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Revendo Ciências Básicas
O objetivo desta subseção é apresentar revisões concisas
sobre temas relacionados com as ciências básicas, ou seja,
procurar rever as bases da prática médica. A justificativa para
a inclusão de tópicos dessa natureza relaciona-se com os
significativos progressos dessas ciências nas últimas décadas
e à necessidade absoluta de atualização por parte da equipe de
saúde, para o benefício dos pacientes.
Magda M. S. Carneiro-Sampaio
Editora Associada da einstein
Série - Biologia molecular
Atualização
Parte 2 - Uso das técnicas de biologia
molecular para diagnóstico
Adriana Lopes Molina1, Patrícia Renovato Tobo2
1
Pesquisadoras do Centro de Pesquisa Experimental do Instituto de Ensino e Pesquisa do
Hospital Israelita Albert Einstein - São Paulo (SP).
2
Pesquisadoras do Centro de Pesquisa Experimental do Instituto de Ensino e Pesquisa do
Hospital Israelita Albert Einstein - São Paulo (SP).
As técnicas hoje utilizadas na genética molecular têm sido
desenvolvidas a partir da pesquisa acadêmica básica, em
diferentes campos da atividade científica(1-3). O trabalho
de Watson e Crick, em 1953, onde foi proposta a estrutura
de dupla-fita do DNA, marcou a revolução molecular.
Em 1975, Nathans e Smith purificaram enzimas de
restrição, ferramentas essenciais para a manipulação
in vitro do DNA. Estas foram de fundamental
importância para o isolamento e amplificação de
fragmentos específicos de DNA para a clonagem in
vivo, tecnologia desenvolvida a partir das técnicas de
DNA recombinante descritas por Berg em 1972.
Também em 1975 uma nova metodologia, denominada
Southern blotting, começou a ser usada para investigar
a localização de genes e marcou o início da aplicação
destas tecnologias no estudo das doenças genéticas.
Em 1977, técnicas de seqüenciamento permitiram a
identificação de alterações específicas na seqüência de DNA
e a associação destas com diferentes doenças genéticas.
Depois disso, o principal marco no desenvolvimento das
técnicas de diagnóstico molecular foi a técnica da reação
em cadeia da polimerase (PCR), um método de clonagem
in vitro proposto por Kary Mullis em 1987.
Desde a introdução da técnica de PCR, rápidos
avanços nas técnicas de genética molecular têm
revolucionado a prática da patologia, anatomia e análises
clínicas. As técnicas moleculares são agora aplicáveis a
todas as áreas do laboratório clínico. Na anatomia
patológica, apesar das análises morfológicas ainda serem
a principal ferramenta de trabalho, resultados dos estudos
de genética molecular têm integrado, cada vez mais, os
diagnósticos nas análises cirúrgicas(3-5).
Os estudos genéticos moleculares utilizam uma
variedade de técnicas para analisar os ácidos nucléicos
(DNA e RNA). Dentre estas técnicas destacam-se:
técnica de hibridização do tipo dot ou blot, Southern e
Northern, e hibridização in situ; técnicas de amplificação
de alvos-específicos como a PCR, PCR competitiva,
PCR-transcriptase reversa (RT-PCR) e a PCR em
tempo-real; métodos de amplificação de sinal, como
por exemplo branched DNA (bDNA); tecnologia de
arrays. Os resultados destes ensaios podem ser úteis
no diagnóstico, prognóstico, determinação da terapia
a ser utilizada, e até mesmo na avaliação da
suscetibilidade a doenças.
As principais áreas de aplicação das técnicas
moleculares de diagnóstico são: doenças infecciosas,
câncer, doenças genéticas, transplantes e patologia
clínica(4-8). Estes estudos podem ser realizados no sangue
periférico, fluidos corporais, materiais obtidos através de
punção, tecidos frescos e tecidos embebidos em parafina.
Na área de doenças infecciosas, a detecção rápida de
microrganismos de crescimento lento, ou daqueles não
cultiváveis, se torna possível através das técnicas de biologia
molecular. As técnicas moleculares também podem ser
empregadas na determinação de resistência antimicrobiana,
no monitoramento de doenças através da quantificação
da infecção e em estudos epidemiológicos(4).
Na área de genética humana, a biologia molecular
tornou-se ferramenta fundamental no diagnóstico das
doenças monogênicas, permitindo não só a identificação
do gene afetado, mas também da mutação responsável
pela doença. A disponibilidade dos métodos diagnósticos
tem possibilitado também a identificação de portadores
heterozigotos, o diagnóstico pré-natal e a triagem
populacional para estas doenças.
Embora a maioria dos testes genéticos ainda se
destine ao diagnóstico e prevenção de doenças raras,
os avanços tecnológicos têm permitido o uso destes
testes para a avaliação de risco de doenças como câncer
e doenças cardiovasculares (9-11). A correlação entre
mutações gênicas e suscetibilidade a doenças é
particularmente importante no câncer, sendo que cerca
de 5% a 10% do casos ocorrem em indivíduos que
herdaram alguma predisposição a essa doença. Dentre
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os genes mais estudados de predisposição ao câncer
estão o BRCA1 e BRCA2, nos cânceres de mama e
ovário hereditários e os genes de reparo do DNA,
MLH1 e MSH2, para os tumores colorretais.
Assim, entre as diversas possibilidades de aplicações da
biologia molecular no diagnóstico, os testes moleculares
mais comumente empregados são: os de avaliação de carga
viral para HIV e hepatite C, testes para trombofilia
hereditária, testes para mutações genéticas nos casos de
câncer familial, hibridização in situ fluorescente (FISH)
para estudos das trissomias mais comuns no líquido
amniótico, para a amplificação do gene HER-2 em câncer
de mama, além de numerosos testes genéticos disponíveis
para a avaliação de doenças hematológicas.
polimerase também é bastante flexível, permitindo uma
série de modificações que possibilitam o seu emprego
na análise de uma grande variedade de amostras.
Para a realização da PCR, utiliza-se uma enzima
termoestável (DNA polimerase) que, na presença de
um par de oligonucleotídeos iniciadores (primers) e dos
nucleotídeos que compõem a molécula de DNA,
amplifica a região de interesse a partir de uma pequena
quantidade de DNA. Esta amplificação ocorre durante
repetidos ciclos de temperatura, a saber: 94°C para
desnaturação do DNA, 45°C a 70°C para hibridização
dos oligonucleotídeos às seqüências-alvo e 72°C para
a síntese do DNA, em equipamentos chamados de
termocicladores. O DNA amplificado pode, então, ser
separado e visualizado em géis de agarose ou poliacrilamida
e utilizado para diversos fins (figura 1).
Técnicas de amplificação do sinal (hibridização)
Esta tecnologia, introduzida primeiramente por
Southern em 1975, emprega sondas de DNA com
homologia à seqüência do DNA-alvo em estudo.
Atualmente, apesar da disponibilidade de diversas
outras técnicas mais rápidas, o Southern blotting
continua a ser muito utilizado.
As sondas de DNA podem ser usadas para
identificar seqüências específicas de DNA ou RNA em
diversas amostras, sendo empregadas tanto em ensaios
de detecção como de atividade. As sondas podem ser
marcadas com radioatividade ou com quimiofluorescência. Uma vez hibridizada à amostra de DNA, que
está imobilizada numa membrana de nitrocelulose ou
nylon, a sonda poderá ser detectada por exposição a
um filme de raio X.
Mais recentemente, em 1995, foi introduzida por
Schena e colaboradores outra tecnologia baseada na
amplificação de sinal, a tecnologia de microarrays. São
lâminas com uma alta densidade de seqüências de DNA
que permitem estudos de níveis de expressão gênica,
analisando-se uma grande quantidade de genes ao
mesmo tempo, utilizando sondas de cDNA.
Figura 1. Esquema representativo da reação da PCR
Reação em cadeia da polimerase (PCR)
A reação em cadeia da polimerase (PCR) é uma das
técnicas mais empregadas nas diversas áreas do
diagnóstico molecular. A sua introdução resultou em
grande revolução tecnológica, permitindo a
amplificação de uma seqüência de interesse contida
em uma amostra complexa de DNA e possibilitou a
adoção de métodos automatizados para a análise do
genoma. A tecnologia da reação em cadeia da
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Entre as principais técnicas resultantes de
modificações da reação em cadeia da polimerase,
podemos citar o RT-PCR, nested PCR, multiplex PCR,
PCR a partir de primers randômicos e PCR em tempo
real. O RT-PCR utiliza uma enzima chamada
transcriptase reversa para converter uma amostra de
RNA em cDNA antes da etapa de amplificação por
PCR, permitindo estudo de vírus de RNA e análises
de expressão gênica. O nested PCR, que emprega uma
segunda etapa de amplificação com um par de primers
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internos aos utilizados na primeira etapa e visa
aumentar a sensibilidade e especificidade do método.
Já PCR multiplex é uma reação de amplificação
desenhada para detectar múltiplas seqüências-alvo
numa mesma amostra. PCR a partir de primers
randômicos utiliza seqüências curtas de oligonucleotídeos
para amplificar regiões repetitivas do DNA genômico
e é bastante empregado em estudos epidemiológicos.
Finalmente, PCR em tempo real permite que a
amplificação e a detecção ocorram simultaneamente,
num sistema fechado, sendo necessário para isto um
termociclador que possua sistema de monitoramento
de emissão de fluorescência. Esta técnica é empregada
para quantificação de amostras, como para testes de carga
viral e monitoramento de doença residual mínima.
Técnicas de detecção de mutações em genes conhecidos
Existem diversas técnicas para detecção de mutações em
genes conhecidos, sendo o seqüenciamento o gold standard.
Ele é o método com maior nível de resolução, permitindo
analisar cada uma das bases de determinada seqüência de
DNA. Atualmente, as técnicas de escrutínio de mutações
têm, cada vez mais, sensibilidade e especificidade para
detectar alterações de uma única base na seqüência de DNA.
Uma vez identificada a região do gene que contém uma
alteração, esta será confirmada pela técnica de seqüenciamento.
Existem várias técnicas descritas para escrutínio de
mutações de ponto em fragmentos de DNA que
utilizam a técnica da PCR. Algumas destas técnicas
baseiam-se nas diferenças de mobilidade eletroforética
de fragmentos com seqüências de DNA selvagens e
mutantes: – DGGE (Denaturing Gradient Gel
Electrophoresis); – SSCP (Single Strand Conformation
Polymorphism); – HA (Heteroduplex Analysis); – CSGE
(Conformation Sensitive Gel Electrophoresis). Existem
ainda outras técnicas que se baseiam na clivagem de
bases não pareadas em heteroduplexes: (CCM –
Chemical Cleavage Method e EMC – Enzyme Mismatch
Cleavage), ou utilizam a detecção de alterações na
proteína transcrita por um determinado fragmento de
DNA (PTT – Protein Truncation Test).
Uma das técnicas mais empregadas é o SSCP e o
HA. A técnica de SSCP baseia-se no fato de que a
conformação tridimensional de fragmentos de DNA
simples-fita depende da seqüência de nucleotídeos,
sendo que a diferença de um nucleotídeo altera o padrão
de migração eletroforética. Por sua vez, a técnica de
HA baseia-se no fato de que se numa reação de PCR
estiverem presentes moléculas de DNA selvagens e
mutantes, durante os últimos ciclos poderão se formar
heteroduplexes entre essas duas espécies de moléculas
e que estes terão um padrão de migração eletroforética
diferente dos homoduplexes (figuras 2 e 3).
Figura 2. Esquema do método de SSCP, mostrando que diferentes seqüências
podem apresentar conformações específicas possibilitando a identificação de
diferentes alelos quando submetidos a uma corrida eletroforética
Figura 3. Esquema representativo da análise de heteroduplexes. a) Produtos de
PCR referentes aos dois alelos de um indivíduo heterozigoto (+/-) para uma
mutação ponto (-). Após a denaturação e renaturação dos produtos de PCR,
moléculas homoduplexes (azuis) e heteroduplexes (rosas) são formadas. b) Os
heteroduplexes tendem a migrar mais em um gel de poliacrilamida (banda superior)
do que as homoduplexes (inferior)
Atualmente, outra técnica que tem sido empregada
na análise de heteroduplexes é a DHPLC (Denaturing
high-performance liquid chromatography). O escrutínio
de mutações através da DHPLC baseia-se na diferença
de afinidade dos heteroduplexes e homoduplexes, de
um determinado fragmento amplificado de DNA, pela
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fase sólida da cromatografia, em condições parcialmente
denaturantes. Esta técnica tem sensibilidade e
especificidade estimada entre 96% e 100% e tem sido
empregada com sucesso na detecção de mutações em
diferentes genes de interesse médico, mostrando-se
mais eficiente do que outras técnicas rotineiramente
utilizadas para este fim. Além da alta sensibilidade na
detecção de mutações, esta técnica permite um alto
grau de automação e não requer nenhum tratamento
especial ao produto de PCR. Desta forma, facilita a
análise de um grande número de amostras, bem como
de genes com vários éxons (figura 4).
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Figura 4. Cromatograma representativo da análise de heteroduplexes por
dHPLC
einstein. 2004; 2(2):142
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Série - Biologia molecular Atualização Parte 2