ACONSTRUÇÃO
OCUPAÇÃO CIVIL
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de encostas
Um exemplo da ausência de
atendimento aos domínios de estudo
PEDRO JOSÉ DA SILVA*
MARIA APARECIDA FAUSTINO PIRES**
O crescimento desordenado e acelerado
dos aglomerados humanos, bem como a
ausência de um planejamento adequado,
apresenta como consequência direta, o
surgimento de impactos ambientais adversos
nas diferentes porções do meio ambiente,
cuja leitura permite identificar a ocorrência
de profundas modificações no uso e
ocupação do solo. Os impactos ambientais
decorrentes dessa intervenção humana
podem ser identificados quando da ocupação
de áreas ambientais críticas, abordando
em específico à ocupação de terrenos de
encostas. O objetivo deste trabalho é permitir
às diversas parcelas da sociedade o acesso
ao entendimento das diferenças existentes
entre os movimentos de massas, como o
ocorrido em Santa Catarina. O planejamento
da pesquisa para o desenvolvimento do
referido trabalho fundamenta-se no estudo
descritivo e correlacional. O resultado desse
estudo permite à sociedade entender as
consequências das suas ações, o que em geral
tem resultado numa situação que ameaça a
existência de pessoas, seres ou coisas
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A
s cidades vêm sendo mais e mais requisitadas em sua infraestrutura. Uma estimativa
quase alarmante nesse aspecto é da Organização
das Nações Unidas, prevendo que no ano de 2050,
serão 5 bilhões de pessoas morando nas cidades,
contra os atuais 2,4 bilhões. A previsão é que 80%
das populações urbanas viverão em cidades de
países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.
A principal questão que surge dentro deste cenário refere-se ao fato da necessidade de duplicar
a capacidade das referidas cidades, sendo então
capazes de suprir as necessidades básicas da sua
futura população. No entanto o que se percebe na
cidade de São Paulo (10,88 milhões de habitantes),
a quinta maior cidade do mundo em termos de
população – até o ano de 2007 com uma população na região metropolitana de 18,84 milhões
de habitantes –, e em outros grandes municípios
brasileiros, é um crescimento desordenado. São cidades como: Rio de Janeiro com 6,09 milhões de
habitantes; Salvador, com 2,89 milhões; Brasília,
com 2,45 milhões; Fortaleza, com 2,43 milhões;
Belo Horizonte, com 2,41 milhões de habitantes; e,
em específico, Itajaí (SC) com 169 927 habitantes.
O crescimento desordenado e acelerado dos
aglomerados humanos, bem como a ausência
de um planejamento adequado, apresenta como
consequências diretas: a ocupação de áreas
ambientalmente críticas; o surgimento de
impactos ambientais adversos, cuja leitura
permite identificar a ocorrência de profundas modificações no uso e ocupação do
solo.
O cenário apresentado é exemplo do que
vem acontecendo em Santa Catarina. Os diferentes meios de comunicação divulgaram
ao longo de diversos dias consecutivos dos
primeiros meses de 2009, a ocorrência dos
mais diferentes impactos adversos no município de Itajaí (figuras 1 e 2).
PARCELAMENTO DO SOLO –
DISPOSIÇÕES
A Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de
1979, alterada pela Lei nº 9.785, de 20 de
janeiro de 1999, regula o parcelamento do
solo, isto é, os loteamentos, que se constituem em um dos mais importantes instrumentos de ordenação do crescimento das
cidades brasileiras e que protege o comprador de terrenos urbanos, dos loteamentos
clandestinos, os quais trouxeram sérios prejuízos aos municípios e a população.
O parcelamento e ocupação do solo podem ocorrer de diversas maneiras, com um
maior ou menor impacto ambiental. Devem-
se considerar as características naturais do meio
ambiente, caso contrário ter-se-á gravíssimos
problemas nas diferentes porções físicas do meio
ambiente, em especial no solo e na água.
A subdivisão das áreas não urbanizadas deverá atender as disposições da referida lei, de
modo a não permitir o parcelamento do solo em
áreas ambientalmente críticas.
O melhor projeto de subdivisão de áreas não
urbanizadas é aquele cuja distribuição das vias públicas e dos lotes considera: a topografia do terreno
e os caminhos naturais de escoamento das águas,
a preservação das áreas marginais aos recursos hídricos, a proteção das áreas de valor ecológico, e
prevê lotes maiores e com menor ocupação para as
áreas ambientais “críticas” (figura 3).
De modo a atender ao exposto não será permitido o parcelamento do solo em:
1) Terrenos alagadiços e sujeitos as inundações,
antes de serem tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas.
2) Terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, que não sejam previamente saneados.
3) Terrenos com declividade igual ou superior a
30%, salvo se atendidas exigências específicas
das autoridades competentes.
Figura 1 - Localização do município de Itajaí –
Santa Catarina
fonte: arquivo do autor, 2009
Figura 2 - Vista aérea do município de Itajaí –
Santa Catarina
fonte: arquivo do autor, 2009
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CYAN AMARELO MAGENTA PRETO
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de vale, mas também das encostas, exaustivamente,
divulgado pela mídia faz-se necessário definir uma
formulação e implantação de medidas e procedimentos, técnicos e administrativos que tem por
finalidade prevenir, controlar ou reduzir os riscos
existentes, decorrentes da ocupação de áreas ambientalmente críticas, de tal modo que está ocupação, fora dos limites das leis, venha a ocorrer dentro
de requisitos de segurança considerados toleráveis,
até que se restabeleça aquilo que define a lei.
Figura 3 - Ocupação de área ambientalmente
crítica – faixa de proteção de um curso d’água
fonte: arquivo do autor, 2009
4) Terreno onde as condições geológicas não
aconselham edificação.
5) Área de preservação ecológica ou naquelas
onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis até a sua correção.
AVALIAÇÃO DE RISCO EM ÁREAS
AMBIENTALMENTE CRÍTICAS
Entende-se por “risco” a possibilidade da
ocorrência de uma situação que ameaça a existência de uma pessoa, ser ou coisa, ou ainda
uma ou mais condições de uma variável com
potencial para causar danos. Em síntese, risco
é a possibilidade da ocorrência de um perigo. A
equação a seguir indica modelo matemático que
expressa quantitativamente o risco.
R = p. c
Onde:
p = probabilidade de ocorrência de um evento indesejado (p), em geral p é baixo, mas as consequências
de ocorrência desse evento indesejado são altas;
c = consequências geradas pela ocorrência de
um perigo.
A avaliação de risco compreende a utilização de metodologias de caráter experimental e
ou matemático para a determinação dos valores
dos riscos impostos à população exposta por
uma instalação ou atividade industrial.
A identificação do conteúdo apresentado
permite-nos identificar na porção biogeofísica
do meio ambiente de Santa Catarina a possibilidade de ocorrência de perigo.
GERENCIAMENTO DE RISCO
Num cenário de ocupação, não só de um fundo
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ANÁLISE DE RISCO EM ÁREAS
AMBIENTALMENTE CRÍTICAS
A análise de risco deve ser entendida como
a identificação, e avaliação de elementos que se
encontra em um espaço confinado, como por
exemplo, uma instalação em uma unidade industrial e/ou em um elemento que não se encontra
confinado, com, por exemplo, o recurso solo, que
causam situações potencialmente perigosas.
Na análise de risco, procede-se o estudo a partir dos “níveis de risco”, a saber: (1) riscos não toleráveis; (2) riscos gerenciáveis; (3) riscos negligíveis.
Os riscos toleráveis podem se “transformar”
em riscos gerenciáveis através das leis.
A avaliação qualitativa dos riscos, normalmente encontra-se baseada nas seguintes categorias de riscos: (a) desprezível; (b) marginal ou
limítrofe; (c) crítico; (d) catastrófico.
Critérios de aceitabilidade
Deverão ser entendidos como aqueles que
servem de base para comparação, julgamento,
apreciação e aceite do risco ambiental, sendo eles:
I) Risco social – representa o risco para uma população sujeita aos possíveis danos na zona de
influência de um determinado acidente (figura 4).
II) Risco individual – representa o risco a que um
indivíduo é exposto. Não deve ser aumentado significativamente pela atividade humana (industrial
ou de serviço) criada por terceiros, a menos de
uma explícita e consistente aceitação da mesma.
Figura 4 - Análise de risco – risco social
fonte: arquivo do autor, 2009
Figura 5 - Uso e ocupação desordenada do
solo – consequências
fonte: arquivo do autor, 2009
OCUPAÇÃO DE TERRENOS DE ENCOSTAS
A ocupação de terrenos de encosta é acompanhada do desmatamento, de alteração no escoamento natural das águas, de movimentos de
terra e no aumento da permeabilidade do solo, fatores que contribuem para a ocorrência do perigo.
A melhor forma de controlar a ocupação de
encostas é através da definição de densidades
populacionais, as quais devem diminuir, à medida que a declividade do terreno cresce.
As densidades são alcançadas através da fixação dos tamanhos mínimos dos lotes e da taxa
de ocupação permitida para os mesmos.
Os regulamentos de controle dos movimentos de terra, de erosão e de drenagem são
dispositivos complementares na preservação de
encostas (figura 5).
MOVIMENTOS DE MASSAS EM ENCOSTAS
São ilimitadas as possibilidades de adoção
de enfoques na análise do fenômeno o que se
traduz em uma enorme proliferação de sistemas
classificatórios. Nesse trabalho adotaremos a
Classificação de Magalhães Freire, pois se verifica
a aderência da referida classificação, no que diz
respeito à combinação ou síntese dos aspectos
naturalísticos ou geológicos e, a atuação de diferentes agentes, com o fenômeno ocorrido em
Santa Catarina. Segundo Guido e Nieble (1984) os
movimentos coletivos de solo e rocha, atendendo
à Classificação de Magalhães Freire, são:
a) Escoamentos – correspondem a uma deformação, ou movimento contínuo com ou sem
superfície definida de movimentação. Estão
classificados, segundo as características de movimento, em dois tipos, a saber: corrida (escoamento fluído-viscoso) e rastejo ou reptação
(escoamento plástico). Em síntese, nos escoamentos não há destaque de massa.
ESCORREGAMENTOS EM ENCOSTAS
DE SANTA CATARINA
Adota-se nesse trabalho a definição de taludes
ou encostas naturais como sendo as superfícies inclinadas de maciços terrosos, rochosos ou mistos
(rocha e solo), originados por processos geológicos
e geomorfológicos diversos. As principais modificações a que as encostas encontram-se submetidas são devidas a ações antropogênicas, tais como:
cortes e desmatamentos, entre outros.
O fator humano ao atuar nas encostas naturais reflete a expansão das áreas urbanas (figura
6 ), tendo como o aumento na frequência de movimentos coletivos de solos e rochas, genericamente chamados de escorregamentos.
Sobre um enfoque mais técnico e menos genérico, os escorregamentos ocorridos são do tipo: (a)
rotacionais: pois ocorrem em encostas íngremes,
possuindo uma extensão relativamente limitada;
translacionais: pois ocorrem ao longo de superfícies planas e, a massa escorrega de forma tabular;
movimento de curta duração, velocidade elevada e
grande poder de destruição. Em uma prévia ao material fotográfico que registrou os escorregamentos, é possível verificar os movimentos de massas
em encostas mais abatidas e mais extensas, o que
caracteriza os escorregamentos translacionais.
AGENTES E CAUSAS DE
MOVIMENTOS DE MASSAS
Os movimentos de massas têm a sua origem
em agentes e causas. Entender a diferença entre agente e causa, permite um melhor entendimento do movimento de massas; sendo assim,
entende-se por causa o modo de atuação de um
determinado agente, ou em outras palavras, um
agente pode se expressar por meio de uma ou
mais causas (Guido; Nieble, 1984). A diferenciação apresentada permite a apresentação da
classificação dos agentes e causas, a saber:
1) Agentes
(a) Agentes predisponentes – conjunto de carac-
Figura 6 - Expansão urbana – uso e ocupação
de encostas
fonte: arquivo do autor, 2009
terísticas intrínsecas, função apenas de condições
naturais, nelas não atuando sob qualquer forma a
ação do homem. São eles: geológico (litológicos, estruturais, geomorfológicos); geométrico; ambiental.
(b) Agentes efetivos – conjunto de elementos
responsáveis pelo desencadeamento do movimento de massas, nele incluindo a ação do
homem. São eles: preparatórios (pluviosidade,
erosão pela água ou vento, congelamento e
degelo, variações térmicas, dissolução química,
percolação d’água, ação antrópica); defragratórios (chuva intensa, fusão do gelo e da neve,
vibrações, ações antrópicas).
2) Causas
(a) Internas – diminuição da resistência pelo intemperismo.
(b) Intermediária – aumento da pressão neutra
por percolação, subida N.A., rebaixamento rápido do N.A.
(c) Externo – sobrecargas e vibrações.
CONCLUSÃO
A ocupação desordenada do solo traduz a omissão histórica do poder público no sentido de proteger e coibir a presença humana seja aquela referente
à habitação ou a indústria, em áreas especiais, isto é,
áreas ambientais críticas, com o intuito de impedir o
surgimento e a proliferação de áreas de risco, bem
como evitar a degradação do meio ambiente.
Atualmente existe a necessidade de se entender
que a degradação do meio ambiente ocorre devido
ao fato de não se respeitar as suas limitações dentro
dos domínios econômico, físico e social. O atendimento aos domínios apresentados constitui-se em
parâmetros que deverão nortear estudos futuros,
permitindo identificar o bom ou o mau uso do solo.
Cabe ressaltar que o entendimento e o atendimento às limitações do meio ambiente urbano
não será conseguido apenas com legislações específicas, pois as mesmas têm se mostrado ineficazes e anacrônicas para enfrentar com determinação e em sua totalidade tão grave problema.
Acredita-se que a resolução do problema
terá início quando diversas parcelas da sociedade entenderem que o padrão de qualidade de
vida de um povo está associado diretamente ao
atendimento daquelas limitações.
* Pedro José da Silva é pesquisador colaborador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN-CNEN/SP)
– Centro de Química e Meio Ambiente – CQMA, professor
titular doutor da Faculdade de Engenharia Civil da Fundação
Armando Alvares Penteado – FAAP, professor da Escola de
Engenharia Civil do Instituto Mauá de Tecnologia – MAUÁ.
E-mail: [email protected]
** Maria Aparecida Faustino Pires é supervisora do
pós-doutorado, gerente do Centro de Química e Meio
Ambiente – CQMA / Instituto de Pesquisas Energéticas
e Nucleares (IPEN-CNEN/SP)
E-mail: [email protected]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] BRASIL - Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979.
Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências.
[2] BRASIL - Lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999.
Altera o Decreto Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941
(Desapropriação por utilidade pública) e as Leis nº
6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Registros públicos)
e 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (Parcelamento do
solo urbano).
[3] GUIDO, G.; NIEBLE, C.M. - Estabilidade de taludes naturais e de escavação. 2. ed. São Paulo: Edgard
Blucher, 1984. 194p.
[4] MOTA, S. - Preservação e conservação de recursos hídricos. 2.ed. Rio de Janeiro: ABES, 1995. 187p.
[5] SERRANO, N. Deslizamentos em Angra dos Reis
(RJ) matam ao menos 30 pessoas. Estado de S. Paulo, São Paulo, 01 de jan. 2010. Notícias.
[6] SILVA, P.J.; AROMA, W.; SILVA, F.C.; SILVA
JÚNIOR, S.I. - “A proteção de áreas especiais e a
consequente redução das áreas de risco” In Anais do
Safety, Health and Environmental Word Congress –
SHEWC’2007, Santos/SP, Julho 2007.
[7] SILVA, P.J., SILVA, F.C., SILVA JÚNIOR, S.I. “Análise de risco aplicado à indústria da construção
civil” In Anais do Environmental and Health Word
Congress – SHEWC’2006, Santos/SP, Julho 2006.
[8] SILVA, P. J. Apostila/Fichário. Planejamento
Urbano III. São Paulo. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo – Fundação Armando Alvares Penteado –
FAAP.2007.
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b) Escorregamentos – correspondem a um deslocamento finito ao longo de superfície definida de
deslizamento, preexistente ou de neoformação;
classificam-se também em dois tipos, segundo haja
predomínio de rotação – escorregamentos rotacionais – ou de translação – escoamentos translacionais; quando ocorrem a combinação entre rotação
e translação o escorregamento é dito composto.
c) Subsidências – correspondem a um deslocamento finito, ou deformação contínua, de direção essencialmente vertical; encontram-se classificados
em três tipos, a saber: subsidência propriamente
dita; recalque; e, finalmente, os desabamentos.
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