XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA TRABALHAR A EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA COM CEGOS
Salete Maria Chalub Bandeira – UFAC/REAMEC
Simone Maria Chalub Bandeira Bezerra – UFAC/REAMEC
Nilra Jane Filgueira Bezerra – IFRR/REAMEC
RESUMO
Esta pesquisa apresenta e analisa uma proposta metodológica para a formação de
professores de matemática durante o estágio supervisionado com alunos do quinto
período do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Acre
(UFAC), com o intuito de abordar conteúdos matemáticos adaptados para deficientes
visuais. Inicialmente realizamos um diagnóstico nas escolas estaduais de Rio Branco
para identificar quantos deficientes visuais se encontravam inseridos nas escolas das
séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Após esse diagnóstico,
desenvolvemos nosso estudo, cujo objetivo foi dotar o professor em formação inicial de
competências e habilidades para lidar com um contexto de sala de aula onde se encontra
inserido o deficiente visual. A inclusão deste e de outros alunos com necessidades
educacionais especiais está previsto pela Constituição Federal de 1988, pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9394/96 e por outras leis, decretos e documentos
que constituem a política de educação inclusiva nacional e internacional. No decorrer do
estudo, apresentamos o percurso da Política de Inclusão dialogando com os teóricos das
Ciências, da Aprendizagem, da Inclusão e da Educação Matemática. Construiu-se
também um material de ensino aprendizagem manipulável e utilizamos o Software
Dosvox, como auxílio de voz para desenvolver as atividades com o deficiente visual DV. Constatou-se que podemos avançar na proposta de ensinar para deficientes visuais
quando elaboramos instrumentos adequados com o que estamos ensinando. Outro
aspecto é o professor em formação inicial trabalhar de forma colaborativa com o
professor regente para que ambos adquiram competências e habilidades e possam
melhorar de forma mais significativa o aprendizado do deficiente visual não o deixando
se sentir mais excluído durante as aulas, já que a educação é um “direito de todos”.
Palavras-chave: Formação de Professor. Proposta Metodológica. Deficiente Visual.
INTRODUÇÃO
Na Universidade Federal do Acre (UFAC), a partir do ano de 1990, as pessoas
com deficiências visuais (cegos e baixa visão) buscam conquistar seu espaço no Ensino
Superior. Essa conquista se deu em 1998, com o ingresso de dois alunos cegos para o
curso de Pedagogia. Em decorrência iniciou-se na instituição algumas atividades,
destacando em 1999, a implantação do Fórum de Educação Especial e de pesquisa
realizada por Nemetala e Silva, ao defenderem em sua Monografia de Conclusão do
Curso de Pedagogia, o tema Escola Inclusiva: possibilidades e limitações.
No decorrer dos anos, várias mudanças ocorreram nos currículos dos cursos de
licenciatura de nossa instituição, como uma forma de complementar o currículo de
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formação de docentes, podendo destacar, a portaria de nº 1.793/94, que recomenda em
seu Art. 1º a inclusão da disciplina, “Aspectos Ético-Político-Educacionais da
Normatização e Integração da Pessoa Portadora de Necessidades Especiais”,
prioritariamente, nos Cursos de Pedagogia, fato que ocorreu na UFAC em 1997. Em
2004, com a modificação curricular nas licenciaturas, integra-se ao currículo a
disciplina Fundamentos da Educação Especial, e em 2010, conforme decreto nº
5.626/05, a obrigatoriedade da disciplina de Libras, no currículo das licenciaturas.
Em 2008, ocorre a institucionalização do Núcleo de Apoio à Inclusão – NAI,
pela Resolução nº 14, de 30 de abril do mesmo ano, vinculado à Pró- Reitoria de
Extensão e Cultura e Pró- Reitoria de Graduação.
A partir daí, o NAI passa a oferecer para a comunidade em geral, em especial
professores e alunos da instituição, cursos de extensão em libras, Braille, dentre outros,
para que discentes possam integralizar a carga horária desses cursos como atividades
complementares nos seus currículos.
De posse desses conhecimentos adquiridos os discentes em formação inicial,
em especial nos momentos de estágio supervisionado, utilizem estas competências e
habilidades adquiridas, para atuar com alunos com necessidades especiais, dentre eles
os deficientes visuais. Estas são algumas das importantes conquistas, superando os
preconceitos e mudando percepções ao longo dos anos.
Diante de tal fato, precisamos nos preparar para atuar em situações jamais
pensadas durante a nossa formação. Daí, apresentaremos o seguinte problema de
investigação, em que medida uma proposta metodológica de ensino com professores em
formação inicial de matemática será eficaz para o aprendizado do deficiente visual?
Na pesquisa dialogaremos com os teóricos das ciências, em particular - Edgar
Morin, Jacques Delors, os da aprendizagem - Vigotsky, os da Inclusão - Lima, Caiado,
Masini, Bezerra e da Educação Matemática - Fiorentini e Lorenzato.
A pesquisa se deu em duas escolas estaduais do muncípio de Rio Branco com
vinte e sete alunos do Curso de Licenciatura em Matemática da UFAC, matriculados na
disciplina de estágio supervisionado, em que alguns destes discentes fizeram o curso de
Braille ofertado pelo NAI.
A coleta de dados foi feita mediante entrevistas, observação participante e
análise de documento. A análise foi realizada com os registros dos alunos do Curso de
Licenciatura em Matemática nas aulas de observação e regência no momento do Estágio
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Supervisionado, com o nono ano (9º ano) em duas escolas da rede estadual. As
entrevistas foram realizadas com dois professores de matemática que atuavam no nono
ano e com dois deficientes visuais que estudavam nestas escolas, um em cada turma e
através da análise do discurso dos discentes do curso de matemática quando retornavam
do estágio e apresentavam seus relatórios para toda a turma do quinto período em
Estágio Supervisionado em forma de seminário para posteriores debates e discussões
com todo o grupo a respeito de reflexões e melhorias da proposta metodológica
empregada.
Diante do exposto percebemos que os professores em formação inicial
mudaram a sua forma de atuação em sala de aula mediante a um planejamento
minucioso dos métodos a serem aplicados nas aulas de matemática, para que os alunos
DV aprendam os conteúdos abordados durante a aula e consigam ter uma participação
mais eficaz tirando-o do isolamento conforme relato e observação dos discentes e
professor regente.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CONCEPÇÃO DA DEFICIÊNCIA VISUAL NO
CAMPO DA EDUCAÇÃO
Na década de 1920, em Moscou, Vigotsky desenvolveu estudos no Laboratório
de Psicologia para Crianças Deficientes, voltando-se para o que estava intacto e poderia
ser desenvolvido em cada pessoa. Vigotsky (1997, p.48 apud MASINI 2007, p. 11),
A cegueira, ao criar uma formação peculiar de personalidade, reanima novas
fontes, muda as direções normais do funcionamento e, de uma forma criativa
e orgânica, refaz e forma o psiquismo da pessoa. Portanto, a cegueira não é
somente um defeito, uma debilidade, senão também em certo sentido uma
fonte de manifestação das capacidades, uma força.
Com sua afirmação tem-se a clareza de seu entendimento acerca da deficiência
e sobre o potencial do ser humano.
Para conhecermos os deficientes visuais – DVS, segundo Bezerra (2011) passa
primeiramente pela classificação da deficiência visual, considerando sua multiplicidade
de variedade. Para se ter uma noção sobre isso, Rocha (1987, p. 49 apud LIMA, 2006,
p. 76), mostrou que, em 1966, a Organização Mundial de Saúde (OMS) registrou 66
diferentes definições de cegueira, utilizadas para fins estatísticos em diversos países.
Lima (ibdem, p. 76) foi inserido ao lado do termo cegueira, a expressão “visão
subnormal”, utilizada como referência à visão reduzida. Ainda segundo Rocha
(1987apud LIMA, ibdem) o conceito de cegueira não é absoluto, pois reúne indivíduos
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com vários graus de visão residual. Na citação de Lima (2006), fica facilitada a
distinção entra a cegueira total e a parcial:
Ela não significa, necessariamente, total incapacidade de ver, e, sim, prejuízo
dessa aptidão a ponto de tornar o sujeito incapacitado para as tarefas
rotineiras. Desse modo, uma baixa acuidade visual pode significar uma
cegueira total ou parcial. Próximos à cegueira total estão os indivíduos que só
têm percepção e projeção luminosas. A projeção luminosa possibilita a
distinção entre o claro e o escuro, e a projeção identificam de onde provém a
luz. A cegueira total pressupõe completa ausência de visão. Nesse caso, a
visão é nula, não há sequer a percepção luminosa.
Na presente pesquisa trabalhou-se com dois deficientes com cegueira total, fato
este detectado pelos professores em formação inicial durante o estágio supervisionado
em matemática.
Em relação ao percurso histórico dos deficientes visuais percebemos através de
Caiado (2006), que compreender o percurso histórico das concepções que engendram as
diferentes práticas sociais no campo da educação (foco na educação dos cegos) pode ser
um caminho interessante de estudo para a reflexão sobre o trabalho pedagógico,
expressado no cotidiano escolar.
Dessa forma, Vigotsky (1995), considera que a evolução histórica da
concepção da deficiência visual abrange os estágios: um período místico, em que a
cegueira é considerada uma grande desgraça, como um dom extraordinário, um período
biológico-ingênuo, alguns estudiosos do desevolvimento humano “anormal” supõem
que a ausência de um órgão sensorial pode ser compensada com o aumento do
funcionamento de outros órgãos sensoriais, aqui a educação do cego passa a priorizar a
educação dos sentidos intactos. As práticas pedagógicas são registradas, sobre elas se
reflete e se produz conhecimento e por último, um período científico, caracteriza-se a
partir da Idade Moderna, no qual ele é um indivíduo social e histórico e é a partir das
relações e interações entre os homens e de suas ações com a natureza, pelo trabalho, que
o indivíduo internaliza conhecimentos.
Na segunda metade do século XX, podemos já constatar um movimento de
mudança que substitui o modelo excludente por um modelo baseado no respeito e
reconhecimento das diferenças, assim cito Morin (2000) e Delors (2009). O mapa
conceitual demonstra como estes conceitos se interligam com a proposta maior para
uma educação para o século XXI. Salienta-se, também, que há um inter-relacionamento
entre cada um destes aspectos. Conforme figura 01 no final deste artigo.
CONTEXTUALIZAÇÃO DA DV NO ESTADO DO ACRE E NO ENSINO
SUPERIOR (UFAC)
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O resultado do censo escolar de 2010 – Educacenso (AC), no Estado do Acre,
na Educação Básica, está com 4295 (quatro mil, duzentos e noventa e cinco alunos),
alunos matriculados na Educação Especial dos quais 3669 (três mil seiscentos e sessenta
e nove) estão incluídos, correspondendo um acréscimo em relação a 2009, de 31%
(trinta e um por cento) de alunos incluídos em Classes Comuns do Ensino Regular, uma
queda de 13% (treze por cento) de matrícula de alunos em Escolas Especiais/Classes
Especiais.
Essas mudanças ocorreram também na Educação Especial vinculada a
Secretaria de Estado de Educação (SEE/AC), em que a organização da Educação
Especial no Estado do Acre, a partir de 2011, segundo a Coordenadora da Educação
Especial, professora Ursula Maia, apresenta algumas modificações, em que foi
inaugurado o Núcleo de Tecnologia Assistiva (NETA), no município de Rio Branco, no
Estado do Acre, onde todos os Núcleos e Centros estejam organizados somente em um
espaço, fato ainda que não foi concretizado em 2011, pois somente o Núcleo de Apoio
Pedagógico Dom Bosco está com sede no NETA.
Em relação aos deficientes visuais (DVs) cegos no Estado do Acre, em 2011,
temos 07 (sete) alunos matriculados da Educação Infantil do 1º ao 5º ano, 12 (doze)
alunos do Ensino Fundamental do 6º ao 9º e Ensino Médio. Em Sena Madureira temos
01 (um) aluno, Brasiléia temos 02 (dois) alunos e Cruzeiro do Sul temos 07 (sete)
alunos e em Rio Branco, aparecem 12 (doze) alunos cegos e 81 (oitenta e um) alunos
com baixa visão.
Na UFAC, em 1998, iniciou com dois alunos cegos e em 2011 cadastrados no
NAI, cegos e baixa visão, 10 (dez) alunos. Atualmente, cadastrados no NAI, incluídos
43 (quarenta e três) alunos, demonstrando o avanço das políticas públicas acerca da
inclusão em nosso Estado.
MUDANÇA CURRICULAR E O ESTÁGIO SUPERVISIONADO
Conforme edital nº 01/2010 – entrada 2011, do concurso vestibular UFAC foi
destinada 5% (cinco por cento) destas vagas para portadores de necessidades especiais.
Diante deste fato, foi detectado um aumento de 25,4% de canditatos solicitando
atendimento especial para a realização das provas. Assim, aparecem mais alunos com
necessidades especiais incluidos no ensino superior e, em especial, com três DV
aprovados para os cursos da UFAC.
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A exigência de cursos com perfis próprios para as licenciaturas, em conjunto
com as obrigações da carga horária prevista na Resolução do Conselho Nacional e
Educação, CNE/CP 2/2002, que indica um mínimo de 400 horas de prática de ensino e
400 horas de estágio curricular supervisionado, obrigou as instituições a modificar os
currículos de seus cursos, num prazo inicial de dois anos, que foi prorrogado depois,
para a adaptação dos currículos. Assim, esse processo de reestruturação significou, e
ainda significa um desafio para as instituições.
A partir de 2004, vivenciamos um novo modelo na organização da estrutura
curricular no curso de licenciatura em matemática, em que aparecem novos focos: as
Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) e a Educação Especial, no qual o
professor deve buscar novas habilidades e competências.
Em 2008, iniciamos novos debates no Colegiado do Curso de Matemática, para
um novo olhar na organização curricular vigente passando a vigorar em 2012, com
mudanças, sendo uma delas, a disciplina Libras como obrigatória no curso de
Licenciatura em Matemática, conforme Decreto nº 5.626/05 de 22 de dezembro de
2005, em seu art. 3º regulamenta a inclusão da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS
como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o
exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de
instituições de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Assim, conforme García (1999, p.26), a formação de professores,
É uma área de conhecimentos, investigação e de propostas teóricas e práticas
que, no âmbito da Didática e da Organização Escolar, estuda os processos
através dos quais os professores – em formação ou em serviço - se implicam
individualmente ou em equipe, em experiências de aprendizagem através das
quais adquirem ou melhoram os seus conhecimentos, competências e
disposições, e que lhes permite intervir profissionalmente no
desenvolvimento de seu ensino, do currículo e da escola, com o objetivo de
melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem.
Dessa forma o Estágio Supervisionado do curso de licenciatura em matemática
foi organizado em: Estágio Supervisionado I (90 horas) para os discentes atuarem nas
séries finais do Ensino Fundamental 6º e 7º ano; Estágio Supervisionado II (90 horas),
nas séries finais do Ensino Fundamental 8º e 9º ano; Estágio Supervisionado III (90
horas), no 1º ano do Ensino Médio e o Estágio Supervisionado IV (135 horas), no 2º e
3º ano do Ensino Médio, acarretando 405 horas de regência para que os discentes sejam
habilitados e tenham uma maior vivência em seu futuro campo de trabalho, passando p
e atuar na sua práxis pedagógica.
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De posse desse panorama, as atuais diretrizes curriculares sobre Formação de
Professores (Resolução CNE/CP n.º 01, de 18/02/2002), avançam em diversas direções,
principalmente nos aspectos relacionados à antecipação do contato dos futuros
professores com os seus possíveis ambientes de trabalho, isto é, a escola. Há também
uma clara sinalização da necessária articulação do estudo de conceitos e modelos, suas
fundamentações históricas, sociológicas e filosóficas, com a análise de situações reais
vivenciadas ou situações-problema propostas. Destacamos neste aspecto a importância
da articulação entre as dimensões teórica e prática de uma formação profissional. Um
exemplo dessa articulação pode ser identificado quando pensamos as 400 horas de
Práticas como Componente Curricular (PCC), além das 400h do Estágio Curricular,
contemplados na Resolução CNE/CP nº. 02, de 18/02/2002, a qual propõe que:
A prática como componente curricular é, pois, uma prática que produz algo
no âmbito do ensino. [...] ela deve ser planejada quando da elaboração do
projeto pedagógico e seu acontecer deve se dar desde o início da duração do
processo formativo e se estender ao longo de todo o seu processo. [...] ela
concorre conjuntamente para a formação da identidade do professor como
educador (Parecer CNE/CP 28/2001, p. 9).
Daí a importância do discente conhecer seu ambiente de trabalho desde o início
do curso fato que não ocorria na década de 80, em que o discente só tinha contato com
esse espaço escolar no último ano de curso. Assim, podemos refletir acerca das
mudanças ocorridas na UFAC, em relação à prática pedagógica dos discentes em
formação, e corroborando com Ghedin, Leite e Almeida (2008, p.14):
A prática é reveladora de um modo de ser professor, especialmente porque é
por ela que poderemos nos certificar das teorias implícitas que as sustentam
no espaço pedagógico. Isso porque não há prática que se sustente sem uma
teoria, por mais que as ignoremos.
Concordando com os autores citados, Fiorentini e Lorenzato (2007, p.5), que
diz que podemos conceber a Educação Matemática (EM), como resultante das múltiplas
relações que se estabelecem entre o específico e o pedagógico num contexto constituído
de
dimensões
histórico-epistemológicas,
psicocognitivas,
histórico-culturais
e
sociopolíticas.
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO: questões para discussão
Nesta seção apresentaremos a proposta metodológica utilizada com a turma do
5º período de Licenciatura em Matemática no estágio supervisionado I, com vinte e sete
alunos matriculados e com carga horária de 90 horas. As questões nos quais nos
detalharemos para discutirmos são as experiências de duas duplas de alunos que
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atuaram em sua regência com alunos DVS – cegos. Cada dupla de alunos regenciaram
em uma escola estadual de ensino fundamental do muncípio de Rio Branco.
Nessa proposta de estágio supervisionado os licenciandos são desafiados a
participar ativamente da elababoração, da aplicação e avaliação de uma proposta
metodológica de ensino diferenciada, em parceria com o professor regente e o professor
do estágio supervisionado. Para tanto, relacionaram o conteúdo de funções abordado no
nono ano, com o desafio de construir materiais didáticos para atuar durante a regência
com alunos deficientes visuais que faziam parte da turma.
A construção do material didático foi feito na UFAC, mediante a aula de
estágio supervisionado, em que se confeccionou um “tabuleiro perfurado – vide figura
02”, uma peça em madeira, 40 cm
40 cm, com escalas de 2 cm, em que os eixos das
abscissas e ordenadas, variavam de 7 à +7, com o intuito de trabalhar o conceito de
plano cartesiano, par ordenado, relação, função e seus gráficos.
Conforme Lima (2006) a espuma, o papelão grosso, o tecido colorido, guizos,
elástico, bolinhas, palito de picolé, canudos, feltro de várias cores, lã, fita, latas
pequenas com tampas, velcro, tampinhas de garrafa pet, argolas grandes e pequenas,
EVA (emborrachado), sucata, botões, além de Softwares educacionais. Vários materiais
podem ser utilizados em atividades coletivas, relacionadas aos conteúdos de matemática
que será abordado no dia a dia. Como se pode perceber, a avaliação e a estimulação do
sistema háptico, ou tato mais sofisticado, é fundamental para a aprendizagem da criança
e de adultos cegos.
Como exemplo do resultado desse trabalho, apresentamos o seguinte
depoimento da docente do estágio supervisionado:
Senti necessidade de criar materiais didáticos pedagógicos em conjunto com
os discentes durante a disciplina de estágio, antes de irmos para a escola, uma
vez que precisaríamos utilizar materiais que não acarretassem perigo para os
alunos cegos e que representasse uma idéia real do que estávamos ensinando.
Outro ponto foi testar o material didático com os próprios discentes durante a
disciplina na universidade e pensarmos em exemplos do dia a dia do aluno.
Utilizamos barbante, palitos, cartolinas, isto é, materiais de baixo custo.
A partir da construção do material didático, os alunos tiveram que planejar uma
aula sobre função do primeiro grau para apresentar para o grupo dos vinte e sete alunos
matriculados no estágio. Posterior a isto, foi realizado um debate apresentando os
pontos positivos e os pontos que deveriam ser melhorados da aula planejada. Como
exemplo, segue o depoimento de Felipe, nome fictício dado a um aluno do 5º período,
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não tinha a menor idéia de como poderia atuar na regência com os alunos
cegos das escolas, senti um enorme alívio em poder realizar esta experiência
antes na minha sala de aula em colaboração com os colegas, para depois
aplicar o instrumento construído (tabuleiro perfurado) na escola, como forma
de ajudar o DV no seu aprendizado.
O depoimento desse licenciando, durante o estágio supervisionado, reflete um
dos principais desafios que as universidades enfrentam na formação inicial de
professores: ajudar o futuro professor a entender a docência enquanto profissão e ter
uma dimensão de sua complexidade e de suas especificidades.
Dando sequência, os licenciandos passaram a atuar nas escolas campo de
estágio. Na primeira aula, a primeira dupla trabalhou os conteúdos de plano cartesiano,
par ordenado, localização de pontos no plano cartesiano e relações. Assim, a turma da
escola x, no 9º ano, contava com vinte alunos, dentre eles um DV – cego. Além do
professor regente, estavam os dois alunos estagiários, um explicando os conteúdos no
quadro e o outro com o tabuleiro perfurado com o Dv – cego, o docente da disciplina de
estágio supervisionado da UFAC, que observava e registrava todas as ações dos alunos
para posterior discussão e análise.
É importante frisar a importância do papel dos professores de nível superior
que trabalham com a disciplina de estágio supervisionado buscando a integração entre a
prática e os conhecimentos teóricos adquiridos para posterior aplicação, reflexão, debate
e reelaboração.
Na escola y, outra dupla atuou com o conteúdo de gráfico de funções do 1º
grau. Daí, destacamos o depoimento do aluno Misael, nome fictício, “fiquei estarrecido
da falta de compromisso do professor de matemática desta turma, que simplesmente nos
deixou na sala de aula, sorte que o professor da disciplia de estágio chegou para nos
observar”, a turma contava com 24 alunos.
Em entrevista com o professor regente y, “Não tenho tempo de preparar outro
material para o aluno cego. O professor da sala de recursos é que resolva”. Daí,
percebemos a falta de identidade profissional e de compromisso de alguns profissionais
da educação com o papel do professor na sala de aula e que usam a nossa profissão
como um “bico” e não se planejam para atuar em sala de aula.
Dessa forma, os discentes em formação sentiram um impacto do que é ser
professor na atual vivência com o professor de matemática desta escola, onde a
complexidade de ensinar e se preocupar com a aprendizagem dos alunos foi fato
perceptível pelos regentes nesta turma.
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Após a regência deste grupo o docente da disciplina do estágio fez a
observação da importância do professor se identificar com sua profissão, caso contrário
o “prejuízo” para estes alunos é fato consumado.
Finalisando as regências, no total de dez aulas de 100 minutos por dupla, o
grupo de alunos da disciplina elaboraram um relatório final e antes da entrega do
mesmo apresentaram em forma de seminário para todo o grupo a experiência vivenciada
durante a disciplina estágio supervisionado I.
Um fato destacado por todos foi a importância do planejamento com o
materiais manipulativos para os DVS – cegos durante as aulas na UFAC com a turma e
nas escolas. Mesmo planejando houve dificuldades na aplicação do material na
construção de conceitos relacionados à função de 2º grau.
As atividades foram construídas interagindo com o DV, professor-aluno, em
que, primeiramente precisavam tocar e reconhecer, isto é, se apropriar do tabuleiro
perfurado. Foram identificando sua estrutura, ou seja, quantos furos tinham e como
estavam organizados. Utilizamos parafusos (servindo de encaixes nos furos), barbantes
para traçar as linhas e as colunas. Construimos os eixos cartesianos e iniciamos, passo a
passo as construções dos gráficos das funções de 1º e 2º graus (polinomiais), bem como
exemplos relacionando o conteúdo com o cotidiano.
Analisando a cegueira observa-se que sua característica particular é a ausência
do canal visual para obtenção das informações que lhe chegam do exterior. Nesse
sentido compreende-se que a linguagem tem para os cegos uma importância enorme,
pois ela será para ele a condução através do qual conhecerá e aprenderá a manipular
mentalmente a realidade que os cerca. Segundo Oliveira e Marques (2005, apud
VENTORINI, 2009, p. 39), “as primeiras relações criança-mediador são fundamentais
em todo o processo de aquisição da linguagem, principalmente durante a interação mãebebê”. Para Caiado (2006, p.118), a linguagem concentra em si os conceitos
generalizados e elaborados pela cultura humana e permite “ao ser humano operar com
objetos, situações e eventos ausentes ou distantes”, iniciando processos de abstração e
generalização com a formação de conceitos e maneiras de ordenar o real, garantindo a
comunicação entre homens, o que possibilita a preservação, transmissão e assimilação
de informações e experiêncas acumuladas pela humanidade, ao longo de sua história.
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Como contribuição para a consolidação da Educação Científica percebemos a
importância do aprender juntos, com as errâncias e as incertezas, com a interação e a
colaboração para atingir o aprendizado. Entendemos que o recurso didático e a
tecnologia para os deficientes visuais têm um papel fundamental ajudando-os a quebrar
barreiras e sair do isolamento fazendo-os interagir com outras pessoas.
Verificamos que para interagir a Matemática com os deficientes visuais que
fizeram parte dessa pesquisa, a “palavra” foi o elo entre o professor mediador, o recurso
didático e os alunos. Percebemos que ao utilizarmos o tabuleiro perfurado para o estudo
de funções e o esboço do gráfico de funções de 1º e 2º graus, inicialmente, os alunos
precisaram se familiarizar com o recurso didático, reconhecendo os espaços entre os
pontos, seu tamanho e sua forma, com a mediação do outro professor em regência
(discente do 5º período). Detectamos que os alunos cegos representavam uma imagem
de função que foi gradualmente internalizada, oferecendo novas formas de organizar seu
pensamento sobre este artefato matemático. Portanto, através deste recurso, eles
conseguiram realizar as mesmas atividades de seus colegas, em sala de aula,
demonstrado seus caminhos percorridos e seu entendimento no assunto trabalhado.
Importante salientar que muitas vezes é necessário readaptar o material construído para
se obter um melhor aprendizado.
Percebemos que se realmente todos os envolvidos no processo, professor
regente, docente de estágio supervisionado, discentes em formação inicial e deficiente
visual tiverem consciência da importância de um trabalho colaborativo, bem planejado e
clareza dos objetivos que se pretende alcançar, os alunos cegos se sentirão menos
isolados e inseridos na sala de aula e com uma melhor condição de compreender os
conteúdos matemáticos e o discente em formação inicial e o professor regente com a
experiência vivenciada sairão aptos para trabalharem com cegos.
REFERÊNCIAS
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na Escola Regular: bases organizativas e pedagógicas no estado do Acre. Tese. Belo
Horizonte: UFMG, 2011.
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Nacionais. Adaptações curriculares. Estratégias para Educação de alunos com
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CAIADO, Katia Regina Moreno. Aluno Deficiente Visual na Escola: Lembranças e
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CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (Brasil). Parecer CNP/CP nº. 9/2001, de
8 de maio de 2001. Dispõe sobre as diretrizes curriculares para a formação de
professores da educação básica em nível superior, curso de licenciatura, de graduação
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QUADRO DE FIGURAS
Figura 02: Tabuleiro Perfurado.
Figura 01: A Educação do Século XXI.
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Fonte: Morin (2000) e Delors (1999).
Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.
Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.005293
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uma proposta metodológica para trabalhar a educação