Levantamento do estado de conservação de quatro pinturas de Abel Salazar
Resumo
Pretende-se com este estudo descrever o estado de conservação de quatro pinturas, Dra.
Adelaide Estrada, Mulher no Cabaret – Paris, No Luxemburgo – Dia de Outono e Instantâneo
na Rua de autoria de Abel Salazar. Aproveitando o facto de haver um conjunto de três obras
pertencentes ao espólio da Casa-Museu e uma de propriedade privada, importa identificar
as patologias, relacionar as causas internas e externas, assim como os tipos de intervenções
sofridos no passado e de que forma interferiram nas suas características. Perceber estes
factores permitirá intervenções futuras mais estáveis que respeitarão os princípios éticos da
conservação e do restauro.
Introdução
Do conjunto de pinturas em análise, três pertencem ao espólio da Casa-Museu Abel Salazar,
Dra. Adelaide Estrada, Mulher no Cabaret – Paris e No Luxemburgo – Dia de Outono, tendo
sido intervencionadas, no passado, pelo atelier de restauro da Fundação Calouste Gulbenkian,
aquando da aquisição da colecção a familiares do Artista. Da época, não há qualquer registo
que nos informe dos estados de conservação, ou do tipo de intervenção realizada. Assim,
o presente estudo consiste na avaliação das pinturas antes da operação de conservação e
restauro, em 2003, por um atelier privado1.
Através dos bilhetes-postais que reproduzem as salas expositivas da casa do artista, e que
foram editados por um grupo de intelectuais e amigos, em 19532, sabemos serem as molduras
originais douradas, com elementos decorativos da época. Desta forma é possível perceber
que a primeira intervenção contemplou o acondicionamento das pinturas em molduras de
aglomerado de madeira, revestidas a linho e rematadas por réguas de alumínio, e aplicação
de um verniz sobre a camada cromática. É provável que tenham sido submetidas a limpeza
prévia. Intervenções, como introdução de massas de preenchimento ou integrações de cor,
foram detectadas em algumas pinturas, do restante conjunto3.
A quarta pintura, Instante da Rua, pertence a uma colecção particular, tendo sofrido um
percurso conservativo distinto. A moldura e o sistema de união são os originais. Foram sendo
aplicadas camadas de óleos, provavelmente de linhaça, ao longo dos tempos, na tentativa de
saturar as cores.
1 As intervenções foram realizadas pelo atelier Porto Restauro – Conservação e Restauro de Objectos de Arte, Lda, sob
orientação de Ana Brito.
2 A 1 de Janeiro de 1947, um grupo de intelectuais e amigos, na vontade de homenagear Abel Salazar, lançaram a ideia de
criar uma Fundação, que por múltiplas vicissitudes só vem a legalizar-se, sob a forma de cooperativa “Sociedade Divulgadora
da Casa-Museu Abel Salazar de S. Mamede Infesta”, em 1963.
3 Foram intervencionadas sessenta e duas pinturas.
Materiais e Técnicas de Pintores do Norte de Portugal – Processo nº 3-6-15-6-1199 (QREN)
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Levantamento do estado de conservação de quatro pinturas de Abel Salazar | Ana Brito
Breve descrição das pinturas em estudo
A técnica pictórica é o óleo, executado sobre suporte rígido de madeira, tábua ou contraplacado.
As pinturas apresentam tamanhos distintos, predominando a pequena dimensão. Variam
entre os 20,2 x 11 cm e os 80 x 120 cm.
Contrariando a maioria das obras do autor, três apresentam preparação, branca, sendo a quarta
executada directamente sobre o suporte. Na generalidade são constituídas por carga pictórica
significativa, com empastes pontuais. O lápis, grafite e/ou o pastel gordo estão presentes em
três das obras, classificando-se de técnica mista.
Estado de conservação
Dra. Adelaide Estrada
Figura 1 e 2 – Fotografia a luz visível da pintura a óleo sobre madeira (20,2 x 11 cm), representando o
retrato da Dra. Adelaide Estrada, após a intervenção, vista de frente e de costas.
A pintura, óleo sobre madeira, tábua, obedece às seguintes dimensões: 20,5 cm de altura por
11 cm de largura e 6 mm de espessura.
O suporte apresentava bom estado de conservação, apenas foram detectadas no reverso,
sujidades superficiais e marcas dos pregos que prendiam a pintura à moldura. Por terem
oxidado, tingiram a superfície e a excessiva pressão, esmagou as fibras da madeira. Foi na
camada cromática aonde se identificaram problemas de conservação. Havia uma grande
deposição de sujidade que enegreceu a superfície, modificou os tons, brilhos e contrastes
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cromáticos. Esta camada penetrou na estrutura pictórica, talvez pela inexistência de um
filme protector, ou por este se ter alterado, descolorado ou degenerado. Simultaneamente,
foram detectadas pequenas manchas que se revelaram irreversíveis e que contaminaram a
generalidade da superfície.
Os bordos, por terem estado protegidos pela moldura, apresentavam-se mais limpos, mas com
pequenas lacunas ou desgastes, resultantes da acção de abrasão. Através deles, entendeu-se
qual seria a paleta mais próxima do original.
Um dos exames realizados, foi a observação com luz ultravioleta (UV), para estudo da superfície
da pintura. Ficou perceptível a inexistência de fluorescência, na zona em contacto com o
ar, contrastando com a área protegida pela moldura. Durante a limpeza, a fluorescência foi
aumentando, percebendo-se estar a sua inexistência, ligada com o tipo de sujidade presente
na superfície da pintura, e que esta poderia ter uma origem gordurosa4.
Mulher no Cabaret
Figura 3 e 4 – Fotografia a luz visível da pintura a óleo sobre madeira (32,5 X 23 cm), com o tema Mulher no
Cabaret, vista de frente e de costas.
A pintura, óleo sobre madeira, tábua, obedece às seguintes dimensões: 32,5 cm de altura por
23 cm de largura e 7 mm de espessura.
O suporte apresentava bom estado de conservação.
As costas foram cobertas por uma coloração e um verniz, ou por um verniz corado que
4 A limpeza foi realizada em dois momentos: a primeira com água destilada aquecida; a segunda com saliva artificial.
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envelheceu, alterou e foi sendo riscado pelo mau manuseamento. Colaram-se várias etiquetas,
umas ainda presentes, ficando fragmentos de adesivos.
Uma tinta branca, à base de chumbo5, caiu acidentalmente nas costas da pintura. Parte
mantém-se presente, outra foi eliminada. Percebeu-se ter sido removida, já com a tinta seca,
pois existem marcas dos escorrimentos e da formação de gotas.
Os pregos que prendiam a pintura à moldura comprimiram a madeira.
A camada cromática, construída a partir da preparação branca, alterna zonas finas com
empastamentos pontuais. Apenas foi identificada uma rede de estalados no verde, junto
ao fundo do bar, na margem direita e superior da composição. Não oferece perigo de
destacamento.
O revestimento foi analisado mediante luz negra (de wood). Percebeu-se existir um verniz não
homogéneo que se estendia até à fronteira da moldura. A concentração era maior sobre a
figura. A fluorescência emitida era de aspecto leitosa. Na observação a luz natural a superfície
aparentava um tom amarelecido, intervindo na leitura original da paleta cromática.
No Luxemburgo – Dia de Outono
Figura 5 e 6 – Fotografia a luz visível da pintura a óleo sobre madeira (35,5 X 23,5 cm), com o tema No
Luxemburgo – Dia de Outono, após intervenção, vista de frente e de costas.
A pintura, óleo sobre madeira, contraplacado, obedece às seguintes dimensões: 35,5 cm de
altura por 23,5 cm de largura e 6 mm de espessura.
O contraplacado apresentava bom estado de conservação.
5 Analisando a radiografia, percebe-se ser a tinta composta por chumbo.
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Nas costas, é perceptível uma incisão com um instrumento cortante e as marcas da pregaria
que fixavam a pintura à moldura. Também são perceptíveis adesivos que colavam etiquetas.
A preparação branca, aparentava boa adesão ao suporte, contudo observa-se uma rede
de estalados que, julgamos, lhe pertencer. A pintura é construída por velaturas, pinceladas
com tinta muito fluida que alternam com outras mais espessas, ficando perceptível a marca
do pincel. Assim, uns estalados são notados através do conjunto de fissuras, outros, por
serem acompanhados de desgaste pontual na última camada de tinta. A periferia da pintura
apresentava abrasão, criada pelo atrito da moldura.
A superfície encontrava-se suja de poeiras, assim como de um filme de verniz ligeiramente
amarelecido.
Instantâneo na Rua
Figura 7 – Fotografia a luz visível da pintura a óleo sobre contraplacado (80 x 120 cm), com o tema
Instantâneo na Rua, após intervenção, vista de frente.
Figura 8 – Fotografia a luz visível da pintura a óleo sobre contraplacado (80 x 120 cm), com o tema
Instantâneo na Rua, vista de costas
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A pintura, óleo sobre madeira, contraplacado, obedece às seguintes medidas: 80 cm de altura
por 120 cm de largura. A sua espessura não é conhecida por não ter sido a pintura separada
da moldura.
Vista de costa, o suporte, no canto superior esquerdo apresentava pequenas fissuras,
acompanhadas de perda de material lenhoso. As fibras da madeira não são visíveis, por estarem
as costas totalmente coberta de tinta castanha, e na frente, pela camada de preparação e
tintas.
Há uma pequena ondulação do suporte, perceptível apenas quando a luz incide de forma
oblíqua.
A preparação apresentava boa adesão, contudo visto à lupa, reconhece-se a formação de
pequenas fissuras, que acompanham os veios da madeira.
A camada cromática, embora não pareça ter apresentado problemas de conservação6,
foi sendo ao longo dos anos, de forma constante, impregnada de óleos, provavelmente de
linhaça7, conferindo-lhe, agora, um aspecto brilhante, acastanhado e manchado. Caracterizase a técnica pictórica pela alternância de áreas com muita e pouca carga pictórica, e de
tintas mais ou menos saturadas. Assim, a capacidade de absorção dos óleos adicionados foi
diferenciada, acabando por ocorrer escorrimentos e formação de gotas. Ao envelhecerem,
os óleos polimerizaram, descoloraram e acastanharam, alterando o valor cromático da
pintura original. Na observação com luz negra (de wood), verificou-se uma fluorescência não
homogénea e de aspecto esverdeado escuro.
É notada uma profusão de pêlos, escuros e claros, agarrados à superfície. Pensamos terem
origem nas diferentes trinchas que foram utilizadas para estender a solução, embora a
proprietária, se lembre sobretudo da utilização de um pano.
Tornou-se esta adição num material pegajoso, capaz de captar muitas poeiras. As pinceladas
cromáticas mais acidentadas, retiveram maior quantidade de óleos, estão mais cobertas,
sendo notado nos tons mais claros a formação de uma película espessa e acastanhada.
Conclusão
Abel Salazar, sendo um auto didacta é, sobretudo, um Homem da Ciência, conhecedor dos
comportamentos dos materiais. Tal, associado à sua vasta cultura artística, fizeram dele
um bom criador e praticante da sua própria técnica. Nas suas obras torna-se mais comum
encontrar problemas de conservação associados à acção do homem do que, propriamente,
atribuíveis a causas internas da técnica ou dos materiais. Contudo estes dão origem a um tipo de
envelhecimento característico. Os seus óleos, durante a secagem tornaram-se transparentes,
por vezes pouco saturados, impulsionando a adição de matérias capazes de avivar. A escolha
de vernizes ou óleos incorrectos condicionam muito o futuro das obras. As camadas de cor
6 Pelas características técnicas, e pelos hábitos antigos de conservação doméstica, é muito frequente encontrar pinturas de
Abel Salazar, fortemente, impregnadas de óleos.
7 Em troca de ideias com a proprietária, ficamos a saber, da possibilidade de sua Mãe ter feito misturas de óleo de linhaça e
aguarrás. Julga ter usado sobretudo um pano para aplicar.
Materiais e Técnicas de Pintores do Norte de Portugal – Processo nº 3-6-15-6-1199 (QREN)
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são muitas vezes finas, perfeitas velaturas, frágeis quando sujeitas a limpezas incorrectas. O
desenho, elemento integrante da obra, feito de grafite ou lápis gordo, condiciona muito os
tratamentos.
No acondicionamento, a escolha de modelos de fixação das pinturas às molduras são
importantes, pois como aqui foi exposto, temos exemplos aonde a pregaria afectou de forma
negativa as pinturas. Permitiu a abrasão dos bordos, a pressão das madeiras ou a oxidação
pontual das mesmas.
Percebeu-se ter havido, no passado, uma actuação bastante diferente no grupo de obras do
espólio da Casa-Museu Abel Salazar e da obra particular.
Referências
BRANDI, Cesari - Teoria do Restauro. Amadora: Edições Orion, 2006. ISBN: 972-8620-08-X
CALVO, Ana - Conservación y restauración, Materiales, técnicas y procedimentos, de la A a la Z.
Ediciones del Serdal, 2003. ISBN 84-7628 -194-3
GÓMEZ, Mª Luísa - La Restauración – Examen científico aplicado a la conservación de obras de
arte. Cátedra, 2002. ISBN: 84-376-1637-9.
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