ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA
REALIDADE
Márcia Cristina Macedo Machado
[email protected]
Universidade Regional do Cariri - URCA
Este ano o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) atinge sua “maioridade”. Que
mudanças ele trouxe nesses 18 anos de vigência? Ainda há espaço para alterações mais
significativas na realidade brasileira? O presente trabalho tem por escopo responder estas e outras
questões visando uma melhor compreensão do ECA e a quebra dos estigmas e preconceitos que
envolvem a infância e a adolescência do nosso país.
Para se entender o Estatuto é preciso compreender o contexto em que ele surgiu. O ECA
veio para revogar o Código de Menores. Este era baseado na Doutrina da Situação Irregular.
Segundo Paulo César Maia Porto (1999:78):
Situação irregular foi o termo encontrado para as situações que fugiam ao padrão
normal da sociedade saudável em que se pensava viver. Estavam em situação irregular os
abandonados, vítimas de maus-tratos, miseráveis e, como não podia deixar de ser, os
infratores. Enquadrando-se em qualquer das hipóteses enumeradas no artigo 2° do Código
– 10 situações descritas, no total – o menor passava a autoridade do juiz de menores, que
aplicaria, “em sua defesa”, os preceitos do Código de Menores.
O referido Código visava somente sanar o problema sem resolvê-lo de fato. Toda a
responsabilidade do Poder Público passava para o Juiz de Menores e não havia nenhum tipo de
apoio ao “menor”, um sujeito de tutela, objeto de controle e repressão do Estado, que devia ser
afastado da sociedade. Cria-se assim o Direito do Menor, que era a criança e o adolescente pobres e
marginalizados. Ângela Pinheiro (2006:74) afirma que: “De uma condição inicial de adjetivo
(situação de menoridade jurídica), “menor” passou a substantivo largamente adjetivado, que
ultrapassa o significado jurídico e assume, também, conotações relacionadas a fatores sociais”.
Conotação esta largamente utilizada até hoje.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 a criança e o adolescente passam a ser
sujeitos de direitos. Estes dever do Estado, da família e da sociedade. O artigo 227 da Carta Magna
assegura que:
Artigo 277 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
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convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
É a Doutrina da Proteção Integral, que fundamenta o Estatuto da Criança e do Adolescente
e quebra os estigmas da legislação anterior. Nas palavras de Wilson Donizeti Liberati (2006:14):
As leis brasileiras anteriores à Constituição Federal de 1988 emprestavam ao menor uma
assistência jurídica que não passava de verdadeiras sanções, ou seja, penas, disfarçadas
em medidas de proteção; não relacionavam nenhum direito, a não ser sobre a assistência
religiosa; não traziam nenhuma medida de apoio a família; cuidavam da situação irregular
da criança e do jovem, que, na verdade, eram seres privados de seus direitos. Na verdade,
em situação irregular estão à família, que não tem estrutura e que abandona a criança, o
pai, que descumpre os deveres do pátrio poder; o Estado, que não cumpre as suas
políticas sociais básicas; nunca a criança ou o jovem.
Ao ver a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e respeitando sua condição
especial de pessoas em desenvolvimento o que o ECA traz são mais do que mudanças de conceitos,
são as ferramentas necessárias para uma mudança de realidades. Contudo, ainda há muito a ser feito
para que o Estatuto seja realmente efetivado. Isto porque muitos o vêem como uma lei de
impunidade, que protege o adolescente infrator, e outros ainda estão maculados pelos preconceitos
da legislação anterior.
Esta ferramenta que efetiva a implementação da Doutrina da Proteção Integral, assegurada
pela Constituição Federal e pelo ECA, é o que chamamos de sistema de Garantia de Direitos (SGD)
e apóia-se em três eixos: promoção, defesa e controle social. Estes eixos funcionam de maneira
articulada, através de iniciativas de órgãos governamentais e não governamentais, conforme o artigo
86 do ECA.
O atendimento ao adolescente em conflito com a lei não foge a este contexto. Direitos
como ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal só foram estendidos ao
adolescente autor de ato infracional com a vigência do Estatuto. E é ainda nesse contexto de
garantia de direitos que devem ser aplicadas as medidas sócio-educativas.
É preciso entender que estas medidas, apesar do caráter sancionador, pois implicam
restrição de direitos, visam à reestruturação do adolescente, como pessoa ainda em
desenvolvimento, e devem ser aplicadas levando em conta a capacidade do mesmo em cumpri-las,
as circunstancias e a gravidade da infração (conforme artigo 112, § 1º do ECA).
Os parâmetros norteadores da ação e gestão pedagógicas para as entidades e/ou
programas de atendimento que executam a internação provisória e as medidas sócioeducativas devem propiciar ao adolescente o acesso a direitos e às oportunidades de
superação de sua situação de exclusão, de ressignificação de valores, bem como o acesso
à formação de valores para a participação na vida social, vez que as medidas sócioeducativas possuem uma dimensão jurídico-sancionatória e uma dimensão substancial
ético-pedagógica. (CONANDA, 2006:46)
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Dentre as medidas previstas no artigo 112 do Estatuto, cujo rol é exaustivo, ouso afirmar
que a liberdade assistida é a mais apropriada para a maioria dos casos, se efetivamente aplicada com
o uso de programas específicos voltados ao necessário acompanhamento, auxílio e orientação ao
adolescente. Isto porque “a delinqüência juvenil é causada basicamente pela falta de perspectivas e
orientação” (PORTO, 1999:250).
A medida é executada através de um orientador, conforme o artigo 119 do ECA que diz:
Artigo 119 – Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade
competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:
I – promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e
inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência
social;
II – supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo,
inclusive, sua matrícula;
III – diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente sua inserção no mercado
de trabalho;
IV – apresentar relatório do caso.
Deve ser adotada sempre que for considerada como a medida mais adequada para o fim de
acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente, nos termos do artigo 118 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, por um prazo mínimo de seis meses, podendo ser revogada, prorrogada ou substituída
por outra medida a qualquer tempo. É uma forma de promoção social.
Entretanto, ainda há muito a ser feito para que a liberdade assistida ou qualquer outra
medida do ECA venham a resolver de fato o problema do adolescente autor de ato infracional. É
preciso que, de fato, Estado, família e sociedade se unam para que a medida sócio-educativa cumpra
o seu papel educacional.
O adolescente deve ser alvo de um conjunto de ações sócio-educativas que contribua na
sua formação, de modo que venha a ser um cidadão autônomo e solidário, capaz de se
relacionar melhor consigo mesmo, com os outros e com tudo que integra a sua
circunstância e sem reincidir na pratica de atos infracionais. Ele deve desenvolver a
capacidade de tomar decisões fundamentadas, com critérios para avaliar situações
relacionadas ao interesse próprio e ao bem-comum, aprendendo com a experiência
acumulada individual e social, potencializando sua competência pessoal, relacional,
cognitiva e produtiva. (CONANDA, 2006:46)
Contudo, o ECA abrange mais do que o adolescente infrator. Ele fala de toda a questão da
infância e adolescência, tratando de pontos primordiais como saúde, educação, família, assistência
social. Quando a Lei 8.069/90 coloca o interesse da criança e do adolescente e sua proteção integral
como prioridade absoluta ela dá primazia também ao futuro da nossa nação.
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CONANDA: Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Sistema Nacional de
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