1 INTRODUÇÃO O advento dos medicamentos antirretrovirais, na década de 1990, provocou importantes mudanças no tempo de evolução e na morbimortalidade causada pela Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida (AIDS), fazendo com que a doença passasse a ser vista como uma condição crônica tratável (GONÇALVES et al, 2009). Se no início da epidemia de AIDS a condição de infectado pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) representava limites sobre o planejamento de vida, atualmente, a pessoa vivendo com HIV/AIDS (PVHA) pode ter uma vida mais longa, com mais qualidade e buscar ter filhos saudáveis (GONÇALVES et al, 2009). O HIV afeta a esfera da sexualidade, traz a noção de risco às relações sexuais e afetivas entre os(as) parceiros(as) podendo gerar insegurança e instabilidade nos relacionamentos. Além disso, em casais com sorologia discordante1 a vivência da sexualidade e o desejo por filhos parecem ser diretamente afetados pelo risco de infecção do parceiro e do bebê (CARVALHO; PICCININI, 2006). Desde 2008, o Ministério da Saúde estabelece que o desejo de paternidade/maternidade deve ser abordado nas consultas iniciais de PVHA e, desde 2010, propõe que o desejo de ter filhos deve ser discutido nos atendimentos, enfatizando que o planejamento familiar é um direito sexual e reprodutivo, assegurando assim a livre decisão sobre ter ou não ter filhos (BRASIL, 2010b). Mesmo a reprodução na presença do HIV sendo considerada mais segura na atualidade, devido ao grande avanço em tratamentos, a maternidade/paternidade na presença do HIV ainda envolve importantes sobrecargas emocionais e conflitos psicossociais. Os futuros pais não se sentem preparados para ter filhos e os serviços de saúde não abordam o tema como deveriam. Assim, a maior prevalência do HIV na faixa reprodutiva converge para que o desejo de maternidade/paternidade se estabeleça como uma demanda justa dentro da condição do “viver com HIV” (CARVALHO; PICCININI, 2006). Entende-se que seria de certa forma inocente e até mesmo prejudicial, em termos de saúde pública, negar que os portadores do HIV/AIDS mantêm vida sexual e que tem filhos, independente dos preconceitos e das políticas públicas existentes 1 Sorologia discordante: caracteriza-se pela relação entre parceiros onde um possui soropositividade e o outro não, ou seja, apenas um dos parceiros é portador do HIV (SANTANA, 2010). (SANTANA, 2010). Portanto, as ações nesse contexto, devem buscar afastar o estigma antifamília associada ao HIV, descaracterizar o modelo centrado na doença dos serviços de assistência e garantir a inserção nos serviços especializados (por exemplo, reprodução assistida) assegurando apoio para decisões reprodutivas (VARGAS et al, 2010). 2 JUSTIFICATIVA Diante do exposto, entende-se que planejar uma família se constitui em um processo bastante complexo para qualquer pessoa ou casal, envolvendo decisões difíceis e diversos aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Para as PVHA o desafio é maximizado pelos obstáculos impostos pela infecção que geram grandes demandas e que por vezes vem acompanhado pelo preconceito e segregação social (SANTANA, 2010). Nesse sentido, a temática do presente estudo foi motivada pela minha atuação na Liga Acadêmica de AIDS e Doenças Sexualmente Transmissíveis (LAADS), onde realizei consultas de enfermagem em um hospital do estado do Maranhão, localizado em São Luís, referência no tratamento de pessoas com HIV/AIDS e outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). Ao realizar os atendimentos, percebi que muitos pacientes não conheciam seus direitos reprodutivos e se limitavam ao uso do preservativo para evitar a concepção. Grande parte dos profissionais não sabiam como lidar com as questões da saúde reprodutiva de PVHA, apesar de trabalharem em um serviço de referência, não respeitando seus desejos e escolhas. Portanto, esse trabalho assim se justifica e seus resultados poderão contribuir para a análise de como o planejamento familiar e reprodutivo de PVHA pode reduzir a transmissão do HIV para as gerações futuras, minimizando o impacto da vivência da maternidade/paternidade na presença desse vírus. Esse estudo poderá também auxiliar na elaboração de estratégias que assegurem o cumprimento dos direitos sexuais e reprodutivos das PVHA reduzindo a vulnerabilidade social a qual estão expostas. 3 OBJETIVOS 3.1 Geral Analisar os conhecimentos, vivências e comportamentos acerca de planejamento familiar e reprodutivo de pessoas vivendo com HIV/AIDS atendidas em um serviço de referência estadual do Maranhão. 3.2 Específicos a) Identificar os aspectos comportamentais das pessoas vivendo com HIV/AIDS relacionados ao planejamento familiar e reprodutivo; b) Levantar a correlação entre a soropositividade para o HIV e o desejo de maternidade/paternidade; c) Descrever quais atividades de planejamento familiar e reprodutivo estão sendo desenvolvidas para as pessoas vivendo com HIV/AIDS no serviço de referência pesquisado. 4 REVISÃO DE LITERATURA 4.1 Direitos sexuais e reprodutivos O direito à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança e os direitos sexuais e reprodutivos, sem restrição a nenhuma situação específica, constituem o rol de direitos fundamentais da pessoa humana e merecem proteção constitucional. Destaca-se aqui os direitos sexuais, que dizem respeito à livre expressão e vivência da sexualidade sem violência, discriminações e imposições e com respeito pleno pelo corpo do(a) parceira(a). E os direitos reprodutivos que são concebidos como o direito das pessoas sobre a decisão, livre e responsável, de ter ou não filhos, como também sobre o número de filhos e o momento de suas vidas que o(s) desejar ter (VIDAL et al, 2009). Em âmbito internacional, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada no ano de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU), vem firmando uma série de convenções nas quais são estabelecidos estatutos comuns de cooperação mútua e mecanismos de controle que garantam um elenco de direitos considerados básicos à vida digna, os chamados direitos humanos (BRASIL, 2005). A Conferência Internacional da ONU sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo, em 1994, conferiu papel primordial à saúde, aos direitos sexuais e aos direitos reprodutivos, ultrapassando os objetivos puramente demográficos, focalizando-se no desenvolvimento do ser humano. Esse evento provocou transformações profundas no debate populacional ao dar prioridade às questões dos direitos humanos. O entendimento sobre direitos sexuais e reprodutivos no contexto dos direitos humanos significou um avanço importante na sociedade, pois os governos de vários países, entre eles o Brasil, assumiram o compromisso de basear nesses direitos todas as políticas e os programas nacionais dedicados à população e ao desenvolvimento, inclusive os programas de planejamento familiar (BRASIL, 2005). Sendo incluído como direito reprodutivo, o planejamento familiar está assegurado pela Constituição Federal. Fundamentado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Em 12 de janeiro de 1996, foi sancionada a Lei nº 9.263, que regulamenta o planejamento familiar no Brasil e o define em seu art. 2º como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal (BRASIL, 2006). 4.2 Direitos sexuais e reprodutivos de PVHA Os direitos sexuais e reprodutivos de PVHA não diferem dos das demais pessoas, haja vista que o desejo de ter filhos no Brasil é considerado um direito autônomo, que inclui todos, inclusive os portadores de infecções e doenças crônicas (NISHIMURA, 2011). Assumir esse referencial significa que a abordagem das necessidades relativas à saúde sexual e reprodutiva nos serviços de saúde que atendem PVHA, assim como em todas as outras instâncias que compõem o Sistema Único de Saúde (SUS), deve ser pautada nos direitos de todo e qualquer homem ou mulher. O exercício desses direitos deve ser garantido pelo Estado, promovendo espaços e possibilidades para que tais escolhas se realizem (BRASIL, 2006). No entanto, algumas especificidades devem ser consideradas na atenção à saúde sexual e reprodutiva das PVHA. O diagnóstico da infecção, muitas vezes, é acompanhado de transformações importantes na vivência da sexualidade, requerendo um cuidadoso processo de avaliação das relações afetivas, dos desejos, do prazer e das relações sexuais na vida cotidiana (NISHIMURA, 2011). O medo de infectar parceiros(as) ou de ser rejeitado por sua condição sorológica, o estigma associado à AIDS e os efeitos negativos sobre a autoestima, as mudanças físicas provocadas pelo tratamento medicamentoso - como a lipodistrofia e as eventuais dificuldades em usar o preservativo - são aspectos a serem considerados no cuidado ofertado pelos serviços (NISHIMURA, 2011). Os profissionais de saúde devem estar disponíveis para o diálogo sobre vida sexual, demandas reprodutivas e formas de proteção e prevenção viáveis, levando em consideração as especificidades de gênero, orientação sexual, idade e estilo de vida, de modo a promover o autocuidado e autonomia (VIDAL et al, 2009). É preciso que se reconheça a complexidade dos aspectos relacionados aos diretos reprodutivos desse público e a sua autonomia em relação às demandas reprodutivas, para que medidas sejam adotadas para a prevenção da transmissão vertical (TV) e criação de espaço para um verdadeiro encontro entre os profissionais e usuários, capaz de gerar cuidados e propiciar discussões abertas e isentas de preconceitos acerca do tema (NISHIMURA, 2011). 4.3 Maternidade/paternidade na presença do HIV/AIDS O reconhecimento dos direitos reprodutivos das PVHA enfrenta obstáculos de origem estrutural, social e cultural, bem como a falta de apoio programático, que impedem o cumprimento do direito à qualidade dos cuidados de saúde sexual e reprodutiva e suporte para ter uma família (VIDAL et al, 2009). No contexto da atenção à saúde é legítimo reconhecer o desejo de maternidade/paternidade desse grupo, entretanto, a devida abordagem referente às demandas reprodutivas nem sempre é realizada na prática assistencial, mesmo nos serviços especializados no atendimento a esses indivíduos (VIDAL et al, 2009). O surgimento da terapia antirretroviral (TARV) tornou o desejo de ter filhos uma possibilidade real para homens e mulheres com HIV, visto que, seguindo as recomendações do tratamento, a probabilidade da criança adquirir o vírus é consideravelmente baixa. A taxa de TV do HIV, quando não são realizadas todas as intervenções de profilaxia, atinge 25% dos recém-nascidos de gestantes HIV-positivas, podendo ser reduzida a níveis entre 1 a 2% com a aplicação de medidas adequadas durante o pré-natal, parto e puerpério (SANTOS; BISPO JUNIOR, 2010). Importantes avanços obtidos no campo terapêutico e da saúde reprodutiva possibilitam a utilização de medidas que visam a redução do risco de transmissão sexual do HIV no planejamento reprodutivo entre casais que vivem com o HIV/AIDS. Particularmente entre os com sorologia discordante, as recomendações incluem o aconselhamento que envolve a discussão do desejo reprodutivo, as medidas de redução do risco, a avaliação clínica do parceiro com o HIV e ginecológica no caso das mulheres, visando à adesão ao tratamento, carga viral sanguínea indetectável, ausência de infecções no trato genital e oportunistas, além de estabilidade nos parâmetros imunológicos (BRASIL, 2006). 4.4 Planejamento familiar de PVHA nos serviços de saúde O conceito de planejamento familiar envolve um conjunto de ações em que são apresentados os meios e oferecidos os recursos, tanto para auxiliar os indivíduos a ter filhos quanto para prevenir uma gravidez não desejada, indo além do simples conhecimento e do uso de métodos contraceptivos. Deve haver a percepção sobre a liberdade de escolha dos métodos anticoncepcionais e contraceptivos e de que esses recursos devem ser cientificamente aceitos, além de não colocarem em risco a vida e a saúde das pessoas (BRASIL, 2010a). O planejamento familiar é um direito sexual e reprodutivo e assegura a livre decisão da pessoa sobre ter ou não ter filhos. Não pode haver imposição sobre o uso de métodos anticoncepcionais ou sobre o número de filhos. É um direito assegurado em lei federal e que deve ser garantido pelas três esferas de gestão (REIS; NEVES; GIR, 2013). O aconselhamento sobre os riscos de transmissão sexual do HIV e a necessária adesão às estratégias de redução do risco são aspectos fundamentais para serem discutidos entre a equipe interdisciplinar e o casal, para que esta ofereça orientações atualizadas que possibilitem uma tomada de decisão consciente (BRASIL, 2010a). Tornou-se frequente, em nosso país, o diagnóstico da infecção pelo HIV durante a gestação, em razão da solicitação dos exames sorológicos durante o pré-natal. Assim, a partir do diagnóstico materno, deve ocorrer a inclusão do parceiro, estável ou não, na rede assistencial. É importante incentivar a gestante a compartilhar com o parceiro seu status sorológico para o HIV e encorajá-lo a realizar o teste anti-HIV, além de outras sorologias, de acordo com análise individual de cada caso (BRASIL, 2010a). Um ponto importante, é a inserção do homem na rotina dos programas de planejamento familiar, pois a mulher não é, de forma alguma, responsável sozinha pelo planejamento de uma família e pela decisão de ter ou não filhos. Dessa forma também garante-se que as necessidades e demandas reprodutivas desse gênero sejam adequadamente acolhidas (REIS; NEVES; GIR, 2013). Muitos avanços têm ocorrido em relação à prevenção e reprodução no contexto do HIV/AIDS com a possibilidade da reprodução assistida entre casais com sorologia discordante. Quando o homem é soropositivo e a mulher soronegativa, uma alternativa segura é a inseminação artificial, realizada em centros especializados de reprodução humana após a “lavagem do sêmen”, que consiste na eliminação do HIV do líquido seminal e outras células não espermáticas. Entretanto, esse é um procedimento de alto custo que não está disponível em todos os serviços de saúde e por isso nem todos têm acesso (BRASIL, 2010a). O protocolo brasileiro para o planejamento reprodutivo no contexto do HIV propõe como possibilidades aos casais, nos casos em que a mulher for soropositiva e o homem soronegativo, a auto inseminação durante o período fértil da mulher, e quando o homem for soropositivo e a mulher soronegativa a concepção natural planejada no período fértil da mulher se o parceiro estiver em uso de TARV, carga viral indetectável no plasma e a profilaxia antirretroviral pós-exposição oferecida para a parceira (REIS; NEVES; GIR, 2013). Outras recomendações incluem a avaliação da fertilidade em ambos os parceiros, a realização de relações sexuais desprotegidas apenas durante o período fértil da mulher, a exclusão e/ou tratamento de infecções do trato genital ou processos inflamatórios que podem aumentar a chance de transmissão do HIV em ambos os parceiros e o aconselhamento para descontinuar a prática sexual desprotegida após a confirmação da gravidez (BRASIL, 2010a). Quando o casal decide não ter filhos, deve-se investigar os motivos e incentivar que o homem e a mulher falem sobre isso. Muitos casais apontam como motivos para o desejo de não ter filhos, as dificuldades financeiras para criá-los no mundo atual, a falta de projetos relacionados à maternidade/paternidade na presença do HIV e à questão da sorologia discordante (REIS; NEVES; GIR, 2013). É fundamental que esses casais continuem a realizar o aconselhamento e recebam orientações adequadas sobre o melhor método contraceptivo a fim de evitar gravidez indesejada e garantir o direito de escolha reprodutiva. Entretanto, para tal, é necessário que os serviços de planejamento familiar disponibilizem opções para o uso de métodos contraceptivos com garantia de continuidade do método selecionado (REIS; NEVES; GIR, 2013). A orientação anticoncepcional é etapa fundamental nesse processo. É importante que aqueles em idade reprodutiva recebam informações em linguagem compreensível, incorporando a noção do risco da transmissão vertical e/ou horizontal, dos meios disponíveis para evitar a transmissão do vírus e dos métodos contraceptivos acessíveis. Assim, há possibilidade de optar, ou não, por uma futura concepção, sendo também possível obter maior adesão aos meios anticoncepcionais e mesmo assegurar que a concepção, se desejada, ocorra no melhor momento, do ponto de vista pessoal, familiar e clínico (BRASIL, 2010a). A transmissão do HIV e de outras DST deve ser considerada durante o processo de escolha do método contraceptivo, estimulando-se sempre o uso concomitante de dois métodos, sendo um deles o preservativo. A combinação do preservativo com outro meio contraceptivo está associada à redução do risco de gravidez não-planejada, de transmissão sexual para o parceiro com sorologia discordante, de transmissão de vírus resistentes para parceiros sexuais com sorologia concordante e de aquisição de outras DST. O uso de preservativos masculinos e femininos como único método contraceptivo pode apresentar falhas na prevenção da gravidez, devido a vários fatores, tais como o uso inconsistente e má utilização (BRASIL, 2010a). Não existem restrições ao uso de anticoncepcionais hormonais em mulheres vivendo com HIV/AIDS. Apesar de não haver estudos clínicos randomizados, alguns antirretrovirais, possuem o risco potencial de reduzir ou aumentar a biodisponibilidade dos hormônios dos contraceptivos, o que poderia alterar a segurança e a efetividade deles. Dessa forma, enfatiza-se a importância de estimular o uso combinado do preservativo com outro método contraceptivo, a chamada dupla proteção (PINTO, 2011). Mulheres em uso de TARV apresentam maior risco de desenvolver alterações metabólicas que incluem elevação de triglicérides e do colesterol LDL, portanto, as contraindicações do uso de contraceptivos hormonais devem ser observadas nesses casos. O profissional deve ficar atento para a presença de fatores de risco conhecidos para síndrome metabólica ou doença cardiovascular, como a obesidade, história prévia de diabetes gestacional, história familiar de diabetes, fumo, sedentarismo ou dislipidemia. Se necessária, a contracepção de emergência, ela pode ser utilizada com os mesmos critérios empregados para as mulheres soronegativas para o HIV (BRASIL, 2010a). Para mulheres em tratamento para tuberculose, a rifampicina pode reduzir a eficácia da contracepção hormonal, não sendo recomendado o uso de contraceptivos hormonais de baixa dosagem (BRASIL, 2010a). Em alguns estudos, o uso do dispositivo intrauterino (DIU) mostrou-se seguro em mulheres vivendo com HIV, sendo recomendado nas assintomáticas ou para aquelas em uso de TARV que estejam clinicamente bem. Mulheres que desenvolvem AIDS em uso de DIU não necessitam, obrigatoriamente, removê-lo, mas devem submeter-se a um seguimento clínico mais rigoroso. (BRASIL, 2010a). Outra opção é a ampliação do acesso à esterilização cirúrgica voluntária no SUS (laqueadura tubária e vasectomia) para aqueles que desejam um método definitivo, utilizando-se os mesmos critérios empregados para os indivíduos soronegativos para o HIV. Entretanto, deve-se reforçar a importância da continuidade do uso do preservativo após a realização de um desses procedimentos. Atualmente, há muita dificuldade de acesso para homens e mulheres que desejam utilizar esse método e ainda persiste a prática abusiva de cesarianas com o fim de realizar a laqueadura. O governo brasileiro busca aumentar gradativamente em todos os estados, o número de serviços credenciados para a realização de laqueadura tubária e vasectomia, em conformidade com a Lei n.º 9.263/96, que regulamenta o planejamento familiar (BRASIL, 2005). As equipes multiprofissionais dos serviços de referência devem ter habilidade para estabelecer vínculo com o usuário. O vínculo estabelecido facilita o acompanhamento e a adesão ao serviço, faz com que ele se sinta seguro, respeitado e tenha confiança para expressar dúvidas relacionadas ao viver com HIV/AIDS (BRASIL, 2010a). 5 MATERIAIS E MÉTODOS 5.1 Natureza do estudo Trata-se de um estudo analítico com abordagem qualitativa que teve por objetivo analisar os conhecimentos, vivências e comportamentos acerca de planejamento familiar e reprodutivo de PVHA atendidas em um serviço de referência estadual do Maranhão, buscando identificar os aspectos comportamentais relacionados ao planejamento familiar e reprodutivo; levantar a correlação entre a soropositividade para o HIV e o desejo de maternidade/paternidade e descrever as atividades de planejamento familiar e reprodutivo desenvolvidas no serviço pesquisado. 5.2 Local e período do estudo O estudo foi desenvolvido entre os meses de agosto e setembro de 2014, no Serviço Ambulatorial Especializado (SAE) do Hospital Presidente Vargas, órgão da administração pública estadual, localizado no município de São Luís - MA, referência no tratamento, apoio e diagnóstico de pacientes portadores de HIV e outras doenças infectocontagiosas. 5.3 Sujeitos envolvidos Os sujeitos da pesquisa foram vinte (20) PVHA, sendo doze (12) do sexo feminino e oito (8) do sexo masculino, em tratamento multiprofissional. A amostra foi constituída por pessoas com diagnóstico de HIV/AIDS definido, capacidade cognitiva preservada, idade igual ou superior a 18 anos, vida sexualmente ativa, com comparecimento regular para atendimento e que manifestaram aceitação voluntária para participação na pesquisa através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos do estudo aqueles que não se encaixaram nos critérios de inclusão citados anteriormente, os casos de transferência, óbito ou abandono e os com estado clínico que impedisse a realização da entrevista. 5.4 Coleta de dados Os dados foram coletados através da realização de entrevista semiestruturada, gravada com duração máxima de trinta (30) minutos. Essa etapa somente iniciou-se após autorização da Secretaria de Estado da Saúde (SES) do Maranhão e aprovação da pesquisa no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFMA através da Plataforma Brasil. 5. 5 Instrumento de coleta de dados Os dados foram coletados por intermédio da aplicação de entrevista semiestruturada, contendo as seguintes perguntas norteadoras: O que são direitos reprodutivos? Cite algum; Após o diagnóstico do HIV, quais orientações e/ou informações você recebeu dos profissionais de saúde dessa unidade?; Fale sobre seu desejo de maternidade/paternidade; Fale sobre planejamento familiar de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS. 5.6 Análise de dados Para a análise dos dados foi utilizada análise temática do conteúdo que consiste em extrair “núcleos de sentido” que compõem a comunicação e cuja presença ou frequência de aparição podem ter algum significado para o objetivo analítico escolhido. Inicialmente as entrevistas foram transcritas e estabelecidas as ideias centrais do texto, essas passaram a representar as categorias de análise. 5.7 Aspectos éticos da pesquisa Todas as orientações da Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde foram atendidas. Os sujeitos foram orientados quanto ao TCLE que foi assinado por todos. 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO A amostra da pesquisa foi formada por doze (12) mulheres e oito (8) homens, totalizando vinte (20) PVHA. Os entrevistados tinham idade entre vinte e cinco (25) e cinquenta e seis (56) anos e diagnóstico de HIV há no mínimo seis (6) meses. Dezenove (19) dos entrevistados afirmou não ter conhecimento ou nunca ter ouvido falar sobre direitos reprodutivos e nenhum deles soube citar sequer um deles. Destaca-se aqui a fala do Entrevistado 19 que afirmou não ter informação sobre o assunto pelo fato de residir no interior do Estado e a fala do Entrevistado 17, único a expressar o que, para ele, correspondente ao conceito de direitos reprodutivos. Entrevistador: O que são direitos reprodutivos? Cite algum. Direitos reprodutivos? Não sei lhe dizer não...(informação verbal).2 Nunca ouvi falar sobre isso. (informação verbal).3 Não sei. Nunca ouvi falar. (informação verbal).4 Creio que seja o direito que a pessoa tem de se reproduzir. Mas não sei citar nenhum direito. (informação verbal).5 Não tenho informação sobre essas coisas... sou do interior e lá não tem essas informações. (informação verbal).6 O fato dos entrevistados não terem conhecimentos sobre direitos reprodutivos pode, de alguma maneira, interferir em suas decisões no que diz respeito ao planejamento familiar, uma vez que essas temáticas estão intimamente relacionadas. Sobre isso, Lemos (2014) afirma que apesar dos direitos reprodutivos serem direitos humanos básicos, legitimados pela ordem mundial desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, e pelas diversas leis internacionais sobre direitos humanos, ainda nos dias atuais não se conseguiu popularizá-los, o que traz sérios prejuízos para o avanço da promoção da saúde sexual. Dessa forma, é urgente que sejam definidas maneiras de incentivo à implementação de atividades educativas voltadas para usuários e usuárias da rede de saúde do SUS, que enfoquem a questão dos direitos e da saúde sexual e reprodutiva, informações sobre meios e métodos disponíveis para a regulação da fecundidade, incluindo-se os métodos naturais, sobre a importância da dupla proteção e esclarecimentos sobre a legislação federal existente em relação ao planejamento familiar (BRASIL, 2005). 2 Entrevista concedida por Entrevistado 11, realizada em 09 de agosto de 2014. Entrevista concedida por Entrevistado 12, realizada em 09 de agosto de 2014. 4 Entrevista concedida por Entrevistado 13, realizada em 15 de setembro de 2014. 5 Entrevista concedida por Entrevistado 17, realizada em 16 de setembro de 2014. 6 Entrevista concedida por Entrevistado 19, realizada em 22 de setembro de 2014. 3 Sobre as orientações e/ou informações recebidas dos profissionais de saúde, a maior parte dos entrevistados demonstrou conhecer as orientações gerais sobre HIV/AIDS, o que sugere que os serviços de saúde vêm cumprindo seu papel nesse aspecto. As orientações mais citadas foram quanto as formas de contágio, sobre uso dos medicamentos conforme prescrição, não compartilhamento de objetos pérfuro-cortantes e uso de preservativo em todas as relações sexuais. Recebi orientação sobre beber muita água, não pegar muito sol, usar os medicamentos e usar o preservativo, não partilhar seringa, alicate de unha... essas coisas! (informação verbal).7 Recebi vários conselhos. Descobri na minha gravidez e recebi várias orientações sobre medicamentos, preservativo e muitas outras coisas. Minha filha não nasceu com HIV por causa dessas orientações, porque eu segui todas. (informação verbal).8 Fui orientada a me cuidar porque essa doença não tem cura, mas a gente pode controlar. Me disseram pra vim nas consultas, não usar nada cortante de outras pessoas e pra usar preservativo nas relações. (informação verbal).9 [...] me explicaram sobre a doença e me pediram pra me cuidar, tomar o remédio, como que passa e como que não passa, sobre as relações sexuais e sobre os objetos que cortam e que furam pra eu ter cuidado com eles. (informação verbal).10 Eles me orientaram pra fazer o tratamento. Que essa doença não é bicho-desete-cabeças e assim, se eu fosse ter relação, era pra usar camisinha e tá sempre tomando os remédios, que eu ia ter uma vida normal. (Entrevistado 20, grifo nosso).11 Contudo se percebe que orientações específicas, como por exemplo, sobre os efeitos colaterais das medicações, algumas vezes são negligenciadas, como relata o Entrevistado 10, “[...] pesquisei na internet o que eu sei. Já li sobre a camisinha, que tem que usar toda vez que for ter relação e sobre os remédios que eu tinha muita dúvida por causa das coisas que eu sentia depois que tomava”.(informação verbal).12 Todos enfatizaram o uso do preservativo como forma de evitar o contágio/transmissão da doença, mas nenhum deles afirmou já utilizá-lo antes do diagnóstico, ou seja, todos contraíram HIV por via sexual pelo não uso do preservativo em 100% das relações sexuais. Isso reforça que o preservativo tem sido realmente a principal estratégia de prevenção do contágio/transmissão do HIV desde o início das 7 Entrevista concedida por Entrevistado 3, realizada em 11 de agosto de 2014. Entrevista concedida por Entrevistado 4, realizada em 12 de agosto de 2014. 9 Entrevista concedida por Entrevistado 17, realizada em 16 de setembro de 2014. 10 Entrevista concedida por Entrevistado 18, realizada em 22 de setembro de 2014. 11 Entrevista concedida por Entrevistado 20, realizada em 22 de setembro de 2014. 12 Entrevista concedida por Entrevistado 10, realizada em 2 de setembro de 2014. 8 políticas brasileiras relativas à prevenção e ao controle do HIV/AIDS, mas que houve desde o final dos anos 1990 e ao longo dos anos 2000 o que se convencionou chamar de “fadiga do preservativo” ou “fadiga da prevenção” como foi dito por Pinheiro; Calazans e Ayres (2013). As pessoas sabem como se prevenir, mas a prevenção foi, de certa forma, banalizada com o surgimento e aperfeiçoamento da TARV. O método de proteção dupla, que inclui o preservativo associado a outro método contraceptivo, conferindo proteção tanto para o HIV quanto para a gravidez indesejada, não foi citado por nenhum dos entrevistados, mesmo por aqueles que não desejam ter filhos. Na verdade, eu já sabia alguma coisa sobre HIV, mas a gente nunca acha que vai acontecer com a gente. Confesso que eu já sabia como se prevenir, mas nunca usei preservativo e aí aconteceu. Depois que recebi o resultado aí passei a usar o preservativo toda vez. (informação verbal).13 [...] e me ensinaram a usar o preservativo. Nunca tinha usado preservativo, depois do HIV é que passei a usar. (informação verbal). 14 Segundo Reis, Neves e Gir (2013) o método contraceptivo mais utilizado entre pessoas vivendo com o HIV/AIDS é ainda o preservativo masculino. A adesão a esse método deve ser avaliada, já que sua utilização está associada a crenças, mitos, estereótipos em saúde, e questões de gênero implicados nos relacionamentos homemmulher. Além disto, é necessária a ampliação de métodos e dispositivos que ampliem as opções de proteção e prevenção para o público feminino, bem como as estratégias de proteção dupla. O desejo de ter filhos não se fez presente para a maioria dos entrevistados nesta pesquisa. Quando solicitado que falassem sobre o desejo de maternidade/paternidade, identificou-se que os fatores determinantes para essa decisão relacionam-se ao medo de transmitir a doença aos filhos ou ao parceiro e às restrições impostas pelo HIV/AIDS. Em suas falas verifica-se a preocupação sob a condição de ser mãe/pai, os conflitos gerados pela doença do qual são portadores, o acesso ao tratamento nos serviços públicos de saúde e a extrema dificuldade de contornar todas essas situações, como se pode observar nos relatos a seguir. Não tenho desejo (de ter filhos) porque acho que nem dá mais. Não tenho filhos e tenho medo de ter filhos por causa do HIV. (informação verbal).15 13 Entrevista concedida por Entrevistado 2, realizada em 5 de agosto de 2014. Entrevista concedida por Entrevistado 12, realizada em 9 de setembro de 2014. 15 Entrevista concedida por Entrevistado 15, realizada em 16 de setembro de 2014. 14 Não tenho vontade de ser mãe porque eu acho meio complicado agora depois dessa situação, sempre existe um risco. Claro que eu tenho que saber bem antes que quero engravidar e tal, sei que existe um tratamento diferente, a médica me explicou que existe a possibilidade da criança nascer sem AIDS, mas mesmo assim, essa não é minha vontade. (informação verbal).16 Já tenho dois filhos de antes do diagnóstico. Eu sou “junta” e meu parceiro quer ter mais um filho, mas eu não quero. Não quero transmitir pra ele e sei que não ia poder ter um filho normal, só cesárea e não ia poder dá de mamar pra ele. (informação verbal).17 Não quero mais nenhum filho. Só uma já tá bom. Tenho medo de passar pros outros. Essa teve sorte de não nascer com essa doença. (informação verbal).18 Tenho 3 filhos, mas todos antes de saber que tenho isso. Tenho uma parceira e ela quer ter filho, mas acho que não é possível ter filhos com isso, né? Porque tem que usar a camisinha pra não transmitir pra ela. Como é que ela pode engravidar assim?. (informação verbal).19 Já tive vontade de ser pai, hoje não tenho mais. Vai que meu filho nasce com esse negócio também, não ia me perdoar. (informação verbal).20 Queria muito ser mãe. Casei, engravidei do meu marido e na minha gravidez, em 2012, descobri que tinha AIDS. Pedi pro meu marido vim fazer o teste, ele não quis. Logo depois ele foi embora, antes da neném nascer e eu fiquei sozinha, com uma filha pra criar, sem marido e ainda com essa doença... hoje não quero mais ter outro filho, ia ser muito difícil. Tenho medo de ser deixada de novo. (informação verbal).21 Observa-se o quanto à situação sorológica dos entrevistados interfere em sua decisão de não ter filhos, pois reflete a dimensão das dificuldades diante do HIV e uma preocupação intensa em ofertar o melhor a seus filhos. O medo ainda é um sentimento muito frequente em PVHA quando o assunto é reprodução (REIS; NEVES; GIR, 2013). A dificuldade de conseguir um parceiro que compreenda o estado sorológico da pessoa sem emitir juízos preconceituosos e a vontade de manter a soropositividade em segredo também foram citados como fator determinante para maternidade/paternidade na presença do HIV. O preconceito e o estigma ainda são características presentes no cotidiano das PVHA. Embora a trajetória da epidemia tenha mudado, ainda é comum a associação da infecção a grupos socialmente marginalizados, como homossexuais e profissionais do sexo. Raramente, essas pessoas são pensadas como pais, mães e cônjuges e o seu desejo 16 Entrevista concedida por Entrevistado 2, realizada em 5 de agosto de 2014. Entrevista concedida por Entrevistado 3, realizada em 11 de agosto de 2014. 18 Entrevista concedida por Entrevistado 4, realizada em 12 de agosto de 2014. 19 Entrevista concedida por Entrevistado 5, realizada em 18 de agosto de 2014. 20 Entrevista concedida por Entrevistado 8, realizada em 26 de agosto de 2014. 21 Entrevista concedida por Entrevistado 17, realizada em 16 de setembro de 2014. 17 de maternidade/paternidade pode ser suprimido pela estigmatização da epidemia e pelo receio de repreensão da sociedade por sua condição de infectado (SANTOS; BISPO JUNIOR, 2010). Tinha vontade de ser pai, agora não tenho mais. Até porque tá difícil arrumar uma parceira... quando a mulher sabe que a gente tem esse problema elas não querem mais nada. (informação verbal).22 Já tive dois filhos e não quero ter mais. Mesmo com minha carga viral sendo baixa não quero mais ter filhos porque não quero que o homem que esteja comigo saiba que eu tenho essa doença. Aí é difícil... (informação verbal). 23 Até o momento quero ser pai, mas ainda não encontrei a pessoa certa. Não é toda mulher que aceita um homem com essa doença. (informação verbal).24 [...] é difícil arranjar um homem que me aceite com esse problema, todos os meus namorados quando sabem que eu tenho AIDS se afastam de mim. É muito difícil. (informação verbal).25 Apenas quatro (4) dos entrevistados revelaram não ter medo ou preocupação em relação a maternidade/paternidade na presença do HIV, o que pode ser observado nos relatos que seguem. Não quero mais ter filhos, mas é só porque já tenho 4. Não é por medo, se não tivesse, eu teria um sem problema nenhum. (informação verbal).26 Quero ter filhos. Não tenho medo algum. (informação verbal).27 Não tenho filhos, mas tenho vontade de ter. Não tenho medo de ter filhos por causa do meu problema de saúde. (informação verbal). 28 Não tenho filhos meus porque nunca consegui segurar um na barriga, eu perdia sempre. Tenho 4 filhos adotivos. Se eu pudesse ter (filhos), eu teria sim. Não ia ter medo por causa da AIDS. (informação verbal).29 Durante o período de desenvolvimento do presente estudo, também foi observado que o planejamento familiar não é instituído de forma sistemática no serviço pesquisado. Mesmo nas situações em que foi expresso o desejo de ter filho, percebeu-se que o assunto não foi abordado pela equipe multiprofissional. Quando solicitado que falassem sobre o planejamento familiar de PVHA, onze (11) dos entrevistados afirmaram não ter conhecimento sobre o tema. 22 Entrevista concedida por Entrevistado 10, realizada em 2 de setembro de 2014. Entrevista concedida por Entrevistado 15, realizada em 16 de setembro de 2014. 24 Entrevista concedida por Entrevistado 16, realizada em 16 de setembro de 2014. 25 Entrevista concedida por Entrevistado 20, realizada em 22 de setembro de 2014. 26 Entrevista concedida por Entrevistado 6, realizada em 19 de agosto de 2014. 27 Entrevista concedida por Entrevistado 9, realizada em 1 de setembro de 2014. 28 Entrevista concedida por Entrevistado 11, realizada em 9 de setembro de 2014. 29 Entrevista concedida por Entrevistado 19, realizada em 22 de setembro de 2014. 23 Planejamento familiar? Não sei dizer o que é isso. (informação verbal).30 [...] Não tenho ideia do que seja isso. (informação verbal).31 Desconheço a respeito disso. (informação verbal).32 Não sei sobre isso... sei que quero, no futuro, ter uma família. (informação verbal).33 Não tô lembrada sobre esse assunto. Não lembro de já ter ouvido alguma coisa sobre isso. (informação verbal).34 Segundo Reis, Neves e Gir (2010), o silêncio sobre o planejamento familiar pode revelar a dificuldade de diálogo entre o cliente e a equipe de saúde. Tal situação pode contribuir para que os aspectos reprodutivos não sejam adequadamente abordados. O não reconhecimento do desejo de maternidade/paternidade em PVHA implica em diversos prejuízos, visto que perde-se a oportunidade de abordar o risco de transmissão do HIV tanto para a criança quanto para o parceiro, além do impedimento do acesso aos recursos disponíveis que diminui a chance da infecção ocorrer. Observou-se também que o desconhecimento sobre planejamento familiar, resulta em sentimentos negativos e até um certo pessimismo com relação a maternidade/paternidade na presença do HIV. [...] acho que quem tem HIV não deveria ter filhos, a partir do momento que descobre que tem, é partir pra usar camisinha e só! Porque além do filho, tu pode infectar tua parceira também. Eu acho que ninguém que tem esse vírus deveria ter filho. (informação verbal).35 [...]Agora não dá mais pra ter filho! Eu jamais iria fazer mal pra alguém quanto mais pro meu filho. Mesmo vendo na televisão que a criança pode nascer sem AIDS eu não acredito muito não. (informação verbal).36 [...] não quero mais planejar ter filhos, já tive dois. Não quero, apesar de ser nova... pretendia ter outros filhos antes da doença, agora fiquei quase com trauma. (informação verbal).37 [...] acho que viver com AIDS tem muitas regras e formar uma família com esse problema é muito difícil... acho quase impossível. (informação verbal).38 Outro aspecto importante com relação ao planejamento familiar de PVHA é o vínculo estabelecido entre a equipe de saúde e o paciente, que facilita o 30 Entrevista concedida por Entrevistado 1, realizada em 4 de agosto de 2014. Entrevista concedida por Entrevistado 3, realizada em 11 de agosto de 2014. 32 Entrevista concedida por Entrevistado 9, realizada em 1 de setembro de 2014. 33 Entrevista concedida por Entrevistado 11, realizada em 9 de setembro de 2014. 34 Entrevista concedida por Entrevistado 20, realizada em 22 de setembro de 2014. 35 Entrevista concedida por Entrevistado 8, realizada em 26 de agosto de 2014. 36 Entrevista concedida por Entrevistado 13, realizada em 15 de setembro de 2014. 37 Entrevista concedida por Entrevistado 14, realizada em 15 de setembro de 2014. 38 Entrevista concedida por Entrevistado 16, realizada em 16 de setembro de 2014. 31 acompanhamento e a adesão ao serviço. Os relatos de três (3) entrevistados mencionam informações que receberam de um profissional da equipe multiprofissional em especial o que pode indicar que o vínculo/empatia com aquele profissional tenha sido responsável pela maior compreensão das orientações repassadas. Andei conversando com a Psicóloga e ela me disse sobre isso aí (planejamento familiar). Que a gente pode ter filho, mas só se tiver todo o acompanhamento pra criança nascer sem a doença. (informação verbal). 39 Já conversei com a Psicóloga sobre esse assunto, ela me disse que posso ter filhos sem o HIV, quais os procedimentos e tudo, mas eu não quero planejar ter filhos por medo de transmitir pra eles, mesmo ela me garantindo que isso tem chance muito pequena de acontecer. (informação verbal).40 [...] a Enfermeira me falou que o doente de AIDS pode ter uma vida normal e tem direito de querer ter uma família assim como qualquer pessoa. (informação verbal).41 O estabelecimento de uma relação mais próxima entre profissionais de saúde e usuários parece ser uma possibilidade de construir uma prática que busque a melhoria da qualidade da atenção à saúde, pois permite estabelecer relações de escuta, de diálogo e de respeito. Faz com que o paciente se sinta seguro, respeitado e tenha confiança para expressar dúvidas relacionadas ao viver com HIV/AIDS (BRASIL, 2010a). 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS O diagnóstico da infecção pelo HIV promove mudanças relevantes na vida das pessoas. Fatores como a rejeição social pelo estado sorológico, o estigma da AIDS, a preocupação em infectar o parceiro e/ou os descendentes, a dificuldade de negociar o uso de preservativo, podem influenciar de forma negativa na vivência da sexualidade e da reprodução das PVHA. A saúde sexual e reprodutiva de pessoas vivendo com o HIV/AIDS enfrenta questões estruturais, sociais e culturais, bem como a falta de apoio programático, que impedem o cumprimento do direito à qualidade dos cuidados de saúde sexual e reprodutiva e suporte para ter uma família. Os temas planejamento familiar, saúde reprodutiva e direitos reprodutivos das PVHA ainda são pouco abordados no cotidiano assistencial, o que possivelmente tem relação com o fato de grande porcentagem dessa população não ser protagonistas no processo de decisão sobre sua própria saúde. 39 Entrevista concedida por Entrevistado 4, realizada em 12 de agosto de 2014. Entrevista concedida por Entrevistado 13, realizada em 15 de setembro de 2014. 41 Entrevista concedida por Entrevistado 17, realizada em 16 de setembro de 2014. 40 Com o avanço da ciência, filhos de pais com sorologia positiva para o HIV têm a oportunidade de não se infectar pelo vírus. Atualmente, existem medidas eficazes para evitar esse risco. Nos últimos anos a incidência de casos de HIV/AIDS em crianças filhas de soropositivos vem decrescendo progressivamente no Brasil devido as medidas profiláticas implementadas pelo Ministério da Saúde. Porém, a realidade nos serviços de saúde é outra, os profissionais são motivados por uma preocupação no controle epidemiológico do HIV, ignorando qualquer desejo ou sentimento de maternidade/paternidade entre PVHA (SANTOS; BISPO JUNIOR, 2010). Para o reconhecimento da autonomia quanto às decisões reprodutivas dessas pessoas é necessário a formulação de estratégias assistenciais que respeitem os direitos humanos e que minimizem os riscos de infecção como a implementação de educação permanente para os profissionais de saúde, visto que as mudanças e avanços sobre a infecção pelo HIV/AIDS são contínuas. Mudanças na prática clínica se fazem necessárias, a organização do trabalho nos serviços especializados no atendimento de PVHA deve proporcionar acolhimento das demandas buscando promover cuidado integral à saúde, considerando o direito à decisão consciente sobre ter filhos e o acesso aos métodos contraceptivos de sua preferência. Com relação ao planejamento familiar, os serviços devem considerar o número crescente de casais com sorologia discordante, já que a cronificação da AIDS é um fato presente, e buscar formas para ampliar a assistência da perspectiva individual com foco apenas no indivíduo vivendo com o HIV, para o enfoque no casal, nas relações afetivas, que incluam também as necessidades, desejos e planos de terem filhos, de constituírem família, refazer seus relacionamentos afetivos. É preciso tratar a saúde considerando não apenas seus aspectos biológicos. Sendo assim, muitos desafios devem ser considerados na prática da assistência às PVHA. Os serviços ainda não têm abordado o plano reprodutivo e a saúde sexual desta população com efetividade, considerando a perspectiva dos direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos. O acolhimento das demandas sexuais e reprodutivas com práticas seguras e protegidas deve ultrapassar os níveis de informação e as ações devem ser colocadas em prática. A opção pela realização deste estudo utilizando a abordagem qualitativa possibilitou o reconhecimento de aspectos importantes referentes a saúde reprodutiva de pessoas vivendo com o HIV/AIDS, entretanto, são necessárias outras pesquisas para melhor avaliar a situação regional, incluindo novos objetivos, como a investigação do desenvolvimento de políticas públicas e a disponibilidade/acessibilidade dos métodos para quem deseja ter filhos na presença do HIV utilizando o SUS. Durante o levantamento bibliográfico, não foram encontrados estudos sobre a realidade loco-regional na perspectiva desse assunto, mas os trabalhos a nível nacional corroboram os resultados dessa pesquisa. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Direitos sexuais e direitos reprodutivos: uma prioridade do governo. Brasília, DF, 2005. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_direitos_sexuais_reprodutivos.pdf >. 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