SEMINÁRIO INTERNACIONAL DA OMPI
SOBRE O USO ESTRATÉGICO DA
PROPRIEDADE INTELECTUAL PARA O
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E
ECONÔMICO
Rio de Janeiro, 21 a 25 de maio de 2007
Propriedade Intelectual e
Conhecimentos Tradicionais:
Explorando o seu Potencial
Econômico
Secretaria da OMPI
PI e CT
1. Afinal o que são CT? Proposta de um
conceito operacional de CT e de
identificação de seus componentes
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PI e CT
Os CT podem ser definidos como “idéias e respectivas
expressões desenvolvidas por comunidades
tradicionais e povos indígenas de modo tradicional e
informal, como resposta às necessidades impostas
pelo ambiente físico e cultural em que vivem e que
servem como instrumentos para a sua identificação
cultural” (WIPO/GRTKF/IC/5/8)
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PI e CT
Os CT são formados por três elementos:
a) Conhecimentos técnicos (CT em sentido estrito) propriedade industrial
b) Expressões de conhecimentos (folclore) - direitos de
autor e conexos
c) Simbiose de idéias e de expressões (artesanato) simbiose de propriedade industrial (Convenção de Paris)
e direito de autor (Convenção de Berna)
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PI e CT
a) Os CT são idéias, isto é, os CT são conhecimento. Isto
corresponde ao componente “propriedade industrial”
dos CT (CT em sentido estrito):
produtos, processos,
extratos vegetais e
animais, conhecimento
sobre as propriedades e
o uso desses
produtos, etc).
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PI e CT
b) Os CT são também a “expressão de idéias”, ou folclore
ou expressões culturais tradicionais (ECTs). Isto
corresponde ao elemento de direito de autor e de
direitos conexos.
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PI e CT
c) Os CT podem também ser uma combinação simbiótica
de idéias e de expressões: o artesanato. O artesanato é
formado por objeto úteis (ou que o eram originalmente)
que obedecem a valores estéticos populares.
Tecendo cestos com folhas de
palmeiras, em Oman. Estas
preservam o sabor das tâmaras e
permitem que o seu suco escoe.
A adega de Oman (khanjar).
Originalmente uma arma, hoje é uma
peça cerimonial de vestuário dos
homens de Omanly e um símbolo
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nacional do país.
PI e CT
 Os CT são baseados na tradição e constituem meios de
identificação cultural; os CT não podem ser separados
das comunidades que os criaram (por isso o artesanato
não pode ser objeto de licenças; a contrafação repetida
e tolerada de CT descaracteriza-os como tal)
 Os CT são tradicionais mas não são necessariamente
antigos ou de domínio público
 O que distingue os CT de outros conhecimentos técnicos
é que eles são holísticos, isto é, os seus vários
componentes são conceptualmente unitários e só podem
ser separados uns dos outros por meio de uma
abstração (que os desvirtua)
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PI e CT
Efetivamente, a característica fundamental,
sine qua non, dos CT é de que eles são de
natureza holística
Mas o que quer dizer isso?
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PI e CT
Tomemos um exemplo:
Imaginemos que um índio de uma tribo da Amazônia se sente doente
e se dirige ao pajé. O pajé, depois de examinar o paciente, vai a
uma parte da floresta, ali perto da sua oca, colher algumas folhas,
sementes e frutos de diferentes plantas. Misturando esses materiais
de acordo com um método que só ele conhece, ele prepara uma
poção de acordo com uma fórmula secreta (o velho pajé, seu
antecessor, havia-lhe ensinado uma outra fórmula que ele depois
modificou e aperfeiçoou). Enquanto prepara a poção e, depois,
enquanto a administra ao paciente (de acordo com uma dosagem
determinada), o pajé aspira a fumaça das folhas de uma planta
mágica e murmura uma encantação -- ele assim entra em contacto
com os espíritos da floresta.
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PI e CT
Enquanto isso, o pajé dança em
em volta do doente. Ele sopra
a fumaça da planta sobre o
corpo do doente. A poção
é servida num vaso decorado
com desenhos simbólicos; o
pajé usa um traje especial e tem
seu corpo tatuado com símbolos
rituais mágicos.
© National Geographic Society
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PI e CT
Os CT do pajé são a soma de todos estes elementos. Se eles fossem tomados
separadamente, a PI poderia até protegê-los quase todos, ou mesmo
todos. Por exemplo:
 os materiais vegetais usados na poção: proteção de cultivares
 a poção (ou a sua fórmula) e o método de fabricá-la: patente e/ou segredo
 o uso e a dosagem da poção: patente (em alguns países)
 a oração e a encantação (uma vez fixadas num suporte): direito de autor
 a representação da encantação e da dança (uma vez fixados num suporte):
direitos conexos
 o vaso que contém a poção: patente ou modelo de utilidade (se apresenta
elementos funcionais novos e inventivos; se não, desenho industrial)
 os desenhos no vaso, o desenho das roupas e os símbolos tatuados: direito
de autor ou desenho industrial
 os vários elementos acima listados, se comercializados, podem ser
designados por uma marca (individual ou coletiva), uma marca de
certificação ou uma indicação geográfica
 o pajé e/ou a tribo pode ser designado por uma firma ou nome comercial
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PI e CT
No entanto, para o pajé, não faz qualquer sentido
separar os diversos componentes do seu
conhecimento. Todos os componentes são
igualmente importantes. A cura resulta da
operação de todos os componentes
combinados, e não de um ou outro elemento
isolado. Todos os elementos, em conjunto,
contribuem para a intervenção benigna dos
espíritos da floresta. Os CT são holísticos neste
sentido da indissociabilidade de seus
componentes.
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PI e CT
2. Quatro razões para reconhecer aos
titulares de CT o direito (de
propriedade intelectual) de dizer
“não”
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PI e CT
- No fim das contas, os CT têm sido desenvolvidos
ao longo de muitas gerações sem necessidade de
um sistema formal* de PI ...
- Além disso, tem-se dito por aí que é preciso
preservar o domínio público (no sentido de que
não se deve permitir a apropriação desse domínio
público). Ora muitos CT (mas nem todos) já
foram amplamente divulgados e portanto, à luz
das regras existentes da PI em muitos países,
constituem domínio público...
*Mas isto não significa que os CT não tenham sido protegidos desde tempos imemoriais
por mecanismos informais de PI. Pelo contrário, os CT sempre o foram. Os tabús, por
exemplo, são uma forma de apropriar CT.
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PI e CT
Para quê, então, proteger os CT?
Há quatro razões.
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PI e CT
1a razão: permitir que os titulares de CT
preservem a sua identidade cultural
contra qualquer uso (comercial ou
distorsivo ou outro) que eles não querem
que seja dado aos seus CT
(esta é uma razão ligada à proteção dos direitos humanos)
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PI e CT
-
o uso que os titulares de CT querem fazer deles é irrelevante para
a definição do direito de excluir; quer os titulares de CT
pretendam fazer uso comercial de seus ativos, quer eles se
oponham terminantemente a isso, eles necessitam de um
mecanismo que lhes permita dizer “não” a terceiros que usem
seus CT de modo contrário aos seus interesses; a proteção tanto
dos direitos morais quanto dos direitos patrimoniais exige o
mesmo poder de dizer “não” contra terceiros
-
a proteção da PI não torna ativos intangíveis em mercadorias
automática e necessariamente (obras de natureza puramente
cultural ou religiosa são protegidas pela mesma PI que protege o
Microsoft Windows; as igrejas, as mesquitas, as sinagogas, os
templos em geral são protegidos pelas mesmas regras de direito
civil que se aplicam a um shopping center)
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CT e PI
2a razão: aumentar a segurança jurídica e a
previsibilidade em benefício dos titulares
de CT bem como da sociedade em geral,
incluindo empresas e instituições de
pesquisa que sejam eventuais usuários de
CT (redução dos custos de transação)
(esta é uma razão de natureza essencialmente jurídica e
econômica)
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PI e CT
- este é o lado positivo da dimensão estática dos direitos de PI:
restringir o acesso aos ativos protegidos torna claras a relações
jurídicas que lhe são relativas; para se aperceberem da importância
disto, pensem nos enormes custos de transação gerados pela
insegurança que hoje envolve todas as atividades de
“bioprospecção” (sempre ameaçadas de práticas de biopirataria ou
biogrilagem);
- além disso, a proteção dos CT teria também uma dimensão
dinâmica (no sentido de incentivar a criação de novos CT); com
efeito, os CT podem ser tradicionais mas não são necessariamente
velhos; há CT que são novos, mesmo para o regime de patentes; as
comunidades que criam CT não desapareceram, nem as condições
que levam essas comunidades a continuar criando-os
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PI e CT
3a razão: a proteção dos CT pela PI
permitiria às comunidades tradicionais
transformar seus conhecimentos em
ativos e seus ativos em capital
(esta é uma razão de natureza essencialmente econômica e
deriva do trabalho de Hernando de Soto*)
* Autor de O Mistério do Capital
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PI e CT
- comunidades tradicionais que hoje vivem em situação de extrema
pobreza são, na realidade, ricas em conhecimentos (mas nem elas
nem o resto do mundo sabem disso); a proteção pela PI permitiria
a formalização e o registro desse conhecimento, e, uma vez
formalizado, a sua transformação em capital
- o capital poderia ser assim utilizado não só para estabelecer
empresas comerciais dentro das comunidades ou em associação
com capitalistas de risco mas também como garantias fiduciárias
para a obtenção de créditos junto de instituições financeiras
- além disso, a PI protegeria as comunidades contra a perda
patrimonial que aquisição ilícita de seus CT por terceiros representa
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PI e CT
4a razão: a falta de proteção dos CT pela PI
constitui uma barreira não-tarifária ao
comércio (isto é, a falta de proteção dos
CT bloqueia o acesso aos mercados
internacionais das mercadorias que
incorporam CT)
(esta é uma razão especificamente ligada ao comércio
internacional)
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PI e CT
-
-
a falta de adequada proteção à PI, especialmente no campo das indústrias
farmacêutica e de “entretenimento,” foi o argumento que convenceu os
negociadores do GATT a incluir a PI na Rodada Uruguai; considerando que
concorrentes estrangeiros poderiam usar invenções e reproduzir obras em
seus países (onde a PI não fosse reconhecida) sem a necessidade de
investir largas somas em pesquisa e realização, os inventores e os autores
não seriam capazes de competir nesses países
da mesma forma, a falta de proteção pela PI para os CT retira às
comunidades tradicionais a possibilidade de exportar mercadorias
incorporando esses CT, os quais foram desenvolvidos, testados e
acumulados ao longo de gerações; concorrentes em países onde esses CT
não são protegidos não necessitam de fazer esses pesados investimentos:
basta-lhes copiar
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PI e CT
3. O artesanato e nós, nas palavras de
Octavio Paz - ou o profundo sentido
dos CT: os CT não têm só valor
econômico e jurídico - eles têm uma
dimensão humana que está dentro
de todos nós
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PI e CT
“O artesanato não pretende durar milênios nem está
possuído pela pressa de morrer cedo. Ele passa com os
dias, flui conosco, desgasta-se pouco a pouco, não
busca a morte nem a nega: aceita-a. Entre o tempo sem
tempo do museu, e o tempo acelerado da técnica, o
artesanato é o pulsar do tempo humano. É um objeto
útil, mas que também é belo; um objeto que dura mas
que acaba e que se resigna em acabar; um objeto que
não é único como a obra de arte e que pode ser
substituído por outro objeto parecido (mas não
idêntico). O artesanato ensina-nos a viver e, assim,
também nos ensina a morrer.”
(Octavio Paz, “Los Privilégios de la Vista”)
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PI e CT
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The economic importance of industrial property