PAPÉIS DO DIREITO CONSTITUCIONAL NO FOMENTO DO CONTROLE SOCIAL DEMOCRÁTICO: ALGUMAS PROPOSTAS SOBRE O TEMA DA INFORMAÇÃO Ana Paula de Barcellos1 SUMÁRIO: I. Democracia, controle social e Direito. II. Problemas na informação; II.1. Volume e complexidade da informação sobre a ação estatal. A interpretação do Estado federal e o controle social; II.2. Os deveres de publicidade e prestação de contas. O direito à informação e o controle social. Notas gerais; II.3. Densificando os deveres de publicidade e prestação de contas e o direito à informação: como informar, o que informar e quando informar. III. Conclusões. I. DEMOCRACIA, CONTROLE SOCIAL E DIREITO O constitucionalismo, como se sabe, veicula a técnica, até aqui vitoriosa em boa parte do mundo, por meio da qual se conseguiu fazer coexistir ao menos três bens altamente desejáveis: a limitação do poder político (inclusive das maiorias), a proteção (e em alguns casos até a promoção) dos direitos fundamentais e a consagração da democracia como regra geral no que diz respeito ao exercício do poder político. Há, entretanto, uma série de dificuldades que a enunciação relativamente simples que se acaba de fazer não revela à primeira vista. Em primeiro lugar, lembre-se, o direito constitucional é um espaço jurídico. Deixando de lado os momentos de deliberação política que produzem a edição de uma nova Constituição ou de emendas, e sem prejuízo das especificidades que caracterizam o objeto e a linguagem do seu texto2, o fato é que o dia a dia do direito constitucional passa, sobretudo, pela definição do sentido e alcance das disposições constitucionais. Essa operação pode ocorrer, como se sabe, seja quando os comandos constitucionais são aplicados de forma direta aos fatos, seja quando eles funcionam como parâmetro de validade, controlando atos 1 Mestre em direito público. Doutora em direito público. Professora adjunta de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 2 Sobre as peculiaridades das normas constitucionais, notadamente em relação à linguagem – mais aberta – e ao seu objeto – que muitas vezes não se encaixa na estrutura típica das normas jurídicas (previsão de comportamento e prescrição de sanções), v. Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, 2004, p. 107-10. Em relação à abertura da linguagem, v. tb. J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, 1991, p. 216. 1 praticados por agentes públicos ou mesmo privados3 e definindo, de forma mais ou menos abrangente, sua interpretação. Por esse espaço jurídico transitam de forma destacada4 acadêmicos e advogados – que pretendem dizer o que o direito constitucional deve ser – e juízes – que dizem, afinal, o que ele é, ao menos naquele momento. As decisões judiciais, nas quais se define o sentido e o alcance das disposições constitucionais, são proferidas por juízes monocráticos ou por órgãos judiciais colegiados que dificilmente ultrapassam os 25 (vinte e cinco) membros5. E a observância das decisões judiciais poderá ser imposta pela força, se necessário. Por um conjunto de razões, que não cabe explorar aqui, entende-se legítimo e compatível com a democracia que o exercício do poder político a cargo do Judiciário, e das Cortes Constitucionais em particular, não se paute pelos mesmos critérios da democracia majoritária. Com efeito, os juízes no Brasil não são eleitos nem sua atuação está diretamente submetida ao controle social. É certo que os bens gerais que o constitucionalismo visa a produzir – limitação do poder político, direitos fundamentais e democracia – não são resultado da atuação exclusiva do direito constitucional, recebendo influência de 3 A oponibilidade dos direitos fundamentais aos particulares é objeto de vasta literatura, no Brasil e no exterior. Sobre o tema, entre outros, v. Daniel Sarmento, Direitos fundamentais e relações privadas, 2006; Virgílio Afonso da Silva, A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares, 2005; Claus Wilhelm-Canaris, A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado na Alemanha. In: Ingo Wolfgang Sarlet (org.), Constituição, direitos fundamentais e direito privado, 2006; Juan María. ¿En qué medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales?. In: Ingo Wolfgang Sarlet (org.), Constituição, direitos fundamentais e direito privado, 2006; Jorge Reis Novais, Os direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares. In: Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (org.), A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas, 2007. 4 Note-se que, embora destacada, a atuação de acadêmicos e advogados não é exclusiva. Muito ao revés, os últimos tempos dão conta de um grande aumento na participação de entidades representativas da sociedade civil no espaço jurídico. Um notável exemplo disso é a presença dos amici curiae nos processos de fiscalização abstrata de constitucionalidade (Lei nº 9.868/99, art. 7º, § 2º; CPC, art. 482, § 3º). Recentemente, sua atuação foi expressamente autorizada também quando da aferição, pelo STF, da repercussão geral dos recursos extraordinários (CPC, art. 543-A, § 6º). 5 Os Tribunais Plenos muitas vezes ultrapassem esse número – o do STJ, e.g., em sua composição completa, conta com 33 (trinta e três) ministros; por sua vez, o do TJRJ é composto hoje por 177 (cento e setenta e sete) desembargadores. Contudo, como o grande número de componentes dificulta as votações, a Constituição autoriza a instituição de órgãos especiais de até 25 (vinte e cinco) membros, para o exercício de competências administrativas e jurisdicionais delegadas pelo Tribunal Pleno (CF/88, art. 93, XI) – faculdade que tem sido efetivamente exercida pelos Tribunais brasileiros. 2 Formatado: Português (Brasil) muitos outros fatores em relação aos quais o direito em geral – e o constitucional em particular – pouco ou nada tem a dizer. E nem há necessidade de enumerar esses outros fatores, que incluem aspectos históricos, religiosos, culturais, econômicos, etc., cuja relação com os três bens referidos acima é estudada por outras áreas do conhecimento humano. Sem ignorar tal constatação, entretanto, e considerando a realidade brasileira, é o caso de perguntar qual tem sido o desempenho do direito constitucional na parte lhe cabe, tendo em vista a limitação do poder político e a promoção dos direitos fundamentais e da democracia. Não seria excessivo otimismo afirmar que o direito constitucional brasileiro tem tido algum sucesso no que diz respeito à imposição de limites ao exercício do poder político. Esse ponto se liga também ao segundo bem referido, central para o constitucionalismo: a proteção e a promoção de direitos fundamentais, na medida em que estes, freqüentemente, exigem a imposição de limites aos Poderes Públicos. Com efeito, tanto o Executivo, quanto o Legislativo e o Judiciário têm recebido, em maior ou menor extensão, o impacto dessa limitação. Alguns exemplos ilustram o que se afirma. O Judiciário está obrigado a fundamentar adequadamente suas decisões, sob pena de nulidade. Embora a pena talvez não seja aplicada com tanta freqüência quanto seria próprio, ela o é, vez por outra, de modo a lembrar que o Judiciário não está livre para proceder como bem deseje6. O Legislativo, por seu turno, ao proceder a investigações por meio de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), não está autorizado a tomar quaisquer providências que ache por bem7 e o Executivo está vinculado à legalidade (ou, mais 6 STF, DJ 19 mar. 1999, HC nº 7.8013/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence: “Sentença condenatória: acórdão que improvê apelação: motivação necessária. A apelação devolve integralmente ao Tribunal a decisão da causa, de cujos motivos o teor do acórdão há de dar conta total: não o faz o que - sem sequer transcrever a sentença - limita-se a afirmar, para refutar apelação arrazoada com minúcia, que ‘no mérito, não tem os apelantes qualquer parcela de razão’, somando ao vazio dessa afirmação a tautologia de que ’a prova é tranqüila em desfavor dos réus’: a melhor prova da ausência de motivação válida de uma decisão judicial - que deve ser a demonstração da adequação do dispositivo a um caso concreto e singular - é que ela sirva a qualquer julgado, o que vale por dizer que não serve a nenhum”. 7 Como se sabe, estão excluídos da alçada das CPIs os atos sob reserva de jurisdição. São exemplos destes a interceptação telefônica e, de modo geral, a determinação de medidas cautelares. Sobre os poderes das CPIs e suas limitações, v. Alexandre de Moraes, Direito constitucional, 2005, p. 385 e ss.; e Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, 2007, p. 818 e ss.. 3 precisamente, à juridicidade)8. Muitos outros exemplos poderiam ser listados neste ponto. Fala-se até mesmo de um processo de judicialização excessiva das relações políticas e sociais: para alguns, o direito constitucional estaria interferindo – e, a fortiori, limitando – de forma excessiva na atuação do Executivo e Legislativo, e essa “interferência” freqüentemente se dá sob o argumento da proteção de direitos fundamentais. De fato, e independentemente do juízo favorável ou desfavorável que se queira fazer do fenômeno, é verdade que o direito constitucional tem sido o protagonista do debate – e muitas vezes também o prolator da decisão final – acerca de questões relevantes para a sociedade política como um todo: questões que vão da fidelidade partidária9 e da cláusula de barreira10 até as políticas públicas em matéria de distribuição de medicamentos11 e de segurança pública12. Ou seja: ainda que muitas críticas possam e devam ser formuladas, parece 8 A vinculação da Administração à legalidade vem expressa no caput do art. 37, da Constituição. O conceito, porém, passa hoje por grande releitura, tanto para compreender o respeito – acima da lei – à Constituição (daí falar-se em juridicidade), quanto para dotar o Poder Executivo da flexibilidade e da agilidade necessárias ao cumprimento de suas tarefas, em um cenário de grande complexidade social e velocidade das comunicações. Também este tema tem sido objeto de muitos estudos, dentre os quais se destacam: Gustavo Binenbojm, Uma teoria do direito administrativo, 2006; Patrícia Baptista, Transformações do direito administrativo, 2003; e Alexandre Santos de Aragão, A concepção pós-positivista do princípio da legalidade, Revista de Direito Administrativo 236:51, 2004. 9 STF, DJ 17 out. 2008, MS nº 26.602/DF, Rel. Min. Eros Grau; STF, DJ 19 dez. 2008, MS nº 26.603/DF, Rel. Min. Celso de Mello; e STF, DJ 3 out. 2008, MS nº 26.604/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia. 10 STF, DJ 30 mar. 2007, ADI nº 1.351/DF, Rel. Min. Marco Aurélio. 11 V., por todas, STF, DJ 31 mar. 2000, RE nº 195.192/RS, Rel. Min. Marco Aurélio: “(...) SAÚDE - AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. Com efeito, já se fala em judicialização excessiva do tema, capaz de comprometer – em vez de assegurar – o bom desempenho das políticas públicas de saúde. Apontando o problema e sugerindo soluções, v. Luís Roberto Barroso, Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, Interesse Público 46:31, 2007. 12 V. TJRS, DJ 17 out. 2007, Agravo de Instrumento nº 70020195616, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves: “1. Cabe ao ente municipal a responsabilidade pela implementação das políticas públicas de proteção a crianças e adolescentes, entre as quais está o programa permanente de atendimento a adolescentes autores de atos infracionais que devem cumprir medida socioeducativa em meio aberto. 2. A reiterada omissão do ente municipal, que vem sendo chamado a cumprir com seu encargo, legitima a ação do Ministério Público de postular ao Poder Judiciário a imposição dessas medidas. 3. É cabível a determinação de que a administração pública municipal estabeleça, na sua previsão 4 possível afirmar que o direito constitucional tem obtido algum sucesso no que diz respeito à imposição de limites aos órgãos investidos de poder político bem como no que toca à promoção de direitos fundamentais. Mas o que dizer da democracia como forma de exercício do poder político? A importância da questão é potencializada por conta de uma observação simples: assim como a limitação do poder se liga à proteção dos direitos fundamentais, também o funcionamento adequado da democracia está diretamente vinculado à promoção, em caráter geral e abrangente, desses mesmos direitos. Com efeito, as políticas públicas decididas e implementadas pelo Executivo e Legislativo – após as deliberações democráticas próprias – é que serão responsáveis (ou não) pela promoção geral dos direitos que, por desventura, se encontrem desatendidos. Pois bem. No que diz respeito a esse terceiro bem visado pelo constitucionalismo – a democracia –, parece que o direito constitucional brasileiro tem deixado a desejar. A primeira dificuldade surge com o próprio sentido e alcance da expressão. Ao longo do tempo, sentidos os mais variados têm sido visualizados na expressão “democracia” e praticamente todos os regimes políticos existentes afirmam ser democráticos, independentemente de suas práticas internas. Mesmo deixando de lado essa perspectiva puramente retórica da discussão, e examinando apenas as teorias que operam com o pressuposto de que todos os seres humanos são iguais, ainda assim há concepções variadas acerca do que democracia significa e, a fortiori, do que ela pode exigir13. Como se sabe, alguns circunscrevem a democracia ao espaço público-estatal, ao passo que outros a visualizam como a abordagem filosófica mais adequada para a vida como um todo. Mesmo no âmbito do espaço público, alguns sustentam que democracia significa a atribuição de poder decisório a agentes escolhidos pelo povo14; para outros, ela exige, mais que isso, a participação orçamentária, as verbas destinadas à implementação e manutenção do referido programa de atendimento (...)”. 13 Para diferentes concepções de democracia, vale conferir Eduardo Garcia de Enterria, Democracia, juices y control de la administracion, 1998, p. 66-126; e Richard A. Posner, Law, pragmatism and democracy, 2003, p. 130-213. 14 Cláudio Pereira de Souza Neto, Teoria constitucional e democracia deliberativa, 2006, p. 73: [para esta linha] “a finalidade da agregação de vontades particulares durante as eleições seria simplesmente realizar a escolha das elites governantes. Estas é que efetivamente tomariam as decisões políticas”. 5 do povo nos processos de tomada de decisões15. A maior parte das concepções sobre o tema agrega ainda ao conceito, ao menos no plano teórico, a necessidade de respeito aos direitos fundamentais – inclusive e particularmente das minorias – como um elemento fundamental para qualquer regime democrático16. Não é objetivo deste estudo enumerar ou discutir as diferentes teorias acerca do conceito de democracia: a questão foi trazida à luz apenas para demonstrar um ponto específico. A despeito da dificuldade envolvida na definição precisa do conceito17, é correto afirmar que há determinados conteúdos mínimos inerentes à idéia de democracia que estarão presentes em qualquer concepção ou teoria acerca do assunto. Um desses conteúdos mínimos é, sem dúvida, a noção de controle social. Trata-se da possibilidade de o povo exercer algum tipo de controle não jurídico – isto é: não por meio de parâmetros jurídicos que venham a ser aplicados pelo Poder Judiciário – sobre a atuação dos agentes públicos. O controle social apresenta formas muito variadas e talvez seja possível classificá-las, para fins didáticos, em duas categorias: o controle social puro e o controle social com repercussões jurídicas. O exemplo clássico do controle social puro é o momento das eleições, quando o eleitorado deixa de reeleger algum agente público (do Executivo ou do Legislativo) – ou deixa de eleger os candidatos apoiados por agentes públicos – como reação a sua atuação anterior. O controle social puro pode – e, a rigor, deveria – se manifestar também ao longo dos mandatos dos representantes eleitos. Por meio de protestos, manifestações públicas ou pressão dos eleitores sobre os representantes eleitos, dentre outras formas, a população pode demonstrar seu interesse em determinadas providências, ou desagrado em relação a 15 Cláudio Pereira de Souza Neto, Teoria constitucional e democracia deliberativa, 2006, p. 86: [a tendência do modelo deliberativo de democracia é] “valorizar o momento comunicativo e dialógico que se instaura quando governantes e cidadãos procuram justificar seus pontos de vista sobre as questões de interesse público”. Embora haja inúmeras visões a respeito do tema, Roberto Gargarella encontra na democracia deliberativa duas notas essenciais, as quais exigem que: (i) a aprovação das decisões públicas suceda um amplo processo de discussão coletiva; e (ii) em princípio, devem intervir no debate todos aqueles potencialmente afetados pelas decisões em questão (Roberto Gargarella. Democracia deliberativa e o papel dos juízes diante dos direitos sociais, Revista de Direito do Estado 10:12, 2008). 16 A idéia é simples: não há democracia se os cidadãos não forem livres e iguais para refletirem, manifestarem-se e serem ouvidos no espaço público. O ponto é referido, entre outros, por John Hart Ely, Democracy and distrust, 2002; e Jürgen Habermas, Direito e democracia: entre faticidade e validade, 1997. 17 O que, de certa forma, não deixa de ser natural, já que aspectos desse sentido são definidos pelas maiorias, democraticamente, a cada momento histórico. 6 alguma política, de modo a influenciar, ou mesmo conduzir, a ação dos agentes públicos18. O controle social com repercussões jurídicas apresenta perfil diverso, pois pretende incidir sobre ações dos agentes públicos que, para além de inconvenientes, sejam suspeitas de ilicitude. Com efeito, há uma série de mecanismos por meio dos quais a população pode se insurgir contra ações ou omissões estatais submetendo-as a órgãos públicos encarregados de examinar sua juridicidade. Assim, e.g., além do direito de ação em geral, o cidadão pode ajuizar ação popular19, apresentar “denúncias” ao Ministério Público, que poderá vir a ajuizar as demandas próprias20 e representar ao Tribunal de Contas21. Determinadas associações podem ajuizar ações coletivas e mesmo desencadear o controle de constitucionalidade concentrado, conforme o caso22. Nada obstante sua importância para qualquer regime democrático, parece correto afirmar que o controle social, sobretudo o puro, encontra-se em crise no Brasil, e não apenas por aqui23. Pesquisas variadas demonstram amplo desinteresse das pessoas pelo debate político em geral, e mesmo pelo debate eleitoral em particular. No Brasil, embora o voto seja obrigatório, e apenas para exemplificar, outros sintomas se apresentam: a reeleição de agentes públicos acusados de práticas ilícitas não é excepcional, ao revés, e escândalos 18 Hélio Saul Mileski, Controle social: um aliado do controle oficial, Revista Interesse Público 36, 2006, p. 85-98. 19 CF/88, art. 5º, LXXIII: “Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. 20 Conforme o caso, ação civil pública (CF/88, art. 129, III), ação criminal (nos crimes de ação penal pública – CF/88, art. 129, I) ou ação de improbidade (Lei nº 8.429/92, art. 17). 21 CF/88, art. 74, § 2º: “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”. 22 A Constituição de 1988 foi generosa quanto às possibilidades de atuação das associações em nome dos seus filiados: além da previsão genérica do art. 5º, XXI, menciona-se, ainda, sua legitimidade para a impetração de mandados de segurança coletivos (art. 5º, LXX, b). Assegura-se, ademais, seu direito à instauração do controle concentrado de constitucionalidade perante o STF, desde que tenham caráter nacional e haja pertinência temática entre o objeto do controle e as finalidades da entidade (CF/88, art. 103, IX, conforme interpretado pelo STF – v., por todos, STF, DJ 19 set. 2008, ADI nº 2903/PB, Rel. Min. Celso de Mello). 23 Sobre o tema, vejam-se as obras reunidas em Critical Review 1-3, v. 18, 2006. 7 variados se sucedem sem maiores manifestações por parte da população. Pesquisas realizadas em 2000 (IBOPE/CNI) davam conta de que 56% dos entrevistados não estavam interessados nas eleições municipais daquele ano. Pesquisas do Vox Populi divulgadas em 2006 revelaram que 65% dos eleitores não lembravam em quem haviam votado para deputado federal em 2002, sendo que o esquecimento atingia de forma igual todas as classes sociais. É certo que há uma série de causas para esse fenômeno24. O desinteresse e a apatia da população em relação ao exercício do controle social, sobretudo na sua versão pura, são explicados, em primeiro lugar – e sem prejuízo da relevância de outras razões –, pelo fato de as pessoas terem cada vez menos tempo nas sociedades contemporâneas, sobretudo em ambientes urbanos. Pode parecer trivial, mas não é. Obter informação sobre as questões políticas e manifestar-se de alguma forma acerca delas exige tempo e esforço que, eventualmente, terão de ser subtraídos de outras atividades. Ou seja: levar a cabo algum tipo de controle social envolve um custo pessoal. E é fácil constatar que esse custo será proporcionalmente maior para as pessoas que dispõem de menos tempo livre e que têm maior dificuldade de acesso aos meios de informação nos quais tais informações podem (ou não) ser encontradas, como internet, jornais e revistas. Enquadram-se nessa descrição a maior parte da população que vive nas periferias das grandes cidades, cujo tempo “livre” é vorazmente consumido pelo deslocamento casa/trabalho, a população de renda mais baixa e a de baixa escolaridade. Outro elemento identificado pelas pesquisas como causador do desinteresse referido é a percepção do indivíduo de que a sua participação não terá qualquer conseqüência prática e nem será capaz de contribuir para resultados que tornem a sua vida melhor. Há aqui, é claro, um evidente círculo vicioso: quanto menor o controle social, menos, de fato, a opinião de cada indivíduo é capaz de 24 Sobre o tema, dentre outros, v. Maurício Soares Bugarin, Laércio Mendes Vieira e Leice Maria Garcia (orgs.), Controle dos gastos públicos no Brasil: instituições oficiais, controle social e um mecanismo para ampliar o envolvimento da sociedade, 2003; e Anna Maria Campos, Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português?, Revista de Administração Pública 24, 1990, p. 30-50. 8 influenciar a ação pública25. E, quanto menor sua capacidade de fazer alguma diferença, menor será o interesse da pessoa de participar do ambiente político. Por fim, o desinteresse é alimentado pela falta de informação sobre as questões públicas. Esse é um ponto fundamental. Como as pessoas poderão concordar ou discordar de políticas que ignoram ou de prioridades que desconhecem? Como avaliar a ação de um governo se não se sabe quais eram as metas pretendidas e o resultado esperado e nem se as metas e o resultado referidos foram ou não afinal alcançados e por quais razões26? Como saber em quem votar se quase tudo o que há em matéria de informação são chavões, palavras de ordem e jingles adocicados? Como comparar as propostas dos diferentes candidatos e partidos se elas não existem ou se, quando existem, não são levadas ao conhecimento público? Considerando a crise do controle social e algumas dessas causas que se acaba de apontar, duas observações devem ser feitas antes de prosseguir. A primeira observação envolve o crescimento do controle jurídico sobre a ação estatal. O sistema jurídico provê diversos mecanismos de controle jurídico – a cargo, em última análise, do Judiciário – sobre leis e atos administrativos (comissivos ou omissivos). Esses mecanismos são manejados pelos indivíduos (no seu próprio interesse, como no caso do mandado de segurança, ou no interesse da sociedade como um todo, na hipótese de ação popular), por instituições como o Ministério Público, a Defensoria ou outros legitimados para o controle abstrato de constitucionalidade, dentre outras possibilidades. Muitas vezes, como se viu, esse controle jurídico pode ser desencadeado por denúncias ou solicitações da população, estabelecendo-se um contato breve entre o controle jurídico e o social. 25 Maurício Soares Bugarin, Laércio Mendes Vieira e Leice Maria Garcia, Controle dos gastos públicos no Brasil: instituições oficiais, controle social e um mecanismo para ampliar o envolvimento da sociedade, 2003, p. 179: “No caso do Brasil, um estudo recente (BUGARIN e ELLERY Jr., 2001) estima que nas últimas cinco décadas do século XX, o país desperdiçou aproximadamente 20% de sua formação bruta de capital. Outro estudo recente (CÂNDIDO JR., 2001) conclui que a produtividade do gasto público é 40% inferior àquela do gasto privado”. 26 Por exemplo, quais as metas pretendidas, para o ano de 2007, em matéria de saúde no âmbito de determinado Estado? Realizar concurso para “x” novos médicos? Construir instalações para “y” novas clínicas? Adquirir determinados aparelhos diagnósticos ou reparar os existentes? E quais os resultados esperados dessas ações? Reduzir a espera por atendimento clínico de “z” semanas para “a” dias? Ampliar a capacidade de realizar determinados exames diagnósticos de “b” para “c” por mês? 9 Nada obstante, e sem prejuízo da importância fundamental do controle jurídico, assim como não se pode imaginar que o consumo de antibióticos seja capaz de substituir uma alimentação balanceada e uma rotina regular de sono, o controle jurídico não tem condições de substituir a rotina do controle social. Talvez, sua importante expansão nos últimos anos seja mais um paleativo – que tenta manter sob controle os sintomas da doença que acometeu a democracia – do que um remédio propriamente dito, capaz de atuar nas causas do problema27. Aprofunde-se a reflexão. O controle jurídico opera (ou deve operar) para coibir o desvio, impedir a ilicitude e o abuso injurídico. Tais situações não se confundem, necessariamente, com a idéia de coerência ou incoerência entre a vontade e o interesse dos governados e dos governantes. O Estado pode tomar decisões e implementar políticas que serão lícitas em si mesmas, embora talvez não correspondam aos interesses da maior parte da população nem atendam a seus interesses. E isso porque, embora a fronteira entre o direito e a política possa parecer nebulosa em vários pontos, ela, por certo, existe: os controles social e jurídico ocupam áreas distintas, ainda que haja regiões de superposição. Ademais, em muitas áreas, as soluções que o controle jurídico pode oferecer são, como regra, pontuais e esporádicas, não universais. As políticas públicas em matéria de direitos fundamentais são exemplos mais que ilustrativos. O autor de uma ação, e.g., conseguirá o medicamento não oferecido pelo sistema público de saúde, mas muitos morrerão por falta de atendimento nesse mesmo sistema. O autor de outra demanda vai obter matrícula na universidade pública, mas milhões não terão qualificação profissional para ingressar no mercado de trabalho. O controle jurídico tradicional é operacionalmente limitado ao lidar com políticas 27 Nagibe de Melo Jorge Neto, O controle jurisdictional das políticas públicas, 2008, p. 153: “Entre nós, ainda não se estabeleceu, sequer, o direito à informação aos dados públicos, tal qual já vigora, há algum tempo, nos Estados Unidos da América e em muitos países da Europa. A falta de clareza quanto a esses aspectos, de um lado, proporciona um isolamento dos responsáveis pela implementação das políticas públicas ao argumento de que não é dado ao Poder Judiciário ingerir nesses assuntos; de outro, pode levar a um ativismo judicial exagerado, em que a intromissão do Poder Judiciário no planejamento e execução das políticas públicas acaba por prejudicar o planejamento estratégico da gestão pública em prejuízo de toda a sociedade”. 10 públicas28. Por fim, não é apenas que o controle jurídico não tem condições de substituir o controle social: na realidade, ele não deve ter essa pretensão. O Judiciário não pode pretender substituir o povo no controle e condução das decisões políticas, ainda que o Judiciário fosse composto exclusivamente por sábios, filósofos e pelos mais capazes e probos dentre os homens e mulheres. O axioma da igualdade de todos e a democracia, que dele decorre, não convivem com uma concepção inteiramente aristocrática da ação estatal. A segunda observação a ser feita neste ponto é a seguinte. É preciso reconhecer que muitas das causas que contribuem para o desinteresse da população pelo debate político e pelo exercício do controle social recebem pouca ou nenhuma influência da Constituição ou do direito constitucional. O direito não tem instrumental para produzir tempo livre na vida das pessoas. Também não dispõe de meios para convencê-las de que lhes será vantajoso acompanhar regularmente a ação de seus representantes eleitos, de modo a – ao menos no momento das eleições – poderem controlar essa atuação, pelo apoio ou não a sua continuidade. Isso não significa, porém, que não haja nada que o direito constitucional possa fazer nessa seara. Na realidade, ao chegar a esse ponto a pergunta a ser respondida pode ser enunciada nos seguintes termos: que papéis o direito constitucional pode legitimamente desempenhar de modo a fomentar o controle social e fortalecer o regime democrático? Para além do seu papel “antibiótico”, de controle da injuridicidade, pode ele contribuir para que a rotina democrática funcione de forma adequada? A resposta é afirmativa. Ao menos um conjunto de problemas que contribuem para a fragilidade do controle social deve receber influência do direito constitucional: tratase do conjunto de problemas relacionado com a informação sobre a ação pública. A rigor, e trata-se de um truísmo, qualquer controle apenas pode ocorrer se houver 28 Entre outras razões, isso se deve ao fato de que o controle é geralmente veiculado por um processo subjetivo, que esbarra na dificuldade em se obter dados concretos e abrangentes, relativos ao orçamento, aos recursos disponíveis e à implementação das políticas previstas. Em virtude disso, as demandas individuais acabam sendo terreno mais fértil para a aplicação de uma micro-justiça (voltada para o caso concreto), em detrimento da macro-justiça (preocupada com a situação das políticas públicas em geral e com o impacto das decisões no plano mais amplo das finanças públicas). O tema foi melhor desenvolvido em estudo específico, ao qual se remete o leitor: Ana Paula de Barcellos, Constitucionalização das políticas públicas em matéria direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático, Revista de Direito do Estado 3:17, 2007. 11 conhecimento do objeto a ser controlado. Como controlar a ação pública se as pessoas não dispõem de informação sobre ela? A dificuldade em obter informação desestimula o controle social na medida em que impõe ao indivíduo eventualmente interessado em desempenhar esse controle um custo enorme, de tempo e esforço, na busca por dados. E, ademais, caso as informações não sejam verdadeiras ou compreensíveis, isso pode inviabilizar, afinal, qualquer controle real. Por outro lado, caso as informações sejam de fácil acesso e compreensão para o público, o custo de se informar e exercer alguma forma de controle social diminuirá sensivelmente. Esse é o objeto central de preocupações deste estudo. II. PROBLEMAS NA INFORMAÇÃO Até aqui se procurou demonstrar que (i) o controle social é inerente a um regime democrático e vital para o seu funcionamento adequado; (ii) que o controle social passa por uma séria crise; (iii) que parte dessa crise decorre de problemas envolvendo a informação existente – ou a falta dela – sobre a ação pública; e (iv) que o direito constitucional tem papéis a desempenhar de modo a contribuir para o fortalecimento do controle social e, portanto, da democracia. Que problemas envolvendo a informação são esses e que papéis cabem ao direito constitucional nesse contexto? Na seqüência se vai cuidar de dois desses problemas e de possíveis papéis que o direito constitucional pode desempenhar para minimizá-los. O primeiro problema envolve o volume e a complexidade da ação estatal – e, a fortiori, da informação sobre ela – que, a rigor, deve ser conhecida e controlada pela população. O segundo problema diz respeito, propriamente, às condutas que os deveres de publicidade e de prestação de contas impõem aos agentes públicos. II.1. VOLUME E COMPLEXIDADE DA INFORMAÇÃO SOBRE A AÇÃO ESTATAL. A INTERPRETAÇÃO DO ESTADO FEDERAL E O CONTROLE SOCIAL A estrutura dos Estados contemporâneos, sobretudo daqueles que contam com grandes territórios e populações, é bastante complexa, complexidade que é multiplicada no caso de estados federais, nos quais há mais de um centro de poder político. No caso brasileiro, e apenas para que se tenha uma 12 dimensão do fenômeno, o governo federal conta com 23 ministérios e 7 secretarias vinculadas à Presidência da República; o Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, organiza-se em 19 secretarias e o Município do Rio de Janeiro em mais 23, cada qual com uma diversidade de órgãos. Há ainda diversas autarquias – dentre as quais as agências reguladoras, aliás – e fundações que levam a cabo atividades relevantes para a ação estatal. Idealmente, além de acompanhar a atuação dos membros do Legislativo e dos Chefes do Executivo, o cidadão deveria também ter conhecimento das ações de cada uma dessas estruturas administrativas, para poder fazer as avaliações que entender pertinentes e tomar as decisões político-eleitorais que julgar próprias. Entretanto, considerando o volume e a complexidade da atuação do Estado – e, a fortiori, das informações sobre essa atuação –, essa assertiva parece inteiramente irreal e inviável. Com efeito, nem mesmo alguém que dedicasse sua vida integralmente a esse acompanhamento seria capaz de monitorar todas as entidades e órgãos públicos brasileiros, dos três níveis federativos. Reduzir substancialmente o tamanho do Estado e simplificar sua estrutura não são opções viáveis: esse é um dado com o qual será preciso lidar. Considerando esse cenário, um primeiro papel que o direito constitucional pode desempenhar – a fim de facilitar e fomentar o controle social – envolve a forma de interpretar o Estado federal, sobretudo no que diz respeito às competências político administrativas atribuídas, concomitantemente, aos três entes federativos. Como se sabe, nos termos do art. 23, e.g., são de competência – e, portanto, de responsabilidade29 – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a prestação de serviços de saúde e de assistência social, dentre outros. Trata-se da opção do constituinte por um federalismo cooperativo30 que imagina que 29 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 2006, p. 130: “Com efeito, inobstante os poderes que elas exprimem sejam, efetivamente seu lado mais aparente, antes que poderes as competências são deveres, o que é particularmente visível no caso das competências administrativas. Na verdade, elas são deveres-poderes (...). É que ditas competências são atribuídas ao Estado, a seus órgãos, e, pois, aos agentes neles investidos, especificamente para que possam atender a certas finalidades públicas consagradas em lei; isto é, para que possam cumprir o dever legal de suprir interesses concebidos em proveito da coletividade”. 30 O federalismo dito cooperativo é marcado pela ausência de rigidez quanto à repartição das competências entre os diversos entes – essa rigidez é característica o federalismo dual. O caráter cooperativo resta evidenciado pela criação de esferas comuns de atuação a diversos 13 a cooperação entre os diferentes entes produzirá resultados melhores na consecução das finalidades públicas. Mas qual a relação do modelo federativo de cooperação com o tema do controle social? A resposta é simples. Diante da atribuição comum de competências31, a população não sabe ao certo de quem é a responsabilidade pela prestação de tal ou qual serviço. Não raro, essa confusão de atribuições é alimentada pelos próprios agentes públicos que, diante de manifestações de insatisfação da população, procuram apontar os erros dos outros entes federativos, de modo a minimizar sua própria responsabilidade política diante dos eleitores. O roteiro é conhecido: diante de alguma catástrofe, as autoridades municipais alegam que a União e o Estado não cumpriram sua parte, pois deixaram de repassar as verbas necessárias, etc.. A União, por seu turno, acusa os Municípios de não aplicarem os recursos adequadamente ou de não prestarem contas. O Estado, e.g., reclama da falta de construção de presídios federais, ao que a União replica que o Estado não é capaz de treinar adequadamente um corpo probo de policiais. O roteiro é conhecido e o filme não é bom. No meio desse emaranhado de acusações cruzadas – que tratam as competências constitucionais como argumentos retóricos em uma disputa de discursos, e não como poderes-deveres –, quem é o responsável perante o cidadão? A rigor, é correto afirmar que todos são responsáveis mas, na prática da rotina democrática, ninguém é responsável. Na impossibilidade de exercer algum tipo de controle sobre todos os entes federativos em suas múltiplas e complexas relações, o cidadão acaba perdendo o interesse – a apatia a que se referiu acima – já que, na sua percepção, seu esforço não fará qualquer diferença. O resultado é que o cidadão acaba não controlando coisa alguma. É aqui que o direito constitucional pode desempenhar um papel da maior relevância. A interpretação hoje majoritária no tema das competências comuns – a discussão é mais freqüente em matéria de saúde pública – procura visualizar uma solidariedade entre os entes no que diz respeito à prestação dos entes. Sobre o tema,v. Augusto Zimmermann, Teoria geral do federalismo democrático, 1999, p. 56 e ss.; e André Luiz Borges Netto, Competências legislativas dos Estados-membros, 1999, p. 120 e ss.. 31 E ausente a regulamentação geral de que trata o parágrafo único do art. 23 da Carta. 14 serviços32. Embora bem intencionada – já que desenvolvida, no mais das vezes, a fim de multiplicar os responsáveis pela prestação do serviço do ponto de vista puramente jurídico33 –, essa linha de interpretação acaba por esvaziar qualquer possibilidade de a população, na rotina democrática, controlar os serviços cuja prestação é imposta pela Constituição ao Poder público. A alteração de perspectiva que se quer sugerir aqui não pretende desfazer o complexo sistema de cooperação entre os entes concebido pelo constituinte. O que se pretende é isolar esse sistema da relação que deve existir entre o Poder público, genericamente considerado, e as pessoas reais: os cidadãos não devem ter de lidar com essa complexidade e nem devem ser envolvidos, e paralisados, pela teia de relações travadas entre os entes federativos. Veja-se bem: as relações de cooperação entre os entes prosseguem, mas este deve ser um fenômeno que não repercute de forma direta sobre os indivíduos. Haverá, portanto, dois espaços distintos: um no qual se travam os contatos entre os entes federativos e outro no qual se haverá de estabelecer a relação entre algum ente federativo e a população, relativamente a um determinado serviço. Nesse segundo espaço, um único ente deverá ser identificado como o responsável pela prestação do serviço. Algumas observações parecem importantes. É certo que, com freqüência, o ente federativo precisará contar com o auxílio dos outros entes a fim de prestar o serviço que lhe tenha sido cometido. Entretanto, na linha do que se propõe aqui, essa circunstância não será relevante para o cidadão nesse momento. A responsabilidade diante do cidadão por cada serviço em particular haverá de ser atribuída, tanto quanto possível, a apenas um ente, de modo a tornar viável alguma espécie de controle social nesse particular. Caberá a esse ente buscar a colaboração dos demais, considerando os deveres a eles 32 V., e.g., STJ, DJ 11 jun. 2008, AgRg no Ag nº 961677/SC, Rel. Min. Eliana Calmon: “Esta Corte em reiterados precedentes tem reconhecido a responsabilidade solidária do entes federativos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que concerne à garantia do direito à saúde e à obrigação de fornecer medicamentos a pacientes portadores de doenças consideradas graves”. E STJ, DJ 29 out. 2007, AgRg no Ag nº 886974/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha: “Sendo o Sistema Único de Saúde (SUS) composto pela União, EstadosMembros, Distrito Federal e Municípios, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade solidária dos aludidos entes federativos, de modo que qualquer um deles tem legitimidade para figurar no pólo passivo das demandas que objetivam assegurar o acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros”. 33 Código Civil: “Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum (...)”. 15 Formatado: Inglês (EUA) atribuídos pela ordem jurídica. Ou seja: os deveres de cooperação entre os entes permanecem inalterados; a única distinção é que seu eventual descumprimento não interferirá na relação entre o ente responsável por aquele serviço e a população. Exemplos oriundos das relações privadas ilustram a proposta aqui formulada. Imagine-se que um indivíduo adquire um pacote turístico no Brasil para passar uma semana em Bariloche, Argentina, que inclui passagem aérea, hospedagem e passeios pela região. Ao chegar lá, o prestador local de serviços deixa de fornecer algo que foi contratado. De quem será a responsabilidade – inclusive jurídica, por natural – perante o indivíduo34? A resposta do direito brasileiro é simples35. A responsabilidade será da empresa brasileira que vendeu o pacote turístico; as relações de tal empresa com seus parceiros comerciais no exterior são irrelevantes para o cliente brasileiro. Se a empresa em Bariloche falhou, a brasileira não poderá alegar tal circunstância perante seu cliente para eximir-se de responsabilidade. Sua responsabilidade perante o consumidor permanece e o que ela poderá eventualmente fazer é acionar a empresa argentina regressivamente. É interessante notar que a aplicação dessa espécie de raciocínio ao federalismo cooperativo, além de melhorar as condições para o desenvolvimento do controle social – na medida em que identifica um responsável e simplifica as informações que devem ser compreendidas pelo cidadão – pode também vir a desencadear outro efeito institucional benéfico. Na medida em que a ausência de cooperação deixar de servir de argumento para minimizar a responsabilidade política dos agentes públicos diante da população36, a necessidade eleitoral de prestar os 34 A idéia de que os cidadãos têm direito a uma boa administração e à prestação de serviços adequados, considerando os recursos arrecadados da sociedade, aproxima-se da lógica que vincula prestadores de serviços e consumidores. Em contexto próximo, a Carta de direitos fundamentais da União Européia, de 2000, trata do direito dos indivíduos a uma boa administração: v. Lorenzo Martín-Retortillo Baquer, El debate sobre la constitucionalización de los derechos fundamentales de la Unión Europea, Revista de Direito do Estado 8:13, 2007. 35 V. Decreto nº 84.934/80, art. 18: “Ressalvados os casos de comprovada força maior e a expressa responsabilidade concorrente de outras entidades, a agência organizadora e promotora do serviço turístico será sempre a principal responsável pela sua prestação efetiva, pela sua liquidação junto aos prestadores de serviços e pelo reembolso aos usuários pelos serviços não prestados na forma e na extensão contratadas. Parágrafo único. As obrigações assumidas para execução de serviços turísticos que ser realizarem, total ou parcialmente, no exterior serão de exclusiva responsabilidade da Agência de Viagens e Turismo e, no caso previsto no § 2º, do artigo 4º, deste Decreto, da Agência de Viagens e Turismo ou da Agência de Viagens, conforme o caso”. 36 Não se pode ignorar aquilo que estimula os agentes, a fim de que seu interesse político pessoal coincida com o fim públicos que se pretende promover. Sobre o tema, v. Richard 16 serviços de forma mais eficiente poderá estimular uma cooperação mais efetiva entre os entes federativos. Ou seja: o interesse dos agentes públicos em viabilizar a prestação adequada dos serviços de sua responsabilidade imediata perante a população será potencializado. Resta a questão fundamental de definir que serviços atribuir a cada ente federativo, isto é: por quais serviços cada ente é responsável perante a população. Em relação a alguns serviços, a própria Constituição já indica determinados parâmetros. A educação pré-escolar e fundamental, por exemplo, são atribuídas de forma imediata aos Municípios (art. 30, VI), assim como o atendimento à saúde da população (art. 30, VII). A referência constitucional, nos dois incisos referidos, à cooperação técnica e financeira da União e do Estado ocuparia aquele primeiro espaço, no qual as relações entre os entes federativos são travadas. No segundo espaço, considerando a relação Poder público – população, a responsabilidade pelo serviço há de ser atribuída a um ente apenas, no caso, os Municípios37. Outros parâmetros podem ser extraídos do texto constitucional, acerca de outros temas, e mesmo da legislação eventualmente editada sobre determinada matéria38. Caberá à doutrina e a jurisprudência, como freqüentemente acontece, debruçar-se sobre cada uma das competências comuns no esforço de identificar, fundamentadamente, o ente responsável perante a população. Sem Posner, Economic analysis of law, 2007; e Guido Calabresi, The costs of accidents: a legal and economic analysis, 1970. 37 Um ponto parece bastante interessante. O exame do texto constitucional conduz diversos serviços à esfera de responsabilidade direta dos municípios, ambiente no qual, ao menos do ponto de vista teórico, a intervenção do indivíduo poderia fazer maior diferença, criando melhores condições para o desenvolvimento do controle social. Sobre o tema, v. Aléxis Tocqueville, A democracia na América, 1961. 38 Por exemplo, a Lei nº 8.080/90, que regulamenta o SUS, atribui principalmente aos Municípios a competência de executar os serviços públicos de saúde. Aos Estados e à União, cabe cooperar técnica e financeiramente com os Municípios na sua tarefa – a execução direta de políticas de saúde pela União ou pelos Estados somente é admitida em caráter supletivo (v. arts. 16 a 18). Outros parâmetros são construídos pela doutrina, e.g., quanto à distribuição de medicamentos, a partir das normativas inferiores relacionadas ao tema. Um exemplo é a responsabilização exclusiva, pelo fornecimento de um medicamento, do ente que o incluiu em sua lista, nos termos da Política Nacional de Medicamentos, disciplinada pela Portaria nº 3.916/98, do Ministério da Saúde. O ponto é desenvolvido por Luís Roberto Barroso, Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, Interesse Público 46:31, 2007. 17 prejuízo, repita-se, dos deveres de cooperação dos demais entes em face daquele que será o responsável perante os cidadãos. Há muito se discute sobre a crise pela qual passa a federação brasileira sob variadas perspectivas39. Nada obstante a importância fundamental dos diagnósticos apresentados por esses estudos, a verdade é que boa parte das soluções aventadas estão fora do espaço próprio e imediato do direito constitucional, exigindo avaliações e decisões políticas que conduzam a alterações do texto da Constituição ou da legislação. Há, entretanto, alguns espaços que podem ser ocupados pelo direito constitucional e um deles envolve, na linha do que se expôs, a interpretação das competências comuns atribuídas pela Carta aos diferentes entes federativos. Afinal, a interpretação constitucional em geral – e por que não também da federação? – deve ser orientada pelos próprios princípios constitucionais, que identificam fins a construir e desenvolver. No caso, alguns princípios são especialmente relevantes para a interpretação do sistema de distribuição de competências entre os entes federativos: a democracia – o controle social sendo um elemento fundamental dela –, os direitos fundamentais – que devem ser atendidos pela prestação dos serviços de que trata a Constituição – e a seriedade dos agentes públicos no trato de suas competências constitucionais. Identificar um responsável, perante a população, pela prestação de cada serviço pode contribuir, ainda que modestamente, para a promoção desses fins constitucionais. Por outro lado, a forma como o tema é compreendido atualmente já demonstrou não produzir tais resultados. Esse, portanto, é um primeiro papel que o direito constitucional pode desempenhar para fomentar o controle social. Trata-se de interpretar a federação de modo a identificar, perante o cidadão, um responsável por cada serviço, simplificando, tanto quanto possível, a realidade da ação estatal a ser conhecida e controlada pela população. II.2. OS DEVERES DE PUBLICIDADE E PRESTAÇÃO DE CONTAS. O DIREITO À INFORMAÇÃO E O CONTROLE SOCIAL. NOTAS GERAIS 39 Entre muitos outros, v. Luís Roberto Barroso, A derrota da Federação: o colapso financeiro dos estados e municípios. In: Temas de direito constitucional, t. I, 2001; e Gilberto Bercovici, Dilemas do Estado federal brasileiro, 2004. 18 No tópico anterior se procurou apresentar uma proposta de interpretação das competências federativas comuns capaz de reduzir o universo sobre o qual o controle social puro haverá de incidir. Ainda assim, mesmo que sobre um universo um pouco menor, qualquer forma de controle pressupõe informação acerca do objeto a ser controlado. Os exemplos podem ser muito singelos. Como controlar a alimentação de um filho – para saber se é necessário alterá-la – se não se sabe o que ele come? Como controlar as taxas de colesterol se não há informação sobre elas? O transporte dessa lógica para o espaço público – estatal parece bastante adequado. Como os indivíduos podem desenvolver algum tipo de controle social – ainda que apenas para o fim de tomarem decisões no momento das eleições – se eles não recebem informação acerca do desempenho dos candidatos que pretendem reeleger-se ou sobre as propostas daqueles que postulam assumir uma função pública? Como saber alguma coisa de relevante sobre o desempenho dos agentes públicos se não se sabe quais eram suas propostas originais, que metas pretendiam alcançar, nas diferentes áreas nas quais o Poder público deve atuar, e o que foi realmente alcançado? Como saber, ainda no contexto do controle de desempenho, se tais agentes administraram de forma minimamente adequada e eficiente os recursos públicos se não se sabe qual a quantidade de recursos que lhes coube gerenciar e que resultados concretos se produziram por conta dessa gestão? Quanto às propostas dos novos postulantes – e também daqueles que prendem reeleger-se –, de que modo se pode obter informação relevante se praticamente todos apresentam um conjunto de promessas quanto a resultados, mas não informam qual sua ordem de prioridades e nem respondem à incômoda pergunta do “Como?”. Como se vai, ao mesmo tempo, recuperar o poder aquisitivo dos servidores públicos, baixar impostos, aumentar investimentos em infra-estrutura e aumentar o salário-mínimo acima da inflação? De onde sairão os recursos para todas essas providências? Além disso, como – isto é: de que forma, valendo-se de que meios – se vai eliminar o analfabetismo e incrementar a qualificação profissional da população? Não é preciso prosseguir para demonstrar que a informação acerca da gestão pública é vital para o funcionamento adequado de qualquer democracia. Em um contexto de desinformação geral, não deveria causar 19 grande surpresa o fato de a comparação entre jingles e chavões de apelo emocional ter se tornado um critério eleitoral importante. Embora a realidade pareça ignorar o tema, a verdade é que ele é generosamente disciplinado pela própria Constituição. A rigor, o direito à informação sequer precisaria ser extraído da democracia, da república40, da responsabilidade dos agentes públicos e da vinculação estatal à busca do bem comum. Como é corrente, tal direito é consagrado expressamente pela Carta de 1988 (art. 5º, XIV e XXXIII41), ao lado dos correspondentes deveres de publicidade e de prestação de contas, impostos aos agentes públicos em geral (art 37, caput, § 3º, II e § 8º, II; art. 49, IX; art. 84, XI e XXIV; art. 74, I e II42)43. 40 Sobre o princípio republicano, v. Ana Paula de Barcellos, O princípio republicano, a Constituição brasileira de 1988 e as formas de governo, Revista Forense 356:3, 2001. 41 CRFB/88: “Art. 5º (...) XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; (...) XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. 42 CRFB/88: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...)§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...) II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...)§ 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...) II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; (...) Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo; (...) Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República (...)XI - remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias; XXIV - prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior; (...) Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado”. 43 Rosanne Mannarino, Prestação de contas do Governo da República. Para quem? A sociedade brasileira. In: Sociedade democrática, direito público e controle externo, 2006, p. 229: “Ainda que objeto de discussão recorrente em meio ao poder público, a prestação anual de contas do Presidente da República, oferecida à Sociedade Brasileira por força de mandamento constitucional específico (artigo 84, inciso XXIV), é pouco perceptível pelo 20 Sistematizando as disposições constitucionais, parece correto afirmar que há três elementos jurídicos centrais para o tema aqui em discussão: os deveres de publicidade e de prestação de contas e o correlato direito à informação. Algumas notas gerais sobre eles parecem importantes. A publicidade é um princípio que tem como destinatários todos os órgãos e entidades públicos, de modo que Executivo, Legislativo e Judiciário, salvo exceções previstas pela própria Constituição44, estão a ela vinculados. Como já se tornou corrente, e independentemente de maiores sofisticações teóricas, os princípios descrevem fins a realizar, estados ideais que devem ser buscados tão rapidamente quanto possível. No caso da publicidade, o estado ideal pretendido parece simples: proporcionar às pessoas envolvidas e/ou interessadas conhecimento acerca dos atos do Poder público45. A simplicidade, porém, é mais aparente que real, como se verá. O direito correspondente a esse dever de publicidade é, sem dúvida, o direito à informação. A Constituição assegura um direito geral à informação e, em particular, um direito à informação sobre a ação estatal. Ou seja: uma vez descumprido pelo Estado o dever de publicidade, surge para os indivíduos a pretensão de exigir a informação. É possível identificar manifestações individuais, coletivas e difusas desse direito. Com efeito, após uma solicitação administrativa infrutífera, um indivíduo poderá ingressar com uma demanda postulando determinada informação46. Também uma associação de moradores pode pretender cidadão comum, carecendo de interesse do cidadão-leigo, tanto por sua compreensão quanto eventual repercussão no dia-a-dia de cada brasileiro”. 44 CRFB/88: “Art. 5º. (...) XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (...) Art. 93. (...) IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”. A excepcionalidade do sigilo é objeto de destaque também na jurisprudência do STF. V., por todos, DJ 25 ago.2006, RMS nº 23036/RJ, Rel. p/acórdão Min. Nelson Jobim: “A publicidade e o direito à informação não podem ser restringidos com base em atos de natureza discricionária, salvo quando justificados, em casos excepcionais, para a defesa da honra, da imagem e da intimidade de terceiros ou quando a medida for essencial para a proteção do interesse público”. 45 Têmis Limberger, Transparência administrativa e novas tecnologias: o dever de publicidade, o direito a ser informado e o princípio democrático, Revista Interesse Público 39:69, 2006. 46 A demanda poderá inclusive se valer de parte do procedimento de prestação de contas já previsto pelos artigos 914 a 919 do Código de Processo Civil. 21 obter informação, e.g., acerca das ações estatais referentes ao bairro, planejadas para o ano seguinte ou da quantidade de recursos investidos na área do bairro no exercício anterior e/ou das atividades nas quais os recursos foram investidos. Além dessa dimensão coletiva, é fácil visualizar a dimensão difusa desse direito. A violação do dever de publicidade é, sem dúvida, uma omissão inconstitucional e que, por isso mesmo, poderá viabilizar o manejo de determinados remédios constitucionais, merecendo destaque a ação popular e ação civil pública47. Dependendo das circunstâncias, será possível ainda cogitar de ações de improbidade48. Cabe tratar por último, e também de forma objetiva, do dever de prestar contas, atribuído aos agentes públicos em geral. Trata-se aqui de uma especificação do dever geral de publicidade que decorre da espécie de relação que se estabelece, em uma república, entre a população e seus representantes. Como é corrente, os agentes públicos agem por delegação, gerindo bens e interesses de terceiros – públicos – e não próprios49. Como qualquer agente delegado50, e mais ainda no caso de um mandato de natureza pública, outorgado pela população, há aqui o dever de prestar contas aos seus constituintes. Assim, o dever geral de publicidade acerca dos atos do Poder público se desdobra também em um dever 47 CF/88: “Art. 5º (...) LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; (...) Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. 48 Lei nº 8.429/92: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...) IV negar publicidade aos atos oficiais; (...) VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo”. 49 V. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 1997, p. 31: “Quem exerce ‘função administrativa’ está adstrito a satisfazer interesses públicos, ou seja, interesses de outrem: a coletividade. Por isso, o uso das prerrogativas da Administração é legítimo se, quando e na medida indispensável ao atendimento dos interesses públicos; vale dizer do povo, porquanto nos Estados Democráticos o poder emana do povo e em seu proveito terá de ser exercido”. As palavras do autor, embora dirigidas especificamente à função administrativa, podem ser estendidas às demais funções do Estado. Afinal, não se concebe (ao menos em tese) que o legislador ou a magistratura – como longa manus do poder público – exerçam seus misteres em interesse próprio. 50 Código Civil: “Art. 668. O mandatário é obrigado a dar contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhe as vantagens provenientes do mandato, por qualquer título que seja”. 22 específico dos agentes públicos – e particularmente do legislador e da Administração Pública lato sensu – de prestarem contas acerca de sua gestão dos interesses públicos. Feitas as breves notas acima, cabe aprofundar um pouco a discussão. Três questões principais se apresentam. Em primeiro lugar, o estado ideal de coisas associado aos deveres de publicidade e de prestação de contas envolve proporcionar às pessoas ciência e conhecimento acerca dos atos do Poder público: não se trata aqui apenas de tais atos não serem sigilosos. A falta do sigilo é, por certo, uma condição necessária para que se chegue ao fim pretendido pelo princípio, mas está muito longe de ser suficiente. A circunstância de um ato do Poder público não ser sigiloso corresponde a uma posição passiva por parte do Estado, que transfere aos indivíduos todo o esforço necessário para obtenção de ciência e conhecimento acerca do ato referido. O que o princípio da publicidade pretende, muito mais do que a passividade, é uma postura estatal ativa nesse particular. Quando se trata da prestação de contas, a insuficiência de uma posição passiva resta ainda mais evidente. Ou seja: cabe ao Estado agir, tomar providências para levar seus atos à ciência e ao conhecimento das pessoas. Por natural que a ação estatal não terá como assegurar que, de fato, as pessoas terão conhecimento de tais atos – elas podem simplesmente não estar interessadas neles –, mas cabe-lhe criar as melhores condições para que isso seja possível. Por isso mesmo, dependendo da espécie de ato estatal, das pessoas envolvidas e da relação entre esses dois elementos (atos e pessoas), as formas de proporcionar ciência e conhecimento poderão variar. Não se está enunciando, a rigor, qualquer novidade. Com efeito, para dar ciência a alguém da existência de um processo judicial ou administrativo, do qual ela deva participar, a ordem jurídica prevê a figura da citação51, exigindo-se que ela seja feita de modo a garantir ciência 51 V. CPC: “Art. 213. Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender. Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu”. Na esfera administrativa, veja-se, e.g., o que dispõe a lei federal sobre o tema – Lei nº 9.784/99: “Art. 3º: O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados: (...) II – ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas”. 23 real por parte do indivíduo52. Também atos administrativos que afetem direitos de particulares devem lhes ser comunicados de forma específica53. Quanto às leis, trabalha-se com a ficção do conhecimento geral após a publicação no Diário Oficial54, embora a vacatio legis eventualmente prevista, maior ou menor, sirva em boa medida para que as pessoas mais diretamente afetadas pela nova legislação possam dela ter conhecimento real. Na realidade – e essa é a questão central –, as formas de que o Estado se vale para dar publicidade a seus diferentes atos devem, tanto quanto possível, ser capazes de proporcionar ciência e conhecimento de tais atos aos indivíduos. A publicidade, portanto, não se realiza por meio de uma mera formalidade que encerra um fim em si mesma. Muito ao revés, o Estado deve empregar meios que, ao menos presumidamente – isto é: com base na observação daquilo que geralmente acontece –, produzam acesso real das pessoas ao conhecimento dos atos estatais. É interessante observar que em outros campos, em relação aos quais a ordem jurídica também exige publicidade, a lógica é a mesma: os meios empregados para atender o dever de publicidade devem ser aqueles realmente capazes (ou, ao menos, presumidamente capazes) de levar ao conhecimento das pessoas envolvidas as informações relevantes. É o caso, e.g., do mercado de capitais e das relações de consumo. Como se sabe, a legislação exige a publicação em jornais de grande circulação daquilo que deve ser levado ao conhecimento do mercado55. A entidade reguladora – no caso, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – exige 52 Note-se que, embora existam formas de citação ficta, estas se reservam a hipóteses excepcionais (CPC, arts. 228, § 1º, e 231). 53 Lei nº 9.784/99: “Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse“. 54 Lei de Introdução ao Código Civil: “Art. 3º: Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. 55 Lei nº 6.404/76: “Art. 157. (...) § 4º. Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia”. O tema é regulamentado pela Instrução Normativa/CVM nº 358/2002. 24 ainda que informações estejam disponíveis em sites, na internet56, e que determinados investidores (como cotistas de fundos de investimento) recebam correspondência pessoal57. Em linha similar, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) impõe aos fornecedores deveres em matéria de informação e, adicionalmente, associa ao direito à informação dois adjetivos especialmente relevantes: a informação a ser prestada deve ser clara e adequada58. As normas que regulam as companhias abertas tratam também de informação relevante59. Chegamos assim à segunda questão. Assim como se passa no âmbito das relações de consumo e do mercado de capitais, a informação a ser prestada aos indivíduos pelo Estado – isto é: o objeto, afinal, do dever de publicidade – deve ser relevante e inteligível. A relevância diz respeito àquilo que deve ser informado: de um universo bastante amplo de dados existentes, somente serão relevantes as informações que puderem esclarecer adequadamente os seus destinatários. Saber qual o resultado concreto dos gastos municipais em saúde em determinado ano – e.g., quantos atendimentos se verificaram e de que natureza, que equipamentos e medicamentos foram adquiridos, que expansão se observou no sistema, quantos profissionais novos foram incorporados por meio de concurso etc. – é certamente uma informação relevante 56 Instrução CVM nº 358/2002: “Art. 3º. (...) § 4º. A divulgação deverá se dar através de publicação nos jornais de grande circulação utilizados habitualmente pela companhia, podendo ser feita de forma resumida com indicação dos endereços na rede mundial de computadores Internet, onde a informação completa deverá estar disponível a todos os investidores, em teor no mínimo idêntico àquele remetido à CVM e, se for o caso, à bolsa de valores e entidade do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação”. 57 Instrução CVM nº 409/2004: “Art. 68. O administrador do fundo está obrigado a: (...) II – remeter mensalmente aos cotistas extrato de conta contendo: a) nome do fundo e o número de seu registro no CNPJ; b) nome, endereço e número de registro do administrador no CNPJ; c) nome do cotista; d) saldo e valor das cotas no início e no final do período e a movimentação ocorrida ao longo do mesmo; e) rentabilidade do fundo auferida entre o último dia útil do mês anterior e o última dia útil do mês de referência do extrato; f) data de emissão do extrato da conta; e g) o telefone, o correio eletrônico e o endereço para correspondência do serviço mencionado no inciso XII do art. 65”. 58 CDC: “Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: (...) III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”. 59 Lei nº 6.404/76: “Art. 157. (...) § 4º. Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia” (grifos acrescentados). 25 para os moradores do Município. Não se pode dizer o mesmo, porém, da informação acerca do código numérico associado a cada uma dessas despesas. A intelegibilidade, por seu turno, diz respeito à linguagem e à apresentação da informação, de modo que ela seja compreensível – ou tão compreensível quanto possível – para seus destinatários. Se a informação é prestada em linguagem técnica, ou de forma tão complexa ou desordenada que as pessoas não são capazes de compreendê-la, não terão sido cumpridos os deveres de publicidade e de prestação de contas. Por outro lado, freqüentemente a informação de um ato isolado, fora de seu contexto, pode tornar-se incompreensível para os destinatários. Ou seja: além de relevante, a informação a ser prestada deve também ser inteligível. A terceira questão que parece importante suscitar diz respeito ao momento – ou aos momentos – em que a informação deve ser prestada, até para que seja relevante para seus destinatários. Retomando-se os exemplos do mercado de capitais e do Código de Defesa do Consumidor, parece certo que os “Fatos relevantes” que as companhias abertas estão obrigadas a divulgar em determinadas circunstâncias devem ser veiculados em um determinado espaço de tempo para que cumpram seu propósito. O mesmo se diga do CDC: informações sobre eventuais riscos associados a determinado produto devem ser informados logo no momento de seu lançamento no mercado. A mesma questão se coloca no que toca à informação sobre a ação estatal, sobretudo se se examina o tema sob a perspectiva do controle social puro, a ser levado a cabo pela população. Pois bem. Das três observações feitas acima decorrem três perguntas principais, de cujas respostas dependem em boa medida o conteúdo afinal – e a realidade – dos deveres de publicidade e de prestação de contas referidos acima e a viabilidade prática de qualquer controle social democrático. Trata-se de saber, considerando o espaço público estatal: (i) como a informação sobre a ação do Estado deve ser levada ao público? (ii) O que deve ser informado? Isto é: que informação é relevante nesse contexto60? E (iii) quando a informação sobre tais temas deve ser levada ao público? É disso que se pretende tratar no próximo tópico. 60 O tema da intelegibilidade não será examinado de forma específica neste estudo. 26 II.3. DENSIFICANDO OS DEVERES DE PUBLICIDADE E PRESTAÇÃO DE CONTAS E O DIREITO À INFORMAÇÃO: COMO INFORMAR, O QUE INFORMAR E QUANDO INFORMAR O exercício regular do controle social, como se viu, depende de uma série de fatores dentre os quais a maior ou menor facilidade de acesso à informação – informação relevante, por evidente – sobre a gestão estatal. Ademais, a publicidade e a prestação de contas são deveres constitucionais atribuídos aos agentes públicos, e aos indivíduos em geral foi atribuído um direito à informação correspondente. Mas que condutas são impostas por tais deveres e, por conseqüência, podem ser exigidas pelos cidadãos? As respostas às três apresentadas acima – como informar, o que informar e quando informar – pretendem justamente identificar algumas dessas condutas. A primeira pergunta envolve o como informar61. Isto é: que meios são capazes de proporcionar ciência e conhecimento da ação estatal e, por isso mesmo, devem ser empregados pelo Poder público. Pois bem. Considerando a realidade brasileira, parece correto concluir que a informação acerca da ação estatal deve ser levada ao público via internet, televisão aberta e rádio, meios atualmente capazes de proporcionar ciência real dos conteúdos transmitidos62. Com efeito, nada obstante a precariedade das estatísticas sobre o tema, estima-se que 20,2% da população brasileira tenha acesso à internet, número esse que está em constante expansão. Assim, embora sejam grandes as potencialidades da internet como meio capaz de levar ao conhecimento das pessoas informação sobre a ação estatal, boa parte da população ainda não é atingida por ela. Por outro lado, mais de 90% dos domicílios brasileiros contam com aparelhos de televisão (TV aberta, por natural) e 61 Antônio Carlos Cintra do Amaral, O princípio da publicidade no direito administrativo, Revista brasileira de direito público 2:15, 2003. 62 Como lembra Gustavo Binenbojm, o dever de publicidade – que, como princípio, deve ser compreendido como mandado de otimização – “não é satisfeito com qualquer exteriorização dos atos administrativos, ainda que acessível a um grupo restrito de pessoas. Em um dos sentidos possíveis, otimizar o grau de concretização do princípio da publicidade significa adotar um conjunto de medidas progressivas voltadas ao melhor alcance possível dos seus fins” (Gustavo Binenbojm, O princípio da publicidade administrativa e a eficácia da divulgação de atos do poder público pela internet. O caso da supressão da revista oficial impressa do INPI, substituída por versão eletrônica, Revista de Direito do Estado 1:279, 2006, destacado no original). 27 mais de 88% contam com rádios, que continuam a ser as principais fontes de informação de parte significativa dos brasileiros63. Do ponto de vista jurídico, além dos princípios constitucionais referidos inicialmente, a Lei Complementar nº 101/2001 (Lei de Responsabilidade Fiscal) já prevê que a prestação de contas deverá ser feita também por meio eletrônico, a fim de promover a transparência64. Quanto às emissoras de televisão e rádio, os arts. 87 e 88 do Decreto nº 52.795/1963 (com a redação que lhe deu o Decreto nº 84.181/1979)65 já dispõem sobre a convocação de redes nacionais, 63 Os dados são da PNAD 2007 – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE. Disponíveis em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2007/sintesepnad 2007.pdf>. Acesso em: 31 out. 2008. 64 LC nº 101/2001: “Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos. Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade. Parágrafo único. A prestação de contas da União conterá demonstrativos do Tesouro Nacional e das agências financeiras oficiais de fomento, incluído o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, especificando os empréstimos e financiamentos concedidos com recursos oriundos dos orçamentos fiscal e da seguridade social e, no caso das agências financeiras, avaliação circunstanciada do impacto fiscal de suas atividades no exercício”. V., sobre o ponto, Ricardo Lobo Torres, O princípio da transparência no direito financeiro, Revista da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro VIII – Direito financeiro, 2001, p. 133 e ss.. 65 Decreto nº 52.795/1963: “Art. 87 – Na preservação da ordem pública e da segurança nacional ou no interesse da Administração, as emissoras de radiodifusão poderão ser convocadas para, gratuitamente, formarem ou integrarem redes, visando à divulgação de assuntos de relevante importância. § 1º A convocação prevista neste artigo somente se efetivará para transferir pronunciamentos do Presidente da República e dos Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal. § 2º - Poderão, igualmente, ser convocadas as emissoras para a transmissão de pronunciamentos de Ministro de Estado autorizados pelo Presidente da República. § 3º - A convocação das emissoras de radiodifusão é da competência do Ministro de Estado Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República e se efetivará por intermédio da Secretaria de Imprensa e Divulgação. Art 88. As rêdes de radiodifusão poderão ser: nacional, regionais ou locais. § 1º Rêde Nacional é o conjunto de tôdas estações radiodifusoras instaladas no território nacional, e será formada para divulgação de assunto cujo conhecimento seja do interêsse de todo País. § 2º Rêde Regional é o conjunto de estações radiodifusoras instaladas em uma determinada região, e será organizada para divulgação de assunto cujo conhecimento seja de interêsse daquela Região. § 3º Rêde local é o conjunto de estações radiodifusoras instaladas em uma determinada localidade, e será formada para divulgação de assunto cujo conhecimento seja do interêsse daquela localidade”. 28 regionais ou locais de radiodifusão para a divulgação de assuntos de relevante importância. Um aspecto, porém, deve ser observado. A discussão sobre o meio de conferir publicidade sobre a ação estatal atrai para o debate a preocupação constitucional (CF, art. 37, § 1º66) com o desvio possível, que transforma a publicidade – ainda com alguma freqüência, infelizmente – em meio de promoção pessoal do governante da ocasião. Parece importante, portanto, que os meios de que o Poder público disponha para veicular informação, sejam igualmente franqueados ao grupo político de oposição. Assim, a oposição deverá ter igual acesso à televisão aberta e ao rádio para formular a crítica que entender pertinente à informação divulgada pelos diferentes níveis de governo. Do ponto de vista dogmático, portanto, basta construir: (i) o dever de convocação de tais redes pelos Chefes dos Executivos, para o fim de levar ao conhecimento da população informação relevante sobre a ação estatal (o dever, portanto, e não apenas a faculdade); e (ii) o direito da oposição de se valer do mesmo mecanismo para formular as críticas que julgar pertinentes ao pronunciamento oficial, de modo a neutralizar eventual promoção individual ou propaganda eleitoral irregular e também a confrontar, se for o caso, a veracidade e consistência dos dados fornecidos ao público. Note-se que esse direito pode ser extraído diretamente, e com facilidade, do sistema democrático organizado pela própria Constituição. A segunda pergunta envolve o que informar. A questão parece ser realmente vital para a garantia do direito à informação e para o fomento ao controle social. E isso porque, embora a Constituição trate expressamente de planos de governo, da avaliação do cumprimento das metas previstas e da execução dos programas de governo67, e a legislação que regula o tema preveja o controle do “cumprimento do programa de trabalho em termos monetários e em termos de 66 CRFB/88: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. 67 V. arts. 74, I, e 84, IX. 29 realização de obras e prestação de serviços”68, a informação disponível acerca da ação estatal limita-se, em geral (e quando muito), a números em abstrato. Isto é: quanto se pretende investir e quanto de fato se investiu. Tais dados são importantes, sobretudo para os órgãos institucionais de controle, mas a verdade é que eles têm pouca relevância no que diz respeito ao controle social. Do ponto de vista do cidadão, números absolutos podem produzir impacto emocional, mas não agregam racionalidade. Afinal, o que significa investir “x” milhões em saúde? Isso é pouco? Muito? Quais são as necessidades a serem atendidas? O que “x” milhões representa em termos de serviços? É fácil perceber que muito mais importante será a descrição – objetiva e tangível – dos serviços que se planeja prestar e, igualmente, do resultado pretendido com a prestação de tais serviços69. Nesse contexto, a informação só será relevante e compreensível se incluir os dados sobre (i) os investimentos a serem feitos nas diversas políticas públicas (inputs), mas também, e, sobretudo, (ii) os serviços que serão prestados à população no contexto de tais políticas (outputs), de forma regionalizada, e (iii) o resultado pretendido por esses serviços (outcomes)70. A descrição dos serviços a serem prestados e do resultado pretendido deve ser tão objetiva, tangível e mensurável quanto possível. Assim, e.g., não será relevante a informação isolada de 68 Lei nº 4.320/64: “Art. 75. O contrôle da execução orçamentária compreenderá:(...) III - o cumprimento do programa de trabalho expresso em têrmos monetários e em têrmos de realização de obras e prestação de serviços”. 69 João Henrique Pederiva, Accountability, Constituição e Contabilidade, Revista de Informação Legislativa 35, 1998, p. 36-7: “Com efeito, o sistema contábil utilizado pela Administração Pública deixa de informar os quantitativos físicos, impossibilitando a noção de custo unitário. Como verificar a eficiência e a eficácia sem o cotejamento entre os dados financeiros e físicos? A carência de dados sobre o cumprimento das metas físicas inviabiliza a verificação da economicidade, ou, em outras palavras, impossibilita o cumprimento da determinação constitucional. Na perspectiva do usuário externo, ou seja, o povo, os tributos, mormente os impostos, são recolhidos independentemente da efetiva contraprestação dos serviços. O sistema de informação voltado para esse usuário precisaria evidenciar a efetiva contraprestação de bens e serviços, de maneira a justificar eticamente o recolhimento compulsório dos recursos. (...) Assim, os demonstrativos contábeis mostram-se inadequados para a função de evidenciar o adequado uso dos recursos públicos em vista dos objetivos estatais e governamentais. (...) Em síntese, a contabilidade vem perdendo relevância naquilo que seria seu objetivo precípuo: indicar o estado atual e futuro das entidades Estado e Governo (nas respectivas esferas). Constata-se pouca visibilidade das discussões sobre accountability do setor público. Ademais, existe descumprimento formal e substancial dos próprios ditames constitucionais sobre evidenciação, em que pese a preocupação dos sistemas de controle quanto aos aspectos formais”. 70 Andy Norton e Diane Elson, What’s behind the budget? Politics, rights and accountability in de budget process, 2002. 30 que “x” milhões de reais serão investidos em educação fundamental no ano de 2009 pela União. A informação só será relevante se for igualmente informado quais serviços serão prestados à população por conta de tal investimento (e.g., concurso para a contratação de “x” professores que estarão encarregados do reforço escolar nas escolas dos Estados “x, y e z”) e o resultado afinal pretendido (e.g., melhora de 1 ponto na média obtida pelos alunos de tais Estados na avaliação anual realizada pelo MEC nas provas de português e matemática). O ponto não é complexo. A ação estatal vale-se de meios – serviços, obras etc. – para atingir determinados fins. Assim, em primeiro lugar, uma vez que a população receba informação acerca dos serviços que o ente público planeja levar a cabo em determinada região, será possível a essa mesma população verificar, ao longo do tempo e na circunvizinhança da sua comunidade, se os serviços – descritos de forma objetiva e tangível – foram de fato prestados. Ou seja: o controle social terá melhores condições de se desenvolver e o custo para os indivíduos, de levá-lo a cabo, será substancialmente menor71. Retomando o exemplo, se o serviço que se pretende prestar é o oferecimento de aulas de reforço de português e matemática aos alunos da rede pública de ensino, a realidade e a suficiência da prestação desse serviço poderão ser controladas pela população de cada bairro. Por outro lado, se a única informação disponível é a de que “x” milhões de reais serão investidos em educação fundamental, os óbices ao controle social são substancialmente maiores. Em segundo lugar, a informação quanto ao resultado pretendido com as políticas públicas permitirá, ao longo do tempo, um controle mais profundo da adequação entre os meios escolhidos pelo poder público e os fins que se pretende atingir. Isto é: será possível avaliar se os meios empregados são realmente capazes de produzir os resultados desejados. É verdade que muitas vezes essa avaliação não será simples, pois os resultados pretendidos pela ação estatal podem receber a influência de um sem número de causas. De todo modo, até para que essa avaliação – por complexa que seja – possa ser levada a cabo, será preciso fixar de 71 Juarez Freitas, O controle social do orçamento público, Revista Interesse Público 11, 2001, p. 13-26. 31 forma objetiva e tangível quais os resultados desejados, isto é: que metas se pretende alcançar72. Um exemplo ajuda a ilustrar a questão. Imagine-se que os serviços planejados por determinado governo municipal em matéria de educação fundamental são os seguintes: a construção e o aparelhamento de “x” bibliotecas públicas em determinadas regiões, uma campanha publicitária de estímulo à leitura, dirigida a crianças e adolescentes, o aumento de “y%” dos salários dos professores do ensino fundamental e o oferecimento, em todas as escolas municipais, de reforço escolar para os alunos com médias inferiores a determinados patamares. Imagine-se, ainda, que o resultado pretendido com tais atividades é que, em 3 (três) anos, a avaliação média dos alunos do ensino fundamental nos exames nacionais de português e matemática tenha uma melhora de “z%”. O parágrafo anterior descreve, como é fácil perceber, tanto os serviços que se planeja prestar quanto o resultado que se espera alcançar. As pessoas terão condições de verificar a existência dos serviços: se bibliotecas foram construídas e equipadas em seu bairro, se a campanha publicitária aconteceu, se os salários receberam de fato o aumento planejado e se o reforço escolar está ou não sendo oferecido nas escolas públicas nas quais seus filhos estudam. E, ao fim dos 3 (três) anos, divulgados os resultados dos exames nacionais, será possível aferir se a melhora no desempenho dos alunos ocorreu ou não e em que níveis. Em outros termos, será possível avaliar se o resultado foi atingido ou não. A terceira questão cuida do quando informar. Parece tranqüilo afirmar que em pelo menos três momentos informações sobre a ação estatal devem ser levadas ao conhecimento do público. Em primeiro lugar, quando do início dos mandatos dos Chefes dos Executivos, de todos os níveis da Federação. Os planos de governo devem conter as três informações referidas acima – investimentos, serviços e resultados planejados e pretendidos –, plano esse que deve ser objeto de publicidade através dos meios já mencionados. Em segundo lugar, novo momento de informação haverá de ocorrer na metade dos mandatos de tais agente públicos. Nesse segundo momento, a 72 Nesse particular, e a despeito de suas limitações, o emprego de estatísticas será especialmente útil. V. CRFB/88: “Art. 21. Compete à União: (...)XV – organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional”. 32 informação prestada ao público deverá cobrir dois fenômenos diversos. Ela deverá, primeiramente, descrever os investimentos, serviços e resultados efetivamente realizados e alcançados até então, justificando as razões para o eventual não cumprimento dos planos e pretensões anunciados no primeiro momento, quando da posse. Além disso, cabe informar os investimentos, serviços e resultados que ainda se pretende realizar, no tempo restante do mandato. Por fim, o terceiro momento é o de prestação de contas no fim do mandato, quando novamente se deverá informar à população os investimentos, serviços e resultados obtidos e as razões que por acaso impediram a realização dos planos iniciais. Veja-se que, quanto aos momentos em que a informação é devida, não se está a sugerir nada de inovador. A rigor, a legislação existente é substancialmente mais exigente na matéria, dispondo sobre a prestação de contas periódica73. Uma nota final. O que se pretendeu discutir aqui foi: (i) um conteúdo mais detalhado dos deveres jurídicos de publicidade e de prestação de contas impostos aos agentes públicos; e (ii) a possibilidade de controle jurídico, de caráter procedimental, da observância desses deveres. A exigibilidade desses deveres – além de seu valor intrínseco em um Estado de Direito, já que eles são impostos pela Constituição – é também um meio de o direito constitucional, valendo-se dos mecanismos que lhe são próprios, fomentar o controle social indispensável ao funcionamento de um regime democrático. Apenas para esclarecer, registre-se que não é objeto deste estudo a possibilidade de controle jurídico do mérito das decisões dos agentes públicos. Isto é: não se discutiu aqui se é possível ao 73 CRFB/88: “Art. 30. Compete aos Municípios: (...) III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; (...) Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; (...) Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros. (...) Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: § 3º - O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido da execução orçamentária”. 33 Poder Judiciário alterar a alocação de recursos (inputs), ou a opção por determinados serviços (outputs) ou mesmo a fixação dos fins a atingir (outcomes). Também não se discutiu aqui se a eventual não realização dos planos divulgados haverá de ter alguma conseqüência jurídica para os agentes públicos. O que se pretende demonstrar é apenas que os deveres de publicidade e de prestação de contas a que estão obrigados os agentes públicos exigem: (i) que os meios de publicidade sejam capazes de levar as informações ao conhecimento real da população, o que no caso brasileiro significa que os meios, além da internet, devem incluir a TV aberta e o rádio; (ii) que as informações veiculadas sejam relevantes, o que significa incluir não apenas dados sobre os recursos investidos (inputs), mas também sobre os serviços planejados (outputs) e os resultados pretendidos (outcomes); e (iii) que as informações relevantes sejam veiculadas com uma determinada periodicidade. E, se é assim, a violação desses deveres jurídicos, haverá de ensejar conseqüências, a serem impostas pelo Judiciário. De que conseqüências se poderia cogitar nesse contexto? Algumas idéias parecem pertinentes e podem ser enunciadas desde logo. Embora seja preciso cautela para não banalizar a figura da improbidade administrativa, não há dúvida de que o art. 11, IV e VI da Lei nº 8.429/9274 trata especificamente do descumprimento dos deveres de publicidade e de prestação de contas. Também é possível cogitar do direito coletivo e difuso de exigir a informação acerca dos serviços planejados e dos resultados pretendidos para determinada região, como já se referiu. Sob outra perspectiva, e.g., a informação que se limite a informar valores, e que não descreva serviços tangíveis, que possam ser controlados pela população, será inconstitucional (ainda que parcialmente); o mesmo se diga da prestação de contas que não informe os serviços efetivamente prestados no passado, restringindo-se a enunciar números em abstrato, na medida em que essa informação, isolada, não é relevante para a população e, portanto, o dever de publicidade não terá sido cumprido. 74 Lei nº 8.429/92: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...) IV negar publicidade aos atos oficiais; (...) VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo”. 34 III. CONCLUSÕES O objetivo deste estudo era discutir alguns papéis que cabem ao direito constitucional no que diz respeito à promoção da democracia e, em particular, ao fomento do controle social, exigência básica de qualquer regime democrático. De forma específica, dois papéis foram examinados. Um primeiro papel que o direito constitucional pode desempenhar para fomentar o controle social envolve a interpretação da distribuição de competências entre os entes federativos, sobretudo no que toca às competências comuns que envolvem serviços a serem prestados aos cidadãos, diretamente relacionados com a realização de direitos fundamentais. Trata-se de interpretar a federação de modo a identificar, perante o cidadão, um responsável por cada serviço, simplificando, tanto quanto possível, a realidade da ação estatal a ser conhecida e controlada pela população. O segundo papel do direito constitucional cuida de identificar as condutas exigíveis com fundamento nos deveres de publicidade e prestação de contas, e no correlato direito à informação. O que se pretendeu demonstrar é que os deveres de publicidade e de prestação de contas a que estão obrigados os agentes públicos exigem: (i) que os meios de publicidade sejam capazes de levar as informações ao conhecimento real da população, o que no caso brasileiro significa que os meios, além da internet, devem incluir a TV aberta e o rádio; (ii) que as informações veiculadas sejam relevantes, o que significa incluir não apenas dados sobre os recursos investidos (inputs), mas também sobre os serviços planejados (outputs) e os resultados pretendidos (outcomes); e (iii) que as informações relevantes sejam veiculadas com uma determinada periodicidade. Tratando-se de deveres jurídicos, seu descumprimento implicará conseqüências aptas a serem efetivadas pelo Poder Judiciário. 35