Boletim do LABEM, ano 4, n. 7, jul/dez de 2013
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Sobre Coices, Futebol e Matemática
Vinicius Mendes Couto Pereira
Fabiano dos Santos Souza
INFES UFF
O futebol alcançou todos os povos, venceu barreiras econômicas, políticas e religiosas, e
permeou pelos diversos extratos sociais tornando-se o maior representante do entendimento entre
as nações em nosso século. Quando começou a ser praticado no Brasil, o futebol era um esporte
elitista, isso porque só os jovens abastados, que estudaram na Europa, é que tiveram oportunidade
de manter os primeiros contatos com esse esporte1.
Todos sabemos que a maioria dos brasileiros é apaixonada por futebol, afinal de contas
somos o “País do Futebol” e a nossa seleção é a “Pátria de Chuteiras”. Certamente é esse o caso
desses simples autores, que além de amantes do futebol são também enlouquecidos pela
Matemática. Assim, como bons apaixonados pelo “esporte bretão” e pela “Rainha das Ciências”,
poderíamos formular algumas questões: Será que existe algo que une essas duas paixões tão
diferentes? Como poderia existir alguma exatidão em um esporte que parece ser dominado pelo
acaso?
Não tínhamos respostas para tais questões, até que um grande amigo presenteou-nos com
uma obra, a qual, se não chega a elucidar as questões colocadas, ao menos nos traz muitas
reflexões, estudos e aplicações da matemática utilizadas como estratégias para a conquista de
campeonatos. É sem dúvida alguma, uma bela obra. Leitura imprescindível para os “Loucos por
Futebol e pela Matemática”
Figura 1: Capa da obra – Os Números do Jogo: Por que tudo que você sabe sobre futebol está errado.
Desta forma, Anderson e Sally nos brindam com maravilhosas histórias que,
surpreendentemente, nos levam a enveredar pelos caminhos do futebol por meio da matemática e
de deliciosas metáforas.
Nesse sentido, no intuito de explicar como o acaso e as coincidências podem permitir-nos
prever o que vai acontecer ao longo de um campeonato, os autores nos convidam a uma viagem
por um regimento da cavalaria militar prussiana no final do século XIX, juntamente com a mente
de um economista russo e pelas teorias de um matemático francês.
O referido exército prussiano sentiu na pele as perdas que os coices de um cavalo podem
ocasionar. No período entre 1875 e 1895, 196 soldados foram mortos sob a dor ocasionada pelas
“duras ferraduras”. Assim, é relatado que foi um economista político russo de origem polonesa,
Ladislaus Von Bortiewicz, que compilou os dados de coices no final do século XIX para enxergar
de outra forma o padrão aparentemente aleatório das mortes. Bortiewicz construiu uma tabela e
1
Versão extraída da Revista Placar, Edição Especial 100 anos de Futebol no Brasil, nº 1097, outubro de 1994.
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Número de batalhões-ano
(de um total de 280)
notou que grande parte das células da tabela estavam vazias, especulou então que poderia haver
uma lógica nas coincidências aparentemente aleatórias.
O grande economista russo usou a equação probabilística desenvolvida pelo matemático
francês, Siméon-Denis Poisson, percebendo que a equação de Poisson teria o poder de prever
quando um evento raro poderia acontecer em um determinado momento ou lugar. Cruzando os
dados foi percebida uma notável semelhança entre a distribuição real das mortes e a distribuição
prevista.
150
100
Real
50
Previsto
0
1
2
3
4
5
Número de fatalidades anuais
Figura 2: Distribuição de coices fatais na cavalaria prussiana
Núemro de jogos
(de um total de 32012)
Por outro lado, o que faz o futebol tão especial? Por que traz ele tamanha paixão às
pessoas? Talvez a resposta pra essa questão seja bem simples e tenha apenas três letras, GOL.
Afinal de contas, ao mesmo tempo que ele é implacavelmente perseguido é também um evento
raro e completamente incerto, exatamente o que a equação de Poisson se propõe a prever.
Segundo Anderson e Sally (2013), ao aplicarmos a distribuição de Poisson e considerarmos
a média de gols de 2,66 nos campeonatos principais de Inglaterra, Alemanha, Espanha, Itália e
França entre 1993 e 2011, pode-se prever quantas partidas nos últimos dezessete anos terminaram
sem gols, quantas partidas tiveram apenas um gol e assim sucessivamente.
10000
8000
6000
4000
Real
2000
Previsto
0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1011
Número de gols em uma partida
Figura 3: Distribuição dos gols no futebol europeu, 1993-2011
O que é maravilhoso, e ao mesmo tempo paradoxal, neste caso da relação entre futebol e
matemática, é que não precisamos saber nenhum outro dado prévio como, escalações, táticas
utilizadas, quais são os times, quem foi o juiz, quantas pessoas assistiram às partidas, basta saber a
média de gols por partida. O número de gols em cada jogo de futebol pode ser visto como uma
variável extremamente aleatória. Notável, não é verdade?
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Nesse texto nos propomos então a fazer uma análise do nosso Campeonato Carioca. Será
que podemos fazer o mesmo tipo de previsão em nossas partidas? Podemos tirar as mesmas
conclusões com respeito ao futebol europeu mesmo nosso campeonato sendo tão diferente?
O histórico do Campeonato Carioca de 1906 a 2013 contou com 115 edições, com um total
de 12.041 jogos, sendo marcados 39.024 gols obtendo uma média de 3,24 gols por jogo. No
Campeonato Carioca de 2013 foram 126 jogos, 323 gols com uma média de gols por jogo de 2,56.
Tabela 1: Resultados das partidas Time da Casa x Time Visitante
Casa\Visitante
0
1
2
3
4
5
TOTAL
0
12
15
8
3
1
2
41
1
11
12
8
6
2
0
39
2
5
10
8
3
3
0
29
3
3
6
3
0
0
0
12
4
2
0
3
0
0
0
5
5
0
0
0
0
0
0
0
TOTAL
33
43
30
12
6
2
126
Na tabela abaixo utilizamos a média de gols de 2,66 nos campeonatos principais de
Inglaterra, Alemanha, Espanha, Itália e França entre 1993 e 2011 para prever o número de gols por
partida do Campeonato Carioca de 2013. Calculamos as probabilidades utilizando a distribuição
de Poisson para média de gols de 2,66 e realizamos as previsões.
Tabela 2: Total de gols por partida do campeonato carioca de 2013 (real x previsto) considerando a média de
gols de 2,66 nos campeonatos principais de Inglaterra, Alemanha, Espanha, Itália e França entre 1993 e 2011.
Gols por partida
0
1
2
3
4
5
6
Real
12
26
25
24
23
10
6
Poisson
0,0699
0,1861
0,2475
0,2194
0,1459
0,0776
0,0344
Previsto
9
23
31
28
18
10
4
Dos 126 jogos do campeonato carioca de 2013, o resultado que apareceu mais vezes foi o
placar de 1 x 0 para o time da casa, cerca de 11,9%, seguido de 12 empates pelo placar de 0 x 0 e 1 x
1, o time visitante venceu 11 vezes pelo placar de 0 x 1, ou seja, 8,7%. Observemos que no
campeonato carioca de 2013 ocorreram na realidade 26 jogos com placar 1 x 0 ou 0 x 1 e tivemos 23
jogos com esses placares na nossa previsão, ou seja, uma diferença de apenas 3 jogos com relação
ao que havia ocorrido. Havíamos previsto também que haveriam 10 partidas com cinco gols
marcados e foi o que aconteceu exatamente.
Essa previsibilidade significa que, de alguma forma, podemos prever os resultados para
próxima temporada do Campeonato Carioca. Como podemos fazer isso? Graças a esses coices de
cavalo, ao matemático francês (Siméon-denis Poisson) e ao economista russo (Ladislaus Von
Bortkiewiez) podemos prever a frequência geral, a distribuição de acontecimentos aleatórios, com
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que frequência eles ocorrem e qual a probabilidade de que ocorram. Podemos então, aplicar a
distribuição de Poisson para prever o número de partidas com determinado número de gols.
Número de partidas
(de um total de 126)
40
30
20
Real
Previsto
10
0
0
1
2
3
4
5
6
Total de gols por partida
Figura 4: Número de gols por partida do Campeonato Carioca de 2013 (real x previsto)
As previsões obtidas por meio da distribuição de Poisson considerando a média de gols de
2,66 obtida dos principais campeonatos: Inglaterra, Alemanha, Espanha, Itália e França entre 1993
e 2011, nos dá resultados animadores. As partidas do campeonato carioca de 2013 que terminaram
sem gols é equivalente a 9,5% enquanto na previsão é de 6,99% ou seja, a margem de erro da
previsão é de 2,51 pontos percentuais. Em alguns casos, como partidas que terminaram com 5 gols,
os valores reais e previstos é exatamente o mesmo, cerca de 7,76%.
Anderson e Sally (2013), afirmam que mais de 30% dos jogos terminam com um gol ou
nenhum, já no campeonato carioca de 2013 essa marca foi mantida cerca de 30%, e a previsão
efetuada teríamos cerca de 26%. Outro dado importante é a correlação dos dados reais do
campeonato carioca de 2013 com os dados previstos, tal correlação é de 0,933022, o que representa
uma correlação muito forte.
Portanto, não temos dúvidas que por mais aleatório que sejam os jogos em cada
campeonato, o acaso dos gols adquire lógica matemática. Em nosso estudo, a comparação dos
números de gols do campeonato carioca de 2013 com a utilização de uma média de gols dos
principais campeonatos europeus de 1993 a 2011 não trouxe resultados discrepantes. Isso pode
servir de consolo para treinadores e torcedores, e um incentivo para os apostadores. E, acima de
tudo, um novo ingrediente para todos nós, apaixonados por futebol e matemática.
Referências Bibliográficas
ANDERSON, Chris & SALLY, David – Os números do jogo: por que tudo o que você sabe sobre futebol
está errado. 1ª Edição – São Paulo: Paralela, 2013.
FUTPÉDIA – A História do Futebol em números. Disponível em
http://futpedia.globo.com/
campeonato/campeonato-carioca/2013. Acesso em: 18 mar. 2014.
REVISTA Placar. Edição Especial 100 Anos de Futebol no Brasil, nº1097. São Paulo: Editora Abril,
out 1994.
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SOUZA, Fabiano Dos Santos. Os números que governam o futebol. RJ: UFF, Programa de PósGraduação em Matemática, 2004. 81 f., 30 cm. Monografia de especialização – Universidade
Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em Matemática, 2004.
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