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O ANEL DE MAGALÃO
COMÉDIA DE LUIS ALBERTO DE ABREU
ESCRITA ESPECIALMENTE PARA A
FRATERNAL COMPANHIA DE ARTE E MALAS-ARTES
PROJETO COMÉDIA POPULAR BRASILEIRA
PATROCÍNIO : ADC SIEMENS
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PRIMEIRO ATO
CENA 1 - TEITÉ TRAMA SUBIR NA VIDA
(ENTRA TEITÉ ACABRUNHADO. VAI ATÉ O CENTRO DO PALCO. PÁRA,
OLHA O PÚBLICO E DESABAFA.)
JOÃO TEITÉ
Oh, vida difícil! Oh, bosta de rosca! Gente, tô num miserê,
numa caipora, numa pindaíba que, parece coisa, que urubu desceu do vôo, cagou, embrulhou, deu trinta nós, encondeu as duas pontas e enterrou no meu quintal, em lugar onde não sei! Sai do meu cangote, urubu, que ocê
não foi que me batizou! Oh, vida maldiçoada! Coisa nenhuma dá certo! O Marruá, meu patrão português canguinha, miserável, não me paga, sorte eu não tenho e dinheiro eu não acho. Na minha vida poste é torto e até roda tem ponta! Quer saber? Eu cansei dessa vida torta,
sem janela nem porta, sem parede, sem esteio, sem frente nem costa, sem princípio nem meio! Eu nasci foi prá
brilhar. Sou bonito, charmoso e inteligente. Só me falta
ser rico e isso eu vou ser, nem que tenha que trabalhar!
(BATE PALMAS.) Ô, de casa! Ô, de dentro! Se aí tem um
vivente, abre a porta que aqui fora tem gente! Tia Beralda!
Ô, Tia Beralda! Sou eu, João Teité!
TIA BERALDA
(ENTRANDO) Veio acertar a última consulta?
JOÃO TEITÉ
Vim pendurar a próxima! Eu preciso de um descarrego,
Tia Beralda. Um banho de ervas que me lave de mau olhado, arranque olho gordo, esfregue o azar e, aproveite,
e já limpe cera da orelha e cascão do pescoço!
TIA BERALDA
Pegue seu rumo, Teité, que com você não quero mais trato! Prá você não faço nem reza mansa!
JOÃO TEITÉ
(INOCENTE) E por causa do que, Tia Beralda?
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TIA BERALDA
Porque você não paga.
JOÃO TEITÉ
Eu?? (SOLUÇA FALSAMENTE. PARA O PÚBLICO.)
Sabe o que é isso, gente? É esse capitalismo selvagem
que corrói o coração humano! Hoje tudo é feito por dinheiro, o vil metal...
TIA BERALDA
Desta vez você não me engambela. Se não paga...
JOÃO TEITÉ
Não pago porque não recebo.
TIA BERALDA
Não recebe porque não trabalha.
JOÃO TEITÉ
Não trabalho? E a senhora acha que não dá trabalho ficar
o dia inteirinho enganando o Marruá prá não fazer nada?
TIA BERALDA
Toma vergonha, homem!
JOÃO TEITÉ
Tá bom, não precisa ser banho completo. Só com espada
de São Jorge e Erva de Santa Maria.
TIA BERALDA
Não!
JOÃO TEITÉ
Então, só bote as cartas. (BERALDA CONTINUA IRREDUTÍVEL.) Metade do baralho? Um passe? Uma figa?
Pelo amor de Deus, Tia Beralda, faz uma contra-proposta
senão não sei negócio!
TIA BERALDA
Eu vou ver seu futuro nas cartas, mas é a última vez!
JOÃO TEITÉ
Negócio fechado! É assim que é o certo. Um cede um
pouco outro não cede nada e nos entendemos.
TIA BERALDA
Ave Maria!
JOÃO TEITÉ
Mãe de Misericórdia! Que foi, Tia Beralda? (COMEÇANDO A SOLUÇAR) É desastre? Desgraça? Tragédia?
TIA BERALDA
Ô, homem largo! ô, sujeito rabudo!
JOÃO TEITÉ
É eu, é?
TIA BERALDA
É. (CONFIRMA PONDO OUTRAS CARTAS.) E não tem
erro! Você vai subir nada vida.
JOÃO TEITÉ
Eu sabia! Eu tinha certeza! E como é que eu vou subir?
Quando?
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TIA BERALDA
Daqui prá frente só pagando!
JOÃO TEITÉ
Mal soube que eu vou me dar bem e já quer me explorar?
Isso é especulação econômica, Tia Beralda! Isto, mais inflação inercial, junto com três, quatorze, dezesseis de Pi,
vai desequilibrar a Balança de Pagamentos, com influência direta na maxidesvalorização do real! A senhora tá furando o plano de estabilização da economia! É falta de
patriotismo!
TIA BERALDA
Ou dinheiro na mão ou nem uma palavra sobre seu futuro.
(SAI)
JOÃO TEITÉ
E quem precisa ver o futuro? Já sei o caminho e vou pegar a parte que me toca! O que é do homem o bicho não
come!
CENA 2 - UM SENSÍVEL PATRÃO
(ENTRA MARRUÁ E GRITA CHAMANDO.)
MANÉ MARRUÁ
João Teité!
JOÃO TEITÉ
(ASSUSTANDO-SE) Ave Maria, seu Marruá, assim eu
perco a criança!
MANÉ MARRUÁ
Onde é que estavas, homem, quando eu mais precisava
de seus serviços?!
JOÃO TEITÉ
(EMBARAÇADO) Fui ali no "seu" coiso fazer um negócio
de um trato que eu tinha com um fulano sobre um combinado com não lembro quem! (REFLETE) Mas porque é
que eu estou com medo desse gordo muquirana? Tia Beralda acabou de ler o meu futuro! (PARA MARRUÁ)
Quem gosta de boi gordo é onça magra, seu Marruá!
MANÉ MARRUÁ
Que estás a dizer?
JOÃO TEITÉ
Estou a dizer e a proclamar a minha independência de
Portugal! Não preciso mais da miséria que me pagava,
seu munheca!
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MANÉ MARRUÁ
(APROXIMANDO-SE) Não fales isso!
JOÃO TEITÉ
Falo! O senhor não me mete medo!
MANÉ MARRUÁ
Quem pensas que és?
JOÃO TEITÉ
Sou João Teité que vai ter um futuro melhor do que naquela porta de venda que o senhor chama de armazém,
"seu" mão de vaca! (PARA O PÚBLICO.) Este avarento
conferia toda noite cada gomo de salsicha, cada pedaço
de queijo prá ver se eu não tinha roubado.
MANÉ MARRUÁ
E sempre tinhas!
JOÃO TEITÉ
Mas não precisava me fazer passar a humilhação de confessar! Pode ficar com suas calabresas, seus gorgonzolas, seus parmesões, seus tremoços. Ái, como é difícil a
despedida! Mas não fraquejarei! Mande lembranças prás
marmeladas-cascão, prás latas de azeitonas, prás sardinhas em conserva, prás suas prateleiras todas que é só
delas que eu vou ter saudade, sujeito fominha, pão duro,
sovina. Eu estou demitindo o senhor do privilégio de me
ter como empregado! Somítico, socancra, unha-de-fome...
MANÉ MARRUÁ
Não fales assim!
JOÃO TEITÉ
Falo, canguinho, esganado, ridico, fuinha, mão de finado,
tranca-bolso, unhaca! (MANÉ MARRUÁ FAZ BEIÇO DE
CHORO, SOLUÇA E DESABA EM COPIOSO PRANTO.
ABRAÇA TEITÉ.)
MANÉ MARRUÁ
Não me deixes, meu amigo!
JOÃO TEITÉ
Amigo? (SENTE-LHE O BAFO) Andou bebendo de novo,
seu Marruá? Toda vez que bebe é isso!
MANÉ MARRUÁ
Não me deixes!
JOÃO TEITÉ
Me larga e não fale assim que, quem não me conhece, vai
pensar mal.
MANÉ MARRUÁ
Fica! Eu sei que muitas vezes não fui um bom patrão mas
tenho bom coração. Não me negues a caridade de sua
presença, o prazer de sua companhia.
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JOÃO TEITÉ
Mas que diacho, homem, me larga! Isso aqui é
quebra de contrato de trabalho não é rompimento de relação amorosa!
MANÉ MARRUÁ
Eu serei um bom patrão, aumento seu salário.(TEITÉ
NEGA) Aumento suas férias e diminuo seu trabalho.
(TEITÉ IDEM. MARRUÁ RETIRA VÁRIAS NOTAS DO
BOLSO. DEPOIS, RETICENTE, VAI GUARDANDO AS
NOTAS ATÉ QUE OFERECE APENAS UMA A TEITÉ)
JOÃO TEITÉ
Não quero!
MANÉ MARRUÁ
Não sejas orgulhoso!
JOÃO TEITÉ
Não é orgulho. Primeiro, que é pouco, depois que, amanhã, quando o senhor melhorar da carraspana, me toma o
dinheiro de volta e ainda me chama de ladrão. Ô, homem,
toda vez que o senhor bebe é assim!
MANÉ MARRUÁ
Eu não sou tão ruim! Você sabe que o que me perde é
aquela bruaca da Boracéia. Maldita hora que me casei
com aquela trombada.
JOÃO TEITÉ
Nisso eu tenho de concordar: aquilo é desastre de trem
na vida de qualquer homem.
MANÉ MARRUÁ
Então fica e me ajude, Teité! Me ajude a me livrar daquele
traste e você será recompensado. Você tem carta branca.
Faça o que quiser.
JOÃO TEITÉ
O senhor me pede prá coçar cabeça de onça, puxar cascavel pelo rabo mas não me peça prá mexer com dona
Boracéia!
MANÉ MARRUÁ
(APROXIMANDO-SE) Fica, eu lhe peço!
JOÃO TEITÉ
(AFASTANDO-SE) Desafasta com esse bafo de onça! Vá
embora, seu Marruá!
MANÉ MARRUÁ
(AFASTANDO-SE, SENTIDO) Você fere meus sentimentos. Fica?
JOÃO TEITÉ
(FALSAMENTE INDECISO) Não sei, talvez, quem sabe...
MANÉ MARRUÁ
Só vou se você disser que fica.
JOÃO TEITÉ
Só fico se você disser que vai.
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MANÉ MARRUÁ
Então eu vou.
JOÃO TEITÉ
Então eu fico.
MANÉ MARRUÁ
Adeus, meu amigo. (SAI)
JOÃO TEITÉ
Eita, que esse homem quando bebe vira, logo, candidato
a chibungo! Ave Maria, desafasta fresco velho! (PARA O
PÚBLICO) Por que que eu fiquei? Por que que eu fiquei,
hein? (APONTA A CABEÇA) Porque aqui dentro tem "célebro", tem massa cinzenta junto com os miôlo (APONTA
A NUCA), aqui no "corte celebral", um pouco acima da hipótese! Raciocina: como em toda casa, homem é só presidente de honra, quem manda mesmo é a mulher. E na
casa do Marruá, pior! Lá não tem essas coisas de democracia, não! É ditadura da Boracéia. Oras, se a Boracéia é
quem manda, quem sabe se o meu futuro não está junto
da Boracéia, hein? Hein? Se não é através dela que eu
vou subir na vida? Assim sendo, cogito ergo sum, vou
lançar três olhar, babar meu charme e quando ela menos
esperar vou sapecar uns par de beijos bem beiçudo na
boca dela. O problema é o bigode. Não o meu, que não
tenho, o dela. Mas se o ideal exige, a vontade busca e o
corpo obedece. Eia, Teité, solta o bridão do seu burro que
a carreira já começou!
(SAI)
CENA 3 - OUTRO SENHOR INFELIZ
(CASA DE TABARONE. ESTE ANDA DE UM LADO A OUTRO SUSPIRANDO TRISTÍSSIMO.)
TABARONE
(CANTA)
Sodade, parola triste
quando siperde un grandiamor
Nistrada lunga da vita
Io vô tchiorando la mia dor.
Igual una burbuleta...
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(PAUSA DE SOFRIMENTO. SUSPIRA ALTISSONANTE. ENTRA
FABRICIO PORTANDO MALAS.)
FABRÍCIO
Papá!
TABARONE
Figlio! (ABRAÇAM-SE) E, enton?
FABRÍCIO
(MOSTRA O ANEL.) Advogado formado pela Universidade Federal de São Joaquim do Fim do Mundo!
TABARONE
Un vero dottore! Que felicitá! Sua volta enche de alegria
mio coraçó, figlio.
FABRÍCIO
O meu também, pai, embora chegue aqui com o meu coração partido.
TABARONE
Cosa?
FABRÍCIO
O amor, papá, que me seduziu, a princípio leve como ar,
como brisa, como vento (NUM CRESCENDO ATÉ PERDER COMPLETAMENTE O CONTROLE.), e, no próximo
momento, como um vendaval de tempestade me arrombou as janelas do peito e como um bandido me assaltou o
coração e me fez refém da maldita paixão! (TABARONE
BATE NO FILHO.)
TABARONE
Ma, che passa?!
FABRÍCIO
É a paixão!
TABARONE
Passione io trato a muque! Tu sei um avocato, um poco
de compostura!
FABRÍCIO
Sim, papá, data vênia.
TABARONE
Tu sei apassionato, eh?
FABRÍCIO
Sim, papá.
TABARONE
Por una moglie, non? (ARMA UM SOCO.)
FABRÍCIO
É claro, pai.
TABARONE
É, perche hoje non se sabe. Um pai pisca um olho e o figlio vira a folha!
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FABRÍCIO
O problema é que essa mulher usou minha
alma como tapete e pisou com salto de pedra nas tenras
fibras do meu coração.
TABARONE
E questa bambina é bela?
FABRÍCIO
Linda!
TABARONE
Mal. Estuda?
FABRÍCIO
Era colega da universidade.
TABARONE
Mal. Moglie com muito estudo non presta. Que curso fez?
FABRÍCIO
Ciências Sociais!
TABARONE
Péssimo. Feminista?
FABRÍCIO
Claro!
TABARONE
Enton, desiste!
FABRÍCIO
Nunca!
TABARONE
Ela rapa as perna e o suvaco?
FABRÍCIO
Sim.
TABARONE
Menos mal. Talvez tu tenha una chance. (REPENTINAMENTE SUSPIRA E SOLUÇA.)
FABRÍCIO
Não precisa sofrer tanto por mim, papá.
TABARONE
Ma chè?! Cada um suspira por si, eh? Sabe, figlio, io também sono apassionato. Dopo la morte de tua mama, pobrezinho de mim, que solitário fiquei! Tu tinha dois anos e
la tristezza me cobriu la vita. (NUM CRESCENDO ATÉ
PERDER O CONTROLE E GESTICULAR DESESPERADO COMO O FILHO ANTERIORMENTE.)Foi quando conosci una moglie e la passione, forte come una retroescavadeira, passou come un trator de esteira por cima do mio
coraçón e me cortou em tanto pedaço que la ferida maior
desse enlaço ainda non cicatrizou. (FABRÍCIO SEGURA
O PAI E BATE EM SEU ROSTO TENTANDO FAZE-LO
VOLTAR A RAZÃO.)
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TABARONE
(REAGINDO COLÉRICO ENCHE O FILHO
DE TABEFES.) Ma chè, cretino! Como me bate, imbecile?!
FABRÍCIO
O senhor que falou que paixão se trata a muque!
TABARONE
A sua, idiota! A minha, non, que merece respetto! (ENLEVADO) Ah, figlio, era una paixón tão intensa e singela
come a de Romeu e Julieta.
FABRÍCIO
E porque o senhor não ficou com ela?
TABARONE
E tu acha que uma moça ia querer un'uomo com um empiastro de um filho cagón e chorón?! E dopo, aquele lazarento tinha mais dinheiro e emgabelou a moça. E il coracón de cristal que tenho in mio petto se partiu. Ainda ontem a vi, ainda bella, delicata, una pétala de rosa!
FABRÍCIO
Porque o senhor não se declara a ela?
TABARONE
Non tenho coragem.
FABRÍCIO
Deixa disso, pai, dá em cima da dona.
TABARONE
Ma, que pensa que io sono!? Se bem que...o que io mais
queria na vita era roubar quella moglie prá mim.
FABRÍCIO
Então, vai à luta!
TABARONE
Tenho paura...
FABRÍCIO
Telefona como um admirador anônimo.
TABARONE
Ouvir de novo quella voz de passarinho...Perchè nó? É
questo! (TELEFONA. O TELEFONE TOCA NA CASA DE
MARRUÁ. BORACÉIA SURGE COM MÁSCARA DE BELEZA NA CARA, BOBS NA CABEÇA, CAMISOLA E MAU
HUMOR.)
BORACÉIA
Está lá, porra?!
TABARONE
Sono io, amore.
BORACÉIA
Com sono estou eu, babaca! Quem é você?
TABARONE
Sou eu, o Tabarone.
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BORACÉIA
Não conheço nenhum Tabarone! E se te conhecesse ias levar umas braçadas prá não telefonar, às
duas da manhã, para a casa dos outros, animal!
TABARONE
É a Boracéia?
BORACÉIA
Quer saber? Vai procurar sua mãe na zona e seu pai em
baile gay! (DESLIGA O TELEFONE MAS CONTINUA
GRITANDO PARA O APARELHO.) Maldito! Desgraçado!
Ah!, se eu soubesse quem tu és!
MANÉ MARRUÁ
(OFF)Que diabos é isso, Boracéia?
BORACÉIA
Dorme e morre, sua besta! (SAI. TABARONE ESTÁ BOQUIABERTO.)
FABRÍCIO
Como é que foi, pai?
TABARONE
É engano. Solo pode ter sido engano. Vamos dormir, figlio. (À SAIDA) Ma, a voz era a mesma! Ma, non! Non é
possibile. Boracéia era uma deusa, una tenra avezinha. E
io sono seu passarinho! (SAI. CAI A LUZ . NO RÁPIDO
MOMENTO DE ESCURO BORACÉIA FALA)
BORACÉIA
Se eu sei quem me acordou eu trituro no dente!
CENA 4 - TEITÉ TENHA CUMPRIR A PROFECIA
(O AMANHECER É BUCÓLICO. O GALO ANUNCIA O
DIA E OS PASSARINHOS PIPILAM.)
BORACÉIA
(OFF, BERRANDO) Teité! Teité, filho de pai desconhecido! Vem aqui, animal! (BORACÉIA ENTRA.) Eu não suporto mais esta vida! Eu quero um vidro de veneno! (TEITÉ ENTRA.)
JOÃO TEITÉ
Que é que foi, dona Boracéia?
BORACÉIA
Uma faca! Um veneno! Um punhal! Eu não aguento mais!
JOÃO TEITÉ
Que aconteceu?
BORACÉIA
Minha vida é uma desgraça!
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JOÃO TEITÉ
Não fica assim. Tem a noite, tem o dia; tem o
mar, tem a areia; tem a caça, o caçador; tem a cera e tem
a "oreia".
BORACÉIA
Que queres dizer com isso?
JOÃO TEITÉ
Que a vida, encarada do ponto de vista filosófico, encerra
dentro de si...
BORACÉIA
Cala a boca e me traz veneno de rato, formicida!
JOÃO TEITÉ
É isso que eu quero dizer: não vale a pena a senhora se
matar.
BORACÉIA
(BATE EM TEITÉ.)E quem falou que eu quero me matar,
ó gajo mentecapto! O veneno é pr'aquela besta do Marruá!
JOÃO TEITÉ
Não vale a pena matar o homem!
BORACÉIA
Aquilo não é um homem! É uma besta cheia de gases. Eu
não aguento mais! Passa a noite inteirinha estufando o
lençol! O desgraçado pode comer salmão, frutas finas,
ambrosia, néctar dos deuses, beber água de rosas que
tudo desanda nas curvas daqueles intestinos! E depois,
ele pegou a beber. Não há quem aguente!
JOÃO TEITÉ
E por causo disso a senhora vai se tornar uma assassina?
Vai pegar prisão de quinze anos por causo de um pum?
Pense um pouco mais na senhora. A senhora é pessoa fina, sensível. Não se suje por causo de um casca grossa
como o Marruá.
BORACÉIA
(MAIS CALMA E ENVAIDECIDA) Não é que tens razão?
JOÃO TEITÉ
Então! Pode até acontecer, assim... não sei, ninguém sabe o futuro... mas de repente o Marruá tem uma indigestão e vai prá caixa-prego, veste paletó de madeira e viaja
prá cidade dos pés-juntos desencarnar toda aquela banha.
BORACÉIA
Não é má idéia!
JOÃO TEITÉ
E a senhora fica aí... ainda bonitona, herdeira de parte da
herança e livre como uma gatinha prá caçar um passari-
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nho moço... (INSINUA-SE), bonito (IDEM),
charmoso e viril...como eu!
BORACÉIA
(FAZENDO O JOGO.)Você acha?
JOÃO TEITÉ
(PARA SI) Já é minha! (PARA BORACÉIA, INSINUANTE)
Acho!
BORACÉIA
(METENDO-LHE CASCUDO) Pois, eu não, seu bigorrilhas! Gajo à toa!
JOÃO TEITÉ
Desculpa, dona Boracéia...
BORACÉIA
Por quem me tomas!?
JOÃO TEITÉ
Eu pensei que uma mulher bonita como a senhora mereceria alguém...
BORACÉIA
De um lado pensaste certo mas do outro indicaste o homem errado! Pensas que uma mulher de classe vai se sujeitar a um João Teité qualquer?!
JOÃO TEITÉ
Mulher de classe, até que não, mas como era prá senhora
mesmo...
BORACÉIA
Como?
JOÃO TEITÉ
Escapou. Eu não queria, mas já disse!
BORACÉIA
Eu te pego, peralvilho! (BATE EM TEITÉ. ENTRA MARRUÁ.)
MANÉ MARRUÁ
Com o que, diabos, que nesta casa não se pode nem
dormir?!
JOÃO TEITÉ
Me salve, seu Marruá!
MANÉ MARRUÁ
Que houve?
JOÃO TEITÉ
Foi cachorro louco que mordeu!
BORACÉIA
Eu te esgano, esquartejo!
JOÃO TEITÉ
(PONDO-SE DE JOELHOS) Perdão, dona Boracéia, a
culpa não é minha. É que eu recebi carta-branca do Marruá... MARRUÁ INTERFERE BATENDO EM TEITÉ)
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MANÉ MARRUÁ
Tome, desgraçado, para não faltares ao respeito com minha mulher!
JOÃO TEITÉ
E o trato, seu Marruá?
MANÉ MARRUÁ
Maltrato, sim! Destrato e rasgo seu contrato! Rua! Raspate daqui prá fora! Estás despedido.
JOÃO TEITÉ
Mas...
MANÉ MARRUÁ
E sem direito a palavra! Vai procurar seus direitos. Fora
de minha casa! (EMPURRA TEITÉ PARA FORA.)
BORACÉIA
Até que enfim agiste como homem!
MANÉ MARRUÁ
Não gosto de abuso de empregado!
BORACÉIA
Fazes bem porque também sou mulher às direitas! E agora, vai-te lavar prá ver se te livras desta catinga de bebida!
MANÉ MARRUÁ
Queria te informar que minha filha Rosaura formou-se e
volta a esta casa.
BORACÉIA
(SEM NENHUM ENTUSIASMO) Já? Quatro anos passam
tão depressa!
MANÉ MARRUÁ
Gostaria se a tratasse bem.
BORACÉIA
Trato como me tratam. Eu não tenho culpa se eras viuvo
quando me conheceu e pai de uma menina desaforada!
(SAI)
MANÉ MARRUÁ
Eu acabo à morte! (ALTO) Ainda me rebenta uma veia do
coração!
BORACÉIA
(OFF) É mais fácil te rebentar as tripas, depósito de gás
metano!
MANÉ MARRUÁ
É assim que começa o dia na casa de um cristão!
CENA 5 - UMA POÉTICA CAMINHADA MATINAL
(TABARONE DECLAMA POESIA)
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TABARONE
Tegno sodades dista Paulicéa,
Dista cidade chi tanto dimiro
Tegno sodades distu céu azur
Das bellas figlia lá du Bó Ritiro.
Tegno sodades dus tempo perdido
Xupano xoppi uguali d'un vampiro
Tegno sodades dus begigno ardenti
Das bellas figlia lá du Bó Ritiro.
Tegno sodades, ai de ti, Zan Baolo!
Terra chi eu vivo sempre n'un martiro
Vagabundeano come un begiaflore
Atraiz das figlia lá du Bó Retiro.
Tegno sodades dista Paulicéa,
Chi a gente sem querê dá un sospiro
Lembrando os beijos da Boracéa
A mais linda figlia do Bó Ritiro. (Juó Bananere)
FABRÍCIO
(QUE ENTROU DURANTE A DECLAMAÇÃO.) Me emociona, papá, que os olhos deságuam em lágrimas sentidas. Feliz do homem que, após a morte, ao ser perguntado no Juízo Final, "o que fizeste da vida?", possa responder: amei!
TABARONE
Si, é vero, ma trabalhar também é bom, eh, figlio?! Tens
quase trinta anos e não ganhou dinheiro nem prás próprias meias.
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FABRÍCIO
Não enquanto não conquistar Rosaura.
TABARONE
Rosaura? O mesmo nome da filha do lazarento do Marruá.
FABRÍCIO
Nomes tem muitos. A alma é única. Estou decidido, pai:
vou voltar à São Joaquim do Fim do Mundo e vou raptar,
sequestrar, roubar. Não posso viver sem a Rosaura!
TABARONE
(BATE NO FILHO.) Ma, che vai! Vai nada, vai niente! Vaí
é me ajudar no escritório, vagabundo!
FABRÍCIO
Você pisoteia meu coração já tão pisado...
TABARONE
Un uomo não pode ser capacho de mulher! Levante o coração que aqui mesmo você encontra una buona moglie.
FABRÍCIO
Não acredito, pai.
TABARONE
Eu acredito e é o bastante! E agora, andiamo, figlio. Vamo
aproveitar a manhã e dar um passeio lá pros lados do Jabaquara.
FABRÍCIO
Andar daqui de Pirituba ao Jabaquara? Pra fazer o que,
papá?
TABARONE
É lá que agora vive a Boracéia. Quero ver se lhe falo depois de tantos e tantos anos. Vem, filho, vamos seguir o
rumo do Arco-íris!
FABRÍCIO
Por que o senhor pode e eu não?
TABARONE
Porque o meu amor non é frescura nem a Boracéia é a
pistoleira que deve ser questa tua Rosaura! (SAEM. TABARONE CANTA "OVER THE RAINBOW".)
CENA 6 - O CAVALEIRO ANDANTE E SEU FIEL ESCUDEIRO
(TEITÉ SOZINHO)
JOÃO TEITÉ
(AO PÚBLICO.)Belo futuro o meu! Vai alguém acreditar
naquela velha vidente desgraçada! Taí, eu, João Teité,
sem eira, nem beira, nem galho de ingazeira! E agora? O
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que é que um cristão faz nessa situação?
Vende a calça, aluga a camisa e empenha o calção?
Amarra o fiofó com embira prá ver o lucro que tira? E já
começa a bater a fome. Tá na hora de sonhar com almoço, jantar e ceia, muito alimento!, e comer pastel de ar,
sopa de vento e pirão de areia! Oh, desgraceira! Por que
eu fui acreditar na peste daquela vidente?! (SOM DE RELINCHO DE CAVALO. ENTRA O GENERAL ENRICLENES SEGUIDO DO MAJOR ARISTÓBULO. EURICLENES AO VER TEITÉ NO SEU CAMINHO PARA E OLHA
PARA ARITÓBULO. ESTE IMEDIATAMENTE PASSALHE A FRENTE.)
ARISTÓBULO
Desafasta! Desinfeta! Circulando! O general vai passar!
JOÃO TEITÉ
E o desfile de moda militar não pode ter testemunha, é?
ARISTÓBULO
Eu te sangro, cabra! (TEITÉ FOGE.) Caminho livre, meu
general!
EURICLENES
Você me acha bonito, major?
ARISTÓBULO
(ATÔNITO OLHA PARA O PÚBLICO E PARA O GENERAL.) Como macho e militar não posso emitir opinião sobre esse assunto!
EURICLENES
Eu respondo: sou! Sou um bom tipo, rico e com autoridade. Que mais alguém pode querer ser na vida? (RESPONDENDO.) Só ser mulher para casar comigo, não é,
major?
ARISTÓBULO
É... mas não é muito. Eu tô satisfeito em continuar sendo
até hoje o mesmo macho passado e escovado como vim
ao mundo!
EURICLENES
(PENSATIVO.) Eu cansei, major!
ARISTÓBULO
(INCRÉDULO.) De ser macho?
EURICLENES
De ser solitário, imbecil! Toda minha vida dediquei às coisas militares e agora que dei baixa, com honra e louvor,
sinto falta de companhia.
ARISTÓBULO
E eu?
EURICLENES
Companhia feminina, major! O senhor dorme comigo?
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ARISTÓBULO
Não durmo, nem quero, nem penso! Sou macho inteiriçado!
EURICLENES
Pois, então! Mulher não é inimigo que a gente declare
guerra, faça campanha, ataque e obrigue a se render!
ARISTÓBULO
O que é uma pena!
EURICLENES
Também acho, porque não sou de florear os modos, nem
de melar a voz. E parece que são essas coisas menos
machas que essas moças modernas gostam.
ARISTÓBULO
(SOCANDO A MÃO) Se o senhor não quer se envolver,
me mostre a mulher de sua escolha, me deixe duas horas
com ela que eu a faço confessar que te ama e amará por
toda vida!
EURICLENES
Deixa de ser imbecil! Não é assim que eu quero! Eu quero
uma que venha por livre e espontânea vontade.
ARISTÓBUL
O Isso só consigo em quatro horas!
EURICLENES
Desapareça, major! (SAI. OUVE-SE GALOPE QUE SE
AFASTA.)
ARISTÓBULO
(INDECISO, OLHA DE UM LADO A OUTRO. PAUSA.IRRITADO) Que é que eu faço?!
JOÃO TEITÉ
(OFF)Sai que é minha vez de entrar! (MAJOR INICIA A
SAÍDA.)
JOÃO TEITÉ
(ENTRANDO) Sai pelo mesmo lado que saiu o general.
ARISTÓBULO
(FURIOSO)Saio por onde bem entender! (SAI QUASE
ATROPELANDO TEITÉ)
CENA 7 - O ENCONTRO DOS FARSANTES
JOÃO TEITÉ
Maldiçoados os patrões, as videntes e os atores que não
sabem a marcação! Viram essa coisa? Se não abro o olho
eu apanho como personagem e como ator. (ENTRA MATIAS CÃO. TEITÉ E MATIAS OLHAM-SE, MEDEM-SE.)
Que é que tá olhando? Gostou, leva!
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MATIAS CÃO
Olha essa boca, pedaço de mal vivente! Estou olhando porque acho que estou lhe conhecendo, seu
estrovenga!
JOÃO TEITÉ
É mesmo! Frutinha, quitempo! Onde você andou, querida?
MATIAS CÃO
Ensinando seu pai a ser homem! Vem aqui que vou te ensinar também! (CORRE ATRÁS DE TEITÉ E DÁ-LHE
UNS CASCUDOS.)
JOÃO TEITÉ
Mas que coisa, que mau humor! Não se pode nem brincar
com a falta de virilidade dos outros?
MATIAS CÃO
Não!
JOÃO TEITÉ
Então vamos falar a sério. Há quanto tempo você é assim?
MATIAS CÃO
Vou te destorcer o pescoço!
JOÃO TEITÉ
Tá bom, tá bom! Você também não me é estranho. Ah, a
gente se encontrou o ano passado no teatro das nações,
na São João.
MATIAS CÃO
Não me lembro. Estou a procura de emprego.
JOÃO TEITÉ
E sabe fazer o que?
MATIAS CÃO
Muitas inúmeras entre as quais várias. Mas o que eu sei
mesmo fazer é namorar, aprontar e sair bem das confusões.
JOÃO TEITÉ
Namorar com mulher, eu suponho.
MATIAS CÃO
Olha, sujeito...
JOÃO TEITÉ
Eu só pergunto prá não pairar nenhuma dúvida! (ENTRA
MARRUÁ E LITERALMENTE SE JOGA NOS BRAÇOS
DE TEITÉ.)
MANÉ MARRUÁ
Teité! Meu amigo! (ABRAÇA-O SOLUÇANDO.) Tens que
me perdoar. De que vale a vida sem os amigos?
MATIAS CÃO
Vocês eram amancebados?
JOÃO TEITÉ
Ele era meu patrão.
20
MATIAS CÃO
E você era o que? A secretária?
JOÃO TEITÉ
Tenha compostura, seu Marruá!
MANÉ MARRUÁ
Então prometa que volta. Eu te emprego de novo.
JOÃO TEITÉ
Não quero.
MATIAS CÃO
Eu quero.
JOÃO TEITÉ
(EMPURRANDO MARRUÁ.) Não vale a pena. Quando
passa a bebedeira ele tiraniza os empregados.
MANÉ MARRUÁ
Eu juro que vou ser sempre bom do você. Vou até cumprir
a CLT, dar férias, aumento...
JOÃO TEITÉ
Ocê bebeu mesmo, hein, Marruá!
MANÉ MARRUÁ
Eu te nomeio gerente da minha mercearia!
MATIAS CÃO
Aceita!
JOÃO TEITÉ
De jeito nenhum! Num aguento mais. De noite ele bebe,
vira santo; de dia, cura a ressaca e vira bicho.
MATIAS CÃO
É fácil. É só você manter esse barril português sempre
cheio, dia e noite!
JOÃO TEITÉ
Como é que eu nunca tinha pensado nisso! Ocê é um gênio! Nós dois juntos vamos tem um longo futuro. (CUMPRIMENTA) João Teité.
MATIAS CÃO
Matias Cão.
JOÃO TEITÉ
Está bem, seu Marruá. Eu aceito se o senhor contratar
também o meu amigo aqui como meu serviçal.
MATIAS CÃO
Serviçal?
JOÃO TEITÉ
Eu não sei se você é capacitado prá ser meu empregado.
Se passar na experiência...
MANÉ MARRUÁ
Aceito. Eu sou um homem bom e justo. E tudo hei de fazer para me redimir perante você, João Teité. (DESABA
SOBRE TEITÉ.)
21
JOÃO TEITÉ
Pode começar me ajudando aqui, Matias.
(CARREGAM MARRUÁ PARA CASA. MARRUÁ, ABRAÇADO AOS DOIS VAI CANTANDO.)
CENA 8 - TEITÉ COMEÇA A SUBIR NA VIDA
(CHEGAM CARREGANDO MARRUÁ ATÉ A CASA DESTE. NA JANELA ASSOMA BORACÉIA.)
BORACÉIA
Que razia dos infernos estão a fazer sob minha janela?!
JOÃO TEITÉ
É o seu Marruá, vosso marido.
BORACÉIA
Joguem no bueiro! Rolem essa pipa ladeira abaixo porque
dentro de minha casa essa esponja não entra!
MANÉ MARRUÁ
(ACORDANDO) Que está a falar, ó besta do apocalipse?!
Esta casa é minha!
BORACÉIA
Sim, é sua! A cara também é sua e o tabefe vai ser meu!
Fique a esperar que eu já desço! (SOME DENTRO DE
CASA.)
MATIAS CÃO
Ave maria, quem é a besta-fera?
JOÃO TEITÉ
Sua nova patroa.
MATIAS CÃO
Então, acho melhor eu pedir demissão!
MANÉ MARRUÁ
Empregado meu não pede demissão sem minha ordem!
Deixa que a cascavel venha que hoje ela encontra quem
lhe tira o veneno!
BORACÉIA
Raspa-te daqui e só volte quando estiveres sóbrio!
MANÉ MARRUÁ
Em minha casa eu entro sóbrio, bêbado, como estiver!
BORACÉIA
Nem és louco!
MANÉ MARRUÁ
Bem se vê que louco sou por ter-me casado com uma
hárpia como tu!
22
BORACÉIA
Ái! Ái, que me descabeço, e planto uma mão
no meio de tuas fuças! E esses dois? De que matilha tiraste esses cachorros?
MANÉ MARRUÁ
São meus novos empregados!
BORACÉIA
Ái, que ainda te enveneno! (MARRUÁ ENTRA) Pico-te a
canivete, amarro-te e incendeio-te à cama! (FIXA TEITÉ.
ESTE SE ENCOLHE.) Com o que, conseguiste voltar! Tu
ainda ganha o teu e eu é que vou dar. E tu!? (MATIAS
PULA ASSUSTADO) Quem és? De onde vieste?
MATIAS CÃO
Matias Cão. Vim do sertão, da barriga da minha mãe, vim
da rua e chego aqui depois de tantos anos só para servila, madame.
BORACÉIA
(MEDIANAMENTE INTERESSADA) Hum! Tens a língua
afiada!
MATIAS CÃO
E está para serví-la.
BORACÉIA
Jesus!
MATIAS CÃO
Não me entenda mal. Sei cantar, sei levar recado muito
bem e sei muito bem aconselhar.
BORACÉIA
És bem apanhado de carnes, bem rijo! Talvez até te tome
a meu serviço. Mas não me entendas mal. (SAI.)
JOÃO TEITÉ
Que é que ocê tá cevando as galinhas do meu terreiro!?
MATIAS CÃO
Pode ficar que essa canja não me apetece.
JOÃO TEITÉ
E prá ocê largar de ser saliente pode ir descarregar o caminhão que chegou no armazém. Depois volta aqui que
ainda tem muito trabalho.
MATIAS CÃO
Mas nem bem cheguei
JOÃO TEITÉ
E tome cuidado prá já não sair. Vai! Vai! Vai! (MATIAS
SAI.) Eu preciso é abrir o olho. Esse um é muito ladino.
Deixa o ninho, passarim, que na volta não vê ovo, só vê
chupim! Mas tá prá nascer quem me leve no bico, quem
me tire as meias sem tirar o sapato. Seu Matias, tira-se o
leite onde há pasto! E no curral berra o boi mais esperto!
(ENTRA. LENTAMENTE APAGA-SE A LUZ.)
23
CENA 9 - RONDA NOTURNA
(ANTES QUE A LUZ CAIA TOTALMENTE, OUVE-SE O
RELINCHAR DE UM CAVALO E TROPEL. ENTRA ARISTÓBULO.)
ARISTÓBULO
Eis que o general Euriclenes faz sua heróica e corajosa
ronda noturna pelo bairro. Fujam desocupados, tremam
bandidos, corram assaltantes! E ordem e silêncio até as
seis da manhã! Tenho dito! (SAI. A LUZ CAI.)
CENA 10 - POR CIMA DA CARNE SECA
(PASSA-SE UM TEMPO. TEITÉ SUBIU NA VIDA. ESTA
AGORA DIFERENTE NO JEITO E NOS TRAJES.)
JOÃO TEITÉ
(AO PÚBLICO)Ô, vidão! Boa comida, boa bebida, boa
cama! Prá completar só falta uma mulher. E tô aqui, matutando, que não quero mulher prá dividir o que eu ganho.
Quero mulher prá somar ao que eu já tenho. Quero uma
herdeira. O senhor, não deve ser muito inteligente mas já
percebeu o que eu quero: a Rosaura, a filha do Marruá.
(ENTRA MATIAS)Deixa o tempo correr que ele corre é ao
meu favor! (A MATIAS) Que é que tava aí escondido, me
escuitando? Queria me pegar no sofragante? Sou capivara, sou? Ocê é onça prá me atocaiar?!
MATIAS CÃO
JÁ estou arribando.
JOÃO TEITÉ
Fica que ainda não findei o sermão! Ocê é um empregado
muito do subalterno, muito do mexeriqueiro!
MATIAS CÃO
(IRRITANDO-SE) Olha...
JOÃO TEITÉ
Olha o quê? Ocê é, mas é um sarambé sem mourão que
te apoie, sem telheiro que te abrigue. Ora, se não é!
24
MATIAS CÃO
Olha, Teité...
JOÃO TEITÉ
Teité, não, que prá você sou seu João, "seu" bode reiúno
descurralado!
MATIAS CÃO
(PEGANDO PELOS COLARINHOS.) Não se arvora de
valente, chibiu de sapo! Te faço ver quantos palmos tem
do calcanhar ao cotovelo, sojeito à toa!
JOÃO TEITÉ
(ACOVARDANDO-SE) Calma, seu Matias! Depois que inventaram argumento prá que violência? O senhor me
desculpe se eu...
MATIAS CÃO
Depois que apareceu "desculpa", cabra safado não apanha mais! (EMPURRA TEITÉ) Abre seu olho, apure os
ouvidos e dobre sua língua! (ENTRA MARRUÁ E BORACÉIA DISCUTINDO EM ALTOS BRADOS.)
MANÉ MARRUÁ
Nos meus negócios mando eu!
BORACÉIA
Mandas nada! És um gajo atoleimado que não sabe fazer
um "ó" com o traseiro!
MANÉ MARRUÁ
Não me venhas...
BORACÉIA
(INTERRROMPENDO E AMEAÇANDO) Venho! Vou, seu
palerma! E não ouses levantar a voz que te quebro o toutiço, "sua" arroba de toucinho!
MANÉ MARRUÁ
Eu não discuto mais! (AFASTA-SE)
BORACÉIA
Você não perde por esperar. (PARA MATIAS E TEITÉ) E
nem vocês! Aproveitem o dia de hoje que amanhà... o de
vocês está guardado!(SAI FURIOSA.)
JOÃO TEITÉ
Bom dia, meu caro patrão!
MANÉ MARRUÁ
Vai puxar o saco de seu avô, imprestável! (MATIAS RI)
JOÃO TEITÉ
Vai rindo, bestão, que se eu me der mal, você me segue
pelo mesmo caminho!
MANÉ MARRUÁ
Alguém me traz um copo d'agua! Parece que bebo há
quinze dias sem parar!
MATIAS CÃO
Há dezessete!
25
MANÉ MARRUÁ
Que dizes?
JOÃO TEITÉ
Nada. Vai buscar água para seu patrão, peste!
MATIAS CÃO
Qual água?
JOÃO TEITÉ
Aquela que peru bebe na véspra!
MANÉ MARRUÁ
Ái, que dor de cabeça!
JOÃO TEITÉ
Quer um remédio?
MANÉ MARRUÁ
Quero: venda-me a Boracéia e você vá junto como troco!
JOÃO TEITÉ
Depressa, Matias! (ENTRA MATIAS) Botou álcool carburante?
MATIAS CÃO
Do jeito que você sempre manda.
JOÃO TEITÉ
Tome, seu Marruá.
MANÉ MARRUÁ
Que coisa é essa? Não vou tomar essa porcaria.
JOÃO TEITÉ
São órdens do médico! O seu fígado está fazendo muito
mal prá bebida!
MANÉ MARRUÁ
Não vou tomar nada!
JOÃO TEITÉ
Ajuda, Matias. Que é caso de vida ou de morte! Segura!
Aperta o nariz que ele abre a boca! (AGARRAM MARRUÁ
E OBRIGAM QUE ELE TOME A BEBIDA A FORÇA.
MARRUÁ BEBE E FICA ALGUNS MOMENTOS CATATÔNICO. DEPOIS ABRE UM SORRISO IDIOTA E ABRAÇA TEITÉ.) Desta vez foi por pouco! Me ajuda a levar
esse traste prá dentro. Fica de olho, porque se o Marruá
sair da bebedeira mais uma vez ocê tá no olho da rua!
(SAEM.)
CENA 11 - UM ENCONTRO POUCO ROMÂNTICO
(ENTRAM TABARONE E FABRICIO)
FABRÍCIO
Vai lá, papá.
26
TABARONE
Nó. Io nón me aproximo da casa daquele salafrário! Há mais de vinte anni que somos inimigos!
FABRÍCIO
Há mais de quinze dias que estamos nesse cerca-galinha
e o senhor não se decide!
TABARONE
Fica quieto e non reclama. Veja, está saindo alguém!
(ENTRA MATIAS)
MATIAS CÃO
Eu ainda pego esse Teité, dou-lhe um bofete no pau da
venta que desencaminho o infeliz! Mineirinho sem vergonha! Português muquirana! Casa de doidio!
FABRÍCIO
Vamos lá. Aquele deve ser empregado da casa. (CHAMANDO) Ô!
MATIAS CÃO
(IRRITADO) Ô é breque de burro!
FABRÍCIO
Psiu!
MATIAS CÃO
Psiu, é marafaia chamando homem!
FABRÍCIO
(PEGANDO-O PELOS COLARINHOS.)E agora?
MATIAS CÃO
Agora, sim, é mão de macho! (FABRÍCIO EMPURRA-O.)
E me pegunto o que faz uma mão tão macha numa frutinha tão delicada? (FABRÍCIO AVANÇA SOBRE MATIAS
QUE CORRE E O PROVOCA.)
MATIAS CÃO
Venha, se tu é macho!
FABRÍCIO
Eu vou se você é macho de me esperar! (VAI. MATIAS
CORRE.)
MATIAS CÃO
Sou macho mas não sou é besta! (TABARONE DÁ UM
CASCUDO NO FILHO.)
TABARONE
Ma pára com questa confuzzione, maledetto! Que chamar
atencón?! (A MATIAS) Per favor, signore, desculpa. Nós
só queremos una informaçón.
MATIAS CÃO
Aí, depende. Tenho informação prá vender, trocar e até
alugar. Prá dar mesmo, só nome de rua.
TABARONE
A gente queria saber se nessa casa ainda moram dona
Boracéia e o cretino do Marruá.
27
MATIAS CÃO
E eu queria saber qual a razão do interesse.
TABARONE
Bene...
FABRÍCIO
Meu pai cospe e baba pela dona da casa!
MATIAS CÃO
Pela Boracéia? Interna o velho!
TABARONE
Come?
MATIAS CÃO
Eu sinto muito, mas sou empregado de confiança! Não
dou informação prá quem eu não conheço!
FABRÍCIO
E vende?
MATIAS CÃO
Quem pensa que eu sou? Uma besta? É claro que vendo!
(FABRÍCIO DÁ-LHE DINHEIRO.) A dona da casa é a Boracéia, sim, só que não vai ser muito tempo. Primeiro
porque vive brigando com o Marruá...
TABARONE
Ma que bella notícia!
MATIAS CÃO
E depois porque a filha do Marruá, a Rosaura, não suporta a madrasta. A menina deve chegar por esses dias de
São Joaquim do fim do Mundo. Se formou em numa tal de
"Ciência Sociável"!
FABRÍCIO
A Rosaura? Só pode ser ela, papá! É a mesma! Ah, meu
Deus do Céu, com que felicidade...
TABARONE
Ma, baixa um pouco a poeira da frescura!
FABRÍCIO
Fale mais sobre ela.
MATIAS CÃO
Muito interessado, hein? Mais cinquenta!
FABRÍCIO
Isso é especulação!
MATIAS CÃO
Lei da oferta e procura!
TABARONE
Eu non pago. Já sei o que queria.
FABRÍCIO
Não faz isso comigo, papá!
MATIAS CÃO
Mas eu poderia ser útil com outras informações..
28
TABARONE
Enton, vamos negociar. (DISCUTEM BAIXO.
ENTRA ROSAURA E MATEÚSA. ESTA ÚLTIMA TEM
UM FORTE SOTAQUE CAIPIRA.)
ROSAURA
Estou morta. A gente podia ter vindo de metrô.
MATEÚSA
Ma nem morta e atada de pé e mão eu entro naquela quizília de trem que anda na barriga da terra, prima!
ROSAURA
(RECONHECENDO FABRÍCIO.)Fecha o bico, Mateúsa!
Olha lá!
MATEÚSA
Pr'amor de quê o Fabricio tá ali de prosa?
ROSAURA
É o que eu queria saber. Como ele descobriu a casa de
meu pai?
MATEÚSA
É aqui que ocê é moradora, prima? Que casona, cheia de
fanfreluches, de riquefifes! Igual casa rica de rico!
ROSAURA
(IRRITADA) Esse traste não sai do meu pé!
MATEÚSA
Ah, eu com um traste desse cachorrando no meu calcanhar! Eu amarrava o homem com peia de embira, tal qual
se prende boi prá ferrar. E só soltava no altar com ele botando liança no meu dedo!
ROSAURA
Cala a boca, prima!
MATEÚSA
Se ieu fosse ocê, ieu já tinha comprometido o homem de
tal modo que ele casava no padre ou no delegado!
ROSAURA
Deixa de bestagem! (MATIAS, TABARONE E FABRÍCIO
APERTAM-SE AS MÃOS. TABARONE E FABRÍCIO SAEM.)
MATIAS CÃO
Eita, que a coisa tá começando a ficar do jeito que eu
gosto! (ENTRAM TEITÉ ESCORANDO MARRUÁ.)
MANÉ MARRUÁ
Vamos, seu Matias! Vamos tomar um gole!
JOÃO TEITÉ
Não! Ocê fica tomando conta de tudo. Eu logo volto!(SAEM)
ROSAURA
Papai!
MATEÚSA
Aquele era o tio Marruá?
29
ROSAURA
Parecia. Vamos lá que eu quero ter uma
conversa com aquele sujeitinho ali!
CENA 12 - ARMAÇÃO DE CILADAS
ROSAURA
(A MATIAS QUE ENTRAVA) Não entra ainda não que eu
quero fazer umas perguntas.
MATIAS CÃO
(SOLÍCITO)A pergunta é de graça, a resposta depende...
ROSAURA
E depende do que?
MATIAS CÃO
(MALICIOSO)Do que eu ganho em troca.
MATEÚSA
Quem pede o que quer pode ganhar o que não apreceia!
MATIAS CÃO
Qualquer coisa vinda de vocês é um presente!
ROSAURA
Que o Fabrício e o pai dele queriam aqui?
MATIAS CÃO
E porque a senhorita quer saber?
MATEÚSA
Ela perguntou primeiro!
ROSAURA
Aquele que saiu bêbado era o Marruá?
MATIAS CÃO
Prá que quer saber?
MATEÚSA
Faço com ele o que faço com burro empacado lá na fazenda, prima?
MATIAS CÃO
Que faz nada! Sou empregado de respeito e de confiança!
Sobre o que se passa nesta casa eu sou um túmulo!
MATEÚSA
Deixa que eu desenterro o morto! (AGARRA MATIAS E
DÁ-LHE UMA CHAVE DE BRAÇO.) Ela é Rosaura, filha
do Marruá e eu sou a prima torta dela.
MATIAS CÃO
Pois, prá mim, a senhora até que é bem certinha. (MATEÚSA TORCE SEU BRAÇO.) Ái, dona! Não faz isso que
doi. Tô gostando, mas doi! Ai!
ROSAURA
Fala!
30
MATIAS CÃO
Ai! O intaliano pediu prá eu levar um bilhete
de amor prá Boracéia e o filho veio atrás de notícia da
Rosaura!
ROSAURA
Desgraçados!
MATIAS CÃO
Ou a senhora me solta ou vai se arrepender!
MATEÚSA
O que vai fazer?
MATIAS CÃO
Me apaixonar! Não aguento mulher de mão pesada! (MATEÚSA TORCE MAIS O BRAÇO) Ai! Ái, bem! (ESTENDENDO O BRAÇO LIVRE.) Torce esse outro também. Me
bate, me machuca, me usa de tapete, me risca de chicote!
MATEÚSA
(SOLTANDO ASSUSTADA) Esse homem é doido!
MATIAS CÃO
(GEME) Ave, Maria! Ô, mão de alicate! A senhora nunca
pensou em domar cavalo em rodeio, dona?
ROSAURA
Ah!, meu Deus! Depois de tanto tempo voltar prá casa em
encontrar meu pai nesse estado. Com certeza está assim
por causa daquela cobra da Boracéia!
MATIAS CÃO
Eita, então a senhora é a filha dele, mesmo?
MATEÚSA
Ainda não crê?
MATIAS CÃO
Bem, dona, então é melhor a senhora abrir o olho que a
coisa aqui vai de mal a pior!
ROSAURA
Eu vou entrar e botar a Boracéia prá fora é na porrada!
MATEÚSA
(SEGURANDO ROSAURA) Calma, prima, que boi não se
pega pelo chifre e novilho se derruba é pelo rabo! Ocê de
que lado fica?
MATIAS CÃO
Como o que menos apita é o que primeiro grita, eu fico do
lado de vocês. Mas com uma condição:
ROSAURA
E qual é?
MATIAS CÃO
Que a proxima vez que essa mão-de-torquês me pegar
seja só prá me amaciar a carne!
MATEÚSA
Eu te pego é agora, condenado!
31
MATIAS CÃO
(CÍNICO)Agora, não, que não é hora nem lugar!
MATEÚSA
Prima, eu esbodego esse um!
ROSAURA
Deixa, Mateúsa. Vamos pensar em armar uma boa prá
aquela jararaca!
MATIAS CÃO
E prá um sujeitinho muito do sem-vergonha também! Entrem que eu vou contar tudinho a vocês. (ENTRAM)
CENA 13 - A PAIXÃO DE BORACÉIA
BORACÉIA
Matias! Ô, Matias! (ENTRA MATIAS. BORACÉIA PISCA
PARA ELE INSINUANTEMENTE. MATIAS FICA PERPLEXO. BORACÉIA O CHAMA COM O INDICADOR.
MATIAS SE APROXIMA RECEOSO.) O que acha?
MATIAS CÃO
Do que?
BORACÉIA
Do material.
MATIAS CÃO
Prá dizer a verdade, dona Boracéia...
BORACÉIA
Cuidado que, às vezes, um gajo deve mentir!
MATIAS CÃO
Bem... os alicerces são bem sólidos, a arquitetura... é
bem resolvida... o problema todo é o acabamento! As varandas já estão meio caidas...
BORACÉIA
Que dizes, imbecil!
MATIAS CÃO
Que prá quem gosta é um prato cheio!
BORACÉIA
E gostas?
MATIAS CÃO
Nem tão pouco mas também nem tanto, nem assado nem
assim, nem meio a favor nem muito pelo contrário!
BORACÉIA
Que queres dizer?
MATIAS CÃO
(AMBÍGUO) Que a senhora é demais!
BORACÉIA
E isso tudo talvez pode ser seu!
32
MATIAS CÃO
(ASSUSTADO)Meu?!
BORACÉIA
Eu disse talvez! Se me ajudares talvez eu possa me dar
uma noite a ti como prêmio.
MATIAS CÃO
Não!
BORACÉIA
Sim. E para isso tens apenas que fazer uma coisa: me ajude a matar o meu marido!
MATIAS CÃO
Matar o Marruá até que não é má idéia. O problema é o
prêmio.
BORACÉIA
Que queres dizer!?
MATIAS CÃO
Que não é preciso teu sacrifício nem eu seria um cavalheiro se aproveitasse da senhora!
BORACÉIA
(AUTORITÁRIA)Eu digo se quero ser aproveitada ou não!
MATIAS CÃO
(ENTREGANDO-LHE O BILHETE DE TABARONE.) Não
preciso ajudá-la a matar o Marruá.
BORACÉIA
Ele já morreu?
MATIAS CÃO
Não, mas leia!
BORACÉIA
(LENDO)Jesus! Tabarone! Aquele pé rapado que queria
casar comigo antes do Marruá! Quem pensa que é para
me mandar bilhetes?! (IRRITADA, PARA MATIAS.)E por
quem me tomas, peralvilho?! Sou às direitas! E penso que
tu e o Tabarone vão levar com as mãos nas fuças!
MATIAS CÃO
(TRANQUILO)Tá mais rico que um bispo!
BORACÉIA
Quem?
MATIAS CÃO
Tabarone. Tem dez vezes mais dinheiro que o Marruá.
BORACÉIA
(TRANSITANDO DA RAIVA À PAIXÃO) Ah, é? E que
pensa ele? Que pode me comprar, que estou à venda?
Sentimentos não tem preço e saudades às vezes doi tanto e tão fundamente... Quem ele pensa que é? (SOLUÇA)Depois de tanto tempo vir assim, confundir meus sentimentos. Devo fidelidade ao meu casamento.
MATIAS CÃO
Então vou dizer a ele prá perder as esperanças.
33
BORACÉIA
Se bem que... quem é capaz de resistir à
paixão? Como posso eu sufocar um sentimento que sobreviveu tantos anos?
MATIAS CÃO
Que resposta eu levo?
BORACÉIA
Que ele me prove que merece o meu amor! Vai, rápido,
voa! Ah, Taborone! Que saudades! (MATIAS SAI)
CENA 14 - A TRAMA SE ESTENDE
(MATIAS CÃO ATRAVESSA CORRENDO TODA A EXTENSÃO DO PALCO, MIMANDO A TRAVESSIA DA CIDADE E IRRADIANDO OS INCIDENTES DA TRAVESSIA
COMO FOSSE UM LOCUTOR DE FUTEBOL.)
MATIAS CÃO
E aqui vai Matias Cão, engatando uma primeira, cantando
pneu e arrastando a sandália, passando livre pelas três
primeiras ruas do Jabaquara em direção ao centro da cidade. Evita um assalto a mão armada na Vila Mariana,
dribla sensacionalmente dois motoristas paranóicos no
cruzamento do Paraíso, ultrapassa no peito e na raça
uma passeata grevista em plena Avenida Paulista. Percebe que tomou metrô errado, evita chegar a linha de fundo
da Estação Clínicas e retorna de novo ao Paraíso. Avança
novamente pela linha norte-sul, evita a torcida de porco
palmeirense que faz baderna na estação Vergueiro depois
da derrota de quatro a zero para o Corinthians e chega
sensacionalmente à Estação da Luz. Faz que vai mas não
vai e toma o subúrbio. Livra-se com um jogo de corpo dos
marreteiros do trem, avança em direção à Lapa, ultrapassa Piqueri, dribla com classe um arrastão de pivete no último vagão e chegooooouuuu! Chegooouu a Pirituba! Pirituba! Pirituba!
TABARONE
Ma que foi, Dio Mio? Que gritaria de maluco é questa?!
MATIAS CÃO
Ô, seu Tabarone! Vim correndo porque tenho ótimas notícias!
34
TABARONE
Enton, diz logo, porca miséria!
MATIAS CÃO
E o nosso acordo?
TABARONE
Primeiro me diz a notícia, dopo io pago.
MATIAS CÃO
Quanto?
TABARONE
Depende da notícia.
MATIAS CÃO
Quando falei no seu nome a Boracéia caiu em prantos,
lamentou o destino e se disse arrependida de ter casado
com o Marruá!
TABARONE
Dio, que felicitá!
MATIAS CÃO
Disse que o Marruá é um tirano que está acabando com
sua vontade de viver!
TABARONE
Que cretino!
MATIAS CÃO
Até ameaça bater nela!
TABARONE
Tem que chamar a polícia! Por que ela não sai daquela
casa?
MATIAS CÃO
Ela lamenta não ter prá onde ir. Me disse, com lágrimas
nos olhos que não tem ninguém que olhe por ela!
TABARONE
Come non tem? E io?
MATIAS CÃO
Foi o que falei. Mas ela não quer. Diz que não te merece
e que tem vergonha e remorso da má escolha que fez ficando com o Marruá! (TABARONE SOLUÇA COMOVIDO.)
TABARONE
Que grande alma! Que sensibilidade! (ENTRA FABRÍCIO.
TABARONE O ABRAÇA E BEIJA SUA TESTA.) Figlio!
Figlio! Ela me ama! Sempre me amou! (À MATIAS) Pois,
volte no mesmo pé que veio e diga a ela que io serei o
seu libertador! Io vou lá agora e...
MATIAS CÃO
Não, seu Tabarone! Primeiro que o Marruá está lá e pode
dar confusão. E depois não acho que a dona Boracéia vai
querer destruir seu casamento! Ela é fiel ao marido!
35
TABARONE
Si, é um anjo: inocente e singela! Enton! O
que faço com questa paixón que me está presa no peito?
MATIAS CÃO
Um rapto!
TABARONE
Come?
MATIAS CÃO
A gente espera a noite quando todo mundo estiver dormindo e rouba a Boracéia.
TABARONE
Io topo! Io topo!
FABRÍCIO
Eu também!
TABARONE
(BATE NO FILHO) Ma que pensa, cretino? Que io vou dividir a Boracéia com você?
MATIAS CÃO
Se eu conheço bem a bisca três de cada um de vocês
não dão conta de segurar a fera!
TABARONE
Que disse?
MATIAS CÃO
Nada!
FABRÍCIO
Papá, estou falando em raptar também a Rosaura! Mata
duas coelhinhas com uma paulada só!
TABARONE
Bem pensado, isso é lucro! Dois raptos pelo preço de um!
MATIAS CÃO
Ih, fedeu!
TABARONE
E dopo, io ferro o Marruá roubando a mulher e a filha! Bene, bene!
MATIAS CÃO
Ma chè bene? Chè bene? Questo é molto male trovato! Io
non concordo!
TABARONE
Que non concorda? Quem é você prá non concordar?
FABRÍCIO
É isso! Não atravessa o meu caminho! Vamos lá hoje à
noite e vamos roubar as duas. Você nos faz entrar na casa e nos ajuda. (MATIAS ESTENDE A MÃO. TABARONE
OLHA E DISFARSA.)
MATIAS CÃO
Sem dinheiro não tem porta aberta.
FABRÍCIO
Paga, pai!
36
TABARONE
(PAGANDO) Mercenário! (MATIAS PEGA O
DINHEIRO, GUARDA E ESTENDE A OUTRA MÃO.)
MATIAS CÃO
Este foi pela notícia do começo. Estão ainda me devendo
pela idéia e pela organização do rapto!
TABARONE
Io te amazzo a muque, cretino!
MATIAS CÃO
E io conto tutto, tutto à Boracéia e Rosaura. E addio, rapto; e addio, amore!
FABRÍCIO
Paga, papá!
TABARONE
Tu está especulando com o sentimento humano, é um gigolô da paixão alheia. Ma se der alguma cosa errada, tu é
un'uomo morto!
MATIAS CÃO
Só tem uma coisinha: com essa história de rapto eu vou
perder o meu emprego.
TABARONE
Se tutto der certo io te dou um emprego. Ma se non der...
E agora vá! (ENTRA JUNTAMENTE COM O FILHO)
MATIAS CÃO
Ixe, que agora a coisa não tem volta! Mas também não dá
prá entrar em brejo sem pisar na lama! Até à noite eu armo e invento uma saida desse enrosco! (COMO LOCUTOR) E, agora, começa o segundo tempo! O placar aponta um para Matias Cão, zero para São Paulo. Matias Cão
entra na área da estação ferroviária de Pirituba! O estádio
lotado, minha gente, às seis da tarde esperando o trem. E
lá vem o bicho apitando pela intermediária! Na confusão
do entra e sai, Matias Cão dribla um, dribla dois (é um
craque, minha gente!), dribla três e consegue um banco
vazio e senta sensacionalmente! Mas o árbitro apita impedimento e Matias Cão tem de levantar prá dá lugar a
uma senhora grávida! O jogo continua e logo começa um
sururu na geral pois, no aperto, alguém aproveitou e passou a mão num traseiro que não era o seu! Ih, fedeu! A
dona que recebeu a falta estava acompanhada pelo marido! Matias Cão não dá bola prá torcida e desce na Luz.
Dá um jogo de corpo num trombadinha e pega o metrôjabaquara! Desce na estação, foge de um tiroteio em frente a um banco, desvia de dois carros tirando racha e chega em casa inteirinho, sem um arranhão! Fecham-se as
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cortinas e termina o espetáculo! E a galera
delira! Matias! Matias! Matias!
JOÃO TEITÉ
(ENTRANDO) Matias, Matias, é? Quitempo que ocê me
sumiu da vista, condenado! Aonde é que ocê tava?
MATIAS CÃO
Por aqui, por aí, por lá e por ali!
JOÃO TEITÉ
Eu inda perco o fiapo de paciência que tenho e te boto no
mei da rua sem direito de dizer ah!
MATIAS CÃO
(RI.) Eu tenho quem é por mim! (SAI)
JOÃO TEITÉ
(ENCAFIFADO) Esse um tá com coisa que vai desandar
meu mingau! Teité, Teité! Abre os dois olhos da frente, fecha o olho de trás e tira o seu da reta porque lá vem fumo!
(SAI)
CENA 15 - COMPLETA-SE A TRAMA
(ROSAURA ENTRA EM CENA FURIOSA, SEGUIDA DE
MATIAS CÃO E MATEÚSA)
ROSAURA
Eu vou lá agora! Vou até Pirituba e dô uma sova de pau
naqueles dois safados!
MATIAS CÃO
Não faça isso, dona Rosaura!
ROSAURA
Faço e não tem ninguém que vai me impedir!
MATEÚSA
Deixa de sê estúrdia, prima! Ocê num sai daqui nem que
ieu tenha que te garrá e a gente se imbolar em briga!
ROSAURA
Que você quer que eu faça? Que deixe aquele sujeitinho
me raptar?
MATEÚSA
Quase que, quase que!
ROSAURA
Que é que você tá tramando?
MATEÚSA
Por primeiro, a gente vai deixar que eles venham. O velho vai raptar a Boracéia que é o que a gente quer.
ROSAURA
E o resto?
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MATIAS CÃO
O resto a gente vai resolver com o Teité e
esse narcótico.
ROSAURA
Não estou ententendo.
MATIAS CÃO
Fala você, Mateúsa, que eu não tenho coragem.
MATEÚSA
Ocê vai se derramar feito mel em cima do Teité.
ROSAURA
Teité? Aquele é outro que eu vou pegar de pau pelo que
ele fez com meu pai!
MATEÚSA
Depois. Antes, você chega nele toda cheia de melúria e
faz que qué mas num qué, faz que dá mas num dá, faz
que vai mas volta!
ROSAURA
Como é?
MATEÚSA
Vamos sair e fazer direito a combinação.
ROSAURA
Se der alguma coisa errada...
MATEÚSA
Confia em dois profissionais de malasartes! (SAEM)
CENA 16 - A RONDA NOTURNA
(CAI A NOITE. OUVE-SE UM RELINCHO DE CAVALO.
ENTRA MAJOR ARISTÓBULO
ARISTÓBULO
Atenção! Atenção! Vai sair o general Euriclenes em sua
ronda noturna pelo bairro!
MULHER
(OFF) Tira esse cavalo daí que ele tá cagando na minha
calçada!
ARISTÓBULO
Usa como adubo, dona! Cuidado! O Euriclenes é aposentado, mas é general! O general vai entrar à cavalo! Viva o
general!
MULHER
Ele vai é sair da minha calçada!
EURICLENES
(OFF) Vassoura, não, dona! Vai me espantar o cavalo!
(GRITA COM VOZ QUE SOME À DISTÂNCIA) Aristóbulo!
(SOM DE GALOPE QUE SE AFASTA COM GRITO DO
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GENERAL. EURICLENES ACOMPANHA A
TUDO ISSO DESESPERADO COM AS MÃOS NA CABEÇA.)
ARISTÓBULO
(IRRITADO)O general não mais entrará visto que já saiu!
Faz de conta de eu não anunciei sua entrada. Faz de conta até que eu não entrei. Faz de conta que eu não estive
aqui! (SAI)
CENA 17 - A SEDUÇÃO
(ANOITECE. ENTRA TEITÉ.)
JOÃO TEITÉ
(PARA O PÚBLICO) Eu estou desconfiado que estão querendo ver a minha caveira. A Boracéia quer me ver pelas
costas. A Rosaura, então! Me deita um olhos que parece
coisa que...
ROSAURA
(ENTRANDO E COMPLETANDO A FRASE DE TEITÉ.)...ardem de paixão!
JOÃO TEITÉ
(ASSUSTANDO-SE) Mãe de misericórdia, dona Rosaura!
A senhora me figurou uma assombração!
ROSAURA
(INSINUANTE) Você me acha uma assombração?
JOÃO TEITÉ
(PARA O PÚBLICO.)Parece mais um anjo daqueles bem
carnudo! O que a senhora falou que arde?
ROSAURA
Meu coração!
JOÃO TEITÉ
A senhora é cardíaca?
ROSAURA
(APROXIMANDO-SE SENSUAL)Sou apaixonada!
JOÃO TEITÉ
Posso, mal lhe perguntar, por quem?
ROSAURA
(SENSUAL)Por você!
JOÃO TEITÉ
(AFASTANDO-SE) Ah, vá cagar, dona! Brincadeira tem
hora. Com todo o respeito!
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ROSAURA
(AGARRANDO-O) Não me negue a esmola
de seu olhar! Desde que cheguei, não sei porque. enlouqueci de paixão!
JOÃO TEITÉ
(ASSUSTADO, AFASTA-A.) Sai prá lá, dona! (RECONSIDERA DE IMEDIATO E A FAZ AGARRÁ-LO.) Pode pegar, dona. (ROSAURA O SEGURA.) Pode arroxar, se
quiser! A senhora pode até... (EMPURRA-A) Me larga! Eu
quero pensar! Tutu de feijão e desconfiança são a coisa
principal com que mineiro enche a pança! Eu sempre fui
um João Teité de bosta! Como é que agora a filhaherdeira do meu patrão desaba prá riba de mim querendo
coisa?! Ara, sê! Aí tem coisa e loisa! E eu sou silva não
sou soisa! (PARA ROSAURA) Que é que a senhora quer?
(ROSAURA NÃO DIZ, APENAS SORRI SENSUAL) Ela
quer aquilo! Será? Será que o que Tia Beralda viu nas
cartas foi meu casamento com a filha-herdeira? Eu dono
de tudo do Marruá, gente? Será, pudera ser, vai ver que
é! E sendo, já foi e, se foi, eu quero e caso! (ROSAURA
OFERECE-LHE BEBIDA NA QUAL DERRAMOU NARCÓTICO.)
ROSAURA
Bebe comigo.
JOÃO TEITÉ
(EXCITADO, PERDENDO O CONTROLE.) Que beber o
que, dona! A senhora é melhor que licor, mais vistosa que
peru em ceia de natal! E eu quase quero a senhora mais
do que feijão, angu e torresmo que é o que faz mineiro
verter lágrima, dona! (SEGURA ROSAURA NOS BRAÇOS)
ROSAURA
Não. Vamos beber antes.
JOÃO TEITÉ
Só bebo depois da comida!
ROSAURA
Me solta!
JOÃO TEITÉ
Fogo que a senhora acendeu só tem um jeito de apagar!
ROSAURA
Eu grito!
JOÃO TEITÉ
Vou te dar um beijo tão beiçudo que a senhora não vai ter
fôlego nem vontade! (AO PÚBLICO.)Onça só solta os
dentes depois da presa abatida! E Teité é tal e qual ou
mais! (VAI BEIJAR ROSAURA MAS SURGE MATEÚSA
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QUE LHE DESFERE VIOLENTA PAULADA
NA CABEÇA. TEITÉ CAI.)
MATEÚSA
Eu tardo mais não falho! Me ajude rastar esse um pro seu
quarto.
ROSAURA
Olha, que nada dê errado!
MATEÚSA
Sossega que está tudo nos conformes. Vem que o Matias
logo chega. (SAEM)
CENA 18 - O DUPLO SEQUESTRO
(EM SEU QUARTO BORACÉIA SE APRONTA PARA O
RAPTO.)
BORACÉIA
Com o que, depois de tantos anos eu ainda despedaço
corações! E o gajo é quase milionário! Pode ficar com suas mesquinharias, Marruá, que eu me vou para quem me
merece! De ti e desta casa não quero nem lembranças! E
não é que o Matias Cão me saiu um bom empregado e
cheio de idéias? Esta foi uma idéia bestial, supimpa! Raios, que não encontro a água oxigenada para me branquear o buço! Não fica bem uma mulher se apresentar para um rapto com toda essa bigodeira! (CHEGAM TABARONE E FABRICIO GUIADOS POR MATIAS CÃO. MATIAS INDICA A FABRÍCIO O QUARTO DE ROSAURA E
JUNTO COM TABARONE DIRIGEM-SE AO QUARTO DE
BORACÉIA.) Pronto! E que venha o meu selvagem! (MATIAS E TABARONE ENTRAM NO QUARTO E A AGARRAM. BORACÉIA FINGE SURPRESA E DESESPERO.)
Quem são vocês? Que vão fazer comigo? Socorro! Me
salvem!
MATIAS CÃO
(BAIXO)Não faz tanto escândalo, dona Boracéia!
BORACÉIA
Está bem! Ái, que me desfaleço! (CAI SOBRE MATIAS.)
MATIAS CÃO
Ai que me descadera! Ajuda, seu Tabarone, que me deu
um mal jeito nas costas! (ENCAPUZAM E LEVAM BORACÉIA PARA FORA DO QUARTO. ENCONTRAM FABRÍCIO QUE ARRASTA UM SACO COM ALGUÉM DEN-
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TRO. MATIAS SOLTA BORACÉIA NOS
BRAÇOS DE TABARONE QUE CAMBALEIA COM O
PESO.)
TABARONE
Madonna mia!
MATIAS CÃO
Seu Fabrício, ajuda seu pai e deixa que eu levo dona Rosaura que é mais leve. (FABRÍCIO AJUDA O PAI. MATIAS OLHA DENTRO DO SACO E SE ALIVIA. SAEM. MATIAS ARRASTA O SACO SEM NENHUM CUIDADO.)
CENA 19 - TUDO BEM PARA TODOS, QUASE.
(MATIAS, FABRÍCIO E TABARONE CARREGAM SEUS
RAPTADOS. FAZEM UMA PAUSA PARA DESCANSO.)
TABARONE
Io non carrego mais! Daqui prá frente os raptados vão andando! Me ajuda aqui, filho. (TENTAM DESAMARRAR O
SACO ONDE ESTÁ BORACÉIA. À DISTÂNCIA TEITÉ
ACORDA.)
JOÃO TEITÉ
Tem alguém aí fora?
MATIAS CÃO
(RECEOSO QUE FABRÍCIO ESCUTE, COM VOZ DE
FALSETE.) Tem, amor, sou eu.
JOÃO TEITÉ
Rosaura? Que diabo é que é isso?
MATIAS CÃO
É uma brincadeira, são jogos eróticos, querido! Fique quieto só mais um pouquinho. (BORACÉIA É DESCOBERTA.)
BORACÉIA
Mas que diabos é isto? Quem são vocês? Pretendem abusar de mim? Tabarone?!
TABARONE
Sim, Boracéia, sono io. Dopo tanto tempo!
BORACÉIA
Que fizeste?
TABARONE
Raptei-a por amor!
BORACÉIA
(DRAMÁTICA)Não! Não! Não! Embora o coração diz que
sim a razão diz que não! Não posso te amar, meu antigo,
e ainda vivo, amor! Me deixe com meu triste destino. O
passado não volta atrás! (CHORA.)
TABARONE
Non, non piangere!
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BORACÉIA
Não posso te seguir!
TABARONE
Oh, Dio mio! Non parla così, amore!
BORACÉIA
Não! Nunca!
TABARONE
Mio cuore sofre... mas é melhor te levar de volta e chorar
minha tristeza!
BORACÉIA
Não! Também não quero que sofras! Voltar ou não voltar?! Cessa toda razão e só o coração responda: sim, sim
à paixão! (TABARONE E BORACÉIA ABRAÇAM-SE.
ROSAURA, MATEÚSA E MARRUÁ APARECEM SEM
SEREM VISTOS.)
JOÃO TEITÉ
Rosaura! Rosaura, amor! Ocê inda tá aí?
MATIAS CÃO
Estou, querido! (SEGREDANDO A FABRÍCIO.)Ela acordou!
JOÃO TEITÉ
Vamos continuar esse tal de jogo erótico, meu bem?
MATIAS CÃO
Vamos, querido. (A FABRÍCIO QUE SE APROXIMA.) A
dona é sua, se vira com ela.
FABRÍCIO
Ela está brava?
MATIAS CÃO
Nada! Está até gostando!
FABRÍCIO
(ABRAÇANDO O SACO) Perdoe o que fiz, querida.
JOÃO TEITÉ
Magina, amor! Quando se ama tudo é permitido.
FABRÍCIO
Mereço um beijo?
JOÃO TEITÉ
Me solta que lhe tasco um beijo daqueles bem molhados
de arroxear os beiços!
FABRÍCIO
Oh, meu amor!
JOÃO TEITÉ
Ái, minha querida! (TEITÉ SOLTAM-SE. BEIJAM-SE SOB
OLHARES INCRÉDULOS DE TABARONE E BORACÉIA.)
BORACÉIA
E teu filho é paneleiro, é?
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TABARONE
Pare, Fabrício! (RISOS DOS OUTROS. FABRÍCIO E TEITÉ OLHAM-SE, GRITAM E SAEM CADA
UM POR UM LADO CUSPINDO.)
JOÃO TEITÉ
Cândida! Sapóleo! Amoníaco, gente, prá lavar essa boca!
(MARRUÁ VAI EM DIREÇÃO A TABARONE.)
TABARONE
Non se exalte! Io posso explicar!
MANÉ MARRUÁ
Não quero explicação!
TABARONE
Nós nos amamos!
MANÉ MARRUÁ
(ABRAÇANDO-O.)Meu amigo!
TABARONE
Amigo? Ma sempre fomos inimigos!
MANÉ MARRUÁ
Até hoje. De hoje em diante será meu amigo do peito por
ter me livrado dessa lacraia!
BORACÉIA
Estou a ver que me prepararam uma armação! Estavas
mancomunado, Tabarone? Eu vou matar um gajo a dentadas!
TABARONE
Non, mio amore é puro!
FABRÍCIO
E o meu também, Rosaura!
ROSAURA
Eu acredito, Fabrício. Seja feliz com o Teité. (RIEM.)
JOÃO TEITÉ
Ah, desgraçados! Podem rir que, por último, vou arreganhar os dentes com mais gosto! Essa vergonha que eu
passei ocês vão pagar tim-tim por tim-tim! Eu vou mas eu
volto prá me vingar. João Teité sempre volta! (LUZ CAI.
UM ATOR ANUNCIA INTERVALO. QUANDO O PÚBLICO JÁ ESTÁ SE LEVANTANDO E OS ATORES SAINDO,
ENTRA CORRENDO ARISTÓBULO.)
ARISTÓBULO
Um momento! Um momento! O general Euriclenes vai entrar!
ATOR
Vai entrar coisa nenhuma! Já acabou.
ATRIZ
Se quiser espera o segundo ato!
ATOR
Se atrasou, azar seu!
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EURICLENES
(OFF) Sai daí, imbecil!
ARISTÓBULO
(FURIOSO) Sim, meu general! (SAI)
FIM DO PRIMEIRO ATO
SEGUNDO ATO
CENA 1 - RUA DA AMARGURA
(ENTRA TEITÉ TRISTE. FALA COM O PÚBLICO.)
JOÃO TEITÉ
„Ocês pensam que é fácil, é? Pensam que é fácil trucar
com sete-copas e ouvir "um seis com zape" na "oreia"?
Ái, Santa Rita do Passa Quatro! "Tava" tudo caminhando
certinho na trilha e de repente me acabo beijando homem
na boca, humilhado, escorraçado e mal falado! Tô aí: na
carreira da tristeza, no trilhado do desalento, na rua da
amargura! (ENTRA MANÉ MARRUÁ. TEITÉ O CUMPRIMENTA FELIZ.)
JOÃO TEITÉ
"Seu" Marruá!
MANÉ MARRUÁ
(RI) Que é que queres, ó Teité?
JOÃO TEITÉ
Que bom te ver forte e rijo, seu Marruá!
MANÉ MARRUÁ
Sai prá lá pedaço de má criatura que eu não tenho satisfação nenhuma em te ver.
JOÃO TEITÉ
Eu sei que sou culpado, seu Marruá, mas prá que serve a
culpa se não para aumentar a grandeza daquele que perdoa?
MANÉ MARRUÁ
Ah, é?
JOÃO TEITÉ
É, claro! Seja melhor do que eu fui, seu Marruá. Me dê o
emprego de volta!
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MANÉ MARRUÁ
Pensas que um português é burro por inteiro? Ou burro o tempo todo?
JOÃO TEITÉ
(AJOELHA-SE) Eu peço, imploro e suplico, seu Marruá:
me dê o emprego de volta!
MANÉ MARRUÁ
Mas, não!
JOÃO TEITÉ
Eu serei seu escravo, vou beijar o chão que o senhor pisa!
MANÉ MARRUÁ
Mas, nem que lustrasses meu sapato com tua cara, ó
pardavasco!
JOÃO TEITÉ
(ENTREGANDO-LHE UM PRESENTE) Então, pelo menos, receba esse singelo presente como prova de reconhecimento e consideração.
MANÉ MARRUÁ
Oh, Teité! Sinto que não és tão mau assim! (ABRE) Aguardente, cachorro!
JOÃO TEITÉ
Com a mais santa das intenções!
MANÉ MARRUÁ
(CORRE ATRÁS DE TEITÉ COM A GARRAFA) Vai-te,
daqui!
JOÃO TEITÉ
Só prova um tiquinho. É amarelinha de Cabreúva!
MANÉ MARRUÁ
Mas nem meio tiquinho. Eu só preciso evitar o primeiro
gole!
JOÃO TEITÉ
Não tem mais jeito! Ele foi nos Alcoólicos Anônimos! Então, devolve a garrafa que me custou o último tostão!
MANÉ MARRUÁ
Pois, que devolvo! Devolvo, nada, pois foi um presente. E
eu sou um comerciante, eu vendo. Mas vendo em doses
que dá mais lucro! (RI)
JOÃO TEITÉ
Marruá, eu sou homem que perdoa mas não esquece.
Sou mineiro que não afronta, mas faz tocaia! Ocê inda há
de comer na minha mão, há de tremer ao som da minha
voz! Há de verter lágrimas de sangue, pesadelos vão tomar seus sonhos e o terror vai dominar suas noites!
MANÉ MARRUÁ
Mas, raspa-te daqui, obra ruim de mau pai! (CORRE PARA TEITÉ QUE DÁ UM GRITO E SAI PELA DIREITA.
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MARRUÁ SAI RESMUNGANDO PELO OUTRO LADO.) Erva daninha se arrança é pela raiz!
CENA 2 - DE ERROS E MAUS AMORES
(MAJOR ENTRA EM CENA, PELA DIREITA, HESITANTE. OLHA PARA OS BASTIDORES PARA CONFIRMAR
SE ENTROU CERTO. ROSAURA ENTRA PELO OUTRO
LADO, AOS GRITOS. VAI EM DIREÇÃO AO MAJOR
QUE ESTÁ DE COSTAS PRÁ ELA.)
ROSAURA
Eu te odeio, Fabrício! Some, que não consigo... (MAJOR
DE VIRA PRÁ ELA ASSUSTADO, ROSAURA FICA BOQUIABERTA. APÓS PAUSA.) Que faz aqui, major?!
ARISTÓBULO
(CONFUSO) Eu estou...estava...estive...Eu fui...Eu vou!
(VAI SAIR PELA DIREITA MAS ENCONTRA COM FABRÍCIO QUE ENTRA PELO MESMO LADO. ENQUANTO
FABRÍCIO FALA OS DOIS FICAM NA "DANÇA DE ENCONTRO", TENTANDO PASSAR OS DOIS PELO MESMO LUGAR.)
FABRÍCIO
Eu te amo!
ARISTÓBULO
(ESPANTADO)Eu?
FABRÍCIO
Tudo o que fiz foi por amor, Ro sau ra. (ARISTÓBULO
SENTE-SE ALIVIADO.)
ARISTÓBULO
Desculpem...
ROSAURA
Eu te odeio! Some, que não consigo nem olhar prá sua
cara!
ARISTÓBULO
(IRRITADO)Já pedi desculpas! E já estou indo embora!(SAI FURIOSO.)
FABRÍCIO
Ele não acerta uma!
ROSAURA
O assunto é outro.
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FABRÍCIO
Assunto? Que assunto? Estou perdido.
(LEMBRA-SE DA DEIXA.) Ah! Estou perdido de amores
por você Rosaura!
ROSAURA
Eu te odeio, Fabrício! Some, que não consigo olhar prá
sua cara!
FABRÍCIO
Tudo o que fiz foi por amor!
ROSAURA
Tentando me raptar? Você é um machista, um porcochovinista...
FABRÍCIO
Não vou ficar aqui prá ouvir desaforos.
ROSAURA
Prefere fugir feito cachorro sem dono a ouvir umas verdades?! (ENTRA MATEÚSA E SE PÕE A OUVIR.)
FABRÍCIO
A única verdade é que meu sentimento errou de endereço.
ROSAURA
Isso mesmo! Vai mendigar amor em outra porta.
FABRÍCIO
Você ainda vai me pedir a esmola de um olhar!
ROSAURA
Só morta ou desmiolada.
FABRÍCIO
Vim prá me desculpar, sua mal educada!
ROSAURA
Não precisava "seu" grosseirão, casca-grossa!
MATEÚSA
Nem começaram a namorar e já brigam direitinho feito
casados!
ROSAURA
É esse asno que fez a burrice de me procurar com uma
conversa de jegue!
FABRÍCIO
Você merece é umas boas palmadas prá ver se amansa.
ROSAURA
Vai chamar um homem prá isso!
FABRÍCIO
Homem prá te dar um corretivo aqui não falta!
ROSAURA
Me rela a mão que eu te acerto, cretino! (APROXIMAMSE, ENCARAM-SE E QUEDAM-SE MUDOS.)
MATEÚSA
Ih, deu “pralisia”? Lasca logo um beijo que ele se derrete,
prima!
49
ROSAURA
Só se eu fosse doida!
FABRÍCIO
Eu prefiro beijar uma cobra!
MATEÚSA
Ô gente que não briga nem se arroxa, não aperta nem afrouxa. Ou obra ou sai da moita, uai! (EMPURRA FÁBRICIO PARA A SAIDA À DIREITA.)Vai embora, seu Fabrício!
ROSAURA
Leva esse bruto antes que eu perca a cabeça!
FABRÍCIO
Isso é coisa que você nunca teve! (ROSAURA AVANÇA
PRÁ FABRÍCIO. MATEÚSA EMPURRA FABRÍCIO DE
VEZ PARA FORA E CORTA O CAMINHO DE ROSAURA.)
MATEÚSA
Quieta, prima, baixa o cio! Homem não se pega à pescoção, não se derruba feito garrote. A gente laça é com outras artes, arma arapuca de mel e melúria.
ROSAURA
E quem quer um brutamontes desses?
MATEÚSA
Ocê! E se ocê não quiser, eu quero!
ROSAURA
Então faça bom proveito! Se bem que eu acho que você
está de olho no Matias!
MATEÚSA
Magina, prima! Ele é que "tá" com um olho muito do grande prá cima das minhas curvas. Mas que ele não avance
sinal, não ultrapasse em lombada, respeite mão e contramão, senão eu faço o danado capotar de cara no chão.
Agora, o Fabrício! Um mocetão distinto, desenleado, forte
e aprumado que nem peróva.
ROSAURA
Fecha a matraca, prima! (SAI, À ESQUERDA)
MATEÚSA
Ái, ieu com um desses pererecando em minha roda! (SAI,
IDEM)
CENA 3 - AMOR É DESTINO
(FABRÍCIO RETORNA. GRITA POR ROSAURA.)
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FABRÍCIO
Rosaura! Rosaura! (PARA SI) Isso não fica
assim! Não saio daqui com o coração pisoteado! Rosaura!
MANÉ MARRUÁ
(ENTRANDO) Mas quem é que grita à minha porta? Ah!,
Fabrício! Que bom ver-te, meu rapaz. E teu pai? Como
está indo? (NÃO SE CONTÉM E RI.)
FABRÍCIO
Muito bem.
MANÉ MARRUÁ
Eu imagino!
FABRÍCIO
Tem tido um pouco de insônia.
MANÉ MARRUÁ
Pois a minha sumiu-se!
FABRÍCIO
Ultimamente não tem feito bons negócios.
MANÉ MARRUÁ
Também, comprou cobra por linguiça, levou gato por lebre
e está chamando onça de "meu gatinho"! (RI) Mas o que
queres com Rosaura, Fabrício?
FABRÍCIO
Eu ardo de paixão por ela, seu Marruá!
MANÉ MARRUÁ
Pois de fossem outros tempos eu apagava este teu fogo e
enfiava os tições fumegantes onde não falo mas tu imaginas! Mas hoje, como somos amigos, te dou um conselho:
desista da Rosaura.
FABRÍCIO
Nunca!
MANÉ MARRUÁ
Não és homem prá ela.
FABRÍCIO
Duvida da minha macheza?
MANÉ MARRUÁ
Não importa quanto macho és, ela é mais macha! É mulher, é muito feminina, mas se for contrariada vira fera!
FABRÍCIO
Pode deixar que eu amanso!
MANÉ MARRUÁ
Você? Rosaura já chamou PM da Rota prá briga e o cidadão arregou! Eu sou pai mas digo: aquilo é gênio ruim. O
resto é por sua conta e risco.
FABRÍCIO
Eu sei como lidar com ela.
51
MANÉ MARRUÁ
Não sabes. E te digo: não te mostres muito
macho prá não parecer provocação. Nem te mostres muito delicado que é prá não pareceres frescalho!
FABRÍCIO
O amor transforma, seu Marruá.
MANÉ MARRUÁ
Depende no quê! Ah!, não levante a voz e, principalmente, não levante a mão.
FABRÍCIO
Amor é destino, seu Marruá! E, se precisar, eu movo montanhas, arraso planícies, mudo o curso dos rios...
MANÉ MARRUÁ
E proteja muito bem as partes! Se sobreviveres vais descobrir uma flor de menina! E, se puxou a finada mãe...(RI
MALICIOSO.)serás um homem feliz. Mas vai embora, Fabrício, e esperes a menina se acalmar. (MARRUÁ SAI A
ESQUERDA.)
FABRÍCIO
Vou mas volto, vejo e venço! (OUVE-SE UM RELINCHO
E TROTAR DE CAVALO. FABRÍCIO VAI SAIR À DIREITA MAS DÁ DE CARA COM ARISTÓBULO QUE ENTRA.) O senhor não pode esperar que eu saia para depois entrar?
ARISTÓBULO
(IRRITADO) A ordem dos fatores não altera o resultado!
Já estou dentro e não saio prá depois entrar de novo.
(FABRÍCIO SAI A CONTRAGOSTO.)
CENA 4 - UMA NOIVA PARA O GENERAL
ARISTÓBULO
(ALTO) Abram passagem! Sentido! O general logo chega!
E digo mais: o general procura uma recruta prá se alistar
a serviço de seu coração! Tem de saber lavar, passar, cozinhar e fazer filhos, futuros soldados da pátria! (ENTRA
GENERAL FURIOSO)
EURICLENES
Cala a boca, mentecapto! Quem deu ordens prá sair anunciando que estou procurando mulher?
ARISTÓBULO
Só quis ajudar!
52
EURICLENES
Eu dispenso! Não preciso ajuda prá engajar
uma recruta! A estratégia prá se ganhar uma guerra é a
mesma prá se ganhar no amor! (ENTRAM DA ESQUERDA ROSAURA E MATEÚSA.) Aquelas duas por exemplo:
qualquer uma das duas me interessa.
ARISTÓBULO
Dou voz de prisão?
EURICLENES
Não! Tem de chegar com jeito. Primeiro se faz um reconhecimento do território: (ÀS DUAS) Documento! Quem
são as meninas? Onde vão?
ROSAURA
Não é da sua conta, pé de couve!
ARISTÓBULO
Prendo por desacato?
EURICLENES
Não. O território é difícil. Vamos como tropa de assalto!
(MAJOR TIRA O CASSETETE.) Deixa disso, major! Eu
me entendo com elas. (ÀS DUAS.) Vocês são novas aqui
e talvez não me conheçam: sou o general Euriclenes e
aquele é meu ordenança, major Aristóbulo.
MATEÚSA
São do exército da salvação?
EURICLENES
Do exército nacional! Aposentados, mas militares!
MATEÚSA
(À ROSAURA) O exército deve de ter melhorando muito
quando aposentou esses uns. (RIEM)
EURICLENES
E estamos aqui perfilados para passar as duas em revista
e, se nos agradar o estado geral da corporação, sairmos
nós quatro em missão de caráter afetivo, travando batalha
com nossos sentimentos até acertarmos o alvo de seus
corações!
ARISTÓBULO
O Bonito!
ROSAURA
(À MATEÚSA.) Que é que ele quer?
ARISTÓBULO
Quer dar um malho, dona! Um rela-rela!
EURICLENES
Cala a boca!
ARISTÓBULO
Tem que ser direto! Prende e, depois, com um interrogatório aqui, uma ameaça de palmatória ali, amor vai nascendo!
53
EURICLENES
(ÀS DUAS) E, então?
AS DUAS
Não!
ARISTÓBULO
Como, não! Mãos na cabeça!
EURICLENES
Cala boca, major!
ARISTÓBULO
Tem de mostrar quem é que manda!
ROSAURA
(IRRITADA) Eu vou plantar a mão na cara dele!
MATEÚSA
Faz isso não, prima!
ARISTÓBULO
Isso eu quero é ver!
ROSAURA
É prá já!
MATEÚSA
(AGARRANDO ROSAURA) Segura o seu linha-dura que
eu seguro a minha!
EURICLENES
Quieto, major!
ARISTÓBULO
(TRANSTORNADO.) Tem de dar tiro! Mulher moderna é
só a tiro!
MATEÚSA
Vam'bora, prima! (ARRASTA ROSAURA.)
ROSAURA
Vai cantar recruta!
ARISTÓBULO
Mulher moderna é subversão! Tem que dar tiro! É o comunismo! Eu sou de buique, dona! Do sertão de Pernambuco! (É ARRASTADO PARA FORA POR EURICLENES.)
CENA 5 - AMOR, AMOR; DINHEIRO À PARTE
(BORACÉIA IRROMPE EM CENA FURIOSA.)
BORACÉIA
Raios! Maldita hora em que troquei um saloio por um toleirão! Aí, Jesus, perdoe minha língua, mas troquei um trôço
de bosta por um cilindro de merda! Deixo um sovina prá
cair nas mãos de um muquirana! Eu sou uma desgraçada!
54
TABARONE
(ENTRANDO) Non parlare così, amore! Io te
amo!
BORACÉIA
Tu amas mas é teu bolso!
TABARONE
(SENTIDO) Non parla assim que non é verdade!
BORACÉIA
Então me compra o que pedi.
TABARONE
Non, perchè io te amo de modo totalmente diferente que
amo meu bolso! Non misturo o vil dinheiro com questa cosa sublime que sinto...Madonna mia! Io te cerco de atençon, de carinho, te escrevo poesias...
BORACÉIA
Pois! Com o amor és generoso, já o bolso... És capaz de
dar esmola de um centavo e pedires o troco!
TABARONE
Mentira! Io nem dou esmola!
BORACÉIA
Assim não vai haver amor que aguente, Tabarone!
TABARONE
(ÀS LÁGRIMAS) Non!
BORACÉIA
Sim, senhor! Não quero que me escrevas uma poesia onde me cobres de ouropéis, bordados e seda da china:
quero um vestido novo, entendeste?!
TABARONE
Mas este está tão bom!
BORACÉIA
Nem quero que me chames de "meu diamante", quero o
anel. Não quero ser tua jóia, quero um broche!
TABARONE
Meu te...
BORACÉIA
(CORTANDO) E principalmente não me chames de meu
tesouro! Apreciaria muito mais se me desses uma parte
dele em dinheiro!
TABARONE
(APAIXONADO) Tutto questo é vaidade. Vamo falar de
cosas mais essenciais: da-me um baccio!
BORACÉIA
Não enquanto essas tuas mãos que gostam de me amarfanhar os seios, alisar meus recurvados não se enfiarem
nos bolsos e sairem de lá recheadas.
55
TABARONE
Vá bene! (ENFIA A MÃO NO BOLSO. TENTA TIRÁ-LA MAS A MÃO NÃO SAI. TENTA PUXÁ-LA
COM A OUTRA MÃO E NADA. FINALMENTE A MÃO SAI
VAZIA)
BORACÉIA
Não estás habituado! (DRAMÁTICA)Mas que desgraça a
minha! Por que raios não me partem a cabeça e me estendam morta ao comprido do que esta angústia de me
ver partido o coração?!
TABARONE
(ABRAÇANDO-A NUM ROMANTISMO DRAMÁTICO)
Non parla assim que me sangra a alma, me abala os fundamento da vita e te tornas la assassina de minha paixon!
BORACÉIA
Dá-me o vestido?
TABARONE
No!
BORACÉIA
(EMPURRA-O COM VIOLÊNCIA.) ái, que me dá ganas
de surrar este ordinário! (ACALMA-SE) Está bem, Tabarone, não quero seu dinheiro. Quero que metas um processo de partilha de bens nas costas do Marruá. Eu quero
metade de tudo que tem aquele unha de fome!
TABARONE
Io penso que non tem direito a niente: tu morava com ele
a meno de cinco ano, abandonou o lar...
BORACÉIA
Dê um jeito! Eu quero este processo!
TABARONE
Non é tan fácile, eh? E, dopo, questa cosa custa dinheiro.
Quem paga meus honorário?
BORACÉIA (FURIOSA)Eu me suicido! Mas antes eu mato, enveneno esta súcia de homens à minha volta: Tu, aquele perobo de teu filho e aquele barril de banha! (À SAIDA, DÁ DE CARA
COM MATIAS CÃO QUE ENTRA.) E tu, vais à casa de
Marruá buscar minhas jóias e meus pertences! Vá ou serás o quarto a morrer! Eu ainda ponho soda cáustica na
sopa! (SAI)
MATIAS CÃO
Ôxe! Até que hoje ela acordou de bom humor!
TABARONE
Io sinto que em breve mio coraçon vai se quebrar!
MATIAS CÃO
Pelo jeito que a Boracéia saiu acho que não vai ser só o
coração! Seu Tabarone, como é que é?
56
TABARONE
Come é que é o que?
MATIAS CÃO
O pagamento.
TABARONE
Ma que pagamento?
MATIAS CÃO
O meu! Já venceu faz dez dias.
TABARONE
Ma tu non tem sensibilidade, cretino? Tenho o coraçon
quebrado! (SAI)
MATIAS CÃO
O que tenho quebrado é o bolso, seu Tabarone! Ô, velho
canguinha! (ENTRA FABRICIO)
FABRÍCIO
Matias, eu preciso de você!
MATIAS CÃO
Eu também preciso do senhor!
FABRÍCIO
Me ajude a ganhar a Rosaura.
MATIAS CÃO
Me ajude a ganhar meu salário! Fala prá teu pai me pagar.
FABRÍCIO
Pagar? Prá mim ele não paga a mesada desde junho de
setenta e dois! Mas em mim você pode confiar. Me ajeite
as coisas com a Rosaura que será bem recompensado.
MATIAS CÃO
Então é comigo! O que o senhor quer? Namoro com mão
na mão, mão naquilo, casamento antes ou depois daquilo?
FABRÍCIO
Eu quero um amor apaixonado!
MATIAS CÃO
Isso vai ficar bem mais caro. (LUZ CAI)
CENA 6 - O PODER DE TEITÉ
JOÃO TEITÉ
Tia Beralda! Ô, Tia Beralda, abre a porta!
TIA BERALDA
(OFF) Quem é?
JOÃO TEITÉ
Não falo senão a senhora não abre.
57
TIA BERALDA
(ENTRANDO) Não quero conversa enquanto
não me pagar.
JOÃO TEITÉ
Eu não vim pagar. Eu vim aqui foi cobrar o meu futuro! A
senhora não falou que eu ia subir na vida? Teité "tá" lá
em cima? "Tá" nada! "Tá" é aqui embaixo amassando
bosta! Eu vou reclamar das suas profecias no Procom.
TIA BERALDA
Não é possível!
JOÃO TEITÉ
É! Espia as cartas! (TIA BERALDA PÕE AS CARTAS)
TIA BERALDA
Está aqui! Você vai subir na vida.
JOÃO TEITÉ
E como?
TIA BERALDA
Não diz, mas a estrada da subida é longa e difícil!
JOÃO TEITÉ
Pr'amor de Deus, tia Beralda, ou a senhora encurta essa
subida ou me arruma um atalho.
TIA BERALDA
Isso vai custar caro.
JOÃO TEITÉ
Eu pago depois que subir na vida.
TIA BERALDA
Nada feito!
JOÃO TEITÉ
Então já que meu futuro está confirmado eu vou sentar
num toco de pau, pitar meu cigarro e esperar sentado. E
quando eu for mais rico que um bispo, do meu dinheiro a
senhora não vê nem cor nem cheiro!
TIA BERALDA
Está bem, mas atalhos são perigosos.
JOÃO TEITÉ
Perigo maior é esforço e trabalho! (TIA BERALDO TIRA
DO BOLSO UM BREVE E TIRA UM ANEL DO DEDO.
REZA E BENZE OS DOIS OBJETOS.)
JOÃO TEITÉ
Que bruxaria é essa?
TIA BERALDA
Que força nenhuma desfaça o poder do anel nem poder
maior esteja acima desta oração. Pronto! Seu futuro agora
está no anel.
JOÃO TEITÉ
Nesta porquerinha?
58
TIA BERALDA
Quem estiver usando este anel vai ficar sob o
poder de quem usar este breve. (MOSTRA O ESCAPULÁRIO.).
JOÃO TEITÉ
Prá qualquer coisa?
TIA BERALDA
Prá tudo! Mas faça tudo rápido e direito porque o poder do
anel não vai durar muito. (AMARRA O ESCAPULÁRIO
NO PESCOÇO DE TEITÉ.)
JOÃO TEITÉ
Dá três nó cego e arroxa bem, tia Beralda, que é prá ele
nunca sair daí! Eu te juro, tia Beralda, de hoje prá manhã
eu enrico! (APONTA A CABEÇA.) Já está tudo bem planeado no meu bestunto!
TIA BERALDA
E lembra: quando o poder do anel se for o seu futuro vai
com ele. E vê se volta prá me pagar.
JOÃO TEITÉ
Pode deixar. Amanhã eu volto aqui com um monte de dinheiro. E já sei do bolso de quem. (SAI)
TIA BERALDA
Vamos ver se esse sarambé faz as coisas certas! (À SAÍDA, PÕE A MÃO NO BOLSO E PARA. RETIRA UM
BREVE.) A oração do poder?! (CHAMA.) Teité! Teité! Foise! Ele levou a oração da paixão. (DÁ DE OMBROS.) Ah!,
paixão também é poder e no final tudo vai dar certo. Ou
não? (SAI)
CENA 7 - UM ESTRANHO ACESSÓRIO DE CENA
(MAJOR ENTRA EM CENA NUM ROMPANTE, SE SOLTANDO DE BRAÇOS QUE QUEREM RETÊ-LO NOS
BASTIDORES.)
ARISTÓBULO
Não vou! Já entrei e aqui fico até a hora de anunciar o
general! Não saio! Cansei de ficarem mangando de mim!
Dizendo que faço tudo errado! Só saio quando tiver feito
minha cena, quando anunciar o general!
CENA 8 - AS DORES DA PAIXÃO
59
(ENTRAM TABARONE E FABRÍCIO.)
TABARONE
Io sono um disgraciato, figlio! (PERCEBE O MAJOR.) Ma,
chè cazzo é questo?
FABRÍCIO
Nada, papá! Faz parte do cenário!
TABARONE
Teatro moderno, eh? Vá bene. Ma, o que vá molto male é
mio coraçon!
FABRÍCIO
E o meu, então?
TABARONE
O meu é mais importante, cretino! Está dilacerado, cortado e rasgado por aquela mulher!
FABRÍCIO
Mas larga aquela jurupoca, pai! Aquilo não é mulher. É
despacho de exú tranca-ruas na vida de um homem!
TABARONE
(CHORANDO, BATE NO FILHO) Ma come me fala assim
da mulher de mio sonho, criminoso! Io te deserdo!
FABRÍCIO
Mas é verdade!
TABARONE
Que é, é! Na non precisa jogar na minha faccia a desgraça que fiz! Ela virou a casa de perna pro ar, manda e
desmanda e, o mais grave: ela quase me faz enfiar a mão
no bolso! Isso dói no coraçon! Ma, que posso fare? Io
amo questa donna come un maledetto apassionato!
FABRÍCIO
Eu te entendo, pai! (DRAMÁTICO)Rosaura me humilha,
me tortura, me esfrangalha. E quanto mais a dor atua,
mais eu grito: eu sou tua! Mais eu digo: sou canalha!
TABARONE
(SÉRIO) Filho, tutto bene? De vez em quanto tu vai fundo
nas frescura, eh? Que é, maledetto? Tá difícile sustentar
jeito de homem?! Me vira a página da sua história que te
arrombo a muque!
FABRÍCIO
Tá me desconhecendo, pai?
TABARONE
Non, mas quase.
FABRÍCIO
Mas eu vou dobrar a Rosaura. Vou amansar a fera. Faz o
mesmo com a Boracéia!
TABARONE
Io e mais quantos? E, dopo, filho, tem il amore. Questo
amore bandido que me assalta e faz de mim o que quer.
60
Desde que non queira minha bolsa, bem entendido! Vem, filho! Andiamo chorar nossos amores. Nostra famíglia é assim: Perdemo la razón e la vida per una
moglie. Ma, dinheiro non perdemo, non! (SAEM)
CENA 9 - O TESTE DO ANEL
(ENTRA TEITÉ SATISFEITÍSSIMO.)
JOÃO TEITÉ
Hoje eu vou me dar bem! (PERCEBE O MAJOR, DURO,
EM POSIÇÃO DE SENTIDO. LÊ UMA FICTÍCIA PLACA
NO PEDESTAL DA "ESTÁTUA".) Monumento ao soldado
desconhecido! É por isso que eu num gosto de arte moderna: não parece com nada!(ARISTÓBULO ROSNA E
LATE. TEITÉ SE ASSUSTA E SAI DE PERTO. ENTRA
MARRUÁ.) "Seu" Marruá, que satisfação encontrá-lo forte
e rijo! Que Deus proteja o senhor e sua casa!
MANÉ MARRUÁ
E que te afaste do meu caminho! Diga o que queres que
não tenho tempo para um doidivanas como tu!
JOÃO TEITÉ
Meu emprego de volta nem pensar, não é?
MANÉ MARRUÁ
Mas nem me lembro que algum dia na vida foste meu
empregado!
JOÃO TEITÉ
Fundo de garantia, férias, décimo-terceiro nem tocar no
assunto?
MANÉ MARRUÁ
Nem!
JOÃO TEITÉ
Está bem! Cada um faz o que lhe dita a consciência! Mas
para provar ao senhor que não guardo rancor em meu coração, eu lhe trago um presente de despedida? (DÁ-LHE
UM DIMINUTO EMBRULHO)
MANÉ MARRUÁ
Vais para onde, ó gajo à toa?
JOÃO TEITÉ
Vou voltar prá Minas Gerais, de onde eu nunca devia ter
saido para encontrar amargura e desconfiança por este
mundo!
61
MANÉ MARRUÁ
Que é que estás me preparando, ó Teité!?
Eu te conheço de outras ladinagens!
JOÃO TEITÉ
(SENTIDO.)O mundo é assim: um homem faz um ou dois,
três ou quatro, vinte ou trinta errinhos e logo é rotulado de
errado! Adeus, "seu" Marruá, meu ônibus sai às onze horas.
MANÉ MARRUÁ
Pensas que me enganas? E a bagagem?
JOÃO TEITÉ
(CHOROSO) Com o dinheiro que consegui economizar
trabalhando pro senhor ou eu comprava a mala, ou a bagagem ou a passagem! Volto nu com uma mão na frente
protegendo as vergonhas e a outra atrás protegendo a
dignidade!
MANÉ MARRUÁ
Bem, Teité, para que não me queiras mal também vou te
dar alguma coisa.
JOÃO TEITÉ
Não precisa, são só dezoito horas de viagem. Eu como
quando chegar.
MANÉ MARRUÁ
Dou-te dou um conselho.
JOÃO TEITÉ
(PARA SI) O velho muquirana!
MANÉ MARRUÁ
Precisas trabalhar mais para ser alguém na vida, ó Teité.
JOÃO TEITÉ
E o senhor precisa, "das veiz" pagar melhor pelo trabalho.(MARRUÁ ABRE O PRESENTE)
MANÉ MARRUÁ
Um anel! Obrigado, mas não uso essas coisas. (PÕE NO
BOLSO.)
JOÃO TEITÉ
(ALARMADO.)Antes de vender, seu Marruá, põe no dedo
só pra eu ver se ficaria bem se acaso o senhor usasse.
MANÉ MARRUÁ
Está bem. (COLOCA O ANEL) É, fica bem.
JOÃO TEITÉ
O senhor não está sentindo nada?
MANÉ MARRUÁ
E que raios deveria sentir?
JOÃO TEITÉ
Maldita tia Beralda! (MARRUÁ FAZ MENÇÃO DE TIRAR
O ANEL.) Não tire o anel!
MANÉ MARRUÁ
E por que eu deveria tirar tão carinhoso presente?
62
JOÃO TEITÉ
Que é que está olhando?
MANÉ MARRUÁ
(MELÍFLUO) Os seus olhos, Teité.
JOÃO TEITÉ
Ocê está sob meu poder?
MANÉ MARRUÁ
Sob o poder do amor! (RECOBRANDO A CONSCIÊNCIA)
ái, Jesus! Que disparate estou dizendo? E que disparate
maior estou sentindo, meu Santo Antonio da Beira?! E pelo Teité?!
JOÃO TEITÉ
Está sob o meu poder ou não está?
MANÉ MARRUÁ
Estou! Estou de corpo, estou de alma! Não sei o que sinto
mas quem é que pode explicar o amor?!
JOÃO TEITÉ
(ESPANTADO)Seu Marruá?!
MANÉ MARRUÁ
É uma coisa que nasce, se expande e me toma...(RECOBRANDO A VONTADE) Um raio que me toma! (CHORA)Não deixe que me tome, meu Santo Antonio
de Lisboa! (INFUNDINDO CORAGEM A SI MESMO) Sustente a velha macheza portuguesa, Marruá! Ai, meu Deus,
que desde 1415 não existe perobo na minha linhagem. Na
minha árvore genealógica não existem frutinhas! (MUDANDO DE TOM) E daí? Um dia tem de acontecer. Um
dia a gente evolui e se abre para o mundo! (MUDA TOM.)
Se fecha, Marruá, se fecha!
JOÃO TEITÉ
Seu Marruá?
MANÉ MARRUÁ
Que voz maviosa! Que olhos tu tens, Teité! Me chames
que eu vou!
JOÃO TEITÉ
Não vem! Não vem, não!
MANÉ MARRUÁ
(NUM ÚLTIMO ESFORÇO) Tome tento, Marruá! Seja
homem! (CONVICTO) Eu vou ser homem! Eu sou é macho! Assumo minha porção mulher e ninguém tem nada a
ver com isso! (AO PÚBLICO) Rá, rá, rá é uma mãozada
que logo tomas pela cara! Teité, venha cá!
JOÃO TEITÉ
Mas nem morta!
MANÉ MARRUÁ
(BREJEIRO) Se não vens, eu vou.
JOÃO TEITÉ
Não vem!
63
MANÉ MARRUÁ
Eu vou! "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas!"
JOÃO TEITÉ
Tia Beralda, velha maldita, que que foi que a senhora me
arrumou!
MANÉ MARRUÁ
Assuma comigo, Teité. (CORRE ATRÁS DE TEITÉ QUE
GRITA E FOGE)
CENA 10 - UM NOVO ANÚNCIO DE ENTRADA PARA O GENERAL
(MAJOR ARISTÓBULO QUE, DISTRAÍDO, ACOMPANHOU A CENA RI DISFARÇADAMENTE. PAUSA, NADA
ACONTECE EM CENA. CHAMAM O MAJOR NOS BASTIDORES. ELE GESTICULA DE CABEÇA, FAZ UM
GESTO IRRITADO E SE PÕE EM POSIÇÃO DE SENTIDO ENCARANDO O PÚBLICO.)
OFF
Major, é agora! É agora, major!
ARISTÓBULO
(DECIDIDO) Não saio! (MATIAS CÃO É EMPURRADO
PRÁ DENTRO DO PALCO. COMPÕE-SE E DIRIGE-SE
FORMALMENTE AO PÚBLICO.
MATIAS CÃO
E agora, senhoras e senhores, eu tenho o prazer de anunciar a entrada do general Euriclenes, por que aquela
besta que está ali em pé há dez minutos, justamente para
não esquecer de entrar em cena, esqueceu deixa, esqueceu cena, esqueceu tudo! Obrigado.(MAJOR BATE A
MÃO NA CABEÇA LEMBRANDO. MATIAS SAI. ENTRA
O GENERAL.).
EURICLENES
Mais uma dessa e te rebaixo a capitão, major!
ARISTÓBULO
Mas eu...
EURICLENES
Perfile-se! Não lhe dei licença de falar! Levou meu recado
prás mulheres da casa do Marruá? (MAJOR BATE NA
CABEÇA INDICANDO ESQUECIMENTO.) Pôs meu anúncio de "procura-se alma gêmea" na revista "Contigo"?
(MAJOR BATE NA CABEÇA) Pelo menos marcou meu
encontro com aquela massagista do anúncio do jornal?
64
(MAJOR IDEM) Não! Eu não aguento mais,
major! Trinta anos! Trinta anos dando serviço no quartel
só vendo barbado. Eu quero uma mulher! Eu ainda faço
uma besteira! Eu ainda faço uma prisioneira!
ARISTÓBULO
Estou falando desde o começo. Prende uma!
EURICLENES
Não fala besteira! Foi só uma explosão emocional, mas já
estou senhor de mim! Preciso de uma estratégia: Preciso
estudar o inimigo, seus costumes, seus pontos fracos, seu
potencial de fogo...
ARISTÓBULO
Que nada! É só escorar com um trinta e oito e dizer: eu
quero é casar com você, visse?
EURICLENES
Mas fecha essa boca, major! (SAI. ENTRA MATIAS. MAJOR FURIOSO CHUTA O CHÃO.)
ARISTÓBULO
É só xingo! Só mangação! Eu, quase em idade de aposentar, aguentar isso? Não preciso disso! Eu volto prá
produção!
MATIAS CÃO
Calma, major! Eu posso te ajudar. É uma mulher que o
general quer? Eu tenho um par perfeito. Só que vai custar
algum dinheiro.
ARISTÓBULO
O que custar! O general tem prá mais de três fazendas
em Goiás!
MATIAS CÃO
Então deixa comigo! (MAJOR NÃO SE MOVE.) Eu disse:
deixa comigo. O senhor sai por ali...(APONTA A DIREITA)
que eu vou até a casa do Marruá!
ARISTÓBULO
(ENTENDENDO) Ah, é! Sim. senhor! (SAI)
MATIAS CÃO
Mateúsa! Abre para o seu querubim!
MATEÚSA
(SURGINDO À JANELA) Querubim da asa negra!
MATIAS CÃO
O Marruá tá aí?
MATEÚSA
Não.
MATIAS CÃO
E a Rosaura?
MATEÚSA
Saiu. Que ocê quer?
65
MATIAS CÃO
O que eu quero você não dá.
MATEÚSA
Se for uma mão no seu escutador de besteira eu satisfaço
logo.
MATIAS CÃO
Desce aqui prá me domar! Me chama de burro xucro e me
crava a espora, me chama de touro bravo e vem me tourear!
MATEÚSA
Vem com graça, vem!
MATIAS CÃO
Se você não descer eu subo.
MATEÚSA
Sobe. Lá na minha terra, touro que rebenta porteira a gente capa prá virar boi manso!
MATIAS CÃO
Ave, Maria! Vôte e arrenego! Eu fico aqui mesmo esperando o Marruá chegar.
MATEÚSA
Pode esperar dentro de casa. E não se comporte prá ver
uma coisa! (FAZ UM GESTO DE CORTAR. MATIAS ENTRA.
CENA 11 - PLANO PRÁ SE CHEGAR AO PODER
(ENTRA TEITÉ CORRENDO SEGUIDO DE MARRUÁ.)
JOÃO TEITÉ
Desafasta, anticristo! Vai embora, velho bordeleiro!
MANÉ MARRUÁ
Não me rejeites, doçura! Fui vencido pelos seus encantos!
JOÃO TEITÉ
Meus encantos são muitos mas não são pro senhor! Eu
mato a Tia Beralda, eu mato! (MARRUÁ AVANÇA. TEITÉ
PEGA UMA GARRAFA DE ÁLCOOL.) Não vem que eu te
pincho e te risco fogo!
MANÉ MARRUÁ
(CONTINUANDO A SE APROXIMAR) Pouco me ligo!
(TEITÉ VAI ATIRAR MAS SUBITAMENTE MUDA DE ATITUTE.)
JOÃO TEITÉ
Sabe o que é, seu Marruá? O senhor me pegou desprevinido. Me dá dois segundos prá eu me acostumar com a
66
idéia. (IMEDIATAMENTE MUDA-SE EM
FRESCURA.) Um, dois, pronto! À sua disposição, mon
cher de mon coeur! Sabe o que é, Marruá? É que isso é
tão novo prá mim. É um mundo novo, novas sensações,
sei la!
MANÉ MARRUÁ
Vem, Teitézinho! (TEITÉ SERVE UM COPO.)
JOÃO TEITÉ
Uma bebida antes!
MANÉ MARRUÁ
E um cigarrinho depois. Tu não bebes?
JOÃO TEITÉ
Eu bebo no seu copo que é prá descobrir seus segredos!
(MARRUÁ BEBE. LEVA O "COICE" DA BEBIDA E PARALISA.) Álcool carburante não falha! (RAPIDAMENTE
TEITÉ RETIRA O ANEL DO DEDO DE MARRUÁ.) Que
perigo, meu Deus!
MANÉ MARRUÁ
(RESTABELECENDO-SE, MAS BÊBADO.) Que diabos
houve, Teité? Parece que tive um sonho tão esquisito que
não tenho coragem nem de lembrar! Tu me dizias que...
ias embora? (ABRAÇA-O.) Mas, não faças isso, meu amigo!
JOÃO TEITÉ
Se o senhor tiver uma recaída eu me descabeço! (EMPURRA) Me larga!
MANÉ MARRUÁ
És meu amigo!
JOÃO TEITÉ
Saio do fogo prá cair na frigideira! (TEM UMA IDÉIA.) É
claro! É isso! (ABRE OS BRAÇOS PARA MARRUÁ.) Meu
amigo! (ABRAÇA-O E LOGO O AFASTA) Chega, que essa coisa de abraço pode desandar! (EMPURRA MARRUÁ
PRÁ DENTRO DE CASA QUE ENTRA CAMBALEANTE.)
JOÃO TEITÉ
Meu futuro é hoje! (AO PÚBLICO) O Marruá tá na minha
mão esquerda e na minha outra mão a Rosaura! O Marruá eu mantenho bêbado e no dedinho da Rosaura eu
ponho o anel! Me caso com ela, mando em tudo e ainda
fico herdeiro! Meu Deus do Céu! Uma mercearia com
despensa cheia e a gostosa da Rosaura! Que que eu
posso querer mais? Duas mercearias! Mulher pode ser só
uma mesmo. Mas como eu faço o anel entrar no seu dedinho anular?
67
MATEÚSA
(OFF) Maldito! Ocê vai falar fino! (MATIAS
SE ATIRA DO ANDAR SUPERIOR DA CASA DE MARRUÁ. MATEÚSA ASSOMA À JANELA.) Ocê não perde
por esperar, ordinário! Vou te castrar com essas próprias
mãos!
MATIAS CÃO
O final vai ser ruim mas o começo em compensação...!
MATEÚSA
Desgranhento! (FECHA A JANELA)
MATIAS CÃO
Ave Maria, mulher dessa casa é bravo que só homem!
JOÃO TEITÉ
Matias, que bom te ver! Uma mão lava a outra: eu te ajudei quando ocê chegou nesta cidade e agora ocê vai me
ajudar!
MATIAS CÃO
Não tenho dinheiro!
JOÃO TEITÉ
Mas vai ter porque eu vou te dar. E muito!
MATIAS CÃO
E que eu vou ter de fazer?
JOÃO TEITÉ
Uma coisica de nada! Dá esse anel prá Rosaura e diz que
foi um presente do Fabrício.
MATIAS CÃO
Que você tá aprontando? A Rosaura vai te comer vivo!
JOÃO TEITÉ
Enquanto ela pensa em me jantar eu almoço a fera. E,
depois, sou capaz de deglutir a prima dela que também é
bem jeitosa!
MATIAS CÃO
Não se mete com a Mateúsa, cabra!
JOÃO TEITÉ
Está bem, a sobremesa é sua. Faz o que te falei.
MATIAS CÃO
A Rosaura não vai aceitar!
JOÃO TEITÉ
Teu trabalho é esse. Você tem de fazer ela colocar o anel
no dedo.
MATIAS CÃO
Só isso?
JOÃO TEITÉ
Só isso e nosso futuro tá garantido. Vamos ser ricos, Matias!
MATIAS CÃO
Como?
JOÃO TEITÉ
Não posso dizer mas confie em mim! Conto com ocê?
68
MATIAS CÃO
Se me vem dinheiro, pode contar!
JOÃO TEITÉ
Está consumado o mais maléfico, o mais maquiavélico, o
mais diabólico dos planos! (RI COMO VILÃO DEMONÍACO E SAI. MATIAS OLHA O ANEL ENCAFIFDO.)
MATIAS CÃO
Que diabo esse mineirinho tá aprontando agora? (EXPERIMENTA O ANEL NO DEDO. PARALISA E ARREGALA
OS OLHOS, IMEDIATAMENTE TIRA O ANEL. AO PÚBLICO) Não conto o que pensei! (PARA SI) Que coisa estranha!
CENA 12 - O CONTRA-PLANO
(MATIAS VAI ATÉ A CASA DE MARRUÁ E CHAMA.)
MATIAS CÃO
Mateúsa! Mateúsa! (MATEÚSA IRROMPE COMO UM
FURACÃO ARMADA DE UMA FACA. MATIAS GRITA E
CORRE, INDO ATÉ A OUTRA EXTENSÃO DO PALCO.
BRINCA COM O METATEATRO. APONTA UM ACESSÓRIO OU UM RISCO IMAGINÁRIO NO CHÃO.) Não
pode passar deste risco! Você ainda está no Jabaquara e
aqui já é Pirituba! (TABARONE GRITA DE DENTRO DE
SUA CASA.)
TABARONE
(OFF) Io quero me suicidar!
BORACÉIA
(OFF) É a melhor coisa que fazes, arca de sovinice!
TABARONE
(OFF)Alguém me livre de questa mulher! Matias Cón! Matias Cón!
MATIAS CÃO Me deixa ir aí pro Jabaquara porque se o velho me pega aqui
em Pirituba vai desandar toda a história!
MATEÚSA
Vem, ordinário! (GUARDA A FACA) Não precisa de ser
agora! (MATIAS PASSA PARA O OUTRO LADO NO
MOMENTO EM QUE TABARONE IRROMPE NO PALCO
A SUA PROCURA.)
TABARONE
Matias Cón? Parece que io ouvi a voz dele! (DESESPERADO) Neste inferno io non vivo mais! (SAI)
69
MATEÚSA
Agora nós! Ocê me respeite, sojeito! Ocê
nunca mais me rele a mão!
MATIAS CÃO
Deixa de agonia, mulher! Quero lhe falar...
MATEÚSA
Ieu não quero saber de trela com um da sua espécie! (TIRA A FACA)Ocê volte prá Pirituba, ocê sai da minha, vista porque se não ieu faço um estrago! (ENTRA ROSAURA E SEGURA MATEÚSA AFASTANDO-A DE MATIAS)
ROSAURA
Que é isso, prima? Que aconteceu?
MATEÚSA
(A ROSAURA) Esse ordinário entrou em casa procurando
seu pai e quando eu menos espero me lasca um beijo tão
linguado na boca que me turtuviou a cabeça e me bambeou as pernas!
ROSAURA
E você não gostou?
MATEÚSA
Ô, mas nem! Mas ele não carece de saber, né prima?! (A
MATIAS) óia, seu sem-vergonha, acatando o conselho de
Rosaura, desta vez passa, mas da próxima...!
MATIAS CÃO
(APROXIMANDO-SE RECEOSO) Deus te guarde e me
proteja, dona Rosaura! Este é um presente mandado pelo
Fabrício como prova de estima.
ROSAURA
Não quero nada daquele cafajeste!
MATEÚSA
Não faz desfeita, prima! Um anel tão bonito!
ROSAURA
Não quero, já disse!
MATIAS CÃO
Só põe no dedo prá ver se ficou bonito. Se não ficar a senhora vende, dá de presente...
MATEÚSA
Não custa, prima. (APÓS UM MOMENTO DE INDECISÃO ROSAURA PEGA O ANEL.)
ROSAURA
Só vou por e tirar. (PÕE) Bem micho, né? (MUDA REPENTINAMENTE.) Eu quero o Teité! Eu amo aquele homem. Eu me rasgo, eu me mordo por ele!
MATEÚSA
Que é isso?
MATIAS CÃO
E eu sei?
70
ROSAURA
Eu vou procurar esse gostoso! Teité, sou sua!
MATEÚSA
Apaga o fogo, prima.
MATIAS CÃO
Tira o anel! Tá segura! (PRENDE ROSAURA E MATEÚSA TIRA O ANEL.)
ROSAURA
(VOLTANDO) Gente, que foi isso? Me apaixonei pelo Teité!
MATIAS CÃO
Foi o anel.
MATEÚSA
(TIRA A FACA)Então, seu moço, começa a explicar isso
direitinho!
ROSAURA
Eu seguro e você corta.
MATEÚSA
(DANDO A FACA A ROSAURA, MALICIOSA)Deixa que
eu seguro, prima. Ocê corta.
MATIAS CÃO
(AMEDRONTADO) A culpa não foi minha. Foi o Teité que
me deu o anel prá eu dizer que era presente do Fabrício.
ROSAURA
E você tá de tramóia com o Teité?
MATIAS CÃO
Eu só sei o que vocês sabem.
MATEÚSA
Diga, sojeito, de que lado ocê está?
MATIAS CÃO
E eu tenho escolha?
MATEÚSA
Não! Despeja tudo o que sabe.
MATIAS CÃO
Esse anel tem bruxaria. Eu mesmo pus esse anel e fiquei
igualzinho a senhora.(ENTRA MARRUÁ AINDA BÊBADO)
MANÉ MARRUÁ
Foste embora, amigo Teité? (SENTA-SE TRISTE)
MATEÚSA
Mas, vigia, o safado! Com certeza embebedou seu pai e
te queria apaixonada por ele, prima!
MATIAS CÃO
Disse que ia ficar rico!
ROSAURA
Eu vou dar uma sova nesse ordinário.
MATEÚSA
Quieta o facho, prima. Ocê vai dar uma sova de relho nele, mas não agora. Deixa comigo que está nascendo uma
71
luzinha aqui na minha cabeça, danada de
boa! Posso contar com ocê prá isso, Matias?
MATIAS CÃO
Só se eu puder contar com você prá aquilo.
MATEÚSA
Vai ficando confiado que lhe ato num pé de pau e lhe
desço vara!
MATIAS CÃO
Você fala isso só prá me agradar.
MATEÚSA
Vamos fazer uma combinação.
ROSAURA
E o anel?
MATEÚSA
Esse fica comigo e já sei quem vai se apaixonar pelo Teité! (SAEM OS TRÊS DEIXANDO MARRUÁ.)
CENA 13 - NINGUÉM QUER TÃO PESADO FARDO
(MARRUÁ SUSPIRA DE TRISTEZA E, AOS POUCOS,
VAI CURANDO A BEBEDEIRA.)
MANÉ MARRUÁ
Ó, Teité! Por que foste embora, meu amigo? Quem encontra um amigo, encontra um tesouro! (BALANÇA A
CABEÇA TENTANDO DISSIPAR O TORPOR.) Mas que
raios estou eu a falar? Ái, minha cabeça! Aquele desgraçado me fez beber de novo! Eu juro que, se lhe ponho as
mãos em cima, espremo tanto que a alma lhe sai por baixo! Ái, minha cabeça. (ENTRA TABARONE DESESPERADO.)
TABARONE
Io ainda morro de uno ataque cardíaco! Non aguento mais
a Boracéia! Ma onde estou? Sono tanto desesperato que
saí de Pirituba agora e já estou no Jabaquara! Ma quem é
quello? Marruá! (APROXIMA-SE APARENTANDO FELICIDADE.) Buona tarde, amico!
MANÉ MARRUÁ
Mas entre e esteja bem servido em meu estabelecimento,
meu novo amigo! Como está ela?
TABARONE
Quem?
MANÉ MARRUÁ
A coisa! O desastre! A semente de encrenca! A Boracéia!
72
TABARONE
Ah, a minha senhora? Moltíssimo bene!
MANÉ MARRUÁ
Eu acredito. Mas... (CONTEM O RISO) e o senhor? Como
vai com aquela hárpia? (RI)
TABARONE
Maravilhosamente! No paraíso!
MANÉ MARRUÁ
Como?
TABARONE
Com amor.
MANÉ MARRUÁ
Qual o que! O amor não é tão forte assim!
TABARONE
É claro que é. E venho agradecer de coraçón o amico ter
me cedido sua ex-mulher.
MANÉ MARRUÁ
Mas eu é que agradeço.
TABARONE
Non acredito que não tenha boas lembrança dela. Nos
primeiros anos, talvez?
MANÉ MARRUÁ
Sim... talvez na primeira semana ou nos primeiros dois dias de casado. Depois foi um longo e tenebroso inferno.
TABARONE
Non creio! Agora é una nuova mulher!
MANÉ MARRUÁ
Sim? Sorte sua. Eu começo a me sentir solitário.
TABARONE
Veja bene... Io sono molto grato pela tua gentileza... ma
acontece que preciso viajar... Io sono un'uomo maduro,
desprovido de ciúme...E non quero deixar a Boracéia sozinha...
MANÉ MARRUÁ
E?
TABARONE
Enton se o amico quiser receber sua ex-mulher de volta
por unas semanas...
MANÉ MARRUÁ
E mudou mesmo?
TABARONE
A alma, um pêssego maduro. O corpo una uva!
MANÉ MARRUÁ
(CAI NA GARGALHADA) Aquela trombada é perda total!
Não há funileiro que dê jeito! Pensas que sou um idiota?
TABARONE
Só pensa no corpo?
73
MANÉ MARRUÁ
É claro, a Boracéia não tem alma! (RI. TABARONE COMEÇA A CHORAR. MARRUÁ RI MAIS.)
TABARONE
É verdade. Me ajude! In nome de nostra nuova amizade
fique com ela, ou dê prá alguém, prenda no seu porón!
MANÉ MARRUÁ
De jeito nenhum! Ela é para pagar todas as coisas que
você me fez no passado!
TABARONE
És molto cruel! Per la nostra amizade...
MANÉ MARRUÁ
Nossa amizade não vale tanto prá eu encarar de novo
aquela fera!
TABARONE
Seu morruga!
MANÉ MARRUÁ
Não me chame de morruga, seu rábula ladrão!
TABARONE
Rábula, não! (ATRACAM-SE. ENTRAM MATIAS E MATEÚSA E O SEPARAM. SAEM COM CADA UM POR
EXTREMOS CONTRÁRIOS DO PALCO)
CENA 13 - PANTOMIMA
(IMEDIATAMENTE MATIAS E MATEÚSA VOLTAM E SE
ENCONTRAM NO CENTRO DO PALCO.)
MATEÚSA
Tá tudo combinado então? Então vamos avisar todo mundo porque o caldeirão onde o Teité vai se fritar já tá no fogo! ( OUVE-SE MÚSICA E INICIA-SE UMA PANTOMIMA.
MATIAS E MATEÚSA CRUZAM E RECRUZAM TODO O
PALCO ENCONTRANDO SE COM OS PERSONAGENS
DA PEÇA E ENTREGANDO-LHE CONVITES. MATIAS
ENCONTRA TEITÉ E LHE DIZ ALGO QUE FAZ TEITÉ
MUITO CONTENTE. TEITÉ O ABRAÇA. MATEÚSA
CONVERSA E VESTE MARRUÁ COM CARTOLA, MATIAS CONVERSA COM ARISTÓBULO E EURICLENES,
MATEUSA VESTE ROSAURA DE NOIVA. MATIAS
PERCEBE ALGUÉM NA PLATÉIA E ENTREGA-LHE UM
CONVITE. PERCEBE QUE TEM DUAS PESSOAS AO
LADO DELA. VOLTA CORRENDO AO PALCO E ENTREGA ÀS DUAS OS CONVITES. PERCEBE QUE TEM
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MAIS GENTE. VOLTA CORRENDO AO
PALCO COM MAIS CONVITES. PERCEBE TODA A EXTENSÃO DA PLATÉIA. DESESPERA-SE. VOLTA AO
PALCO CORRENDO E ATIRA MAÇOS DE CONVITES
AO PÚBLICO. SAI ACABANDO A PANTOMIMA.
CENA 14 - O CASAMENTO
(MATIAS ENTRA PUXANDO FABRÍCIO.)
MATIAS CÃO
Você vai ser o Juiz que vai fazer o casamento.
FABRÍCIO
Se isso não der certo...
MATIAS CÃO
Deixa comigo que eu garanto. Me pague e veste essa
roupa! (DÁ-LHE UMA PERUCA E UMA CAPA)
FABRÍCIO
Além de por essa peruca ridícula eu tenho de te pagar?
MATIAS CÃO
É. Se é que você quer a Rosaura.
FABRÍCIO
Eu não entendo como...
MATIAS CÃO
Não precisa entender, faça! (PAGA E PÕE A PERUCA E
A CAPA. ENTRAM DO OUTRO LADO TEITÉ VESTIDO
DE FRAQUE E ROSAURA COMO NOIVA)
MANÉ MARRUÁ
Desgraça, que gastei um dinheirão com essa brincadeira!
MATEÚSA
Que dinheirão? É tudo alugado. Fique quieto, tio, que vai
valer a pena.
JOÃO TEITÉ
(IMPACIENTE) De carreira, gente! Vamos logo, seu Juiz,
que o meu futuro tem pressa!
JUIZ
Estamos aqui para unir legalmente o casal João Teité e
Rosaura da Beira.
ROSAURA
(PARA MATEÚSA) Mas é o Fabrício! Você me paga!
MATEÚSA
Fica quieta, prima!
JUIZ
O senhor João Teité aceita a Rosaura como esposa legal?
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JOÃO TEITÉ
Mas nem não!
JUIZ
Rosaura da Beira aceita Teité como esposo legal.
ROSAURA
Sim.
JOÃO TEITÉ
(AUTORITÁRIO) Fala em alto e claro bom som, mulher!
ROSAURA
Sim!
JOÃO TEITÉ
Com mais amor!
ROSAURA
(PARA MATEÚSA, FURIOSA) Eu vou pregar-lhe a mão!
MATEÚSA
Depois. Agora responde!
ROSAURA
Sim, amor!
JUIZ
Pelo poder a mim investido eu os declaro legalmente casados.
JOÃO TEITÉ
Pronto, cheguei no topo, no cume!
MATEÚSA
Isso merece uma festa!
JOÃO TEITÉ
Que festa, nada! Ocê já quer gastar o dinheiro que eu vou
herdar? Todo mundo prá fora! Não tem festa, nem nada!
(MALICIOSO) O que vai ter agora é uma inauguração! Fora! (TODOS SAEM) Enfim sóses! (PEGA A MÃO DE ROSAURA) O poder do anel! Dona Rosaura da Beira eu vou
começar pelas beiradas! (BEIJA A MÃO DELA. ROSAURA TIRA A MÃO E ABRE O VESTIDO. POR BAIXO DO
VESTIDO DE NOIVA VESTE ROUPAS DE COURO
PRETO E BOTAS, IDUMENTÁRIA CLÁSSICA DE SADOMASOQUISMO. TIRA UM CHICOTE.) Pelos profetas do
Aleijadinho! Que que é isso, amor?!
ROSAURA
Sou sádica! Gosto de judiar do amado! Você não é masoquista?
JOÃO TEITÉ
Que diacho é isso?
ROSAURA
É quem gosta de sofrer. Se você não é, vai aprender a
ser! (DESFERE-LHE UMA CHICOTADA. TEITÉ GRITA E
CORRE.)
JOÃO TEITÉ
Pára! Pára, desgraçada! Ocê está sob o meu poder!
76
ROSAURA
Estou. Quanto mais eu te bato mais te amo!
JOÃO TEITÉ
Socorro! Alguém me salve! (ROSAURA DÁ-LHE UMA
SURRA. A CONFUSÃO ATRAI OS OUTROS QUE RIEM
E ZOMBAM DE TEITÉ.)
JOÃO TEITÉ
Ai! Ái! Descadeirei!
MANÉ MARRUÁ
Isso é prá aprenderes, ó tratante!
JOÃO TEITÉ
Então é isso? O anel era falso! Fui miseravelmente traido!
Mas vocês não perdem por esperar! O anel vai parar no
dedo de alguém muito poderoso e eu vou me vingar de
um por um! (ESTENDE O BRAÇO NUMA TRÁGICA
MALDIÇÃO.) Vocês vão lamentar e rilhar os dentes enquanto caminharem pela estrada da desgraça! Onde está
o meu anel? Eu exijo o que é meu! Quero o anel verdadeiro!
MATEÚSA
(PÕE A MÃO NA CABEÇA EM FALSO DESESPERO) Ah,
meu Deus! Ocê me desculpa, Teité, mas o causo é que
ieu fui dar um resto de aveia para o cavalo do general e...
JOÃO TEITÉ
E o que?!
MATEÚSA
Tão guloso o desgraçado do cavalo que comeu aveia, anel e tudo!
JOÃO TEITÉ
O cavalo? Ocê dá um jeito e vai me buscar esse anel,
desgraçada!
MATEÚSA
Não precisa. O cavalo já vem vindo aí! (OUVE-SE RELINCHOS E PANCADAS FORA. TEITÉ OLHA PARA
FORA E SE APAVORA PONDO AS DUAS MÃOS NO
TRASEIRO.)
JOÃO TEITÉ
Meu Deus do céu! Segura o bicho por caridade!
EURICLENES
Não tem jeito. Quando esse garanhão se apaixona nem
um regimento segura!
JOÃO TEITÉ
Corre perna que se ele me pega tô morto e desonrado!
(SAI CORRENDO PELO OUTRO LADO. O CAVALO RELINCHA. OS OUTROS SEGUEM A TRAJETÓRIA DO
CAVALO E DE TEITÉ. VOZES: "Pegou? Ainda não mas
tá fungando no cangote" Ave Maria, se o cavalo pega!
77
TODOS SAEM FICANDO ROSAURA E FABRÍCIO E MATIAS E MATEUSA.)
ROSAURA
(A FABRÍCIO) E você? O que ainda faz aqui?
FABRÍCIO
Espero o teu agradecimento por tê-la ajudado.
ROSAURA
Não fui eu que te chamei aqui! (SAI)
FABRÍCIO
Eu perco minha paciência! Matias, vê se cumpre sua
promessa! (SAI)
MATEÚSA
Que promessa é essa se posso saber?
MATIAS CÃO
É que eu prometi facilitar as coisas com a Rosaura para o
Fabrício. Mas pelo jeito...
MATEÚSA
Se for isso eu posso ajudar. Vem comigo.
MATIAS CÃO
Assim, sem mais... Sem nem um carinho antes?
MATEÚSA
"Seu" Matias, se o senhor não quiser provar do mesmo
remédio que eu dei ao Teité é bom manter a língua e as
mãos presas!
MATIAS CÃO
A minha língua em teus lábios e minhas mãos em teus
braços!
MATEÚSA
(PARALISA, SEM AÇÃO.) Eu ainda acho uma boa coisa
prá te responder. (SAI)
MATIAS CÃO
(SATISFEITO) Um a zero, Matias! (SAI)
CENA 15 - MAIS UMA TRAMA
(ENTRA MAJOR ARISTÓBULO)
ARISTÓBULO
O general gratifica quer der notícias de um garanhão baio,
da raça mangalarga. Dois dias atrás foi visto perseguindo
um cabra em no ABC.(ENTRA MATIAS.)
MATIAS CÃO
Ontem já foi visto em Franco da Rocha!
78
ARISTÓBULO
Você tem de ver o desconsolo do general. Se
não bastasse não conseguir mulher ainda perde o cavalo.
MATIAS CÃO
A mulher do general! Com essa confusão toda acabei me
esquecendo! Põe o dinheiro na minha mão que a coisa
está resolvida!
ARISTÓBULO
Será que o general vai gostar?
MATIAS CÃO
É uma mulher de sonho! (SAEM)
CENA 16 - MAIS UM RAPTO
(NA CASA DE TABARONE, BORACÉIA DE MÁSCARA
DE BELEZA PREPARA-SE PARA DORMIR. ENTRA TABARONE.)
TABARONE
Boa noite, benzinho.
BORACÉIA
Vai-te à esterqueira, unha de fome! (TABARONE SAI E
ENCONTRA-SE COM MATIAS E O MAJOR. DO OUTRO
LADO ENTRA O GENERAL E SENTA-SE TRISTE.) Sou
uma desgraçada! Isto é o que dá uma sensível rapariga
como eu deixar-se iludir pela paixão!
MATIAS CÃO
Paga, senão não faço a mudança! (TABARONE PAGA)
TABARONE
É caro mas minha tranquilidade vale o preço! (SAI)
MATIAS CÃO
Major, a gente se aproxima contra o vento que é prá ela
não farejar nosso cheiro.
ARISTÓBULO
Ôxe, estamos indo raptar uma dona e não caçar onça!
MATIAS CÃO
Segue o meu conselho...
ARISTÓBULO
Mulher a gente escora no braço e, no máximo, faz cara
feia e dá voz de prisão!
MATIAS CÃO
Então você vai na frente. (ARISTÓBULO ENTRA NO
QUARTO DE MATEÚSA.)
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BORACÉIA
Quem és tu que me entra na alcova sem licença e nem és um rapagão forte e bem dotado?
ARISTÓBULO
Mãos na cabeça! E a senhora me segue sem agonia que
isso é um sequestro!
BORACÉIA
Sequestro é tanta braçada que vais levar!
ARISTÓBULO
Não vem que eu sou é macho! Sou de Buíque!
BORACÉIA
E eu sou portuguesa da Beira e tu és dois oitavos de homem! (AVANÇA SOBRE ARISTÓBULO E O COBRE DE
PORRADAS.)
ARISTÓBULO
Matias, traz reforço que o caso é prá regimento! (MATIAS
ENTRA)
BORACÉIA
Tu! Eu estava mesmo querendo colocar as mãos em ti
desde o maldito rapto que me arrumaste!
MATIAS CÃO
Calma, que o rapto agora é pra um homem é rico, fazendeiro e mão aberta.
ARISTÓBULO
E está tão carecido de casar que qualquer mulher serve?
BORACÉIA
Que quiseste dizer?
MATIAS CÃO
(CONTEMPORIZANDO) Que se a senhora não quiser outra vai querer!
BORACÉIA
Ái, Matias, que se isto for mais uma das suas eu arranco
os pelos de tua barba com alicate!
MATIAS CÃO
Eu não tenho barba.
BORACÉIA
Pois procuro os pelos em outro lugar!
MATIAS CÃO
Ái!
BORACÉIA
Vamos com isso!
MATIAS CÃO
(APRESENTANDO-LHE UM SACO) Queira, por favor, entrar no saco, dona sequestrada! (BORACÉIA ENTRA NO
SACO E ELES A CARREGAM ATÉ O MEIO DO PALCO.)
Daqui prá frente é contigo. Não arrisco um pêlo no resultado desta história. (DEIXA O SACO CAIR E FOGE.)
80
BORACÉIA
Ai, desgraçados!
EURICLENES
(SAINDO DE SEU ACABRUNHAMENTO) Que é isso,
major?
ARISTÓBULO
É um presente, uma coisa! (CORRE)
EURICLENES
Onde vai, major?
ARISTÓBULO
Prá Buíque se a coisa não der certo! (SAI)
BORACÉIA
(DE DENTRO DO SACO) Tirem-me daqui ou quebro o
pescoço de um! (EURICLENES A LIBERTA DO SACO)
Cretinos! E quem é tu, pedaço de animal!
EURICLENES
Sou um general, recruta!
BORACÉIA
General ou não vais levar uma...
EURICLENES
Silêncio! Perfile-se!
BORACÉIA
Nunca ninguém gritou comigo!
EURICLENES
Então nunca encontrou um general!
BORACÉIA
És sempre assim violento?
EURICLENES
Um general não afrouxa!
BORACÉIA
Isto é um homem! Capaz até que me vença no braço de
ferro!
EURICLENES
Posso fazer uma pergunta pessoal?
BORACÉIA
Desembucha!
EURICLENES
Não sei falar bonito e sou direto: gosta de militar?
BORACÉIA
Adoro! Só não servi o exército por excesso de contigente.
Tentei CPOR mas os florzinhas acharam que eu não tinha
hormônio masculino suficiente!
EURICLENES
Não vou dizer que te amo!
BORACÉIA
E muito menos eu! Sou lá mulher dessas frescuras?
EURICLENES
Quer ser minha parceira de armas? Lutar na batalha da
vida até tombar heroicamente a meu lado?
81
BORACÉIA
(SENSUAL)Mas deixa-te de poesia e venha
provar-me se és tão violento quanto dizes! (ARRASTA-O
PARA FORA)
CENA 17 - TUDO VAI BEM QUANDO TERMINA BEM
(ENTRAM MATEÚSA E ROSAURA)
ROSAURA
Eu não quero, Mateúsa!
MATEÚSA
Quer sim, eu te conheço! Ocê vai lá e conversa com ele.
ROSAURA
Mas nem morta! (ENTRA FABRÍCIO E MATIAS DO OUTRO LADO.)
MATEÚSA
Mas que teimosia de vocês dois!
FABRÍCIO
Não vai adiantar, Matias! Devolve o dinheiro que eu te dei!
MATIAS CÃO
Calma, seu Fabrício. A Mateúsa ficou de convencer a Rosaura!
FABRÍCIO
(ALTO)Aquela mulher é geniosa, pior que mula!
ROSAURA
(ALTO)Estou ouvindo um cavalo relinchando!
FABRÍCIO
O que foi?
ROSAURA
Desculpa, me enganei. Era só uma besta!
MATEÚSA
Mas deixem de ser burros! Ocês nasceram pra comer no
mesmo cocho, prá trotar no mesmo pasto, prá cavalgar
lado a lado sob a lua! (ENTRA TEITÉ EXAUSTO E ESFARRAPADO.)
JOÃO TEITÉ
Não me falem em cavalo, por caridade! Que maldade
Mateúsa! Ocê quase me mata, desgraçada! Mineiro não
tem solidariedade nem com outro mineiro!
MATIAS CÃO
Conseguiu se livrar do cavalo?
JOÃO TEITÉ
A que custo, Matias! Eu nem conto o meu desespero! Eu
fugi dois dias e três noites do desgraçado! Cruzei o ABC,
fui parar em Francisco Morato, passei em Campo Limpo,
82
fugi para São Roque e o demônio atrás de
mim, rinchando de amor, com a língua de fora e os olhos
faiscando de paixão! (OS OUTROS RIEM) Não ri, condenados! E se ele me pega? Ocês já imaginaram? Ocês já
viram o tamanho da ferramenta de um bicho desses? Eu
verto lágrimas só de pensar! Eu rezei prá não cair de bruço e perder meu resto de dignidade!
MATEÚSA
Ocê mexeu com fogo, agradeça de ter saído só sapecado!
JOÃO TEITÉ
Ocês não sabem o que foi! Só no segundo dia quando obrou o anel é que o maldito cavalo me deixou em paz!
MATEÚSA
E que de o anel?
JOÃO TEITÉ
Está aqui o anel e o escapulário com a oração da Tia Beralda. Eu eu não quero mais saber desses feitiço. (MATEÚSA E MATIAS TROCAM GESTOS E OLHARES.)
MATEÚSA
(PARA ROSAURA E FABRÍCIO) Ocês tentem se entender enquanto eu vou resolver uma coisa ali com o Teité!
(ROSAURA E FABRÍCIO OLHAM-SE E VIRAM-SE DE
COSTAS. A TEITÉ.) Se ocê não quer mais isso, ocê podia dar prá gente.
JOÃO TEITÉ
Também não é assim! Eu posso vender.
MATIAS CÃO
E por quanto?
JOÃO TEITÉ
Por dois mil!
MATIAS CÃO
Dou duzentos, dez tíquete-restaurante e vinte passe de
ônibus!
JOÃO TEITÉ
Negócio fechado! (PEGA O PAGAMENTO E ENTREGA
O ESCAPULÁRIO E O ANEL. MATEÚSA E MATIAS VÃO
POR TRÁS E COLOCAM O ANEL E ROSAURA E O ESPULÁRIO EM FABRÍCIO.)
MATEÚSA
Pronto! Agora ocês estão sob o poder do anel!
FABRÍCIO
Rosaura!
ROSAURA
Fabrício!
83
FABRÍCIO
Perdoa as minhas palavras perversas e a rudeza de minha ação. Mas, às vezes, a dureza das pedras
é maneira inversa com que fala o coração!
ROSAURA
O meu desdém e meu desprezo era só a forma de iludir e
manter preso o sentimento que queria voar em sua direção! (APROXIMAM-SE E ABRAÇAM-SE)
MATEÚSA
Que maravilha o poder do anel!
MATIAS CÃO
Isso vale uma fortuna! E o Teité vendeu de graça!
JOÃO TEITÉ
De graça, é? Essa porcaria já perdeu o poder faz cinco
horas! Esses dois só queriam razão prá se amasiar!
MATIAS CÃO
Meu dinheiro!
JOÃO TEITÉ
Gato comeu, bobão! (SAI. MATIAS FAZ MENÇÃO DE IR
ATRÁS.)
MATEÚSA
Deixa, Matias. Com poder ou sem poder o anel serviu para o que a gente queria! (ROSAURA E FABRÍCIO QUE
ESTAVAM QUASE SE BEIJANDO VIRAM-SE DE COSTAS.)
ROSAURA
A culpa é sua, Mateúsa, por eu passar esse ridículo!
FABRÍCIO
Eu não aguento mais essa situação!
MATEÚSA
Vão começar outra vez!
ROSAURA
Porta da rua é serventia da casa!
FABRÍCIO
(AGARRANDO ROSAURA PUXANDO PARA SI E A BEIJA. FALA PARA O PÚBLICO) Viram como eu amansei a
fera?
ROSAURA
(IDEM) Viram como eu deixei que ele pensasse que me
amansou?
MATEÚSA
Enfim tiraram o carro do atoleiro!
ROSAURA
Traição com traição se paga! Matias, a Mateúsa se derreteu quando você a beijou!
MATEÚSA
Prima!
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FABRÍCIO
E o Matias, então? Tudo que ele quer na vida
é um segundo beijo!
MATIAS CÃO
E um terceiro, um quarto, um arroxo, um amasso e assim
por diante...
MATEÚSA
Pois que fique esperando se quiser! (VAI EM DIREÇÃO À
SAIDA. PARA E COMPLETA SEM SE VIRAR.) Mas se
não quiser, vem atrás de mim, sua besta! (SAI. MATIAS
VAI ATRÁS. ENTRA MÚSICA E MATIAS, MATEÚSA E
OS OUTROS PERSONAGENS VOLTAM AO PALCO
DANÇANDO. MÚSICA CESSA.)
ROSAURA
Onde está o meu pai?
MANÉ MARRUÁ
(ENTRANDO COMPLETAMENTE BÊBADO) Estou cá! E
tenho a imensa satisfação de anunciar que fiz meu testamento e leguei todos os meus bens ao meu querido sócio
e amigo João Teité! (TEITÉ ENTRA DO OUTRO LADO.)
JOÃO TEITÉ
Velho burro! Isso era segredo só prá ser revelado depois
de sua morte, imbecil! (TODOS SAEM ATRÁS DE TEITÉ.)
FIM
Qualquer utilização deste texto, parcial ou total,
deve ter a autorização do autor:
Luis Alberto de Abreu
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O ANEL DE MAGALÃO - Encontros de Dramaturgia