Nódulos múltiplos e emagrecimento em paciente com SIDA
Hospital do Servidor Público Estadual-São Paulo
Autores: Kenia Schultz-residente de Pneumologia
Clarice E Fuzzi-Médica-assistente
Maria Raquel Soares-Médica-assistente
Ester NAM Coletta- Patologista
Carlos AC Pereira-Ex-diretor de serviço
Mulher, 61 anos, solteira, natural e procedente de São Paulo, oficial administrativo aposentada há 10 anos, referia perda de 25Kg no último ano.
Fumante de 70 maços-ano, alcoólatra, e ex-usuária de drogas, incluindo injetáveis.
Portadora de SIDA, diagnosticada em 2009, tendo iniciado tratamento em dezembro de 2010;
portadora de hepatites B e C; Teve sífilis terciária tratada em 2010.
Várias internações na psiquiatria por transtorno depressivo e de comportamento.
Em uso regular de lopinavir/R , lamivudina, estavudina, paroxetina, clonazepam, omeprazol,
sulfato ferroso, ácido fólico e complexo B.
Em junho de 2011 procurou o serviço de Infectologia referindo diarréia há 6 meses, tosse
produtiva há alguns meses, perda de apetite e perda ponderal. Na ocasião foram realizadas
três pesquisas de BAAR no escarro e PPD: 3mm. Na ocasião foram observados nódulos na
radiografia de tórax, confirmados por tomografia (figura 1). Os nódulos maiores eram de
tamanho médio, alguns tinham broncograma aéreo; nódulos centrolobulares estavam
presentes em várias regiões. Não havia aumento ganglionar mediastinal ou hilar.
Broncofibroscopia foi normal, e a biópsia transbrônquica revelou apenas processo inflamatório
inespecífico.
Ao exame encontrava-se em REG, emagrecida, desidratada, acianótica, afebril, apática. ACV:
RCR 2T s/s, FC= 70 bpm, PA: 110X80 mmHg; fundo de olho normal. O exame do tórax não
revelou ruídos adventíceos. A SaO2 era de 96% em aa. Abdome escavado, sem
visceromegalias. Extremidades sem edema, bem perfundidas
3
Exames complementares: Maio/2011: CD4: 980/mm ; Hb 8,0g% ; Ht 23,9; VCM 107,7; RDW
3
22,6%; Ret 0,2%; leucócitos 4620/ mm ; 3% bastões; 38% segmentados 50% linfócitos;
3
Plaquetas 244000/ mm ; PCR 0,4
Uréia 43 mg/dL; Cr 1,3 mg/dL; Na 140 mEq/L; K 4,3 mEq/L, cálcio iônico 1,18
ALT 27 U; AST 23 U ; FA 257 U; GGT 52 U; Bilirrubina total= 0,2 mg/dL
Varios parasitológicos e pesquisas de criptosporidium nas fezes negativos.
Endoscopia digestiva alta mostrou gastrite enantematosa leve.
Colonoscopia: doença diverticular do colon + lesão polipóide de reto (Bx: Pólipo hiperplásico).
VDRL=1,8 (reagente) e FTA-ABS=reagente (out/2010) - Tratou com penicilina.
A prova de função pulmonar foi normal.
Figura 1. Radiografia de tórax em PA e perfil e TC de tórax revelando múltiplos nódulos de
tamanho médio bilaterais, por vezes com broncograma aéreo, e nódulos centrolobulares.
Ausência de linfadenomegalia mediastinal
Questão 1. Assinale as duas possibilidades mais prováveis no presente caso:
A) Pneumocistose
B) Criptococose
C) Adenocarcinoma pulmonar invasivo
D) Tuberculose
E) Sarcoidose
Discussão
A paciente tinha níveis recentes de CD4 de 980 células/mm3.
A importância do conhecimento do número de células CD4 para o diagnóstico
diferencial das lesões pulmonares em portadores de HIV é largamente reconhecida.
3
Níveis de CD4 abaixo de 200 células/mm são marcadores de imunossupressão e risco
3
de infecções oportunistas. Com níveis de CD4 acima de 500 células/mm , pacientes
tem risco de infecções por agentes altamente virulentos, tais como
bactérias
causadoras de pneumonia e tuberculose. Embora os pacientes continuem a adquirir
pneumonias bacterianas recorrentes e tuberculose quando seus níveis de CD4 situam3
se entre 200 e 499 células/mm , processos não infecciosos aumentam em freqüência.
Em níveis de CD4 abaixo de 200, pneumocistose e tuberculose disseminada são
comuns. A maioria dos casos de pneumocistose ocorre quando as contagens de CD4
3
situam-se abaixo de 100 células/mm ; o sarcoma de Kaposi também incide nesta faixa.
3
Quando os níveis de CD4 são menores do que 100 células/mm , refletindo um sistema
imunológico profundamente deprimido, doença por CMV, MAC, e infecções fúngicas se
tornam freqüentes.
Os níveis de CD4 podem mudar a forma de apresentação das infecções no portador de
HIV. É clássico que a tuberculose nos pacientes com níveis de CD4 acima de 200 (o
que inclui pacientes tratados com esquema HAART) desenvolvam achados
semelhantes aos demais portadores de tuberculose sem HIV, enquanto que valores de
CD4 abaixo de 200 se associam com maior freqüência com manifestações radiológicas
atípicas, incluindo adenopatia hilar/mediastinal, que será sugestiva se de baixa
densidade.
A presença de nódulos pulmonares múltiplos não é o padrão mais comumente
encontrado em pacientes com SIDA, sendo este achado de relevância no diagnóstico
diferencial. Uma série de 60 casos de nódulos pulmonares múltiplos em portadores de
HIV (Edinburgh, 2000), mostrou que uma melhor caracterização do padrão estreita as
possibilidades diagnósticas. Nódulos maiores que 1 cm são mais encontrados em
neoplasias (linfomas e sarcoma de Kaposi), em comparação às doenças infecciosas, o
inverso ocorrendo na presença de pequenos nódulos. No presente casos ambos os
padrões estavam presentes. A presença de padrão de árvore em brotamento e
cavidades foi mais sugestivo de doenças infecciosas, embora estas também tenham se
apresentado com nódulos pequenos sem padrão de ramificação. No estudo acima
citado, a tuberculose foi a causa em 3 de 21 (13%) casos com nódulos com > 1cm.
Nódulos centrolobulares sem padrão de árvore em brotamento estavam presentes em
7/17 (41%) dos casos de tuberculose.
Distribuição peribroncovascular dos nódulos é muito sugestivo de SK.
Um padrão miliar pode ser encontrado principalmente em pacientes com tuberculose,
mas também em M. avium intracellulare, toxoplasmose, e infecções fúngicas.
Séries de casos mostram que no portador do HIV, a causa mais comum de padrão de
nódulos pulmonares são as infecções bacterianas. Nestes casos há tipicamente febre e
o quadro tem duração de dias, o que não ocorreu no presente paciente. Os nódulos
têm distribuição centrolobular e assumem freqüentemente o aspecto de “árvore em
brotamento”. Em usuários de drogas intravenosas, deve-se sempre considerar a
possibilidade de embolia séptica, decorrente em geral de endocardite infecciosa com
envolvimento da válvula tricúspide. O diagnóstico pode ser confirmado por
ecocardiograma e hemoculturas positivas. S aureus é a bactéria mais freqüentemente
isolada. Em geral há febre e as lesões são periféricas/subpleurais e evoluem com
formação de cavidades.
Outras causas de padrão nodular em pacientes com SIDA incluem as infecções por
micobactérias, micoses pulmonares (especialmente criptococose e aspergilose),
infecção por P jiroveci, sarcoma de Kaposi e linfomas.
O diagnóstico de sarcoma de Kaposi é improvável no presente caso. A doença ocorre
tipicamente em homossexuais do sexo masculino; embora lesões de pele possam
estar ausentes o diagnóstico de envolvimento pulmonar pode ser feito por uma
combinação de achados clínicos, laboratoriais e tomográficos, associados aos achados
na broncoscopia e biópsia transbrônquica. A TC de tórax em geral revela
espessamento peribroncovascular e septal interlobular e nódulos simétricos maldefinidos em uma distribuição peribroncovascular, nodularidade septal, adenopatias
mediastinais, e derrame pleural.
Em pacientes infectados com HIV tratados com esquema HAART, sarcoidose pode ser
uma manifestação relacionada à reconstituição imune. O quadro se desenvolve após a
introdução do esquema antiretroviral e coincide com um aumento dos linfócitos CD4.
Os achados clínicos e radiológicos são semelhantes aos encontrados na sarcoidose
em não portadores de HIV, e incluem: linfadenopatia (~70% dos casos); nódulos
grandes são também descritos, bem como áreas de consolidação. No presente caso os
nódulos menores tinham distribuição centrolobular, e não perilinfática como esperado
na sarcoidose, embora muito raramente isto possa ocorrer na doença. No presente
caso não havia linfadenomegalia hilar ou mediastinal.
Causas infecciosas diversas podem resultar em nódulos pulmonares múltiplos em
portadores de HIV. Nocardia em pacientes com SIDA tipicamente causa nódulos
pulmonares múltiplos, os quais escavam em ~80% dos casos. Nódulos escavados e
espiculados, associados com reação ou derrame pleural, devem levantar a
possibilidade de nocardiose. Criptococose é a infecção fúngica mais comum em
pacientes com SIDA. Há usualmente meningite associada e doença disseminada. A
doença pulmonar pode ser silenciosa, mas o achado radiológico mais comum é o de
padrão reticulonodular intersticial ou nódulos esparsos, que são identificados em 30%
dos casos. Diferentemente dos pacientes imunocomprometidos não portadores de
SIDA, infecções por Aspergillus são raras nesta população. Os achados são
semelhantes aos observados em não portadores de HIV.
A pneumocistose pode se apresentar em forma de nódulos múltiplos, em ambos,
hospedeiros comprometidos com e sem HIV. Em alguns casos há evolução para
formação de cavidades. De maneira interessante, lesões granulomatosas são
frequentemente encontradas nestes casos. A contagem de CD4 pode situar-se acima
3
de 200 células/mm , achado observado em pacientes recentemente tratados com
HAART. A reação granulomatosa e a formação de nódulos nestes casos têm sido
atribuídas à melhora da resposta imunológica.
Após a introdução do HAART, houve um declínio evidente nos casos de infecção pelo
complexo avium. As manifestações da doença, em geral disseminada, são
semelhantes à tuberculose e incluem perda de peso, febre, sintomas respiratórios e
manifestações gastrintestinais. A pesquisa de BAAR no escarro não raramente é
negativa.
O câncer de pulmão é atualmente a neoplasia mais freqüente em portadores de HIV
em tratamento com HAART, o risco sendo de 2-4 vezes maior em comparação à
população geral. Evidentemente é difícil separar esta maior incidência do efeito do
tabaco, já que muitos pacientes, como a do caso atual, são grandes fumantes. O
diagnóstico é muitas vezes tardio e a mortalidade é elevada. Chama atenção a elevada
incidência de adenocarcinoma. Não há relação com a contagem de linfócitos CD4.
Nódulos grandes, com broncograma aéreo, como no presente caso, associados a
nódulos centrolobulares, é compatível com adenocarcinoma pulmonar disseminado
invasivo (anteriormente denominado carcinoma bronquioloalveolar).
Linfoma não Hodgkin (mas também linfoma de Hodgkin) são mais freqüentes em
portadores de HIV, mas se associam com níveis baixos de CD4.
Pelo
exposto,
os
diagnósticos
adenocarcinoma invasivo.
mais
prováveis,
são
tuberculose
e
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Encaminhada consulta para o Serviço de Pneumologia que solicitou uma segunda
broncofibroscopia que mostrou novamente árvore brônquica de aspecto normal. A
biópsia transbrônquica mostrou processo inflamatório crônico granulomatoso sem
necrose. As pesquisas para BAAR e fungos foram negativas.
Discutida a introdução de esquema para tuberculose, porém pela possível interação
com as medicações para o tratamento do HIV, optou-se por biópsia pulmonar
cirúrgica, para diagnóstico definitivo.
Os acahados são mostrados na figura 2.
Figura 2a.- Granulomas mal formados, do tipo reação a corpo estranho compostos por células
multinucleadas, contendo cristais birrefringentes, são identificados nos septos alveolares.
Enfisema e descamação intralveolar estão presentes. HE, 100X.
Figura 2b- Gigantócitos de tipo corpo estranho, perivasculares contendo no citoplasma
partículas birrefringentes em forma de agulha. Macrófagos pigmentados nos espaços
alveolares adjacentes caracterizam áreas de bronquiolite respiratória. HE,200X.
Figura 2c- Parênquima pulmonar adjacente com antracose (pigmento negro), bronquiolite
respiratória (descamação peribronquiolar com pigmento castanho dourado) e enfisema. HE,
100X.
Figura 2d- Estruturas observadas no interior dos gigantócitos refringentes à luz polarizada.
200X.
Questão 2. Os achados da biópsia pulmonar são diagnósticos de:
A) Silicose
B) Pulmão do crack
C) Talcose pulmonar
D) Sarcoidose com inclusões
E) Pneumocistose granulomatosa
A biópsia pulmonar cirúrgica revelou granulomas mal formados de tipo corpo estranho com
transformação giganto-celular; localizados nos septos alveolares, em regiões perivasculares.
Partículas birrefringentes em forma de agulha foram frequentemente observadas no citoplasma
dos gigantócitos, presentes com o uso da luz polarizada. No intersticio adjacente nota-se áreas
de enfisema e de bronquiolite respiratória.
A presença de estruturas refringentes associada com lesão granulomatosa pulmonar pode
ocorrer na sarcoidose; mas em virtude dos granulomas observados serem de tipo corpo
estranho, não epitelióides e localizados nos septos alveolares, sem características de
envolvimento linfático ou peri-linfático, indicam o diagnóstico final de talcose pulmonar.
O talco (silicato de magnésio hidratado) é um mineral amplamente utilizado em indústrias de
papel, cerâmica, plásticos, borracha, pintura e cosméticos. Produtos diferentes misturados,
onde na verdade o talco constitui a menor porção, também são vendidos sob a designação de
talco. A heterogeneidade dessas composições leva a diferentes respostas no pulmão,
dependendo da quantidade de amianto, de sílica, fibras, silicatos diferentes e talco verdadeiro
contidos na mistura. A clínica, radiologia e os achados anatomopatológicos atribuídos à
inalação de talco são muitas vezes causados por outros componentes da mistura,
especialmente sílica ou amianto.
Quatro formas distintas de doença pulmonar causada pelo talco têm sido definidas. Três são
associadas com a sua aspiração e diferem na composição da substância inalada. A outra é
causada por administração intravenosa (IV) de talco. A primeira forma, a talcosilicose, é
causada por talco mineral contendo grande quantidade de sílica e os achados são idênticos
aos da silicose. Talcoasbestose é produzida por talco inalado com fibras de amianto.
Anormalidades radiológicas e patológicas também são virtualmente idênticas àquelas da
asbestose, incluindo calcificações e formação de tumor maligno. A terceira forma, talcose, é
causada por inalação de talco puro. A quarta forma, devido à administração IV de talco, é visto
em usuários de drogas que injetam na veia medicamentos destinados a uso oral.
A inalação de uma grande quantidade de talco pode ocorrer durante a sua extração das
minas, separação, moagem, embalagem, carregamento e transporte. Há também relatos de
talcose em trabalhadores expostos ao pó de talco em indústrias secundárias, tais como papel,
borracha, têxtil, couro, cerâmica, medicamentos, cosméticos, inseticidas e herbicidas após
exposição intensa e prolongada.
Talcose pode ser causada pela administração IV de talco vista em usuários de drogas. O
talco age como um agente de enchimento e lubrificante em comprimidos contendo
medicamentos orais. Esse comprimidos contendo talco são esmagados, derretidos, dissolvidos
em água, injetados IV e numerosas pequenas partículas de talco se alojam nos vasos
pulmonares, resultando em êmbolos pulmonares microscópicos. Essas partículas migram para
o interstício pulmonar, onde causam reação granulomatosa tipo corpo estranho. As drogas
orais mais comumentes usadas para esse fim são os derivados da metadona, a pentazocina, o
cloridrato de metilfenidato (Ritalina®) e as anfetaminas. Além disso, nesses usuários de
drogas, também tem sido relatada talcose relacionada à inalação de cocaína.
Uma grande porcentagem de usuários de drogas deselvolvem SIDA.Talcose pulmonar deve
ser considerada no diagnóstico diferencial de nódulos e/ou infiltrado pulmonar em pacientes
HIV-positivos e viciados em drogas.
Revisão de alguns dos estudos com populações maiores mostrou que a doença afeta mais
comumente homens entre quarta e sexta décadas de vida, tanto nas formas inalatórias quanto
intravenosas, com uma média de idade na quarta década. Uma história detalhada profissional,
incluindo exposições ocultas no passado distante, é necessário, e também tempo relativamente
curto mas de alta exposição industrial ao talco pode ser um significativo fator na gênese da
doença. Gysbrechts e cols descreveram um caso de uma mulher de 62 anos que desenvolveu
doença intersticial pulmonar mais de 40 anos depois de uma exposição ocupacional ao talco
por 5 anos.
Apresentação clínica em pacientes com granulomatose pelo talco pode variar desde doença
assintomática à fulminante. Os pacientes sintomáticos geralmente apresentam queixas
inespecíficas, incluindo dispnéia progressiva aos esforços, e tosse seca ou produtiva. Além
disso, o paciente pode ter suores noturnos, perda de peso e sibilos ocasionais na ausculta
pulmonar. Pneumotórax espontâneo recorrente também já foi relatado como uma forma de
apresentação da talcose. As complicações tardias incluem insuficiência respiratória crônica,
enfisema, hipertensão arterial pulmonar, e cor pulmonale. O exame físico é geralmente normal,
embora possa haver crepitações bibasais na presença de fibrose. Os exames laboratoriais são
geralmente normais. A função pulmonar pode apresentar tanto distúrbio restritivo como
obstrutivo. Eventualmente há obstrução acentuada com hiperinsuflação e aprisionamento de
ar. Nessa situação a patologia revela enfisema em adição à inflamação granulomatosa e
presença de fibrose circundante às partículas de talco no interstício pulmonar.Usuários de
drogas intravenosas com talcose podem apresentar dispnéia progressiva e sintomas que se
assemelham à doença pulmonar obstrutiva crônica. Febre e dispnéia aguda após as injeções
intravenosas já foram relatadas. Pacientes podem desenvolver enfisema envolvendo as bases
pulmonares que altera mais gravemente a função pulmonar do que o enfisema em ápices dos
fumantes.
Diferentes lesões pulmonares em indivíduos expostos a talco podem ocorrer em ambas as
formas inalatórios e intravenosa. Trata-se de formação de granulomas, fibrose intersticial e
fibrose maciça progressiva. As manifestações radiológicas iniciais consistem de um padrão
micronodular difuso com nódulos bem definidos. Este padrão, causada por granulomas, pode
ser semelhante ao miliar oservado na tuberculose. Os nódulos podem fundir-se com a
progressão da doença, resultando em grandes opacidades localizadas predominantemente nas
regiões peri-hilares, semelhantes àqueles vistos em
fibrose maciça progressiva causada pela silicose.
Feigin descreveu as diferenças radiológicas entre as quatro formas de talcose:
talcosilicose, talcoasbestose, talcose pura, e injeção intravenosa de talco. Talcosilicose é
radiograficamente indistinguível da silicose e ocorre quando o teor de sílica livre de poeira em
operações de talco de mineração é alta. Na talcoasbestose as alterações são semelhantes
àquelas vistas na asbestose, com espessamento pleural bilateral nas partes inferiores dos
campos pulmonares. Calcificações pleurais e diafragmática são idênticas às produzidas pelo
amianto sozinho. Talcose pura produz doença pulmonar restritiva por inflamação do
parênquima, resultando em um padrão reticular de doença intersticial difusa. Pacientes com
história de injeção intravenosa de talco mostram micronódulos difusos, massas conglomeradas
e enfisema em lobo inferiores. Alguns pacientes podem desenvolver, linfadenopatia, mas esse
não é um achado significativo.
Na patologia, o talco em ambas as formas inalados ou injetada leva à formação de
granulomas. Nos estágios iniciais da doença, observa-se múltiplas granulomas do tipo reação
a corpo estranho compostos por células multinucleadas contendo cristais birrefringentes, que
são identificados nos septos alveolares e nos espaços aéreos. Na evolução da doença, os
nódulos tendem à confluência, produzindo grande focos de consolidação associada à fibrose
progressiva, assemelhando-se à fibrose maciça progressiva vista em outro tipos de
pneumoconiose (figura 3 retirada de .....
O
Enfisema panacinar, às vezes com formação de bolhas, é muitas vezes evidente. A principal
característica histopatológica em pneumoconiose por talco é a aparência marcante de
partículas birrefringentes de talco em forma de agulha vistas dentro das células gigantes e nas
áreas de fibrose pulmonar, com o uso da luz polarizada (ver figura 2). A diferenciação entre
doenças pulmonares causadas por inalação de poeira e embolia pulmonar por corpo estranho
é geralmente fácil. Na forma inalatória a deposição de talco predominantemente ocorre em
torno dos bronquólos, terminais e respiratórios, e ductos alveolares. Na talcose secundária ao
uso de drogas intravenosa, a deposição de partículas de talco tem uma distribuição
predominantemente perivascular. Além disso, partículas de talco a partir de administração
intravenosa são maiores que as de talco inalado, e podem também ser encontrados também
em outros órgãos, principalmente na forma de retinopatia – presente em 80% dos casos de
talcose associado a usuários de drogas intravenosas. Se as partículas são maiores do que 10
mµ, eles provavelmente são de origem vascular. A grande maioria das partículas inaladas são
menores do que 5 mµ.
Para o diagnóstico, portanto, a exposição ocupacional do paciente ou uma história de
dependência de drogas é o principal indício. No entanto, a história de exposição à poeira e de
abuso de drogas nem sempre são confiáveis. O achado de pequenos nódulos centrolobulares
na TCAR, associados com massas heterogêneas conglomeradas contendo áreas amorfas de
alta densidade, com ou sem enfisema panlobular nos lobos inferiores, é altamente sugestivo de
talcose pulmonar.
Embora as aparências radiológicas sejam sugestivas, biópsia transbrônquica ou a céu aberto
deve ser realizada. Quando isso não for possível, aspiração com agulha fina de massas
pulmonares, juntamente com a história, podem auxiliar o diagnóstico. A investigação de outros
órgãos também envolvidos é importante. A figura abaixo evidencia fundoscopia, com cristais
brilhantes espalhados na mácula, de uma paciente de 37 anos, com queixa de visão turva
(Fayssan e Steven). Há mais de 15 anos, a paciente havia usado, de forma endovenosa,
comprimidos dissolvidos de ritalina, possivelmente contaminados com talco.
No entanto, o diagnóstico definitivo de talcose pulmonar só é feito pelo exame microscópico
com luz polarizada de fragmentos de pulmão.
Não existem tratamentos estabelecidos para granulomatose por talco. Os pacientes devem
interromper a exposição e qualquer uso de tabaco. Sucesso com esteróides já foi relatado, mas
a maioria dos autores acreditam que não há benefícios em usar esteróides e
imunossupressores. Infelizmente, maioria dos pacientes sintomáticos evoluem mal, com um
declínio progressivo da função pulmonar. Acompanhamento de 6 pacientes por 10 anos
mostrou uma progressão irreversível de anormalidades radiológicas.
No quadro abaixo seguem, resumidamente, os pontos chaves para o diagnóstico de talcose
pulmonar.
•
História de exposição ocupacional
- inalação de talco: extração das minas,
ou dependência de drogas
separação, moagem, embalagem,
carregamento e transporte; indústrias
secundárias (borracha, papel, têxtil, couro,
cerâmica, farmacêutica, cosmética,
fabricantes de inseticida,
e herbicida)
- administração intravenosa de talco
(toxicodependentes)
•
Radiografia de tórax
- os principais achados radiográficos são
padrão micronodular difuso, grandes
opacidades, e enfisema de lobos inferiores
•
- os achados mais freqüentes são pequenos
TCAR
nódulos centrolobulares, massas
conglomeradas heterogêneas, contendo
áreas amorfas de alta densidade e enfisema
panacinar nos lobos inferiores
•
Fundoscopia
- as partículas de talco podem ser vistas nos
vasos da retina. Retinopatia por talco está
presente em até 80% dos casos
de usuários de drogas intravenosas
•
Patologia
- a principal característica histopatológica é a
aparência marcante de partículas
birrefringentes de talco em forma de agulha
identificadas com o uso de luz polarizada
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