1
III. As Formações Imaginárias Grupais
Com esse termo referimo-nos aos processos imaginários que um grupo produz.
Dizemos que um grupo é mais que a soma dos indivíduos que o compõem.
Conseqüentemente, pensamos que os processos imaginários dentro de um grupo não
constituem a soma dos imaginários individuais. Ao contrário, um grupo produz formas
imaginárias próprias. Em toda situação grupal (seja o grupo grande ou pequeno, de
formação, recreativo, de trabalho, terapêutico, etc) há uma representação imaginária
subjacente, comum à maioria dos seus membros. Estas representações imaginárias, e
não a tarefa, são o “algo comum” no grupo. A tarefa opera como convocante do grupo,
porém não como fundante. Para que um grupo de pessoas possa passar dae serialidade
a grupo, deverá ir se consolidando um conglomerado de “representações” imaginárias.
Estas, tanto poderão propiciar a tarefa, a solidariedade e a eficácia grupal, como os
conflitos, a ineficácia, etc. Não existe grupo sem formações imaginárias estritamente
grupais.
São os processos imaginários que podem ser lidos no transcurso do vir a ser
grupal e que falam de sua conformação, de suas possibilidades de desenvolvimento, de
transformação, de sua inscrição e da história de tal grupo.
Dentro das formações grupais incluímos:
A rede de identificações cruzadas (e a rede transferencial);
As ilusões grupais;
Os mitos do grupo;
A instituição (como disparador do imaginário grupal).
Estas formações grupais, em permanente atravessamento, darão a cada grupo
seu perfil, sua identidade, única e exclusiva deste grupo.
1. Rede de Identificações Cruzadas – Rede Transferencial
Nós, os coordenadores que trabalhamos com grupos, sejam eles da
aprendizagem, terapêuticos, recreativos, etc, partimos em geral de uma pergunta: O
que faz que certos grupos se constituam como tal e permaneçam no tempo e outros
não, que sejam criativos ou rígidos, independentemente da tarefa proposta? Sabemos,
a partir da experiência clínica com grupos, que este fato depende, entre outros
fatores, da constituição, durante as primeiras reuniões, do que se convencionou
chamar de matriz grupal. Definamos o termo matriz; o dicionário nos diz: “Víscera oca
em forma de redoma; molde em que se fundem objetos de metal idênticos: as letras
de imprimir, botões, etc. Materna. Principal. Geradora”.
2
Diríamos que esta matriz grupal da qual falamos pode aparecer somente se
existe no grupo uma empatia que una os diferentes membros entre si. Seja em pares
ou a três, com certos membros a pessoa vai se sentir mais cômoda que com outros;
terá interesses ou história em comum, ou perseguirá os mesmos objetivos. Às vezes os
indivíduos são conscientes disso. Às vezes o ignoram por completo. Vão sentir
rejeições e aceitações. Algumas racionais, outras não.
Em um grupo os membros, junto com o coordenador, se reúnem em um certo
lugar, sentam-se de uma certa maneira, pertencem a uma instituição real ou
imaginária. O olhar recíproco atua a partir deles e sobre eles. Além disso, o
coordenador ou a instituição onde se realiza a tarefa é investido pelos integrantes a
partir de certas pautas, certos poderes reais ou ilusórios, espera-se que ele realize
tais ou quais ações, que o sujeito possa apoderar-se do que espera que lhe dê, que
possa incorporar conhecimento, cura, sabedoria, poder.
Desta maneira o grupo todo se constitui no lugar da demanda que o próprio
grupo realiza sobre si, inclusive o coordenador.
Sem que pretendamos esgotar a descrição de tais acontecimentos grupais,
podemos afirmar que esta matriz grupal da qual falamos tem a ver com a possível
organização libidinal que este grupo assumiu. Esta organização libidinal está baseada
nos laços libidinosos que os indivíduos estabelecem entre si e com o coordenador.
Estes laços libidinosos têm a ver com a rede de identificações que vai se
estabelecendo no transcurso do grupo, e que está intimamente relacionada – na
realidade é o que a constitui – ao que se convencionou chamar “matriz grupal”. Ou seja,
esta matriz seria, na realidade, uma matriz de identificações formada por supostas
identificações secundárias. Já sabemos, por outro lado, a importância deste
mecanismo na constituição do sujeito.
Até aqui, temos a matriz grupal e o porquê de sua constituição. Daqui por diante
teremos como opera, se desenvolve, e detém ou não o desenvolvimento da dialética
grupal.
Vejamos um gráfico.
Se isto é um grupo:
Desde a primeira reunião começa a se conformar esta matriz de identificações da qual
3
falamos. Suponhamos que já esteja constituído o grupo e sua matriz. Um desenho
possível seria:
Matriz Básica: tem a ver com a
permanência
Matriz de identificações.
Circuito do conjunto de
relações objetais.
Quer dizer que encontraríamos uma matriz básica que tem a ver com a
permanência; são os integrantes que nunca faltam, comprometidos com os demais, que
se preocupam, que se ocupam de saber do cotidiano de outros integrantes, são
afetivos, etc. E também encontraríamos a matriz de identificações, que é um circuito
de relações objetais, já que o que se introjeta não é um objeto, mas sim um circuito de
relações de objeto. O objeto que foi incorporado desaparece como tal, fica a relação.
Não se identificam pessoas, mas aspectos pontuais das subjetividades dos
integrantes.
Esta rede de identificações é uma rede móvel e é, por outro lado, uma matriz de
identificações e uma matriz identificatória; ou seja, é o que identifica este grupo; é o
que o diferencia dos demais grupos, é o que fala da subjetividade grupal. O que
queremos dizer é que esta matriz identificatória é o particulariza um grupo em
relação a outro, e que fala da própria especificidade de tal grupo e não de outro.
Podemos pensar esta matriz como um caleidoscópio sempre em movimento, como um
diamante com múltiplas facetas, porém sempre igual a si mesmo.
Falar da rede de identificações cruzadas nos grupos significa falar daquilo que
dá conta da permanência, da mobilidade e da rigidez de tais grupos,
independentemente da tarefa a que estejam convocados. Ou seja, os processos
identificatórios que se produzem nos grupos vão funcionar como motor da vida dos
mesmos. Definimos uma vez mais o conceito de identificação como o processo
psicológico mediante o qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um
atributo de outro e se transforma sob o modelo deste. Por outro lado, sempre que
falamos de identificações nos grupos estamos falando de identificações secundárias.
4
Este conceito de rede de identificação está unido, tanto na clínica quanto na teoria ao
conceito de transferência.
Assim como as identificações são a motor da vida dos grupos, as transferências
são o que possibilita que tais identificações ocorram, fornecendo o terreno propício
para se realizem.
Por outro lado, a transferência é definida em psicanálise como um processo
mediante o qual os desejos inconscientes de um sujeito se atualizam sobre certos
objetos que a eles se relacionam. Embora esse mecanismo tenha se tornado visível e
teorizado a partir da psicanálise, podemos, a rigor, falar dele sempre falamos das
formações estritamente grupais, já que está sempre presente em toda relação humana
Se o pensamos a partir da pessoa que transfere este tipo de situação infantil,
podemos afirmar que, quando uma pessoa ingressa num grupo, traz consigo uma série
de desejos, alguns conscientes, outros não, que transfere para certas figuras dentro
do grupo. Pode suceder pensando a partir sujeito que transfere, que certos lugares no
grupo auferem de certos poderes e sobre eles se polariza o maior fluxo
transferencial.
O que significa isso? Que muitas vezes se transfere para a coordenação dos
grupos (sejam estes de aprendizagem, terapêuticos, recreativos, formativos) e
também sobre as instituições (reais ou imaginárias) nas quais estes grupos existem, a
repetição de certos desejos, que se atualizam no transcurso da tarefa. Por exemplo:
quando um indivíduo, ao participar em um exercício psicodramático, se identifica com
familiares significativos de sua história. Podemos supor que, além do processo de
identificação que foi revivido na situação de criar um personagem, existe outro
processo concomitante, estreitamente unido, que se refere à reatualização de todos
os circuitos de relações objetais que esta pessoa viveu ao longo de sua infância.
Por isso dizemos que as identificações são o motor de um grupo, enquanto que a
transferência lhes oferece o campo propício para que tais identificações se produzam.
Da mesma maneira que se vai construindo uma rede de identificações, se
contróe, entrelaçada com ela, uma rede transferencial. Quando falamos de
transferências nos grupos, fazendo-o a partir do lugar dos sujeitos que tranferem,
podemos observar que há certos emblemas ideológicos de poder que os sujeitos
projetam nas instituições e nos grupos a que pertencem e que muitas vezes atuam de
maneira quase independente desses grupos e instituições. Podemos dizer ainda que, as
vezes, as instituições e os grupos também usufruem desses emblemas projetados
pelos sujeitos para garantir sua permanência sem mudanças, dentro de um
determinado dispositivo ideológico institucional. Por exemplo:
A escola como segundo lar.
A professora como segunda mãe.
O hospital como local de cura.
5
Por exemplo, podemos supor que um grupo de médicos de um hospital carente de
recursos mínimos para levar adiante sua tarefa, necessita, para garantir seu
funcionamento, apelar para a projeção de certos ideais que correspondem a certos
emblemas ideológicos que dizem respeito a se médico, a trabalhar em certo lugar
assistencial, à cura, etc. Estas circunstâncias não são alheiras a rede identificatória;
ao contrário, estão permanenetemente orientando os fenômenos identificatórios e
transferenciais. Por tudo isto, podemos afirmar que, se fizermos um recorte, o lugar
pontual das identificações tem mais a ver com o grupo como um todo, e que o lugar das
transferências tem mais a ver com a coordenação e com a instituição. Isto não
significa que não ocorram relações transferenciais entre os integrantes do grupo, nem
que a coordenação e a instituição estejam isentas do espaço das identificações.
Afirmamos, sim, que esta rede de identificações e esta rede transferencial se
encontram totalmente entrelaçadas entre si.
O olhar recíproco atua e incentiva as identificações. Mostrar-se, olhar-se ser
visto, ser olhado. Mostrar o que se é. Mostrar o que se pensa ser. Expor-se ao olhar
do outro: ver e ser olhado, ver-se vendo, ver que os outros me olham. Existe uma
diferença entre ver e olhar. E desde o início pode-se dizer que evolutivamente o
aparato perceptivo da criança encontra-se mais desenvolvido que seu aparato psíquico.
Vê antes de olhar. O papel do olhar em relação com ao outro e a si próprio tem sido
objeto de preocupação desde épocas remotas em diferentes campos (as artes, a
filosofia, a literatura, a psicologia, etc). Mais recentemente teve um peculiar
desenvolvimento na psicanálise em função de retomar esses dois aspectos do ato de
ver (ver e ver-se). Um setor da escola francesa que trabalha com técnicas dramáticas,
ressalta que a função do coordenador é desorganizar o encontro de olhares (no
sentido metafórico) em toda reunião grupal. O olhar dos coordenadores refrata os
olhares dos integrantes do grupo no ponto em que se cruzam, não atua como um
esplho, não reflete nada. Desta maneira, não existem as formações estritamente
grupais, nem sequer o grupo. Constituem somente uma soma de individualidades
reunidas.
Ao contrário, nós pensamos que os coordenadores de grupo, queiram ou não,
entram no circuito libidinal do grupo. Mais do que isto, pensamos que o grupo se
dinamiza, se diverte e se torna mais produtivo quanto mais atuem dentro dele os
distintos vértices da rede de identificações e da transferência, formas estritamente
grupais que dão mobilidade e perfil peculiar ao grupo.
Isto não implica, para nós, que o coordenador se coloque como objeto de amor e
de admiração ou como mãe/pai ou protetor ou provedor, nem tampouco que se coloque
num lugar de liderança. Mas implica simplesmente ter presente que a coordenação não
está isenta da posição de identificação, como também os integrantes do grupo não
estão livres de ser objeto de transferência.
6
Quando propomos que a transferência é um movimento que opera
fundamentalmente dos integrantes para o coordenador, e que os processos
identificatórios circulam preponderantemente entre os integrantes, indicamos que
estas serão suas cristalizações mais patentes. A rigor, para que a rede de
identificações se produza, é necessário que, em sua base, esteja se organizando uma
rede transferencial, no sentido de que se desencadeie a possibilidade de repetir
circuitos de relações arcaicas.
Em um primeiro momento cada membro de um grupo recém – constituído se
dirige aos coordenadores, e não ao grupo; não reconhece os outros. Isto pode variar
de grupo para grupo, porém podemos afirmar que, no geral, a primeira reunião de
grupo nos fala inicialmente de sua serialidade.
Quando o coordenador permanece deliberadamente “fora” nos primeiros
encontros do grupo, ele está tratando de favorecer as identificações dentro do
próprio grupo. Existe um exercício psicodramático que se realiza, em geral, na
primeira sessão do grupo (e nos primeiros momentos da reunião), denominado círculo
do medo, em que se pede aos integrantes que formem um círculo e que cada um
escolha um companheiro e que, colocando-se em frente ao mesmo, diga: tenho medo de
...... e estou dizendo isto para você porque....... Todos os integrantes devem faze-lo,
exceto o coordenador. Com este exercício se explicitam todos os medos que os
sujeitos sentem ao ingressar pela primeira vez num grupo, que em geral refere-se ao
medo do ridículo, do desconhecimento da situação, da dificuldade de enfrentar uma
situação nova, etc. Com tal explicitação, forma-se um clima de situação comum a todos.
Na segunda parte do exercício (e estou dizendo isto para você porque.....) se produz
uma escolha de certos membros do grupo por afinidade ou rejeições. Isto possibilita
que se comece a estabelecer os primeiros laços identificatórios de que falávamos. Por
exemplo, em uma primeira reunião de um grupo de aprendizagem dizem:
 para ver se me aceita
 porque és acolhedora
 porque já nos conhecíamos
 porque parece-me que podes me compreender
 porque me inspiras confiança
 porque parece que estás mais assustadas do que eu
 porque tens uma aparência simpática
 porque estás assutada
Embora essas pessoas não se conhecessem previamente, escolheram a outros
companheiros e com isto produziram-se as primeiras aproximações, projetando sobre
eles suas fantasias e introjetando as fantasias dos companheiros. Não podemos deixar
de assinalar a imediatez com que este mecanismo psíquico se põe em funcionamento,
como também, invariavelmente sempre acontece. É necessário somente que um
conjunto de pessoas se agrupem.
7
Poderíamos distinguir diferentes tipos de identificações: narcisista, de
repetição, atual, terapêutica, porém pensamos que qualquer tipo de classificação dos
processos identificatórios nos grupos servem apenas para fins didáticos, já que seria
o mesmo que tentar tabular os sonhos, tal é a profusão e diferença desses processos.
Como dissemos anteriormente, a rede transferencial é a chave ou a base das
identificações. Em psicanálise a transferência é definida como o processo mediante o
qual os desejos inconscientes se atualizam sobre certos objetos na relação
estabelecida com eles, particularmente na relação analítica. Em outras palavras, é a
repetição de protótipos infantis vivida com um marcado sentimento de atualidade. No
processo psicoterapêutico, a transferência é a repetição de situações infantis no aqui
e agora com o analista. Da resolução da transferência depende a problemática da cura.
Freud distingue dois tipos de transferência: Negativa, relacionada com sentimentos
hostis, e Positiva, que tem a ver com sentimentos amorosos; recordemos que isto
qualifica a natureza dos afetos transmitidos e não a repercursão favorável ou
desfavorável sobre a cura. As transferências nos grupos estão dirigidas para:
O Coordenador.
Os Companheiros.
Ambos.
A Instituição.
Podemos, a rigor, falar de transferência nos grupos? Pensamos que sim já que
opera em todo vínculo humano, apenas tornou-se “visível” com a psicanálise.
Por exemplo, em uma sessão de grupo, quando uma pessoa da equipe terapêutica
olhava uma jóia que um paciente artesão havia confeccionado, uma jovem paciente de
23 anos que falava de algo sem importância no momento, ao perceber (observar) tal
situação, rompeu em soluços e reclamou a atenção do terapeuta dizendo: “Igual a meu
pai, sempre atendendo ao meu irmão”.
No caso de existir vários coordenadores, há uma maior pluralidade presencial
sobre a coordenação. Reiteramos que tanto a rede transferencial como a rede de
identificações, são processos que se produzem concomitantemente e que a rede de
identificações está mais pontualmente desenvolvida entre os membros do grupo, ao
mesmo tempo que a rede transferencial apóia-se fundamentalmente na coordenação.
Vejamos um exemplo conjunto de ambas as redes. Um grupo de 8 membros, em sua
22ª sessão de grupo terapêutico que se reúne uma vez por semana, com dois
coordenadores, durante duas horas, tem:
1. Uma dupla, homem-mulher, identificada entre si. Sentam-se sempre juntos,
cuidam-se mutuamente, são amistosos, alegres, um pouco maníacos, têm
características de líderes. A transferência do homem se dirige fundamentalmente
a um coordenador e a da mulher ao outro. Ao primeiro denominaremos A e à
segunda B;
8
2. Outra mulher, à qual denominaremos D, que olha principalmente os pares, tanto os
terapeutas como a dupla antes citada. Está em transferência positiva com um dos
coordenadores;
3. Outra mulher, à qual denominaremos E, que tem uma aproximação erótica
inconsciente com A, identificada com aspectos de B e em transferência positiva
com a coordenação. Estes membros conformariam a matriz básica.
4. Outro homem, que denominaremos F, mais jovem que o resto do grupo, identificase sobretudo com o par A-B, porém fundamentalmente seu laço mais forte é a
transferência realizada sobre a coordenação. O olhar desse membro para a
coordenação é insistente, ele ocupa um lugar central no transcurso da sessão e se
senta sempre em frente à coordenação;
5. Outro membro, também homem, que faltou por várias sessões e que além disso
chega tarde, ao qual denominaremos G, está atravessando um momento resistencial
bastante agudo; ainda não se integrou ao grupo, nem mantém laços libidinosos
fortes com nenhum dos coordenadores;
6. Outro paciente homem, que denominaremos H, é sua segunda sessão de grupo, está
fortemente identificado com A (“nós somos parecidos”..., “tenho uma boa sintonia
com você”, etc) e com um forte laço transferencial com a coordenação;
7. Outra paciente mulher, que falta muito, porém avisa por telefone cada vez que não
vem, à qual denominaremos J, quando vem se identifica com todo o grupo (“igual a
mim”, “igual a mim”) e depois falta por uma ou duas sessões. Poderíamos chamar sua
transferência de frouxa.
Denominaremos com a letra C à coordenação.
A rede transferencial será marcada com uma linda de pontos ...........
A rede de identificação, com uma linha traçada 
Observe-se no gráfico a seguir como a rede transferencial está acumulada
basicamente na coordenação, e a rede de identificações na figura dos líderes. Disto
resulta o que denominamos matriz identificatória de um grupo. Usando uma metáfora
gráfica, podemos afirmar que é o desenho que diferencia um grupo de outro grupo,
que o específica em sua particularidade. Pode-se, por outro lado, acrescentar que
deixamos de lado todas as transferências e identificações que seguramente estarão
operando, no caso desse grupo, sobre a instituição psicanalítica, que certamente
acrescentaria ao desenho outros vetores e o atravessariam de múltiplas maneiras.
9
B
A
B
C
C
A
D
MATRIZ
BÁSICA
B
A
C
D
C
B
A
D
A
F
C
B
C
E
E
B
A
C
B
G
A
E
H
C
C
A
J
E
G
C
D
J
E
C
G
C
H
D
F
B
F
C
C
C
D
F
G
F
H
C
10
Partimos de um círculo, massa arredondada, onde todos os participantes se
enfrentam corporalmente e através do olhar; e o vir a ser da análise das redes
transferenciais e identificatórias nos revela um nó, cujos múltiplos fios são, neste
caso, as transações e/ou as identificações que neste momento grupal estão se dando.
É interessante assinalar novamente estas duas linhas de força (nó-círculo) que a
etimologia da palavra contém, e que reiteradamente aparece quando nos dirigimos a
um grupo como unidade de análise.
O exposto até aqui nos traz algumas interrogações:
1. Qual é o grau de “liberdade” de um integrante, ao ingressar num grupo préformado? (de quais temas pode falar, de quais não, se entra em competição com o
grupo ou com os líderes do grupo, se o que traz para o grupo é aceito ou rejeitado,
etc);
2. Grupos criativos: o que determina o grau de criatividade de um grupo?
3. Grupos imóveis: o que determina o grau de imobilidade nos grupos?
4. O que determina o grau de mobilidade ou de plasticidade de tal matriz de
identificações e transferências?
5. O que determina o grau de enrijecimento da matriz de identificações?
Tudo isso se encontra multiplamente atravessado pelas outras formações
imaginárias grupais. A promoção da criatividade e/ou da repetição nos grupos será,
portanto, resultante de tal atravessamento.
2. A Ilusão Grupal
Comecemos por definir a palavra ilusão. O dicionário diz: “Conceito ou
representação sem verdadeira realidade, sugerido pela imaginação ou causado por
engano dos sentidos. Quimera, sonho, ficção, desvario, delírio, esperança, visão,
miragem”.
Para Freud, uma ilusão não é o mesmo que um erro, nem é necessariamente um
erro. É uma crença engendrada pelo impulso em direção a satisfação de um desejo,
prescindindo de sua relação com a realidade. O poder de uma ilusão, o segredo de sua
força, não está na força coletiva real, mas na força ilusória de tais desejos.
Freud fala da ilusão religiosa, a ilusão artística e a científica. Além de suas
diferenças, o que todas elas tem em comum é que se fazem presentes em todo
trânsito da impotência para a onipotência. Uma de suas mais genuínas características
é ter seu pontos de partida nos desejos humanos dos quais derivam.
No caso da ilusão religiosa, Freud identifica como sua origem o precedente
infantil do temor ao pai e a necessidade de sua proteção amoroso frente aos perigos
desconhecidos, isto é, o desejo de ser amparada por um pai onipotente. Esse desejo
11
dará lugar à construção de representações religiosas que desempenham, no enfoque
freudiano, as funções paternas para o indivíduo e a comunidade.
Ainda em relação à ilusão religiosa, afirma também que as representações
religiosas não contém somente realizações e desejos, mas importantes reminiscências
históricas referentes às etapas iniciais da constituição da organização social e da
necessidade do homem defender-se da prepotência esmagadora da natureza e as sua
sensação de desproteção frente a ela.
A função social da ilusão religiosa corresponde no âmbito moral, à guardiã dos
preceitos morais essenciais para repressão instintiva que dará lugar a coesão social e
a coesão da cultura.
Anzieu parte deste conceito freudiano de ilusão para abordar o que denomina
“ilusão grupal”. Para este autor, a ilusão grupal é um estado psíquico particular que se
observa tanto nos grupos naturais quanto nos terapêuticos ou de formação e que se
expressa em frases como: “estamos bem juntos”, “somos um bom grupo”, etc.
Acrescenta que toda tentativa de explicação psicanalítica da ilusão deve ser
feita a partir de quatro perspectivas: tópica, dinâmica, econômica e genética.
A proposta de Anzieu suprime sem querer a especificidade do grupal, ao fazer a
leitura do acontecimento grupal a partir de parâmetros válidos para as estruturas
inconscientes individuais.
Neste sentido, concordamos com Baoleo quando pergunta Anzieu: “e o grupo?”,
dando conta da supressão da grupalidade em que circula o referido autor. Apesar de
discordamos de Anzieu em sua análise da ilusão grupal, resgatamos o fato de haver
apontado a existência desse acontecimento grupal.
Que entendemos nós por ilusão grupal?
É aquilo que um determinado grupo acredita que é, acredita que pode realizar;
todo grupo necessita crer que é o que deseja ser, para poder alcançar seus objetivos;
só a partir de uma ilusão obterá a força necessária para alcançá-los, para enfrentar
suas adversidades, sustentar suas crenças, etc. Por sua vez, esta ilusão criará as
condições para se atingir a um “nós”, desenvolver um sentido de pertinência, organizar
um código comum.
Tal ilusão é o que os integrantes do grupo esperam que este grupo realize;
assim, todo o conjunto da vida do grupo aparece como modelado com caráter
estruturante por uma ilusão grupal que fala de seus desejos. Não deve ser visto
apenas como uma temática, um argumento, como aquilo que é dito, mas que comporta o
dinamismo próprio em virtude do qual as ditas estruturas tentam expressar-se.
Existe uma estreita relação entre as ilusões grupais e os mitos de um grupo.
Estas duas formações, em seu conjunto, integram o que denominamos novela grupal, a
qual dá conta da modalidade típica das encenações fantasmáticas que esse grupo
construiu ao longo de sua história. Ao referirmo-nos à ilusão grupal, endossamos as
palavras de Freud “assim o presente, o passado e o futuro aparecem interligados no
12
fio do desejo que passa através deles. Para que haja uma ilusão deve existir um desejo
que queira ser realizado, uma realidade que queira ser mudada, uma história que queria
ser modificada, um ideal que queira ser realizado.
Uma questão ulterior com respeito a ilusão. No texto citado, Baoleo credita a
ilusão aos fenômenos ideológicos: “somente a ideologia cobre os caracteres de real e
de imaginário, de aparente e de real, de manifesto e de latente, que acreditamos que
todo grupo possue.
Não queremos aqui entrar na polêmica que a temática das ideologias suscita,
mas nos parece pertinente fazer uma pontuação à respeito. Quanto Althusser define a
ideologia como aquilo que encobre e revela o real, está outorgando aos fenômenos
ideológicos características próprias do imaginário.
Podemos dizer então que tanto as ideologias como as ilusões grupais tem
componentes imaginários, porém acreditamos que assimilar ou tornar equivalentes
ilusão grupal e ideologia limita a análise destas produções grupais, porém nos parece
que dizer ilusão grupal = ideologia aprisiona a análise da especificidade, da
particularidade da ilusão grupal.
É indubitável que nas ilusões que um grupo produz, circulam produções
ideológicas, que supostamente são mais amplas que o próprio grupo e o situam em
determinado momento histórico e social. Porém, essas produções ideológicas colocadas
em funcionamento num grupo não constituem somente um “conjunto de idéias” que
influenciam um grupo, mas que são o próprio corpo do grupo circulando na
transversalidade institucional. Não são somente “idéias” mas se cristalizam em
práticas grupais e sociais específicas. Por tudo isto, pensamos que restringiríamos
nossa análise se conferíssemos equivalência entre os termos ideologia e ilusão.
Download

O disposito Grupal ² - continuação do Dispositivo Grupal ¹