UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
VALE DA BÊNÇÃO: UM ESTUDO DE CASO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL
Por
Sergio Bezerra da Silva
São Paulo
Julho 2012
SERGIO BEZERRA DA SILVA
VALE DA BÊNÇÃO: UM ESTUDO DE CASO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL
Dissertação apresentada em cumprimento às
exigências do Programa
de Pós-Graduação
em Ciências
da
Religião da Universidade Presbiteriana
Mackenzie para a obtenção do grau de
Mestre.
São Paulo
Julho 2012
SERGIO BEZERRA DA SILVA
VALE DA BÊNÇÃO: UM ESTUDO DE CASO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL
Dissertação apresentada em cumprimento às
exigências do Programa
de Pós-Graduação
em Ciências
da
Religião da Universidade Presbiteriana
Mackenzie para a obtenção do grau de
Mestre.
Aprovada em __/__/__
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Bitun
Universidade Presbiteriana Mackenzie (Orientador)
________________________________________________________
Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira
Universidade Presbiteriana Mackenzie
_____________________________________________________
Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera
Universidade Metodista de São Paulo
A Deus, que tem guiado meus passos e sustentado minha família.
À minha esposa, Evanilde Muniz Silva, companheira fiel e mulher de virtude que tem incentivado e colaborado para o meu crescimento nos
estudos.
A Murilo Muniz Bezerra da Silva
e Gabriela
Muniz Silva, pérolas que Deus confiou a mim
como filhos, pela paciência nas minhas ausências.
Aos meus pais Ramiro Bezerra da Silva e
Maria Quitéria da Conceição, pelo amor e carinho.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Presbiteriana Mackenzie, pelo apoio.
Ao MACKPESQUISA, pela subvenção concedida através de bolsa,
fundamental para o desenvolvimento e término dessa pesquisa.
Aos professores da Escola Superior de Teologia e do Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Religião, turma do segundo semestre de 2010,
pela amizade e carinho.
Ao Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira e ao Prof. Dr. Dario Paulo
Barrera Rivera, pelas valiosas contribuições e que muito me honram por
participarem na banca de avaliação.
Ao Geraldo G. Azevedo, secretário da Escola Superior de Teologia,
pela dedicação e carinho durante estes preciosos anos em que estivemos
juntos. Um amigo e irmão em Cristo.
À Dagmar Dollinger, secretária do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião, pela amizade e consideração, sempre disposta a orientar
nas dificuldades.
À Rosenilda Rocha, pelo carinho e concessão de material para nossa
pesquisa.
A todos os adolescentes, responsáveis, líderes religiosos e outros
atores sociais entrevistados, sem os quais não seria possível desenvolver esta
pesquisa.
A todos os funcionários do Vale da Bênção que tão bondosamente se
dispuseram a participar deste projeto, meu muito obrigado.
Ao pastor Jonathan Ferreira, pelo tempo que pudemos estar juntos,
que muito me ensinou.
Em
especial
ao Prof. Dr. Ricardo Bitun, pela
sua
contribuição
imensurável para o término desta pesquisa, orientador que se tornou amigo e
irmão em Cristo.
Cantai ao Senhor um cântico novo, porque ele tem feito
maravilhas; a sua destra e o seu braço santo lhe alcançaram a vitória. O Senhor fez notória a sua salvação, manifestou a sua justiça perante os olhos das nações. Lembrou-se da sua misericórdia e da sua fidelidade para com
a casa de Israel; todos os confins da terra viram a salvação do nosso Deus. Celebrai com júbilo ao Senhor todos
os confins da terra; aclamai, regozijai-vos e cantai louvores. Cantai com harpa louvores ao Senhor, com harpa e
voz de canto; com trombetas e ao som de buzinas, exultai
perante o Senhor, que é rei. Ruja o mar e a sua plenitude,
o mundo e os que nele habitam.
Salmo 98.1-7
RESUMO
Esta pesquisa tem como propósito refletir a influência do sagrado na
transformação social de crianças e adolescentes em situação de risco social,
oriundas da destituição provisória ou definitiva por parte da Justiça ou Conselho Tutelar, na Cidade da Criança, um dos projetos da AEBVB (Associação
Educacional e Beneficente Vale da Bênção), localizado no município de
Araçariguama, Estado de São Paulo, Brasil.
No primeiro momento apresentamos a história da fundação da AEBVB
e de seus fundadores, no contexto evangélico brasileiro, com projetos, ações,
estrutura e seu reconhecimento perante autoridades e sociedade civil.
Em seguida, buscou-se analisar o trabalho realizado especificamente
na Cidade da Criança, com a apresentação de propostas de trabalho, atividades e resultados esperados. Os depoimentos foram analisados através de entrevistas semiestruturadas.
Em um terceiro momento, são abordados o conceito de sagrado, a vivência no cotidiano das crianças e adolescentes no Vale da Bênção e sua influência na formação epistemológica transformando a criança e adolescente
em um cidadão consciente através de uma cosmovisão cristã, resgatando valores familiar, ético e moral. Esta reflexão parte de sua história e proposta de trabalho, das atividades na Cidade da Criança, dos resultados, e através de entrevistas com internos e funcionários a influência do sagrado no cotidiano e na
formação da criança, bem como a socialização do adolescente.
Finalmente, através da análise de resultados, pode-se confirmar a
influência da religião na transformação de crianças e adolescentes em situação
de risco social, resgatando valores morais, éticos e familiares e minimizando a
possibilidade de marginalização.
Palavras-chave: Vale da Bênção, Religião, Crianças e Adolescentes, Risco
Social.
ABSTRACT
This research is intended to reflect the influence of the Sacred in the
social transformation of children and adolescents in social risk arising from the
temporary or permanent removal of Justice or by the Guardian Council held in
the City of the Child, a project of AEBVB (Valley of Blessing), located in the municipality of Araçariguama, state of São Paulo, Brazil.
At first we present the story of the founding of the Evangelical Association BENIFICENTE VALLEY OF BLESSING and its founders, placing his membership in the Evangelical Brazilian context, presenting projects, activities,
structure and recognition by authorities and civil society.
The second aim was to analyze the work done specifically in the City of
the Child, which presented a proposal of work, activities, expected results and
through semi-structured interviews can analyze the evidence.
In third place are addressed concepts of Sacred, in the daily lives of
children and adolescents in the Valley of Blessing and its influence on epistemological formation transforming children and adolescents in a national consciousness through a Christian worldview, restoring family values, ethics and
morality. This reflection part of its history and work proposal, the activities of the
Child in the City, results, and through interviews with internal staff and the influence of the Sacred in everyday life and training of the child, as well as the socialization of adolescents.
Finally, through the analysis of results can confirm the influence of religion in the transformation of children and adolescents at risk of social redeeming values, moral, ethical, family, whipping a possible marginalization.
Keywords: Valley of Blessing, Religion, Children and Adolescents, Social Risk.
RESUMEN
Esta investigación tiene por objeto reflejar la influencia de lo sagrado en la
transformación social de los niños, niñas y adolescentes en riesgo social derivados
de la retirada temporal o permanente de Justicia o por el Consejo de Guardianes,
celebrada en la Ciudad de los Niños, un proyecto de AEBVB (Valle de Bendición ),
ubicado en el municipio de Araçariguama, estado de São Paulo, Brasil.
En un primer momento se presenta la historia de la fundación de la
Asociación Evangélica VALLE DE BENDICIÓN BENIFICENTE y sus fundadores, la colocación de su pertenencia en el contexto evangélico brasileño, la presentación de proyectos, actividades, estructura y reconocimiento de las autoridades y la sociedad civil.
El segundo objetivo fue analizar el trabajo realizado específicamente en
la Ciudad del Niño, que presentó una propuesta de trabajo, actividades, resultados esperados y por medio de entrevistas semi-estructuradas pueden analizar las pruebas.
En tercer lugar se abordan los conceptos de la Sagrada, en la vida cotidiana de los niños, niñas y adolescentes en el Valle de Bendición y su influencia en la formación epistemológica transformar a los niños y adolescentes de
una conciencia nacional a través de una visión cristiana del mundo, la restauración de los valores familiares, la ética y la moral. Esta parte reflejo de su historia y su propuesta de trabajo, las actividades del Niño en la Ciudad, los resultados, ya través de entrevistas con el personal interno y la influencia de lo sagrado en la vida cotidiana y la formación del niño, así como la socialización de los
adolescentes.
Por último, a través del análisis de los resultados puede confirmar la influencia de la religión en la transformación de los niños, niñas y adolescentes
en riesgo de canje de valores sociales, morales, éticos de la familia, para batir
un posible marginación.
Palabras clave: Valle de Bendición, de la religión, la Niñez y la Adolescencia,
Riesgo Social.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 1
1 VALE DA BÊNÇÃO: HISTÓRIA, PROJETOS E AÇÕES .......................... 6
1.1 História ...................................................................................... 12
1.2 Fundamentos ............................................................................. 16
1.3 Projetos ..................................................................................... 17
1.3.1 Programa de apoio à família ...................................... 17
1.3.2 Liberdade assistida .................................................... 17
1.3.3 Colégio Vale da Bênção............................................. 17
1.3.4 Cidade da Criança ..................................................... 18
1.3.5 Casa Nova Vida ......................................................... 18
1.3.6 Creche Gotinhas de Vida ........................................... 18
1.3.7 Centro Comunitário Vou Vencer ................................ 19
1.4 Administração ............................................................................ 19
1.4.1 Diretoria ..................................................................... 19
1.4.2 Conselho Fiscal.......................................................... 20
1.5 Ações......................................................................................... 20
1.5.1 Área religiosa ............................................................. 20
1.5.2 Área social ................................................................. 20
1.5.3 Área de saúde ............................................................ 21
1.6 Indicadores ................................................................................ 21
1.6.1 Atendimento ............................................................... 21
1.6.2 Receita ....................................................................... 22
1.7 Reconhecimento ........................................................................ 23
1.7.1 Inscrições e títulos ..................................................... 23
1.7.2 Prêmios e certificados ................................................ 24
1.7.3 Amigos e parceiros .................................................... 24
2 CIDADE DA CRIANÇA .............................................................................. 26
2.1 Propostas de Trabalho .............................................................. 26
2.1.1 Visão .......................................................................... 26
2.1.2 Missão........................................................................ 27
2.1.3 Valores ....................................................................... 27
2.2 Atividades ..................................................................... 31
2.2.1 Triagem ...................................................................... 33
2.2.2 Rotina......................................................................... 34
2.3 Resultados Esperados............................................................... 36
2.3.1 O abrigo ..................................................................... 37
2.3.2 A socialização ............................................................ 39
2.3.3 Depoimentos de funcionários ..................................... 44
2.4 Entrevistas ................................................................................. 45
2.4.1 Aspectos metodológicos ............................................ 45
2.4.2 Depoimentos de abrigados e ex-abrigados................ 46
2.4.3 Estrutura da Cidade da Criança ................................. 51
2.5 Análise ....................................................................................... 53
3 O PAPEL DA RELIGIÃO ........................................................................... 55
3.1 Religião ...................................................................................... 55
3.2 Igreja.......................................................................................... 59
3.2.1 A igreja – conceito...................................................... 59
3.2.2 A missão da igreja...................................................... 63
3.2.3 Religião e comportamento ......................................... 66
3.2.4 Religião e responsabilidade social ............................. 70
3.3 Análises dos Resultados ........................................................... 75
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 77
5 REFERÊNCIAS ......................................................................................... 79
ANEXOS ...................................................................................................... 85
1
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa reflete sobre a violência contra crianças e adolescentes,
delimitada ao trabalho realizado pelo Vale da Bênção no cotidiano de crianças
e adolescentes em situação de risco social.
A partir da temática apresentada, o objetivo geral é pesquisar o projeto
social desenvolvido no Vale da Bênção, tendo como objetivo específico a partir
da compreensão do contexto social, a contribuição da religião no processo de
socialização desenvolvido na Cidade da Criança, um dos projetos do Vale da
Bênção destinado a crianças vítimas de violência. Tendo as questões apresentadas em nosso objeto específico como referência, reflete-se sobre a importância e o papel da religião dentro dos contextos social, familiar e público. Trabalha-se a hipótese da inferência da religião como agente social a serviço do
Estado por meio de conceitos ideológicos e históricos, da ética e da moral, contribuindo para a formação direta do cidadão.
Nesse contexto, busca-se o entendimento da religião, que, através dos
séculos, tem sido objeto de estudos científicos que visam explicar e esclarecer
qual sua função em uma sociedade. A igreja primitiva tinha como objetivo propagar o evangelho e cuidar dos necessitados, levando assistência espiritual,
familiar, médica e ensino. Contudo, ocupava o lugar do Estado, ou seja, a igreja se tornou o próprio Estado. A partir do iluminismo, 1 o Estado passa a ser laico, tendo a igreja governo próprio, sem interferência do Estado, e vice-versa.
Porém, no contexto brasileiro, o Estado, mesmo que de forma indireta, é dependente da religião, uma vez que se observa a importância da igreja nas ações sociais que deveriam ser desenvolvidas pelo Estado, promovendo uma
simbiose, uma dialética entre religião e Estado, entre o sagrado e o profano.
1
Era do Iluminismo ou Era da Razão (movimento cultural de elite de intelectuais do século
XVIII na Europa, mobilizou o poder da razão, a fim de reformar a sociedade e o
conhecimento prévio. Priorizou a razão e foi contra a intolerância e os abusos da Igreja e do
Estado. Iniciou com os filósofos Baruch Spinoza (1632-1677), John Locke (1632-1704),
Pierre Bayle (1647-1706) e pelo matemático Isaac Newton (1643-1727), tendo a França
como o centro desse movimento (http://www.historiamais.com/iluminismo.htm)
2
(CIPRIANI, 2007, p. 97). Durkhein (1973, p. 53) comenta que “os dois gêneros
não podem se avizinhar e conservar ao mesmo tempo a respectiva natureza”.
Esta pesquisa trabalha a práxis da religião por meio de assistência espiritual, educacional, psicológica, ética, moral, filosófica, afetiva, social e material
em substituição ao Estado, que passa a figurar meramente como agente gestor
e fomentador das ações. Contudo, discussões a respeito da validade da ingerência da religião em áreas públicas são constantes, principalmente pelos organismos de educação do Estado, nos quais a discussão gira em torno do proselitismo de uma única religião, por ser os cristãos a maioria de confessos, tirando a
liberdade de escolha individual de prática e fé do indivíduo contrariando o status
laico. Mas não é consenso , uma vez que alguns gestores do ensino público sugerem a religião como matéria obrigatória no currículo escolar, por entendê-la
como fio condutor da ética e da moral. Nesse contexto, coadunamos com essa
ideia, eliminando a possibilidade da dissociação da religião cristã na formação
ética e moral, por demonstrar através da história ser um instrumento eficaz na
formação de pensamento e cosmovisão.
Portanto, a AEBVB não só reflete a indissociabilidade e a relação mútua entre religião, ética, moral e sociedade, contribuindo para a formação do
cidadão, corroborando para o resgate e para a socialização do indivíduo em
situação de risco, mas também a relevância do ensino religioso para a formação da criança nas escolas de ensino público e privado.
A aproximação da religião com o Estado não visa questionar ou negar
o status laico do país, no entanto, enfatiza-se que o pensamento e a cosmovisão cristã apresentados nesta pesquisa alinham uma práxis pedagógica que
contempla o conhecimento científico e valoriza o indivíduo e suas características morais e éticas, trabalhando com o ser humano todo, conforme o Pacto de
Lausanne.
A metodologia de pesquisa envolve pesquisa bibliográfica e pesquisa
de campo. A pesquisa bibliográfica possibilitou o levantamento de informações
sobre perfil socioeconômico e conceituação do sagrado. Na pesquisa de campo foram utilizadas entrevistas com líderes, funcionários, diretores, fundadores
e abrigados do Vale da Bênção. Utilizou-se o método semi-estruturado como
modelo de coleta de dados, possibilitando avaliar o fenômeno religioso e social
que envolve a instituição.
3
A pesquisa foi dividida em três capítulos: no primeiro capítulo, trabalhase a história da instituição, e, através de entrevistas com seus diretores fundadores, podem-se extrair elementos para compreensão do cotidiano. A pesquisa
bibliográfica possibilita analisar os projetos desenvolvidos, seus resultados e o
reconhecimento perante a sociedade civil e governamental. Dados estatísticos
contribuem para situar a instituição no contexto das ONGs brasileiras.
No segundo capítulo é feita uma análise da Cidade da Criança, projeto
destinado a crianças e adolescentes em situação de risco social. O referencial
teórico utilizado é a obra de Peter Berger O Dossel Sagrado, e entrevistas e
depoimentos de funcionários e abrigados possibilitam analisar todos os aspectos do Vale da Bênção na tarefa de abrigar, educar e formar um cidadão pronto
para o convívio em sociedade. Foram abordados seus valores, missão e visão,
o que permite refletir sobre a cosmovisão que é eixo condutor da instituição.
Através da pesquisa de campo observaram-se o cotidiano no processo de socialização dos abrigados e a estrutura disposta para o alcance de seus objetivos. Por último, depoimentos de abrigados e funcionários demonstram a influência do sagrado no cotidiano da instituição.
No terceiro capítulo, busca-se refletir o papel da religião no contexto do
Vale da Bênção, a partir de Mircea Eliade, em O sagrado e o profano, e de
Rudolf Otto, em O sagrado, cujas respostas contribuem para definir a ideia de
sagrado e sua relevância na sociedade. Uma vez que se trata de uma instituição evangélica, o exercício da educação por princípios cristãos é o fio condutor
para uma experiência com o sagrado. Buscou-se definir o conceito de igreja e
sua missão, e o papel da religião no contexto da responsabilidade social.
Para isso, foram consultados alguns teóricos: Antonio Ávila, com sua
obra Para conhecer a psicologia da religião, e Alderi Matos, para compreensão
da perspectiva calvinista de educação, uma vez que seus fundadores têm raízes em princípios calvinistas. Por fim, foi feita a análise dos resultados da pesquisa, confirmando a hipótese de que a religião tem contribuído para a formação e a socialização de crianças e adolescentes em situação de risco social,
resgatando valores familiares e gerando cidadãos conscientes..
O trabalho realizado pela AEBVB traz em seu escopo uma práxis cristã
em um espaço público, com apoio do Estado. De fato, as igrejas desfrutam de
4
forte proximidade com a sociedade, desburocratizando o sistema e permitindo
uma resposta eficaz às necessidades sociais, o que viabiliza ações públicas.
Segundo Netto (1999), “com a privatização da política de assistência a
prestação desta é transferida para a alçada da sociedade civil, contribuindo
para a construção de redes de proteção social ou de solidariedade social”.
Behring (2003) diz que esta ação serve na verdade para ocultar as relações
contraditórias e antagônicas do sistema capitalista.
Para Montaño (2002), essas parcerias representam a não responsabilização do Estado no trato da questão social, que transfere para as organizações do terceiro setor suas responsabilidades.
Para Soares (2000), “neste contexto ocorre um retorno à família e às
organizações sem fins lucrativos, ONGs e organizações filantrópicas, as quais
se posicionam como agentes do bem-estar, passando a substituir o Estado na
execução das políticas públicas”.
As instituições ligadas à religião merecem reconhecimento, credibilidade e prestigio no contexto das ONGs no Brasil, como podemos verificar no
quadro apresentando no primeiro capítulo, formulado pelo IBGE.
Segundo
Carvalho (1997),
[...] diante do contexto de precarização das políticas públicas sociais, as entidades religiosas passam a se envolver no enfrentamento da questão social [...] compõem o projeto de reprodução
social das famílias empobrecidas [...] a igreja se faz presente no
cotidiano de muitas famílias e comunidades, sendo a instituição
com maior credibilidade para a população fragilizada.
Nesse contexto, se vê com objetividade a atuação da igreja em substituição às ações do Estado, que transfere suas obrigações mediante parcerias e
associações.
O Estado entra em simbiose com a igreja para suprir as necessidades
assistenciais, legitimando o trabalho da AEBVB, reforçando a necessidade da
presença da religião na construção educacional e social do cidadão. Entendemos dessa forma, esta pesquisa produz relevante contribuição social e acadêmica, por refletir fatos reais da sociedade gerando dados para a comunidade
acadêmica. A pesquisa bibliográfica e as entrevistas semiestruturadas procuram extrair de fatos históricos dados que enriqueçam este trabalho, não se es-
5
gotando aqui o assunto, uma vez que este merece tempo maior para o desenvolvimento, trazendo o desafio para pesquisas futuras.
O propósito do pesquisador é propiciar uma reflexão sobre a possibilidade de reverter um quadro de risco social por meio de atitudes que atinjam
crianças e adolescentes de forma integral, ou seja, material e espiritual, propiciando uma transformação social que garanta pleno exercício da cidadania.
Levar educadores e órgãos gestores de políticas públicas a enxergarem a religião como parceira na construção familiar e na geração de um ambiente de paz
e respeito mútuo, reduzindo a violência nas escolas e a marginalização do indivíduo e da família.
6
1 VALE DA BÊNÇÃO: HISTÓRIA, PROJETOS E AÇÕES
Nascido com o desejo de apoiar e dar assistência a crianças vítimas de
violência e abandono, a Associação Educacional e Beneficente Vale da Bênção
(AEBVB), ou simplesmente Vale da Bênção, tornou-se exemplo e um marco
nas organizações não governamentais, obtendo reconhecimento nas esferas
pública e privada. O trabalho realizado pela instituição procura ao longo do
tempo assistir a infância e a adolescência, bem como seus familiares, inserindo-se no terceiro setor. As organizações não governamentais (ONGs) classificadas como terceiro setor são movimentos sem fins lucrativos que visam suprir
as necessidades humanas e ambientais em prol da melhoria da qualidade de
vida, somando esforços com governos, empresas e pessoas físicas.
Encontramos no portal www.filantropia.org a seguinte redação:
O primeiro setor é o governo, que é responsável pelas questões sociais. O segundo setor é o privado, responsável pelas
questões individuais. Com a falência do Estado, o setor privado
começou a ajudar nas questões sociais, através das inúmeras
instituições que compõem o chamado terceiro setor. Ou seja, o
terceiro setor é constituído por organizações sem fins lucrativos
e não governamentais, que têm como objetivo gerar serviços
de caráter público.
Delgado (2001, p. 93) comenta: “as ações do ‘terceiro setor’ objetivam
possibilitar a satisfação das necessidades humanas e a melhoria da qualidade
de vida dos cidadãos”. Dessa forma, a instituição se apresenta como entidade
sem fins lucrativos, a fim de promover o bem-estar social, visando através de
sua ação reduzir as desigualdades sociais. Por isso se faz necessária a aproximação do Estado e das ONGs para que juntos possam transformar teorias
em ações que resultem na transformação do indivíduo.
Porém, a aproximação de Estado e ONGs ligadas à religião perpassa o
conceito de Estado laico, pois uma instituição confessional traz consigo uma
cosmovisão construída a partir de princípios e ética fundamentados na religião.
A AEBVB procura ao longo de duas décadas socializar crianças e adolescentes
vítimas de violência e seus familiares por meio de uma cosmovisão cristã, auxiliando o Estado. Faz-se necessário destacar que as ONGs sem fins lucrativos
7
estão classificadas em cinco categorias, segundo a Associação Brasileira de
Organizações não Governamentais (Abong):
Com base em dados do Cadastro de Empresas – CEMPRE –
de 2005, a pesquisa demonstra que existem hoje no Brasil 338
mil organizações sem fins lucrativos divididas em cinco categorias: 1. Que são privadas, não integram o aparelho do Estado;
2. Que não distribuem eventuais excedentes; 3. Que são voluntárias; 4. Que possuem capacidade de autogestão; e, 5. Que
são institucionalizadas (www.abong.org.br. Acesso em
30/11/2011).
Burity comenta sobre a aproximação entre igreja e Estado em seu artigo:
O importante a destacar é que, no cenário contemporâneo, há
uma disseminação/circulação do religioso em busca de eficácia
política, que gera condensações em discursos políticoreligiosos em contextos nacionais. O rebaixamento das barreiras que o modelo iluminista de oposição entre religião e política
impunha encontrou-se com um ativismo religioso crescentemente mobilizado contra o secularismo ou as injustiças e desigualdades, e isto tem permitido uma configuração múltipla das
relações entre religião e política. Não se trata de um retorno de
algo que havia morrido, nem de um reencantamento de mundo.
[...] Antes, é sobre as ruínas do liberalismo dos séculos XVII a
XIX, mas usando seus cacos ou restaurando seus “monumentos” institucionais meio abandonados, que se reconstrói a relação entre religião e política (BURITY, 2001, p.40).
Contudo, as ONGs ligadas às religiões se destacam no quadro das
ONGs que cresceram segundo estudos do IBGE, fazendo parte das Fundações
Privadas e Associações sem Fins Lucrativos (Fasfil), conforme informações a
seguir.
8
Segundo informações do IBGE (2005),
Embora o crescimento percentual das entidades do grupo Religião (18,9%) tenha sido menor do que a média nacional
(22,6%), em números absolutos elas estão entre as que mais
cresceram. No período de 2002 a 2005, foram criadas 13,3 mil
entidades que se dedicam a atividades confessionais.
Vale destacar que, isoladamente, depois das entidades
religiosas foram as associações de produtores rurais, as entidades de assistência social e os centros e associações comunitárias que apresentaram, nessa ordem, o maior crescimento
(superior a mil entidades cada) (www.ibge.gov.br. Acesso em
30/11/2011).
Encontramos ainda no sítio da Abong: “Há também um crescimento
significativo do grupo de organizações ligadas ao grupamento de religião, demonstrando
a
forte
natureza
confessional
do
associativismo”
(www.abong.org.br. Acesso em 30/11/2011).
Pode-se verificar a forte atuação da religião através das ONGs, apoiando o Estado nas necessidades sociais, o que justifica a relevância do trabalho da AEBVB junto a crianças e adolescentes em situação de risco, classificando-se na categoria 5, ou seja, das que são institucionalizadas.
É preciso conhecer a história da AEBVB para poder entender a origem
e a cosmovisão da instituição, bem como seus princípios, e refletir sobre sua
9
atuação ante o Estado, mantendo a religião como instrumento de transformação e socialização. Por fim, deve-se entender os valores que a AEBVB adquiriu
e transmitiu ao longo de duas décadas.
Para essa finalidade, é necessário retomar a dinâmica histórica da instituição do pentecostalismo brasileiro, considerando-se o processo de aculturação e mensagens , encontrando algumas vertentes classificadas como ondas
por alguns e gerações por outros. Não se pretende aqui acentuar a discussão
onda ou geração, mas utilizar a metáfora “onda” para classificação da AEBVB
no cenário religioso brasileiro, uma vez que a maioria dos estudiosos brasileiros da religião utiliza essa metáfora, com as seguintes classificações: pentecostalismo clássico, deuteropentecostalismo e neopentecostalismo.
A metáfora “onda” surgiu nos EUA para designar a história do protestantismo mundial, por meio de David Martin, o qual afirmava que se podia estudar o protestantismo em três grandes ondas: puritana, metodista e pentecostal.
No contexto brasileiro, a primeira menção dessa metáfora da “onda” foi feita
por Paul Freston.
A primeira onda ou pentecostalismo clássico foi na década de 1910,
com a chegada da Congregação Crista (1910) e da Assembleia de Deus
(1911), que deram ênfase ao dom de línguas (glossolalia), à volta de Jesus e à
rejeição do mundo exterior. As primeiras igrejas eram formadas por pessoas
pobres e de pouca escolaridade.
A segunda onda ou deuteropentecostalismo se deu nas décadas de
1950 e 1960 e fragmenta o pentecostalismo, tendo surgido outras denominações que se difundiram pela massificação da estratégia de marketing de rádio,
cruzadas em estádios, cinemas e teatros. Marcada pela cura divina, surgem a
Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), Igreja O Brasil para Cristo (1955) e
Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962), entre outras menores.
A terceira onda ou neopentecostalismo data da década de 1970, porém
foi a partir da década de 1980 que toma espaço no cenário religioso brasileiro,
tendo como referência a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus, com forte apelo através de TV e rádio.
Ricardo Mariano cita Paul Freston:
10
O pentecostalismo brasileiro pode ser compreendido como a história de três ondas de implantação de igrejas. A primeira onda é
a década de 1910, com a chegada da Congregação Cristã
(1910) e da Assembleia de Deus (1911). [...] A segunda onda é
dos anos 50 e início de 60, na qual o campo pentecostal se
fragmenta, a relação com a sociedade se dinamiza e três grandes grupos (em meio a dezenas de menores) surgem: Quadrangular (1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). O
contexto dessa pulverização é paulista. A terceira onda começa
no final dos anos 70 e ganha força nos anos 80. Suas principais
representações são a Igreja Universal do Reino de Deus (1977)
e a Igreja Internacional da Graça (1980) [...] O contexto é fundamentalmente carioca (MARIANO, 1999, p. 28-29).
Em entrevista, Jonathan Ferreira, fundador da AEBVB, comenta em
qual onda ela está classificada e de que forma se deu a transição do protestantismo histórico ao pentecostalismo.
Ocorreu o seguinte, naquela década de 64 a 66 surgiu no Brasil o movimento chamado de renovação espiritual, que surgiu
dentro das igrejas batistas, atingiu várias outras denominações,
como presbiterianas, metodistas, luteranas. Esse movimento
veio com o falar em línguas, profecias, dons de cura, libertação
dos endemoniados, e era muito forte para as igrejas históricas,
o que provocou uma divisão em todas as igrejas históricas no
Brasil. Uma parte desses grupos queria continuar em suas denominações, mas com liberdade para esses dons, então acabou tendo uma divisão, e acabei ficando do lado da renovação,
então necessariamente tive que sair da Igreja Presbiteriana do
Brasil (IPB), ainda que com muito pesar, porque sou a terceira
geração da IPB, tinha muitos sonhos para a IPB, e achava que
o avivamento seria uma grande bênção para a IPB, eu não
queria sair, mas não havia possibilidade de continuar, hoje talvez fosse diferente, mas na época não havia possibilidade. A
missão Antioquia foi formada dessa nova Presbiteriana que na
época ficou com o nome Cristã Presbiteriana, para aqueles que
saíram da IPB, e, para aqueles que saíram da Igreja Presbiteriana Independente (IPI), ficou o nome de Igreja Presbiteriana
Independente Renovada (IPIR), mas as duas se uniram e formaram a Igreja Presbiteriana Renovada (IPR). Ou seja, a IPR é
uma união de vários grupos presbiterianos, porém a missão
Antioquia se mantém com sua linha interdenominacional.
Apesar de ser uma instituição interdenominacional e com elementos do
pentecostalismo, seus fundadores mantiveram no escopo de seu trabalho uma
cosmovisão calvinista, em que o ensino é base fundamental para a sociedade
e a igreja.
11
Sobre isso comenta Jonathan Ferreira:
Preferiríamos não ser rotulados, porque na verdade nos movemos entre históricos, pentecostais, renovados, se evangélicos, nos vemos como ministério, ponte, através do palco, denominações, encontro etc., várias atividades de unidade da igreja. A nossa formação, pastor Decio e eu, é presbiteriana,
fomos pastores da IPB, depois recebemos a influência pentecostal de dons etc., então eu não sei como caracterizar isso,
talvez histórica renovada, nossa teologia é histórica, mas,
quando eu li na biografia do fundador da IPB, Simonton, 2 que
chegou ao Brasil em 1859, fruto de um avivamento nos EUA,
era um avivalista cheio dos dons, então Simonton ainda jovem
veio para o Brasil e em 1861 escreveu no diário dele “está tudo
pronto, só falta o batismo do Espírito Santo”, uma coisa histórica que está no arquivo da editora presbiteriana, escrita por Maria Amélia Rizzo, filha de um grande pastor presbiteriano.
Quando leio isso, olho para a igreja da Coreia avivada, então
parece não ser possível ser presbiteriano crendo nos dons,
2
Ashbel Green Simonton (1833-1867), o fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil, nasceu
em West Hanover, no sul da Pensilvânia, e passou a infância na fazenda da família,
denominada Antigua. Eram seus pais o médico e político William Simonton e D. Martha
Davis Snodgrass (1791-1862), filha de um pastor presbiteriano. Ashbel era o mais novo de
nove irmãos. Os irmãos homens (William, John, James, Thomas e Ashbel) costumavam
denominar-se os "quinque fratres" (cinco irmãos). Um deles, James Snodgrass Simonton,
quatro anos mais velho que Ashbel, viveu por três anos no Brasil e foi professor na cidade
de Vassouras, no Rio de Janeiro. Uma das quatro irmãs, Elizabeth Wiggins Simonton (18221879), conhecida como Lille, veio a casar-se com o Rev. Alexander Latimer Blackford, vindo
com ele para o Brasil.
Em 1846, a família mudou-se para Harrisburg, a capital do estado, onde Ashbel concluiu os
estudos secundários. Após formar-se no Colégio de Nova Jersey (a futura Universidade de
Princeton), em 1852, o jovem passou cerca de um ano e meio no Mississipi, trabalhando
como professor. Voltando para o seu estado, teve profunda experiência religiosa durante um
avivamento em 1855 e ingressou no Seminário de Princeton, fundado em 1812. No primeiro
semestre de estudos, ouviu na capela do seminário um sermão do Dr. Charles Hodge, um
dos seus professores, que despertou o seu interesse pela obra missionária no exterior.
Concluídos os estudos, foi ordenado em 1859 e chegou ao Brasil no dia 12 de agosto do
mesmo ano.
Pouco depois de organizar a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro (12/01/1862), o jovem
missionário seguiu em viagem de férias para os Estados Unidos, vindo a casar-se com
Helen Murdoch, em Baltimore. Regressaram ao Brasil em julho de 1863. No final de junho
do ano seguinte, Helen faleceu nove dias após o nascimento da sua filhinha, que recebeu o
seu nome. Helen Murdoch Simonton, a filha única do Rev. Simonton, nunca se casou e
faleceu aos 88 anos no dia 7 de janeiro de 1952. Com o passar dos anos, Simonton criou o
jornal Imprensa Evangélica (1864), organizou o Presbitério do Rio de Janeiro (1865) e
fundou o Seminário Primitivo (1867), este último localizado em um edifício de vários
pavimentos junto ao Campo de Santana.
No final de 1867, sentindo-se adoentado, o missionário pioneiro seguiu para São Paulo,
onde sua irmã e seu cunhado criavam a pequena Helen. Seu estado de saúde agravou-se e
ele veio a falecer no dia 9 de dezembro, acometido de "febre biliosa", conforme consta do
seu registro de sepultamento. Seu túmulo foi um dos primeiros do ainda recente Cemitério
dos Protestantes, no bairro da Consolação. Anos depois, foram sepultados perto dele os
ossos do ex-sacerdote Rev. José Manoel da Conceição (1822-1873), o primeiro pastor
evangélico brasileiro. Simonton e Conceição, um americano e um brasileiro, foram os
personagens mais notáveis dos primórdios do presbiterianismo no Brasil.
(http://www.ipb.org.br/portal/historia/77-rev-ashbel-green-simonton. Acesso em 03 mai 2012)
12
mas nos damos bem. Temos trabalhado muito bem com todas
as denominações [...] não é muito fácil mover-se no meio, para
mover-se não podemos defender uma bandeira denominacional, teológica, partimos para o aspecto prático do cristianismo
[...] por sermos de origem presbiteriana, creio que nosso ensino
é cristão em uma linha calvinista [sic].
Uma vez designada a classificação dentro do contexto organizacional
dos setores e apresentados os aspectos de relevância, passa-se a sua história.
1.1 História
Filho de família presbiteriana, Jonathan Ferreira foi criado em Presidente Prudente, SP, aos 23 anos foi para o Seminário Presbiteriano do Sul, em
Campinas, SP, cursou bacharel em teologia durante cinco anos, se formando
em 1961.
Em 1962 fui enviado pela Junta de Missões Nacionais da Igreja
Presbiteriana do Brasil para o chamado norte novo no interior
do Estado do Paraná, na cidade de Cianorte, como pastor missionário, para abrir igrejas naquela região, uma região nova,
onde o mato estava sendo derrubado e cidades sendo implantadas, a cidade tinha apenas oito anos, sem luz, asfalto, estradas todas de terra. Começamos o trabalho abrindo igrejas e,
em 1965, fundamos o instituto bíblico na cidade de Cianorte
para preparar obreiros para aquela região, onde trabalhamos
até 1975.
Nesse instituto bíblico nasceu o despertamento para missões mundiais, dando origem à missão Antioquia, era o ano de 1975, quando já estava morando na cidade de Londrina, PR, que o pastor Jonathan Ferreira, juntamente com o pastor Decio de Azevedo, Barbara Barns e outros, formaram
a missão Antioquia, primeira agência de missões interdenominacional e
transcultural totalmente brasileira que se propunha alcançar três objetivos:
ajudar a despertar as igrejas evangélicas no Brasil para missões mundiais,
preparar missionários para outros países e levantar dinheiro no Brasil para o
sustento dos missionários brasileiros. Hoje a missão Antioquia tem mais de
cem missionários em diversos países. Em 1978, a missão mudou-se para
São Paulo, e em 1982 mudou-se para a área onde se localiza o Vale da
13
Bênção, às margens da rodovia Castello Branco, como um centro brasileiro
de missões, seminário, acampamento, centro permanente de oração e outras atividades, até o ponto em que foram desenvolvidos projetos sociais.
Em depoimento, Jonathan Ferreira comenta:
Era o ano de 1975, no norte do Estado do Paraná, quando
eu recebi uma visão 3 “uma certeza no íntimo”, de que iria
para uma grande área junto a uma rodovia e ali deveria iniciar um trabalho de prestação de serviço social, e havia a necessidade de uma sede para a missão Antioquia. Em 1979
mudei para São Paulo, à rua Bom Pastor, bairro do Ipiranga,
tratava-se de um casarão antigo grande, onde iniciei o trabalho da missão Antioquia juntamente com minha família, e no
ano de 1980 escrevi um livreto onde expunha meu sonho e
comecei a compartilhar com alguns amigos. Dentre esses
amigos foi possível fazer uma reunião com 17 homens, pastores, profissionais liberais, empresários, apresentei o projeto e o grupo aceitou o desafio, e esses 17 constituíram uma
empresa chamada Vale de Bênção Empreendimentos Sociedade Civil Limitada. Esse grupo comprou o terreno com a
venda de títulos, que dava direito a um lote no condomínio
que iriam fazer, felizmente as pessoas acreditaram e cada
um recebeu seu lote registrado e sua escritura, assim se
formou o Vale da Bênção, com a venda de títulos e posterior
compra do terreno para ser pago em doze parcelas.
No ano de 1982, o sonho começa a ter formato por meio da aquisição de um sítio à beira da rodovia Castello Branco. O pastor Jonathan
Ferreira 4 e o pastor Decio de Azevedo 5 mudam com suas respectivas famílias para aquele local, acompanhados de outras famílias. O primeiro trabalho
se deu com dependentes químicos, apoiados pela missão Visão Mundial, 6
possibilitando a recuperação e socialização de dependentes. Logo vieram
novos desafios, como amparar crianças que moravam nas ruas dos bairros
Lapa e Pompeia, em São Paulo, e eles adquiriram uma casa para abrigar
3
4
5
6
VISÃO neste caso aplica-se a uma aparição ou vista de algum objeto que se tem por
sobrenatural sem o ser; aparição suposta de alguém; objeto sobrenatural; aparição
fantástica; espectro, fantasma (MICHAELIS, 2002, p. 834)
JONATHAN FERREIRA DOS SANTOS formou-se no Seminário Presbiteriano de
Campinas, fundou o Instituto Bíblico Presbiteriano de Cianorte-PR e atualmente, dirige a
Missão
Antioquia,
sediada
no
Vale
da
Bênção
(http://www.iprb.org.br/biografias/J/JonathanFSantos.htm), acesso 13/12/2011.
DECIO DE AZEVEDO (1939-2007), nascido aos 17 de novembro de 1939, casado com
Tirlei Mazon, permaneceu no quadro de pastores da IPRB até 08 de dezembro de 1983.
Fundou
o
Seminário
de
Cianorte/PR
e
a
missão
Antioquia
(http://www.iprb.org.br/biografias/D/DecioAzevedo.htm), acesso em 13/12/2011.
Visão Mundial é uma ONG internacional, fundada em 1950 pelo Rev. Dr. Bob Pierce que ao
presenciar as necessidades das crianças na China, deu início ao projeto que hoje está
presente em quase 100 países, ajudando mais de 100 milhões de pessoas e apoiada por
40.000 funcionários (http://www.visaomundial.org.br), Acesso em 13/12/2011.
14
essas crianças, dando alimento, educação e apoio religioso, espiritual e moral.
Jonathan Ferreira em depoimento comenta sobre o início do trabalho
com crianças desabrigadas.
Em 1986 e 1987 fomos desafiados pela prefeitura de São
Paulo, SP, juntamente com outras instituições, a ajudar a tirar crianças da rua no bairro da Lapa. Havia muitas crianças
dormindo na rua, comendo do lixo. Implantamos um programa na Lapa, um restaurante para crianças de rua, começamos a tirar as crianças da rua, passamos por vários momentos difíceis. O projeto da prefeitura não funcionou, todo mundo foi embora, menos nós, então alugamos uma casa na
Lapa e demos continuidade no projeto, assim surgiu o trabalho com crianças. Depois ganhamos uma propriedade de
um empresário no bairro da Lapa, aumentando cada vez
mais até que conseguimos construir duas casas no Vale da
Bênção para receber essas crianças de rua, deu certo, não
era um orfanato, era um programa de adoção em que procurávamos devolver a criança a sua família, mas se não tivesse família procurávamos uma família substituta. Deu tão certo que logo depois tínhamos duas casas, então, nesse contexto, nasceu o projeto Cidade da Criança, que hoje tem nove casas-lares [sic].
Era o início de todo trabalho, impulsionados pelos resultados na casa
da Lapa, surgiu a primeira casa-lar no Vale da Bênção, que se chamou Casa
Moisés, logo veio a segunda casa e, junto, a necessidade de uma área maior.
Jonathan Ferreira compartilhou seu sonho com outros amigos, que logo se juntaram para adquirir a área para a construção da Cidade da Criança, porém faltava dinheiro para o projeto.
Milton Balestrini, colaborador e amigo de Jonathan Ferreira, comenta:
Um missionário da missão Antioquia, de férias na Finlândia no
começo da década de 90, conheceu um americano radicado na
Finlândia chamado Ronald Far, ele vinha tendo visões, algumas visões sobre uma cidade da criança, ele então repartindo
a visão com este missionário disse: “pastor Jonathan, no Brasil,
tem uma visão muito parecida com esta sua, ele está planejando construir a cidade da criança”. Ronald Far ficou animado e
ligou para o arquiteto Peter Willis, falou a ele: “vai ao Brasil e
comece a fazer um projeto para a cidade da criança”. De volta,
começou a desenhar, enquanto desenhava apareceu uma pessoa da Universidade de Tamper com um rapaz chamado Kali
Taker, conhecendo o projeto, se propôs a ajudar o projeto se
tornar realidade [sic].
15
Distante 50 quilômetros da cidade de São Paulo, situado no quilômetro
50 da rodovia Castello Branco, no município de Araçariguama, Estado de São
Paulo, Brasil, em meio a uma vasta vegetação, iniciou-se a AEBVB. Em 1990
foi inaugurado o colégio Vale da Bênção, em 1993, com apoio de igrejas e amigos, foi adquirido o sítio Nova Vida na cidade de Sorocaba para abrigar as
crianças daquele local, no mesmo período foi fundada uma creche no município de Araçariguama, assistindo em torno de cem crianças e suas famílias, juntamente com o programa Vou Vencer, dirigido a adolescentes.
Em 1995, destacando-se pelas suas ações, foram convidados pela então Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), atual Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Casa), para assumir a fazenda Nova Vida, com 120 adolescentes na cidade de Iaras. Em 2000, iniciaram em Sorocaba o programa liberdade assistida, para dar assistência a adolescentes em conflito com a lei. Em 2002, assumiram o mesmo programa na
zona norte de São Paulo, e em 2007, em parceria com a Prefeitura de São
Paulo, deu início ao programa Ação Família, no bairro de Perus. Atualmente
mais de 130 colaboradores, entre funcionários e voluntários, participam da estrutura humana da AEBVB, dando suporte à sua estrutura física, que recebe
crianças e adolescentes de 0 a 18 anos e suas famílias.
Atualmente a AEBVB atende mais de 600 crianças e adolescentes em
cinco projetos localizados em três municípios do Estado de São Paulo, a saber:
Cidade da Criança e Creche Gotinhas de Vida, Araçariguama; liberdade assistida (Casa Nova Vida), Sorocaba; liberdade assistida (Abrigo na Casa de Meu
Pai), São Paulo.
Segundo Jonathan Ferreira, diretor-executivo da AEBVB, a "missão é
garantir os direitos básicos às crianças e adolescentes em situação de risco
social,
para
que
se
tornem
adultos
preparados
para
a
vida"
(www.valedabencao.org.br, acesso em 30/11/2011).
Contudo, a AEBVB é um projeto cristão evangélico, idealizado pelo
seu fundador, pastor Jonathan Ferreira dos Santos, de origem presbiteriana,
abrindo suas portas para a comunidade evangélica interdenominacional.
Dessa forma, o trabalho realizado faz parte de um complexo religioso
que apoia o Estado com ações de cidadania e valorização do ser humano, por
16
meio de uma estrutura que traz em seu escopo os fundamentos para o exercício do trabalho da AEBVB, vistos a seguir.
1.2. Fundamentos
Através de preceitos cristãos, como ética, moral e tendo as escrituras
bíblicas como referência de fé e prática, a AEBVB ensina o respeito, o amor e a
força da parceria, por meio da ética e da administração com responsabilidade.
Encontramos o seguinte relato em seu Relatório Social de 2010.
Nossa Missão: Garantir direitos a crianças, adolescentes e famílias em situação de vulnerabilidade social, capacitando-os
para o exercício da cidadania, tendo como base uma referência
cristã, visando à transformação integral (AEBVB, 2010, p. 2).
Destacam-se ainda os valores que constituem sua visão 7:
Amamos a Deus sobre todas as coisas, temos a Bíblia como
referência de fé e prática, valorizamos a prática da oração, respeitamos as pessoas, agimos com ética, administramos com
responsabilidade, exercemos liderança compartilhada, construímos parcerias, preservamos e respeitamos o meio ambiente
onde vivemos (AEBVB, 2010, p. 2).
Pode-se observar que a construção da instituição e de suas bases se
fundamenta em princípios e valores cristãos, em substituição ou complemento
às ações do Estado. Assim, tem-se o contexto de uma dialética entre o sagrado
e o profano, ou igreja e Estado, em ato sacrifical a favor da humanidade, em
busca de potencializar a criança e o adolescente para a vida em sociedade.
Uma vez refletidos os fundamentos, apresentam-se os projetos.
7
Neste caso, se aplica o conceito de cosmovisão, que pressupõe a relação dom Deus, com o
próximo e com o mundo.
17
1.3 Projetos
1.3.1 Programa de apoio à família
Em parceria com a Prefeitura de São Paulo, é dirigido a famílias em
condições de extrema miséria, no bairro de Perus, onde são desenvolvidas atividades de geração de renda, através de oficinas de costura, confecção, pinturas e atividades afins que possam capacitar a mulher para gerar renda e propiciar autonomia e cidadania. Por sua vez, o município atende os filhos nas escolas e creches públicas, bem como oferece atendimento médico na rede pública.
1.3.2 Liberdade assistida
Esse programa atende adolescentes que cometeram ato infracional e
estão sob acompanhamento do Estado nas cidades de São Paulo e Sorocaba,
SP, por meio de uma equipe formada por psicólogos, pedagogos e assistentes
sociais. Com dinâmicas coletivas, individuais e atividades psicossociais, buscase integrar esses adolescentes e suas famílias, levando-os à socialização, acompanhados pelos diversos órgãos dos poderes Executivo e Judiciário.
1.3.3 Colégio Vale da Bênção
Conveniado com o Sistema Positivo de Ensino, oferece em período diurno ensino de educação infantil e fundamental, tendo como objetivo proporcionar formação escolar sob uma epistemologia cristã, desenvolvendo caráter,
cidadania e responsabilidade socioambiental, atendendo crianças e adolescentes para a inserção na sociedade. Atualmente conta com 170 alunos.
18
1.3.4 Cidade da Criança
Atende meninos e meninas de 0 a 18 anos, no Vale da Bênção, por
meio de oito casas-lares. O projeto é desenvolvido com atividades orientadas
por pedagogas, oferece assistência psicológica, médica e odontológica e apoio
espiritual. Dispõe ainda de escolas, cursos profissionalizantes, oficinas temáticas e grupos terapêuticos. O programa é sustentado por doações de empresas, pessoas físicas e convênios com prefeituras e Estado, assistindo crianças
e adolescentes encaminhadas por Conselhos Tutelares8 e Poder Judiciário,
conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente 9, constando atualmente noventa e seis assistidos.
1.3.5 Casa Nova Vida
Dirigida a adolescentes de 14 a 18 anos, no município de Sorocaba,
SP, busca oferecer apoio integral na socialização de jovens em situação de
risco, desenvolvendo atividades de profissionalização e inserção na comunidade com apoio de empresas e voluntários. Atualmente atende 20 jovens.
1.3.6 Creche Gotinhas de Vida
Oferece assistência pedagógica e social a crianças de dois a sete anos, no município de Araçariguama/SP, com atividades educacionais no período diurno. Oriunda de parceria com o poder público e com empresas, enquanto
seus pais trabalham, as crianças participam de atividades direcionadas ao
8
9
Os Conselhos Tutelares, previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/1990), são criados por lei para garantir que, nos municípios, a política de atendimento
à população infanto-juvenil vai ser cumprida. Estes órgãos devem ser procurados pela
população em caso de suspeita ou denúncia de violação dos direitos de crianças e
adolescentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária. (http://www.direitosdacrianca.org.br/conselhos/conselhos-tutelares)
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA - é um conjunto de normas juridicas do
governo brasileiro tendo como objetivo, proteger a criança e o adolescente
(http://www.promenino.org.br), acessado em 13/12/2011.
19
seu desenvolvimento. Oferece ainda cursos e apoio às famílias dos alunos matriculados. Atualmente atende 125 crianças em período integral.
1.3.7 Centro Comunitário Vou Vencer
Está situado em Araçariguama, em uma região de pobreza, com grandes índices de violência e exclusão social. Tem como objetivo dar a adolescentes e jovens oportunidades por meio de dança, coreografia, oficinas de grafitagem e inclusão digital, além de atividades pedagógicas e esportivas. Dispõe
ainda de oficinas de leitura para crianças e adolescentes, mantidas por meio de
doações de pessoas físicas, jurídicas e parcerias com empresas e com o poder
público. Apresentados os projetos, passa-se à constituição administrativa.
1.4 Administração
A AEBVB tem seu escopo administrativo composto por líderes religiosos protestantes, sociólogos, psicólogos e profissionais de diversas áreas. Atualmente é organizada da seguinte forma.
1.4.1 Diretoria
Presidente: Pastor Silas Marchiori Tostes.
Vice-presidente: Pastor Fernando Szymczak.
Primeira secretária: Elaine Cristina Costa.
Segunda secretária: Rosimeire Alves de Oliveira.
Primeiro tesoureiro: Roberto Antonio Sabiano.
Segundo tesoureiro: José Paulo Charbel.
Vogal: Pastor Eguinaldo Helio de Souza.
Diretor-executivo: Pastor Jonathan Ferreira dos Santos.
20
Diretores de programas sociais: Debora Lilian dos Santos Fahur e pastor Tercio Sá Freire de Oliveira.
1.4.2 Conselho Fiscal
Presidente: Silvia Oliveira França.
Membros: Elio Zarpelon e Maria Margarete Salgado.
Suplentes: Cícero Rodrigues de Oliveira e Elza Janoni.
Esta administração possibilita e fomenta as ações da AEBVB, apresentadas a seguir.
1.5 Ações
1.5.1 Área religiosa
Por meio de uma equipe de voluntários e pastores ligados a diversas
denominações, mantém uma capelania evangélica, dando apoio espiritual, sentimental e religioso, buscando através da comunhão entre membros de igrejas e
comunidades vivências para a socialização e recuperação do senso de família.
1.5.2 Área social
Uma equipe de psicólogos, pedagogos e educadores desenvolve projetos educacionais que abarcam a cosmovisão cristã no contexto de um Estado
laico e no cotidiano das cidades.
21
1.5.3 Área de saúde
Psicólogos e enfermeiros acompanham diariamente as necessidades
de crianças e adolescentes, monitorando o crescimento educacional, relacional
e afetivo.
Contudo, para que AEBVB possa realizar seu trabalho, é necessário
apresentar resultados e obter receita para os projetos, conforme os indicadores
a seguir.
1.6 Indicadores
1.6.1 Atendimento
Segundo o Relatório Social de 2010, a AEBVB atendeu:
Crianças e adolescentes diretamente.......................................... 2.240
Famílias ....................................................................................... 938
Atendimento indireto .................................................................... 8.960
Intermediou durante seus vinte e cinco anos de existência junto às Varas da Infância e da Juventude a adoção e o retorno à família biológica de 832
crianças e adolescentes, segundo o relatório de atendimento de 2009/2010.
Casa Nova Vida e Cidade da Criança ........................................ 144
Centro Comunitário Vou Vencer ................................................. 600
Creche Gotinhas de Vida............................................................ 115
LA São Paulo e Sorocaba .......................................................... 462
Colégio Vale da Bênção ............................................................. 170
Programa Ação Família .............................................................. 720
22
AEBVB
AÇÃO FAMÍLIA
GOTINHAS DE VIDA
27%
33%
NOVA VIDA E CIDADE DA
CRIANÇA
COLÉGIO VALE DA BÊNÇÃO
5%
21%
8%
LA SÃO PAULO E SOROCABA
6%
VOU VENCER
Em seguida podemos analisar o relatório de receitas.
1.6.2 Receita
Os recursos para manutenção do projeto são originários de três segmentos, sendo que os organismos públicos representam a maior parte, conforme o gráfico abaixo:
AEBVB
0%
23%
49%
28%
PÚBLICOS
DOAÇÕES
PARCERIAS
23
Recursos Públicos ....................................................................... 49%
Doações ...................................................................................... 28%
Parcerias Corporativas ................................................................ 23%
Uma vez apresentados os resultados, verifica-se os reconhecimentos
de órgãos públicos e privados.
1.7 Reconhecimento
No decorrer de seus 25 anos de existência, a AEBVB tem sido reconhecida como instituição de grande valor por várias esferas de governo, bem
como no meio empresarial. Aqui são apontados alguns reconhecimentos obtidos nas esferas federal, estadual, municipal e de entidades de classe, empresas e igrejas, dispostos no Relatório Social de 2010.
1.7.1 Inscrições e títulos
Utilidade pública federal – decreto de 16 de setembro de 1997, publicado no Diário Oficial da União, de 17 de setembro de 1997, seção 1, página
20.606, processo MJ 16.150/93-2.
Utilidade pública estadual, Estado de São Paulo, Lei 9.025, de 26 de
setembro de 1994.
Utilidade pública municipal, Sorocaba, SP, Lei 5201, 16 de setembro de
1996.
Utilidade pública municipal, São Roque, SP, Lei 2.100 de 16 de setembro de 1996.
Utilidade pública municipal, Araçariguama, SP, Lei 371, de 27 de outubro de 2004.
Registro no CNAS, processo 44006.000426/97-85, resolução 173 de
22 de outubro de 1997.
SEADS/SP – inscrição 4302.
SAS/SP – matricula 04/1063.
CMDCA/SP – 1037/03.
24
CDMCA/Sorocaba – 47.
CDMCA/Araçariguama – 01/99.
COMAS/São Paulo – inscrição 897/2007.
COMAS/Sorocaba – Inscrição 17.05.1999.
COMAS/Araçariguama – inscrição 001/2000.
1.7.2 Prêmios e certificados
Prêmio Sorocaba Cidade Solidária –iniciativa da CPFL e do Jornal Cruzeiro do Sul.
Prêmio Regional de Qualidade da Gestão – oferecido pelo Instituto de
Excelência da Gestão (Ipeg).
Certificado de Entidade Cidadã – oferecido pela Câmara Municipal de
Sorocaba.
Certificado Mude um Destino – oferecido pela Associação dos Magistrados Brasileiros em favor das crianças e dos adolescentes que vivem em abrigos.
Certificado Empresa que Educa – oferecido pelo SENAC, São Paulo.
1.7.3 Amigos e parceiros
A AEBVB é apoiada por 43 empresas e 22 igrejas que mensalmente
contribuem com doações financeiras, materiais e alimentícias, que possibilitam
o atendimento de qualidade juntamente com o apoio governamental, conforme
verificamos no próximo tópico.
1.7.3.1 Governo
Governo do Estado de São Paulo.
Prefeitura de Araçariguama, SP.
Prefeitura de Lençóis Paulista, SP.
25
Prefeitura de São Paulo, SP.
Prefeitura de São Roque, SP.
Prefeitura de Sorocaba, SP.
Fundação Casa.
Fundo Social de Araçariguama, SP.
Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fumcad).
Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).
Dessa forma, o trabalho realizado pela AEBVB traz em seu escopo
uma práxis cristã em um espaço público, fomentado pelo Estado. Neste primeiro capítulo pode-se ver o reconhecimento e a aproximação de religião e Estado
na causa social. De fato, as igrejas desfrutam de forte proximidade com a sociedade, desburocratizando o sistema e permitindo uma resposta eficaz às necessidades sociais, o que viabiliza ações públicas.
As instituições ligadas à religião merecem o reconhecimento, credibilidade e prestigio perante o contexto das ONGs no Brasil como podemos verificar no quadro apresentando no início realizado pelo IBGE, coadunando com
este quadro podemos verificar em Carvalho.
Segundo Carvalho (1997) “diante do contexto de precarização das políticas públicas sociais, as entidades religiosas passam a se envolver no enfrentamento da questão social, [...] compõem o projeto de reprodução social das
famílias empobrecidas, [...] a igreja se faz presente no cotidiano de muitas famílias e comunidades, sendo a instituição com maior credibilidade para a população fragilizada”.
Desta forma, se vê com objetividade a inferência da igreja em substituição às ações do Estado que transfere suas obrigações através de parcerias e
associação.
Enquanto a igreja faz expiação pelos necessitados suprindo suas necessidades, o Estado entra em simbiose com a Igreja para suprir as necessidades assistenciais legitimando o trabalho da AEBVB, reforçando a necessidade da presença da religião na construção educacional e social do cidadão.
No próximo capítulo, é apresentada a práxis da AEBVB, com ênfase na
Cidade da Criança.
26
2 CIDADE DA CRIANÇA
Neste capítulo serão abordados alguns aspectos que envolvem a vivência e as experiências no trabalho desenvolvido pela AEBVB, especificamente na Cidade da Criança, objeto de nossa pesquisa. Através de entrevistas a
funcionários, colaboradores, voluntários, dados estatísticos, reconhecimento da
sociedade e governos, refletiremos sua visão, missão e valores.
2.1 Propostas de Trabalho
Durante o período de pesquisa foram realizadas entrevistas com o pastor Jonathan Ferreira, fundador do Vale da Bênção, diretoria, funcionários e
abrigados. Essas entrevistas somadas a depoimentos e publicações internas
permitem uma análise da proposta de trabalho
2.1.1 Visão
A visão da AEBVB no trabalho aplicado na Cidade da Criança é acolher crianças e adolescentes de 0 a 18 anos destituídos temporariamente de
suas famílias por ordem judicial ou por meio dos Conselhos Tutelares, abrigando-os em nove casas-lares. Desenvolvendo atividades orientadas por pedagogas e oferecendo assistência psicológica, médica, odontológica e apoio espiritual, dispõe ainda de escolas, cursos profissionalizantes, oficinas temáticas e
grupos terapêuticos, buscando atender em um ambiente familiar as crianças e
adolescentes abrigadas até decisão judicial.
Ana Silvia, bacharel em psicologia e administradora da Cidade da Criança, relata:
A Cidade da Criança é um abrigo [para crianças e adolescentes] de 0 a 18 anos que abriga aqueles que chegam através do
Judiciário e [do] Conselho Tutelar. [O interno] somente sai se a
família estiver estruturada, retornando por ordem judicial ao
27
seio [da] família, ou se for destituído em definitivo, adotado ou
completando 18 anos de idade [sic].
2.1.2 Missão
A AEBVB, entidade assistencial, filantrópica, sem fins lucrativos, tem
por finalidade estatutária assistir e garantir direitos às crianças, adolescentes e
familiares em situação de risco social, capacitando-os para o exercício da cidadania, tendo como base uma referência cristã, visando à transformação integral, preparando-os para a volta ao convívio familiar e social.
2.1.3 Valores
Para que possa cumprir a visão e concretizar sua missão, a AEBVB,
por meio da Cidade da Criança, tem certos princípios e valores em seu escopo:
2.1.3.1 Espiritual
A oração é o combustível que motiva o trabalho na Cidade da Criança,
e o projeto exerce sua espiritualidade cristã. Jonathan Ferreira afirma que a
oração é um dos pilares da instituição, que acredita na reconstrução familiar
mediante a proclamação do evangelho de Jesus, respeitando a liberdade de
religião dos abrigados: “Amamos a Deus sobre todas as coisas, temos a Bíblia
como referência de fé e prática, valorizamos a prática da oração, respeitamos
as pessoas” (AEBVB, 2010, p. 2).
Sobre a oração, Roger Bastide (2006, p.166), em sua obra O sagrado
selvagem e outros ensaios, oferece a seguinte definição:
Ela é uma comunicação que pode se dar através de objetos,
gestos, palavras, no mais das vezes por uma combinação dos
três, entre os homens e as forças sobrenaturais, dentro de uma
relação estabelecida como assimétrica (a assimetria manifestando-se no discurso, assim como nos gestos simbolizando a
súplica ou os objetos que significam essa atitude).
28
Da mesma forma, Ana Silvia, administradora da Cidade da Criança,
relata:
Através da Bíblia Sagrada se busca inserir a ética e a moral,
fortalecendo a cooperação, [o] amor, [a] valorização do ser
humano [e a] espiritualidade. Mesmo sabendo que a instituição
é evangélica, não se obrigam os adolescentes a participar de
cultos, ouvir música evangélica ou qualquer outra forma obrigatória que possa ser considerada proselitismo [sic].
Como instituição evangélica, fundamenta a crença de que crianças e
adolescentes em situação de risco social devem ser assistidas pela igreja no
cumprimento da missão social de assistir os órfãos e necessitados. O contato
com o sagrado, ou seja, uma intimidade com Deus, agregado aos serviços dispostos gera transformação ética, moral e espiritual, conduzindo-os à valorização da vida e da cidadania. Dessa forma não se está afirmando meramente
uma perspectiva transcendente, mas uma práxis aliada com a fé.
2.1.3.2 Ética e transparência
Percebe-se uma preocupação com divulgação e transparência aos mantenedores e pretensos mantenedores, bem como diante da opinião pública e do
governo quanto ao uso dos recursos destinados à instituição, seja pelo Estado,
seja pela iniciativa privada. “Agimos com ética, administramos com responsabilidade, exercemos liderança compartilhada. Construímos parcerias, preservamos
e respeitamos o meio ambiente onde convivemos” (AEBVB, 2010, p. 2).
Sendo uma instituição filantrópica, sem fins lucrativos, se mantém por
meio de contribuições de pessoas jurídicas e físicas, de igrejas mediante doações voluntárias, feitas por meio de depósitos bancários e ainda verbas governamentais, por meio de convênios. Constantemente veicula-se o trabalho em
mídia impressa e audiovisual, em igrejas, empresas e reuniões particulares, no
intuito de levantar fundos para sustento e ampliação de sua ação social. Vale
29
ressaltar que conquistou o direito de receber como doação créditos da Nota
Fiscal Paulista. 10
A diretora dos programas sociais da instituição, Débora Lília dos
Santos Fahur, diz:
Através deste relatório Anual 2010, reconhecemos o quanto
fomos abençoados pelo Deus que ama crianças, e transforma
para melhor os seus caminhos. Reconhecemos também o esforço dos nossos colaboradores, que dia a dia se dedicam para
educar e ensinar crianças e adolescentes. E a participação efetiva dos doadores e parceiros que têm estado presente através
de suas contribuições tão significativas. Nossa expectativa é
que ao ler este relatório de atividades, você possa conhecer
melhor nossas atividades. Que possa também estar sensível a
prosseguir nessa caminhada, apoiando e abençoando crianças
e famílias [sic] (AEBVB, 2010, p. 4).
Percebe-se nessa declaração a relação da instituição com o sagrado.
Para exemplificar a declaração de Débora Lília dos Santos Fahur, toma-se como base o texto de Mateus 18.1-14, onde se apresenta a referência a criança.
Nesse texto Jesus Cristo é indagado por seus discípulos sobre quem era o
maior no reino dos céus.
Jesus Cristo então chama um menino e coloca-o como exemplo em
meio aos discípulos, afirmando que aquele que se tornasse humilde como aquele menino seria o maior no reino dos céus. Afirma ainda que aquele que
recebe um menino em seu nome também o receberia e que se algum dos seus
discípulos fizesse mal a alguma criança melhor seria pendurar um peso ao
pescoço e se jogar ao mar. Ainda afirma que não é da vontade de Deus que
nenhum dos pequeninos se perca. Dessa forma, a Cidade da Criança exerce
seu papel de alcance integral da igreja, acolhendo crianças e adolescentes em
situação de risco social, intervindo em conjunto com autoridades para que suas
dores sejam amenizadas.
Percebe-se nestes depoimentos a vivência do sagrado na instituição.
Peter Berger (2004, p.39) em O dossel sagrado comenta:
10
O Programa Nota Fiscal Paulista devolve 30% do ICMS efetivamente recolhido pelo
estabelecimento a seus consumidores. Ele é um incentivo para que os cidadãos que
adquirem mercadorias exijam do estabelecimento comercial o documento fiscal. Os
consumidores que informarem o seu CPF ou CNPJ no momento da compra poderão
escolher como receber os créditos e ainda concorrerão a prêmios em dinheiro.
(http://www.nfp.fazenda.sp.gov.br/).
30
O sagrado é apreendido como algo que “salta para fora” das
rotinas normais do dia a dia, como algo de extraordinário e
potencialmente perigoso, embora seus perigos possam ser
domesticados e sua força aproveitada para as necessidades
cotidianas”.
2.1.3.3 Humano
Uma vez que a figura do sagrado está presente nas vivências da instituição, é compreensível que haja também a valorização do indivíduo. Geralmente pessoas em situação de risco social são estigmatizadas e, nesse sentido, os abrigados da instituição são conhecidos como as crianças do Vale da
Bênção. Dessa forma, a valorização do indivíduo se faz necessária para que
sejam respeitadas e aceitas na reintegração à sociedade.
Para que o indivíduo se sinta acolhido, a instituição oferece condições
para que tenham experiências reais com Deus, valorizem o trabalho, a família e
a comunidade, de forma a descobrir o valor pessoal e se preparar para ter uma
vida digna, independentemente do fato gerador de sua estada na instituição.
Nesse sentido, o valor da vida para o ser humano pode ser vivenciado por meio
do amor de Deus.
Peter Berger (2004, p. 29) diz: “O indivíduo é socializado para ser uma
determinada pessoa e habitar um determinado mundo”. Sendo assim, se procura a valorização do indivíduo, com o entendimento de que todo ser humano é
imagem e semelhança de Deus.
2.1.3.4 Excelência
Uma vez que se classifica como instituição sem fins lucrativos e não
governamental, com o objetivo de apoiar serviço de caráter público, é fundamental a integridade para se adquirir excelência. Nessa dialética, adquire-se
credibilidade pela excelência do serviço a que se presta, esperando-se gerar
nas crianças a formação de um cidadão autônomo e independente.
O Pastor Jonathan Ferreira declara: “Temos recebido centenas de crianças e adolescentes na Cidade da Criança. Temos tido a felicidade de acom-
31
panhar o desenvolvimento de centenas deles. Alguns já terminaram faculdades, outros estão casados e têm filhos, foram amparados na hora certa”
(AEBVB, 2010, p. 3).
Da mesma forma, Debora Lilia, diretora de programas sociais, declara:
Presenciamos a chegada de muitas crianças para serem atendidas em nossas casas-lares, vivenciamos a saída de muitos jovens ao completarem seus 18 anos. E, especialmente em 2010,
pudemos de forma graciosa reencontrar jovens que compuseram suas próprias famílias, que têm seus próprios filhos. Muito
deles, com um bom emprego, convivendo com as responsabilidades de pais e mães de família (AEBVB, 2010, p. 4).
2.1.3.5 Educação
A educação da criança e do adolescente tem seu valor especial no
processo de socialização no Vale da Bênção. Geralmente as crianças e adolescentes atendidos vêm de lares cuja estrutura familiar não foi capaz de proporcionar uma educação eficaz através da rede de ensino. Nesse sentido é
comum que esse indivíduo tenha problemas para se submeter a regras, obediência e uma escala de valores da sociedade, o que justifica a valorização da
educação pela instituição.
A administradora da Cidade da Criança, Ana Silvia, questionada sobre
a educação, relata: “Todas as crianças estudam, fazem oficinas, [participam de]
coral, cursos junto à comunidade. Alguns estudam no colégio do Vale da
Bênção e os demais na rede pública de ensino municipal e estadual [sic]”.
2.2 Atividades
Para que seus objetivos na socialização de crianças e adolescentes em
situação de risco social sejam viáveis, é importante que seus funcionários sejam solidários a eles. Assim, todos os funcionários contratados, quer temporários, quer efetivos, bem como os voluntários passam por uma entrevista a fim
de que possam ser identificados valores que contribuam para o profissionalismo e ao mesmo tempo o exercício do sacerdócio cristão.
32
Questionada sobre o perfil exigido para aquele que deseja compor a
equipe de profissionais, Ana Silvia diz:
[...] a pessoa tem que ter formação mínima de segundo grau,
porém, pela dificuldade de contratação de pessoas que se
qualifiquem mediante os salários oferecidos, existem mães
com primeiro grau. Tem que gostar de crianças, ser evangélica, se dispor a conduzir o ensino da ética familiar através
da Bíblia [sic].
Atualmente a equipe de colaboradores possui 33 pessoas distribuídas
nas atividades administrativas e sociais, voluntários permanentes e voluntariado esporádico para manutenção predial.
Tabela 2.1 Colaboradores da Cidade da Criança
Colaboradores
Quantidade
Funcionários
29
Voluntários permanentes
4
Para que os abrigados possam conviver em um ambiente que os valorize com seres humanos e priorize os relacionamentos familiares, o Vale da
Bênção contrata mulheres na função de mães sociais, contudo, seus maridos
passam a exercer a função de pais sociais voluntariamente. Nesse sentido,
chama a atenção o fato de que algumas dessas famílias têm filhos e, dessa
forma, eles passam a exercer função voluntária indiretamente na socialização
dos abrigados, uma vez que passam a coabitar em um relacionamento de igualdade, dividindo a atenção de seus pais com os demais.
Sobre esse assunto, Ana Silvia diz:
[...] em cada casa colocamos [de] 10 a 12 crianças acompanhadas de mães sociais casadas, e em algumas, [de mães sociais] solteiras, sendo todas registradas. Os pais sociais trabalham na instituição ou fora, porém são voluntários, não têm vinculo com a Cidade da Criança.
33
Em seu escopo de atividades, a Cidade da Criança dispõe de uma estrutura que envolve psicólogos, pedagogos, assistentes sociais e capelães, que
visam mentorear, monitorar e acompanhar os abrigados em suas necessidades, bem como atender seus funcionários. Ainda são oferecidos aos abrigados
atendimento odontológico, cursos de informática, cabeleireiro e capacitação
profissional em parceria com empresas privadas no programa Jovem Aprendiz 11 para aqueles quem têm mais de 14 anos.
2.2.1 Triagem
O processo de triagem é de responsabilidade da autoridade Judiciária
ou Conselho Tutelar, ficando a instituição Vale da Bênção responsável pela
acolhida, acompanhamento e relatórios periódicos a essas autoridades. No
entanto, ao chegar ao abrigo, as crianças ou os adolescentes necessitam de
cuidados higiênicos. Nesse caso, é feito um trabalho de conscientização para
tomarem banho e valorizarem a higiene pessoal e coletiva. Outro desafio é
convencê-los a ficar no abrigo, uma vez que não há muros, seguranças ou
qualquer outro aparato que sugira o uso de força. Diante da proposta de trabalho de livre acesso, alguns desistem, ficando a responsabilidade pelo mesmo
sob a tutela do Estado. Esse trabalho de conscientização é feito de forma sistemática pela área técnica, através de psicólogo, psicopedagoga e assistentes
sociais.
Vera Lucia Gaboardi Ferreira, psicóloga da instituição, em entrevista
nos relata: “Geralmente a criança chega insegura, com medo, há uma falta de
conhecimento e desvalorização, então se torna agressiva, e algumas fogem.”
11
A profissionalização do adolescente é uma etapa do seu processo educativo (ECA, art. 62)
e, portanto, a razão de ser do trabalho é a formação, não a produção. O programa Aprendiz
Legal, ao basear-se na Lei 10.097/2000 e em sua regulamentação, o Decreto nº 5598/2005,
legitima a intenção e os esforços para contribuir com a empregabilidade de nossos jovens,
especialmente os menos privilegiados. Este é um passo para integrar a sociedade em torno
de uma causa comum: atender à necessidade dos jovens com suas diferenças individuais,
suas condições específicas, aprendendo a conviver com a diversidade humana sem
preconceitos. (www.aprendizlegal.org.br) acesso em 24/05/2012.
34
Uma vez abrigadas, as crianças passam por um período de adaptação
de 30 dias, no qual serão acompanhadas diariamente pelas mães sociais, que
informam as dificuldades da criança à equipe técnica.
Questionada, Marli Muniz, mãe social, relata: “As crianças chegam com
carência da família, porém não sabemos o [seu] histórico, contudo, com o passar
do tempo, as crianças [o] contam. Em geral, o problema envolve bebidas [...]”.
2.2.2 Rotina
Todos os funcionários do Vale da Bênção são registrados, exercendo
cada um função específica com seus direitos trabalhistas devidamente garantidos. O trabalho é ininterrupto, uma vez que as mães sociais estão 24 horas
convivendo com as crianças. Logo após uma breve oração feita por uma das
crianças, é servido o café, em seguida, é distribuída as tarefas a cada um para manutenção e limpeza da casa. Essa limpeza tem o objetivo de ensinar a
criança a valorizar, respeitar e desenvolver valores de cooperação. Para aqueles que estão em período escolar, as tarefas são distribuídas conforme
sua disponibilidade de horário, preservando o direito à criança de horários
para tarefas escolares, diversão, consultas médicas e odontológicas, cursos e
demais necessidades. No caso dos menores até nove anos, é disponibilizada
uma funcionária que faz o serviço de limpeza e lavanderia. Todas as refeições são preparadas em uma cozinha central e distribuídas às nove casaslares de segunda a sexta. Nos sábados e domingos, as mães sociais são responsáveis pelo preparo da alimentação, orientadas por um profissional de
nutrição. Todas as crianças se levantam às 6h, tomam café às 7h, almoçam
ao meio-dia, lancham às 16h, jantam às 19h e, de forma geral, se recolhem
às 22h. Eventualmente são proporcionados passeios a outras cidades, praias,
museus, teatros, cinemas, eventos esportivos e evangelísticos. Aos sábados,
é liberada a visita aos seus familiares e a recepção de visitantes, ficando todos livres de obrigações e tarefas.
Questionada sobre a rotina, Rosenilda Rocha de Oliveira Leite, pedagoga e coordenadora de atendimento, relata: “Sou responsável por receber
doações e compras, acompanhar o atendimento às crianças quanto às neces-
35
sidades materiais e supervisionar a execução dos trabalhos diariamente. Distribuo as tarefas aos funcionários, elaboro o cardápio sob orientação da nutricionista e supervisiono a rotina das casas”.
A respeito da rotina, a mãe social Marli Muniz relata:
[...] fazemos devocional, vamos à igreja. Identificamos nas crianças um comportamento equilibrado aos frequentadores da
igreja, diferente dos não freqüentadores, que demonstram agressividade [sic].
Identificam-se nesses relatos elementos de contribuição da religião de
maneira positiva no desenvolvimento emocional da criança e funcionários.
Questionada sobre a rotina, a mãe social Maria de Fátima Carmo diz:
“Tem horário para toda atividade, para acordar e para dormir.”
Pode-se observar que, de alguma forma, todos estão envolvidos em atividades que ocupam seu tempo produtivamente, por meio de conhecimento e
capacitação, e que comunicam valores morais e éticos.
Nos períodos em que as crianças não estão envolvidas em tarefas, estudos ou participando de cultos, podem utilizar playground, campo de futebol,
quadras de esporte e jogos como dama e xadrez, além de televisão e biblioteca, para que desenvolvam integração e socialização com outras crianças.
As atividades religiosas são dirigidas através de estudos bíblicos, histórias lúdicas e cultas, exercendo papel fundamental na socialização da criança.
Leitura bíblica, oração e louvor os desafiam a experimentar a mudança do
comportamento agressivo para um passivo e a formação do caráter através de
valores cristãos bíblicos. As temáticas bíblicas permitem uma abordagem em
diversas áreas, trabalhando os conflitos emocionais das crianças. Como todas
as pessoas envolvidas no cotidiano participam de uma cosmovisão cristã bíblica, sessões de aconselhamento pautadas por valores bíblicos permitem que
seja dada atenção às crianças e resgatado seu valor como ser humano.
Questionado, o abrigado R.A.D., que passou por outros abrigos, diz:
Quando não era evangélico, fazia umas besteiras, mas agora
sou evangélico e consigo me controlar e comportar [...] meu
nervoso era por conta da minha família que foi retirada, aí eu
fugia, acho bom aqui, grande, não tem essas regalias em outros abrigos [sic].
36
Ao chegar, o abrigado recebe instruções sobre normas e regras de
funcionamento, tais como não serem permitidos namoro, drogas, fumo e bebidas. Os casos de indisciplina são analisados e, conforme a seriedade, aplicadas medidas socioeducativas que podem resultar até na transferência para outro abrigo.
Questionada sobre esse assunto, a administradora Ana Silvia diz:
[...] tiramos televisão, passeio, lazer, celular, sair de casa. A
cada grau de indisciplina impõe-se restrição maior, chegando
à transferência para outro abrigo [...] diferentemente de orfanatos, que são um sistema fechado, o abrigo é aberto, mantendo regras próprias de convívio com horários para entrada e
saída [...].
Apesar de ser um número pequeno, as fugas são realidade, particularmente na chegada dos abrigados e nos períodos de férias. Ana Silvia, comenta:
[...] crianças e adolescentes têm liberdade para sair mediante
avaliação das mães sociais e da psicóloga. Contudo, existem
casos de fuga, seja do abrigo ou da escola. Quando há fuga,
se comunica ao Conselho Tutelar, que, acompanhado de autoridade policial, busca reconduzir [quem fugiu] ao abrigo. De
qualquer forma, [a fuga] é notificada à Justiça, pois o trabalho é
feito em parceria entre abrigo, Justiça e Conselho Tutelar.
2.3 Resultados Esperados
Por ser uma instituição evangélica, o Vale da Bênção tem em seu escopo o anúncio da mensagem de paz, amor e fraternidade a crianças e adolescentes, de forma a valorizá-los e reconduzi-los à sociedade. Por meio de sua
estrutura, procura desenvolver um ambiente familiar e aspectos que tratem
corpo, alma e espírito, atendendo o abrigado de modo integral.
Pode-se observar que o sagrado é a premissa do ambiente, e produz
na vida de crianças e adolescentes valores para sua juventude, como podemos
ver nos relatos de funcionários a seguir:
Ana Silvia diz: “Através da Bíblia Sagrada se busca inserir a ética e a
moral, fortalecendo a cooperação, o amor, a valorização do ser humano, a espiritualidade”.
37
Vera Lucia, psicóloga da instituição, nos relata:
[...] crianças nos procuram perguntando “quando vamos voltar
para casa?” Muitas delas não entendem por que estão no abrigo, é difícil. Se não fosse pelo amor de Deus, não estaria mais
aqui, pois já tive ofertas melhores de salário, não é fácil lidar
com as expectativas deles. Procuramos através de dinâmicas e
preceitos cristãos valorizar a criança ministrando o amor de
Deus.
A expectativa da instituição é que a criança seja socializada e possa
construir valores familiares que a torne um cidadão produtivo dentro de uma
cosmovisão cristã.
A assistente social Marisa, questionada sobre o papel da assistência
social na instituição, relata: “Ela caminha com a psicologia, no abrigo não se
detém a lei cuidando apenas do físico, mas também o espiritual abrange a mediação com as famílias e autoridades [sic]”.
Transformar a criança e prepará-la para a sociedade por meio de preceitos bíblicos tem sido o desafio.
Questionada, a pedagoga Rosenilda Rocha, coordenadora de atendimento, relata: “A palavra de Deus nos dá esperança, isso nos encoraja no trabalho com as crianças e nos possibilita ser agente de transformação, contando
histórias bíblicas, agindo diretamente nas lacunas sentimentais”.
O objetivo da instituição é cumprir de forma integral sua missão, mediante a qual se espera a transformação da criança ou do adolescente, aptos à
reintegração na sociedade:
Nossa missão é garantir direitos às crianças, adolescentes e
famílias em situação de vulnerabilidade social, capacitando-os
para o exercício da cidadania, tendo como base uma referência
cristã, visando à transformação integral (AEBVB, 2010, p. 2).
2.3.1 O abrigo
Em nosso primeiro capítulo situamos a instituição dentro do terceiro setor, como uma entidade filantrópica sem fins lucrativos. Porém, se faz necessário esclarecer que se trata um abrigo.
38
Segundo Ana Silvia, o sistema adotado pelo Vale da Bênção é o de casa-lar, um sistema aberto com número reduzido de crianças, aproximando-se
de um ambiente familiar. Diferente de orfanatos, que funcionam em sistema
fechado, o abrigo é aberto, mantendo regras próprias de convívio com horários
predeterminados para entrada e saída. As crianças e adolescentes têm liberdade para sair mediante avaliação das mães sociais e psicólogas.
As crianças abrigadas têm apoio ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e socioeducativo, conforme disposição do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA, 1990, p.30) em seu Art.94:
As entidades que desenvolvem programas de internação têm
as seguintes obrigações, entre outras: [...]
III – Oferecer atendimento personalizado, em pequenas unidades e grupos reduzidos;
IV – Preservar a identidade e oferecer ambiente de respeito e
dignidade ao adolescente;
V – Diligenciar no sentido do restabelecimento e da preservação dos vínculos familiares;
VII – Oferecer instalações físicas em condições adequadas de
habitabilidade, higiene, salubridade e segurança e os objetos
necessários à higiene pessoal;
VIII – Oferecer vestuário e alimentação suficientes e adequados à faixa etária dos adolescentes atendidos;
IX – Oferecer cuidados médicos, psicológicos, odontológicos e
farmacêuticos;
X – Propiciar escolarização e profissionalização;
XI – Propiciar atividades culturais esportivas e de lazer;
[...];
Observa-se que a instituição enquadra-se nas exigências governamentais para um abrigo.
Ainda sobre o abrigo, Rosenilda Rocha comenta:
Existem no Brasil muitas instituições governamentais e não governamentais que dão assistência à criança e [ao] adolescente
em situação de risco [que sofrem maus-tratos por parte dos
familiares], órfãos e crianças de ruas. No entanto, para atender
essas instituições, foram criadas, a partir da Constituição, entidades de atendimento responsáveis por manutenção das unidades, planejamento e programas de proteção. Como também
por prestação de contas financeiras e de assistência [das entidades].
Encontramos algumas entidades governamentais que fornecem apoio
às ONGs, dentre as quais citamos a Secretaria Municipal de Ação e Desenvol-
39
vimento Social (Smads), do município de São Paulo, o Departamento Regional
de Ação e Desenvolvimento Social (Drads), que atua no Estado de São Paulo.
Essas entidades prestam contas ao Tribunal de Contas do Estado, ao Ministério da Fazenda e às prefeituras.
Rosenilda Rocha esclarece: “São por meio de tais entidades citadas acima que as unidades ou organizações não governamentais recebem orientação da execução do trabalho, recursos financeiros para a habilitação do mesmo e apoio [sic]”.
Segundo o ECA (1990, p.28) em seu Art. 90, essas unidades ou instituições podem realizar suas atividades da seguinte forma:
As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e
execução de programas de proteção e sócio-educativos destinados à criança e adolescente, em regime de:
I- Orientação e apoio sócio-familiar;
II- Apoio sócio-educativo em meio aberto;
III- Colocação Familiar;
IV- Abrigo:
V- Liberdade Assistida;
VI- Semiliberdade;
VII- Internação.
Pode-se ver por meio dos relatos prestados e documentos anexados a
esta pesquisa que o abrigo segue normas, regras e gestão própria, mas, não
obstante seus deveres, presta conta ao poder público de seus atos e movimento financeiro. Ou seja, o trabalho realizado é registrado e a prestação de contas
se dá por meio de relatórios e balancetes mensais e anuais remetidos aos órgãos fiscalizadores municipal, estadual, federal e ao conselho deliberativo.
2.3.2 A socialização
2.3.2.1 O abrigo
Pode-se ver anteriormente que as instituições que abrigam crianças e
adolescentes em situação de risco social têm gestão própria, podendo haver
diferenças entre elas. Ao priorizar a instituição familiar, os abrigos valorizam
40
respeito, boas maneiras, compartilhamento através de casas-lares, mantendo
pais sociais que buscam transmitir o conceito de família aos abrigados.
À diferença dos abrigos, as instituições em regime de orfanato ou fechadas estão na contramão do desenvolvimento da criança no tocante
ao
aprendizado emocional. Percebe-se que o melhor lugar para o desenvolvimento de uma criança ou adolescente é junto de sua família, biológica, adotiva ou
afetiva:
[...] o ambiente institucional não se constitui no melhor ambiente de desenvolvimento, pois o atendimento padronizado, o alto
índice de crianças por cuidador, a falta de atividades planejadas e a fragilidade das redes de apoio social e afetivo são alguns dos aspectos relacionados aos prejuízos que a vivência
institucional pode operar no indivíduo (CARVALHO, 2002, apud
SIQUEIRA, DELL’ AGLIO, 2006, p. 3).
A figura das unidades de socialização está associada à das unidades
de recuperação, isto faz com que a ocupação dos abrigos seja feita no mais
das vezes por infratores.
Infelizmente percebe-se a equiparação a uma instituição fechada, com
guardas, muros altos e aparato policial, a fim de evitar as fugas, como acontecia na antiga Febem no Estado de São Paulo. Por ter um sistema gestor independente e de estrutura peculiar a cada ONG, o sistema de casa-lar adotado
pelo Vale da Bênção traz uma relevância ímpar, uma vez que preconiza o sistema familiar dotado de liberdade. Pensar em um ambiente aberto em milhares
de alqueires de área verde, com amplo espaço para lazer, biblioteca, clínica,
informática, aulas de artesanato, música e pais sociais que oferecem carinho,
atenção, respeito e cuidados fisiológicos em paridade com seus filhos consanguíneos é totalmente impensável a muitas pessoas. Assim, o atendimento oferecido pelo Vale da Bênção é melhor em muitos casos.
Em relato, Y. S. O., 15 anos de idade, cursando a sétima série, abrigado há três anos, tem seis irmãos, dos quais três foram adotados, uma está no
Vale da Bênção e dois têm paradeiro desconhecido:
Minha mãe foi testemunha de uma chacina, ficamos sobre a
proteção dos Direitos Humanos, minha mãe bebia, usava drogas, então fomos para o abrigo com minha mãe. Não adiantou,
ela fugiu, então tivemos que vir pra cá. Desde os nove anos
41
meu avô dava pinga pra ela, meu pai está em Pernambuco,
mas não [o] conheci, minha avó mora em área de risco, então
temos que ficar aqui, é melhor. Aqui aprendo bastante coisa, lidar com as pessoas, relacionar, eu gosto daqui, é um lugar onde podia estar com minha família.
Nesse sentido, comenta Dell’Aglio (2000) apud Siqueira e Dell’Aglio
(2006, p. 3).
No entanto, cabe salientar que muitas das crianças que foram
institucionalizadas estão de certa forma, mais seguras na instituição que em suas próprias casas, pois, ela oferece ambiente
mais estável do que em seus lares, onde se encontravam em
conflitos e em constante situação de risco.
Coadunando com essa ideia encontramos o seguinte comentário:
A instituição de abrigo consiste em um ambiente ecológico
de extrema importância para crianças e adolescentes institucionalizados, configurando o microssistema onde eles realizam um grande número de atividades, funções e interações,
como também um ambiente com potencial para o desenvolvimento de relações recíprocas, de equilíbrio de poder e de
afeto (YUNES, 2004, p. 197).
Pode-se então, chegar à conclusão de que o Vale da Bênção cumpre
seu papel social de abrigo e instituição familiar que, por meio de sua cosmovisão cristã, promove o bem-estar de crianças e adolescentes.
2.3.2.2 A família
A ideia de família segundo os princípios bíblicos reflete a união de um
homem e uma mulher que deixam seus progenitores e o habitat de origem, a
fim de poderem formar uma família constituída por filhos e construir um ambiente acolhedor de paz e união. No segundo capítulo do primeiro livro bíblico, a
saber, o livro de Gênesis, versículo 24, diz: “Portanto deixará o homem a seu
pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão uma só carne”.
Muito embora o conceito de família atual no Brasil esteja sendo relativizado, colocando como instituição familiar a convivência de pessoas independentemente do gênero, pode-se verificar que a Constituição da República Fe-
42
derativa do Brasil define este conceito da seguinte forma em seu capítulo sétimo, artigo 226 e parágrafos primeiro a oitavo:
CAPÍTULO VII
Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso
(Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado.
§ 1º – O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º – O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Regulamento)
§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º – Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal
são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010).
§ 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana
e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre
decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou
privadas. Regulamento
§ 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa
de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Portanto, a entidade ou instituição familiar, à luz da Constituição Brasileira, segue os padrões bíblicos que definem a família como instituição que
tem, em sua essência, a perpetuação da humanidade e procriação. Nesse sentido, a união de pessoas do mesmo sexo não é admissível na forma da lei, coadunando com os padrões bíblicos.
Encontramos ainda o seguinte comentário de Luciana Faro (2002) sobre esse assunto:
Ao lado do modelo tradicional de família, “como condição indispensável para gerar filhos”, o da união oficial e legitimada pelo
casamento protege e normatiza a nova lei civil a união estável
entre homem e mulher, já reconhecida pela jurisprudência e
depois pelo legislador com a previsão na Carta de 1988 e a edição das leis n. 8971 de 29 de Dezembro de 1994 e 9278 de
10 de Maio de 1996 estabelecendo, inclusive, aquela lei, o juízo da Vara de Família como competente para dirimir os conflitos [sic].
43
Trata-se de algo novo, que não é concebível na formação de uma criança, o conceito bíblico indica que os padrões de uma família se coaduna aos
da Carta Magna de 1988. O conceito de família está ancorado na união de duas pessoas, que geram filhos. Sobre essa união, Lakatos (2009, p. 171) comenta: “a família em geral é considerada o fundamento básico e universal das
sociedades, por se encontrar todos os agrupamentos humanos, embora variem
as estruturas e o funcionamento”.
Unidas por laços multiformes, a família se mantém unida material, moral, afetiva, recíproca e biologicamente, durante gerações através da cultura,
arte, ética e religião, sendo essa estrutura familiar de suma importância para a
formação da criança. Fontana (1991, p. 3) comenta: “o primeiro grupo social da
criança é, obviamente, a família e, para a maioria das crianças, esta permanece como grupo mais importante durante a infância. Muralanda (2001, p. 59)
comenta: “a criança necessita de atenção, da segurança, da aceitação e do
apreço [...]”.
Rosenilda Rocha, coordenadora de atendimento do Vale da Bênção,
em entrevista, diz:
Os problemas envolvendo famílias são inúmeros, como podemos ver: a fragmentação, isto é, o número excessivo de divórcios; problemas financeiros por falta de emprego; violência;
drogadição dos pais; envolvimento dos mesmos com o crime;
abuso sexual por parte dos próprios familiares da criança;
maus-tratos, tais como espancamento e gravidez precoce.
Todos esses problemas geram um ambiente desestruturado e,
consequentemente, levam a criança à situação de muito estresse emocional e risco à sua integridade física. Fazendo com
que essa criança tenha disposição de aprender a ler e a escrever com comprometimento [...]. Para assegurar a integridade
emocional e física da criança, o Conselho Tutelar geralmente
encaminha tais crianças às instituições devidamente legalizadas e reconhecidas.[sic].
Durante entrevistas com os abrigados, pode-se observar um sentimento abstrato, insólito, sem motivação ou alvo, fruto de variações emocionais.
Goleman (2007, p. 52) comenta: “A contínua perturbação emocional cria deficiências nas aptidões intelectuais da criança, mutilando a capacidade de aprender.”
44
Desta forma percebe-se que a instituição Vale da Bênção cumpre seu
papel, enquanto tem em seu escopo uma organização com valores e princípios
familiares cristãos.
2.3.3 Depoimentos de funcionários
No desenvolver das entrevistas percebe-se a presença de uma relação
muito mais afetiva do que econômica, na qual a valorização humana configura
a motivação de cada funcionário. Por se tratar de uma instituição confessional,
é natural que a religião seja o norteador pessoal de cada um, como se vê nos
depoimentos que seguem:
Maria de Fátima Carmo, mãe social há 12 anos na instituição, já passou por todas as casas e declarou: “ser mãe social é maravilhoso”.
Rosenilda Rocha, coordenadora de atendimento há 12 anos na instituição, relata, com os olhos embargados, o relacionamento afetivo para com as
crianças: “Encontraram uma criança na lata do lixo, [...] fomos trabalhando [...]
e hoje, com vinte anos [...], ele vem todo ano visitar e me diz: Tia, obrigado!
Considero-me mãe.”
Marisa, assistente social, tida como a “mãezona” e responsável por atender os casos envolvendo crianças e adolescentes junto a escolas e órgãos
públicos, diz: “Quando mexem com as crianças, eu vou para resolver.”
Luzia, assistente social, atua em conjunto com Marisa e faz o tramite
burocrático de relatórios e visitas as famílias. Relata a importância do trabalho
em conjunto e diz: “o que fazemos é por amor, se fosse pelo dinheiro não estaríamos aqui”.
Marli, mãe social, está há três anos na instituição, casada e mãe de um
filho, diz: “já pensamos em ir embora várias vezes por falta de privacidade, mas
a afetividade nos faz repensar, e estamos aqui”.
Gloria, mãe social, há dois anos na instituição, casada, dois filhos, relata: “A mudança de faixa etária mudou nossa vida como casal, pois substituíram
crianças por adolescentes, e a idade deles é para ficar com mãe social solteira.
45
Há programas de TV que não as posso deixar assistir por conta dos menores,
há muito respeito na minha casa.”
Apesar das condições que chegam as crianças e das condições salariais baixas, todos os funcionários mantêm um vínculo afetivo para com as crianças e o Vale da Bênção. Nesse sentido, mesmo com as dificuldades e as necessidades que surgem, todos procuram se adaptar às condições necessárias
para atender e formar cidadãos conscientes.
2.4 Entrevistas
As entrevistas envolveram funcionários (administrativos, técnicos, diretoria), abrigados e ex-abrigados. Sobre os abrigados foram levantadas informações a respeito dos fatores que os levaram ao abrigamento, o contato deles
com o sagrado e a expectativa de cada um quanto ao retorno à sociedade.
Quanto aos funcionários, buscou-se informações de aspectos relacionados ao
cotidiano no Vale da Bênção, sendo que essas informações foram dispostas ao
longo de nossa pesquisa, direta ou indiretamente.
2.4.1 Aspectos metodológicos
Foram utilizadas uma pesquisa bibliográfica e uma de campo para o
desenvolvimento deste trabalho. Através da pesquisa de campo, podem-se
comparar dados bibliográficos e vivenciados no cotidiano do Vale da Bênção. O
modelo de entrevista semiestruturada se mostrou mais flexível e adequado.
Sobre entrevistas semiestruturadas, Quaresma (2005, p. 75) afirma:
As entrevistas semi-estruturadas combinam perguntas abertas
e fechadas, onde o informante tem a possibilidade de discorrer
sobre o tema proposto. O pesquisador deve seguir um conjunto
de questões previamente definidas, mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal [...] Esse
tipo de entrevista é muito utilizado quando se deseja delimitar o
volume das informações, obtendo assim um direcionamento
46
maior para o tema, intervindo a fim de que os objetivos sejam
alcançados.
2.4.2 Depoimentos de abrigados e ex-abrigados
Nosso propósito foi abordar fatores que levaram ao abrigamento e o
que mudou a partir de sua chegada à instituição, positiva ou negativamente
para a sua construção de sua identidade, uma vez que estamos tratando de
crianças em período de aprendizagem. Buscou-se através destas entrevistas
identificar elementos da religião que contribuíram para seu processo de aprendizagem e socialização. Foi adotada uma linguagem simples e livre para que
as crianças e os adolescentes não fossem constrangidos. Em cada entrevista,
com duração média de 45 minutos, foram coletados dados como idade, escolaridade e procedência. Abaixo, aspectos da trajetória familiar e de vida, do abrigamento, do contato com a religião e do processo educacional de socialização
aplicado no Vale da Bênção serão apresentados.
1) O que o levou ao abrigamento?
A desestruturação familiar é um dos motivos do abrigamento de crianças e adolescentes no Vale da Bênção. Porém, os fatores que levaram a essa
situação familiar têm aspectos variados, mas comum ao cotidiano vivido nas
cidades brasileiras. Drogas e alcoolismo fazem parte da história de vida desses
atores como uma condição e uma consequência. Bebida, drogas, abuso sexual, agressões e abandono de incapaz são as causas naturais que levam ao
abrigamento.
Meu pai é foragido e alcoólatra, tenho duas irmãs débeis mentais, um irmão traficante e outro de boa (trabalha e cuida da
minha vó), somos sete irmãos, o mais velho tem 22 anos. Meu
pai foi acusado de estupro de uma criança e bebia muito. [sic]
(Sujeito 1).
Outro relato demonstra a falência familiar e a desestruturação do Estado para com o atendimento de crianças em situação de risco social. Para esse
sujeito, a convivência da família com álcool e outras drogas levou sua mãe a
presenciar uma chacina, onde se fez necessária a proteção da Organização
dos Direitos Humanos, que os encaminhou ao abrigo.
47
Minha mãe foi testemunha de uma chacina, então, ficamos sobre proteção dos Direitos Humanos. Minha mãe bebia, usava
drogas, fomos para o abrigo com minha mãe, mas não adiantou, ela fugiu, então, tivemos que vir para cá. Desde os nove
anos meu avo dava pinga para minha mãe, meu pai esta em
Pernambuco, mas, não o conheci e minha vó mora em área de
risco, então temos que ficar aqui é melhor [sic] (Sujeito 2).
Outro fator para o abrigamento é a incapacidade financeira dos pais.
Em alguns casos, a falta de condições financeiras associadas a agressões e
alcoolismo provoca uma ruptura dos vínculos familiares desde cedo, como no
caso abaixo, em que a família do sujeito é numerosa e fragmentada.
Cheguei aos três anos ao Vale da Bênção, tenho seis irmãos,
sou do meio, uma mora aqui, dois com minha mãe, um eu não
sei, um com meu pai. Só conheço a mãe, vejo uma vez a cada
dois meses, [...] ela tem 42 anos, separaram porque meu pai
bebia e batia nos filhos. Estamos no abrigo por falta de condição financeira [sic] (Sujeito 3).
O próximo relato faz parte de uma canção composta por um sujeito que
conta a sua história. Durante a entrevista, foi percebida a dificuldade de se falar
sobre o assunto, mas a surpresa apareceu quando o rap a seguir foi cantado.
Aquela mãe quando soube que estava grávida/ queria abortar
seu bebê/ sabendo que seria difícil criá-la./ Pois as dificuldades
eram muito grandes/ às vezes a casa se enchia de sangue com
a briga de seus pais,/ era faca, pau, tudo que você imagina [sic]
(Sujeito 6).
2) Como era a sua vida familiar?
Os relatos revelam um sentimento de amor, união e profunda valorização familiar, independentemente de fatos ou condições que levaram ao abrigamento, porém apresentam lembranças subjetivas da infância.
[...] meu pai vem uma vez por mês, minha mãe uma vez a cada
dois meses, é difícil ficar sem família, é sofrido [...] eu brincava
com meus irmãos, era bom. [...] gostaria de estar com minha
família [sic] (Sujeito 5).
[...] às vezes não tinha comida em casa [...] pequenina, cinco
anos, fui para um abrigo [...] eu e meus irmãos íamos ao farol
pedir moedinha para comprar um pão. Eu não me lembro disso
não, minha mãe que me contou [sic] (Sujeito 6).
3) Como você foi retirado de sua família?
48
De uma forma geral, são vários aspectos que levam a Justiça ou o
Conselho Tutelar a retirar a criança da guarda dos pais em prol de seu bemestar.
Para este sujeito, o fato gerador não foi somente o fato do abandono
pela mãe mas também os distúrbios psicológicos do pai.
Eu morava com meu pai porque minha mãe foi embora. Morava com ele até os oito anos, mas ele toma remédio controlado,
então eu e minha irmã estamos aqui e mais dois em Sorocaba
[sic] (Sujeito 5).
Em outros casos, a retirada dos filhos dos braços da mãe é acompanhada de força policial.
Entrei na briga da minha mãe com meu padrasto, aí fui ao médico. O médico me viu machucada e chamou a polícia, eu disse
que tinha sido meu padrasto que tinha agredido violentado.
Mas não era verdade, então minha mãe pediu para desmentir.
Fui à delegacia e contei a verdade, mas aí meu padrasto deixou minha mãe. Então eu estava no colégio quando a diretora
me chamou e perguntou se tinha feito algo. Eu disse que não,
então chegou minha mãe com meus irmãos, então aquelas
pessoas do conselho arrancaram meus irmãos e eu e nos levaram para o abrigo, aí eu fugi, então me mandaram pra cá [sic]
(Sujeito 4).
[...] minha família foi retirada a força [...] tenho raiva do juiz,
porque tirou minha família e não deixa ver meu irmão [sic] (Sujeito 3).
4) Como é viver no Vale da Bênção?
Durante as entrevistas, o dia a dia dos abrigados foi acompanhado.
Apesar de oferecer uma estrutura de qualidade reconhecida pelas autoridades,
é importante obter a opinião dos abrigados sobre o local.
[...] o abrigo é bom, mas não gosto das regras (Sujeito 4).
[...] os pais sociais são legais, mas não podemos namorar, sair.
Jogo bola, videogame, é bom [sic] (Sujeito 5).
[...] a lei do abrigo proíbe namoro, mas é bom aqui [...] queria
morar com minha mãe, morar sozinho não penso, prefiro morar
aqui [sic] (Sujeito 3).
[...] acho bom aqui, grande, não tem essas regalias em outros
abrigos [sic] (Sujeito 1).
[...] aqui aprendo bastante coisa, lidar com as pessoas, relacionar, eu gosto daqui, é um lugar onde podia estar com minha
família [...] faço curso em São Roque, vou de ônibus, temos ho-
49
rários de ida e volta, estudo, uso internet, jogo bola, vôlei, canto, canto e danço na igreja [sic] (Sujeito 2).
5) Do que você sente falta?
Apesar de serem retirados do seio familiar (pai, mãe, irmãos) por falta
de condições que garantissem seus direitos, todos os entrevistados manifestaram o desejo de voltar para sua família biológica.
[...] sinto falta de uma família de verdade, pai e mãe, gostaria
de estar com todos [sic] (Sujeito 2).
[...] sinto falta da minha família, passeios, assistir novela [sic]
(Sujeito 1).
[...] sinto falta da minha mãe e meus irmãos [sic] (Sujeito 4).
[...] sinto falta da minha família, é difícil ficar sem família [sic]
(Sujeito 5).
6) O que você acha dos funcionários?
Via de regra, os funcionários cumprem seu papel como pais e mães
sociais, acolhendo e passando valores familiares abarcados por uma cosmovisão cristã. Nesse contexto, as crianças veem neles as figuras paterna e materna que dão segurança, amor, zelo, mas não os distancia da falta de suas famílias biológicas.
Para mim, são meus pais, mas é diferente, estar com eles e
[com o] pai e mãe de verdade [...] vejo os “tios” como protetores, são tudo que não tive [sic] (sujeito 2).
[...] para mim os pais sociais são meus pais [sic] (Sujeito 2).
[...] a “tia” é legal, quando preciso converso com as psicólogas,
gosto delas [sic] (Sujeito 4).
[...] os pais sociais são legais [sic] (Sujeito 5).
7) Qual é o papel da religião em sua vida?
Percebe-se que a religião tem sido o meio pelo qual as crianças têm
conhecido a Deus, o transcendente, descobrindo valores morais e éticos que
valorizam a família e a vida, trazendo paz e segurança.
[...] estar na igreja me ajuda no relacionamento, todos frequen
tam [sic] (sujeito 2).
[...] quando não era evangélico fazia besteira, mas agora sou
evangélico e consigo me controlar e comportar [...] fui para igreja e senti um negócio no coração e decidi ser evangélico
[sic] (sujeito 1)
[...] eu vou à igreja, tem me acalmado [sic] (Sujeito 4).
50
[...] vou à igreja às vezes, me acalma [sic] (Sujeito 5).
8) O que mudou para você depois que chegou aqui?
Geralmente as crianças e adolescentes chegam traumatizadas pela
forma abrupta com que foram retiradas de suas famílias, o que gera insegurança, medo, solidão. Contudo, após chegarem, descobrem um ambiente livre de
muros e pessoas dispostas a ouvi-los, e não somente a ditar regras. Cursos,
brincadeiras, escola, passeios, o convívio familiar fazem com que elas encontrem no Vale da Bênção o lugar ideal para viver com sua família.
[...] quando cheguei tinha medo, me sentia sozinha, queria ligar
para alguém [...] aqui aprendo bastante coisa, a lidar com as pessoas, a me relacionar [...] faço cursos, brinco [sic]. (Sujeito 2).
[...] quando cheguei aqui aprendi a ler [...] vir para o abrigo foi
melhor, não tenho raiva de ninguém [sic] (Sujeito 1).
[...] já fugi duas vezes, mas a “tia” tem sido legal, conversado,
me ouvido, aí eu acalmei, vou sair logo [sic] (Sujeito 4).
[...] estou fazendo cursos, brinco, vou à escola, esta melhor
aqui [sic] (Sujeito 5).
9) Qual é a sua expectativa quando sair daqui?
Percebe-se através dos relatos que o ideal de valorização da vida familiar e a construção de um cidadão consciente com identidade própria têm sido
alcançados.
[...] sonho em ter uma família, fazer minhas faculdades, Direito
e Psicologia, achei interessante para poder encontrar minha
mãe e ajudar ela parar com vícios e ajudar minha vó [sic] (Sujeito 2).
[...] quero juntar minha família para morarmos juntos [...] quero
ser engenheiro civil [sic] (Sujeito 1).
[...] vou morar com minha mãe, ela esta montando uma lanchonete para nos manter, vou trabalhar com ela e estudar [sic]
(Sujeito 4).
[...] quero estar com minha família [sic] (Sujeito 5).
Em nossas entrevistas, nos chamou a atenção o sujeito 6, uma vez que
percebemos sua dificuldade em contar sua história de vida e o sentimento de
vergonha diante de um minigravador. Com o desenrolar da conversa, nos contou gostar de RAP 12 e escrever letras de música. Questionamos se havia algo
12
Rap é um discurso rítmico com rimas e poesias, que surgiu no final do século XX entre as
comunidades negras dos Estados Unidos. Pode ser interpretada a capella bem como com
51
que gostaria de mostrar, nos respondeu que havia uma musica com sua história de vida, composta por ela e que faz parte dessa pesquisa disposta como
anexo 6.
2.4.3 Estrutura da Cidade da Criança
O projeto original dispunha de 34 casas-lares que seriam construídas
em uma parcela da área de 18,5 alqueires do complexo Vale da Bênção, porém com as mudanças jurídicas e implantação do ECA, a Cidade da Criança
abriga atualmente 84 crianças e adolescentes em nove casas-lares, com capacidade máxima de 12 crianças ou adolescentes em cada, distribuídas por faixas etárias dispostas na tabela 2.2. Cada casa-lar possui um nome bíblico.
Tabela 2.2 Casas-lares da Cidade da Criança
Unidade
Idade
Gênero
Casa dos Bebês
0-3
Misto
Casa Canaã
4-8
Misto
Casa Betel
8-14
Misto
Casa Belém
8-12
Masculino
Casa Betânia
8-15
Feminino
Casa Jerusalém
8-12
Feminino
Casa Ester
12-18
Feminino
Casa Sara
12-18
Feminino
Para atender a essa estrutura, conta com cozinha central que prepara
as refeições de acordo com cardápio elaborado por nutricionistas e produzidas
com alimentos que chegam todos os dias. Conta ainda com uma padaria que
produz 200 pãezinhos diariamente, para consumo da Cidade da Criança, uma
um som musical de fundo, chamado beatbox. Os cantores de rap são conhecidos como
rappers ou MCs, abreviatura para mestre de cerimônias (http://www.suapesquisa.com/rap/).
52
clínica com enfermeira de segunda a sexta, prédio administrativo construído
com recursos doados pelo governo da Finlândia. Dispõe ainda de um refeitório
central e uma lavanderia.
Nos últimos anos vem crescendo a necessidade de espaço para adolescentes, e desde o início de 2012 a Justiça tem solicitado a destinação de
vagas a adolescentes.
Ana Silvia, administradora, diz:
Temos sete casas ativas, com 80% das vagas ocupadas por
adolescentes devido ao aumento da demanda, duas desativadas no momento, em reforma. Em cada casa temos [de] 10 a
12 crianças acompanhadas de mães sociais casadas e, em algumas, [mães sociais] solteiras [sic].
Rosenilda Rocha de Oliveira, coordenadora de atendimento, relata:
As casas são divididas por faixa etária. São elas: a Casa dos
Bebês, que está atualmente com dez crianças de zero a três
anos e onze meses, meninos e meninas; a Casa Canaã, que
está com 11 crianças de quatro a oito anos, meninos e meninas; a Casa Betel, que está com 12 crianças de 8 a 14 anos,
só meninas; a Casa Belém, que está com 12 crianças de 8 a
12 anos, meninos e meninas; a Casa Betânia, que está com 12
crianças de 8 a 15 anos, só meninos; a Casa Jerusalém, que
atende 12 crianças de 8 a 12 anos, meninos e meninas; a casa
Ester, que atende 12 adolescentes de 12 a 18 anos, só meninas, e a casa Sara, que atende 13 adolescentes de 12 a 18
anos [sic].
Devido às faixas etárias, as casas-lares têm dinâmicas diferenciadas
de atendimento. Rosenilda Rocha esclarece:
Na Casa dos Bebês, as mães sociais são mulheres solteiras
que moram na casa. Elas trabalham cinco dias e folgam 24 horas. No período das folgas tem outra mãe social para substituíla. Nesta casa, são duas mulheres que moram, a terceira trabalha só no período diurno [sic].
As casas Ester e Sara contam com apenas uma mãe social
solteira, para ambas. Estas mães trabalham cinco dias e folgam 24 horas. As outras casas, Betânia, Belém, Betel, Jerusalém e Canaã, contam com pais sociais casados, os quais trabalham cinco dias e folgam 24 horas. Os filhos destes pais vivem
no mesmo ambiente que as crianças abrigadas. Neste caso,
estas casas contam com três folguistas, que cobrem sua ausência no período de oito horas cada [...] [sic].
53
Além de todo esse apoio humano, a AEBVB ainda conta com
as parcerias que [a] subsidiam financeiramente, as quais são
as prefeituras de Araçariguama, São Roque e Sorocaba e o
governo estadual de São Paulo. Estes recursos que a AEBVB
recebe são destinados ao atendimento das crianças e adolescentes da Cidade da Criança e ao pagamento salarial dos empregados e encargos sociais [sic].
O recurso estadual que a AEBVB recebe é repassado pela entidade Drads. As outras verbas, que são municipais, são repassadas diretamente pelas prefeituras. As prestações de contas
dos recursos gastos são feitas mensalmente para as entidades
mantenedoras. Além disso, todas as contas bancárias mantidas pela AEBVB para recebimento das verbas públicas são
devidamente revisadas pelo Conselho Fiscal da instituição, pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e pela auditoria
[sic].
2.5 Análise
As entrevistas demonstram que há um sentimento de gratidão pela
acolhida e pela valorização, que todos os funcionários agem com paciência,
dispõem atenção a todos os abrigados e não medem esforços em suas dificuldades e necessidades. O profissionalismo dos funcionários somado a dedicação, amor e carinho com certeza são fatores que têm feito diferença na formação das crianças e dos adolescentes da instituição. Relatos de benefícios recebidos demonstram que o Vale da Bênção tem conquistado seus objetivos na
socialização.
A educação voltada a uma cosmovisão cristã tem sido um instrumento
eficaz na socialização dos abrigados. O ensino bíblico trouxe para as crianças
valores familiares e contribui para a leitura e enriquecimento do vocabulário.
Outro fator que contribui de forma positiva para sua formação tem sido o contato com o sagrado, que demonstrou ser um aspecto fundamental na
mudança de comportamento, trazendo segurança, valorização e sentido para
a vida.
Terapia ocupacional tem sido um meio eficaz de preparar os abrigados
para a inserção na sociedade, ensinando a superar as adversidades.
Percebe-se por parte dos gestores e funcionários que os resultados obtidos e as parcerias conquistadas fazem com que prossigam com o trabalho e
se sintam desafiados. Nesse sentido pode-se verificar no primeiro capítulo des-
54
sa pesquisa o número de parceiros e o reconhecimento da sociedade civil e do
Estado.
Nesse contexto de entrevistas, se percebe a influência do sagrado no
cotidiano, e o papel dos princípios bíblicos na vida e no projeto de socialização
das crianças e adolescentes abrigados no Vale da Bênção.
Dessa forma, o próximo capítulo reflete sobre a influência da religião no
processo de formação e socialização dessas crianças.
55
3 O PAPEL DA RELIGIÃO
Neste capítulo serão abordados aspectos que definem o papel da religião e sua influência no comportamento humano e a experiência religiosa dos
atores. Pretende-se abordar em um segundo momento aspectos do protestantismo brasileiro na área social, colaborando na pesquisa junto ao Vale da
Bênção, contribuindo no estudo da influência da religião na capacitação de crianças e adolescentes em situação de risco social para transformá-los em cidadãos conscientes.
3.1 Religião
Quando se pensa em religião,fatalmente se pensa em algo transcendente, imanente, ou seja, a religião como fenômeno sagrado. Sendo assim,
primeiro é preciso entender a religião do contexto do sagrado. Ao se pensar o
sagrado, remete-se a um mundo de encantamento e magia. As respostas serão investigadas em dois autores, Mircea Eliade, 13 com a obra O sagrado e o
profano, de 1992, e Rudolf Otto, 14 com a obra O sagrado, de 1985, as quais
ajudam a conceituar o que é o sagrado e sua participação na realidade do
ser humano. Porém vale observar a declaração do antropólogo Bronislaw
Malinoswki 15 (1884-1942) em sua obra Magia,ciência e religião: “Assim como a
13
14
15
Mircea Eliade nasceu em Bucareste, Romenia, 1907 — faleceu em Chicago, 1986 foi um
professor,historiador das religiões,mitólogo,filósofo e romancista romeno, naturalizado norteamericano, considerado o maior historiador das religiões.
Rudolf Otto, 1869 — 1937, teólogo protestante alemão e erudito em religiões comparadas.
Autor de The Idea of the Holy, publicado pela primeira vez em 1917 como Das Heilige
(considerado um dos mais importantes tratados teológicos em língua alemã do século XX) e
criador do termo numinous, o qual exprime um importante conceito religioso e filosófico da
atualidade.
Bronislaw Kasper Malinowski foi um antropólogo polaco, nasceu na Cracóvia em 7 de abril
de 1884 e faleceu em 16 de maio de 1942, em New Haven, EUA. É considerado um dos
fundadores da antropologia social. É fundador da Escola Funcionalista,teve posição
inovadora perante os conflitos de pensamento de sua época, não se opôs ao nacionalismo
do fim do século XIX, mas elaborou um pensamento que alia romantismo e positivismo,
investigando comunidades antigas sem conferir respeito às autoridades antigas.
Desenvolveu um método de investigação de campo, na qual executou inicialmente na
Austrália com os povos Mailu e das Ilhas Trobriand. Malinowski era filho de Lucjan
Malinowski, professor de filosofia e linguística da Universidade de Cracóvia, formou-se em
Ciências Exatas, logo passou a ler James Frazer que viria influenciar seus estudos
antropológicos. Em 1910, ingressou na London Scholl of Economic; em 1913, publicou a
obra “The Family Amoong the Australian Aborigenes”, criticando o evolucionismo.
56
história sagrada vive no nosso ritual, na nossa moralidade, assim como orienta
na nossa fé e controla a nossa conduta, o mesmo se passa com o mito para o
selvagem” (MALINOSWKI, 1988, p. 103).
Para o antropólogo, a religião está presente na humanidade em multifacetas, seja pelo simples fato da crença ou pelo mito, que nesse caso é uma
realidade bem presente ao selvagem.
Para Mircea Eliade (1992, p. 31), a irracionalidade tem que ser experimentada, colaborando para a construção de vida em comunidade, ou seja, é
possível compreender o sagrado em um todo: “o sagrado e sua experiência
constituem o cerne que dá estrutura à visão de mundo e elabora a existência
do indivíduo e da sociedade”.
O autor traça um panorama da história das religiões, postulando a dialética entre sagrado e profano.
Propomo-nos apresentar o fenômeno do sagrado em toda a
sua complexidade, e não apenas no que ele comporta de irracional. Não é a relação entre os elementos não racional e racional da religião que nos interessa, mas sim o sagrado na sua
totalidade. Ora, a primeira definição que se pode dar ao sagrado é que ele se opõe ao profano (ELIADE, 1992, p.12).
Em sua obra o autor contempla a possibilidade de trabalhar com o experimento de sentimentos religiosos, que ele chama de homo religiosus: “Seja
qual for o contexto histórico em que se encontra, o homo religiosus acredita
sempre que existe uma realidade absoluta, o sagrado, que transcende este
mundo, que aqui se manifesta, santificando-o e tornando-o real” (ELIADE,
1991, p.18).
Eliade (1992, p.13) ainda propõe:
O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente diferente do profano. A fim de indicarmos o ato da manifestação do sagrado,
propusemos o termo hierofania (sagrado revelado a nós). Este
termo é cômodo, pois não exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo etimológico, a saber, que algo de sagrado
se nos revela.
57
O autor afirma que o homem é religioso por uma questão histórica adquirida por um legado da humanidade, ou seja, para ele a religião é intrínseca
ao homem no seu inconsciente.
Todavia, os conteúdos e estruturas do inconsciente são o resultado das situações existenciais imemoriais, sobretudo críticas, e é por essa razão que o inconsciente apresenta uma aura
religiosa. Toda crise existencial põe de novo em questão, ao
mesmo tempo, a realidade do Mundo e a presença do homem
no Mundo: em suma, a crise existencial é “religiosa”, visto que,
aos níveis arcaicos de cultura, o ser confunde-se com o sagrado (ELIADE, 1992, p. 101).
Eliade traça uma ideia sobre o homem não religioso, afirmando que
apesar de atitudes profanas, não se desassocia do comportamento sagrado.
É preciso acrescentar que uma tal existência profana jamais se
encontra no estado puro. Seja qual for o grau de dessacralização do imundo a que tenha chegado o homem que optou por
uma vida profana não consegue abolir completamente o comportamento religioso. Isto ficará mais claro no decurso de nossa exposição: veremos que até a existência mais dessacralizada conserva ainda traços de uma valorização religiosa do mundo (ELIADE, 1992, p.18).
Nesse sentido, Eliade traz aspectos que contribuem para nossa pesquisa, uma vez que expõe a relação com o sagrado como parte essencial para
a experiência do mundo.
Para Rudolf Otto (1985, p.11), “O sagrado é antes de mais nada interpretação e avaliação do que existe no domínio exclusivamente religioso [...]”,
ou seja, a religião é a criação da humanidade que a liga com o sagrado, um
poder misterioso que se relaciona com o homem. Na ideia de Otto, o sagrado
está relacionado à divindade distinta de qualquer coisa natural e irracional, voltando-se aos aspectos sentimentais.
O autor usa do termo numem para designar a abstração do sagrado,
ou seja, o numinoso (termo criado por Otto) não pode se explicar, porque não
se pode entender.
Toda concepção teísta, e de maneira especial a concepção
cristã de Deus, tem como característica essencial a compreensão clara da divindade e a sua definição através de predicados
tais como: espírito, vontade divina, boa vontade, todo-
58
poderoso, unidade de essência, razão, consciência de si [...]
Todos estes predicativos, quando aplicados ao divino, são considerados absolutos, perfeitos. São noções precisas, acessíveis ao pensamento e a análise, suscetíveis de definição [...]
Se considerarmos racional um objeto que pode ser captado pelo pensamento conceitual, a essência da divindade descrita por
estes predicados é racional, e uma religião que a aceita e a afirma é também uma religião racional (OTTO, 1985, p. 7).
A presença de Deus na consciência humana traz sentimento e sentido,
valor e significado, ou “ser criatura”. O numinoso se trata de um conjunto de
sentimentos que dão sentido à vida, que Otto chama de mysterium tremendum
et fascinans.
O autor demonstra através de seus pensamentos que o ser humano
tem em si a necessidade de se relacionar com o transcendente. Dessa forma, a
experiência com o sagrado, com a divindade, com a religião se torna essencial,
preenchendo o sentimento religioso e dando significado à vida.
Não é apenas um sentimento de aspirações religiosas, que o
fascinante toma vida. Ele já vive na solenidade que se encontra, tanto no profundo recolhimento da adoração individual, como na elevação da alma em direção ao sagrado no culto praticado com gravidade e recolhimento. É o fascinante, que na solenidade, pode encher a alma e dar-lhe uma paz indescritível
(OTTO, 1985, p. 39).
Entende-se que a razão interage com o sentimento de religião com
seus elementos racionais e irracionais. O numinoso é a essência da religião,
produzindo temor, encantamento e demais sentimentos atribuídos, já o transcendente é irracional e só pode ser experimentado e não explicado.
Para Durkheim 16 (apud HERVIEU-LEGER, 2009, p. 173), as coisas sagradas são “aquelas de que a própria sociedade elaborou a representação”, ao
passo que as profanas são “as que cada um de nós constrói com os dados dos
próprios sentidos e da própria experiência”.
Ou seja, para Durkheim, a consciência coletiva do sagrado e do profano é desenvolvida pelo indivíduo através de sua experiência, coadunando em
parte com a ideia de Otto.
Hervieu-Leger (2009, p.178) comenta Durkheim em Sociologia e religião:
16
Émile Durkheim 1858 — 1917 frances, é considerado um dos pais da Sociologia moderna, tendo sido o fundador da
escola francesa, posterior a Marx, que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica. É amplamente
reconhecido como um dos melhores teóricos do conceito da coesão social.
59
[...] são sagrados os objetos e as pessoas aos quais a qualidade de mana é imputada e que são, por esse fato, colocados à
parte e separados do domínio profano. Essa imputação é o resultado de um julgamento coletivo que o grupo põe em ação,
em função das necessidades, das aspirações e das expectativas que lhe são próprias. O “julgamento mágico” não é o resultado de um procedimento racional, mas de uma pressão afetiva
que encontra sua fonte no imaginário de uma sociedade que
aspira superar as violências e os sofrimentos da vida ordinária:
ele é “síntese coletiva, crença unanime, em um determinado
momento de uma sociedade, na verdade de certas ideias, na
eficácia de certos gestos.
Nessa perspectiva, entendemos que a experiência cotidiana das crianças e adolescentes no Vale da Bênção permite que construam uma consciência coletiva do sagrado e do profano, permeando seus valores éticos e morais,
contribuindo no seu desenvolvimento como cidadão consciente e ao mesmo
tempo conferindo a instituição valores ao trabalho idealizado e realizado. Dentro dessa perspectiva, entende-se contextualizar o conceito e a missão da igreja nesse imaginário religioso no Vale da Bênção frente aos abrigados.
3.2 Igreja
3.2.1 A igreja 17 – conceito
A palavra igreja tem sua base no grego εκκλησία [ekklesia] e
no latim ecclesia. Em sua etimologia a palavra ekklesia é composta por dois
radicais gregos: [ek] que significa para fora e [klesia] que significa chamados.
Originalmente o termo designa uma assembleia convocada:
Por tanto, ekklesía denota originalmente a um grupo de cidadãos chamados de onde estavam e reunidos em assembleia
com um propósito concreto. É um termo que aparece a partir
do quinto século antes de Cristo nos escritos de Heródoto, Jenofonte, Platón e Eurípides. Este conceito de ecclesía era especialmente prevalente em Atenas, a capital, onde se convocava aos dirigentes políticos como assembleia constitucional ao
menos quarenta vezes ao ano. (HORTON, 1996, p.530).
17
O Antigo Testamento utiliza um termo hebraico para a reunião do povo. Segundo Berkhof
(1992, p.559) “O Velho Testamento emprega duas palavras para designar a igreja, a saber,
quahal (ou kahal, derivada de uma raiz qal (ou kal) obsoleta, significando “chamar”; e
edhah, de ya’adh, “indicar” ou encontrar-se ou reunir-se num lugar indicado”.
60
No contexto cristão, entende-se que esta assembleia é convocada por
Deus 18. A palavra igreja também é utilizada para designar um templo que oferece o serviço religioso cristão, com formas e arquiteturas próprias. Biblicamente, pode-se dizer que a igreja é uma reunião de cristãos.
No Novo Testamento a igreja está diretamente ligada a Cristo como
cabeça do povo. Encontra-se a palavra igreja pela primeira vez no livro
de Mateus 16,18, com a declaração de Jesus: “Também eu te digo que tu és
Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha igreja, e as portas do inferno não
nunca prevalecerão contra ela”.
Berkhof (1992, p.560) esclarece que:
No Novo Testamento, Jesus foi o primeiro a fazer uso da palavra, e Ele a aplicou ao grupo dos que se reuniram em torno dele, Mt 16.18, reconheceram-no publicamente como seu Senhor
e aceitaram os princípios do reino de Deus. Era a ekklesia do
Messias, o verdadeiro Israel.
Para o Credo Niceno Constantinopolitano, 19 são atribuídas à igreja as
propriedades de una, santa, católica e apostólica.
Para Grudem (2003, p.715), “a igreja é a comunidade de todos os tempos. Essa definição compreende que a igreja é feita de todos os verdadeiramente salvos”.
Erickson (1997, p. 437) comenta:
A igreja é um aspecto da doutrina cristã sobre o qual praticamente todos, crentes e descrentes, têm uma opinião. Em parte,
é porque, sendo uma instituição da sociedade, a igreja pode
ser observada e estudada pelos métodos da ciência social. Isso, porém, nos apresenta um dilema. Podemos ser tentados a
definir a igreja pelo que é empiricamente. Tal abordagem, no
entanto, poderia confundir o real com o ideal e, assim, por mais
interessante que seja, deve ser evitada.
18
19
Berkhof (1992, p.560) diz: “[...] simplesmente traduz ekklesia pela expressão ‘a assembléia
(convocada)’, considerando Deus como aquele que a convoca”.
O primeiro credo ecumênico da Igreja que resultou dos trabalhos do Concílio de Niceia
(325 d.C.) e de adaptações feitas pelo Concilio de Constantinopla (381 d.C.). É a
declaração de fé cristã. A marca da igreja: una, santa, católica (universal), apostólica
(CALDAS, 2007, p. 35).
61
Erickson (1997, p. 444) aponta ainda para as seguintes implicações.
A igreja não deve ser concebida primeiramente como um fenômeno sociológico, mas como uma instituição estabelecida
por Deus. Por seguinte, sua essência deve ser determinada
não por uma análise de suas atividades, mas pelas Escrituras.
A igreja existe por causa de seu relacionamento com o Deus
Triúno. Ela existe para cumprir a vontade do Senhor no poder
do Espírito Santo.
A igreja é a continuação da presença e do ministério do Senhor
no mundo.
A igreja deve ser uma comunhão de crentes regenerados que
demonstram as qualidades espirituais de seu Senhor. A pureza
e a devoção devem receber destaque.
Embora seja uma criação divina, a igreja é composta de seres
humanos imperfeitos. Ela não alcançará perfeita santificação
ou glorificação até o retorno do seu Senhor.
Entende-se que a igreja pertence a Deus e representa Jesus Cristo na
terra, com a missão de anunciar o evangelho das boas-novas.
Encontra-se a utilização do termo “reunião dos eleitos” na Confissão de
Fé de Westminster (1991, p. 130) para referir-se à igreja de Cristo:
A Igreja Católica ou Universal, que é invisível, consta do número total dos eleitos que já foram, dos que agora são e dos que
ainda serão reunidos em um só corpo sob Cristo, seu cabeça;
ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo
em todas as coisas.
A seguinte afirmação a respeito da igreja visível também está na Confissão de Fé de Westminster (1991, p. 130):
A Igreja visível, que também e católica ou universal, sob o Evangelho (não sendo restrita a uma nação, como antes sob a
Lei), consiste de todos aqueles que, pelo mundo inteiro professam a verdadeira religião, juntamente com seus filhos, e o Reino do Senhor Jesus Cristo, a casa e família de Deus, fora da
qual não há possibilidade ordinária de salvação.
Para Calvino, a ministração do evangelho e os sacramentos são fundamentais para a salvação do homem, permitindo-o estar ligado diretamente a
Deus. Dessa forma, pode-se considerar que a igreja do Senhor envolve a reunião de crentes e não há um espaço físico predeterminado.
A respeito da representação de Cristo através da igreja, MacGrafth
(2007, p. 336) diz que “Para Calvino, a pregação da palavra e a ministração
62
correta dos sacramentos são ligadas à presença de Cristo e onde quer que
Cristo esteja também se pode encontrar uma igreja nesse lugar”, algo semelhante à ideia defendida por Lutero. Os dois discordam da posição tomada pela
Igreja Católica Apostólica Romana, na qual a salvação acontece somente pela
igreja física, uma vez que para os reformadores a salvação se dá pela ministração do evangelho e os sacramentos, ou seja, pela igreja invisível.
Berkhof (1992, p. 571) faz uma análise do termo igreja, coadunando
com os pensamentos de Calvino.
DO PONTO DE VISTA DA ELEIÇÃO. Segundo teólogos, a igreja é a comunidade dos eleitos, o coetus electorum [...] A eleição inclui todos os que pertencem ao corpo de Cristo, independentemente da sua real e atual relação com ele. DO
PONTO DE VISTA DA VOCAÇÃO EFICAZ. A igreja foi definida
como a agremiação dos eleitos que são chamados pelo Espírito de Deus (coetus electorum vocatorum) como o corpo dos
que efetivamente são chamados (coetus vocatorum, ou, ainda
mais comumente, como a comunidade dos crentes ou fiéis (coetus fidelium). DO PONTO DE VISTA DO BATISMO E
PROFISSÃO. Do ponto de vista do batismo e da profissão, a
igreja tem sido definida como a comunidade dos que são batizados e professam a fé verdadeira; ou como a comunidade dos
que professam a religião verdadeira junto com seus filhos.
Outros autores também adotaram a ideia de uma igreja invisível, como
demonstrado a seguir.
Para Chafer (1974, p. 149), “em sentido geral, a verdade acerca da igreja organizada pode dividir-se da seguinte maneira: (a) a igreja como uma
assembleia local, (b) um grupo de igrejas, e (c) a igreja visível sem referência à
localidade”.
Douglas (1962, p. 735) afirma que “em português o vocábulo igreja se
deriva do latim ecclesia, que por sua vez vem do grego ekklesia, palavra que
está no Novo Testamento, na maior parte de suas ocorrências, significa uma
congregação local de cristãos e jamais um edifício”.
MacGrath (2007, p. 336) trabalha com a ideia de kerigma, uma palavra
de origem grega que significa proclamação. Nesse caso específico, é utilizada
para a definição de igreja, ou seja, a igreja veio para proclamar o evangelho,
ele assevera que Karl Barth e Rudolf Bultmann adotaram esta ideia: “A igreja é
vista como uma comunidade kerigmática [sic] que proclama as boas-novas da-
63
quilo que Deus fez pela humanidade em Cristo e que vem a existir onde quer
que a palavra de Deus esteja sendo proclamada e aceita fielmente”.
Também Berkhof (1992, p. 561), em sua teologia sistemática, sustenta
a ideia de kerigma:
Devemos ter em mente que os nomes em inglês, holandês e
alemão, “Church”, “Kerk” e “Kirche”, não são derivados da palavra ekklesia, mas da palavra kyriake, que significa “pertencente ao Senhor” [...] O nome de kyriakon ou he kyriake designava acima de tudo o lugar onde a igreja se reunia. Entedia-se
que este lugar pertencia ao Senhor e, portanto, era chamado to
kyriakon.
Pode-se então designar a palavra igreja como um local onde um grupo
de pessoas se reúne para comunhão e estudo das Escrituras Sagradas, independentemente de ter uma edificação. Jesus Cristo é o centro de seu discurso
para desenvolver uma conduta ética, moral, cívica em um contexto religioso
cristão, baseada na prática da antiga Judeia, onde se reuniam em assembleia,
a exemplo de Atos 19.39: “E se tiverdes ainda outras questões além desta, serão resolvidas em uma assembleia legal”.
Assim pode-se afirmar que a igreja e constituída de pessoas, independentemente de local físico, onde se possa professar a fé e cumprir os preceitos
bíblicos. Uma vez que os teóricos supracitados coadunam que esta seja a ideia
mais correta, a missão da igreja à luz do Novo Testamento é o próximo foco de
reflexão.
3.2.2 A missão da igreja
O texto básico para entender a missão da igreja está no evangelho de
João 20.21: “Ele lhes disse de novo: A paz esteja convosco! Como o Pai me
enviou, também eu vos envio”. Jesus estava reafirmando a seus discípulos sua
natureza divina. Sendo ele enviado por Deus, a sua missão é ensinar e enviar
os discípulos a proclamar o evangelho. Porém, no contexto social, a igreja tem
sido desde seu principio o elemento que faz a ligação entre o sagrado e a humanidade e promove o senso de comunidade entre as famílias.
64
Pino (2000, p. 51) comenta em seu artigo:
A igreja representa Cristo: a igreja de Cristo tem como missão
representar aquele que a envia e atuar tendo como base a própria autoridade de Jesus Cristo, confrontando assim o mundo
com a verdade que Cristo trouxe, viveu e revelou.
Para entender a missão da igreja é necessário discorrer sobre a missão de Jesus Cristo como o enviado por Deus Pai.
O Messias, como é chamado Jesus Cristo, foi enviado pelo próprio
Yahweh para remir os pecados da humanidade, sendo ele o próprio Deus.
João 7.29 atesta a origem divina do Filho: “Eu, porém, o conheço, porque venho de junto dele, e foi ele quem me enviou”.
Quando questionado pelos fariseus em João 8.42, Jesus responde: “Se
Deus fosse vosso pai, vós me amaríeis, porque saí de Deus e dele venho; não
venho por mim mesmo, mas foi ele quem me enviou.”
A missão de Jesus tinha como objetivo restaurar o relacionamento do
povo com Deus pela fé, através da figura de Jesus Cristo, como descrito em
João 10.9: “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará e
sairá, e achará pastagem”.
A missão da igreja é representar o próprio Deus, através de Jesus
Cristo, o qual teve como missão pregar o amor, trazendo um caráter de humildade, misericórdia, amor, glória, direção e propósitos debaixo da graça.
A igreja foi constituída por Jesus Cristo para ser sua representante e
propagadora das boas-novas. Em sua missão, Jesus deixou claro que todo
aquele que o reconhecer como senhor e salvador será salvo. A salvação é exclusivamente através de Cristo, como está em João 14.6: “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por
mim”.
No evangelho de Mateus está o relato em que Jesus constituiu sua
igreja e designou a sua missão. Estava ele em Cesareia de Filipe e disse estas
palavras a Simão Pedro, que passou a chamar-se Pedro.
Jesus respondeu-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão, filho de
Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e
sim meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu é
Pedro,e sobre esta pedra edificarei minha igreja,e as portas do
Hades nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do
65
Reino dos Céus; e o que ligares na terra será ligado nos céus, e
o que desligares na terra será desligado nos céus (Mt 16.17-19).
Jesus foi claro ao designar a missão da igreja: ser a reconciliadora da
humanidade para com Deus. No Antigo Testamento encontra-se uma referência de que a igreja está diretamente ligada a Deus, conforme o livro de Crônicas, em que o próprio Deus confirma ser a igreja um lugar para todo aquele
que o busca:
se o meu povo, sobre quem foi invocado o meu nome, se humilhar, orar, buscar a minha presença e se arrepender de sua
má conduta, eu, do céu, escutarei, perdoarei seus pecados e
restaurarei seu país. Doravante, meus olhos estão abertos e
meus ouvidos atentos à oração feita neste lugar. Para o futuro
escolhi e consagrei esta casa, a fim de que meu nome aí esteja para sempre; meus olhos e meu coração aí estarão sempre (II Cr 7.14-16).
Caldas (2007, p. 45) comenta a missão da igreja:
Trata-se de uma pergunta da maior importância. No entanto,
não é fácil responder como a Igreja deve atuar no cenário
mundial, a resposta mais facilmente encontrada na prática eclesial do Brasil é esta: a evangelização é a única tarefa e razão de ser da Igreja, que existe apenas para “ganhar almas para Jesus”. Qualquer outra atividade seria um lamentável desperdício de tempo, dinheiro e energia.
Erickson (1997, p. 451) faz uma afirmação que coaduna com a afirmação citada acima: “É importante estudar atentamente o fator que dá forma básica a tudo o que a igreja faz, o elemento que se coloca no centro de todas as
suas funções, a saber, o evangelho, as boas-novas”.
Sendo assim, tem-se no Antigo Testamento um relato claro da missão
da igreja, como se pode refletir acima, convergindo com a missão de Jesus e,
posteriormente, com a missão da Igreja atual no Novo Testamento, ou seja, a
missão da igreja é anunciar as boas-novas, evangelizando e representando
Jesus.
Percebe-se que a missão da igreja hoje compreende dar assistência
aos necessitados, interagindo com a sociedade, promovendo o bem-estar. No
contexto social de Igreja, valores éticos, morais e políticos contribuem para a
construção de um mundo mais justo, igualitário em oportunidades, ditando
comportamentos que veremos a seguir.
66
3.2.3 Religião e comportamento
A religião dispõe de um status junto à humanidade de experiência com
o sagrado, uma ligação direta do homem com o divino. O fato é que o ser religioso adquiriu eficiência e norteia suas atitudes como fonte de vida. Semear a
espiritualidade proporciona ao indivíduo uma razão de existência e o motiva a
participar de uma cosmovisão que transcende seu entendimento, experimentando a ressignificação de sua vida e morte.
Diante de sua ignorância perante o numinoso (transcendente), basta à
humanidade manter-se em seus aspectos racionais e irracionais, vincular apenas aspectos racionais, aquilo definido por Rudolf Otto como predicados. Necessita ter uma experiência com seus sentimentos frente ao numinoso, gerando temor, fascínio, alegria e o motivo de ser pelo ser, uma experiência singular
que é desenvolvida a partir da experiência religiosa. Segundo Eliade, a religião
está impregnada ao homem em sua essência, é intrínseca ao seu inconsciente.
Isto é o que Abraham Kuyper (2002, p. 56)chama de sensus divinitatis:
O próprio Deus fez o homem religioso por meio do sensus divinitatis, isto é, o senso do Divino, que ele faz tocar as cordas da
harpa de sua alma [...] Em sua forma original, em sua condição
natural, a religião é exclusivamente um sentimento de admiração e adoração que eleva e une, não uma sensação de dependência que separa e deprime.
Encontra-se ainda em Safra (2000, p. 1):
A perda do sentido de sacralidade leva o homem à perda de
aspectos fundamentais ao devir do seu ser [...] Penso ser necessário discriminar o sentimento religioso do sentimento de
sagrado. No sentimento religioso encontramos, frequentemente, um sentimento de reverência, de solenidade diante do Outro
Absoluto. Na vivência do sagrado, o indivíduo pressente a Presença do Divino, e vive uma transformação em seu ser [sic].
É fato que a experiência com a religião influência diretamente no comportamento do indivíduo. Entende-se que não é possível dissociar a contribuição da religião na formação da mentalidade e do conceito de ser humano, dotando regras que corroboram para o convívio com seus pares, ou seja, um
convívio em família e social, de pertences e não individual. A experiência do
67
sagrado propicia ao homem a superação de sua finitude perante um Deus infinito, gerando em seu ser valores que transpõem a barreira da sua existência.
Nesse sentido, Goto e Gianastacio (2003) escrevem:
A experiência religiosa segue de encontro direto com as principais questões existenciais do homem e neste sentido podemos
dizer que a experiência religiosa faz parte da experiência originária. A vivência do homem no mundo ocorre sempre de forma
fragmentada, por isso, tende sempre à totalidade do ser, tanto
em seus projetos como em suas realizações. A superação dessa experiência de finitude existencial vem com a experiência
religiosa, fazendo o homem abrir-se para a infinidade de seu
ser, e é neste momento que aparece a vivência religiosa, isto é,
o surgimento do sagrado.
Considerando os conceitos apresentados, pode-se situar a vivência do
sagrado no Vale da Bênção. Depoimentos colhidos junto aos abrigados e funcionários expressam sua vivência com o sagrado influenciando em seu comportamento.
[...] quando não era evangélico, fazia besteira, mas agora sou
evangélico e consigo me controlar e comportar. Cheguei à igreja, senti um negocio no coração e decidi ser evangélico. (Sujeito 1).
[...] estar na igreja me ajuda no relacionamento (Sujeito 2).
[...] vou à igreja, mas não gosto de ir nessa, pois o pessoal aqui
não conversa muito (Sujeito 3)
[...] ir à igreja me deixa calma (Sujeito 4).
[...] mas Deus falou assim, agora não é o fim, vou ti levar para
um abrigo para não viver assim... [sic] (Sujeito 6).
Igor Vieira cumpriu medida socioeducativa na instituição e em depoimento sobre sua estada na instituição declara:
No período em que estive cumprindo à medida que me foi imposta, aprendi muitas coisas que me ajudaram bastante como:
saber fazer as coisas pensando nas consequências, ter mais
autocontrole e não me desesperar quando me deparar com algum problema. Foi ótimo o tempo que passei frequentando o
Vale, pois hoje sou uma pessoa mais moderada em todos os
sentidos [sic] (AEBVB, 2011, p. 6).
Estas experiências relatadas refletem o sentimento do ser humano que
busca, consciente ou não, a manifestação do sagrado para se relacionar com o
68
divino. Segundo Nogueira (2006, p. 124), a experiência com o sagrado permite
a organização da sociedade.
O contato com o sagrado estabelece o centro em volta do qual
nasce o cosmos humano. É o eixo que funda uma nova ordem,
de caráter social, psicológico e epistemológico: permite a organização da sociedade, a estruturação do eu e o conhecimento
do mundo. É pelo sagrado, que está por trás do visível e manifesto que podemos compreender a teia da realidade concreta,
da mesma forma pela qual conseguimos enxergar, graças à
nossa retina, que transforma as manchas de luz que nossos
olhos veem em formas distintas e significativas.
Sobre o papel e a influência da religião, comenta Berger (1985, p. 41):
Pode-se dizer que a religião desempenhou uma parte estratégica no empreendimento humano da construção do mundo. A
religião representa o ponto máximo da auto-exteriorização do
homem pela infusão dos seus próprios sentidos sobre a realidade. A religião supõe que a ordem humana é projetada na totalidade do ser. Ou por outra, a religião é a ousada tentativa de
conceber o universo inteiro como humanamente significativo.
Nesse contexto, Antonio Ávila traz características psicológicas de interação entre o adolescente e a religião. O autor aponta possíveis fatores que
influenciam no comportamento do indivíduo, levando-o a desenvolver sua religiosidade e adquirindo “identidade” como conceito-eixo:
Mudanças fisiológicas [...] implicações psicológicas que trazem
aquisição da lógica formal [...] e supõe uma organização nova e
definitiva da compreensão da realidade [...] Amadurecimento pessoal, que nessa etapa do desenvolvimento está relacionado com
o ganho de identidade [...] E o progresso de socialização, que se
concretiza na afiliação da consciência de pertença grupal.
A identidade é, em primeiro lugar e fundamentalmente, uma
percepção interna da própria realidade, na qual o indivíduo vivencia-se como um eu integrado. [...] tem um caráter bipolar,
relacional [...] relacionamento mútuo entre indivíduo e sociedade [...] Há elementos que configuram a personalidade do adolescente, que lhe foram dados ou adquiridos ao longo de sua
infância, e que agora deve assumir papel pessoal e criticamente [...] como a própria existência, a corporalidade, o sexo, a raça, a afetividade, a família, a educação, a classe social (ÁVILA
apud ERIKSON, 2007, p. 156-7).
Em sua obra, o autor afirma que o adolescente reúne elementos consciente e inconsciente construindo sua identidade social utilizando-se de dois
69
indicadores, a saber: “a crença e a prática”. Nesse contexto apresenta a religiosidade no comportamento do adolescente:
[...] abordarei o tema em quatro momentos. Nos dois primeiros, mais ligados à área cognitiva, descreverei a evolução que
se dá no adolescente no momento de articular seu pensamento religioso, agora já de uma forma adulta, e seus conceitos
religiosos. No terceiro, mais ligado à articulação da personalidade, abordarei o processo de auto-identificação religiosa,
num mundo plural como o atual, desempenha um papel importante no momento de construir a religiosidade do adulto.
[...] No quarto apresentarei as consequências que se seguem
do ganho ou não da identidade religiosa (AVILA apud
ERIKSON, 2007, p. 160).
Segundo Ávila (2007, p. 16), o pensamento religioso do adolescente
perpassa pelo conceito de divindade:
O grande mistério de Deus, sua existência, seu ser mesmo podem ser abordados pessoalmente graças a essa nova capacidade [...] Agora, sua dimensão espiritual, sua grandeza, seu
poder, sua bondade, adquirem progressivamente toda a sua
transcendência sem que precise abandonar sua proximidade e
a relação interpessoal com ele.
O autor aponta alguns fatores que influenciam no processo de identidade religiosa do adolescente, relacionados a características pessoais e sociais que se relacionam ao processo de amadurecimento:
O equilíbrio pessoal alcançado depois das tensões próprias da
mudança biológica púbere [...] O quociente intelectual. A aparição do raciocínio abstrato, que permite o adolescente compreender o conteúdo [...]. O desenvolvimento da sensibilidade [...]
aquisições dos estágios autônomos no desenvolvimento moral.
[...] busca de sentido que articule e de coerência a própria personalidade [...] existência de um contexto social no qual seja
possível o amadurecimento religioso e a consciência de pertença a um grupo religioso (ÁVILA apud ERIKSON, 2007, p.
169-70).
A partir dessa afirmação, entendemos que o trabalho realizado no Vale
da Bênção possibilita ao adolescente a práxis religiosa através do que é chamado de “conversão religiosa”. Essa “conversão religiosa” se dá de forma natural, possibilitando à criança e ao adolescente vivenciar experiências racionais e
70
desenvolver uma espiritualidade intrínseca de ética, moral e valores familiares
embasadas de conceito cristão protestante.
A proposta dessa pesquisa foi demonstrar a influência da religião na
transformação de crianças e adolescentes do Vale da Bênção, a qual contribui
para a formação de seu caráter, desenvolvendo o sentido de ética, moral, civilidade, comunidade e pensamento. Em alguns relatos pode-se observar a significância que a religião trás ao indivíduo que, de certa maneira, sofre com a discriminação junto à sociedade. Nesse sentido, a religião é o agente transformador, trazendo valores e sentido à vida através de uma relação experiencial com
o sagrado.
A religião tem papel fundamental no contexto social e a responsabilidade de atender os necessitados, como veremos a seguir.
3.2.4 Religião e responsabilidade social
Mediante a pesquisa com o Vale da Bênção, instituição evangélica filantrópica que desenvolve trabalho de ressocialização ou socialização, uma
vez que se trata de crianças de 0 a 18 anos que estão em processo de formação epistemológica. Não se pode negar que os conceitos de missão da igreja
brasileira em suas diversas ramificações passaram através de décadas por
transformações que cunham em seu escopo a assistência aos necessitados.
De uma perspectiva teológica, esse posicionamento perante os necessitados
teve muitos adeptos, mas com a abordagem marxista intrínseca em seus discursos, católicos e evangélicos se distanciaram. Este movimento ficou conhecido como Teologia da Libertação.
Alderi Matos (2008, p. 1) em seu estudo sobre a ação social cristã comenta o contexto histórico da Teologia da Libertação:
A partir da década de 1960, a problemática social adquiriu
grande visibilidade na América Latina. Num contexto de graves
problemas sócio-econômicos em todo o continente, houve o
surgimento de inúmeros movimentos de caráter socialista voltados para a solução desses problemas pela via política ou
mesmo pela força das armas. Numa reação contra esses movimentos, surgiram regimes de direita em quase todos os países latino-americanos, o que agravou ainda mais essa situa-
71
ção, pela polarização assim criada. Nesse contexto, os cristãos
foram desafiados a se posicionarem. Entre os católicos e em
menor grau entre os protestantes, surgiu à conhecida “teologia
da libertação”, que teve como um de seus primeiros proponentes o sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez. No Brasil, o nome
mais conhecido foi o do teólogo Leonardo Boff e a expressão
mais visível da teologia da libertação foram às comunidades eclesiais de base.
Por causa da sua análise marxista da problemática social e da
sua excessiva politização, a teologia da libertação foi rejeitada
pela maior parte dos evangélicos latino-americanos. No entanto, muitos deles sentiram que não podiam manter-se indiferentes às aflitivas realidades do continente. Alguns desses evangélicos preocupados com os problemas sócio-econômicos da
América Latina reuniram-se na Fraternidade Teológica LatinoAmericana, sendo os nomes mais conhecidos os de Samuel
Escobar e C. René Padilla, e no Brasil o de Valdir Steuernagel.
Eles têm defendido o que denominam “missão integral”, ou seja, um conceito de missão ao mesmo tempo bíblico e evangélico, mas sensível às complexas realidades espirituais, políticas,
sociais e econômicas da América Latina. Criticando os modelos
missionários tradicionais, eles propõem um modelo que implica
em levar o evangelho integral ao ser humano integral.
O autor em seus estudos faz uma abordagem do posicionamento da igreja mediante a nova teologia, e o posicionamento de teólogos latinoamericanos que influenciaram evangélicos de todos os países a se reunirem
em Lausanne, na Suíça, para reavaliar e definir a missão da igreja. Esta reunião ficou conhecida como Pacto de Lausanne.
Esses teólogos latino-americanos tiveram uma destacada atuação no famoso e influente Congresso Internacional de Evangelização Mundial, realizado em Lausanne, na Suíça, em 1974.
Esse congresso marcou a primeira vez em que os evangélicos
de vários continentes reconheceram explicita e enfaticamente
as implicações sociais do evangelho e da missão da igreja.
Naquele encontro, Samuel Escobar afirmou o seguinte: “Uma
espiritualidade sem discipulado nos aspectos diários da vida –
sociais econômicos e políticos – é religiosidade e não cristianismo… De uma vez por todas, devemos rejeitar a falsa noção
de que a preocupação com as implicações sociais do evangelho e as dimensões sociais do testemunho cristão resultam de
uma falsa doutrina ou de uma ausência de convicção evangélica. Ao contrário, é o interesse pela integridade do Evangelho
que nos motiva a acentuarmos a sua dimensão social.”
Os participantes do congresso aprovaram um documento conhecido como Pacto de Lausanne, que, depois de falar sobre a
natureza da evangelização, declara o seguinte sobre a responsabilidade social cristã: “Afirmamos que Deus é tanto o Criador
como o Juiz de todos os homens. Portanto, devemos partilhar
da sua preocupação com a justiça e a reconciliação em toda a
72
sociedade humana e com a libertação dos homens de todo tipo
de opressão. Porque a humanidade foi feita à imagem de
Deus, toda pessoa, não importa qual seja a sua raça, religião,
cor, cultura, classe, sexo ou idade, tem uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Também aqui manifestamos o nosso arrependimento,
tanto pela nossa negligência quanto por às vezes termos considerado a evangelização e a preocupação social como mutuamente exclusivas. Embora a reconciliação com o ser humano
não seja o mesmo que a reconciliação com Deus, nem a ação
social seja evangelização, nem a libertação política seja salvação, todavia afirmamos que tanto a evangelização como o envolvimento sócio-político são parte do nosso dever cristão.”
Sobre o Pacto de Lausanne, Ariovaldo Ramos (2002, p. 25) comenta:
“Mantendo os princípios bíblico-históricos da teologia protestante, estes pensadores colocaram na pauta da teologia dita ortodoxa, o clamor dos oprimidos,
em busca de um Deus que se importasse e de um Evangelho que promovesse
libertação.”
Nesse contexto entende-se que a promoção do bem-estar na instituição traz a libertação da possível marginalização de crianças e adolescentes
apoiados em um eixo educacional cristão.
No primeiro capítulo dessa pesquisa foram levantados dados históricos
dos fundadores da AEBVB, demonstrando uma relação com os pensamentos
calvinistas. Uma vez que Jonathan Ferreira e Decio de Azevedo foram pastores
missionários ligados à Igreja Presbiteriana do Brasil, entende-se que, de forma
natural, apesar de uma dogmática pentecostal, o trabalho desenvolvido no Vale
da Bênção na área social trilha o pensamento calvinista. 20
João Calvino, conhecido como o Reformador de Genebra, trabalhou
sistematicamente o tema social. Nesse sentido, Calvino entendia que a igreja
deveria ter em seu escopo o trabalho nas áreas social, política e didática, o que
chamava de tríplice ministério.
Na área social, entendia que a igreja teria como função se envolver no
cuidado aos pobres, órfãos e viúvas, estendendo seu alcance a todos, sem
exceção, ou seja, não somente aos frequentadores dos cultos locais, mas tam20
João Calvino nasceu em Noyon-França (1509-1564) foi um teólogo, humanista, reformador
protestante, com influência que continua até hoje. Seus pensamentos e seus ensinos é
conhecido como Calvinismo, vale salientar que o próprio João Calvino repudiava esse titulo.
Conhecido também como o Reformador de Genebra, Suíça, onde exerceu forte influência
no sistema de governo. Citado por Max Weber como o criador do capitalismo em sua obra:
A ética protestante e o espírito do capitalismo.
73
bém aos estrangeiros e refugiados, desempenhando esse trabalho através do
diaconato. Quanto à política, seu pensamento era de que a igreja deveria agir
em conjunto com o Estado no tocante ao bem-estar de todos os cidadãos. Na
área didática deveria a igreja instruir os cidadãos de Genebra a valorizarem o
trabalho, o descanso aos domingos, o amor ao próximo, a não prática de juros
excessivos e não serem ociosos.
MATOS (2008, p. 1) comenta:
Calvino foi especialmente incisivo nessa área. Seu longo ministério em Genebra e suas viagens por diversas partes da Europa
o colocaram em contato direto com muitos problemas sociais e
econômicos. Durante sua vida, Genebra recebeu um enorme influxo de refugiados religiosos, muitos deles totalmente desprovidos de recursos, que se somavam aos muitos necessitados que
eram naturais da cidade. Esse reformador escreveu amplamente
sobre questões sociais, tanto na sua obra magna, as Institutas,
quanto nos seus comentários bíblicos. Esses temas também eram abordados freqüentemente nos seus sermões, que muitas
vezes adquiriam um tom profético, à medida que ele denunciava
as mazelas e desigualdades da sua sociedade. Calvino continuamente fazia gestões junto aos concílios dirigentes de Genebra
clamando pela eliminação de práticas danosas aos pobres como
a cobrança de juros extorsivos e a especulação em torno dos
preços dos alimentos (comerciantes locais retinham os estoques
para forçar a elevação dos preços).
Percebe-se que a prática social no Vale da Bênção está alinhada a
princípios calvinistas, em seus três ministérios, social, didático e político, no
caso deste último praticados em ações em conjunto com órgãos governamentais, através do Conselho Tutelar e do Poder Judiciário. Insere-se também no
tratado do Pacto de Lausanne trazendo libertação, conhecimento, amor, fraternidade, valorização do ser humano. Vale ressaltar o comentário de Matos
(2008, p. 1 ). Conclui-se dizendo que a evangelização, ou seja, convidar os indivíduos, famílias e comunidades à reconciliação e nova vida em Jesus Cristo,
certamente é básica e essencial. Todavia, à medida que evangeliza, a igreja
também precisa expressar o interesse de Deus por todas as áreas da vida e
espelhar a atitude daquele que disse: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância”.
O evangelho de João 10.9-11 traz a seguinte redação:
74
Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens. O ladrão não vem senão a
roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a
tenham com abundância. Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor
dá a sua vida pelas ovelhas.
Diante de dilemas sociais, escândalos políticos e econômicos o papel
da igreja perante a sociedade traz uma responsabilidade social de relevância.
Pois quando analisamos o texto acima, percebe-se que há mais de 2000 anos
de história que relatam a opressão e a carência da humanidade. Mesmo que
algumas classes refutem o conceito espiritual bíblico de um único Deus que
criou todas as coisas, não podem negar o valor de seus relatos históricos e
ensinamentos através do tempo.
Quando se cruzam dados bíblicos com o cotidiano, percebe-se que
passado e presente caminham juntos para formar um futuro de justiça social e
bem-estar. Nesse contexto, percebe-se que o trabalho da instituição Vale da
Bênção protagoniza a porta de entrada que traz salvação aos desabrigados,
valoriza a vida para que possam enfrentar o mundo (pastagens), zelando para
que não sejam marginalizados, e mediante a sua percepção de mundo, possam descobrir que a igreja está aberta para que possam encontrar paz e segurança, interagindo com a divindade, com o sagrado, o transcendente que conduz a humanidade como o pastor cuida de suas ovelhas. Os dados coletados
em entrevistas nessa pesquisa demonstram que os sujeitos tiveram não somente conforto material, mas uma educação alinhada com a cosmovisão cristã
que abarca valores éticos, morais, valorizando o ser humano e capacitando-o a
ser um cidadão consciente.
Em relato, Fabio Araujo, ex-abrigado, declara:
No ano de 2000 fui transferido com alguns amigos para uma
unidade do Vale da Bênção em Sorocaba, no Espaço Nova Vida. Já com 17 anos, cursando o ensino médio, tive a primeira
oportunidade de trabalho com carteira assinada, através da
parceria Vale da Bênção e Correios, fazendo o Curso de Preparação para o trabalho no Senac. Após o término desse curso, iniciei um novo trabalho através da parceria Vale da Bênção
e McDonald’s, local onde permaneci por quatro anos. Hoje estou com 27 anos e só tenho a agradecer a Deus, a quem tive o
privilégio de conhecer através de uma grande família que é o
Vale da Bênção. Estou casado com uma linda e maravilhosa
esposa, por meio dessa união Deus nos deu dois filhos lindos e
perfeitos. Tenho um bom emprego no qual estou há mais de
75
cinco anos na área do comércio. Só tenho que agradecer de
todo coração, em especial a Jesus Cristo, que me protegeu durante todos esses anos, e também à família Vale da Bênção,
da qual faço parte (AEBVB, 2010, p. 6).
Nesse contexto histórico de superação, são analisados a seguir os resultados dessa pesquisa.
3.3 Análises dos Resultados
O desenvolvimento da pesquisa de campo e da bibliográfica demonstra
através de relatos que a influência do sagrado no trabalho do Vale da Bênção
tem contribuído e produzido resultados factuais de transformação nas crianças
e adolescentes abrigados.
Ao longo de 25 anos de existência, o Vale da Bênção tem priorizado a
valorização do ser humano em sua totalidade, ou seja, espiritual, levando a
conhecer e viver uma experiência com o transcendente, sentimental por meio
de seu corpo técnico, e material cuidando das feridas, alimentação, tratamento
médico, dentista, cursos e emprego.
Relatos de crianças e adolescentes demonstraram o carinho e os benefícios que recebem todos os dias, levando-os a um sentimento de gratidão
pela assistência dispensada com amor, carinho e atenção. Profissionais que se
dedicam sem vislumbrar uma condição financeira que os enriqueça e que receberam reconhecimento das autoridades civis e governamentais para exercer
um trabalho com dignidade e respeito proporcionam resultados singulares e
uma experiência que faz rever conceitos e valores.
A interação com o sagrado através de estudos bíblicos, seja em uma
igreja ou mesmo em reuniões dentro da casa-abrigo, demonstrou ser um aspecto positivo e fundamental para que se mantenha um ambiente de paz e
harmonia, resgatando valores familiares mesmo que a condição de destituição
da família traga conflitos interiores, sentimentais e psicológicos. Relatos mostram que os adolescentes em fase escolar que estudam na escola pública têm
um padrão de comportamento diferenciado dos outros alunos e buscam manter
o cooperativismo, o amor e a humanidade.
76
O contato com o sagrado é outro aspecto que fundamenta o trabalho
do Vale da Bênção, produzindo na vida dos abrigados em fase de aprendizagem e naqueles desamparados um sentido para sua vida, valorizando a instituição familiar, pois sonham em resgatar suas famílias e ajudá-las.
Os cursos oferecidos, passeios, a liberdade de expressão, fazem com
que eles possam vivenciar todos os aspectos da vida como quaisquer outros
adolescentes sem se constrangerem por estarem abrigados e destituídos de
seus familiares. O que chama a atenção é que há apenas um relato de constrangimento, que se deu na Escola do Vale da Bênção, porém, terapias de grupo desenvolvidas pelos psicólogos junto aos profissionais da área de ensino,
particular e pública, órgãos da saúde e Judiciário conscientizaram a todos da
necessidade de um olhar diferenciado, trazendo resultados imediatos.
Relatos de funcionários demonstram o envolvimento emocional e espiritual com a instituição e com os abrigados. Algumas necessidades são inerentes a todos, porém, ao serem questionados se gostariam de sair, a resposta foi
enfática: “não”. O que nos leva a crer que o sentimento de cumprimento de
uma missão como igreja é o ponto principal para permanecer na instituição. Em
alguns casos, funcionários que saíram da instituição voltaram após algum tempo, por entender que havia uma ligação com Deus que os remetiam a trabalhar
e cuidar dos necessitados.
Nessa pesquisa os adolescentes relatam a necessidade de programas
esportivos para que possam desenvolver atividades físicas. Percebe-se que a
instituição possui estrutura física muito boa, mas carece de investimentos governamentais nesse sentido para que possam contratar profissionais e implementar outros projetos educacionais.
77
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa feita com a Associação Evangélica Beneficente Vale da
Bênção (AEBVB), conhecida como Vale da Bênção, especificamente a Cidade
da Criança, um projeto de socialização destinado a crianças e adolescentes em
situação de risco social, leva a uma reflexão sobre organizações religiosas junto à sociedade no acolhimento de crianças e adolescentes em situação de risco
por meio de atividades que proporcionem a reintegração e a construção de
uma identidade social. A (AEBVB) Associação Evangélica Beneficente Vale da
Bênção tem como preocupação principal não só a assistência material, como
também a formação ética e moral, difundindo através de suas ações o elemento religioso.
Em nossa pesquisa percebemos que a instituição em tela procura
construir uma epistemologia levando em conta o universo familiar, valorizando
o ser humano, fazendo despertar sentimentos de amor e proteção. Constatamos ainda que a (AEBVB) Associação Evangélica Beneficente Vale da Bênção,
através da assistência social às crianças em situação de risco social, procura
transmitir princípios religiosos na busca da plena transformação do homem e,
por conseguinte a sociedade, segundo a visão de seus lideres e definidos em
sua missão.
“Nossa missão é garantir direitos às crianças, adolescentes e famílias
em situação de vulnerabilidade social, capacitando-os para o exercício da cidadania, tendo como base uma referência cristã, visando à transformação integral.” (AEBVB, 2010, p.02).
Pressupostos bíblicos de ensino pactuados em Lausanne, visaram
transformar política e socialmente o pensamento do individuo, resgatando o
sentido da vida no ser humano trabalhando seu universo familiar, social e
espiritual, transformando o sagrado em um referencial para a formação da
personalidade coadunando com a missão e visão da (AEBVB).
BORGES (2002, p.166) trouxe uma reflexão sobre a necessidade da
relação com o transcendente, sobre isso comenta:
O Sentimento de religiosidade, presente nos seres humanos de
todas as épocas e estágios de desenvolvimento da civilização,
78
provavelmente reflita o desejo pelo restabelecimento do vinculo
inicial da criatura com o seu Criador [...] As formas que cada
povo encontra para explicar esse anseio pelo Transcendente,
tornam-se, infalivelmente, parte de sua cultura e de sua maneira de ser. A relação com o sagrado assume a importante função de mediadora e fornecedora de significados para a realidade do indivíduo e do grupo. Dessa forma, a relação com o sagrado, em qualquer cultura, torna-se referencial para a formação da personalidade de seus membros e para o relacionamento dos mesmos entre si. A cultura de cada povo está sempre ligada à maneira como o mesmo desenvolve sua religiosidade. Assim, a relação com tudo o que é considerado sagrado
passa a fazer parte da formação das estruturas psicológicas
dos indivíduos, sendo transmitida e recriada por meio do processo educativo.
Ou seja, a religião é um referencial na formação ética e moral do
individuo, levando-nos crer que o tratamento dado à religião, influenciará
diretamente na formação epistemológica e cosmovisão do individuo dando
significado a sua vida, sendo assim, a relação com o Sagrado esta diretamente
ligada à formação do individuo, sem fazer distinção de credos, cor ou posição
social. Nesse sentido, a (AEBVB) Associação Evangélica Vale da Bênção,
media o encontro com o Sagrado, com a práxis da religião através da ação
social e educação.
Entendemos
que, à práxis da religião sem a ação social, leva o
evangelho ao reducionismo de relatos históricos, desta forma, buscamos
através deste trabalho apresentar a ação do evangelho na práxis da religião,
nos fazendo valer da religião através de um olhar da ciência, buscando na
(AEBVB) Associação Evangélica Beneficente Vale da Benção elementos da
religião que contribuam para a formação de cidadãos conscientes e a
construção de uma sociedade.
79
REFERÊNCIAS
ALVES, M. – Metodologia científica. São Paulo: Hagnus, 1996.
ÁVILA, Antonio. Para Conhecer a Psicologia da religião. São Paulo: Loyola,
2007.
AZEVEDO, Israel Belo. O prazer da produção científica para a elaboração de
trabalhos acadêmicos. 11 ed. São Paulo: Hagnos, 2001.
BASTIDE, Roger, 1898-1974. O sagrado selvagem e outros ensaios. São Paulo: Cia. das Letras, 2006.
BERGER, L. Peter, O Dossel sagrado. Elementos para uma teoria sociológica
da religião. São Paulo: Paulus, 1985.
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 2º ed. Campinas: Luz para o Caminho,
1992.
BEHRING, Elaine. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perdas de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.
BÍBLIA Sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida, revista e atualizada. 2ª Ed.
São Paulo: SBB, 1998.
BITUN, Ricardo. Igreja Mundial do Poder de Deus: rupturas e continuidades no
campo religioso neopentecostal. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2007.
BONI, Valdette; QUARESMA, Silvia Jurema. Aprendendo a entrevistar: como
fazer entrevistas em Ciências Sociais. Vol. 2; n.1, janeiro-julho de 2005.
BORGES, Inez Augusto. Educação e personalidade: a dimensão sóciohistórica da educação cristã. São Paulo: Mackenzie, 2002.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5a ed. São Paulo: Perspectiva, 2001.
80
BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. Santo André: Academia
Cristã, 2008.
BURITY, J. A. Religião e política na fronteira: desinstitucionalização e deslocamento numa relação historicamente polêmica. Rever. São Paulo, nº 4, p. 27-45,
2001.
CALDAS, Carlos. Fundamentos da teologia da Igreja. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.
CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. 2a ed. São Paulo: Vozes, 1999.
CARVALHO, Maria do Carmo Brant. A priorização da família na agenda política
social, in: Família brasileira a base de tudo. Brasília: UNICEF, 1997.
CONFISSÃO de fé de Westminster. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana,
1991.
CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. 2ª ed. Georgia: Publicaciones
Españolas, 1974.
DAGNINO, Evelina. Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo:
Paz e Terra, 2002.
DELGADO, L. B. O debate contemporâneo do Serviço Social: o terceiro setor
em questão. In: Revista Libertas. Juiz de Fora, Universidade Federal de Juiz de
Fora/Faculdade de Serviço Social. Jul/dez, 2001. V.1-n. 2. P. 85-103.
DOUGLAS, J.D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1978.
EDWARD, Gene Veith Jr. Tempos Pós-Modernos. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 1999.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
ERICKSON, Millard J. Introdução a Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997.
81
FARO, Luciana Martins. A família no novo código civil. Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe, n. 3, 2002.
FONTANA David. Psicologia para Professores. 2a ed. São Paulo: Manole,
1991.
GIRARD, René. A violência e o sagrado. São Paulo: UNESP, 1990.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
GOTO, Akira, GIANASTACIO, Vanderlei. A Transcendência Divina na Vivência
do Homem-Perspectiva da Psicologia Humanista-Existencial. in Revista Eletrônica Correlatio, nº 3, abril de 2003. Acesso em 6/6/2012. Disponível em
http://www.metodista.br/ppc/correlatio/correlatio03/a-transcendencia-divina-navivencia-do-homem-perspectiva-da-psicologia-humanista-existencial/.
HERVIEU-LEGER, Daniele. Sociologia e religião: abordagens clássicas. Aparecida: Ideias & Letras, 2009 (Coleção Sujeitos e Sociedades).
KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.
LAKATOS, Eva Maria. MARCONI, Marina de Andrade. Sociologia Geral. 7a Ed.
São Paulo: Atlas, 2009.
MACGRATH, Alister E. Uma Introdução à História do Pensamento Cristão. São
Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 2007.
MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, ciência e religião. Lisboa: Edições 70, 1988
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do Novo Pentecostalismo do
Brasil. São Paulo, Loyola, 1999.
MARULANDA, Angela. O desafio de crescer com os filhos. Trad. Roseli Schrader Giese. São Leopoldo: Sinodal, 2001.
MATOS,
Alderi
Souza,
Estudos
sobre
a
ação
social
cristã.
http://www.mackenzie.br/7152.html-matos. Acesso em 08/06/2012
MELIM, Juliana Iglesias. A construção da política de atendimento à criança e
82
ao adolescente: de menor a sujeito... O que mudou?. Artigo. São Luís, Universidade Federal do Maranhão. Programa de Pós-Graduação de Políticas Públicas, ago, 2005.
MICHAELIS. Dicionário escolar da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2008.
MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e Questão Social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002.
NETTO, Jose Paulo. A construção do projeto ético-político do serviço social a
crise contemporânea. In: Capacitação em Serviço Social e política social Módulo 1: Crise contemporânea, questão social e Serviço Social. Brasília: CEAD,
UNB, 1999.
NOGUEIRA, Adriana Tanese. O pacto: encontro com o sagrado. Florianópolis,
v.15, n.1, mar.2006. disponível: www.scielo.br/pdf/tce/v15n1/a15v15n1.pdf acesso 06/06/2012.
OTTO, Rudolf. O sagrado. Um estudo do elemento não-racional na ideia do
divino e sua relação com o racional. São Bernardo do Campo: Metodista, 1985.
PERALVA, Angelina. Violência e democracia: o paradoxo brasileiro. São Paulo:
Paz e Terra, 2000.
PINO, Carlos Del. O apostolado de Cristo e a Missão da Igreja. In Fides Reformata 5;1 p.57-70, São Paulo, 2000.
PIKAZA, Xavier. Violência e diálogo das religiões: um projeto de paz. Trad. Antonio Efro Feltrin. São Paulo: Paulinas, 2008 (Coleção Questões em debate).
RAMOS, Ariovaldo. Nossa Igreja Brasileira. São Paulo: Hagnos, 2002
SAFRA, Gilberto. A vivência do sagrado e a pessoa humana. Disponível,em:
http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/a_vivencia_do_sagrado_e_a_
pessoa_humana.html. Acesso em 06/06/2012.
SIQUEIRA, Aline Cardoso. DELL’AGLIO, Débora Dalbosco. O impacto da insti-
83
tucionalização na infância e na adolescência: Uma revisão de literatura. Tese
de Doutorado (Psicologia e Sociedade) da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, 2006.
YASBEK, Maria Carmelita. A Assistência Social na prática profissional: história
e perspectiva. Serviço Social e Sociedade. São Paulo. Ano XXVII, n.85, p.123132, março, 2006.
YUNES, M.A., MIRANDA, A.T. & Cuello, S.S. Um olhar ecológico para os riscos e as oportunidades de desenvolvimento de crianças e adolescentes institucionalizados. In: Koller, S.H. (Ed.), Ecologia do desenvolvimento humano: Pesquisa e intervenções no Brasil (pp.197-218). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Sites
http://www.abong.org.br-acesso em 30/11/2011
http://www.aprendizlegal.org.br/ - acessado em 24/05/2012
http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/22418/familia_novo_codigo_c
ivil.pdf?sequence=1-acessado em 31/05/2012
http://www.direitosdacrianca.org.br/conselhos/conselhos-tutelares-
acessado
em 04/10/2011
http://www.filantropia.org/OqueeTerceiroSetor.htm - acessado em 05/10/2011
http://www.ibge.gov.br-acesso em 30/11/2011
http://www.infoescola.com/biografias/bronislaw-malinowski/
-
acessado
em
05/06/2012.
http://www.ipb.org.br/portal/historia/77-rev-ashbel-green-simonton- acesso em
03/05/2012
http://www.iprb.org.br/biografias/D/DecioAzevedo.htm
-
acessado
em
13/12/2011
http://www.iprb.org.br/biografias/J/JonathanFSantos.htm. Acesso em 13/12/2011.
84
http://www.mackenzie.br/7152.html-matos - acessado em 08/06/2012
http://www.nfp.fazenda.sp.gov.br/ -acessado em 22/05/2012
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art226§3acessado em 31/5/2012
http://www.valedabencao.org.br/ - acessado em 04/10/2011
Publicações
AEBVB. Relatório Social. Araçariguama: AEBVB, p. 1-12, 2010.
AEBVB. Informativo. Araçariguama: AEBVB, n. 1, p. 1-4, janeiro a abril, 2011.
85
ANEXO 1
86
ANEXO 2
Informativo impresso semestralmente
87
ANEXO 3
QUESTIONÁRIO AOS ADOLESCENTES
1. O que levou ao abrigamento?
2. Como era sua vida familiar?
3. Como foi retirado da família?
4. Como é viver no Vale da Bênção?
5. Do que senti falta?
6. O que acha dos funcionários?
7. Qual papel da religião em sua vida?
8. O que mudou para você, depois que chegou aqui?
9. Qual sua expectativa quando sair daqui?
88
ANEXO 4
À Direção dessa douta Associação Religiosa Evangélica
Assunto: Autorização para crianças e adolescentes responderem um questionário sócio-cultural e religioso.
Sou mestrando em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo. Estou realizando uma pesquisa sobre o VALE DA
BÊNÇÃO: UMA ANÁLISE DE CASO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM
SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL.
Para finalizar esse trabalho preciso entrevistar alguns adolescentes dessa conceituada Instituição.
Diante do exposto, solicito dessa douta direção autorização para fazer entrevistas com os adolescentes sobre o tema acima proposto. Nesse sentido, peço ao
adolescente que ao responder as perguntas, faça-o com sinceridade, pois muito me ajudará como pesquisador. Contribuirá também, as famílias, educadores,
escolas, líderes religiosos e outros atores sociais que se esforçam para a prevenção, defesa e promoção dos adolescentes.
Atenciosamente.
Por ser verdade, assino e dato o presente.
Responsável:______________________________________Data:__/___/____
Nota: Não será informado na pesquisa o nome do adolescente, de acordo com
a lei Federal 8.069/90-ECA.
Obrigado
Pesquisador: Sergio Bezerra da Silva
89
ANEXO 5
Prezado responsável legal pelo adolescente abaixo mencionado
Nome:________________________________________________________
O questionário o qual peço autorização para que o adolescente responda se
dará através de entrevistas e faz parte da Dissertação de Mestrado que será
apresentado ao Programa de Estudos de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, como exigência
parcial a obtenção do titulo de Mestre. O tema: VALE DA BÊNÇÃO, UM
ESTUDO DE CASO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE
RISCO SOCIAL.
Nesse sentido, peço ao adolescente que ao responder as perguntas, faça-o
com sinceridade, pois muito me ajudará como pesquisador. Contribuirá também, as famílias, educadores, escolas, líderes religiosos e outros atores sociais
que se esforçam para a prevenção, defesa e promoção dos adolescentes.
Atenciosamente.
Por ser verdade, assino e dato o presente e autorizo o adolescente a participar
das entrevistas.
Responsável:________________________________Data:___/____/_______.
Nota: Não será informado na pesquisa o nome do adolescente, de acordo com
a lei Federal 8.069/90-ECA.
Obrigado
Pesquisador: Sergio Bezerra da Silva.
90
ANEXO 6
Letra de música composta por um dos sujeitos abrigados.
91
ANEXO 7
Fotos da Cidade da Criança
Clínica da Cidade da Criança
Playground da Cidade da Criança
92
Cidade da Criança
Playground da Cidade da Criança
Casa Canãa – Cidade da Criança
93
ANEXO 8
Foto da fachada do Colégio Vale da Bênção
94
ANEXO 9
Fotos dos fundadores
Pastor Jonathan Ferreira (fundador)
Pastor Decio Azevedo (in memorian)
Download

Sergio Bezerra da Silva - início