ESCOLA DE GUERRA NAVAL
CMG (EN) LUIZ ROBERTO RAGONE LOPES
O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO E A MALHA ENERGÉTICA NACIONAL.
PERSPECTIVA DE MAIOR PARTICIPAÇÃO DA ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL.
REPERCUSSÃO PARA A MB:
oportunidades e ameaças para a Marinha do Brasil em função do crescimento do Programa
Nuclear Brasileiro
Rio de Janeiro
2009
CMG (EN) LUIZ ROBERTO RAGONE LOPES
O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO E A MALHA ENERGÉTICA NACIONAL.
PERSPECTIVA DE MAIOR PARTICIPAÇÃO DA ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL.
REPERCUSSÃO PARA A MB:
oportunidades e ameaças para a Marinha do Brasil em função do crescimento do Programa
Nuclear Brasileiro
Monografia apresentada à Escola de Guerra
Naval como requisito parcial para a conclusão
do Curso de Política e Estratégia Marítimas.
Orientador:
Rio de Janeiro
Escola de Guerra Naval
2009
CMG (RM1) Francisco Eduardo
Alves de Almeida
Dedico este trabalho à minha esposa e
filho, sem os quais nada teria o menor valor.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida, por ter me concedido esta oportunidade evolutiva, por
ter me dado saúde para sobrepujar os desafios do curso e pela tranquilidade e equilíbrio
concedidos nos momentos mais difíceis.
Aos meus pais, Marly e Dilermando (in memoriam), por todos os sacrifícios
praticados em meu nome, pelos fundamentos morais e de conduta ensinados e por serem
responsáveis por quem sou hoje, minha eterna gratidão e admiração.
À minha esposa Alessandra, pela vida compartilhada em mais esta etapa de nossas
atribuladas e gratificantes existências, pelo carinho e compreensão demonstrados. E ao meu
filho Luiz Phillipe pelos períodos de renúncia de estarmos juntos que foram necessários à
elaboração de tão importante trabalho.
Aos amigos e parentes, pelo incentivo, apoio e compreensão da privação do
convívio, de quem foram roubados dias de convivência que são difíceis de resgatar.
Por último, agradeço ao meu orientador, Capitão-de-Mar-e-Guerra (RM1)
Francisco Eduardo Alves de Almeida, pelas orientações, gentileza e a forma fidalga com que
sempre me atendeu e que, certamente, contribuíram para uma melhor compreensão dos
assuntos abordados nesta monografia.
RESUMO
A elevação da renda per capita nos países em desenvolvimento, a alta das vendas de veículos
e a migração do campo para a cidade de cerca de 400 milhões de habitantes, apenas na India e
na China, são alguns dos fatores que deverão elevar a demanda de energia no planeta ao
longo dos próximos anos. Em paralelo, as pressões ambientais para reduzir as emissões de
poluentes globais, como o dióxido de carbono, deverão aumentar tanto entre as economias
desenvolvidas quanto nas em desenvolvimento. Nesse cenário, a energia nuclear deve ganhar
espaço na matriz energética mundial, após ter passado por quase duas décadas com
crescimento decepcionante, devido, principalmente, pelos acidentes nas usinas nucleares de
Chernobyl (URSS) e Three Mile Island (EUA). Analisam-se quais são as motivações que
provocaram o renascimento da energia nuclear no cenário mundial, bem como qual a sua
participação na malha energética nacional e a sua tendência futura, diante dos planejamentos
energéticos de médio e longo prazo elaborados pelo governo federal. A Marinha Brasileira
tem um grande interesse nestes rumos aos quais a malha energética brasileira vem
sinalizando, pois o novo Programa Nuclear Brasileiro (PNB), em cujo contexto está o
Programa Nuclear da MB (PNM), permitirá o domínio e autossuficiência de todo o processo
do ciclo de combustível nuclear, a construção de novas usinas nucleares, bem como o retorno
de investimentos para a retomada do PNM, após ter sido mantido em “estado vegetativo” por
mais de 5 anos pelas restrições orçamentarias. Avaliam-se os projetos que compõem o novo
PNB, quais as expectativas da maior participação da energia nuclear na malha elétrica
nacional e quais as repercussões e reflexos para a MB, tanto no PNM quanto em outras áreas
da MB, principalmente no campo da medicina nuclear. Dentro de um enfoque de identificar
quais as oportunidades e ameaças para a MB em função do crescimento do PNB, utiliza-se
uma ferramenta de diagnóstico estratégico no PNM, com o emprego da Análise SWOT, que
geram fatores para subsidiar o seu planejamento e estabelecer estratégias de ações.
Palavras-Chave: Malha Energética Nacional. Programa Nuclear Brasileiro. Programa Nuclear
da Marinha do Brasil.
ABSTRACT
The increase in per capita income in developing countries, the increase in vehicle sales and
migration from rural to urban areas of about 400 million people, only in India and China, are
among the factors that should increase the demand for energy the planet over the next few
years. In parallel, the environmental pressures to reduce emissions of global pollutants such as
carbon dioxide, to increase both between developed economies and the developing world. In
this scenario, nuclear energy is gaining ground in the energy world, having spent nearly two
decades with disappointing growth, mainly by nuclear accidents in Chernobyl (USSR) and
Three Mile Island (USA). It examines what are the motivations that led to the rebirth of
nuclear power on the world stage and that its participation in the national power grid and its
future trend, before the energy planning of medium and long term established by the federal
government. The Brazilian Navy has great interest in the course of which the Brazilian power
grid are signs, as the new Brazilian Nuclear Program (PNB), in which context is the Brazilian
Navy Nuclear Program (PNM) will allow the field and self-sufficiency of the whole process
the nuclear fuel cycle, construction of new nuclear plants and the return on investment for the
resumption of PNM after being kept in a "vegetative state" for over 5 years by budgetary
constraints. We evaluate the projects that comprise the new PNB, the expectations of greater
involvement of nuclear energy in national electricity grid and what the repercussions and
consequences for the MB, both the PNM and in other areas of the MB, especially in the field
of nuclear medicine. Within an approach to identify the opportunities and threats for the MB
in terms of PNB growth, we use a strategic diagnostic tool in PNM, with the use of SWOT
analysis, factors that generate to support their planning and develop strategies actions.
Keywords: Lattice Energy National. Brazilian Nuclear Program. Brazilian Navy Nuclear
Program.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Evolução da estrutura de energia..........................................................37
Figura 2 – Evolução do aproveitamento do potencial hidrelétrico brasileiro........40
Figura 3 – O ciclo do combustível nuclear............................................................58
Figura 4 – Organização do setor nuclear brasileiro...............................................62
Gráfico 1 – Oferta interna de energia no Brasil (2008).........................................21
Gráfico 2 – Oferta interna de energia no Brasil e no mundo.................................23
Gráfico 3 – Oferta interna de energia no mundo (2006)........................................25
Gráfico 4 – Brasil: capacidade instalada de geração elétrica 1974-2007...............31
Gráfico 5 – Brasil: matriz de oferta de energia elétrica em 2008..........................31
Gráfico 6 – Mundo: matriz de energia elétrica por fonte 1993-2006....................32
Gráfico 7 – Mundo: fator de capacidade das usinas nucleares..............................52
Gráfico 8 – Mundo: numero de reatores e capacidade instalada...........................53
Gráfico 9 – Emissão de CO2 das fontes de energia elétrica...................................56
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Oferta interna de energia no Brasil .....................................................22
Tabela 2 – Estrutura da oferta interna de energia por fonte...................................24
Tabela 3 – Matriz de consumo final de energia por fonte em 2008.......................26
Tabela 4 – Brasil: matriz de oferta de energia elétrica em 2008............................30
Tabela 5 – Tabela média de fornecimento de energia............................................37
Tabela 6 – Potencial hidrelétrico brasileiro por bacia hidrográfica em 2000........39
Tabela 7 – Mundo: Unidades do ciclo do combustível nuclear em 2009............123
LISTA DE ABREVIATURAS
AIE
AIEA
ANGRA I
ANGRA II
ANGRA III
BNDES
CEA
CNEN
Agência Internacional de Energia
Agência Internacional de Energia Atômica
Primeira usina da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto
Segunda usina da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto
Terceira usina da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
Centro Experimental de Aramar
Comissão Nacional de Energia Nuclear
Conselho
CNPq
COPESP
Coppe-UFRJ
CTMSP
EMGEPRON
EUA
FINEP
Nacional
de
Desenvolvimento
Científico
e
Tecnológico
Coordenadoria para Projetos Especiais
Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de
Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo
Empresa Gerencial de Projetos Navais
Estados Unidos da América
Financiadora de Estudos e Projetos
FDTE
IME
INB
IPEN
IPT
LABGENE
LADEP
MB
NUCLEP
PNB
PDTN
PNM
PWR
TNP
UF6
USEXA
Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia
Instituto Militar de Engenharia
Indústrias Nucleares do Brasil
Instituto de Pesquisa Energéticas e Nucleares
Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Laboratório de Geração Núcleo- Elétrica
Laboratório
de
Desenvolvimento
de
Equipamentos
Propulsão
Marinha do Brasil
NUCLEBRAS Equipamento Pesado
Programa Nuclear Brasileiro
Programa de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear
Programa Nuclear da Marinha
Pressurized Water Reactor
Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares
Hexafluoreto de urânio
Unidade de Produção de Hexafluoreto de Urânio
de
USP
Universidade de São Paulo
UTS
Unidade de Trabalho Separativo
UxC
The U x Consulting Company
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
13
2
A MALHA ENERGÉTICA NACIONAL
16
2.1
Energia e Desenvolvimento
16
2.2
Análises das Matrizes Energéticas – Nacional e Mundial
19
2.3
A Matriz Elétrica Brasileira
26
2.4
Perspectivas do Planejamento Energético
33
3
O NOVO PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO
43
3.1
Gênese Histórica da Energia Nuclear
43
3.1.1 No Mundo
43
3.1.2 No Brasil
46
3.2
Ressurgimento no Cenário Internacional
50
3.3
Perspectivas da Energia Nuclear na Matriz Elétrica Brasileira
54
3.4
O Ciclo do Combustível e a Autossuficiência
58
3.5
Projetos e Metas do Programa
62
4
O PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA
67
4.1
Breve Descrição
67
4.2
A Análise SWOT: Oportunidades e Ameaças para a MB
68
5
CONCLUSÃO
75
REFERÊNCIAS
77
APÊNDICES – Entrevistas
82
ANEXO – Tabela 7
123
13
1 INTRODUÇÃO
“If I have seen farther than the others it is because I was standing on the
shoulders of giants”1 – Isaac Newton
Com o novo Programa Nuclear Brasileiro (PNB), apresentado em 18 de agosto de
2008 pelo governo federal, o país ganha recursos para investir em diversos programas de
desenvolvimento da tecnologia nuclear. No cenário em que a legislação ambiental se torna
cada vez mais rigorosa, a energia nuclear apresenta-se com a inegável vantagem de não emitir
gases responsáveis pelo efeito estufa e, por isso, vem sendo considerada uma das principais
formas de combater o aquecimento global. Com relação à discussão sobre o destino dos
rejeitos radioativos, o Presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN),
Francisco Rondinelli, fez a seguinte análise:
Na verdade, o que está em questão não é a existência de uma solução definitiva, mas
sim a viabilidade de reaproveitamento do combustível irradiado, uma alternativa
hoje bastante eficiente do ponto de vista da gestão do armazenamento dos rejeitos. O
material produzido pelos reatores tem um grande valor energético e, portanto, seu
descarte é antieconômico. Em vez de rejeito, ele é matéria-prima para a fabricação
de outro tipo de elemento de combustível. Isso hoje já acontece em alguns reatores
em operação, que utilizam dióxido misto produzido a partir de combustível
reprocessado. Acredita-se que a próxima geração de reatores poderá trabalhar com
combustível totalmente baseado em óxido misto, o que permitirá reduzir fortemente
o volume de rejeitos que, estes sim, efetivamente terão o destino do depósito
definitivo. (ABEN, 2008, p. 3)
A matriz energética nacional possui como estratégia para geração de energia elétrica o
aproveitamento do nosso enorme potencial hidroelétrico, sendo considerada uma matriz das
mais limpas2 do mundo, constituída por mais de 80% de energia proveniente de fontes
renováveis. Entretanto, os novos projetos hidrelétricos para atender o aumento da demanda de
energia possuem pouco incentivo devido à atual legislação ambiental, que desestimula o
licenciamento de hidrelétricas com grandes reservatórios por possuírem, às vezes, um
imensurável impacto ambiental. Este fato explica o aumento da participação das usinas
térmicas movidas a combustíveis fósseis na matriz energética brasileira, que utilizam carvão
mineral, óleo mineral, gás natural e produtos derivados do petróleo, considerados
_______________
1
2
“Se já vi mais longe que os outros é porque eu estava de pé sobre os ombros de gigantes” (tradução nossa).
Refere-se às matrizes energéticas constituídas por fontes de energia com nenhuma ou pouca emissão de
gases poluentes, principalmente do gás CO2 e, por isso, não contribuem para o aquecimento global ou efeito
estufa.
14
extremamente prejudiciais ao meio ambiente por liberarem gases como o dióxido de carbono
(CO2) e contribuírem para o efeito estufa.
Portanto, a energia nuclear é uma opção para atender ao crescimento da demanda de
energia pela sua grande capacidade de produção, pelo já domínio da tecnologia de todo o ciclo
do combustível nuclear, incluindo o enriquecimento do urânio, e por ter o Brasil a sexta maior
reserva de urânio do mundo, com somente 30% do território prospectado, existindo a
expectativa de que o país abrigue a segunda maior reserva mundial.
Em razão do apresentado, este trabalho pretende identificar as perspectivas da maior
participação da energia nuclear na malha energética nacional em comparação com outras
fontes de energia e verificar como está a questão nuclear dentro do atual cenário internacional
e qual a sua tendência no futuro. Serão examinadas, também em função do crescimento do
novo Programa Nuclear Brasileiro, as repercussões para a Marinha do Brasil (MB) do
Programa Nuclear da Marinha, e em outras áreas da MB fora deste programa. Com isto,
pretende-se enfocar quais são as oportunidades e as ameaças decorrentes do PNB para a MB.
Para esta análise, este trabalho apresentará um estudo que evidenciará e avaliará a
participação da energia nuclear na malha energética nacional e qual será a sua tendência; as
oportunidades e ameaças para a Marinha do Brasil em função do crescimento do Programa
Nuclear Brasileiro, tanto no Programa Nuclear da Marinha como em outras áreas da MB.
A Marinha do Brasil possui um Programa Nuclear com aplicação à propulsão naval e
que está inserido no contexto do Programa Nuclear Brasileiro. A justificativa para a pesquisa é
que devem ser levantadas as repercussões para a MB considerando o crescimento e a
retomada de aplicação de investimentos, conforme previsto no novo Programa Nuclear
Brasileiro apresentado no ano de 2008.
Com a pesquisa será possível identificar e ter conhecimento das oportunidades e
ameaças existentes para o cumprimento do Programa Nuclear da Marinha do Brasil,
permitindo, assim, a adoção de medidas para viabilizar o projeto de construção do submarino
nuclear e a consolidação do domínio e da autossuficiência em relação a todo o processo do
ciclo do combustível nuclear.
A situação atualizada e a análise da malha energética nacional podem ser obtidas através
do Balanço Energético Nacional (BEN) de 2008, documento elaborado pela Empresa de
Pesquisa Energética (EPE) e publicado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), sendo
peça fundamental para as atividades de planejamento e acompanhamento do setor energético
nacional. O BEN2008 contém a contabilidade relativa à oferta e o consumo de energia no
15
Brasil, bem como dos processos de conversão de produtos energéticos e do comércio exterior.
A consolidação do PNM implica a conclusão do projeto de construção do submarino
nuclear; e conquista do domínio e autossuficiência de todo o processo do ciclo do combustível
nuclear. Atualmente, pouquíssimas nações estão capacitadas a construir, manter e operar
submarinos nucleares, e, por motivos óbvios, guardam toda e qualquer informação referente
ao tema como segredo de Estado e com o sigilo que o assunto requer. Por conseguinte, é
natural que haja pouca disponibilidade de referenciais teóricos e literaturas de autores de
renome sobre o assunto. Os pressupostos teóricos contidos no PNB e no PNM serão seguidos
para a consecução dos objetivos deste trabalho. Com relação ao PNM, o Comandante da
Marinha comentou alguns de seus pressupostos:
Sendo um projeto estratégico do País e não só da nossa Instituição, o Programa
Nuclear da Marinha (PNM), nascido em 1979, em que pese ficar restrito aos recursos
orçamentários da própria Força, já apresenta avanços significativos, com o
desenvolvimento de tecnologia própria em dois projetos: O Projeto do Ciclo de
Combustível, que envolve o enriquecimento de urânio, empregando
ultracentrifugadoras projetadas com tecnologia nacional, que já está pronto; e a
conclusão do Projeto de construção de uma planta nuclear, inclusive do reator
nuclear, para a produção de energia elétrica (Projeto LABGENE), com dimensões
que permitam sua instalação em submarino de propulsão nuclear, o que ainda não
está pronto. Esses dois projetos representam um salto tecnológico creditado aos
cientistas e técnicos brasileiros. A conclusão do reator permitirá que o Brasil
ingresse no seleto grupo dos países com capacidade de construir um submarino com
propulsão nuclear. (MOURA NETO, 2009, p. 37)
16
2 A MALHA ENERGÉTICA NACIONAL
2.1 Energia e Desenvolvimento
Ao longo de sua evolução, o homem desenvolveu meios para a obtenção dos
alimentos e, em torno de 500 mil anos atrás, alguns hominídeos passaram a usar o fogo para se
aquecer e assar os alimentos. Os seus descendentes Homo Sapiens, 100 mil anos atrás,
começaram a dominar e controlar o processo de combustão, iniciando uma jornada de
descobertas e aprimoramentos que nos trouxe até os dias atuais, com o uso cada vez maior da
energia e que parece não terá fim. Ao longo do tempo, por meio de várias revoluções e de
acordo com os recursos disponíveis e as suas necessidades, o homem aprendeu a produzir
outras formas de energia. A de combustão, que servia apenas para preparar os alimentos,
aquecer e fundir os metais, já não era suficiente, e passaram a usar a energia de animais
(tração), dos ventos, e a do movimento das águas dos rios. Precisando de mais energia térmica
e a madeira não sendo suficiente, aprendeu a usar o carvão mineral, o petróleo e, depois, a
energia nuclear, ou seja, a energia é sinônima do desenvolvimento.
Atualmente, um terço da população mundial ainda não tem acesso à eletricidade,
enquanto a parcela consumidora de energia lança na atmosfera 800 toneladas de gás carbônico
(CO2) por segundo, provocando uma poluição que causa, direta ou indiretamente, cerca de três
milhões de mortes por ano (seis por minuto), de acordo com a Organização Mundial de Saúde
(OMS) (ARTHOU, 2006, p. 93).
A questão energética assume o caráter de desafio para os países em
industrialização, quando se constata que 18% da população mundial, correspondente aos
habitantes das nações desenvolvidas de economia de mercado, e que respondem por 78% da
economia, consomem, praticamente, a metade da energia do mundo, ou seja, 48% da energia
mundial (Empresa de Pesquisa Energética - EPE, 2009, p.17).
O paradigma histórico do desenvolvimento das nações fortemente industrializadas,
que hoje ocupam a vanguarda econômica do mundo, não deverá repetir-se.
A Revolução Industrial trouxe consigo crescente demanda de energia e matériasprima que o mundo nunca havia visto; e o fantástico ritmo de expansão continuou
através do século XX. Foi estimado, por exemplo, que nas primeiras duas décadas do
século XX, a humanidade consumiu mais energia do que na totalidade do passado.
Além disso, uma constatação similar manteve-se para cada período subsequente de
20 anos (BAUMOL, 1989, p. 212).
17
A Revolução Industrial requereu profundas modificações qualitativas no uso da
energia. Antes, a produção e os serviços se fundavam na própria força de trabalho dos
homens, complementada pela tração animal, pela utilização direta da força das águas e dos
ventos, e pela lenha e carvão vegetal. Com a revolução, a lenha perdeu para o carvão mineral
nos países de vanguarda industrial a sua posição de principal combustível. A industrialização
se processava em países detentores de boas reservas de carvão, que dominou de forma
absoluta o panorama energético. O desenvolvimento industrial do século XIX esteve
intimamente ligado ao progresso tecnológico e às invenções no domínio da transformação e da
utilização da energia. Trata-se no início, principalmente, das fornalhas e caldeiras para a
produção de vapor destinado às máquinas que acionavam indústrias e propulsionavam
locomotivas e navios.
No Brasil não ocorreu a fase do carvão mineral e a industrialização foi tardia. As
reservas de carvão se mostraram limitadas, de baixa qualidade e de difícil extração. É natural,
portanto, que a lenha mantivesse, por muito tempo, a sua posição predominante no cenário
energético nacional e que, em 1940, ainda representasse ¾ da energia total do país.
O que se fez em matéria de desenvolvimento científico e tecnológico em pouco
mais de um quarto de século, iria definir o fantástico crescimento do uso da energia no século
XX e início do XXI, dominado pelo petróleo, que entrou em cena na economia mundial em
1854, a partir da perfuração bem-sucedida na Pensilvânia (EUA), e da expansão de refinarias
para produção de querosene. A versatilidade do petróleo e seus derivados, a facilidade do seu
manuseio e transporte, o suprimento sempre satisfatório em escala mundial a preço
relativamente estável foram razões suficientes para sua crescente importância. Com isso,
ocorreu a diversificação do progresso tecnológico com importantes invenções, como os
motores de combustão interna desenvolvidos por Otto, Daimler e Diesel. Quase em paralelo,
desenvolveram-se vários instrumentos que possibilitaram o emprego da energia elétrica3,
como o dínamo de Siemens, a lâmpada de Edson, a alta tensão de Deprez e a corrente
alternada de Tesla.
A abundância e o preço baixo explicam, em grande parte, de um lado, a
complacência dos usuários com os desperdícios de energia e, de outro, o desestímulo de
_______________
3
Em setembro de 1889, a primeira usina hidrelétrica da América do Sul foi inaugurada em Juiz de Fora, MG.
A usina Marmelos, que foi idealizada pelo industrial Bernardo Mascarenhas, destinava-se a abastecer a sua
fábrica de tecidos e a dotar Juiz de Fora de energia elétrica. O projeto foi contratado com a firma Max
Northman & Co. e os equipamentos com a Westinghouse. A usina compreendia duas turbinas com potência
total de 250kw.
18
inovações tecnológicas, tanto na busca de maior eficiência, como de novas fontes de energia.
Apenas a energia nuclear, resultante de pesquisas com outras motivações, viria provocar
novos desenvolvimentos tecnológicos nas décadas de 40 e 50.
Entretanto, na década de 70 ocorreram dois choques dos preços do petróleo
promovidos pela OPEP, o poderoso cartel dos países exportadores, e que vieram chamar a
atenção da humanidade para a precariedade da produção de energia dentro dos moldes
estabelecidos na época, e da dependência com relação ao petróleo como fonte de energia. Por
consequência, o comando das ações passou das grandes empresas sediadas em países
industrializados, que estivera em seu poder por décadas, para as mãos dos países exportadores,
detentores de grandes reservas. Os preços tiveram elevação forte e rápida nas duas crises do
petróleo: em 1973, de US$ 3,00 para US$ 12,00 e, em 1979, de US$ 12,00 para US$ 40,00,
alterando a relação entre os preços dos energéticos e entre estes e os demais preços e, ainda,
de forma diversa em cada país. No período compreendido entre os dois choques do petróleo, e
em função principalmente do comportamento dos países industrializados, ocorreu, em escala
mundial, uma redução significativa da parcela do petróleo e menos acentuada do carvão
mineral e, ao contrário, cresceu significativamente a importância do gás e incorporou-se a
energia nuclear. No caso do Brasil, a redução do papel do petróleo teve, em contrapartida, um
forte acréscimo da hidroeletricidade. Em se tratando da composição da demanda final de
energia, o fenômeno dominante no intervalo de vinte anos, entre o início dos anos 70 e o
início dos anos 90, foi o crescimento contínuo da participação relativa da eletricidade. No
conjunto dos países industrializados, essa proporção passou de 25% para 38%, enquanto no
Brasil também subia de 21% para 39% (LEITE, 1997, p. 259).
Há uma correlação nítida, bastante generalizada, entre a evolução da produção
global, medida pelo Produto Interno Bruto – PIB, e o correspondente consumo global de
energia, medida em toneladas equivalentes de petróleo – tep4 (ibidem, p. 35). Essa relação é
tanto mais forte quanto maior o peso do segmento industrial, tanto na economia quanto no
consumo de eletricidade. À relação entre o consumo de energia e o PIB dá-se o nome de
intensidade energética do PIB. A relação entre o crescimento do consumo de energia e o
crescimento da economia costuma-se denominar elasticidade-renda da demanda.
_______________
4
Unidade de medida de energia adotada como referência para comparação entre as diversas fontes de energia,
correspondendo à quantidade de energia contida em uma tonelada de petróleo de referência. O petróleo de
referência passa a ser o de 10.000 Kcal/kg e os fatores de conversões passam a ter como base os poderes
caloríficos inferiores das fontes de energia. Para a energia hidráulica e eletricidade passam a ser considerados
que 1 kWh = 860 Kcal (10 Princípio da Termodinâmica).
19
Tem sido objeto de estudo por muitos em várias bibliografias a relação energiadesenvolvimento, incluindo-se o estabelecimento da causa e efeito entre essa relação com os
danos ao meio ambiente. Para demonstrar o comportamento da relação do consumo de energia
de um país e o seu desenvolvimento econômico e social, têm sido levantados e analisados
vários indicadores comparativos, como: o consumo de energia per capita, intensidade
energética (I=E/PIB), elasticidade de renda da demanda (Δ consumo relativa/∆ PIB relativo),
índice de desenvolvimento humano (IDH), índices sociais (analfabetismo, expectativa de vida,
mortalidade, fertilidade) em relação ao consumo etc., sendo que dentre todos eles, o IDH é o
índice considerado o mais abrangente e superior em todos os aspectos (GOLDEMBERG,
2009).
A conclusão a que se chega é não ser realista a ideia simplista de que a
conservação da energia e o aumento do uso dos renováveis podem resolver os problemas
ambientais e de fornecimento sustentável nas próximas décadas. Todas as fontes de energia
serão necessárias, apesar dos esforços de conservação de energia dos países emergentes, em
industrialização e dos industrializados. Deve-se procurar o equilíbrio, na delicada situação
entre a paralisia econômica, com suas consequências dolorosas, e o desenvolvimento. No
futuro, terão de ser encontradas formas de promover o desenvolvimento, minimizando, ou
evitando completamente, os problemas ambientais (ibidem, 2009, p. 217).
2.2 Análises das Matrizes Energéticas – Nacional e Mundial
No mundo, o momento atual é particularmente instigante, pois apresenta dois
desafios de extrema gravidade:
a) dúvidas quanto ao horizonte de duração das reservas mundiais de petróleo; e
b) alterações ambientais em escala planetária.
Sob essa perspectiva, as chamadas energias renováveis passaram a merecer maior
atenção internacional. O cenário do planeta está sob tal ponto de inflexão, que, mesmo a
energia nuclear, tão rejeitada na ultima década, passa a ser considerada uma alternativa viável
por não contribuir para o efeito estufa. Políticas de conservação e aumento da eficiência dos
equipamentos de produção e usuários de energia certamente farão parte de alternativas de
políticas públicas no futuro. Portanto, mais do que nunca, a competição entre fontes de energia
deve ser analisada sob esses paradigmas: o da eficiência energética e o da preservação dos
recursos naturais. Obviamente, todas as formas de produção de energia afetam de algum
20
modo, em diferentes graus, o meio ambiente, pois todas advêm da transformação dos recursos
naturais, mesmo as chamadas energias renováveis podem também causar problemas5
(CENTRO DE PESQUISAS DE ENERGIA ELÉTRICA - CEPEL, 2007, p. 622).
A energia que atende às necessidades da sociedade em geral, movimentando a
indústria, o transporte, o comércio e demais setores econômicos do país recebe a denominação
de Consumo Final no Balanço Energético Nacional (CFE). Esta energia, para chegar ao local
de consumo, é transportada por gasodutos, linhas de transmissão, rodovias, ferrovias etc., e
distribuída através de diversos outros sistemas, cujos processos acarretam perdas de energia e
em alguns casos emissão de CO2.
Dados estatísticos mostram que a evolução, no Brasil, da Oferta Interna de
Energia (OIE), as Perdas e o Consumo Final, no período 1970 a 2007, são consideradas as
mais representativas de um balanço energético. Notou-se um crescente distanciamento entre a
OIE e o Consumo Final, resultado do crescimento das perdas acima do crescimento do
Consumo Final. As performances negativas do ano de 1981 resultam da recessão econômica
mundial, provocada pelo aumento dos preços internacionais do petróleo em 1979. Em 1990,
os resultados negativos foram reflexos do plano econômico da época, que bloqueou as
aplicações financeiras da sociedade (EPE, 2009, p. 21).
Anualmente, a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), órgão vinculado ao
Ministério de Minas e Energia (MME), elabora o Balanço Energético Nacional (BEN), que
documenta extensa pesquisa sobre o consumo, a produção e a comercialização das diferentes
fontes energéticas em âmbito nacional. O BEN é uma publicação básica para qualquer estudo
do planejamento do setor energético brasileiro e na formulação de políticas energéticas.
Os levantamentos concluídos, até o momento, indicam que a demanda total de
energia no Brasil (OIE), em 2008, atingiu 251,5 milhões de tep, montante 5,3% superior ao
verificado em 2007 e equivalente a cerca de 2% da energia mundial (grifo nosso) (GRAF. 1).
O crescimento verificado da OIE em 2008 ficou acima do patamar do crescimento da economia que, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam
para um desempenho da economia de 5,1% em 2008 (IBGE, 2009, p. 2).
_______________
5
Por exemplo, a energia eólica, classificada como limpa, causa problemas de ocupação extensiva de terras,
ruído e pode ser uma ameaça à vida de aves silvestres. A energia solar, apesar de não poluir na fase de
operação, utiliza células fotovoltaicas cuja fabricação envolve a produção de materiais perigosos, como o
arsênico, o cádmio ou o silício inerte. A queima de biomassa, apesar da absorção do CO2 emitido pelo
replantio, polui a atmosfera com particulados. A biomassa estaria associada às extensas áreas voltadas para o
cultivo de energéticos, podendo deslocar o plantio de outras culturas voltadas ao consumo humano.
21
Dois fatores contribuíram para a formação do crescimento da demanda por
energia:
a)
os resultados negativos alcançados pelos setores exportadores, especialmente
os intensivos em energia (metalurgia, química e açúcar); e
b) o bom desempenho da demanda interna de bens e serviços.
GRÁFICO 1: Oferta interna de energia (OIE) no Brasil (2008)
Fonte: Empresa de Pesquisa Energética – EPE (2009, p. 6).
Conforme pode ser analisado na TAB. 1, o aumento na demanda total por fonte de
energia se deu com redução relativa do uso das fontes renováveis (hidráulica, biomassa e
outras). De fato, houve crescimento de apenas 4,1% na energia proveniente dessas fontes,
enquanto as não-renováveis cresceram 6,4% (petróleo e derivados, gás natural, carvão mineral
e urânio). Com isso, a energia renovável passou a representar, em 2008, 45,4% da Matriz
Energética Brasileira, enquanto em 2007 a participação foi de 45,9%. (grifo nosso).
22
TABELA 1
Oferta interna de energia (OIE) no Brasil
Fonte: EPE (2009, p. 6).
Com uma demanda total de energia (OIE), em 2008, de 251,2 milhões de tep, o
Brasil atingiu um consumo de energia per capita de 1,34 tep/hab, indicador 3,9% superior ao
de 2007, mas ainda inferior à média mundial, de 1,8 tep/hab, e muito inferior à média dos
países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) 6, de 4,7
tep/hab. Como componentes da OIE, as perdas na distribuição e transformação de energia
corresponderam a 10%, e o consumo final de energia (CFE) a 90%. Na constituição do CFE,
cujo montante foi de 225,2 milhões de tep, a distribuição por grupo consumidor foi da
seguinte maneira: 36,5% em indústrias, 27,8% em transportes, 10,4% no setor energético,
10,0% de uso residencial e 15,2% em outros setores.
A oferta interna de energia renovável no Brasil corresponde a 45,4% da OIE total
em 2008, o que equivale a 114,2 milhões de tep. Esta proporção é uma das mais altas do
mundo, contrastando significativamente com a média mundial, de 12,9%, e mais ainda com a
média dos países que compõem a OCDE, em sua grande maioria países desenvolvidos, de
apenas 6,7% (GRAF. 2) (grifo nosso). Em 2008, a demanda por energia renovável no Brasil
passou por redução absoluta na energia hidráulica, ficando a lenha praticamente estável. Os
derivados da cana-de-açúcar continuaram a trajetória de aumento de participação na malha
_______________
6
São os seguintes os 30 países membros da Organisation de Coopération et de Développement Économiques
(OCDE): Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados
Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Luxemburgo, México,
Noruega, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Eslovaca, República Tcheca, Suíça,
Suécia e Turquia. Além desses países, também integra a OCDE os países da União Europeia.
23
energética brasileira (MEB). De fato, as participações de 16,6% na MEB e de 37% nas fontes
renováveis de 2008, são maiores do que as verificadas em 2007, de 15,9% e de 34,5% respectivamente.
Nos países desenvolvidos, a biomassa, de uso muito pouco representativo, mais
que dobrou a sua participação na matriz energética, de 2,3%, em 1973, para 4,8%, em 2006, o
que reflete a preocupação em atenuar as emissões de poluentes atmosféricos. A expressiva
participação da energia hidráulica e o uso ainda representativo de biomassa, no caso do Brasil,
proporcionam indicadores de emissões de CO2 bem menores que a média dos países desenvolvidos. No país, a emissão é de 1,44 toneladas de CO2 por tep da OIE, enquanto nos países
da OCDE a emissão é de 2,32 toneladas de CO2 por tep, ou seja, 62% maior.
GRÁFICO 2 - Oferta interna de energia (OIE) no Brasil e no Mundo
Fonte: EPE (2009, p. 8).
Em 2008, o aumento na participação da energia não-renovável se deu em função
das altas performances do gás natural e da energia nuclear. A despeito da conta petróleo ter
mantido o equilíbrio no comércio externo, a dependência global do País por energia passou
para 10,4% (foi de 8% em 2007), em razão dos incrementos nas importações de gás natural da
Bolívia e de energia elétrica do Paraguai. O gás natural é o que vem apresentando as maiores
taxas de crescimento na matriz energética, tendo quase triplicado a sua participação nos
últimos anos, de 3,7%, em 1998, para 9,3%, em 2007. No ano de 2008, com significativa
24
performance, a participação passou a 10,2%.
Nos últimos trinta anos, as matrizes energéticas do Brasil e do mundo
apresentaram significativas alterações estruturais. No Brasil houve forte aumento na
participação da energia hidráulica e do gás natural. Já nos países da OCDE, houve forte
incremento da energia nuclear, seguido do gás natural. A perda de 13,5 pontos percentuais do
petróleo e derivados na matriz energética da OCDE, entre 1973 e 2006, reflete o enorme
esforço de substituição desses produtos, decorrente, principalmente, dos choques nos preços
de petróleo ocorridos em 1973 e em 1979, como mencionado na seção 2.1, § 10º.
No Brasil, a matriz energética teve a máxima participação do petróleo e seus
derivados em 1979, quando atingiu 50,4%. A redução de 8,3 pontos percentuais entre 1973 e
2008, evidencia que o país, seguindo a tendência mundial, desenvolveu, também, esforço
significativo de substituição desses energéticos, sendo digno de nota, nesse caso, o aumento
da hidroeletricidade e do uso de derivados da cana (álcool carburante e bagaço para fins
térmicos) (TAB. 2).
TABELA 2
Estrutura da oferta interna de energia por fonte
ESPECIFICAÇÃO
BRASIL
1973
OCDE
2008
1973
MUNDO
2006
1973
2006
45,6
37,3
52,8
39,3
46,1
34,4
0,4
10,2
18,8
22,6
16,0
20,5
CARVÃO MINERAL
3,1
5,7
22,5
20,8
24,5
26,0
URÂNIO
0,0
1,5
1,3
10,6
0,9
6,2
HIDRÁULICA E ELETRICIDADE
6,1
13,9
2,1
1,9
1,8
2,2
44,8
31,5
2,5
4,8
10,7
10,7
PETRÓLEO e DERIVADOS
GÁS NATURAL
BIOMASSA
TOTAL (%)
TOTAL - milhões tep
Fonte: EPE, 2009, p. 10.
100,0
82
100,0
252
100,0
3.747
100,0
5.590
100,0
6.115
100,0
11.741
A produção nacional de petróleo viveu, também, grande desenvolvimento, graças
a vultosos investimentos em prospecção e exploração, que permitiram à Petrobras a aplicação
de tecnologia pioneira no mundo de extração de petróleo em águas profundas, com lâminas
d’água de mais de 1.000 metros. O resultado foi o considerável aumento do volume medido,
ou seja, pronto para ser tecnicamente explorado, das reservas nacionais totais de petróleo, de
283 milhões de m³ em 1979, para 2 bilhões de m³ em 2007. Neste mesmo período, a produção
25
de petróleo passou de 170 mil barris por dia para mais de 1,7 milhões de barris por dia. A
diminuição da dependência externa, especificamente em relação ao petróleo, foi ainda mais
significativa: de dependente em aproximadamente de 85% em 1979, o país passou à
autossuficiência em 2005, e, em 2006, apresentou um superávit de 1,7% (calculado como a
diferença entre a demanda interna de energia, inclusive perdas de transformação, distribuição
e armazenagem e a produção interna) (EPE, 2009, p. 23).
A indústria de energia elétrica também desenvolveu tecnologias no campo da
construção e operação de grandes centrais hidrelétricas, bem como na operação de sistemas de
transmissão a grandes distâncias e em corrente contínua. Seu parque gerador de eletricidade
foi aumentado de 11 GW em 1970, para 30,2 GW em 1979, e superando os 100 GW a partir
de 2007; somente em usinas hidrelétricas a capacidade instalada atinge, em 2007, valor
próximo a 77 GW. O reflexo dessas medidas pode ser observado claramente, seja pela
redução do grau de dependência externa de energia, seja pela evolução da matriz energética
brasileira desde o início da década de 80 (EPE, 2009, p. 22).
Portanto, pode-se observar o perfil da oferta de energia no Brasil, cuja evolução
mostra uma forte alteração de estrutura, em função da redução da dependência externa de
energia e da permanência ainda significativa das fontes renováveis de energia.
Em relação ao mundo, os países da OCDE, com apenas 18% da população,
respondem por 78% da economia e por 48% da energia (GRAF. 3).
GRÁFICO 3 - Oferta interna de energia (OIE) no Mundo (2006)
Fonte: EPE (2009, p. 7).
26
Analisando o consumo final de energia (CFE) em 2008, que atingiu 225,2 milhões
de tep e com um montante 4,5% superior ao de 2007 (TAB. 3), registra-se uma taxa de
crescimento menor do que a taxa da OIE, de 5,3%, fato que encontra explicação no aumento
das perdas nas Centrais Elétricas de Serviço Público decorrentes da maior geração térmica.
TABELA 3
Matriz de consumo final de energia por fonte em 2008
mil tep
ESPECIFICAÇÃO
08/07 %
2007
2008
DERIV. PETRÓLEO
89.331
93.074
4,2
GÁS NATURAL
15.502
16.076
3,7
CARVÃO MINERAL
12.050
11.966
-0,7
ELETRICIDADE
35.443
36.958
4,3
BIOMASSA
63.238
67.173
6,2
215.565
225.247
4,5
TOTAL
Fonte: EPE/MME (2009, p. 13).
O setor energético apresentou a maior taxa de crescimento na composição setorial
do CFE, de 11,6%, alavancada pelo uso térmico do bagaço oriundo da produção de álcool
(20% de aumento na produção de álcool em 2008).
O Setor de Transportes apresentou, também, significativa taxa de crescimento, em
razão da performance dos combustíveis do ciclo Otto (gasolina, álcool e gás natural), com
10,6% de crescimento. Este indicador reflete o forte acesso da população a bens duráveis.
2.3 A Matriz Elétrica Brasileira
A geração elétrica no Brasil possui uma história diretamente associada à
construção de usinas hidrelétricas. Existem registros de pequenas usinas construídas, por
particulares, para a geração de energia já no final do século XIX. No entanto, no início do
século XX, o mercado consumidor de energia elétrica ganhou um impulso extraordinário com
o crescimento dos centros urbanos, a proliferação dos bondes elétricos e da iluminação
pública, além da ampliação do número de indústrias no país. Isto requereu a construção de
usinas para suprir o mercado, conforme mostra o recenseamento em 1920, que registrou 209
27
instalações funcionando à base de turbinas e rodas d´água (DIAS, 1988, p. 54).
Mas foi na década de 30 que o país assistiu ao crescimento acelerado da demanda
por energia elétrica, muito maior que o crescimento dos investimentos para a expansão do
setor elétrico. As empresas geradoras, em especial o Grupo Light, passaram a operar as usinas
no limite da capacidade de geração, mas as pequenas centrais hidrelétricas (PCH) construídas
no início do século XX até a década de 30, não conseguiram suprir esse mercado e foram, aos
poucos, desativadas ou pouco exploradas. A respeito do papel cumprido pelas PCH no
passado e, agora, no presente, Leite (1997, p. 357) explica:
Quanto às pequenas hidrelétricas, hoje tão em moda, foram elas em certa
época relegadas em segundo plano, simplesmente porque as grandes usinas
podiam gerar eletricidade mais barata e, em muitos casos, porque os
correspondentes reservatórios, ao regularizar os deflúvios, podiam exercer
concomitantemente o controle das inundações, a melhoria das condições da
navegação fluvial e a irrigação. Elas se associaram, também, à constituição
de redes de transmissão de energia, que propiciaram maior eficiência aos
sistemas integrados.
O Brasil possui uma vocação hídrica para a geração de energia elétrica inegável, o
que traz uma importante vantagem competitiva em nível mundial, por ser uma fonte de
energia renovável e com uma das mais baixas emissões de gases que provocam o efeito estufa,
propiciando que o país tenha uma matriz elétrica das mais limpas em termos globais. É uma
dádiva da natureza que, por sua vez, depende dos caprichos dessa própria natureza. O risco
hidrológico associado à evolução da capacidade de armazenamento dos reservatórios das
usinas hidrelétricas é um aspecto crucial da característica de preponderância hídrica do
sistema elétrico nacional. Desde a década de 50, o Brasil teve dois grandes surtos de
crescimento dos reservatórios, sendo um na década de 60 e outro na década de 70. Após esse
período, o volume disponível de reservatórios tem crescido apenas marginalmente, enquanto a
capacidade instalada vem crescendo em ritmo mais acelerado. Em decorrência desse
descompasso, o risco de déficit se eleva, dado que, apesar de ter capacidade instalada, o
sistema fica à mercê do regime hidrológico, que pode conduzir a crises de abastecimento,
como foi o caso em 2001. A capacidade de estocar energia nas barragens, que já foi de dois
anos, estava reduzida há 5,8 meses em 2003. Um sistema hídrico que se autorregule para
enfrentar um ano seco como o de 2001, necessita no mínimo de cinco meses de energia
hídrica armazenada. As usinas hidrelétricas que estão programadas para entrar em operação
terão razão acumulação/produção da ordem de dois meses, fazendo com que essa razão
28
continue a cair para o conjunto das centrais hidrelétricas brasileiras (OTHON, 2006, p. 78).
O país enfrentou uma grave crise no setor elétrico em 2001, que submeteu todos
os setores da sociedade, direta ou indiretamente, a um período de racionamento, conhecido
como “apagão”, que nada mais foi que o desligamento de consumidores por falta de potência
elétrica disponível, decorrente de fatores hidrológicos, dentre outros, que reduziram
drasticamente os níveis dos reservatórios de água em consequência da falta de chuvas. O
fenômeno também está associado à escassez de investimentos para ampliação do parque
gerador de energia elétrica e à falta de um planejamento e política energética eficaz de longo
prazo, aliada a uma regulamentação estável para o setor (GARCIA, 2008, p. 12). Por ocasião
das privatizações das empresas estatais e subsidiárias da Eletrobrás, ocorrida na segunda
metade da década de 90, houve desmobilizações dos planejamentos existentes, de médio e
longo prazos, para expansão da geração de energia por parte das empresas privadas
vencedoras dos leilões, tornando, assim, o sistema mais vulnerável ao regime de chuvas
(informação verbal) 7. Em consequência disto, ocorreu um descompasso entre o crescimento
da potência instalada sem o crescimento proporcional na capacidade de armazenamento dos
reservatórios.
Numa análise da referida crise, o professor e cientista José Goldemberg (2009)
declara textualmente:
A causa imediata foi a falta de chuvas ocorridas nos anos anteriores, mas a causa
mediata e real foi o fato de a capacidade de armazenamento dos reservatórios não ter
aumentado desde meados da década dos 80, tornando o sistema muito vulnerável ao
regime de chuvas. Contribuiu também a falta de interligação dos sistemas de geração
Sul-Sudeste.
Foi necessário haver uma crise energética da magnitude da que ocorreu em 2001
no Brasil, para que uma nova postura passasse a vigorar, com o objetivo de minimizar os
possíveis efeitos de um novo racionamento nos próximos anos, decorrente de outros ciclos
hidrológicos desfavoráveis. Após o racionamento, diversos estudos foram feitos no sentido de
se evitar a repetição do evento, entre eles o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de
Energia Elétrica (PROINFA) e o estabelecimento de premissas que serviriam de base, mais
adiante, para o novo modelo regulatório do setor elétrico (GARCIA, 2008, p. 16).
Uma das iniciativas com o intuito de promover a diversificação da matriz elétrica
_______________
7
Informe repassado por ocasião de entrevista do professor e cientista José Goldemberg ao autor da
monografia, ocorrida no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP (IEE/USP), em 17 de julho de 2009.
29
brasileira e de buscar alternativas para aumentar a segurança no abastecimento de energia
elétrica, foi a criação, pelo governo, do PROINFA8. Este programa tem o objetivo de
aumentar a participação da energia elétrica produzida por empreendimentos com base em
fontes eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas (PCH) 9. O prazo para o início de
operação desses empreendimentos se encerra em 30 de dezembro de 2010. O Programa prevê
a implantação de 144 usinas, totalizando 3.299,40 MW de capacidade instalada, sendo
1.191,24 MW provenientes de 63 PCH, 1.422,92 MW de 54 usinas eólicas, e 685,24 MW de
27 usinas a base de biomassa. Toda essa energia tem garantia de contratação por 20 anos pela
Eletrobrás.
A necessidade de centrais térmicas para a geração de eletricidade no Brasil não é
motivada, apenas, pelo esgotamento do potencial hídrico em médio prazo, como pode ser
visto, mas para fazer frente aos riscos hidrológicos. Ela advém da necessidade de regulação do
sistema, uma vez que a construção de novas hidrelétricas com grandes reservatórios de
acumulação vem sofrendo sérias restrições para a obtenção de licenciamento ambiental. A
imaginada complementaridade dos regimes de chuva das bacias hidrográficas brasileiras, que
garantiria a autorregulação do sistema, não é corroborada pelos dados históricos de vazões. As
regiões brasileiras, com exceção da Região Sul, apresentam meses de secas mais ou menos
coincidentes. O país está passando por um divisor de águas, em que a malha elétrica de virtual
monopólio da hidroeletricidade no Sistema Interligado Nacional (SIN) apresenta a tendência
de evolução para uma situação em que a componente hidrelétrica continuará a predominar e
ter precedência, porém ao lado de uma importante componente termelétrica, necessária para
garantir a operação segura do sistema. Isto é, o sistema elétrico nacional está passando por
uma transição de uma situação quase 100% hídrica, para uma condição hidrotérmica. A
geração hidrelétrica manterá o seu protagonismo, porém ao lado de uma componente
termelétrica com o objetivo de prover a necessária regulação plurianual do nível dos
reservatórios, minimizando os riscos hidrológicos associados, assim como, complementando a
_______________
8
9
O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA) foi instituído conforme
descrito no Decreto nº 5.025, de 2004.
As Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) são caracterizadas por possuírem potência instalada superior a
1.000kW e igual ou inferior a 30.000 kW, destinadas à produção independente, autoprodução ou produção
independente autônoma, com reservatórios de área inferior a 3,0 km2, ou, no caso da área do reservatório
maior que 3,0 km2, respeitando a potência mencionada que atenda à seguinte inequação:
A ≤14,3 x P/ Hb;
onde: A = área do reservatório (km2); P = potência elétrica instalada (MW); Hb =
queda bruta (m), definida pela diferença entre os níveis d’água máximos normal de montante e normal de
jusante. Neste caso, deve ser respeitado o limite máximo de 13,0 km2 de área do reservatório e a potência de
30.000 kW (Resolução ANEEL n° 652, de 09/12/2003).
30
capacidade instalada e dando segurança ao suprimento de energia elétrica, capaz de atender a
um desenvolvimento econômico sustentável (OTHON, 2006, p. 78).
As análises quantitativa e qualitativa da atual matriz elétrica brasileira passam pela
Oferta de Energia Elétrica do País, que, em 2008, mostra crescimento de 4,2% em relação a
2007, atingindo montante de 503,5 TWh, incluídos 50,1 TWh de geração de autoprodutores
(10% de participação) e 42,1 TWh de importação líquida (8,4%). Na composição da matriz de
oferta, os destaques ficam com os incrementos das gerações por gás natural (91%); por
biomassa (35%); por carvão mineral (20%); e por derivados de petróleo (17%). A geração
hidráulica teve retração de 2,4%, demonstrando o cuidado do planejamento com a manutenção
satisfatória dos níveis dos reservatórios com os períodos de estiagem ocorridos naquele ano
(TAB. 4).
TABELA 4
Brasil: Matriz de oferta de energia elétrica em 2008
ESPECIFICAÇÃO
HIDRO
NUCLEAR
GÁS NATURAL
CARVÃO MINERAL
DERIVADOS DE
PETRÓLEO
BIOMASSA
GÁS INDUSTRIAL
IMPORTAÇÃO
TOTAL
GWh
2007
2008
374.015
12.350
15.497
6.792
365.062
13.969
29.596
8.179
13.333
08/07 %
Estrutura (%)
2007
2008
-2,4
13,1
91,0
20,4
77,4
2,6
3,2
1,4
72,5
2,8
5,9
1,6
15.577
16,8
2,8
3,1
18.104
4.492
38.832
24.398
4.638
42.060
34,8
3,2
8,3
3,7
0,9
8,0
4,8
0,9
8,4
483.415
503.480
4,2
100,0
100,0
Fonte: EPE (2009, p. 11).
Nota: a) Hidro inclui autoprodutores (50,1 TWh); b) biomassa inclui 559 GWh de eólica em 2007 e 557 GWh em
2008; c) carvão mineral inclui geração por gás de coqueria; d) gás industrial inclui gás de alto forno, gás
de aciaria e calor de processamento de enxofre.
Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a capacidade instalada
de geração elétrica foi acrescida de 2.160 MW em 2008, assim distribuídos: 653 MW
correspondendo a Usina Termelétrica (UTE) à biomassa; 643 MW a Pequenas Centrais
Hidrelétricas (PCH); 375 MW de UTE ao gás natural; 198 MW de UTE ao óleo diesel e óleo
combustível; 180 MW de UHE e 75 MW a usinas eólicas. Como resultado, a capacidade
instalada de geração, em 31/12/2008, atingiu 102,6 GW. Considerando a possibilidade de
importação de 8,2 GW, a capacidade de oferta de energia elétrica chega a 110,8 GW (ANEEL,
2009, p. 1).
31
De uma maneira geral, o GRAF. 4 mostra essa evolução, na qual se observa o
salto de crescimento das usinas termelétricas a partir da crise energética ocorrida no Brasil em
2001, e a participação da fonte de energia nuclear.
GRÁFICO 4 - Brasil: Capacidade instalada de geração elétrica 1974-2007
Fonte: EPE (2009, p. 123).
Ainda em 2008 foram acrescentados à infraestrutura elétrica, 3.506 km de Linhas
de Transmissão (LT), dos quais 955 km em 230 kV e 2.551 km em 500 kV. Como resultado,
foi alcançado o montante de 94.800 km de LT em alta tensão, ao final do ano.
GRÁFICO 5- Brasil: Matriz de oferta de energia elétrica por fonte em 2008
Fonte: EPE (2009, p. 11).
32
Sob a análise internacional, o Brasil apresenta uma significativa diferença na
participação da energia hidráulica na Matriz de Oferta de Energia Elétrica de 81% contra um
pouco mais de 16% no mundo (grifo nosso). Tal dinâmica contrasta com baixas participações
no Brasil da geração a energia nuclear, a gás natural e a carvão mineral (GRAF. 5).
A matriz mundial passou por significativas alterações em sua composição no
período de 1973 a 2006, com fortes reduções de participação da geração por derivados de
petróleo (de 24,7% para 5,8%) e da geração hidráulica (de 21% para 16%). Estas reduções
foram compensadas por acréscimos nas participações do gás natural e do urânio (GRAF. 6)
(EPE, 2009, p. 15).
GRÁFICO 6 – Mundo: Matriz de energia elétrica por fonte 1993-2006
Fonte: EPE (2009, p. 12).
A grande incerteza que cerca o comportamento do consumo de energia elétrica
está no segmento industrial, até agora o mais afetado pela crise. A partir de outubro de 2008, a
trajetória do consumo industrial, 46,5% do total, foi declinante até janeiro de 2009. No
primeiro semestre, o consumo médio mensal da indústria girou em torno de 13,1 TWh, bem
abaixo da média registrada no segundo semestre de 2008, que foi superior a 15,2 TWh.
Supondo a manutenção do ritmo de recuperação da atividade e do consumo industrial que já
33
se observa, estima-se que o total demandado pela indústria em 2009 atinja 166,7 TWh
(projeção tendencial). Os setores industriais mais afetados pela crise respondem por grande
parte da retração do consumo de energia elétrica no setor secundário, principalmente nas
regiões Sudeste e Nordeste. Foi intensamente afetado, por exemplo, o consumo na cadeia da
metalurgia básica desde a extração do minério de ferro até a produção da gusa e de ferro-liga
e, ainda, a siderurgia. Nesse contexto, é no Sudeste onde se verifica a retração mais profunda
do consumo industrial de energia, principalmente em Minas Gerais e no Espírito Santo, onde
há importantes consumidores nos setores metalúrgicos e siderúrgicos. O consumo semestral
de 42,9 TWh na região é comparável ao registrado em 2004. Já a evolução do consumo na
baixa tensão (consumidores residenciais e comerciais) está influenciada por efeitos
estatísticos, que condicionam taxas de crescimento mais elevadas no primeiro semestre, e
relativamente mais baixas na segunda metade do ano. De qualquer modo, o consumo nessas
classes poderá crescer próximo de 5% em relação a 2008.
Nessas condições, tendo em conta que o consumo apurado no primeiro semestre
do ano ficou abaixo do esperado e que, além disso, a perspectiva de crescimento para a
economia em 2009 sofreu redução de 2% para 0,5%, a taxa de crescimento do consumo
nacional de energia elétrica na rede para 2009, relativamente a 2008, foi revista de 1,2% para 0,5% a -1% (grifo nosso). Isto resulta em valores do consumo total entre 388 e 391 TWh.
Note-se que, conforme mencionado, as projeções já consideram uma recuperação do consumo
de energia no setor industrial no segundo semestre (EPE, 2009, p. 2).
2.4 Perspectivas do Planejamento Energético
A cenarização da evolução da demanda e da oferta de energia é uma tarefa que vem
desafiando o setor de planejamento das empresas energéticas e dos órgãos
governamentais nas últimas décadas no Brasil e no mundo. Esta atividade ganha
nova relevância com as transformações por que vem passando o setor energético
brasileiro. Em um ambiente cada vez mais competitivo, onde cada agente procura
realizar de forma isolada e setorial suas próprias projeções, torna-se fundamental
para o funcionamento destes próprios agentes e dos órgãos reguladores a existência
de estudos que procurem trabalhar as diferentes formas de energia de forma
integrada. (TOLMASQUIM, 2000, p. 13)
Na área energética, cabe ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a
formulação de políticas e diretrizes de energia para o desenvolvimento nacional equilibrado. O
Ministério de Minas e Energia (MME) é o responsável pela concepção, articulação e
34
coordenação do planejamento energético nacional. Este planejamento é determinante para o
setor público e indicativo para o setor privado das ações a serem desenvolvidas na área
energética, devendo assim conter uma visão integrada da expansão da demanda e da oferta de
diversos energéticos. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), empresa pública, vinculada ao
MME, instituída em 2004, tem por finalidade prestar serviços de estudos e pesquisas
destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, sendo desenvolvidas nas áreas da
energia elétrica, nuclear, petróleo e gás natural, carvão mineral, fontes energéticas renováveis
e eficiência energética, dentre outras.
O planejamento do sistema energético nacional teve seu horizonte ampliado com a
elaboração do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2008-2017) e do Plano Nacional
de Energia (PNE) 2030 pelo EPE, sob coordenação do MME e apoio do Centro de Pesquisa
de Energia Elétrica (CEPEL), órgão ligado à Eletrobrás. Os objetivos dos planos foram de
definir um cenário de referência para a implementação de novas instalações na infraestrutura
de oferta de energia, necessárias para se atender ao crescimento da demanda do mercado,
segundo critérios de garantia de suprimentos preestabelecidos, de forma ambientalmente
sustentável e minimizando os custos totais esperados de investimento, incluindo os
socioambientais, e de operação. O PDE 2008-2017 foi recentemente aprovado pelo MME (3
de agosto de 2009), que esteve em consulta pública até final de fevereiro deste ano, em
substituição ao plano anterior, PDE 2006-2015 (EPE, 2009, p. 7).
Há uma significativa correlação entre a evolução da demanda total de energia e o
nível de atividade econômica. Dessa forma, não é razoável fazer um exame prospectivo da
demanda de energia de um país sem a concomitante análise da evolução do respectivo
contexto econômico ao longo do horizonte de interesse. Estudos de natureza prospectiva de
longo horizonte requerem a aplicação de métodos específicos, dentre os quais a abordagem de
cenários está entre os mais indicados, especialmente por conta do elevado número de
incertezas envolvidas.
Para a elaboração dos estudos de planejamento energético de longo prazo, a EPE
formulou cenários para a economia brasileira, sendo destacado um deles como o de referência
no âmbito do Plano Nacional de Energia, o PNE2030. Os estudos posteriores da EPE,
nomeadamente aqueles relativos ao Plano Decenal, utilizaram como pano de fundo esses
cenários, que definem tendências de longo prazo.
Não obstante, julga-se que aumenta a importância do papel do planejamento de
médio e longo prazos, num ambiente incerto, para auxiliar na formação das expectativas dos
35
agentes do setor energético brasileiro, no sentido de buscar a utilização mais adequada dos
recursos nacionais. Entende-se que as análises com horizonte decenal e de mais longo prazo
não podem deixar que a eventual deterioração das expectativas de curto prazo contamine a
visão para além da crise.
No que concerne o setor elétrico, os principais papéis na expansão do sistema de
energia elétrica pertencem aos agentes, tanto de geração e transmissão, quanto de distribuição,
responsáveis, respectivamente, pelos investimentos e pela contratação da maior parcela de
energia, com antecedência necessária à implantação dos novos empreendimentos. Para o setor
elétrico, o planejamento tem, portanto, a função de orientar e subsidiar:
a) a realização dos futuros leilões de compra de energia e de novos empreendimentos de
geração e de transmissão;
b) a definição de quais estudos de expansão da transmissão devem ser priorizados;
c) quais estudos devem ser realizados de viabilidade técnico econômica e
socioambiental de novas usinas geradoras; e
d) quais estudos de inventários deverão ser feitos ou atualizados.
Constatou-se em 2007 e 2008 que uma grande parcela da expansão de geração, foi
devida a instalação de usinas termelétricas a combustível fóssil, pois já se encontrava definida
pelo resultado de leilões já realizados. Assim, a configuração de expansão até o ano de 2013
não corresponde a um cenário elaborado pelo planejamento do sistema. Dentre as
justificativas para a significativa contratação de termelétricas a combustível fóssil nos últimos
leilões, deve-se ressaltar a dificuldade para a obtenção de licenças ambientais para os
empreendimentos hidrelétricos.
Na área de exploração e produção de petróleo e gás natural, elaboraram-se
previsões de produção de petróleo e gás natural com base nas reservas dos campos em
produção e em desenvolvimento. Portanto, é possível antever as condições de atendimento ao
mercado e as possibilidades de exportação, bem como os investimentos necessários no parque
de refino e na infraestrutura logística de petróleo e seus derivados. Vislumbra-se para o
próximo decênio um novo papel para o Brasil no mercado mundial de petróleo, passando à
condição de exportador líquido de petróleo e derivados, em função do desenvolvimento da
produção em campos de petróleo já delimitados. Esta condição será posteriormente ampliada,
a partir do desenvolvimento dos novos campos descobertos na nova e promissora província
petrolífera conhecida como pré-sal.
Na área do gás natural, foram levantadas as projeções de demanda de gás natural
36
das companhias distribuidoras locais, do consumo em refinarias, das fábricas de fertilizantes e
das termelétricas. A competitividade entre o gás natural e fontes energéticas substitutas em
cada segmento, como por exemplo, o óleo combustível no segmento industrial, constitui-se
como orientadora na elaboração das projeções das demandas e, com este objetivo, foram
analisadas as perspectivas dos preços de gás natural no cenário mundial e seus reflexos no
Brasil. Projeta-se para o período decenal uma ampliação da participação do gás nacional na
oferta total de gás, devido ao incremento da produção interna, mesmo considerando a
perspectiva de novos terminais de gás natural liquefeito (GNL), além dos dois terminais, um
no Rio de Janeiro e outro no Ceará, que iniciaram sua operação em 2009. Prevê-se também
que a importação de gás boliviano permanecerá estável nos níveis atuais.
Quanto aos biocombustíveis, foram analisadas as condicionantes de demanda e
perspectivas de atendimento, focando o etanol carburante e o biodiesel. Para o etanol
carburante, analisou-se a sua competitividade em relação à gasolina no novo mercado de
veículos “flexfuel”, que apresenta taxas de crescimento expressivas, bem como o potencial de
expansão da capacidade de oferta e sua logística de transporte, a estimativa de investimentos
associados e o mercado internacional, avaliando-se as estimativas brasileiras de exportações.
No que tange ao biodiesel, foram analisados aspectos de disponibilidade de insumos e de
capacidade de processamento, a infraestrutura de escoamento da produção, o potencial de
consumo, a perspectiva de preços nacionais e sua competitividade face ao diesel fóssil, bem
como a existência de condições para que a demanda ultrapasse as metas estabelecidas pela Lei
nº 11.097/2005, de 20% e 25% de mistura na gasolina.
Os estudos do Plano 2030 referentes aos cenários econômicos e energéticos, para
o país, foram estabelecidos para quatro trajetórias distintas, com as seguintes taxas anuais
médias de crescimento do PIB, no período 2005/2030: cenário A com 5,1%, cenário B1 com
de 4,1%, cenário B2 com de 3,2% e cenário C com 2,2%.
Aos cenários econômicos foram associadas a quatro trajetórias de consumo
energético distintas. A energia final é consumida de duas formas principais, como eletricidade
ou como combustível, a análise aqui apresentada aborda estas duas formas. Partindo-se do
consumo de 165 milhões de tep, registrado em 2005, espera-se evoluir para valores entre 309
e 474 milhões de tep, em 2030, em termos de consumo final de energia (exclusive o consumo
próprio do setor energético e usos não energéticos). Quanto à energia elétrica, em particular, o
consumo verificado em 2005, de 375 TWh, espera-se que se eleve para valores entre 847 e
1.244 TWh, em 2030, como mostrado na TAB. 5.
37
TABELA 5
Brasil: Taxa média de fornecimento de Energia (%) 2005-2030
Cenário A
Cenário B1
Cenário B2
Cenário C
Energia*
4,3
3,6
3,1
2,5
Energia Elétrica
5,1
4,1
3,9
3,5
Fonte: EPE (2009, p. 7).
* Exclusive consumo no setor energético e usos não energéticos.
Observa-se que há uma expansão da energia elétrica em qualquer um desses
cenários, crescendo sempre a taxas maiores que as da energia em geral. Isto é devido ao fato
de que, em todos os cenários, há um crescimento do setor de serviços na economia e aumento
da participação de indústria de maior valor agregado, bem como o aumento da posse de
equipamentos eletrodomésticos por parte da população. O cenário B1 foi priorizado para o
estabelecimento das estratégias de expansão do sistema energético nacional, complementado
com análises de sensibilidade.
As matrizes energéticas correspondentes ao cenário B1 de 1970, 2005 e 2030
(valores projetados), são apresentadas na FIG. 1, onde podem ser elaboradas algumas análises
a seguir.
100
80
60
40
20
0
.
1970
2005
FIGURA 1 – Evolução da estrutura de energia
Fonte: EPE (2008, p. 28).
2030
38
A diversificação da matriz energética, no período de 2005-2030, está claramente
demonstrada em sua evolução, onde haveria:
a) uma redução significativa da utilização de lenha e carvão vegetal, de 13% para 5,5%;
b) um aumento da participação do gás natural, de 9,4% para 15,5%;
c) uma redução da participação do petróleo e derivados de 38,7% para 28%;
d) uma elevação na participação das fontes energéticas oriundas de produtos da canade–açúcar e outras renováveis, (etanol, H-Bio, Biodiesel e outras), de 16,7% para
27,6%; e
e) a manutenção da participação das fontes renováveis, atualmente em torno de 45%,
diante do valor de 14% no mundo.
A Matriz Energética brasileira apresenta uma elevada participação das fontes
primárias de energia nacionais, mantendo-se o valor de 2005, de aproximadamente 90%, no
ano de 2030, dentro das hipóteses deste Plano.
Os estudos apontam a tendência de manutenção da liderança do diesel de petróleo,
no setor de transporte, mesmo com a introdução do biodiesel e do diesel a partir de óleos
vegetais (H-Bio), mantendo a taxa de 3,6% a.a. no período 2005-2030.
Dentro do mercado do diesel de 260 milhões de litros por dia em 2030, estima-se
que cerca de10% desse mercado será suprido pela ampliação do processo H-Bio nas
refinarias, perfazendo a participação de 27 milhões de litros por dia, a partir de óleos vegetais.
A competitividade da cana-de-açúcar para fins energéticos é o principal elemento
que justifica a expansão expressiva da produção de etanol, com excedentes para exportação.
Assim, há um aumento da produção dos demais derivados, em especial da biomassa destinada
à geração de energia elétrica. Destaque-se que ao longo do horizonte, parte da biomassa será
destinada à produção do etanol, pelo processo de hidrólise. No final do horizonte vislumbra-se
uma redução do montante de etanol para exportação, em função do crescimento do consumo
interno. O uso do etanol reduz a demanda de gasolina, aliviando pressões sobre o meio
ambiente e a demanda e o refino do petróleo. A previsão de produção de etanol, no Brasil,
em2030, é de 66 bilhões de litros por ano.
No setor elétrico, o Brasil possui fontes primárias para produção de energia
elétrica em quantidade suficiente para o suprimento do mercado de eletricidade, no horizonte
além de 2030. No entanto, aspectos como a competitividade entre as fontes, diversificação da
matriz energética, restrições socioambientais, racionalização do uso da energia leva a um
portfólio múltiplo de alternativas na estratégia da expansão. As matrizes elétricas para os anos
39
de 2005 (verificada) e 2030 (projetada), para o cenário B1, destacando-se os comentários a
seguir.
A capacidade instalada da hidreletricidade no ano de 2005, considerando a parcela
paraguaia de Itaipu, situou-se em torno de 75%, e prevê-se que esse percentual se mantenha
no ano 2030. Em outras palavras, dentre as diversas fontes de geração, a hidreletricidade ainda
se manterá predominante no período de 25 anos, 2005/2030. Considerando as demais fontes
renováveis nacionais, centrais eólicas, biomassa da cana-de-açúcar e resíduos urbanos, a
parcela de energia renovável para produção de eletricidade se situaria em torno de 81%, em
2030 (em 2008 foi de 86%), bastante elevada quando comparada com a média mundial atual
de apenas 20% (em 2008 foi de 18%).
O potencial hidrelétrico nacional permitiria a instalação de uma capacidade total
de cerca de 260GW, como mostrado na TAB. 6. Deste total foi identificada uma parcela de
174 GW como aproveitável, sob o ponto de vista ambiental, até o ano 2030. Considerando a
parcela atualmente em operação, acrescida do previsto no horizonte decenal até 2015, que
totaliza 98 GW, estaria, portanto, disponível para aproveitamento, no período 2015/2030, um
montante de 76 GW. Importante notar que grande parcela deste potencial encontra-se
localizado na Região Norte, na Amazônia, como pode ser observado na TAB. 6 e ilustrado
pela FIG. 2, que mostra a evolução da concentração das usinas hidrelétricas no Brasil.
TABELA 6
Potencial hidrelétrico brasileiro por bacia hidrográfica em 2000
Fonte: ANEEL (2002, p. 19).
40
FIGURA 2 – Evolução do aproveitamento do potencial hidrelétrico brasileiro
Fonte: ANEEL (2005, p. 38).
Os estudos referentes à estratégia de expansão até 2030, para o cenário B1,
considerando a conservação de energia, indicam, por razões de competitividade econômica
com as termelétricas, a utilização da quase totalidade do potencial hidrelétrico avaliado como
aproveitável até 2030. Assim, no horizonte do Plano, dos 174 GW considerados, estariam
aproveitados, em 2030, aproximadamente 164 GW, o que representa 94% do montante
disponibilizado, incluindo o aproveitado em 2005. Considerando que a capacidade instalada
necessária para atendimento da demanda, em 2030, é de 225 GW, necessita-se em torno de 61
GW em outras fontes de geração não hidráulicas, com predominância para a geração térmica,
num montante de 48 GW, incluindo o existente em 2005. Assim, os aproveitamentos
hidráulicos da Região Norte, são necessários e estratégicos nesse plano de longo prazo. Nessa
região encontra-se a maior parcela dos recursos hidrelétricos nacionais para desenvolvimento,
a partir de 2010. O não aproveitamento desse potencial implicaria a necessidade de
desenvolver um programa termelétrico adicional, em montantes da ordem de 50 GW (grifo
nosso).
As dificuldades relacionadas com os aspectos ambientais, de suprimento do
combustível, e de custos de tal programa termelétrico seriam muito mais complexas do que o
desenvolvimento das hidrelétricas amazônicas, com reflexos na dependência externa de
energia e de importação de tecnologia.
Na termeletricidade, os estudos apontam a necessidade de expansão de usinas em
relação ao programa complementar termelétrico, operando prioritariamente na base,
41
resultando numa ênfase para as opções carvão mineral, nuclear e biomassa. Por essa razão o
carvão mineral evolui de 2% para 3%, e a nuclear de 2,7% para 5%, na oferta de
eletricidade no período 2005/2030 (grifo nosso). As usinas térmicas a gás natural, em regime
de complementação, por razões de competitividade, seriam também incorporadas ao sistema
energético.
a) Nuclear – Os estudos indicam, por competitividade econômica, um montante mínimo
de 4 GW, podendo alcançar 8 GW adicionais à Angra III, até 2030, localizados nas
regiões Sudeste e Nordeste. Ou seja, para o PNE2030 a construção de 4 a 8 usinas
nucleares de 1.000 MW, construídas duas a duas, e para o PDE 2008-2017 está
incluída a conclusão de construção de Angra III (1.350 MW). Assim, estaria
estabelecido um programa nuclear após as três unidades de Angra, no horizonte do
Plano. Este programa nuclear apresenta o grande diferencial de não emitir os gases
causadores do efeito estufa.
b) Biomassa – A geração de energia elétrica a partir da biomassa é uma opção
competitiva, ambientalmente viável e apresenta, para alguns combustíveis, diversidade
sazonal dentro do ano, com a geração hidrelétrica. Quantidades adicionais de biomassa
resultam das atividades agrícolas e do lixo urbano. Considerou-se um incremento de
geração, em função da oferta prevista de combustível, de 4,75 GW para a biomassa, a
partir de cana-de-açúcar e de 1,3 GW, a partir de resíduos urbanos e outras biomassas,
ambos no período 2015/2030.
c) Gás Natural – A geração de energia elétrica a partir do gás natural se insere no
contexto de competição pelo uso desta fonte em outros setores como, por exemplo,
matéria prima na indústria química e na geração de calor industrial. A tecnologia de
geração termelétrica a gás natural apresenta, no entanto, vantagens socioambientais, de
cronogramas de construção, de competitividade (com operação em regime de
complementação), de flexibilidade e de confiabilidade, o que recomenda a sua
inclusão, no horizonte do Plano. Os estudos indicaram uma expansão, no período
2015/2030, de 8 GW, podendo atingir 15,5 GW, em um cenário de demanda alta e de
disponibilidade do combustível.
O potencial eólico brasileiro para aproveitamento energético tem sido objeto de
estudos e inventários desde a década de 1970, que culminaram com a publicação, em 2001, do
Atlas do Potencial Eólico Brasileiro (BRASIL, 2001, p. 3). O Atlas apontou a existência de
42
áreas com regimes médios de vento, propícios à instalação de parques eólicos, principalmente
nas regiões Nordeste (144 TWh/ano), Sul e Sudeste do país, (96,04 TWh/ano). Vale ressaltar
que, nas regiões Sul e Sudeste, encontram-se os grandes centros consumidores, com maior
necessidade de segurança e incremento no fornecimento de energia elétrica.
Quanto à transmissão, estão previstos os sistemas de integração das usinas
hidrelétricas da Região Amazônica ao Sistema Interligado Nacional (SIN), em particular as
dos rios Madeira, Xingu e Tapajós. No horizonte do plano decenal há a previsão de
interligação de dois sistemas isolados: Acre-Rondônia, a partir de dezembro/2009, e ManausMacapá, a partir de janeiro/2012.
O Brasil se destaca por apresentar reduzidos índices de emissão, oriundos do setor
energético, comparativamente ao resto do mundo. Projetam-se emissões de pouco mais de 770
milhões de toneladas de CO2 em 2030, com taxa anual média de 4,1%, enquanto a demanda
de energia cresce a 3,6% a.a. Neste horizonte, os derivados de petróleo serão os maiores
contribuintes para as emissões totais. Apesar de apresentar fatores de emissão menores do que
os demais combustíveis fósseis, o gás natural expande sua contribuição para em torno de 17%,
face à maior participação na indústria, bem como na geração elétrica. Por outro lado, tem-se
uma maior participação das energias alternativas renováveis (como bioenergia e eólica) e das
medidas de eficiência energética, tanto na matriz de combustíveis como na de energia elétrica,
que contribuem para a minimização de emissão pela indústria da energia. Projeta-se, também,
uma maior participação da energia nuclear, por ser a fonte de energia, até então utilizada
comercialmente, que menos emite gases que provocam efeito estufa, considerando emissões
em todo o ciclo de vida, desde a fabricação dos equipamentos.
A expectativa para a malha elétrica nacional após 2030, considerando os estudos e
previsões realizadas nos planos energéticos, é de que haverá um esgotamento de utilização do
potencial hidráulico brasileiro, uma aceleração do programa complementar térmico, uma
maior utilização de fontes alternativas energéticas menos agressivas ao meio ambiente,
devendo haver maior aplicação de investimentos em desenvolvimento e pesquisa nessas
fontes, maior incentivo a programas de eficiência energética e combate ao desperdício
energético (EPE, 2009, p. 611).
43
3 O NOVO PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO
O estudo deste capítulo está centrado na importância da questão nuclear para o
mundo e para o Brasil, abordando aspectos relacionados com a sua origem, fundamentos
teóricos, aplicações, vantagens, preconceitos e cuidados na sua utilização, no intuito de obter
subsídios para o atendimento dos objetivos e as respostas das questões propostas no presente
trabalho monográfico.
Inicialmente, é apresentado um breve relato da história e dos princípios
fundamentais, não sendo assim completos, onde foram apenas considerados os fatos basilares
para o entendimento da situação atual e dos reflexos futuros da energia nuclear no mundo, no
Brasil e na Marinha do Brasil (MB).
O novo Programa Nuclear Brasileiro (PNB) é analisado em detalhes, avaliando-se
os seus projetos e metas. São investigadas as motivações e aspirações para o ressurgimento da
energia nuclear e as suas perspectivas da maior participação na malha energética brasileira,
referenciando-se a dados de planejamento do capítulo anterior. Foi possível, também, ter um
entendimento de como o Programa Nuclear da Marinha do Brasil (PNM) está contido no
contexto do PNB e das repercussões para outras áreas da MB, principalmente a médica, sendo
objeto de estudo no próximo capítulo.
3.1 Gênese Histórica da Energia Nuclear
3.1.1 No Mundo
A Teoria Atomista foi desenvolvida, inicialmente, no quinto século antes de Cristo
pelos filósofos gregos Leucipo e Demócrito, e afirma que o universo tem uma constituição
elementar única, que é o átomo, partícula indivisível, invisível, impenetrável e possui
movimento próprio.
Somente no início do século XIX, os pesquisadores em química retornaram à
hipótese atômica. Ela foi proposta por John Dalton em 1803, quando postulou que os
elementos químicos consistem de átomos, partículas discretas de matéria, e que os compostos
químicos são formados pela união de átomos de diferentes elementos. Amadeo Avogrado,
Conde de Quaregna e Cerredo estabeleceram a hipótese da existência de moléculas como
agrupamentos de átomo ao interpretar as leis de Gay-Lussac em 1811,. Após o ano de 1834, a
44
interpretação das leis de eletrólise, de Michael Faraday, permitiu a conclusão de que os
átomos transportavam cargas elétricas. O russo Dmitri Mendeleev, em 1869, apresentou uma
classificação periódica dos elementos na qual os átomos eram distribuídos por pesos atômicos.
O primeiro modelo de átomo foi apresentado por J. J. Thompson (1856-1949), que
ficou conhecido como “pudim de ameixas”, pois o núcleo positivo (pudim) se acha incrustado
por elétrons (ameixas). J. J. Thompson é um dos principais físicos do período de transição
entre a Física Clássica (século XIX) e a Física Moderna (século XX). Robert A. Millikan,
físico americano, trabalhou nove anos na determinação da carga do elétron na sua célebre
experiência da gotícula de óleo, tendo grande importância para o desenvolvimento da física
atômica, na descoberta dos Raios X e da radioatividade. Roentgen, em 1895, descobriu um
tipo de radiação que atravessava corpos opacos e impressionavam placas fotográficas. Como
eram de natureza desconhecida, foram denominados Radiação ou Raios X, tendo sido
apresentado por Poincarré, em 1896, os resultados desses estudos. Henri Becquerel,
entusiasmado pelo trabalho de Poincarré, estabeleceu que os sais de urânio emitem radiações
análogas às dos Raios X. Esses raios foram estudados por vários cientistas, até passar pelo
célebre casal Curie (Pierre e Maria Curie). O casal já explicava a radioatividade como uma
propriedade atômica. Descobriram as propriedades radioativas do tório, o elemento polônio
(1898) e o elemento rádio (1910), após extrair 1 g do elemento ao tratar em torno de 10t de
mineral.
O início do Século XX foi caracterizado pelo enorme intercâmbio científico entre
os EUA, Inglaterra, França, Itália e Alemanha, o que impulsionou, com a troca de
informações, o desenvolvimento da atividade nuclear no mundo. Ernest Rutherford, em 1911,
estabeleceu o modelo atual de átomo a partir do modelo de J. J. Thompson. Entre 1913 e
1915, Niels Bohr, estudando a estabilidade do átomo de Rutherford, estabeleceu os postulados
das órbitas eletrônicas. A ideia original de quantificação da energia foi apresentada por Max
Planck em 1901, e foi desenvolvida por vários cientistas, sendo que a mecânica quântica e a
teoria da relatividade, de A. Einstein, são ferramentas poderosas para o campo da física
atômica como da física nuclear.
Rutherford
propôs
a
existência
do
nêutron,
que
foi
comprovada
experimentalmente por Chawik em 1932. O pósitron, que é uma partícula de massa igual ao
elétron e de carga positiva, foi determinado experimentalmente por Anderson, neste mesmo
ano, em estudo de radiação cósmica. O brasileiro Cesar Lattes participou ativamente da
descoberta do MÉSON II em experiência realizada nos Estados Unidos em 1948, dentro da
45
teoria para explicar o problema das forças nucleares. Este fato foi de grande importância para
o desenvolvimento da física no Brasil, motivando a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas
Físicas, hoje um dos centros do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). O italiano Enrico Fermi, um dos maiores físicos do século, está
associado ao desenvolvimento da energia nuclear. Estavam previstas a fissão e a fusão
nucleares. Devido à retórica de Mussolini, Fermi se deslocou para os Estados Unidos, após ter
recebido, em 1938, o Prêmio Nobel pela produção de elementos transuranianos resultantes do
bombardeamento de urânio por nêutrons.
Ao reunir trabalhos e tendo a participação de outros cientistas estrangeiros que
estavam nos Estados Unidos, incluindo Albert Einstein, e contando com o patrocínio e
coordenação do governo americano do Presidente F. D. Roosevelt, no dia 2 de dezembro de
1942, Fermi e seu grupo conseguiram uma reação em cadeia autossustentável, entrando em
operação o primeiro reator nuclear, dando início assim, à Era Nuclear (CNEN, 2000, p. 23,
grifo nosso).
Com o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), houve a interrupção da
cooperação internacional na área nuclear, passando os Estados a tratar as pesquisas sobre o
assunto como matéria sensível e recebendo elevado grau de sigilo. Contribuiu, também, para
moldar a questão nuclear, o surgimento de uma disputa ideológica, política, econômica e
militar entre os EUA e a URSS ao término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, criando
uma bipolaridade internacional de liderança das duas potências e de defensores do capitalismo
e do socialismo, originando a denominada Guerra Fria. Após 1945, os EUA eram o único
Estado que detinha o conhecimento para a produção de artefatos nucleares e, por isso, tinha
um papel relevante internacionalmente. Isto levou, também, a que as grandes potências
daquela época buscassem desenvolver seus próprios programas nucleares para, assim,
desempenharem um papel dissuasório perante outros Estados. Os EUA, diante deste contexto,
estabeleceram políticas para evitar a disseminação do conhecimento nuclear, tendo a reação da
URSS que, em 1949, se tornou o segundo Estado a detonar um artefato nuclear, iniciando a
fase armamentista nuclear da Guerra Fria. Ocorreram, desta época em diante, a entrada das
potências mais desenvolvidas neste grupo seleto: a Inglaterra, em 1952, a França, em 1960, e a
China, em 1964. Esses Estados constituem um oligopólio possuidor de armas nucleares e são
membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas com
poder de veto. Ao longo dos anos, eles vêm dificultando o acesso à tecnologia do
enriquecimento de urânio por meio de vários instrumentos, tanto políticos, como os
46
econômicos, e até os militares, como o Protocolo Adicional (1997) e a denominada trigger list
(relação de materiais e equipamentos considerados sensíveis e proibidos de serem exportados)
e a invasão do Iraque pelos EUA (RODRIGUES, 2006, p. 11).
3.1.2 No Brasil
A importância do desenvolvimento da ciência e da tecnologia para a produção de
energia nuclear no Brasil tem estimulado o debate nos meios acadêmico, político e militar a
mais de 50 anos. O desfecho da Segunda Guerra Mundial, somado aos movimentos
nacionalistas em defesa dos minerais radioativos e as atividades de pesquisa na área da física
na década de 1950, contribuíram para despertar no interesse pela energia nuclear. Naqueles
anos, um grupo formado de cientistas, empresários, técnicos do governo, militares e uns
poucos parlamentares consideravam que promover a ciência e produzir energia nuclear
contribuiria para superar o atraso crônico do país, ostentar sua grandeza cultural e garantir o
poder político-militar. Nesse sentido, no discurso associado à produção de energia nuclear
havia claras referências às seguintes questões: guerra, defesa e soberania nacional
(ANDRADE; SANTOS, 2006, p. 2).
As primeiras pesquisas na área nuclear no Brasil ocorreram nas escolas de física e
engenharia de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte por cientistas europeus refugiados
no Brasil devido às perseguições políticas em seus países, a partir dos anos 30. Mas foi em
1944 que, nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, se documentaram as primeiras
pesquisas sobre teorias das forças nucleares.
Um segundo movimento ocorreu no governo Getulio Vargas com a criação do
Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), em 1951, considerado um marco na história nuclear
brasileira. Nomeado para ser o seu primeiro presidente, o almirante Álvaro Alberto continuava
sua luta contra as pressões norte-americanas para exercer controle nas reservas mundiais de
urânio e tório conhecidas naquela época. Em 1953, o almirante Álvaro Alberto negociou a
compra de uma usina de yellow cake (urânio beneficiado) com a França e adquiriu quatro
ultracentrifugadoras (para obtenção de urânio enriquecido) da Alemanha, cujo despacho para
o Brasil foi vetado pelos EUA. Por pressões constantes norte-americanas, o almirante Álvaro
Alberto foi exonerado da presidência do CNPq, ficando esvaziada a política de proteção das
reservas brasileira e, no nesse mesmo ano, foram assinados dois tratados de cooperação
nuclear com os Estados Unidos, após integrar-se ao programa americano "Átomos para a Paz”
47
10
.
Em 1956 foi criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão
subordinado à Presidência de República e transformado em autarquia, em 1962. Assim, a fim
de assegurar a autonomia do novo órgão, foram transferidas do CNPq para a CNEN todas as
atribuições afeitas à questão nuclear brasileira. A CNEN estava como órgão superior de
planejamento, orientação, supervisão e fiscalização, encarregada de propor as medidas
julgadas necessárias à orientação da política geral de energia atômica em todas as fases e
aspectos. Desde então, cabe exclusivamente à CNEN: gerir o programa nuclear brasileiro;
controlar os materiais nucleares; fomentar a produção de conhecimentos tecnológicos; formar
recursos humanos; e a responsabilidade fiscalização e prospecção das reservas de materiais
físseis e férteis (como o urânio e o tório), necessários ao programa nuclear. Neste mesmo ano,
negociações conduzidas pela CNEN permitiram a entrega das ultracentrífugas ao Instituto de
Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo, para estudos dos pesquisadores. Entretanto, tais
estudos foram encerrados e as centrífugas enclausuradas em instalações daquele instituto
(ANDRADE; SANTOS, 2006, p. 4).
Na década de 1950 foram criados dois institutos de pesquisa em física nuclear: em
São Paulo, o Instituto de Pesquisas de Energéticas e Nucleares (IPEN) e, em Minas Gerais, o
Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR).
Na presidência do almirante Octacílio Cunha (1956-1961), a CNEN firmou um
convênio com o Instituto de Energia Nuclear (IEN), da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), para o desenvolvimento de um projeto de construção de um reator de
pesquisa. Uma equipe de engenheiros nucleares foi enviada para treinamento no laboratório
norte-americano de Argonne, pelo programa "Átomos para a Paz". Batizado de Argonauta, o
reator foi redesenhado e construído no Brasil e entrou em operação em 1965.
A missão das instituições científicas ligadas ao setor nuclear, na década de 1950,
deixa evidente que a política nuclear brasileira objetivava a busca da autonomia tecnológica
para a produção de energia nuclear. Neste sentido, enquanto no Programa de Energia Atômica
do governo Vargas, empreendido pelo CNPq, a montagem da infraestrutura de pesquisa em
física nuclear foi o principal marco, a nova diretriz de política nuclear da CNEN visava à
construção de reatores e o desenvolvimento do ciclo de combustível. Na década de 1960, as
_______________
10
Programa do presidente norte-americano Dwight D. Eisenhower proposto à ONU, em 1953, prevendo uma
forma mais branda de controle do intercâmbio nuclear, sem exigir a aceitação incondicional de um regime
internacional de salvaguardas. Buscava, de forma indireta, levar os Estados participantes a ficar sob sua
orientação, controle e supervisão.
48
atividades de pesquisa tecnológica dirigidas pela CNEN com essa finalidade estavam
correlacionadas com três grupos, a saber (ANDRADE; SANTOS, 2006, p. 7):
a) o Grupo de Trabalho do Reator de Potência: instituído pelo CNEN em 1962 e teve a
cooperação de técnicos franceses. O relatório de 1964 propunha a construção de uma
central nuclear brasileira à base de urânio natural e a criação de uma subsidiária da
Eletrobrás para administrar a usina;
b) o Grupo do Tório: organizado no Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR) da
Universidade de Minas Gerais (posteriormente, UFMG), em 1965, contou com a
colaboração das agências atômicas da Alemanha, França e Suécia, e desenvolveu um
projeto de um reator de urânio natural, água pesada e tório. Propôs investimento na
formação de pessoal e o desenvolvimento de uma linha autônoma de reatores; e
c) o Grupo Lane: liderado, em 1968, pelo consagrado engenheiro americano e
remanescente do Grupo Tório, James Lane, apresentou diretrizes ao PNB para a década
de 80, como a escolha do tipo de reator, incentivo à industria nacional e operação
integrada das hidrelétricas e térmicas.
Em 1970, foi aberta concorrência internacional pelo Ministério das Minas e
Energia para aquisição de um reator de potência a ser instalado em Angra dos Reis, que foi
vencida pela empresa norte-americana Westinghouse. O Brasil assinou acordo com os EUA
em 1972, no qual estes forneceriam urânio enriquecido, e que o reator de potência a ser
vendido para o Brasil seria do tipo PWR (Pressurized Water Reactor - Reator a Água
Pressurizada). Em 1974, a empresa Furnas Centrais Elétricas negociou a compra de
suprimento de urânio, mas o negócio foi rejeitado pelo governo americano, que só o faria se o
Brasil assinasse o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP). O dinheiro da
aquisição do urânio foi devolvido e o governo brasileiro não assinou o TNP. Divergências
políticas entre interesses do Brasil e dos EUA culminaram com a suspensão do fornecimento
de combustível para a central ANGRA I e a decisão do governo brasileiro de buscar uma nova
alternativa para a expansão da geração nucleo-elétrica e para a aquisição da tecnologia do
ciclo do combustível nuclear.
Em 1975, o Brasil firmou com a Alemanha o “Acordo sobre Cooperação para o
Uso Pacífico da Energia Nuclear”, em que pretendia a construção de oito usinas nucleares de
grande porte, a transferência das tecnologias envolvidas no ciclo de produção do combustível
nuclear, além do projeto, engenharia e fabricação de componentes eletromecânicos de centrais
nucleares e de instalações do ciclo. Coube às empresas do Sistema Nuclebrás - Empresas
49
Nucleares Brasileiras S.A., grupo constituído em 1975, absorver as tecnologias e implantar as
unidades industriais abrangidas no Acordo. Com isso, encerra o processo de desenvolvimento
autônomo para a produção de energia nuclear dos grupos ligados ao CNEN, uma vez que a
compra da tecnologia alemã não levou em conta os estudos brasileiros sobre a pesquisa
nuclear.
Em 1979, com a implantação de o Centro Experimental Aramar (CEA), em Iperó SP, iniciou-se o então chamado Programa Nuclear Paralelo, desenvolvido pela MB e apoiado
pelo Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares (IPEN/CNEN-SP, antigo Instituto de
Energia Atômica - IEA), com o objetivo de desenvolver um reator para submarino nuclear e
as tecnologias do ciclo de produção do seu combustível. No caso do enriquecimento de
urânio, adotou-se o desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação.
No final de 1982, a parceria IPEN e Coordenadoria de Projetos Especiais COPESP (MB) registrou a primeira experiência de enriquecimento isotópico de urânio com
ultracentrífugas totalmente construídas no Brasil. Desde então, houve uma sucessão de
progressos no desenvolvimento das máquinas. Em setembro de 1987, o presidente José Sarney
levou ao conhecimento público o domínio do enriquecimento do urânio pelo processo de
ultracentrifugação, alcançado pelos pesquisadores envolvidos no Programa Nuclear Paralelo.
O chamado Programa Nuclear Paralelo foi incorporado às pesquisas tecnológicas oficiais em
198811, passando a chamar-se Programa Autônomo, hoje denominado Programa de
Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (PDTN). Neste mesmo ano, com a extinção da
Nuclebrás, foi criada a Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), que absorveu as atividades
industriais do ciclo do combustível nuclear.
Com a extinção da Nuclebrás Enriquecimento Isotópico (Nuclei - empresa
subsidiária da Nuclebrás), em 1993, a INB assumiu as atividades residuais vinculadas ao
enriquecimento de urânio, já que se encontrava paralisada a implantação da usina
demonstrativa de enriquecimento pelo processo do jato centrífugo (jet nozzle), em Resende,
RJ. Determinaram a paralisação os altos custos envolvidos e a incerteza do desempenho
tecnológico em nível industrial. A tecnologia do jato centrífugo surgira como alternativa
tecnológica de enriquecimento de urânio disponibilizada pelos alemães, já que a transferência
da ultracentrifugação fora vetada pelos outros países coproprietários da URENCO: a Holanda
e a Inglaterra.
_______________
11
Por meio do Decreto-Lei 2.464, de 31 de agosto de 1988.
50
Através de portaria interministerial, foi criado o Grupo de Trabalho
Interministerial (GTI), com a atribuição de discutir e propor o acordo necessário para
viabilizar a instalação de uma unidade industrial de enriquecimento de urânio no Brasil, nas
Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), com utilização da tecnologia empregada no Centro
Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP). O GTI apresentou relatório em setembro de
1998, onde propôs, dentre outras providências, a assinatura de contrato entre a INB e o
CTMSP, cujo objeto principal referia-se à implantação de um empreendimento em duas
etapas: a primeira etapa com capacidade final de 114.000 UTS/ano (Unidades de Trabalho
Separativo por ano), empregando três modelos de ultracentrífugas, após 8 anos; e a segunda
etapa referente à possibilidade de extensão da capacidade para 203.000 UTS/ano, no prazo de
mais 3 anos, com emprego de máquinas de maior capacidade de produção. Em julho de 2000,
a INB e o CTMSP assinaram o contrato INB nº2/00/007, para o fornecimento, a instalação, a
realização de testes funcionais e o comissionamento de cascatas de ultracentrífugas de forma
modular, em 8 anos, para uma capacidade de 114.000 UTS/ano, com possibilidade de
expansão para 203.000 UTS/ano. Foi inaugurada a 1ª Cascata de Enriquecimento na INB
(Resende, RJ) em maio de 2006, e o início da produção industrial da 1ª Cascata de
Enriquecimento na INB, em abril de 2009 (BOTELHO, 2009).
3.2 Ressurgimento no Cenário Internacional
O início do uso da energia nuclear foi marcado pelo evento bélico em 1945, que
foi o lançamento das duas bombas atômicas, em Hiroshima e Nagasaki. Este fato ainda
repercute na aceitação geral da sociedade no aproveitamento da energia nuclear. O acidente
com um reator em Chernobyl, na União Soviética, em 1986, também contribuiu para reforçar
este estigma. Entretanto, a tecnologia nuclear, hoje, engloba muitas outras áreas de aplicação
além da geração de eletricidade, e muitos já veem nela uma alternativa para a geração de
energia elétrica sem emissão de gases de efeito estufa (MIT, 2003, p. 7).
A primeira central nuclear com emprego comercial começou a operar na década
de 1950 na União Soviética, apesar da energia elétrica ter sido gerada primeira em um reator
experimental nos EUA. Com isso, a atenção se voltou para os fins pacíficos da fissão nuclear,
notadamente para a geração de energia elétrica. Hoje, o mundo produz tanta energia elétrica a
partir da energia nuclear como o fez a partir de todas as fontes combinadas em 1960. Muitos
países têm construído reatores de pesquisa para fornecer uma fonte de nêutrons na utilização
51
em pesquisa científica e na produção de isótopos de empregos médicos (radiofármacos) e
industriais, existindo mais de 280, em 56 países.
Atualmente, somente oito países são reconhecidos por terem uma capacidade de
fabricar armas nucleares. Em contrapartida, 56 países operam reatores de pesquisa na área
civil, e 30 países, que representam dois terços da população mundial, têm 436 reatores
nucleares comerciais para geração de energia, com uma capacidade total instalada de 372.100
MW (março de 2009). Este é mais do que três vezes o total da capacidade geradora da França
ou da Alemanha, considerando juntas todas as fontes de energia. Cerca de 40 reatores estão
em construção no mundo, equivalendo a 8% da capacidade mundial existente, e está planejada
a construção de mais 90 reatores, o que corresponde a 27% da atual capacidade.
Analisando a matriz elétrica dos países que utilizam a fonte nuclear, observamos
que 16 países dependem da energia nuclear em pelo menos 25% de sua geração elétrica. A
França recebe em torno de 75% de sua energia a partir da fonte nuclear, enquanto Bélgica,
Hungria, Lituânia, Eslováquia, Coreia do Sul, Suécia, Suíça, Eslovênia e Ucrânia recebem um
terço ou mais. Japão, Alemanha e Finlândia obtêm mais de um quarto da sua energia a partir
de energia nuclear, enquanto os EUA recebem quase 20% do total gerado, que representa,
aproximadamente, um terço de toda a energia elétrica gerada no mundo por fonte nuclear.
Atualmente, menos centrais nucleares estão sendo construídas que durante as
décadas de 70 e 80, mas elas estão produzindo mais eletricidade em sua operação, devido ao
avanço tecnológico e a melhor eficiência dos reatores existentes. Ao analisar um período mais
longo, de 1990 a 2006, verificamos que a capacidade mundial de geração pela fonte nuclear
aumentou em 44 GW, sendo 13,5% foi devido ao acréscimo líquido de novas plantas
nucleares e a extensão da vida útil (revalidação) de algumas plantas, e a produção de
eletricidade aumentou em 757 mil GWh, correspondendo a 40%. A contribuição relativa para
esse aumento está assim distribuída: construção de novas usinas - 36%; a revalidação de
usinas com vida útil ampliada - 7%; e a disponibilidade para aumento de geração - 57%
(WORLD NUCLEAR ASSOCIATION - WNA, 2009, p. 1).
As interrupções das atividades da usina para a manutenção de seus equipamentos,
tanto programadas quanto não programadas (forçadas), definem o fator de capacidade
máximo, que indica a disponibilidade da usina para despacho. Do total de reatores mundiais,
um terço tem fator de capacidade superior a 90%, e quase dois terços não passavam de 75%
até 2004. Nos últimos anos, a média mundial vem crescendo, tendo atingido em torno de 85%,
como mostrado no GRAF. 7. Durante 15 anos, as plantas finlandesas estiveram entre as de
52
melhor desempenho, mas os EUA, agora, dominam os primeiros 25 postos, seguidos pela
Coreia do Sul. Nesse aspecto, o Brasil apresenta um índice histórico bem baixo, em especial
durante a operação inicial isolada de Angra I. Porém, analisando a performance de 2002-2004,
os índices são bem melhores: 84,2% em 2002, 72,1% em 2003 e 77,2% em 2004. A
Eletronuclear projeta para Angra III fatores de capacidade de 91,16% em anos com parada
programada e 98% nos demais (EPE, 2007, p. 68).
GRÁFICO 7 – Mundo: Fator de capacidade das usinas nucleares
Fonte: EPE (2007, p. 69).
Os Estados Unidos são o proprietário do maior parque nuclear do mundo, com 104
usinas em operação (69 PWR e 35 BWR), que correspondem a uma capacidade instalada de
106.476 MW e produziram, em 2007, 806.501,3 GWh (e). Este valor é quase o dobro do que
foi produzido no Brasil por todas as fontes disponíveis no mesmo período.
Houve, nos últimos anos, um grande aumento de capacidade instalada no parque
americano devido à ampliação da capacidade das usinas, ainda que nenhuma nova unidade
tivesse sido construída. Outro fato relevante a ser citado é o aumento da vida útil das usinas,
que está sendo estendido para 60 anos. Neste caso, já são 49 unidades com vida útil ampliada,
equivalente a cerca de 43.000 MW funcionando por mais vinte anos, sem os custos de capital
53
para a construção.
O GRAF. 8 mostra a quantidade e capacidade de reatores nucleares a partir de seu
início de funcionamento, e, claramente, a redução observada depois de 1986, tanto no número
de entrada em operação de novos reatores, quanto na capacidade instalada, após um período
que parecia de crescimento exponencial.
GRÁFICO 8 – Mundo: Número de reatores e capacidade instalada
Fonte: EPE (2007, p. 55).
Todavia, o entusiasmo pela energia nuclear está aumentando em todo o mundo.
Após duas décadas de crescimento decepcionante, as indústrias líderes do mercado fazem uma
previsão do renascimento nuclear. Predições de um "renascimento nuclear" vislumbram uma
duplicação ou triplicação da capacidade nuclear em 2050, uma disseminação da energia
nuclear para novos mercados, como no Oriente Médio e Sudeste da Ásia, assim como o
desenvolvimento de novos tipos de reatores e técnicas de reprocessamento de combustível
(grifo nosso). Durante o governo de George W. Bush, os Estados Unidos promoveram a
energia nuclear tanto em seu país quanto no exterior. Programas como o 2006 Global Nuclear
Energy Partnership12 e a declaração conjunta, em 2007, do presidente Bush com o então
presidente russo Vladimir Putin, para facilitar e apoiar a energia nuclear nos países em
_______________
12
2006 Parceria Global de Energia Nuclear (tradução nossa).
54
desenvolvimento, contribuíram para firmar o conceito de um grande renascimento nuclear
mundial.
O interesse renovado na energia nuclear surge da vontade de encontrar alternativas
ao petróleo caro e ao gás natural, assim como a percepção de ser a energia nuclear uma opção
facilmente aplicável para tornar rápidas e drásticas as reduções nas emissões de dióxido de
carbono, necessária para atenuar alterações climáticas. A segurança energética e a mudança
climática são invariavelmente mencionadas hoje como as duas principais razões para
prosseguir a energia nuclear. A expansão desenfreada da energia nuclear, no entanto, não é
uma evidência. Os tradicionais desafios da sua utilização, como os custos de instalação da
energia nuclear, a segurança, os resíduos e a proliferação generalizada continuam a limitar o
seu crescimento (SQUASSONI, 2009, p. 2).
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) adotou a resolução de
encorajar e dar suporte para o desenvolvimento de aplicações nucleares em países em
desenvolvimento. Esta atitude tem o intuito de reduzir a imensa distância existente entre o
consumo médio anual dos países desenvolvidos (cerca de 8.600 kWh por habitante, na OCDE)
e, por exemplo, o do continente africano, que consome 170 vezes menos, uma vez que a
melhoria deste indicador é a mola propulsora do progresso e bem-estar da população mais
pobre. Mais de 50 países visam a ter fontes energéticas nucleares, e as potências em expansão
querem multiplicar o número de usinas em seu território. Muitos governos consideram a
ampliação internacional da energia nuclear uma opção à mudança climática e uma alternativa
às oscilações do preço dos produtos energéticos, além de ser uma proteção à incerteza sobre
os combustíveis fósseis, mas a AIEA advertiu que a iminente expansão da energia nuclear em
todo o mundo requer que os governos atuem com responsabilidade nessa empreitada
(ELETRONUCLEAR, 2008, p.17).
3.3 Perspectivas da Energia Nuclear na Matriz Elétrica Brasileira
A crise econômica preenche atualmente a agenda mundial, que há poucos meses
era ocupada por uma provável crise energética decorrente do alto preço do petróleo e do
aquecimento global.
Nesse quesito, os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE) são emblemáticos, pois neles a dependência de combustível fóssil chega
a mais de 70%. Será difícil para esses países cumprirem suas obrigações de redução das
55
emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global com uma matriz energética ainda
dominada por fontes fósseis. Nesse cenário, a energia nuclear se apresenta como a melhor
alternativa para a expansão energética mundial. Diferentemente das fontes renováveis, a
geração nuclear é competitiva, produz energia em grande escala e não emite gases causadores
do efeito estufa. Além disso, o preço do urânio caiu, acompanhando o comportamento da
cotação do petróleo.
Depois de atingir um valor máximo de US$ 135 a libra-peso, hoje o urânio está
sendo negociado a US$ 65 a libra-peso. Apesar de ter havido este aumento vertiginoso do
custo do combustível nuclear, o impacto na tarifa da energia das usinas nucleares foi baixo,
visto que o custo do combustível representa somente 17% do custo de geração, mantendo a
competitividade delas. Baseando-se no alto custo do petróleo e na questão climática, a AIEA
revisou para cima suas previsões para a geração nuclear nas próximas décadas.
Até países que têm restrições à energia nuclear estão reconsiderando suas
políticas. O Brasil não foi atingido pela crise tanto quanto os países desenvolvidos, mas,
segundo especialistas, o crescimento este ano será menor do que o previsto. De acordo com o
PNE 2030, será necessário adicionar 53,7 GW à matriz elétrica até o final deste período, o que
fará com que a capacidade do sistema interligado chegue a 156,3 GW. A EPE prevê que a
capacidade instalada terá atingido um nível de 3 MW por ano até 2015 para fazer frente ao
aumento da demanda energética. Da mesma forma que as reservas de petróleo são finitas, o
potencial hídrico tem estimativa de esgotamento no Brasil a partir de 2030 (CAMARGO,
2009, p.10).
Além da dificuldade de obter crédito para executar os projetos de infraestrutura, o
País poderá ter que reduzir as emissões de dióxido de carbono após 2012, em virtude da
revisão do Protocolo de Kyoto. Os resultados dos últimos leilões servirão como um sinal de
alerta, pois as usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis têm vencido com grande
margem, o que pode acarretar um aumento das emissões provenientes da geração de energia
elétrica. Como consequência, obter licenciamento ambiental para essas usinas hidrelétricas
com grandes reservatórios tornou-se um suplício. Em termos ambientais, as usinas nucleares
apresentam a inegável vantagem de não emitir gases responsáveis pelo efeito estufa e, por
isso, vêm sendo consideradas uma das principais formas de combater o aquecimento global
(GRAF. 9). Em seu mais recente relatório, a Agência Internacional de Energia (AIE) –
entidade ligada à OCDE – afirma que, para reduzir em 50% as emissões de gases responsáveis
pelo efeito estufa entre 2010 e 2050, seria necessário adicionar 32 gigawatts (GW) de energia
56
nuclear, a cada ano, à produção mundial. Desta forma, as usinas nucleares ganham espaço
para aumentar a sua participação na matriz energética.
EMISSÕES DE CO2 DIRETA E INDIRETA NA
GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA
5 - 33
Hidrelétrica
4 - 36
Alternativas
Usinas Nucleares
10 - 38
Eólica
78 - 217
Solar
399 - 644
Gás Natural
550 - 946
Óleo Comb.
838 - 1231
Carvão
0
500
1000
Emissões CO2 g/kWh
1500
2000
GRÁFICA 9 – Emissão de CO2 por fontes de energia elétrica
Fonte: ABEN (2009, p. 5).
Atualmente, Angra I e II são responsáveis por 50% da energia consumida no Rio
de Janeiro, e 2,8% do total gerado no País. O Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do
mundo, com somente 30% do território prospectado. Além disso, detém a tecnologia do ciclo
do combustível nuclear, incluindo o enriquecimento de urânio. Somente Rússia, EUA e Brasil
detêm esta tecnologia e contam com reservas expressivas de urânio. Os demais são
dependentes de um ou de outro. Reconhecendo a importância da energia nuclear, a EPE
incluiu no PDE 2008-2017 a conclusão da construção da usina nuclear de Angra III (1.350
MW) e no PNE 2030 a ampliação da capacidade nuclear instalada em 4 mil a 8 mil MW até
2030. Mas a construção de usinas sem os investimentos necessários para consolidar as etapas
do ciclo do combustível nuclear em escala industrial é ineficiente para o País. É imperativo
que o Brasil alcance a autossuficiência na produção de combustível. Atualmente, duas etapas
do ciclo ainda são feitas no exterior. A conversão do yellow cake (concentrado de urânio) em
gás hexafluoreto de urânio e o enriquecimento são realizados, respectivamente, no Canadá e
na Europa. Com pouco investimento é possível construir a unidade de conversão e ampliar a
fábrica de enriquecimento da INB, que fica em Resende, RJ. A fábrica de enriquecimento
57
produz hoje cerca de 2% das necessidades de Angra I e II. O resto é feito pelo consórcio
europeu URENCO (Alemanha, Inglaterra e Holanda). Com esta etapa sendo feita aqui, o País
economizaria cerca de US$ 16 milhões por ano. Incluindo o Brasil, hoje, apenas dez países
realizam esse processo em escala industrial e, destes, apenas seis dominam o mercado
internacional (TAB. 7, ANEXO A).
Portanto, nenhum país compartilha sua tecnologia devido aos interesses
comerciais envolvidos, além de sua natureza dual, civil e militar, gerando pressões
internacionais de origem política direcionadas à não-proliferação nuclear. Além da economia
de recursos, implantar o enriquecimento em escala industrial é relevante do ponto de vista
estratégico. A INB também se prepara para expandir sua produção, visando ao atendimento da
demanda de urânio do setor nuclear brasileiro, que sofrerá um aumento com a entrada em
operação de Angra III, prevista para 2014, e com as quatro a oito usinas previstas no
planejamento do governo até 2030. Até 2012, a empresa planeja duplicar a produção da mina
de Caetité, no sertão da Bahia, que passará de 400 para 800 toneladas de urânio.
Paralelamente, a INB, em parceria com a empresa Galvani, iniciará a exploração da mina de
Santa Quitéria, no Ceará, cuja produção atingirá 1.500 toneladas por ano, em 2015. Isso
significa que, a partir de 2012, a INB terá um excedente anual de 1.300 toneladas em sua
produção. Após 2015, este número subirá para 1.600 toneladas anuais, sendo que, depois da
entrada em operação de Angra III, a demanda brasileira aumentará somente após 2020,
quando começarão a entrar no sistema as primeiras usinas previstas no PNE 2030. Assim
sendo, este excedente poderia ser exportado, e os recursos obtidos serviriam para completar os
investimentos necessários para garantir a autossuficiência na produção de combustível
nuclear. Esta estratégia é perfeitamente viável, e depende apenas de uma decisão
governamental (APÊNDICE B). Tendo em vista a grande importância que a energia nuclear
terá no sistema elétrico nacional e seu crescente papel no mercado internacional, é preciso
retomar a prospecção de urânio em solo brasileiro. Estimadas em 309 mil toneladas, as
reservas nacionais ainda podem aumentar consideravelmente, pois o País foi prospectado em
cerca de 30% do seu território apenas. O Brasil poderá chegar à segunda ou terceira posição
no ranking mundial. A INB já tem planos de retomar as pesquisas geológicas em busca do
urânio em território nacional. A geração de recursos próprios é uma alternativa excelente para
estruturar e dar escala à indústria nuclear brasileira, de forma a torná-la robusta para sustentar
o crescimento do setor até 2030.
58
3.4 O Ciclo do Combustível e a Autossuficiência
FIGURA 3 – O ciclo do combustível nuclear
Fonte: INB (2009, p. 1).
A Produção do Combustível Nuclear é o conjunto dos processos industriais
apresentados, que promovem a transformação do mineral urânio, encontrado na natureza, no
composto químico final para utilização como combustível nos reatores nucleares (FIG. 3).
O elemento químico urânio é um metal pesado (1,7 mais pesado que o chumbo),
encontrado em baixas concentrações (2 a 4 partes por milhão) em certos tipos de formações
rochosas da crosta terrestre, e é usado como fonte de energia concentrada.
Nesta primeira etapa do ciclo do combustível, após as operações de pesquisa e
prospecção destinadas a descobrir uma jazida, estimá-la e fazer sua avaliação técnicoeconômica, determinam-se os locais onde serão realizadas as extrações do minério do solo,
por meio de técnicas convencionais de mineração, e os subsequentes processos industriais da
etapa de beneficiamento.
Na usina de beneficiamento, empregando operações físicas e químicas, o urânio é
extraído do minério, purificado e concentrado sob a forma de um óxido de cor amarela,
conhecido como yellow cake, também chamado de concentrado de urânio (U3O8).
Atualmente estas atividades industriais da INB são desenvolvidas no Estado da
Bahia, na localidade de Caetité. O empreendimento, compreendendo mina de urânio associada
59
à fábrica de concentrado de urânio, tem capacidade instalada para produzir 400 toneladas/ano
de yellow cake, quantidade que atende à demanda interna. O Brasil apresenta a 6ª maior
reserva mundial de urânio. A INB firmou, em 23/07/09, contrato de parceria com uma
empresa nacional para exploração da mina de Itataia, localizada no Município de Santa
Quitéria, no Ceará (INB, 2009, p. 7). Neste local, o urânio está associado ao fosfato, de modo
que o parceiro vai explorar a mina, separar o fosfato para produzir fertilizantes/ração animal e
entregar o urânio para uso da INB, que detém o monopólio nacional deste minério. A previsão
é que na 1ª fase do projeto (2013) se tenha uma produção de 1.200 t/ano de U3O8.
Os processos químicos que transformam o yellow cake (U3O8) em hexafluoreto de
urânio (UF6) são a segunda etapa do ciclo do combustível, preparatória para o enriquecimento
isotópico do urânio. Na usina de conversão, o urânio sob a forma de yellow cake, depois de
dissolvido e extraído, é submetido a transformações químicas para obtenção de urânio
nuclearmente puro, na forma do composto hexafluoreto de urânio (UF6). Esta etapa do ciclo
do combustível, cujas tecnologias dos processos químicos envolvidos já são de domínio do
Brasil (CTMSP), ainda não faz parte das atividades industriais da INB. Os serviços de
conversão têm sido contratados no exterior (atualmente no Canadá, pela empresa CAMECO),
primordialmente por questões econômicas (baixa demanda interna; necessidade de altos
investimentos versus baixo valor agregado na produção do elemento combustível - cerca de
5%) e acessíveis preços de serviços ofertados no exterior. Atualmente, planeja-se a
implantação de uma unidade de conversão na INB, de modo a tornar o País autossuficiente,
nesta etapa industrial do ciclo do combustível nuclear, em 2014 (INB, 2009, p. 5).
O urânio235 (U235) é o isótopo de urânio presente nos elementos combustíveis,
responsável pela reação de fissão nuclear em cadeia, que ocorre de forma controlada no
núcleo do reator nuclear. Na natureza, sua concentração é de 0,7% em peso, enquanto a do
isótopo urânio238 (U238 - isótopo não-físsil) é em torno de 99,3%, ou seja, 100kg de urânio
natural contém 0,7kg de U235 e 99,3kg de U238, aproximadamente.
O enriquecimento isotópico, que utiliza o hexafluoreto de urânio (UF6) como
material a ser processado objetiva a otimizar a proporcionalidade de concentrações dos
isótopos em favor do U235 (isótopo físsil). Assim, o produto de uma usina de enriquecimento
isotópico (UF6 enriquecido) é resultado da aplicação de tecnologias sofisticadas que
promovem a separação física dos dois isótopos, aumentando a concentração do U235
encontrado no urânio natural (0,7% em peso) para cerca de 4%, de forma a permitir sua
utilização otimizada no processo de fissão nuclear a que é submetido o combustível para
60
geração de energia elétrica.
A produção de urânio enriquecido reveste-se de importância tecnológica,
estratégica e econômica para os países que fazem uso da energia nucleoelétrica na matriz de
geração de eletricidade. Em termos estratégico e tecnológico, porque envolve a aplicação de
tecnologias de ponta, cujo domínio e acesso estão restritos a poucos países (TABELA 7,
ANEXO A). A questão econômica torna-se relevante, posto que, apesar de exigir
consideráveis investimentos, representa em torno de 35% do custo total de fabricação do
combustível nuclear.
Atualmente, o país contrata os serviços no exterior ao custo superior a US$10
milhões anuais. Com a finalidade de, no primeiro momento, reduzir tais custos, decidiu-se
pela aplicação industrial da tecnologia de ultracentrifugação desenvolvida pela Marinha do
Brasil (CTMSP) e pelo Instituto de Pesquisas de Energéticas e Nucleares (IPEN). Neste
contexto, coube à INB, em Resende, RJ, implantar uma usina de enriquecimento de urânio
com capacidade de produção inicial de 125t UTS/ano (toneladas de Unidades de Trabalho
Separativo/ano), equivalente a aproximadamente 100% das necessidades anuais de
combustíveis da central nuclear de Angra I, e de 20% Angra II. Está planejado o aumento da
produção de ultracentrífugas pelo CTMSP (MB) para o fornecimento de 100.000 UTS/ano, a
partir de 2012, e o atingimento da autossuficiência a partir de 2014. A primeira etapa consiste
de 4 módulos, constituindo um total de 10 cascatas de ultracentrífugas, conforme contrato em
vigor (BOTELHO, 2009).
A etapa de reconversão do hexafluoreto de urânio (UF6) enriquecido nas usinas de
enriquecimento não é o composto de urânio conveniente para ser usado diretamente como
combustível nuclear. Deve ser convertido para outra forma química, o dióxido de urânio
(UO2), que tem propriedades físico-químicas tais que resultam em adequada resistência às
condições severas (neutrônicas, hidráulicas e térmicas) encontradas no núcleo do reator. As
operações unitárias das transformações químicas a que é submetido o hexafluoreto de urânio
enriquecido, acompanhadas de rigorosos métodos de análises físico-químicos, resultam na
produção de pó de UO2, um óxido estável que serve de matéria-prima para a produção de
pastilhas de UO2 (IAEA, 2009, p. 15).
Essa etapa de transformação do urânio é realizada na Fábrica de Combustível
Nuclear (FCN)-Reconversão da INB, com capacidade instalada de 140 toneladas de UO2/ano,
em Resende. Tal capacidade de produção atende às necessidades atuais brasileiras. Está
planejada uma nova fábrica a partir de 2020, com capacidade para 200t de UO2 enriquecido. A
61
fabricação de pastilhas de UO2 consiste em realizar transformações físicas que levam à forma
final de aplicação na montagem dos elementos combustíveis. O pó de UO2, depois de
homogeneizado, é submetido, sequencialmente, aos processos de: prensagem, para a formação
de pastilhas verdes; sinterização em fornos contínuos, para dotar as pastilhas de características
cerâmicas de forte resistência termomecânica (pastilhas sinterizadas); e retificação, para
promover os ajustes dimensionais finais necessários à inserção das pastilhas nas varetas dos
combustíveis. A exemplo da fabricação de pó de UO2, qualificados métodos de análises físicoquímicos e mão de obra aplicada garantem a qualidade técnica requerida das pastilhas de
dióxido de urânio (UO2) para uso nos combustíveis.
As pastilhas de dióxido de urânio (UO2), que contêm cerca de 7g de urânio, e têm
a forma de cilindros de cerca de 1 cm de comprimento e de diâmetro, são produzidas na
Fábrica de Combustível Nuclear (FCN)-Pastilhas, situada ao lado da FCN-Reconversão . A
unidade industrial possui capacidade nominal de produção de 120 toneladas de UO2/ano, que
atende às necessidades das usinas nucleares do Brasil. O aumento da produção da fabricação
de pastilhas esta planejada do mesmo modo que o processo de reconversão. Os elementos
combustíveis são estruturas formadas por peças metálicas usinadas e soldadas, que, montadas
com o feixe de varetas (tubos de pequeno diâmetro preenchidos com pastilhas de UO2) de uma
liga metálica especial de zircônio (zircaloy), conferem o estado de rigidez necessário à
suportação dos esforços mecânicos resultantes da reação de fissão em cadeia no núcleo do
reator. Em Resende, na Fábrica de Combustível Nuclear (FCN)-Componentes e Montagem,
são montados os elementos combustíveis e possui uma capacidade de produção instalada de
240 toneladas de U/ano. Essa montagem está em conformidade com severos padrões de
qualidade e precisão mecânica, aplicados nas etapas de fabricação e de controle de qualidade.
A produção de elementos combustíveis (EC) na INB atende às especificações da
empresa Eletronuclear, operadora das centrais nucleares Angra I e Angra II, cujas cargas dos
núcleos perfazem 121 EC e 193 EC, respectivamente. Está planejada a ampliação da
capacidade de produção da fábrica para 300t de varetas a partir de 2018 (BOTELHO, 2009).
62
3.5 Projetos e Metas do Programa
ORGANIZAÇÃO DO SETOR NUCLEAR
Presidência da República
Ministério da
Ciência e
Tecnologia
Comissão Nacional
de Energia Nuclear
Nuclebrás
Equipamentos
Pesados S.A.
NUCLEP
Ministério de
Minas e Energia
Centrais Elétricas
Brasileiras S.A.
Indústrias
Nucleares
do Brasil S.A.
INB
Eletronuclear
Ministério da
Defesa
Marinha do Brasil
CTMSP
S.A.
FIGURA 4 – Organização do setor nuclear brasileiro
Fonte: INB (2009).
O setor nuclear no Brasil está organizado em três áreas diferentes a saber: no
Ministério da Defesa, no Ministério de Minas e Energia e no Ministério da Ciência e
tecnologia, conforme ilustrado na FIG. 4.
O novo Programa Nuclear Brasileiro (PNB), apresentado em 2008, possui duas
vertentes: uma da área do Ministério de Minas e Energia (MME), do qual fazem parte o
Programa Decenal de Expansão de Energia (PDE 2008-2017) e o Plano Nacional de Energia
(PNE 2030), por tratarem das usinas nucleares de Angra III e da instalação de 4 a 8 novas
usinas nucleares, respectivamente. A segunda vertente do PNB está contida no Plano de Ação
de Ciência, Tecnologia e Inovação (PACT 2007-2010) pertencente ao Ministério da Ciência e
Tecnologia (MCT), em sua linha de ação nº 18. O Programa Nuclear da Marinha (PNM) está
inserido no contexto em alguns projetos deste programa. A vertente do PNB no MME já foi
abordada na seção 2, e em 3.2.
Em particular, no âmbito do MCT, o PNB implementa ações para fortalecer
institucionalmente a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN); completar a primeira
fase da Planta de Enriquecimento de Urânio da INB, em Resende; a instalação de planta-piloto
de produção de UF6 (conversão gasosa) em Aramar; o aumento da produção de minério e a
63
retomada da prospecção de urânio no Brasil; revigorar a Nuclebrás Equipamentos Pesados
S.A. (Nuclep), capacitando-a para a fabricação de componentes para novas usinas nucleares;
implementar uma política nacional de tratamento de rejeitos pela criação da Empresa
Brasileira de Gerência de Rejeitos Radioativos, da construção de depósitos definitivos para
rejeitos de média e baixa atividade e definir a guarda inicial de elementos combustíveis
usados; criar e implementar a Empresa Brasileira de Radiofármacos e projetar um reator de
pesquisa multipropósito; desenvolver os meios e instrumentos para a retomada das ações de
pesquisa, desenvolvimento e inovação, assim como criar e desenvolver a capacitação
necessária para a execução das ações do PNB.
Para a execução destas ações, o PNB foi estruturado em sete projetos, cada um
com seus objetivos e metas e a origem dos recursos financeiros necessários.
O primeiro projeto tem como objetivo a reestruturação das bases legais da área
nuclear, harmonizando as leis e normas existentes e ajustando a estrutura do setor para as
realidades políticas e econômicas nacionais e internacionais. Este objetivo visa à consolidação
do arcabouço legal da área nuclear, pois ele é antigo, insuficiente e inadequado para
regulamentar as atividades hoje em dia realizadas, assim como da ampliação considerável de
atividades previstas no novo PNB. Isto tem trazido dificuldades consideráveis para o setor,
apesar de ter sido acrescido e modificado ao longo do tempo.
As quatro metas desse programa são de formular a política nacional de
gerenciamento de rejeitos radioativos, de identificar e propor adequações necessárias na
legislação brasileira referente à área nuclear e de rever e harmonizar as normas do CNEN,
interagindo com os demais órgãos reguladores (IBAMA, Polícia Federal e Ministério da
Saúde).
O segundo projeto visa à ampliação do ciclo do combustível nuclear na INB. Este
projeto possui os objetivos de realizar pesquisas, levantamentos e prospecções sobre a
ocorrência de reservas de urânio comercialmente viáveis para a exploração mineral; e,
também, de investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) para o enriquecimento
de urânio com vistas à autossuficiência interna e ao aumento de divisas na produção de
combustível nuclear. As nove metas são as seguintes: instalar processo de lavra subterrânea
em Caetitê, BA; desenvolver novas lavras de urânio; ampliar em até 70% a capacidade de
produção de yellow cake; implementar a 1ª Etapa da Unidade de Enriquecimento de Urânio
até 2010; instalar novas linhas de produção para o combustível nuclear tipo 16NGF e HTP;
desenvolver novas ligas nacionais para os combustíveis avançados; implementar programa de
64
transferência de tecnologia e de novos talentos até 2010; desenvolver projeto e licenciar local
para planta industrial de conversão até 2010; e implantar mineração em Santa Quitéria, CE.
Os recursos financeiros previstos para este projeto totalizam R$ 319,20 milhões.
O terceiro projeto está totalmente dentro do contexto do PNM e consiste na
conclusão da planta-piloto de produção de UF6 (Conversão) em Aramar, SP (CTMSP). Tem
como objetivo colocar em operação a planta-piloto de conversão do urânio (YC) para gás
(UF6), visando à sua implementação para completar, no âmbito do PNM, o ciclo do
combustível nuclear. A sua consecução irá fornecer informações importantes para o futuro
projeto de planta em escala industrial previsto no programa do parágrafo anterior e será,
também, peça fundamental na ampliação de produção para atender a demanda crescente,
prevista na retomada do PNB, por combustível nuclear. O projeto possui como meta operar a
planta-piloto até 2010, e estão previstos R$ 37 milhões para serem aplicados (APÊNDICE B).
O quarto projeto trata da capacitação e adequação tecnológica da Nuclep para a
fabricação de componentes das novas usinas nucleares, tendo como objetivo recuperar e
modernizar a infraestrutura de fabricação da empresa para que possa atender as demandas
oriundas do novo PNB. A Nuclep foi criada na década de 70 para fabricar os componentes
pesados das oito usinas previstas no Acordo Brasil-Alemanha. Como apenas Angra II foi
construída nesse contrato, a Nuclep passou um período de muitas dificuldades por falta de
demanda da indústria nuclear. Dentro da estratégia de sobrevivência, ela investiu na área
naval, como plataformas offshore, cascos de submarinos e, recentemente, a fabricação dos
dois novos geradores de Angra I. Como o PNB prevê, até 2030, a construção de até oito novas
usinas nucleares, além de Angra III, é fundamental a recuperação e modernização do parque
industrial da Nuclep. Estão previstos recursos na ordem de R$ 1 milhão para este projeto.
O quinto projeto tem ações para um aspecto polêmico da energia nuclear, que tem
como objetivo a implementação de uma Política Brasileira de Gerenciamento de Rejeitos
Radioativos, visando ao seu gerenciamento e armazenamento seguro quando produzidos no
território nacional. A geração de eletricidade por meio de fonte nuclear, as aplicações das
radiações ionizantes na saúde, indústria, agricultura e meio ambiente e mais o processamento
de materiais brutos com radionucleídeos de ocorrência natural, produzem rejeitos radioativos
que constituem agentes de risco e, portanto, devem ser gerenciados de forma que a proteção à
saúde humana e o meio ambiente sejam garantidos no presente e no futuro. Compete ao
CNEN receber e depositar os rejeitos radioativos e expedir regulamentos e normas de
segurança relativas ao seu gerenciamento. O projeto consiste na criação de uma Empresa
65
Estatal independente do CNEN, responsável pelo gerenciamento e pelo armazenamento
seguro de todos os rejeitos radioativos produzidos no território nacional. Uma vez criada a
Empresa e construído o depósito definitivo, ela passa a ser autossustentada, pois a guarda é
um serviço remunerado por aqueles que os produzem. O projeto possui como metas
implementar a Política Brasileira de Gerenciamento de Rejeitos Radioativos em 2009; criar a
Empresa de Gerenciamento de Rejeitos Radioativos até 2009; estabelecer o centro de
referência em rejeitos radioativos; desenvolver e construir, até 2012, um protótipo de célula de
armazenamento para o futuro depósito de elementos combustíveis usados; e projetar e iniciar a
construção de um depósito definitivo para rejeitos de baixo e médio nível de radiação,
objetivando sua entrada em operação em 2013. Recursos estão previstos na ordem de R$
46,37 milhões.
O sexto projeto tem o objetivo de criar uma empresa produtora de radiofármacos
no âmbito estatal, permitindo maior flexibilidade e ampliação de mercado, já que a demanda
do mercado futuro é maior que a do CNEN, que será denominada Empresa Brasileira de
Radiofármacos (EBR).
A indústria de radiofármacos do País adotou um modelo jurídico-institucional que
ficou restrito à administração pública federal, tendo se iniciado e organizado no IPEN, SP,
quase na sua totalidade e, em menor escala e mais recente, no IEN, RJ, ambos vinculados à
CNEN, autarquia federal vinculada ao MCT. São realizados no Brasil mais de três milhões de
procedimentos médicos em trezentos hospitais e clínicas, e a comercialização dos
radiofármacos garante uma receita de mais de R$ 50 milhões/ano. O projeto visa à criação de
uma empresa estatal para superar restrições e eliminar entraves na sistemática de
investimentos, dando maior flexibilidade administrativa para ampliar a produção de
radioisótopos e radiofármacos, sendo sucessora das atividades hoje desenvolvidas pelo IPEN e
IEN. O aumento contínuo da demanda requer o desenvolvimento de um reator de pesquisa
multipropósito nacional. Existe a intenção de este reator ser construído e instalado em Aramar
(CTMSP), o que vislumbra uma importante oportunidade para a área médica da MB, visando
a melhores condições contratuais de fornecimento de radiofármacos, tendo em vista a
dependência estrangeira do Brasil no fornecimento de insumos dos principais radiofármacos.
As metas são a de criar a EBR e definir e projetar um Reator de Pesquisa Multipropósito que
seja, também, utilizado para ampliar a produção de radioisótopos no País. Recursos previstos
na ordem de R$ 161,31 milhões (APÊNDICE E; CAMPOS, 2009).
O último projeto visa a garantir o desenvolvimento das atividades de pesquisa,
66
desenvolvimento e capacitação para as atividades e objetivos previstos no PNB. Cinco metas
no escopo do PNB se destacam e não constavam em projetos anteriores: término do projeto do
reator de propulsão da Marinha (base dos futuros reatores de médio porte) e envolvendo
diretamente o PNM; a criação de um laboratório Nacional de Fusão (tecnologia de geração de
energia elétrica mais provável em futuro próximo de 50 anos); investimentos em pesquisa de
futuros reatores com novas tecnologias (reatores de 4ª e 5ª geração); recomposição da
capacidade humana no setor nuclear; e retomada dos projetos parcialmente abandonados
devido à falta de recursos, principalmente nos laboratórios do Ministério da Defesa (MD).
O reator de propulsão naval da MB está em estágio avançado de desenvolvimento,
necessitando finalizar o projeto do núcleo e do sistema de monitoração para testes de operação
no CTMSP. Uma vez concluído, o projeto servirá de base para os futuros reatores de médio
porte a serem construídos no país. O financiamento contará com recursos específicos a serem
alocados ao MD.
Consideram-se as pesquisas iniciadas no passado e que tiveram sucesso, mas estão
com dificuldade de continuidade de investimentos, ou por baixa prioridade na C, T&I, como,
por exemplo, o enriquecimento de urânio a laser desenvolvido no Comando Geral de
Tecnologia Aeroespacial – CTA. As metas são a de completar o projeto do reator de
propulsão desenvolvido pela MB em 8 anos; fortalecer a Rede Nacional de Fusão e garantir a
participação do Brasil como observador na ITEL; fortalecer a participação nas iniciativas
internacionais de desenvolvimento de novas tecnologias de fissão, como Generation IV e
INPRO (International Project on Innovative Nuclear Reactor and Fuel Cycles); projetar e
iniciar a construção de um de um Laboratório Nacional de Fusão até 2010; fomentar a
pesquisa nas áreas nucleares (geração de energia, ciclo de combustível e novas técnicas de
enriquecimento) e em aplicações da energia nuclear na indústria, saúde, agricultura e meio
ambiente; ampliar a formação de pessoal de nível superior, médio e operacional para sanar
deficiências atuais e garantir a futura reposição requerida pelo PNB; fomentar a aplicação de
técnicas nucleares e de radiações ionizantes nas áreas de saúde, indústria, agricultura e meio
ambiente; e fortalecer as atividades regulatórias através de ações de P, D&I. Investimentos
estão previstos na ordem de R$ 441,50 milhões.
67
4 O PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA
Neste capítulo é mostrada uma breve descrição do Programa Nuclear da Marinha
do Brasil, como a sua origem, os projetos componentes do PNM e a situação atual do
programa.
A execução do procedimento para elaboração deste trabalho monográfico, dentro
do enfoque dado de identificar as oportunidades e ameaças para a MB em função do
crescimento ou retomada do Programa Nuclear Brasileiro, foi de pesquisa bibliográfica
documental e, principalmente, de pesquisa descritiva, utilizando técnica direta de entrevista
com os responsáveis diretamente envolvidos no tema ou que, de alguma maneira, participaram
ou tenham conhecimento profundo do assunto. Desta maneira, neste capítulo são apresentadas
as análises dos resultados colhidos e respostas às seguintes perguntas que o presente trabalho
se propôs: como o PNM está contido no contexto do PNB? Quais as oportunidades e ameaças
para a MB, dentro do PNM, ou em outras áreas da MB, diante do crescimento do PNB? Na
resposta do primeiro questionamento, cujos contextos foram apresentados em 3.4, são
apresentadas as análises e, no segundo questionamento, utiliza-se uma ferramenta de apoio de
diagnóstico estratégico, que foi a análise de SWOT.
4.1 Breve Descrição
Em novembro de 2004 foi rompido o acordo nuclear do Brasil com a Alemanha. O
fim da parceria não impediu o prosseguimento do PNB, mas deixou uma usina nuclear com
construção paralisada desde 1986, um processo inviável de enriquecimento (jet nozzle) e não
representou grandes avanços significativos para a implantação de uma indústria nuclear
brasileira. Mas favoreceu a formação de grupo de pesquisadores na área nuclear que,
juntamente com alguns setores militares, tornaram-se defensores da necessidade de o Brasil
dominar todo o ciclo do combustível nuclear e, especialmente, a capacitação técnica da etapa
de enriquecimento. Além disso, acordos tripartites de salvaguardas internacionais deste acordo
nuclear, estabelecidos com a AIEA, limitavam a autonomia brasileira para qualquer
intercâmbio nesta área.
Um breve relato histórico para demonstrar como e em que condições surgiu o
Programa Nuclear da Marinha do Brasil (PNM) pode ser assim citado:
68
[...] diante das dúvidas quanto à viabilidade técnica do método de enriquecimento
negociado com a Alemanha, e mesmo, a respeito da viabilidade do acordo, a
Marinha elaborou um programa paralelo, independente daquele conduzido pela
Nuclebrás. A motivação era o desenvolvimento da tecnologia nuclear para a
propulsão de submarinos e, evidentemente, do combustível. A cargo do CTMSP, o
programa começou com a construção do Centro Experimental de Aramar, em Iperó
(SP), sob o comando do Almirante Othon Luiz Pimenta da Silva, principal
idealizador do projeto. [...] a Marinha decidiu investir no projeto do reator e no ciclo
do combustível nuclear pela via do método de ultracentrifugação (ANDRADE,
2006, p. 160).
O PNM buscou apoio na comunidade científica nacional, de empresas e de
universidades, tendo sido concebido para ser conduzido independentemente dos outros
programas nucleares em andamento no Brasil. Como mencionado em 3.1.2, § 11º, a primeira
cascata de centrífugas entrou em operação em 1982 e foi anunciado, oficialmente, pelo
presidente José Sarney em 1987 e, no ano seguinte, o programa paralelo da MB foi
incorporado às pesquisas oficiais.
Atualmente, o principal objetivo do PNM, ora desenvolvido no CTMSP, é
estabelecer a competência técnica autóctone para projetar, construir, comissionar, operar e
manter reatores do tipo Reator de Água Pressurizada (PWR – Pressurized Water Reactor),
bem como produzir o seu combustível. O PNM é, pois, dividido em dois grandes projetos: o
Projeto do Ciclo do Combustível e o Projeto do Laboratório Nucleo-Elétrica (LABGENE). A
conquista da tecnologia necessária à geração núcleo-elétrica, para uso em propulsão naval,
passa por complexos estágios de desenvolvimento, destacando-se o dominio completo do
ciclo do combustível nuclear, já conquistado, e o desenvolvimento e construção de uma planta
de geração de energia elétrica, o que ainda não está pronto.
4.2 A Análise SWOT: Oportunidades e Ameaças para a MB
A Análise SWOT foi criada por Kenneth Andrews e Roland Christensen, dois
professores da Escola de Economia de Harvard, e tornou-se uma forma muito difundida de
fazer diagnóstico estratégico de um projeto, organização ou empresa. SWOT é a junção das
iniciais, em inglês, dos quatro elementos-chave desta análise estratégica: Strengths (forças) verifica as vantagens internas; Weaknesses (fraquezas) - verifica as desvantagens internas;
Opportunities (oportunidades) – aspectos positivos do ambiente externo com potencial de
crescimento; e Threats (ameaças) – aspectos negativos do ambiente externo com o potencial
de comprometer a vantagem competitiva.
69
O emprego da Análise SWOT como ferramenta de diagnóstico de projeto onde os
ambientes internos e externos são analisados e as informações sistematizadas, fornece uma
visão do ambiente global onde o projeto está inserido com simplicidade, permitindo, assim,
estabelecer estratégias de ações.
Com relação à interdependência dos programas nucleares e das oportunidades e
ameaças para a MB, decorrentes do crescimento do PNB, são apresentados a seguir.
As metas envolvendo diretamente o PNM e CTMSP - o novo PNB apresentado
em agosto de 2008 prevê a conclusão e operação da planta-piloto de UF6 (conversão) até 2010
e, também, completar o projeto do reator de propulsão naval desenvolvido pela MB em 8
anos, isto é, de 2007 até 2015. Quanto à conclusão da USEXA (unidade de conversão – UF6),
está prevista para o primeiro semestre de 2010, com uma capacidade nominal de 40 tUF6 /ano,
não sendo esperado, até o momento, atrasos significativos. A consecução dessa unidade
permitirá, praticamente, a conclusão do Projeto do Ciclo do Combustível do PNM, tendo em
vista que as demais unidades do projeto estão concluídas e operando. O fornecimento de
urânio beneficiado (yellowcake) para o PNM é realizado por meio de contrato entre a MB e a
INB.
Em relação ao Laboratório de Geração de Energia Núcleo-Elétrica (LABGENE) o
cronograma atual prevê sua prontificação para 2014, tendo recomeçado em 2008. O
LABGENE é o protótipo do sistema de propulsão do submarino nuclear construído em terra.
O conjunto de itens mais crítico do reator nuclear consiste no gerador de vapor, no vaso do
reator e na instrumentação nuclear, devido operar em condições extremas de temperatura e
pressão, devendo, por isso, ter uma confiabilidade de operação necessária para atender a
política de segurança nuclear. Todos os equipamentos principais do LABGENE já estão
prontos ou em fase final de fabricação. Os sistemas de controle, incluindo o simulador, e a
instrumentação nuclear estão ora em fase de obtenção, devido à rápida evolução tecnológica
envolvida e por ser recomendável, assim, que essas obtenções sejam realizadas mais próximas
da montagem do LABGENE. Esses últimos itens deverão ser prontificados até 2012.
Apesar do natural surgimento de problemas técnicos decorrentes da retomada do
PNM, as principais ameaças para o não-cumprimento das metas em lide são:
a) Perda de mão da obra existente devido aos baixos salários aplicados para o pessoal civil;
b) Não contratação de novos empregados devido aos baixos salários; e
c) Falta de recursos para os projetos.
Vale salientar que as duas primeiras ameaças são fatos concretos (medidas estão
70
sendo tomadas para mitigar o problema) e a terceira ainda não ocorreu (até agora os recursos
têm sido indicados para o PNM como prometidos). Os recursos estão sendo provisionados
como planejado, sem contingenciamento, sendo que os extra-MB vieram de várias fontes,
principalmente da extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e do MCT. O total de
recursos necessários para o término dos projetos do PNM (Ciclo do Combustível Nuclear e
LABGENE) foi estimado em R$ 1,04 bilhão. Desse montante, foram aportados R$ 130
milhões em 2008, e espera-se em torno de R$ 161 milhões para 2009 (APÊNDICE C).
A questão de recursos humanos é central em qualquer análise sobre o PNM. Ela
tem dimensão social e extrapola os limites da MB. A formação de pessoal qualificado na área
nuclear em seus vários niveis é um problema nacional. Particularmente, nos programas de alta
tecnologia, a evasão de cérebros e as dificuldades de formação de pessoal, associadas ao
cerceamento tecnológico sofrido pelo Brasil, representam grandes óbices ao desenvolvimento
do PNM. Como mencionado acima, na área de recursos humanos, as duas ameaças para o
PNM são a perda do pessoal existente e a incapacidade de reposição da lotação necessária
para desenvolvimento dos projetos, devido, principalmente, aos baixos salários praticados
para o pessoal civil do CTMSP. Para aplacar essas ameaças, está sendo criada uma empresa de
alta tecnologia, até o momento denominada Amazul, para abrigar o pessoal da área nuclear e o
pessoal da área de projeto e construção de submarinos, tanto o convencional quanto o nuclear.
O objetivo é que essa empresa possa praticar salários próximos ao de mercado e, assim,
impedir a evasão de empregados do PNM. A intenção é que a empresa resolva o problema da
captação. Quanto ao problema de formação de pessoal, este poderá ser atenuado com a ajuda
do IPEN, através de cursos de mestrado profissionalizante.
A retomada do crescimento na área nuclear com o novo PNB prevê a construção
de usinas nucleares no Brasil, a autossuficiência na produção industrial de todo ciclo de
combustível nuclear e, também, destina recursos orçamentários para consolidação do PNM no
domínio do ciclo do combustível e implementação de instalações nucleares para a propulsão
naval. O acordo de cooperação firmado entre o Brasil e a França, no final de 2008, prevê,
dentre outros projetos contidos na Estratégia Nacional de Defesa (END), o projeto e
construção de quatro submarinos convencionais e um nuclear. Cabe mencionar que nesse
contrato não estão incluídos nem a assessoria técnica nem a transferência de tecnologia da
parte nuclear do submarino pelos franceses. Portanto, considerando os termos atuais do
referido acordo fica evidenciado a necessidade de consecução do PNM, principalmente do
LABGENE, para viabilizar a construção do submarino nuclear brasileiro.
71
Foi verificado que a indústria nacional poderá participar intensamente em quase
todas as áreas desses projetos. Como exemplos de área de atuação podem ser citados:
construção do casco dos submarinos convencionais e do nuclear; construção de todo o circuito
primário do submarino nuclear (inclusive o reator); construção de todo o circuito secundário
(motor, turbina, condensador, gerador etc.); e construção da base/estaleiro. Como regra geral,
a área sensível por excelência no ambiente nuclear é o enriquecimento de urânio. Ele entra no
projeto do submarino através do elemento combustível. Os únicos órgãos capazes de fabricar
o combustível nuclear são a INB e o CTMSP, não sendo prevista a participação de empresas
privadas nessa área. Contudo, não foi identificado nenhum programa de fomento (procura de
empresas) através de incentivos de financiamentos por órgãos públicos, como o BNDES, para
a maior participação da indústria nacional nesses projetos, somente negociações isoladas do
BNDES com algumas empresas fornecedoras do CTMSP (APÊNDICE D).
A dependência técnica externa para consecução do PNM relativos a alguns
materiais e equipamentos, mas não de serviços, é uma ameaça para o PNM devido a
salvaguardas internacionais ou por pressões de Estados detentores de tecnologia nuclear,
podendo interromper, a qualquer momento, o fornecimento de tais materiais. Infere-se com
isto a seguinte questão: “Quanto tempo o PNM poderia resistir a um embargo na área
nuclear”? Pode-se afirmar que a grande maioria dos itens importados pode ser desenvolvida
no país, mas com um ônus de um período de prontificação certamente dilatado. A procura de
determinados itens no exterior deve-se à necessidade de cumprir prazos, pois o
desenvolvimento no País é executado num período muito mais longo do que a compra no
exterior, e devido, também, à facilidade de licenciamento do item. Como são itens de uso
comprovado no exterior, eles têm mais facilidades de serem licenciados no Brasil pelo CNEN
do que itens provenientes de um desenvolvimento no país (APÊNDICE C).
Devido ao PNM ter sido mantido em estado vegetativo por mais de 5 ou 6 anos
pelas restrições orçamentárias e escassez de investimentos, levando a MB a um sacrifício para
manter um patamar mínimo de alocação de recursos para o programa, mesmo em detrimento
de seus demais setores, trouxeram como consequências a postergação de conclusão do PNM,
iniciado em 1979. Na atual retomada de investimentos no PNM, a problemática de
obsolescência do material já adquirido não foi identificada como significativa. Os
equipamentos que já estão prontos não são obsoletos. Todos aqueles passíveis de
obsolescência ainda estão para serem prontificados. Como regra geral, as fabricações de
equipamentos e itens eletrônicos somente agora estão sendo contratados.
72
Pela característica dual do projeto LABGENE (uso militar na propulsão naval e
uso civil na geração de energia), não foi confirmada no presente estudo a viabilidade da
utilização da planta de geração termonuclear do PNM, em comparação com outras fontes de
energia disponíveis, para suprimento de energia elétrica em localidades com densidade
demográfica baixa ou em pequenos centros consumidores. Assim, não se pode considerar uma
oportunidade de emprego do PNM diante da retomada do PNB sem um estudo mais
minucioso. A potência do reator do LABGENE é de 11 MW, sendo suficiente para a
iluminação de uma cidade de cerca de vinte mil habitantes. Reatores com menos de 100 MW
são, como regra geral, antieconômicos. A análise da potência necessária para tornar o
processo de geração de energia, através de um reator nuclear, em termos econômicos ainda
precisa ser realizada, tendo em vista que determinados custos da implantação independem do
tamanho do reator. Releva-se que os conhecimentos adquiridos no projeto e construção do
reator do LABGENE são fundamentais para o projeto dos futuros reatores comerciais a serem
fabricados no Brasil, tornando-se oportunidades de longo prazo (APÊNDICE C).
Além dos já citados, os seguintes fatores podem também ser mencionados no
emprego da Análise SWOT, com o intuito de obter um diagnóstico estratégico do PNM:
a) pontos fortes: a vontade da Marinha de construir o submarino nuclear; a existência de
pessoas com bastante conhecimento e experiência na área nuclear; o domínio de
tecnologias altamente sensíveis; e o fato de o CTMSP possuir um parque tecnológico
bem estruturado;
b) pontos fracos: remuneração do pessoal civil bem abaixo da praticada no mercado; e
muitas pessoas envolvidas no projeto perto da aposentadoria;
c) oportunidades: emprego dos conhecimentos adquiridos na área de reatores para
projeto civis (exemplo concreto: aplicação dos conhecimentos adquiridos no projeto de
um reator multipropósito para produção de rádiofármacos e de teste de materiais); e a
utilização dos conhecimentos adquiridos na área do ciclo do combustível para tornar o
país autossuficiente nos processos de enriquecimento e da conversão (exemplo
concreto: montar a usina de enriquecimento de Resende e ajudar a INB no projeto e
construção de uma unidade de conversão de 1.200 t/ano de UF6);
d) ameaças: negação de fornecimento, por parte de alguns países, de materiais
estratégicos empregados no programa, obrigando ao seu desenvolvimento no país e
aumentando consideravelmente o tempo necessário para a consecução dos projetos;
aumento das pressões internacionais do cerceamento externo em decorrência da nova
73
Resolução 188713 do Conselho de Segurança da ONU; e a interrupção do aporte de
recursos planejados para o PNM.
Na verificação das oportunidades e ameaças para a Marinha do Brasil, em função
do crescimento do PNB, em outras áreas fora do PNM, o estudo científico abrangeu às áreas
de pesquisa e médica, tendo sido identificado especial interesse na área da medicina nuclear.
Atualmente, no âmbito da MB não é desenvolvido qualquer tipo de pesquisa
técnica para o PNM ou para o projeto do submarino nuclear fora do CTMSP. Na década de
80, o Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM) desenvolveu um sistema de controle
denominado Sistema Digital de Controle Distribuído – SDCD a pedido na época da
Coordenadoria de Projetos Especiais de São Paulo – COPESP, hoje CTMSP, tendo sido
aplicado a uma planta térmica, que simulava a operação do reator nuclear a ser utilizado no
LABGENE, o chamado Projeto LOOP-150. Com o término da reserva no campo da
informática no Brasil nessa mesma época, decidiu-se pela importação de um sistema similar
do exterior.
No campo da medicina nuclear, observa-se que a indústria de radiofármacos do
País é organizada e produzida, quase na totalidade, no IPEN, SP, e, em menor proporção e
mais recente, no Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), RJ, ambos vinculados à CNEN. O
novo PNB prevê, em um dos seus projetos, metas envolvendo diretamente a aplicação na
medicina nuclear, que são: a criação da Empresa Brasileira de Radiofármacos (EBR) e a
definição, projeto e construção de um reator multipropósito brasileiro (RMB). Com o aumento
contínuo da demanda desses produtos, faz-se necessário também o aumento da produção.
Contudo, o único reator de pesquisa existente no IPEN, que produz radiofármacos, possui
capacidade limitada e muito aquém da demanda, sendo necessária a importação de insumos do
Canadá. O reator de pesquisa multipropósito nacional irá aumentar a produção de
radioisótopos no país e preencher essa lacuna, diminuindo ou eliminando a dependência
externa na compra de insumos.
Existem quatro reatores de pesquisa no país. Dois reatores estão no IPEN, SP: o
IEA-R1, único com capacidade de produzir radioisótopos, ainda que limitada, e com uma vida
_______________
13
O Conselho de Segurança da ONU aprovou em 24 de setembro de 2009, por unanimidade, uma resolução
apelando pela não-proliferação nuclear. A resolução 1887, redigida pelos Estados Unidos, pede aos Estados
membros do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), de 1970, que respeitem suas obrigações, e que os
demais se somem a ele como países sem armas atômicas, para torná-lo universal
74
útil restante estimada de 10 anos; e o IPEN/MB-01, sendo genuinamente brasileiro e que foi
projetado e construído em conjunto com o CTMSP. Outro reator está no IEN, RJ: o
Argonauta; e um no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), Belo
Horizonte, MG: a Triga
O Hospital Naval Marcílio Dias (HNMD) firmou um contrato com o IPEN de
fornecimento de radiofármacos, que é renovado anualmente. Os principais radiofármacos são:
gerador de tecnécio-99; Iodo-131 (150 mci); Gálio-67 e o Tálio-201, gerando um dispêndio
anual em torno de R$ 350 mil. Mais de 85% de todos os exames realizados na medicina
nuclear utilizam o tecnécio-99, produzido a partir do molibdênio-99, cujos insumos são
importados da empresa canadense MDS Nordion, que, no momento, encontra-se com o seu
reator National Research Universal (NRU) paralisado, desde maio de 2009, devido a
problemas técnicos. Esse reator é responsável por mais de 50% da demanda mundial de
molibdênio-99, provocando uma crise internacional na produção desse radiofármaco. Crise
semelhante ocorreu em 2007, devido a problemas no mesmo NRU, impedindo a realização da
maioria dos exames cintilográficos e deixando os pacientes sem assistência nessa área. Outro
fato importante foi o aumento do preço do molibdênio importado no início de março de 2009
em cerca de 200%, devido à crise internacional desde o final do ano passado e, ainda assim,
aumentou-se o seu fornecimento em 10% para o país em relação ao ano passado.
A construção do RMB poderá tornar o país autossuficiente na produção de
radiofármacos, aliás, como já ocorre na Argentina, onde se realizam mais procedimentos de
medicina nuclear que no Brasil e para uma população bem menor. Torna-se ainda mais
relevante o RMB ao considerar que o reator IEA-R1 do IPEN, principal do país, tem uma vida
útil restante de 10 anos, devendo haver um substituto, ou então várias atividades importantes
deixarão de ser realizadas no Brasil, sendo a medicina nuclear a área mais afetada. O RMB
beneficiará outras áreas além da saúde, como a indústria, a agricultura e a geração de energia,
bem como na realização de testes de materiais para reatores e combustíveis nucleares. Além
disso, pode ser usado como ferramenta para treinamento de recursos humanos do setor.
A possibilidade de instalação do novo reator multipropósito brasileiro (RMB) em
Aramar poderá trazer grandes oportunidades para a MB, pois poderá ser firmado um contrato
com o IPEN de fornecimento de radiofármacos em uma condição muito mais vantajosa para a
MB. Além disso, o reator poderá ser utilizado em outras aplicações para a MB, como na
realização de testes de materiais utilizados em reatores e testes de combustíveis nucleares, que
são de interesse para o PNM (APÊNDICE E).
75
5 CONCLUSÃO
O estudo realizado permitiu identificar que é incontestável a importância do
processo de planejamento da expansão da geração no Sistema Elétrico Brasileiro. Prova disso
foi o racionamento de energia ocorrido em 2001, causado pelo abandono do planejamento no
Brasil. A complexidade do problema do planejamento da expansão reside na enorme gama de
incertezas existentes no Sistema. A característica única do parque gerador nacional com a
predominância da geração hidrelétrica promove, indubitavelmente, uma imensa vantagem
competitiva por permitir a geração de energia elétrica com custos relativamente baixos quando
comparados aos demais custos de geração em todo o mundo.
Foi, sim, graças à opção pelo desenvolvimento do parque hidrelétrico que o Brasil
teve êxito no processo de industrialização, quando os países dependentes da geração térmica
baseada em combustíveis fósseis sofriam os impactos dos choques de petróleo na década de
70. Em contrapartida, a concentração da geração na fonte hídrica, somada ao crescimento
constante da demanda por energia elétrica, realçou a forte exposição do sistema ao risco
hidrológico. A mitigação desse risco passa pelo aumento da complementação térmica.
As usinas termelétricas são efetivamente capazes de reduzir o risco de falta de
energia em função de hidrologias desfavoráveis, à custa de uma geração às vezes mais cara,
ou causando maiores impactos de emissões de gases de efeito estufa, ou mesmo sobre a saúde
da população vizinha. Estão também sujeitas a outros riscos como, por exemplo, de preço e
suprimento de seu combustível. Existe, portanto um trade off entre os benefícios em termos de
segurança e aumento da confiabilidade do sistema e seus custos. Funcionam como um seguro
para o sistema. São capazes de inserir flexibilidade operativa e por isso podem ser vistas como
valiosas opções reais. Fica evidenciada, neste trabalho, a importância do planejamento da
expansão do parque de geração de energia elétrica no Brasil. Mais do que isso, fica
demonstrada a relevância da participação da geração termelétrica e da diversificação da matriz
nacional.
Fique evidenciada também que, dentre as fontes de energia utilizadas para usinas
termelétricas, a energia nuclear tem inegável destaque por ser a fonte de menor emissão dos
gases que provocam efeito estufa e pela grande capacidade de concentração de energia. O
Brasil ganha destaque internacional por ter grandes reservas de urânio e por ter conquistado o
domínio do ciclo do combustível nuclear. Esses dois fatos são conseguidos, também, somente
pela Rússia e Estados Unidos.
76
Com o novo Programa Nuclear Brasileiro (PNB) em suas duas vertentes: uma, na
área de geração núcleo elétrica e, outra, em ações para a autossuficiencia de produção do
combustível nuclear, o que proporcionará, inegavelmente, avanços e desenvolvimentos
tecnológicos para a indústria nuclear nacional.
Dois fatos foram determinantes para a retomada de o Projeto Nuclear da Marinha.
Primeiro, o retorno aos investimentos necessários para dar continuidade aos projetos do
LABGENE e completar todas as etapas do ciclo de combustível nuclear e, com isto, obter a
autossuficiencia tecnológica na produção deste combustível. O segundo fato foi a assinatura
do contrato com a Franca para a consecução do projeto e construção do submarino nuclear.
Ficou claro no estudo que a consecução do PNM, principalmente o projeto LABGENE, e do
acordo de cooperação com a França viabilizarão o projeto e construção do submarino nuclear.
A utilização de uma ferramenta de diagnóstico estratégico de projeto, isto é, a
aplicação da Análise SWOT no PNM, foi possível identificar diversas oportunidades e
ameaças para a MB, que vão desde o avanço tecnológico até o desenvolvimento da indústria
nuclear nacional. As ameaças também identificadas norteiam as áreas de investimento, de
recursos humanos e de, ainda, uma dependência tecnológica estrangeira. Todos esses fatores
podem subsidiar e auxiliar o planejamento do PNM. Ficou manifesto, também, as
oportunidades para a área médica da MB, decorrentes dos projetos relacionados com a
medicina nuclear contidos no novo PNB.
Na avaliação final da presente pesquisa científica, sugere-se que deverão ser
realizados estudos mais aprofundados quanto:
- à mitigação da dependência tecnológica do exterior de fornecimento de materiais
e equipamentos para o PNM;
- à oportunidade de utilização da planta de geração termonuclear do LABGENE,
pela característica dual do projeto (militar na propulsão nuclear e civil na geração de energia
elétrica); e
- à destinação dos rejeitos radioativos provenientes da utilização da energia
nuclear, tanto do PNB quanto do PNM.
77
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82
APÊNDICE A - Entrevista com o Prof. Dr. José Goldemberg
MARINHA DO BRASIL
ESCOLA DE GUERRA NAVAL
CURSO DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA MARÍTIMAS
ENTREVISTA
IDENTIFICAÇÃO
NOME:
Dr. José Goldemberg
FUNÇÃO:
Professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP
Doutor em Ciências Físicas pela USP
ORGANIZAÇÃO: Universidade de São Paulo
DATA:
16/07/2009
1 – A relação energia – desenvolvimento tem sido objeto de estudo por muitos, incluindo-se o
estabelecimento da causa e efeito entre essa relação com os danos ao meio ambiente. Como o
Senhor analisa essa relação para um país que possui desigualdades sociais e de distribuição de
renda, bem como entre os países com diferentes níveis de desenvolvimento e industrialização?
JG: A correlação energia-meio ambiente-desenvolvimento existe, mas não é necessariamente
linear. Certas ações na área de energia afetam de maneira diferenciada setores na sociedade.
Por exemplo, medidas para reduzir as emissões de CO2 (resultantes do uso de gasolina em
automóveis) afetam mais as classes média e alta, onde as pessoas possuem automóveis, e não
as classes mais pobres, que usam transporte coletivo. Distribuir os encargos (e benefícios)
entre as diversas classes é uma tarefa complexa.
2 – Para demonstrar a relação do consumo de energia de um país e o seu desenvolvimento
econômico e social, têm sido levantados e analisados vários indicadores comparativos, como:
o consumo de energia per capita, intensidade energética (I=E/PIB), elasticidade de renda da
demanda (Δ consumo relativa/∆ PIB relativo), índice de desenvolvimento humano (IDH),
índices sociais (analfabetismo, expectativa de vida, mortalidade, fertilidade) em relação ao
83
consumo etc. Dentro do que o Senhor considera os principais índices, quais são os que
refletem com mais precisão o comportamento dessa relação e quais que podem levar uma
análise distorcida em relação a outros países?
JG: Claramente, o IDH é o mais abrangente de todos. Ele é superior, em todos os aspectos, ao
uso de GDP, que mede apenas transações financeiras.
3 – O atual governo dos EUA, de Barack Obama, declara sua mudança de posicionamento em
relação ao controle de emissão de gases que provocam o efeito estufa (sendo os EUA o maior
emissor mundial) do que era na administração George W. Bush, demonstrados no recente
encontro dos países mais industrializados no início de julho de 2009 na Itália (grupo G-8) e da
aprovação, pela Câmara dos Representantes dos EUA, da “Lei Americana de Segurança e
Energia Limpa”, que estipula limites e prazos para a redução da emissão dos referidos gases e
cria um mercado para compra e venda dos direitos para emissão de tais gases, que se tornar
lei, atingirá a indústria de petróleo. Como o Senhor analisa essa mudança de postura?
JG:
Uma mudança dramática na direção correta. O Governo Bush, na prática, nem
reconhecia a realidade (e a gravidade) do efeito estufa, apesar de os Estados Unidos serem o
maior emissor mundial e, portanto, com a grande responsabilidade de tomar medidas
concretas para evitar as suas consequências.
4 – E sobre a argumentação dos países chamados “emergentes”, incluindo o Brasil, de que os
países industrializados devem pagar pelos custos da redução das emissões, devido a terem
sido os grandes emissores no passado e, portanto, têm responsabilidade histórica pelo que está
acontecendo, cabendo a eles resolver o problema. Como o Senhor analisa? E o Brasil, o que
está fazendo e o que deveria fazer para reduzir a emissão de gases, já que é o quarto emissor
mundial devido, principalmente, ao desmatamento de florestas? Qual a expectativa do Senhor
para a 15ª reunião dos países signatários da Convenção do Clima, adotada no Rio-92, a ser
realizada em Copenhague no final do ano?
JG: O argumento dos países chamados “emergentes” é incorreto do ponto de vista técnico;
não existe, hoje, grande diferença entre a contribuição histórica das emissões e as emissões
anuais porque parte das emissões do passado já foi absorvida pelos oceanos. Além disso, as
emissões da maioria dos países industrializados (exceto as dos Estados Unidos) deixaram de
crescer desde 1990, ao passo que as emissões de China, Índia e Brasil (devido ao
84
desmatamento) têm crescido muito. A expectativa para a 15ª reunião dos países signatários da
Convenção do Clima é que os Estados Unidos compareçam com uma lei que limite suas
emissões, já aprovada pelo Congresso Americano, o que “esvaziaria” o argumento do Grupo
dos 77. China é que não está levando o problema a sério. A pressão para que estes países
assumam compromissos de redução vai aumentar muito.
5 – Em seu artigo “Energia – o Brasil na contramão?” publicado no jornal O Estado de S.
Paulo no dia 16/fev/2009, o Senhor fez críticas ao Plano Decenal de Expansão de Energia
(PDE 2008-2017) por privilegiar um aumento da geração de energia elétrica com usinas
termelétricas, que utilizam combustíveis fósseis (contribuem para o “efeito estufa”), em
detrimento da energia hidrelétrica (fonte limpa e renovável), pela dificuldade de licença
ambiental, indo em direção oposta o que se tenta fazer no resto do mundo. Em abril de 2009, o
governo tomou uma atitude para minimizar esse fato e decidiu criar normas que dificultam a
instalação de novas termelétricas movidas a carvão e a diesel, vinculando a licença ambiental
ao plantio de árvores pelas usinas para compensar a emissão de gases. Quais as consequências
que poderão surgir dessa decisão para o PDE2008-2017?
JG: A consequência é que muitos dos projetos que venceram os leilões não se concretizarão,
uma vez que os investimentos necessários vão aumentar muito. O Governo terá que fazer
novos leilões para evitar a falta de energia na próxima década.
6 – O Presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Sr. Maurício Tolmasquim, em seu
artigo “O Paradoxo Ambiental”, publicado na revista Carta Capital, de 2/fev/2009, afirma que
“[...] os ambientalistas criticam o PDE2008-2017 pela presença de termelétricas e o
consequente aumento das emissões de CO2, mas esquecem que essas usinas térmicas
decorrem de sua própria ação a impedir o licenciamento das hidrelétricas. [...] O PDE
praticamente não considera novas termelétricas além das já contratadas, que a expansão se
fará basicamente com hidrelétricas e outras fontes de energia. Tal cenário só se concretizará
com a mudança no processo de licenciamento e, mesmo, no comportamento do movimento
ambientalista. [...] a ação de certas ONGs no sentido de judicializar o licenciamento das
hidrelétricas traz um custo desnecessário e produz um impacto ambiental negativo em sua
matriz energética.” O Senhor concorda com essas afirmações?
85
JG: Concordo. A oposição a novos empreendimentos hidrelétricos é irracional em muitos
casos. É preciso comparar custos ambientais e os benefícios que a produção de eletricidade
traz.
7 – É inegável a vocação hídrica do Brasil para geração de energia elétrica, trazendo uma
importante vantagem competitiva em nível mundial (fonte renovável e limpa). Como é
também nítida a transformação da malha energética nacional de hídrica para hidrotérmica.
Os defensores de maior participação das usinas térmicas na matriz nacional alegam que a
operação do Sistema Interligado Nacional (SIN), de virtual monopólio da hidroeletricidade,
irá depender de quanto e onde chove no país, ou seja, da Natureza. Para a sua autorregulagem
ao enfrentar um ano seco necessita, no mínimo, de cinco meses de energia hídrica
armazenada. A expansão da contribuição de outras fontes renováveis – eólica, solar, biomassa
– deverá ser a máxima possível. Porém, elas não reduzirão a necessidade da complementação
térmica. Como o Senhor analisa este cenário e argumentações?
JG: A capacidade de armazenamento dos reservatórios de usinas hidrelétricas não aumenta
desde meados da década dos 80. Por essa razão, a necessidade de complementação térmica é
inevitável, mesmo que se aumente a contribuição de outras fontes renováveis.
8 – Em relação à crise energética ocorrida em 2001 no país, quais foram as principais causas
para esta ocorrência?
JG:
A causa imediata foi a falta de chuvas ocorridas nos anos anteriores, mas a causa
mediata, real, foi o fato de a capacidade de armazenamento dos reservatórios não ter
aumentado desde meados da década dos 80, tornando o sistema muito vulnerável ao regime de
chuvas. Contribuiu também a falta de interligação dos sistemas de geração Sul-Sudeste.
9 – A situação energética atual do país, em relação à infraestrutura de energia elétrica, é muito
diferente de 2001? Em caso afirmativo, quais os fatores fundamentais que marcam a diferença
do momento atual e a de 2001? O Senhor vê a possibilidade da ocorrência de novos “apagões”
e da necessidade de medidas de racionamento do consumo de energia, como na crise de 2001,
para fazer frente a um período de seca?
JG:
As interligações dos sistemas melhoraram, bem como a capacidade de geração térmica
com usinas a gás. Além disso, tem chovido muito e os reservatórios estão cheios. Na próxima
década, contudo, o problema pode se repetir.
86
10 – Qual é o parecer do Senhor quanto à importância e validade dos planejamentos
integrados dos recursos energéticos de médio prazo (PDE2008-2017) e longo prazo
(PNE2030) elaborados pelo governo, através da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e
vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME)?
JG:
Os planejamentos da EPE são basicamente extrapolações do passado com hipóteses
pouco realistas. São basicamente exercícios acadêmicos.
11 – Como o Senhor analisa o ressurgimento da energia nuclear no mundo, após duas décadas
de crescimento desprezível, com a construção atual de 45 novas usinas e 131 por construir
(total de 176 usinas, distribuídas na China-45, Índia-29, Rússia-16, Japão-15, Coreia do Sul12, USA-12, Canadá-5, entre outros), bem como investimentos em novos projetos de reatores
que incorporam, por exemplo, características melhores de segurança e reprocessamento do
combustível nuclear? A melhoria da segurança e a mudança do clima são razões fortes para
perseguir, hoje, a energia nuclear? Em caso afirmativo, como se pode evitar a proliferação
nuclear?
JG:
Sou cético em relação ao “renascimento” da energia nuclear que o Governo Bush
tentou provocar desde 2002. Apesar da segurança dos reatores nucleares e de seu desempenho
ter melhorado, o seu custo aumentou muito com a crise econômica mundial. Investir 4 ou 5
bilhões de dólares num reator e enfrentar riscos regulatórios e oposição dos grupos
antinucleares é ainda um freio importante a grandes inversões neste setor. Nos Estados
Unidos, até hoje a construção de nenhum reator foi iniciada desde a década dos 80. Além
disso, as preocupações com a proliferação nuclear aumentaram muito e a rota do
reprocessamento só aumenta estas preocupações. O GNESD, “menina dos olhos” do Governo
Bush, está em vias de ser desativado no Governo Obama.
12 – Ambientalistas de renome, como James Lovelock, criador da Teoria de Gaya, e Patrick
Moore, um dos fundadores do Greenpeace, se declaram agora defensores da energia nuclear
como o método mais eficaz de se combater o aquecimento global, por ser além de limpa e
segura, “é a única forma de energia imediatamente acessível, que não causa aumento de
temperatura.” Como o Senhor analisa esta postura?
JG: Patrick Moore se tornou um “lobista” da indústria nuclear e perdeu toda a credibilidade.
Lovelock sempre foi considerado um excêntrico e se opõe até a energia eólica porque vai
87
perturbar a paisagem da zona rural onde ele vive. Ambos, devido ao seu passado, têm sido
explorados pelo “lobby” nuclear. Concordo que energia nuclear não causa aumento da
temperatura, mas, em compensação, pode gerar outros problemas, como grandes acidentes e,
sobretudo, a proliferação nuclear.
13 – Os defensores da energia nuclear como alternativa energética para o Brasil alegam um
papel de complementaridade, não devendo haver competição entre as fontes de energia
disponíveis, e que dificilmente haverá uma fonte que represente solução única de forma
sustentável para um país. São favoráveis a uma diversificação da matriz energética nacional,
em que a componente hidrelétrica continuará a predominar e ter precedência, porém ao lado
de outras fontes renováveis de energia e de uma importante componente termelétrica,
necessária para garantir o funcionamento seguro do sistema. Neste contexto, a energia nuclear
tem vantagem por ser a energia mais limpa e o Brasil possuir uma das maiores reservas
mundiais de urânio e dominar a tecnologia de fabricação do combustível nuclear, ao lado
somente de EUA e Rússia. Como o Senhor analisa este quadro?
JG: Concordo com a primeira parte desta pergunta. Energia nuclear contribui para a
diversificação do sistema e tem, pois, um caráter complementar. A ideia de que o Brasil deve
ser uma grande potencia nuclear só porque tem uma das maiores reservas mundiais de minério
de urânio é discutível. Enriquecer urânio exige grandes investimentos e o mercado mundial já
tem excesso de produção de urânio enriquecido. Não é evidente que enriquecer urânio é um
investimento atraente.
14 – Em entrevista a revista Época, o Senhor concorda com a conclusão da usina nuclear de
Angra III. Por quê?
JG:
Investimentos apreciáveis já foram feitos em Angra III e me parece razoável concluí-la
como fonte complementar ao sistema hídrico.
15 - A energia nuclear é uma tecnologia viável e sustentável no Brasil? Qual é o papel e a
importância da energia nuclear como alternativa energética para o Brasil?
88
JG: Não creio que tenha sido demonstrado que energia nuclear é “uma opção viável e
sustentável” no Brasil, além dos seus custos serem enormes e, certamente, superiores aos
custos das alternativas existentes (sobretudo hidroelétrica). Ainda assim ela poderá
desempenhar um papel complementar. A conclusão de Angra III não deve ser usada como
justificativa para lançar um grande programa nuclear no país onde apenas 35% do potencial
hidrelétrico foi utilizado.
16 – Quais são as expectativas do Senhor em relação ao Brasil depois da descoberta do
megacampo de petróleo de Tupi? Como se pode aliar o desenvolvimento econômico e o
social?
JG:
Boas. O Brasil é praticamente autossuficiente na produção de petróleo e com o
petróleo do pré-sal poderá se tornar exportador usando os recursos resultantes para o
desenvolvimento econômico e social.
89
APÊNDICE B - Entrevista com o Exmo. Sr. Vice-Almirante (EN-RM1) Othon Luiz Pinheiro
da Silva e com o Sr. Capitão-de-Mar-e-Guerra (EN-RM1) Leonam dos Santos Guimarães
MARINHA DO BRASIL
ESCOLA DE GUERRA NAVAL
CURSO DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA MARÍTIMAS
ENTREVISTA
IDENTIFICAÇÃO
NOMES:
VA (EN-RM1) Othon Luiz Pinheiro da Silva; e
CMG (EN-RM1) Leonam dos Santos Guimarães
FUNÇÕES:
Diretor Presidente; e
Chefe de Gabinete do Diretor Presidente.
ORGANIZAÇÃO: Eletronuclear – Eletrobrás Termonuclear S.A.
DATA:
24/06/2009
1 – A energia nuclear é uma tecnologia viável e sustentável no Brasil? Qual o papel e a
importância da energia nuclear como alternativa energética para o Brasil?
Resposta: Sim, por vários aspectos. Primeiro porque a opção nuclear permite a geração
confiável de uma energia ambientalmente limpa, que não contribui para o efeito estufa, e não
é afetada pelas variações climáticas. Além disso, a energia nuclear faz uso de um combustível
de origem nacional, o que permite minimizar vulnerabilidades no abastecimento e proteção
contra a volatilidade dos preços, não estando sujeito a flutuações no mercado internacional.
Ocupando uma área pequena, quando comparada com outras formas de geração de energia, as
usinas nucleares podem ficar próximas aos grandes centros consumidores, eliminando a
necessidade de longas linhas de transmissão.
O papel e a importância da energia nuclear como alternativa energética para o Brasil é
de complementaridade. Não deve existir competição entre as fontes energéticas disponíveis.
Dificilmente haverá uma fonte de energia que represente solução única de forma sustentável
para um país. O próprio exemplo brasileiro, cujo Sistema Interligado Nacional (SIN) foi por
muito tempo baseado essencialmente na fonte hídrica e que hoje passa por uma transformação
90
no sentido de tornar-se um sistema hidrotérmico, reforça esta tese. O caráter largamente
majoritário da hidroeletricidade torna o Brasil um caso único, com uma importante vantagem
competitiva em nível mundial. A operação do sistema, entretanto, irá depender de quanto e
onde chove no país, ou seja, da Natureza. A vazão dos rios varia nas estações do ano e anos
secos ocorrem em ciclos de cinco a dez anos. Um sistema hídrico que se autorregule para
enfrentar um ano seco como, por exemplo, o de 2001, necessita, no mínimo, de cinco meses
de energia hídrica armazenada e, de agora em diante, tenderão a apresentar uma razão entre a
capacidade de armazenamento de água e a produção de energia elétrica da ordem de dois
meses e tendendo a diminuir cada vez mais. Grandes reservatórios na Amazônia, região onde
se encontra a maior parte do potencial hidrelétrico disponível para aproveitamento, são
inviáveis do ponto de vista social e ambiental.
O país está passando por um “divisor de águas”: a situação atual de virtual
“monopólio” da hidroeletricidade no SIN apresenta tendência de evolução para uma situação
em que a componente hidrelétrica continuará a predominar e ter precedência, porém ao lado
de uma importante componente termelétrica necessária para garantir o funcionamento seguro
do sistema. A expansão da contribuição de outras fontes renováveis – eólica, solar, biomassa –
deverá ser a máxima possível. Porém elas não reduzirão a necessidade da complementação
térmica. Todas as fontes renováveis dependem dos ciclos da Natureza e requerem
complementação térmica para os períodos em que não estão plenamente disponíveis.
Nesse contexto, o Brasil dispõe de uma situação privilegiada, pois possui, em seu
território, diversas alternativas de geração térmicas: urânio, carvão, biomassa, gás natural e
petróleo. Cada uma com suas especificidades de uso. Deve-se ressaltar que o Brasil tem uma
das maiores reservas mundial de urânio e passou a dominar o conhecimento do ciclo completo
de fabricação do combustível nuclear, obtendo uma posição privilegiada em termos globais.
2 – De acordo com o contrato de compra e venda de energia elétrica gerada, qual é a tarifa
atual das usinas Angra I e II? E qual será a prevista para a usina de Angra III? Em comparação
com outras fontes de energia elétrica, a fonte nuclear é competitiva?
Resposta: A tarifa contratual das usinas Angra I e Angra II é de R$ 128,00 (cento e vinte e
oito reais) por MWh. Segundo nossos estudos preliminares, estima-se que a tarifa contratual
da usina Angra III será de aproximadamente de R$ 143,00 (cento e quarenta e três reais) por
MWh, que possivelmente será firmado com o holding Eletrobrás. Esse valor é fruto de vários
91
estudos, amplamente debatidos pelo Governo e por especialistas do setor. Sob o aspecto de
competividade econômica e a título de comparação, no último leilão de venda de energia
realizado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para as usinas térmicas, a gás, o preço
médio da tarifa ficou em R$ 136 por MWh. Só que, como as usinas foram contratadas a um
custo fixo, que considera uma operação com 50% da capacidade, se operarem acima disso, a
tarifa ultrapassará os R$ 140,00 por MWh. No leilão realizado em junho de 2007,
especificamente para biomassa e pequenas centrais hidroelétricas (PCH), o preço médio ficou
em R$ 138,85/MWh para a primeira e R$ 134,99/MWh para a segunda. A energia eólica tem
custo previsto acima de R$ 200,00/MWh e o primeiro leilão a ser realizado pela EPE está
agendado para novembro de 2009. Estes exemplos evidenciam a viabilidade econômica da
opção nuclear.
3 – A empresa Eletronuclear é autossustentável financeiramente? A empresa conseguiu
reverter seus sucessivos prejuízos? Em caso positivo, quais foram às mudanças?
Resposta: A Eletronuclear – Eletrobrás Termonuclear S/A, foi criada em 1997 com a
finalidade de operar e construir usinas termonucleares no país. Subsidiária da Eletrobrás S.A.,
é uma empresa de economia mista, sendo autossustentável financeiramente, com lucro líquido
e superávit fiscal anual, não dependendo do orçamento fiscal da União para os seus dispêndios
econômicos, distribuídos em investimentos, dispêndios de capital (amortizações) e dispêndios
correntes. O desempenho pode ser explicado pelo aumento da receita devido à nova política
tarifária de energia gerada pela empresa, e pela estabilização dos custos. Pesou também a
renegociação das dívidas junto à controladora.
4 – Como representante do Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro,
Vossa Excelência apresentou, em 18 de agosto de 2008, o novo Programa Nuclear Brasileiro,
contendo vários programas e metas e um aporte de recursos de R$ 968 milhões, aplicados em
4 anos (2007 a 2010). Qual a avaliação de V. Exa sobre o andamento e o cumprimento das
metas do PNB até a presente data?
Resposta: No que tange a Angra III e às usinas da Central Nuclear do Nordeste, as atividades
encontram-se em andamento. O cronograma originalmente previsto para Angra III sofreu um
atraso de cerca de 3 meses devido ao fato de a Licença Municipal para construção somente ter
92
sido emitida em 06 de julho de 2009.
5 – Os recursos provenientes do orçamento federal planejados para o PNB foram
contingenciados pelo governo federal no ano de 2009?
Resposta: As metas do PNB relacionadas com a Eletronuclear não recebem recursos do
Tesouro Nacional, sendo administradas por recursos próprios ou por solicitação de
financiamento externo. As metas associadas a atividades da CNEN, INB e NUCLEP são
financiadas por verbas orçamentárias do Orçamento Fiscal da União. Quanto ao aporte de
recursos do PNB para as metas de outras entidades envolvidas não temos conhecimento.
6 – O que acha da criação de uma Agência Reguladora do Setor Nuclear, separando as
atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da regulação e fiscalização, hoje
desempenhada pela CNEN (Agência Reguladora Nuclear Brasileira), como prevê o PNB?
Resposta: Isto já foi uma recomendação da Agência Internacional de Energia Atômica
(AIEA) em inspeções realizadas desde o ano de 2004. Estamos de acordo com essa
providência, aliás, como está previsto no PNB. Em todos os países que possuem tecnologia
nuclear seguem esse procedimento. A proposta de projeto com a criação da Agência
Reguladora já foi encaminhada pelo CNEN para aprovação e trâmite do Ministério da Ciência
e Tecnologia.
7 – Quanto ao Índice de Nacionalização das usinas nucleares: quais são o atual e o esperado
para aquelas que serão construídas?
Resposta: O índice atual de nacionalização da usina de Angra II é aproximadamente de
50,4%. O índice esperado para a construção da usina de Angra III é de 54,0%. Estamos
trabalhando e planejando alcançar um índice de nacionalização para as futuras usinas a serem
construídas no Brasil de 70%.
8 – A retomada do crescimento na área nuclear, com o novo PNB prevê a construção de
usinas nucleares no Brasil, a autossuficiência na produção industrial de todo o ciclo de
combustível nuclear e, também, destina recursos orçamentários para a concretização de parte
93
de o Programa Nuclear da MB (PNM), aplicados no domínio do ciclo do combustível e
implementação de instalações nucleares para a propulsão naval. O acordo de cooperação
firmado entre o Brasil e a França no final de 2008 prevê, dentre outros projetos contidos na
Estratégia Nacional de Defesa (END), o projeto e construção de submarinos convencionais e
um nuclear. Por serem consideradas tecnologias sensíveis, como está prevista a participação
da indústria nacional nesses projetos e em que áreas? Existe algum programa de fomento
(procura de empresas) através de incentivos fiscais e de financiamentos por órgãos públicos,
como o BNDES, para uma maior e efetiva participação da indústria nacional nesses projetos?
O Grupo de Trabalho Interministerial para identificação da potencialidade nacional nos
suprimentos de bens e serviços para as usinas pós-Angra III já apresentaram suas avaliações?
Resposta: Não tenho conhecimento. Somente casos isolados de aberturas de crédito entre o
BNDES e empresas nacionais fornecedoras de materiais e equipamentos para a área nuclear.
9 – Como está o planejamento de expansão da capacidade de geração núcleo elétrica pósAngra lll para atender o Plano Nacional de Energia (PNE) 2030? Existe um cronograma de
implementação? Quais são as participações atual e a futura da energia nuclear na malha
energética e de geração elétrica nacional após a implementação das usinas?
Resposta: A usina nuclear Angra III está prevista para ser concluída e comissionada em 2014,
possuindo capacidade instalada de 1.350 MW, o que atenderá o Plano Decenal de Expansão
de Energia (PDE) 2008-2017. Estamos trabalhando com a seguinte premissa de
implementação das usinas nucleares pós-Angra III, sendo todas elas de capacidade de geração
de 1.000 MW, a fim atender ao PDE 2030: U. Nuclear 1, operação em 2019; U. Nuclear 2,
operação em 2022; U. Nuclear 3, operação em 2025, U. Nuclear 4, operação em 2028; U.
Nuclear 5, operação em 2031 e U. Nuclear 6, operação em 2034. As usinas serão implantadas
duas a duas e as duas primeiras serão instaladas numa Central Nuclear na região Nordeste e as
terceira e quarta usinas numa Central Nuclear na região Sudeste.
A participação atual da energia nuclear como fonte de energia primária e não
renovável na malha energética nacional é aproximadamente de 1,5% e para a matriz de
geração elétrica no Brasil é de 2,8%. Com a construção de Angra III e das demais usinas
temos a expectativa de aumento da participação para 5% na malha de geração de energia
nacional.
94
10 – A usina nuclear Angra I foi construída com tecnologia americana (Westinghouse) e
Angra II e III com tecnologia alemã (Siemens – KWU). Para as demais usinas planejadas a
serem construídas pós-Angra III, quais as perspectivas de tecnologia e de manutenção?
Resposta: As obras civis deverão ser contratadas junto a uma empresa no país por processo
licitatório, como ocorreram com as usinas I, II, III. Quanto aos sistemas e equipamentos das
usinas propriamente ditas e, principalmente os reatores, deverão ocorrer através de
concorrências internacionais, não podendo prever qual será a tecnologia ou licitante vencedor,
sendo
as
tecnologias
de
mais
evidência
mundial
atualmente:
a
americana
(Westinghouse/Toshiba), a francesa (Areva/Mitsubishi) e a russa (Rosenergoatom).
11 – No acordo de cooperação entre o Brasil e a França firmado em dezembro de 2008, além
de projetos contidos na Estratégia Nacional de Defesa (END) como a aquisição de
helicópteros e submarinos, estão previstos também a cooperação e transferência de tecnologia
na área nuclear envolvendo a Eletronuclear e a Electricité de France (EDF). Solicito informar
o objeto do acordo e a situação atual. A empresa Areva, resultante da fusão entre a alemã
Siemens-KWU e a francesa Framatome, recentemente associada a Mitsubishi, através desse
acordo participará da conclusão de Angra III e do fornecimento de reatores e construção das
futuras usinas nucleares previstas no PNB e PNE 2030?
Resposta: A AREVA participará da construção de Angra III por força de contratos comerciais
e acordos governamentais firmados ainda na década de 70. Para as usinas pós-Angra III, o
processo de seleção de tecnologia ainda não foi iniciado, mas será um processo competitivo.
12 - Dentro do PNB, quando atingiremos a autossuficiência em produção de combustível
nuclear para atender às usinas nucleares, o PNM (protótipo em terra LABGENE e
submarinos) e os reatores de pesquisa e produção de radioisótopos? Quais serão as respectivas
produções? Quais as principais ameaças a vencer para atingirmos a autossuficiência?
Resposta: A autossuficiência de produção de combustível nuclear para atender às
necessidades das usinas nucleares Angra I, Angra II e, inclusive, Angra III será atingida em
2014, quando serão cumpridas as metas de prospecção e mineração de 1.200 t/ano em 2012,
95
as metas de conversão com a primeira usina industrial, em 2014, com 1200 t/ano, e aumento
na produção de urânio enriquecido com nova fábrica em 2014. Quanto ao PNM, com o início
da produção da usina de demonstração industrial USEXA em 2010, a MB terá capacitação
plena para produção do combustível nuclear do protótipo e dos submarinos nucleares com 40
t/ano. Para aumentar as aplicações da energia nuclear nas áreas da medicina, indústria,
agricultura e de pesquisa, está prevista a implantação de mais um reator de pesquisas até 2014
que, além dos quatro já existentes, poderá ser atingida a autossuficiência na produção de
radiofármacos no país.
A maior ameaça para atingirmos a autossuficiência é a descontinuidade na
alocação de recursos para financiamento.
13 – Mesmo após a autossuficiência na produção do combustível nuclear em relação ao PNB,
deve-se manter o contrato com a empresa canadense CAMECO para a “conversão” e com o
consórcio europeu URENCO para o “enriquecimento” do urânio, a fim de manter um vínculo
comercial aberto com essas empresas internacionais, mesmo em quantidades reduzidas? Por
quê?
Resposta: Não vemos necessidade de manter o contrato com as duas empresas para esses
serviços, desde que tenhamos uma produção industrial que atenda as nossas demandas e
necessidades.
14 – É favorável à negociação, para o exterior, de produtos (urânio bruto ou beneficiadoyellow cake) e serviços (como o enriquecimento do urânio, após atingirmos a
autossuficiência), para angariar recursos a fim de custear o PNB e o PNM e, assim, não
depender de recursos orçamentários do governo ou de financiamentos para esses programas
nucleares? Por quê? Não seria uma oportunidade diante do crescimento do PNB?
Resposta: A primeira preocupação deve ser com o atingimento da autossuficiência na
produção do combustível nuclear, isto é, o alcance de uma produção do combustível em escala
industrial para atendimento das necessidades atuais e futuras, de acordo com as usinas já
existentes e com o planejamento de construção de novas usinas nucleares. Somos favoráveis à
negociação com outros países do urânio beneficiado e se ele for excedente, sendo contrário a
comercializar o urânio bruto, devido ao valor tecnológico agregado e, assim, tendo um maior
96
valor comercial. Começaria pelo “yellow cake”, por já ser produzido em escala industrial, e
depois o urânio convertido em gás UF6 ou o urânio enriquecido, após serem produzidos
industrialmente no Brasil. Hoje, estas duas últimas etapas são contratadas e produzidas no
exterior, como já foi mencionado.
15 – Como está planejada a captação e formação de pessoal, para cada nível de instrução,
necessária para atender aos projetos do novo PNB? A idade média avançada dos técnicos
especializados, a evasão de pessoal e a falta de captação de mão de obra especializada seriam
ameaças para a consecução do PNB?
Resposta: Para a formação em nível operacional, a Eletronuclear possui um centro de
treinamento instalado na cidade de Paraty, contando com um simulador que reproduz a sala de
controle de Angra II, onde são treinados, além de operadores da Eletronuclear, também
operadores de usinas estrangeiras. Atualmente, solicitamos a autorização para a contratação de
500 vagas em diversos níveis para suprir nossas necessidades atuais. À medida que os
investimentos do PNB são confirmados e vão sendo implementados, a necessidade da
captação e formação do pessoal para atender os projetos vai sendo concomitantemente
levantada e resolvida, dentro de um planejamento previamente elaborado. Sem dúvida, caso as
necessidades de pessoal não sejam atendidas na quantidade, na formação e nos prazos
adequados poderão comprometer a operacionalidade dos referidos projetos. Mão de obra só é
formada e captada quando se tem bons projetos. O PNB é constituído por um elenco de bons
projetos.
16 – É viável a utilização da planta de geração termonuclear do PNM pela característica dual
do projeto LABGENE (propulsão naval e geração de energia), em comparação com outras
fontes de energia disponíveis, para suprimento de energia elétrica em localidades com
densidade demográfica baixa ou pequenos centros consumidores? Pode ser considerada uma
oportunidade de emprego do PNM diante da retomada do PNB?
Resposta: Primeiramente, deve-se elaborar um estudo de custo-benefício para verificar a
viabilidade econômica em comparação com outras fontes de energia existentes na localidade
planejada, após o projeto LABGENE ter sido consolidado. A mobilidade para instalação da
planta de geração termonuclear do porte do PNM e sem grandes investimentos de linhas
97
elétricas de transmissão e de distribuição para os centros consumidores, bem como pequenas
perdas de energia decorrentes, são vantagens a serem consideradas, podendo levar, com isso, o
desenvolvimento em locais mais distantes. Entretanto, devido aos recursos hídricos
abundantes no Brasil, nos parece que a construção de usinas hidrelétricas de pequena
capacidade de geração seja uma opção econômica mais viável para este caso, principalmente
quando se refere à localidade situada na região Amazônica, considerando que seja minimizado
o seu impacto ambiental.
17 – As críticas do cientista José Goldenberg sobre a utilização da energia nuclear na malha
energética nacional são embasadas nos riscos envolvidos, classificados por ele como: riscos
físicos (radioatividade, acidentes, resíduos, explosões nucleares), riscos econômicos (custos
com segurança e reatores, interrupções freqüentes, tarifa não competitiva em relação às outras
fontes) e riscos estratégicos (produção de armas nucleares, proliferação nuclear). É que a
chamada “renascença nuclear” foi provocada pelos EUA devido aos subsídios às empresas
produtoras de equipamentos nucleares, levando mais de 30 países a desenvolverem a energia
nuclear, negligenciando opções mais atraentes do ponto de vista econômico e sem o risco de
aplicações militares. V. Exa. poderia fazer uma avaliação dessas críticas?
Resposta: O Professor Goldenberg, está defendendo suas convicções e seus pontos de vista,
os quais eu respeito, mas com os quais eu não concordo e tenho argumentações suficientes
para pensar de forma diferente.
18 – Com relação ao Plano de Emergência Externo das usinas nucleares, como o Colégio
Naval e o Hospital Naval Marcílio Dias estão inseridos no contexto do referido plano?
Resposta: Sim. Cada um tem as suas incumbências e capacidade específica dentro deste
plano.
98
APÊNDICE C- Entrevista com o Exmo. Sr. Contra-Almirante (EN) Carlos Passos
Bezerril
MARINHA DO BRASIL
ESCOLA DE GUERRA NAVAL
CURSO DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA MARÍTIMAS CPEM-2009
ENTREVISTA
IDENTIFICAÇÃO
POSTO E NOME: Contra-Almirante (EN) Carlos Passos Bezerril
FUNÇÃO:
Diretor do CTMSP
OM:
Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP)
Data:
29 de junho de 2009
1 – Como metas envolvendo diretamente o PNM e CTMSP, o novo PNB
apresentado em agosto de 2008 prevê a conclusão e operação da planta-piloto de UF6
(conversão) até 2010 e, também, completar o projeto do reator de propulsão naval
desenvolvido pela MB em 8 anos, isto é, de 2007 até 2015. Solicito que V. Exa. informe a
situação atual e a evolução das ações para o cumprimento dessas metas e prazos. Quais são as
ameaças para o não-cumprimento das referidas metas?
Resposta: A conclusão da USEXA (unidade de conversão – UF6) está prevista para o
primeiro semestre de 2010 não sendo, até o momento, esperados atrasos significativos.
Em relação ao Laboratório de Geração de Energia Núcleo-Elétrica (LABGENE) o
cronograma atual prevê sua prontificação para 2014, tendo recomeçado em 2008. O
LABGENE é o protótipo do sistema de propulsão do submarino nuclear construído em terra.
As principais ameaças para o não-cumprimento das metas em lide são:
- Perda de mão-de-obra existente devido aos baixos salários aplicados para o
pessoal civil;
- Não contratação de novos empregados devido aos baixos salários; e
- Falta de recursos para os projetos.
99
OBS: Vale salientar que as duas primeiras ameaças são fatos concretos (medidas
estão sendo tomadas para mitigar o problema) e a terceira ainda não aconteceu (até agora os
recursos têm vindo como prometidos).
2 – São previstos recursos financeiros no PNB para o PNM fim execução e cumprimento das
metas citadas anteriormente. Como está o provimento dos recursos planejados do PNB para o
PNM e serão eles suficientes para o cumprimento das metas? Eles foram contingenciados pelo
governo em 2009?
Resposta: O PNM faz parte do PNB e, de certo modo, podemos dizer que os recursos
destinados ao PNM são oriundos do PNB. Os recursos estão vindos como planejado, sem
contingenciamento.
3 – O PNM desenvolvido no CTMSP é composto de dois grandes projetos: o Projeto do Ciclo
do Combustível e o Projeto de Geração Núcleo-Elétrico (LABGENE). Qual a participação
desde o início do PNM dos recursos orçamentários da MB nesses dois projetos, do Tesouro
Nacional através do PNB e se existe alguma outra fonte de recursos extra-MB? Quanto já foi
gasto até a presente data no PNM e quanto de recursos é estimado para a conclusão do
programa?
Resposta: Pelo gráfico abaixo podemos ver a composição dos recursos aportados ao projeto
até dezembro 2008. Os recursos extra-MB vieram de várias fontes, principalmente da extinta
Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e o do MCT.
Os recursos necessários para o término dos projetos foram estimados em R$ 1,04
bilhão. Desse montante, foram aportados R$ 130 milhões em 2008, e esperamos em torno de
R$ 161 milhões para 2009.
100
Dispêndio total do PNM até 2008
100.000.000
MB: US$ 1.001.449.770
90.000.000
Extra-MB:US$ 218.909.842
80.000.000
Total: US$ 1.220.359.612
US$ Equivalentes
70.000.000
60.000.000
50.000.000
40.000.000
30.000.000
20.000.000
10.000.000
MARINHA
2008
2007
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1981
1980
1979
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EXTRA MARINHA
4 – A retomada do crescimento na área nuclear com o novo PNB prevê a construção de usinas
nucleares no Brasil, a autossuficiência na produção industrial de todo o ciclo de combustível
nuclear e, também, destina recursos orçamentários para concretização do PNM no domínio do
ciclo do combustível e implementação de instalações nucleares para a propulsão naval. O
acordo de cooperação firmado entre o Brasil e a França no final de 2008 prevê, dentre outros
projetos contidos na Estratégia Nacional de Defesa (END), o projeto e construção de
submarinos convencionais e nucleares. Por serem consideradas tecnologias sensíveis, como
está prevista a participação da indústria nacional nesses projetos e em que áreas? Existe
algum programa de fomento (procura de empresas) através de incentivos de financiamentos
por órgãos públicos, como o BNDES, para maior participação da indústria nacional nesses
projetos?
Resposta: A indústria nacional poderá participar intensamente em quase todas as áreas desses
projetos. Como exemplo de área de atuação podemos citar:
- Construção do casco dos submarinos convencionais e do nuclear;
- Construção de todo o circuito primário do submarino nuclear (inclusive o reator);
- Construção de todo o circuito secundário (motor, turbina, condensador, gerador
etc.); e
- Construção da base/estaleiro.
101
Como regra geral, a área sensível por excelência no ambiente nuclear é o
enriquecimento de urânio. Ele entra no projeto do submarino através do elemento
combustível. Os únicos órgãos capazes de fabricar o combustível nuclear são a INB e o
CTMSP, não sendo prevista a participação de empresas privadas nessa área.
Tudo que tenho conhecimento a respeito de fomento é de uma reunião que
aconteceu em Aramar, entre o BNDES e alguns fornecedores do CTMSP. Nessa reunião, o
BNDES apresentou as suas várias linhas de créditos, mas nada focado na área nuclear.
5 - Existem outros contratos, convênios, ou algum tipo de acordo administrativo, além dos
citados contratos com a INB para construção de ultracentrifugadoras e com a França para o
submarino nuclear, entre o CTMSP e algum órgão nacional público ou privado (como USP,
IPEN, IPT etc.) ou internacional (como Areva, Westinghouse etc.) para prestação de serviço
ou cooperação técnica na área nuclear ou no desenvolvimento do PNM em seus dois grandes
projetos (ciclo do combustível e LABGENE)?
Resposta: Com relação ao exterior, não existem convênios de cooperação técnica, existindo
somente contratos de fornecimentos de alguns itens.
Em relação ao país, existem alguns convênios voltados para desenvolvimento de
itens específicos.
6 - Quais são as dependências técnicas externas para consecução do PNM relativos aos
materiais, equipamentos e serviços, mencionando sua importância, prioridade, emprego e
quais são as empresas, países e valores? Elas são ameaças para o PNM e, se são, de que
forma? Quais seriam os seus respectivos planos contingentes?
Resposta: Não existem itens que não possam ser desenvolvidos aqui no país. A procura de
determinados itens no exterior deve-se à:
- Necessidade de cumprir prazos. (O desenvolvimento no País é muito mais
demorado do que a compra no exterior.)
- Facilidade de licenciamento do item. (Como são itens de uso comprovado,
eles têm mais facilidades de serem licenciados aqui no Brasil do que itens provenientes de um
desenvolvimento aqui realizado.)
102
7 – Mesmo após a autossuficiência na produção do combustível nuclear em relação ao PNB,
deve-se manter o contrato com a Empresa canadense CAMECO para a “conversão” e com o
consórcio europeu URENCO para o “enriquecimento” do urânio, a fim de manter um vínculo
comercial com essas empresas mesmo com quantidades reduzidas? Por quê?
Resposta: Trata-se de uma questão de caráter comercial e que tem que ser resolvida pela INB
quando a autossuficiência chegar. É precipitado responder com muita antecedência, sendo
necessário estudar o cenário mundial da época para se ter uma ideia da decisão ser tomada.
8 - Devido ao PNM ter sido mantido em “estado vegetativo” por mais de 5 ou 6 anos pelas
restrições orçamentárias e escassez de investimentos, levando a MB a um sacrifício para
manter um patamar mínimo de alocação de recursos para o programa, mesmo em detrimento
de seus demais setores, trouxe como consequências a postergação de conclusão do PNM,
iniciado em 1979, e a problemática natural da obsolescência do material já adquirido. Na atual
retomada de investimentos no PNM, a problemática de obsolescência do material é
significativa pelos conflitos gerados com a tecnologia atualizada ou com os fornecedores, por
exemplo, tornando-se uma ameaça para o PNM? Em que áreas, materiais ou equipamentos
isto foi mais bem percebido e quais as ações tomadas?
Resposta: Os equipamentos que já estão prontos não são obsoletos. Todos aqueles passíveis
de obsolescência ainda estão para serem prontificados. Como regra geral, a fabricação de
equipamentos e itens eletrônicos está sendo somente agora contratados.
9 – É favorável à negociação para o exterior de produtos (urânio bruto ou beneficiado-yellow
cake) e serviços (como o enriquecimento do urânio, após atingirmos a autossuficiência), para
angariar recursos a fim de custear o PNB e o PNM e, assim, não depender de recursos
orçamentários do governo para esses programas nucleares? Por quê? Não seria uma
oportunidade diante do crescimento do PNB?
Resposta: Já foi decidido pelo governo que não haverá exportação de yellow cake no
momento atual. A exportação de urânio bruto é inviável por causa do percentual de urânio
existente na rocha (no caso de Caitité, o percentual é em torno de 0,3%, ou seja, para cada
tonelada de rocha temos apenas 3 kg de urânio).
103
10 - Como está planejada a captação e formação de pessoal necessária para atender aos
projetos do PNM e o projeto e construção do submarino nuclear? Existe a possibilidade de
desmobilização de pessoas da MB para a INB e Eletronuclear devido ao novo PNB? Estes
fatos seriam ameaças para a consecução do PNM?
Resposta: Na área de recursos humanos, as duas ameaças para o PNM são a perda do pessoal
existente e a incapacidade de reposição da lotação necessária para desenvolvimento dos
projetos. Isso se deve aos baixos salários praticados para o pessoal civil do CTMSP e para
combater essas ameaças está sendo criada uma empresa de alta tecnologia para abrigar o
pessoal da área nuclear e o pessoal da área de projeto de submarinos. A ideia é que essa
empresa possa praticar salários que impeçam a saída de empregados para outros empregos. A
empresa resolverá o problema da captação. O problema da formação de pessoal poderá ser
resolvido com a ajuda do IPEN, através de cursos de mestrado profissionalizante.
11 – É viável a utilização da planta de geração termonuclear do PNM pela característica dual
do projeto LABGENE (propulsão naval e geração de energia), em comparação com outras
fontes de energia disponíveis, para suprimento de energia elétrica em localidades com
densidade demográfica baixa ou pequenos centros consumidores? Pode ser considerada uma
oportunidade de emprego do PNM diante da retomada do PNB?
Resposta: A potência do reator do LABGENE é de 11 MW, sendo suficiente para a
iluminação de uma cidade de cerca de 20.000 habitantes. Reatores com menos de 100 MW
são, como regra geral, antieconômicos. A análise da potência necessária para tornar o
processo de geração de energia, através de um reator nuclear, econômico, precisa ainda ser
feita, tendo em vista que determinados custos da implantação independem do tamanho do
reator. Releva-se que os conhecimentos adquiridos no projeto de construção do reator do
LABGENE são fundamentais para os projetos dos futuros reatores comerciais a serem
fabricados no Brasil. Essas são oportunidades de longo prazo.
12 – Em que pontos e em que proporções a não consecução das metas do PNB pode interferir
na conclusão dos projetos do PNM? Até que ponto o PNM é interdependente ou é autônomo
em relação ao PNB?
104
Resposta: O PNM é uma parte independente do PNB.
13 – Por ser um órgão público, o CTMSP tem que cumprir a Lei de Licitações (Lei nº 8.666)
para obter materiais e contratar serviços no país para o desenvolvimento do PNM, seguindo
todos os passos burocráticos na liturgia de obtenções. Este procedimento para aquisição de
materiais e contratação de serviços tem sido uma ameaça ao cumprimento dos prazos ou
técnicas envolvidas no PNM? Em caso afirmativo, como têm sido contornados ou
minimizados os efeitos dessa dificuldade? Sem abandonar os princípios da moralidade e da
economicidade ou da técnica, V. Exa. tem, ou sugere, um plano contingente para minimizar ou
eliminar essa ameaça?
Resposta: Toda burocracia ameaça a consecução das tarefas. A Lei nº 8.666 é bastante
burocrática e, com certeza, causa atrasos. O modo de minimizar esses efeitos maléficos é a
agilização dos processos licitatórios através da manutenção de um grupo altamente treinado, e
da cooperação da Advocacia Geral da União (AGU). O ideal seria uma lei específica para os
projetos considerados estratégicos.
14 - Quanto ao armazenamento de rejeitos radioativos classificados como de alta, média e
baixa atividades, onde, e de que forma, esse material deverá ser estocado no CTMSP e no
futuro Complexo Naval do S(N)? Isto é um problema para a MB? O novo PNB, que inclui
esse assunto em seu programa, pode ser uma oportunidade de solução para a MB?
Resposta: Os rejeitos devem ser armazenados no próprio sítio que os gerou. Os rejeito de
média e baixa atividades não constituem maiores problemas, pois o tempo que devem ser
guardados é menor que o tempo de vida da instalação. Os rejeitos de alta são mais
complicados e devem permanecer na unidade que o gerou até seu discomissionamento. Após
isso, o rejeito deverá ser levado para um depósito permanente, onde ele deverá ficar por
centenas de anos. No Brasil, esse depósito permanente ainda não existe, mas está sendo
projetado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) com a ajuda da Eletronuclear.
15 - O emprego da Análise SWOT é uma ferramenta de diagnóstico de projeto, em que são
analisados os ambiente internos e externos, sistematizadas as informações e que fornece uma
visão do ambiente global no qual o projeto está inserido com simplicidade, permitindo, assim,
105
estabelecer estratégias de ações. Para o caso do PNM, solicito a V. Exa. que nos informe
quais são os pontos fortes (correspondem aos recursos e capacidades que geram vantagens) e
pontos fracos (ou vulneráveis) dentro do ambiente interno da MB, e quais são as
oportunidades (refere-se ao crescimento e fortalecimento) e as ameaças (refere-se à
sobrevivência) oriundas do ambiente externo, diante da retomada do crescimento do PNB.
Resposta: Os pontes fortes são:
1) A vontade da Marinha de construir o submarino nuclear;
2) A existência de pessoas com bastante conhecimento e experiência na área
nuclear;
3) O domínio de tecnologias altamente sensíveis; e
4) O fato de o CTMSP possuir um parque tecnológico bem estruturado
Os pontos fracos são:
1) Remuneração do pessoal civil bem abaixo da praticada no mercado; e
2) Muitas pessoas perto da aposentadoria.
As oportunidades são:
1) Emprego dos conhecimentos adquiridos na área de reatores para projetos
civis.
Exemplo concreto: Aplicação dos conhecimentos adquiridos no projeto de
um reator multipropósito para produção de rádiofármacos e de teste de
materiais.
2) Utilização dos conhecimentos adquiridos na área do ciclo do combustível
para tornar o país autossuficiente nos processos de enriquecimento e da
conversão.
Exemplo concreto: Montar a usina de enriquecimento de Resende e ajudar
a INB no projeto e construção de uma unidade de conversão de 1.200
ton./ano de UF6.
As ameaças são:
1) Negação de fornecimento, por parte de alguns países, de materiais
estratégicos, obrigando o seu desenvolvimento no país e aumentando
consideravelmente o tempo necessário para a consecução dos projetos; e
2) Interrupção do aporte de recursos.
106
APÊNDICE D - Entrevista com o Sr. Capitão-de-Mar-e-Guerra (EN) André Luis Ferreira
Marques
MARINHA DO BRASIL
ESCOLA DE GUERRA NAVAL
CURSO DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA MARÍTIMAS CPEM-2009
ENTREVISTA
IDENTIFICAÇÃO:
POSTO E NOME: CMG (EN) André Luis Ferreira Marques
FUNÇÃO:
Coordenador do Ciclo do Combustível Nuclear (CTMSP-12)
OM:
Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP)
Data:
02/06/09
1 – Com relação ao contrato firmado entre o CTMSP e a INB para fornecimento de
ultracentrifugadoras de enriquecimento de urânio com o fim atender as necessidades e metas
do PNB, qual o cronograma contratual de fornecimento e como está o seu atendimento, os
valores envolvidos e se o CTMSP está tendo condições para atender os prazos contratuais
envolvidos ou se está existindo alguma dificuldade?
Resposta: Os detalhes sobre este acordo contratual são sigilosos. Mas, baseando-se no que já
foi divulgado na imprensa, o horizonte deste acordo é até 2015, nas condições acertadas para
atender às usinas Angra I e II, parcialmente. Atualmente, em Resende/RJ, já existe uma
cascata em operação plena e a segunda cascata de enriquecimento está em fase de
comissionamento. As demais cascatas estão em fase de montagem eletromecânica e
fabricação.
Para as condições atuais, a capacidade industrial do CTMSP, tanto na sua parte de pesquisa e
desenvolvimento, assim como na fabricação em si, vem sendo atualizada e incrementada. Vale
comentar que o planejamento para a implantação de uma nova capacidade industrial no
CTMSP está em curso, tendo em vista as novas metas de o Programa Nuclear Brasileiro
(PNB).
107
2 – Como metas envolvendo diretamente o PNM e CTMSP, o novo PNB, apresentado em
agosto de 2008, prevê a conclusão e operação da planta-piloto de UF6 (conversão) até 2010 e,
também, completar o projeto do reator de propulsão desenvolvido pela MB em 8 anos, isto é,
de 2007 até 2015. Solicito a V. Sa. informar a situação atual e a evolução das ações para o
cumprimento dessas metas. Os recursos previstos no PNB para essas metas formam providos
para o PNM? Quais são as ameaças para o não cumprimento das referidas metas?
Resposta: É importante destacar que a planta-piloto de conversão (USEXA) já vinha sendo
construída e montada dentro do PNM, muito antes mesmo deste renascimento do PNB. Dentro
de uma sinergia positiva, o MCT identificou a importância dessa unidade e vem colaborando
com a MB desde 2005 para prontificar a USEXA, por meio de convênio da FINEP com a
Fundação PATRIA. A montagem eletromecânica da USEXA deverá ser terminada em maio
de 2010. Vale acrescentar que há recursos do TN via PRM, alocados em ação específica do
PPA (11TC).
A respeito do LABGENE, o qual sofreu interrupções de investimento durante 5
anos, este está sendo retomado em ritmo mais rápido, com a construção civil de prédios,
fabricação de equipamentos, preparação de recursos humanos para a sua operação, devendo
ser terminada a sua montagem eletromecânica em 2014. O seu comissionamento está previsto
para um horizonte de até 2 anos após esta data. Os recursos para o LABGENE são providos
pelo TN, por meio de ação específica do PPA (1.428).
3 – A meta de conclusão da planta-piloto de produção de UF6 (conversão) no CTMSP visa,
segundo o PNB, à sua implementação e operação a fim de obter informações importantes para
o projeto futuro de planta de conversão em escala industrial a ser construída pela INB e,
assim, ampliar a produção para atender a demanda crescente de combustível nuclear prevista
na retomada do PNB. Existe alguma ameaça em tomar como referência a planta de conversão
a ser concluída em Aramar, com produção aproximada de 40 t de UF6, para projetar e
construir uma planta de conversão com produção em escala industrial pela INB, sendo que a
primeira planta terá capacidade de 1.200 t de UF6, atingindo o Brasil, assim, a autossuficiência
em 2014? Em sua opinião, haverá a necessidade de assessoria externa ao Brasil para o projeto
e construção desta planta?
108
Resposta: Não há ameaça identificada para o quadro apresentado na pergunta. O que se
reconhece é que alguns itens poderão ser importados, uma vez que ainda não dispomos de
fornecedor nacional. Todavia, para os itens mais críticos, estão em curso processos de
nacionalização, envolvendo recursos do MCT e da MB. Tecnicamente, a vertente escolhida
para se ter uma unidade de 1.200 t/ano de UF6 está correta, porque é o caminho natural, que
passa por se fazer, primeiramente, uma unidade de demonstração industrial (USEXA) para
depois se partir para uma unidade muito maior. Os processos físico-químicos e os detalhes de
engenharia aplicáveis na conversão de urânio já são conhecidos por meio de literatura
ostensiva e pesquisas feitas no IPEN durante os anos 80 e 90.
4 – Com a retomada de crescimento do PNB, principalmente na construção de usinas
nucleares no Brasil e no ciclo de combustível, e com o acordo de cooperação firmado entre o
Brasil e a França para construção de submarinos convencionais e nuclear, como o parque
industrial nacional poderá participar desses projetos? Quais as principais áreas que poderão
ser engajadas? Quais as oportunidades vislumbradas nesta área para o PNM? Existe algum
programa de fomento (procura de empresas) através de incentivos de financiamentos por
órgãos públicos, como o BNDES, para maior participação da indústria nacional nesses
projetos?
Resposta: A capacidade industrial brasileira precisa ser atualizada para as metas do PNB, uma
vez que houve uma desmobilização do que se conseguiu instalar nos anos 70 e 80. As
participações focam a construção de equipamentos, montagens eletromecânicas, construção
civil de unidades prediais, entre outros. É importante dizer que é necessária a retomada na
formação e atualização de recursos humanos, em todos os quadrantes (governo e unidades
privadas), para se cumprir as metas. Esse processo passa pelas universidades (USP, UFRJ,
UFMG, UFPE, UFRGS) e pelos institutos de pesquisa (IPEN, CDTN, IEN, IRD, IPT, entre
outros).
As oportunidades do PNM são o incremento dos fornecedores nacionais, assim
como nos recursos humanos que podem ser mobilizados para os trabalhos necessários para o
LABGENE. Tudo isto contribui para se diminuir os custos aplicáveis no PNM. Igualmente
importante, a INB poderá fornecer uma gama maior de insumos para o PNM (i.e. urânio
enriquecido), o que pode diminuir o volume de trabalho para se fazer, no CEA, para o
LABGENE representando um ganho de escala nos cronogramas em andamento.
109
Em 2008-2009, o BNDES começou uma ação de mapeamento de fornecedores
para o setor nuclear, em conjunto com ações de planejamento do MDIC, MME, MCT, MD,
para se poder atender às metas do PNB. Até o momento, não temos ainda um relatório
consolidado desta ação.
5 – Com relação ao Projeto do Ciclo do Combustível do PNM, solicito informar a situação
atual e futura das unidades que compõe este projeto: USEXA, LEI e USIDE, LABMAT e
LADICON (como: as capacidades de produção, datas de prontificação, recursos financeiros
envolvidos etc.).
Resposta: Os detalhes comentados são classificados como sigilosos. Contudo, a USEXA
(capacidade nominal de 40 tUF6/ano) demandará um investimento de R$ 40 milhões para a
sua prontificação, sendo que metade deste montante já foi liberado. O LEI e a USIDE já
operam há muitos anos e seguem seus programas de produção, o que envolve a manutenção
normal para esse tipo de instalação. O LABMAT e o LADICON também já operam há muitos
anos, mas precisam de atualizações de alguns equipamentos, considerando-se os novos
desenvolvimentos ora em planejamento para futuros núcleos do LABGENE.
6 – Quais são as maiores dificuldades ou ameaças para prontificação do reator nuclear e seus
itens componentes, como os geradores de vapor, varetas de combustível, vaso de pressão,
pressurizador etc.? E dos outros equipamentos do LABGENE, como turbina, gerador elétrico,
condensador etc.? Qual a situação atual dos componentes principais deste projeto e qual a
previsão de prontificação?
Resposta: Para qualquer reator nuclear, os equipamentos que operam em condições extremas
de temperatura e pressão, para se ter uma determinada confiabilidade necessária para a
política de segurança nuclear, consideramos: os geradores de vapor (porque operam com
sistemas bifásicos), o vaso do reator (suporta o combustível nuclear), a instrumentação nuclear
e o sistema de controle. Esse é o conjunto mais crítico, por assim dizer. Os demais
equipamentos e sistemas apresentam condições não tão críticas de projeto, fabricação e
montagem.
Todos os equipamentos principais do LABGENE já estão prontos, ou em fase
final de fabricação. O sistema de controle (com simulador) e a instrumentação nuclear estão
110
em fase de obtenção, uma vez que a tecnologia envolvida evolui muito rápido, sendo assim
recomendável que se aborde mais próximo da montagem do LABGENE, o que é o nosso caso.
Esses últimos exemplos devem ficar prontos até 2012.
7 - Solicito informar a definição, situação atual, metas e objetivos, dados financeiros dos
PROJETOS de seguintes denominações: Chalana, Zarcão, Ciclone, Remo e Costado. Qual foi
o gasto total de todos os projetos até a presente data?
Resposta: Nestes projetos, como um todo, já foram investidos cerca de US$ 1,2 bilhão. As
informações mais detalhadas podem ser obtidas nas apresentações feitas pelo Diretor do
CTMSP.
8 - Existem outros contratos, convênios, ou algum tipo de acordo administrativo, além dos
citados contratos com a INB, para construção de ultracentrifugadoras e, com a França, para o
submarino nuclear, entre o CTMSP e algum órgão nacional público ou privado (como USP,
IPEN, IPT etc.) ou internacional (como Areva, Westinghouse etc.) para prestação de serviço
ou cooperação técnica na área nuclear ou no desenvolvimento do PNM em seus dois grandes
projetos (ciclo de combustível e LABGENE)?
Resposta: Os acordos que existem versam sobre o apoio do MCT para com o PNM (i.e.
desenvolvimento de ultracentrífugas, desenvolvimento de válvulas para UF6, atualização de
laboratórios, para mencionar alguns), seja por meio de convênios entre a FINEP e a Fundação
PATRIA, seja por destaque de crédito do MCT para o CTMSP. Não há acordos internacionais
envolvendo diretamente o CTMSP. Os acordos com a França não envolvem a parte nuclear,
por opção dos próprios franceses.
9 - Quais são as dependências técnicas externas para a consecução do PNM relativos aos
materiais, equipamentos e serviços, mencionando sua importância, prioridade, emprego, e
quais são as empresas, países e valores? Elas são ameaças para o PNM e de que forma? Quais
seriam os seus respectivos planos contingentes?
Resposta: Há fornecedores externos para o PNM, sem dúvida. Não identificamos em nenhum
deles, até o momento, algum grau formal de ameaça. Não obstante, sempre que possível,
111
considerando uma avaliação de custos e prazos, são implantados programas de nacionalização
de itens, processos ou técnicas para os diversos itens do PNM. Ademais, nos contatos
externos, sempre consideramos os processos de controle de tecnologia e material, em função
dos tratados e controles internacionais que o Brasil faz parte (i.e. NSG, MTCR, IAEA).
Vale mencionar que a atividade de exportar um material é unilateral ao seu
produtor. Assim sendo, por quaisquer motivos, a qualquer momento, podemos ter a negativa
de exportação, o que é mais um fator que motiva os processos de nacionalização que já
fazemos. Caso necessário, podemos apresentar alguns casos explícitos de negativas de
exportação.
10 – Quais são os índices de nacionalização atual e o esperado para os dois projetos do PNM e
o índice geral do programa?
Resposta: Em números arredondados, a nacionalização atual no PNM situa-se próximo a
70%. Nos próximos anos, a meta a ser atingida é em torno de 95%.
11 – Dentro do PNM, quando atingiremos a autossuficiência na produção de combustível
nuclear, e qual será a produção? Quais as principais ameaças para atingirmos esta
autossuficiência?
Resposta: Esse tipo de informação é sigiloso. Para o LABGENE, já se tem a autossuficiência
para o horizonte de quinze anos, nas condições iniciais do PNM. As eventuais ameaças são
aquelas elencadas na pergunta logo acima.
12 – V. Sa. é favorável à negociação para o exterior de produtos (urânio bruto ou beneficiadoyellow cake) e serviços (como o enriquecimento do urânio, após atingirmos a
autossuficiência), para angariar recursos a fim de custear o PNB e o PNM e, assim, não
depender de recursos orçamentários do Tesouro Nacional para esses programas nucleares? Por
quê? Não seria uma oportunidade diante do crescimento do PNB?
Resposta: A exportação de produtos deve ser feita, tanto quanto possível, com o maior grau
de valor agregado. Por exemplo, na medida em que se exporta serviço de enriquecimento, isto
denota um maior grau de evolução e maior o preço a ser cobrado (geração de melhores
112
empregos no Brasil também). A exploração de minério bruto agrega em nossa economia um
valor menor do que a venda de produtos industrializados (i.e. aviões, reatores). Para essa
exportação, existe um conjunto de normas e leis que estabelecem as condições de contorno
para isso. Em uma delas, fala-se no monopólio das reservas e a manutenção dos estoques
estratégicos de material nuclear (urânio e tório). Isso é constantemente revisto e atualizado,
em frente dos planejamentos nacionais.
Esse assunto, destacado na pergunta, está em avaliação na esfera superior da
Administração Federal, porque também envolve a avaliação de possíveis parceiros para onde
se poderia exportar material nuclear, à luz dos tratados e controles que o Brasil faz parte. Até
o momento, não se admite a exportação de minério bruto de urânio.
13 – Como está planejada a captação e formação de pessoal necessária para atender aos
projetos do PNM e ao projeto e construção do submarino nuclear? Existe a possibilidade de
desmobilização de pessoas da MB para a INB e Eletronuclear devido ao novo PNB? Estes
fatos seriam ameaças para a consecução do PNM?
Resposta: A mobilização e desmobilização de recursos humanos é uma atividade constante,
por diversos motivos (aposentadorias, níveis salariais). Com a retomada do PNM em ritmo
mais acentuado, programam-se novos concursos para pessoal militar (RM2, ingresso no
CETN) e civil (RJU, EMGEPRON), com as capacitações necessárias (engenharia mecânica,
engenharia química e outras). O CTMSP interage constantemente com diversos órgãos sobre
esse assunto, uma vez que os recursos humanos capacitados são a parte mais importante em
programas desse porte.
A retomada do PNB pode representar, naturalmente, uma condição de contorno
mais demandante de recursos humanos, sendo que as condições de salário (em relação ao
mercado) e de trabalho (salários indiretos, com planos de saúde e auxílio de educação)
normalmente são um diferencial para e alterar o equilíbrio previsto, no PNM, para o
recrutamento necessário e desmobilização prevista dos recursos humanos.
14 – Em que pontos e em que proporções a não consecução das metas do PNB pode interferir
na conclusão dos projetos do PNM? Até que ponto o PNM é interdependente ou é autônomo
em relação ao PNB?
113
Resposta: Na sua moldura atual, o PNM é independente do PNB, havendo um enlace único
no fornecimento de yellow cake pela INB. Este item em específico é enquadrado dentro das
reservas estratégicas, o que é controlado pela CNEN.
Vale dizer, também, que o PNM possui uma evolução constante, mesmo com
descontinuidade dos investimentos ao longo dos anos, o que não se pode dizer, no mesmo
grau relativo, em relação ao PNB, em que se nota um grau muito grande de desmobilização.
Em nossa avaliação, quando se fala em nacionalização ou uso de talentos e meios brasileiros,
o grau de avanço do PNM é muito maior do que o PNB, o qual considerou, desde o seu início,
um aporte de auxílio externo muito grande, por definição.
15 – Além de desenvolver o PNM, o CTMSP está promovendo, estimulando ou coordenando
algum projeto ou pesquisa no âmbito de entidades governamentais ou privadas na área
nuclear?
Resposta: Além do contrato de parceria com a INB, o CTMSP contribui para o
estabelecimento de um reator de múltiplo propósito (RMB), assunto que está sendo
coordenado pela CNEN/IPEN, para se poder produzir radiofármacos, radioisótopos e testar
materiais no Brasil.
Este assunto é uma demanda grande atualmente, porque os reatores internacionais
não conseguem atender as necessidades. O exemplo mais recente é a produção do
radioisótopo tecnécio, usado no diagnóstico de várias doenças do coração, que deixou de ser
produzido pelo Canadá. No Brasil, que importa esse material, há vários exames suspensos, o
que atrapalha muito o atendimento a milhares de pessoas. O RMB suprirá essa condição difícil
para nós.
16 - As críticas do cientista José Goldenberg sobre a utilização da energia nuclear na malha
energética nacional são baseadas nos riscos envolvidos, classificados por ele como riscos
físicos (radioatividade, acidentes, resíduos, explosões nucleares), riscos econômicos (custos
com segurança e reatores, interrupções frequentes, tarifa não competitiva em relação às outras
fontes) e riscos estratégicos (produção de armas nucleares, proliferação nuclear). É que a
chamada “renascença nuclear” foi provocada pelos EUA devido aos subsídios às empresas
produtoras de equipamentos nucleares, levando mais de 30 países a desenvolverem a energia
114
nuclear, negligenciando opções mais atraentes do ponto de vista econômico e sem o risco de
aplicações militares. V.Sa. poderia fazer uma avaliação dessas críticas?
Resposta: Reatores nucleares são utilizados nos EUA, França, Reino Unido, Canadá, Coreia
do Sul, entre outros países, inclusive o Brasil, há vários anos, sem qualquer tipo de acidente.
Analisando-se os acidentes com vítimas no setor energético, percebe-se que o setor nuclear
não possui estatística significativa sobre isso, mesmo com os números extrapolados do
acidente de Chernobyl. Os piores casos, muitas ordens de grandeza maior, são as instalações
de produção de carvão e as hidrelétricas, as quais apresentam riscos maiores para o meio
ambiente. A análise econômica deve ser feita sempre em investimentos, mas, no caso das
possibilidades energéticas, entre outros, não se deve desenvolver o “preconceito energético”,
quer dizer, não se deve limitar o raciocínio para essa ou aquela vertente energética.
O tirocínio superior considera o uso inteligente de todas as formas (com análises
ambientais, econômicas, sociais) para se conseguir alcançar um nível de vida melhor e
contínuo. A visão de algumas pessoas, inclusive do próprio setor técnico, infelizmente denota
algum grau de miopia e preconceito em seu bojo. Essa postura distorcida contrasta, inclusive,
com o nível acadêmico que alguns conseguiram obter.
17 – A questão da aceitação pública da energia nuclear teve, durante muito tempo, uma
insistente associação da tecnologia com bombas, acidentes, doenças e até regimes autoritários,
como Coreia do Norte e o Irã, e criavam uma imagem distorcida como vilã, fazendo com que
muitas pessoas exagerassem riscos e receios. Esta imagem parece estar mudando lentamente,
com uma maior transparência e diminuindo a desinformação sobre a tecnologia. O perigo
potencial na operação dos reatores nucleares é representado pela alta radioatividade dos
produtos da fissão do urânio e sua liberação para o meio ambiente. Como são avaliados os
riscos envolvidos de um acidente nuclear e os sistemas de segurança, passivos e ativos, na
operação das instalações nucleares para a propulsão naval em comparação com os das usinas
nucleares utilizadas para geração de energia? Esta tecnologia está de acordo com a que está
sendo praticada na propulsão naval de outras Marinhas mais avançadas?
Resposta: O PNM obedece ao que se estabelece na Constituição sobre o uso pacífico da
energia nuclear. Igualmente importante, o PNM segue todas as recomendações de
licenciamento da CNEN e do IBAMA, desde o seu início. Em síntese, o PNM adota e pratica
115
um rol extenso de normas técnicas que são calcadas na boa experiência e prática da boa
engenharia.
Por exemplo, a própria construção do LABGENE, antes de se partir para um navio
em si com propulsão nuclear, é uma forma responsável de se testar e aprimorar diversos
sistemas a serem embarcados, considerando, principalmente, a segurança da tripulação e do
meio ambiente. O PNM possui diversas licenças ambientais e nucleares, conferidas pela
CNEN e IBAMA, conforme preconiza a legislação nacional. No LABGENE, usamos
preceitos que advêm de submarinos (segurança naval) e usinas nucleares (segurança nuclear),
ao mesmo tempo em que incorpora os sistemas intrinsecamente seguros (sistemas passivos).
18 – O emprego da Análise SWOT é uma ferramenta de diagnóstico de projeto no qual são
analisados os ambientes internos e externos, sistematizadas as informações e que fornece uma
visão do ambiente global em que o projeto está inserido com simplicidade, permitindo assim
estabelecer estratégias de ações. Para o caso do PNM, gostaríamos que nos informasse quais
são os pontos fortes (correspondem aos recursos e capacidades que geram vantagens) e
pontos fracos (ou vulneráveis) dentro do ambiente interno da MB e quais são as
oportunidades (refere-se ao crescimento e fortalecimento) e ameaças (refere-se à
sobrevivência) oriundas do ambiente externo, diante da retomada do crescimento do PNB.
Resposta: Este assunto é melhor ser tratado pessoalmente, para otimizar os espaços e tempos
de resposta.
19 - A título de contribuição para este trabalho científico, V. Sa. teria mais alguma informação
ou ponto de vista dentro dos assuntos tratados ou do tema e enfoque dado a esta monografia?
Resposta: Esse assunto é melhor ser tratado pessoalmente, para otimizar os espaços e tempos
de resposta.
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APÊNDICE E- Entrevista com o Sr. Capitão-de-Fragata (MD) Sérgio Fernandes
MARINHA DO BRASIL
ESCOLA DE GUERRA NAVAL
CURSO DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA MARÍTIMAS
ENTREVISTA
IDENTIFICAÇÃO
NOME:
Capitão-de-Fragata (MD) Sérgio Fernandes
FUNÇÃO:
Chefe do Departamento de Radiologia (HNMD-13) e do Serviço de
Medicina Nuclear (HNMD-131)
ORGANIZAÇÃO: Hospital Naval Marcílio Dias (HNMD)
DATA:
24/07/2009
1 – A retomada do crescimento na área nuclear no Brasil com o novo Programa Nuclear
Brasileiro (PNB), que foi apresentado pelo governo em agosto de 2008, prevê, em um dos
seus projetos, metas envolvendo diretamente a aplicação na medicina nuclear, que são: a
criação da Empresa Brasileira de Radiofármacos (EBR) e a definição, projeto e construção de
um reator multipropósito nacional. Quais são os benefícios relacionados com o cumprimento
dessas duas metas para o país?
Resposta: A indústria de radiofármacos no Brasil adotou o modelo de administração pública
federal, que hoje é organizado e produzido, quase na totalidade, no Instituto de Pesquisas
Energéticas e Nucleares (IPEN), SP, e, em menor proporção e mais recente, no Instituto de
Engenharia Nuclear (IEN), RJ, ambos vinculados à Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN), autarquia federal vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Com
relação à criação da EBR, que será uma empresa estatal e sucessora das atividades hoje
desenvolvidas pelo IPEN e IEN, as expectativas são grandes para ter uma maior flexibilidade
administrativa e uma melhor organização a fim de obter uma produção em escala industrial,
haja vista que a comercialização de radiofármacos e radioisótopos é superavitária, mas não é
suficiente para cobrir todas as despesas do CNEN. Com o aumento contínuo da demanda
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desses produtos, faz-se necessário também o aumento da produção. Contudo, o único reator de
pesquisa existente no IPEN, que produz radiofármacos, possui capacidade limitada e muito
aquém da demanda, sendo necessária a importação de insumos do Canadá. O reator de
pesquisa multipropósito nacional irá aumentar a produção de radioisótopos no país e
preencher essa lacuna, diminuindo ou eliminando a dependência externa na compra de
insumos.
2 – Quantos reatores de pesquisa existem no Brasil e onde estão localizados?
Resposta: Existem quatro reatores de pesquisa no país. Dois reatores estão no IPEN, SP: o
IEA-R1, único com capacidade de produzir radioisótopos, ainda que limitada, e com uma vida
útil restante estimada de 10 anos; e o IPEN/MB-01, sendo genuinamente brasileiro e que foi
projetado e construído em conjunto com a MB, através do CTMSP. Outro reator está no IEN,
RJ: o Argonauta; e um no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), Belo
Horizonte, MG: a Triga.
3 – Como o Hospital Naval Marcílio Dias (HNMD) adquire os radiofármacos utilizados na
medicina nuclear para seus exames, diagnósticos e terapias e quais são os principais
radiofármacos? Qual o custo mensal e anual?
Resposta: O HNMD firmou um contrato com o IPEN de fornecimento de radiofármacos que
é renovado anualmente. Os principais radiofármacos são:
- geradores de tecnécio-99 (produzido a partir do molibdênio-99, elemento
obtido de irradiações no reator nuclear, cujo insumo não é produzido no Brasil); utilizado em
exames de cintilografia (mapeamento) renal, cerebral, hepato-biliar (fígado), pulmonar, óssea
e de placenta; indicados para casos de câncer, doenças ósseas metabólicas e vasculares,
diagnóstico de infarto agudo do miocárdio e em estudos circulatórios; custo por gerador de R$
4.186,39;
- Iodo-131 (150 mci), diagnóstico e terapia de tumores na tiróide, R$ 820,11;
- Gálio-67 (por dose) R$ 753,20; e
- Tálio-201 (por dose) R$ 400,00.
A despesa mensal com esses radioisótopos varia em torno de R$ 25 mil a 30
mil, depende do número de diagnósticos realizados; e uma despesa anual aproximada de R$
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300 mil a 350 mil.
4 – O Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) previsto no PNB, segundo publicado na mídia
da área nuclear, será projetado e construído pela CNEN num prazo de 5 a 6 anos. Em 2009 e
2010 serão feitas a prospecção do local de instalação e o projeto de concepção, e a partir de
2011 começa a fase de execução, com o licenciamento ambiental e nuclear e o projeto
detalhado. Com a construção desse reator será atingida a autossuficiência na fabricação de
radiofármacos no país? Qual a dimensão da dependência externa no fornecimento de insumos
devido à falta desse reator? Esta dependência é uma ameaça ao serviço de medicina nuclear do
HNMD?
Resposta: Mais de 85% de todos os exames realizados na medicina nuclear utilizam o
tecnécio-99, produzido a partir do molibdênio-99, cujos insumos são importados da empresa
canadense MDS Nordion, que, no momento, encontra-se com o seu reator National Research
Universal (NRU) paralisado, desde maio de 2009, devido a problemas técnicos. Esse reator é
responsável por mais de 50% da demanda mundial de molibdênio-99, provocando uma crise
internacional na produção desse radiofármaco. Crise semelhante ocorreu em 2007, devido a
problemas no mesmo NRU, impedindo a realização da maioria dos exames cintilográficos e
deixando os pacientes sem assistência nessa área. Outro fato importante foi o aumento do
preço do molibdênio importado no início de março de 2009 em cerca de 200%, devido à crise
internacional desde o final do ano passado e, ainda assim, aumentou-se o seu fornecimento em
10% para o país em relação ao ano passado.
A construção do RMB poderá tornar o país autossuficiente na produção de radiofármacos,
aliás, como já ocorre na Argentina, onde se realizam mais procedimentos de medicina nuclear
que no Brasil e para uma população bem menor e, assim, diminuir ou eliminar a dependência
externa dos insumos. Torna-se ainda mais relevante o RMB ao considerar que o reator IEAR1 do IPEN, principal do país, tem uma vida útil restante de 10 anos, devendo haver um
substituto, ou então várias atividades importantes deixarão de ser realizadas no Brasil, sendo a
medicina nuclear a área mais afetada. Lembro, ainda, que o RMB beneficiará outras áreas
além da saúde, como a indústria, agricultura, meio ambiente e a geração de energia, bem como
na realização de testes de materiais para reatores e combustíveis nucleares. Além disso, pode
ser usado como ferramenta para treinamento de recursos humanos do setor.
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5 – Como estão sendo resolvidos os atuais problemas devido à interrupção de insumos para o
molibdênio-99 pela empresa canadense e, consequentemente, de tecnécio-99, deixando os
pacientes sem exames em pouco tempo e comprometendo os tratamentos dessas pessoas?
Resposta: Até onde estou acompanhando, sei que a Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN) já estuda medidas para reduzir o impacto da suspensão de fornecimento do
molibdênio-99. Como já havia dito, é a matéria-prima para a produção do tecnécio-99 e
principal radiofármaco usado na área de medicina nuclear no Brasil. A CNEN planeja
comprar molibdênio-99 da Argentina e negocia com a empresa canadense MDS Nordion o
fornecimento de tálio-201, que pode substituir o tecnécio-99 em alguns casos. O tecnécio-99 é
um radiofármaco empregado no diagnóstico de tumores, funções renais, problemas
pulmonares, cardiológicos e hepáticos. O IPEN, unidade da CNEN em São Paulo, fornece,
semanalmente, a cerca de 300 clínicas e hospitais do País os chamados geradores de tecnécio,
equipamentos que usam o molibdênio-99 para geração do tecnécio-99.
6 – Em minha recente visita ao Centro Experimental de Aramar (CEA) do CTMSP, muito se
falou que o IPEN e o CNEN estavam propensos a emitir parecer favorável para a instalação
do novo reator multipropósito brasileiro (RMB) no CEA, por ser parceiro técnico do CTMSP,
pela existência de uma boa infraestrutura e por já possuir a licença ambiental para instalações
nucleares. Quais as oportunidades para a MB que podem ser inferidas se o novo reator (meta
do PNB) for construído e instalado no CEA?
Resposta: Sim, a instalação do novo reator multipropósito brasileiro (RMB) em Aramar
poderá trazer grandes oportunidades para a MB, pois poderá ser firmado um contrato com o
IPEN de fornecimento de radiofármacos em uma condição muito mais vantajosa para a MB.
Além disso, o reator poderá ser utilizado em outras aplicações para a MB, como na realização
de testes de materiais utilizados em reatores e testes de combustíveis nucleares, que são de
interesse para o Programa Nuclear da Marinha (PNM).
7 – De que forma são obtidos os investimentos no Serviço de Medicina Nuclear do HNMD
para a aquisição de equipamentos e materiais, treinamento e capacitação de pessoal e de
melhoria ou ampliação das instalações?
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Resposta: Normalmente, quando necessitamos de um investimento para aquisição de
equipamentos e/ou materiais especiais para o Serviço de Medicina Nuclear do hospital,
elaboramos os respectivos projetos básicos e solicitamos recursos necessários ao CNEN,
através do SIPRON (Sistema de Proteção do Programa Nuclear Brasileiro), e normalmente
somos atendidos. Para o treinamento e capacitação de pessoal realizada através de cursos,
congressos, seminários etc., os investimentos são oriundos da própria MB, bem como os
investimentos necessários para reparo, modernização ou ampliação das instalações e
infraestrutura do setor.
8 – Em relação ao Plano de Emergência Externa para o caso de um acidente nuclear, que foi
elaborado para atender aos requisitos de licenciamento das usinas nucleares em Angra dos
Reis, RJ, qual é o envolvimento do HNMD nesse plano? Existe algum contrato?
Resposta: No caso de um acidente nuclear, costa no Plano de Emergência Externo do Estado
do Rio de Janeiro (PEE/RJ) ações específicas a serem implementadas nas Zonas de
Planejamento de Emergência (ZPE), que são áreas vizinhas à Central Nuclear Almirante
Álvaro Alberto (CNAAA), delimitadas por círculos com raios de 3, 5, 10 e 15 quilômetros,
centrados no Edifício do Reator de Angra 1. As ações do plano são coordenadas pela Defesa
Civil do Estado do Rio de Janeiro, sob a supervisão geral do Órgão Central do Sistema de
Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro (SIPRON) e a supervisão técnica da CNEN; e
envolvem, também, a participação de outras organizações, como: Exército, Marinha,
Aeronáutica, Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro
(PMERJ), Defesa Civil de Angra dos Reis, Defesa Civil de Paraty, dentre outros órgãos. São
realizados nos anos pares os Exercícios de Emergência – Parcial, quando são testadas, entre
outras ações, a eficácia da cadeia de comunicações e a eficiência da ativação dos Centros de
Emergência, e nos anos ímpares os Exercícios de Emergência – Geral, quando são colocadas
em prática e testadas todas as ações previstas no plano. São nesses exercícios de caráter geral
que o HNMD participa e o próximo está previsto para o mês de outubro de 2009. Nesses
exercícios é realizada também a evacuação de voluntários residentes nas proximidades da
CNAAA. A população será orientada pela Defesa Civil e o PEE estabelece a remoção da
população terrestre que não possui meios próprios pelos ônibus da Eletronuclear e das
empresas concessionárias de transporte da região. Os abrigos serão escolas municipais e
estaduais predefinidas no plano. Os ilhéus serão removidos pelo 1º Distrito Naval e serão
121
abrigados no Colégio Naval de Angra dos Reis. Atualmente, não existe contrato entre o
HNMD e qualquer uma das entidades da área nuclear brasileira, tendo sido firmado um
contrato de participação há algum tempo, no primeiro PEE/RJ elaborado.
9 – As instalações do Departamento de Radiologia e do Serviço de Medicina Nuclear do
HNMD são inspecionadas pela CNEN?
Resposta: Sim, as instalações são inspecionadas anualmente pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) em termos de licença sanitária e, de dois em dois anos, pela
CNEN, em termos de licença nuclear.
10 – Com relação aos rejeitos radioativos, de que maneira e para onde é executada a sua
destinação e o seu armazenamento?
Resposta: Não fazemos os descartes dos resíduos radioativos. Todo esse material radioativo é
armazenado em recipientes próprios e levados a um compartimento destinado para isto, com
acesso restrito. Por ocasião de suas inspeções, a CNEN avalia e certifica as condições de
armazenamento desse material.
11 – Existe algum contrato de cooperação técnica entre o Serviço de Medicina Nuclear do
HNMD e alguma entidade nuclear brasileira ou no exterior?
Resposta: Não. Temos um excelente relacionamento pessoal e técnico com as entidades
nucleares brasileiras, principalmente com a CNEN e o Instituto de Radioproteção e
Dosimetria (IRD) do Rio de Janeiro. A integração técnica muitas vezes é realizada por meio
de simpósios, congressos, ou eventos similares, tanto no Brasil quanto no exterior. Contudo,
poderíamos ter uma integração maior com as agências internacionais para uma permanente
atualização técnica através de acordos de cooperação.
12 – Quanto às instalações da base naval e do estaleiro para o submarino nuclear a serem
construídos, o Serviço de Medicina Nuclear está envolvido ou participando de alguma
atividade?
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Resposta: Sim, estamos participando do projeto das instalações médicas e das especificações
de seus equipamentos que serão aplicadas nas instalações nucleares da futura Base Naval e do
futuro estaleiro de construção do submarino nuclear. Deveremos pleitear o projeto de um
CMRI (Centro Médico de Radiologia) em vez de somente uma enfermaria, pois assim teremos
muito melhores condições e recursos médicos de atendimento no caso de algum problema
nuclear envolvendo pessoas. O projeto deverá ser aprovado pelo CNEN para licença nuclear e
pela ANVISA para a licença sanitária. Deveremos pleitear todos os recursos envolvidos nesse
projeto e aquisição dos equipamentos do SIPRON e CNEN, com grande certeza de
conseguirmos, tornando-se uma grande oportunidade de investimento para a Marinha.
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ANEXO A
TABELA 7
Mundo: Unidades do ciclo do combustível nuclear em 2009
Fonte: IAEA (2009, p. 63).
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(en) luiz roberto ragone lopes - Escola de Guerra Naval