O início da Clínica: aproximações e Exames Categoriais1
Monica Aiub
Resumo: O início da clínica é fundamental para estabelecer a relação filósofo clínicopartilhante, primeira aproximação que propiciará a continuidade dos procedimentos. Por
ser fundamental o início, esse artigo discorrerá sobre diversos inícios: a proposta da
Filosofia Clínica, a abordagem nos primeiros momentos da clínica, os exames iniciais –
Exames Categoriais, e os indícios de um início de construção histórica da abordagem via
categorias.
Palavras-chave: Exames Categoriais, categorias, interseção
Iniciando a conversa
Diante das necessidades existenciais criadas e desenvolvidas pelo ser humano no
decorrer de sua história, diante das crises do século XX, da insuficiência de respostas, e
talvez de questionamentos também, a Filosofia Clínica surge como um novo paradigma,
tentando conciliar a tarefa do filosofar com a possibilidade de ajuda-ao-outro, por meio de
uma terapêutica centrada na singularidade, no respeito ao outro e a seus modos de ser.
Independente de padrões de normalidade, de tipologias, de teorias prévias, a Filosofia
Clínica constrói seu trabalho para cada pessoa em especial, considerando seu universo;
seu modo – em devir – de ser, estar, pensar e agir; respeitando suas necessidades e
escolhas, seus valores e sentimentos, seus caminhos e relações.
Diferentemente do que afirmam alguns críticos, desprovidos de conhecimento acerca de
nosso trabalho, não se trata de uma ação irresponsável sobre a vida alheia, de um
aconselhamento inconseqüente que coloque em risco a vida das pessoas. A Filosofia
Clínica consiste num trabalho fundamentado na filosofia acadêmica, e portanto uma
prática com fundamentos muito antigos, consolidados, e que agrega a seus
procedimentos um processo de diagnóstico que permite a identificação de casos onde o
trabalho interdisciplinar se faz necessário. Muitos filósofos podem ser citados e o espanto
dos que questionam a viabilidade desta prática deveria causar-nos estranhamento: eu
conheço a filosofia acadêmica, mas como utilizar isso para minha vida? Para este
problema em especial, de que me vale o conhecimento filosófico?
É isso que nos oferece a proposta de Lúcio Packter: um instrumental que nos permite
filosofar sobre as questões cotidianas – tarefa da filosofia desde os primórdios, incorporar
os sistemas filosóficos estruturados no decorrer de nossa história, a fim de nos
apropriarmos do que for necessário e pertinente à situação em questão, e lançarmos mão
desses recursos para tornar nossas vidas melhores, também competência da filosofia de
acordo com sua proposta inicial.
O filósofo clínico conhece os limites de sua competência e está preparado, devido à sua
formação, para, além de identificar a necessidade de um trabalho interdisciplinar, não
tornar a clínica um mero aconselhamento pautado em referenciais filosóficos. O
procedimento prévio, necessário, imprescindível a qualquer outro, é o conhecimento das
1
Artigo publicado na Revista Informação Dirigida – Revista Internacional de Filosofia Clínica.Instituto
Packter, Porto Alegre/RS. Nº 1, Jan-Jun 2005, p. 11-27.
questões, do universo, dos modos de ser e agir, das necessidades do partilhante. Para
isso, o instrumental proposto apresenta-se em três eixos centrais: Exames Categoriais,
Estrutura de Pensamento e Submodos.
Os Exames Categoriais são exames iniciais, consistem em conhecer o universo no qual o
partilhante está inserido: seu contexto social, político, econômico, cultural, educacional,
familiar, suas relações, como lida com o tempo, com o próprio corpo, com o ambiente,
com suas idéias, onde mora, em que trabalha, o que estuda, o que viveu, etc.
A Estrutura de Pensamento nos fornece o modo como essa pessoa se estruturou a partir
das vivências de seu universo. São trinta tópicos que abordam desde como o mundo
parece, ou seja, sua visão de mundo, até suas emoções, sua expressividade, seus
valores, a religiosidade, seus papéis existenciais, seus meios de expressão... embora o
nome sugira uma abordagem puramente racional, a Estrutura de Pensamento é muito
mais ampla, abrangendo o modo de ser em devir e em múltiplas dimensões desse
partilhante em especial. A divisão em tantos tópicos sugere, a alguns, a idéia de um
processo exaustivo de análise em detrimento da síntese. Sugestão errada. A síntese é o
objetivo, considerando uma leitura da determinância dos tópicos, das relações intra e inter
tópicos, o todo é maior do que as partes; o partilhante, em seu universo, é o todo.
Os Submodos, muitas vezes negligenciados em nossas exposições iniciais acerca da
Filosofia Clínica, por tratarem-se de procedimentos – intervenções clínicas, dividem-se
em dois momentos: a observação dos Submodos Informais e sua utilização como
procedimentos clínicos. Como Submodos Informais são verificadas, no partilhante, as
maneiras de lidar com suas questões. Nessas maneiras o filósofo clínico observa:
pertinência, relevância, eficácia e aplicabilidade a outras situações. Como procedimentos
clínicos, os Submodos são maneiras, modos subordinados à Estrutura de Pensamento,
aos Exames Categoriais e aos Submodos Informais, isto é, só fazem sentido e somente
podem ser utilizados se estiverem de acordo com o que foi estudado e observado
anteriormente nos outros eixos, em outras palavras, se forem pertinentes às condições,
às necessidades e ao modo de ser do partilhante.
Embora consideremos como exames iniciais apenas os Exames Categoriais, pois seria
impossível estabelecer critérios de leitura da Estrutura de Pensamento e dos Submodos
sem eles, estes dois outros eixos são fundamentais para a construção de um
Planejamento Clínico e subseqüente aplicação de Submodos, ou seja, não é permitido ao
filósofo clínico aplicar Submodos sem ter empregado os procedimentos anteriores, que
fundamentarão sua prática.
Onde está a filosofia? No método, na fundamentação de cada procedimento, categoria,
tópico da Estrutura de Pensamento e Submodo. Porém, principalmente, na atitude –
reflexiva, crítica – e nos princípios, estritamente filosóficos, assumidos pelo filósofo clínico
como norteadores de seu trabalho. Este artigo abordará o Início da Clínica, parte
fundamental para a construção de todo o trabalho do filósofo clínico, tentando apresentar,
no que concerne aos limites de um artigo, a prática, seus princípios norteadores e
fundamentação.
Os primeiros passos
O início da clínica é marcado pelo momento em que o partilhante procura o filósofo
clínico. Esse início poderá ocorrer na primeira consulta, mas poderá também ser
delimitado antes disso, por uma conversa inicial, telefônica às vezes, pedindo
informações, marcando o horário. Quem é esse outro que procura a clínica? O que ele
busca? O que lhe incomoda? O que lhe aflige? São tantas possibilidades e não é possível
sabê-lo sem antes pesquisar. Por que partilhante? Partilha: repartir, tomar parte em,
participar... o partilhante participa ativamente de todo o processo, compartilha sua vida e
suas questões com o filósofo clínico, e este participa como aquele que se dispõe a ouvir,
acolher, pensar junto e compartilhar esse universo durante um período, e para tal precisa
tomar parte acerca do que se passa com seu partilhante.
Cada partilhante é único, traz um universo a ser compartilhado. Para acolher esse
universo o filósofo clínico precisa saber ouvir, ver o Outro, suspendendo seus pré-juízos –
conceitos a priori, referenciais prévios que norteiam uma interpretação. Quantas vezes um
amigo nos apresenta uma questão e nossa reação é nem sequer ouvi-lo, partindo para
avaliações, julgamentos, posicionamentos, ou começamos a contar como enfrentamos
bravamente uma situação idêntica, logo, falta-lhe fé, confiança em si mesmo, auto estima,
ou uma avaliação mais adequada, pois afinal, o mundo não é assim, as pessoas não são
tão ingênuas... colocadas dessa maneira, essas questões parecem exageradas, mas é
muito parecido com isso o que fazemos quando tentamos interferir na vida do outro
considerando nossos referenciais. Podemos ajudar? Talvez, mas as chances de
atrapalharmos, de gerarmos mal entendidos, de aumentarmos o sofrimento, são, no
mínimo, as mesmas. Assim, a postura do filósofo clínico é a de um amigo que acolhe, que
ouve, que olha, mas que não julga, não interpreta, não avalia, apenas contextualiza,
tentando entender como se construiu aquela situação, o que se passa com o partilhante,
respeitando seu modo de ser e seu sofrimento como legítimos e únicos. Isso é possível?
Torna-se, o filósofo clínico, alguém sem identidade, que anula seus modos de ser?
Aquele que quer compreender não pode se entregar, já desde o início, à
causalidade de suas próprias opiniões prévias e ignorar o mais obstinada e
conseqüentemente possível a opinião do texto – até que este, finalmente,
já não possa ser ouvido e perca sua suposta compreensão. Quem quer
compreender um texto, em princípio, deve estar disposto a deixar que ele
diga alguma coisa por si. Por isso, uma consciência formada
hermeneuticamente tem que se mostrar receptiva, desde o princípio, para
a alteridade do texto. Mas essa receptividade não pressupõe nem
“neutralidade” com relação à coisa nem tampouco auto-anulamento, mas
inclui a apropriação das próprias opiniões prévias e preconceitos,
apropriação que se destaca destes. O que importa é dar-se conta das
próprias antecipações, para que o próprio texto possa apresentar-se em
sua alteridade e obtenha assim a possibilidade de confrontar sua verdade
com as próprias opiniões prévias. (Gadamer, 1986/1997, p. 405)
Ao conhecer seus referenciais, suas opiniões prévias, seus pré-juízos, a possibilidade de
estabelecer a alteridade, de ouvir e enxergar o outro tal qual se apresenta, é ampliada.
Não se trata de anular seus modos de ser, de perder identidade, mas de não se deixar
guiar, no processo de conhecimento, por leituras prévias, pré-juízos, mas também não se
deixar absorver, diluir diante do outro, sob pena de inviabilizar a clínica.
Mas isso tornaria a relação entre filósofo clínico e partilhante algo técnico, frio? O filósofo
clínico apenas observando o partilhante que se mostra, como um cientista que observa o
comportamento dos ratinhos num laboratório diante de uma experiência provocada? O
partilhante compartilhando sua existência, suas questões mais profundas, e o filósofo
clínico observando friamente, sem nenhuma interferência? Há interferências e não é
possível que não existam. Somente pelo fato de estar diante do partilhante, pedir-lhe que
conte sua história, acompanhar essa história, levá-lo a retornar ao curso do histórico
quando ocorre de perder-se, estar cara a cara com o partilhante e, muitas vezes, sorrir, rir
junto, emocionar-se – sem perder o controle e tornar-se aquele que precisa de cuidados,
é claro – olhar e ouvir atentamente, sem interromper para atender a necessidade de uma
curiosidade incontrolável, deixando que o partilhante delineie sua história, mas fazendo-se
partícipe nesse acompanhar e acolher atenciosos, cuidadosos. Assim estabelece-se o
que chamamos Interseção em clínica.
O conceito Interseção é oriundo da matemática, da Teoria dos Conjuntos de Georg
Cantor (1845-1918), onde o conjunto A ∩ B equivale aos elementos comuns existentes
entre ambos, ou seja, interseção é o que há em comum quando dois ou mais conjuntos
são relacionados. Em Filosofia Clínica significa a relação que se estabelece entre o
filósofo clínico e o partilhante. A equação filósofo clínico ∩ partilhante é o princípio da
atividade clínica, é o primeiro passo para o trabalho e inicia-se desde o primeiro contato
entre ambos. Estabelece-se tanto por dados verbais como por dados não verbais:
olhares, expressões, gestual, postura...
As Interseções, classificadas quanto à qualidade, podem ser: positivas - subjetivamente
boas para ambas as partes; negativas - subjetivamente ruins; confusas - as pessoas
envolvidas não sabem determinar o que estão vivenciando; ou indefinidas - oscilam com
freqüência suficiente para não permitir uma definição. Apesar de iniciar-se no primeiro
contato com o partilhante, a qualidade da Interseção somente poderá ser definida com o
decorrer dos procedimentos clínicos, visto ser fundamental o conhecimento de dados
oriundos dos Exames Categoriais, da Estrutura de Pensamento e dos Submodos
Informais do partilhante para se estabelecer uma Interseção consistente.
A Interseção começa no primeiro momento da clínica e é construída durante todo o
processo terapêutico, a cada consulta, como uma amizade que se inicia num primeiro
contato, superficial, e estreita-se a cada encontro. Continuando a comparação, amizades
também podem ser quebradas, destruídas por muitos motivos. O mesmo pode ocorrer em
clínica. Por melhor que venha a ser a Interseção, os cuidados clínicos jamais devem ser
abandonados. A Interseção é importantíssima, sem ela não há clínica, mas só ela é
insuficiente para um bom trabalho.
Assim sendo, o primeiro contato pode ser determinante para a continuidade da clínica.
Nele, o filósofo clínico deixa a pessoa discorrer sobre a questão que a levou a procurar a
terapia – Assunto Imediato. Essa pode ser ou não a questão a ser trabalhada em clínica,
pode ser apenas a pontinha de um iceberg, ou ainda não ter relação nenhuma com as
questões de fato, sendo, apenas, um modo de aproximação. Perguntas sobre a
contextualização da questão, ou questões apresentadas, são pertinentes. Explicações
sobre os procedimentos clínicos, na medida do interesse do partilhante, são fundamentais
nesse momento, principalmente no que se refere à impossibilidade de um retorno, de uma
resposta às questões trazidas, antes de pesquisados os dados.
Uma vez estabelecido esse primeiro contato, que poderá durar cinco minutos ou algumas
consultas, o próximo passo consiste na Historicidade. Considerando que o ser humano
constrói-se a partir de suas vivências, a história, contada em detalhes e
cronologicamente, servirá de fonte para a obtenção de dados sobre o partilhante: o que
viveu, como se constituiu, como significou suas vivências. Enquanto o partilhante relata
sua história, o filósofo clínico acompanha, limitando-se aos denominados Agendamentos
Mínimos.
Agendamentos Mínimos são interferências mínimas, apenas para permitir a Interseção,
pedindo a continuidade da história, levando a pessoa a retomar o curso de sua história
em caso de saltos lógicos ou temporais. E depois disso... e então... a partir daí... você
falava sobre esse momento de sua vida, prossiga... As principais dificuldades em utilizar
apenas Agendamentos Mínimos encontram-se na já citada suspensão de pré-juízos, no
controle de uma curiosidade desenfreada que deseja saber porquês, que quer
estabelecer vínculos onde talvez eles não existam, enfim, possíveis distorções, mal
entendidos, interpretações equivocadas da história da pessoa, que, dependendo da
Interseção, poderão causar grandes transtornos ao partilhante. Assim sendo, cabe ao
filósofo clínico, diante dessas situações, calar-se, ouvir e contextualizar tudo o que lhe é
dito.
Na maior parte dos casos, o partilhante conta sua história – mais ou menos detalhada,
mais demorada ou mais sucintamente – mas há situações em que surgem dificuldades
maiores já nos primeiros momentos. Vejamos algumas dessas situações:
O partilhante chegou ao consultório, falou sobre o Assunto Imediato, ouviu as explicações
acerca dos procedimentos clínicos mas não quer contar sua história – por motivos vários:
acha irrelevante; não quer lembrar de coisas desagradáveis; acha sua história sem graça
e não vê relação entre suas lembranças e seus problemas atuais; não consegue lembrar
dados; não possui experiências traumáticas, teve uma vida normal, como todo mundo. O
procedimento aqui consiste em manter-se na posição de ouvinte, que acolhe, explicando
a necessidade dos dados, explicitando que não se tratam de lembranças traumáticas ou
desagradáveis, mas de toda a história, dos contextos, do cotidiano, do que fazia,
pensava, sentia... a postura do filósofo clínico deve, nesse momento, deixar a pessoa à
vontade para que fale livremente, explicando a relevância do procedimento,
independentemente do histórico estar ou não relacionado às questões do momento, tais
questões possuem uma história. A forma, desenvolvida pelo partilhante, de ser e de lidar
com suas questões, também se construiu no decorrer de uma história. O que lhe é
pertinente, aceitável, possível, provavelmente aparecerá nessa história. Por isso não é
permitido dispensar esse procedimento.
O partilhante tem dificuldade em contar um período de sua história, por exemplo, a
infância, é possível começar por outro? Sim. Isso também será estabelecido via
interseção. Se o partilhante não consegue falar sobre a infância, ou qualquer outro
período de sua história, não há problema em pular esse período. Em primeiro lugar,
imagine-se diante de alguém desconhecido, agora se imagine contando toda a sua
história, em detalhes. Pode ocorrer alguma dificuldade em contar alguns trechos? A falta
de confiança, o não saber como o filósofo clínico interpretará, julgará, avaliará suas
posturas, a dificuldade de falar sobre certos assuntos ou pensamentos a qualquer pessoa.
Lembro de um partilhante que diversas vezes repetiu: eu conto a você coisas que não
tenho coragem de dizer nem a mim mesmo. Outro, depois de um período de clínica:
posso mudar a questão que quero trabalhar? É que eu não sabia se podia confiar em
você, não sabia como iria avaliar o que digo, então não tive coragem de expor o que
realmente me incomoda. Ou ainda uma moça que, depois de várias consultas: agora eu
sei que posso confiar em você, então vamos começar tudo novamente, porque o que lhe
contei até agora não é a minha história, eu inventei tudo. O filósofo clínico precisa
compreender essas possibilidades como concretas: as pessoas podem mentir, inventar,
omitir, ou simplesmente ter dificuldade para dizer, não confiar, ou ainda modificar a
significação de toda uma história, pelo simples fato de contá-la. Respeitar essas
dificuldades não significa desistir de ter acesso aos conteúdos. Os procedimentos Divisão
e Enraizamentos possibilitarão um acesso posterior, no momento em que a interseção
permitir, e se o permitir.
Se as dificuldades forem tantas que a pessoa não consiga falar, é pertinente pesquisar se
existem outros dados de Semiose, ou seja, se a pessoa possui outros instrumentos pelos
quais se expressa. Fotos, textos, poemas, músicas, desenhos, pinturas, gestos,
expressões faciais, posturas corporais e outros instrumentos que auxiliem a pessoa a
contar sua história. Esses instrumentos são utilizados como recursos para conseguir
dados, mas esses dados serão significados, como todos os demais, pelo próprio
partilhante e não a partir de tipologias prévias. A utilização de outros dados de Semiose
além da fala é recomendada não apenas em situações de dificuldades, mas sempre que
estes existirem, possibilitando o acesso a dados que não se façam presentes por
intermédio da fala. Cabe lembrar e repetir: esses dados deverão ser contextualizados na
história do partilhante e significados por ele.
Supondo que o partilhante está contando sua história, mas entre uma consulta e outra
ocorre algo que lhe incomoda, como saber? Como agir se a pessoa quiser falar sobre
isso? Para sabê-lo basta a atualização feita a cada consulta: como foi sua semana?
Como estão as coisas? Como você está? Se a pessoa necessitar falar sobre algo que a
incomoda, isso não só é permitido como aconselhável. Tal procedimento chama-se
Esteticidade, permitindo uma catarse. Feito isso, continua-se o histórico. Obviamente, há
pessoas que uma vez perguntado “como foi sua semana?” contam em tantos detalhes
que uma única consulta é insuficiente para tamanho relato. Nesses casos, a atualização
precisa ser feita de outra maneira. Em outras palavras, os procedimentos relatados aqui
são flexíveis, não são aplicáveis a qualquer pessoa, em qualquer situação, sem as
devidas adaptações, que serão estipuladas com base na Interseção estabelecida e nos
dados coletados.
Com a história da pessoa, de seu nascimento até o momento presente, inicia-se a
Divisão. A história é dividida em partes, respeitando a forma como o partilhante a divide, a
pessoa reconta esses trechos. O objetivo desse procedimento é obter mais dados. É
comum a pessoa contar a história seguindo uma linha de pensamento, por exemplo, a
história familiar, ou escolar, ou amorosa, deixando outros dados significativos esquecidos.
Lembro de uma partilhante que chegou após seis consultas e me disse: eu não entendo,
o fulano é tudo na minha vida, importantíssimo. Eu já contei minha história duas vezes e
não falei dele! Como pude! Para permitir o aflorar desses dados, também significativos,
mas deixados de lado por um motivo ou outro, são feitas diversas divisões, até que não
surjam dados novos.
Nesse momento iniciam-se os Enraizamentos. A idéia agora é pesquisar o significado de
termos, fazer perguntas específicas a fim de conhecer mais, estabelecer relações,
confirmar hipóteses – aquelas perguntas que incomodavam o filósofo clínico lá nas
primeiras consultas podem agora ser feitas, desde que tenham pertinência para os
objetivos clínicos, ou seja, a mera curiosidade do filósofo clínico continua impertinente e
irrelevante.
Os dados para os Exames Categoriais, Estrutura de Pensamento e Submodos são
coletados durante os procedimentos até aqui descritos. Quando falamos em montar os
Exames Categoriais ou a Estrutura de Pensamento, em observar Submodos, devemos
entender que essa tarefa inicia-se na primeira consulta e continua o tempo inteiro, pois
não se trata de montar algo fixo, estável. Trata-se de observar e acompanhar um
processo em devir, tão flexível e mutável quanto as vivências suscitadas por
acontecimentos, lembranças, ressignificações na vida do partilhante. A cada consulta o
filósofo clínico atualiza os dados dos três eixos fundamentais da leitura clínica. Mesmo
durante o Planejamento Clínico e a aplicação de Submodos esse acompanhamento
constante mantém-se.
Continuando no momento inicial da clínica, mas já sabendo que não é possível ater-se
somente a ele, observemos mais cuidadosamente os Exames Categoriais, por serem os
exames iniciais, imprescindíveis para os demais procedimentos.
Exames Categoriais
Exames Categoriais são exames
iniciais cujo objetivo é o de localizar
existencialmente a pessoa. Exemplo:
onde mora, qual o idioma, como é a
situação política e histórica em seu
país, e assim sucessivamente.
(Lúcio Packter)
O conceito de Categoria – derivação:
Categoria: do grego κατεγορια, em geral significa qualquer noção que sirva como regra
para a investigação ou para a sua expressão lingüística em qualquer campo (Abbagnano,
2003).
Para Aristóteles, modos em que o ser se predica das coisas, predicados fundamentais do
ser (Substância, Quantidade, Qualidade, Relação, Lugar, Tempo, Posição, Estado, Ação,
Paixão). A lista aristotélica de categorias é uma lista de tipos de predicados. “Existem
tantos tipos diferentes de predicados de Sócrates quantas espécies irredutivelmente
diferentes de perguntas acerca dele. (...) Dois predicados quaisquer que satisfazem a
mesma interrogação são da mesma categoria e dois predicados quaisquer que não
satisfazem a mesma interrogação são de categorias diferentes.” (Ryle, 1953). Quando
dizemos algo sobre um sujeito, excetuando os conectivos, usamos categorias e dizemos
algo sobre um modo de ser. “Desde que a predicação afirma às vezes o que uma coisa é,
às vezes a sua qualidade, às vezes a sua quantidade, às vezes a sua relação, às vezes a
que faz ou a que sofre e às vezes o lugar onde está ou o tempo, segue-se que tudo isso
são modos do ser”. (Aristóteles. Met. V, 7, 1017 a 23 segs.)
Quando Kant propõe o conceito de categoria, aponta modos pelos quais o intelecto
ordena as representações sob uma representação comum, ou seja, formas do juízo.
Categorias, portanto, podem ser extraídas das classes do juízo.
Ora, espaço e tempo contêm um múltiplo da intuição pura a priori e, não obstante,
fazem parte das condições de receptividade da nossa mente, unicamente sob as
quais esta pode acolher representações de objetos que portanto também têm
sempre que afetar o conceito de tais objetos. Todavia, a espontaneidade do nosso
pensamento exige que tal múltiplo seja primeiro e de certo modo perpassado,
acolhido e ligado para que se faça disso um conhecimento. Denomino esta ação
síntese. (...) A síntese pura, representada de modo universal, dá o conceito puro do
entendimento. (...) A mesma função que num juízo dá a unidade às diversas
representações: tal unidade, expressa de modo geral, denomina-se o conceito puro
do entendimento. Assim o mesmo entendimento, e isto através das mesmas ações
pelas quais realizou em conceitos a forma lógica de um juízo mediante a unidade
analítica, realiza também um conteúdo transcendental em suas representações
mediante a unidade sintética do múltiplo na intuição em geral. Por esta razão, tais
representações denominam-se conceitos puros do entendimento que se referem a
priori a objetos, coisa que a lógica geral não pode efetuar.
Desse modo surgem precisamente tantos conceitos puros do entendimento
(categorias), que se referem a priori a objetos da intuição em geral, quantas eram
na tábua anterior as funções lógicas em todos os juízos possíveis. (Kant, 1787,
Analítica dos Conceitos, § 10).
Conceitos do intelecto puro, as categorias, condicionam o conhecimento intelectual e a
própria experiência, mas não se aplicam às coisas em si. Oferecem as condições de
validade objetiva do conhecimento, pois é pelo juízo que o conhecimento se concretiza. O
juízo é a conexão entre representações, mas tal conexão não é subjetiva.
São as categorias kantianas ou “elenco dos conceitos puros originários da síntese que o
entendimento contém em si a priori e somente devido aos quais ele é, além disso, um
entendimento puro, na medida em que unicamente por tais conceitos pode compreender
algo do múltiplo da intuição, isto é, pensar um objeto dela.” (Kant, 1787): Categorias de
quantidade: unidade, multiplicidade, totalidade; Categorias de qualidade: realidade,
negação, limitação; Categorias da relação: inerência e subsistência (substância e
acidente), causalidade e dependência (causa e efeito), comunidade (ação recíproca entre
agente e paciente); Categorias da modalidade: possibilidade-impossibilidade, existêncianão-ser; necessidade-contingência. Diretamente derivadas das formas dos juízos –
maneiras pelas quais uma proposição pode se assemelhar ou diferir de uma outra quanto
à forma: de quantidade: universais, particulares, singulares; de qualidade: afirmativos,
negativos, infinitos; de relação: categóricos, hipotéticos, disjuntivos; de modalidade:
problemáticos, assertóricos, apodíticos. Apesar de derivadas dos juízos, as categorias
não são idênticas a eles, elas constituem as formas lógicas para a compreensão das
coisas, dos fatos, do empírico que incorpora essas categorias. O que não for empírico não
pode incorporá-las, desta forma, assim como constituem as formas que nos permitem o
conhecimento, as categorias também são as formas que limitam nosso conhecer.
Gilbert Ryle (1953) aponta uma possível pressuposição aristotélico-kantiana,
compartilhada por filósofos contemporâneos, que consiste na existência de um “catálogo
finito de categorias ou tipos”, ou seja, uma lista ou tábua de tipos finita e completa, ao
que ele aponta como um mito.
(...) não acredito que jamais possamos dizer, a propósito de um simbolismo-código
da lógica formal, que os seus símbolos são, finalmente, adequados para a
simbolização de todas as possíveis diferenças de tipo ou de forma. Ele poderá ser
adequado, é claro, para a exibição de todas as diferenças de tipo que nos
interessam no transcurso de alguma investigação particular. (Ryle, 1953)
As categorias em Filosofia Clínica
Inspirado nos conceitos aristotélico e kantiano de Categoria, mas considerando-as como
formas para identificar semelhanças e diferenças no transcurso de cada investigação
singular, Lúcio Packter propõe os Exames Categoriais como exames iniciais, formas
indicativas para investigar o universo existencial do partilhante, formas que nos permitem
conhecê-lo, ao mesmo tempo em que limitam nosso conhecimento.
O filósofo clínico não pretende conhecer plena, total e irrestritamente o universo de seu
partilhante, mas aproximar-se desse universo, partilhando, tomando parte do que lhe for
disponibilizado, apresentado. Pesquisar elementos que o constituam, sempre
considerando a representação do partilhante, pois na Filosofia Clínica o partilhante é a
medida de todas as coisas. Essa é a tarefa inicial dos Exames Categoriais. Seguindo a
derivação de seu conceito geral, as categorias são as noções que orientam nossa
investigação. O que observar em tudo o que o partilhante está apresentando?
A orientação para a observação dos Exames Categoriais indica a consideração do todo,
ou seja, os vários momentos e situações descritos pelo partilhante são considerados para
montar os Exames Categoriais. São as categorias filosófico-clínicas: Assunto (Imediato e
Último), Circunstância, Tempo, Lugar e Relação. Assim como Kant não se refere às
mesmas idéias quando apresenta categorias homônimas às aristotélicas, ou ainda, muitos
outros filósofos que tentaram estabelecer sua tábua de tipos não se ativeram às
categorias já propostas, Packter fundamenta-se no conceito de categorias, mas não nas
tábuas aristotélica ou kantiana. Ele cria sua própria tábua, com fundamentação nas
necessidades práticas impostas pela clínica, ao mesmo tempo em que também
fundamentadas em conceitos da filosofia acadêmica.
Analisemos a tábua de categorias da Filosofia Clínica, observando algumas indicações
sobre: definição, indícios para identificação no histórico do partilhante, pertinência clínica
e fundamentação, não necessariamente nessa ordem e, conforme já dito, respeitando os
limites impostos pelo formato artigo.
A primeira categoria é Assunto. Logo no primeiro contato surge a queixa, o assunto que
levou o partilhante a procurar a terapia, esse é o Assunto Imediato. Sem interpretações,
considerado literalmente, o assunto inicial preenche a categoria Assunto Imediato.
Assunto Último refere-se à questão que será trabalhada mais adiante, na aplicação de
Submodos, ou seja, o objetivo clínico, o que se pretende de fato. Algumas vezes Assunto
Imediato e Último são coincidentes, em outros casos, em nada se relacionam. Para ter
acesso ao Assunto Último, muitas vezes, o filósofo clínico necessita, anteriormente,
realizar a colheita categorial, esboçar a Estrutura de Pensamento, observar Submodos.
Porém, cabe lembrar que, nos Exames Categoriais, as categorias são preenchidas
literalmente, ou seja, não se inventa um assunto para o partilhante, é ele quem determina
os objetivos da clínica.
A categoria Circunstância, fundamentada no conceito circunstância, refere-se ao entorno,
ao que circunda, ao que está em volta e às infinitas relações deste entorno com a
subjetividade: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela não me salvo eu.”
(Ortega y Gasset, 1997)
Este fato é a existência conjunta de um eu ou subjetividade e seu
mundo. Não há um sem o outro. Eu não me dou conta de mim
senão como dando-me conta de objetos do contorno. Eu não
penso se não penso coisas – portanto, ao achar-me a mim acho
sempre diante de mim um mundo. Eu, enquanto subjetividade e
pensamento, me encontro como parte de um fato dual cuja outra
parte é o mundo. Portanto, o dado fundamental e insofismável não
é minha existência, não é eu existo – porquanto é minha
coexistência com o mundo. (Ortega y Gasset, 1958, p. 153)
Nesta categoria o filósofo clínico observa o contexto, o entorno, o mundo que circunda o
partilhante em suas múltiplas dimensões: cultural, social, familiar, política, educacional,
enfim, tudo o que for circunstancial. Mas podemos considerar que as circunstâncias nem
sempre se mantém as mesmas, elas se alteram no decorrer de uma vida. Por isso o
filósofo clínico deverá traçar as diversas circunstâncias vividas por seu partilhante,
observando, em cada nova circunstância, o que se mantém e a novidade. Isso significa,
na prática, observar diversos momentos da história, traçar contextos que hoje são
inexistentes, elementos que perderam o significado... não importa, pois o objetivo é
compreender o universo vivido pelo partilhante e como ele se constituiu a partir de tais
vivências, mesmo que sejam passadas e superadas. O que traçar aqui? Tudo? Quase.
Uma síntese de cada contexto vivido e suas determinações, como o partilhante salvou
sua circunstância e a si mesmo. A pertinência clínica de tais observações, além da
indicação do modo de constituição do partilhante, consiste no conhecimento das
circunstâncias existentes, possíveis e aceitáveis para compor um futuro uso de
Submodos.
Lugar é a terceira categoria da tábua filosófico-clínica. Lugar, segundo Merleau-Ponty
(1994) refere-se à espacialidade do corpo próprio, é o lugar que o corpo ocupa no mundo,
suas relações com o ambiente, com os espaços, possibilitando, via percepção, as
sensações de bem-estar, mal-estar, indiferença – ao mesmo tempo sensoriais e abstratas
– sobre como o corpo vivencia o mundo, os ambientes, as relações. Trata-se do endereço
existencial do partilhante.
Quando me desloco em minha casa, sei imediatamente e sem
nenhum discurso que caminhar para o banheiro significa passar
perto do quarto, que olhar a janela significa ter a lareira à minha
esquerda, e, nesse pequeno mundo cada gesto, cada percepção
situa-se imediatamente em relação a mil coordenadas virtuais.
Quando converso com um amigo que conheço bem, cada uma de
suas expressões e cada uma das minhas incluem, além daquilo
que elas significam para todo o mundo, uma multidão de
referências às principais dimensões de seu caráter e do meu, sem
que precisemos evocar nossas conversações precedentes. Esses
mundos adquiridos, que dão à minha experiência o seu sentido
segundo, são eles mesmos recortados em um mundo primordial e
funda seu sentido primeiro. Da mesma maneira, há um “mundo dos
pensamentos”, quer dizer, uma sedimentação de nossas
operações mentais, que nos permite contar com nossos conceitos
e com nossos juízos adquiridos como com coisas que estão ali e
se dão globalmente, sem que precisemos a cada momento refazer
sua síntese.” (Merleau-Ponty, 1994. p. 182)
O filósofo clínico observará, no histórico do partilhante, as referências a esse endereço
existencial, ao próprio corpo e sua espacialidade, ao sentir-se bem ou mal diante dos
ambientes, das vivências, das relações. Obviamente, cada circunstância poderá
apresentar alterações na categoria Lugar, por isso as categorias Lugar, Tempo e Relação
são derivadas da categoria Circunstância, ou seja, em diferentes circunstâncias,
encontramos diferentes manifestações das demais categorias.
Conhecendo a categoria Lugar o filósofo clínico saberá escolher o modo de utilização de
Submodos, o ambiente adequado para tal, assim como necessidades de modificações
nos ambientes freqüentados pelo partilhante, entre outras indicações possíveis.
Em Tempo, as relações entre o tempo cronológico, medido no relógio, externo e o tempo
subjetivo, vivenciado, sentido, interno. Essas relações podem ser observadas em
referências diretas à questão, como indicações de momentos que pareceram uma
eternidade: passara-se um segundo, mas pareciam bilhões de anos. Também podem ser
observadas na conjugação dos verbos (tempos e modos verbais): a partilhante conta toda
a sua vida conjugando os verbos no tempo presente, mas para falar do primeiro
casamento, conjuga os verbos no passado – a princípio essa modificação na conjugação
verbal nada significa, mas contextualizada e pesquisada pode indicar significados
específicos.
Além da indicação da situação temporal das questões do partilhante, a categoria Tempo
permite o conhecimento da necessidade do tempo clínico, ou tempo de amadurecimento
das questões, tempo de acompanhamento após a utilização de Submodos, tempo
necessário para a obtenção de resultados, entre outros elementos.
A categoria Relação, com fundamentação principal nos trabalhos de Buber e Levinás,
assim como no conceito de Interseção, dedica-se à observação das relações vivenciadas
pelo partilhante. Relações com: ele mesmo, outras pessoas, coisas, instituições, animais
de estimação, atividades, etc. Quais são as relações, com quem ou o que, qual a
qualidade destas relações, em cada endereço da Categoria Circunstância. Isso é o que
pesquisa o filósofo clínico nessa Categoria.
A pertinência dos Exames Categoriais consiste no conhecimento do universo no qual está
inserido o partilhante e nas relações estabelecidas entre ele e esse universo. Há casos
em que a problemática apresentada encontra-se nesse universo: circunstâncias adversas,
relações conflituosas, dificuldades para lidar com o tempo ou com o ambiente. Noutros
casos as respostas para o Assunto Último necessitam alterações, modificações nas
Circunstâncias: quais as possibilidades concretas existentes para isso? Que
possibilidades poderiam ser construídas de acordo com o universo do partilhante? Há
casos em que as Circunstâncias não precisam ser modificadas, não é esse o objetivo,
pode tratar-se de ausência de Submodos para lidar com as questões, ou ainda choque na
Estrutura de Pensamento, que precisam ser trabalhados. Ainda assim, o conhecimento
dos Exames Categoriais nos fornecerá as possibilidades circunstanciais para o
encaminhamento do trabalho clínico.
Metodologicamente, durante os Exames Categoriais, o filósofo clínico assume a postura
Fenomenológica: atém-se à descrição do partilhante, relata literalmente cada Categoria,
sem pretensões a explicações ou interpretações. A necessidade de compreensão do
processo de construção histórico das categorias leva à utilização do método histórico.
Acompanhar a história do partilhante, considerando que este processo permitirá
compreender seus modos de ser. O ser humano constrói-se, torna-se o que é através de
sua história. Considerando não apenas o subjetivo, mas o mundo no qual este sujeito está
inserido, dados observados empiricamente fundamentam o trabalho clínico, o Empirismo
faz-se presente. Mas por considerar que “Os problemas são resolvidos não pelo acúmulo
de novas experiências, mas pela combinação do que é já há muito tempo conhecido. A
filosofia é uma luta contra o enfeitiçamento do nosso entendimento pelos meios de nossa
linguagem.”, e que “a linguagem é um jogo e o significado das palavras se encontra no
uso” (Wittgenstein, 1945), os Exames Categoriais também possibilitam o conhecimento do
jogo de linguagem do partilhante, jogo este que será utilizado para a continuidade e
elaboração dos procedimentos clínicos.
Somando essas indicações metodológicas ao fato de serem as categorias não apenas
tipos, mas formas lógicas que possibilitam e limitam o conhecimento, os Exames
Categoriais têm fundamentação metodológica na Lógica, na Fenomenologia, no
Historicismo, no Empirismo, na Analítica da Linguagem... enfim, a grande “colcha de
retalhos” teórica que permite um recorte epistemológico acordante com as necessidades
clínicas. Desta forma, os sistemas filosóficos são colocados à disposição das
necessidades do partilhante, sem orientarem uma interpretação prévia. Ou seja, o
conhecimento produzido por todos esses anos de construção filosófica pode ser útil para
nos auxiliar a lidar com as questões cotidianas, desde que não seja compreendido de
maneira dogmática – o que o faria, imediatamente, deixar de ser filosofia.
O que propõe a Filosofia Clínica? Exercer a atitude filosófica diante dos problemas
apresentados pela realidade. Fundamentar-se nos sistemas filosóficos, mediante recortes
epistemológicos com justificativa na prática clínica. Re-pensar, re-elaborar tais sistemas
com o intuito de adaptá-los às questões suscitadas por um universo em devir. Essa tarefa
é diferente do que sempre foi a tarefa do filosofar? Proposta como tarefa de ajuda-aooutro, considerando objetivos e métodos clínicos, pode ser considerada uma terapia?
A presente abordagem enfatizou apenas o início da clínica, as primeiras aproximações
entre filósofo clínico e partilhante, dos três eixos fundamentais, apenas os Exames
Categoriais, sequer foram abordados os procedimentos clínicos seguintes – Estrutura de
Pensamento e Submodos. Seria possível já esboçar uma resposta àqueles que
questionam como pode a filosofia ser clínica?
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O início da clínica: Exames Categoriais