença, em que os pesquisados encaram o atendimento a pacientes com história de tentativa de suicídio, como algo que faz parte da rotina, sem suscitar nenhum tipo de sentimento específico (DSC3, Quadro 16). No que se refere ao procedimento adotado em sua experiência, os residentes identificam, além do suporte médico que varia de acordo com a demanda de cada caso (DSC1, Quadro 17), outras condutas realizadas em seus atendimentos, como o apoio emocional (DSC2, Quadro 17) e o contato com a família do paciente (DSC3, Quadro 17), que apareceram de forma pouco expressiva. Há ainda o discurso que não especifica a conduta adotada (DSC4, Quadro 17). A análise das respostas à sexta questão, sobre a possibilidade de identificação de sinais de comportamento suicida, permitiu a identificação de 4 ideias centrais não excludentes entre si, ou seja, alguns residentes expressaram mais de uma ideia central em suas respostas. As ideias centrais e discursos expressos estão identificados no Quadro 18. 70 Quadro 18 - Na sua experiência, é possível identificar, ao longo de uma consulta, sinais de comportamento suicida em um paciente? Sim ( ) O que você considera sinais de comportamento suicida? Não ( ) Justifique. IDEIAS CENTRAIS DSC DSC1: Pacientes que se mostram indiferentes a IC1: Sim, o paciente consulta, distantes afetivamente, muito quieto, apresenta sinais de depressivo ou quando está muito ansioso, desesperado. depressão como tristeza, Outros mostram um contentamento que não apresenta desesperança, desânimo, irradiação afetiva, com sentimento importante de culpa desmotivação. e menos valia, perguntando diretamente sobre ideação e N= 9 (75%) planos suicidas. Tristeza, desânimo, baixa autoestima, falta de esperança, pessimismo em relação a vida e ausência de planos para o futuro, com histórico prévio de depressão e história pessoal de vida difícil. Relatos de descrença, angústia, sofrimento intenso solicitação de alívio imediato. DSC2: Quando o paciente tem história de tentativas IC2: Sim, quando há prévias de suicídio. história de tentativas prévias de suicídio. N= 6 (50%) DSC3: Alterações do humor, com sintomas depressivos, IC3: Sim, quando com ideação suicida, presença de transtorno de pacientes apresentam claros sinais de transtorno personalidade boarderline, usuários de substância. Eu divido os pacientes em risco de suicídio em 3 grupos: psiquiátrico. impulsivos - através do histórico de atos impulsivos; N= 4 (33,33%) deprimidos - através da gravidade do transtorno depressivo e psicóticos - grau de desorganização e convicção do delírio. DSC4: Na verdade depende muito, pois muitos IC4: Sim, mas nem pacientes têm atitude dissimulada. Alguns dados da sempre é possível. história são indicativos de ideação suicida, porém nem N= 2 (16,66%) sempre se identifica. O DSC1, do Quadro 18, mostra que os residentes, de maneira bastante expressiva, acreditam ser possível a identificação de comportamentos suicidas ao longo de uma consulta e consideram como sinais de depressão, tristeza, desânimo, entre outros. Esse discurso indica que estes são os sinais mais frequentes entre pessoas que estão em risco de suicídio. Esse discurso se diferencia do DSC3, do Quadro 4, pois no primeiro, os residentes se referem a sintomas depressivos, que se confundem com sentimentos de tristeza, desesperança e não necessariamente há sinais claros de algum transtorno psiquiátrico como evidenciado no segundo. O histórico de tentativas anteriores de suicídio, também é apontado como um sinal de comportamento suicida possível de ser identificado (DSC2, Quadro 18). Há ainda o discurso reconhece que há sinais de comportamento suicida, mas que nem sempre é possível identificá-los (DSC4, Quadro 18). 71 Foram identificadas 4 ideias centrais excludentes entre si a partir da análise da nona questão que se refere à necessidade e possibilidade de prevenção ao suicídio. As ideias centrais e discursos expressos podem ser identificados no Quadro 19. Quadro 19 - Você acha necessário fazer um trabalho de prevenção em relação ao suicídio? Sim ( ) como acredita que isso seria possível? Não ( ) Justifique IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: Com a capacitação dos DSC1: Cursos de atualização sobre o assunto nos hospitais psiquiátricos principalmente nas médicos e orientação da população. emergências e mais importância curricular na graduação sobre o assunto. Treinamento de equipes de N= 7 (58,33%) saúde para detectar sinais e fatores de risco em pacientes, buscando dados, indicador de ideação suicida de maneira ativa. Campanha informativa, orientando a população leiga e médica sobre sintomas de alarme e a respeito de como obter ajuda. Os profissionais devem saber conduzir e lidar com os casos, perguntando ativamente sobre o assunto e iniciando o tratamento nesses pacientes o quanto antes. IC2: Oferecendo suporte ao DSC2: Realizando uma abordagem direta do assunto, que ainda é considerado um tabu, através de terapia paciente. motivacional e (oferecendo) orientação a respeito de N= 2 (16,66%) como obter ajuda. IC3: É possível, entretanto DSC3: Sim, mas não sei como isso seria possível. não sei como aconteceria na Seria um trabalho utópico, pois deveria envolver prática. melhora na qualidade de vida e de relações interpessoais. N= 2 (16,66%) IC4: Não é possível prevenir completamente. N= 1 (8,33%) DSC4: Não. Não se pode eliminar todo o risco, além de poder ser uma escolha pessoal. A grande maioria dos residentes acredita que é possível realizar um trabalho de prevenção do suicídio. Apenas um pesquisado não acha possível esse trabalho (DSC4, Quadro 10). O discurso de maior adesão entre os residentes indica que eles consideram que a capacitação dos médicos e das equipes de saúde, assim como a informação à população sobre o tema, são possibilidades para a realização de um trabalho de prevenção do suicídio, conforme pode ser visto no DSC1, Quadro 19. Dar suporte seja conversando ou orientando o paciente, também é considerado pelos residentes uma forma de prevenir o suicídio (DSC2, Quadro 19). Há ainda o discurso que mostra que os residentes acham possível a prevenção, entretanto não sabem como esta seria possível (DSC3, Quadro 19). Analisando estes discursos é possível perceber que os médicos residentes em Psiquiatria estão conscientes da necessidade 72 de prevenção e tem ideias pertinentes com as apresentadas na bibliografia para a realização deste trabalho. A oitava questão, livre para que os pesquisados expressassem alguma consideração sobre o tema, 9 residentes optaram por não fazer. Foram identificadas 2 ideias centrais excludentes entre si, a partir das respostas expressas. As ideias centrais e discursos expressos podem ser identificados no Quadro 20. Quadro 20 - Há alguma consideração que você queira fazer sobre o tema? IDEIAS CENTRAIS DSC DSC1: Fora a Psiquiatria, os médicos têm pouca experiência sobre o assunto e talvez não tenham consciência que é dever do médico prevenir o suicídio. Acho que por ser um tema de saúde pública deveria ser abordado com mais detalhes durante a graduação em medicina. IC2: Tenho dificuldades em DSC2: Acho difícil falar e trabalhar com um tema que lidar com o tema, que enfrenta barreiras religiosas, ética e moral em uma envolve questões religiosas. sociedade predominantemente cristã. N= 1 (8,33%) IC1: O suicídio é um tema que deve ser mais abordado na formação médica. N= 2 (16,66%) O DSC1, Quadro 20, mostra que os residentes reconhecem que o suicídio é pouco abordado na residência médica e que é papel do médico contribuir para a prevenção. Entretanto admitem dificuldades para lidar com o tema, justificando-as por questões religiosas, morais e éticas (DSC2, Quadro 20). A partir da análise da questão 9, “Você acredita em Deus? Sim ( ) Não ( ) Como você definiria Deus?”, podemos afirmar que trata-se de um grupo religioso, uma vez que 83,33% dos residentes afirmaram acreditar em Deus (10) e apenas 2 (16,66%) declararam não acreditar. Dentre os que afirmaram acreditar em Deus, 25% (3) não o definiram e foram encontradas 2 ideias centrais, excludentes entre si, referentes à definição de Deus. Os pesquisados, em sua grande maioria, afirmam acreditar em Deus e o definiram, independentemente de seguir uma religião. Suas definições pessoais de Deus indicam que a crença está bem estabelecida, como podemos perceber através dos dois discursos do sujeito coletivo (DSCs), excludentes entre si, expressos sobre a definição de Deus. As ideias centrais e discursos expressos podem ser identificados no Quadro 21. 73 Quadro 21 - Você acredita em Deus? Sim ( ) Não ( ) Como você definiria Deus? IDEIAS CENTRAIS IC1: Deus é algo superior que rege os acontecimentos e nos conforta. N= 7 (58,33%) DSC DSC1: Deus é uma força, um ser superior, um espírito maior que existe dentro de cada um de nós e está presente em tudo no universo. Defino Deus como um ser que criou tudo o que existe no universo e rege todas as coisas e os acontecimentos. É uma energia boa, o Bem, algo além que nos ajuda a ter conforto e esperança no futuro. IC2: Não é possível definir DSC2: Não sei, Deus é indefinível. Deus. N= 3 (25%) O discurso de maior adesão entre os residentes pesquisados define Deus como algo superior, que é onipresente, criador de tudo e de todos (DSC1, Quadro 21). Há ainda o discurso que se refere a Deus como algo indefinível (DSC2). No que se refere à questão 12, “Você encontra alguma explicação ou compreensão a partir de sua crença religiosa? Sim ( ) Justifique Não ( ) Justifique”, a análise permitiu a identificação de 2 ideias centrais excludentes entre si, ou seja, nenhum residente expressou mais de uma ideia central em suas respostas (Quadro 22). 1 Não respondeu 1 Respondeu sim, mas não justificou 1 Respondeu não, mas não justificou Quadro 22 - Você encontra alguma explicação ou compreensão a partir de sua crença religiosa? Sim ( ) Justifique Não ( ) Justifique IDEIAS CENTRAIS DSC IC1: Discordo da religião que condena o suicídio. N= 8 (66,66%) IC2: Físico e espírito estão integrados. N= 1 (8,33%) DSC1: Desconheço a posição oficial da igreja, mas creio que minha religião condena o suicídio, por suplantar a vontade de Deus sobre o momento da morte. Para a religião católica não há explicação, inclusive é um pecado. Porém para mim Deus não julga o sofrimento dos outros e até onde o ser humano é capaz de perdoar. O suicídio está relacionado a um momento da vida do paciente e possivelmente um transtorno mental e não há relação disto com religião. Na verdade não sei, acho que nunca vi este tema ser abordado diretamente na Igreja e desconheço explicações religiosas sobre o assunto. A visão que tenho sobre o suicídio diverge da visão que minha religião tem. DSC3: O físico não se separa do espiritual. Nosso corpo, nossa mente são produtos de nossas projeções, de nosso espírito. É um assunto muito extenso, e, poucas palavras é isso. 74 Os discursos dos residentes em Psiquiatria indicam que o grupo não nega a sua crença religiosa, sendo notável, entretanto, a prevalência de uma postura crítica em relação à perspectiva cristã. Essa postura crítica se refere à condenação ao suicídio uma vez que há tendência desse grupo, em compreender o ato suicida como relacionado a problemas mentais, como podemos ver no fragmento do discurso a seguir: “Para a religião católica não há explicação, inclusive é um pecado. Porém para mim Deus não julga o sofrimento dos outros e até onde o ser humano é capaz de perdoar” (DSC1, Quadro 22). Este grupo parece, portanto, diferentemente do grupo dos residentes em Clínica Médica, não julgar o suicida a partir da visão de uma instituição religiosa (seja Católica, Kardecista ou Batista). Nota-se que conteúdos religiosos não apareceram de maneira expressiva nos discursos relacionados às outras questões, ainda que tenham manifestado firmes crenças religiosas. Entretanto, quando questionados diretamente, os residentes mostram que fazem reflexões sobre o suicídio e as crenças religiosas. 75 7. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Para a discussão dos resultados, é importante, inicialmente, fazer alguns destaques. Conforme visto na revisão bibliográfica deste estudo, o suicídio é um fenômeno multifatorial que abrange aspectos biológicos, psíquicos, sociais e culturais. Trata-se de uma questão que hoje é considerada de saúde pública e necessita de abordagem estratégica de prevenção, que inclui a participação não apenas dos profissionais da saúde mental, como também dos médicos clínicos gerais. A revisão aponta os fatores que indicam o risco de suicídio que incluem: transtornos psiquiátricos; doença física grave; tentativas anteriores de suicídio; história familiar de suicídio; estado marital solteiro, viúvo ou separado; desemprego ou aposentadoria; luto na infância; entre outros. Esses dados podem ser encontrados no manual Prevenção do suicídio: um manual para médicos Clínicos Gerais, da OMS, que também orienta quanto às condutas a serem adotadas pelos médicos no ato do atendimento a pacientes em risco de suicídio. Essas condutas incluem a atenção ao paciente, possibilitando que ele fale sobre seus pensamentos, a avaliação da rede de suporte deste paciente, o início imediato do tratamento farmacológico e o encaminhamento a um especialista – psiquiatra. Esta introdução resume os aspectos principais do quadro atual do suicídio, no Brasil e no Mundo, que tem sido referência para a mobilização dos profissionais de saúde no enfrentamento da situação. É também importante lembrar que, conforme visto na revisão bibliográfica deste estudo, tanto a compreensão sociológica, quanto a psicológica e psicanalítica do suicídio influenciaram a compreensão médica do suicídio historicamente marcada pela ótica da psiquiatria. Entretanto não se pode dizer que a forte influência médica e psiquiátrica tenha perdido completamente sua força. Como primeiro ponto dessa discussão, destaco que os discursos de maior adesão entre residentes, tanto em Clínica Médica como em Psiquiatria, afastam-se de uma visão estritamente psiquiatria e aproximam-se de uma visão mais ampla que integra as óticas da psicologia e da sociologia. Nota-se que os discursos vêm carregados de conteúdos emocionais, revelando uma representação de suicídio associada ao sofrimento psíquico de quem não vê outra saída em situações de desespero, conforme pode ser visto nos fragmentos dos discursos abaixo: [...] Reflete uma situação extrema de desgaste emocional ou frustração com relação a vida pessoal ou profissional, em um individuo predisposto, com graves problemas pessoais e que não conseguem enfrentar as dificuldades [...] (DSC1,Clínica Médica, Quadro 1). 76 A morte por suicídio demonstra sinal de fracasso e desistência de lutar, o total desespero, a máxima falta de esperança e perspectiva [...] (DSC1, Psiquiatria, Quadro 12). Os dois grupos também relacionam o suicídio à presença de algum transtorno psiquiátrico, mas não o colocam como predominante. Poderia se esperar que, tratando-se de um grupo formado por médicos, a concepção médica do suicídio representada pela abordagem psiquiátrica, aparecesse com maior expressão. Entretanto, mesmo entre os residentes em Psiquiatria, não foi essa a representação que se destacou. Em contrapartida, percebe-se que o discurso ancorado em conteúdos da Psiquiatria domina quando os residentes se expressam em relação ao que o médico pode fazer em relação a pacientes em risco de suicídio. Isto pode estar relacionado a outro aspecto que foi detectado: os residentes leram muito pouco a respeito do suicídio. Este fenômeno, segundo seus discursos, não teve um estudo sistematizado nem na graduação nem na residência e a eles parece restar um conhecimento mais geral sobre o tema e sua abordagem terapêutica no modelo mais tradicional da medicina psiquiátrica. Alguns dos fragmentos dos discursos, de residentes em Clínica Médica e Psiquiatra, abaixo expostos exemplificam esse aspecto: O médico deve tentar o máximo possível identificar pacientes de risco para o suicídio, avaliar quanto ao aspecto médico em si (depressão, necessidade de medicação, internação etc.) e solicitar avaliação com urgência de profissional com especialização na área de saúde mental (psicólogo e psiquiatra). O médico deve procurar o fundamento da ideia suicida e se houver doença por trás (esquizofrenia, psicose, depressão), deve-se usar medicamentos [...] (DSC1, Quadro 2, residentes em Clínica Médica). O médico deve [...] detectar sinais psicopatológicos, avaliar risco iminente de suicídio e tratar a doença de base, intervindo com medicação. Perguntar ativamente sobre sintomas depressivos ou ideação suicida, identificar se há comorbidades psiquiátricas que demandem tratamento e assistir [...]. Encaminhar para psicoterapia, (oferecer) orientações e abordagem médica psicoterápica explicando a possível organicidade do desejo de tirar a própria vida (DSC1, Quadro 13, residentes em Psiquiatria). Outro detalhe chama atenção nos discursos: embora os dois grupos tenham mostrado de maneira semelhante que reconhecem como papel do médico identificar os pacientes em risco de suicídio, oferecer assistência e encaminhar a profissionais especializados na área, é possível perceber que de certa forma, os discursos dos residentes em psiquiatria mostraram mais elementos de integração entre a abordagem médica psiquiátrica e de suporte emocional, que os discursos dos residentes em Clínica Médica. Vale ressaltar que entre estes, não é unânime a experiência de atendimento a pacientes com história de tentativa de suicídio, enquanto que todos os residentes em Psiquiatria já tiveram esta experiência. É possível perceber que estes relativizam as condutas que adotaram no atendimento a pacientes com 77 história de tentativa de suicídio, de acordo com a demanda de cada caso, como pode ser visto no fragmento do discurso a seguir: Avaliei a história clínica, investiguei sinais e sintomas depressivos ou psicopatológicos e o risco de suicídio, tentando escolher o tratamento certo (mudando as medicações quando necessário). As condutas variavam, iniciando tratamento, em alguns casos fiz internação e em outros, ambulatório de crise [...] (DSC1, Quadro 17). Possivelmente isso está relacionado às diversas experiências que tiveram no atendimento a pacientes em risco de suicídio, o que pode ter levado à percepção de que cada caso é único e que só a partir do contato com o paciente é possível avaliar a melhor conduta a ser realizada. Este discurso de maior adesão entre os residentes em Psiquiatria inclui diversas condutas como internação, ajuste de medicação e encaminhamento a profissionais especializados como psicólogos. Condutas semelhantes são indicadas pelos residentes em Clínica Médica, entretanto, possivelmente por terem tido experiências circunstanciais, seus discursos não enfatizam a mesma flexibilidade frente a cada caso. De fato, a experiência de atendimento e os esforços desses médicos psiquiatras revelam importantes aspectos corretos no atendimento, mas como veremos adiante, a falta de estudo sistemático sobre o assunto é reconhecido pelos dois grupos e os reflexos de tal lacuna de formação repercutem em desempenhos inseguros. Associados a isto, estão os sentimentos expressos pelos residentes diante do atendimento a este tipo de paciente. Nota-se que independentemente da experiência, os pesquisados, de ambos os grupos, declaram que sentiram ou acreditam que sentiriam dificuldades em lidar com a situação, descrevendo sentimentos de preocupação, insegurança, angústia, entre outros como pode ser visto nos fragmentos dos discursos a seguir: [...] Tive dificuldade de lidar e ajudar, pois não sabia como abordar o tema. Me senti confuso a respeito dos motivos para tal atitude, curioso ao motivo daquela tentativa e por vezes angustiado, um pouco impotente e inseguro com a situação, sem saber ao certo a melhor forma de lidar [...] (DSC1, Quadro 5, residentes em Clínica Médica). Acredito que inicialmente ficaria chocado e me sentiria despreparado. Deve ser um momento de apreensão e grande responsabilidade [...]. Ficaria extremamente preocupado com a situação e com a atenção redobrada (DSC2, Quadro 5, residentes em Clínica Médica). Muito preocupado. O sentimento inicial foi angústia e ansiedade para compreender as circunstâncias da tentativa de suicídio e ajudar o paciente e sua família. Em relação ao caso em questão, inicialmente me senti inseguro, [...]. (DSC2,Quadro 16, residentes em Psiquiatria). Embora indicados por ambos os grupos, estes sentimentos de dificuldades são mais expressivos entre os residentes Clínica Médica. Os residentes em Psiquiatria mostram de certa 78 forma um repertório mais diversificado: os sentimentos de insegurança pareceram atenuados pelo exercício da prática de atendimento. Esses residentes expressam recursos mais versáteis na apreciação de cada situação. O fragmento do discurso abaixo exemplifica isto: O sentimento varia de acordo com a história clínica do paciente e depende do motivo pelo qual o paciente tentou suicídio [...]. (DSC1, Quadro 16) Com tudo isto, a análise dos discursos da representação social dos residentes das duas especialidades, Clínica Médica e Psiquiatria, acerca do suicídio indica que estão sensibilizados para o fenômeno do suicídio. Eles mostram-se preocupados e deixam claro o quanto este assunto os mobiliza, inclusive por valores religiosos, como visto nos fragmentos dos discursos a seguir: [...] Fico extremamente triste quando alguém comete o suicídio, pois com certeza a pessoa estava sofrendo muito para cometer o ato e muitas vezes poderíamos ter feito algo para impedir. (DSC4, Quadro 1, residentes em Clínica Médica). [...] Me senti confuso a respeito dos motivos para tal atitude, curioso ao motivo daquela tentativa e por vezes angustiado, um pouco impotente e inseguro com a situação, sem saber ao certo a melhor forma de lidar. Fiquei com pena do paciente, triste de ver a pessoa assim e incomodado, pois todos os pacientes que atendi eram jovens. (DSC1,Quadro 5, residentes em Clínica Médica). Acho difícil falar e trabalhar com um tema que enfrenta barreiras religiosas, éticas e morais em uma sociedade predominantemente cristã. (DSC2, Quadro 20, residentes em Psiquiatria). A sensibilização dos residentes acerca do fenômeno do suicídio, também pode ser percebida quando eles reconhecem a importância e possibilidade de prevenção para o suicídio. Ambos os grupos pesquisados apontam que a identificação dos fatores de risco é uma forma de contribuir para a possibilidade de prevenção e incluem a capacitação dos médicos como uma das estratégias para tal. Isto pode ser visto a partir dos seguintes fragmentos dos discursos dos residentes em Clínica Médica e em Psiquiatria, respectivamente, sobre a possibilidade de realizar um trabalho de prevenção do suicídio: “Orientar os médicos como identificar pacientes em risco. Primeiramente, com orientação aos médicos não especialistas, na detecção de sinais/comportamentos prévio de paciente suicida, [...]” (DSC3, Quadro 8) e “Treinamento de equipes de saúde para detectar sinais e fatores de risco em pacientes, buscando dados, indicador de ideação suicida de maneira ativa. [...]” (DSC 1, Quadro 19). Os discursos que se referem a conteúdos religiosos mostram dois grupos com crenças religiosas bem estabelecidas. A partir do Quadro 10 (residentes em Clínica Médica) e Quadro 79 21 (residentes em Psiquiatria) podem ser vistas as definições de Deus, expressas pelos dois grupos, respectivamente, o que reflete a solidez das crenças religiosas em sua formação pessoal. Além disto, quase todos os residentes, dos dois grupos pesquisados, fizeram reflexões sobre as explicações religiosas para o suicídio. Suas representações sugerem que, para eles, o suicídio ainda envolve elementos difíceis de lidar que podem configurar um conflito entre suas crenças e práticas, como pode ser visto a partir dos fragmentos dos discursos a seguir: Na minha crença religiosa não há razão que justifique o suicídio, acho que não há explicação para tal, apenas um destino, castigo para os que o cometem. A minha religião preza que por mais que esteja com dificuldades isto não lhe dá o direito de suicidar (DSC1, Quadro 11, residentes em Clínica Médica). [...] Talvez a falta de conforto que a fé oferece pode predispor ao suicídio. É a expressão da falta de confiança em Deus, da percepção que Deus quer nosso melhor ou talvez a falta de uma crença, qualquer que seja. Entendo como uma doença da alma, do espírito encarnado, seja sobre influencia de outros espíritos obsessores ou não [...] (DSC2, Quadro 11, residentes em Clínica Médica). [...] Creio que para a religião católica não há explicação e que o suicídio não seja aceito, inclusive é um pecado, por suplantar a vontade de Deus sobre o momento da morte. Minha religião condena o suicídio. Porém, a visão que tenho sobre o suicídio diverge da visão que minha religião tem [...] (DSC1, Quadro22, residentes em Psiquiatria). Foi possível ainda, identificar a tendência religiosa de condenação ou reprovação do suicídio nos discursos dos residentes em Clínica Médica, o que é um dado preocupante, uma vez que no contexto médico o objetivo não é reprovar ou condenar a atitude do paciente, mas sim oferecer suporte e tratamento. O fragmento do DSC3, (Quadro 1), “Segundo meus valores é algo inaceitável, não aprovo e sou totalmente contra [...]” remonta a antigas concepções acerca do suicídio que como vimos era marcada por reprovações, seja sob o ponto de vista político-jurídico ou filosófico-moral-religioso. Esse aspecto pode ser compreendido como um alerta para a necessidade de se incluir, no meio acadêmico da formação, discussões sobre limites e alcances das crenças religiosas no exercício profissional. Esse discurso que sugere preconceito não aparece entre os residentes em Psiquiatria, possivelmente por serem mais influenciados pela ótica psiquiátrica que dispõe de recursos teóricos médicos para enquadrar diferentes modalidades do comportamento humano. Este grupo de residentes, parece investir esforços no sentido da abertura maior frente ao suicídio: “Triste, porém uma escolha válida e respeitável.” (DSC3, Quadro 12) Vale ressaltar que os discursos com ancoragem religiosa não aparecem de maneira expressiva quando suas respostas tendem a fazer uso de termos técnicos médicos, momento em que são enfatizados conteúdos específicos da área médica. Em contrapartida, percebe-se que quando perguntados diretamente sobre a relação entre a religião e o suicídio, são 80 desencadeadas reflexões pessoais nas quais se incluem seus valores religiosos. No conjunto, percebe-se que os sujeitos dessa pesquisa debatem-se entre seu repertório cultural mais amplo e aquele mais estrito, enquadrado pela visão médica. Reforça-se assim a necessidade do estudo sistemático do fenômeno do suicídio na formação médica. Até este momento da discussão dos resultados desta pesquisa pode-se perceber que ambos os grupos de residentes estão sensibilizados com a questão do suicídio, reconhecem o papel do médico na identificação de grupos de risco de suicídio, tem sua representação ancorada não só em conteúdos psiquiátricos, mas também sociológicos e psicológicos e até religiosos. Poder-se-ia dizer, frente a esta análise, que estes dois grupos estão familiarizados com o tema suicídio e o que já seria positivo, entretanto, é importante fazer o destaque tanto ao desconhecimento quanto à insegurança que seus discursos revelam. Ao se expressarem sobre o panorama do suicídio no Brasil, pode-se perceber que muitas expressões de dúvidas ou insegurança como, “não sei”, “confesso não ter conhecimento”, “creio que”, “imagino”, etc., são adotadas, pelo grupo da Clínica Médica, refletindo a carência de conhecimento sobre o suicídio, no que se refere a dados objetivos, como exemplificam os fragmentos dos discursos a seguir: “Desconheço, não estou atualizado com o tema, não tenho conhecimento de dados específicos.” (DSC1, Quadro 3); “Confesso não ter muito conhecimento sobre o tema, porém acredito que seja mais comum em faixas etárias jovens (20-30 anos), na adolescência ou idosos, [...]” (DSC2, Quadro 3); “Imagino que seja mais frequente nas doenças psiquiátricas. [...].” (DSC3, Quadro 3); “Acredito que a incidência venha aumentando em virtude do estilo de vida encontrado hoje em nosso meio, [...]”. (DSC4, Quadro 3). Nota-se que embora tenham se expressado com mais segurança, os residentes em Psiquiatria, também revelam pouco conhecimento de informações sobre o suicídio. Seus discursos sobre o panorama do suicídio no Brasil são mais compatíveis com a realidade já documentada no país, como retratam os seguintes fragmentos dos discursos: “A prevalência é maior no sexo masculino, bastante prevalente entre homens jovens ou de mais idade que moram sozinhos e tem uma rede social precária. [...].” (DSC1, Quadro 14); “A morte por suicídio no Brasil é mais prevalente em paciente já com transtornos psiquiátricos prévios. [...].” (DSC2, Quadro 14). Entretanto, pode-se perceber limitações nestas informações uma vez que há contradições entre as taxas no Brasil conforme pode ser visto a seguir: “É um problema de saúde pública, mundialmente ainda temos taxas baixas” (DSC3, Quadro 14); “No Brasil o índice é maior que em muitos países desenvolvidos. Acho que a prevalência está em torno de 0,5 a 1% da população.” (DSC4, Quadro 14). Além disso, não há referências ao 81 crescimento destas taxas nacionais ou menção a região Sul do país como a de maior índice de suicídio, por exemplo. Os discursos expressos, ou a falta de outros, podem indicar que estes residentes tem dúvidas quanto a dados epidemiológicos sobre o suicídio. Estas dúvidas e inseguranças expressas com bastante clareza entre os residentes em Clínica Médica e de forma mais atenuada entre os residentes em Psiquiatria, podem ser relacionadas ao pouco ou nenhum acesso que tiveram ao longo da graduação e da residência sobre o suicídio. Os residentes de Clínica Médica, por exemplo, em sua grande maioria, afirmaram nunca ter tido contato com a bibliografia na área e aqueles que tiveram identificam a disciplina de Psiquiatria, apenas na graduação, como fonte. Isso configura o pouco espaço dado ao tema do suicídio tanto na graduação como na residência. Embora os residentes em Psiquiatria identifiquem algum contato com a literatura sobre o tema, na graduação e na residência, há também o discurso do desconhecimento e o de acesso apenas através de livrarias, sugerindo que a abordagem específica sobre o tema não é de praxe em sua formação ou que o contato que tiveram pode não ter sido suficiente a ponto de lembrarem. Algo que também merece destaque é que nenhum dos grupos mencionou conhecimento dos manuais organizados pela OMS e pelo MS para orientação destes profissionais. Eles não revelam, portanto, aderência a práticas ou procedimentos já sistematizados e normatizados pelas organizações de saúde. Possivelmente esse desconhecimento pode ser um limite à atuação desses médicos em relação à identificação de sinais de riscos de suicídio e até de atendimentos ou encaminhamentos corretos. Os próprios residentes pesquisados identificam a carência de abordagem do tema na formação médica e enfatizam a necessidade de maior conhecimento, como pode ser visto nos discursos a seguir: Acredito ser um tema importante e ainda pouco explorado de forma prática tanto nas faculdades biomédicas quanto no dia a dia. A maioria dos médicos não psiquiatras tem pouca experiência. Percebi que não tenho muito conhecimento sobre o tema e estudarei sobre o mesmo. É importante estudar como está sendo feito. (DSC1, Quadro 9, residentes em Clínica Médica) Fora a Psiquiatria, os médicos têm pouca experiência sobre o assunto e talvez não tenham consciência que é dever do médico prevenir o suicídio. Acho que por ser um tema de saúde pública deveria ser abordado com mais detalhes durante a graduação em Medicina. (DSC1, Quadro 20, residentes em Psiquiatria) O que chama ainda mais atenção na análise destes resultados, é que parece contraditório que os residentes ao mesmo tempo em que mostram-se sensibilizados, conscientes de seu papel na prevenção e indicam fatores de risco condizentes com a literatura sobre o tema, revelam pouco acesso a literatura sobre o suicídio ao longo da graduação e nenhum contato com os manuais já sistematizados pela OMS e pelo MS. Isto nos faz pensar 82 que eles possuem uma familiaridade com o tema, ou seja, tem um conhecimento geral ou até superficial, que se assemelha ao do senso comum, à informações que são compartilhadas em qualquer meio social e não especificamente técnico. É claro que compreendemos que a representação social abarca diferentes ancoragens, que não apenas a científica. Entretanto, pode-se pensar que estes residentes no exercício de sua profissão, precisam de estudos e orientações técnicas específicas que possibilitem que seus atendimentos e consequentemente o trabalho de prevenção sejam exercidos com mais segurança técnica. O envolvimento dos médicos clínicos, assim como dos psiquiatras, na estratégia de prevenção de suicídio exige que eles tenham acesso sistematizado, ao longo de sua formação, às informações acerca do panorama do suicídio no mundo e no Brasil, aos estudos, documentos e práticas, normatizadores que permitam a identificação dos fatores de risco e a atuação técnica em direção à prevenção. 83 CONCLUSÃO Os estudos, conforme citados na introdução deste estudo, mostram que o suicídio é hoje compreendido através da identificação de uma série de sinais o que permitiu sistematizar um quadro de fatores de risco e comportamentos médicos adequados à prevenção conforme propostos em documentos da OMS e do MS. A pesquisa relatada visou conhecer as representações de médicos residentes acerca do suicídio. Dois grupos de residentes foram investigados: Clínica Médica e Psiquiatria. Os discursos expressos pelos residentes pesquisados mostraram que eles estão sensibilizados com a questão do suicídio, que reconhecem a importância do médico no atendimento a esses casos e são capazes de citar alguns fatores de risco de suicídio, compatíveis com os indicados pela OMS. Os resultados revelaram que o grupo dos residentes em Clínica Médica ao mesmo tempo em que se mostrou sensibilizado apresentou, se comparado com os da Psiquiatria, menos elementos técnicos pra lidar com a situação. Estes mostraram-se mais experientes em relação ao atendimento ao paciente com risco de suicídio, pela própria prática da clínica psiquiátrica que inclui, em sua rotina de trabalho, o atendimento a pacientes com graves comprometimentos psiquiátricos, vistos como, em risco de suicídio. Entretanto esse grupo, também, revelou limitações quanto ao conhecimento mais especializado sobre o suicídio. Conclui-se que ambos os grupos não tem conhecimento da literatura especializada e sistematizada nos manuais da OMS e do MS ao longo da graduação e da residência médica. O desconhecimento desta literatura e destes manuais pode prejudicar a prevenção já que, para o desenvolvimento de um trabalho desta natureza ser desenvolvido, é necessário que esses profissionais tenham orientações técnicas que os familiarizem com o tema, possibilitando que adotem com segurança as posturas indicadas para os atendimentos de pacientes em risco de suicídio. Em outras palavras, esses médicos que se encontram em nível avançado de especialização profissional pareceram conscientes do papel do médico na atenção ao risco de suicídio, mas não mostraram segurança para o exercício desse papel. Frente aos dados e análises oferecidos por esta pesquisa, que refletem a carência de abordagem do tema suicídio na formação médica, conclui-se pela urgente necessidade de realizar modificações nos currículos da formação médica, com mudanças objetivas nos conteúdos e nas práticas das disciplinas, tanto na graduação quanto na residência médica. Esses são contextos de formação onde conhecimentos, práticas e valores profissionais são estabelecidos e onde o fenômeno do suicídio precisa ser clara e objetivamente introduzido para que ações de prevenção ao suicídio sejam conhecidas e profissionalmente incorporadas no dia a dia da atuação médica. 84 REFERÊNCIAS ARIÈS, P. História da Morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977. BOTEGA N.J., Werlang B.S.G., Macedo M.M.K. Prevenção do comportamento suicida. Psico (on line). 2006. 37(3) [capturado 27 jan.2011]: 213-220. 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Sites consultados http://www.fsp.usp.br/~flefevre http://portal.mec.gov.br http://www.who.int/mental_health/PDFdocuments/SUPRE-MISS.pdf http:// www.who.int/mental_health/resources/suicide ANEXOS Anexo A – Questionário1 aplicado aos residentes em Clínica Médica e em Psiquiatria Residente em Clínica Médica/Psiquiatria ___ ano Sexo: M ( ) F( ) Já fez residência em outra área? Qual?____________________________________________ Após a residência em Clínica Médica/Psiquiatria, você pretende exercer a profissão nessa área? Não ( ) Justifique _______________________________________________________ Sim ( ) Justifique _______________________________________________________ Faixa Etária: 20 – 24 anos ( ) 25 – 29 anos ( ) 30 – 34 anos ( ) 35 – 39 anos ( ) 40 – 44 anos ( ) 45 – 49 anos ( ) 50 – 54 anos ( ) 55 – 59 anos ( ) Onde cursou a graduação em Medicina? __________________________________________ 1) O que você pensa sobre a morte por suicídio (visões, valores, sentimentos)? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 2) O que, na sua percepção, pode um médico fazer, no exercício de sua profissão, em relação a pacientes com possibilidade de suicídio? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 3) O que você pode dizer acerca do panorama (dados objetivos, índices, prevalência, características, etc.) das mortes por suicídio no Brasil? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4) Você já teve acesso a documentos, artigos, livros que abordassem o tema suicídio? Não ( ) Sim ( ) Em que momento? Poderia dar alguns exemplos? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 1 O mesmo questionário foi aplicado nos dois grupos de residentes, a única diferença se refere ao dado da especialidade em questão. 5) Você já teve a experiência de atender pacientes com história de tentativa de suicídio? Sim ( ) Como se sentiu? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Como você procedeu no caso? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Não ( ) Como você acredita que se sentiria? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Como você acredita que conduziria o caso? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 6) Na sua experiência, é possível identificar, ao longo de uma consulta, sinais de comportamento suicida em um paciente? Sim ( ) O que você considera sinais de comportamento suicida? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Não ( ) Justifique ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 7) Você acha necessário fazer um trabalho de prevenção em relação ao suicídio? Sim ( ) Como acredita que isso seria possível? Não ( ) Justifique ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 8) Há alguma consideração que você queira fazer sobre o tema? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 9) Você acredita em Deus? Sim ( ) Não ( ) Como você definiria Deus ? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 10) Você tem religião? Sim ( ) Não ( ) Caso afirmativo assinale o espaço que corresponde a sua religião ( ) Budismo ( ) Candomblé ( ) Católica ( ) Judaísmo ( ) Espiritismo Kardecista ( ) Messianismo ( ) Mórmon ( ) Umbanda ( ) Wicca ( )Evangélico – qual denominação?__________________________________________ ( ) Outra_______________________________________________________________ 11) Se você tem religião, você frequenta com regularidade e espontânea vontade a sua igreja, templo, terreiro, etc. (além de casamentos, batizados e missas de 7º dia, etc.)? Sim ( ) Não ( ) 12) Você encontra alguma explicação ou compreensão para o suicídio a partir de sua crença religiosa? Sim ( ) Justifique Não ( ) Justifique ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________