Toque de Reunir (Solano Trindade*).
Vinde irmãos macumbeiros
Espíritas, Católicos, Ateus.
Vinde todos brasileiros.
Para a grande reunião.
Para combater a fome
Que mata nossa nação.
Vinde Maria Pulcheria
João de Deus, José Maria
Anicacio. Zé Pretinho
Para a grande reunião
Para combater a malária
Que mata nossa nação
Vinde trapeiro, pedreiro,
Lavrador, arrumadeira,
Caixeiro, funcionário.
Combater a tuberculose
Que mata nossa nação.
Vinde irmãos sambistas.
Da favela, da Mangueira.
Do Salgueiro, Estácio de Sá.
Para a grande reunião.
Combater o analfabetismo
Que manta a nossa nação.
Vinde poetas, pintores,
Engenheiros, escritores.
Negociantes e médicos.
Para a grande reunião
Combater o fascismo
Que mata a nossa nação.
*(Poemas Antológicos. pp. 90-91) Seleção e introdução Zenir Campos Reis. São Paulo, Nova
Alexandria, 2007 – série Apoio ao Saber – FDE-Fundação para o Desenvolvimento da Educação.
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.)
No mês de junho de 1947 – a família de Zulmira se muda para uma casa nova. Diferente da que
estava acostumada; localizada num bairro com menos saneamento. A família enfrenta
dificuldades... o melhor é se mudar e construir uma casinha num terreno de herança, adquirido
pela família em 1924.
- Com 10 anos, então, tomei consciência da vida – diz Zulmira. Percebi as dificuldades, as
necessidades sociais... e da família.
Após a Guerra motivada por intolerâncias étnicas, além dos fatores políticos e
econômicos, o Brasil – e o novo mundo que despontava – procurou exorcizar seus
fantasmas, o discurso da integração tomou um impulso nunca antes visto.
Figuras de proa no universo negro despontam e se mantem atuantes pelos 30
anos seguintes, pelo menos. Suas criações são importantes não só no universo
vivenciado pelos afrodescendentes, mas também se tornaram referências para grande
parte da população brasileira.
Solano Trindade (1908-1974) e Abdias do Nascimento (1914-2011), avançando
por dificuldades e despertando criatividades, são produtos e produtores da cultura
daquele período.
TEN – Teatro Experimental do Negro foi fundado em 1944, no Rio de Janeiro,
por Abdias do Nascimento e tornou-se uma referência. Atores que começaram lá (como
Léa Garcia e Haroldo Costa) com o tempo migraram para a televisão – que havia
inaugurado suas atividades no Brasil em 1950 – e se deram muito bem no cinema (como
Ruth de Souza, premiada internacionalmente).
Nos anos seguintes, as referências imagéticas já eram possíveis – embora os
papéis ainda fossem discutíveis (empregados domésticos, escravizados, marginais em
alguns casos...), eram considerados, sem sombra de dúvidas, bons atores. Anos 50 em
diante, o cinema ligado à musica se torna característica da filmografia popular brasileira
através das chanchadas da Atlântida fez despontar cantores e comediantes que
conseguiram destaque, como Grande Otelo – embora sempre coadjuvante e nunca
protagonista.
Nas décadas seguintes, produções ligadas ao Cinema Novo e dele derivados, já
permitiam a maior visibilidade política para a questão negra: Ganga Zumba, com
Antonio Pitanga (1963); Quilombo, com Zezé Motta e Tony Tornado (1984).
No cenário internacional, Zulmira e outros espectadores perceberam que muito
mais havia além de John Wayne e os brancos de sempre: em 1963, Sidney Poitier se
tornou o primeiro negro a receber um Oscar de ator principal pelo filme Uma Voz nas
Sombras (Lilies of the Field) e continuou fazendo sucesso com Ao mestre com
carinho (To sir, with love, 1966) e Adivinhe quem vem para jantar (Guess Who's
Coming to Dinner, 1967).
O mundo pop era aquecido por The Supremes – grupo vocal feminino que,
atuante entre 1960 e 1977, contou com Diana Ross em uma de suas formações e ganhou
versão brasileira na década de 90 com as atrizes-cantoras negras Isabel Fillardis, Karla
Prietto e Lílian Valeska; The Jackson Five (hit entre os anos 70 e 80) que alavancou a
carreira de Michael Jackson – até hoje, cinco anos após sua morte, ainda o Rei do Pop.
Os Festivais de Canção, que estiveram em voga nos anos 60 e 70 elevaram
cantores e letras mais próximos do universo popular brasileiro: Jair Rodrigues cantou
Disparada, em 1966; Gilberto Gil, acompanhado dos Mutantes, cantou Domingo no
Parque, em 1967 – ambos no Festival da Rede Record. No Festival Internacional da
Canção (FIC – da TV Rio e Rede Globo), ficaram famosas as intepretações de Milton
Nascimento que cantou Travessia, em 1967; o apoio que Os Golden Boys deram a Beth
Carvalho que cantou Andança, em 1968; além de Evinha que, em 1969, interpretou
Cantiga por Luciana e de Tony Tornado e o Trio Ternura que defenderam BR-3 no
ano de 1970.
Lembremos também, no FIC de 1972, a intepretação do Trio Ternura para
Karany Karanuê que conquistou o 2º. lugar! (colocar link...
Não consegui a letra nem imagens das meninas cantando).
http://youtu.be/bSPbaraEGXM
Assim o tempo passou... cresceu Zulmira. A consciência da situação da família não
significava, necessariamente, consciência e ser negra e de pertencimento a um grupo social
específico, diferenciado.
- Naqueles tempos, diz, não sabia identificar o racismo. E o racismo aparecia
constantemente disfarçado... em palavras, em frases: “cidadã de cor”, diziam. Antes ficávamos
felizes ao ouvir dizerem que era uma “negra de alma branca”. Ninguém questionava e ainda
achava bom, fazia pensar que estávamos participando da sociedade de uma forma correta.
Estávamos sendo aceitos. O negro tinha alma a partir da evangelização dos brancos... antes
disso não. O negro não era considerado nem gente!
Zulmira crescia, desenhava e observava o mundo... a sociedade que crescia em volta
dela enquanto ela desenvolvia sua capacidade de entende-lo:
- Na década de 40 havia dois tipos de bondes: o camarão – bonde fechado – era mais
caro (uns 20 réis); a tarifa do bonde aberto era metade do preço... as famílias pobres, os
negros, pegavam esse.
Zulmira sempre quis ir à Faculdade, mas nunca conseguiu. Se casou no ano de 1962 e
os filhos vieram: em 1963 nasceu Rosangela e, em 1966, o Billy/Antonio Carlos. Cuidar de
casa e dos filhos, além do trabalho como funcionária pública acabaram tomando todo o tempo
de Zulmira.
Referências:
TRINDADE, Solano. Poemas Antológicos. (Seleção e introdução de Z. C. Reis). São Paulo, Nova
Alexandria, 2007.
http://youtu.be/bSPbaraEGXM
LOPES, Nei. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo, Selo Negro,
2004.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Variações sobre a técnica de gravador no
registro da informação viva. São Paulo, T.A. Queirós, 1991.
Download

Toque de Reunir (Solano Trindade*). Vinde irmãos macumbeiros