Rev Bras Cardiol. 2014;27(4):280-282
julho/agosto
Relato de
Caso
Martins et al.
Oxigenoterapia Hiperbárica
Relato de Caso
Oxigenoterapia Hiperbárica no Acidente Aeroembólico no Pós-Operatório
de Cirurgia Cardíaca
Hyperbaric Oxygen Therapy for Treating an Aeroembolic Accident after Heart Surgery
Gerez Fernandes Martins, Barbara Jessen, Cláudio Assumpção, Tomaz de Aquino Brito, José Francisco Taty Zau
Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Resumo
Abstract
A embolia aérea sistêmica pode ter várias etiologias.
Durante a circulação extracorpórea (CEC) é estimada
em 0,1 %, entretanto a grande maioria das
intercorrências não é relatada ou é imperceptível,
dependendo do grau de comprometimento neurológico
e do tempo em que ocorreu após a cirurgia. Em geral,
a embolia aérea pode causar distúrbios cognitivos,
danos focais, coma e morte. O presente trabalho relata
a experiência do Instituto Estadual de Cardiologia
Aloysio de Castro com acidentes semelhantes no pósoperatório, que foram tratados com oxigenoterapia
hiperbárica, com recuperação total.
Estimated at 0.1% during extracorporeal circulation,
systemic air embolisms may have different
etiologies. However, the vast majority of
complications are not reported or are imperceptible,
depending on neurological involvement and the
length of time after surgery. In general, air
embolisms may cause cognitive disorders, focal
damage, coma and death. This paper reports on the
experience of the Aloysio de Castro State Cardiology
Institute, treating these accidents during the postoperative period with hyperbaric oxygen therapy,
with full recovery.
Palavras-chave: Embolia aérea; Complicações
pós-operatórias; Oxigenoterapia hiperbárica
Keywords: Air embolism; Post-operative
complications; Hyperbaric oxygen therapy
Introdução
com acidentes semelhantes, quando foram relatados
dois pacientes que apresentaram quadro de hemiplegia
no pós-operatório imediato sendo tratados com
oxigenoterapia hiperbárica após 18 horas e 36 horas
do acidente ou do surgimento dos sintomas, tendo
como resultado final a recuperação completa das
alterações neurológicas iniciais5.
A embolia aérea sistêmica pode ter várias etiologias.
Durante a circulação extracorpórea (CEC) é estimada
em 0,1 % 1 , entretanto a grande maioria das
intercorrências não é relatada ou é imperceptível,
dependendo do grau de comprometimento neurológico
e do tempo em que ocorreu em relação ao ato
operatório2. Em geral, a embolia aérea pode levar a
distúrbios cognitivos, danos focais, ao coma e à morte3.
O tratamento específico e definitivo preconizado para
essa complicação é a oxigenoterapia hiperbárica4.
O presente trabalho mostra mais uma experiência do
Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro, RJ,
Relato do Caso
Paciente feminina, 42 anos, branca, casada, natural do
Rio de Janeiro. Passado de febre reumática não tratada,
portadora de estenose mitral grave associada à flutter
atrial com alta resposta ventricular, submetida à
Correspondência: Gerez Fernandes Martins
Rua Davi Campista, 326 - 7º andar - Humaitá - 22261-010 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
E-mail: [email protected]
Recebido em: 15/08/2013 | Aceito em: 24/11/2013
280
Martins et al.
Oxigenoterapia Hiperbárica
Relato de Caso
cirurgia de troca valvar mitral por prótese metálica
nº 31, no Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de
Castro, RJ.
O ato cirúrgico transcorreu sem intercorrências. No
inventário das cavidades cardíacas não foram
encontrados trombos. Após o efeito da anestesia, a
paciente apresentou hemiparesia esquerda que não
existia anteriormente (Figura 1). O ritmo cardíaco no
pós-operatório imediato era sinusal. Para conclusão das
alterações estruturais foi realizada tomografia
computadorizada de crânio, que não apresentava
alterações. Diante das alterações neurológicas, optou-se
por submeter a paciente a oxigenoterapia hiperbárica.
Após duas sessões, a paciente apresentou total
recuperação das sequelas neurológicas, obtendo alta
hospitalar após cinco dias sem qualquer déficit
neurológico perceptível na avaliação clínica (Figura 2).
Figura 1
Paciente apresentando hemiparesia esquerda grave
Rev Bras Cardiol. 2014;27(4):280-282
julho/agosto
Tratamento instituído: oxigenoterapia
hperbárica
A composição percentual do ar atmosférico, para fins
práticos, é de 80 % de nitrogênio e 20 % de oxigênio.
Os demais gases aparecem em proporções desprezíveis
(argônio, hélio, radônio e hidrogênio). A pressão
atmosférica ao nível do mar corresponde a 1 kg/cm²,
valor este convencionalmente chamado de uma
atmosfera (atm). A cada 10 metros de profundidade
na água, acrescenta-se mais 1 kg/cm²; logo, a essa
profundidade, o indivíduo estará sujeito à pressão de
2 atm.
A pronta melhora do acidente vascular encefálico
embólico gasoso deve ser atribuída, certamente, às leis
que regem a física dos fluidos. As leis de Boyle e Henry
explicam as ações da pressão na resolução dos
fenômenos gasosos e na redução dos processos
neurológicos, com a evolução favorável do quadro
clínico. O aumento da pressão ambiente em câmara
hiperbárica diminui o volume e o tamanho das bolhas
gasosas, o que permite sua migração, obtendo-se,
assim, resposta imediata, culminando com redução
da área afetada. O aumento da pressão parcial dos
gases (Lei de Henry) provoca um aumento da
dissolução desses gases, a ponto de as bolhas atingirem
um diâmetro crítico, a partir do qual podem ser
carreadas pela corrente sanguínea6. A quantidade de
oxigênio dissolvido aumenta linearmente com o
aumento da pressão ambiente, principalmente em
3 atm. A oxigenoterapia hiperbárica melhora o
suprimento microvascular ao aumentar a quantidade
de oxigênio dissolvido no plasma, facilitando
também a sua dissociação e alterando a curva da
oxi-hemoglobina.
Assim, áreas relativamente avasculares ou isquêmicas
passam a ser nutridas. Há uma vasoconstrição
hiperóxica que tende a reduzir o edema cerebral,
associando-se a uma hipocapnia relativa; o débito
sanguíneo cerebral diminui 13 % a 1 atm e 30 % em
2 atm. Como limitante, o oxigênio a 100 % não deve
ser administrado em pressões acima de 3 atm,
evitando-se a toxicidade do mesmo sobre o sistema
nervoso central e alvéolos pulmonares4,6,7.
Discussão
Figura 2
Recuperação completa da paciente após oxigenoterapia
hiperbárica
A embolia aérea arterial maciça é uma complicação
muito rara em cirurgia cardíaca com circulação
extracorpórea 7,8 , porém as microembolias com
pequena repercussão neurológica como déficits
transitórios podem passar despercebidas, tendo
incidência de 0,1 %, estando, provavelmente,
281
Rev Bras Cardiol. 2014;27(4):280-282
julho/agosto
subestimadas2,9. Em geral a agressão pelo ar provoca
no interior das artérias reação de corpo estranho com
edema, vasoespasmo e comprometimento distal da
perfusão e a ação de substâncias pró-inflamatórias9,10.
No ato do procedimento cirúrgico cardiovascular, em
geral, medidas profiláticas são realizadas
rotineiramente, evitando partículas de ar na linha
arterial, mantendo o nível de sangue no reservatório
do oxigenador e ajustando filtros arteriais, evitando a
entrada de ar e acidentes macro e microaeroembólicos.
No entanto, em algumas situações, essas medidas não
são suficientes para prevenir a formação e circulação
de microbolhas e partículas que em sua dimensão e
quantidade não devem afetar as trocas
hematoencefálicas. De fato, é necessário que na
vigência de um acidente assistido a equipe esteja
preparada para lidar com essa situação8,9.
Analisando o diagnóstico por imagem, acredita-se que
o acidente maciço detectável durante o ato cirúrgico
e o déficit neurológico evidente e perceptível ao
despertar do paciente na UTI sejam sem dúvida os
melhores fatores para tomada de decisão terapêutica.
A tomografia computadorizada realizada ou não tem
que ser considerada apenas como um controle e pode
ser dispensada na vigência de dificuldades
momentâneas, porém é a primeira correlação entre os
sintomas e a provável lesão estrutural10.
Há que se considerar ainda que podem ocorrer imagens
sugestivas de aeroembolismo superior a 25 % em
pacientes assintomáticos com microbolhas menores
que 1 mm e que, em algumas embolias severas, a
reabsorção pode ultrapassar os cinco dias na ausência
de tratamento3.
No caso relatado, verifica-se que a cirurgia de troca
valvar mitral evoluiu com circulação extracorpórea
de 88 minutos e que ao despertar a paciente já
apresentava hemiparesia esquerda grave +++/4,
embora sem relato cirúrgico de acidente com ar.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.
282
Martins et al.
Oxigenoterapia Hiperbárica
Relato de Caso
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
O presente estudo não está vinculado a qualquer programa
de pós-graduação.
Referências
1.
Sharkey LS. Current indications for hyperbaric oxygen
therapy. ADF Health. 2000;1:64-72.
2. Kol S, Ammar R, Weisz G, Melamed Y. Hyperbaric
oxygenation for arterial air embolism during
cardiopulmonary bypass. Ann Thorac Surg.
1993;55(2):401-3.
3. Scruggs JE, Joffe A, Wood KE. Paradoxical air embolism
successfully treated with hyperbaric oxygen. J Intensive
Care Med. 2008;23(3):204-9.
4. Calverley RK, Dodds WA, Trapp WG, Jenkins LC.
Hyperbaric treatment of cerebral air embolism: a report
of case following cardiac catheterization. Can J Anaesth.
1991;18(6):665-74.
5. Martins GF, Jessen B, Assumpção CRC, Porto TCR,
Savino BV. Tratamento hiperbárico em acidente
vascular cerebral aeroembólico no pós-operatório de
cirurgia cardíaca: relato de dois casos. [Abstract].
Rev Bras Cardiol. 2010;23(supl. A):21.
6. Martins GF, Felipe HS, Silva OG, Melo JCM, Pagano
ER. Medicina hiperbárica no tratamento do AVE
embólico no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Arq
Med Naval; MB. 1992(3):48-53.
7. Ziser A, Adir Y, Lavon H, Shupak A. Hyperbaric
oxygen therapy for massive arterial air embolism
during cardiac operations. J Thorac Cardiovasc
Surg.1999;117(4):818-21.
8. Huber S, Rigler B, Mächler HE, Metzler H, SmolleJüttner FM. Successful treatment of massive arterial
air embolism during open heart surgery. Ann Thorac
Surg. 2000;69(3):931-3.
9. Lelis RGB; Auler JOC Jr. Lesão neurológica em cirurgia
cardíaca: aspectos fisiopatológicos. Rev Bras Anestesiol.
2004;54(4):607-17.
10. Emby DJ, Ho K.Air embolus revisited - a diagnostic and
interventional radiological perspective (bubble trouble
and the dynamic Mercedez Benz sign). S Afr J Radiol.
2006;10(1):3-7.
Download

do artigo