UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ANDRÉA COSTA DA SILVA
ENSINO SOBRE SEXUALIDADE: saberes, poderes e subjetivação na literatura escolar
Rio de Janeiro
2013
Andréa Costa da Silva
ENSINO SOBRE SEXUALIDADE: saberes, poderes e subjetivação na literatura escolar
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde,
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Doutor em Educação em Ciências e Saúde
Orientadora: Professora Doutora Vera Helena Ferraz de Siqueira
Rio de Janeiro
2013
S586e
Silva, Andréa Costa da.
Ensino sobre sexualidade : saberes, poderes e subjetivação na literatura escolar / Andréa Costa da Silva. – Rio
de Janeiro : NUTES, 2013.
141 f. ; Il. color. : 21 cm.
Orientadora: Profa. Dra. Vera Helena Ferraz de Siqueira.
Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) - UFRJ, NUTES, Rio de Janeiro, 2013.
Bibliografia: f. 128-135.
1. Prática de ensino. 2. Sexualidade. 3. Livros didáticos. I. Título. II. Siqueira, Vera Helena Ferraz de.
CDD 372.372
Ficha elaborada pela Biblioteca de Recursos Instrucionais/NUTES
Andréa Costa da Silva
ENSINO SOBRE SEXUALIDADE: saberes, poderes e subjetivação na literatura escolar
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação em Ciências e Saúde, Núcleo
de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em Educação
em Ciências e Saúde
Aprovada em 27 de fevereiro de 2013
(Vera Helena Ferraz de Siqueira, Doutora em Educação,
NUTES/UFRJ)
(Luiz Augusto Coimbra de Rezende Filho, Doutor em Comunicação e Cultura, NUTES/UFRJ)
(Eliane Portes Vargas, Doutora em Saúde Coletiva,
FIOCRUZ/ IOC)
(Anna Paula
LIDIS/UERJ)
(Vera Maria
EEAAC/UFF)
Uziel,
Doutora
Sabóia,
em
Doutora
Ciências
em
Sociais,
Enfermagem,
AGRADECIMENTOS
Ao meu incansável marido - João Luís – pela paciência e companheirismo
As minhas filhas – Ellen, Isabela e Luísa – agradeço e peço desculpas pelas ausências
A meu pai e minha mãe pelo exemplo de determinação
A minha irmã, Adriana, ao meu irmão Armando Luiz e também aos cunhados: Daniele e José
Vicente pela torcida incondicional
À Vera Helena, amiga e orientadora, pela sinceridade, elegância e segurança com que sempre
conduziu tantos anos de orientação
A Nilma Lacerda, pelo contínuo incentivo, afeto e credibilidade, elementos essenciais para
que continuasse a jornada
A Cintia e Cidinha, companheiras e incentivadoras de longa data
Às companheiras de conversa amiga e troca acadêmica do Grupo Gênese: Wania, Márcia (guru foucaultiana), Ana Claudia, Luciana, Ana Cristina (minha “zen amiga”), Adriana, Marina,
Chris, Rachel, Carolina e Joyce
À Glória Walkyria, pelos vários conselhos e escuta amiga
A Daise Pires pelo carinho constante e paciência no tramite do comitê de ética
À Lúcia e Ricardo, da Secretaria do Programa, pela amizade sincera e delicadeza que sempre
me trataram
Ao professor Luiz Rezende, por tantas contribuições proveitosas
Aos amigos e amigas da UNIFA, especialmente à Marcos Jorge, Eduardo Lara, Cláudia e
Bruno, pelo constante companheirismo e compreensão
A Márcia e Julia por me fazerem acreditar que a amizade resiste à distância
Ao escritor Julio Emilio Braz e sua secretária Regina, pela generosidade com que sempre me
atenderam
Aos professores, professoras e aos jovens, que participaram desta pesquisa, elementos anônimos, mas que sem a generosidade deles/as este empreendimento seria impossível
RESUMO
SILVA, Andréa Costa da. Ensino sobre sexualidade : saberes, poderes e subjetivação na
literatura escolar .Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde)
– Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2013.
Dando prosseguimento à pesquisa sobre o uso de livros paradidáticos na discussão da sexualidade na escola, iniciada no curso de mestrado, nessa tese investigamos os saberes, poderes e
verdades, colocados em circulação na subjetivação de jovens e docentes, com a mediação da
literatura escolar que aborda temas relacionados à sexualidade e ao gênero. Observamos como
se apresentavam os campos discursivos em disputa - sexualidade, literatura e educação - e as
condições de possibilidade e visibilidade oferecidas para que as questões de sexualidade e
gênero circulassem na escola. Apoiamo-nos em um quadro teórico-metodológico identificado
por pressupostos foucaultianos, levando em consideração principalmente a genealogia do individuo como sujeito e objeto em que conceitos como “norma”, “disciplina”, “biopoder”, “biopolitica” e “tecnologia do eu” são preponderantes. . Outras referências importantes no trabalho foram os Estudos Culturais e a História Cultural, com ênfase no aporte teórico trazido por
Roger Chartier, além de noções pós-estruturalistas sobre sexualidade e gênero. Interessou-nos
também perceber como as modalidades de texto, imagens e paratextos presentes nos livros
interferiram nas escolhas e na construção de significados. A literatura, neste sentido, funcionou como a dobradiça para que os dispositivos pedagógico e da sexualidade atuassem na escola; observamos como tais aparatos encontravam-se imbricados em linhas de força e fuga
atravessando todo o campo das práticas, na perspectiva de vislumbrar os modos de produção
das subjetividades. Com essa investigação, pudemos perceber, nos significados docentes, a
supremacia da intencionalidade didática em ações mediadas pelos livros, acionando também a
premência de temáticas contemporâneas na pauta de discussões em sala de aula. Este artefato
cultural – o livro paradidático – é apropriado pelos/as docentes como um antídoto e/ou complemento à inadequação dos suportes didáticos disponíveis na escola. Outro aspecto observado foi que os procedimentos ficcionais e/ou estéticos dos livros se ressignificam na preocupação com a sexualidade de crianças e jovens; estes sujeitos seriam destinatários imaginados
nesta literatura apropriada que, por vezes, agrega aspectos informativos e ficcionais. Na reconstrução destes sentidos revela-se a incitação ao “falar-se”, em que o discurso verdadeiro
estaria atrelado a modos de ser jovem e criança em consonância principalmente aos cuidados
que estes sujeitos devem ter com seu corpo e sua sexualidade. Entretanto, mesmo que os as
pectos normativos tenham prevalecido na discussão sobre a sexualidade e o gênero, com a
mediação do livro, algumas linhas de fuga foram percebidas e ficaram evidentes nos discursos
dos docentes e dos/das jovens.
.
Palavras-chave: Literatura escolar. Discurso. Sexualidade. Gênero
ABSTRACT
SILVA, Andréa Costa da. Teaching sexuality: knowledge, power and truth in school literature. Rio de Janeiro, 2013. Thesis (Doctorate in Science and Health Education) – Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
This thesis pursues the research initiated in the Master course on the use of paradidactic books
in the discussion of sexuality at elementary school. It aimed at investigating the knowledge,
powers and truths that circulate in the subjectivation of young people and teachers, with the
mediation of school literature that approaches themes related to sexuality and gender. We
observed how the discursive fields in dispute (sexuality, literature and education) were presented and how the conditions of possibility and visibility were offered so that issues of sexuality and gender would circulate in the school. We based our study in a theoretical and methodological framework identified by Foucaltian assumptions which considered mainly the genealogy of the individual as both subject and object in which prevail concepts like “norm”,
“discipline”, “biopower”, “biopolitics” and “technology of the self”. Other important references are the Cultural Studies and Cultural History, with emphasis on the theoretical base
brought by Roger Chartier, besides post-structuralist notions on sexuality and gender. We
were also interested in perceiving how the modalities of text, image and paratexts present in
the books interfered in the choices and construction of meaning. Literature, thus, functioned
as a hinge so that sexuality and pedagogical devices operated in the school. We also observed
how such devices were imbricate in power and escape lines transversing the entire field of
practices aiming at discerning the modes of subjectivities production. With this investigation
we could perceive, in the teachers’ construction of meanings, the supremacy of didactic intentionality in actions mediated by the books, activating the urgency of contemporary themes in
the agenda classroom discussions. The paradidactic book, a cultural artifact, is appropriated
by the teachers as an antidote and/or complement to the inadequacy of the didactic supports
that are available at the school. Another aspect that was observed was that the fictional and/or
aesthetic procedures of the books are resignified in the concern with children’s and young
people’s sexuality as these individuals would be the imagined addressees in the appropriation
of literature that, often, aggregates both informative and fictional aspects. In the reconstruction of these meanings the encouragement of “speaking” is revealed, in which the true discourse would be linked to the ways of being young or a child in consonance with the care that
these subjects should have with their bodies and sexuality. However, even though normative
aspects prevail in the discussion on sexuality and gender with the mediation of the book, some
lines of escape were perceived and became evident in the discourse of both teachers and
young people.
.
Key words: School literature. Discourse. Sexuality. Gender.
SUMARIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1
DIMENSIONANDO O TEMA: TRAJETÓRIAS E OPÇÕES.............................................. 19
1.1 “Seguindo o fio do livro”: aspectos de um percurso metodológico ................................. 22
1.1.1 Um fio emaranhado ....................................................................................................... 23
1.1.2 Cronologia do trabalho de campo.................................................................................. 29
1.2 Desatando os “nós”: uma pretensão ................................................................................. 30
1.3 Trabalhando com Foucault um desafio e outra pretensão ................................................ 30
1.4 Sinopses, informações e capas das obras.......................................................................... 36
CAPÍTULO 2
2. LITERATURA NA ESCOLA: MUITO MAIS QUE TEMAS TRANSVERSAIS........... 42
2.1 Leituras escolares e seu(s) destinatário(s): como pensar em uma “literatura sem adjetivos”?........................................................................................................................................48
2.2 Paradidáticos: uma história para pensar os conteúdos da escola...................................... 52
CAPÍTULO 3
3 EDUCAÇÃO SEXUAL: ENTRE SABERES, PODERES, E VERDADES ...................... 59
3.1. Educação sexual e a sexualidade na escola: uma visão pós estruturalista....................... 63
3.2. Caminhos na abordagem da sexualidade com a literatura escolar ................................. 67
CAPÍTULO 4
4 ESPAÇOS DE PODER, SABER E SUBJETIVAÇÃO.......................................................75
4.1 A ordem dos livros e as comunidades de leitores: um olhar sobre as estratégias de poder e
subjetivação............................................................................................................................. 78
4.2 “Não é bicha, é gay”: os Estudos Culturais e o dispositivo pedagógico no uso da literatura
escolar..................................................................................................................................... 88
4.3. Processos de subjetivação e educação sexual.................................................................. 100
4.3.1“Ele já contou quando perdeu a virgindade dele”: narrativa e subjetivações................. 107
4.4 O “pijama molhado” e outros debates: interdição e normalização na pauta escolar........ 112
CONSIDERAÇÔES FINAIS ................................................................................................ 123
REFERENCIAS ..................................................................................................................... 128
ANEXOS ................................................................................................................................ 136
12
INTRODUÇÃO
“Ensina-me a viver”: este é o titulo da capa 1. De pé, uniformizada e com o filho ao
colo, a normalista estampa a capa da Revista. A matéria traz o tema da gravidez na adolescência observando as histórias de vida de seis jovens que não deixaram de estudar mesmo após
terem dado a luz. Com a foto emblemática e apresentando jovens estudantes como exceções à
regra, a reportagem traz dados estatísticos para comprovar que após engravidarem a maioria
das jovens estudantes acaba evadindo dos estudos. As “meninas” da reportagem contam suas
rotinas e as formas de apoio e incentivo da escola e da família para que não engrossem os
números do censo. Um tema sugestivo para a edição de domingo, dia das mães, da Revista do
Jornal O Globo, em 13 de maio de 2012. Exceção ou regra, os sorrisos maternos nas fotos
com os pequenos rebentos e as frases em destaque apontam que o tema ainda causa mobilização nas escolas, e se apresenta com perfil de “problema social”; no entanto, o tom dramático
ou alarmista que usualmente caracterizava o enfoque pela mídia vai pouco a pouco dando
lugar para novas abordagens sobre o assunto. O “problema” teria solução? “Antigamente, a
orientação nas escolas era esconder essas alunas, para não servirem de mau exemplo. Hoje é
diferente, a gente inclui, ensina, faz projetos [...]” enfatiza a sogra de uma das protagonistas
na reportagem, também professora.
Outro assunto chama a atenção, em data posterior - 9 de setembro de 2012; em espaço
diferente do mesmo jornal se evidencia o título: “Lobato no banco dos réus” 2. O artigo de
opinião discute a celeuma causada por um parecer do Conselho Nacional de Educação com a
recomendação de que o livro “Caçadas de Pedrinho” deixasse de ser distribuído nas escolas
públicas do Brasil; segundo o Conselho, o clássico da literatura lobatiana contém passagens
de cunho racista. O parecer do órgão federal causou comoção em boa parte da comunidade
acadêmica, mobilizando ações de defesa na argumentação de que a obra transmitia a linguagem e a percepção de mundo de uma época e que trazer para o debate o assunto em questão
seria uma forma evidente de combatê-lo. Outros ingredientes apimentaram ainda mais a polêmica, como a sugestão de que, caso o livro fosse liberado para distribuição nas escolas, deveria ter como encarte uma “cartilha” aos docentes visando uma adequada abordagem do tema em suas aulas.
Por que motivo estas reportagens, com tais temas, de alguma forma se ligam e emergem nesta introdução?
1
2
FILGUEIRAS, M. A vida é uma escola. O Globo, Rio de Janeiro, 13 de maio. 2012. Revista O Globo, p.2835.
MOREIRA, M. Lobato no banco dos réus. O Globo, Rio de Janeiro, 9 de setembro. 2012. Prosa e Verso, p.4.
13
A resposta surgirá – e outras questões certamente aparecerão ao longo desta tese, mas
podemos adiantar que nos interessa observar como temas “polêmicos”, são percebidos e desenvolvidos na abordagem escolar e como tais assuntos ecoam na escola. E um pouco mais
especificamente: como objetos como literatura, educação e sexualidade interagem e modificam-se no espaço escolar?
Na experiência de muitos anos de magistério publico, no ensino básico, era instigante
observar o eterno movimento de temas dos quais a escola se apropriava. Se a “moda” era discutir questões indígenas, por exemplo quando o Brasil comemorava 500 anos, todo o planejamento anual era pensado visando contemplar o tema de forma paulatina. Com bastante freqüência recebia colegas, na Sala de Leitura em que trabalhava a procura de algum livro de
literatura que pudesse oferecer subsídios para a discussão de determinado assunto. E com a
mesma freqüência me via mobilizada com projetos pedagógicos, que de alguma forma alinhavam nossas condutas e praticas, desdobrando-se na adoção/leitura/mediação de títulos que
“amarrassem” o tema. O trabalho com a mediação de leitura ocupou bastante tempo da minha
vida profissional.
Com esta trajetória, e a partir do estudo de mestrado “Apropriações docentes no uso
de livros literários que abordam a gravidez na adolescência”, defendido em 2007, no Programa de pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde (NUTES/UFRJ), observamos
como os/as docentes compreendiam questões relacionadas à sexualidade e gênero presentes
nas obras literárias3 que abordavam a gravidez na adolescência no desenvolvimento de suas
atividades pedagógicas. Foi perceptível durante a realização preliminar da pesquisa bibliográfica4, que havia uma profusão de títulos referentes a temáticas ligadas a saúde reprodutiva e
sexualidade e foi possível comprovar no transcorrer do envolvimento com o campo empírico
que estes livros têm grande circulação na rede pública e privada dos estabelecimentos de ensino nacionais, com tiragem e reedições significativas.
Como já relatamos em Silva (2007), no transcorrer da inserção no campo, nas
entrevistas com os/as professores/as, foi observado que estes livros5 estão presentes nas
3
As considerações acerca da literariedade nas obras de ficção adotadas pelas escolas são um aspecto bastante
controverso, no entanto, Barthes (1979) coloca: “Entendo por literatura não um corpo ou seqüência de obras,
nem mesmo um setor ou comércio de ensino, mas o grafo complexo das pegadas de uma prática; a prática de
escrever” (p.16-17).
4
Em busca por títulos referentes à gravidez na adolescência, foi feito levantamento bibliográfico na Fundação
Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), no Rio de Janeiro, seção brasileira do International Board on Books for Young People (IBBY).
5
Os títulos escolhidos e o foco dos assuntos abordados nas narrativas literárias foram: Um sonho dentro de
mim (gravidez na adolescência e AIDS), Aprendendo a viver (gravidez na adolescência e AIDS) e Anjos no
aquário (gravidez na adolescência), todos de autoria de Júlio Emílio Braz.
14
atividades pedagógicas dos/as docentes, buscando contemplar a demanda por assuntos que
agreguem o interesse juvenil e temas prescritos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Podemos dizer que após a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) ocorreu uma
demanda escolar por assuntos que agregassem o interesse juvenil e temas prescritos por este
documento. No volume que trata dos temas referentes à pluralidade cultural e educação
sexual, o documento situa na década de 1980 a demanda por trabalhos na área da sexualidade
“devido à preocupação dos educadores com o crescimento da gravidez indesejada entre as
adolescentes e com o risco da contaminação pelo HIV (vírus da AIDS) entre os jovens”
(BRASIL, 1998, p.111),formalizando assim sua inserção no curriculo das escolas brasileiras.
Com este investimento, o tema recebe autorização para ser pensado de modo a discutir as
estratégias de prevenção; ao colocarem a sexualidade como tema transversal, coube às
instituições escolares discuti-la de uma forma mais abrangente, em todas as disciplinas.
Os livros, apropriados pela escola, são artefatos culturais, que trazem em si as marcas
dos discursos e das representações que usualmente circulam no senso comum. Segundo
Chartier (2001), para a História Cultural, tão importantes quanto o conteúdo da obra em si,
imagem e texto são elementos discursivos imprescindíveis, já que textos não são indiferentes
à sua materialidade, pois ao escrevê-los o autor deixa “senhas implícitas ou explícitas”
inscritas em sua obra no sentido da intencionalidade e imposição de sentidos, dispositivos
que: “[...] tendem a impor um protocolo de leitura, seja aproximando o leitor a uma maneira
de ler que lhe é indicada, seja fazendo agir sobre ele uma mecânica literária que o coloca onde
o autor deseja que ele esteja” (CHARTIER, 2001, p. 97).
Por esta via podemos compreender que tão importantes quanto as figuras do autor e do
texto, são as composições que conferem materialidade ao objeto lido que investem em
assegurar um caminho para o leitor e para sua apropriação; as instruções do texto são cruzadas
com outras, no seu processo de produção, e uma história da leitura deve retornar: “[...] ao
próprio objeto impresso, pois traz em suas páginas e em suas linhas os vestígios da leitura que
seu editor supõe existir nele e os limites de sua possível recepção” (CHARTIER, 2001, p. 96).
Com esse pressuposto, as práticas culturais, a leitura e a educação se revestem de uma
perspectiva dinâmica e relacional nas interações, o que nos leva a concordar com Hébrard
(CHARTIER, 2001, p. 37), quando diz: “Colocando o acento sobre o ler mais do que sobre o
livro, sobre a recepção mais do que sobre a posse, os pesquisadores demonstram amplamente
que, na escola, não é a leitura que se adquire, mas as maneiras de ler que aí se revelam.”
(grifo nosso). Com o olhar mais voltado para o movimento editorial, Soares observa que o
mesmo estabelece um “pacto” entre autores, distribuidores e a instituição escolar e assim:
15
Fica claro esse ‘pacto’ da literatura infanto-juvenil com a escola quando se lembram: as fichas de leitura que atualmente acompanham quase todo livro infantil e
juvenil; a presença freqüente e maciça de escritores de literatura infantil e juvenil
na escola; o grande número de escritores de literatura infantil e juvenil que são professores. (SOARES, 2003, p. 19)
Por esta via, não podemos perceber as relações entre o espaço escolar e a literatura que
nela circula sem considerar a dimensão do mercado editorial; assim. através dos estudos das
práticas de produção, de circulação e de consumo dos materiais impressos, buscamos “identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 16).
As maneiras de ler determinada obra não são impostas, mas estão circunscritas a sistemas de classificação e uso das comunidades de leitores das quais fazem parte. Neste sentido,
encontramos em Furlani (2005) um estudo que tangencia o nosso, sobre a representação de
Educação Sexual em livros paradidáticos, pretendendo com sua análise efetuar um deslocamento para um “repensar” a temática. Em sua tese, a autora ressalta pontos positivos e inovadores na abordagem apresentada pelos livros paradidáticos analisados e questiona formações
naturalizadas, como, por exemplo, a explicitação dos padrões esperados para os gêneros como
resultantes de processos construtivos da cultura.
Com esta perspectiva ampliamos a abrangência da investigação: observamos docentes
e jovens em sua interação com os livros adotados que abordavam questões referentes à sexualidade e detivemos nosso olhar para o corpus de pesquisa com um referencial foucaultiano,
tendo em vista que conceitos e elementos da obra do autor nos ofereceram subsídios que a
articulação teórico-metodológica requeria. Assim, fizemos mais algumas indagações :
•
Quais os “caminhos” que levaram esses/as docentes a escolher determinado livro?
•
Que discursos são legitimados para falar sobre a sexualidade, gênero e saúde reprodutiva?
•
Quais os saberes, poderes e verdades colocados em circulação na subjetivação pedagógica
do/a docente ao escolher determinado livro e nas mediações efetuadas junto aos jovens com
estes suportes de leitura?
•
Que processos de subjetivação ocorrem com os jovens na mediação dos livros que abordam a sexualidade?
Com essas questões em mente, visualizamos os pontos dessa trama levando em conta
que saberes e poderes não são tecidos em tramas diferentes, constituem-se na mesma tessitura
16
na produção de processos de subjetivação. Com tal pensamento nos detivemos em analisar os
dispositivos pedagógicos e da sexualidade em ação, e discutir como atuam em sua função
estratégica, na produção de processos de subjetivação, imbricados nos saberes, poderes e verdades que os constituem.
Assim, ao observar a abordagem de questões relativas à sexualidade e gênero na escola em sua interlocução com os temas relacionados à educação em saúde, acreditamos que este
estudo oferece e amplia a compreensão dos processos de aprendizado dessas questões.
Outro aspecto observado quando nos detivemos na abordagem sobre o tema com crianças e jovens, foi que nos deparamos com as possíveis prescrições dos papéis de gênero e,
por fim, no desdobramento que estas ações pedagógicas incidem nas trajetórias infantis e juvenis. Com isso, acreditamos que o oferecimento de mais informações e outras perspectivas
sobre o assunto para o campo da educação em saúde em sua interface com outras áreas do
conhecimento que também lidam com os temas, trarão outros elementos para o debate, principalmente nos eventos que envolvem aspectos como saúde, reprodução e exposição às doenças
sexualmente transmissíveis.
***
A primeira parte desse trabalho (capítulo 1) denominada: “Dimensionando o tema:
trajetórias e opções”, apresenta o percurso de campo; nela é feita breve retrospectiva sobre a
pesquisa realizada no mestrado e de que maneira a mesma serviu de base para esta tese. Relatamos também as dificuldades encontradas em adotar o percurso metodológico que nomeamos
“Seguir o fio do livro” e as opções encontradas para driblar os percalços encontrados. Nesta
parte, procuramos ainda apresentar um panorama da investigação, apresentando os livros adotados com as sinopses disponibilizadas por suas respectivas editoras e também os pressupostos principais que serviram de balizamento para nossa análise.
Na segunda parte, apresentada nos capítulos 2 e 3, desenvolvemos os referenciais que
deram sentido ao percurso metodológico e à análise empreendida. No capitulo 2 nos dedicamos de forma mais enfática aos referenciais sobre literatura escolar e educação sexual e sobre
como estes constructos aparecem no espaço escolar. Nesses capítulos consideramos ainda os
pressupostos dos Estudos Culturais e da Histórica Cultural; o aporte teórico de Michel Foucault, que permeia toda esta tese é também contemplado. No Capitulo 3, nos dedicamos a
desenvolver os pressupostos foucaultianos que balizaram o estudo, assim as noções de sexualidade e o aparato saber/poder são desenvolvidos, e discutimos os processos de subjetivação.
17
Na terceira parte, dialogamos com tais referenciais trazendo os enunciados das entrevistas de docentes e jovens e alguns paratextos, que constituem a trama discursiva sobre a
qual nos debruçamos. Nesta fase, retomamos alguns pressupostos importantes anteriormente
citados e acrescentamos outros, como o conceito de dispositivo, importante articulador para
esta fase, pois muito mais que um conceito operatório, a noção de dispositivo permitiu a articulação entre campos como saúde e educação, dimensões em que a discussão sobre a sexualidade emerge..
Na quarta e ultima parte (capítulo 4), apresentamos uma síntese dos principais elementos da análise, na tentativa de vislumbrar os campos discursivos em disputa - sexualidade,
literatura e educação - como um domínio que está sendo organizado pela atividade humana;
assim, levamos em consideração principalmente a genealogia do individuo como sujeito e
objeto em que conceitos como “norma”, “disciplina”, “biopoder”, “biopolitica” e “tecnologia
do eu” são preponderantes. Na tentativa de dar um “arremate” à tessitura discursiva que constituiu nosso estudo, finalizamos com o que seriam “in-conclusões”, pois ao investirmos em
privilegiar a perspectiva foucaultiana sabemos que estaríamos trabalhando também com a
incompletude, com a possibilidade de lidar com campos móveis em plena movimentação,
instigante exercício para a pesquisa social. Para ilustrar tal pensamento tomamos por empréstimo um pequeno conto de Herberto Helder seguido de comentário trazido por Lajolo (1988,
p.34) (grifo nosso) na discussão da provisoriedade dos conceitos:
Era uma vez um pintor que tinha um aquário e, dentro do aquário, um peixe encamado. Vivia o peixe tranqüilamente acompanhado pela sua cor encarnada, quando a certa altura começou a tornar-se negro a partir- digamos –
de dentro. Era um nó negro por detrás da cor vermelha e que, insidioso, se desenvolvia para fora, alastrando-se e
tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário, o pintor assistia, surpreendido, à chegada do novo peixe. O
problema do artista era este: obrigado a interromper o quadro que pintava e onde estava a aparecer o vermelho de
seu peixe, não sabia agora o que fazer da cor preta que o peixe lhe ensinava. Assim, os elementos do problema
constituíam-se na própria observação dos fatos e punham-se por uma ordem, a saber. 1o – peixe, cor vermelha,
pintor em que a cor vermelha era o nexo estabelecido entre o peixe e o quadro, através do pintor, 2o – peixe, cor
preta, pintor em que a cor preta formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor. Ao
meditar acerca das razões por que o peixe mudara de cor precisamente na hora em que o pintor assentava na sua
fidelidade, ele pensou que, lá de dentro do aquário, o peixe, realizando o seu número de prestidigitação, pretendia fazer notar que existia apenas uma lei que abrange tanto o mundo das coisas, como o da imaginação. Essa lei
seria a metamorfose. Compreenda a nova espécie de fidelidade, o artista pintou na sua tela um peixe amarelo.6
6
HELDER, Herberto. Vocação animal. Publ. D. Quixote. Lisboa. 1971, p. 1112.
18
E o texto de Herberto HELDER, como espelho, nos mostra que somos, ao mesmo tempo, o peixe, o pintor
e o quadro...
(HERBERTO HELDER apud LAJOLO, 1988, p.34)
19
CAPÌTULO 1
DIMENSIONANDO O TEMA: TRAJETÓRIAS E OPÇÕES
A construção do objeto de investigação de um/a pesquisador/a por vezes revela as indagações que o quotidiano fez emergir na prática de determinada atuação profissional. O interesse em descobrir, saber mais sobre livros e mediações, surge da prática de mais de vinte
anos de magistério no ensino básico e da participação na estruturação e planejamento da Sala
de Leitura da instituição em que a pesquisadora trabalhava. Assim nesta tese investigamos os
saberes, poderes e verdades colocados em circulação na subjetivação de jovens e docentes,
com a mediação da literatura escolar que aborda temas relacionados à sexualidade e ao gênero.
Com o ingresso no ano de 2005 no curso de Mestrado e a participação na pesquisa
“Deslocamentos contemporâneos, educação e saúde” desenvolvida no Programa de PósGraduação Educação em Ciências e Saúde do NUTES/UFRJ - com ênfase no estudo das mediações feitas em relação aos textos - livros, filmes, etc., desenvolvemos projeto em que buscamos oferecer visibilidade crítica sobre a exclusão de temas considerados polêmicos em várias instâncias, entre elas a instituição escolar.
No estudo em questão7, o primeiro investimento, foi fazer um levantamento bibliográfico na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, no Rio de Janeiro (FNLIJ) - seção brasileira do International Board on Books for Young People (IBBY)8 - sobre livros que abordassem temas sobre a gravidez na adolescência. Foram relacionados, inicialmente, vinte e quatro
títulos sobre a questão da sexualidade e gênero. Após filtragem, restaram dezessete títulos,
dos quais dez livros de ficção.
Diante deste acervo caracterizado por grande produção impressa, deslocamos nossa
atenção para o/a docente, leitor/a da obra em primeira instância e em quem normalmente recai
a escolha e seleção dos títulos eleitos para adoção pelas turmas. Frente ao impasse de descobrir quais docentes estariam fazendo uso dos livros sobre a temática abordada, resolvemos
“seguir o fio do livro” - através das editoras e também de outras esferas de informação, como
divulgadores, autores, etc. - e encontrar tais docentes. Essa empreitada nos ofereceu um pano7
Dissertação de Mestrado intitulada: “Apropriações docentes no uso de livros literários que abordam a gravidez na adolescência” defendida em 2007 no NUTES/UFRJ
8
O IBBY é um Conselho Internacional de Livros para crianças e jovens, uma organização sem fins lucrativos
que representa uma rede internacional de pessoas/especialistas de todo o mundo que estão comprometidos com a
difusão da leitura entre crianças, jovens e adultos. Este órgão promove ações em vários países buscando apoio e
incentivo à leitura e à literatura. A FNLIJ é a seção brasileira do IBBY e trabalha na incorporação, dinamização e
difusão destes ideais em âmbito nacional.
20
rama bem abrangente, pois foram feitas nove entrevistas em oito escolas, em bairros da Zona
Sul, Zona Oeste, Zona Norte e Município de Caxias, no estado Rio de Janeiro.
Entre os aspectos principais encontrados no estudo mencionado ressaltamos uma instrumentalização no uso dos livros, com a atribuição de significados unívocos sobre sexualidade e gravidez na adolescência na apropriação feita por docentes.
Com este percurso, avançando no projeto de pesquisa do curso de Doutorado, retomamos o movimento inicial de investigar os livros que abordassem sexualidade para que pudéssemos recuperar e acrescentar títulos, observar o investimento do mercado editorial no
assunto, como também o surgimento de novos autores e obras. Entretanto, quando retornamos
em fevereiro de 2011 à FNLIJ nos deparamos com a inviabilidade, naquele momento, em
realizar buscas por temática ou assunto, devido a dificuldades oriundas da implantação no
sistema de buscas, abortando infelizmente a nossa primeira intenção.
Uma alternativa que pareceu possível no momento foi de fazer a busca através dos sites das editoras cadastradas9 na FNLIJ, já que estes apresentam representatividade do mercado
editorial brasileiro. Mais uma vez o objetivo foi frustrado, pois como no caso da FNLIJ, o
sistema de busca pelas editoras não permitia, em sua maioria, a pesquisa por assunto, e a
grande quantidade de editoras (73) inviabilizou a busca uma a uma. Entretanto, nesta fase nos
deparamos com os sites das editoras que apresentavam paratextos10, evidenciando um percurso de busca e escolha nitidamente voltado ao/à docente, apontando títulos em seleção prévia
por temáticas relacionadas aos Temas Transversais.
A decisão que se fez necessária foi de “seguir o fio do livro”, como na pesquisa anterior, para que o campo empírico nos apontasse quais livros estariam sendo usados nas escolas
e por quais docentes. Na pesquisa de doutorado, pretendíamos observar o trabalho pedagógico
desde o início, no investimento de conhecer toda a dinâmica da relação estabelecida entre o
docente, seu trabalho pedagógico e seus alunos.
9
Aletria, Artes e Ofícios, Ática, Autêntica, Barsa Planeta Internacional, Berlendis, Bertrand Brasil, Biruta, Brinque-Book, Callis, CBL, Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, Ciranda Cultural, Companhia das Letrinhas, Companhia Editora Nacional - IBEP, Cortez, Cosac Naify, DCL, Dimensão, Doble Informática, Duna
Dueto, Edelbra, Ediouro, Editora 34, Editora do Brasil, Editora Brasiliense, Escala Educacional, Elementar,
Florescer, FTD, Fundação Casa Lygia Bojunga, Girafinha, Girassol Brasil, Global, Globo, Guanabara Koogan,
Iluminuras, Imperial Novo Milênio, Jorge Zahar, José Olympio, Jovem, Larousse do Brasil, Lê, Littere, L&PM,
Manati, Manole, Marcos da Veiga Pereira, Martins Editora, Mazza, Melhoramentos, Mercuryo Jovem, Moderna,
MR Bens, Mundo Mirim. Nova Alexandria, Noovha América, Nova Fronteira, Objetiva, Pallas, Panda Books,
Paulinas, Paulus, Peirópolis, Pinakotheke Artes, Planeta do Brasil, Positivo, PwC, Projeto, Prumo, Record, RHJ,
Ridell, Rocco, Roda Viva, Rovelle, Salamandra, Salesianas, Saraiva, Scipione, SM, SNEL, Studio Nobel, Uni
Duni, WMF Martins Fontes, Zit.( 73 Editoras)
10
Ver mais sobre este conceito Capítulo 2
21
Esta intenção daria o contexto de atualidade aos dados coletados, tendo em vista que,
de maneira contrária ao livro didático, a literatura paradidática se refere normalmente a uma
escolha pessoal do/a docente ou à adesão a determinado projeto desenvolvido na instituição
escolar. E neste sentido, a escolha e o modo de desenvolvimento das ações pedagógicas têm
um caráter mais livre do que as atividades atreladas ao livro didático, pois o mesmo agrega
conteúdo do currículo formal, o que não ocorre com o paradidático, inclusive devido à natureza “transdisciplinar” de sua existência.
A busca por docentes/escolas que estivessem empreendendo este trabalho e a possibilidade de acompanhar tal evento desde o princípio mostrou-se um empreendimento complexo
devido à dificuldade de comunicação entre o acontecimento da atividade em si e a divulgação
da ocorrência, para que pudéssemos acompanhá-la em tempo real.
Com o auxílio da secretária de um dos autores de livros paradidáticos da pesquisa realizada no Mestrado, “seguimos o fio do livro”, recorrendo à agenda de visitação do autor a
escolas. Deste modo acompanhávamos a divulgação no site do autor da agenda de cada mês,
depois por email solicitávamos a secretária do autor que nos informasse quais títulos estavam
sendo adotados nas escolas do Rio de Janeiro e quais seriam os livros que permitiam discussões sobre sexualidade. Assim, a continuação do percurso metodológico, no ano de 2011 sinalizou que as escolas, de uma maneira geral, estavam adotando principalmente títulos ligados à
questão do “bullying”, levantando a questão do preconceito racial e também da homofobia.
Na verdade acreditamos que tal panorama do mercado editorial nas escolas cariocas neste
período representou, ao menos em parte, um perfil das ansiedades/problemas veiculadas pela
mídia neste determinado momento. A sociedade carioca ficou chocada no começo do ano
letivo, com a invasão de uma escola pública no subúrbio da cidade por um jovem armado executando a tiros vários alunos/as indefesos/as.11
Como um efeito colateral desta ação violenta, várias instituições se voltaram a discutir
o ocorrido na preocupação de terem em seus bancos escolares outras vítimas, mas também
assassinos. Esta percepção, de natureza somente empírica, teve origem na busca realizada
através do “fio do livro”, com a diminuição de adoção de títulos que abordassem temáticas
sobre sexualidade, colocando o assunto em segundo plano na pauta de discussões emergentes
em sala de aula.
Com esse perfil foi possível encontrar em 2011 uma escola municipal situada no Município de Japeri, região metropolitana do Rio de Janeiro, que desenvolvia desde 2009 um
11
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2011/04/18/escola-tasso-da-silveira-em-realengo-retoma-asatividades-depois-da-matanca.jhtm
22
trabalho com projetos pedagógicos utilizando livros paradidáticos envolvendo vários professores, de disciplinas diferentes, voltados à questão da afrodescendencia, no intuito de contemplar em suas ações os preceitos da Lei 11.645/08, que determina a inclusão das temáticas
“História e Cultura Afro-Brasileiras e Indígenas” no currículo oficial da rede de ensino.
Em contato preliminar com a professora de Língua Portuguesa que na ocasião trabalhava na Sala de Leitura da escola, obtivemos a informação de que, mesmo não adotando livros paradidáticos com temáticas circunscritas à sexualidade no desenvolvimento das atividades pedagógicas, o assunto eventualmente emergia nas aulas, tendo em vista que na narrativa
das histórias escolhidas existem passagens que veiculavam o tema.
Assim, nessa escola foram feitas três entrevistas com docentes envolvidas no projeto
pedagógico da escola de diferentes disciplinas: uma professora de Língua Portuguesa, regente
da Sala de Leitura, uma de História e uma de Educação Física. É importante ressaltar que todas as docentes trabalhavam também em outra instituição de ensino público e possuíam vários
anos de magistério.
Acompanhamos também o desenvolvimento de uma aula que fez uso do livro “Crianças na Escuridão”12 de Júlio Emílio Braz, em que trechos da obra foram lidos pela professora
e pelos alunos, sendo que os últimos demonstraram extremo interesse pela atividade, assim
como pela temática desenvolvida; o livro em questão narra a histórias de crianças abandonadas.
1.1 “Seguindo o fio do livro”: aspectos de um percurso metodológico
Ao retomar o investimento em “seguir o fio do livro” em 2012, o primeiro movimento foi de estabelecer contato com os divulgadores nas Editoras que pudessem evidenciar
novamente escolas que tivessem adotado livros que abordassem a temática da sexualidade,
mesmo que de forma indireta. A busca se tornou difícil, pois muitos divulgadores alegaram
não ter idéia da adoção maciça pela escola de determinada obra, tendo em mãos a lista de materiais para o ano escolar, os pais/alunos fazem suas escolhas de compras em qualquer tipo de
comercio: editoras, feiras, livrarias, etc., pulverizando deste modo a informação. No entanto,
muitos se prontificaram a informar caso alguma escola solicitasse a visita e posterior adoção.
Interrogamos alguns divulgadores para entender a dinâmica da participação deles na escolha
dos livros. Alguns nos informaram que o trabalho maior é com o acervo do PNLD, pois é o
12
As sinopses das obras estão ao final deste capítulo.
23
livro didático, comprado pelo governo, que alavanca as vendas; já o paradidático, segundo
eles, sai aos pouquinhos, em adoções principalmente por instituições particulares. Quando
solicitados estes divulgadores percorrem as escolas oferecendo os títulos e os catálogos da
Editora em que trabalham.
Mesmo com tais dificuldades, insistimos neste desenho metodológico, uma vez que
“seguir o fio” nos oferece a visibilidade das escolhas docentes efetuadas, como também da
efetiva ação do mercado editorial na atualidade. Tais entraves endossam o que alguns pesquisadores que se interessam em pesquisar a cadeia de produção dos livros evidenciam quando
apontam para a necessidade de indicadores mais específicos, como diz Tozzi ao relatar sobre
a circulação de livros infantis no Brasil:
Não parece existir, hoje, um trabalho sistemático sobre o desenvolvimento e a produtividade do sistema editorial nacional que nos permita compor e desdobrar quadros periódicos que retratem o desempenho das editoras, dos segmentos que aí atuam e que constituem seus carros-chefe, da magnitude e porte que representam, dos
títulos que publicam, que auxiliem-nas a enquadrarem ou caracterizarem sua produção, etc. (TOZZI, 2011, p.58)
Ou seja, sem um mapeamento da produção específica do próprio do mercado editorial, acabamos por utilizar toda a rede de informação periférica ao livro no sentido de apontar
as escolhas, indicando possíveis usos.
1.1.1 Um fio emaranhado
Na lógica estabelecida em que a adoção de determinado título aponta a potencial
ação pedagógica, retomamos a busca na web, utilizando as palavras-chave: "paradidáticos"
“educação sexual/paradidáticos”, “paradidáticos, sexualidade”, ou o nome de determinado
autor que reconhecidamente produz paradidáticos sobre o tema; descobrimos, dessa maneira,
diversas listagens de material escolar oriundas de instituições no Brasil inteiro que continham
títulos de livros paradidáticos visando a adoção escolar. Na etapa seguinte, selecionamos as
listagens que possuíam paradidáticos sobre o tema investigado em escolas que se situavam no
Rio de Janeiro.
Avançando neste percurso identificamos telefone e/ou email para realizar o contato
preliminar. Em quatro casos as escolas não se mostraram receptivas, alegando que tal participação, mesmo com todos os cuidados inerentes à ética de uma pesquisa científica, exporia a
instituição, seus alunos e professores.
24
Este mecanismo de busca ofereceu um primeiro panorama das obras adotadas nas
escolas do Rio de Janeiro; no entanto, sabemos que escolas que não disponibilizassem tal tipo
de listagem na web estariam de fora, como também instituições públicas que se abastecem do
acervo oferecido pelo governo. Para tentar suprir esta lacuna continuamos o contato com divulgadores de diversas editoras e visitamos o “14º Salão FNLIJ do Livro Para Crianças e Jovens”. Recorremos também à informação oferecida pela agenda de visitação do escritor Julio
Emilio Braz, disponível na web, e estabelecemos contato com Secretarias de Educação, como
a do município de Caxias, na busca por ações/docentes com o perfil esperado.
Nessa teia chegamos a duas escolas particulares situadas no Rio de Janeiro que efetuavam a adoção de livros paradidáticos que abordavam o tema da sexualidade. A primeira,
situada no bairro da Tijuca, município do Rio de Janeiro, é uma escola tradicional com muitos
anos de existência, pertence a uma congregação religiosa e possui outras unidades no Brasil.
Atende alunos desde o ensino fundamental até o ensino médio. A docente que adota os livros:
“O sexo é agora” no 8º ano e “Adolescente, um bate-papo sobre sexo”13 no 9º ano do ensino
fundamental discute a temática da sexualidade usando tais livros na disciplina de Ensino Religioso, dividindo a turma com o professor de Artes Cênicas. Durante a entrevista realizada, nos
diz que encontra abertura e autorização da direção da escola para discutir o assunto e adotar o
livro nesse ano devido a Campanha da Fraternidade 2012 cujo tema é “Fraternidade e Saúde
Pública”. Ainda em relação a essa campanha, podemos ver no Blog da Saúde14, site mantido
pelo Governo Federal, uma reportagem com o Ministro da Saúde na ocasião - Alexandre Padilha - comentando o lançamento da Campanha da Fraternidade e agradecendo o gesto da
Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) ao escolher o tema para estimular o debate
sobre o assunto durante todo o ano. “O SUS não poderia ter tido um presente maior. Tenho
uma grande expectativa que não só durante a quaresma, mas em todo o ano, as pessoas discutam o Sistema Único de Saúde real, porque a partir desses debates vamos ganhar o apoio das
comunidades para consolidar o SUS”, disse o Ministro. Notamos também que a professora
entrevistada evidencia logo de primeira mão a preocupação da sexualidade como questão de
saúde publica, estabelecendo clara ligação da Campanha com o assunto.
A escola possui excelente estrutura; entre jardins bem cuidados, vislumbramos a
biblioteca situada em pavilhão separado; no entanto, o aspecto de lugar isolado denuncia o seu
pouco uso, informação reiterada por uma funcionária. Pergunto sobre a utilização do espaço
14
Informação disponível em : <http://www.blog.saude.gov.br/campanha-da-fraternidade-tem-saude-publicacomo-tema/ > Acesso em 8/11/2012.
25
por alunos/as e professores/as e ela me diz que eles/as o procuram somente por ocasião de
pesquisa escolar, inexistindo trabalho pedagógico ou de mediação de leitura sistematizado no
local. As entrevistas e o grupo-focal com os/as alunos/as, gravadas em sala centenária, transcorreram de maneira tranquila.
A segunda escola, visitada neste ano, estava localizada no Município de Mesquita,
Baixada Fluminense, em um bairro próximo à Avenida Presidente Dutra. O docente que desenvolve as atividades com o livro atua como professor de Língua Portuguesa e Literatura e
nossa via de acesso se fez pela agenda do autor Julio Emilio Braz, pois aconteceu na escola
uma tarde de autógrafos com o escritor, em que os alunos puderam conhecê-lo melhor e conversar sobre o livro “Anjos no Aquário”. Com uma estrutura pequena e um pouco acanhada,
essa é uma escola que atende alunos/as até o ensino médio; o perfil da arquitetura evidencia
um estabelecimento que foi construído aos poucos, se adequando ao crescimento da demanda
de sua clientela. A biblioteca praticamente inexiste, pois, segundo conversa informal com os
alunos, a sala acanhada fica trancada a maior parte do tempo ou é utilizada somente para a
realização de trabalhos em grupo.
Em ambas as escolas o acesso às aulas dos/as docentes investigados/as não foi permitida pela direção da escola; o recurso utilizado para termos acesso aos/às jovens foi a realização de grupo-focal constituído por jovens que os/as professores/as selecionaram. Gostaríamos que este grupo se constituísse voluntariamente, mas nos dois casos, os/as professores/s
ou os/as supervisores/as indicaram alunos/as que, no seu entender, ofereceriam boa participação na pesquisa e viabilizaram o convite e posterior autorização pelos respectivos responsáveis. Os grupos-focais nas duas escolas transcorreram à principio com certa timidez por parte
dos/das jovens; logo de início o motivo da pesquisa foi apresentado aos /as jovens, deixando
claro que tudo que fosse dito e gravado naquele espaço não seria transmitido a outras pessoas
e que seus nomes verdadeiros não seriam revelados
Na escola da Tijuca o grupo foi composto por alunos e alunas de duas turmas de
séries diferentes o que parece ter motivado certo constrangimento.. No inicio os /as alunos/as
do 8º ano ficaram mais calados/as e somente depois de algum tempo, após incentivo com a
mediação das perguntas, se manifestaram. Duas alunas (Mirtes e Melissa) do 9º ano falaram
bastante e frequentemente tomavam a frente nas respostas.
Na escola em Mesquita o grupo começou de forma bem mais tímida do que da escola anterior, os /as alunos precisaram de mais tempo para descontrair e participar de forma
mais espontânea, O local selecionado pela escola para realização do grupo – a sala dos professores – espaço também utilizado como copa dos funcionários - oferecia pouca privacidade
26
e invariavelmente era freqüentado por algum/a docente de passagem. Neste grupo foi interessante que após o término das perguntas, foi dito aos/as alunos/as que eles/elas poderiam fazer
qualquer pergunta que quisessem e, alguns meninos começaram a fazer questionamentos acerca de masturbação masculina e também sobre a primeira relação sexual.
Em ambos os grupos os/as jovens se mostraram interessados em participar da pesquisa e disseram acreditar que ter informações sobre sexo e sexualidade era algo importante
para eles/elas.
Em novembro de 2012 identificamos uma creche/escola no município de Duque de
Caxias, município da Baixada Fluminense, que desenvolvia um trabalho com crianças utilizando livros para abordar sexualidade. Mesmo que de alguma forma este trabalho fugisse ao
perfil que pensávamos inicialmente para coleta de dados, como explicamos a seguir, resolvemos conhecer o trabalho desenvolvido, tendo em vista que uma das premissas deste estudo foi
de investigar as praticas e usos dos livros de literatura para discutir sexualidade; outro elemento instigante para a ida a esta escola foi considerarmos que estas professoras poderiam
oferecer material inovador, tendo em vista o diferencial do público escolhido. Estas professoras desenvolvem um projeto voltado a discutir a sexualidade infantil, trabalham com o tema
em suas respectivas turmas e atuam como “multiplicadoras”, realizando oficinas na escola.
Visitamos a escola e entrevistamos as duas professoras mentoras do projeto, e logo
de inicio ficou claro que a figura da direção da escola era preponderante para que o trabalho
na instituição fosse desenvolvido; assim, fizemos também uma entrevista com a diretora da
creche/escola. Nesta entrevista ficou evidente a importância dos encaminhamentos políticos
feitos pelo/a gestor/a escolar, viabilizando neste caso especifico maneiras das professoras realizarem cursos de formação docente. Nesse sentido, a postura da direção incentivando a sua
ida aos cursos, liberando-as no horário de aulas, como também as motivando a discutirem o
assunto entre outras/os professoras/es e membros da comunidade escolar em “oficinas” efetuadas durante o ano letivo, nos leva à percepção de que sem este elemento na teia de significados da hierarquia e estruturação da escola, poderia não existir trabalhos como os das professoras entrevistadas. Outro elemento evidenciado na entrevista com a diretora foi o perfil das
famílias cujas crianças estavam na creche; a diretora narrou que diferentemente da percepção
usual de que a creche seria o suporte a mães trabalhadoras, a maioria não possuía renda própria e era assistida por programas sociais como o “Bolsa Família”. Na percepção da diretora,
o panorama das mães dos/as alunos/as era de prole extensa, com vários parceiros e pouca
perspectiva de inserção profissional. A diretora relatou desconforto a partir deste quadro e
informou que procurava, mesmo que de forma pontual, oferecer cursos ou “oficinas” de arte-
27
sanato, etc. bem como parcerias com instituições que promovessem capacitação profissional
para que as mães pudessem ter alguma renda suplementar.
A creche/escola atende a crianças de 3 a 5 anos de idade, sendo que as crianças de 3
a 4 anos ficam em período integral: tomam café, almoçam e jantam na escola. Possuem uma
rotina de atividades pedagógicas no período da manhã e atividades complementares no da
tarde; já as crianças maiores têm somente as atividades pedagógicas pela manhã ou à tarde..
Em todas as salas de aula as crianças contam com as professoras e “estimuladoras”, profissionais da educação contratadas pela Secretaria de Educação para apoiar as professoras e desenvolver um trabalho paralelo, de apoio a elas. A estrutura simples da creche/escola evidenciava
os parcos recursos destinados à instituição: paredes descascadas, móveis bem antigos e desgastados. As professoras relataram também a inexistência de material específico para o desenvolvimento das atividades infantis.
Na pequena sala de leitura, entre poucos livros, entrevistamos as docentes envolvidas no projeto que usa literatura para discutir sexualidade com as crianças. Elas nos contam
que este projeto pedagógico seria o desdobramento de um curso de formação docente voltado
aos “Direitos Humanos”, desenvolvido pelo NEC (Núcleo de Educação Continuada) da
FEBF/UERJ (Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, unidade acadêmica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro instalada no município de Duque de Caxias). Este Núcleo
“[...] tem como objetivo incentivar e agregar ações acadêmicas de extensão, pesquisa e ensino
voltadas para a formação profissional em Educação para a Paz e o Desenvolvimento Sustentável.”. O site da FEBF ainda nos diz que “[...] investe na qualificação profissional do/a professor/a da rede pública de ensino da região, fomentando práticas pedagógicas promotoras da
cidadania ativa, inspiradas nos princípios de respeito aos direitos humanos e defesa do meio
ambiente.”15 E conta com a parceria da ONG” Nova América”, que possui o slogan: ”Cuidar
da vida, promover a paz”. No relato das professoras, o NEC em parceria com a mencionada
ONG viabiliza a aquisição e empréstimo de acervos como de livros de literatura, jogos, filmes, publicações relacionadas aos temas discutidos, como meio ambiente, multiculturalismo,
etc. No site do NEC encontram-se disponíveis textos, links úteis e também a relação de um
acervo de livros, jogos, CDs, etc. intitulado “Baú do NEC”16. Foi neste baú que as professoras
encontraram os livros “Ceci tem pipi” e “Mamãe botou um ovo”; com estes e outros livros
elas construíram o projeto “Tenho direito de ser criança”, dividido em três eixos: ”Tenho direito de ser curioso e conhecer meu corpo”, “Tenho direito de sonhar com um mundo melhor”
15
16
Informação retirada do site: < http://www.necfebf.uerj.br/PRINCIPAL.htm>. Acesso em: 8 nov. 2012.
Disponível em:< http://www.necfebf.uerj.br/baudonec1.htm>
28
e “Tenho direito de ser diferente e ser respeitado em minha diferença”. O eixo “Tenho direito
de ser curioso e conhecer meu corpo” agrega as atividades voltadas à sexualidade sobre as
quais conversamos na entrevista.
A seguir apresentamos um quadro em que constam as atividades de campo, com
seus atores e contexto, em ordem cronológica. Neste ponto é importante informar que as entrevistas com os/as docentes tiveram a duração média de 1 hora, e os grupos-focais duraram
em torno de 1 hora e meia;o roteiro do grupo-focal e a entrevista semi-estruturada se encontram em anexo (Anexos E e F). O grupo-focal foi constituído, conforme comentamos anteriormente, por alunos/alunas selecionados pelos/as docentes da escola e/ou pela direção da
mesma. Infelizmente o acesso as aulas foi negado em ambas as instituições, com a alegação
de que poderíamos expor alunos/as e professores/as. Todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo A) e todas as entrevistas foram
transcritas em sua íntegra
29
1.1.2 Cronologia do trabalho de campo17
Atuação
Tipo
de coleta
Professora de Historia
Professora de Língua Portuguesa
Professora de Educação Física
Entrevista semiestruturada
Entrevista semiestruturada
Entrevista semiestruturada
Segmento em que o trabalho com o livro foi realizado
8º ano do Ensino Fundamental
8º ano
do Ensino Fundamental
8º ano
do Ensino Fundamental
46
Professora de Ensino Religioso
Entrevista semiestruturada
8º e 9º anos
do Ensino Fundamental
Sexo: a hora é agora? e
Adolescente: um bate-papo
sobre sexo
Entre 12
a 15 anos
Alunos/as
Grupo focal
8º e 9º anos
do Ensino Fundamental
Sexo: a hora é agora? e
Adolescente: um bate-papo
sobre sexo
Data
Local
Tipo
de Instituição
Nomes
(todos fictícios)
Idade
Agosto 2011
Japeri-RJ
Pública
Mila
39
Agosto 2011
Japeri-RJ
Pública
Eva
32
Agosto 2011
Japeri-RJ
Publica
Débora
40
Junho 2012
Tijuca-RJ
Particular
Bruna
Livro adotado
Crianças na Escuridão
Crianças na Escuridão
Crianças na Escuridão
Junho 2012
Tijuca-RJ
Particular
Grupo 1
( 6 participantes: 3
meninas e 3
meninos)
Julho 2012
Mesquita-RJ
Particular
Marcelo
48
Professor de Língua Portuguesa
Entrevista semiestruturada
8º ano
do Ensino Fundamental
Anjos no Aquário
Mesquita-RJ
Particular
Grupo 2 ( 6
participantes:
3 meninas e
3 meninos)
Entre 12
e 13 anos
Alunos/as
Grupo focal
8º ano
do Ensino Fundamental
Anjos no Aquário
Caxias-RJ
Pública
Mônica
27
Caxias-RJ
Pública
Roberta
31
Professora de Educação Infantil
Professora de Educação Infantil
Entrevista semiestruturada
Entrevista semiestruturada
Caxias-RJ
Pública
Anete
45
Diretora
Entrevista aberta
----------
.................
4 escolas
visitadas
2 escolas da
rede pública
e 2 escolas
particulares
7 docentes
entrevistados/as, 1
diretora e 12
jovens
...............
...................
7 entrevistas , 2
grupos-focais e 1
entrevista aberta
.................
6 livros
Julho 2012
Novembro
2012
Novembro
2012
Novembro
2012
TOTAIS
17
Educação Infantil-Creche
Educação Infantil-Creche
Os termos de consentimento (docentes e jovens), bem como o roteiro do grupo focal e a entrevista encontram-se nos Anexos.
Mamãe botou um ovo e Ceci
não tem pipi
Mamãe botou um ovo e Ceci
não tem pipi
30
1.2 Desatando os “nós” do fio do livro: uma pretensão
Com esse percurso chegamos aos/às docentes que utilizavam os livros, aos/às jovens
e aos livros em questão. Considerar que estes livros são incorporações realizadas de forma
“espontânea” nos traz um tempero a mais para este estudo, cujos dados foram obtidos através
de: entrevistas semi- estruturadas18(gravadas em áudio) com professores/as que utilizaram em
suas práticas pedagógicas livros que possibilitam de alguma forma a abordagem da sexualidade;
entrevista aberta com a diretora de uma das escolas (gravada em áudio) em que trabalhavam docentes entrevistados/as; dois grupos-focais19(gravados em áudio) com jovens, alunos/as dos/as professores/as que utilizaram os livros na abordagem de questões de sexualidade e gênero em suas aulas; paratextos dos livros que de alguma forma interferiram na escolha/utilização dos livros, pois os
entendemos como unidades discursivas, e como tal, nesta investigação não podem ser tomados de
forma isolada, mas na esteira de significados que produzem.
Desta forma, nos interessam os livros adotados e os discursos e práticas daqueles que estabelecem ou estão envolvidos com mediações utilizando esses artefatos no contexto escolar. Entendemos que esses livros não são isentos de intencionalidade, pois constroem seus significados na
gama de “predileção e escolhas” em que estão imbricados; nas palavras de Chartier: “[...] é preciso
levar em conta que as formas produzem sentidos e que um texto estável por extenso, passa a investir-se de uma significação e de um status inédito, tão logo se modifiquem os dispositivos que convidam à sua interpretação.” (CHARTIER, 1999, p.13)(grifo do autor)
Lançando mão das palavras de Fischer, para sintetizar: “Em outras palavras: trata-se de perguntar, no âmbito escolhido para nosso estudo, como algumas práticas acabam por objetivar e nomear, de determinada forma, os sujeitos, os grupos, suas ações, gestos, vidas.” (FISCHER, 2012,
p.103).
1.3 Trabalhando com Foucault20: um desafio e outra pretensão
Essa intenção pretensiosa traz em si a grande vontade em estabelecer interlocução teórica com Foucault, que é um historiador do presente. Ousamos “trabalhar” com o autor, sabendo de antemão do exercício continuo de deslocamento que se faz necessário nas tantas
certezas em que somos constituídos. Avançamos, estudamos e ousamos percorrer caminhos e
18
Entrevista semi-estruturada (Anexo. F)
Roteiro do grupo focal (Anexo. E)
20
Paráfrase do titulo do livro de Rosa Fischer, intitulado: “Trabalhar com Foucault” (2012)
19
31
proposições que Foucault nos instigou; na trilha de seu pensamento o primeiro grande embate
seria abandonar qualquer perspectiva que se atenha a análises estruturantes ou causais; Fischer (2012) nos oferece outros aspectos que devem ser observados pelo/a pesquisador/a das
ciências humanas e da educação, que invista no pensamento do filósofo, que vão além de
simples conselhos, mas se apresentam como “atitudes metodológicas”:
A primeira é compreender que nossas lutas (e pesquisas) tem sempre a ver com linguagem, já que estamos continuamente envolvidos com lutas discursivas; a segunda
atitude é atentar para a idéia de que palavras e coisas dizem respeito a fatos e enunciados , que a rigor são “raros”, isto é , não são óbvios, estão para além das “coisas
dadas”; a terceira, que fatos e enunciados referem-se basicamente a praticas, discursivas e não discursivas, as quais constituem a matéria prima de nossas investigações, (não importa em que campo se concentrem) e que dizem respeito sempre a relações de poder e modos de constituição dos sujeitos individuais e sociais, finalmente, a atitude de entrega do pesquisador a modos de pensamento que aceitem o
inesperado, especialmente àquilo que se diferencia do que ele próprio pensa.(FISCHER, 2012, p.100)
Incorporando a primeira precaução apontada pela autora, nos deparamos com nossos
“textos”: material de análise, que longe de serem corpos inertes, são objetos vivos que se apresentam de determinada forma: “[...] não é simplesmente um trabalho de coleta de dados,
mas sempre uma situação de interação na qual as informações dadas pelos sujeitos podem ser
alteradas pela natureza de suas relações com o entrevistador”, nos diria Minayo (2004, p.114).
(grifo da autora). Ou seja, a dinâmica social não pode ser simplesmente subtraída e classificada em esquemas interpretativos; muito mais do que isso, todo processo incide em uma troca
de significados, percepções e idéias “[...] em que várias realidades e percepções são exploradas desenvolvidas, [...] tanto o(s) entrevistado(s) como o entrevistador estão, de maneiras diferentes, envolvidos na produção do conhecimento.” (GASKELL, 2002, p.73).
No caso desta investigação o conhecimento da opinião dos/as jovens leitores e dos/as
docentes se faz necessário, uma vez que a triangulação livro, docente, aluno/a evidencia a
produção de significados desencadeada pela obra no/a docente e no/a jovem; e também nos
revela a inter-relação desses sujeitos em seus discursos e práticas na mediação que estabelecem com o livro. Desta forma, expectativas, visões, pontos de vista de ambos os lados são
importantes para nós; o grupo focal realizado com os/as jovens se insere na possibilidade de
complementar a informação sobre este/a leitor/a imaginado, tanto pelo/a docente, como também pelos produtores dos livros. Afinal “a finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar
opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão.” (GASKELL, 2002, p.68).
32
Trata-se, desta forma, de perceber esta “realidade” de uma forma menos objetiva, entendendo que ao optarmos por uma abordagem de base qualitativa, levamos em conta o fenômeno para além do fato, ou seja, a pesquisa qualitativa possibilita, segundo Minayo (2004),
pontos imprescindíveis para que possamos perceber as diferenças que distinguem as ciências
sociais das ciências físico-naturais e biológicas, pois os objetos das Ciências Sociais seriam
incontestavelmente “históricos”; a segunda distinção apontada pela autora, apresenta-se na
esteira da primeira e vem da “consciência histórica” do nosso objeto de estudo, ou seja, dos
determinantes histórico-sociais de determinada época que nem os pensadores e filósofos conseguiriam superar; assim, existe o intrínseco vínculo estabelecido entre o pesquisador e seu
objeto, no qual: “tanto os indivíduos como os grupos e também os pesquisadores são dialeticamente autores e frutos de seu tempo histórico” (MINAYO, 2004, p.21). A terceira característica, segundo ela, se faz pela “identidade entre o sujeito e seu objeto da investigação”, na
perspectiva de que enquanto seres humanos investigando seres humanos estaríamos comprometidos e imbricados solidariamente, apesar das possíveis diferenças inerentes por razões
sociais, classe, faixa etária, etc.
Assim, nos interessaram as relações entre docentes e alunos/as e suas percepções sobre
os livros nas mediações estabelecidas; nosso olhar se deteve em observar o conjunto de praticas discursivas e não discursivas. Desta forma, os grupos focais foram importantes para perceber as significações construídas pelos/as jovens em ambiente diferente da sala de aula, sem
a mediação do/a professor/a; os eventos dos grupos focais se deram após as aulas em que
os/as professores/as utilizaram os livros.
Acreditamos que este percurso ofereceu um desenho metodológico favorável, uma vez
que entendemos o grupo-focal como constituído por grupos de pessoas com alguma vivencia
no tema a ser discutido, “[...] de tal modo que sua participação possa trazer elementos ancorados em suas experiências cotidianas.” (GATTI, 2012, p.7). Ainda segundo Gatti“[...] esta técnica é muito útil quando se está interessado em compreender as diferenças existentes em
perspectivas, idéias, sentimentos, representações, valores e comportamentos de grupos diferenciados de pessoas [...]” (GATTI, 2012, p.14).
Pensando deste modo é que investimos em observar objetos por vezes “naturalizados”,
mas com a oportunidade de confrontação de opiniões; a emergência de novas indagações e/ou
o abandono de outras, se faz a partir do surgimento de fatores ainda desconhecidos pelo/a
pesquisador/a, aspecto fundamental na abordagem qualitativa (MINAYO, 1999) Esse proce-
33
dimento também possibilita o intercâmbio entre o/a pesquisador/a e os sujeitos, essencial para
uma pesquisa que visa à compreensão de dados subjetivos.
Os discursos, sua circulação e a maneira em que eles aparecem nos interessam, pois os
entendemos como construções pertencentes a determinada historicidade; nas palavras de
Veyne:“Longe de serem ideologias enganadoras, os discursos cartografam aquilo que as pessoas fazem e pensam realmente, e sem o saberem. Foucault nunca estabeleceu uma relação de
causa e efeito num sentido ou no outro entre os discursos e o resto da realidade [...]”
(VEYNE, 2008, p.34). Com esta perspectiva consideramos a linguagem em sua historicidade,
ou melhor, na percepção da linguagem, em seu uso, seu funcionamento histórico. No percurso
da obra foucaultiana, o autor se interessa pela linguagem e a percebe para além da distinção
significante e significado, e no desdobramento do conceito que envolve o plano discursivo,
não é o “ser da linguagem” que tem o foco; ao que Castro acrescenta:
[...] mas sim, o seu uso e sua prática, no contexto de outras práticas que não são de
caráter linguistico. Foucault já não se ocupará somente ou primariamente das práticas discursivas, mas também das ‘práticas’ com as quais se exerce o poder, das
‘práticas éticas’. A relação entre o discursivo e o não discursivo haverá de se converter, desse modo, em uma via de acesso à análise histórica dos usos da linguagem. (CASTRO, 2009, p. 251).
Neste ponto fica evidenciado o papel importante que envolve a dimensão não discursiva, tanto quanto a discursiva, possibilitando o entendimento do uso histórico da linguagem.
Assim, discurso e prática, para Foucault, não são elementos estáticos, eles funcionam
em inter - relações dinâmicas; ao debater sobre a atividade discursiva, o autor invariavelmente
menciona o enunciado; e neste ponto fica claro que para ele o enunciado não trata de uma
unidade menor contida dentro do discurso, seu caráter é muito mais amplo e transversal e funcionaria atravessando a linguagem; referindo-se ao enunciado Foucault nos diz: “[...] ele não é
em si mesmo uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de
unidades possíveis e que faz com que apareçam com conteúdos concretos no tempo e no espaço.” (FOUCAULT, 2007, p.98). Veiga - Neto exemplifica e esclarece ainda mais o conceito: “Assim um horário de trens, uma fotografia ou um mapa podem ser um enunciado, desde
que funcionem como tal, ou seja, desde que sejam tomados como manifestações de um saber
e que por isso, sejam aceitos, repetidos e transmitidos.” (VEIGA-NETO, 2004, p.113).
Com esta percepção, em que práticas e ações estariam imbicadas aos mecanismos discursivos, cremos ser mais produtivo nos determos a perceber como a realidade se constrói por
dentro de uma trama discursiva; neste jogo complexo de significações que percorrem textos e
34
práticas do tecido social escolhemos a perspectiva foucaultiana como suporte para análise dos
discursos do corpus investigado, por acreditar, como este autor, um “historiador do presente”,
que os discursos “verdadeiros” estão mergulhados em relações de poder, produzidas discursivamente e ao mesmo tempo produtoras de discursos, de saberes e de verdades; ao trabalhar
com livros, incorporando suas imagens e textos, buscamos analisá-los pelas possibilidades
discursivas que geram. Ou ainda, levando em conta a dimensão da cultura, Stuart Hall nos
diz: “[...] Não é que não haja nada além do discurso, mas toda pratica social tem o seu caráter
discursivo.” (grifo do autor) (HALL, 1997, p.33).
Assim, diante do corpus descrito tomamos por preocupação descobrir quais enunciados se evidenciavam em relação aos outros ou, dito de outra maneira, buscamos perceber
quais enunciados ressoavam com maior intensidade em nossos ouvidos, ganhando uma suposta autonomia. Com o aporte de Foucault descobrimos que certos enunciados possuem mais
“força” que outros, não de uma maneira casual e despreocupada, mas devido a contingências
de seu surgimento e circulação; tais contingências indicam como nossos objetos são construídos, e assim, ao nos preocuparmos em como a temática da sexualidade é veiculada na escola,
a tônica recai sobre as condições de possibilidade de existência de determinado discurso em
relação a outro, como também sobre as lacunas existentes no plano discursivo. Ao discorrer
sobre o regime de formação dos objetos, Foucault assinala que o discurso jamais se desvincula de questões e jogos de poder, e com isto devemos:
[...] não mais tratar os discursos como conjuntos de signos (elementos significantes
que remetem a conteúdos e representações), mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos;
mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais
que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse “mais” que é preciso fazer
aparecer e que é preciso descrever (FOUCAULT, 2007, p. 55).
Com tal observação, voltamos à questão de considerarmos a evidente inter-relação entre discursos e práticas, mas com a ressalva de que ao referi-los: “O termo discurso é um convite a ir mais fundo e descobrir a singularidade do acontecimento, até delimitar essa singularidade, em última análise.” (VEYNE, 2008, p.34).
Deste modo são evidenciados os processos de inclusão e exclusão discursiva, onde os
interditos são produtos de um sistema de relações de poder/saber na sociedade. Na famosa
conferência no Collège de France, em 1970, que originou o livro “A ordem do discurso”,
Foucault discute os variados procedimentos que regulam, controlam, selecionam e organizam
o que pode e o que não pode ser dito, instituindo atributos de verdade ou não. Os discursos
35
definem regimes de verdade que marcam fronteiras entre o verdadeiro e o seu contrário; podese pensar, então, que os discursos não descobrem verdades, eles as “inventam”. A “ordem do
discurso” assinala a idéia de que o discurso sempre se produziria em razão de relações de poder. Chartier, importante historiador da leitura, investiga a existência de uma “ordem dos livros” sem, no entanto, estabelecer um paralelo com “a ordem do discurso” de Foucault
(2006); trata-se de pensar a materialidade do impresso como fator constituinte de escolhas,
sentidos e apropriações. Pensando também nos “poderes” apontados por Foucault, nos voltamos para o pressuposto identificado por Chartier (2001) sobre a importância da materialidade
do suporte imbricada nas práticas pedagógicas que dele fazem uso, investindo na perspectiva
de que os livros, suportes de leitura que circulam na escola, não são artefatos isentos deste
campo de forças. Levando em conta tais aspectos e reforçando o que já foi dito, é que investimos
na teorização foucaultiana e na contribuição dos Estudos Culturais a partir de um olhar pósestruturalista, pensando as relações de poder inerentes à subjetividade, conforme colocado por Tomaz Tadeu da Silva:
[…] a subjetividade (isto é, aquilo que caracteriza o sujeito) não existe nunca fora dos processos sociais, sobretudo na ordem discursiva, que a produzem como tal. O sujeito não
“existe”: ele é aquilo que fazemos dele. Subjetividade e relações de poder não se opõem: a
subjetividade é um artefato, é uma criatura das relações de poder. (SILVA, 1998, p. 10)
Deste modo cultura e relações de poder possuem uma relação indissociável e “[...] derivam
dessas relações de poder a significação do que é relevante culturalmente para cada grupo.” (VEIGANETO, 2000, p.40); complementando esse pensamento o autor afirma: “[...] para os Estudos Culturais, não há sentido dizer que a espécie humana é uma espécie cultural sem dizer que a cultura e o
próprio processo de significá-la é um artefato social submetido a permanentes tensões e conflitos de
poder.” (VEIGA-NETO, 2000, p.40)
Com tais pressupostos, levando em conta a importância dada à materialidade dos artefatos
culturais, apresentamos a seguir as capas e dados gerais dos livros adotados pelos/as professores/as
com as sinopses coletadas nos sites das respectivas Editoras.
36
1.4 Sinopses, informações e capas das obras adotadas pelos/as professores/as21
Livro: Crianças na Escuridão
Autor: Julio Emilio Braz
Ilustrador: Odilon Moraes (capa)
Editora: Moderna:
Ano: 2003ISBN: 9788516079604
Formato: 13,8 x 20,8
Numero de páginas: 80
Sinopse: À porta de um supermercado, Rolinha é abandonada pela mãe. A menina tem
apenas seis anos e chora de medo. Andando
a esmo pelas ruas, encontra Doca, líder de
um grupo de meninas de rua que moram
num abrigo improvisado com papelão e
pedaços de madeira. Rolinha, assim como as
outras meninas, tem que dar duro para não
morrer de fome, catando lixo, mendigando
ou mesmo roubando. Bem que ela tenta
encontrar a mãe, mas descobre que é inútil:
sua mãe já tem nova família e não quer
saber dela. Sua única saída é conviver, bem
ou mal, com as meninas, cada uma com suas
histórias e seus dramas. Através delas,
conhece traficantes e outros criminosos e
sofre ou presencia violências de todo tipo.
Um dia rouba umas meias numa loja e
provoca, indiretamente, a morte de sua
protetora, Doca, que é baleada por policiais.
Nada mais lhe resta, a não ser continuar
andando sem rumo: “Eu vou indo, eu vou
vendo o que posso fazer para continuar
viva”. 22:
21
Optamos por coletar as sinopses/resumos das obras nos sites das respectivas Editoras, sem qualquer alteração
ou acréscimo de conteúdo.
22
Disponível
em:<http://www.modernaliteratura.com.br/main.jsp?lumPageId=4028818B30410B7A01304BB1FE4E5C7C&ite
mId=8A7A83CB30959F1D013098FF2BBF5C30#> Acesso em 23/08/2011
37
Livro: Adolescente: um bate-papo sobre sexo
Autor: Marcos Ribeiro
Ilustrador: Jose Carlos de Brito e Vagner Coelho
Editora: Moderna
Ano: 2008
ISBN: 9788516059712
Formato: 16,00 X 23,00
Número de páginas: 120
Sinopse: Marcos Ribeiro conseguiu, de
uma vez por todas, acabar com as dúvidas
que afligem adolescentes, pais e
professores: sexo, menstruação, doenças
sexualmente transmissíveis, sexo seguro,
masturbação, gravidez, homossexualidade,
primeira vez, relações de gênero e muito
mais. Este livro é um manual inédito que
revela, para todos os tipos de leitores, as
regras entre ficantes, rolos e namorados,
além de abordar com muita sensibilidade
toda a travessia da adolescência. Uma
característica importante de Adolescente:
um bate-papo sobre sexo é a relação que ele
estabelece entre as ciências biológicas, a
antropologia e a psicologia, mostrando que
a sexualidade não é tema apenas para a tradicional aula de ciências, mas que pode e
deve ser debatido na sua interface com os
diferentes significados culturais que ele
implica. Como não bastasse, o livro traz
informação sobre a sexualidade em outras
culturas, informações sobre campanhas,
curiosidades e “dicas de conversa” para
facilitar a conversa com os pais, amigos e o
trabalho na escola com o professor. Rico
em ilustrações e com uma linguagem leve,
direta, didática e coloquial, o livro não deixa o leitor sem resposta. Na verdade, o objetivo é
repensar alguns conceitos, construir novas ideias e compreender que o saber (a informação) é
um dos principais caminhos para construir a liberdade de pensar. Mesmo porque, conhecer é
uma forma de se proteger melhor, optar pelas escolhas com mais tranquilidade e ter mais segurança para dizer sim ou não, com mais consciência do que se está fazendo. 23
23
Sinopse disponível em:
http://www.modernaliteratura.com.br/main.jsp?lumPageId=4028818B30410B7A01304BB1FE4E5C7C&itemId
=8A7A83CB30959F1D0130AD83F52A6210 > consulta em 13/10/2012
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Livro: Anjos no Aquário
Autor: Julio Emílio Braz
Ilustradora: Andréa Ramos
Editora: Atual
Ano: 2011(20ª Edição)
ISBN: 9788535703078
Formato: 16,00 X 23,00
Número de páginas: 80
Sinopse: Aos 16 anos, Tina descobre que
está grávida. O namoro acabou, os pais estão em crise no casamento, as amigas sumiram. Ela não sabe a quem recorrer, mas
precisa tomar uma decisão. Ter ou não o
filho? Nas páginas de seu diário, Tina
conversa consigo mesma. Revela as
dúvidas, os medos, as decepções, os
mesmos sentimentos de tantas adolescentes
que engravidam cedo demais. 24
24
Sinopse retirada de: http://www.editorasaraiva.com.br/obrasDetalhes.aspx?arg=720651, em 13/10/2012
39
Livro: Sexo: a hora é agora ?
Autor: Fernanda Wendel
Ilustrador: Rogério Coelho
Editora: Ática
Ano: 2007(1ª Edição)
ISBN: 9788508108619
Formato: 15 x 22
Número de páginas: 120
Sinopse: O livro, que mistura ficção e informação,
conta, numa linguagem adequada à faixa etária, a
história de quatro jovens que estão descobrindo a
sexualidade em ritmos e situações diferentes. 25
25
Disponível em: http://www.atica.com.br/SitePages/Obra.aspx?cdObra=2876&Exec=1> em :13/10/2012
40
Livro: Ceci tem pipi?
Autor: Thierry Lenain
Ilustradora: Delphine Durand
Editora: Companhia das Letrinhas
Ano: 2004
ISBN: 9788574062037
Formato: 15.50 x 21.00 cm
Número de páginas: 32
Sinopse: No começo, era tudo muito simples para Max:
havia o pessoal Com-pipi e o pessoal Sem-pipi. Era assim
desde que o mundo era mundo. Os primeiros eram mais
fortes, claro, pois tinham pipi. E Max, que tinha pipi, estava muito contente por ser um cara Com-pipi. Azar das
meninas, não era culpa dele que elas não tinham "uma certa coisa".Um belo dia na escola, porém, uma garotinha
chamada Ceci vai para a turma de Max. Como ela é uma
Sem-pipi, Max não dá muita bola para Ceci. Ela que vá
brincar de boneca ou desenhar florzinhas, ele pensa. Mas
aos poucos a menina vai deixando Max intrigado: Ceci
desenha um mamute, joga bola e tem uma bicicleta de garoto. Será que Ceci é diferente porque tem pipi? Max decide investigar. Ceci tem pipi? é uma historinha divertida
sobre a descoberta das diferenças e das semelhanças entre
meninos e meninas, com ilustrações coloridas e bemhumoradas.26
26
Disponível em :< http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=40306>em 09/11/2012
41
Livro: Mamãe botou um ovo!
Autor: Babette Cole
Ilustradora: Babette Cole
Editora: Ática
Ano: 2006 (7ª Edição)
ISBN: 9788508047567
Formato: 25,5 x 25
Número de páginas: 36
Sinopse: Papai e mamãe decidiram contar aos filhos
como são feitos os bebês. E inventaram um monte de
besteiras, sem saber que as crianças já sabiam de toda
a verdade. 27
Com os pressupostos de Foucault e Chartier nos detivemos em observar os desdobramentos do uso de tais livros; ao perceber os significados que neles são objetivados , tais objetos culturais se inserem em condições de possibilidade e existência. É na existência/inexistência de tais discursos que detivemos nosso olhar, para perceber como determinadas concepções e práticas no uso dos livros e na abordagem da sexualidade são viabilizadas
na escola e francamente adotadas e não outras; mais especificamente e tomando as palavras
de Louro por empréstimo, tratar-se-ia de: “[...] tentar demonstrar, pela análise e pela desconstrução, como nessas instâncias poder e resistência se exercitam, como as dicotomias e oposições são fabricadas.” (LOURO, 2007, p.216).
27
Disponível em: < http://www.atica.com.br/SitePages/Obra.aspx?cdObra=3738&Exec=1 >em 9/11/2012
42
CAPÍTULO 2
.LITERATURA NA ESCOLA: MUITO MAIS QUE TEMAS TRANSVERSAIS
Quando Ellsworth (2001, p.11) indaga logo na abertura de seu artigo: “quem este
filme pensa que você é?” e assim discute a noção de “modos de endereçamento” na teoria
cinematográfica, com a preocupação inicial de compreender as relações estabelecidas entre “o
texto” de um filme e a experiência de seus espectadores, imaginamos o mesmo movimento na
relação livro e leitor, ao que autora acrescenta: “Os filmes, assim como as cartas, os livros, os
comerciais de televisão, são feitos para alguém.”(ELLSWORTH, 2001, p.13).
Assim, ao pensarmos na literatura que circula na escola é inevitável deixar de tocar no
possível estabelecimento do leitor na escola enquanto “destinatário”; as transformações no
âmbito escolar no uso dos livros acabam por “[...] criar uma distinção entre duas grandes
funções a serem preenchidas pelos livros, que se concretizará, aos poucos, na criação de dois
tipos de livros escolares: o livro didático e o paradidático ou de literatura infantil” (BATISTA
et al., 2002, p. 44). As peculiaridades nas atribuições e nos usos desses livros é que iriam
imprimir a configuração peculiar a cada um.
Tanto na esfera literária quanto no campo cinematográfico surge a discussão do
possivel governo das significações das obras. No que diz respeito à História da Leitura,
Chartier (1999) nos faz atentar para este movimento contraditório entre texto/autor/leitor:
Por um lado, cada leitor é confrontado por todo um conjunto de constrangimentos e
regras. O autor, o livreiro-editor, o comentador, o censor, todos pensam em
controlar mais de perto a produção do sentido, fazendo com que os textos escritos,
publicados, glosados ou autorizados por eles sejam compreendidos, sem qualquer
variação possível, à luz de sua vontade prescritiva. Por outro lado, a leitura é, por
definição, rebelde e vadia. Os artifícios de que lançam mão os leitores para ler nas
entrelinhas, e subverter as lições impostas são infinitos (CHARTIER (1999, p. 7)
Com os pressupostos de Chartier (1997, 2001), podemos observar que a
“interdependência fundadora” entre texto e leitor recebe uma liberdade que não é arbitrária,
na perspectiva de que os códigos e convenções que norteiam as práticas de uma comunidade
de leitores acabam por limitar essa associação, como também as formas discursivas e
materiais dos textos lidos. Imbricadas nestes aspectos estão as representações presentes nos
textos e imagens dos livros, que perpassam sentidos antes mesmo que a obra em si seja lida.
Os livros, sejam eles didáticos ou paradidáticos, estão presentes no quotidiano escolar
e no bojo destas questões é imprescindível situar que “a materialidade do suporte passa a ser
43
inalienável do espírito das representações a que seus usos deram margem”, como nos diz
Chartier (2001, p. 11).
Dentro deste contexto, os estudos de Soares (2003) e Paulino (1997) nos posicionam
acerca do “pacto” instituído entre escola e literatura, “escolarizando” a produção literária,
nomeando o destinatário, seja este o jovem, a criança ou o professor, mediador deste bem
cultural. Neste sentido, em primeiro lugar, devemos levar em conta que professores/as não são
leitores/as comuns, pois se apresentam em vários papéis: o primeiro nas suas leituras pessoais,
em caráter informal; depois, no decorrer das suas trajetórias de formação, quando ingressam
no magistério e passam a selecionar e a legitimar as leituras de seus alunos, estabelecendo
para si e para eles “cânones” de leitura(s) (TARDELLI, 2003) e apropriação das mesmas.
Com este referencial, como ressaltado em Silva, Siqueira e Lacerda (2010)
28
percebemos
claramente que há um distanciamento entre os ensinamentos escolares e seus textos “lícitos” e
as leituras “selvagens“, como denomina Chartier (1997); ao se referir às leituras juvenis de
textos que eventualmente possuem fraca legitimidade cultural e não são consideradas pelo
cânone escolar, o autor sugere que : “[...] é preciso utilizar aquilo que a norma escolar rejeita
como um suporte e dar acesso à leitura na sua plenitude [...]”(CHARTIER, 1997, p.104),
assim podemos pensar que .o domínio literário ainda é particularmente propício a investigações e, na pluralidade de artefatos textuais, buscam-se os contextos de leituras e práticas, e o
modo pelo qual repercutem na construção de sentidos.
Zilberman discute a prioridade das motivações educativas sobre as literárias, durante o
século XVII, na produção de textos para jovens: “O que chamamos de literatura juvenil ‘específica’, isto é, os textos escritos exclusivamente para crianças, têm sua origem primariamente
não em motivos literários, mas pedagógicos” (BAUMGÄRTER apud ZILBERMAN, 1981, p.
130). Com a expansão do mercado editorial, a ampliação da rede escolar e o crescimento das
camadas alfabetizadas, acelera-se o processo civilizatório, e “[...] o ler transformou-se em
instrumento de Ilustração e sinal de civilidade” (LAJOLO e ZILBERMAN, 1999, p. 138).
Nesta encruzilhada, entre a demanda político institucional e os protocolos e leitura oriundos da clientela, os/as docentes fazem, muitas vezes, opções que se caracterizam pela ação meramente “pedagógica”, ao que Sefton e Martins assinalam:
[...] houve um notável crescimento do mercado consumidor infanto-juvenil, uma
vez que as histórias literárias passaram a ser vistas em seu potencial pedagógico.
Com um status maior, as editoras de livros infanto-juvenis criaram estratégias ou28
SILVA, A.C, SIQUEIRA, V.H.F. e LACERDA, N.G. Literatura e Sexualidade: visibilidades e silenciamentos nas apropriações docentes. Revista Educação e Realidade. Porto Alegre, Volume 35, Número
1.Janeiro/Abril, 2010. Disponível em :< http://www.ufrgs.br/edu_realidade/> .Acesso em :09 ago.2010
44
sadas para vender, investindo em catálogos caprichados, jogos agressivos de marketing junto aos professores e, mesmo, campanhas de lançamento de livros. Tais
estratégias atraem olhares de todos os envolvidos no processo educativo, principalmente das instituições escolares, já que as mesmas revelam-se como grandes
consumidoras (grifo das autoras). (SEFTON, MARTINS, 2004, p. 279 apud
KLEIN, 2010, p.185)
Sem querer estabelecer uma perspectiva causal entre mercado e escola, podemos pensar que tal relação constitui um campo de eterna tensão que repercute no currículo e ensino
escolares. Assim, seria simplista perceber este movimento de maneira polarizada; muito mais
interessante seria pensar a natureza relacional do poder e em como tais pressupostos são oriundos de um modo de pensar a Educação, ou de um modo de conceber a pratica educacional
que se insere na perspectiva de pensar o ser humano como:
[...] sujeito da própria história, capaz de transformar o mundo a partir da tomada de
consciência, reúne essas duas concepções: tudo se passaria como se, percebendo a
dominação, a força do outro, o sujeito pudesse lutar e chegar, talvez um dia, à condição paradisíaca (e originária) de sujeito uno, pleno de poder. (FISCHER, 2001,
p.207)
Este sujeito uno, herança da concepção de sujeito da modernidade, se depara com o
descentramento do sujeito pós-moderno, uma perspectiva que está muito mais preocupada em
pensá-lo a partir de suas práticas discursivas. Discurso e sujeito estariam assim interligados
em processos de constituição e reconhecimento através de mecanismos de saber/poder presentes nos discursos enunciados na literatura utilizada na escola ou no currículo que viabiliza a
sua utilização. Como um mecanismo que se retroalimenta, essas ações adquirem visibilidade
nas práticas que investem em dar voz aos saberes originalmente “excluídos” da pauta escolar;
desta forma, tomando a perspectiva foucaultiana:
[...] tudo está imerso em relações de poder e saber, que se implicam mutuamente,
ou seja, enunciados e visibilidades, textos e instituições, falar e ver constituem práticas sociais por definição permanentemente presas, amarradas às relações de poder, que as supõem e as atualizam. (FISCHER, 2001, p.200)
Assim a necessidade pedagógica de trazer à baila a subjetividade daqueles que estão
nos bancos escolares para direcionar as ações pedagógicas revela uma preocupação que não é
nova e nos lembra novamente que não existe uma exterioridade ao poder, pois as praticas educacionais também são elementos de disputa na arena buscando espaço de significação e
“[...] nesse sentido, os textos culturais são o próprio local onde o significado é negociado e
fixado.” (COSTA et al., 2003, p.38). Como fruto de tais tensões os discursos evidenciam os
45
saberes que neste momento estão no foco de disputa, ou: “[...] em outras palavras, não se trata
de pura e simplesmente destacar que os grupos que estão em posição hierarquicamente superior em uma relação de poder definem o que deve ser ensinado, o que de fato ocorre, mas se
trata de considerar a produtividade do poder, para além do binarismo dominadores e dominados.” (COSTA et al., 2003, p.58).
Avançando nesta perspectiva, Abramowicz e Rodrigues, assinalam que:
A partir da década de 1990, a referência à diversidade passou a ser cada vez mais
presente no contexto político brasileiro, motivada pela pressão internacional de
cumprimento dos acordos internacionais de combate às desigualdades raciais, de
gênero e outras, bem como por um contexto interno de intensas reivindicações.
(ABRAMOWICZ; RODRIGUES, 2013, p.25)
As autoras analisam a maneira pela qual os conceitos de diferença e diversidade têm
sido utilizados no debate contemporâneo brasileiro em educação e nas políticas públicas da
área, e com este empreendimento percebem o avanço da temática “diversidade”29 na agenda
pública, mas apontam que seria necessário um deslocamento do campo da retórica para o
campo da prática visando efetuação das intenções. Este investimento repercute na esfera escolar, tendo em vista que muitas vezes o/a docente procura determinado livro para seu trabalho
em sala de aula, tendo como estopim a demanda do currículo, seja ela explícita ou implícita,
como no caso da incorporação dos Temas Transversais. Currículo. e escola são entrelaçados
por movimentos diversos que deixam transparecer as marcas de significação que lhes são próprias, apontando lugares, valores, produzindo efeitos e apontando determinada ação pedagógica. Silva (2003) alega que as políticas curriculares constroem “um léxico próprio”, estabelecendo um mecanismo de instituição e constituição do “real” que supostamente lhe serve de
referente.
O currículo escolar, portanto, é central na construção das hierarquias e não é um dispositivo neutro com eixo apenas na transmissão de conhecimentos (concebidos como fatos,
como informação). Com esta perspectiva, Zucchetti, Klein e Sabat (2007), analisam o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileiras e Africanas. Argumentam que
estes documentos, que compõem as políticas públicas nacionais “[...] em conjunto, dão visibilidade a uma ordem do discurso sobre a inclusão social em nosso País na contemporaneidade”
29
As autoras discutem os usos e diferenciações do tema “identidade e diferença” em: ABRAMOWICZ, Anete;
RODRIGUES, Tatiane Cosentino; CRUZ, Ana Cristina Juvenal da. A diferença e a diversidade na educação.
Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, São Carlos, v. 2, p. 85-97, 2011.
46
(ZUCCHETTI; KLEIN;SABAT, 2007, p. 78). Com esta análise podemos perceber que sujeitos e discursos recebem a interferência das políticas analisadas, podendo ser constituídos por
elas, e assim as autoras apontam que:
[...] a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), um número
significativo de documentos foi elaborado no sentido de atender às prerrogativas da
inclusão e do respeito à diversidade. Exemplo disso são os Parâmetros Curriculares
Nacionais-PCNs, estabelecidos pelo Governo Federal através do Ministério da Educação, desde 1999, trazendo para o âmbito escolar discussões em torno de temáticas como pluralidade cultural, ética e sexualidade, sob a forma de Temas Transversais. Cabe ressaltar, também, a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente que, entre outras prerrogativas, dá amparo legal aos projetos socioeducativos a partir de uma proposta de diálogo entre os processos de ensino-aprendizagem
(políticas educacionais) e as ações de proteção (políticas de assistência social), visando à inclusão social de crianças e adolescentes considerados em situação de vulnerabilidade social. Assim, questões ligadas à diversidade como raça, gênero, necessidades educacionais especiais e geração, entre outras, ganharam visibilidade
nos currículos escolares e nas Políticas Públicas. (ZUCCHETTI; KLEIN; SABAT,
2007, p. 76).
A legislação apontada constrói processos de legitimação nas esferas que nela se amparam. No que diz respeito ao currículo, Silva (2003) evidencia a relação entre as práticas de
significação e as praticas produtivas, e neste caminho Zucchetti, Klein e Sabat mais uma vez
assinalam:
Enquanto materialidade discursiva, esses documentos das políticas públicas não só
dão encaminhamentos às garantias de direitos dos indivíduos e grupos pelos quais
se organizam, como também [...] constituem os saberes e as práticas dos docentes
envolvidos na educação nos espaços escolares e não- escolares. (ZUCCHETTI;
KLEIN; SABAT, 2007, p.85)
Neste sentido, se inserem os Parâmetros Curriculares Nacionais quando colocam a sexualidade como tema transversal, a ser trabalhado ao longo de todos os ciclos de escolarização,
cabendo às instituições escolares discuti-la de uma forma mais ampla, em todas as disciplinas.
A inserção da temática nos PCNs é justificada em virtude do crescimento de casos de gravidez indesejada entre adolescentes e do risco da contaminação pelo HIV. A partir deste panorama, o currículo das escolas brasileiras também passou a ser pensado de modo a contemplar
as estratégias de prevenção, principalmente direcionada aos jovens.
O primeiro adolescente moderno típico foi Siegfried, personagem de Wagner, em “O
Anel de Nibelungo” (1874 / Alemanha), conta-nos Ariès (1981), em cuja constituição a música exprimiu a mistura de pureza (provisória), de força física, de naturismo, de espontaneidade,
fazendo com que o adolescente surgisse como o herói do século XX, considerado assim, como o século da adolescência: “Tem-se a impressão, portanto, de que, a cada época correspon-
47
deriam uma idade privilegiada e uma periodização particular da vida humana: a ‘juventude’ é
a idade privilegiada do século XVII, a ‘infância’ do século XIX, e a ‘adolescência’ do século
XX”. (ARIÈS, 1981, p.16).
Nesta perspectiva, Ariès revela a necessidade de um olhar mais crítico e relacional, levando-se em conta que a preocupação com cada recorte etário tem a concorrência de influências variadas. O pesquisador nos mostra que a diferenciação da infância, enquanto faixa etária
e estrato social, distanciou a criança do mundo adulto e da realidade, como quando relata a
adequação da massa escolar ao perfil das categorias por idades, na constituição das classes
escolares: “Essa distinção das classes indicava portanto uma conscientização da particularidade da infância e da juventude, e do sentimento de que no interior dessa infância e dessa juventude existiam várias categorias.” (ARIÈS, 1981, p.112)
O estudo de Ariès sobre a história social da criança e da família aponta para a constatação da ausência do sentido de “infância”, tal como um estágio específico do desenvolvimento
do ser humano, até o fim da Idade Média, descortinando possibilidades para interpretação das
chamadas “sociedades tradicionais” ocidentais. Ao mesmo tempo, indica que este mesmo
processo de definição da infância como um período distinto da vida adulta também aponta
para uma análise do novo lugar assumido pela criança e pela família na sociedade moderna.
Analisando a formação do conceito de adolescente no discurso psicopedagógico, César
(2008) lança mão de variadas fontes para compor o que seria considerado a trajetória de um
recorte etário muito peculiar e específico. Na tentativa de mapear a constituição deste perfil, a
autora assinala que a constituição da adolescência enquanto objeto do discurso científico, tem
na medicina e na biologia, enquanto saberes verdadeiros sobre a natureza, o amparo necessário. No entanto, a autora adverte que: “[...]’esta’ adolescência dá sinais de sua própria morte a
partir do instante em que as instituições que a produziram e reproduziram, a escola e a família, entram em sua fase de agonia e desestabilização [...]”(CESÁR, 2008, p.16). Tomando o
emblemático filme “Kids30” como marco deste deslocamento, Cesár (2008) nos leva a refletir
sobre as transformações da “adolescência” enquanto rol de características e problemas, avançando para outras possibilidades de viver e se relacionar, desestabilizando os modelos estáticos de família, infância, adolescência e maturidade e “[...] estabelecendo um jogo de separar,
30
Filme Kids (1995). Nova York serve de cenário para mostrar o conturbado mundo dos adolescentes, que indiscriminadamente consomem drogas e quase nunca praticam sexo seguro. Um garoto, que deseja só transar com
virgens, e uma jovem, que só teve um parceiro, mas é HIV soropositivo, servem de base para tramas paralelas
[...].
Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-13283/>, Aceso em: 26/01/2013
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juntar, reorganizar e inventar novas formas de inserção no mundo em que, de alguma maneira,
estourem o claustro em que fomos abandonados”. (CÉSAR, 2008, p.158)
Como desdobramento destas reflexões buscamos aprofundar o entendimento da literatura e da sexualidade como sistemas inter-relacionados presentes no cotidiano escolar. Um primeiro passo foi, com os pressupostos de Ariès e de César, deslocar os marcos de identificação
etária e com esta idéia considerar que:
O uso da literatura para expressar a idealização de certa etapa de vida, ou transmissão de idéias para a formação de determinado tipo de sujeito, continua vigente. Só o
que mudou foi o modo de fazê-lo e os conteúdos a serem transmitidos. Portanto,
embora uma gama variada de assuntos faça parte, hoje, da produção literária, ou
daquela que assim se pretende, apenas em tese deixou de existir circunscrição temática para o público infantil. Pois, se foi repelido o pedagogismo a moda antiga, bem
menos fácil é conseguir escapar das nossas idealizações do que seja infância, assim
como do viés do que se passou a chamar de “politicamente correto”.
(CADEMARTORI, 2009, p.48)
O enfoque ao recorte etário designado de “literatura infantil” não desaloja a argumentação, pois se a adequação aos livros, de uso escolar ou não, está sob a tutela do adulto, será sua
perspectiva que prevalecerá independente da esfera em que se encontre. Cecília Meireles,
escritora e poeta, em “Problemas da Literatura Infantil”, já havia postulado: “Nem há de temer o livro impróprio senão quando se apresenta como um potencial arrasador, difundido com
veemência, e tão ajustado à época que produz como se fosse o seu evangelho.” (MEIRELES,
1979, p. 28). Meireles nos faz pensar sob quais perspectivas seríamos levados em determinado momento histórico a acreditar em uma verdade que seja admitida e conclamada por todos.
Uma abordagem pedagógica de inspiração foucaultiana, por exemplo, pode argumentar sobre
a historicidade dos conhecimentos educacionais para além da conformação pedagógica, possibilitando reflexões sobre os mecanismos disciplinares e as tecnologias de poder/saber.
2.1 Leituras escolares e seu(s) destinatário(s): como pensar em uma “literatura sem adjetivos”31?
Desalojar conceitos e objetos possivelmente é um dos grandes desafios pedagógicos
da atualidade, sobretudo quando nos deparamos com um cenário repleto de demandas e indagações. O conceito de juventude é um desses desafios, pois se Ariès (1981) nos auxilia a repensar categorias como infância e juventude, nos jornais, no cinema ou na literatura que são
31
Expressão usada por Lajolo (1988), em artigo citado a seguir.
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incorporados na escola temos a percepção, como nos diz César (2008), de que estamos lidando com “novas infâncias’ e “novas juventudes”. Mas, será? Larrosa nos faz pensar :
A infância é algo que nossos saberes, nossas práticas e nossas instituições já capturaram: algo que podemos explicar e nomear, algo sobre o qual podemos intervir,
algo que podemos acolher. A infância, desse ponto de vista, não é outra coisa senão
o objeto de estudo de um conjunto de ações mais ou menos tecnicamente controladas e eficazes, ou a usuária de um conjunto de instituições mais ou menos adaptadas às suas necessidades, às suas características ou às suas demandas. Nós sabemos
o que são as crianças, ou tentamos saber, e procuramos falar uma língua que as crianças possam entender quanto tratamos com elas, nos lugares que organizamos para abrigá-las. (LARROSA, 2004, p. 184).
Infância e juventude são objetos de conhecimento, mas como tal também podem ser
pensados em sua alteridade: “[...] a infância entendida como um outro, não é o que já sabemos, mas tampouco é o que ainda não sabemos. O que é ainda é desconhecido justifica o poder do conhecimento e inquieta completamente sua segurança.”, completa o autor.
(LARROSA, 2004, p. 184) (grifos do autor). Esta “outra infância”, exposta por Larrosa vem
ao encontro também da constituição de uma juventude como população específica, em que
modos de conduzir se fazem presentes no arsenal de posturas, pensamentos, modos de dizer
sobre um público que captura muitos olhares interessados, ou como nos diz Fischer
Adolescentes, jovens, jovens, adolescência, juventude, geração teen, estudantes,
ninfetas, consumidores jovens, geração shopping center, geração “ficar com”, teenagers, entre tantas palavras e expressões povoam os textos da mídia e passam a ser
usados sem qualquer rigor quanto ao critério de idade, embora obviamente haja
uma total diferença entre uma menina de 12 anos e uma de 23. Aliás, as palavras
menina e menino, curiosamente, já não denominam só as crianças e podem ser aplicadas a um adolescente de 18 ou uma garota de 20 anos, sem problemas. Tudo se
passa como se a infância – sobre a qual tantos poderes e saberes se debruçam durante tanto tempo, desde o século XVIII – agora estivesse em franco desaparecimento, para dar lugar ao alargamento cada vez maior de uma nova faixa etária, colocada em foco principalmente pelas luzes do mercado. (FISCHER, 1996, p.27):
Tais denominações e preocupações indicam modos hegemônicos de pensar as constituições etárias; nos produtos midiáticos, bem como nos artefatos culturais/ pedagógicos de
que a instituição escolar se apropria, podemos perceber que são enunciadas infâncias e juventudes que, se não podemos dizer que seriam “inventadas”, constituem-se em “outras”, assim:
Assumir a noção de infância como uma construção histórica tem seu preço: o troco
dele é perceber que a noção de criança que, para todos os efeitos práticos, têm os
educadores de cada época, tem tanto ou nada a ver com pimpolhos de carne e osso
quanto os raios de sol têm a ver com as formulações dos físicos sobre a luz: importa
que ambas funcionem, isto é, produzam os resultados esperados quando transformadas em premissas. Como funcionaram, cada uma a seu tempo, as imagens de
criança que a literatura infantil brasileira assumiu e pôs em circulação ao longo de
sua constituição enquanto sistema. (LAJOLO, 1988, .p.33)
50
Como pensar então tais aspectos visando à literatura escolar para discutir questões voltadas à sexualidade? Podemos observar o uso de textos híbridos, por vezes literários e informativos, percorrendo as mãos dos/as estudantes; assim, se a preocupação precípua é ensinar,
fazer uso de diversos textos, num mosaico de escolhas, evidencia por vezes aspectos da apropriação da leitura/literatura em contornos “estritamente pedagógicos”. Neste ponto, as demandas deste fazer, enfatizado nas práticas, tomam para si o lugar principal dos ditames didáticos, sem se deslocar para o terreno em que as discussões de uma “literatura sem adjetivos”
poderiam oferecer. Lajolo (1988) nos instiga a pensar em outra direção quando relativiza o(s)
destinatário(s) a cada categoria:
Tanto a criança à qual se destina a literatura infantil é uma construção, quanto o jovem ao qual se destina a literatura juvenil é outra construção, igualmente social. E,
como construção social resultante, tanto o infantil de uma quanto o juvenil de outra
são conceitos móveis: o que é literatura infantil, para um determinado contexto, pode ser juvenil para outro, e vice-versa, infinitamente, incluindo-se, na espiral, também a literatura sem adjetivos. .(LAJOLO, 1988, p.33)(grifo nosso)
Por esta via e desestabilizando possíveis certezas, nos aproximamos dos pressupostos
dos Estudos Culturais na perspectiva de contemplar textos e imagens das histórias infantojuvenis como artefatos culturais que se inserem nos espaços escolares, estabelecendo relações
entre os diferentes sujeitos da educação e nesta perspectiva, o texto: “[...] é apenas um meio
no Estudo Cultural; estritamente um material bruto a partir do qual certas formas (por exemplo, da narrativa, da problemática ideológica, do modo de endereçamento, da posição do sujeito, etc.) podem ser abstraídas.” (SILVA, 2004, p. 75). Assim, na historicidade sobre as práticas de leitura e seus significados, devemos levar em conta as relações sociais e as redes de
poder e saber, em que tanto os indivíduos quanto os bens simbólicos estão envolvidos por
inúmeros dispositivos, produzindo marcas que confirmam e produzem as diferenças e as hierarquias.
A literatura escolar está totalmente imbricada nessas diferenças e hierarquias, ao que
Lacerda (2012, p. 6) indaga-nos: “Matéria de escola, a literatura?” A autora evidencia entre
tantas outras questões, sobre o trato que a escola oferece a literatura, que acaba por transformar o encontro entre os leitores experientes - sejam docentes, ou não - e os ainda em formação, muitas vezes em “[...] leis escolares ou leis do mercado - todo um controle contrário ao
que exige a recepção individual.”. Tomando por pressuposto que a literatura é insubstituível,
pois é arte, e como tal “[...] não conforma, nem confirma. Problematiza, causa perplexidade.”,
51
e dentre tantas coisas, oferece oportunidade de contato com “o mal-estar”, um desencadeador
de subjetividades, seria elemento importante na escola, uma vez que:
Como lugar de crianças, a escola não ensina o mal-estar, ou seja, não o reconhece
como parte da condição humana. Discuti-lo não faz parte do currículo. Discutem-se
as drogas e apresentam-se receitas para evitá-las, mas não se discutem as causas
que levam tantos a se envolverem com elas, tampouco se considera nessa discussão
o papel que tem o desejo. [...] não obstante, a literatura é um dos melhores espaços
para discutir o mal-estar. (LACERDA, 2012, p.7).
Investindo na tensão entre o estatuto literário e o pedagógico, Larrosa argumenta sobre
a conotação negativa do termo “pedagógico” no campo literário e a “[...] insistência da literatura em afirmar obstinadamente sua independência de qualquer lei que lhe seja exterior [...]”
(LARROSA, 2004, p. 125). O autor assinala sobre a impossibilidade em estabelecer um “logos pedagógico dogmático” para o texto literário, pois: “O discurso pedagógico dogmático,
aquele que se apropria do texto para a demonstração de uma tese ou a imposição de uma regra
de ação, deve assegurar a univocidade do sentido e, para isso, deve programar de alguma maneira a atividade do leitor.” (LARROSA, 2004, p. 130). Com esta perspectiva e situando a
impossível subordinação do texto literário, Larrosa constata ser função da literatura “[...] violentar e questionar a linguagem trivial e fossilizada, violentando o questionamento, ao mesmo
tempo, as convenções que nos dão o mundo como algo pensado e já dito, como algo evidente,
como algo que se impõe sem reflexão.” (LARROSA, 2004, p. 126).
O grande investimento do autor seria em discutir perspectivas que privilegiassem a seleção de textos, por sua pluralidade de sentidos e significações ou por uma reformulação em
um contexto eminentemente pedagógico. Assim, tomando o exemplo da novela, ele nos situa,
indicando que:
[...] se considerarmos ‘ensinamento’ qualquer afirmação geral sobre a experiência
humana, à qual a obra possa dar lugar, ou qualquer influência que a obra possa exercer sobre o leitor, toda novela poderia ser pedagógica, sem prejuízo de suas dimensões. E, seguindo essa via, poderíamos chegar à conclusão de que o caráter pedagógico de uma novela é efeito de leitura, dado que todo relato, toda ficção, podese ler a partir do pressuposto de que convém um ensinamento, ainda que o ensinamento que supostamente se derive de sua leitura não esgote todas as dimensões da
obra.[...] a ‘literariedade’ não é uma qualidade presente em alguns textos e ausente
em outros, mas é uma qualidade que se pode reivindicar acerca de qualquer objeto
de escrita. (LARROSA, 2004, p. 129)
52
2.2. Paradidáticos: uma história para pensar os conteúdos da escola
Com as questões propostas por Larrosa, retomamos nosso olhar às leituras escolares,
na possibilidade de vislumbrar a escola, enquanto espaço de práticas pedagógicas que viabilizam a ação de mecanismos que criam e recriam formas diversas de relações de poder, naturalizando lugares e posicionamentos. A educação que tem em sua gênese preocupações moralizantes encontra nos dispositivos pedagógicos investimento nesta demanda e a literatura usada
pela escola não poderia desobrigar-se desse mérito. Ao estabelecer esta reflexão levando em
conta os elementos da cultura, Costa et al. observam:
Um noticiário de televisão, as imagens, gráficos etc. de um livro didático ou as músicas de um grupo de rock, por exemplo, não são apenas manifestações culturais.
Eles são artefatos produtivos, são práticas de representação inventam sentidos que
circulam e operam nas arenas culturais onde o significado é negociado e as hierarquias são estabelecidas. (COSTA et al, 2003, p.38)
Assim, os objetos culturais inserem-se em um contexto amplo de posições ocupadas, em
que poder e reconhecimento são sempre negociados. Kirchof apresenta um panorama sobre a
inserção da temática da diferença na literatura destinada a crianças e jovens a partir dos anos
60 do século XX, quando analisa livros infantis que se detém sobre a temática e neste investimento relata:
No Brasil, em parte devido a essa tendência internacional no campo da crítica da literatura infantil e, em parte, devido às várias políticas de inclusão adotadas pelos
governos federais e estaduais dos últimos anos, percebe-se uma nítida proliferação
de obras destinadas ao público infanto-juvenil cuja principal temática está diretamente ligada à questão da diferença, com a presença de temas como a velhice, a infância pobre, vários tipos de deficiência física e mental, questões de raça e de gênero, entre outros. (KIRCHOF, 2008, p.61)
O autor sustenta que a crítica literária britânica e norte-americana a partir dos anos
60/70 do século XX, apontam para as representações hegemônicas presentes nos livros infantis e “[...] também procuraram denunciar o fato de que a maior parte dos livros infantis, até
então, representava grupos minoritários de forma estereotipada” (KIRCHOF, 2008, p.61). O
movimento iniciado fora do Brasil alavanca as mudanças em nossas terras, mas na análise do
autor a consequência não é das melhores, pois: “[...] a grande maioria dessas narrativas ainda
é tributária de uma tradição histórica do campo da literatura infantil, a saber, seu caráter predominantemente moralizador e pedagogizante.” E como um efeito colateral: “[...] atualmente,
numa inversão surpreendente, ela [a literatura] parece estar ensinando, de modo francamente
53
monológico, a política do multiculturalismo e do respeito às diferenças.” (KIRCHOF, 2008,
p.62).
Coincidência ou não, o fato é que no Brasil seria justamente nesta época que os livros
com recorte temático surgiram e também a sua denominação: “[...] é só na década de 1970
que surge a nova denominação para este tipo de livro e, conseqüentemente, os primeiros livros paradidáticos [...]” (MELO, 2004, p.15). O endosso dos pesquisadores da área faz coro
com a observação de Munakata (1997) quando adverte que a nomenclatura de “livro paradidático” “[...] é um termo tipicamente brasileiro, mas agregando características parecidas com
outras obras publicadas em outros países [...]”. (MUNAKATA, 1997, p.102). Ao que Melo
acrescenta:
Se o termo pode ser uma construção editorial recente, segundo os pesquisadores
neste campo de investigação, porém livros de leitura contando narrativas ficcionais
com o objetivo de ensinar conteúdos curriculares não o são, na história do livro para leitura das crianças na escola. (MELO, 2006, p. 119)
Melo (2006, p. 120), no entanto, acrescenta outro aspecto tomando por referência a
pesquisa de Dalcin (2002), que aponta alguns precursores dos chamados livros paradidáticos de Matemática como: “[...] as obras Aritmética da Emília, de Monteiro Lobato, e alguns livros de Malba Tahan, principalmente o livro O homem que calculava [...]”, por suas
características e usos. No entanto, Melo (2006) assegura que seria somente na década de
1970 que a denominação “livros paradidáticos”, criada pelos próprios editores, seria incorporada a este tipo de livro, e finaliza:
Deste modo, paradidático não é apenas um novo termo para um determinado tipo
de livro, mas representa a constatação de que, neste período, há a criação de um
novo produto cultural, uma nova fórmula editorial com objetivos específicos, buscando atender à demanda de um determinado tipo de público leitor, caracterizadamente escolar. [grifo da autora] (MELO, 2006, p.121)
A autora contrapõe os livros paradidáticos infantis e os livros de literatura infantil que
circulam na escola, afirmando ser possível constatar que:
A grande diferença entre eles, no entanto, pode estar no fato daqueles darem ênfase
ao trabalho com algum conteúdo do currículo escolar e destacarem, já no texto introdutório, os seus objetivos pedagógicos, enquanto que a literatura infantil preocupa-se mais com a linguagem literária, com a criação e inovação na construção dos
personagens, do enredo e do cenário em que ocorrem as histórias. (MELO, 2004,
p.120)
54
O domínio literário é particularmente propício a investigações, e na pluralidade de artefatos textuais, buscam-se os contextos de leituras e práticas, o modo pelo qual repercutem na
construção de sentidos. Assim, como nos diria Certeau (2004, p. 265): “Apesar de tudo, a
história das andanças do homem através de seus próprios textos está ainda em boa parte por
descobrir”.
Com o horizonte de perspectivas que as palavras de Certeau nos ofereceram, devemos
situar os pressupostos dos Estudos Culturais que fazem pensar sobre os textos, no investimento de descentrá-los enquanto objeto de estudo, para redimensioná-los pelas formas subjetivas
ou culturais que esse campo de estudos torna disponíveis. Silva (2004, p. 75) revela sua opinião: “Mas o objeto último dos Estudos Culturais não é, em minha opinião, o texto, mas a vida
subjetiva das formas sociais em cada momento de sua circulação, incluindo suas corporificações textuais”.
Levando em conta tais pressupostos e tomando por objeto de investigação os livros
paradidáticos de educação sexual endereçados à infância, Furlani (2005) preocupa-se em estabelecer um paralelo distintivo entre as categorias de livros didáticas e paradidáticas, levando
sempre em conta que são as duas categorias mais presentes no cotidiano escolar. Em relação
aos didáticos a autora aponta que “[...] é um recurso do ensino, ligado a programas educacionais coerentes com a política pedagógica de cada escola, mas vinculado a uma política educacional maior, como a estabelecida pelo Governo Federal (com LDB-Lei 9493-96 e os
PCNs/96)” (FURLANI, 2005, p.19); acrescenta ainda que o mesmo oferece subsídio às matérias regulares do currículo escolar e que apresenta como característica principal ser “utilitário
ao ensino”, ao passo que o livro paradidático também apresenta conhecimentos e serve ao
ensino, mas “[...] seus conteúdos relacionam-se a temáticas que tangenciam as disciplinas do
currículo oficial.”. Acrescenta ainda que os mesmos “[...] são vistos como um complemento
aos livros didáticos, [...] e são elaborados especificamente para cada assunto [...].”
(FURLANI, 2005, p.19).
Levando em conta tais pressupostos é perceptível que não há uma unanimidade no
conceito do que seria a literatura paradidática, entretanto concordamos com Melo (2004) no
que se refere a considerar que mesmo não havendo um conceito em uníssono, o livro paradidático tem como característica primordial ser “[...] uma produção cultural com destino ao público escolar.” (MELO 2004, p.36).)
Pensando neste publico especifico, investimos nos pressupostos de Chartier (1999, p.
13) na argumentação que: “[...] a leitura é sempre uma prática encarnada de gestos, em espaços, em hábitos. [...] uma história das maneiras de ler deve identificar as disposições específi-
55
cas que distinguem as comunidades de leitores e as tradições de leitura.” As comunidades de
leitores estabelecem usos legítimos dos livros, as maneiras de ler, os instrumentos e procedimentos de interpretação e as práticas de leitura são investidas por interesses e expectativas por
vezes contrastantes entre comunidades de leitores diferentes.
Com o olhar para o objeto impresso, levamos em conta que tão importantes quanto as
figuras do autor e do texto, as composições que conferem materialidade ao objeto lido investem em assegurar um caminho para o leitor e sua apropriação; as instruções do texto são cruzadas com outras, no seu processo de produção, e Chartier indica que uma história da leitura
deve retornar à materialidade do texto:
[...] ao próprio objeto impresso, pois traz em suas páginas e em suas linhas os vestígios da leitura que seu editor supõe existir nele e os limites de sua possível recepção. Um tal estudo, feito de corpus em corpus, não considera mais o impresso como um suporte neutro, nem uma unidade válida para ser colocada em série, mas
como um objeto cujos elementos e estruturas remetem, de um lado, a um processo
de fabricação cujas dificuldades eram grandes na época da composição manual e da
impressão manual e, de outro, a um processo de leitura ajudado ou derrotado pelas
próprias formas dos materiais que lhe é dado a ler. (CHARTIER, 2001, p. 96).
Para que possamos fazer uma interlocução com Chartier, encontramos em Lajolo importante acréscimo:
[...] um livro que aspira ao circuito escolar é circundado – no catálogo que deve
promovê-lo junto aos professores – de um conjunto de informações que só constam
no catálogo por corresponderem à imagem que os editores fazem do que é e do que
não é relevante para o professor que adotará o livro. (Grifo nosso) (LAJOLO,
1999, p.29)
Os catálogos são instrumentos de divulgação de livros didáticos e paradidáticos nas escolas, que freqüentemente têm sua distribuição gratuita, uma vez que o distribuidor das editoras percorre as escolas quando solicitado, em busca da mediação proporcionada pelos/as professores/as junto aos alunos. Oliveira nos traz um perfil:
Os catálogos, material efêmero, são sempre muito coloridos, impressos em papel de
qualidade, resistentes para o manuseio intensivo, encadernados como livros e têm
número de páginas, tamanhos e formatos significativamente diferentes entre eles
[...] Na materialidade que assume, dirige-se ao professor, sujeito mediador entre livros, leitores e práticas de leitura [...]. (OLIVEIRA, 2006, p. 42)
Sobre este suporte Klein nos traz um acréscimo ao pesquisar livros de literatura infantil que tematizam a questão da diferença:
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Interessante para a nossa análise foi constatar que, nos catálogos ou nos sites de algumas editoras nacionais pesquisadas, o leitor é auxiliado a encontrar histórias a
partir de temáticas ligadas aos temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (meio ambiente, pluralidade cultural, ética e cidadania, saúde, orientação
sexual, trabalho e consumo) ou, ainda, a temas diversos, dos quais ressaltamos os
seguintes: deficiência física, diferenças (aceitação), diferenças sociais e raciais, diferentes maneiras de olhar o mundo/pensar, solidariedade, entre outros. (KLEIN,
2010, p.182).
Assim, é comum que nos catálogos dos livros que circulam na escola sejam encontradas dedicatórias, biografias de autores e ilustradores, apresentações da série a que o livro pertence ou, ainda, sinopses convidativas, apresentando a história trazida pela obra. É frequente
também que venham encartadas com a obra as chamadas “fichas de leitura” ou “suplemento
do professor” e neste sentido fica patente que o endereçamento se desloca para dois destinatários: a criança ou jovem e o adulto: pais, mães, familiares, professor/a, possíveis mediadores/as da leitura em questão.
Na literatura que circula na escola, estudantes ou professores/as são o destino usual, em
que os elementos periféricos do mercado editorial investem em viabilizar procedimentos de
aquisição e interpretação uniformes, mas o estudo das maneiras de ler e de suas práticas apontam para a produção de usos e significações variadas. Os elementos circundantes ao texto dedicatória, resenha, titulo, prefácio, ilustrações, etc.- a principio considerados periféricos,
podem interferir na abordagem e na compreensão da obra, pois longe de ser um apêndice da
obra em si, “[...] trata-se aqui de um limiar ou [...] de um ‘vestíbulo’, que oferece a cada um a
possibilidade de entrar ou de retroceder.” Assim, se o texto é uma estrutura com significação,
o paratexto é: “aquilo por meio de que um texto se torna livro e se propõe como tal a seus
leitores, e de maneira mais geral ao público” (GENETTE, 2009, p.9).
Tal conceito compreende o texto de forma interligada com uma estrutura que o envolve e contribui para que tome forma e produza sentidos. Este texto, segundo Genette (2009,
p.9), geralmente se apresenta reiterado por certo número de outros textos, sejam eles verbais
ou não verbais e que, de certa forma, o cercam e o prolongam, exatamente para apresentá-lo,
para torná-lo presente e garantir sua presença no mundo, sua “recepção” e seu consumo, sob a
forma de um livro.
Ao apropriar-se do termo “paratexto” e batizá-lo com competência específica, Genette
evidencia uma materialidade textual que se coloca paralela a outra, com a qual mantém uma
relação direta, não de dependência, mas de continuidade. Para Genette (2009) os elementos
constitutivos do paratexto são: Título, subtítulos, intertítulos; prefácios, preâmbulos, apresen-
57
tação, etc.; notas marginais, de rodapé, de fim; epígrafes; ilustrações; dedicatórias, tira, jaqueta [cobertura], e vários outros tipos de sinais.
Esses elementos constitutivos, segundo o crítico francês, que se apresentam nas franjas
do texto, embora considerados como elementos limítrofes, não deveriam ser lidos na sua marginalidade, mas, pelo contrário, como verdadeiros atos de linguagem. Os paratextos conferem
significação à obra, mesmo antes de ser livro; seria como se o texto ficasse preso no seu próprio mito de origem e se tivesse tornado tal, pelo simples fato dele existir, conferindo-lhe,
nesse caso, existência. Genette (2009, p.14) assegura que “todo contexto forma paratexto” e
desta forma mostra que determinada obra se compõe dos discursos circundantes a ela sem
existir necessariamente qualquer materialidade; a este tipo de paratexto nomeia de “paratexto
factual”, esclarecendo que “[...] é certo que a consciência histórica da época que viu nascer
uma obra raras vezes é indiferente a sua leitura” (GENETTE, 2009, p.14), como no caso da
negação de leitura de determinados romances pelo público masculino, por seu perfil “açucarado”.
Neste aspecto, ao investigar sobre as leituras femininas, Del Priore (2005, p.287) recorda que “As adolescentes eram incentivadas a ler obras da conhecida Biblioteca das Moças
[...], sucesso absoluto entre os anos 40 e 60, [...]. Nos casamentos aí relatados, a mulher era
sinônimo de honra, na virtude e pureza; e o homem, de honra, baseada em seu bom nome.” A
mesma autora indica diferenciação de gênero nas leituras empreendidas por meninos e meninas::
Enquanto elas consumiam tal literatura cor-de–rosa, completamente fora da realidade, eles devoravam os quadrinhos eróticos de Carlos Zéfiro [...]. Conhecidos por
“catecismos”, pois cabiam no bolso da calça, comprados às escondidas ou disputados à tapa, tais quadrinhos feitos a bico de pena continham todo o universo erótico
masculino. (DEL PRIORE, 2005, p.288)
Levando-se em conta tais representações, refletimos que o gênero produz o sexo, na erotização das relações polarizadas, introduzidas nas significações dos papéis sociais. E desta
forma a literatura destinada ao público feminino reveste-se de paratextos nada subliminares,
como cores próprias e imagens características. Por este viés, devemos considerar o conceito
de gênero, que na acepção de Joan Scott (1995) é entendido como “elemento constitutivo das
relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e um primeiro modo
de dar significado às relações de poder.” (SCOTT, 1995, p. 77 ) Ao discorrer sobre o conceito, Scott diz que:
58
[...] o gênero implica quatro elementos, a saber: a) símbolos culturalmente disponíveis, que evocam representações simbólicas, mesmo contraditórias, como Eva e
Maria na tradição cristã; b)conceitos normativos que limitam os sentidos metafóricos atribuíveis aos símbolos. Estes se expressam nas doutrinas que regem os diversos campos institucionais - religião, educação, ciência, política - afirmando de forma categórica e sem equívocos o sentido do masculino e do feminino; c)a aparência
de consenso e de fixidez pela qual são veiculadas essas posições normativas; d) a
identidade subjetiva. O gênero se constrói para além da família e das relações de
parentesco. (SCOTT, 1995, p. 86)
Desta forma, enquanto homens e mulheres, seres sexuados, estamos incorporados a processos de naturalização de atribuições sociais, vivenciados no quotidiano. A introjeção dessa
estrutura pela nossa subjetividade marca atuação social própria e em relação ao outro, pois
define nossos modos de perceber o mundo, interpretar a cultura e estabelecer parâmetros de
relacionamento. A importância de perceber a dinâmica dos elementos descritos por Scott incide em despolarizar construções estáticas e reconhecer a participação do processo de produção
simbólica como elemento dinâmico. As relações sociais vão colaborar para o processo de subjetivação e construção de identidade em cada indivíduo. Assim, devemos sempre levar em
conta instâncias como a família, a escola, os meios de comunicação e o contexto cultural como lugares de circulação e produção simbólica.
Por esta perspectiva, o caráter relacional que o conceito de gênero apresenta fica
imbricado nas praticas e ações que o fazem elemento chave para entender as relações de
poder. Na pesquisa desenvolvida, a percepção do conceito de gênero desdobra-se na
perspectiva de contemplar discursos como elementos constitutivos do aparato poder/saber
conforme Foucault (1988) nos situa.
Neste sentido, utilizamos o conceito de gênero em seu caráter relacional, referindo-se
ao modo como as características sexuais são compreendidas e representadas, visando “rejeitar
um determinismo biológico implícito no uso dos termos como sexo ou da diferença sexual”
(SCOTT, 1995, p.72); através da linguagem, por exemplo, podemos perceber o caráter
basicamente social das distinções baseadas no sexo. Assim, o conceito opera “como uma
ferramenta analítica, e ao mesmo tempo, uma ferramenta política” (LOURO, 2004, p.21).
Podemos deslocar esta discussão para a literatura destinada à infância e à juventude,
em que artefatos simbólicos, como imagens, texto e paratextos presentes nas obras poderão
potencializam as distinções “naturalizadas”. Oferecer outras abordagens, ou possibilidades
para perceber as inscrições que estas obras eventualmente apontem, é um empreendimento
desafiador, mas com certeza importante, ou como nos diria Lajolo, sintetizando esse pensamento: “Pois leitura, literatura, educação e educadores são conceitos, noções e constructos
assustadoramente provisórios.” (LAJOLO, 1988, p.34)
59
CAPÍTULO 3
EDUCAÇÃO SEXUAL: ENTRE PODERES, SABERES E VERDADES
Deparamo-nos recentemente com a seguinte cena de um telejornal brasileiro: pedagoga representando a Secretaria Municipal de Recife elogia a qualidade de um livro paradidático
infantil que aborda sexualidade; acrescenta que o mesmo é “educativo”, “de boa qualidade”,
mas justifica o recolhimento do livro - temporário, segundo ela- das escolas, por conter imagens que teriam causado polêmica entre pais de alunos, principalmente entre aqueles ligados a
instituições religiosas. O livro em questão visaria um trabalho de educação sexual com crianças da rede de escolas do município.
É possível assistir essa noticia”32 pelo site Youtube (site de compartilhamento de vídeos na web) postada pelo “diáriodepernambuco.com.br” em 27/04/2010. A reportagem mostra a polêmica causada pela veiculação de “imagens proibidas” para crianças, o interdito da
“palavra proibida”, ressalta o descompasso entre a prática e a intencionalidade docente apresentada pela pedagoga entrevistada e talvez encontre respaldo na argumentação de Foucault
(1988 , p. 93) sobre a regra da imanência, um pressuposto apresentado pelo autor na perspectiva de entendermos que existe uma produção exuberante de discursos sobre o sexo imbricados em relações de poder. Assim ao observarmos os discursos sobre sexualidade devemos ter
a precaução de:
Não considerar que existe um certo domínio da sexualidade que pertence, de direito, a um conhecimento científico, desinteressado e livre, mas sobre o qual exigências do poder – econômicas ou ideológicas – fizeram pesar mecanismos de proibição. Se a sexualidade se constitui como objeto possível; e em troca se o poder pôde
tomá-la como alvo, foi porque se tornou possível investir sobre ela através de técnicas de saber e de procedimentos discursivos. (FOUCAULT, 1988, p. 93)
Assim, se a sexualidade se constituiu como objeto de saber, foi devido a um jogo de
relações que a tornaram como objeto possível de conhecimento em uma rede discursiva articulada com técnicas de saber. Por esta via, a mesma “vontade de saber” que permeia os enunciados que circulam nas instituições escolares, parâmetros e propostas curriculares, políticas
públicas, matérias de jornais, sites e programas de televisão voltados a crianças e jovens, por
vezes aparecem de forma contraditória nas práticas.
Michel Foucault descreveu os colégios europeus do século XVIII no livro História da
Sexualidade I (1988). Para o autor existiria uma “espécie de ortopedia discursiva”, além do
32
Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=tKOwuvFim28>, Acesso em: 13 jul. 2011.
60
estado permanente de alerta, pois: “O espaço da sala, a forma das mesas, o arranjo dos pátios
de recreio, a distribuição dos dormitórios [...], os regulamentos elaborados para a vigilância
do recolhimento e do sono, tudo fala da maneira mais prolixa da sexualidade das crianças”
(FOUCAULT, 1984, p. 30). Neste sentido, nos cabe perceber que a preocupação com a sexualidade não é recente como costumamos acreditar, a colocação do sexo em discurso aparece
com a necessidade de se instituir um discurso verdadeiro sobre o mesmo, no investimento em
se colocar as crianças e os/as jovens para falar. Na construção desta idéia o autor narra uma
festa escolar organizada no “Philanthropinum”, em maio de 1776:
Aí ocorreu a primeira comunhão solene do sexo adolescente com o discurso racional, sob a forma mesclada de exame, de jogos florais, de distribuição de prêmios e
de conselho disciplinar. [...] Diante do público reunido, um dos professores, Wolke,
formulou aos alunos questões selecionadas sobre os mistérios do sexo, do nascimento, da procriação: levou-os a comentar gravuras que representavam uma mulher
grávida, um casal, um berço. As respostas foram esclarecidas, sem embaraço nem
vergonha. Nenhum riso indecoroso veio perturbá-las – salvo, justamente, da parte
de um público adulto bem mais infantil do que as próprias crianças e ao qual Wolke
repreendeu severamente. Finalmente, foram aplaudidos os meninos rechonchudos
que, diante da gente grande, traçaram com destro saber as guirlandas do discurso e
do sexo (FOUCAULT, 1984, p. 31).
Com essa descrição, Foucault reafirma a profusão discursiva da sexualidade
contrapondo-se à noção de que a sociedade moderna – e a instituição escolar - impuseram um
silêncio aos jovens e crianças. Foucault (1988) nos diz que, muito pelo contrário, o que a
instituição pedagógica fez desde o século XVIII foi concentrar as formas de discurso sobre o
tema estabelecendo “pontos de implantação diferentes”, codificando os conteúdos, e
qualificando os locutores (FOUCAULT, 1988, p.31/32). E desta maneira:
A sexualidade é um correlato dessa prática discursiva desenvolvida lentamente que
é a scientia sexualis. As características fundamentais dessa sexualidade não
traduzem uma representação mais ou menos confundida pela ideologia, ou um
desconhecimento induzido pelas interdições; correspondem as exigências
funcionais de um discurso que deve produzir a verdade. (FOUCAULT, 1988, p.67).
Com esta preocupação, centram-se também nos corpos, tanto quanto nos discursos, o
investimento em modos de escrutinio, distinção e classificação; neste sentido o
estabelecimento do padrão normal/anormal é apropriado também pela instituição escolar no
que seria o projeto da Modernidade. Foucault (1988) postula que o poder na Modernidade
funciona de modo mais complexo, avançando além da figura da repressão; a hipótese
represssiva seria apenas uma peça de um dispositivo mais amplo de incitação e colocação do
sexo em discurso pelo poder
61
A preocupação com a análise da sexualidade tornou-se o acesso para o controle do
indivíduo, possibilitando a abertura à vida do corpo e da espécie, consolidando o exercício do
biopoder sobre a população. Segundo Foucault, existem quatro grandes conjuntos estratégicos
que, a partir do século XVIII, instituem dispositivos de saber e poder a respeito do sexo:: a
“histerização do corpo feminino”, a “pedagogização do sexo da criança”, a “socialização das
condutas de procriação” e a “psiquiatrização do prazer perverso” (FOUCAULT, 1988, p.99100). Com esta perspectiva o autor analisa como nas sociedades ocidentais modernas,
sobretudo a partir do seculo XVIII, o sexo dissocia-se do dispositivo da aliança - ligado ao
sistema de matrimonio, parentesco, herança e consanguinidade – deslocando-se para o
dispositivo da sexualidade, que “[...] tem, como razão de ser , não o reproduzir, mas o
proliferar, inovar, anexar, inventar, penetrar nos corpos de maneira mais detalhada e controlar
as populações de modo cada vez mais global.” (FOUCAULT, 1988, p.101).
Nos três volumes de sua História da sexualidade, o pensador mostra que há duplo e
mútuo condicionamento entre as práticas discursivas e as práticas não discursivas, embora
permaneça a idéia de que o discurso seria constitutivo da realidade e produziria como o poder,
inúmeros saberes. Com o olhar nas praticas que conduzem a este “falar” sobre o sexo, César
indica que:
As primeiras preocupações explícitas em relação à educação do sexo de crianças e
jovens no Brasil tiveram lugar nos anos vinte e trinta do século XX. Nesse momento a educação sexual já era uma preocupação para médicos, intelectuais, professores
e professoras que então povoavam o universo educacional brasileiro. (CÉSAR,
2009, p.39)
Para a autora, o investimento em educação sexual em terras brasileiras fica consolidado no ano de 1922, quando o importante intelectual e reformador educacional brasileiro, Fernando de Azevedo, em resposta a um inquérito promovido pelo Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo sobre educação sexual, argumenta sobre a necessidade do ensino deste conteúdo por considerar “interesse moral e higiênico do indivíduo” e
para o “interesse da raça”. Com este pressuposto “[...] nascia o interesse da educação nacional
pela educação sexual como objeto de ensino nas escolas brasileiras.” (CÉSAR, 2009, p.39).
Ainda em uma perspectiva histórica, Bassalo (2010) investiga sobre intelectuais e estudiosos
dos temas referentes à educação da sexualidade, no período de 1928 a 1945 no Brasil, buscando as publicações (teses e livros) acerca da educação sexual na primeira metade do século
62
XX, e neste investimento constata duas vertentes básicas, no que se refere à educação de meninas e meninos:
Aqueles que defendem que todas as crianças são naturalmente curiosas e que sendo
o corpo um componente essencialmente biológico, as informações sobre ele não
poderiam ser negadas. E de outro, mesmo que tenham direito a saber, meninos e
meninas devem ser educados para “domar” sua energia sexual, tendo em vista a
manutenção da saúde individual, da prole e portanto da família. (BASSALO, 2010,
p.13)
Com os pressupostos das autoras podemos perceber que poderes e saberes estão entrelaçados, mas ao ser incorporada pela escola, a Educação Sexual incorpora várias características, entre elas a grande preocupação docente de não pôr sob suspeição os modos de produção
e circulação das verdades; devemos levar em conta que a disciplinarização do saber está entre
as implicações das relações de poder, como demonstrou Foucault, em estreita relação com a
disciplinarização da sociedade Assim Foucault (2006, p. 19) afirma: “Dos três grandes sistemas de exclusão que atingem o discurso, a palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade de verdade, foi do terceiro que falei mais longamente”. Estes grandes conjuntos estratégicos revelam o interesse em esmiuçar a sexualidade, como mais uma vez nos situa Foucault:
A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade
subterrânea que se apreende com dificuldade, mas a grande rede da superfície em
que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso,
a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder.
(FOUCAULT, 1988, p.100)
Escapando da instituição eclesiástica, a nova tecnologia do sexo vem a se desenvolver,
desdobrando-se num tripé, com a medicina, a pedagogia e a demografia: a medicina se preocupando com a fisiologia própria das mulheres, a pedagogia tendo por objetivo a sexualidade
específica da criança e a demografia voltando-se para a regulação espontânea ou planejada
dos nascimentos. Na mesma medida que Foucault discute a vontade de saber, argumenta sobre o reconhecimento da vontade de verdade que atravessa o plano discursivo. Esta vontade
de discursos de verdade é consecutivamente incorporada por instâncias distintas, para dar justificação a um discurso anterior. Os discursos não estão ancorados em nenhum lugar, mas
aparecem de maneira difusa no tecido social, de forma a marcar o pensamento de cada época,
de cada lugar, construindo subjetividades. Não há como relacionar o discurso a “um pensamento, mente ou sujeito que o produziu, mas ao campo prático no qual ele é desdobrado”, nos
63
diz Foucault (1991, apud VEIGA - NETO, 2004, p. 120). E por esta via Altmann situa o lugar
contemporâneo da sexualidade em nossa sociedade:
Nos últimos anos, a sexualidade adolescente adquiriu uma dimensão de problema
social. Mais do que um problema moral, ela é vista como um problema de saúde
pública e a escola desponta como um local privilegiado de implementação de políticas públicas que promovam a saúde de crianças e adolescentes. (ALTMANN,
2006, p.2-3)
A autora sustenta que a presença desse tema na escola se deve “[...] ao fato de a sexualidade ser um importante foco de investimento político e instrumento de tecnologia de governo” (ALTMANN, 2006, p.2). Como afirma Louro, a escola é uma entre as múltiplas instâncias sociais que exercitam uma pedagogia da sexualidade e do gênero, colocando em ação
várias tecnologias de governo. Esses processos prosseguem e se completam através de tecnologias de auto disciplinamento e autogoverno exercidas pelos sujeitos sobre si próprios, havendo um investimento continuado e produtivo desses sujeitos na determinação de suas formas de ser ou “jeitos de viver” sua sexualidade e seu gênero.
3.1. Educação sexual e a sexualidade na escola: uma visão pós- estruturalista
Assim, cabe-nos tentar perceber os múltiplos e móveis campos de correlações e forças,
permitindo repensar os processos de subjetivação e governo existentes na articulação entre a
micro e a macropolítica, no movimento de deslocamento das instituições e dos sujeitos para o
Estado. Foucault (1980) amplia nosso olhar quando aborda o deslocamento da unicidade do
corpo físico para a abrangência do corpo social. O filósofo estuda esse projeto social em dois
pólos interligados: o primeiro pólo – por ele denominado de anátomo-política do corpo - onde
o corpo é compreendido como máquina. O segundo pólo, formado na segunda metade do
século XVIII, centrou-se no corpo compreendido como espécie biológica, corpo vivo
perpassado por processos biológicos: a proliferação, os nascimentos e a mortalidade, o nível
de saúde, a duração da vida, a longevidade, processos a serem assumidos através de
intervenções e controles reguladores de uma biopolítica das populações (Foucault, 1988)
Neste sentido Farhi Neto acrescenta :
A conjunção de dispositivos propriamente biopolíticos com os anatomo-políticos é
que Foucault chamou de biopoder. A anatomo-política é uma tecnologia de poder
individualizante, cujo efeito é o indivíduo. Enquanto a biopolítica é uma tecnologia
de poder totalizante, cujo efeito é a população. (FARHI NETO, 2010, p. 191)
64
O que caracteriza a biopolítica das populações, o biopoder, é a gradual importância da
norma, que dimensiona os seres vivos na esfera do valor e utilidade. A própria lei funciona
como norma devido a suas funções reguladoras. Uma sociedade normalizadora é o efeito
histórico de técnicas de poder centradas na vida. A principal característica das técnicas de
normalização consiste no fato de integrarem no corpo social a criação, a classificação e o
controle sistemático das anormalidades (PORTOCARRERO, 2002,,2004). Conforme indica
Portocarrero (2002,2004), ao estudar o caráter de sanção normalizadora da disciplina Foucault
toma como ponto de partida a afirmação de Canguilhem (2002), de que o termo “normal”
designa, a partir do século XIX, o protótipo escolar e o estado de saúde orgânica. Sua
utilização é correlata da reforma pedagógica e da teoria médica, estreitamente ligada à
reforma das práticas pedagógica, médica e hospitalar. Essas reformas exprimem uma
exigência de racionalização que também aparece na política e na economia, alcançando o que
é chamado mais tarde de “normalização”.
Ao ser atrelado ao aparato médico - cientifico, o sexo é o elemento ideal para operação
do dispositivo da sexualidade, configurando os corpos, estabelecendo as normas de atuação e
utilização e imprimindo um perfil distinto daquela que a “ars erótica” construiu em outras
civilizações; com isso os discursos da sexualidade cruzaram as ciências modernas do homem,
ao que Dreyfus e Rabinow assinalam:
O sexo é a ficção histórica graças à qual podemos estabelecer um vinculo entre as
ciências biológicas a as praticas normativas do biopoder. Ao ser categorizado como
uma função essencialmente natural que podia apresentar uma disfunção, o sexo foi
considerado um impulso que tinha que ser contido, controlado e canalizado. Sendo
natural, o sexo era supostamente externo ao poder. Porém, Foucault nos mostra, é
exatamente a construção cultural bem-sucedida do sexo como uma força biológica
que permite ligá-la às micropraticas do biopoder. (DREYFUS;RABINOW, 2005,
p.196)
Se com a obra de Foucault (1988) vemos que o século XIX é o cenário da materialização da medicina como saber científico em virtude do direcionamento do olhar para o conhecimento dos corpos, para seu funcionamento, assim como para as percepções de saúde e doença, é importante lembrar também que, para o autor: “Cumpre falar do sexo como de uma
coisa que não se deve simplesmente condenar ou tolerar, mas gerir, inserir em sistemas de
utilidade, regular para o bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão ótimo. O sexo não
se julga apenas, administra-se”. (FOUCAULT, 1988, p. 27).
Assim, “as práticas disciplinares sobre o corpo” (FOUCAULT, 1988) que não podem ser
separadas da produção de saberes, apontam como se produz a normalização da sexualidade em
65
vários campos discursivos, intensificando o desejo de conhecimento sobre o sexo. Portocarrero
sintetiza:
Os rudimentos da anátomo e biopolítica- inventados no século XVIII - utilizados
por instituições bem diferentes (a família, a escola, a polícia, a medicina ou a administração das coletividades), agiram no nível dos processos econômicos de poder
capazes de majorar a vida em geral e técnicas presentes em todos os níveis de do
corpo social, utilizados por diversas instituições. (PORTOCARRERO, 2009, p.203)
Desta forma, no âmbito escolar, Altmann (2003, p.285) revela uma nova responsabilidade: “[...] além do acesso a informações sobre controle de natalidade e práticas preventivas,
a escola deve formar sujeitos auto-disciplinados que vivam a iniciação de sua vida sexual afastando-se da gravidez, dos perigos trazidos pela AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST’s)”. E na discussão da educação sexual na escola, normalmente o que tomamos como inadequado não são fatos dados, e sim os apreendidos; basta lembrarmos as fontes
levantadas por Flandrin nos tratados de teologia moral sobre a vida sexual dos casados na
sociedade antiga:
Há, no centro da moral cristã, uma desconfiança muito aguda em relação aos prazeres carnais, porque eles mantêm o espírito prisioneiro do corpo, impedindo-o de se
elevar na direção de Deus. [...] somos obrigados a nos unir a outro sexo para gerar
filhos, mas não devemos nos prender aos prazeres sexuais. A sexualidade nos foi
dada para nos reproduzirmos. Utilizá-la para outros fins, como por exemplo, para o
prazer, é malbaratá-la. (FLANDRIN, 1982, p.135)
A autonomia subjetiva do indivíduo em vivenciar o prazer sexual esbarra na possível
disciplinarização da sexualidade e na explosão discursiva sobre seus perigos; o discurso sobre
a sexualidade vem acompanhado de alertas, para que a desfrutem buscando unir prazer e precaução quanto às conseqüências indesejadas do sexo. Corroborando com este pensamento,
Castro nos diz: “A sexualidade está ao lado da norma, do saber, da vida, do sentido, das disciplinas e das regulações.” (CASTRO, 2009, p.58). Assim a sexualidade seria percebida antes
de qualquer coisa como um dispositivo político, em articulação com o corpo, sobre a sua materialidade. No entanto sobre o assunto incidem certas prerrogativas; ao nomear os interlocutores possíveis para discuti-la, institui-se um estatuto de especificidade: “Esta personalização,
medicalização e significação do sexo, que ocorreu num momento histórico determinado, é o
que Foucault denomina dispositivo da sexualidade”, nos dirão Dreyfus e Rabinow (2005,
p.188)
Esses processos prosseguem e se complementam através de tecnologias de auto
disciplinamento e autogoverno exercidas pelos sujeitos sobre si próprios, havendo um
66
investimento continuado e produtivo dessas tecnologias na determinação de formas de ser ou
de viver sua sexualidade e seu gênero. Deborah Britzman (2001) acrescenta que a cultura
escolar trabalha com respostas estáveis, sobretudo quando se trata de sexualidade. Em vista
disso, a abertura de discussões com o investimento em respostas binárias cria obstáculos a
novos temas e curiosidades. "Tudo isso faz com que as questões da sexualidade sejam
relegadas ao espaço das respostas certas e erradas" (BRITZMAN, 2001, p. 86), nos diria a
autora.
Este investimento tem a preocupação com interditos para viabilizar o que é
considerado um curso natural ou esperado do ser jovem, ou seja, um tipo ideal de juventude:
um ciclo de vida orientado para a diversão, para as relações com compromissos de ordem
econômico-familiar, para o estudar e para o se preparar para os papéis de adulto. Como a
instituição escolar pode lidar com esta linha de tensão entre o possível interdito e a
proliferação de discursos sobre a sexualidade?
Uma das aberturas “formais” foi a introdução do tema no currículo: com os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1998), surgem os Temas Transversais , entre eles o tema “Orientação
Sexual’, e a partir deste documento ocorre oficialmente a inserção da temática sexualidade no
currículo. Vários autores se dispuseram então a discutir a nomenclatura em torno deste tema,
uma vez que sobre este objeto tensionam vários discursos interessados: “[...] o dispositivo de
sexualidade é composto de elementos discursivos diversos, científicos ou não, de práticas
institucionais, com suas regras e técnicas de poder, pertinentes a órgãos do Estado,
ministérios, secretárias, comissões, escolas, famílias, etc.” (FARHI NETO, 2010, p. 91).
E desta forma passou-se a discutir a terminologia mais adequada: “educação” ou
“orientação’ sexual”? Os Parâmetros Curriculares já anunciam em sua denominação o termo
“orientação sexual”, possivelmente atrelando sua dimensão à prática realizada na escola, em
contaponto à “educação sexual”, tarefa a ser realizada pela família. Xavier Filha, acrescenta:
“[...] no meu entendimento, foi uma estratégia para demarcar a função da escola, sem furtar à
família a tarefa de educação que lhe compete.”( XAVIER FILHA, 2009, p.22).
Altmann (2003) já apontava questões para discussão quando indicava sua preferência
pelo termo “educação sexual” por acreditar que a nomenclatura “orientação sexual” já carrega
em si vários atributos, o primeiro estando relacionado ao fato de que originalmente caberia
aos Orientadores Educacionais junto com os professores de Ciências discutir o tema
sexualidade na escola. Outro aspecto seria quando, na sua utilização, existem problemas de
interpretação, visando preconizar determinada constituição da identidade sexual dos sujeitos,
assim :“[...] no campo de estudos da sexualidade e nos movimentos sociais, assim como, de
67
um modo geral, na bibliografia internacional, “orientação sexual” é o termo sob o qual se
designa a opção sexual, evitando-se, assim, falar em identidade.” (ALTMANN, 2004, p.4).
Muito além das discussões acerca da nomenclatura do termo estão as questões ligadas
aos discursos produzidos e sua articulação nas práticas operando modificações nos campos de
legitimação. Assim, em relação aos dois termos, Xavier Filha nos diz :
No entanto, vejo que [os termos] ainda precisam de maior aprofundamento. Não
devem limitar-se à extensão dos conceitos, mas questioná-los em relação aos seus
processos de significação, representação e legitimação, visto que nos dias atuais se
tornou comum vê-los empregados como sinônimos ou substitutos do termo
‘educação sexual’. ( XAVIER FILHA, 2009, p.32)
E nesta perspectiva, a autora propõe o uso do termo “educação para a sexualidade”, se
contrapondo a uma educação sexual mais centrada em aspectos biológicos, essencializados e
generalizantes, que prioriza temas como anticoncepção e prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis – DSTs, investindo em pensar e possivelmente deslocar:
[...]discursos naturalizados e sacralizados culturalmente, relativizando-os, pondoos sob suspeita e vigilância, pondo em xeque algumas certezas, permitindo novas
formas de pensar e com isso estimular questionamentos sobre como nos
constituímos em relações de saber e poder. (XAVIER FILHA, 2009, p.34).
3.2. Caminhos na abordagem da sexualidade com a literatura escolar
“Pode o sexo ser educado e a educação ser sexuada?”, ou ainda: “Como seria a educação
sexual se ela se tornasse indistinguível daquilo que Foucault (1985), em uma de suas últimas
obras, chamou de ‘o cuidado de si’ como prática de liberdade?”, nos provoca Britzman, em
seu artigo no livro O Corpo Educado (2001, p. 93). A questão da sexualidade na educação é
debatida pela autora na perspectiva de discutir impedimentos de uma pedagogia da sexualidade interessante e estimulante, onde exista a possibilidade de contemplar as relações entre curiosidade, liberdade e sexualidade. A provocação de Britzman encontra resistência no modelo
de sujeição moral incorporado pela escola com o desenvolvimento de “uma arte da existência
dominada pelo cuidado de si” (FOUCAULT, 1985, p. 234), incorporando uma preocupação
em focalizar a atividade sexual, e de “temê-la pelo conjunto de seus parentescos com as doenças e o mal” (FOUCAULT, 1985, p. 233).
O aspecto apontado por Briztman evoca a transformação discutida por Foucault (1985)
pela qual os indivíduos buscam tornar, por escolhas pessoais, modos de viver um “ethos de
68
liberdade”. No investimento teórico do autor, observa-se a análise do modo pelo qual o ser
humano governa a si mesmo e aos outros através da produção de verdade. Para Portocarrero:
Sua genealogia [a genealogia de Foucault] indaga, então, a maneira pela qual os indivíduos foram levados a elaborar sobre si e sobre os outros uma hermenêutica do
desejo, com o objetivo de estudar de que maneira eles são conduzidos a reconhecerse como sujeitos de sua sexualidade, cuja história deve ser compreendida como experiência que correlaciona, numa cultura, campos de saber, tipos de normatividade
e formas de subjetividade. (PORTOCARRERO, 2009, p.227-228)
A pretensão de Foucault seria pensar uma ética tendo como elemento norteador a relação dos indivíduos consigo mesmo, e neste sentido as formas de subjetivação moral merecem
atenção; em sua busca histórica e filosófica o autor argumenta que a ação moral é indissociável das formas de atividade sobre si, enquanto sistema de valores, regras e interdições. Dando
luz aos conceitos de ética e moral, Foucault nos diz que a primeira forma de atividade seria
definida como um conjunto de valores e de regras de ação que são propostos aos indivíduos e
aos grupos por intermédio de diferentes aparelhos prescritivos como a família, as instituições
educativas, as igrejas, os sistemas de leis, de prescrição do código moral; já em relação à ética, seria a maneira pelo qual o indivíduo se transforma, constituindo-se o próprio sujeito moral do código. (PORTOCARRERO, 2009).
Retomando esse aspecto, Foucault (1988) assinala que a técnica de confissão seria a
grande produtora de discursividade sobre o sexo, como também um componente importante
para a expansão da tecnologia disciplinar e para o controle dos corpos e das populações. A
geração da verdade sobre o sexo, debatida anteriormente, não estaria livre de instâncias variadas para autorizá-la; o confessor surge como a figura que congrega os atributos necessários
para que esta verdade possa ser dita, esta tecnologia do eu se reveste de circunstâncias especiais para ser proferida. Dreyfus e Rabinow nos dirão que:
Para Foucault, o exame médico, tal como praticado no século XIX, assim como todas as formas circunscritas à confissão, expuseram às figuras de autoridade as fantasias sexuais mais profundas e as praticas mais ocultas do individuo. O individuo
foi persuadido de que, através de tal confissão, era possível conhecer a si mesmo.
(DREYFUS; RABINOW, 2005, p.191).
Inscritas em mecanismos de subjetivação, a confissão e o exame agregam os ingredientes para que os sujeitos possam operar estratégias de “autogoverno”; tais dispositivos disciplinares se amparam em procedimentos pedagógicos para alicerçarem seu investimento e deste modo: “A chave para a tecnologia do eu é a crença de que se pode, com a ajuda de peritos,
falar a verdade sobre si mesmo. Este é o princípio fundamental, não somente nas ciências psi-
69
quiátricas e na medicina, como também na lei, na educação, no amor. (DREYFUS;;
RABINOW, 2005, p.192)
Os procedimentos educativos na discussão da sexualidade investem nesta abordagem;
trata-se de trazer o indivíduo para um aparato institucional que o faça produzir uma
modalidade discursiva que estabelece uma relação da pessoa consigo mesma, com
pressupostos do auto-exame; tal assertiva tem na transformação individual seu objetivo
principal. Este mecanismo reflexivo produz o discurso verdadeiro sobre a sexualidade do
indivíduo e no desdobramento desta questão: “[...] o biopoder estendeu sua rede aos menores
movimentos do corpo e da alma, através da construção de uma tecnologia especifica; a
confissao do sujeito individual, pela auto-reflexão ou pelo discurso.”(DREYFUS;
RABINOW, 2005, p.186)
Este mecanismo reflexivo, segundo Larrosa (2008) produziria através de aparatos
(terapeuticos, pedagógicos, etc.) certos processos de subjetivação que levariam à conformação
da experiência que o individuo tem de si. Larrosa sustenta que os dispositivos pedagógicos
evidenciados em certos procedimentos do auto-exame corroboram para que os indivíduos
constituam processos de subjetivação muito peculiares que os levariam ao auto-governo. Para
o autor tais processos podem ser vistos nas instâncias confessionais, bem como em todo
mecanismo terapeutico que agregaria o auto-exame. Como dispositivo pedagógico, a
tecnologia do eu atuaria mediando ações de cunho educativo - em seu sentido mais lato - em
que o sujeito se insere em um processo de “dizer-se” , “narrar-se” e “ver-se” na captura de
seu “duplo”. Para Larrosa: “Aprender a julgar é raconalizar o juízo, conferir-lhe uma ratio,
estabilizar sua fragilidade, absorver sua indeterminação, previnir seus erros.”( LARROSA,
2008. p.81). Assim o “julgar-se” estaria na esteira de ações que o dispositivo pedagógico
produziria; reforçando esta percepção, o autor no diz: “A experiência é o que ocorre ‘entre’ e
o que constitui e transforma ambos. E isso que ocorre “entre”, a relação e a mediação que tem
o poder de fabricar o que relaciona e medeia, é o que os dispositivos pedagógicos produzem e
capturam.” ( LARROSA, 2008. p.83).
Um olhar apressado nos levaria a pensar que a intrincada rede em que os indivíviduos
se objetivam e são objetivados não teria sequer um “nó”; os “fios” teriam a tenacidade de
assegurar que os mecanismos de saber-poder e produção de verdade chegassem ao seu
intento; com esta percepção não restaria qualquer possibilidade de liberdade ao sujeito. Ao
que Larrosa contrapõe e nos auxilia a argumentar:”Todas as operações de fabricação e captura
do duplo, de constituição e mediação da experiência de si, nos indicam o poder das
70
evidências, os estereótipos, os preconceitos e os hábitos de nós mesmos. Mas assinalam
também sua finitude e contingêngia.” ( LARROSA, 2008. p.84).
Assim, para entendermos a noção de liberdade discutida em Foucault, temos que perceber que a mesma investe no abandono do mito humanista de uma essência de ser humano.
Neste sentido, a liberação sexual, por exemplo, usualmente discutida, pressupõe a existência
de certa natureza humana que seria aprisionada por diferentes processos históricos e que, portanto, estaria à espera da sua suposta “libertação” para emergir em sua verdade natural. Para
Foucault, no entanto, o que chamamos o sujeito ou a natureza humana não é independente dos
processos históricos que lhe dão forma, “[...] por isso não se trata de liberação, mas de práticas de liberdade, isto é, da forma que podemos dar à subjetividade.” (CASTRO, 2009, p.247).
O desejo é um componente da subjetividade humana, sua percepção ou representação
difere nas culturas e nos tempos, tal como algo que não pode ser visto nem apreendido e perpassa a compreensão que temos, muitas vezes baseada numa lógica dos determinismos sociais
e atendendo a uma ordem biológica, sem a necessária interlocução com aspectos culturais e
sem observar as diferenciações subjetivas inerentes ao indivíduo. Esta dimensão do ser humano muitas vezes aparece negligenciada na discussão da sexualidade na esfera escolar, no entanto se os Temas Tranversais inauguram a inserção da temática “sexualidade” oficialmente
no espaço escolar, não podemos deduzir que a discussão sobre o tema seja um assunto restrito
à sala de aula. Por esta via, vários autores tem se detido em pesquisar sobre a temática em
espaços diversos da escola, bem como em sites, revistas, blogs, etc.; e assim, no espaço
escolar formal, o que vemos normalmente é que a inserção da temática de maneira transversal
ainda é um desafio, que por vezes acaba circunscrevendo o assunto a uma abordagem
biológica e essencialista sem levar em conta sua dimensão cultural e histórica.
Produzido para especialização de professores/as na área de sexualidade, o livro “Gênero
e Diversidade na Escola” alerta:
[...] a fim de adotar uma perspectiva de sexualidade mais ampla, não restrita à sua
dimensão biológica e à heterossexualidade, parece ser fundamental que não apenas
educadoras e educadores de ciências e biologia se envolvam com este tema. Dito de
outra forma: não se deve utilizar somente saberes deste campo quando o foco da
aula é a sexualidade, dado o seu caráter social. (CARRARA et al, 2009, p.181)
Como mencionado em Silva, A.C, et al. (2010), seria importante perceber sob quais
perspectivas a educação sexual, tomada como específica, teria um panorama menos determinista e muito mais provocador. Britzman( 2001) aponta novos horizontes:
71
O modelo de educação sexual que tenho em mente está mais próximo da experiência da leitura de livros de ficção e poesia, de ver filmes e do envolvimento em discussões surpreendentes e interessantes, pois quando nos envolvemos em atividades
que desafiam nossa imaginação, que nos propiciam questões para refletir e que nos
fazem chegar mais perto da indeterminação do eros e da paixão, nós temos algo
mais a fazer, algo mais a pensar. (BRITZMAN, 2001, p. 89)
No panorama oferecido por Britzman, questões como desejo e prazer são aspectos relegados, por esbarrar nas exigências de cumprimento dos conteúdos reconhecidos no currículo
formal, deixando-se assim de lado a legitimidade, a descoberta, os anseios dos jovens que a
discussão sobre o assunto poderia provocar, e assim investindo em pensar no conjunto de enunciados aos quais a sexualidade por vezes é atrelada Foucault (1994, p.723) nos diz: “O
conjunto assim formado a partir do sistema de positividade e manifestado na unidade de uma
formação discursiva é o que se poderia chamar de um saber.” Estes “saberes” para o autor,
estão imbricados em formações do plano discursivo que lhes deu origem. Com este pensamento podemos perceber que os discursos ancorados na sexualidade revestem-se deste caráter
cientificista apontado anteriormente, colocando em evidência os mecanismos de articulação
saber-poder dentro deles.
Incorporam estes saberes apontados por Foucault os materiais educativos que circulam na escola, como os livros, e nos voltamos para o pressuposto apontado por Chartier
(2001) sobre a importância de se atentar para os desdobramentos para a prática da materialidade dos livros: “[...] a reflexão a propósito do suporte material do sentido é fundamental para
a determinação de sua efetuação nas práticas. A materialidade do suporte passa a ser inalienável do espírito das representações a que seus usos deram margem” (PÉCORA, in
CHARTIER, 2001, p. 11). Pode-se assim perceber que as práticas da história cultural, como
as práticas pedagógicas, revelam que os textos não são indiferentes à sua materialidade.
Isso nos permite pensar em uma “ordem dos livros”, antes de uma “ordem dos discursos”, sem, no entanto, estabelecer um paralelo com “a ordem do discurso”, de Foucault
(2006); trata-se de pensar a materialidade do impresso como fator constituinte de escolhas,
sentidos e apropriações, e assim:
Ao contrário do que se costuma pensar, autores não produzem livros – e sim textos.
Tomam parte da criação do livro, mas contam com a colaboração insubstituível de
impressores tipógrafos, de copistas, de editores, que tomam decisões sobre tipo de
letra, tamanho da mancha tipográfica, introdução de figuras e notas explicativas,
confecção de orelhas, capas, etc.[...] Há, portanto, diferentes mãos que intervêm nas
formas materiais assumidas pelo texto convertido em livro e cada uma das decisões
tomadas atua sobre a leitura que dele se fará. (ABREU, in CHARTIER, 2003, p. 9)
72
A liberdade dos leitores deve sempre ser levada em conta, mas a imposição das maneiras de ler não pode passar despercebida, pois, se por um lado há o autor que tenta controlar a
recepção, por outro lado: “[...] cada livro tem uma vontade de divulgação, dirige-se a um mercado, a um público [...].” (CHARTIER, 2001, p. 245)
Nesta interdependência entre objeto impresso e os elementos que lhe conferem materialidade, deparamo-nos com o conceito de “modos de endereçamento”, como formula Ellsworth
(2001) no investimento do caráter ativo do espectador, na perspectiva de apresentá-lo como
um “evento que ocorre em algum lugar entre o social e o individual” (ELLSWORTH, 2001,
p. 23), pois cada produto é produzido tendo em vista um público específico, um público que é
imaginado e desejado pelo produtor, o escritor do texto e/ou ilustrador das imagens.
Assumir uma postura de duvidar da passividade da leitura permite que possamos pensar
também sobre a ótica do consumo, na possibilidade de entender que este implica o sujeito de
forma ativa:
[...] não é apenas reprodução de forças, mas também produção de sentidos: lugar de
uma luta que não se restringe à posse dos objetos, pois passa ainda mais decisivamente pelos usos que lhes dão forma social e nos quais se inscrevem demandas e
dispositivos de ação provenientes de diversas competências culturais (MARTINBARBERO, 2003, p. 302).
Ao relativizar tais aspectos, investimos no sentido de enfatizar a diversidade de produção de sentidos, como também de oferecer elementos para desconstruir conclusões que não
contemplem rupturas e permitam abordagens demasiadamente lineares.
Ellsworth sustenta que os produtores de filmes, por exemplo, trabalham com
suposições sobre os desejos conscientes e inconscientes sobre o tipo de pessoa para a qual seu
filme é endereçado e sobre as posições e identidades sociais que seu público deve ocupar e
assim: “[...] um filme é composto, pois, não apenas de um sistema de imagens e do
desenvolvimento de um história, mas também de uma estrutura de endereçamento que está
voltada para um público determinado e imaginado.” (ELLSWORTH, 2001, p.16).
Levando em conta que nenhum discurso poderá capturar a todos da mesma forma e ao
mesmo tempo, podemos relativizar e pensar que os sujeitos não poderiam ser capturados e
subjetivados de maneira uniforme: “Não existe, nunca, um único e unificado modo de
endereçamento” (ELLSWORTH, 2001, p. 21) em uma mesma leitura possível, que servisse
indistintamente para todos .
Assim a indissociável relação entre os meios e as práticas nos encaminha para um dos
conceitos mais instigantes de Chartier, o que se refere às “apropriações” do texto pelo leitor:
73
“Para conhecer essas apropriações, o caminho mais imediato é o da confidência dos leitores a
respeito de seus modos de ler, dos sentidos que descobrem no texto”, nos diz Pécora referindo-se ao conceito elaborado pelo autor (PÉCORA in CHARTIER, 2001, p. 12).
Com esse pressuposto, as práticas culturais, a leitura e a educação recebem uma
perspectiva dinâmica e relacional nas interações, o que nos leva a concordar com Hébrard,
quando nos diz : “Colocando o acento sobre o ler mais do que sobre o livro, sobre a recepção
mais do que sobre a posse, os pesquisadores demonstram amplamente que, na escola, não é a
leitura que se adquire, mas as maneiras de ler que aí se revelam.” (CHARTIER, 2001, p. 37)
Práticas e significados revelam sua relação dialética, e atrelar o leitor ao texto
enquanto escritura hermética terminaria por menosprezar a multiplicidade que a linguagem
oferece. Certeau (2004) investe nessa discussão, destacando a maneira como a teoria da
recepção e a crítica literária têm realizado importantes interlocuções com a história cultural da
leitura, aumentando seus objetos e oferecendo subsídios para outras áreas do conhecimento:
Com efeito, ler é peregrinar por um sistema imposto [...] Análises recentes mostram
que ‘toda leitura modifica seu objeto’, que (já dizia Borges) ‘uma literatura difere
de outra menos pelo texto que pela maneira como é lida’, e que enfim um sistema
de signos verbais ou icônicos é uma reserva de formas que esperam do leitor o seu
sentido. (CERTEAU, 2004, p. 264)
Para Chartier, apropriação “tem por objetivo uma história social das interpretações,
remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais, institucionais, culturais)
e inscritas nas práticas específicas que as produzem” (CHARTIER, 1990, p. 26). Ou ainda,
apropriação “permite pensar as diferenças na divisão, porque postula a invenção criadora no
próprio cerne dos processos de recepção” e serve para realçar a “maneira contrastante como
os grupos ou os indivíduos fazem uso dos motivos ou das formas que partilham com os
outros" (CHARTIER, 1990, p. 136).
Abreu sintetiza o pensamento do autor:
Roger Chartier propõe, assim, que se analisem as práticas de utilização dos
materiais culturais, ou seja, as diferentes apropriações dos produtos culturais por
distintos grupos ou indivíduos. Trata-se de associar o conhecimento sobre a
presença do livro com a análise sobre as maneiras de ler, nas quais tomam parte a
materialidade dos livros e a corporalidade dos leitores. Propõe uma história da
leitura que seja uma história dos diferentes modos de apropriação do escrito no
tempo e no espaço – seja ele físico ou social –, tomando-se por referência a idéia de
que a leitura é uma prática criativa e inventiva (o sentido desejado pelo autor não se
inscreve de maneira direta no leitor) resultante do encontro das maneiras de ler e
dos protocolos de leitura inscritos no texto. (CHARTIER, 2003, p. 11)
74
Nesse sentido, a apropriação inscreve seu lugar nas práticas socioculturais, onde o
sujeito estabelece sua relação com o outro, seja objeto ou indivíduo (ou ambos), constituindo
dialeticamente suas relações significativas. Por esta via as estratégias editoriais presentes na
capa, na contracapa, nos lançamentos, na página de apresentação de algumas obras, mesmo a
forma de divulgação, devem ser incluídas neste universo. Chartier (1999) assinala que o livro
sempre buscou instaurar uma ordem:
[...] fosse a ordem da decifração, a ordem do interior da qual ele deve ser compreendido ou, ainda, a ordem desejada pela autoridade que o encomendou ou permitiu
sua publicação. Todavia, essa ordem de múltiplas fisionomias não obteve a onipotência de anular a liberdade dos leitores. (CHARTIER, 1999, p. 8).
Assim, a possibilidade singular da leitura por vezes não consegue articulação com as
pretensões do mercado editorial, cuja preocupação em alcançar um “público” está implícita
em suas aspirações. Nesta assimetria de intenções entre texto e leitor, nos deparamos com o
investimento de descobrir ou produzir algo para este “quem” que pode estar assistindo o filme
na tela do cinema, ou sentado/a folheando um livro.
Assim colocamos em suspense as pressuposições de sujeito que estão implícitas nestes
suportes e neles investem, intencionalmente ou não, como já debatemos antes; na possibilidade de um suposto aprisionamento, se faz necessário entender que:
O conceito de modo de endereçamento está baseado no seguinte argumento: para
que um filme funcione para um determinado público, para que ele chegue a fazer
sentido para uma espectadora, ou para que ele a faça rir, para que a faça torcer por
um personagem, para que um filme a faça suspender sua descrença [na “realidade”
do filme], chorar, gritar, sentir-se feliz ao final – a espectadora deve entrar em uma
relação particular com a história e o sistema de imagem do filme (ELLSWORTH,
2001 p.14)
Se pensarmos este pressuposto tendo em vista uma abordagem que possa levar em
conta a dimensão ética do sujeito, podemos concluir que: “[...] apesar do governo, apesar da
estruturação e do limite que o governante estabelece no seu campo de ações possíveis, o
governado é ainda e sempre um agente, que tem diante de si um leque de possibilidades de
ação .” (FARHI NETO, 2010, p. 199).
Com este pensamento apresentamos a seguir a análise do corpus investigado;
“problematizar o observável” por vezes é uma árdua tarefa, mas os pressupostos que
evidenciamos e problematizamos até aqui nos auxiliaram a seguir com o jornada.
75
CAPÍTULO 4
ESPAÇOS DE PODER, SABER E SUBJETIVAÇÃO
Diante das entrevistas e dos grupos focais gravados em áudio, e dos livros utilizados
pelos/as docentes tomamos por empreendimento descobrir quais enunciados se evidenciavam
em relação aos outros ou, dito de outra maneira, buscamos perceber quais enunciados ressoavam com maior intensidade em nossos ouvidos, ganhando uma suposta autonomia; neste ponto é importante lembrar que o enfoque atribuído à análise do corpus revela um recorte preferencial eleito pelo/a pesquisador/a enquanto construção interpretativa, certamente relacionada
aos pressupostos teóricos adotados, como também às inferências entre o campo empírico e as
expectativas do conhecimento em potencial a ser observado.
Neste sentido a condução das perguntas na entrevista semi-estruturada, como também
o roteiro do grupo-focal. colaboraram para que este perfil fosse delimitado, considerando que
os temas - literatura, sexualidade e educação- mostraram-se interligados e são comuns nos
discursos, nunca aparecem isoladamente, revelando aspectos multifacetados com categorizações potencialmente complexas.
Com esta perspectiva nos direcionamos, com o aporte da obra foucaultiana e também
com os pressupostos de Chartier (1999, 2001) a investigar estes discursos que circulam na
escola através da mediação da literatura. Dito de outro modo, nos detivemos em pensar como
os livros e os discursos neles instituídos, as práticas e as ressignificações dos jovens e dos/as
docentes constituem-se como saberes e verdades imbricados nos poderes que os tornam como
tal em dado momento. Vislumbrar de forma analítica o presente educacional que observamos
implica, para este estudo, na observação dos discursos e praticas pedagógicas, suas condições
de possibilidade e suas regras de formação; uma análise neste sentido deve contemplar as articulações destes discursos e praticas com suas formas de funcionamento e os possíveis deslocamentos nos distintos dispositivos.
Assim, devem-se levar em conta as práticas discursivas e não discursivas que conformam e produzem sujeitos e objetos, pois os saberes serão considerados como prática em sua
materialidade, como acontecimento, que se articulam como engrenagens de um dispositivo
político atuando em varias esferas, como a esfera educacional, econômica, etc., em suas macro e micro inter- relações.
Os discursos que nos detivemos em analisar nessa investigação possuem uma especificidade em comum: são discursos oriundos de determinada abordagem sobre a sexualidade,
assim alguns pressupostos foucaultianos nos auxiliam a entender os enunciados com os quais
76
nos deparamos, entre eles, a noção de dispositivo. “O dispositivo é na realidade, antes de tudo, uma maquina que produz subjetivações, e enquanto tal é uma maquina de governo”, nos
diz Agamben (2005, p. 15), ou seja, ao pensarmos no termo, seja referente à sexualidade ou
não, podemos entender que o dispositivo opera através de estratégias produzindo subjetivações; tal afirmação não esgota, no entanto, a complexidade do conceito que é exaustivamente
descrito por Castro:
1)O dispositivo é a rede de relações que podem ser estabelecidas entre elementos
heterogêneos: discursos, instituições, arquitetura, regramentos, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, [...] o dito é o não dito;
2) O dispositivo estabelece a natureza do nexo que pode existir entre esses elementos heterogêneos [...] oferecer-lhe um campo novo de racionalidade [...];
3)Trata-se de uma formação que, em um momento dado, teve por função responder
a uma urgência. O dispositivo tem assim, uma função estratégica. [...];
4)Além da estrutura de elementos heterogêneos, um dispositivo se define por sua
gênese. A esse respeito, Foucault discute dois momentos especiais. Um primeiro
momento do predomínio do objetivo estratégico, um segundo momento, a constituição do dispositivo propriamente dito;
5) O dispositivo, uma vez constituído, permanece como tal na medida em que tem
lugar um processo de sobredeterminação funcional: cada efeito positivo e negativo,
querido ou não querido, entra em ressonância ou em contradição com os outros e
exige um reajuste. (CASTRO, 2009, p.124)
Evidenciando os significados do termo dispositivo, Dreyfus e Rabinow (2005) apontam que a expressão pode se aproximar de “rede de inteligibilidade”, pois alia poder e saber
numa trama específica de análise, organizando o contexto social num conjunto de práticas.
Para Foucault (1994) o dispositivo possui uma concepção histórica, tem um papel estratégico
interligado a um jogo de poder e a configurações de saber e subjetividade.
Problematizamos a dimensão estratégica do dispositivo para entender o processo que
envolve, por exemplo, as tecnologias de governo. O dispositivo da sexualidade, discutido por
Foucault (1988), e mais aprofundado por nós no capítulo 3, nos permite visualizar tipos de
normalização e formas de subjetividade presentes nos discursos investigados, pois:
O dispositivo, portanto, está sempre inscrito em um jogo de poder, estando sempre,
no entanto, ligado a uma ou a configurações de saber que dele nascem, mas que igualmente o condicionam. E isto, o dispositivo: estratégias de relações de força sustentando tipos de saber e sendo sustentadas por eles (FOUCAULT, 1994, p.246).
Desta forma, o que temos neste enfoque não são somente as formas sob as quais são
possibilitadas condições de existência de discursos que instituem saberes e poderes, mas também como a instituição escolar e seus sujeitos constituem individualidades singulares fomentando subjetividades que se pensam únicas e indivisíveis.
77
Como movimento inicial as relações de poder assumem o nosso foco, na perspectiva
de entender o dispositivo pedagógico e o dispositivo da sexualidade com toda sua carga produtiva; com o olhar direcionado para as práticas discursivas e não discursivas que se formam
e se conformam na escola, nossa análise recai sobre a discussão da sexualidade através do
livro paradidático nas instituições visitadas, de modo que a análise de um discurso, de um
sujeito ou de uma instituição, sob a perspectiva foucaultiana nos seus trabalhos genealógicos,
não desvincula as dimensões discursiva, subjetiva e institucional porque elas não funcionam
separadamente. Buscamos compreender como os dispositivos (sexualidade e pedagógico)
carregam em si um aparato discursivo e não discursivo promovendo as ações pedagógicas
que incorporam a literatura escolar, na discussão da sexualidade. Trata-se, portanto, de uma
discussão específica em dois sentidos: a discussão conceitual de dois dispositivos distintos (o
dispositivo pedagógico e o dispositivo da sexualidade), na forma em que atuam em um campo
determinado: literatura na discussão da sexualidade na escola. Este investimento fica patente
quando observamos as preferências dos/as docentes envolvidos na pesquisa bem como os
desdobramentos narrados. Estes dispositivos estariam atrelados, uma vez que as discussões
veiculadas com o livro são circundadas, em maior ou menor grau, ao aparato poder/saber,
como também aos processos de subjetivação inerentes à questão da sexualidade. Estamos nos
balizando nos pressupostos construídos por Fischer (2002) quando descreve em suas pesquisas o “dispositivo pedagógico da mídia”:
[...] como um aparato discursivo (já que nele se produzem saberes, discursos) e ao
mesmo tempo não discursivo (uma vez que está em jogo nesse aparato uma complexa trama de práticas, de produzir, veicular e consumir TV, rádio, revistas, jornais, numa determinada sociedade e num certo cenário social e político), a partir do
qual haveria uma incitação ao discurso sobre “si mesmo”, à revelação permanente
de si; tais práticas vêm acompanhadas de uma produção e veiculação de saberes sobre os próprios sujeitos e seus modos confessados e aprendidos de ser e estar na
cultura em que vivem. (FISCHER, 2002, p.155).
Assim, a autora nos faz pensar também sobre os “sintomas da cultura”, nos artefatos
que circundam a esfera escolar (ela dá o exemplo de um programa de auditório), mas atuam
na produção do sujeito. Por esta via, ao investigar sobre as relações entre cultura, sujeito e
sociedade, Fischer (2002, p.159) considera “[...] alguns elementos que “falam” nesses produtos e nesses processos comunicacionais; ou seja, estamos dando conta de visualizar e questionar sintomas de um tempo específico, e que afetam diretamente o trabalho cotidiano de professores e alunos” Com esta preocupação incorporada em nosso contexto de pesquisa, inves-
78
timos no dispositivo pedagógico e no dispositivo da sexualidade, na preocupação em ensinar
“modos de ser” e pensar em docentes e jovens com a literatura que circula na escola.
4.1 A ordem do livro e as comunidades de leitores: um olhar sobre as estratégias de poder e
subjetivação
A literatura paradidática, como produto cultural, se mostrou um elemento dinâmico;
observamos que o termo “paradidático” se apresentou na forma de nomenclatura “cambiante”
para o universo editorial, pois foi possível perceber mudanças durante a pesquisa de campo
em alguns sites de editoras, com a supressão do nome “paradidático”, restando a nomenclatura de “literatura” somente. As categorizações/diferenciações quanto à idade (literatura infantil
e juvenil) e indicações para utilização visando abordagem de determinado tema permaneceram, mas o “rótulo” de paradidático neste momento pareceu não fazer sentido.
Com certeza este não é um aspecto que pode ser generalizado, mas se as nomenclaturas se alteram visando indicar abordagens e possíveis apropriações, também assinalam para
modificações nos modos de endereçamento visando os/as docentes, os/as jovens e a instituição escolar. O site de determinada editora é um catálogo on line, funciona como uma vitrine,
potencializando e apontando para indicações de consumo; não pretendemos investir demasiadamente na discussão das relações entre a literatura paradidática e o campo editorial, mas nos
interessou observar como tais categorias podem ser construídas e vislumbrar as possíveis naturalizações que repercutem na escola. A cultura letrada, como bem se sabe, não está isenta
dos sistemas de hierarquia e classificação, deste modo o que a escola apropria como literário,
informativo ou paradidático está investido no conjunto de bens simbólicos de que fazem parte
também as atribuições do mercado editorial.
Nessa investigação buscamos identificar como ocorrem as escolhas de determinado
suporte de leitura para discussão da sexualidade na escola, e neste aspecto pudemos observar
que o perfil dos livros adotados foi diversificado; as obras apresentaram tanto a história com
predominância na narrativa, em que o enredo evoluía como uma novela (BRAZ, 2003, 2011),
como histórias em que o corpo textual e projeto gráfico continham imagens e um perfil narrativo mais informativo (RIBEIRO, 2008;WENDEL, 2007). Para a discussão da sexualidade
com crianças os dois títulos adotados (COLE, 2006;LENAIN, 2004) apresentavam a narrativa
de forma bastante lúdica, com ilustrações grandes e formato característico de livros de literatura infantil. Tais observações nos levam a considerar os pressupostos de Chartier (1999,
2001), sobre a ordem dos livros e a formação das comunidades de leitores com suas maneiras
79
de ler e a inscrição nas práticas; como também nos instigam a pensar sobre como estes modos
de escolha e seleção constituem-se e quais os critérios adotados. Com tal perspectiva, sabemos que, para Chartier:
O livro sempre visou instaurar uma ordem, fosse a ordem de decifração, a ordem no
interior da qual ele deve ser compreendido, ou ainda, a ordem desejada pela autoridade que o encomendou e permitiu sua publicação. Todavia esta ordem não obteve
a onipotência de anular a liberdade dos leitores. (CHARTIER, 1999, p.8)
E deste modo o autor nos faz pensar que a tensão entre mercado e espaço escolar constrói imposições, mas não retira a autonomia dos leitores sejam docentes ou jovens, nem o comando do sentido. No entanto, relativizando tal aspecto, o autor acrescenta que os livros são:
“[...] objetos cujas formas comandam, ao menos os usos de que podem ser investidos e as
apropriações as quais são suscetíveis.”( CHARTIER, 1999, p.8)
Neste ponto as relações estabelecidas com o escrito são primordiais; podemos observar que a interdependência entre texto e leitor recebe uma liberdade que não é arbitrária, na
perspectiva de que os códigos e convenções que norteiam as práticas de uma comunidade de
leitores acabam por limitar essa associação, como também as formas discursivas e materiais
dos textos lidos. Cada comunidade de leitores constrói suas práticas de leitura as quais são
investidas por interesses e expectativas, que podem ser contrastantes entre si.
Com o olhar na historicidade das práticas e usos dos livros, observamos a discussão da
sexualidade como um modo de experiência historicamente singular na qual o sujeito é objetivado, levando em conta certos procedimentos muito peculiares de poder; no caso dos livros
observados interessou-nos perceber como eles chegam às escolas e de que modo são escolhidos, apontando para a naturalização das articulações do mercado editorial com a esfera escolar.
Com esta percepção são os micropoderes que nos interessam, ou seja, quando observamos as categorias de escolha e seleção estabelecidas pelos/as docentes podemos vislumbrar
também toda a rede de distribuição e atribuição de sentidos em que estão inseridas as Editoras
e os mecanismos de distribuição periféricos. Neste ponto o que fica evidenciado é o investimento no sujeito, neste/a docente ou jovem em que recai a escolha do livro, objetivado por
um aparato de mercado totalmente direcionado. O “endereçamento” tanto ao/a professor/a
quanto ao/à jovem leitor/a fica evidente, o investimento seria na subjetivação destes/as sujeitos que fazem uso deste artefato cultural.
Quando determinada obra chega à esfera escolar, muitas mãos e olhos já se detiveram
em pensar sua composição: o autor, o editor, o ilustrador, como também o distribuidor - que
80
evidencia as qualidades do produto - e todo o aparato de venda e divulgação. Com enfoque na
autoria (cf. cap.2), Chartier (2001) investe na perspectiva de esclarecer que a autoria de determinado texto deixa “senhas implícitas ou explícitas” inscritas em sua obra no sentido da
intencionalidade e imposição de sentidos, dispositivos que: “[...] tendem a impor um protocolo de leitura, seja aproximando o leitor a uma maneira de ler que lhe é indicada, seja fazendo
agir sobre ele uma mecânica literária que o coloca onde o autor deseja que ele esteja.”(CHARTIER, 2001, p. 97). Para ele, tão importantes quanto as figuras do autor e do texto,
as composições que conferem materialidade ao objeto lido investem em assegurar um caminho para o leitor e sua apropriação; assim é que as instruções do texto são cruzadas com outras, no seu processo de produção.
A importância da autoria, ou melhor, a significação que determinado nome do autor
impõe a sua obra está dentro dos atributos que lhe conferem determinada personalidade. Genette (2009) nos situa informando que a inscrição, no peritexto, do nome autêntico ou fictício
do autor, que nos tempos de hoje recebe uma atribuição de absoluta “naturalidade”, não foi
sempre assim. Segundo Genette o onimato - dar nome, identificar-se- “[...] é o meio de colocar a serviço do livro uma identidade, ou melhor, uma ‘personalidade’.” (GENETTE, 2009,
p.41)
Com este atributo, a professora Eva33 (Professora de Literatura/ Língua Portuguesa (da
Prefeitura Municipal de Japeri) narra o início do seu trabalho com projetos usando paradidáticos. Para ela a autoria é atributo significativo, o autor costuma participar da culminância do
projeto desenvolvido pela escola, momento em que é tratado com grande deferência entre
professores/as e alunos/as. Neste dia festivo o autor é entrevistado pelos/as alunos/as e existe
grande preocupação com a apresentação e conduta deles/as. Reforçando tal perspectiva, a
professora Mila (Professora de Historia da Prefeitura Municipal de Japeri) nos disse na entrevista: “No dia da culminância do projeto do Julio Emílio Braz – autor do livro adotado - o
Julio veio, [...] então eu disse: “calça jeans, tênis, uniformizado”, senão um vem assim, outro
assado...
A professora Eva relata o motivo de preferência pelos livros do autor:
Eva34: Mas porque o nosso carro chefe aqui é o Julio Emilio Braz...
Entrevistadora: Mas como você chegou a ele?
Eva:[...] eu conheci o Julio por meio de uma professora, por assim dizer, por uma professora
de História, da EJA... e a conversa que sempre acontece na sala de professores é “o aluno tem
dificuldade de ler e interpretar”, “ o aluno precisa ler”, o aluno precisa entrar em contato com
33
Todos os nomes dos entrevistados são fictícios
Em todas as transcrições das entrevistas serão mantidos os traços de oralidade.
Iremos evidenciar com negrito partes importantes para análise nos excertos apresentados.
34
81
o texto” e essa professora de História pegou o livro “Pretinha eu ?”e disse, “este livro é muito bom”, então eu li, a temática era tranquila e a linguagem também...
Entrevistadora: O que você quer dizer com isso?
Eva: Fácil de entender, envolvente, é uma linguagem que trabalha com a identificação, não há
uma barreira, obstáculo que impeça do aluno se inserir na história... É o encantamento, na
verdade a obra do Julio, ela encanta... [...] eles gostam do livro [...]
A professora Mila reitera a opinião da colega e investe em outras questões:
Entrevistadora: Por que então você acha que a narrativa literária te ajuda a discutir estas
questões? Qual é este diferencial?
Mila: [...] o Julio fala deste quotidiano desses alunos, ele fala do quotidiano desse nosso
aluno aqui de Japeri, que é pobre, que é negro, que se prostitui, que é homossexual, que muitos não tem o que comer, que usa a escola pra poder comer, que mora em determinados lugares da comunidade e tem que se drogar, que tem a gravidez na adolescência, tem umas alunas que até param... eu tive aluna que foi, teve bebê, trazia, então na hora de amamentar a
mãe trazia, [...] então o Julio fala desses alunos, então eles se identificam, não tem como
eu com todo este contexto social e não construir uma auto-estima, então eu falo pra eles
que, no Brasil, a Educação é AINDA , a forma de uma certa ascensão. Essa ascensão, não é
ser rico milionário, mas é ter um emprego digno, ter seu salário [...] eu trago esta realidade,
né? O Julio traz isso na literatura dele. [...] então quando eu acabei de ler “Pretinha
eu”?”[outro livro do autor] e olhei, a aluna estava chorando... fiquei até um pouco preocupada... e os alunos fazem silêncio, por que eles fazem silêncio? Está falando de quem? Pra
quem? [ inaudível] é por isso que os alunos se apegam ao livro dele... isso pra mim no
Julio é perfeito, por isso que você entra na Sala de Leitura e você vê o quanto eles ficam
fascinados isso acontece com o “Pretinha eu?”[ outro livro paradidático] .e acontece com os
outros livros, nós estamos dando pra eles, novas opções e eles estão na mesma postura, silenciosamente, às vezes eles lêem sozinhos , às vezes eles ajudam também na leitura [...]
Em paralelo aos enunciados docentes, acrescentamos imagem de parte do livro adotado pelas professoras, na perspectiva de oferecer visibilidade a um dos paratextos que, como
mencionamos, circundam a obra, oferecendo a ela determinada distinção. Destacamos na imagem que segue o elevado número de impressões da obra, como também sinalizamos que a
primeira edição é datada de 1991. Desta maneira, tanto anos depois, ainda este livro se encontra em plena circulação nas escolas brasileiras. O autor recebeu vários prêmios com esta autoria, como fica evidenciada na imagem que segue: “Prêmio Austríaco do Livro Juvenil —
Áustria - 1997, Prêmio Naja Azul — Suíça - 1997, Menção honrosa — Berlim, Alemanha 1998.”
82
Figura 1: primeira página do livro: Crianças na escuridão.
Ed. Moderna, 2003.
83
Percebendo os paratextos presentes no livro como extensão do texto, consideramos
tais elementos com a carga discursiva pertinente aos elementos periféricos à obra, mas que
carregam um rol de significações, as quais só fazem sentido diante das maneiras de ler que lhe
são investidas. As premiações alcançadas funcionam como instrumentos de valoração e status,
atribuindo qualidade ao seu conteúdo. Os perfis das instituições que lhe conferem as honrarias
reiteram este aspecto e congregam mais valor, imprimindo uma história de autoria bem sucedida que, como uma reação em cadeia, proporciona autoridade, retroalimentando a certeza de
que este livro é uma literatura recomendada para circular na escola. A “ordem do livro”, já
discutida brevemente, observa que devemos considerar que toda e qualquer obra se insere em
um contexto social maior:
[...] toda obra está ancorada nas práticas e nas instituições do mundo social não é,
portanto, postular uma igualdade generalizada de todas as produções do espírito.
Algumas dessas, mais do que outras, não esgotam jamais a sua força de significação. (CHARTIER, 1999, p.9).
Com o pressuposto apontado por Chartier podemos pensar sobre a construção da
imagem do autor e seu papel na determinação das escolhas efetuadas para a realização do trabalho pedagógico; a partir da noção de que “[...] um texto só existe se houver um leitor para
lhe dar significação” (CHARTIER, 1999, p.11) lançamos nosso olhar para a formação das
comunidades de leitores na possibilidade de entendê-las em um movimento intrinsecamente
relacionado aos aspectos de significação e atribuição de valores que são conferidos aos livros.
Com esta perspectiva, nos debruçamos, conforme relatamos na descrição do percurso da pesquisa, em investigar os sites das editoras que trabalhavam com os livros infanto-juvenis descritos. A escolha facilitada ao docente nos chamou atenção na imagem a seguir35. Nela podemos ver uma “janela” de busca em que o usuário pode escolher a obra tendo em vista a disciplina, o nível de ensino (fundamental, médio e educação infantil) e ainda levando em conta os
Temas Transversais - neste caso aparecem: Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Ética e cidadania, Saúde, Orientação Sexual e Trabalho e Consumo. Deste modo, a distinção por este
acervo se faz desde o momento em que tais livros são separados de outros que constituiriam o
acervo de literatura infanto-juvenil36, assim curioso também é o enunciado apresentado nesta
página que deste modo interpela o navegador: “A Ática desenvolveu uma extensa e variada
35
36
Dois dos livros adotados pelos/as docentes entrevistados /as são desta Editora.
A interface desta página foi modificada, atualmente apresenta nova configuração.
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linha de livros paradidáticos para as atividades extraclasse. Em cada momento do ano, para
cada item do currículo, o educador encontrará o livro que atenda às suas necessidades”, como
podemos ver adiante.
Figura 2- site da Editora Ática.
Disponível em : www.atica.com.br > Acesso em 11/03/2011
Os enunciados evidenciados anteriormente (figura 1) mostram a regularidade que esta
obra alcançou ao longo do tempo – com várias edições e reimpressões - como organizadora e
veículo dos discursos. A grande trama que compõe o mercado editorial aponta tendências e
pontua certezas, que podem ou não ser incorporadas nas práticas de leitura de docentes e jovens. No caso da instância escolar, como discutido antes, recebemos novos ingredientes que
complexificam a trama.
Quando Eva enuncia: este livro é muito bom, incorporando um atributo recomendado
por outro docente, oferece visibilidade a determinada faceta do livro que pretende evidenciar.
Ou quando Mila enuncia: O nosso carro chefe aqui é o Julio Emilio Braz e o Julio fala
deste quotidiano desses alunos? Está falando de quem? Pra quem? [...] é por isso que os
85
alunos se apegam ao livro dele..., isso pra mim no Julio é perfeito, por isso que você entra na Sala de Leitura e você vê o quanto eles ficam fascinados, [...], assim. nos enunciados até aqui destacados, podemos evidenciar a articulação entre a qualidade da produção deste
autor, como dito anteriormente, e o conteúdo narrativo que a obra traz. Este autor especificamente tem uma história autoral de longa data com reiterada produção de livros que abordam
temáticas de cunho social e encontram grande incorporação nas escolas. Ao identificar tais
discursos necessitamos realizar um pequeno exercício de distanciamento, na medida em que
temos que pensar nesta rede que circunda o livro, como também já discutimos anteriormente.
Eva e Mila enunciam a escolha pela narrativa que oferece uma ferramenta viável ao trabalho
que desejam empreender. Neste aspecto, não seria qualquer narrativa, faz sentido aquela que
de forma contundente viabiliza uma verdade e um saber que pretendem veicular.
Dentro da discussão de quais artefatos produziriam processos de subjetivação na escola podemos enumerar diversos documentos oficiais; no caso da Educação Sexual um documento que se tornou emblemático e recorrente em todas as discussões sobre o tema, foi os
Parâmetros Curriculares Nacionais (1998). Conforme discutimos no capítulo 2, o debate acerca da sexualidade do jovem e da criança não remonta da inserção dos Parâmetros nos documentos oficiais brasileiros, mas com este documento se estabelece a “licença” ou “autorização” formal para que este assunto seja debatido em todas as disciplinas.
Com tal autorização os/as docentes podem investir em “tematizar” o assunto de forma
transversal, elaborando projetos em conjunto com outros docentes, de disciplinas diversas,
como inclusive preceitua o documento oficial.
Tendo o livro paradidático na perspectiva de “carro-chefe” como disse em entrevista, a
professora Eva conta que mesmo não tratando diretamente do assunto “sexualidade”, a narrativa oferece brechas para que o tema seja abordado. Seria importante situar que na escola em
questão os exemplares disponíveis de livros paradidáticos utilizados no projeto docente são
em número insuficiente para todos os alunos das turmas. Esses títulos não são contemplados
no acervo distribuído gratuitamente pelo MEC pelo projeto governamental de distribuição de
livros de literatura intitulado “Biblioteca na escola”; assim, a alternativa da qual as docentes
lançam mão é ter em sala de aula um número pequeno de livros, comprados pela direção, que
circulam de mão em mão. Desta forma, de maneira diversa ao livro didático que chega à escola por via de um mecanismo institucional, o paradidático é escolhido e comprado recebendo o
status de um livro que é eleito.
Assim, ao ser perguntada por que acredita que os livros escolhidos para o projeto suscitariam discussões acerca da sexualidade, Eva responde:
86
Eva: [...] porque o projeto, [com os livros] na realidade ele dá trabalho e nem todo professor
quer ter trabalho, os professores viram robôs reprodutores de livro didático: “ Ah, é o livro
didático que a Secretaria[ de Educação] mandou? Então tá”, ele monta o planejamento em
cima disso... é complicado porque nem sempre a realidade da turma corresponde à realidade do livro didático...[ela nos conta da dificuldade de adequação do didático, remessa da
Secretaria de Educação do Município de Japeri, etc. e também da dificuldade dos alunos entenderem a linguagem dos livros didáticos.]
Entrevistadora: Então por que você acha que o paradidático favorece neste sentido?
Eva: Porque o paradidático como o texto é interessante, a narrativa prende a atenção, eu
monto as questões que eu quero explorar utilizando a linguagem, o vocabulário que ele
domina, né? E com a própria narrativa eles vão avançando, aprendendo, [...] pesquisando no
dicionário... Então o conteúdo do livro didático e na maneira e os textos que não correspondem à realidade deles, porque eles podem até sonhar, fantasiar, mas eles estão muito
mais presos na realidade nua e crua, né? [...]
.
Em outro bairro do Rio de Janeiro, Bruna, professora de Ensino Religioso, nos conta
como buscou incorporar livros paradidáticos para discutir sexualidade em suas turmas de 8º e
9º ano do Ensino Fundamental:
Bruna [...] Aí eu falei com a coordenadora, eu falei sobre a Campanha da Fraternidade
que estava falando sobre Saúde Pública, e ela falou assim: “Bruna. tem uns livros aqui da
Moderna [Editora] e... tem um catálogo de livros aqui e você dá uma olhada”, e a partir desse
catálogo eu fui ver se encontrava algum livro que sugerisse o tema da Campanha[da Fraternidade]e também proporcionasse a vontade de abordar este tema e aí encontrei esses dois
livros, “O sexo é agora”, estou trabalhando com o 8º ano e o “Adolescente, um bate-papo
sobre sexo”, estou trabalhando com as turmas do 9º ano, são editoras diferentes, mas os dois,
pela proposta estava atendendo o que eu queria com eles e também ao encontro da Campanha da Fraternidade porque é um Ensino Religiosos e tinha que estar focado em algum
tema da Campanha, e eram sugestões das duas Editoras para a Campanha da Fraternidade,
eram livros que estavam dentro do enfoque da Campanha, como Saúde Pública, porque os
dois falam a respeito dos cuidados com o corpo, cuidados com a mente, ter um corpo
são[...]
Entrevistadora: Mas aí essa necessidade você sentiu foi por conta da Campanha da Fraternidade?
Bruna: [...] não, não, porque quando eu escolhi o livro eu não tinha ainda, eu sabia do tema
da Campanha da Fraternidade, mas não foi o meu objetivo maior, porque quando eu fui
procurar a coordenadora na época, falei já há três anos que estou querendo trabalhar com
paradidático, mas nunca tinha acontecido, por questões né?... da equipe... que se envolvem, dá mais prioridade a Língua Portuguesa e a gente vê o lado pai, no onerar [...]
Bruna e Eva não se conhecem, mas se assemelham no investimento pedagógico em
trazer para suas aulas livros paradidáticos que contemplam o tema sexualidade; mesmo escolhendo livros de autores diferentes, com abordagens diversas, os investimentos caminham na
87
mesma direção, pois a tênue teia naturalizada que constrói a comunidade de leitores que observamos se estrutura em pressupostos comuns: a autorização de instancias externas, como a
legislação que suscita uma demanda para a escola, como nos conta Eva em outra parte da entrevista; ou como relata Bruna: uma campanha de cunho religioso possibilitando que a professora possa discutir o assunto em sala de aula.
Amparadas nos paratextos, na autoria, nos sites de editoras e na premência do assunto
que deve ser incorporado - [...] porque nem sempre a realidade da turma corresponde à
realidade do livro didático [...] ou porque [...] falam a respeito dos cuidados com o corpo,
cuidados com a mente, ter um corpo são [...] - tais argumentos norteiam as preferências
das escolhas docentes, pois se a liberdade dos/as leitores deve sempre ser levada em conta, a
imposição das maneiras de ler não pode passar despercebida. Se por um lado há o autor que
tenta controlar a recepção, por outro lado:
[...] cada livro tem uma vontade de divulgação, dirige-se a um mercado, a um público, ele deve circular, deve ganhar extensão, o que significará apropriações mal
governadas, contra-sensos, falhas na relação entre o leitor ideal, mas no limite singular, e de outra parte o público real que deve ser o mais amplo possível.
(CHARTIER, 2001, p. 245)
Eva, Mila e Bruna são leitoras e professoras que se sustentam em determinada obra
para conduzir sua pratica docente; as maneiras de ler e se apropriar destes artefatos culturais
se inscrevem na expectativa das subjetivações construídas. Os dispositivos atuam como um
elemento histórico, impregnado pelas regras e ritos impostas aos indivíduos.
Com este olhar foi possível perceber nos enunciados docentes que os seguintes critérios foram revelados: leveza na transmissão da informação, correção na apresentação dos conceitos - preferencialmente debatidos de forma científica - e existência de fantasia e ludicidade,
quando se destina às crianças; com isso observamos diferentes formas materiais incorporadas
para o debate sobre assunto.
Assim, as tendências transparecem nas escolhas, pois se a abordagem trazida pelo texto deve ser inteligível em primeira mão, outros aspectos como a possível polifonia ficam em
segundo plano. A análise da estrutura textual de cada obra não foi uma preocupação deste
estudo, mas foi possível perceber que os textos utilizados transmitem modos de ser e pensar
alinhados com a percepção de infância e juventude veiculada pelo senso comum, aspecto endossado pelas ilustrações e projeto gráfico dos livros, antecipando o público a que se destinam. Assim, os paratextos editoriais evidenciados nas falas dos sujeitos da pesquisa evidenciaram elementos que “[...] não são acessórios neutros ou ornamentos da edição; exercem uma
88
orientação e uma pedagogia claras, apontando para uma definição da própria obra e para a
forma preferencial e ‘adequada’ de lê-la. ”(SILVEIRA et al., 2010, p.107).
4.2 “Não é bicha, é gay”: os Estudos Culturais e o dispositivo pedagógico no uso da literatura
na escola
O livro paradidático chega às salas de aula pelas mãos dos/as docentes que o elegem
como artefato pedagógico para discutir a sexualidade, conforme discutimos no capitulo 2; a
literatura, ao ser incorporada pela instituição escolar, recebe um tratamento especifico, em que
sobressaem os atributos pedagógicos em detrimento dos literários. Não nos cabe aqui proclamar a hegemonia nas abordagens para a literatura, mas observá-la no espectro de nuances em
que ela se constitui na escola; deste modo, pensando nos pressupostos foucaultianos que incorporamos, pretendemos evidenciar como este suporte de leitura e seus enunciados investem
em dispositivos de produção simbólica.
Assim, pensar no dispositivo pedagógico no uso da literatura escolar, como elemento
desencadeador de estratégias de escolha, nos remete à literatura intitulada “paradidática” e a
sua performance “cambiante”, tendo em vista que, como nos situa Chartier (1999), as comunidades de leitores elegem, classificam e dão sentido às praticas de leitura e aos artefatos culturais dos quais fazem uso. Pensando na dimensão cultural da literatura podemos percebê-la
como algo maior que uma questão de contexto uma vez que: “[...] a cultura está imbricada
indissociavelmente em relações de poder, derivam destas relações de poder a significação do
que é relevante culturalmente para cada grupo.” (VEIGA-NETO, 2000, p.40). Assim, para os
Estudos Culturais, a cultura e o próprio processo cultural não são dados naturais, mas artefatos submetidos às constantes tensões e conflitos de poder.
No mosaico de enunciados que iremos apresentar logo a seguir, tentaremos dialogar
com várias percepções sobre o uso do livro paradidático; a questão da sexualidade margeia
estes discursos que estão imbricados sobremaneira com a perspectiva educacional:
Professora Mila: [...] então, quando eu terminei de contar uma parte do livro, eu não escutava
um mosquito... [...] [relata a narrativa do livro “Pretinha eu?”37].
Entrevistadora: E você acha que foi por causa desta narrativa que os alunos ficaram eletrizados com a história?
Professora Mila: Olha lamentavelmente na nossa educação o aluno não se vê em nenhuma
história, não se vê nos murais da escola, não se vê no livro didático... e aí eu apresento
37
Livro do autor Júlio Emilio Braz, que narra a historia de uma menina que não se percebia como negra e a trajetória em reconhecer-se como tal.
89
uma história na qual o aluno se identifica de todas as formas: ele se identifica porque é
um adolescente, ele se identifica porque ele é negro, porque grande parte da população é negra [inaudível] então aquele adolescente se identifica, com a Vânia [personagem negra do
livro].
Professor Marcelo: [...] trabalho com paradidático há muito tempo, quando vem para gente a
relação para a escolha dos livros paradidáticos eu opto sempre para os voltados para as questões de...
Entrevistadora: Mas aí por que o paradidático em si?
Professor Marcelo: Porque o paradidático, ele praticamente aborda a questão em si, e se você
trabalhar a questão em si fica mais fácil e aí quando o aluno lê o livro. Cada semana um
capítulo diferente, e eu acho muito interessante porque ele sai de lá, e : “poxa vida, eu não
sabia disso, que legal, que bom”, e eu percebo que o resultado é super positivo, até porque a
gente vive numa sociedade meio que corrompida, onde as pessoas abordam as explicações, as
dúvidas não são tiradas de maneira correta, digamos assim, né? Meio torpe. Como eu fiz
um juramento para formar cidadãos eu não posso permitir que um aluno meu, ele aprenda de forma irregular lá fora, por isso que eu adotei o paradidático.
Grupo 1:
Mediadora: Vocês acham que é importante usar livros nessa discussão [sobre sexualidade]
ou tanto faz?
Aluna Melissa: Eu acho que é bom usar livro também, porque a gente aprende tipo, recebe
opiniões novas, a gente aprende, mas daí sobre essa opinião do livro, a gente cria a nossa
opinião. Interessante também, mas se não tivesse o livro para mim ia ser a mesma coisa...
Mediadora: e os outros, o que vocês acham?
Aluna Mirtes: Eu acho que o livro serve como base, entendeu? E a discussão começa a
partir da leitura do livro...
Mediadora: O que mais? O que querem falar mais sobre isso?
Aluna Mirtes: Eu acho a mesma coisa, que o livro, na minha opinião, seria o melhor meio
para completar o assunto, porque eu particularmente acho melhor do que, sei lá, buscar do
nada,o livro todo já fala vários, tipo: focos, sobre um mesmo tema e é bem mais fácil você
buscar mais assuntos do que assim, meio nenhum.
Professora Bruna [quando fala do trabalho com o livro paradidático e a atuação de outros
professores]:
[...] cada um com os temas específicos abordados com o tema da sexualidade, alguns trouxeram filmes, a Renata, trabalhando as questões dos hormônios, da parte do corpo humano, às
vezes ela pega exemplo do livro para estar mostrando na aula dela, e eu trabalho livro, a
leitura é feita em sala de aula, então a cada texto sempre que eles sentem vontade, a gente
para e conversa sobre isso, e o que eu combino? Todas essas questões mais específicas sobre
o corpo em relação a Ciências, eu peço para que faça com ela, que pergunte a ela, que ela esclareça as questões mais voltadas aos valores, ao relacionamento do dia a dia, né? Alguma experiência que eles trazem para a sala de aula, aí essa parte fica comigo, e assim, o
Wilson, também ele entra trabalhando, o Wilson é o professor de Artes Cênicas, o Wilson
trabalha muito com a questão do corpo, né? Com a questão dos movimentos, com a questão
dos desafios em cima de jogos, e tudo isso envolve sexualidade e ele trabalha também comigo
porque a gente faz uma dobradinha, é Artes Cênicas e Religião, a gente fica sempre com um
grupo da mesma turma, eu troco, eu fico com um grupo e ele fica com outro grupo, a gente
nunca fica com a turma inteira. E aí, ilustra também com essas questões mesmo em relação
aos desafios da vida, né? São desafios propostos, são questões ligadas a sexualidade...
Entrevistadora:... e desse modelo mais assim, só você?
90
Professora Bruna: Eu acho que só eu. Eu acho que esse esboço de aula minha, ela é muito
diferente dos professores, até porque esses outros professores, eles tem toda uma questão
de prova, testes. E aí tem uma cobrança muito grande nessas questões de você poder andar
com essa matéria, as propostas da escola em relação a trabalhos e a projetos.
[...]
Professora Entrevistadora: Entendi, quando você acha que eles estão manuseando o livro, o
que atrai mais eles? A temática, o tipo de enredo, as ilustrações? Tem alguma coisa que te
chama mais atenção, que eles ficam assim, mais envolvidos?
Professora Bruna: É o texto, nem todo o texto do livro chama a atenção, em determinados
momentos passa-se batido e em determinado momento alguma coisa no texto chama muito a
atenção, e aí para e fala-se sobre isso e se conversa; as ilustrações são muito boas, eles gostam, a ilustração deste aqui então, [livro“Sexo: a hora é agora ?”], ela é bem, eu acho que ela
atinge bem a garotada, eles gostam muito desse tipo de ilustração e se parece muito com as
coisas que eles fazem em sala, eu noto que eles tem essa tendência, quando a gente puxa um
trabalho eles procuram fazer esse tipo de traço, o traço é meio parecido com o traço do jovem dessa idade, não sei se houve um estudo para se chegar a essa proposta, acredito
que sim, porque senão, você vê o traço é sempre fino, não sei, o traço agrada, eu sinto que
eles gostam da ilustração, e o tema é como eu falei para você, o tema em si, sexualidade não
chamou a atenção, mas o que está escrito, o texto, algumas partes do livro quando fala em
determinados assuntos, né? [...]
Professora Eva: [contando sobre quais são as partes são mais importantes do livro para ela]
Mas eu vou mais na narrativa, mas eu gosto também das ilustrações, pra eles eu acho assim,
interessante, porque até quando construímos algumas questões, avaliações, nós construímos
uma ponte entre texto e imagem, linguagem verbal, linguagem não verbal [...] porque a sensação que eles tiveram foi a mesma que eu tive [...]a atenção foi geral... o que me chamou
atenção, foi que eles ficaram prestando atenção... Porque os alunos não prestavam atenção... Porque você falava, era a mesma coisa que falar pro nada, né? Porque aquilo, os textos
que estão nos livros didáticos não interessam, não correspondem à realidade deles, é
uma coisa muito distante, eles não conseguem, né? Por quê? Eu pensei: “ meu Deus, porque
tem um bloqueio aí, e eu tenho que saber que bloqueio é este... Por que?” Eu sempre gostei de
dar aula de gramática...[...] então como eu vou fazer meu aluno compreender ? [...] tem que
ser algo relacionado a ele, [...] quando o texto parte de dentro eu vi que é viável, é possível... Quando texto é de fora, é algo estranho... sabe por que? Ele nem se conhece direito,
então como que vai conhecer o outro? Ele não se compreende direito, então quando ele
pega o texto que tem esta temática, a questão do preconceito, do racismo, a questão da
pobreza.. .[...] mas eles gostam por causa da dificuldade... Até tem uma menina da [turma]
804, a Vivian, até dei aula pra ela agora... porque ela... caiu pra ela uma página, em que a menina que foi abandonada, se questiona, “minha mãe abandonou por que? Ela sempre me culpava pelos problemas que ela tinha...”e a Vivian que estava lendo, fala assim : “minha mãe
faz isso comigo”! Então ela parou a narrativa e falou isso na frente da turma inteira, entendeu? Aí outro momento que diz que a mãe falava muito mal do pai, ela diz: “minha
mãe faz isso também”! Então a identificação... e eles querem ler e ler...e eles ficam curiosos em saber...[...]
.
Quando Mila nos diz que: e aí eu apresento uma história na qual o aluno se identifica de todas as formas, ou quando Eva nos fala: os textos que estão nos livros didáticos
não interessam, não correspondem à realidade deles, é uma coisa muito distante, nos
revelam em quais regimes de verdades se ancoram suas praticas pedagógicas, em que o livro
91
paradidático surge como um antídoto ao engessado mecanismo de escolha/distribuição do
livro didático no Brasil. Quando Marcelo argumenta: porque o paradidático, ele praticamente aborda a questão em si, fica mais fácil quando o aluno lê o livro, visualizamos a
grande preocupação somente com a dimensão didática em que ensino/aprendizagem são meios e produto desta ação, deixando para trás outras discussões que o tema da sexualidade poderia fomentar. Bruna também aponta: eu acho que esse esboço de aula minha, ela é muito
diferente dos professores, até porque esses outros professores eles tem toda uma questão
de prova, testes, ou ainda: as ilustrações são muito boas, eles gostam; em tais enunciados
podemos perceber a naturalização destes textos e imagens veiculadas nos livros nos ambientes
em que circulam, ou quando Mirtes nos conta: que o livro, na minha opinião, seria o melhor meio para completar o assunto. Com estes enunciados voltamos, novamente, a indagar
sobre quais perspectivas esta educação mediada pelo paradidático se tornou tão específica?
Como construímos maneiras de ensinar a sexualidade dentro de parâmetros intrinsecamente
cognitivos? Os paratextos presentes em imagem e texto indicaram os destinatários ideais –
criança ou jovem, e sua sexualidade- destino certo para as abordagens. A simplificação da
linguagem visando à compreensão do texto em primeira mão, evidencia que o empreendimento didático é o alvo final, deixando para trás outras dimensões que o tema sexualidade poderia
oferecer. Deborah Britzman ressalta que a cultura escolar trabalha com respostas estáveis,
sobretudo quando se trata de sexualidade. Em vista disso, a abertura de discussões com o investimento em respostas binárias cria obstáculos a novos temas e curiosidades. Do mesmo
modo Fischer nos conta um episódio em que jovens foram reunidos no intuito de discutir mídia, sexualidade e adolescência com um grupo de psicólogos; a intervenção gerou o seguinte
questionamento por parte dos/as jovens:
[...] por que adultos e especialistas em educação e psicologia agendavam tantos encontros sobre “adolescência e drogadição”, “adolescência e sexualidade”, “adolescência e doenças sexualmente transmissíveis”, “adolescência e gravidez precoce”?
Por que raríssimas vezes havia um seminário ou uma palestra sobre “jovens e a criação artística”, “jovens e felicidade”, “adolescência e paixão”? (FISCHER,
2012, p.103)
Fischer acrescenta que tais práticas de alguma maneira acabam por objetivar o outro,
de um modo especifico em nossa cultura. Com o aporte dos Estudos Culturais vislumbramos
a possibilidade de pensar as praticas como constituintes do sujeito.
Entre as questões que suscitaram atenção nesta pesquisa, uma foi à preocupação com a
questão do “bullyng”. Conforme relatamos na trajetória de campo, as questões ligadas à se-
92
xualidade de algum modo também eram consideradas como “bullyng”; explicando melhor: ao
incorporar a questão da “diferença” na pauta escolar, a discussão sobre a sexualidade surge na
versão “politicamente correta” apropriada ao tratamento da temática. Os enunciados a seguir
esclarecem o panorama encontrado:
Entrevistadora: Mas daí você diz [para os alunos] a relação [de livros a serem adotados] que
a escola elabora ou é você?
Professor Marcelo: A escola manda uma listagem, né? Esta, [escola] como outras que eu
trabalho, e eu procuro sempre abordar essa questão da sexualidade, essa questão do “bullyng”, porque eu acho isso importantíssimo, você estando em sala de aula e a medida que eles
leem eles embarcam no universo do autor e questionam, aí eu faço uma mesa redonda, separo
em grupos e eles começam a questionar: “Por que isso ? Por que aquilo?” Existe uma curiosidade muito grande, que na verdade eu os deixo muito à vontade, eu sou um professor muito
sensível nesse sentido, que eles se sentem a vontade de maneira tal para fazer certos tipos de
perguntas que eles tem vergonha de fazer até para um colega, para mãe e para o pai...[...]
Professora Eva: [quando nos conta sobre o desdobramento do projeto com o livro em outras
turmas]
[...] teve uma aluna, eu acho que o projeto toma uma dimensão, tem da [turma]701, sétimo
ano, ela veio me procurar aqui na terça feira, ela [falou] : “eu não quero falar com a diretora,
quero falar com uma professora do projeto.” Nós somos conhecidas como “as professoras do
projeto”[..] “Então, professora, porque “bullying” não pode acontecer na escola, né ?”
Eu disse: “ não !”. Então ela disse: “eu queria que a senhora fosse até a minha sala falar sobre isso”. Eu disse: “tudo bem, você pode ter certeza que isso vai ser providenciado”, tanto
que hoje eu entraria lá. [...] Aí eu fiquei pensando assim : “eles vem nos procurar, porque
não encontram isso, né ?” Na sala, nos temas, nos debates, nas aulas, então os professores tem que ficar atentos, viu como que é que eles trazem? Achei engraçado como nós
somos vistas, né? Como a resolução dos problemas, não somos a resolução total, mas o
caminho pra que eles encontrem a resolução dos problemas, né?
Como parte do desdobramento da inclusão dos Temas Transversais no currículo, temáticas visando debater as “diferenças” encontram portas abertas na discussão escolar; a produção literária voltada para este público espelha este movimento e potencializa a exaltação de
ideais igualitários com a caça aos estereótipos de todos os tipos. Este conhecimento, muito
mais do que ligado à dimensão pedagógica do conhecimento, está imbricado em processos de
legitimação dos grupos minoritários que repercutem na esfera sociocultural e ecoam na escola. O aparato saber-poder produz o discurso do verdadeiro: Então, professora, porque bullying não pode acontecer na escola, né?. Esta fala, pinçada como representação do que a
professora acredita ser importante em seu trabalho pedagógico, emoldura o discurso que tem
sido evidenciado em encaminhamentos oficiais, pelos meios de comunicação de massa, como
também pelo dispositivo pedagógico no uso da literatura escolar. Marcelo também nos diz: eu
procuro sempre abordar essa questão da sexualidade, essa questão do bullyng. E desta
93
forma os objetos de que falam são forjados numa trama de relações, eles ocupam um lugar na
ordem das coisas e têm um uso diferente em cada configuração histórica do saber.
Longe de acreditar que tal premissa esteja atrelada à passividade do sujeito, nos perguntamos: como estes saberes chegaram e circulam na prática escolar? Descobrir a ponta do
novelo provavelmente não seria a preocupação de Foucault e muito menos a nossa, mas podemos trazer para a discussão a questão de que o discurso do combate à homofobia nos enunciados escolhidos apresentados adiante, que recebem um grau hierárquico maior neste momento do que as questões da gravidez na adolescência e da prevenção das doenças sexualmente transmissíveis poderiam ter em outros tempos. A atualidade do enunciado: “[...] não
somos a resolução total, mas o caminho pra que eles encontrem a resolução dos problemas, né?” provém de um solo fértil que encontram respaldo nas verdades instituídas do que
nós chamamos hoje de “politicamente correto”.
Quando perguntada se o livro, “Crianças na escuridão”, que possui o foco narrativo
em crianças abandonadas, possibilitaria discussões sobre sexualidade, Eva nos diz:
Professora Eva: [...] existem passagens... Nós estávamos lendo um pedaço do livro e tem
uma passagem que dois personagens se envolvem...
Entrevistadora: homem e mulher?
Professora Eva: Duas meninas... [...] no final uma menina fica com ciúme da outra e eu levei
pra eles: “como vocês interpretam isso?”[...] uns acham que é ciúme da mãe , outros acham
que não [...] Nós chegamos com uma proposta, mas dependendo do que eles colocam de tópicos pra discussão, você nota a necessidade de discutir [...] quando abrimos pra discutir
certa realidade, acabamos discutindo outros preconceitos [...]
Mila aponta aspecto parecido quando conta sobre o trabalho com outro livro em que o
tema é a questão da afrodescendencia:
Professora Mila: [...] o “Pretinha eu”? [nome do livro paradidático] Porque sempre que eu
ministro uma oficina sobre a questão racial eles tocam na questão da homofobia na escola,
eu hoje, eu digo pra você que eu não tenho presenciado, mas era gritante a falta de respeito...
Entrevistadora: Mas no “Pretinha eu?” Tem alguma coisa sobre este tema?
Professora Mila: [...] não tem, mas como eu estou falando sobre preconceito, eles aproveitaram pra falar: “Ah, professora, eles também não respeitam, o fato dos homossexuais... né?”
Porque tem alguns que vem me procurar em particular pra conversar, que se sente à vontade
pra falar comigo [...]
Entrevistadora: E questão de gravidez, AIDS, tem?
Professora Mila: Olha, eu pessoalmente não entrei nesta questão não, detalhadamente, a
questão da homossexualidade é que foram eles até que trouxeram, né? Falo sobre a
questão da homofobia, até teve esta aluna que teve um problema sério com a mãe, sabe...
que veio à escola chorando! [narra a história de uma aluna cuja mãe veio à escola porque descobriu que a filha era homossexual e queria tirar da escola, afastar da namorada da menina;
narra sobre outro aluno que tem uma postura agressiva com os colegas diante da discrimina-
94
ção que sofre] [...] eu falei: “Fulano, não é assim que a gente consegue construir nosso
espaço... você vai à direção dizer que a pessoa procedeu de forma preconceituosa, você
vai na Delegacia de Polícia denunciar...”[...] mas isso não é normal ! Ah, vamos lá, mas o
que é normal? [...] homossexualidade dentro da escola é extremamente grave, e na sociedade como um todo, então alguns professores não comentam, não tem certas atitudes,
por causa de mim e da Eva...
Nos enunciados a seguir surgem outros aspectos sobre a questão:
GRUPO 1
Mediadora: [depois que eles/elas disseram que tem dúvidas sobre sexualidade] E aí a dúvida
que surge, é dúvida mesmo ? É real, ou é uma coisa que não tem nada a ver com o que vocês
vivem?
Aluna Mirtes: É uma dúvida real, na sexualidade, por exemplo, a gente fala sobre o sexo
entre duas pessoas do mesmo sexo e aí a gente expõe as nossas experiências com quem já
teve, e aí as outras pessoas se interessam também, porque as outras pessoas, elas tem curiosidades sim, mas elas não admitem porque às vezes o pai impõe isso, sabe? “Não quero que o
meu filho seja homossexual porque é horrível isso.” No meu grupo, eu falei que eu já tive
uma experiência homossexual e aí as garotas se interessam em saber, mas não tinham coragem por causa da mãe. A mãe acha que a filha não pode ter essas experiências, acha que a
filha tem que ser hetero a vida toda, ela não pode experimentar nada nunca. E é uma coisa
que a sociedade impõe também, a sociedade impõe vários padrões [...]
Aluna Melissa: Eu acho que um desses [pais] é que está extremamente errado porque eu acho
que chega a ser ignorância hoje em dia você ter preconceito, hoje em dia com a homossexualidade, que já foi considerada doença um tempo atrás, melhorou muito, de fato,
mas que ainda existe preconceito, tanto é que teve gente ficou com curiosidade, eu aposto que
muita gente também sentiu qualquer tipo de repulsa por dentro porque já é de si, entendeu?
Foi a educação que nos é dada a absorver, tem gente que absorve e concorda e tem gente
que é contra e fica lá quietinho, e aí vê esse assunto na escola e consegue dizer o que acha
porque já não vai ver o pai e a mãe falando o que é certo ou que é errado e acaba expandindo mesmo.
Ainda sobre as dúvidas e debates em sala de aula:
Aluna Mirtes: A gente fala muito também sobre a sexualidade também assim: tipo, da nossa
identificação sexual, sobre a orientação sexual, como seria a relação sexual de cada pessoa,
dependendo da orientação, e a vida da pessoa em si, tipo: casamento, filhos, a gente chega a
falar disso, do preconceito, como é agora, como era antes. Sobre até como as pessoas meio
que hoje em dia se portarem, que não tem preconceito porque na verdade todo mundo está
mais aberto. quando na verdade...
Aluna Milena: E a mídia impõe bastante essas coisas. Tudo que surge na mídia vira meio que
uma moda, no dia a dia também, na sociedade, porque assim, antes a Globo, não a Globo, mas
as novelas não passavam coisas homossexuais, quando começou a passar todo mundo virou
bissexual, todo mundo virou homossexual agora, antes era assim, nossa você é gay? Agora, você é hetero? Não acredito (risos)
Com o professor Marcelo sobre o trabalho em conjunto sobre o livro com outros professores/as:
95
Entrevistadora: Eu queria saber se tem algum professor que trabalha com você?
Professor Marcelo: Vou ser sincero, eu particularmente trabalho sozinho. Em alguns momentos a direção me chama a atenção: “olha, você não pode falar sobre isso aqui ! ”, Aí eu
falo, pôxa, por que eu não posso falar sobre isso aqui? Tem que falar, senão alguém tem
que falar, os pais não falam, eu tenho que falar, eu falo dentro do meu conhecimento, de
forma a não agredi-los. O problema maior são os pais. Os pais vêm questionar: “ mas que
texto é esse aqui que você deu para minha filha ler? Ela tem mãe, ela tem pai, eu estou aqui
para esclarecer tudo a ela.” Mas não esclarece. Ele acha que eu estou avançando no processo que na verdade ele acha que é dele, enquanto ele esta só se esquivando e evitando esse
momento...
Entrevistadora: Mas só questões assim, ligadas o ordem “biológica”, ou questões ligadas a
afetividade? [Para saber os tipos de questões que surgem com o assunto]
Professor Marcelo: As questões ligadas à afetividade também, eles tem dúvidas a respeito da
própria sexualidade deles. Eu tive um aluno meu que ele não sabia: “professor eu acho que
sou “gay”, eu gosto de meninas, mas sinto atração por meninos, eu não sei.” Falei, esta cedo
para você descobrir isso ainda, ele tem 14 anos, como é a sua relação com o seu pai? Com a
sua mãe? E aí pais separados, aí vive mais com a mãe, não tem a presença do pai, que é
importantíssima, né? E como não tem essa presença paterna, essa presença do homem,
ele acaba se sentindo atraído pelo outro porque não tem essa referência em casa, né?
Entrevistadora: Mas daí o que você explicou para ele, você falou isso?
Professor Marcelo: É, às vezes eu falo isso, ou então eu pergunto para eles a respeito disso,
às vezes eu falo: “você esta numa fase de mutação, transformação, isso você vai descobrir lá
na frente, está muito cedo”. “Mas, professor, isso me incomoda, eu fico pensando, será que eu
sou “gay” ? Será que eu não sou ? Eu gosto de meninas, mas sinto atração por meninos, eu
não sei”[fala o aluno], mas aí isso você tem que perceber, aí eu mando chamar o responsável, mando chamar o responsável. Falo: “olha, o seu filho esta com um problema assim,
assim, assim. “Mas não pode ser!” (diz o responsável), E como é que é? Ai : “ minha mãe é
separada do meu pai, minha mãe arrumou outro marido, minha mãe arrumou outro marido”,
ele fica sozinho, se sente sozinho em casa, e dai a cabeça começa a trabalhar, né? Então, o que
a gente vê muito “normal” no canais de televisão? Os casais homossexuais, e acham normal
para eles também, então quando na verdade eles ainda não tem esse entendimento, né? Ele
esta procurando uma resposta e até não achar essa resposta ele fica nessa briga com ele mesmo, entendeu? Aí eu tento esclarecer de uma forma para ele se sentir a vontade, olha isso
faz parte da sua idade, está muito cedo para você descobrir isso ainda, quando você estiver
com 18 anos aí você realmente vai definir a sua posição sexual, entendeu?
Com as professoras Roberta e Mônica sobre o desenvolvimento do trabalho:
Professora Roberta: [...] eu acho que é o ideal mesmo que isso [trabalho com Educação Sexual] aconteça no dia a dia, o dia inteiro, isso é o ideal, mas infelizmente eu acho que na nossa
realidade... Você deixar por conta de que vai ter uma pratica interdisciplinar, de que os professores vão colocar o que eles estão preparados, eu acho que a gente vai continuar com muitas necessidades por muitas décadas, muito triste, eu acho que infelizmente isso ainda tem
que partir do poder público...
Professora Mônica: Varia os temas também, alguns temas são muito bem recebidos, preconceito, a questão do negro, essa questão da sexualidade é bem recebida, mas tem gente
que ainda não concordam, não concorda assim, não concorda que você não deve reprimir a criança...
Professora Roberta: Alguns colegas acham assim: disseminadoras do mal mesmo entendeu?
96
ProfessoraMônica: A questão religiosa, eles não aceitam, por isso que eu ri, eles não concordam com a homossexualidade e tem tudo a ver com a sexualidade...
Entrevistadora: Nenhum colega?
Professora Roberta Não, acho que tem um ou outro sim, mas a maioria deles é protestante
também aqui.
Entrevistadora: Não teve nenhuma abordagem direta, tem?
Professora Mônica: A oficina do “Nova América” [ONG que atua em parceria com a
FEBF38] teve uma abordagem bem direta com relação a homossexualidade que é o “Nova
América”, deu aqui para os funcionários...
Professora Roberta: A gente não acha que esta preparada para lidar com essas questões
[homossexualidade] porque iria gerar muita polêmica...
[...]
Professora Roberta: [Conversa sobre gênero e homossexualidade] e eu falei para eles[crianças], tem algumas religiões que são contra, porque a gente sabe que a maioria deles
são evangélicos, muitas pessoas que vão em algum tipo de igreja, igrejas evangélicas de que
vão escutar que é feio, não pode, a gente tem que saber que existe porque temos que respeitar as opiniões delas, as pessoas mais velhas, e aí eu coloquei para elas [crianças], que
existem homens que namoram outros homens e mulher que namora mulher. Eles mesmos
começam a repensar, eles ficam assim: “É, né, tia, o problema é dele, né? A vida é dele”, eles
mudam totalmente o discurso deles quando eles vão escutando você, porque você é o
exemplo para eles. Aí ontem as meninas estavam conversando e uma falou assim para outra:
“ não é bicha, é gay” (risos), uma corrigiu a outra, porque eu falei para eles, que esse tipo de
linguagem deixam essas pessoas tristes, que não é um jeito legal de falar... Algumas saem
da sala, outras ficam, é escolha, mas as que ficam eu tenho certeza que ficam com uma pulga
atrás da orelha, começam a repensar sobre o estereótipo. [...]
É comum observarmos no quotidiano escolar a utilização da literatura como recurso para discutir temas, debater “problemas”, como já comentamos anteriormente. A literatura voltada às “temáticas” aquece o mercado editorial e recheia as prateleiras escolares. Um
efeito colateral do discurso multiculturalista? Talvez! A assimilação simplificadora das “diferenças” visualizada nos livros que são incorporados pela escola (SILVEIRA et al., 2010) de
uma forma geral atua com o pressuposto de que: esse tipo de linguagem deixam essas pessoas tristes, malbaratando as condições de produção dos preconceitos, investindo na naturalização das relações de forças em que saberes e poderes emergem, produzindo as diferenças. O
que pode ser percebido é que o dispositivo pedagógico para discutir a sexualidade prega a
tolerância com as diferenças, trazendo para discussão temas como gravidez na adolescência e
homossexualidade somente com a preocupação de discuti-los visando combater “os preconceitos”. Tais assuntos tem em primeira mão o carimbo de “diferença” e são pasteurizados em
discussões comuns, corroborando somente uma “educação para a diferença”, ao que as autoras nos esclarecem:
38
Faculdade de Educação da Baixada Fluminense
97
Contemporaneamente, os discursos multiculturais produzem, como tendência geral,
uma positivação das diferenças, tomadas como essenciais, autorreferenciais, com
valor em si mesmas. Mas tal entendimento também não problematiza as condições
culturais e discursivas a partir das quais as diferenças são produzidas e reconhecidas como tal. (SILVEIRA et al., 2010, p.101);
No entanto, a multiplicidade de significados que surgem com as questões levantadas não pode ser vista de forma unívoca; perceber de que modo: alguns temas são muito
bem recebidos: preconceito, a questão do negro, essa questão da sexualidade é bem recebida, como nos diz a professora Monica, no panorama educacional atual não pode ser
impedimento para outras questões que se impõem; o “modismo” educacional não pode imperar de forma despretensiosa, dando lugar somente a performatividade.
Os assuntos candentes no panorama educacional nos mobilizam e muitas vezes
nos cobram um posicionamento, no entanto pensá-los de forma isolada seria tornar mais nebulosa a paisagem que vislumbramos; os dispositivos pedagógicos imbricados nas praticas
utilizadas para mediação dos livros que abordam a sexualidade estão interligados com demandas de vários setores, e ao analisá-los devemos pensar que:
[...] sempre que discursos e práticas são analisados é importante ressaltar que aquilo que está em jogo é a produção de uma subjetividade pré-determinada pelas redes
de poder. Tais redes poderão incluir o Estado, o mercado, os meios de comunicação
ou qualquer outra entidade, grupo ou coletivo, porque tais entidades nunca atuam
sozinhas na produção do sujeito. Como diz o próprio Foucault, os sujeitos são formados nas redes de poder e resistem a esses poderes de maneiras imprevisíveis.
(CESAR, 2004, p.25).
Tomando esta perspectiva observamos os enunciados a seguir, na possibilidade de
oferecer com eles um feixe significativo de discursos, que se encontram imbricados com o
dispositivo pedagógico, mas de alguma forma comprometidos com ideais que percebem a
Educação, o ato educativo em sua pretensa isenção, na perspectiva :“[...] de que pela ação
transformadora da educação se dá a realização de certos atributos que seriam próprios do humano, o que no final garantiria a salvação redentora do Homem” (VEIGA – NETO, 2012, p.
276),
Diretora Anete: [quando nos conta sobre o trabalho das professoras com os livros e das oficinas oferecidas por elas aos funcionários]
[...] acho que foram bem produtivos, acho que à medida que a gente assim, a gente trabalha
também com os profissionais, eu acho que não tem nenhuma mudança de prática que não passa de teorias, né? Porque a gente faz aquilo que a gente acredita, aquilo que a gente pensa, né? Eu acho que a nossa prática, ela esta ligada aquilo que a gente acredita, que a
98
gente entende, como teoria mesmo. Esse trabalho, algumas pessoas aqui nunca tinham tido
acesso especificamente a esse tema, não é um tema corriqueiro, né? Trabalhar com Direitos
Humanos assim, é muito bom o material que a ONG forneceu para gente. Um material muito
rico e, eu acho assim, que pelo trabalho que elas desenvolveram com as crianças, que
elas estão desenvolvendo, que elas vão relatar para você e você vai entender melhor, mas
eu acho produtivo também, a medida em que nós funcionários, temos a oportunidade de dentro da nossa carga horária, dentro do nosso horário de trabalho, ter essa formação.
[Anete continua, mas agora falando do envolvimento da ONG, que viabiliza o tema sexualidade através da perspectiva dos Direitos Humanos]:
[...] Porque esse tema, ele tem muitas raízes, né? Direitos humanos se aplica em todo o
momento, dependendo da sua visão, e a gente discutiu algumas situações, por exemplo, a
Páscoa, uma data cristã, então a gente fica repensando, agora vem o Natal, o nascimento de
Cristo, e aí a gente para para pensar um pouco, né? E a Monica [professora da creche] até tem
uma fala nesse sentido: “Até que ponto que a gente faz isso, mas sem de repente não ferir o
aluno ou uma família e que de repente não acredita como a gente vai falar que Natal é o nascimento de Cristo ?” Se a gente tem algumas famílias que são coisas diferentes, que às vezes a
gente vai fazendo.” Então, assim, algumas situações. um exemplo entre outras situações que a
gente para realmente para pensar, para refletir e redimensionar o que a gente já fazia, nesse
sentido eu acho produtivo sim.[...]
Monica conta o desdobramento do trabalho sobre o tema:
Professora Monica: É uma formação desse eixo da sexualidade, quando a gente começou a
pesquisar a gente via que o material assim, a gente poderia usar também alguma coisa dos
Direitos Humanos, alguma coisa para trabalhar a educação sexual, enfim, aí a gente começou a abrir, a criança tem o direito de perguntar, ter alguém para responder, e a gente
começou a falar, a responder, tem tudo a ver, a educação sexual deveria ser um direito
da educação infantil, a gente desdobrou nesse sentido [...].
Professora Monica [sobre o material oferecido pela ONG]:
Entrevistadora: Eles [da ONG] deram estes livros?
Professora Monica: Deram, depois de um tempo incorporou aqui no acervo. E no decorrer
do curso a gente fez um projeto com 3 eixos: um eixo era da educação sexual, que a gente
chamou de “Ter o direito de ser curioso e conhecer o corpo”, os outros são “Respeitar as
diferenças” e item 3 “Sonhar com um mundo melhor”, a gente dividiu em 3 grupos... E
daí o que aconteceu? Esse eixo “Ter o direito de ser curioso”, por mais que a gente desdobre
os outros, esse eixo é sempre o que chama mais atenção de todo mundo, o eixo de : “Ser
curioso”, é o eixo que todo mundo quer saber, quer entender, quando a gente vai ao
SME(Secretaria Municipal de Educação) a gente apresenta porque é o que eles querem
saber, é o que mais chama a atenção... As outras questões são mais trabalhadas aqui na escola, a questão das diferenças, do preconceito, da violência, da promoção da paz, essas
questões são mais comuns você ver, essa questão da educação sexual na educação infantil é
difícil você ver, então o pessoal se interessa bastante [...]
Ao final da entrevista, as professoras Monica e Roberta querem acrescentar:
Professora Monica: Acho que é importante falar na escola pública... [...] Tudo depende da
boa vontade, boa vontade da direção, não é uma postura institucional, o incentivo...
Professora Roberta: Isso é muito triste mesmo, eu tenho historias de professores que separam as caixinhas dos meninos e das meninas... quer dizer, o poder público não está preocupa-
99
do com isso, quando aparece um projeto como esse, no meu ver não dá a devida importância.
Não é o suficiente, a gente tenta, né? Fazer a nossa parte, mas não é o suficiente MESMO,
uma rede lá com tantas creches, sei lá, muitas, e aí você sabe que as crianças tem que passar
por isso, não tem o direito de brincar com o que querem, os meninos tem que estar sempre
brincando com o carrinho e as meninas sempre com as bonequinhas e com o fogão!
Se uma criança brinca com outra criança, ela está dizendo os órgãos sexuais da criança nessa
faixa etária, então, por exemplo, se uma criança: “Tia, a fulana veio e bem, me deu um beijo
no banheiro!” E aí se eu não tivesse esse preparo que eu tenho eu iria reprimir como se ela
fosse, é praticamente chamada de desavergonhada.
Na contemporaneidade não faltam formulas milagrosas oferecendo uma tabua
salvadora para os problemas educacionais. Ensimesmados no mecanismo do fazer cotidiano,
deixamos por vezes de lado a necessidade de inquirirmos de onde vem a “nova onda” educacional. Os dispositivos que nos levam a pensar na Educação como a salvadora da Humanidade
advém do mesmo solo que os discursos investidos nas superficialidades teóricas nos fazem
acreditar. Veiga - Neto, usando a metáfora bachelardiana da casa - com sótão, porão e piso
intermediário - para discutir o panorama educacional atual defende que tenhamos sempre em
mente:
[...] as raízes sobre as quais se sustentam o piso intermediário - da nossa vida cotidiana– e o sótão – pelo qual (nos) projetamos para diante e para o futuro. Isso é da
maior importância para conhecermos tanto os arquétipos que nos habitam a psique
quanto as bases epistemológicas dos entendimentos que partilhamos no communis
dos grupos humanos dos quais fazemos parte. (VEIGA – NETO, 2012, p. 276)
Finalizamos incorporando a ressalva do autor que nos aconselha a ida aos “nossos
porões”, pensando em nossa atuação como educadores:
Para a maioria de nós, o “ir aos porões” não significa nos especializarmos acerca do
que lá existe; significa apenas conhecer como se formaram historicamente as coisas
que lá estão, independente dos nossos juízos de valor sobre elas. Tal conhecimento
nos capacitará a estimular mais efetivamente o que julgamos ser positivo e defensável. Ao mesmo tempo, nos capacitará a combater os estereótipos e preconceitos,
sempre tão comuns e danosos tanto para uma compreensão mais acurada e consequente dos fenômenos sociais – aí incluídos os fenômenos educacionais –, quanto
para uma prática social mais justa e equitativa. Racismos (étnicos, religiosos, sexistas, etários) e homofobia são práticas sombrias que têm suas raízes nos porões.
(VEIGA – NETO, 2012, p. 276)
Por isso, seria preciso por vezes, “ir aos porões”, como nos conclama Veiga – Neto,
para que pudéssemos sair da crença de que o cenário que hoje se configura estaria isolado de
outras interferências e ações.
100
4.3 Processos de subjetivação e educação sexual
A Campanha da Fraternidade de 2012 ofereceu a oportunidade para o uso do livro em
sala de aula, nos conta a Professora Bruna; para ela o tema “sexualidade” agregaria os atributos que a discussão sobre Saúde Publica incorporada pela campanha poderia levantar. A percepção de Saúde neste sentido volta-se a sua dimensão de cuidado, ou de forma mais especifica a cultura do “cuidado de si”, possivelmente em uma das perspectivas que são oferecidas
por Foucault. Na trajetória entre a “fase genealógica” e a “fase ética” de sua obra, o filósofo
transita entre os focos do saber e poder e sua constituição nas práticas, levando em conta também a dimensão de subjetivação do sujeito consigo mesmo e com o outro; o conjunto de técnicas ascéticas atribuídas ao cristianismo evidencia-se na análise feita por Foucault da formação e transformação em nossa cultura das relações consigo mesmo, com sua estrutura técnica
e seus efeitos de saber. Foucault, ao comentar o lançamento dos livros Historia da Sexualidade II e III, e o possível deslocamento em seus temas, esclarece:
Talvez tenhamos mudado de perspectiva, girado em torno do problema, que é sempre o mesmo, isto é, as relações entre o sujeito, a verdade e a constituição da experiência. Procurei analisar de que modo domínios como os da loucura, da sexualidade, da delinqüência podem entrar em um certo jogo da verdade e como, por outro
lado, através dessa inserção da prática humana, do comportamento, no jogo da verdade, o próprio sujeito é afetado. Era este o problema da história da loucura, da sexualidade. (FOUCAULT, 2006, p. 289)
Com tal esclarecimento o filósofo endossa que sua preocupação seria cada vez mais
com as tecnologias da dominação individual, na história do modo em que um indivíduo atua
sobre si mesmo, isso é, na “tecnologia do eu [si]”. Deste modo, para Foucault (1988) são importantes os componentes constitutivos e as interações entre os sujeitos na construção dos
aparatos discursivos que incitam ao “falar-se”; o filósofo estaria especialmente interessado
com o papel da ciência e sua ligação com a confissão, a verdade e o poder; para Foucault,
segundo Dreyfus e Rabinow:
As normas cientificas e o discurso científico imparcial (em particular o discurso
médico) tornaram-se tão dominantes na sociedade ocidental que parecem sagrados.
Além disso, através da expansão dos métodos da ciência, o individuo tornou-se um
objeto de conhecimento para si mesmo, a fim de se conhecer e ser conhecido; um
objeto que aprende a operar transformações em si mesmo. Essas são as técnicas que
ligam o discurso científico às tecnologias do eu. (DREYFUS; RABINOW, 2005,
p.192)
101
Silvio Gallo acrescenta: “[...] E, nesse processo o tema da ética, da relação do sujeito
consigo mesmo como uma forma de educação, como uma forma de produção autônoma e
libertária da subjetividade, que mais tarde seria completamente capturado pela máquina de
subjetivação cristã, torna-se evidente.” (GALLO, 2006, p.72).
Bruna [professora de ensino Religioso] evidencia este aspecto comentado por Gallo,
quando questionada sobre como se realiza a forma de avaliação do trabalho com o paradidático:
Professora Bruna: [...] mais informal, a minha avaliação vai ao encontro aos temas iluminadores do Ensino Religioso que no momento são da perspectiva do menino do 8º ano, conhecer-se a si mesmo, que é o gancho no início do 8º ano, conhecer-se enquanto pessoa, primeiro exercitar essa questão que primeiro eu preciso me conhecer, para tentar até ver o outro
de uma outra maneira, se aceitar como é, valorizar o seu corpo, né? Valorizar as questões
mesmo das coisas que o rodeiam, e aí o gancho dessa avaliação do livro, ela vai ao encontro
desse tema iluminador que foi a proposta do 1º bimestre e do 2º bimestre, daí vem a questão
da religiosidade que é essa questão dele enquanto conhecer-se melhor, gostar do outro, gostar do outro, para quê, gostar do outro, quando? Né? E por quê? E daí vão surgindo as respostas [...]
A professora se preocupa com a constituição moral deste sujeito, seu/sua aluno/a, incitando uma abordagem voltada para a ação reflexiva, em que os atos voltados ao “analisar-se”,
tomar para si o próprio destino ficam mais evidentes; tal pensamento possivelmente seria oriundo da crença em uma possível essência constitutiva da subjetividade, que sustenta o sujeito
e encontra respaldo no saber dito científico, preponderante para a suposta racionalidade.
A professora Bruna, ao ser perguntada sobre questões voltadas ao “aspecto biológico” da
sexualidade, evidencia os pressupostos que norteiam seu trabalho, dizendo como age :
Professora Bruna: [...] quando é uma questão mais assim, por exemplo, uma pergunta outro
dia para mim... Sobre os hormônios dos meninos, né? Porque nascem os pelos, né? Nasce a
barba. E nas meninas nascem os pelos da púbis, e os seios aumentam, e aí eles começaram a
querer saber coisas mais destinadas a parte interna do corpo, mais corpo humano mesmo,
assim. Daí eu falei assim para eles, gente, eu não posso afirmar porque eu não tenho formação
em Ciências, como a Rita [professora de Biologia] já está nessa parte vocês perguntem a ela.
Aí na hora do recreio, eu falei: Rita, olha, eles estão me perguntando isso, assim, assim, eles
vão provavelmente perguntar a você, e aí ela disse que perguntaram mesmo e ela falou e tudo
mais. Então, existe assim, a gente procura estar esclarecendo essas dúvidas deles. Na verdade
a minha proposta com eles, ela vai mais no trato enquanto ser humano, enquanto pessoa, enquanto essa relação deles com o outro.
No desdobramento do aspecto abordado pela professora Bruna, evidencia-se outro,
constante nas falas dos/das professores/as: o tipo de abordagem da sexualidade, ou seja, como
as perguntas e respostas aos jovens e crianças eram realizadas e debatidas e os motivos da
102
incorporação do tema de forma especifica. Marcelo, professor de Língua Portuguesa e Literatura em escola particular do Rio de Janeiro, ao ser perguntado sobre a dinâmica de perguntas e
respostas no trabalho com o livro, nos diz:
Professor Marcelo: Isso, sobre a questão do corpo, o que acontece, por que quando acorda de
manhã geralmente acorda com ereção, por que quando pensam em alguma coisa, eles ficam
excitados, a questão da mudança do próprio corpo, né? A ejaculação, a primeira, quando acontece. Eu tento explicar para eles, não, eu explico MESMO, porque que ocorre isso, com a
idade o corpo vai mudando e você vai percebendo, entendeu?
Entrevistadora: E aí que tipo de questões surgem?
Professor Marcelo: TUDO: aborto, camisinha, sexo oral, se beijar na boca pega Aids ou se
ejaculação fica grávida, são perguntas assim desse tipo: “ o que é hímen ?” Alguns não sabem. Eu tive uma conversa com o pessoal do 9º ano e falei sobre prepúcio, né? O que é isso,
professor? Vocês não sabem o que é isso? Não, não sabemos! Então, você tem que explicar o
que é, é a parte do corpo deles que eles desconhecem, e como o pai e mãe não esclarecem
acabam aprendendo de forma torpe na rua, [...] Porque a minha explicação, ela vai de
uma singeleza tão grande que não soa mal, não soa pesado para eles, e eles ficam satisfeitos, pô professor, eu não sabia disso, que legal, entendeu? Que tipo de cuidado eu devo
tomar em relação a isso, a isso, aquilo, aquilo? Então, eles questionam essas perguntas, entendeu?
Mônica e Anete respectivamente professora e diretora de escola voltada à Educação
Infantil no Município de Caxias, Rio de Janeiro, também nos contam como surge e como se
desenvolve o trabalho com o livro paradidático na mediação do tema com crianças:
Entrevistadora: Esses [livros] de sexualidade, depois eles [alunos/as] questionam alguma
coisa, perguntam?
Professora Mônica: [...] na minha turma não, eles não questionam não, porque também nos
nossos estudos a gente procurou responder só o que eles questionassem, né? Não incentivar tanto por conta própria, não incentivasse e aí eles não questionam muito não, até porque
“Mamãe botou um ovo” [livro que aborda o tema sexualidade, nascimento, etc.] ele fala de
uma forma bem infantil, né? Eu acho que eles passam a ver com naturalidade porque a gente esta tratando com naturalidade, ainda não desperta neles essa curiosidade toda não [...]
Diretora Anete [falando sobre o projeto desenvolvido pelas professoras]
Elas desenvolveram esse tema inicial falando um pouco da descoberta da sexualidade até em
função de algumas situações que a gente vivia dentro da creche, porque assim é uma realidade nossa, a questão da sexualidade muito aflorada. Então, assim, a gente vive muito isso,
algumas situações com as crianças, onde isso está muito presente. A gente sabe que faz parte,
a gente lida com crianças de 2 a 5 anos, então a gente sabe que faz parte, né? Da descoberta
do corpo, a curiosidade, a gente sabe que está presente mesmo nessa faixa etária, mas a gente
tinha algumas situações tipo, tinha uma aluna que se masturbava excessivamente na sala
de aula, uma coisa assim, a gente começou a começou a perceber essa aluna e a gente precisou atender essa família e aí teve um desdobramento, enfim, a gente... [...] Eles [os alunos]
tem realmente uma, não digo uma vivência, mas assim, é um olhar bem diferente do que eles
deveriam ter nessa faixa etária. Porque para um adolescente falar de sexo e tal, normal,
103
agora de uma criança de dois, três anos, né? Quatro anos que é quando eles começam a
ter a oralidade, eles falam mesmo, e a gente começou a ter dificuldade de como lidar
com essas situações [...]
Professora Mônica: [...] essa questão das crianças manipularem os órgãos genitais, em alguns casos aqui que estava sendo excessivo, a criança é, manipulava excessivamente, todos os
dias, em vários momentos, então a gente achou legal trabalhar essa questão, porque as pessoas são bastante despreparadas para lidar com isso, e na infância mais ainda, a tendência é a repressão e as pessoas não comentam, acham aquilo como se fosse uma aberração: “não acredito que aquela menina faz aquilo”, então a gente ficou assim, será que realmente é uma coisa tão estranha assim? Será que não é normal? E aí a gente começou a
pesquisar, ela [membro da equipe do de formação docente sobre o assunto] emprestou esse
livro para a gente [...]
Entrevistadora: [...] vocês acham que esses livros ajudam vocês a alcançarem os objetivos?
Professora Mônica: Ajuda muito, porque é a questão da criatividade, tem que usar uma linguagem adequada para o que a gente está trabalhando, quando é uma linguagem totalmente
infantil é uma forma mais fácil de tratar com as crianças, porque a gente pega o gancho do
livro e continua. As questões são colocadas no livro de uma forma bem criativa, que só o
escritor consegue fazer, nem sempre a gente tem essa capacidade de criatividade, o livro é
essencial, mas as conversas, os exemplos do dia a dia também faz muita diferença, infelizmente assim... nas outras turmas são mais pontuais, na nossa turma é mais profundo o trabalho porque eu consigo trabalhar isso com eles todos os dias, na hora da recreação, na hora
de qualquer desenho que tem que fazer, na hora da discriminação entre eles porque eles
discriminam, né? O trabalho na nossa turma é mais efetivo porque a gente consegue fazer
isso todo o dia, né?
Com estes enunciados vislumbramos a questão do cuidado de si em sua relação com a
discussão da sexualidade na escola; não temos a pretensão de explorar a gama de significados
que o conceito abarca, pois o mais importante aqui seria entender como jogos de poder e de
saber constituem os modos de subjetivação, as maneiras através das quais os sujeitos são produzidos, como assujeitamento e como libertação; neste ponto, nos discursos observados percebemos que a “cultura do cuidado de si” atrela-se ao dispositivo da sexualidade na forma
normativa do discurso cientifico sobre o assunto; melhor dizendo, em sua face intrinsecamente ligada à produção de um dizer verdadeiro sobre o tema sexualidade/saúde ampara-se no
binômio saúde/doença e normal/anormal, pontuando as preocupações daqueles que pensam e
atuam com a temática da sexualidade na escola. Invariavelmente esta condução se ampara em
pressupostos preventivos, as práticas da cultura do “cuidado de si”, como evidenciam os enunciados mencionados, apontam para abordagens que percebem a questão da sexualidade da
escola na perspectiva produtiva, “positiva” do discurso, com ações voltadas a explicar, esmiuçar, não deixar nada velado para que não se produza desdobramentos “negativos”, como a
discriminação. Não cabe aqui e nem em qualquer parte da nossa análise estabelecer juízo de
104
valor ao que foi dito. Na perspectiva que professamos muito mais interessante será pontuar as
regras que tornam possível a existência destas enunciações diversas.
A abordagem da sexualidade enfocando principalmente a vulnerabilidade dos jovens
às DSTs, ao HIV/AIDS evidencia-se como fenômeno relevante à análise e classificação na
perspectiva do campo da Saúde. A emergência deste enfoque envolve questões relacionadas a
uma abordagem da educação sexual que Arilha e Calazans (1998) chamaram de “preventivista”; tal preocupação com interditos para o que é considerado um curso natural ou esperado do
ser jovem ou da criança indica para a expectativa educacional de um tipo ideal para aquele
recorte etário. No entanto, se para o/a jovem esta discussão pode estar presente, pois se insere
nos temas preceituados pelo currículo devido à incorporação dos PCNs há mais de uma década, para as crianças a temática não é tão comum nas salas de sala. No caso, na escola visitada,
a demanda por discutir o assunto para solucionar o “problema” da criança que se masturbava
em aula, nos faz pensar na concepção de infância professada; a diretora da instituição nos diz:
então a gente sabe que faz parte, quando se refere à sexualidade na infância; mais adiante,
no entanto, relata: porque assim, é uma realidade nossa, a questão da sexualidade muito
aflorada. O estranhamento do tema na tenra infância tem nos pressupostos da cultura do cuidado de si e do aparato cientifico para discutir o assunto seu grande amparo, a solução do
“problema”; com preocupação em perceber que a criança também pode ter a dimensão da
sexualidade em sua vida, esbarra-se no incomodo da duvida: Porque para um adolescente
falar de sexo e tal, normal, agora de uma criança de dois, três anos, né? Diz-nos a diretora.
Discorremos por várias vezes neste capítulo sobre a intensa relação entre poderes e saberes envolvendo discursos e praticas dos indivíduos; de modo diverso ao que possa parecer,
tais relações não estão livres de tensões, ao que Foucault (1988, p.91), invariavelmente afirmava: “[...]"Lá onde há poder, há resistência.[...]”, realçando a incontestável existência das
relações de poder, mas investindo na possibilidade do exercício da liberdade pelos indivíduos.
Com este pensamento é que percebemos, os processos de subjetivação também como práticas
de liberdade, e não somente de assujeitamento. A inspiração foucaultiana nos instiga a pensar
também em uma construção autônoma de si, resultante dos jogos de poderes, saberes e verdades nos quais vamos nos constituindo de modo individual e um grupo, mas na possibilidade
de pensar : “[...] Aquela “educação de si” da qual já falava Nietzsche, na contramão da instituição formativa alemã de sua época.[...]”(GALLO, 2006, p.78). Ou seja :
105
No tocante aos processos de subjetivação a linha de fuga está na possibilidade de
singularização. Se a subjetivação é uma produção de subjetividades em série, de
forma massiva, a produção desejante colocada no âmbito da produção e do mercado, a singularização é uma resistência a este processo, o investimento em um fluxo
singular, em uma produção desejante que escape ao território, abrindo novos fluxos. (GALLO, 2010 , p.241)( grifos do autor)
Gallo adverte sobre esta postura e aponta que não se trata de simples negação ao que
estaria posto, ou de se estabelecer apenas oposição polarizada do território demarcado ou
mesmo de uma saída absoluta do campo de luta, mas argumenta, pensando na esfera educacional, sobre a possibilidade de “[...] construir uma alternativa à margem [...]” ou dedicar-se
em “Produzir buracos no espaço estriado do sistema educativo, aproveitar-se de suas brechas
e de suas falhas para produzir escapes à serialização e fomentar singularizações” (GALLO,
2010, p.241).
Assim, os conceitos se evidenciam e se multiplicam; se a dimensão ética do indivíduo é
ressaltada, alguns aspectos conceituais, no entanto, não podem ser desconsiderados:
Cada vez mais, a preocupação com o cuidado de si perpassa o pensamento filosófico e ético, exigindo novas elaborações sobre os conceitos de liberdade, moral, subjetividade, individualismo, verdade, prazer, desejo, entre outros, conferindo-lhes relevância renovada para a constituição de estratégias tanto de crítica à sociedade
contemporânea quanto de reflexões sobre as questões daí decorrentes. A análise das
diversas formas ético-filosóficas de elaborar a questão do cuidado de si, nome por
mim utilizado para designar um conjunto nocional, que liga a concepção de sujeito
ético ativo às de verdade e de liberdade, enfoca o problema da auto-formação e da
permanente autotransformação do indivíduo. Este problema consiste na busca e no
estabelecimento de certa unidade entre diversas noções como: tecnologias ou técnicas de si, cultura de si, estética da existência (Michel Foucault); auto-estilização,
estilo de existência (Peter Brown); exercícios espirituais (Pierre Hadot); artes de vida (Martha Nussbaum); e os exemplos podem-se prolongar. (PORTOCARRERO,
2011, p.81)
Tais conceitos perpassam a perspectiva do sujeito enquanto possibilidade de investimento em sua singularidade, aspecto apresentado pelas docentes que investem em discutir o
tema da sexualidade na esfera infantil, mesmo com os entraves do sistema educacional, um
caso que não é comum no panorama vigente, como nos diz Gallo, referindo-se às pequenas
ações do cotidiano escolar e sua importância educacional:
Se as instituições escolares modernas foram construídas como espaços de subjetivação pela sujeição, é nas práticas desviantes daqueles que escolhem correr os riscos de produzir experiências de liberdade no cotidiano da escola, inventando uma
prática educativa que toma como princípio ético a estetização da existência, que reside a possibilidade de resistência e criação..(GALLO, 2006, p.78)
Deste modo, sabemos que qualquer luta é sempre resistência, quaisquer que sejam as
relações de poder, assim “[...] não existe propriamente o lugar da resistência, mas pontos mó-
106
veis e transitórios que também se distribuem por toda a estrutura social.” (MACHADO, 1981,
p.192). Com este pensamento observamos a entrevista de Bruna, quando comenta sobre o
debate sobre sexualidade em suas aulas e as reações diferenciadas entre os jovens (meninos e
meninas), como já relatamos anteriormente:
Professora Bruna: [...] Eu acho que o sexo ainda é muito tabu, e as famílias pelo que eu sinto
conversam sobre sexo com os filhos, porque muitos falam assim: “meu pai já me deu uma
camisinha”, o que vem reiterar que os meninos estão preparados para fazer sexo a qualquer
momento.
Entrevistadora: Isso quem disse foi o 8º ou o 9º ano?
Professora Bruna: Foi o 9º ano. Ele disse que a menina ia para casa dele estudar, não sei até
que ponto isso é verdade, ele disse que a menina ia para casa dele estudar, chegou lá na casa
dele, a menina começou a acariciá-lo e aí acabou fazendo uma porção de coisas com ele, não
sei o que, e ele se sentiu envergonhado dela ter feito aquilo e não estava esperado, né? E
aí vira-se um menino que estava do meu lado e disse: “ isso não é assunto para se discutir
aqui!” Houve uma briga na sala naquele dia, uma discussão que é assim, você nem faz idéia !
Eles brigaram muito, bateram boca, os dois meninos. Um falou assim: “isso não é assunto?
Porque você não gosta disso, eu estou falando o que aconteceu!” O menino que estava do meu
lado se sentiu incomodado, porque ele achou que aquilo não era o momento para ele estar
falando. Eu, o Wilson [Professor de Artes Cênicas] a gente não quis assim, frear, porque a
gente achou que isso ia se esclarecer e depois o Wilson soube muito bem, assim direcionar. E
foi nesse dia que eu ouvi está frase: “eu não me sinto com idade para estar conversando
sobre isso, não acho que isso deva ser assunto para a gente estar conversando”, e o que
mais me surpreendeu nesse menino, é que esse menino é um menino extremamente cabeça
aberta, é um menino que participa das coisas, muito crítico, não sinto ele com vergonha de
falar, mas nós também respeitamos ele e falamos, em momento nenhum que ninguém aqui, aí
a gente direcionou para o outro lado, não estamos dizendo aqui que vocês estão com idade
para fazer sexo, o que ele falou foi que aconteceu um caso com ele isolado que não chegou a
ser sexo, foi uma simulação de... E aí você está com total liberdade para falar que você se
sente imaturo para participar, agora eu acho que você tem que respeitar que ele está se sentindo a vontade para falar sobre isso... O grupo inteiro tem que respeitar as duas situações...
Entrevistadora: Como ficaram depois?
Professora Bruna: Ficaram bem, não sei né? A gente não sabe quando sai daqui como fica,
mas nós esgotamos na sala a participação de todo mundo, as meninas falaram, todo mundo
falou sobre a questão, eu me surpreendi com a posição dele...
Diante da tão discutida “profusão discursiva” sobre a sexualidade nos deparamos com
estes enunciados. O jovem que se recusa a discutir sobre sua sexualidade e sobre a sexualidade alheia aparece na contramão da grande massa que investe no “dizer-se” de forma inadvertida. Ao enunciar: eu não me sinto com idade para estar conversando sobre isso, não acho
que isso deva ser assunto para a gente estar conversando, ele parece romper com toda lógica oferecida por certos aparatos produtores de subjetividade, como o confessionário e a necessidade de “narrar-se”. Assim as subjetivações esperadas pelo implemento do dispositivo
pedagógico na discussão da sexualidade do jovem ficam embotadas pela ação da liberdade.
107
Endossando este pensamento Revel nos diz: ”[...] a resistência é a possibilidade de criar espaços de lutas e de agendar possibilidades de transformação em toda parte.” (REVEL, 2006, p.
74).
4.3.1“Ele já contou quando perdeu a virgindade dele”: narrativa e subjetivação
A concepção produtiva do dispositivo da sexualidade oriundo das praticas pedagógicas
pode ser percebida em sua materialidade estratégica nas ações escolares que envolvem o uso
do livro paradidático sobre o assunto. Para Foucault (1994) os discursos sobre a sexualidade,
antes de qualquer coisa, devem ser observados em sua eficácia positiva, constituída das tensões entre saber-poder e formas de subjetivação do sujeito. Neste ponto, os jogos de saberpoder e produção de verdade nos levam a pensar a constituição dos sujeitos em sua intima
relação com certos aparatos produtores de subjetividade. Larrosa (2008) se preocupa com a
subjetivação do sujeito no interior dos aparatos (pedagógicos, terapêuticos, etc.) visando construir uma “experiência de si”. A experiência de si, para o autor, seria o desdobramento de um
intricado processo histórico no qual se imbricam os discursos que definem a verdade do sujeito, as práticas que estabelecem seu comportamento e as maneiras em que sua subjetividade se
apresenta; segundo ele, a regulação e a modificação da experiência que a pessoa tem de si
mesma constroem e intercedem na construção da “experiência de si”, principalmente quando
isto ocorre em práticas pedagógicas, seja dentro ou fora do universo escolar.
Para Altmann, tomando a perspectiva de Larrosa “[...] a educação, além de construir e
transmitir uma experiência ‘objetiva’ do mundo exterior constrói e transmite também a experiência que as pessoas têm de si mesmas e dos outros como ‘sujeitos’” (ALTMANN, 2001, p.
578). Os dispositivos pedagógicos atuam, deste modo, como constitutivos de subjetividades.
Através de pressupostos foucaultianos, Larrosa nos leva a pensar no uso dos dispositivos pedagógicos da literatura escolar para constituição da “experiência de si”. Neste ponto, as
dimensões descritas por ele apontam a necessidade de pensá-los como artefatos de mediação e
fabricação “de um eu duplo”, como também outros mecanismos de apreensão deste “eu duplicado”; nas palavras do autor: “Aprender a ver-se, dizer-se, ou julgar-se é aprender a fabricar o
próprio duplo. E a ‘sujeitar-se’ a ele.” Ou ainda “As dimensões do dispositivo pedagógico não
são senão a materialidade e a forma de realização dessas operações de fabricação e de captura
do duplo.” (LARROSA, 2008, p.80).
Como Larrosa aponta: “os estereótipos são os lugares comum do discurso” (idem,
p.83), o falar-se atrelado ao dizer-se, formam esta rede discursiva de significados, formas
108
legítimas de falar e de dizer, em alusão inevitável ao mecanismo do confessionário, onde o
confessor é o primeiro fiel depositário das culpas; a extensão do ato vai além quando se desdobra na necessidade do vigiar-se e punir-se, interferindo de forma significativa na subjetividade. Com a perspectiva de observar sobre a genealogia das práticas confessionais no Ocidente, Prado Filho acrescenta:
Quando se diz ‘confissão’ deve-se entender tecnologia de confissão: conjunto embricado de saberes e práticas relativos à subjetividade, colocados numa relação de
incitação recíproca, onde o ato de verbalização, o exercício do discurso do discurso
em relação a si mesmo, gera um conhecimento sobre o sujeito. Ela é uma grande
tecnologia de conhecimento e subjetivação dos sujeitos inventada pelo cristianismo,
que se difundiu em variados campos da vida moderna, presente entre nós no âmbito
das relações institucionais, mas também das relações pessoais, intimas, sempre ligada a formas de conhecimento e de trabalho dos sujeitos sobre si mesmos.
(PRADO FILHO, 2006, p. 145)
Para este autor a hermenêutica de si cristã é diferente da hermenêutica de si moderna
que está comprometida com uma regularidade científica, em que o conhecimento de si opera
na ordem de um “trabalho sobre si” ou como base para a “transformação de si”.
Pensando nestes pressupostos, observamos as colocações de Bruna ao nos contar sobre
o trabalho com o livro e as questões que mais surgem:
Professora Bruna: [...] Aí eles vieram com essa pergunta assim: “[...] mas existe uma
idade certa para transar?” Eles têm muita preocupação com isso, né? Até o Wilson [professor de Artes Cênicas] estava comigo assistindo o filme [referindo-se ao filme.. “Aos treze”39],
né? E ele disse assim: “ não, não existe idade certa para nada, para ninguém, o que existe é o
momento certo e quando nós estamos preparados para que esse momento aconteça, agora se eu disser para você que a idade certa para transar é 14, 15, não existe essa idade,
existe o preparo”, e aí a gente puxa outros assuntos, né? Aí a gente leva para outros assuntos.
Aí trouxemos para essa questão dessa pergunta um “funk” [música] que está sendo muito divulgado, aí que eles falam assim, ``vou te largar de barriga”, e as meninas dançam aquilo achando aquilo tudo maravilhoso e nós perguntamos:” vocês sabem o que vocês estão cantando? O que significa para vocês?” ``vou te largar de barriga``? Aí eles falam assim: “não, significa que o cara é esperto, vai namorar todo mundo e vai largar mesmo, mesmo que esteja de
barriga”. E aí perguntamos pra eles: “e vocês vestem essa camisa? É o correto, é ficar com
todo mundo largando por aí de barriga?” Então, a gente traz essas questões para esses debates...
39
Filme “Aos treze”: Tracy (Evan Rachel Wood) é uma adolescente inteligente e uma aluna brilhante Um dia ela
se torna amiga de Evie (Nikki Reed), a garota mais popular da escola. Esta a apresenta ao submundo do sexo,
das drogas e da mutilação, o que cria uma nova Tracy e a coloca em conflito com seus colegas, professores e,
principalmente, com sua mãe (Holly Hunter). Lançamento: 2003 - Duração: 1h 40min - Titulo original :Thirteen
• Dirigido por :Catherine Hardwicke
• Gênero Drama
• Nacionalidade EUA
Informações e sinopse retiradas de: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-45640/em 22/1/2013
109
Os debates relatados pela professora acontecem em suas aulas, em que por vezes o
professor de Artes Cênicas participa; os docentes recorrem ao uso de vários materiais para
discutir o tema, entre eles músicas, textos e filmes, como continua nos contando a professora
Bruna:
[...]. Então, o filme [mencionado anteriormente], ele aborda esse lado que eu acho que também é muito comum na escola. Eu mostro muitas vezes em sala de aula, sempre tem as meninas que são as mais queridas da escola, no 8º ano elas já ficam muito mais antenadas com os
meninos do Ensino Médio, já começam a querer vir para a escola pintadas, a querer chamar a
atenção, e sempre existem as que chamam mais atenção mesmo, né? Porque são as mais sociais, são a que são assim, se relacionam melhor com os meninos e outras que são mais quietinhas, são mais envergonhadas, e assim, eu noto que às vezes essas meninas mais tímidas, às
vezes vêem nessas meninas mais assim, um perfil de um ideal, eu queria ser, quantas vezes,
né? Às vezes se deixam levar por atitudes que não são as delas, e eu costumo sempre no 8º
ano, trabalhar um texto que fala sobre máscaras, eu pego o período do carnaval, falo essa
questão das máscaras que é a gente colocar uma máscara na gente para mostrar uma coisa que nós não somos, para agradar o outro, para agradar as pessoas da sociedade e que
nós deixamos de ser nós mesmos para ser outras pessoas, as vezes você vê no outro uma
alguma melhor que você é, e não é assim, cada um de nós temos muita coisa bacana para
dar, para mostrar.[...]
No desdobramento destas discussões em sala de aula, os/as alunos/as da professora
Bruna nos relatam:
Mediadora: E vocês acham importante, o que vocês acham? Vocês gostam da aula, qual a
opinião de vocês sobre o assunto e sobre o trabalho aqui?
Grupo 140:
Aluna Melissa: Eu acho bem interessante, até porque a gente reflete aqui, antes eu não pensava em fazer isso, agora eu posso melhorar consertar as minhas atitudes...
Aluno Mauro: Eu acho isso essencial para orientação do adolescente, pré-adolescente mesmo, porque isso vai surgir na vida dele e a gente não pode deixar passar batido...
Aluna Mirtes: E às vezes nem os pais tem essa liberdade para falar sobre isso, né? E aí todo
mundo fica muito quieto, mas não é para ficar quieto porque isso vai surgir em algum momento e o adolescente tem que estar preparado para as coisas da vida...
Aluna Melissa: E o adolescente também tem muitas dúvidas...
Com tais enunciados, não podemos esquecer que o debate em torno da questão da sexualidade na escola se apresenta de forma diferenciada a outros assuntos que por vezes emergem na pauta escolar; a sexualidade foi apropriada como um “problema oficial” a ser discutido dentro da escola após a implementação dos PCNs (conforme discutimos no cap.2) e a “colocação do sexo em discurso”, como nos situa Foucault (1988) evidencia a inquietação com o
assunto, empreendendo para isto estratégias de poder e saber que configuram o que pode ser
discutido e como fazê-lo no espaço escolar. Larossa (2008) ressalta o aspecto reflexivo atra40
Grupo focal realizado em escola particular do bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. Os/as alunos/as receberam
nomes fictícios.
110
vés do qual este “dizer-se” é incorporado nas instancias pedagógicas, mostrando que tal estratégia busca uma produtividade em que os mecanismos da visibilidade constituem a relação
que o “sujeito de si” estabelece com sua consciência.
O dispositivo pedagógico da “experiência de si” encontra respaldo nas formas narrativas do “dizer-se”, comuns nas ações pedagógicas e terapêuticas incorporadas pela escola; tal
conformação educativa adquire valoração quando percebida como constituinte de subjetividades, principalmente no que se refere ao aspecto moral. Assim, a constituição de um sujeito
reflexivo é privilegiada para colocar “o sexo em discurso”, uma vez que este aparato oferece
os mecanismos de visibilidade/reflexividade tão caros a conformação da subjetividade do sujeito nos preceitos de uma sexualidade normativa em que os projetos de uma “juventude ideal” encontram respaldo.
Este investimento em ações educativas que produzam um arcabouço narrativo muito
peculiar nos faz lembrar a “produtividade tática” e “integração estratégica” inerentes ao campo discursivo em que a sexualidade é situada por Foucault (1988); aspecto este evidenciado
pelo autor quando nos situa sobre a necessidade de privilegiar a observação da conjuntura e da
correlação de forças em que estes discursos se engendram, bem como os efeitos recíprocos de
poder e saber que proporcionam; deixa-se assim de lado a preocupação precípua em supor de
qual teoria implícita derivam ou que divisões morais ou ideológicas estes discursos estabelecem.
Com este pensamento nos detemos novamente na entrevista da Professora Bruna [Ensino Religioso], que conta sobre a interação dos/as alunos/as no desdobramento que a temática da sexualidade fomenta:
Professora Bruna:[...] Segundo umas alunas que eu tenho do 8º ano, isso foi dito por elas,
elas estavam se relacionando com um grupo do Shopping Tijuca de meninos mais velhos, elas
conheceram esse grupo do Shopping e toda sexta e sábado elas iam se encontrar com esse
grupo. E aí os meninos eram mais velhos, as meninas eram mais velhas e aí provavelmente
faziam coisas que elas não estavam acostumadas, elas mesmas acabam relatando isso numa
conversa que nós tivemos de grupo, aí elas começaram a beber, aí chegaram em casa escondidas da mãe que estavam meio alteradas, uma sempre escondia isso, umas iam para a casa da
mãe, era mais boazinha, ou que a mãe trabalhava o dia inteiro que só via a noite, e começam a
se drogar, falar palavrões, fumar maconha, até que um dia uma passou mal, e teve que
chamar, a menina teve que chamar a mãe dela e daí foram parar no Pronto Socorro e tudo
mais. Ela contou para o grupo, e acho que isso foi muito bacana, ela falou, isso para mim,
foi assim: “eu não vou deixar de me relacionar com as pessoas, eu não vou deixar de fazer nada do que eu gosto porque eu acredito que eu tenho que ser livre mesmo, mas eu
acho que foi uma furada.”[...]
Entrevistadora: [...] mas daí vocês puxam [o assunto] do desdobramento do livro, alguma
coisa que tem a ver?
111
Professora Bruna: [...] não, na verdade o livro fala um pouquinho da questão do namoro e
teve também alguma coisa na Globo [emissora de televisão], que trouxeram para sala de aula
que parece passou no Fantástico, uma matéria que os pais deixavam o namorado dormir na
casa, e que a mãe dela nem permite que o namorado chegue perto, e ai houve aquela discussão
em cima desse documentário do Fantástico. Daí eu falei, a gente está falando, a questão do
livro que já falou dos namorados, e aí comigo agora eles vão montar um vídeo, eles vão
fazer entrevista com algumas pessoas na escola, fora da escola. Primeiro eu pedi para que eles
montem o esquema das perguntas, me mostrem. Daí eles vão gravar, fotografar, formatar em
vídeo, aí vai ter uma apresentação desse trabalho. Com o 9º ano, eu sinto que estou sempre
que trazer outros tipos de trabalho, focar outras coisas, porque está muito morno, não estou
sentindo eles com esse retorno que eu esperava não [...]
Entrevistadora: Normalmente é assim?
Professora Bruna: Não, o ano passado, todos os anos, na maioria das vezes o 9º ano, sempre
foram turmas muito infladas em relação às questões de sexualidade, inclusive eu trabalhava
dinâmicas com eles, eu fazia cartõezinhos com várias palavras, né? Aí, colocava assim, é:
sexo, menstruação, beijo, vários tipos de palavras [...]
Observamos também no grupo-focal os/as alunos/as dessa professora, comentando sobre suas aulas e as aulas do Professor de Artes Cênicas:
GRUPO 1:
Mediadora; Normalmente nas aulas vocês perguntam sobre questões de sexualidade, sem ser
as aulas da Bruna?
Todos os/as alunos/as: Não!
Aluno Mauro: [...] tem com os professores que eu tenho mais intimidade, os alunos da minha sala também tem, que é a prof.ª. Helena e a Elenita, de Ciências...
Aluna Mirtes: Na minha sala, de leitura, acontece com a professora de Ciências, mas isso em
relação à matéria...
Aluna Milena: é só a Bruna. E assim, acho que a maioria das pessoas, não pergunta, ela pergunta nossa opinião sobre o assunto e a gente vai vendo o que a gente acha do assunto e
vão se envolvendo.
Aluno Murilo: É legal, as aulas, porque sempre tem um debate sobre o assunto. O assunto surge, cada um vai dando sua opinião, é legal porque ninguém fica quieto, todos querem mostram sua opinião [...]
[...]
Aluno Mauro: Tem um outro professor que trabalha junto com ela [Bruna], é o Wilson, ele é
professor de teatro. Ele, assim, não discute como a Bruna, mas ele também dá uma liberdade
assim, é igual o professor de espanhol e a professora de Ciências.
Aluna Melissa: Ele dá tanta liberdade quanto, a gente viu um filme sobre gravidez na adolescência, ele mostrou um documentário, e teve muita gente que achou que era muito cedo para
mostrar isso, teve todo um debate também, eu acho que ele dá abertura, ele mesmo até dá
a opinião dele..
Aluna Mirtes: Ele já contou quando ele perdeu a virgindade dele, que ele perdeu com 14
anos e que foi muito ruim e essas coisas assim...
Aluno Murilo: Assim, debate é mais em relação a Bruna, também não é a matéria dele, mas
mesmo assim ele dá liberdade para falar o que quiser...
Aluno Michel: E depois desse debate, ele deu um conselho para gente não apressar logo o
sexo, porque não [viver] umas etapas, mais umas coisas que surgem antes do sexo, não é
chegar e fazer sexo, sabe? É um processo, não precisa apressar as coisas.
112
Mediadora: Esse foi o conselho dele, vocês acham isso também, o que vocês acham?
Aluna Milena: Acho que nem todo mundo está preparado para fazer sexo...
Aluna Melissa: A gente falou na verdade, a nossa opinião do que uma pessoa deve saber basicamente antes de ter a primeira relação sexual. Ele perguntou para alguns outros alunos:
“você acha que você esta preparado?” E falaram: “sim”, e eles não sabiam de nada, eles na
verdade perceberam que não estavam tão preparados, e as pessoas que já passaram por
isso falaram o que era necessário para acontecer, que não precisa daquela coisa toda
de...
Mediadora: Mas para todos os outros alunos?
Aluna Melissa: Os outros alunos, e daí a gente dava opinião, tanto é que ele até disse que
uma pessoa só esta preparada para fazer quando ela não tem dúvida. Ele não usou o sexo
como exemplo, porque ele chegou e falou assim: “se você quisesse, quando você vai fazer
faculdade, você tem dúvida se você vai gostar e você tem certeza de que você vai gostar, você
vai fazer qual? Que você tem certeza, o que você já sabe e não vai poder ficar em dúvida,
porque pode dar errado, entendeu?”
Confiança e incerteza permeiam a pauta desta discussão que se ampara na “narrativa
de si” e sua ação reflexiva como dispositivos pedagógicos da “experiência de si”. A auto narração do professor, relatada pela aluna, recebe o tom confessional necessário e se inscreve nos
mecanismos de subjetivação do sujeito. Dentro do arcabouço discursivo em que é contada,
figura como um exemplo que não deve ser seguido; não se trata de considerá-la simplesmente
como extrapolação da subjetividade docente, lugar da “irrupção da subjetividade, da experiência de si” (LARROSA, 2008, p.70), tendo em vista que a intencionalidade pedagógica sobrepõe qualquer outro aspecto. Como esfera da subjetividade, não nos cabe aqui classificar a
prática educativa realizada ou estabelecer juízo de valor; os processos de subjetivação evidenciados inscrevem-se nos aparatos do dispositivo da sexualidade em que o “dizer-se” se torna
preponderante. Na construção de ações reflexivas de cunho moral, a prática educativa investe,
por vezes, em formas de experiência de si nas quais os indivíduos podem se tornar “sujeitos
de si”, evidenciando aspectos valorizados pela moralidade cristã; sabemos que esta é uma face
do dispositivo da sexualidade oriundo de ações que medeiam e constituem as subjetividades
daqueles/as que estão imbricados nestes processos.
4.4 O “pijama molhado”41 e outros debates: interdição e normalização na pauta escolar
Através dos pressupostos foucaultianos seria possível especificar como se forma a
partir da época clássica certo saber sobre o homem. Com este poder - o biopoder - o investimento é no ser humano como forma de vida, dimensionando os seres vivos na esfera do valor
e da utilidade, investindo na gradual importância da norma (conf. discutimos no cap. 3). Drey-
41
Subtítulo de um dos capítulos do livro: “Sexo: a hora é agora ?”
113
fus e Rabinow (2005, p.153), referindo-se a fase genealógica de Foucault, nos dizem: “O surgimento do indivíduo moderno como um objeto de preocupação política e científica e as ramificações deste fenômeno na vida social constituem, agora, a maior problemática de Foucault.”. Para o autor, as sociedades modernas não são apenas espaços de disciplinarização,
mas também espaços de normalização dos seres vivos e das populações.
Com tais pressupostos podemos perceber de que maneira as práticas sociais podem
constituir domínios de saber, que fazem aparecer formas totalmente novas de poder. Trata-se
de saberes e práticas que atingem a realidade mais concreta do indivíduo, seu corpo, e que,
devido à sua estratégia de expansão por toda a população, funcionam como procedimentos
abrangentes de inclusão e exclusão social. Este investimento no sujeito se faz de maneira positiva; sua positividade consiste na produção de saberes que geram poderes para assegurar seu
exercício. Assim o projeto genealógico foucaultiano desobriga-se de uma interpretação negativa do poder, interdição, soberania e negação de liberdade, para trabalhar com outra interpretação histórica do poder, em que este significa norma, produção e afirmação das resistências
como forças e não exclusivamente de repressão. Dreyfus e Rabinow (2005, p.155), assinalam,
no entanto que “A sexualidade e seu significado eram o principal meio através do qual o biopoder se expandia.”
Neste aspecto se insere a relação estabelecida com as palavras e os interditos em relação
ao dispositivo da sexualidade; as estratégias produtivas do “dizer-se” discutidas na seção anterior nos trazem a questão habitual da “profusão discursiva” em torno do sexo. Este “dizer-se”,
no entanto, não percorre livremente as esferas escolares, estes discursos estão comprometidos
com regimes de verdade que os constituem, e muito mais que isso, eles constroem sistemas de
exclusão. Sobre eles nos fala Foucault (2006, p. 19): “Dos três grandes sistemas de exclusão
que atingem o discurso, a palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade de verdade,
foi do terceiro que falei mais longamente.”. Pensando nestas interdições do discurso e seus
sistemas de produção de verdade, o autor pondera que elas não possuem uma regularidade
específica “[...] e, inversamente, essas diferentes regularidades discursivas não reforçam, não
contornam ou não deslocam os interditos da mesma maneira.” (FOUCAULT, 2006, p. 19);
avançando sobre a questão, o autor acrescenta:
[...] a análise do discurso, assim entendida, não desvenda a universalidade de um
sentido; ela mostra à luz do dia o jogo da rarefação imposta, com um poder fundamental de afirmação. Rarefação e afirmação, rarefação, enfim, da afirmação e não
da generosidade contínua do sentido e não monarquia do significante
(FOUCAULT, 2006, p. 70).
114
Deste modo o autor nos faz pensar na formação de condições de possibilidade em que
o mais importante seria as regularidades de produção de determinado discurso, pois para cada
espécie de discursiva existe um sistema de coerção. Assim, os jovens integrantes do Grupo 1
nos contam quais aspectos do livro (temática, ilustração, etc.) lhes chamaram maior atenção:
Aluno Michel: [...] Eu acho que a gente tem em comum, por exemplo, a masturbação fica
bastante em debate, as pessoas ficam mais curiosas para saber e falam mais sobre isso,
um assunto que bombava, por exemplo, um assunto sobre um caso muito raro, ou então sei
lá, uma coisa que não acontece muito, as pessoas não vão ficar interessadas, vão ter mais
interesse numa coisa que é comum tipicamente do adolescente ...
Aluna Melissa: É, uma coisa comum que os adolescentes acham comum, sabe?
Aluna Mirtes: O tema do livro já é uma coisa comum em todos adolescentes mesmo, que
para alguns já é uma coisa mais assim, outras mais ausentes, acontece com todo mundo.
Muitas vezes os adolescentes sentem insegurança, até porque todo mundo está passando por
uma mesma fase, né? Então, acontece de coisas comuns, e você acabar aprendendo isso, como
ele falou, é troca de informações..
Mediadora: O que atrai mais é o tipo de temática? Agora, ilustração, tipo de encardenação, a
cor, a capa, vocês percebem de alguma maneira?
Aluna Mirtes: Sim, pode até chamar a atenção, mas acho que a temática é que a tem mais...
Aluna Melissa: Porque tem gente do grupo, por exemplo, que se deixa impressionar mais
com ilustrações, fica impressionado, porque tem a figura aqui de um pênis mostrando como se coloca o preservativo...
Aluno Michel:... Isso é mais para quem é infantil...
Mediadora: O de livro vocês tem né? [ pergunta sobre a existência de ilustrações semelhantes
às comentadas] E a reação foi como? [para o grupo de outra série, em que outro livro foi adotado]
Aluno Murilo: Para algumas pessoas chocante, e para outras, normal...
Aluna Mirtes: É nessas aulas também que as pessoas da nossa idade vêem que não é só
ele que tem aquela dúvida, todo mundo tem a mesma dúvida, igual, as meninas ficam
com medo de perder a virgindade e doer, mas daí tipo, mas daí quando esse assunto entra, a
gente vê que não é só a gente que tem as dúvidas, todo mundo tem, é normal para gente,
porque para gente ficar com vergonha, porque não é um tabu, é uma coisa natural...
Aluna Melissa: É mal vista ainda, né? Tem muitas coisas ainda que são mal vista em relação a sexualidade, e assim, por exemplo tem muitas pessoas que não conversam com os mais
velhos sobre sexo, daí chega puxa assunto, daí chega e diz: “ você é muito novo para falar
sobre isso”, dá uma enrolada, daí a pessoa acaba não conversando, não tirando as suas próprias dúvidas...
Observamos a entrevista da Professora Bruna, que nos conta sua percepção do trabalho com livros paradidáticos, contando sobre a multiplicidade de reações entre meninos e meninas:
Professora Bruna: [...] Eu acho que para os meninos [quando perguntada sobre as reações
diferentes por parte de meninos e meninas], mesmo que eles tenham se sentido envergonhados de estar lendo isso na sala, porque eu senti que em alguns grupos eles ficaram meio assim,
mas eu acho que foi bom, porque tem meninos que estão passando por isso e que se sentem
envergonhados, e eu acho que não é para sentir vergonha, e eu falei assim; “gente, nosso
115
corpo é uma coisa, tudo que acontece nele é muito bom, é saudável, não tem nada de
estranho em nada” e aí eles ficam com aquelas carinhas, já as meninas, falam, né? Sobre
a facilidade da menstruação...
Entrevistadora: Mas tem alguma parte que elas ficam embaraçadas também?
Professora Bruna: Não, foi muito fácil, as meninas elas estão assim, muito mais descoladas
para o assunto do sexo do que os meninos para falar, né? Porque talvez pode ser um lado de
que elas se sintam tão envergonhadas que falam (risos)... Eu fico pensando, porque a ejaculação para o menino, ela já está ligada ao prazer sexual, porque sexo ainda é tabu, isso é
uma coisa que eu noto, eles não falam com facilidade sobre sexo. Quando nós assistimos o
documentário sobre gravidez42 ,eles falam sobre coisas da gravidez, sobre as coisas psicológicas, emocionais, sobre a relação de pai e mãe... No entanto que duas meninas aparecem tendo
[filho] filmaram a criança saindo mesmo, os meninos teve um que quase passou mal.... Eu
acho que o sexo ainda é muito tabu, e as famílias pelo que eu sinto conversam sobre sexo
com os filhos, porque muitos falam assim: “meu pai já me deu uma camisinha” o que
vem interar que os meninos estão preparados para fazer sexo a qualquer momento.
[...]
Eu penso que falar sobre a sexualidade para eles, principalmente para o jovem na idade do 8º
ano, ele está descobrindo tantas coisas novas, porque é muita coisa nova que ele descobre, e
nem sempre ele sabe lidar com tudo isso, eles tem vergonha, por mais descolados que eles
sejam, eles tem vergonha de falar as questões do corpo. Vejo que as meninas são mais desinibidas para falar sobre as transformações do corpo, aceitam mais essa transformação do
corpo, o que eu tenho visto é que as meninas aceitam mais essa transformação do corpo como
uma coisa que acontece e é delas, os meninos não, eles sentem vergonha de falar a palavra
“pênis”. Se tem a palavra pênis no livro eles já leem, e daí diminuem a voz (risos)[...]
[...]
Professora Bruna: [...] eu achei bem positivo, eu acho que o livro43 ele ajudou a trazer as
coisas que às vezes eles não se sentem a vontade, principalmente no 8º ano, porque esse ano
eu tive grupos distintos e já para o 9º ano, esse grupo que eu esperava que fosse assim o
auge (aumentou o tom de voz) é um grupo diferente. Tem assuntos aqui que eu não esperava
que fossem abordados da forma como eles estão abordando, não estariam sendo trazidos para
sala de aula, porque provavelmente eles não estariam lendo, eles não estariam falando, a
questão do pijama molhado, né? Como foi colocado em sala que o menino ejacula dormindo, porque nessa idade ele sonha que está tendo alguma atitude ou algum ato de prazer
então ele vai ejacular. Eu acho que para os meninos, mesmo que eles tenham se sentido envergonhados de estar lendo isso na sala, porque eu senti que em alguns grupos eles ficaram
meio assim, mas eu acho que foi bom, porque tem meninos que estão passando por isso e que
se sentem envergonhados, e eu acho que não é para sentir vergonha e eu falei assim: “
42
Filme: “Meninas”
Sinopse: Evelin, 13 anos, está grávida de um jovem de 22 anos que deixou o tráfico de drogas recentemente.
Luana, 15 anos, declara que planejou sua gravidez, pois desejava ter um filho só para ela. Edilene, 14 anos, espera um filho de Alex, que também engravidou sua vizinha Joice. Ao longo de um ano é acompanhado o cotidiano
destas três jovens
Direção: Sandra Werneck
Duração: 1 h 11min
Ano: 2006
Nacionalidade: Brasileira
Informações e sinopses retiradas de: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-124676/> Acesso em
:23/01/2013
43
Bruna utilizou dois livros, como descrito no cap.1
116
gente, nosso corpo é uma coisa de tudo que acontece nele é muito bom, é saudável, não
tem nada de estranho em nada !” E aí eles ficam com aquelas carinhas, já as meninas,
falam, né? Sobre a facilidade da menstruação... Então, cada grupo se mostra de uma forma
diferente, mas o 8º ano especificamente, porque as meninas algumas menstruaram ano passado, umas são super tímidas, outras já falam da experiência, tem uns meninos que reprovaram,
acham que já sabem, já se acham muito amadurecidos e tem umas questões assim..., mas na
maioria os meninos são muito tímidos para falar sobre as questões de sexo e eu acho que
às vezes até pela própria imaturidade do menino do 8º ano. A menina do 8º ano, ela já despertou mais para as questões de namoro, de sexo, o menino ainda não, o menino não participa muito dos debates. Isso é uma coisa que eu tenho notado muito, as meninas de todos os
grupos são as que mais participam do debate. Elas falam sobre as questões da TPM quando
falam da menstruação, os meninos quando se falou sobre a questão da ejaculação que tem
uma parte no livro que fala que de noite ele sonhou daí o irmão viu que ele estava todo molhado, “molhando o pijama”, aí eu falo assim, os meninos se retraem, eles não gostam muito,
né? Não igual às meninas, as meninas quando fala da menstruação não, tem até presente, minha mãe deu até presente, elas falam isso como uma coisa própria delas, os meninos não, não
falam. E a gente, nota isso, que a sociedade, né? Cria meninos e meninas, MAS de maneira diferente, né? E eles trazem isso para o grupo [...] elas falam assim: “nossa, queria ver
se vocês menstruassem, ver o que é bom !” E elas falam isso com muita propriedade, é delas, eles não, eles não comentam sobre isso, sentiram até vergonha dessa parte do “ pijama molhado”, as meninas é que leem, eles não leem, dificilmente eles querem ler o texto, as meninas sempre que querem ler, tem meninas que querem ler toda vida, eles não,
eles tem vergonha, eles ficam meio assim, as vezes eu falo assim: “gente pelo amor de Deus,
lê um pouquinho, né?”
Sobre as discussões no tópico comentado pela professora Bruna, os/as alunos/as nos
contam:
Entrevistadora: Tem mais alguma coisa que vocês vivenciam nas aulas sobre esse assunto
que vocês gostariam de falar? Uma parte do livro que dava muita risada e muita discussão foi
da parte “do menino, do pijama”, a Bruna falou: “esse assunto aqui é terrível porque eles
falam muito, todo mundo ri...”.
Grupo 1:
Aluno Murilo: [...]bastante, todo mundo ri, leva na brincadeira, na palhaçada. O nome
do tópico é “pijama molhado”, muita gente leva na brincadeira e não tem maturidade
suficiente para falar com ela sobre isso...
Mediadora: Mas aí quando fala da menstruação da menina, o pessoal ri também?
Aluno Murilo: Não, aí é diferente, as meninas ficam caladas e os meninos querem saber, tem
curiosidade para saber como é isso...
Aluna Mirtes: No 8º ano eu tinha vergonha, eu ficava: “aí cara”, as minhas amigas, elas
não tinham acontecido com as minhas amigas ainda, eu falava: “ai meu Deus, sou um
ET, não é possível!”, aí no 9º ano, que todas as minhas amigas já tinham menstruado,
isso é normal, cara! (risos) e aí eu não vejo problema em falar sobre!
Aluno Murilo: Eu vi duas amigas minhas conversando num canto e aí eu estava indo embora,
parei para me despedir delas, eu ouvi a conversa quando estava chegando perto e falavam
sobre menstruação que tinha dado na aula da Bruna hoje, no caso, e elas estavam conversando uma com a outra. A professora deu esse tópico na aula, as garotas não falaram nada e
depois foram para um canto conversar sobre. [...]
117
Diante dos enunciados observados anteriormente, pensamos que articular gênero,
sexualidade e educação seria de alguma forma trazer uma tensão a mais para arenas já conturbadas; neste sentido Louro (2008, p.18) nos diz: “A construção dos gêneros e das sexualidades dá-se através de inúmeras aprendizagens e práticas, insinua-se nas mais distintas situações, é empreendida de modo explícito ou dissimulado por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais”. Por esta perspectiva, o caráter relacional que o conceito de gênero
apresenta fica imbricado nas praticas e ações que o fazem elemento chave para entender as
relações de poder. Louro, novamente nos auxilia, pois por gênero, entende-se:
[...] a construção social feita sobre diferenças sexuais. Gênero refere-se, portanto,
ao modo como as chamadas “diferenças sexuais” são representadas ou valorizadas;
refere-se àquilo que se diz ou se pensa sobre tais diferenças, no âmbito de uma dada
sociedade, num determinado grupo, em determinado contexto. (LOURO, 2000, p.
26).
Neste sentido, utilizamos o conceito de gênero em seu caráter relacional, referindose ao modo como as características sexuais são compreendidas e representadas, visando “rejeitar um determinismo biológico implícito no uso dos termos como sexo ou da diferença sexual” (SCOTT, 1995, p.72); através da linguagem, por exemplo, podemos perceber o caráter
basicamente social das distinções baseadas no sexo. Assim, o conceito opera “como uma ferramenta analítica, e ao mesmo tempo, uma ferramenta política” (LOURO, 2004, p.21). Desta
forma, enquanto homens e mulheres, seres sexuados, somos influenciados por processos de
naturalização de atribuições sociais, vivenciados no quotidiano. A introjeção dessa estrutura
define nossos modos de perceber o mundo, interpretar a cultura e estabelecer parâmetros de
relacionamento. A importância de perceber a dinâmica dos elementos descritos por Scott se
deve à possibilidade de despolarizar construções estáticas e reconhecer a participação do processo de produção simbólica como elemento dinâmico, central na construção identitária. Assim as relações sociais vão colaborar para o processo de subjetivação; devemos sempre levar
em conta as instâncias e o contexto cultural como lugares de circulação e produção simbólica.
Acreditamos que cada indivíduo traduz e interpreta as características do que sua cultura considera como certo ou errado, constrói a masculinidade ou feminilidade, de forma contínua e dinâmica; esses processos prosseguem e se complementam através de tecnologias de
auto disciplinamento e autogoverno exercidas pelos sujeitos sobre si próprios, havendo um
investimento continuado e produtivo dessas tecnologias na determinação de formas de ser ou
“jeitos de viver” sua sexualidade e seu gênero.
118
No caso da análise que estamos empreendendo podemos nos questionar de que maneira os textos e paratextos presentes nos livros e os significados construídos, estão comprometidos com estes modos de perceber e se constituir como “homens e mulheres”? Podemos notar
que o corpo feminino é matriz das observações de natureza biológica, os aspectos naturalizados nas falas dos jovens revelam o embaraço com a ejaculação noturna, mas uma suposta “naturalidade” em relação ao tema da menstruação, tema valorado pela professora e pelas meninas.
Com preocupação em observar o nascimento da ginecologia no início do século XIX
Fabíola Rohden (2001) nos aponta que a medicina do sexo focalizará principalmente a mulher, em que o corpo feminino seria percebido em toda sua “vocação” para a reprodução, pois
além de tratar das ocorrências dos órgãos reprodutivos preocupava-se com uma verdadeira
ciência da feminilidade e da diferenciação entre homens e mulheres. A autora assinala para o
descompasso entre as percepções do corpo masculino e feminino: “A questão em jogo, portanto, é uma assimetria que se coloca na prática, que aponta para uma relação particular entre
medicina e a mulher, para uma maior medicalização do corpo feminino em contraste com o
masculino” (ROHDEN, 2001, p.38). No caso do gênero feminino, supunha-se que sua natureza favorecia a ocorrência de patologias, sendo muito vulnerável a perturbações e desordens.
Para a autora, no começo da era moderna o corpo feminino recebe a ênfase nos órgãos sexuais
reprodutivos, com foco na fisiologia e na anatomia para inscrever o lugar “naturalmente” inferior das mulheres na sociedade, justificando sua permanência no espaço privado.
Assim, com a perspectiva apresentada, podemos perceber que as abordagens acabam
constituindo-se em enfoque diferenciado; a professora Bruna nos diz: elas estão assim, muito
mais descoladas, [...] as meninas são mais desinibidas para falar sobre as transformações
do corpo, ao passo que se tem a palavra pênis no livro eles já leem, e daí diminuem a voz;
as discussões com o tema sexualidade se inserem na diferenciação “natural” do gênero com
discussões polarizadas. O que pode e deve ser dito, ou a abordagem privilegiada para as questões “femininas” fica evidente nos enunciados analisados. O episódio do “pijama molhado”
traz à luz essa diferenciação no desenvolvimento do tema e também na abordagem do livro.
As mediações exercidas revelam o quanto o dispositivo pedagógico no uso da literatura escolar está imbricado com tais questões; no entanto tais discursos não devem ser reconhecidos como universais, ou meros reflexos de determinado panorama social, mas como um
espaço de tensões, em que poderes potencializam o estabelecimento de verdades contingentes.
Deste modo, não se trata somente de analisar as praticas e os discursos interligados com o
119
dispositivo da sexualidade, mas de reconhecê-los como uma realidade histórica em sintonia
com jogos de poder-saber.
Tais jogos de saber-poder trazem à baila a questão do/a jovem que tem dúvidas sobre
aspectos da sexualidade e busca na escola, instituição oficial de ensino, a possibilidade de
saná-las de forma satisfatória. As “meninas” falam isso [menstruação] com muita propriedade, em sala de aula, mas depois de forma mais isolada se reúnem para conversar sobre o
assunto. Os espaços de silêncio também existem, e são evidenciados quando observamos a
inexistência da discussão da masturbação feminina, no mesmo livro que aborda o “pijama
molhado”. Este aspecto se contrapõe ao desenvolvimento do tema na perspectiva masculina
que é abordado em três páginas44.
Os contrapontos surgem em setores diferentes do discurso, as regularidades podem ser
observadas também nas pequenas rupturas que aparecem, assim o que emerge sobre a sexualidade dos/as jovens pode ser diferente daquilo que pode ser observado em relação à sexualidade da criança. Outro aspecto importante é oferecido pelas professoras Mônica e Roberta,
quando nos contam detalhes da incorporação do livro em suas aulas na creche:
Professora Mônica: [...] foi desenvolvimento do projeto da gente, não foi? Foi olhando livremente o acervo. [Conta como o trabalho com o livro começou] A gente achou interessante
algumas atividades, a gente foi lendo e a gente viu o que seria interessante trabalhar a sexualidade das crianças, que nem no comercial que fala sobre o corpo, até quando surgiu esse assunto, esse assunto todo na unidade infantil, porque estava tendo vários casos aqui na creche,
apesar das pessoas sempre falarem, ninguém quer conversar muito, aqui mesmo as pessoas
que trabalhavam aqui tinham muita dificuldade de estar aceitando, de estar buscando,
será que faz parte da curiosidade da criança? “Fulaninho é tão depravado”, “fica botando o pinto para fora”, “fica pegando no pinto do outro”, assim super horrorizadas,
sabe?
[...]
Entrevistadora: Desses [livros] da questão da sexualidade quais vocês usam?
Professora Mônica: De livro paradidático por enquanto esses dois: [Ceci tem pipi e Mamãe
botou um ovo].
Entrevistadora: Tem alguma parte que ficam mais interessados, que chama mais atenção
para eles?
Professora Mônica:: Quando aparece o bumbum deles (risos)
Professora Roberta: Eles já têm muito tabus, muitos tabus...
Entrevistadora: Tem alguma parte, que eles preferem, eles gostam das ilustrações?
Professora Mônica: É o que eles mais gostam. [Mostra o livro e conta a historia]:
[...] e aí fala [ o menino da historia] assim, hum, vamos pular na lagoa, na praia? Sei lá, aí ela
[Ceci, a personagem da historia] diz: “ mas eu não coloquei meu biquíni!” E ele diz: “que tal
se a gente for pelado “? Aí ela: “está bom”, aí ele: “ela aceitou, não acredito que ela aceitou”,
daí ela tira a roupa, e ele fala : “ primeiro eu só vi o bumbum quando ela virou, ela não tem
44
Livro: “Sexo a hora é agora ? “
120
pipi!” (risos), aí ele fica cismado, aí no fim ele diz; “ meu mundo não é mais dividido entre os
com pipis e os sem pipis, agora é com pipi e com perereca” (risos)
A professora Roberta continua nos contando...
Professora Roberta: Eu tenho a Ana [aluna que se masturba em sala de aula45], é bem menos, ela também fica lá no pé em baixo e fica lá se masturbando, contar história, já conversei
com ela, já conversei que ali não é o lugar para isso, na verdade eu não sabia nem como
agir, depois desse projeto foi muito bom, porque a gente aprende, né? Não sabia o que
fazer mesmo, porque a gente aprende a mostrar para criança que ela tem o lugar certo
para fazer...
Entrevistadora: E os coleguinhas?
Professora Roberta: Alguns não percebiam, outros percebem e tentam imitar, acham graça.
“por que toda hora a Ana fica fazendo assim, aí faz igual”!
Professora Mônica: E é uma situação difícil, né? Porque a gente não está preparado para
isso, na verdade é um tabu. A gente abre, fala muito errado, os colegas [dizem]: “que isso!”
Sabe, trata como se fosse uma coisa NORMAL, trata como se a criança não tem vulva, não
tem pênis, ela é proibida de DESCOBRIR que ela tem aquilo (risos). Parando para refletir,
como pode? Porque isso acontece até os dias de hoje, século XXI, a gente não respeita o
direito da criança de se conhecer, é uma coisa bem absurda, as questões dessa sociedade
machista, não é só os discursos institucionais.
[...]
Professora Roberta; Ah, e assim eu aprendi muito a respeitar a Ana, eu fico imaginando,
será que cinco anos atrás eu ia conseguir falar para Ana que aquilo não era lugar para ela fazer? Com certeza não! O interesse está justamente nisso, na nossa própria falta de preparo. A
gente procurou pesquisar para poder estudar separado, para poder lidar com essa situação. Fazer coisas bem repressoras sabe? De brigar com a criança porque ela estava fazendo
aquilo. A gente percebia que tinha alguma coisa errada naquilo, mas a gente falava que não
deve ser assim que a gente deve tratar, entendeu? E a gente começou a pesquisar. Eu lembro
da história de um menino que ficou brincando de dar mamar, você lembra? Que foi questão de
Conselho de Classe, por que o menino brincou, colocou a bonequinha no peito dele para dar
mamar, era brincadeira, e aí a pessoa na época, né? Ela quando falou, falou indignada, falando
na maior inocência, por falta de preparo mesmo: “PÁRA COM ISSO MENINO, PÁRA
COM ISSO, MENINO NÃO PODE DAR MAMAR NÃO”, o garoto todo inocente (risos)!
A professora Roberta, nos conta sobre práticas em sala de aula:
[...] Essa semana, as crianças, a gente estava pintando as unhas, eu pintei as unhas das minhas alunas, elas estavam pedindo há muito tempo, e tinha um aluno nesse dia na minha turma, eu falei: “você quer pintar a unha?” Eu não vou pintar a sua unha, porque menino não
costuma pintar as unhas, aí eu falei com ele, até tem meninos que pintam quando querem e
aí a gente começou a conversar, eu não vou pintar a unha deles para ele ficar de unha pintada,
até porque realmente não é um hábito, né? E aí eu falei com ele, não é um hábito dos meninos
pintarem as unhas, então não vou pintar sua unha. Ele falou: “não, não quero não”. Então está
bom! Mas tem gente que pinta, tem artista que pinta a unha, está com a unha colorida, cada
um faz o que tem vontade, elas começaram a colocar: “tia, tem um bicha na minha rua que
45
A professora nos contou que a aluna se masturbava durante as aulas de forma “ostensiva”, sem se incomodar
com as outras crianças e várias vezes durante a aula. Depois de conversa com a direção da escola, a professora
resolveu chamar a família e encaminhá-la para o Posto de Saúde. A mãe se sentiu constrangida com a intervenção da escola e acabou retirando a menina da creche.
121
pinta a unha, começam com esses termos, né? “Viado”, essas coisas assim, e aí é nesse momento, numa conversa informal que a gente começa a mudar mesmo o jeito que a criança vê aquela situação, que é nesse momento que consegue interferir, conversando, aí eu
falei mesmo com eles, eu falei cada um tem a sua opinião, crianças às vezes entendem tudo, a
gente pensa que não, mas eles entendem tudo que a gente conversa [...].
Com o olhar nos enunciados anteriores, investimos em pensar que dentre as técnicas, as práticas, os saberes e discursos analisados por Foucault, a normalização constitui um
aspecto bastante importante, pois todas as sociedades têm normas de acordo com as quais
socializam os indivíduos. O problema apontado por Foucault é que, em nossa sociedade, as
normas são especificamente perigosas, devido à sua sutileza. Conforme Portocarrero (2004,
p.5) nos diz: “Ao estudar o caráter de sanção normalizadora da disciplina, Foucault toma como ponto de partida a afirmação de Canguilhem, de que o termo normal designa, a partir do
século XIX, o protótipo escolar e o estado de saúde orgânica.". Sua utilização é correlata da
reforma pedagógica e da teoria médica. Essas reformas exprimem uma exigência de racionalização que também aparece na política e na economia, alcançando o que é chamado mais tarde
de normalização.
Assim, a sexualidade se mantém no foco da vigilância e do controle das sociedades.
Suas formas de regulação são ampliadas e multiplicadas, como também as instituições que
são autorizadas a ditar-lhe normas. Foucault nos diz:
Na preocupação com sexo, que aumenta ao longo de todo de todo século XIX, quatro figuras se esboçam como objetos privilegiados de saber: a mulher histérica, a
criança masturbadora, o casal malthusiano, o adulto perverso, cada uma correlativa
de uma dessas estratégias que, de formas diversas, percorreram e utilizam o sexo
das crianças, das mulheres e dos homens. (FOUCAULT, 1988, p.100)
Por esta via proliferam cada vez mais os discursos sobre o sexo que as sociedades continuam produzindo, e no desdobramento disto, a escola não poderia ficar ausente, como nos
diz Louro, referindo-se a construção das diferenciações de gênero:
Não se trata de negar a materialidade dos corpos, mas sim de assumir que é no interior da cultura e de uma cultura específica que características materiais adquirem
significados. Como isso tudo aconteceu e acontece? Através de que mecanismos?
Se em tudo isso estão implicadas hierarquias e relações de poder, por onde passam
tais relações? Como se manifestam? Não, a diferença não é natural, mas sim naturalizada. A diferença é produzida através de processos discursivos e culturais. A diferença é “ensinada”. (LOURO, 2008, p.22)
Entre as tensões do que pode e deve ser dito, dentro dos parâmetros de “normalidade”
vigentes, nos deparamos com as seguintes falas: não sabia o que fazer mesmo, porque a
122
gente aprende a mostrar para a criança que ela tem o lugar certo para fazer; assim na
criança masturbadora, ou no menino que pensa em amamentar são investidos aparatos diferenciados: a gente procurou pesquisar para poder estudar separado para poder lidar
com essa situação.
Assim a sexualidade infantil e as diferenciações de gênero não são negadas, mas recebem tratamentos diferenciados; a premência de atualização profissional para lidar com a criança que se masturba se contrapõe às distinções de gênero que acabam naturalizadas. Os temas recebem tratamentos distintos, pois a abordagem da sexualidade infantil na esfera escolar
fomenta a especialização do/a docente, ao passo que os temas relacionados às questões de
gênero seriam de alguma forma banalizados, pois não requerem abordagem “especializada”.
A literatura, no entanto, serviu para problematizar as questões de gênero e de alguma
forma desconstruir os mecanismos sutis que a cultura produz na legitimação das masculinidades e feminilidades; deste modo, mesmo que em discursos híbridos - ora afirmando, ora negando as diferenças – as questões acerca das identidades de gênero são evidenciadas e debatidas; acreditamos que este é o primeiro passo para um longo processo.
123
CONSIDERAÇÕES FINAIS - Costura, cerzido, arremate, pontos e nós de uma tessitura.
No início dessa tese nos questionamos: de que modo temas “polêmicos”, como a sexualidade, são percebidos e desenvolvidos na abordagem escolar com o uso da literatura e
como tais assuntos ecoam na escola? Este foi o grande mote para o início dessa investigação,
no grande exercício de descobrir através da experiência pessoal e acadêmica como tais objetos
se inserem em lutas por significação e se configuram no cenário educacional.
Vislumbrando o horizonte de pesquisa, por vezes nos iludimos com a miragem de que
nossos objetos de investigação – principalmente aqueles ligados a esfera educacional - trariam
transformações aos campos de origem, repercutindo nas práticas e nos indivíduos. Sob outro
foco, temos em mente que nossa investigação trará singela contribuição ao campo, na medida
em que nosso objetivo não seria de propor soluções, nem fazer prescrições, tampouco constituir juízo de valor, mas antes de tudo, estabelecer considerações, pois como pesquisadores/as
da cultura de nosso tempo, sabemos dos limites da pesquisa social e nessa tese somente: “[...]
fez-se uma imersão num momento e numa historia específica, tentando, talvez apanhar um
instante deste presente, que certamente suporta a herança de uma longa caminhada de produção da verdade do sujeito.” (FISCHER, 1996, p.291). Com esse movimento investimos em
trazer “in-conclusões” para essa investigação, procurando oferecer - mesmo com pontos e nós
frouxos - arremate para esta tessitura.
Nessa perspectiva procuramos evidenciar os campos discursivos em disputa: sexualidade, literatura e educação, no modo em que se apresentavam no espaço escolar, observando as condições de possibilidade, visibilidade e ocultamento oferecidas para que as questões
da sexualidade e gênero circulassem na escola. Assim concentramos nossa análise nos discursos sobre as práticas pedagógicas existentes na escola com a mediação de livros para discutir
tais temáticas e na pretensão de perceber a rede de inteligibilidade que estes elementos constituem, lançamos mão dos dispositivos a elas imbricados. Desta maneira os dispositivos pedagógico e da sexualidade foram preponderantes para visualizar esta rede especifica de análise,
localizando as relações de força e de fuga entre poder e saber e a produção de subjetividade
inerentes à elas. Por esta via nos detivemos em observar os sujeitos como produtores de saberes, constituídos por verdades e depois finalmente, na relação consigo mesmo, em que os processos de subjetivação foram observados. A literatura, neste sentido, funcionou como a dobradiça para que os dispositivos (da sexualidade e pedagógico) atuassem na escola; observa-
124
mos tais aparatos, em um jogo de “rarefação e afirmação”46 imbricados em suas linhas de
força, atravessando todo o campo das práticas, na perspectiva de vislumbrar os modos de produção das subjetividades. As questões referentes à formação do leitor na escola foram soterradas pela discussão da temática da sexualidade, aspecto que evidencia sobremaneira o uso da
literatura unicamente para fins didáticos.
Como anunciamos logo de início nossa intenção não seria trazer análises conclusivas,
mas oferecer um panorama do cenário que observamos, pois como enfatizamos ao longo da
tese, o que mais nos interessou foi “como” as relações, as posições de sujeito que ali se apresentavam foram construídas.
Mas será que a abordagem da literatura escolar para discussão da sexualidade estaria
invariavelmente atrelada a um estatuto pedagógico? Os/as jovens e os/as professores/as estariam irremediavelmente presos nesta “armadilha” de conferir a discussão da sexualidade na
escola, com o uso do livro, um cunho científico e prescrito? Ou ainda: “Existe um modo de
tornar a resistência positiva, isto é, de dirigir-se para uma nova ‘economia dos corpos e prazeres’?”47; são algumas questões que ainda nos instigam e surgiram no decorrer da investigação.
Sem resolução para estes questionamentos, muito mais instigante foi perceber como as
ressignificações com os livros se construíram, como docentes e jovens são sujeitos e assujeitados, como também: “[...] os modos de subjetivação, os modos através dos quais os sujeitos
são produzidos, como assujeitamento e como libertação.” (GALLO, 2006, p. 72-73)
Com esse pensamento os livros adotados pelos/as docentes não foram elementos inertes, mas atores efetivos nesta teia de significações. Os “modos de endereçamento” presentes
nos livros apontam para as comunidades de leitores que são formadas e repercutem na esfera
escolar. Deste evidenciando uma “ordem do livro”, com o aporte de Roger Chartier (1999),
temos a possibilidade de visualizar os efeitos produzidos pelas formas materiais; a materialidade dos textos escolhidos assinalou a intencionalidade didática, por parte do/da docente, bem
como as ressignificações construídas também pelos/as jovens com estes artefatos culturais.
Neste sentido a “ordem dos livros” veio ao encontro da “ordem do discurso”, pois nosso olhar
enfocava os diversos procedimentos que incitavam e cerceavam os discursos nas mediações
exercidas; e muito mais, interessava-nos identificar os campos de luta que se formavam. Os
dispositivos atuaram nesta arena, em movimentos alternados, na medida em que ora os aspec46
Foucault (2006, p. 70) nos diz: “[...] a análise do discurso, assim entendida, não desvenda a universalidade de
um sentido; ela mostra à luz do dia o jogo da rarefação imposta, com um poder fundamental de afirmação.”
“[...] a análise do discurso, assim entendida, não desvenda a universalidade de um sentido; ela mostra à luz do
dia o jogo da rarefação imposta, com um poder fundamental de afirmação.”
47
Dreyfus , Rabinow (2005, p.227),
125
tos inerentes à discussão da sexualidade por vezes se sobrepunham às ações pedagógicas e ora
o inverso se dava, momento em que as questões pedagógicas imperavam.
Os paratextos presentes nos livros e evidenciados por docentes e jovens nos indicaram
“modos de endereçamento” imbricados nas percepções de juventude e infância que usualmente circulam na sociedade. Entretanto, mesmo que diante de percepções naturalizadas ao investir nesta mediação pedagógica, não há como não pensar nestes “modos de ser o outro”; não há
como não perceber o/a jovem desconhecido ou imaginado, que é procurado nas páginas do
texto escolar; falar/dizer deste desconhecido em potencial é com certeza se apoiar em sua
própria constituição, na constituição de si que constrói modos “verdadeiros” de dizer a sexualidade. O jovem “teen” aparece na capa colorida do livro, talvez ele não seja parecido nem
com a menina “moderninha” da Tijuca, nem com o jovem “confuso” da Baixada Fluminense.
Infâncias e juventudes “imaginadas” nos levam a crer que “acertamos no alvo”: o mercado, a
escola e a docência trabalham com possibilidades, mesmo que os livros acabem apontando
“outros” modos de ser crianças e jovens e maneiras “verdadeiras” de lidar com sua sexualidade e seu gênero nestes “recortes”. Deste modo os elementos periféricos ao livro, mas presentes no mercado editorial, como os paratextos, investem em viabilizar procedimentos de aquisição e interpretação uniformes, mas o estudo das práticas que se apossam de maneira diversa
dos livros, enquanto produções culturais apontam para a formação de usos e significações
variadas. Como no pequeno conto de Helder, de que lançamos mão no início desta tese antecipando a discussão da provisoriedade dos conceitos, as categorias que por vezes parecem
estáticas nos enganam, estão em plena mutação; o peixe de Helder muda de cor e reconfigura
a observação, a “pintora/pesquisadora” procura na paleta de cores o tom preciso, que talvez
ainda não exista.
Mesmo com a imprecisão dos tons, constatamos as regularidades constituídas no tecido discursivo quando detivemos o olhar para o emaranhado de séries discursivas observadas;
desta forma, o que temos neste enfoque não são somente as formas sob as quais são permitidas condições de existência de discursos que instituem saberes e poderes, mas também como
a instituição escolar e seus sujeitos constituem individualidades singulares, fomentando subjetividades que se pensam únicas e indivisíveis. Assim, a escola enquanto instituição cria posições de sujeito subordinadas a um todo social, em que a preocupação docente com a sexualidade dos/as jovens, levando em conta seu caráter de dispositivo histórico-cultural se apresenta
no deslocamento da preocupação do aparato “ser-saudável” para o aparato “ser- normal” na
medida em que o investimento nas classificações de normalidade se torna preponderante, imbricado na dimensão biopolitica de controle do indivíduo. As questões de gênero, bem como
126
as apropriações das questões sobre “as diferenças” emergem dentro dessa normalização dos
discursos “vigentes” do que o senso comum chama hoje de “politicamente correto”, polarizando as discussões entre o que pode ou não pode ser dito. Diante dos enunciados, na descrição de suas atividades com a utilização do livro paradidático, notamos que esse artefato cultural surge como uma alternativa eficaz para a incorporação de temas contemporâneos prementes na pauta escolar. Esta situação poderia ser diferente se houvesse maior investimento em
suportes de leitura, que se deslocassem para o que chamamos no capítulo 2 de “literatura sem
adjetivos”, na perspectiva de se pensar em variados suportes de leitura que possam conduzir a
abordagens com o perfil menos diretivo.
Em algumas posturas subjetivas de jovens e docentes na discussão da sexualidade do
gênero na escola foi possível vislumbrar o privilégio às praticas de si, imbricadas nas técnicas
de subjetivação do sujeito, no vinculo histórico entre subjetividade e verdade.
No entanto, mesmo que estes mecanismos de subjetivação a princípio pareçam trazer à
tona subjetividades inexoravelmente ligadas à questão da moralidade cristã – evidenciada
pelos mecanismos do exame, tais como do confessionário – outros aparatos e subjetivações
ficam evidenciados; os processos de subjetivação, neste caso, inscrevem-se em práticas diversas em que as preocupações estão ligadas à legitimidade dos interlocutores (sejam os docentes
ou outros jovens investidos em sistemas de confiança), bem como em processos de “ver-se”,
“ouvir-se” e “narrar-se” que fogem aos preceitos da hermenêutica cristã e possivelmente poderiam estar melhor inscritos na centralidade do “dizer - verdadeiro” o desejo e a sexualidade,
oriundo da cultura ocidental.
Na tentativa de obter uma visão panorâmica, nesta “in-conclusão” lançamos mão da
perspectiva apresentada por Fischer (2011), investindo em “linhas de subjetivação”48, na possibilidade de lidar com outra dimensão que “cruze a linha” do que já foi dito, oferecendo “espaço de possibilidades”.
Com isso, não há como não considerar o investimento político dos/as docentes investigados/as que tomam para si a discussão da sexualidade e questões de gênero; ou oferecer
visibilidade, por exemplo, ao movimento da diretora da creche que viabiliza o horário das
professoras para que elas se sintam “qualificadas” para discutir o assunto. Estes aspectos não
podem ser menosprezados; As fissuras e reentrâncias nos discursos talvez revelem mais do
que as “coisas ditas”, em que os processos de inclusão/exclusão emergem com toda força.
48
Fischer (2011). Neste artigo, a autora, dialoga com pressupostos de Deleuze e Foucault e nos conclama a “cruzar a linha”, pensar de outro modo do que já foi dito, para além dos dispositivos.
127
Acreditamos que mesmo que a discussão da sexualidade do/a jovem e da criança esteja atrelada a fortes aparatos de saber/poder e produção de verdade, evidencia-se também o
investimento em trazer para o espaço escolar por escolha própria uma discussão que poderia
ser adormecida no agitado fazer escolar. Professores/as de disciplinas diferentes - história,
literatura, língua portuguesa, ensino religioso, educação física - detém a escolha de silenciar
ou dar voz a um tema que ficaria oculto nos ditames por vezes obscuros da transversalização
curricular. A “autorização” auferida pelos PCNs, pela diretora da escola ou simplesmente pelo
currículo, confere o passaporte para que as vontades docentes sejam exercidas. Poderíamos
falar também sobre as “linhas de subjetivação” ou “linhas de fuga” presentes nos enunciados
dos/as jovens e nos temas silenciados para discussão pedagógica como a masturbação feminina ou o homoerostismo, ou no jovem que se recusa a expor sua sexualidade, na contramão da
explosão discursiva sobre o tema.
Assim, se fossemos pensar que docentes e jovens caem somente na “armadilha” da
discussão restritiva sobre sexualidade e gênero, excluindo outras significações, mais uma vez,
ficaria evidenciado o modo uníssono como as apropriações são feitas e em como convergem
para o senso comum. Preferimos acreditar em “leitores e leituras viajantes” 49, que percorrem
terras alheias e nas possíveis “linhas de subjetivação”, espaços em que outros sentidos serão
construídos.
49
Certeau, 2004
128
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2011.
136
ANEXOS
ANEXO A - ASSENTIMENTO INFORMADO
Sou pesquisador (a) e estou participando de uma pesquisa sobre Educação Sexual, gravidez na
adolescência e questões de gênero e o uso de livros paradidáticos desenvolvida pelo Núcleo
de Tecnologia Educacional para Saúde – NUTES, sob a responsabilidade da Profª Vera Helena Ferraz de Siqueira e desenvolvida pela pesquisadora Andréa Costa da Silva.
Eu vou te informar e convidar a participar desta pesquisa. Você pode escolher se quer participar ou não. Se você quiser participar, seus pais ou responsáveis também terão que concordar.
Você pode discutir qualquer coisa deste formulário com seus pais, amigos ou qualquer um
com quem você se sentir à vontade. Você pode decidir se quer participar ou não depois de ter
conversado sobre a pesquisa e não é preciso decidir imediatamente. Pode haver algumas palavras que não entenda ou coisas que você quer que eu explique mais detalhadamente porque
você ficou mais interessado ou preocupado. Por favor, peça que pare a qualquer momento e
eu explicarei.
Sua participação não é obrigatória. Repito a qualquer momento você pode desistir de participar e não terá nenhum problema.
Queremos, com este estudo, conversar sobre a educação sexual nas escolas e discutir com
professores e alunos sobre sexualidade, prevenção e gravidez na adolescência.
Você irá participar de grupos de discussão,com mais ou menos uma hora de duração, e será
entrevistado, ou seja, conversará comigo sobre os temas: sexualidade, educação sexual, prevenção e gravidez na adolescência,. Estes grupos e as entrevistas serão gravadas; e ao assinar
este documento você estará concordado com a gravação. Após colhermos os dados, as gravações,serão guardadas por três anos e depois serão apagadas.
A participação na pesquisa não trará nenhum risco para você. Você estará colaborando para
melhorar a educação sexual em sua escola.
As informações coletadas nesta pesquisa serão confidenciais, não diremos a ninguém que você participou. Quando terminarmos a pesquisa iremos conversar com os participantes sobre as
informações colhidas. E depois, iremos falar com mais pessoas, professores, pesquisadores;
escrevendo e compartilhando relatórios e indo para reuniões com pessoas que estão interessadas no trabalho que fazemos.
Se você tiver alguma dúvida, pode me perguntar agora ou depois. Você pode nos encontrar na
Av. Carlos Chagas Filho, Edifício do Centro de Ciências da Saúde. Bloco A, sala 12, Cidade
Universitária, RJ, Tel. 2562-6342; ou conversar com os profissionais do Comitê de Ética e
Pesquisa do Instituto de Estudos da Saúde Coletiva na Av. Horácio de Macedo s/n, Cidade
Universitária, RJ, Tel. 2598-9293.
Eu entendi que a pesquisa é sobre educação sexual, e que iremos conversar sobre educação
sexual, prevenção, e gravidez na adolescência, e concordo em participar.
_____________________________________________
Participante
_____________________________________________
Pesquisador(a)
Data:_____/_____/________
ANEXO B - TERMO DE CONSENTIMENTO
Termo de consentimento livre e esclarecido para pais e responsáveis
Estamos convidando seu/sua filho(a) para participar de uma pesquisa sobre Educação Sexual,
desenvolvida pelo Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, desenvolvida pela pesquisadora Andréa Costa da Silva, sob coordenação da
Profª Vera Helena Ferraz de Siqueira.
Seu/sua filho(a) foi indicado(a) pelos professores de sua escola, e aceitou participar, mas ele
não é obrigado a participar, somente se ele quiser e o(a) senhor(a) autorizar. E a qualquer
momento ele(a) pode desistir ou o(a) senhor(a) pode retirar sua autorização; e não haverá nenhum problema.
Queremos com este estudo conversar sobre a Educação sexual nas escolas e discutir com professores e alunos sobre sexualidade, saúde reprodutiva e gravidez na adolescência.
Seu/sua filho(a) irá participar de grupos de discussão, e será entrevistado, ou seja, conversará
com os(as) pesquisadores(as) sobre os temas: sexualidade, educação sexual, prevenção e gravidez na adolescência. Estes grupos e as entrevistas serão gravadas e terão a duração de aproximadamente uma hora; e ao assinar este documento o(a) senhor(a) estará autorizando a gravação. Após colhermos os dados, as gravações serão guardadas por três anos e depois serão
apagadas.
A participação na pesquisa não trará nenhum risco para ele/ela. Seu filho(a) estará colaborando para melhorar a educação sexual em sua escola.Caso persista alguma dúvida sobre a pesquisa, solicitamos que encaminhe-as à direção da escola ou faça contato diretamente com a
pesquisadora, em caso de maiores informações poderemos fazer uma reunião com os responsáveis visando esclarecer eventuais dúvidas.
As informações coletadas nesta pesquisa serão confidenciais, ninguém saberá o que foi falado
por seu filho. Quando terminarmos a pesquisa, iremos conversar com os participantes sobre as
informações colhidas. E depois iremos falar com mais pessoas, professores, pesquisadores;
escrevendo e compartilhando relatórios e indo para reuniões com pessoas que estão interessadas no trabalho que fazemos.
Se o(a) senhor(a) tiver alguma dúvida, estaremos à disposição para esclarecer. O(A) senhor(a)
pode nos encontrar na Av. Carlos Chagas Filho, Edifício do Centro de Ciências da Saúde.
Bloco A, sala 12, Cidade Universitária, RJ, Tel. 2562-6342; ou conversar com os profissionais do Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Estudos da Saúde Coletiva na Av. Horácio
de Macedo s/n, Cidade Universitária, RJ, Tel. 2598-9293.
Eu entendi que a pesquisa será sobre Educação Sexual e que meu/minha filho(a) irá conversar
sobre educação sexual, prevenção, e gravidez na adolescência, e autorizo que ele/ela participe.
_________________________________________
Responsável
_________________________________________
Pesquisadora
Data: _____/_____/________
ANEXO C - TERMO DE COMPROMISSO
Através deste assumimos o compromisso de cumprir os termos do projeto de pesquisa:
“ENSINANDO SOBRE SEXUALIDADE: SABERES, PODERES E VERDADES NA
LITERATURA ESCOLAR”. Cabe ressaltar que estamos realizando seleção da unidade escolar onde será desenvolvido o projeto. Comprometemo-nos a apresentar termo de compromisso desta, tão logo seja selecionada.
Rio de Janeiro;
de
de 2012.
_____________________________________
Andrea Costa da Silva
____________________________________
Vera Helena Ferraz de Siqueira
Ed. do Centro de Ciências da Saúde Bloco A Sala 12 Cidade Universitária CEP 21949-900
Rio de Janeiro Brasil Tel: 21 2270-3944 Fax: 21 2562-6343
[email protected]
ANEXO D - TERMO DE CONSENTIMENTO
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Para Adultos
Você está sendo convidado para participar da pesquisa, “Ensinando sobre sexualidade: saberes,
poderes e verdades na literatura escolar” desenvolvida pelo Núcleo de Tecnologia Educacional para
Saúde – Nutes/UFRJ, sob responsabilidade da Profª Vera Helena Ferraz de Siqueira e desenvolvida
pela pesquisadora Andréa Costa da Silva.
Sua participação é voluntária e a qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu
consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a
instituição.
O objetivo deste estudo é contribuir para a educação sexual nas escolas através da construção de
conhecimentos que favoreçam a formação docente; aproximando professores e alunos na discussão
de questões sobre sexualidade, saúde reprodutiva e gravidez na adolescência.
Sua participação nesta pesquisa será através de entrevista, com a duração de aproximadamente uma
hora, sobre os temas: sexualidade, educação sexual, saúde reprodutiva e gravidez na adolescência.
Ressaltamos as entrevistas serão gravados; e ao assinar este termo você estará autorizando a
gravação.
A participação no estudo não trará nenhum risco para os participantes.
O benefício relacionado com sua participação será a construção de conhecimento que contribuirá
para o desenvolvimento da educação sexual em sua escola.
As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua
participação. Os dados não serão divulgados de forma a possibilitar sua identificação. Após a
transcrição os arquivos de áudio serão guardados por três anos e depois apagados. Os dados
coletados serão utilizados somente para pesquisa e os resultados serão publicados em artigos
científicos de revistas especializadas e/ou congressos.
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço institucional do
pesquisador principal e do CEP, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação,
agora ou a qualquer momento.
____________________________________________
Vera Helena Ferraz de Siqueira
____________________________________________
Andréa Costa da Silva
Pesquisador: Av. Carlos Chagas Filho. Edifício do CCS. Bloco A, Sala 12 Cidade Universitária, RJ
Tel: 2562-6342
CEP/IESC: Av. Horácio de Macedo s/n Cidade Universitária, RJ Tel. 2598-9293
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo
em participar.
___________________________________________
Participante
Data:_____/_____/__________
ANEXO E - ROTEIRO
Roteiro Grupo focal - jovem
Nome:
Idade :
Escola :
Endereço da Escola:
1. Eu gostaria que vocês me contassem quais os livros que conhecem do tipo que contam
uma estória, que falam sobre a sexualidade? E quais são usados nas aulas?
2. Normalmente vocês perguntam sobre questões de sexualidade nas suas aulas
3. Vocês acham que é importante usar os livros na discussão? Por que? E com os livros, como é a discussão sobre o assunto?
4.
Tem diferença nos questionamentos entre meninos e meninas?
5. Que tipos de questões surgem?
6. Com quais professores vocês abordam essas questões? Por que com esses e não com outros? Vocês trazem essas questões mais para o professor de Ciências/Biologia ou para outros
professores também?
7. Vocês têm preferência por algum livro sobre este assunto? Qual?Por quê?
8. Como você tomou contato com esse tipo de literatura? Você recebeu indicação de alguém?
9. Você conhece outros livros que abordem o assunto?
10. Você já fez trabalhos em conjunto com outros professores sobre este tema?Quais ?
11. O Professor faz uso da ficha de leitura ou encarte pedagógico que vem com o livro? Ela
auxilia o seu trabalho?
12. Quais aspectos atraem nos livros? (deixar falarem antes de especificar): a temática, o tipo
de enredo ou as ilustrações?
13. Tem avaliação quando você usa os livros paradidáticos? Como é?
ANEXO F - ENTREVISTA
Entrevista - Docente
Nome:
Idade :
Escola :
Endereço da Escola:
Anos no magistério :
Disciplina que leciona :
Anos na escola atual :
Trabalha em outra escola ,qual :
14. Eu gostaria que você me contasse qual foi o motivo de incorporar o uso de livros paradidáticos nas suas aulas.
15. Quais temas você normalmente aborda com livros paradidáticos ? Por quê?
16. Por que você escolheu usar livros de ficção como recurso didático para abordar o tema?
17. Em quais séries você trabalha com esse recurso?Há algum motivo específico?
18. Normalmente os alunos questionam sobre questões de sexualidade nas suas aulas?
19. Qual a série onde há mais questionamento?
20. Que tipos de questões eles trazem?
21. Você acha que eles trazem essas questões mais para o professor de Ciências/Biologia ou
para outros professores também?
22. Quais os livros que você usa para esse trabalho?
23. Por que esses títulos especificamente?
24. Como surgiu o trabalho com livros paradidáticos ? Conta um pouco desse trabalho, como
você desenvolveu?Se possível dê exemplos concretos
25. Como você tomou contato com esse tipo de literatura?Você recebeu indicação de alguém?
26. Você conhece outros livros que abordem o assunto?
27. O que você acha sobre esses livros?Qual você mais gosta?Por quê?
28. Nesta escola outros professores abordam este tema? Quais?
29. Você já fez trabalhos em conjunto com esses professores sobre este tema?
2
30. Como os alunos reagem ao trabalho com livros paradidáticos quando você aborda assuntos voltados à sexualidade
?
31. Você faz uso da ficha de leitura ou encarte pedagógico que vem com o livro ?Ela auxilia o
seu trabalho ?
32. Quais aspectos atraem mais os alunos nos livros: a temática, o tipo de enredo ou as ilustrações?
33. Como você faz a avaliação quando você trabalha com livros paradidáticos?
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saberes, poderes e subjetivação na literatura escolar