O QUE É PRECISO FAZER PARA TERMOS MELHOR ESTADO? 1
Prof. Paulo Trigo Pereira (ISEG/ULisboa):2 Boa tarde a todas e a todos. Queria saudar,
antes de mais, o Presidente do Conselho de Administração da Fundação A.E.P. - Dr.
Paulo Nunes de Almeida, o Presidente do Conselho de Administração da Fundação de
Serralves – Engº Luís Braga da Cruz, o Prof. Valente de Oliveira, que me convidou para
estar aqui presente. Desejo ainda saudar os meus colegas de painel e toda a
assistência que se dignou vir até aqui hoje.
O Engº Valente de Oliveira convidou-me, pensando que teria alguma coisa útil para
dizer, e espero corresponder a esse amável desafio. O tópico desta sessão é, como
sabem: “O que é preciso fazer para termos melhor Estado?”. É um tema apaixonante
e que mereceria uma longa exposição, mas como só disponho de vinte minutos, serei
selectivo e abordarei quatro temas. Primeiro, o que considero ser um bom Estado a
partir da identificação das suas funções; segundo, tentarei responder à questão de
saber porque é que estamos a ter um Estado cada vez pior. Em terceiro lugar,
identificarei algumas medidas transversais para melhorar o Estado e finalmente
avançarei com umas notas finais sobre a questão da sustentabilidade e da
continuidade das políticas públicas. No fundo como é que nós conseguimos, que é um
dos nossos grandes problemas, dar alguma continuidade a qualquer tipo de reforma.
1- O que é um bom Estado e quais as suas funções?
Antes de se responder à questão do que é um bom Estado é preciso ter algum
entendimento sobre quais as suas funções. Ao contrário do que algumas pessoas
defendem considero que não há que refefinir as funções do Estado. As funções do
Estado são as mesmas em todo o lado do Mundo, ensinam-se da mesma maneira em
todos os manuais de economia e finanças públicas.3 Elas têm origem na conhecida e
clássica definição tripartida de Richard Musgrave, que distingue entre a função
afectação, redistribuição e estabilização. A função afectação é assegurar a provisão de
bens e serviços públicos (infraestruturas, defesa nacional, segurança, justiça) sem os
quais os mercados não se desenvolvem. Inclui-se também a regulação económica no
sentido de promover a concorrência ou de lidar com externalidades negativas (ex.
1
© Paulo Trigo Pereira e Fundação AEP. Versão preliminar não revista. Será publicada nas IV Jornadas
Empresariais | “O Papel do Estado no Desenvolvimento” | Fundações AEP | Serralves | 10 de Outubro de 2013.
2
Professor catedrático do ISEG (Universidade de Lisboa) e Presidente da Direção do Instituto de Políticas Públicas
Thomas Jefferson – Correia da Serra. Trata-se de uma versão apenas ligeiramente corrigida da intervenção oral no
Encontro das IV Jornadas da Associação Empresarial do Porto. Mantive assim a linguagem coloquial apresentada.
Desejo dedicar este pequeno artigo a todos os que na administração pública, apesar da crise e da falta de incentivos
no Estado, não saem do Estado, porque valorizam o serviço público, embora o pudessem fazer.
3
Ver entre outros, Pereira, P. et al. (2012) Economia e Finanças Públicas, 4ª edição, Escolar Editora, ou
os manuais de Musgrave e Musgrave; de Stiglitz, J.; de Rosen, H.; de Brown e Jackson entre muitos
outros.
1
poluição) ou positivas. Redistribuição é a promoção da justiça social que se faz através
de dois tipos de estratégias e três tipos de instrumentos: redistribuição de rendimento
(através da fiscalidade e do sistema de segurança social) e assegurar a não exclusão
social a bens de mérito (educação e saúde) para promover a igualdade de
oportunidades. Estas são duas funções microeconómicas e depois temos uma terceira
função macroeconómica que é o uso da política orçamental no âmbito da função
estabilização, isto é alisando os ciclos económicos (evitando recessões profundas, ou
um crescimento inflacionista). Isto é assim há muitos anos e vai continuar a ser assim.
Portanto, a questão relevante não são as funções do Estado, mas o âmbito com que
estas funções são exercidas e as tarefas que são desempenhadas pelo Estado ou por
outros sectores, nomeadamente pelas Instituições Particulares de Solidariedade Social
(IPSS) ou por empresas privadas. Se estas são as funções do Estado, quer dizer que o
Estado deverá ser o financiador, para garantir igualdade de oportunidades e evitar a
exclusão, mas não necessariamente o prestador. Se elas forem desorçamentadas4
mesmo mantendo-se públicas, ou passadas para o sector não lucrativo ou para o
sector privado, o Estado tem de pagar sempre a factura. Isso acontece hoje nos
hospitais, na área da saúde, acontece hoje nas IPSS, na área da segurança social, em
que a maioria dos lares de idosos são geridos por IPSS, mas o Estado paga. Portanto, a
questão relevante é a das tarefas que devem directamente ser desempenhadas pelo
Estado, e as que devem ser prestadas por outras instituições. Este é um tópico
importante, mas que nos afastaria do nosso tópico central, que é um bom Estado.
De forma algo tautológica poder-se-ia dizer que um bom Estado é aquele que
desempenha bem as suas funções e as suas tarefas. Porém, para sermos mais precisos
vamos identificar algumas características do que é um bom Estado. Em primeiro lugar,
na sua relação com cidadãos e empresas, esse Estado é previsível nas políticas
públicas. Por exemplo, do ponto de vista do sistema fiscal, não pode ser um Estado
que está constantemente a alterar o sistema fiscal. É previsível também em relação ao
sistema regulatório, isto é, nas várias áreas em que faz regulação, as normas e sua
implementação devem ser relativamente estáveis no tempo. Uma segunda
característica de um bom Estado é ser um Estado qualificado, com recursos humanos
qualificados, com bons médicos, bons professores, bons reguladores, bons dirigentes
de empresas públicas, etc. Terceiro, um bom Estado é um Estado amigo das empresas,
que permanentemente deve diminuir os custos de contexto da actividade económica,
deve facilitar o funcionamento das empresas e deve tornar mais célere e mais eficiente
o funcionamento da economia. Um outro aspecto, obviamente relacionado com o
anterior, mas que justifica autonomização, é um Estado Justo, isto é, que se caracteriza
por ter um sistema judicial justo, célere e eficiente quer para as famílias quer para as
empresas. Isso não existe em Portugal, e falarei nisso mais à frente, mas obviamente
4
A desorçamentação é a prestação de um serviço por uma unidade institucional fora do perímetro das
administrações públicas, isto é do Orçamento do Estado, ou dos orçamentos Regionais, de uma das
administrações regionais ou dos orçamentos das administrações Locais.
2
que um bom Estado, pressupõe um bom sistema de justiça. 5 Um bom Estado é amigo
das pessoas, promove a solidariedade, a justiça social, reduz as desigualdades sociais,
reduz a pobreza e a exclusão social. Um bom Estado, é um Estado catalizador da
Inovação e do Empreendedorismo e não um Estado que favorece actividades rentistas
(de rent seeking) por parte dos agentes económicos. Finalmente, e para não me
alongar muito sobre aquilo que considero que seria um bom Estado, é um Estado
transparente, um Estado amigo do cidadão, amigo das empresas, que é acessível ao
escrutínio público da sociedade civil em relação às políticas que implementa, aos
grandes contratos que celebra, desta forma precavendo a corrupção e todo o tipo de
actividades nefastas a ela associada. Temos então um quadro muito sintético do que,
a meu ver, deveriam ser algumas características de um bom Estado.
2- Porque está o Estado português a ficar dramaticamente enfraquecido?
Gostaria agora de passar ao meu argumento fundamental de explicar porque é que o
Estado em Portugal está a ficar dramaticamente enfraquecido. Claro que nem tudo
segue a tendência geral de degradação do Estado e começaria até por algumas
excepções a este declíneo do Estado. Há coisas pontuais, em que o Estado está melhor.
Conseguiram-se desenvolver, nos últimos anos, algumas instituições que dão
credibilidade ao funcionamento do Estado, tão diversas como sejam: o conselho de
finanças públicas (que ainda não chegou à velocidade de cruzeiro, mas que espero que
chegue lá) que dará mais credibilidade à actuação do Ministério das Finanças e será
um pouco uma forma de escrutinar essa actividade; ressurgiu, embora de forma frágil,
uma “unidade técnica de acompanhamento de projectos” (UTAP) para acompanhar as
parcerias público-privadas (PPPs).6 Percebeu-se finalmente que para se ter parcerias
público-privadas não basta copiar os modelos dos contratos das PPP, é preciso, se
queremos bem copiar os Ingleses, copiarmos também as instituições que eles criaram
para acompanhar as PPP e pôr essas instituições efectivamente a funcionar7. Durante
cerca de oito anos (2003-2011), proliferou o sector empresarial público (o local
sobretudo a partir de 2008) e as PPP sem efectivo acompanhamento e controlo
5
Quem opõe mercado ao Estado, não percebe muito bem quais são as funções do Estado. Se os
mercados assentam em direitos de propriedade privada, contratos e no enforcement desses contratos,
obviamente que não pode haver mercado sem Estado. Estado e mercado não são antagónicos são
complementares e é precisamente por isso que é necessário um bom Estado.
6
A UTAP é uma entidade administrativa, apenas com autonomia administrativa, sob tutela do Ministério das
finanças.
7
No início do alargamento das parcerias Público-Privadas, com o governo de Durão Barroso, foi emitido o Despacho
Normativo nº 35/2003 de 20 de Agosto de 2003 “Incumbe à PARPÚBLICA - Participações Públicas (SGPS), S. A., a
prestação de apoio técnico ao Ministro das Finanças no contexto dos procedimentos de definição, concepção,
preparação, concurso, adjudicação, alteração e acompanhamento global das parcerias público-privadas, regulados
pelo Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril.” Pelos resultados conhecidos hoje, o que é certo é que a PARPÚBLICA,
por razões próprias ou alheias, não esteve à altura das competências que lhe foram atribuídas neste despacho.
3
institucional, e foi preciso chegar ao “buraco” orçamental onde estamos para perceber
que se calhar é preciso criar alguma instituição que monitorize esses contratos e
funcione efectivamente.
Também se criou uma instituição que não é totalmente independente, que é o
CRESAP, uma comissão de recrutamento e selecção para a selecção de cargos
dirigentes na administração pública. É uma coisa importante, a meu ver menos
independente do que o seu congénere Inglês, 8 mas que se funcionar bem trará mais
selectividade à nomeação para cargos dirigentes, baseada mais no mérito pessoal e
menos em critérios pouco transparentes. Isto são algumas instituições que são
importantes, mas que não retiram o quadro genérico daquilo que vou falar e que é um
certo declíneo acentuado da administração pública e do exercício das funções do
Estado Português, que eu coloco a cinco níveis diferentes. Primeiro, a qualificação dos
recursos humanos. Não há bom Estado, sem bons recursos humanos. Tínhamos, mal
ou bem, uma instituição chamada Instituto Nacional de Administração (INA), que era
uma escola de administração pública, para futuros trabalhadores em funções públicas
e fazendo também formação para cargos dirigentes e também o Centro de Estudos e
Formação Autárquica (CEFA) integrados na administração pública, sendo o INA um
Instituto Público. Hoje, em vez de um Instituto Nacional de Administração, temos uma
Direcção Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas. Vá lá,
percebeu-se, ao menos, que o INA era uma marca que já tinha nome no mercado e
valia a pena mantê-la, mas desqualificou-se esse organismo. Já em relação ao CEFA
aconteceu uma coisa curiosa, ele foi desorçamentado, neste momento é uma
Fundação; o que significa que não há controlo de qualidade público, por ser uma
entidade completamente autónoma, embora continue a ser financiado pelo
Orçamento de Estado. O ponto onde quero chegar é que a formação é fundamental
em qualquer País desenvolvido. Há boas escolas de quadros da administração pública,
na França9 e no Reino Unido, e Portugal também necessita delas. Não é
desqualificando o organismo formador da administração central (INA) e
desorçamentando o da administração local (CEFA) o caminho a seguir, mas é o que
tem sido seguido.
Segundo aspeto, os incentivos na administração pública. Vários governos portugueses
andam, há vários vários anos, a criar e tentar implementar uma coisa relativamente
complexa chamada SIADAP – Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da
Administração Pública - o SIADAP 1, 2 e 3, que são sistemas de avaliação de
funcionários, de serviços e de dirigentes. Tudo isso foi montado, com muito custo, com
avaliações de desempenho a vários níveis e prémios de desempenho associados ao
desempenho de vários serviços. Porém, tudo isso está perfeitamente congelado para
8
O Office of the Commissioner of Public Appointments.
A França tem as Universidades e um ramo de ensino mais de elite que tem as Grands Écoles em que a
École Nacionale d’Administration ocupa lugar de relvo.
9
4
quase todos os efeitos, dada aquela norma que vai vindo sempre nos últimos
Orçamentos de Estado que é que não pode haver alterações remuneratórias na
administração pública, salvo pequenas excepções. Está bloqueada a avaliação, estão
bloqueadas as valorizações remuneratórias, estão bloqueadas as promoções,
aboliram-se os prémios de mérito, etc.10 Portanto, não tem havido incentivos positivos
na administração pública e negativos tem havido muitos. Há os cortes salariais na
função pública, há a subida das 35 para as 40 horas de trabalho, os horários rígidos em
vez de flexíveis, há os congelamentos na progressão das carreiras, etc..
Presumo que a maioria significativa desta audiência trabalha no sector privado. Pois
diria que nenhuma empresa, das que estão aqui “representadas” sobreviveria com o
tipo de sistema de incentivos que neste momento tem a Administração Pública. Já foi
aqui referido nesta mesa que hoje “só não sai quem não pode” da administração
pública, mas eu reformularia dizendo que “só não sai quem não pode ou quem
acredita na importância do serviço público”. Situo-me neste último grupo, dos que
acham que vale a pena resistir e promover um Estado melhor, porque de facto não há
mercado sem Estado e não há desenvolvimento económico nem justiça social, sem
Estado. Penso que há ainda muitas pessoas qualificadas na Administração Pública que,
felizmente, não saem porque não querem, embora possam.
Terceiro aspecto, a instabilidade organizacional na Administração Pública. Na última
década - 2003-2013, houve seis mudanças organizacionais, algumas mais de fundo
outras mais superficiais. A saber: em 2003 estava em funções o governo liderado por
Durão Barroso; em 2005 temos o governo Sócrates (1) que alterou significativamente a
orgânica governamental; na sequência do Programa de Reforma da Administração
Central do Estado (PRACE) 2006, foram feitas novas leis orgânicas para todos os
Ministérios. Mudou estruturalmente a Administração Pública em 2007, ainda durante
o primeiro governo de José Sócrates; depois tivémos o segundo governo de Sócrates
(2) em 2009 que introduziu mais alterações; a seguir, em meados de 2011, Passos
Coelho toma posse e reduz significativamente o número de Ministérios, alterando
assim a sua orgânica, criando alguns megaministérios. A meio do mandato Passos
Coelho implementa o Plano de Redução e Melhoria da Administração Central do
Estado (PREMAC) com fusões, reestruturações e extinções de organismos. Portanto,
tivemos nos últimos dez anos seis mudanças organizacionais na Administração Pública.
Isto significa que nesse espaço de tempo, que não é muito, houve organismos que
foram criados, extintos, reestruturados, fundidos. Por exemplo, as Administrações de
Regiões Hidrográficas (ARHs) foram criadas legalmente em 2006 e a sua justificação
10
Os prémios de mérito não existiram em 2012 e 2013 e foram repostos timidamente no Orçamento de
Estado de 2014, apresentado a 15 de Outubro, já depois desta comunicação ter sido proferida.
Desconhecíamos essa proposta e obviamente que nos regozijamos com ela, esperando ver qual o seu
grau de execução em 2014.
5
foi trabalhada tecnicamente.11 Obtiveram os seus recursos financeiros e humanos
essencialmente a partir das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional
(CCDR’s). Em 2012 foram extintas, sem respectiva avaliação nem justificação. Muitos
exemplos como este poderiam ser dados.
Esta é a instabilidade organizacional das administrações públicas. Pergunto-me se nos
últimos dez anos as empresas privadas aqui “representadas” tiveram seis mudanças
organizacionais, com reestruturações nos seus departamentos internos, e um
congelamento do sistema de incentivos, nomeadamente com congelamentos ou
cortes de remunerações quer de dirigentes quer de pessoal com funções intermédias
ou de base.
Uma quarta característica da decadência do Estado é a grande instabilidade nas
estruturas dirigentes destes organismos. Está sempre tudo a mudar, não só em termos
orgânicos, como referimos anteriormente, mas também em termos de dirigentes que
dificilmente se sentem motivados com cortes orçamentais adicionais de ano para ano.
Obviamente que qualquer funcionário nem consegue perceber qual é o logótipo da
instituição em que está a trabalhar, tal é a dinâmica de “reforma do Estado” que se
está implementar.12
Finalmente, o envelhecimento dos serviços. Dado que não há praticamente admissões
na função pública e há aposentações, os serviços estão cada vez mais envelhecidos.
Não entra gente nova, que está altamente qualificada, o que é perfeitamente
aberrante e paradoxal. Estamos a formar cada vez mais pessoas com elevadas
qualificações, mais conhecimento, mais domínio das novas tecnologias de informação
e comunicação, mas não têm acesso às Universidades como professores, aos hospitais
como médicos, ou à administração como técnicos.
Então o que se pode concluir desta análise? Antes do mais que há um claro declíneo
no exercício das funções do Estado, dado um conjunto de factores: a falta de aposta e
recrutamento de recursos humanos qualificados; a suspensão de um sistema de
avaliação de desempenho e de incentivos (SIADAP) que, melhor ou pior, ia fazendo o
seu caminho; a instabilidade organizacional na administração pública incluindo
instabilidade na elite dirigente. A tudo isto, a situação de crise económica adiciona os
cortes salariais, de progressões e promoções.
É óbvio que a situação de crise das finanças públicas exige algumas medidas de cortes,
nomeadamente salariais. Porém, sendo professor de finanças públicas, não subscrevo
a teoria de que o conjunto destas medidas é inevitável. Apenas para dar dois exemplos
11
Ver Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional (MAOTDR),
Administração das Regiões Hidrográficas Fundamentação e Modelo de Gestão, 2008.
12
Confunde-se no PREMAC aquilo que já tinha sido confundido no PRACE, a reforma da organização do
Estado, nomeadamente a redução de estruturas e de cargos dirigente não leva necessariamente a uma
redução do peso do Estado na economia e tem obviamente efeitos motivacionais indesejáveis.
6
de medidas que praticamente não têm impacto na despesa e que têm um efeito
dramático nos incentivos, acabar os prémios de mérito na Administração Pública não
gera praticamente beneficio nenhum em termos de redução da despesa pública. No
Orçamento de Estado não representa quase nada, será cerca de 0,05% da despesa
pública.13 Do mesmo modo acabar em muitos serviços com o horário flexível, quando
isso é exequível e estava a ser implementado, e impôr um horário de trabalho rígido
em nada reduz a despesa, nem melhora a prestação de serviço, antes pelo contrário. 14
O que estes, e outros exemplos denotam é que não há uma visão estratégica de que,
mesmo em situação de crise, temos de desenvolver sistemas de incentivos adequados
para que o Estado se fortaleça e melhore a sua eficiência.
3- O que podemos fazer para melhorar o Estado?
Passo então ao terceiro ponto da minha intervenção que é “o que é que podemos
fazer para melhorar o estado do nosso Estado?”. Terei apenas tempo para ilustrar com
alguns exemplos, aliás bastante diversos. Antes do mais temos de ter um bom
diagnóstico da situação actual. O que este governo e os restantes costumam fazer é
navegação à vista, e cada vez é mais à vista, ou seja, responde a questões do tipo:
quanto é que nós temos de cortar no Orçamento de Estado do ano que vem? Um e
meio pontos percentuais do PIBpm. Muito bem, então vamos arranjar aqui vinte
medidas equivalentes a um e meio pontos percentuais, que são cerca de 2.400 milhões
de euros, e fazem-se cortes na despesa e aumentam-se impostos para alcançar esse
valor. Isto não é estratégia nenhuma para melhorar o Estado, isto é, perdoem-me a
expressão, contas de merceeiro. Para renovarmos o Estado, precisamos de ter uma
estratégia de como é que podemos melhorar as qualificações dos recursos humanos, a
estabilidade organizacional, os sistemas de incentivos alinhados com objectivos
estratégicos, etc. Temos de perceber que há medidas que têm impacto a longo prazo e
a curto prazo.
13
A título ilustrativo, considerei que aos 5% dos trabalhadores da administração central melhor
classificados era dado um prémio.
14
Neste contexto sugiro a leitura do trabalho final de mestrado em Economia e Políticas Públicas
(ISEG/Ulisboa) de Maria Helena Gomes (2013) “Motivação e Incentivos dos Trabalhadores Gerais da
Administração Pública em tempos de crise: o caso da Autoridade para as Condições de Trabalho”. Uma
das suas conclusões é que: “Tendo em conta a importância atribuída à estabilidade da relação laboral, à
conciliação da vida profissional com a vida pessoal, parece que os trabalhadores inquiridos são bastante
motivados pela segurança e estabilidade no trabalho e pela preferência de uma relação de
emprego/família mais equilibrada, tal como referido por Buelens e Broek (2007). Pelo que, a aplicação
de horários flexíveis poderá ser um incentivo para estes trabalhadores. Por outro lado, a flexibilidade de
horários também pode ter influência na perceção de autonomia do trabalhador.” O que foi introduzido
entre nós agora? Maior rigidez nos horários de trabalho.
7
Começo por uma reforma que tem um impacto no longo prazo, que demora a
implementar, mas que tem de ser começada a ser feita já. O sistema de Segurança
Social redistributivo que temos, o pay as you go, faz com que as gerações presentes
estejam a financiar as prestações dos actuais pensionistas. Este sistema não é
sustentável, portanto temos de começar já hoje a alterá-lo numa perspectiva de que
ele vai demorar dez anos a modificar, mas que se não o alterarmos, os nossos filhos,
não vão ter uma pensão que se veja. Isto é uma reforma fundamental, pois o apoio à
velhice vai continuar a ser uma função do Estado. É-o em quase todos os Países do
mundo e é-o em todos os Países da Europa. Nós não vamos deixar de ter um sistema
de Segurança Social, agora o modelo tem de ser alterado. A Suécia fez isso há poucas
décadas, e não temos que inventar nada, porque as reformas já foram feitas. Temos é
de identificar o problema e discutir as várias perspectivas de sistemas mistos, que
necessariamente envolverão redistribuição e capitalização, e começar a trabalhar,
técnica e politicamente, numa proposta concreta que condense os consensos políticos
mínimos que sejam duradouros numa década, ou seja para além de dois ciclos
políticos. Esta reforma tem de começar a ser -pensada já, mesmo sabendo que vai
demorar uma série de anos a ter um impacto nas finanças públicas. Caso contrário os
nossos filhos e os nossos netos estarão em maus lençóis e não sei se nos perdoarão
não termos feito atempadamente essa reforma.
Uma segunda reforma necessária para um bom Estado, é aumentar a eficiência da
justiça. Temos algumas leis más e leis a mais, isto remete-nos para dois tipos de
problemas. Primeiro, quem são os deputados no nosso Parlamento? Como é que eles
são escolhidos? Qual o regime de incompatibilidades dos deputados? E isto remete-me
para coisas que estão a montante e que são, o sistema eleitoral, a democracia interna
dos partidos na escolha dos candidatos e o Estatuto do Deputado. O sistema eleitoral
não permite uma salutar competição política intra-partidária para a seleção dos
melhores, nem nenhum tipo de influência do eleitor na escolha dos deputados. A
democracia interna dos partidos deixa algo a desejar, com a existência de sindicatos de
voto. Finalmente, a possibilidade de compaginar ser deputado com o exercício da
advocacia é um claro conflito de interesses que só se percebe de acordo com uma
teoria de procura de rendas e não de promoção do interesse público.
Outro dos factores que limita o funcionamento da Justiça é a formação nas Faculdades
de Direito, nomeadamente a pouca importância dada ao critério da eficiência
enquanto aplicado ao sistema de justiça e aos diversos domínios do direito. Neste
contexto, há uma área do conhecimento fundamental e largamente disseminada há
décadas nos EUA, chamada análise económica do direito, mas que dá apenas passos
tímidos entre as nossas faculdades de Direito e de Economia. A análise económica do
direito, tem feito imenso pela melhoria da eficiência da Justiça nesses países, mas com
8
dificuldade entra nas Faculdades de Direito em Portugal.15 Inversamente, o Direito tem
dificuldade em entrar nos cursos de economia. Também posso dizer que nas
Faculdades de Economia havia uma área de Direito. Na minha escola, que era a Escola
de Economia de Lisboa antes do 28 de Abril, o ISCEF, havia catedráticos de Direito. Na
altura da revolução, achou-se que aquilo era tudo muito conservador e acabou-se. Foi
um erro, porque de facto devia haver Direito nas Escolas de Economia e devia haver
Economia nas Escolas de Direito. As pessoas de Direito dir-me-ão - “mas há!”, eu digo
“não há!”. A Economia que há nalgumas Escolas de Direito é dada por professores de
Direito, dada frequentemente com manuais desses professores, e com todo o devido
respeito, da mesma maneira que eu não percebo nada de Direito, ou percebo pouco, e
não ousaria leccionar Direito, as pessoas de Direito percebem pouco de Economia.
Portanto, cadeiras de Economia devem ser dadas por pessoas de Economia e não por
pessoas de Direito. Convém recordar que, no actual estado da Assembleia da
República em que existe uma predominância absoluta de juristas entre as classes
profissionais representadas a formação dos juristas ganha um relevo particular na
qualidade da legislação produzida.
Terceiro, temos de ter uma estratégia para melhorar o Estado, através de adequado
sistema de incentivos e qualificação de recursos humanos na Administração Pública em
tempo de crise. Esta estratégia não pode ser a mesma do que se estivéssemos em
tempo de “vacas gordas” pois não estamos. Se não houver esta estratégia, a teoria
económica prevê muito facilmente o que vai acontecer, os melhores irão sair logo que
a economia comece a crescer, a menos que tenham um sentido de ética e altruísmo
pela causa pública enorme (é o problema da seleção adversa). E então aí é que é o
descalabro total porque, convém relembrar uma coisa muito importante, os cortes que
estão a ser feitos neste momento são progressivos, mesmo na Administração Pública,
o que significa que o leque salarial na Administração Pública que já é mais estreito que
no privado - e que já penaliza mais os trabalhadores mais qualificados da
Administração Pública que ganham menos do que os equiparados no privado – está
ainda a tornar-se mais estreito. Vários estudos demonstram que são os trabalhadores
menos qualificados na Administração Pública que ganham mais do que os equiparados
no privado. Teremos então, com o crescimento económico, uma selecção adversa, e
portanto será o acentuar do declíneo da Administração Pública,e a sua captura por
interesses privados. Foi o que aconteceu nas PPP, o que aconteceu nos swaps
especulativos e noutras coisas que poderíamos estar aqui a falar. Nesse caso nós
deixaríamos de ter um Estado minimamente aceitável e passaríamos a estar mais
semelhantes a Países em vias de desenvolvimento, que têm Estados muito fracos. Não
15
Em Portugal esta abordagem foi promovida sobretudo por Nuno Garoupa aquando da sua
permanência na Universidade Nova antes de seguir para Illinois. Promoveu dois números da revista SubJúdice especificamente dedicados ao tema. Era dada aqui no Porto, na Católica, por Vasco Rodrigues, e é
leccionada em Lisboa em Direito na Universidade de Lisboa, por Fernando Araújo, na Nova por Antóno José
Morgado e que lecciono no ISEG (agora Universidade de Lisboa) no Mestrado de Economia e Políticas Públicas.
9
chegamos lá, mas é para lá que caminhamos. Para evitar esta situação é necessário
remotivar funcionários e dirigentes na administração.
Finalmente, gostaria de falar num tema caro, e ainda bem, às gentes do Norte que é o
da reforma da Administração do Estado, nomeadamente a regionalização. O meu
primeiro livro foi escrito na altura em que Antóno Guterres era Primeiro-ministro e
João Cravinho era o Ministro do Planeamento. Encomendaram um estudo sobre o
financiamento das, na altura, oito regiões administrativas. Desse estudo resultou um
livro em que digo isto: “O argumento central deste livro é que os efeitos da
regionalização administrativa dependem da forma de financiamento das regiões.
Neste sentido apresentam-se os benefícios que adviriam de um modelo políticoadministrativo de vantagens comparativas regionais em contraposição com os
problemas e as desvantagens de um modelo redistributivo de regionalização
política.”16 Ou seja a minha posição desde essa altura até hoje sempre foi a mesma, eu
não sou a favor nem contra a regonalização em abstrato. Há um bom modelo e um
mau modelo de regionalização consoante a sua modalidade de financiamento. Se for
um mau modelo estou profundamente contra. Um mau modelo é um modelo que não
é constitucionalmente “amarrado”, em que os incentivos para os actores políticos são
envolverem-se numa actuação de procura de rendas (rent seeking) junto do governo
central. Em contrapartida, um bom modelo é um modelo de regionalização à Alemã.
Aqui também não temos de inventar nada, temos de copiar e adaptar as boas práticas.
Os Alemães têm na Constituição a repartição do equivalente ao nosso IRS, IRC e IVA
entre os três níveis de Governo: federal, Estadual (Länder) e municípios. Isto está fixo
na Constituição, não há aqui rent-seeking, não há aqui líderes regionais dos Länder a
fazer telefonemas, a pedir reuniões, a pedir audiências para mudar leis de
financiamento de regiões, pois isso está limitado à partida na Constituição.17 De 10 em
10 anos, ou de 15 em 15 anos, reúnem-se o nível federal, estadual e local e há
possibilidades de rever essa repartição. Se for um modelo “amarrado”
constitucionalmente desta maneira, então sim; mas se for um modelo à semelhança
do que se tem passado nas regiões autónomas, “Jardinista”, então aí têm decerto a
oposição da maioria dos portugueses e com toda a razão. Qualquer modelo de
regionalização tem que assegurar a sustentabilidade das finanças públicas e tem de se
provar claramente, a priori, que tal será o caso. Se o Norte, e eu acho que uma
regionalização bem feita seria boa para o País em geral e para o Norte, Alentejo em
particular, quer levar esta temática a sério, deve pensar em trabalhar uma proposta
credível que apresente ao País na base de um modelo politicamente responsável. Que
eu saiba essa proposta credível não foi estudada e não foi feita.
16
17
Texto da contracapa do livro P.T. Pereira (2008) Regionalização, Finanças Locais e Desenvolvimento.
Ver artigo 106 da Constituição da República Federal Alemã.
10
4 – Notas Finais: a sustentabilidade das políticas para um melhor Estado
Como é que podemos implementar qualquer reforma neste país se o seu ciclo de
gestação ultrapassa tipicamente uma legislatura e por vezes duas. Temos aqui dois
problemas, estas medidas de que falei, ou outras que saberão melhor do que eu,
exigem várias coisas. Sinteticamente exigem acordos interpartidários. Acho que esta é
uma área que merece investigação, ou seja, como é que nós conseguimos criar
modelos de decisão em Portugal que sobrevivam aos ciclos políticos. Eu repito, como é
que nós conseguimos criar modelos de decisão, de cooperação, de conversa, de
diálogo e de negociação que sobrevivam aos ciclos políticos? Porque a minha história
de vida, que já é alguma, o que me mostra é que poucos acordos sobrevivem a um
ciclo político. Às vezes até nem sobrevivem ao mesmo ciclo político.
Este é o nosso maior problema. E enquanto não resolvermos este problema, não vale a
pena fazer conferências sobre o que é que achamos que devem ser as funções do
Estado. Enquanto não conseguirmos perceber o que é que conseguimos desenhar para
implementar duradouramente acordos - na Segurança Social, na Justiça e outras – de
pouco adianta saber qual o conteúdo desses potenciais acordos. É aqui que acho que a
sociedade civil, a AEP ou, já agora permitam-me um pouco de publicidade, o Instituto
de Políticas Públicas Thomas Jefferson Correia da Serra, que um conjunto de colegas
universitários acaba de criar, e que está sediado no ISEG, podem desempenhar. O
nosso papel tem de ser em conjunção com as empresas, porque elas tem algum
dinheiro, alguns recursos, mas em geral não têm investigadores nem know-how em
relação a estas temáticas que estou a agora a referir. Não têm tempo. Em
contrapartida, nas Universidades, nos Centros de Investigação, nos think tanks, é um
pouco o contrário, há poucos recursos, mas há gente disposta a investigar, há
projectos, há ideias, há motivação. Mas os projectos às vezes não saem do papel,
porque não há apoios. O que acho que a sociedade civil pode fazer para mudar, é fazer
esta reflexão que, como sabem, não é feita dentro dos partidos. Os partidos deviam
fazer isto, noutros países fazem alguma coisa, mas cá em Portugal não fazem.
Portanto, não havendo essa reflexão dentro dos partidos, é necessário que se faça
fora. O desafio das organizações da sociedade civil é não se fecharem nos seus
respectivos guetos, mas cooperarem entre si. Sou um optimista por natureza, sou
Agostiniano, assumo os ensinamentos de vida do meu mestre e grande amigo
Agostinho da Silva. Ele era optimista no longo prazo, apesar de considerar que as
sociedades por vezes passam por momentos mais ou menos trágicos. No longo prazo
sou optimista. No curto prazo vamos ter ainda de sofrer mais um bocado, mas o que é
importante é que, tendo em conta a intensidade e a direção do vento, saibamos o
destino que pretendemos alcançar e dirigirmo-nos para lá, com a velocidade possível
mesmo navegando à bolina.
Muito obrigado pela vossa atenção!
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