Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE INTERTEXTUALIDADE
Antonio Carlos Rodrigues de Freitas
RESUMO
Intertextualidade é um conceito muito aplicado na atualidade para fazer referência aos
textos que estabelecem uma espécie de diálogo entre si de forma intencional ou não
intencional. Mas de onde surgiu esse termo? O presente artigo pretende investigar a
origem do termo “intertextualidade”, como ele se desenvolveu e em que direção os
estudos mais recentes caminham. O estudo da intertextualidade pode ser feito do ponto
de vista lato sensu ou stricto sensu. Nessa pesquisa, abordaremos o stricto sensu e
mostraremos de forma panorâmica os tipos de intertextualidade. As bases teóricas que
alicerçam a pesquisa são os pressupostos trazidos por Bakhtin (2003) a partir da noção
de polifonia, isto é, as várias vozes que se encontram presentes nos textos, Koch (2008),
abrangendo os conceitos de intertextualidade. Traçaremos também um comentário,
abordando a relação texto-enunciado, se há ou não diferença entre eles. A partir daí,
apresentaremos a diferença de intertextualidade e interdiscursividade. No propósito de
articular teoria e prática, o corpus de análise é composto por materiais coletados na
internet e em livros didáticos. Esse material contém letras de música, poemas, tirinhas e
propagandas com o objetivo de mostrar que as relações intertextuais podem ser feitas
através do diálogo entre diferentes gêneros textuais.
Palavras-chave : intertextualidade; conceito; prática.
ABSTRACT
Intertextuality is a frequently applied concept nowadays that refers to texts that establish
some kind of dialog between them, intentionally or not. But, where did this term come
from? The present article intends to investigate the origin of the term “intertextuality”,
how had it been developed and towards what direction the recent studies are going. The
intertextuality study can be done from two points of view: lato sensu or stricto sensu.
On this research, we will approach the stricto sensu view and we’ll show, in a
panoramic way, the types of intertextuality. The theoretical bases that consolidate this
research are the presuppositions brought by Bakhtin (2003) from the notion of
polyphony, that means the many voices found in the texts, Koch (2008), embracing the
concepts of textuality. We’ll also delineate a comment about the relation text-header, if
there are differences between them. From that point, we’ll present the difference among
intertextuality and interdiscursiveness. On the purpose of articulating theory and praxis,
the analysis corpus was constructed with material taken from the internet and didactic
books. This material contains lyrics, poems, strips and advertisements, with the main
objective of explaining that the intertextual relations can be constructed through a dialog
between different textual genres.
Keywords: Intertextuality; concept; practice.
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal
Fluminense.
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Considerações iniciais
Sabemos que têm crescido os estudos em torno do texto. Há muito que a Língua
portuguesa deixou de ser analisada apenas levando em consideração os elementos
lingüísticos da frase. Tal abordagem, além de fragmentária, era insuficiente para dar
conta dos diferentes efeitos de sentido desencadeados num texto. Hoje tem se levado em
conta também aspectos como contexto situacional e discursivo, coesão, coerência e
também a polifonia e a intertextualidade, nas quais nos deteremos nesse trabalho, pois
se revelam mecanismos de forte influência na construção do sentido textual.
Nas palavras de Kristeva (apud KOCH, BENTES e CAVALCANTE, 2008),
“qualquer texto se constrói como um mosaico de citações e é a absorção e
transformação de um outro texto.” Em outras palavras, não existe texto neutro, puro,
original. Todo texto sempre remete a outros textos. O escritor apela para a sua memória
discursiva e traz à tona enunciados que já tenha ouvido ou lido antes e, a partir daí, ele
constrói o seu texto. No entanto, seu “acabamento” será outro, pois escreverá
empregando seu próprio estilo, aproveitando a sua bagagem cultural recebida. É assim
que o escritor constrói a sua originalidade, dando nova “moldura” ao que foi dito antes.
Segundo Bakhtin (2003), o texto é repleto de tonalidades dialógicas, é ele que
expressa as vivências humanas, constitui-se o representante da visão de mundo de um
sujeito. No texto, estão presentes ao menos duas vozes: o sujeito que escreve e o outro
que o autor parodia. Não há como existirem palavras nas quais o autor não ouve a voz
do outro. Até mesmo na lírica, ao exprimir-se a si mesmo, consegue uma relação
dialógica com ele mesmo, pois o seu eu seria objeto de análise para ele mesmo e para os
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outros que o leem. Em outras palavras, ao passar para o papel todos os seus
sentimentos, anseios o “eu” na realidade se torna “outro” e assim se estabelece a relação
dialógica. Somente na interação dos sujeitos é que há a construção de sentidos para
Bakhtin.
Sendo assim, este trabalho pretende mostrar como se desenvolveu o conceito de
“intertextualidade”. De onde surgiu? Como era chamado antes? Para isso, nos valemos
das contribuições de inúmeras pesquisas feitas na atualidade sobre esse tema.
Um pouco de teoria
Por se tratar de uma proposta de teoria e análise de textos, compararemos alguns
textos, procurando mostrar as semelhanças e diferenças acerca do tema. Sendo assim,
nosso enfoque será o da intertextualidade. Mas o que se entende por intertextualidade?
Antes de mais nada, é preciso conceituar esse termo e fazer uma abordagem tendo em
vista apresentar as pesquisas mais recentes desenvolvidas nessa área.
O primeiro a abordar a intertextualidade foi o pensador russo Mikhail Bakhtin
como conceito operacional de teoria e crítica literária, porém não usava essa
denominação e sim a chamava de “dialogismo”. Nas palavras do filósofo, todo discurso
constitui-se perante o outro e não sobre si mesmo. Na voz de qualquer falante, sempre
encontramos a voz do outro, pois é “o outro” que nos define, que nos completa.
Porém, Bakhtin enfatiza que, ao mencionar o termo “diálogo”, não está se
referindo somente a uma “forma composicional do discurso”, mas sim aos diversos
tipos de enunciados aos quais estabelecem relações semânticas numa comunicação
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discursiva. Por isso, dois enunciados podem estabelecer relações dialógicas se forem
confrontados num mesmo plano de sentido.
É preciso acrescentar que o discurso nunca está completo, uma vez que sempre
há “brechas” que terão que ser preenchidas pelo outro, assim as palavras, as ideias de
outrem tecem o discurso individual e dessa forma fazem com que se ouçam as vozes ou
que essas permaneçam “mascaradas” num discurso monologizado.
Dentro dessa ótica, é possível dizer que alguns textos são polifônicos e outros
são monofônicos. Entende-se por texto polifônico aqueles os quais se deixam entrever
as vozes presentes, no entanto se tais vozes aparecem “mascaradas” como se fossem
uma única voz, teremos aí um texto monofônico. É claro que o diálogo é a condição de
toda linguagem e de todo discurso, por isso podemos dizer que todo texto é dialógico.
Assim afirma Bakhtin (2003: 318) ao se referir ao romance: “todo romance geralmente
é pleno de tonalidades dialógicas (nem sempre com as suas personagens, é claro)”
(Bakhtin, op. cit.: idem).
Na realidade, todo enunciado exige uma réplica, isto é, um direito de resposta.
Assim, em um enunciado, estão presentes ao menos duas vozes. Em outras palavras, são
duas posições presentes, a sua, e a outra com a qual ele constrói em oposição. Ao
afirmar “Mulher no volante, perigo constante”, vemos que esse enunciado é carregado
de sentidos, até mesmo de juízos de valor sobre a mulher, apregoados por uma
sociedade como se dirigir fosse uma função delegada somente a homens. Trata-se de
uma visão machista da sociedade.
Desse modo, podemos dizer que os enunciados sempre esperam uma resposta,
de alguém que os compreenda e que consiga extrair deles algum sentido. A esse tipo de
competência chamamos de “compreensão responsiva”. Ao afirmar: “homens e mulheres
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precisam de direitos iguais” está posto aí explicitamente a igualdade de direitos entre
homens e mulheres, no entanto essa voz se constrói em oposição a outra que afirma que
os homens obtêm privilégios em relação às mulheres. Se a sociedade não privilegiasse o
sexo masculino como um todo, tal enunciado não teria razão de existir.
Todo enunciado é composto de relações dialógicas. Nenhum enunciado é livre,
pois sempre há vozes dialogando em sua constituição interna. Essas vozes podem ser
sociais ou individuais. Segundo o filósofo russo, somente o Adão mítico, por ser o
produtor do primeiro enunciado, estaria livre das relações dialógicas.
O dialogismo pode ser entendido também como uma forma composicional.
Bakhtin mesmo denominou de “concepção estreita de dialogismo” o discurso que
mostra as outras vozes presentes. Assim, são exemplos desse tipo de discurso alguns
artifícios utilizados pelo produtor do texto, tais como: discurso direto / indireto, aspas,
citações, entre outros.
Outro ponto a comentar é que o sujeito para Bakhtin não é “assujeitado”, isto é,
submisso às pressões sociais, nem sua subjetividade pode ser autônoma em relação à
sociedade, pois está sempre em relação com os outros, e é a partir deles que se constitui
como sujeito.
Mais tarde, a semioticista Julia Kristeva (FIORIN, 2006: 51) vai nomear como
“intertextualidade” o que Bakhtin chamou de “dialogismo”. Em seus escritos, em 1967,
na revista Critique, ela fala que o discurso literário dialoga com várias escrituras. De
acordo com a pesquisadora, para que ocorra intertextualidade, é necessário que o leitor
possa reconhecer a presença de outro texto ou de fragmentos produzidos anteriormente,
que estabeleçam relação com o texto lido. Em outros termos, é preciso que haja a
presença de um “intertexto”.
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Kock, Bentes & Cavalcante (2008) propõem uma distinção entre os conceitos de
intertextualidade. As autoras os separam em dois grandes blocos: intertextualidade
stricto sensu e intertextualidade lato sensu. Do ponto de vista stricto sensu, podemos
fazer ainda algumas delimitações: intertextualidade temática, intertextualidade
estilística; intertextualidade explícita, intertextualidade implícita; autotextualidade ou
intratextualidade, intertextualidade intergenérica, intertextualidade tipológica.
Neste trabalho, como faremos uma análise comparativa de textos, procuraremos
articular teoria com a prática. Assim, através do intertexto, temas que até então
pareciam “gastos” são retomados, adquirindo uma roupagem nova, um novo modo de
dizer.
Um problema a definir: a relação texto-enunciado. Existe diferença?
Ao criar o conceito de intertextualidade, Kristeva chama de “texto” o que
Bakhtin denominou como enunciado. Por causa disso, o termo “dialogismo” foi
substituído por “intertextualidade”. Assim, toda relação dialógica passou a ser entendida
como relação intertextual. Isso, de certo modo, foi um equívoco, porque Bakhtin separa
“texto” de “enunciado”. Para Bakhtin, o enunciado procura mostrar a posição de uma
voz dentro da sociedade, é um todo de sentido, uma orientação. Já texto é a
manifestação do enunciado, a materialização deste, “é a manifestação do enunciado, é
uma realidade imediata dotada de materialidade, que advém do fato de ser um conjunto
de signos.” (FIORIN, 2006: 53). Assim, o enunciado são os sentidos construídos pelos
interlocutores numa troca comunicativa da qual eles venham a participar e o texto é a
forma materializada deste.
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Desse modo, existem relações dialógicas entre textos e enunciados. Para
diferenciá- las, chamamos de “interdiscursividade”, a relação entre enunciados e de
“intertextualidade”, a relação entre textos. Existem textos que não mostram o discurso
do outro. Nesse caso, temos a interdiscursividade. Bakhtin afirma ainda que pode haver
relações dialógicas entre textos e dentro de textos. A condição para que ocorra a
intertextualidade é que um texto seja independente do outro. Se no interior de um texto
aparecem vozes representadas pelo uso do discurso direto, indireto, aspas, etc. ocorreu o
que chamamos de “intratextualidade”. Com isso, mostramos a diferença entre texto e
discurso.
Partindo dessa reflexão, podemos analisar os textos com mais cautela. Numa
análise de textos, é preciso identificar as vozes que aparecem nele, a polifonia. E
detectar que tipo de posicionamento elas assumem perante a sociedade. Em outras
palavras, elas veiculam ideologias de que grupo social? Ao fazermos isso, estamos
lendo o texto de uma maneira mais aprofundada e menos passiva, pois estaremos nos
posicionando perante a leitura. Também é de vital importância tentar recuperar o
intertexto, tudo isso contribui para a compreensão do texto em sua plenitude.
Análise de textos: práticas intertextuais.
Como ponto de partida para a análise, analisemos a canção Ai que saudades da
Amélia, procurando observar que tipo(s) de mulher é retratado nela.
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Ai Que Saudades Da Amélia
Roberto Carlos
Composição: Ataulpho Alves - Mário Lago
Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Nem vê que eu sou um pobre rapaz
Você só pensa em luxo e riqueza
Tudo que você vê você quer
Ai, meu Deus, que saudade da Amélia
Aquilo sim é que era mulher
Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
E quando me via contrariado
Dizia: Meu filho, que se há de fazer
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade
Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
E quando me via contrariado
Dizia: Meu filho, que se há de fazer
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade
(Disponível em: http://letras.terra.com.br/roberto-carlos/87939/. Acesso em:) 15/08/2011
Nessa canção, podemos perceber que o eu-lírico faz menção a dois tipos de
mulheres com características completamente diferentes. Em relação à primeira, ele
afirma que se trata de uma mulher preocupada somente com o seu bem-estar social, não
se importando com as condições financeiras e emocionais do marido. “Nem vê que eu
sou um pobre rapaz / você só pensa em luxo e riqueza”. E, por causa disso, vive a fazer
exigências, enfim, ao mencioná-la, o eu lírico a descreve como se ela não tivesse
nenhum sentimento em relação a ele, como se a relação fosse pautada apenas em
assuntos materiais.
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Por outro lado, diferente da primeira, o eu lírico nos revela que a segunda
mulher realmente se preocupava com os sentimentos dele. Enquanto a outra pensava em
luxos e riquezas, “Amélia não tinha a menor vaidade”. E isso o alegrava. Ao afirmar
que “às vezes passava fome ao meu lado e achava bonito não ter o que comer” o eu
lírico traduz aí a sua concepção de mulher perfeita, como ele mesmo afirma no último
verso: “Amélia é que era mulher de verdade” Para ele, ser mulher significa ser a
provedora do lar, aquela que está sempre junto nos momentos bons e ruins da vida. E
também deve ser desprovida de vaidade. Ao caracterizar a Amélia, o eu lírico apresenta
a sua visão do que é ser a mulher ideal para o lar, para se estar junto. Percebe-se, no
texto, que ambas exerceram o papel de esposa. A primeira é a sua esposa atual. Já a
segunda, era a sua antiga esposa. Constata-se isso quando se percebe a oposição
presente / passado, manifestada por verbos no presente ao se referir à primeira mulher
(“Nem fazer o que você me faz”) e no passado (“Amélia não tinha a menor vaidade”)
para se referir à segunda. Constata-se também o sentimento de perda declarado pelo eulírico: “Ai, meu Deus, que saudade da Amélia”. Esses versos demonstram o grande
desejo de retorno e a grande falta que Amélia faz para ele.
Sabemos que todo texto é permeado por uma ideologia, isto é, ele reflete o modo
de pensar de um determinado grupo social e, no caso, quem escreve espera que o leitor
também adira a ela. Portanto , quando lemos um texto, devemos nos posicionar para
defendermos nossa posição frente à ideologia presente no texto.
O poema abaixo, de Adélia Prado, estabelece intertextualidade em relação à
canção “Ai, que saudades da Amélia”. Vejamos como isso é feito:
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Casamento
Há mulheres que dizem
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
Mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
Ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala de coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
Atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
Somos noivo e noiva.
(Disponível em: http://www.releituras.com/aprado_casamento.asp. Acesso em: 15/08/2011)
Nesse poema, o eu-lírico procura definir o que é casamento. Nele também é
apresentado um exemplo de mulher ideal. Para o eu lírico, a mulher é aquela que foi
criada para o lar, para auxiliar seu marido nas atividades e para ter filhos. E isso fica
comprovado no texto. Ao dizer: “Eu não. A qualquer hora da noite me levanto, / ajudo a
escamar, abrir, retalhar e salgar”, o texto confirma a posição ideológica de que “amor”
exige renúncia. Tal concepção reflete o modo de pensar católico, ainda muito presente
nas famílias tradicionais.
Como se vê, os textos mantêm um diálogo entre si. A temática é a mesma e o
comportamento das mulheres nos dois textos também é o mesmo. Trata-se de um caso
de “intertextualidade temática”.
Agora perceba que podem ocorrer outros tipos de intertextualidade. Tomemos,
como exemplo, o seguinte poema de Carlos Drummond de Andrade:
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No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.
Neste poema, o eu lírico reflete sobre a sua vida. A palavra “pedra” aqui significa
“obstáculo”, algo que o eu lírico passou e que foi marcante (“Nunca me esquecerei
desse acontecimento / na vida de minhas retinas tão fatigadas”). É preciso ressaltar
também que a repetição neste texto é um recurso enfático, para frisar o acontecimento
marcante da vida do eu lírico.
Agora observemos o texto abaixo para estabelecer suas possíveis ligações com o
texto de Drummond:
(Fig. 01 – Tira: “Vida de Passarinho”, de Caulos, 19955, apud CEREJA, 1999: 33)
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Nesta tira, mesmo ela não fazendo referência direta ao texto de Drummond,
percebemos que ela estabelece intertextualidade com o poema. Há aí não uma
intertextualidade temática, mas uma “intertextualidade implícita”. E isso que faz a tira
ser mais engraçada, o humor é construído através dos implícitos. Para que o leitor
entenda mais profundamente a tira, é preciso que ele tenha conhecimento do texto de
Drummond. Do contrário, fará apenas análises superficiais da tira. Em outras palavras, o
repertório textual do leitor é de suma importância para a construção de sentidos do
texto. Na tira analisada, percebemos ainda que ela caminha numa direção argumentativa
diferente do texto de Drummond, trata-se de um caso de “subversão”. Enquanto o texto
de Drummond ressalta o problema, mostrando algo que o impediu na sua caminhada, a
tira de Caulos mostra que podemos superar os problemas e seguir adiante (o pássaro
pulou a pedra).
Para finalizar nossas análises, é preciso reforçar a ideia de que qualquer texto
pode estabelecer relações intertextuais com o outro, não apenas textos literários, mas a
publicidade também frequentemente recorre à intertextualidade como estratégia de
persuasão, assim também como textos humorísticos podem se valer das relações
intertextuais e até mesmo utilizando a publicidade para obter o humor.
Selecionamos uma propaganda da Bombril a qual o anunciante recorre às mesmas
estratégias para convencer o seu público-alvo. Reconhecendo essas estratégias, o aluno
pode adquirir maior percepção na leitura.
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(Fig. 2 – Publicidade da “Mon Bijou”. Disponível em: http://www.google.com.br/imghp?hl=ptBR&tab=wi. Acesso em: 06/09/2011)
Se observarmos o conjunto de elementos que formam a figura central do anúncio
(a roupa, o meio sorriso da pessoa e o cenário de fundo), perceberemos que o
anunciante apela para o conhecimento prévio do leitor. Assim, espera-se que o leitor ou
o público-alvo saiba que ali há a presença de outro texto, isto é, precisa reconhecer o
“intertexto”. No caso, a figura representada é a Mona Lisa, considerada a obra-prima de
Leonardo da Vinci. Pode-se dizer que o fabricante, juntamente com a agência de
divulgação do produto, constrói uma imagem de quem seria esse destinatário ideal,
porém sabemos que o anunciante corre riscos, pois o seu interlocutor pode não conhecer
a obra de Da Vinci. É preciso esclarecer que o produto anunciado é um amaciante de
roupas, portanto um produto refinado que nem todos utilizam e seu público-alvo são
mulheres geralmente de classe média. Assim, a chances de obter sucesso com a
estratégia do uso da polifonia discursiva são grandes.
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Na parte inferior do anúncio, lê-se: “Mon Bijou” deixa sua roupa uma perfeita
obra-prima”. Como se vê, o anunciante “mascara” a sua real intenção que é a de vender
o produto e assume o papel social de “benfeitor”, ou seja, o produto oferecido trará
benefícios para o seu destinatário. Entende-se que, “deixar sua roupa uma perfeita obraprima”, significa dizer que deixará a sua roupa macia e perfumada e indo um pouco
além, a propaganda implicitamente pretende dizer que, assim como a obra prima de Da
Vinci, a roupa ocupará uma posição de destaque, tornando-se ímpar em relação às
demais e isso só a Bombril faz. Com a Bombril sua roupa torna-se única, com
tratamento exclusivo.
Considerações finais
Com esse trabalho, pretendemos mostrar um panorama sobre o estudo da
intertextualidade, mostrando como esse conteúdo vem sendo desenvolvido através de
inúmeras pesquisas. Também nos apropriamos da teoria de Bakhtin que aborda o
dialogismo, a polifonia e estudos sobre a enunciação. Assim, com esse embasamento
teórico, pudemos aprofundar a nossa análise do texto.
É claro que esse trabalho é apenas uma pequena parcela do que se vem
desenvolvendo, mas escolhemos alguns gêneros textuais como amostra, por acharmos
mais representativos, mais fáceis de perceber o fenômeno. Tudo foi feito aqui para que
o leitor amplie os seus horizontes e perceba que o diálogo pode ser feito entre textos
atuais ou textos de época, entre propagandas e notícias de jornal, por isso podemos dizer
também que o interlocutor pode ser real ou virtual. E é ele que dará sentido ao texto,
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mesmo sendo de uma época diferente da época do texto. Cada um lê com os olhos que
tem e interpreta de acordo com suas visões e ideologias.
Diante disso, esperamos que esse trabalho seja mais uma contribuição para os
estudos feitos nessa área e com base no que foi escrito aqui e na forma como foi dito,
esperamos também que ele facilite o entendimento dos leitores. Portanto, este trabalho
não constitui um ponto de chegada, mas um ponto de partida para o aprofundamento e
investimento em pesquisas para todos aqueles que se interessam por essa área do saber.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BARROS, Diana Luz Pessoa de; FIORIN, José Luiz (orgs). Dialogismo, polifonia e
intertextualidade. São Paulo: Edusp, 2003.
CEREJA, Willian Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramática reflexiva. São
Paulo: Atual Editora, 1999.
FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
KOCH, Ingedore G. Villaça; BENTES, Anna Christina; CAVALCANTE, Mônica
Magalhães. Intertextualidade diálogos possíveis. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS
Canção “Ai, que saudades da Amélia”, de Ataulpho Alves e Mário Lago. Disponível
em: http://letras.terra.com.br/roberto-carlos/87939/ Acesso: 15/08/2011
Poema “casamento”, de Adélia Prado Disponível em:
http://www.releituras.com/aprado_casamento.asp. Acesso em: 15/08/2011
Publicidade da Mon Bijou. Disponível em: http://www.google.com.br/imghp?hl=ptBR&tab=wi. Acesso em: 06/ 09/2011
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