ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA CARLOS ANTONIO WUNDERLICH GUERRAS ASSIMÉTRICAS e TERRORISMO: adequabilidade da resposta brasileira ao fenômeno. Rio de Janeiro 2012 CARLOS ANTONIO WUNDERLICH GUERRAS ASSIMÉTRICAS e TERRORISMO: adequabilidade da resposta brasileira ao fenômeno. Trabalho de Conclusão de Curso Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Cel Inf EB R/1 Heleno Moreira Rio de Janeiro 2012 C2012 ESG Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG. ____________________________ Carlos Antonio Wunderlich – Cel Inf EB Biblioteca General Cordeiro de Farias Wunderlich, Carlos Antonio Guerras Assimétricas e Terrorismo: adequabilidade da resposta brasileira ao fenômeno / Cel Inf EB Carlos Antonio Wunderlich. - Rio de Janeiro: ESG, 2012. 53 f.: il. Orientador: Cel Inf EB R/1 Heleno Moreira Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2012. 1. Terrorismo. 2. Guerras Assimétricas. I. Título. À minha mãe, Silvia Lux Wunderlich, orgulhosa adesguiana de Porto Alegre/RS, por me inspirar ao longo deste curso de altos estudos. AGRADECIMENTOS Aos professores e instrutores que tive ao longo de toda a minha vida, pela dedicação e paciência que tiveram com a construção do meu aprendizado. Aos amigos da Turma Programa Antártico Brasileiro – PROANTAR – pela amizade e consideração ao longo deste ano de 2012. Aos mestres do corpo docente da ESG, pela dedicação durante o processo de construção do conhecimento que me transformou em um esguiano orgulhoso e preparado para melhor servir ao Brasil. A minha família, pela já tradicional compreensão nos momentos de ausência. RESUMO Este Trabalho de Conclusão de Curso tem por objetivo estudar o fenômeno do Terrorismo e das Guerras Assimétricas no ambiente em que está inserido o Brasil. A metodologia científica adotada apoiou-se em pesquisa bibliográfica e documental e no aproveitamento das experiências profissionais no trato do assunto, enquanto especialista. O campo do estudo, quanto aos aspectos históricos, teve ênfase nos séculos mais recentes, em particular pelos exemplos e referenciais teóricos mais atuais. Quanto ao ambiente geográfico, a pesquisa limitou-se ao subcontinente sul-americano. O objetivo da monografia é compreender os fenômenos – terrorismo e guerras assimétricas - e contextualizá-los no ambiente político e geográfico em que se insere o Brasil, de maneira a avaliar o grau de segurança oferecido pela estrutura atual e alinhavar novas medidas que possam ser adotadas para proporcionar melhores condições para a prevenção da ocorrência do terrorismo em território nacional. O primeiro capítulo trata de introduzir o assunto ao leitor. Na sequência, apresenta-se o problema central, os objetivos, a delimitação da pesquisa e outros elementos necessários para situar o tema do trabalho. No terceiro capítulo versa-se sobre a relação entre as guerras assimétricas e o terrorismo no mundo, incluindo os conceitos e definições necessários à compreensão de tais fenômenos. No quarto capítulo, os fenômenos - já estudados - são trazidos para o contexto nacional, onde a estrutura de combate ao terrorismo existente no Brasil é apresentada. Por fim, o último capítulo analisa a ocorrência da hipótese formulada e apresenta medidas a serem adotadas pelo Brasil para enfrentar de maneira mais efetiva o fenômeno terrorista. Palavras chave: Guerras Assimétricas. Terrorismo Internacional. Estruturas de Combate. ABSTRACT This end of course paper focuses on the study of the phenomenon of Terrorism and Asymmetric Wars in the environment in which it is inserted in Brazil. The scientific methodology adopted was based on bibliographic and documentary research and the use of the experiences of the author in dealing with the matter as a specialist. The field of study in relation to the historical aspects, focuses in the last century, specifically in the most recent examples and bibliography. Regarding the geographical environment, the research was limited to the subcontinent of South America. The aim of this study is to understand the phenomenon of terrorism and asymmetric warfare, and contextualize them in the geographical and political environment in which it operates within Brazil, in order to assess the level of security offered by the current structure and adopting new measures that can provide better conditions for the prevention of terrorist activity in the country. The first chapter introduces the reader to the subject. Following, it presents the central problem, the objectives, the definition of the research and other information necessary to frame the study. The third chapter focuses on the relationship between Asymmetric Warfare and Terrorism in the world, including the concepts and definitions needed to understand this phenomena. Fourth chapter looks at the phenomena already studied and brought to a national context, where the structure of combating terrorism within Brazil is presented. Finally, the last chapter examines the occurrence of hypothesis and presents the measures to be adopted by Brazil to face more effectively the phenomenon of terrorism. Keywords: Asymmetric Wars. International Terrorism. Structures Combat. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 7 2 2.1 2.1.1 2.1.2 2.2 O PROBLEMA ........................................................................................... 11 OBJETIVOS ............................................................................................... 12 Objetivo Geral ........................................................................................... 12 Objetivos Específicos .............................................................................. 12 HIPÓTESE ................................................................................................. 12 3 3.1 3.2 3.2.1 3.2.2 3.2.2.1 3.2.2.2 3.2.2.3 3.3 3.3.1 3.3.2 3.3.2.1 GUERRAS ASSIMÉTRICAS E TERRORISMO ......................................... 14 AS GERAÇÕES DAS GUERRAS .............................................................. 14 A GUERRA ASSIMÉTRICA........................................................................ 16 Guerras Assimétricas no Mundo ............................................................ 18 Guerras Assimétricas com reflexos no Brasil ....................................... 20 Colômbia X FARC-EP ................................................................................ 20 Peru X Sendero Luminoso.......................................................................... 22 A Guerra ao Terror e o Brasil ..................................................................... 23 O TERRORISMO ....................................................................................... 24 O Terrorismo ao Longo da História ........................................................ 24 O Terrorismo na Tríplice Fronteira ......................................................... 26 O Fundamentalismo Islâmico na América do Sul ....................................... 27 4 4.1 4.1.1 4.1.1.1 4.1.1.2 4.2 4.2.1 4.2.1.1 4.2.1.2 4.2.1.3 4.2.1.4 4.2.1.5 4.2.1.6 4.2.2 5 O BRASIL DIANTE DO TERRORISMO..................................................... 31 POLÍTICA E ESTRATÉGIAS NACIONAIS ................................................. 31 Mecanismos e Instrumentos Legais ....................................................... 31 Legislação Nacional ................................................................................... 31 Legislação, Convenções e Mecanismos Internacionais ............................. 33 O PODER NACIONAL NO COMBATE AO TERRORISMO ....................... 36 Estruturas de Prevenção e Repressão ................................................... 36 Ministério das Relações Exteriores ............................................................ 38 Departamento de Polícia Federal ............................................................... 38 Conselho de Controle de Atividades Financeiras ....................................... 39 Agência Brasileira de Inteligência............................................................... 39 Ministério da Defesa ................................................................................... 39 Forças Auxiliares das Forças Armadas e Outros Órgãos do SISBIN ......... 40 O PN e o Enfrentamento do Terrorismo – Considerações.................... 40 CONCLUSÃO ............................................................................................ 43 REFERÊNCIAS .......................................................................................... 46 ANEXO A – LISTA DE ORGANIZAÇÕES TERRORISTAS ...................... 49 ANEXO B - TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE TERRORISMO SEGUNDO O ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO PENAL ...................................... 51 7 1 INTRODUÇÃO Os atentados ocorridos nos Estados Unidos da América (EUA) em 11 de setembro de 2001, assistidos por milhões de pessoas ao vivo, de imediato indicaram ao observador mais atento que suas consequências iriam repercutir de maneira marcante em todo o planeta. A potência militar hegemônica, atacada em seu próprio território, antes considerado inexpugnável, desencadeou um feroz combate ao terrorismo internacional, envolvendo países e organizações e culminando com as invasões do Iraque e do Afeganistão. Nos dias atuais, mais do que nunca, o terrorismo não respeita fronteiras ou qualquer conceito de área de limitação de conflitos. Não existem territórios neutros. Os grupos terroristas espalharam-se e estão capacitados a utilizar a violência deliberada como forma de inspirar o medo e atrair publicidade para seus objetivos políticos. A tarefa de estudar o terrorismo, no contexto das guerras assimétricas, conduz à necessidade de entender-se os dois fenômenos e as suas interligações. Tradicionalmente, a guerra dos mais fracos contra os mais fortes pressupõe o emprego, por parte dos primeiros, de formas de luta alternativas ao tradicional combate convencional entre duas ou mais forças armadas. O emprego da violência – por meio de ações terroristas – pode justificar-se, para seus autores, pela legitimidade da causa defendida. O terrorismo, segundo definição do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR), é o “ato premeditado, ou sua ameaça, por motivação política e/ou ideológica, visando atingir, influenciar, intimidar ou coagir o Estado e/ou a Sociedade, com o emprego da violência ...”. Atualmente, entende-se por Guerra de 4ª Geração (ou Guerra Assimétrica) o conflito multidimensional envolvendo ações terrestres, fluviais, marítimas, aéreas, espaciais, ou ainda no espectro eletromagnético e no ciberespaço. Nesse atual e desafiador contexto estratégico, o inimigo pode ser tanto um Estado independente, uma coligação de Estados, como também um grupo terrorista ou uma organização criminosa qualquer. No momento em que este trabalho está sendo elaborado, eventos terroristas ocorrem em todo o planeta, como que a lembrar que este é um 8 fenômeno universal e onipresente. Além da Guerra ao Terrorismo, implementada a partir de setembro de 2001 pelos EUA e aliados, diversos outros conflitos estão sendo permeados por atos terroristas. Em sua maioria, tais conflitos são caracterizados pela luta entre dois ou absolutamente mais atores desigual, de força marcadamente assimétrica. A imagem ao lado1 ilustra o contexto atual – 22 de março de 2012 - de ameaça proporcionada pelo terrorismo sem fronteiras, que tem potencial para se fazer presente em qualquer país, desenvolvido ou não. O Brasil adota, historicamente, uma postura de condenação do terrorismo, tendo aderido a todos os instrumentos internacionais criados para este fim. Contudo, o país mantém uma considerável autonomia em relação às pressões internacionais, em particular advindas das potências mais afetadas pelo fenômeno. Não há alinhamento automático aos Estados Unidos da América (EUA) ou outros países no que diz respeito ao assunto. O fenômeno tem sido causa de apreensão por parte da comunidade internacional desde tempos remotos até os dias atuais. Como exemplo emblemático mais recente que ainda permeia o subconsciente coletivo da geração atual, o atentado de Munique2, ocorrido em 1972, lembra, a cada ciclo olímpico, da necessidade de cuidados com a segurança. Recente reportagem de “O Globo”, de 17 de junho de 2012 (imagem ao lado), recorda aquele evento trágico e chama a atenção das autoridades e organizadores dos grandes 1 Disponível em: http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-11851141 No dia 5 de setembro de 1972, durante os Jogos Olímpicos, oito terroristas do grupo palestino Setembro Negro invadiram as acomodações dos atletas israelenses em Munique e mataram dois esportistas a sangue-frio. O despreparo dos órgãos de segurança alemães ficou patente após a morte de nove israelenses durante uma tentativa fracassada de ação em força. 2 9 eventos esportivos que terão palco no Brasil nos próximos anos – Copa das Confederações (2013), Copa do Mundo (2014) e Jogos Olímpicos (2016) – para a necessidade do preparo antecipado e permanente, como fator de dissuasão diante de possíveis atores hostis. Para enfrentar o terrorismo, uma nação deve preparar e empregar a parcela necessária de seu Poder Nacional (PN). O PN, segundo a ESG, é “a capacidade que tem o conjunto de Homens e Meios que constituem a Nação para alcançar e manter os Objetivos Nacionais, em conformidade com a Vontade Nacional”. O Poder do Estado é derivado do PN. Segundo o Manual Básico da ESG – Vol 1 – Elementos Fundamentais: “... é fundamental que sua aplicação se efetue com eficiência e eficácia, ... para isso, as ações a empreender deverão estar ajustadas com a conjuntura e envolver a sociedade nacional, como agente beneficiária direta que é dos resultados”. No que diz respeito à Segurança e Defesa Nacionais, há que se compreender a prioridade dada pelo Governo à aplicação da parcela do PN no trato da ameaça do terrorismo, em função das prioridades político-estratégicas. No prefácio da publicação oficial gerada a partir do II Encontro de Estudos sobre o Terrorismo, realizado em 2004, em Brasília, pela Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais do Gabinete de Segurança Institucional, era feita a seguinte advertência: O Brasil, mesmo distanciado do epicentro físico e ideológico do problema, não pode deixar de prevenir-se diante de tais ameaças. O Governo brasileiro está consciente de que deve assumir posições práticas diante do perigo. O combate ao terrorismo deverá dispor de equipamento bélico moderno e de uma estrutura de inteligência especialmente preparada. O objetivo deste trabalho é compreender os fenômenos – terrorismo e guerras assimétricas - e contextualizá-los no ambiente político e geográfico em que se insere o Brasil, de maneira a avaliar o grau de segurança oferecido pela estrutura atual e alinhavar novas medidas que possam ser adotadas para proporcionar melhores condições para a prevenção da ocorrência do terrorismo em território nacional. 10 O trabalho será organizado em cinco capítulos, incluída esta Introdução. O segundo capítulo apresentará o problema central, os objetivos, a delimitação da pesquisa e outros elementos necessários para situar o tema do trabalho. O terceiro capítulo versará sobre a relação entre as guerras assimétricas e o terrorismo no mundo, incluindo os conceitos e definições necessários à compreensão de tais fenômenos. No quarto capítulo, os fenômenos - já estudados - serão trazidos para o contexto nacional, onde a estrutura existente no País será apresentada. No quinto capítulo, como conclusão, pretende-se analisar a ocorrência da hipótese formulada e, se for o caso, apresentar medidas a serem adotadas pelo Brasil para enfrentar de maneira mais efetiva o fenômeno terrorista. 11 2 O PROBLEMA Com papel destacado no concerto internacional das nações, o Brasil também é alvo potencial do fenômeno do terrorismo, embora sua postura, ações e decisões políticas históricas possam impregnar-lhe da temerária sensação de imunidade diante dos perpetradores de atentados terroristas. A qualquer tempo, a dinâmica da atuação do Brasil em âmbito regional e mundial poderá levar à adoção de posturas e medidas que contrariem os interesses de grupos radicais, provocando antagonismos com potencial para trazer para o território nacional eventos terroristas. Sabe-se que existem as condições básicas necessárias para a realização de atentados no Brasil, ou seja, alvos e meios. Além disso, os megaeventos que se realizarão no país (Copa das Confederações – 2013; Copa do Mundo de Futebol – 2014 e Jogos Olímpicos – 2016) por si só justificam a preocupação com o tema. Guerras assimétricas e outras ameaças existem por toda a parte. Atualmente, pode-se citar o recrudescimento das atividades do Sendero Luminoso, no Peru; a guerra civil na Colômbia; ou a própria guerra ao terrorismo internacional, em andamento em vários países do mundo. Os EUA, em sua guerra ao terrorismo, conseguiram envolver todos os governos dos países onde acreditam ter identificado células terroristas, elementos simpatizantes ou áreas de apoio e homizio. Tal atitude da potência militar hegemônica provoca forte pressão sobre países como o Brasil, que apesar de não terem histórico de atos terroristas em seu território, possuem alguns dos fatores potenciais, como regiões pretensamente suspeitas de apoio logístico e\ou financiamento. Com o advento da Doutrina Bush de combate ao terrorismo, após o 11 de setembro de 2001, o Brasil vem respondendo às pressões internacionais por uma crescente participação no combate ao terrorismo, na medida de seus interesses e de acordo com a visão nacional pragmática acerca do fenômeno. O histórico de atuação das Forças Armadas em operações conjuntas com órgãos de segurança pública federais, estaduais e outras instituições em ações voltadas para o combate à criminalidade, em particular nas fronteiras, tem demonstrado que é necessária uma maior integração, além de uma 12 preparação mais adequada ao enfrentamento das ameaças assimétricas da atualidade, inclusive aquelas que têm potencial de envolvimento com atos terroristas, como o crime organizado a partir do tráfico de drogas e armas, do contrabando e do jogo ilegal, dentre outros. O Problema que se descortina é se a resposta brasileira ao desafio representado pelo terrorismo internacional, em particular aquele advindo dos conflitos assimétricos, está adequada à realidade regional e atende às expectativas atuais? 2.1 OBJETIVOS 2.1.1 Objetivo Geral Avaliar o grau de eficiência da estratégia adotada atualmente pelo Brasil para o enfrentamento ao terrorismo, considerando o aprestamento da parcela do Poder Nacional empregado e o potencial de crise existente diante das ameaças representadas pelas guerras assimétricas e outros antagonismos. 2.1.2 Objetivos Específicos - Identificar os antagonismos com potencial de gerar eventos terroristas com reflexos no Brasil, inclusive as guerras assimétricas em curso. - Conhecer as estruturas do Poder Nacional voltadas para o enfrentamento do terrorismo, e identificar o papel de cada ator nesse contexto. - Identificar medidas a serem adotadas para aperfeiçoar o combate ao terrorismo. 2.2 HIPÓTESE O Brasil deveria formular políticas, estabelecer estratégias e criar mecanismos de enfrentamento ao fenômeno do terrorismo, envolvendo todas as estruturas de segurança e defesa do País, com foco na manutenção da Soberania Nacional, de maneira a estar permanentemente preparado para fazer frente ao terrorismo. A Hipótese é a de que as estruturas do Poder Nacional voltadas para o enfrentamento do terrorismo, em particular aquele advindo de guerras 13 assimétricas, estão parcialmente adequadas à realidade atual, exigindo aperfeiçoamentos no que diz respeito à legislação específica, bem como à aplicação coordenada das medidas de prevenção e repressão. 14 3 GUERRAS ASSIMÉTRICAS E TERRORISMO 3.1 AS GERAÇÕES DAS GUERRAS A partir do Tratado de Westphalia, em 1648, o Estado criou o monopólio de guerra, estabelecendo-se o conceito de guerra moderna. Anteriormente, muitas entidades diferentes haviam combatido em guerras: famílias, tribos, religiões, cidades e empresas, usando diversos meios, não somente exércitos e marinhas. A Primeira Geração da guerra moderna - guerra de linha e coluna onde as batalhas eram formais e o campo de batalha era ordenado, durou de 1648 a 1860. A sua relevância advêm do fato de que o campo de batalha organizado criou uma cultura militar de ordem. A maioria das características que distinguem o militar do civil (uniformes, continências, graus hierárquicos etc.) são produtos da primeira geração, com a intenção de reforçar a cultura da ordem. Em meados do Século XIX, o campo de batalha começou a se desordenar. Exércitos concentrados, soldados motivados para a guerra (já que o objetivo do soldado do Século XVIII era desertar), mosquetes raiados e, mais tarde, armas de retrocarga e metralhadoras tornaram as táticas de linha e coluna obsoletas. Desde então, o problema tem sido a crescente contradição entre a cultura militar e o aumento da desordem no campo de batalha. A cultura da ordem, que outrora foi coerente com o ambiente no qual operava, tem ficado cada vez mais incoerente e ultrapassada. A guerra de Segunda Geração foi uma resposta ao desalinhamento observado no campo militar nos últimos decênios do século XIX. Desenvolvida pelo Exército francês durante e depois da I GM, a guerra de segunda geração procurou uma solução no fogo concentrado, a maior parte dele de Artilharia. O objetivo era o atrito e a doutrina foi resumida pelos franceses como sendo “a artilharia conquista, a infantaria ocupa”. O poder de fogo era cuidadosamente sincronizado (usando-se planos e ordens detalhados e específicos) para a Infantaria, carros de combate e Artilharia, em uma “batalha conduzida”. A guerra de Segunda Geração atingiu seu objetivo, porque chegou trazendo um grande alívio para os soldados (ou ao menos para os seus oficiais), uma vez que preservava a cultura da ordem no campo de batalha. O 15 enfoque era voltado para dentro, sobre regras, processos e procedimentos, e a obediência, mais importante do que a iniciativa. A iniciativa não era bem-vinda, pois colocava a sincronização em perigo. A disciplina era vertical, hierarquizada, imposta. A guerra de Terceira Geração foi desenvolvida pelo Exército Alemão, também conhecida como “blitzkrieg” ou guerra de manobra. Foi baseada não no poder de fogo e no atrito, mas na velocidade, na surpresa e no deslocamento mental e físico. Taticamente, durante o ataque, o militar da terceira geração procura adentrar nas áreas de retaguarda do inimigo, causando-lhe o colapso da retaguarda para frente. Ao invés de “aproximar e destruir”, o lema era “ultrapassar e causar o colapso”. Na defesa, a ideia era atrair o inimigo para, então, cortar-lhe a retirada. A guerra deixava de ser um concurso de empurrar, onde as forças tentavam segurar ou avançar uma linha, transformando-se em não linear. Não foram apenas as táticas que mudaram, mas também, a cultura militar. O combatente dessa nova forma de guerrear focava exteriormente, na situação, no inimigo e no resultado exigido pela situação, e não interiormente, no processo ou na metodologia. Características como a descentralização e a iniciativa, foram passadas adiante, da terceira para a Quarta Geração da guerra moderna, que marca a mudança mais radical desde a Paz de Westphalia. Diferentemente da guerra convencional, a guerra de Quarta Geração não se desenvolve em teatros de operação visíveis. Não há frentes de batalha com elementos materiais: a guerra se desenvolve em cenários combinados, sem ordem aparente e sem linhas visíveis de combate; os novos soldados não usam uniformes e se misturam aos civis. Já não existem os elementos da ação militar clássica, por meio das grandes unidades de combate (tanques, aviões, soldados, frentes, linhas de comunicação, retaguarda, etc.). As bases de planejamento militar são substituídas por pequenos centros de comando e planejamento clandestinos, desde onde se desenham as modernas operações táticas e estratégicas. As grandes batalhas são substituídas por pequenos conflitos localizados, com violência social extrema e sem ordem aparente de continuidade. Grandes forças militares são substituídas por pequenos grupos de operação dotados de grande mobilidade e de tecnologia de última geração, cuja função é 16 desencadear acontecimentos sociais e políticos mediante operações de guerra psicológica. 3.2 A GUERRA ASSIMÉTRICA A guerra assimétrica é um tipo de conflito violento onde existe uma grande desproporção entre as forças em combate, tanto em termos militares, quanto em termos políticos. Tal fato obriga os mais fracos a usarem métodos de combate não ortodoxos, considerados fora dos padrões tradicionais militares. Entre esses métodos pode-se citar a guerrilha, a resistência, todos os tipos de terrorismo, inclusive o terrorismo de Estado, a contra-insurgência, e a desobediência civil, dentre outros. Nas guerras assimétricas não existem frentes determinadas, nem ações militares convencionais. Ao contrário, se baseia fortemente em ações políticas e militares combinadas, com implicações para a população civil. A guerra assimétrica ao longo dos tempos visa a quebrar a vontade de lutar do oponente mais forte. A associação com o crime organizado, o uso do terrorismo contra a população civil e alvos não-militares, podem ser consideradas, por combatentes revolucionários ou extremistas, formas “legítimas” de luta contra uma força oponente opressora muito superior. Um exemplo emblemático é o tipo de conflito assimétrico proposto por Mahatma Ghandi, durante o processo de independência da Índia, na década de 50, quando a Desobediência Civil consistia em descumprir as leis inglesas sem se importar em sofrer as consequências do ato, boicotar os produtos ingleses e fazer greves de fome. Apesar de a independência ter sido conquistada com confrontação, a “arma” de Ghandi se mostrou bastante eficaz. Outro exemplo de assimetria são as Intifadas – Guerras das Pedras – palestinas nos territórios ocupados por Israel. Trata-se de um movimento emblemático onde homens e crianças desarmados, ou armados apenas com pedras (foto ao lado), enfrentam soldados israelenses armados de fuzis. 17 Existem outras dimensões ainda mais modernas, oriundas do avanço científico-tecnológico e da globalização, em especial por meio do uso de meios eletrônicos, da sabotagem econômica e de outros meios civis como arma (aviões, usinas nucleares, redes, etc). As ameaças representadas pelos novos tipos de possibilidades terroristas, como o terrorismo biológico, químico, nuclear, radiológico e cibernético, têm causado crescente preocupação às forças de segurança de todos os países. Segundo Pinto Silva, a guerra assimétrica não é somente a guerra do fraco contra o forte; é a introdução de um elemento de ruptura, tecnológico, estratégico ou tático, um elemento que muda a idéia preconcebida; é a utilização de um ponto fraco do adversário. Não existe, pois, conflito assimétrico somente pela desigualdade entre os adversários, senão quando os adversários adotam formas de combate diferentes em sua concepção e desenvolvimento. Pinto Silva afirma que “derrotar estas novas ameaças exige a adequação de nossos sistemas decisórios para operações e a reorganização de nossas estruturas para as necessidades da Inteligência (obtenção e consolidação). Requer equipes híbridas de pensadores, cientistas e profissionais militares escolhidos, trabalhando juntos sob pressão. Depende de combinar a atuação das diversas agências de inteligência, com acesso ao ambiente operacional, considerando isto como assunto de interesse nacional”. Diante desse novo ambiente, há que se estudar formas de utilizar em benefício próprio a realidade atual. Recentemente, autores chineses retrataram uma nova visão acerca do campo de batalha onde serão travados os conflitos futuros. O livro “A Guerra Além dos Limites”, dos coronéis Qiao Liang e Wang Xiangsui, escrito em 1999, é uma das primeiras obras, senão a primeira, que trata sobre as guerras assimétricas futuras em grande escala. Segundo os autores, em uma luta contra um oponente de força absolutamente superior será legítimo o uso de qualquer tipo de luta, sem nenhum tipo de obstáculo de natureza ética. Qiao Liang e Wang Xiangsui propõem atitudes e procedimentos que transcendem as táticas militares, a serem implementados por países em desenvolvimento - a China em particular - visando compensar a sua 18 inferioridade militar em relação aos EUA, em um conflito envolvendo meios de alta tecnologia. Segundo Qiao Liang (1999, não paginado): “a primeira regra na guerra irrestrita é a de que não existem regras, nada é proibido”. Os novos princípios de guerra, segundo os autores, não prescrevem mais “o emprego da força armada para compelir um inimigo a submeter-se à nossa vontade”, e sim, “a utilização de todos os meios, militares e não-militares, letais e não-letais, para compelir um inimigo a submeter-se aos nossos interesses”. Isto representa uma mudança, tanto na guerra em si, quanto no modelo de guerra provocado por essa transformação. Estarão os chineses já explorando este novo tipo de arma cibernética? Será por acaso que, nos últimos anos, têm-se multiplicado os casos de ciberataques com fortes indícios de serem originados na China? 3.2.1 Guerras Assimétricas no Mundo As guerras assimétricas no mundo atual, em sua maioria, ou são decorrentes da reação dos EUA diante do atentado de 11 de setembro, ou são antigas guerras de guerrilha com décadas de duração. Com o fim da Guerra Fria, que definitivamente não era um conflito assimétrico, o ambiente global de segurança estratégica mudou dramaticamente e o equilíbrio de forças pelo mundo deu lugar a um ambiente dinâmico de novas ameaças, repleto de adversários irregulares combatendo em guerras de estilo assimétrico. A Guerra ao Terror levou à ocupação de países considerados como patrocinadores do terrorismo transnacional, como o Afeganistão, invadido em 2001, e o Iraque, invadido em 2004. Uma rápida análise dos conflitos demonstra que a enorme disparidade de forças entre os inimigos (EUA e Aliados X Afeganistão; e EUA e aliados X Iraque) vem sendo compensada pelo 19 lado mais fraco com o amplo emprego de meios já citados anteriormente, tais como o terrorismo (carros-bomba, homens-bomba, etc), a sabotagem de meios de infraestrutura e de produção econômica, os sequestros, os assassinatos, dentre outros. Como reflexo das ocupações militares por parte da superpotência e aliados – leia-se OTAN -, tem-se a instalação de um novo governo, forçadamente democrático, à moda ocidental. Logicamente, tanto no Afeganistão, quanto no Iraque invadidos, aparecem forças insurgentes contra a nova ordem estabelecida, as quais têm mantido o caráter assimétrico da luta, sob o enfoque da guerra de resistência. Resistência para uns, terrorismo para outros! Os vultosos gastos das ocupações militares dos EUA têm sido, em média, de 16 milhões de dólares por mês3, com um orçamento total na casa dos trilhões de dólares, o que afeta negativamente até mesmo a maior economia do planeta. Manter a resistência “heroica”, provocando um custo financeiro - e em vidas humanas – tão grande que seja inviável economicamente a permanência na guerra, é um dos principais objetivos estratégicos do lado mais fraco. O Brasil, atualmente, não é palco de lutas internas ou externas, porém, existem países onde as guerrilhas e outros movimentos revolucionários que utilizam a luta armada de característica assimétrica, inclusive o terrorismo, ainda estão ativos4, a saber: - Colômbia; - Peru; - Porto Rico; - México; - Espanha; - França; 3 Disponível em: http://www.terra.com.br/revistaplaneta/edicoes/427/artigo77136-1.htm 4 Disponível em: http://es.wikipedia.org/wiki/Anexo:Movimientos_guerrilleros 20 - Filipinas; - Turquia; - Palestina; - Angola; - Etiópia; - Chade; - África do Sul; - Sudão; e - Zâmbia, dentre outros. 3.2.2 Guerras Assimétricas com Reflexos no Brasil O Brasil convive há muitas décadas em harmonia com todos os seus vizinhos e não existem fatores visíveis que possam modificar esse cenário em curto ou médio prazo. Um eventual conflito militar entre o Brasil e qualquer um dos países do entorno regional é improvável e, caso ocorresse, poderia vir, sim, a ser considerado um conflito assimétrico, em virtude do poderio militar superior pelo lado brasileiro. Contudo, existem conflitos de longa duração em andamento nos países vizinhos com potencial para causar problemas para o Brasil e seus interesses. É o caso das guerrilhas na Colômbia e no Peru. Além disso, a Guerra ao Terror também se faz sentir no subcontinente sul-americano, por meio da permanente pressão externa no sentido do acompanhamento de estrangeiros que circulam pelo país; pela existência de comunidades estrangeiras de interesse, inclusive em regiões de fronteira; e pela ocorrência de grandes eventos internacionais no Brasil, com grande afluxo de pessoas, dentre outros motivos. 3.2.2.1 Colômbia X FARC-EP Ao norte, no chamado Arco Amazônico, a Colômbia sofre, há décadas, os efeitos de uma guerra de guerrilha patrocinada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) e pelo Exército de 21 Libertação Nacional (ELN), grupos de nacionais colombianos que têm por objetivo a derrubada do regime atual e sua substituição por um regime comunista. Dentre esses dois movimentos, as FARC-EP, maior grupo paramilitar da América do Sul, que conta com milhares de integrantes em várias “Frentes”, são de longe o mais poderoso e influente adversário do Estado colombiano. As FARC-EP praticam a extorsão e o sequestro indiscriminado de pessoas e o tráfico de drogas como forma de financiamento de suas atividades, normalmente emoldurados por extrema violência contra as forças policiais e militares. Atos tipicamente terroristas são frequentemente perpetrados com finalidade política, como por exemplo, a recente explosão de uma bomba junto ao veículo do ex-ministro do interior colombiano Fernando Londoño, em 15 de maio do corrente ano5 (figura ao lado). Atualmente, o Governo de Juan Manuel Santos vem mantendo forte pressão militar sobre as FARC-EP, tendo o objetivo estratégico de negociar a transformação do movimento em um partido político. Dentre as medidas adotadas pelo governo colombiano está a negociação de libertação de reféns e as ações militares para capturar ou eliminar os principais líderes guerrilheiros. A operação realizada pelas forças armadas da Colômbia, em 2008, em território equatoriano que levou à morte de Luis Edgar Devia Silva6, o “Raúl Reyes”, segundo homem na hierarquia 5 Imagem disponível em http://www.meionorte.com/noticias/internacional/numero-de-mortosem-atentado-na-capital-da-colombia-chega-a-5-166360.html 6 Foto disponível em http://www.latinamericanstudies.org/raul-reyes-2.htm 22 das FARC-EP, provocou uma grave crise diplomática envolvendo Colômbia, Equador e Venezuela. As FARC-EP possuem estruturas voltadas para a busca de apoio e articulação internacionais. Representantes participam de eventos políticos em toda a América do Sul, inclusive no Brasil. É o caso, por exemplo, de Francisco Antonio Cadena Collazos, conhecido no Brasil como “Padre Olivério Medina”, que é membro do Secretariado Internacional das FARC, tendo sido seu representante no Brasil durante anos. Frentes guerrilheiras das FARC-EP também circulam dentro dos territórios de países vizinhos, por vezes permanecendo acampadas em áreas inóspitas sem serem importunadas. Os exemplos mais recentes são as crises surgidas entre o governo colombiano e a Venezuela, por um lado, e do mesmo governo colombiano com o Equador, na fronteira sul. No caso da crise com a Venezuela, o então presidente colombiano Álvaro Uribe acusou aquele país de dar abrigo a guerrilheiros da FARC. A postura brasileira diante da questão interna colombiana é de neutralidade, sendo que o Brasil não considera os movimentos guerrilheiros como entidades terroristas (os EUA mantém as FARC-EP e o ELN como grupos terroristas em sua “lista negra”). Contudo, as forças armadas brasileiras mantém cerrado acompanhamento dos grupos guerrilheiros que circulam na fronteira entre os dois países. Segundo as forças armadas brasileiras, a ameaça representada pelas FARC-EP não indica, atualmente, a possibilidade de ataques terroristas no território brasileiro. 3.2.2.2 Peru X Sendero Luminoso O Sendero Luminoso (SL), de ideologia marxista-leninista-maoísta, foi fundado em 1978 por Abimael Guzman, o “Presidente Gonzalo”, para a conquista do poder no Peru através da luta armada. De 1980 a 2000, provocou a morte de cerca de 70.000 (setenta mil) pessoas. Com a prisão de Gonzalo, em 1992, o movimento se desarticulou bastante, até quase ser extinto. A partir dos anos 2000, o SL readquiriu força sob o novo formato de narcoguerrilha, em decorrência do aumento da produção de cocaína no Peru. 23 Nesse mesmo ano, O Peru ultrapassou a Colômbia no “ranking” dos maiores produtores mundiais da folha de coca7. Fortemente pressionado pelo Exército peruano nos últimos tempos, o SL atualmente conta com algumas centenas de guerrilheiros atuando na área rural nas encostas dos Andes, em regiões de grande produção de coca em Huallaga, no Nordeste, e em Apurímac-Ene, no Sudeste. Quanto aos riscos para o Brasil, pode-se concluir que os objetivos e a atuação terrorista do SL estão praticamente restritos ao território peruano. Os guerrilheiros, eventualmente, podem ultrapassar o território brasileiro para adquirir medicamentos e comida nas cidades lindeiras. A droga produzida no Peru, sob a proteção do SL, destina-se principalmente ao mercado norte-americano e europeu. Porém, especialistas no assunto alertam que o Brasil tem se tornado importante rota de tráfico de drogas para a Europa. 3.2.2.3 A Guerra ao Terror e o Brasil O Brasil, por sua crescente visibilidade no cenário político internacional, possui alguns dos ingredientes para vir a se tornar palco de atos terroristas em virtude de guerras assimétricas. Os grandes eventos, as infraestruturas criticas como alvos potenciais, a presença de comunidades estrangeiras, o fluxo de turistas estrangeiros e as extensas fronteiras terrestres e marítimas são alguns dos fatores de risco que servem como alerta para as autoridades se preocuparem seriamente com o fenômeno. O país, como de resto a maioria das nações do mundo, foi instado a se manifestar solidário diante do atentado de 11 de setembro, mesmo porque três brasileiros estavam entre as vítimas da tragédia. A partir daquela data, a atenção das forças de segurança internacionais passou a ser direcionada para 7 O Peru tornou-se o maior produtor mundial de folha de coca, em 2009, com 119 mil toneladas métricas, ultrapassando a Colômbia, que registrou 103 mil toneladas, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) Disponível em http://www.unodc.org/documents/data-andanalysis/WDR2010/Informe_Mundial_sobre_las_Drogas_2010.pdf 24 as comunidades islâmicas espalhadas pelo mundo que pudessem abrigar terroristas e simpatizantes. O Brasil atendeu prontamente às demandas, de maneira efetiva e afirmativa, somando-se aos esforços da comunidade internacional de combate aos terroristas que perpetraram o atentado. Com o tempo, surgiram novas pressões no sentido da adoção de medidas de acompanhamento cerrado das comunidades estrangeiras existentes no território nacional. Na atualidade, não há como negar que é pouco provável que organizações terroristas queiram realizar atentados no Brasil, em função do não alinhamento e da tradicional postura brasileira de defesa do multilateralismo e da autodeterminação dos povos. Tal condição, longe de oferecer tranquilidade, deve servir de alerta para a necessidade de manter um acompanhamento ainda mais cerrado do fenômeno, pois qualquer tipo de acomodação ou letargia pode ser fatal. 3.3 O TERRORISMO 3.3.1 O Terrorismo ao Longo da História As raízes históricas do terrorismo estão fincadas na Antiguidade. Há cerca de 2.500 anos, na imortalizada obra “A Arte da Guerra”, Sun Tzu apontava a essência do terrorismo: “Mate um; amedronte dez mil”. Dentre as primeiras referências históricas, vale citar duas organizações religiosas: os fanáticos Vicarai e os Assassinos. O primeiro grupo, que existiu à época de Jesus Cristo, opunha-se à ocupação da Palestina pelo Império Romano e assassinava romanos e judeus colaboracionistas. Os Assassinos, ou Smailis-Nizaris, agiram no período entre 1090 e 1275 e tinham como meta a divulgação do “islamismo puro” tal qual os extremistas islâmicos de hoje. O vocábulo “terrorismo” surgiu para designar o período da Revolução Francesa, conhecido como “Reino do Terror” (1793-1794), quando os líderes revolucionários, tendo à frente Robespierre, sentenciaram cerca de 17.000 (dezessete mil) pessoas à morte pela guilhotina. Os jacobinos, facção mais 25 radical daquela revolução, foram os primeiros a utilizar o chamado “Terrorismo de Estado”. No século XX, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) tornou-se a principal provedora de organizações extremistas, como as Brigadas Vermelhas, na Itália; a Facção do Exército Vermelho, na Alemanha; o Movimento da Esquerda Revolucionária, no Chile; e o Congresso Nacional Africano, na África do Sul, dentre muitos outros. Após a Segunda Guerra Mundial, a expansão do terrorismo foi impressionante. As guerras de independência na África e na Ásia foram palcos do uso e aperfeiçoamento de técnicas e táticas terroristas. Na Argélia e no Quênia, o terrorismo tornou-se estratégia principal na luta de libertação. Na Europa, o Exército Republicano Irlandês (IRA) vitimou um número considerável de civis inocentes na luta contra a ocupação britânica da Irlanda do Norte. Na década de 70 do século passado, organizações palestinas que lutavam contra a ocupação israelense, passaram a usar o terror fora do ambiente geográfico do Oriente Médio, atuando agressivamente em território e espaço aéreo europeu. Era a internacionalização do terrorismo. O ataque terrorista do Grupo Setembro Negro contra integrantes da delegação de atletas judeus, na Olimpíada de Munique em 1972, na Alemanha, já referenciado no capítulo inicial, foi um ato ousado que transformou a concepção das ações terroristas em uma forma de pressão psicológica e emocional nunca antes experimentada. Esses grupos passaram a “exportar” suas técnicas para militantes de outras facções extremistas do mundo inteiro, que se internavam em campos de treinamento na Palestina e em outros locais do mundo árabe, para adquirirem experiência. A década de 80 foi marcada pelo surgimento do terrorismo de inspiração religiosa. Influenciados pela Revolução Islâmica no Irã, grupos como o Hezbollah (“Partido de Deus”) e o Hamas fizeram uso intensivo de ataques terroristas contra cidadãos israelenses, incorporando um novo elemento nesse conflito, o terrorista suicida. No mundo pós-Guerra Fria, conflitos étnico-religiosos, instabilidades regionais, insurgências e guerras civis tornaram-se um campo de experimento 26 apropriado para grupos terroristas de todos os matizes. O ódio decorrente da assimetria social entre os povos vem sendo explorado pelos extremistas, em particular os islâmicos, como consequência da aversão ao chamado “imperialismo ocidental”. Um evento marcante da evolução do novo terrorismo transnacional foi o surgimento da Al-Qaeda (“A Base”). Fundada por Osama Bin Laden, a AlQaeda difere dos demais grupos terroristas por conceber uma guerra global contra o Ocidente, particularmente, os Estados Unidos da América (EUA) e seus aliados europeus. Os ataques terroristas da Al-Qaeda em cidades como Nova Yorque (2001), Madri (2004) e Londres (2005) resultaram em milhares de mortos e definitivamente marcaram um ponto de inflexão na guerra contra o terror. Os ataques da Al-Qaeda trouxeram um componente extremamente perigoso e letal: a possibilidade de ataques pelo mundo afora, perpetrados por organizações inspiradas na Al-Qaeda, muitas das quais com pouco ou nenhum vínculo com os principais líderes. Liderado pelos EUA, o Ocidente logrou sufocar as bases da Al-Qaeda no Afeganistão, ao mesmo tempo em que apertou o cerco às fontes de financiamento dos terroristas ao redor do mundo. A morte de Osama Bin Laden (foto ao lado) em seu esconderijo no Afeganistão foi um duro golpe na AlQaeda, porém está longe de significar o último capítulo, ou melhor, a última batalha da Guerra ao Terror. Quem assumirá a liderança? O Departamento de Estado dos EUA (DoS/EUA) mantém uma lista de organizações consideradas terroristas (“List of Designated Foreign Terrorist Organizations”), as quais sofrem forte pressão diplomática, financeira e, muitas vezes, militar. O anexo A contém a relação dessas organizações. 3.3.2 O Terrorismo na Tríplice Fronteira A América do Sul é uma região do planeta que tem se mantido relativamente à margem dos eventos terroristas desde o “11 de setembro”. 27 Contudo, em um passado não tão distante, o subcontinente foi palco de atentados que causaram - e ainda provocam - preocupação por parte das autoridades e instituições regionais e internacionais encarregadas de combater as suas causas e efeitos. É o caso dos ataques ocorridos na Argentina em 1992 e 1994, de origem no fundamentalismo islâmico, e dos atos criminosos violentos praticados, ainda hoje, pelas guerrilhas colombiana e peruana. Considerando que os casos colombiano e peruano já foram identificados anteriormente, passaremos a estudar o terrorismo de origem fundamentalista islâmico. 3.3.2.1 O Fundamentalismo Islâmico na América do Sul No caso dos atentados na Argentina, que interessa mais de perto ao Brasil pelos efeitos que causou para o país durante o processo de identificação dos culpados, tratou-se do terrorismo de caráter transnacional, de cunho fundamentalista islâmico, contra alvos judeus. Naquela oportunidade, as investigações levantaram forte suspeita sobre a participação do Hezbollah, com apoio de iranianos e conexões com a comunidade islâmica que habita a Tríplice Fronteira (TF) entre Brasil – Argentina – Paraguai. A destruição causou 85 (oitenta e cinco) mortos e mais de 300 (trezentos) feridos8. Em resposta aquela situação de crise, foram tomadas iniciativas no sentido de esclarecer a situação na TF, particularmente com relação a melhor compreensão da natureza da comunidade estrangeira local – origens, efetivos, ocupação, atividades, etc. Para alguns especialistas, aquele momento foi um ponto de inflexão no processo de envolvimento do Estado brasileiro no problema do terrorismo 8 Foto disponível em http://www.porisrael.com/porisrael/ 28 internacional. Desde então, os norte-americanos têm pressionado no sentido de um acompanhamento cerrado sobre as atividades da comunidade islâmica que vive naquela área. A região da Tríplice Fronteira é formada pelas cidades de Foz do Iguaçu (Brasil), Ciudad Del Este (Paraguai) e Puerto Iguazu (Argentina), que juntas somam uma população de mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes. As cidades se localizam junto à confluência dos rios Paraná e Iguaçu. A imigração árabe no Brasil tem mais de um século de história. No fim do século XIX desembarcaram no Brasil os primeiros árabes e, no início do século XX, esse fluxo migratório cresceu e passou a se tornar importante para o desenvolvimento socioeconômico do País. Aproximadamente 15 milhões de brasileiros possuem ascendência árabe, a maioria - cerca de 7 milhões - de origem libanesa. Em fins do século XIX, os árabes cristãos, em sua maioria partindo da Síria e do Líbano, passaram a se espalhar pelo mundo e os principais destinos foram a América do Norte e a América do Sul, particularmente, o Brasil. A Guerra Civil no Líbano, entre os anos de 1975 e 1990, formou uma nova corrente migratória em direção ao Brasil, desta feita incluindo um número considerável de árabes muçulmanos. Os árabes foram atraídos para Foz do Iguaçu, na região da TF, principalmente, pelo potencial da atividade comercial, uma vez que a cidade passou a receber um forte fluxo de trabalhadores para a construção da Hidrelétrica de Itaipu, nos anos 80. Atualmente, a cidade possui a segunda maior concentração da comunidade árabe no Brasil e, ao contrário de outras cidades brasileiras, 90% são islâmicos (sunitas e xiitas). Ao longo das últimas décadas, a TF se tornou um importante polo regional de comércio – legal e ilegal -, criando as condições para a ocorrência de uma grande variedade de modalidades criminosas, tais como o tráfico de drogas e armas; o contrabando e o descaminho; além da lavagem de dinheiro e a corrupção. Desde os atentados na Argentina, o DoS/EUA vêm emitindo relatórios periódicos alertando acerca da presença de atividades relacionadas com o 29 terrorismo internacional da região da TF. Em 1999, os EUA alertavam que a Colômbia, o Peru e a região da Tríplice Fronteira experimentavam atividades terroristas e que esta última era um ponto focal para o extremismo islâmico. Em 2000, o DoS/EUA citava que a região era vista com preocupação pelas autoridades dos EUA, pois os escassos recursos aplicados na área, as fronteiras porosas e a corrupção eram obstáculos para a atuação e controle dos agentes estatais dos respectivos países. Após o 11 de setembro de 2001, houve um aumento do interesse sobre a potencial atividade do terrorismo internacional na região. Renovou-se o interesse pelo Hezbollah9 e Hamas10, que estariam levantando milhões de dólares, anualmente, por meio de atividades criminosas. A pressão sobre a TF passou a fazer parte da estratégia dos EUA de envolver todos os países na sua cruzada internacional contra o terror. Em 2002, como forma de aliviar a pressão e demonstrar o espírito de cooperação no acompanhamento de atividades suspeitas, os países fronteiriços convidaram os EUA para integrar a Comissão Tripartite da Tríplice Fronteira – “Comissão 3+1” - formada pelo Brasil, Argentina, Paraguai e, doravante, os EUA. Estabelecido em dezembro daquele ano, o fórum até hoje reúne autoridades da Coordenação Geral de Luta contra a Delinquência Transacional, do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, da Representação Especial para Assuntos de Terrorismo e Delitos Conexos, da Chancelaria Argentina, da Direção de Temas Especiais do Paraguai e do Gabinete de Contraterrorismo do Departamento de Estado dos EUA. Naquela oportunidade, a iniciativa foi entendida pelos EUA como um exemplo de associação para o combate às atividades terroristas. Desde então, os EUA mantém o aporte de recursos econômicos aos três países, que são 9 O Hezbollah teve o seu nascimento formal em 1982, tendo sido criado por um grupo de clérigos xiitas com o objetivo de expulsar as forças armadas israelenses do sul do Líbano e de estabelecer um estado islâmico no país, nos moldes do estado islâmico criado no Irã. 10 O Hamas foi criado em 1987 pelos Xeques Ahmed Yassin, Abdel Aziz al-Rantissi e Mohammad Sham’ah, entre outros integrantes da Irmandade Islâmica, no dia seguinte à eclosão da primeira Intifada. O grupo é notório pelos seus ataques suicidas e outros ataques sobre civis e as forças armadas israelenses. A Carta Fundamental do Hamas exorta a recaptura do Estado de Israel. A organização mantém hospitais, escolas, bibliotecas e outros serviços na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. 30 empregados em treinamentos de agentes e no aperfeiçoamento do controle da fronteira e dos fluxos financeiros locais. Atualmente, a postura do governo norte-americano é a de elogiar as ações desenvolvidas pela “Comissão 3+1” na luta contra a criminalidade transfronteiriça, no combate à lavagem de dinheiro e no controle de potenciais atividades terroristas na região. Isso apesar de alertar sobre a presença de representantes do Hezbollah e do Hamas em atividades ilícitas no local, principalmente sob a forma de financiamento de atividades terroristas. Apesar do potencial de crise latente na TF, fortemente aumentado após os ataques terroristas na Argentina em 1992 e 1994, até hoje não há registro da presença de células terroristas naquela região. No entanto, há um potencial considerável para o surgimento de crises, pela ocorrência de uma grande quantidade de crimes transfronteiriços, que poderiam acobertar atividades ilícitas ligadas ao terrorismo internacional, desde o seu financiamento até o refúgio de suspeitos. 31 4 O BRASIL DIANTE DO TERRORISMO 4.1 POLÍTICA E ESTRATÉGIAS NACIONAIS O Brasil tem, historicamente, adotado uma postura de apoio ao multilateralismo e à defesa intransigente da autodeterminação dos povos, o que é permanentemente demonstrado pela Diplomacia nacional em todos os foros internacionais. Esse posicionamento político tem contribuído para o país se manter longe da ocorrência de atentados terroristas. Após o 11 de setembro, dada a comoção advinda daquele evento, o Brasil teve que aderir ao esforço mundial para dar uma resposta firme aos executores do atentado. Em atenção às medidas propostas pela ONU, e como forma de somar-se aos esforços dos EUA para combater as organizações terroristas, o Brasil elevou o grau de comprometimento com o combate ao terrorismo transnacional, pela adoção de medidas que, de maneira geral, também foram tomadas por grande parte da comunidade internacional. Com isso, mesmo que sem intenção, o país passou a envolver-se em maior grau com o tema, automaticamente aumentando o risco de ter seus interesses – território, pessoas, estruturas – atingidos. A percepção da opinião pública nacional sobre o terrorismo é a de que é muito pouco provável a ocorrência de atentados no Brasil. Contudo, os especialistas no assunto identificam a existência de riscos que, ainda que remotos, indicam a necessidade de enfrentamento do fenômeno com medidas de contraterrorismo. Vale citar: - o Brasil como local de homizio de terroristas; - o Brasil como local de recrutamento de terroristas; - o Brasil como local de planejamento de atos terroristas; - o Brasil como local de financiamento ao terrorismo; - o Brasil como palco de atentados; e - o Brasil (ou brasileiros) como alvo de atentados. 4.1.1 Mecanismos e Instrumentos Legais 4.1.1.1 Legislação Nacional 32 A Constituição Federal brasileira trata especificamente do assunto terrorismo, ainda que de maneira sucinta. Mais que simples citação, observa-se que o legislador constituinte quis destacar o fenômeno dentre os demais. Verifica-se a preocupação em identificar que o cometimento de atos de terrorismo viola princípios como o da dignidade da pessoa humana, da prevalência dos direitos humanos e da solução pacífica dos conflitos: Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana. Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] II – prevalência dos direitos humanos. A primeira referência direta ao terrorismo consta no art. 4º, que aborda os princípios relativos à comunidade internacional, isto é, que regem o Brasil em suas relações internacionais, determinando o comportamento do Brasil como pessoa jurídica de Direito Internacional: Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo”. A segunda referência direta consta no art. 5º, que trata dos direitos e das garantias fundamentais, determinando que o terrorismo seja equiparado a crime hediondo, e que por isso seja inafiançável e insuscetível de graça ou anistia: Art. 5º. [...]: XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. Além desses artigos, claros e objetivos, a Carta Magna estatui ainda tratar-se de crime inafiançável e também imprescritível, a “ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático” (Art. 5º, XLIV). A negação ao terrorismo, indiretamente, também se apresenta na vedação de associação de caráter paramilitar (art. 5º, XVII – é plena a 33 liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar), ou ainda de sua utilização por partidos políticos (art. 17, § 4º - é vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar). A Lei 10.744, de 2003, dispõe sobre a responsabilidade de pessoas no caso de atentados terroristas contra aeronaves brasileiras. O Supremo Tribunal Federal (STF), por intermédio do Ministro Celso de Mello, em 2004, assim manifestou-se sobre o terrorismo: "Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente Constituição da República, não se subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para efeito de repressão interna, como crime equiparável aos delitos hediondos, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico impregnado de máximo rigor, tornando-o inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão ordinária dos crimes meramente comuns (CF, art. 5º, XLIII)”. Cabe citar que está em tramitação no Congresso Nacional o anteprojeto de lei do novo Código Penal11, que deverá contemplar a tipificação do crime de terrorismo12. 4.1.1.2 Legislação, Convenções e Mecanismos Internacionais Quanto às convenções internacionais, o Brasil endossa o que prescreve as resoluções abaixo, da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança da ONU: - Resolução 2.625, de 1970 - estipula que “todos os estados têm o dever de não organizar ou encorajar atos de guerra civil e terrorismo em territórios de 11 O Anexo B contém o texto do Anteprojeto do Novo Código Penal - “Tipificação do Crime de Terrorismo”, enviado ao Congresso Nacional recentemente. 12 A Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170, de 14 de dezembro de 1083), em seu artigo 20º, prevê a punição para os crimes de terrorismo (reclusão de 3 a 10 anos), mesmo sem definir o que constitui tais atos. 34 outros Estado ou de tolerar em seu próprio território atividades organizadas com vistas a perpetrar tais atos”. - Resolução 1373, de 2001 - (..) todos os Estados devem: (...) - tomar as medidas necessárias para prevenir o cometimento de atos terroristas (...) - impedir a movimentação de terroristas ou grupos terroristas, mediante o efetivo controle de fronteiras e o controle da emissão de documentos de identidade e de viagem (...) A resolução 1373 é executada no Brasil sob a norma estabelecida pelo Decreto 3.976, de 18 de outubro de 2001. A Polícia Federal é o órgão encarregado de realizar as operações de inteligência policial e repressivas em cooperação com os países associados. O Brasil aderiu e ratificou os 16 (dezesseis) instrumentos legais da ONU de combate ao terrorismo13, a saber: - 1963 – Convênio sobre infrações e atos cometidos dentro de aeronaves; - 1971 – Convênio para a repressão ao apoderamento ilícito de aeronave; - 1971 – Convênio para a repressão de atos ilícitos contra a segurança da aviação civil; - 1973 - Convênio sobre a prevenção e punição de delitos contra as pessoas internacionalmente protegidas; - 1979 – Convenção contra a tomada de reféns; - 1987 – Convenção sobre a proteção dos materiais nucleares; - 1989 – Convenção para a repressão de atos de violência em aeroportos; - 1988 – Convenção para a repressão de atos ilícitos contra a segurança da navegação marítima; 13 Consulta à página eletrônica http://www.un.org/es/sc/ctc/laws.html 35 - 1988 – Protocolo para repressão de atos ilícitos contra a segurança de plataformas fixas na plataforma continental marítima; - 1991 – Convênio sobre a marcação de explosivos plásticos; - 1997 – Convênio para a repressão de atentados terroristas cometidos com bombas; - 1999 - Convenção para a repressão do financiamento do terrorismo; - 2005 - Convenção para a repressão dos atos de terrorismo nuclear; - 2005 – Protocolo adicional ao protocolo para repressão de atos ilícitos contra a segurança de plataformas fixas na plataforma continental marítima; - 2005 – Protocolo adicional à convenção para a repressão de atos ilícitos contra a segurança da navegação marítima; e - 2005 – emendas sobre a proteção física dos materiais nucleares. Em âmbito regional, o Brasil aderiu à Convenção Interamericana contra o Terrorismo, da Organização dos Estados Americanos (OEA). Quanto aos mecanismos internacionais, o Brasil participa de todos os fóruns internacionais existentes para o qual é convidado, inclusive: - Mecanismo 3 + 1, já citado (Brasil, Argentina, Paraguai e EUA); - Grupo de Trabalho Especializado do Mercosul contra o Terrorismo; - Comando Tripartite; - Força Tarefa contra Crimes Financeiros; - Rede Interamericana Antiterrorismo; e - Comitê Interamericano contra o Terrorismo. 36 4.2 O PODER NACIONAL NO COMBATE AO TERRORISMO 4.2.1 Estruturas de Prevenção e Repressão O Brasil mantém estruturas especializadas em contraterrorismo em condições de responder de forma efetiva às demandas correntes, na situação de normalidade e em eventuais casos de crise, ou durante grandes eventos em que há a necessidade de reforço nas medidas de contraterrorismo. De acordo com legislação brasileira, a missão de prevenir e combater o terrorismo está a cargo do GSI/PR, das Forças Armadas e dos órgãos de Segurança Pública Federal, do Distrito Federal e dos Estados da Federação. A Estratégia Nacional de Defesa também trata do assunto, ao atribuir ao Ministério da Defesa e ao Ministério da Justiça a responsabilidade pela prevenção de atos terroristas e de atentados massivos aos direitos humanos, bem como a condução de operações contraterrorismo. (BRASIL, 2008, p.65) A Política de Defesa Nacional faz a seguinte consideração sobre esta questão: O Brasil considera que o terrorismo internacional constitui risco à paz e à segurança mundiais. Condena enfaticamente suas ações e apoia as resoluções emanadas pela ONU, reconhecendo a necessidade de que as nações trabalhem em conjunto no sentido de prevenir e combater as ameaças terroristas. (BRASIL, 2005, p. 9). Para fazer face à ameaça do terrorismo internacional e atender aos acordos firmados com organismos internacionais, foi criado na Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDEN)14 um Grupo Técnico (GT) de Contraterrorismo, pela Portaria nº 16 CH/GSI, de 11 de maio de 2004, o qual é presidido pelo Ministro-Chefe do GSI/PR. O GT propôs a criação da Autoridade Nacional de Prevenção e Combate ao Terrorismo (ANPCT) com uma estrutura permanentemente ativada junto ao GSI/PR, chefiada por um Secretário e composta por representantes das seguintes entidades: Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Ministério 14 É um órgão do Conselho de Governo que tem como missão formular políticas públicas e diretrizes, aprovar, promover a articulação e acompanhar programas e ações a serem implantados em matérias relacionadas: à cooperação internacional em assuntos de segurança e defesa; ... ao narcotráfico e a outros delitos de configuração internacional; ... e às atividades de inteligência, além do permanente acompanhamento de questões ... com potencial de risco à estabilidade institucional...”. Fonte: http://geopr1.planalto.gov.br/saei/colegiado-e-grupos-detrabalho/creden 37 da Justiça; Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, do Ministério da Justiça; Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, do Ministério da Justiça; Departamento de Inteligência Estratégica, do Ministério da Defesa; Coordenação-Geral de Combate a Ilícitos Transnacionais, do Ministério de Relações Exteriores; Agência Brasileira de Inteligência, do Gabinete de Segurança Institucional; Comando da Marinha; Comando do Exército; Comando da Aeronáutica; e Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda. Além da ANPCT, o GT propôs a criação do Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate ao Terrorismo (GTPCT) e de uma Política Nacional de Prevenção e Combate ao Terrorismo (PNPCT). O decisor político não aprovou a criação da ANPCT, do GTPCT e da PNPCT, no entanto, no dia 9 de junho de 2009, foi criado, pela Portaria nº 22 do Ministro-Chefe do GSI/PR, o Núcleo do Centro de Coordenação das Atividades de Prevenção e Combate ao Terrorismo15, com as seguintes atribuições: - realizar o acompanhamento de assuntos pertinentes ao terrorismo internacional e de ações voltadas para a sua prevenção e neutralização; - promover estudos, reuniões e outras iniciativas destinadas a ampliar o conhecimento estratégico sobre o fenômeno terrorista e crimes conexos, bem como sobre políticas, estratégias, programas e atividades de prevenção e combate ao terrorismo; - participar e receber subsídios para a elaboração da avaliação de risco de ameaça terrorista; - estudar e propor, no âmbito do GSI/PR, subsídios para a CREDEN, do Conselho de Governo, visando à elaboração de políticas, estratégias e programas voltados para a ação integrada dos órgãos governamentais na prevenção e neutralização do terrorismo; e 15 Conforme https://sistema.planalto.gov.br/infracritica/paginas/legislacao/ Portaria196DOU10jun09pag5e6agua.pdf 38 - promover, por intermédio dos seus integrantes, pertencentes aos quadros do Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores e Ministério da Defesa e à disposição do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, a articulação dos órgãos governamentais com interesse na questão. Atualmente, o Núcleo encontra-se inativo. As principais estruturas de prevenção e repressão ao terrorismo são: 4.2.1.1 Ministério das Relações Exteriores (MRE) - Coordenação-Geral de Combate a Ilícitos Transnacionais (COCIT) compete à COCIT propor diretrizes de política externa para a prevenção e combate aos ilícitos transnacionais e coordenar as atividades de cooperação internacional entre os órgãos governamentais brasileiros e seus congêneres estrangeiros nas áreas de prevenção e combate ao crime organizado transnacional, inclusive o tráfico de drogas ilícitas, de armas, de pessoas, especialmente mulheres e crianças, e o contrabando de migrantes; a corrupção, o suborno, a lavagem de dinheiro, o financiamento do terrorismo; o terrorismo internacional; e o crime cibernético16. 4.2.1.2 Departamento de Polícia Federal (DPF) - Serviço Antiterrorismo (SANTER) da Diretoria de Inteligência Policial (DIP) - tem por objetivo prevenir, obstruir, identificar e neutralizar as ações do terror, a partir da busca do dado negado e de operações. Realiza o intercâmbio de informações operacionais com órgãos de inteligência e policiais de vários países, além de operações de inteligência policial voltadas para atuação de extremistas no território nacional. - Comando de Operações Táticas (COT) – tem por missão atuar em missões de contraterrorismo com características especiais, como apoderamento de aeronaves, apreensão de drogas, resgate de reféns, dentre outros. 16 Disponível em; http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/conheca-o-ministerio/subsecretariageral-politica-i/coordenacao-geral-de-combate-a-ilicitos-transnacionais-cocit ) 39 4.2.1.3 Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) - O COAF é a Unidade de Inteligência Financeira do Brasil, órgão responsável por prevenir a utilização do sistema econômico para os crimes de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, promovendo a cooperação e o intercâmbio de informações entre os setores públicos e privados. 4.2.1.4 Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) - Departamento de Contraterrorismo (DCT) – compete ao DCT atividades de prevenção ao terrorismo no território nacional, e a obtenção de informações e produção de conhecimentos sobre tais atividades, mantendo um banco de dados atualizado sobre as OT de interesse. 4.2.1.5 Ministério da Defesa - Subchefia de Inteligência Estratégica (SCIE)/Chefia de Assuntos Estratégicos – gerencia o Sistema de Inteligência de Defesa e obtém dados de interesse das aditâncias militares. - Centro de Inteligência do Exército (CIE), Centro de Inteligência da Marinha (CIM) e Centro de Inteligência da Aeronáutica (CIAer) – órgãos centrais dos sistemas de inteligência das três forças armadas, que produzem conhecimentos específicos, de acordo com os planos internos e as solicitações do SISBIN. - EB - As tropas de Operações Especiais do Exército Brasileiro estão localizadas na Brigada de Operações Especiais (Bda Op Esp), que possui como principais meios para a condução de operações especiais o 1º Batalhão de Forças Especiais, o 1º Batalhão de Ações de Comandos, a 3ª Companhia de Forças Especiais e o Destacamento de Operações Psicológicas. - MB – Os elementos de Operações Especiais da Marinha são os Comandos Anfíbios (COMANF), do Corpo de Fuzileiros Navais, e o Grupamento de Mergulhadores de Combate (GRUMEC), da Armada. 40 - FAB - O Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento (EAS), mais conhecido como PARASAR, é um esquadrão de busca e resgate da Força Aérea Brasileira, sediado na cidade do Rio de Janeiro. O Brasil possui sete equipes SAR, distribuídas por todo o país. 4.2.1.6 Forças Auxiliares das Forças Armadas e Outros Órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) As unidades táticas de operações especiais que existem no Brasil empregam, normalmente, a doutrina norte-americana. O Batalhão de Operações Especial (BOPE), da PMRJ, é o típico exemplo de tropa especializada. Grupos táticos estão estruturados nas policias militares e civis de grande número de estados brasileiros, equipados e instruídos para cumprirem missões especiais que exijam alto grau de risco e adestramento tático no combate às ações terroristas por parte de organizações criminosas. O SISBIN está estruturado em todos os estados brasileiros e possui boa capilaridade. Colaboram com o Sistema os órgãos de inteligência das instituições federais e estaduais de interesse, tais como polícias civis e militares, ANVISA, Receita Federal, etc. 4.2.2 O PN e o Enfrentamento do Terrorismo – Considerações Recordando o que foi apresentado no capítulo introdutório, segundo a doutrina da ESG, PN é “a capacidade que tem o conjunto de Homens e Meios que constituem a Nação para alcançar e manter os Objetivos Nacionais, em conformidade com a Vontade Nacional”. O Brasil tem apresentado, desde os anos noventa, nítida evolução em sua estrutura de contraterrorismo, incluindo as atividades de inteligência, de investigação e a montagem das equipes especializadas no combate aos terroristas em caso de necessidade. Fazendo uma reflexão sobre a própria definição de PN acima, verifica-se que o cerne do problema não está nas estruturas de CT, mas sim na identificação, com clareza, do objetivo de tais aparatos de segurança nacional. Uma questão fundamental que se descortina é “existe uma autoridade constituída para o combate ao terrorismo, capacitada 41 e detentora do poder (nacional) de reunir os meios difusos, coordená-los, orientá-los e empregá-los com efetividade, de maneira a dissuadir ameaças e mitigar efeitos de eventuais atentados?” O Brasil possui todas as infraestruturas necessárias ao enfrentamento do terrorismo em seu território. As instituições diplomáticas, militares, policiais (e afins) e financeiras, respectivamente nas expressões política, militar, psicossocial, e econômica do PN, estão ativadas desde o tempo de paz, diuturnamente, em condições de fazer frente ao desafio que o fenômeno apresenta. Os servidores civis e militares envolvidos na tarefa estão em constante aperfeiçoamento, havendo frequentes intercâmbios, em todos os níveis, com os melhores especialistas dos mais renomados órgãos de combate ao terrorismo do mundo, tanto no que diz respeito às operações de inteligência, quanto às ações repressivas especializadas. O trabalho de acompanhamento (Inteligência) é feito em parceria com órgãos internacionais especializados congêneres de cada uma das instituições. Assim é que, a Polícia Federal se comunica com o FBI/EUA, a Interpol e outras polícias federais do mundo; a ABIN liga-se com a CIA, o MOSSAD, e inúmeros outros órgãos de inteligência (OI) internacionais; as Forças Armadas brasileiras mantém contato permanente com os OI das Forças Armadas de todos os países vizinhos; o COAF está em ligação permanente com outras unidades de inteligência financeira no mundo; e assim por diante. Tal rede de inteligência possibilita um preparo adequado para a antecipação a um possível ataque terrorista. Ocorre que, diante do tipo de conflito atual, verdadeira guerra assimétrica, torna-se muito difícil a antecipação desejada sem que as estruturas de inteligência estejam operando em harmonia, inclusive com doutrina comum. Para isso, o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) deveria funcionar conforme prevê a legislação específica17, o que não ocorre. Trata-se de um desafio não só para a comunidade brasileira de inteligência, 17 O SISBIN foi instituído pela Lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999 e regulamentado pelo decreto 4.376, de 13 de setembro de 2002. 42 como para os dirigentes políticos, que deveriam primeiramente valorizar a atividade. Além disso, a inexistência de uma Política Nacional de Prevenção e Combate ao Terrorismo e de uma Autoridade Nacional que coordene e oriente o seu combate, em particular distribuindo as tarefas e gerando as condições de sinergia necessárias para o pleno aproveitamento do potencial humano existente, são os fatores que contribuem para a sensação de ineficiência no trato das questões relacionadas com o terrorismo. Não é por falta de iniciativa dos grupos de especialistas que lidam especificamente com o assunto, os quais há tempo já identificaram as necessidades e propuseram a adoção de medidas cabíveis. Trata-se de falta de vontade política por parte dos decisores de mais alto nível, no sentido de manter-se o esforço para coordenar as atividades de prevenção e repressão em âmbito nacional. É necessário que seja estabelecida, efetivamente, a Autoridade Nacional de Prevenção e Combate ao Terrorismo para que o Poder Nacional possa ser empregado a partir de um comando único, e para que as inúmeras tarefas e funções tenham definidos seus executores responsáveis. Sem isso, corre-se o risco do retrabalho, da ineficiência operacional e/ou dissuasória, da sobreposição de esforços, da perda de tempo e da consequente perda de foco e de credibilidade. 43 5 CONCLUSÃO A estatura político-estratégica que o Brasil alcançou no concerto das nações impõe, cada vez mais, a adoção de posturas firmes diante de questões internacionais sensíveis e polêmicas, o que pode levar, a qualquer momento, a uma condição de crise com sérios reflexos dentro do território nacional. Ainda que, atualmente, não seja provável a ocorrência de atentados terroristas no país, a existência de condições facilitadoras (inúmeros alvos e extensas fronteiras permeáveis), aliadas à realização de grandes eventos (cimeiras, Copa, Olimpíadas, etc), tendem a elevar o grau de preocupação com a segurança de autoridades, comitivas e do público em geral que acorre ao país, cuja proteção é responsabilidade dos setores do PN voltados para a defesa e segurança nacionais. Ao longo dos últimos meses, buscou-se estudar o tema proposto a partir da ampla gama de fontes de consulta disponíveis, tanto nas bibliotecas, quanto na Internet. Os objetivos do trabalho foram atingidos, principalmente, por meio da identificação: - dos antagonismos com potencial para gerar eventos terroristas; - das estruturas do PN voltadas para o combate ao terrorismo transnacional; e - das medidas a serem adotadas para o aperfeiçoamento do sistema, traduzidas nas iniciativas que se contraponham aos principais óbices, conforme abaixo: - a formulação de uma Política Nacional de Prevenção e Combate ao Terrorismo; - a criação da Autoridade Nacional de Prevenção e Combate ao Terrorismo; - o desenvolvimento pleno do SISBIN; e - o fomento da integração entre os órgãos de combate ao terrorismo, dentre outros. Quanto à hipótese formulada, “as estruturas do Poder Nacional voltadas para o enfrentamento do Terrorismo, em particular aquele advindo de guerras 44 assimétricas, são parcialmente adequadas à realidade atual, exigindo aperfeiçoamentos no que diz respeito à legislação específica, bem como à aplicação coordenada das medidas de prevenção e repressão”, verifica-se que realmente se faz necessária a criação de um órgão central, sob comando único, que tenha a delegação de competência e o preparo político-estratégico para coordenar os esforços de combate ao terrorismo. Quanto aos antagonismos assimétricos com potencial de gerar eventos terroristas com reflexos no Brasil, e que devem ser permanentemente acompanhados e avaliados, cabe relembrar: - a “guerra de guerrilha” que assola o território da Colômbia, com potenciais reflexos, ainda que de baixo impacto, na fronteira com o Brasil; - em menor grau, as atividades do Sendero Luminoso no Peru, com características semelhantes as da guerrilha colombiana; e - os reflexos mundiais da Guerra ao Terror dos EUA, que repercutem inclusive no Brasil e, atualmente, demandam a maior parcela dos esforços de contraterrorismo. A primeira linha de defesa contra o terrorismo é a proporcionada pela Inteligência, sem a qual as medidas de combate serão meramente reativas e apenas no sentido de diminuir os danos causados. O SISBIN, coordenado pela ABIN, tem um papel importantíssimo na produção e difusão oportuna de conhecimentos, para que o princípio da oportunidade possa ser atendido e permita a ação direta e eficiente sobre os atores que planejem realizar terrorismo no país. Contudo, o sistema está longe de ser o ideal, havendo problemas de falta de sincronismo, de falta de doutrina comum, de carência de ligações e comunicações, dentre outros. Há que se estruturar efetivamente o SISBIN como forma de proporcionar a necessária antecipação aos eventos terroristas. Ainda, devem ser eliminadas as frequentes disputas políticas entre as instituições, traduzidas pela busca de primazia do comando das operações, pelo monopólio da obtenção e difusão de dados de inteligência, e pelos conflitos advindos da disputa por recursos e vantagens. Nessas condições, a 45 cisão tende a levar ao fracasso, o que, em caso de atentados terroristas, significa graves prejuízos para a Nação. Grande parte da responsabilidade pela falta de coordenação deve-se, em última análise, à falta de definição acerca do que vem a ser o terrorismo. A própria ONU esquiva-se de defini-lo e, ao não fazê-lo, gera a insegurança jurídica que se espalha por todo o mundo. No caso brasileiro em particular, a atuação de movimentos sociais, cuja forma de reivindicar por vezes envolve o uso da violência com traços de terrorismo, tem inibido o avanço no sentido de obter uma definição. Com novidade positiva, cabe citar a recente apresentação ao Congresso Nacional do anteprojeto do novo Código Penal, o qual contempla a tipificação do crime de terrorismo. Caso seja aprovado, trata-se de um marco importante para o desencadeamento de medidas definidoras dos papéis a serem desempenhados pelos diversos atores partícipes dos processos de combate ao fenômeno, inclusive encaminhando a definição de seu ordenamento jurídico e o estabelecimento de uma estrutura mais adequada. Por fim, pode-se concluir que a intensidade da resposta dada pelo Brasil diante do fenômeno do terrorismo transnacional na atualidade está em consonância com a tradicional postura de não intervenção da diplomacia brasileira e de respeito ao princípio da autodeterminação dos povos. As estruturas existentes permanecem preparadas para, na medida do aumento das necessidades e dispondo dos instrumentos adequados, inclusive os que estão por vir, oferecerem respostas cada vez mais adequadas e que assegurem a manutenção da soberania e da segurança nacionais. 46 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988: atualizada até a Emenda Constitucional nº 67, de 2 dez. 2010. Brasília, DF, 2010a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 20 abr. 2012. ______. Decreto nº 5.484, de 30 de junho de 2005. Aprova a Política de Defesa Nacional, e dá outras providências. 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Elaborada pelo Departamento de Estado dos EUA em janeiro de 2012, a “List of Designated Foreign Terrorist Organizations” mais atualizada é a que contém as 51 (cinquenta e uma) organizações abaixo: - Abdallah Azzam Brigades (AAB); - Abu Nidal Organization (ANO); - Abu Sayyaf Group (ASG); - Al-Aqsa Martyrs Brigade (AAMS); - Al-Shabaab; - Ansar al-Islam (AAI); - Asbat al-Ansar; - Aum Shinrikyo (AUM); - Basque Fatherland and Liberty (ETA); - Communist Party of the Philippines/New People's Army (CPP/NPA); - Continuity Irish Republican Army (CIRA); - Gama’a al-Islamiyya (Islamic Group); - HAMAS (Islamic Resistance Movement) - Harakat ul-Jihad-i-Islami/Bangladesh (HUJI-B); - Harakat ul-Mujahidin (HUM); - Hizballah (Party of God); - Islamic Jihad Union (IJU); - Islamic Movement of Uzbekistan (IMU); - Jaish-e-Mohammed (JEM) (Army of Mohammed); - Jemaah Islamiya organization (JI); - Jemmah Anshorut Tauhid (JAT); - Kahane Chai (Kach); - Kata'ib Hizballah (KH); - Kongra-Gel (KGK, formerly Kurdistan Workers' Party, PKK, KADEK); 50 - Lashkar-e Tayyiba (LT) (Army of the Righteous); - Lashkar i Jhangvi (LJ); - Liberation Tigers of Tamil Eelam (LTTE); - Libyan Islamic Fighting Group (LIFG); - Moroccan Islamic Combatant Group (GICM); - Mujahedin-e Khalq Organization (MEK); - National Liberation Army (ELN); - Palestine Liberation Front (PLF); - Palestinian Islamic Jihad (PIJ); - Popular Front for the Liberation of Palestine (PFLP); - PFLP-General Command (PFLP-GC); - Al-Qaida in Iraq (AQI); - Al-Qaida (AQ); - Al-Qa'ida in the Arabian Peninsula (AQAP); - Al-Qaida in the Islamic Maghreb (formerly GSPC); - Real IRA (RIRA); - Revolutionary Armed Forces of Colombia (FARC); - Revolutionary Organization 17 November (17N); - Revolutionary People’s Liberation Party/Front (DHKP/C); - Revolutionary Struggle (RS); - Shining Path (Sendero Luminoso, SL); - United Self-Defense Forces of Colombia (AUC); - Harakat-ul Jihad Islami (HUJI); - Tehrik-e Taliban Pakistan (TTP); - Jundallah; - Army of Islam (AOI); e - Indian Mujahideen (IM). 51 ANEXO B - TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE TERRORISMO SEGUNDO O ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO PENAL TÍTULO VIII CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA Capítulo I Do crime de terrorismo Art. 239. Causar terror na população mediante as condutas descritas nos parágrafos deste artigo, quando: I – tiverem por fim forçar autoridades públicas, nacionais ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe; II – tiverem por fim obter recursos para a manutenção de organizações políticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; ou III – forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia, religião, nacionalidade,sexo, identidade ou orientação sexual, ou por razões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas. § 1º Sequestrar ou manter alguém em cárcere privado; § 2º Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; § 3º Incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer bem público ou privado; § 4º Interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática e bancos de dados; ou § 5º Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ameaça ou violência a pessoas, do controle, total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meios de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia e instalações militares: 52 Pena – prisão, de oito a quinze anos, além das sanções correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas. Forma qualificada § 6º Se a conduta é praticada pela utilização de arma de destruição em massa ou outro meio capaz de causar grandes danos: Pena – prisão, de doze a vinte anos, além das penas correspondentes à ameaça,violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas. Exclusão de crime § 7º Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade. Financiamento do terrorismo Art. 240. Oferecer ou receber, obter, guardar, manter em depósito, investir ou de qualquer modo contribuir para a obtenção de ativos, bens e recursos financeiros com a finalidade de financiar, custear ou promover a prática de terrorismo, ainda que os atos relativos a este não venham a ocorrer: Pena – prisão, de oito a quinze anos. Favorecimento pessoal no terrorismo Art. 241. Dar abrigo ou guarida a pessoa de quem se saiba ou se tenha fortes motivos para saber, que tenha praticado ou esteja por praticar crime de terrorismo: Pena – prisão, de quatro a dez anos. Escusa Absolutória Parágrafo único. Não haverá pena se o agente for ascendente ou descendente em primeiro grau, cônjuge, companheiro estável ou irmão da pessoa abrigada ou recebida. Esta escusa não alcança os partícipes que não ostentem idêntica condição. 53 Disposição comum Art. 242. As penas previstas para os crimes deste Capítulo serão aumentadas até a metade se as condutas forem praticadas durante ou por ocasião de grandes eventos esportivos, culturais, educacionais, religiosos, de lazer ou políticos, nacionais ou internacionais.