Universidade Federal de Uberlândia
PROGRAD – Pró Reitoria de Graduação
MAIS QUERO ASNO QUE ME CARREGUE, QUE CAVALO QUE ME
DERRUBE
Carlos Alberto Soffredini
Obs: cena com diálogos adaptados para fins da prova de Habilidades Específicas do
Curso de Teatro/UFU
Inês se encontra em casa, vendo televisão. Sua mãe, Dona Clara, que vem da igreja,
entra e diz:
Mãe- Ah, muito bonito, né? Eu saio e a senhora se põe aí na televisão o dia todo. Até
parece que não tem mais o que fazer.
Inês- Ih, mãe, a senhora também.
Mãe- Ih, mãe, o quê! É isso mesmo, eu preciso me virar em vinte, porque se eu não
estou ali, em cima, ninguém mexe uma palha. Só quero ver no dia que eu morrer como é
que vocês vão se arrumar. Só quero ver. Aposto como ainda nem pôs a sopa no fogo. Já
passa das sete e tu nem liga, né? É só aí na televisão; sopa mesmo que é bom...
Inês: A senhora já foi ver lá na cozinha?
Mãe: E precisa? Eu então não sei como vocês são? Tudo espera pra eu fazer. Tudo eu.
Tudo eu.
Inês: Ô mãe, a senhora também gosta de falar, heim?! A sopa já está lá no fogo e já tá
quase pronta.
Mãe: Então. Se eu não estou ali, firme, aqui nessa casa ninguém come, ninguém veste,
ninguém dorme. A madame só quer saber de televisão, né? É televisão desque acorda
até que vai dormir, né? Então. E o serviço, a escrava aqui que faça.
Inês: Ah, é, olha só a outra. A senhora se manda a tarde inteirinha e no fim ainda vem
me dando bronca.
Mãe: Ora, menina, deixa disso. Tu sabe muito bem que eu precisava ir na igreja com a
dona Arminda, no casamento do filho do patrão do marido dela.
Inês: Ah, é, então. E no sábado passado, quem é que foi?
Mãe: No sábado passado foi a moça da casa onde a filha da dona Carmem trabalha.
Inês: Pois é, e no sábado que vem é não sei mais quem, né?
Mãe: Mas... Mas olha só que menina! E tu ainda tem coragem de falar assim comigo?!
(Para a platéia) A senhora viu só? A senhora viu como é que são as coisas? Pois é isso.
Viu só? Ainda reclama. Então. Depois ainda diz que filho reconhece. Reconhece o que,
minha filha, a gente se mata e quando acaba ainda não presta. E por isso mesmo que se
diz que “filhos? Melhor não tê-los”. Ah, mas deixa estar. A senhora pensa que vou me
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incomodar mais? Eu não, minha filha. Pensa que eu vou deixar de ir na minha igreja,
ver os meus casamentos? Pois sim. Não senhora, estou lá tudo quanto é sábado, rente
que nem pão quente. É a única distração que eu tenho. Então. E se o casamento é às três
eu chego mais cedo, que é pra não perder nenhum mesmo. Que nem hoje: ah, minha
filha, dez pras três eu já tava lá, no primeiro banco, não quero nem saber. Então. E vi
todinhos, não perdi nenhum. E a senhora precisava ver as noivas, cada uma... E os
vestidos então... Ai, cada um mais bonito do que o outro. Só bordado, viu? Só bordado.
Bordado de pedraria é o que está se usando mais. E tudo saia rentinha no chão, nada de
cauda mais. Tinha um então... que a senhora precisava estar lá para ver. Lindo, lindo,
lindo. Era simples, viu? Era com a saia rente como se está usando e todo bordado, né?
De uma fazenda assim brilhante e meia pesada, não sei, acho que era cetim, mas se via
que era daquele do bom. Mas o bordado era todo em miçangas cor-de-rosa, daquela bem
miudinha, aqui no decote, o decote rentinho, né? Depois daqui saía uma costura que ia
até o chão, parece... ou até a cintura, não sei bem, não reparei, mas eu sei que as mangas
eram justinhas aqui em cima e depois iam alargando, né? Mas uma graça, viu? Uma
graça... não tinha cauda, né? E o véu é que fazia a cauda, bem comprido. E, olha, vou
dizer uma coisa pra senhora, até que ela estava muito simples, viu? Mas um doce,
precisava ver, um doce. Eu só fiquei lembrando da minha Inês.
Inês- De mim?!
Mãe:- Então, de ti sim, ora essa é boa. Por quê? Tu bem que já tá ficando na idade,
minha filha, e mais dia menos dia tem casamento aqui em casa.
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