TRATAMENTO PENAL DO TERRORISMO NO BRASIL
Francisca Jordânia Freitas da Silva1
Orientador: João Araújo Monteiro Neto2
Resumo: O presente trabalho versa sobre o tratamento penal do terrorismo no ordenamento jurídico brasileiro,
abordando-o como fenômeno transnacional contemporâneo que ameaça a paz mundial. Trata-se de um recorte
adaptado da monografia de conclusão do curso de pós-graduação em Direito Penal e Direito Processual Penal da
Universidade Estadual do Ceará, intitulada “Terrorismo Eletrônico: a nova tendência do terror e o seu tratamento
jurídico-penal. Neste artigo, tem-se, portanto, o objetivo exclusivo de apontar como o terrorismo tradicional é
regulamentado pela legislação brasileira, destacando o posicionamento da Constituição Federal de 1988 em
relação ao tema, além do enquadramento penal do mesmo.
Palavras-chave: Terrorismo. Tipificação. Brasil.
INTRODUÇÃO
O terrorismo destaca-se como fenômeno internacional recorrente na história, em
inúmeros contextos. Nesse sentido, trata-se de um crime em torno do qual circundam muitas
controvérsias, e entre as principais questões sobre o tema, encontra-se a obscuridade do seu
tratamento penal, até mesmo numa abordagem internacional.
O termo já foi e ainda é empregado com os mais variados significados, dificultando a
elaboração de uma definição legal definitiva. Nesse aspecto, não é possível nem mesmo
eleger um conceito doutrinário absolutamente correto e precisamente adequado para o
mesmo. Com tantas formas através das quais o terror pode se expressar, não haveria um único
tipo de terrorismo, mas espécies desse gênero, para as quais caberiam maneiras distintas de
defini-lo e, provavelmente, maneiras legais particulares de tratá-los.
Embora o terrorismo seja fenômeno tão antigo quanto a civilização humana, seu
estudo pela doutrina jurídica tem menos de um século e a sua discussão só aparece com mais
força quando atentados ocorrem. Sendo assim, percebe-se que as providências contra o terror
são imediatistas, olvidando-se reais ações preventivas, em detrimento de medidas paliativas
pós-ataque. Na verdade, o incremento constante do terror revela a necessidade de uma
abordagem que vá além da discussão meramente superficial.
No plano internacional, vários são os tratados que versam genericamente sobre o
terrorismo, visando à proteção dos direitos e liberdades fundamentais, notadamente a garantia
1
Especializanda em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Advogada. [email protected].
2
Mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Penal pela Universidade de Fortaleza. Coordenador
do curso de Direito da UNIFOR. Advogado. [email protected].
do direito à vida, em virtude da compreensão da gravidade dos atos de terror e suas
conseqüências para a paz e para o desenvolvimento dos povos. Em virtude das determinações
convencionais, verifica-se que alguns Estados instrumentalizaram o combate ao terrorismo
através do Direito Penal, recrudescendo penas e privando terroristas dos benefícios da
extradição por crimes políticos.
Já no Brasil, a falsa sensação de que o país é livre de atentados diminui a atenção que
a matéria merece, escapando à margem das discussões doutrinárias a problemática do terror –
crime que detém caráter transnacional e pode ser fatalmente difundido em qualquer país.
Tendo por este motivo sua relevância, o terrorismo é tema do Direito Penal que merece ser
pesquisado, inclusive em consonância com o Direito Penal Internacional.
Destarte, convém pesquisar o terrorismo como infração penal no Brasil em virtude
do preceito constitucional brasileiro que o enuncia como crime. No entanto, apesar do
enunciado constitucional, a ordem jurídica do país não adequou a esse preceito uma legislação
penal correlata, não havendo um aparato normativo infraconstitucional sobre o terror. Acerca
do tema, tem-se apenas a Lei de Segurança Nacional, onde se pune a prática de “atos de
terrorismo”, mas na mesma não se encontra definido o que constitui tais atos.
A partir da contextualização do problema, tem-se como objetivo geral deste trabalho
a abordagem do terrorismo, analisando o seu tratamento penal na legislação brasileira,
explorando como o Direito pátrio trata legalmente o terror. Em virtude da natureza do
problema, a pesquisa é teórica, pois explica o problema através da análise da literatura já
publicada sobre o assunto, em normas, livros, revistas, imprensa escrita e artigos eletrônicos.
A pesquisa também é qualitativa, uma vez que o trabalho envolve a complexidade e as
contradições de fenômenos singulares em termos de suas origens e de sua razão de ser.
RESULTADOS
Foi somente após o fatídico dia 11 de setembro de 2001 que o terrorismo, enquanto
fenômeno sócio-político internacional ganhou maior preocupação perante a comunidade
jurídica em todo o mundo. Tal percepção pode ser aferida da diferença entre as medidas de
persecução penal que existiam antes do referido dia e a introdução de novas leis – além do
aprimoramento de outras – depois dos ataques terroristas ocorridos nos EUA naquele dia.
De fato, os atentados ao Wold Trade Center em Nova Iorque e ao prédio do Pentágono
em Washington tornaram-se ícones na história do terror. Jamais houve atentados terroristas
tão grandiosos, em destruição, violência e ousadia. A impressão que daí sobreveio, foi a de
que, mesmo a maior potência bélica e econômica do mundo, com seus mais sofisticados
instrumentos de segurança, controle e vigilância, não pôde impedir a ocorrência de ataques
dessa natureza (CRETELLA NETO, 2008, p. 388). Com isso, a política anti-terrorista ganhou
um marco, entre o antes e o depois dos atentados de setembro de 2001.
O principal efeito desses atentados não foi só e tão somente o impacto imediato da
ação terrorista, mas também o efeito mediato das imagens transmitidas, que projetaram na
sociedade mundial, a percepção de extrema vulnerabilidade daquele país, provocando
sentimento de impotência ante a magnitude das ações. Desta forma, o terrorismo, que no
século XXI tem dimensões globais, passou a ameaçar não apenas a determinados Estados,
mas a toda a comunidade de nações, indiscriminadamente, colocando em risco a paz mundial.
A despeito de quem atribui mais ou menos reflexos dos ataques praticados nos EUA
em 11 de setembro de 2001 nas relações internacionais, o fato é que, de um jeito ou de outro,
alterações ocorreram, pelo menos no tocante ao antigo sentimento de invulnerabilidade.
GUIMARÃES (2007, p. 112) identifica que esse sentimento decorre da ausência de
conhecimento e dos limites de atuação do novo inimigo: o terrorismo internacional. De
qualquer maneira, tais atentados disseminaram o medo e a impressão de que ninguém está de
todo a salvo, bem como a sensação de que nenhum território é invulnerável.
Desta forma, foram esses atentados que apontaram a relevância do tema e que
impulsionaram a reformulação de tratados pertinentes a assunto, além da correlação de forças
entre Estados, e entre os órgãos internacionais, redefinindo ordens jurídicas entre as nações.
Esclarecido brevemente de onde surgiu o interesse jurídico relacionado ao tema, para entender
o papel brasileiro dentro deste novo contexto, deve-se analisar como o país reagiu àqueles
atos de terror. Todavia, antes de analisar a posição adotada pelo Brasil em suas relações
internacionais, deve-se primeiramente analisar o fenômeno do terrorismo dentro de sua
abrangência legal, dentro mesmo do ordenamento jurídico pátrio.
Pesquisando como o terrorismo se manifestou na história do Brasil, verifica-se que a
raiz do terror no país é freqüentemente relacionada à ditadura militar de 1964, quando, em 31
de março, setores militares apoiados pelos EUA e por segmentos da sociedade civil brasileira
depuseram o então presidente João Goulart, dando início ao período que marcou para sempre
a história do país. Com o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968 (AI-5), o regime
militar endureceu-se ainda mais, desenvolvendo uma fase de intensa repressão e de caça aos
brasileiros considerados “subversivos” pela nova regra.
De acordo com SUTTI (2003, p. 61), pela ideologia militar, qualquer um podia ser
considerado “suspeito” de ser subversivo, podendo, assim, ser preso, e muitas vezes,
torturado, e até morto. Os autores relembram que, para agir dessa forma, o governo alegava
que o Brasil estava vivendo um período de “guerra revolucionária”, não havendo necessidade
de “formalismos jurídicos”, e nem mesmo qualquer prestação de contas às autoridades
judiciárias ou à opinião pública.
Diante desse quadro, o descontentamento popular crescia, se expressando por meio de
guerrilhas e, para impedir sua manifestação, a ditadura desencadeava uma repressão brutal.
No complexo momento nacional, os militantes oponentes ao regime ditatorial é que foram
considerados terroristas, em virtude das lutas armadas e dos atos de terrorismo que teriam
provocado; enquanto isso, os defensores do governo foram chamados de radicais do regime
em vigor, mesmo com tantas torturas, assassinatos e desaparecimentos sem explicação.
De acordo com GUIMARÃES (2007, p. 30-31), o Brasil não tem sofrido efetivos
atentados terroristas no período mais recente. Segundo o autor, dos tipos de terrorismo,
entretanto, o baseado em organizações criminosas é o que se afigura mais presente no país.
Assim é que, se ora não há no país problemas de ordem religiosa e política que levem a
atentados terroristas, há, por outro lado, o fortalecimento do crime organizado, que por vezes
se incrusta no poder público de tal forma, que passa a atingir altas autoridades e a cúpula de
certos setores da administração.
O autor anota que o crime organizado daqui não se utiliza, ao menos ainda, do
terrorismo, embora algumas condutas dele se aproximem. O autor lembra, ainda, que existe
outra forma de organização criminosa, bastante “à brasileira”, que se mostra bem menos
organizada e parece não contar com a direta participação de agentes da cúpula do poder
público, consubstanciada em comandos criminosos nos quais delinqüentes comuns se reúnem
para preparar grandes motins em penitenciárias, comandar o tráfico de entorpecentes a partir
das unidades prisionais, elaborar fantásticas fugas e grandiosos resgates de presos.
De acordo com o mesmo autor, tais grupos criminosos, embora não sejam estruturados
como organizações criminosas notórias, referidas por denominação específica, não têm um
nome determinado, mas não deixam de ter certa organização e de espalhar o terror pelos mais
variados setores da sociedade e do poder público, se utilizando, vez por outra, de práticas
bastante semelhantes a atentados terroristas. Essas práticas, em razão da “frágil” organização,
são felizmente inconstantes, e de “pequena monta”, porém, não deixam de aterrorizar, ao
menos logo após os atentados. São os casos, dentre outros, de atuações do Comando
Vermelho no Rio de Janeiro e do Primeiro Comando da Capital em São Paulo.
De acordo com MORAIS (2002, p. 7-11), é a falta de descrição legal de terrorismo no
Brasil que contribui para que ações desse tipo sejam anotadas como outras espécies de crime.
O autor recorda que, do final do processo de abertura política em 1985 até os dias atuais,
registraram-se vários incidentes com nítida conotação terrorista, citando o seqüestro do
Boeing 737-300 da Vasp, durante o vôo VP-375, no dia 29 de setembro de 1988 3.
Esse autor diz que, hodiernamente, o terrorismo pode se manifestar no Brasil através
de grupos organizados que praticam uma série de atos criminosos, coagindo autoridades
governamentais e semeando o medo na população com a finalidade de conseguir mudanças
políticas (especialmente agrária), e de demarcação de terras pretendidas por comunidades
indígenas, em todo o país. Além disso, o autor cita as táticas de organizações criminosas que,
por meio de atentados com artefatos explosivos contra postos, delegacias e viaturas policiais,
deveriam, em sua opinião, ser consideradas terroristas.
O que ocorre é que, o forte conteúdo político do termo terrorismo ainda prevalece
sobre o seu significado jurídico, e uma vez que o significado político é rapidamente mutante,
a tipificação legal do “terrorismo” ainda não existe no Brasil. Quando o legislador elege uma
conduta como crime, está declarando que ela é perniciosa à sociedade, de maneira que quem a
praticar, deverá receber a devida sanção penal, cujo grau varia de acordo com a relevância do
bem jurídico que, com a tipificação da conduta, se pretendeu resguardar. No Brasil, embora
não haja um tipo penal bem delimitado para o crime de terrorismo, o bem jurídico que se visa
tutelar com esse tipo penal, não é único, tal a diversidade e a complexidade do fenômeno.
De acordo com GUIMARÃES (2007, p. 51), são tidos como bem jurídicos tutelados,
no crime de terrorismo: a segurança, a incolumidade e a paz públicas, ou em outras palavras, a
ordem pública e a paz social. Conforme o autor, o dispositivo também tutela, no aspecto do
poder público constituído e da ordem constitucional vigente, a estabilidade social e, mais
concretamente, a estabilidade política.
3
No evento, Raimundo Nonato da Conceição, trabalhador da construção civil desempregado, resolveu punir quem
considerava "culpado" por sua situação: o presidente José Sarney, lançando o avião contra o Palácio do Planalto,
levando consigo outras 105 pessoas. Na última etapa do vôo, de Belo Horizonte para o Rio, ele começou a atirar dentro
do avião. Primeiro acertou um comissário. Depois, arrombou a porta da cabine com vários tiros. Um quebrou a perna
de um co-piloto. Outro co-piloto levou um tiro na cabeça e morreu. Quase sem combustível, com um cadáver ao seu
lado e uma arma apontada para a cabeça, o piloto Fernando Murilo de Lima e Silva executou duas manobras
acrobáticas típicas de aviões de caça, e inéditas em um Boeing: um tonneau e um parafuso. A segunda manobra
neutralizou o seqüestrador, permitindo o pouso em Goiânia, onde a Polícia Federal assumiria o controle da situação.
Nonato levou três tiros, e morreu dias depois. No tiroteio, Murilo foi alvejado na perna. (cf.:
<http://www.falconbrasil.com.br/forum/index.php?showtopic=123> Acesso em 10 fev. 2010.).
O terrorismo na Constituição Federal de 1988
Tratando ainda do bem jurídico a ser tutelado com a tipificação do terrorismo, convém
relacionar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 alocou no caput do
artigo 5º, os direitos e garantias fundamentais, deixando clara a determinação de garantia de
vários bens jurídicos, especificando garantir aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à privacidade.
Estes são os valores mais vulneráveis perante os terroristas, e, por este motivo, são
bens que merecem a proteção da ordem jurídica. A noção de bem jurídico e a necessidade de
sua proteção, assim como o fundamento para a eleição do que vem a ser tutelado pelas normas
mais graves do ordenamento jurídico – as normas penais –, é que vêm esclarecer o motivo
pelo qual o legislador constitucional pátrio empregou importância ao repúdio ao terrorismo –
o que se verá detalhadamente adiante.
O fundamento para a apreciação e a constatação da relevância de um bem jurídico
deve ser retirado da Constituição Federal, uma vez que a hierarquia dos bens jurídicos a tem
como matriz. A Constituição, por sua vez, expressa, a partir de princípios e direitos
fundamentais, a vontade do Poder Constituinte, que nas democracias é – ou pelo menos
expressa e representa – a vontade popular. A inclusão de uma conduta criminosa no texto
constitucional demonstra o grau de atenção que o sistema jurídico-político atribui ao assunto.
Sendo assim, o repúdio ao terrorismo ganhou força constitucional, já que foi
expressamente colocado na Carta Magna brasileira atual, dando fundamento constitucional
claro para o seu combate, até porque o Direito Penal tem por escopo a proteção dos bens
jurídicos mais fundamentais para a vida em sociedade. Ainda que não tenha o terrorismo um
sentido constitucional preciso, a prática do terrorismo colide com os bens jurídicos protegidos
pela Lei Maior do ordenamento jurídico brasileiro, incluído em alguns dos princípios, direitos
e garantias fundamentais.
No entanto, nem sempre na história constitucional do país foi assim. A inovação foi
criada somente em 1988, a atual Constituição Federal, que se referiu expressamente ao
terrorismo, enquadrando-o no âmbito das relações internacionais que o país deve manter com
outros países. Foi a redemocratização quem trouxe abertura política do país e mudou o
conceito de segurança nacional. O texto constitucional de 88, além de referir-se indiretamente
ao terrorismo por duas vezes, refere-se diretamente ao assunto, tratando deste inclusive com
destaque, inserindo disposições acerca do tema entre as cláusulas pétreas.
Na análise do tratamento constitucional do terrorismo na CF/88, convém ressaltar, a
princípio, que o cometimento de atos de terrorismo vulnera princípios como o da dignidade da
pessoa humana, o da prevalência dos direitos humanos e da solução pacífica dos conflitos:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]
III – a dignidade da pessoa humana.
Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pelos seguintes princípios: [...] II – prevalência dos
direitos humanos.
Inserido entre os princípios fundamentais da CF/88, a primeira referência direta ao
terrorismo consta no art. 4º, que aborda os princípios relativos à comunidade internacional,
isto é, que regem o Brasil em suas relações internacionais, determinando o comportamento do
Brasil como pessoa jurídica de Direito Internacional:
Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pelos seguintes princípios: [...] VIII – repúdio ao
terrorismo e ao racismo”. (grifou-se)
A segunda referência direta consta no art. 5º, que trata dos direitos e das garantias
fundamentais, determinando que o terrorismo seja equiparado a crime hediondo, e que por
isso, seja inafiançável e insuscetível de graça ou anistia:
Art. 5º. [...]: XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e
insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes
hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os
que, podendo evitá-los, se omitirem”. (grifou-se)
Além desses artigos, claros e objetivos, a Magna Carta estatui ainda tratar-se de crime
inafiançável e também imprescritível, a “ação de grupos armados, civis ou militares, contra a
ordem constitucional e o Estado Democrático” (CF/88, art. 5º, XLIV). A negação ao
terrorismo indiretamente no texto constitucional de 1988 também se apresenta na vedação de
associação de caráter paramilitar (art. 5º, XVII – é plena a liberdade de associação para fins
lícitos, vedada a de caráter paramilitar), ou ainda de sua utilização por partidos políticos (art.
17, § 4º - é vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar).
Como se pode perceber, a Constituição Federal brasileira tratou especificamente do
assunto terrorismo, mesmo que de maneira sucinta, empregando, porém, o termo terrorismo
expressamente, instruindo como a legislação infraconstitucional deve tratar da matéria. Mais
que uma simples citação, viu-se que o constituinte alocou-o em posição claramente destacada.
Ao inseri-lo no titulo dos direitos e garantias fundamentais, vislumbra-se uma expressa
recomendação para que a lei considere o terrorismo como um dos delitos mais graves,
devendo ser tratado com mais rigor. Com isto, o texto constitucional de 1988 teve a
preocupação de salvaguardar com evidente zelo certos bens jurídicos, tais como a vida, a
saúde pública, a dignidade humana, dentre outros, constituindo, a agressão a esses valores, os
piores delitos do ordenamento jurídico brasileiro.
Sendo assim, deve-se supor que as leis que cuidam dos delitos hediondos, da tortura,
do tráfico ilícito de entorpecentes e do terrorismo devem ser mais rígidas, em comparação às
outras espécies de crime, podendo até trazer outras vedações, desde que compatíveis com o
espírito constitucional. Porém, acontece que, a legislação extravagante cuida de maneira
superficial do terrorismo, que doravante passará a ser analisado sob o prisma do Direito Penal.
As conseqüências dos muitos atos terroristas ocorridos no decorrer da história fizeram
com que tais atos fossem logo compreendidos como infrações penais graves, que deveriam ser
debatidas não somente pela sociologia ou mesmo pelo direito internacional, mas, sobretudo,
pelo direito penal, nele inserindo-se fórmulas que buscassem reprimir, de qualquer forma, as
condutas dessa natureza, efetivando-se seu combate.
Desta maneira, as primeiras legislações penais anti-terror começaram a surgir logo
após o regime de terror e intimidação instituído na Revolução Francesa, depois da queda de
Robespierre, em razão dos abusos cometidos pelo governo, não aceitos e suportados por
muitos dos próprios revolucionários. No Brasil, seguindo a legislação européia, o primeiro
diploma acerca do tema foi o decreto 4.269, de 1921, logo seguido da lei 38, de 1935,
punindo os autores de crimes contra a ordem política e social.
Como a definição de terrorismo extrapola os aspectos conceituais das Ciências
Humanas e Criminais, e reitera-se historicamente, ele já foi identificado como crime
organizado, máfia, subversão, bandidagem, quadrilha. Hoje, com dimensões bem mais
complexas do que outrora, o fenômeno caminha a passos firmes e largos, mas continua sem
apreciação legal exata, específica; aliás, grande parte da doutrina afirma que não existe na
legislação penal brasileira, o delito de terrorismo (GUIMARÃES, 2001, p. 78).
Para MORAIS (2002, p. 7-11), no Brasil ninguém pode inclusive ser preso,
processado e julgado pela prática de crime de terrorismo, pois, no ordenamento jurídico
pátrio, nenhuma lei penal incriminadora define o tipo penal em comento. Entende o autor que,
desse modo, “não é difícil reconhecer que existe a lacuna legal, onde as condutas terroristas
não se amoldam ad figuras típicas previstas em nosso ordenamento jurídico – o que limita a
aplicação do ‘ius puniendi’ estatal”.
De fato, mesmo tendo sido mencionado expressamente e com destaque na
Constituição Federal, atém mesmo em meio às cláusulas pétreas, o terrorismo em si nunca
ostentou tipo penal próprio na legislação penal brasileira. Assim ocorreu nas Ordenações
Filipinas, no Código Criminal do Império e nos Códigos Penais da República. Dessa forma,
passou-se a indagar se já existia delito de terrorismo definido na legislação em vigor, ou se
havia necessidade da aprovação de lei que o definisse. Em face dessa lacuna, atualmente, na
legislação ordinária em vigor, o terrorismo é mencionado apenas na Lei dos Crimes
Hediondos e na Lei de Segurança Nacional, que são analisadas separadamente a seguir,
apenas nos dispositivos que importam ao assunto.
O terrorismo na Lei nº 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos
A legislação penal brasileira extravagante reconheceu a natureza de hediondo àqueles
crimes considerados de extrema gravidade, ou seja, aqueles que atingem valiosos bens
jurídicos, assim considerados pelo ordenamento jurídico pátrio. Desta forma, a Lei 8.072 de
25 de julho de 1990 teria nascido com o objetivo de elevar penas, impedir benefícios e impor
maior aspereza no trato com determinadas espécies de delitos.
Neste compasso, o terrorismo, seguindo a disposição advinda da CF/88 (art. 5º, XLIII,
já citado e comentado), não é fixado, segundo a própria denominação legal, como delito
propriamente hediondo, uma vez que não figura no rol dos crimes que a lei nº 8.072/90 que
assim os reconhece. Desta maneira, dispõe o art. 1º:
Art. 1º. São considerados crimes hediondos os seguintes crimes, todos
tipificados no Dec.-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código
Penal, consumados ou tentados: I – homicídio (art. 121), quando
praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que
cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I,
II, III, IV e V); II – latrocínio (art. 157, § 3º, in fine); III – extorsão
qualificada pela morte (art. 158, § 2º); III – estupro (art. 213, caput, §§
1º e 2º); VI – estupro de vulnerável (art.217-A, caput, §§ 1º, 2º, 3º e
4º); VII – epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º); VII-A –
(vetado); VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de
produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e
§ 1º, 1º-B, com redação dada pela Lei 9.677, de 2 de julho de 1998).
Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio
previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei 2.889, de 1º de outubro de 1956,
tentado ou consumado.
Na verdade, o terrorismo se encontra ao lado do rol em questão, e, por isso, é tido
apenas como um crime “equiparado a crime hediondo”. Mesmo assim, o terrorismo recebe,
para os fins das normas processuais e de execução penal, o mesmo tratamento dos crimes
inseridos na denominação de hediondos. Desta forma, a lei ordinária seguiu a idéia da própria
CF/88, que determinou que, ao lado das infrações que assim fossem consideradas, estaria o
terrorismo, além do tráfico ilícito de entorpecentes e a tortura. Assim, versa o art. 2º:
Art. 2º. Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I –
anistia, graça e indulto; II – fiança. § 1º. A pena por crime previsto
neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado. § 2º. A
progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos
neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da
pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.
§ 3º. Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá
fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. § 4º. A
prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei 7.960, de 21 de dezembro
de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta)
dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada
necessidade. (grifou-se)
Por ser equiparado a crime hediondo, o terrorismo detém o mesmo rigor penal e
processual penal que os crimes hediondos propriamente ditos, assim como idênticas regras na
fase de execução da pena reservadas a esses crimes, conforme foram impostas às figuras
penais citadas, o que confirma a preciosidade do bem jurídico que se visou resguardar com a
tipificação desse delito. A despeito de não ser nominalmente um crime hediondo, o terrorismo
na verdade na prática o é, e com isso corrobora NUCCI (2008, p. 600), ao enfatizar:
A tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo somente não
são considerados hediondos – embora sejam igualmente graves e
repugnantes – porque o constituinte, ao elaborar o art. 5º, XLIII, CF,
optou por mencioná-los expressamente como delitos insuscetíveis de
fiança, graça e anistia, abrindo ao legislador ordinário a possibilidade
de fixar uma lista de crimes hediondos, que teriam o mesmo
tratamento. Assim, essas três modalidades de infrações são, na
essência, tão ou mais hediondas que os crimes descritos Np rol do art.
1º da Lei 8.072/90.
Sendo assim, ao ser equiparado a crime hediondo, o terrorismo é insuscetível de
anistia, graça e indulto, e também de liberdade provisória e fiança.
Anistia “é a declaração pelo Poder Público de que determinados fatos se tornam
impuníveis por razões de utilidade social. A anistia é o perdão estatal concedido pelo Poder
Legislativo, através da edição de lei federal”; graça “é o perdão estatal concedido pelo
Presidente da República, por decreto, a determinado condenado, em tese, respeitadas razões
de utilidade social”; indulto “é a clemência estatal, concedida pelo Presidente da República,
por decreto, a um número indeterminado de condenados, levando-se em conta requisitos
objetivos e subjetivos, conforme o caso” (NUCCI, 2008, p. 611).
A vedação ao indulto e à concessão de liberdade provisória foi uma ampliação da lei
nº 8.072/90, já que a CF/88 apenas citou a proibição à anistia, à graça e à fiança. No que se
refere a essa questão, há quem entenda que tal ampliação é inconstitucional, porém, a maior
parte da doutrina defende a sua constitucionalidade. Segundo Nucci (2008, p. 611), nos
últimos anos, observa-se na prática que todos os decretos presidenciais concessivos de indulto
coletivo prevêem a exclusão dos crimes hediondos e equiparados, e por este motivo, a
discussão não chegou à jurisprudência.
Agora, no que se refere à liberdade provisória, pode ela ser concedida com ou sem
fiança, onde fiança “é uma garantia real, consistente no pagamento em dinheiro ou na entrega
de valores ao Estado, para assegurar o direito de permanecer em liberdade, durante a
tramitação do processo criminal” (NUCCI, 2008, p. 611), que perdeu o sentido no Brasil,
exatamente porque, além dos valores serem ínfimos, muitos delitos inafiançáveis comportam
liberdade provisória, sem fixação de fiança.
Com a edição da lei nº 11.464/2007, suprimiu-se a proibição à concessão de liberdade
provisória sem fiança, passando a ser autorizado o seu deferimento pelo magistrado, se não
estiverem presentes os requisitos para a prisão preventiva. O resultado desta inovação é que
delitos mais leves passaram a ser afiançáveis, e os mais graves não, podendo o juiz colocar o
acusado em liberdade sem o pagamento de quantia alguma.
Para os crimes hediondos e equiparados, o cumprimento da pena se dá, inicialmente,
em regime fechado, havendo assim, a possibilidade da progressão de regime para essas
espécies delitivas – o que antes da edição da lei nº 11.464/2007 não era possível. Defende-se
que o novo preceito se coaduna com o princípio constitucional da individualização da pena,
onde o artigo 5º, inciso XLVI, primeira parte, assim reza: “a lei regulará a individualização da
pena” – embora os prazos para a progressão sejam diferenciados, mais extensos (2/5 para
primários; 3/5 para reincidentes), mas isto se deve ao fato da gravidade dos crimes hediondos
e seus assemelhados.
No que se refere à possibilidade do réu apelar em liberdade, em função da gravidade
objetiva da infração penal, conforme indicação constitucional de tratamento mais rigoroso é
preciso que o juiz, querendo manter o acusado em liberdade, se assim aguardou toda a
instrução – fundamente a decisão. Desta forma, não é vedada a possibilidade de permanecer
em liberdade o condenado por terrorismo, embora o magistrado deva esclarecer os motivos
que o levam a tomar tal medida.
A prisão temporária, regulamentada pela lei nº 7.960/89 com propósito de decretar
prisões cautelares para auxiliar o trabalho policial, evitando a “prisão para averiguação”,
também tem prazo diferenciado: ao invés de cinco dias prorrogáveis por mais cinco, é de
trinta dias, prorrogáveis por mais trinta no caso dos crimes hediondos e equiparados. Alguns
autores, como Nucci (2008, p. 614), defendem que esse prazo não é absoluto, mas um limite
para a imposição da prisão. Assim, não seria de trinta dias, mas de até trinta dias.
Ainda em relação lei nº 8.072/90, dos crimes hediondos, além de trazido outras
alterações para o Código Penal (como, por exemplo, a elevação de penas abstratas a alguns
tipos penais nos arts. 6º e 9º), a norma dispõe também sobre estabelecimentos penais de
segurança máxima (art. 3º), livramento condicional (art. 5º), delação premiada (art. 8º) –
dispositivos esses que merecem ser conferidos aqui porque são aplicáveis ao terrorismo.
A norma do artigo 3º impõe a União o dever de construir e sustentar estabelecimentos
de segurança máxima para abrigar criminosos condenados, de alta periculosidade, sob sua
responsabilidade, distante de centros urbanos e da responsabilidade dos Estados: Art. 3º. A
União manterá estabelecimentos penais, de segurança máxima, destinados ao cumprimento de
penas impostas a condenados de alta periculosidade, cuja permanência em presídios estaduais
ponha em risco a ordem ou a incolumidade pública.
O artigo 5º fixou um prazo maior para o recebimento de livramento condicional, onde
os condenados por crimes hediondos e equiparados devem cumprir dois terços da pena para
obter o benefício, se primários; se reincidentes específicos, não podem nem mesmo obter o
livramento condicional: Art. 5º. Ao art. 83 do CP é acrescido o seguinte inciso: “Art. 83. [...]
V – cumprido mais de 2/3 de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito
de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em
crimes dessa natureza”.
Ao invés de criar um novo tipo incriminador, definindo “associação criminosa para o
fim de cometimento de delitos hediondos e equiparados”, a lei 8.072/90 alterou a pena do
crime previsto no art. 288 do CP (“associaram-se mais de três pessoas, em quadrilha ou
bando, para o fim de cometer crimes). De um a três anos de reclusão, para três a seis anos, é a
pena para a associação se reúne visando cometer crimes hediondos e equiparados:
Art. 8º. Será de 3 (três) a 6 (seis) anos de reclusão a pena prevista no
art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos,
prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou
terrorismo. Parágrafo único. O participante e o associado que
denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu
desmantelamento, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços).
Quando a quadrilha ou bando voltar-se à prática de crimes hediondos ou equiparados
(exceto quanto ao delito previsto no artigo 159 – extorsão mediante seqüestro – que possui
forma específica prevista no artigo 7º da lei 8.072/90), pode haver a redução de pena, de um a
dois terços, quando o concorrente (co-autor ou partícipe) denunciar à autoridade o bando ou
quadrilha, possibilitando o seu desmantelamento.
O terrorismo na lei nº 7.170/83 – Lei de Segurança Nacional
Quando se fala em crime contra a segurança do Estado, pretende-se punir as ações que
se dirigem contra os interesses do Estado. Por este motivo, uma lei de segurança nacional visa
proteger a segurança do Estado. No caso da lei de segurança nacional brasileira, lei nº
7.170/83, seu art. 1º arrola os bens jurídicos a que visa proteger: I – a integridade territorial e
a soberania nacional; II – o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de
Direito; III – a pessoa dos chefes dos Poderes da União.
Nesse sentido, FRAGOSO (2010) relembra que a lei de segurança nacional brasileira
surgiu em momento de crise institucional, como expressão de um suposto direito penal
revolucionário, inspirada por militares, que pretenderam incorporar na lei uma doutrina
profundamente antidemocrática e totalitária. De fato, a Lei 7.170/83 não participa do espírito
ideológico que informa a atual previsão constitucional da figura, mesmo porque antecede a
CF/88 e a própria fundação do Estado Democrático de Direito (FELICIANO, 2009).
Por este motivo, FRAGOSO (2010) o autor identifica que há, hoje, consciência
nacional da necessidade urgente de reelaborar a lei de segurança, porque ela aparece como
“uma excrescência, um corpo morto e fétido no ambiente democrático que o Brasil respira,
devendo ser submetida às exigências fundamentais da defesa do Estado num regime de
liberdade”. No entanto, estando ainda em vigor, a lei nº 7.170/83 vem sendo aplicada, mas de
acordo com o autor, “através de uma exegese que só faz destacar o seu caráter nitidamente
antidemocrático e totalitário, quando se deveria dar à lei uma interpretação que se ajustasse às
exigências de um sistema democrático de defesa da segurança do Estado”.
Destarte, enquanto uma nova legislação para a segurança nacional não é elaborada, é a
lei nº 7.170/83 quem define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social
no Brasil. Dentre esses crimes, encontra-se o tipo penal do artigo 20, utilizando a expressão
“atos de terrorismo” e é o único dispositivo do ordenamento jurídico brasileiro que trata
diretamente do assunto, mas ainda assim não possui clareza objetiva:
Art. 20. Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em
cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar
atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou
para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações
políticas clandestinas ou subversivas. Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
(grifou-se).
A despeito de muitos doutrinadores afirmarem a inconstitucionalidade desse
dispositivo, GONÇALVES (2002, p. 86) se posiciona pela constitucionalidade do referido
artigo. O autor assevera que o art. 20 contém um tipo misto alternativo, em que as várias
condutas típicas se equivalem pela mesma finalidade, ou seja, o inconformismo político ou a
obtenção de fundos para manter organização política clandestina ou subversiva. O autor diz
ainda que todas as condutas do art. 20, pressupondo emprego de violência, constituem
atitudes terroristas, não se devendo exigir que a lei defina expressamente a palavra terrorismo.
GUIMARÃES (2007, p. 98), porém, acredita que tal conclusão não parece ser a
melhor, pois o tipo penal não indica o significado da expressão “atos de terrorismo” e em que
consiste claramente as condutas que o termo encerra. Desta forma, o problema não estaria no
constar ou não constar, no tipo penal, a palavra-título de uma infração penal, mas na
necessidade de que, em decorrência desse “título”, haja descrição clara e delimitadora de
conduta que deve por ele ser encerrada. Para o referido autor, sem essa fórmula, a norma
penal viola o princípio da legalidade.
Defende a inconstitucionalidade desse dispositivo, no que tange ao terrorismo,
FRANCO (1994, p. 67), dizendo que o tipo penal, ao referir-se, de forma genérica, a “atos de
terrorismo”, sem defini-los e sem apresentar seu significado, fere o princípio constitucional da
reserva legal (CP, art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina; não há pena sem prévia
cominação legal), já que não há delimitação de sua incidência. Diz o autor:
Embora a figura criminosa em questão corresponda a um tipo misto
alternativo, ao encerrar a descrição de várias condutas que equivalem
à concretização de um mesmo delito, força é convir que a prática de
atos de terrorismo não se traduz numa norma de encerramento idônea
a resumir as condutas anteriormente especificadas.
Alberto Franco também defende que inexiste tipo penal de terrorismo no Brasil, seja
como crime comum, seja como crime contra a segurança nacional, já que o legislador
brasileiro não incluiu na codificação penal comum o delito de terrorismo e as figuras típicas
que lhe são afins. O autor explica que, a despeito do verbo “praticar” e do objeto direto “atos
de terrorismo” estarem no mesmo pé de igualdade dos demais comportamentos
alternativamente referidos na norma, tal verbo não apresenta qualquer carga de ilicitude, ao
contrário dos demais verbos constantes do tipo.
Sendo assim, ter-se-ia uma cláusula geral, de elasticidade extrema, permitindo ao
julgador enquadrar indevidamente no tipo, qualquer modalidade de conduta humana,
justamente pela ausência de uma adequada descrição do conteúdo fático desses atos.
Concorda com essa opinião, MONTEIRO (1996, p. 94), dizendo que a noção de terrorismo
continua sob incertezas doutrinárias e sem definição legislativa no Brasil, lembrando que o
art. 20 da lei nº 7.170/83, utiliza “discutido nomen iuris” como definição legal do tipo, não
sendo possível sua punição justamente pela ausência de tipo autônomo definido como crime.
De fato, a legislação penal deve evitar definições vagas e outras de conceituação e
abrangência ampla, como essa expressão “atos de terrorismo”, a fim de que não sejam criados
tipos penais abertos, cuja amplitude possa abarcar um número de condutas indefinidas,
ferindo assim, o princípio da reserva legal, bem delimitado no CP (art. 1º) e até mesmo na
própria CF/88 (art. 5º, XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal”).
Não pode haver tipo penal que apenas lembre a idéia do que pode vir a ser considerado
terrorismo. É imprescindível, para o ordenamento jurídico brasileiro, que haja um tipo penal
efetivamente definidor e claramente delimitador da conduta terrorista. Seria conveniente,
portanto, que, para o crime de terrorismo, houvesse disposição própria, com tipo ou tipos
penais específicos, uma vez que os “atos de terrorismo” não são definidos a contento, não
obedecendo ao princípio da tipicidade. Para GUIMARÃES (2007, p. 98), as condutas
expressas no art. 20 da lei de segurança nacional podem ser consideradas, no máximo,
correlatas, paralelas ou similares ao que se deve ou se pode compreender como terrorismo,
mas não se encontra efetiva ou obrigatoriamente contidas nessa compreensão.
De qualquer forma, mesmo havendo quem considere o art. 20 eivado de
inconstitucionalidade, o que há na legislação penal brasileira sobre a tipificação do terrorismo
é este dispositivo (além de seu enquadramento como delito assemelhado a crime hediondo),
que, inclusive dispõe de uma forma qualificada em seu parágrafo único: Art. 20. [...]
Parágrafo único – se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro, se
resulta morte, aumenta-se o triplo.
Para GONÇALVES (2002, p. 86), essas qualificadoras são exclusivamente
preterdolosas, sendo aplicadas somente quando o resultado agravador for culposo. Se houver
dolo, os crimes que decorrem da prática de terrorismo deverão ser punidos autonomamente,
utilizando-se a regra do concurso material de crimes. GUIMARÃES (2007, p. 103) cita um:
desejando o autor da ação terrorista a morte de uma ou determinadas pessoas, deveria
responder pelo crime de terrorismo (como a explosão de um artefato com a destruição de
prédio e lesões corporais em algumas pessoas), assim, como, autonomamente pelos
homicídios por ele desejados.
Ensina ainda Guimarães que, se não houver o dolo específico, eventual morte
resultante da ação terrorista deve ser tida como crime qualificado pelo resultado, e não como
crime preterdoloso. A morte deve decorrer da ação terrorista, transparecendo que o resultado
pode decorrer de dolo (o agente sabe que pode haver morte ou assume esse risco) ou de culpa.
Nesse sentido, se o agente ao menos culposamente contribuiu para o resultado mais grave,
responderá como incurso nas penas trazidas pela qualificadora.
Diz ainda o mesmo autor que, havendo, na ação terrorista, lesões corporais graves ou
morte de mais de uma pessoa, poderia, usando-se a regra e as penas do crime qualificado pelo
resultado, lançar-se mão, já que com uma ação provocou o agente vários resultados graves, do
concurso formal de crimes, exasperando-se a sanção. Se os crimes resultarem de desígnios
autônomos, as penas devem ser cumuladas.
O art. 31 da lei de segurança nacional determina, no caput, a instauração do inquérito
policial pela Polícia Federal, de ofício; mediante requisição do Ministério Público; mediante
requisição da autoridade militar responsável pela segurança interna; mediante requisição do
Ministro da Justiça. O parágrafo único do mesmo artigo prevê a possibilidade da delegação de
atribuição da União para estados, Distrito Federal e territórios, mediante convênio.
Haverá instauração de inquérito policial militar se o agente é militar ou assemelhado;
ou o crime lesar patrimônio sob administração militar; for praticado em lugar diretamente
sujeito à administração militar ou contra militar ou assemelhado em serviço; for praticado nas
regiões alcançadas pela decretação do estado de emergência ou estado de sítio.
A ação penal pública é pública incondicionada, sendo promovida pelo Ministério
Público. Conforme o art. 30, caput, a competência para processar e julgar os crimes previstos
na lei de segurança nacional é da Justiça Militar, com observância das normas estabelecidas
no Código de Processo Penal Militar, ressalvada a competência originária do Supremo
Tribunal Federal. Tal dispositivo, porém, não foi recepcionado pela CF/88, que, através do
artigo 109, inciso IV, alterou a competência para processo e julgamento dos crimes contra a
segurança nacional para a Justiça Federal:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] IV – os
crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de
bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas
ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a
competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.
Por sua vez, o art. 33 da Lei de Segurança Nacional prevê a possibilidade da
autoridade que presidir o inquérito de manter o indiciado preso pelo prazo de 15 (quinze) dias,
devendo o juízo competente ser imediatamente comunicado, podendo esse prazo ser dilatado
por mais 15 dias por decisão do juiz, a pedido do encarregado, ouvido o Ministério Público.
Este dispositivo também não foi recepcionado pela CF/88, cujo artigo 5º, inciso LXI,
determinou que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime propriamente militar, definidos em lei.
A questão da não possibilidade de prisão decretada pela autoridade presidente do
inquérito policial antes da instauração da ação penal, que em alguns casos poderia prejudicar a
investigação do crime foi contornada pela lei nº 7.960/89, que dispõe sobre prisão temporária,
e pela lei nº 8.072/90, que dispõe sobre os crimes hediondos.
Sendo assim, a lei que instituiu a prisão temporária permitiu a custódia do investigado,
decretada pela autoridade, em face da representação da autoridade policial ou do requerimento
do representante do Ministério Público, pelo prazo de cinco dias, prorrogável por igual
período. Por sua vez, a lei dos crimes hediondos permitiu que a prisão temporária, para os
crimes hediondos e assemelhados, dentre eles o terrorismo, tivesse prazo mais dilatado,
podendo a prisão ser decretada pela autoridade judiciária pelo prazo de trinta dias, prorrogável
por igual período, uma única vez, em caso de extrema e comprovada necessidade.
Há ainda, na própria lei de segurança nacional, outros tipos penais que, mesmo não
utilizando a palavra terrorismo, lembram-no também, ou seja, de uma ou outra forma,
parecem expressar terrorismo, como é o caso dos artigos 15, 16 e 18:
Art. 15. Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de
comunicação, meios e vias de transporte, estaleiros, portos,
aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações
congêneres. Pena: reclusão, de 3 a 10 anos. § 1º - Se do fato resulta: a)
lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade; b) dano,
destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança;
paralisação, total ou parcial, de atividade ou serviços públicos
essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena
aumenta-se até o dobro; c) morte, a pena aumenta-se até o triplo. § 2º Punem-se os atos preparatórios de sabotagem com a pena deste artigo
reduzida de dois terços, se o fato não constitui crime mais grave.
Art. 16. Integrar ou manter associação, partido, comitê, entidade de
classe ou agrupamento que tenha por objetivo a mudança do regime
vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o
emprego de grave ameaça. Pena: reclusão, de 1 a 5 anos.
Art. 18. Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça,
o livre exercício de qualquer os Poderes da União ou dos Estados.
Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.
Para GUIMARÃES (2007, p. 98), falta nos tipos, para aproximá-los mais de sua
aceitação como crime de terrorismo, o elemento subjetivo, que geralmente utiliza expressões
tais como “com o fim de...” ou “em razão de...”, que adequa a finalidade ou a causa da
conduta ao que internacionalmente se tem aceitado como definição de terrorismo.
CONCLUSÃO
O tratamento jurídico do terrorismo no Brasil inicia-se na Constituição Federal, onde,
depois de uma evolução constitucional demorada foi tratado como delito equiparado a crime
hediondo, revelando a preocupação do constituinte com a gravidade de suas conseqüências. O
texto constitucional o cita de maneira indireta e também de maneira direta, onde o alocou
entre os princípios fundamentais, regendo o repúdio do país ao terrorismo e destacando-o,
inclusive, como cláusula pétrea.
Ao equipará-lo a crime hediondo, a CF/88 determinou que o terrorismo fosse delito
inafiançável e imprescritível, além de insuscetível de graça e anistia. O parâmetro
constitucional foi estabelecido, porém, a sua eficácia encontra barreira no que se refere à sua
aplicabilidade, uma vez que o legislador infraconstitucional não regulamentou os dispositivos
constitucionais que versam sobre o terrorismo. O tema é abordado em duas leis extravagantes:
na lei dos crimes hediondos e na lei de segurança nacional.
Na lei dos crimes hediondos o terrorismo encontra-se presente em virtude da
equiparação constitucional, onde é possível afirmar que ele apenas é citado, e não detalhado.
A lei nº 8.072/90 trata apenas do procedimento que deve ser aplicado a esses crimes, não
tipificando nenhuma conduta que cita em seu rol de crimes hediondos legítimos e crimes
equiparados a hediondo. Desta maneira, essa lei nada diz acerca do que vem a ser terrorismo,
informando tão somente as questões processuais a ele aplicadas, repetindo e acrescentando o
rigor já enunciado pela Constituição Federal.
A lei de segurança nacional, por sua vez, é a única na legislação brasileira que trata da
tipificação do crime de terrorismo. Aliás, ela não cuida do tema, na verdade apenas cita em
um de seus tipos penais (art. 20) a expressão “atos de terrorismo”. Com um fato típico tão
aberto, foi possível certificar que a criminalização do terrorismo no Brasil desta forma apenas
dá margem para acaloradas discussões entre os pesquisadores do tema, onde muitos o
consideram inconstitucional, e até mesmo não recepcionado pela CF/88, por afrontar o
princípio da reserva legal, já que a lei nº 7.170 de 1983.
Pelos motivos expostos e por pelas razões esplanadas no presente trabalho, entende-se,
portanto, que o terrorismo, em face de ser um fenômeno transnacional, carece de
regulamentação legal pelo Direito Penal brasileiro. Em outras palavras, acredita-se que seja
necessária uma legislação específica que trate do terror como tipo penal autônomo.
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NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3. ed. revista,
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SUTTI, Paulo; RICARDO, Sílvia. As diversas faces do terrorismo. São Paulo: Harbra,
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TRATAMENTO PENAL DO TERRORISMO NO BRASIL