Passado desconhecido, companheiros não enterrados
Por Vania Viana e Carlos Augusto Matos
Depois de quase três décadas do fim da ditadura militar no Brasil, cerca de 200 pessoas
continuam como desaparecidas, devido aos crimes praticados pelos militares. Destes, pelo
menos dez são paraenses. A luta pela resistência resultou em massacres, torturas e mortes.
Diversas pessoas sumiram em meio a circunstâncias ainda mal explicadas.
De acordo com o site ‘www.desaparecidospoliticos.org.br’ os desaparecidos paraenses estão
ligados principalmente à guerrilha do Araguaia. Um dos paraenses foi Antônio Alfredo de Lima,
camponês em São João do Araguaia. Vivia como clandestino, era casado, tinha filhos.
Desapareceu após uma emboscada na roça dele, às margens do rio Fortaleza, no Araguaia. O
que se relata a respeito do camponês é que ele tenha sido morto no dia 14 de outubro de
1973, juntamente com André Grabois, João Gualberto e Divino Ferreira de Souza.
Outros desaparecidos aparecem num levantamento feito por Eneida Guimarães, atual diretora
do PCdoB no Pará. O partido esteve à frente da Guerrilha do Araguaia, na década de 70.
Entre os paraenses na lista de desaparecidos políticos, está Joaquim Alencar de Seixas,
operário morto em 1971 nas dependências do DOI-CODI em São Paulo. Nascido em Bragança,
Seixas morou em São Paulo, onde participou do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT),
tornando-se um de seus dirigentes. Seixas foi preso junto com o filho Ivan no dia 16 de abril de
1971. Do local da prisão, ambos foram levados para a 37ª Delegacia de Polícia, onde foram
espancados no pátio do estacionamento, enquanto os policiais trocavam os carros usados para
o esquema de prisão.
O relatório do site ‘Tortura Nunca Mais’ sobre Seixas, diz que no pátio de manobras da OBAN,
pai e filho foram espancados de forma tão violenta, que a algema que prendia o pulso de um
ao outro rompeu-se. “Dessa sessão de espancamento, ambos foram levados para a sala de
interrogatórios, onde passaram a ser torturados um defronte ao outro. Nesse mesmo dia, sua
casa foi saqueada e toda sua família presa”, informa o site.
No dia seguinte, 17 de abril de 1971, os jornais paulistas publicavam uma nota oficial dos
órgãos de segurança, que dava conta da morte de Joaquim Alencar de Seixas em tiroteio. Só
que ele ainda estava sendo torturado. A morte só viria à noite.
“Precisamos explicar essa parte da história do Brasil que, com certeza ainda é mal contada”,
diz Eneida Guimarães. É uma iniciativa também da Comissão Nacional da Verdade. “Os das
grandes cidades foram os primeiros a se mobilizar pela busca dos desaparecidos. Era mais fácil
falar com autoridades. Com a Dilma, a importância é que agora o Estado brasileiro resolveu
investigar, se responsabilizar, além de assumir a sua culpa publicamente. Na América Latina já
se fez isso”, explica a integrante da Comissão Nacional da Verdade Maria Rita Kehl. “Como a
comissão da verdade possui apenas 7 integrantes, precisamos de ajuda de quem viveu o
período. Da guerrilha do Araguaia só dois corpos foram identificados”, afirma.
Até hoje, o debate a respeito do período apresenta controvérsias. Um ex- sargento das forças
armadas que não quis se identificar nega ter havido massacre no Araguaia, por exemplo. “Os
guerrilheiros eram criminosos da época. Muitos tinham ficha suja no SNI e hoje estão aí no
poder”. Ainda segundo ele, o Exército não vai mexer nesses papeis porque ‘isso’ já acabou e
quando vier à tona vai prejudicar muita gente, não só os militares.
O governo brasileiro assumiu através da lei 9.140/95 a responsabilidade do Estado pelos
crimes dos anos de chumbo. Declarou mortos todos os desaparecidos no período em razão
dos massacres. Para quem viveu a clandestinidade e a violência psicológica de um período, o
objetivo é poder dar respostas aos muitos pontos de interrogação abertos, assim como as
feridas dos parentes das vítimas. “Precisamos esclarecer essas histórias, o povo brasileiro tem
o direito de saber o que houve com os companheiros”, diz Eneida.
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