UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ INSTITUTO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO – COPPEAD A INTERNACIONALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA DE TI BRASILEIRA: UM ESTUDO DA INFLUÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NESSE PROCESSO RICARDO COSTA VIEIRA DA SILVA MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS ORIENTADORA: Profa. Dra. Adriana Hilal RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL 2008 i LISTA DE FIGURAS FIGURA 1.1: CADEIA DE VALOR DO SOFTWARE ................................................................. 7 FIGURA 1.2: MERCADOS DE SOFTWARE E SERVIÇOS DE TI EM 2003 (US$ MILHÕES) .......... 8 FIGURA 2.1: ÍNDICE DE LOCALIZAÇÃO GLOBAL AT KEARNEY 2005 ................................... 15 FIGURA 2.2: PRINCIPAIS MERCADOS PARA EXPORTAÇÃO DE SOFTWARES CHINESES ......... 26 FIGURA 2.3: CRESCIMENTO ANUAL MÉDIO DO MERCADO DE TI BRASILEIRO ...................... 29 FIGURA 2.4: DIAMANTE DA VANTAGEM COMPETITIVA NACIONAL ...................................... 31 FIGURA 2.5: O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA FIRMA ...................................... 48 FIGURA 2.6: ELEMENTOS MÍNIMOS PARA UMA EMPRESA NASCIDA GLOBAL SUSTENTÁVEL .. 56 FIGURA 2.7: TIPOS DE EMPREENDIMENTOS INTERNACIONAIS .......................................... 57 FIGURA 2.8: COMPROMETIMENTO COM MERCADOS ESTRANGEIROS ................................. 59 LISTA DE TABELAS TABELA 2.1: MERCADO DE SOFTWARE EM ALGUNS PAÍSES SELECIONADOS EM 2001 ......... 12 TABELA 2.2: EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA INDIANA DE SOFTWARE (EM MM US$) .................. 19 TABELA 2.3: PRINCIPAIS POLÍTICAS ADOTADAS NA INDÚSTRIA INDIANA DE SOFTWARE....... 21 TABELA 2.4: PRINCIPAIS POLÍTICAS ADOTADAS NA INDÚSTRIA CHINESA DE SOFTWARE ..... 25 TABELA 2.5: INVESTIMENTOS NO PROGRAMA SOFTEX – 1992 A 2000 .............................. 43 TABELA 2.6: RECURSOS INVESTIDOS E EXPORTAÇÕES - SOFTEX (1994 A 2000) ............... 43 TABELA 2.7: ESTÁGIOS DE INTERNACIONALIZAÇÃO EM FIRMAS “BORN GLOBAL” INTENSIVAS EM CONHECIMENTO ............................................................................................ 60 TABELA 2.8: DISTRIBUIÇÃO DE FIRMAS EXPORTADORAS NA PESQUISA.............................. 67 TABELA 2.9: CLASSIFICAÇÃO DAS 20 MAIORES MULTINACIONAIS BRASILEIRAS .................. 81 ii LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ABES Associação Brasileira de Empresas de Software BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BPO Business Process Outsourcing BRASSCOM Brazilian Association of Software and Service Export Companies BRIC Brasil, Rússia, Índia e China (acrônimo criado pela Goldman Sachs para designar os países que terão crescimento acelerado até 2050). CLT Consolidação das Leis do Trabalho CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CPII Columbia Project on International Investment DESI Desenvolvimento Estratégico em Informática EMN Empresa Multinacional FDC Fundação Dom Cabral IDE Investimento Direto no Estrangeiro ITES Information Technology Enabled Services MCT Ministério da Ciência e Tecnologia Mercosul Mercado Comum do Cone Sul MNE Multi National Enterprise NASSCOM National Association of Software and Service Companies OMC Organização Mundial do Comércio ONU Organização das Nações Unidas P&D Pesquisa e Desenvolvimento PIB Produto Interno Bruto PITCE Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior PLANIN Plano Nacional de Informática e Automação PNUD Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas Prosoft Linha de financiamento do BNDES específica para desenvolvedores de software ProTeM-CC Programa Temático Multiinstitucional em Ciência de Computação RNP Rede Nacional de Pesquisa SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SEI Antiga Secretária Especial de Informática, atual SEPIN SEPIN Secretaria da Política de Informática e Automação SINAPAD Sistema Nacional de Processamento de Alto Desempenho SOFTEX 2000 Programa Nacional de Software para Exportação TELEBRÁS Telecomunicações Brasileiras S/A iii TI Tecnologia da Informação TIC Tecnologia da Informação e Comunicação UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development iv Sumário CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1 1.1. OBJETIVOS DO ESTUDO ........................................................................................................................... 1 1.2. IMPORTÂNCIA DO ESTUDO ....................................................................................................................... 1 1.3. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO ....................................................................... 3 1.4. CARACTERIZAÇÃO DO SOFTWARE .............................................................................................................. 4 1.5. CADEIA DE VALOR DO SOFTWARE .............................................................................................................. 6 1.6. A IMPORTÂNCIA DO SETOR DE SOFTWARE................................................................................................... 7 CAPÍTULO II – REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................... 11 2.1. A INDÚSTRIA DE SOFTWARE ............................................................................................................ 11 2.1.1. A Indústria de Software no Mundo .......................................................................................... 11 2.1.2. Os BRICs e a Indústria de Software .......................................................................................... 16 2.1.3. A Indústria de Software na Índia ............................................................................................. 18 2.1.4. A Indústria de Software na China ............................................................................................ 23 2.1.5. A Indústria de Software no Brasil............................................................................................. 27 2.2. AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O SETOR DE SOFTWARE ................................................................... 31 2.2.1. A Vantagem Competitiva das Nações (Porter, 1993) .............................................................. 31 2.2.2. Política Industrial ..................................................................................................................... 33 2.2.2.1. Falhas de mercado ............................................................................................................................ 35 2.2.2.2. A Política Industrial do Governo Federal .......................................................................................... 37 2.2.3. O Programa Softex................................................................................................................... 39 2.2.4. O BNDES e o Prosoft................................................................................................................. 43 2.3. AS TEORIAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO ......................................................................................... 46 2.3.1. O modelo da escola de Uppsala ............................................................................................... 46 2.3.2. As redes de empresas .............................................................................................................. 51 2.3.3. As empresas nascidas globais .................................................................................................. 54 2.3.4. Internalização .......................................................................................................................... 61 2.3.5. O Paradigma Eclético da Produção Internacional ................................................................... 63 2.3.5.1. Vantagens específicas de propriedade ............................................................................................. 64 2.3.5.2. Vantagens de internalização ............................................................................................................. 65 2.3.5.3. Vantagens de localização .................................................................................................................. 65 2.3.6. Críticas às Teorias de Internacionalização ............................................................................... 66 2.3.6.1. Críticas aos Modelos de Uppsala, Redes Industriais e Born Globals ................................................. 66 2.3.6.2. Críticas ao Paradigma Eclético e Internalização................................................................................ 69 2.3.7. Estudos sobre a internacionalização de empresas brasileiras ................................................. 71 2.3.7.1. A internacionalização das empresas nacionais (Brasil et al., 1996) ................................................. 71 2.3.7.2. Processos, pessoas e networks no Investimento Direto no Exterior (Barreto, 1998) ...................... 72 v 2.3.7.3. Internacionalização de Empresas Brasileiras no Mercosul: Estudo de Caso (Pinto, 1998) ............... 76 2.3.7.4. Estudos sobre a Promoção de Exportações via Internacionalização (BNDES, 2005) ........................ 77 2.3.7.5. “Multinacionalização” das empresas brasileiras (FDC / CPII, 2007) ................................................. 79 ANEXO I - REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 83 vi Capítulo I Introdução vii Capítulo I – INTRODUÇÃO 1.1. Objetivos do Estudo Este estudo insere-se em uma corrente de pesquisas sobre o processo de internacionalização de empresas brasileiras de software. Apesar de existir uma quantidade significativa de estudos sobre internacionalização de empresas brasileiras de variados setores econômicos, poucos deles concentram-se no setor de software e uma quantidade ainda mais reduzida desses estudos procura examinar as políticas públicas implementadas pelo governo brasileiro nos últimos anos com vistas a estimular o processo de internacionalização das empresas desse segmento. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é investigar aspectos de internacionalização e influência das políticas públicas nas empresas brasileiras de software. São colocados três grupos principais de questionamentos que procuram avaliar: i) como ocorreu o processo de internacionalização dessas empresas; ii) de que forma as teorias de internacionalização existentes explicam seu processo de internacionalização e; iii) se existiu ou não influência das políticas públicas do governo brasileiro para estimular a internacionalização dessas organizações, seja via exportação de software, seja via criação de subsidiárias no exterior. Especificamente, do ponto de vista de políticas públicas, busca-se compreender o papel da criação do Programa Softex em 1993, das políticas implementadas pelo BNDES para o setor com a criação do Programa Prosoft e, por fim, investigar a política industrial instituída em 2003 pelo Governo Brasileiro, tendo o desenvolvimento do setor software como um de seus eixos estruturantes. 1.2. Importância do Estudo O Brasil surgiu no mercado internacional como uma colônia exportadora de commodities e assim o fez ao longo de toda a sua história. O país passou pelos ciclos do pau-brasil, açúcar, algodão, látex para produção da borracha, café, e mais recentemente soja e minério de ferro. Esse é o único país do mundo cujo nome deriva de uma commodity. A partir da década de 1930, o país logrou sucesso em implementar uma política de substituição de importações e desenvolver uma indústria de bens industrializados (Furtado, 1959). Com o recente processo de industrialização, o Brasil começou a surpreender seus congêneres mundiais com o desenvolvimento de setores industriais com alto valor agregado e a exportação de tecnologia brasileira, demandante de pessoal com elevado nível de capacitação técnica. 1 Constituem-se exemplos do processo de desenvolvimento de setores com alta tecnologia e exportação de produtos de alto valor agregado, a prospecção de petróleo em águas marítimas profundas, o desenvolvimento de uma indústria aeronáutica com tecnologia autóctone a partir da década de 1950, tendo as primeiras exportações já ocorrendo a partir da década de 1970 e a criação da maior indústria de Tecnologia da Informação da América Latina, que observou a criação de tecnologias tais como as urnas eletrônicas, que permitiram a completa informatização das eleições brasileiras ou a completa automatização para envio via Internet das declarações de Imposto de Renda de todo os contribuintes brasileiros. A relevância do presente estudo, de uma perspectiva teórica, está ligada aos seguintes aspectos: • a importância dos estudos sobre internacionalização de empresas brasileiras de software no contexto do fenômeno da liberalização das economias dos países centrais e periféricos; • a análise do processo de internacionalização de um setor demandante de alta tecnologia em um país em desenvolvimento, a luz da competição internacional colocada por outros países emergentes tais como China e Índia; • o entendimento de como as políticas públicas governamentais podem influenciar esse processo para expandir a capacidade de competição brasileira nesse setor que já encontram alguns outros atores globais em estágio mais avançado tais como EUA, Alemanha, Japão, Índia, Irlanda, Israel, entre outros. Do ponto de vista prático, o presente estudo poderá contribuir para três atores principais: os agentes governamentais criadores das políticas públicas, empresários do segmento de software com vistas a expandir o mercado de atuação de suas empresas para a arena global e as entidades de classe representantes do setor. Os agentes criadores das políticas públicas podem fazer uso desse estudo para identificar pontos de melhoria das ações governamentais no setor, de forma a ampliar as possibilidades de exportações e a competitividade das empresas brasileiras no setor de software. Os empresários desse setor que desejem internacionalizar suas empresas podem utilizar o estudo com vistas a identificar os desafios da globalização de empresas nesse segmento econômico e constatar quais são os instrumentos governamentais disponíveis para apoiar o processo de internacionalização. 2 Por fim, as entidades de classe representantes dos principais grupos de interesse do setor de software, podem apoiar-se nesse estudo para atuarem como elementos aglutinadores e catalisadores dos interesses das empresas e dos representantes do governo brasileiro, criadores das políticas públicas nacionais para o setor. 1.3. Contextualização do Processo de Internacionalização Ao investigar a história econômica brasileira, é possível verificar que Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, foi, já no século XIX, o primeiro empresário a expandir o processo de internacionalização da economia do país para além da exportação de commodities (Caldeira, 1995). Como não há estudos claramente estabelecidos para o período de Mauá, é necessário utilizar como ponto de partida para os estudos de internacionalização, somente as primeiras iniciativas da Petrobrás na década de 1970, com vistas a prospectar petróleo em outras regiões do mundo e atender às necessidades brasileiras por combustíveis fósseis (Silva, 2000). Friedrich List faz, no século XIX, uma revisão dos principais conceitos da obra de Adam Smith. Esse autor define em sua obra que os países passam por quatro grandes fases durante seu processo de desenvolvimento econômico (List, 1983)1: 1. Identificação de uma matéria-prima a partir da qual o país constitui sua base econômica e de transações com outras nações em nível mundial. No caso brasileiro, a partir de sua independência política, o café passou a representar esse produto no contexto da constituição e expansão da base econômica de exportação. 2. Implantação de uma política de substituição de importações para permitir o desenvolvimento de uma indústria nacional razoavelmente diversificada com bases nas receitas geradas no momento anterior do modelo. 3. Abertura da economia do país para competição direta com produtos estrangeiros, aumentando seu nível de produtividade e trazendo uma maior especialização para aqueles bens competitivos em escala internacional. 1 A versão original da obra, denominada “Das Nationale System der Politischen Ökonomie”, foi publicada em 1841. A indicação colocada neste trabalho refere-se à versão brasileira da obra. Essa publicação tornou Friedrich List o autor alemão mais consultado e referenciado após Karl Marx. List apresentou conceitos que faziam um contraponto às teorias de Adam Smith e Karl Marx defendendo a colaboração global entre governos e empresas. Tais teorias apresentam-se válidas, mais de 150 anos após sua publicação. 3 4. A partir de uma base industrial consolidada e com produtos de maior conteúdo tecnológico agregado, os países passam a internacionalizar suas empresas, buscar novos mercados para seus produtos e defender modelos liberais para outras nações que ainda não tenham vivido o processo de desenvolvimento anteriormente descrito. O Brasil viveu completamente as duas primeiras etapas desse processo em sua história. A partir da década de 1990, com a abertura comercial, a terceira etapa do processo foi implantada com razoável sucesso. Resta ao Brasil o desafio de seguir para a quarta fase desse processo e avançar no seu processo de desenvolvimento econômico. Nesse contexto, a indústria de software surge como uma das grandes alternativas de internacionalização para as empresas brasileiras. O desenvolvimento de softwares inovadores e o uso de um capital humano com elevado nível de especialização poderão permitir a competição direta com outras nações desenvolvidas ou emergentes de porte equivalente ao brasileiro. A Índia já vem trilhando, há alguns anos, esse caminho com relativo sucesso (Athreye, 2005). 1.4. Caracterização do Software O software é essencialmente um serviço, uma vez que consiste na elaboração de uma série de instruções para serem executadas pelo computador e sua exploração econômica ocorre através da cessão de direitos autorais. Há inúmeras formas possíveis de classificação do software. Uma classificação comumente utilizada divide o setor em dois grandes agrupamentos: a) software e b) serviços. Tais agrupamentos ainda são sub-classificados de acordo com sua aplicação (Filho, et al., 2006). A categoria de software contempla: • Aplicativos – são os pacotes de aplicativos para consumidores em geral, aplicativos comerciais e industriais. • Ambientes de Desenvolvimento e Implementação de Aplicações – são as ferramentas utilizadas para gerenciar e definir os dados que serão mantidos nos bancos de dados e as ferramentas de desenvolvimento de novos programas. • Software de Infra-Estrutura – divide-se em cinco categorias, representadas por software de gerenciamento de sistemas e redes, software de segurança, software de storage e backup, software de redes e sistemas operacionais. 4 • Software embarcado – é constituído por uma solução integrada de hardware e software, tais como aqueles utilizados por centrais telefônicas e telefones celulares. • Software OEM – são as licenças ofertadas pelas grandes empresas multinacionais para os sistemas operacionais embutidos em computadores vendidos em lojas de varejo. • Software para uso próprio – Todo e qualquer software dentro de uma empresa para uso local. • Firmware – programas desenvolvidos em linguagem de montagem integrados ao hardware. A categoria de serviços, por sua vez, é constituída por: • Consultoria – é composta pelos serviços de consultoria e aconselhamento relativos à Tecnologia da Informação (TI). • Integração de Sistemas – define-se pela solução integrada de planejamento, design, implementação e gerenciamento de soluções de TI para atender às especificações técnicas colocadas pelo cliente. • Outsourcing – tarefa pela qual um fornecedor de serviços exterior à organização demandante assume a responsabilidade pelo gerenciamento e operação de parte ou toda a infra-estrutura de TI do cliente. • Suporte – serviços relacionados à instalação, ajustes e configuração do software, além do provimento de suporte técnico aos usuários finais. • Treinamento – processo de capacitação de usuários ou clientes relacionados a ferramentas de TI. • BPO – serviços, prestados por empresa externa, que compreendem a transferência do gerenciamento e execução de processos de trabalho ou completa função de negócios. Tal terceirização só se torna economicamente viável graças ao uso intensivo da TI, razão pela qual esses serviços recebem a qualificação de ITES (IT enabled services), sendo referidos como ITES-BPO. É possível ainda classificar o software quanto à forma de comercialização: padronizáveis, parametrizáveis, customizáveis. Os softwares padronizáveis podem ser adquiridos, instalados e utilizados imediatamente. Aqueles ditos parametrizáveis podem necessitar de algumas configurações disponíveis no produto antes de estarem prontos para utilização. Por fim, os softwares customizáveis são aqueles que podem necessitar de programação adicional para atender necessidades específicas de cada um de seus consumidores (Gutierrez, 2007). 5 1.5. Cadeia de Valor do Software A criação de um novo software decorre de uma demanda de mercado identificada, seja ela decorrente de uma necessidade colocada pelo cliente ou a partir de uma pesquisa de oportunidade feita pela empresa desenvolvedora de software. As grandes etapas compreendidas pelo ciclo de vida do software são: desenvolvimento, distribuição e comercialização, implantação e treinamento (Gutierrez, 2007). O desenvolvimento do software, por sua vez, é composto por cinco atividades: 1. Levantamento de requisitos, concepção do produto e especificação. 2. Projeto de arquitetura do software e da infra-estrutura necessária. 3. Programação ou codificação do software. 4. Verificação da qualidade e testes do software. 5. Homologação e elaboração de documentação para o usuário. Para a realização do desenvolvimento, é necessário que a empresa possua um ambiente propício para a implementação dos programas, com toda a infra-estrutura de equipamentos, conexões a rede e links telefônicos. A mão-de-obra deve ser qualificada, treinada nas metodologias a serem utilizadas no trabalho e eventualmente o processo de desenvolvimento da empresa deve ser certificado. Uma vez implantado, o sistema requer gastos contínuos com: atendimento e suporte ao cliente; fornecimento, suporte e manutenção de infra-estrutura; manutenção e evolução do produto. Na cadeia do software existem as empresas de produtos, serviços ou grandes usuárias de serviços de TI que muitas vezes possuem suas próprias equipes internas. As empresas podem ocupar uma ou mais classificações simultaneamente. A figura seguinte descreve a cadeia de valor do software anteriormente descrita (Gutierrez, 2007). 6 Figura 1.1: Cadeia de Valor do Software 1.6. A Importância do Setor de Software Em entrevista, o historiador econômico americano David Landes, autor de “A Riqueza e a Pobreza das Nações” afirma que: “... estamos assistindo a uma mudança profunda. Os países que tiverem a oportunidade de não apenas usar, mas também de melhorar as novas tecnologias estarão em posição de vantagem na Nova Economia. Foi essa capacidade que salvou os Estados Unidos depois de anos de estagnação. Os Estados Unidos apostaram na importância do que chamamos de software. O hardware é muito importante. Mas creio que a longo prazo é o software que vai dominar. Qualquer um pode aprender como fazer um computador. Ou você pode importar uma fábrica de hardware – correndo o risco de que ela se mude para o vizinho se ele oferecer trabalho mais barato... Por isso, é na área do software que os novos países devem fazer suas apostas atualmente”2. Assiste-se no início do século XXI uma transição econômica importante: a mudança de uma sociedade industrial para uma sociedade da informação ou do conhecimento. Dentro desse novo paradigma de organização social, a indústria de software surge como um importante eixo estruturante. 2 Landes, D. Entrevista concedida às páginas amarelas da Revista Veja, 22/03/2000. 7 A indústria de software tem como característica geral a predominância de pequenas empresas. Essas empresas podem ser criadas em quaisquer regiões que possuam os requisitos básicos para sua formação, sem a necessidade de um maciço investimento de capital, bastando para isso ter um conjunto de pessoas qualificadas, alguns computadores e conexão à Internet (Araújo, et al., 2004). Por ser uma indústria relativamente recente, o software até pouco tempo era visto como um sub-componente do setor de TI. A percepção da importância do software tem crescido nas últimas décadas. Esse aumento do interesse pelo setor decorre não somente do tamanho do setor, mas também de sua taxa de crescimento e de sua contribuição para os ganhos de produtividade (Filho, et al., 2006). Na figura a seguir estão identificados os principais competidores do Brasil no mercado mundial de software e serviços de TI. A estatística compõe os dados de mercado doméstico e exportações. É possível identificar que o Canadá possui um grande mercado doméstico e uma quantidade significativa de exportações. Por outro lado, Irlanda e Índia possuem volumes de exportações muito maiores do que seus próprios mercados domésticos. Por fim, China e Brasil possuem fortes mercados internos, mas volumes de exportações que ainda não são significativos comparativamente com outros países do mundo. Figura 1.2: Mercados de software e serviços de TI em 2003 (US$ Milhões) Fonte: (A. T. Kearney, 2005) Em estudo sobre o impacto da gestão nos resultados das empresas brasileiras de software, Kubota (2007) identificou como uma das variáveis de seu estudo, a importância do perfil exportador para o resultado financeiro dessas organizações. O estudo identifica a existência de quatro grupos de empresas: i) formais, caracterizadas por serem de médio e grande porte, com baixa desempenho percebido e rentabilidade; 8 ii) pioneiras, possuem o segundo melhor desempenho percebido, o melhor desempenho exportador, a maior rentabilidade média e menor nível de contratação de sua força de trabalho via cooperativas ou “pessoas jurídicas”; iii) desorganizadas, identificadas por empresas de pequeno porte, com avaliações menos positivas nos itens de gestão e resultados percebidos e desempenho mediano no critério de rentabilidade e iv) líderes, caracterizado por empresas de médio e grande porte, com rentabilidade mediana e avaliações positivas nos critérios de gestão. Em uma das conclusões, o autor do estudo identifica que o desempenho exportador contribui positiva e significativamente para a rentabilidade da empresa (Kubota, 2007). 9 Capítulo II Revisão de Literatura 10 Capítulo II – REVISÃO DE LITERATURA 2.1. A INDÚSTRIA DE SOFTWARE 2.1.1. A Indústria de Software no Mundo Durante os anos 1990, vários países de economia emergente desenvolveram indústria de software de proporções relevantes. Em 2001, havia vários países cujas receitas geradas por essa indústria localizavam-se entre US$ 7 e US$ 10 bilhões, incluindo Brasil, China, Coréia do Sul, Índia, Irlanda e Israel. Os três últimos, muitas vezes denominados por 3 I’s destacam-se pelo rápido crescimento de suas indústrias e a alta participação das exportações nesse total. Brasil e China também registraram taxas de crescimento de dois dígitos em geração de receitas na década de 1990, mas amplamente ancorados em uma grande demanda de seus mercados domésticos ao invés de exportações para mercados mais dinâmicos (Arora, et al., 2005). A indústria de software tem sido responsável por aproximadamente 50% da indústria de Tecnologia da Informação (TI) (Arora, et al., 2001). Muito se disse sobre o surgimento da ‘nova economia’ no início dos anos 2000. Por ser essa uma indústria altamente demandante de mão-de-obra com elevado grau educacional e de especialização, ela teria um potencial de modificar a forma com a qual seria gerada a riqueza das nações. Nessa nova forma de organização econômica, os principais recursos não seriam mais as máquinas, as terras ou o capital, mas sim a posse da informação e o preparo para atuação segundo esse novo paradigma de criação de riqueza. A produção de software constitui-se em mais do que mais um segmento econômico, representa o bem intermediário central na nova economia digital. Seu papel é análogo a aquele desempenhado pelos bens de capital em uma economia baseada em tecnologias mecânicas. Assim como os bens de capital, o software é caracterizado por um grande número de fornecedores especializados (serviços). Colocado de outra forma, a quantidade de empresas que produzem software ou empregam programadores é maior do que o número de firmas que normalmente se denominam empresas de software (Arora, et al., 2005). A indústria de software vem despertando muito interesse em estudos recentes, pois é uma indústria típica de países desenvolvidos. Contudo, alguns países em desenvolvimento tão díspares tão Índia, Irlanda, Israel (os 3 I’s) ou mais recentemente Brasil e China vêm logrando sucesso em aumentar seus volumes exportados. Muitos desses países que vêm dedicando esforços e utilizando essa indústria para queimar 11 etapas no processo de desenvolver capacitações industriais e criar novas empresas baseadas no conhecimento. Por conseqüência, eles vêem aumentada a possibilidade da geração de exportações de alto valor agregado. A tabela seguinte demonstra a partir de alguns números a importância da indústria de software para esses países. Esses números trazem consigo algumas observações relevantes a serem feitas: • A indústria de software é dominada pelas grandes nações desenvolvidas como EUA, Alemanha ou Japão. • Não há uma relação direta entre os tamanhos dos mercados e o volume de exportações. • A indústria de software representa, na média, algo entre 1% e 2% da economia da maioria dos países, com proporções mais elevadas tipicamente associadas às economias dos países mais desenvolvidos. • Em alguns países em desenvolvimento, particularmente Israel e Irlanda, a indústria de software é representada por uma participação desproporcional de suas economias. País Vendas (106 US$) Exportações (106 US$) Empregados Vendas / PIB Índice de desenvolvimento da indústriaa Índice de desenvolvimento da indústria domésticab EUA** 200.000 n/d 1.042.000 2,0% 0,5 0,5 Japão* 85.000 73 534.000 2,0% 0,8 0,8 Alemanha 39.844 n/d 300.000 2,2% 0,9 0,9 Reino Unido 15.000 n/d n/d 1,0% 0,4 0,5 Índia 8.200 6.220 350.000 1,7% 7,8 1,9 Brasil 7.700 100 158.000 1,5% 2,2 2,2 Coréia 7.694 35 n/d 1,8% 1,1 1,1 Irlanda 7.650 6.500 / 3.500# 25.000 7,4% 3,4 0,5 China 7.400 400 186.000 0,6% 1,8 1,7 Espanha* 4.330 n/d 20.000 0,7% 0,4 0,4 Taiwan* 3.801 349 n/d 1,2% 0,7 0,6 Israel* 3.700 2.600 15.000 3,4% 1,8 0,5 Finlândia 1.910 185 20.000 1,6% 0,7 0,6 Cingapura 1.660 476 n/d 1,9% 0,7 0,5 Argentina* 1.340 35 15.000 0,5% 0,4 0,4 México <1.000 n/d n/d <0,2% 0,2 0,2 Tabela 2.1: Mercado de software em alguns países selecionados em 2001 12 Fonte: Adaptado de (Veloso, et al., 2003); n/d – não disponível; * 2000; ** 2002; a Vendas divididas pelo tamanho da economia, medida pelo PIB, e seu nível de desenvolvimento medido b pelo PIB per capita; Mesmo que o índice anterior, mas considerando somente as vendas domésticas; # O segundo número exclui as exportações da Microsoft no país; Comparar o tamanho absoluto da indústria de software, ou até mesmo seu tamanho relativo ao PIB, contudo não demonstra precisamente o nível de sofisticação ou desenvolvimento desse segmento econômico. Dessa forma, a quinta coluna da tabela anterior fornece o índice de desenvolvimento da indústria que é calculado dividindo as receitas da indústria pelo PIB (para contabilizar seu tamanho) e então pelo PIB per capita (para contabilizar seu nível de desenvolvimento), e então multiplicado por um milhão por propósitos de normalização. Por fim, a última coluna descreve o mesmo cálculo, mas somente para a participação das vendas em relação ao mercado doméstico (Veloso, et al., 2003). Os valores desses índices sugerem que: • Há uma forte proeminência dos três I’s (Irlanda, Israel e Índia) confirmando o interesse que tem sido dedicado no estudo da indústria de software desses países e suas capacitações. • China e Brasil demonstram uma forte evidência de um setor relativamente desenvolvido com valores elevados para o índice de desenvolvimento da indústria. • O Brasil desenvolveu um mercado de software relativamente forte dado seu nível de desenvolvimento econômico quando comparado a outras economias listadas na tabela, seguido por Índia e China. Nas décadas de 1970, 1980, sob inspiração dos estudos “cepalinos”3, vários países envidaram esforços para desenvolver diversos segmentos industriais de suas economias através de uma política de substituição de importações. Nesse contexto encontraram-se uma grande parte dos países latino-americanos, Espanha e alguns países do Sudeste Asiático. Países tão distintos quanto Brasil e Índia tentaram 3 A CEPAL é um organismo da ONU dedicado a estudos econômicos sobre a América Latina. Tal organismo teve influência destacada nas políticas econômicas dos governantes latinos, principalmente nas décadas de 1950, 1960 e 1970, através da sugestão da política de substituição de importações como forma de promover a rápida industrialização desses países. Os principais mentores intelectuais de tais políticas foram o argentino Raúl Presbisch e o brasileiro Celso Furtado. Os estudos de Celso Furtado constituíram a base para o Plano de Metas executado durante a gestão de Juscelino Kubitscheck como presidente do Brasil. 13 desenvolver suas indústrias de informática com um grande foco na produção industrial de hardware. As políticas de Índia e Brasil implementadas respectivamente nas décadas de 1970 e 1980 proibiam a importação de equipamentos de informática e protegia os produtores locais com elevadas tarifas de importação. Mas a política indiana possuía uma pequena exceção que possivelmente tenha constituído a semente o desenvolvimento de uma sólida indústria de software e uma futura elevada diferença nos desempenhos exportadores de ambos os países. Em 1972, o Governo Indiano instituiu um esquema de exportação de software que permitia a importação de hardware desde que fossem utilizados estritamente com propósitos de desenvolvimento de software (Veloso, et al., 2003). Brasil e México representam respectivamente as duas maiores economias da América Latina. Ambos os países, buscaram desenvolver suas indústrias de informática através de proteção contra a concorrência estrangeira seguindo a linha “cepalina”. Ambos os países introduziram na década de 1990 medidas liberalizantes com o propósito de aumentar a competição nesse setor. Mas a partir de então, cada um dos países tomou caminhos distintos na abertura de seus mercados. Dada a sua pluralidade políticopartidária, o Brasil tendeu a implementar medidas para liberalizar gradualmente seu mercado, substituindo a proteção da indústria com uma política ativa de promoção desse segmento. Por outro lado, o México decidiu adotar políticas do tipo laissez faire. Em decorrência dessas diferentes abordagens utilizadas pelos governos desses países, o Brasil logrou mais sucesso em constituir em uma indústria de informática de maior porte do que aquela identificada em seu congênere mexicano (Dedrick, et al., 2001). Na área de informática, ocorreu ao longo dos anos, uma divisão internacional do trabalho que nos remete a divisão industrial anterior colocada em termos de centro e periferia. No âmbito da indústria de informática, os países desenvolvidos (centro), em geral, se especializaram na fabricação de hardware e software, enquanto que os países em desenvolvimento (periferia) se especializaram no último (MDIC, 2002). A empresa de consultoria norte-americana AT Kearney desenvolveu um índice que mede a atratividade de cada um dos principais países no mercado de TI. Na versão mais recente desse índice de 2005, o Brasil saltou do décimo para o quinto lugar. A figura a seguir descreve o indicador denominado Global Off-shoring Attractiveness Index. 14 Figura 2.1: Índice de localização global AT Kearney 2005 Fonte: Adaptado de (A. T. Kearney, 2005 p. 11) 15 2.1.2. Os BRICs e a Indústria de Software No relatório “Sonhando com os BRICs: o caminho para 2050”, o banco de investimento norte-americano Goldman Sachs cria o acrônimo BRIC, significando Brasil, Rússia, Índia e China e as aponta como as economias de crescimento econômico mais acelerado nas próximas décadas, colocando-as entre as cinco maiores economias do planeta no ano de 2050. Segundo esse estudo, em 2050 o Brasil será a quinta maior economia do mundo. As quatro maiores economias seriam respectivamente: China, Estados Unidos, Índia e Japão. O estudo prevê um crescimento econômico médio para o Brasil de 3,7% para os qüinqüênios que vão desde 2000 até 2050. O estudo define quatro pré-condições para que todos os países do BRIC tenham condições de atingir esse cenário: estabilidade macroeconômica, capacidade institucional, abertura e educação (Goldman Sachs, 2003). O Brasil, a China e a Índia estão atualmente entre as maiores economias emergentes no mundo, cada um com uma vasta força de trabalho, uma base de capacitação em expansão, um grande mercado interno, e uma pujante história e cultura. A China e a Índia vêm obtendo um alto crescimento há três décadas. O Brasil não tem visto seu crescimento decolar de maneira contínua desde o início dos anos 1980. O mercado mundial de exportação de serviços cresceu a uma taxa média anual de 5,6% nos anos 1990, com seis economias em desenvolvimento ao invés de desenvolvidas crescendo a taxas mais elevadas. A Índia veio na dianteira, crescendo em média 17,3% ao ano. A China seguiu-a de perto, com índice de 15,8%. Coréia, Malásia, Turquia e Taiwan consistiram nas outras quatro economias em desenvolvimento de crescimento célere. De 1995 a 2000, a exportação mundial de serviços cresceu somente a uma taxa média de 3,7% ao ano, enquanto que os serviços de software cresceram 25%. Em paralelo, durante o período, os serviços de software da Índia cresceram em média 51% ao ano (Thomas, 2007). Tendo em vista a importância do custo de TI, a busca por lugares de custos mais baixos criou nos últimos 15 anos o fenômeno que denominado de off-shore outsourcing, ou de maneira mais compacta, off-shore ou off-shoring. O volume desse mercado foi estimado em US$ 40 bilhões anuais e deve-se fundamentalmente a três fatores (Gil, et al., 2007): i) O surgimento e a massificação da Internet; 16 ii) A competência existente em outras partes do mundo (fora dos EUA e Europa); iii) O custo de mão-de-obra mais barato, da ordem de 1/3 dos principais países contratantes. Desde 2001, o mercado global de off-shoring de serviços de negócios vem crescendo 49% por ano, e o off-shoring global de serviços de TI em 21% a cada ano. O Brasil tem várias vantagens decisivas no mercado de off-shoring de serviços, incluindo tanto o off-shoring de serviços de TI quanto o de serviços de negócios. A infra-estrutura do Brasil para off-shoring, como os serviços de telecomunicações e de rede, está entre as melhores, ultrapassando as da Índia e da China (Thomas, 2007). O presente trabalho visa analisar a indústria brasileira de software, sua internacionalização e a existência ou não da influência das políticas públicas nesse processo. Para tanto, são analisadas as indústrias de software de dois países específicos no contexto dos BRICs: Índia e China. Índia e China foram escolhidos para análise dado que o primeiro logrou sucesso em ser um PED e auferir um elevado nível de exportações de software em uma indústria dominada por países desenvolvidos. Por sua vez, a China foi escolhida devido a guardar algumas características semelhantes em sua indústria de software com a congênere brasileira: detém um grande e sofisticado mercado doméstico e seus patamares de exportação em relação à indústria total são aproximadamente equivalentes nos dias atuais. A China possui ainda uma característica em particular que pode ou não representar o eventual sucesso no desenvolvimento de sua indústria de software: o governo central vem estabelecendo, através de seus planos qüinqüenais, políticas para fomentar a indústria e seu nível de exportações para minimizar sua dependência de manufaturas tradicionais (NASSCOM, 2007). 17 2.1.3. A Indústria de Software na Índia Nos últimos quinze anos, a Índia emergiu como um dos grandes exportadores de serviços de software no mundo. Esse feito tem sido acompanhado de um grande crescimento da indústria indiana de software: entre 1995 e 2000, as vendas de software cresceram a uma taxa anual acima dos 50%. Tal indústria está emergindo como uma grande contribuinte para os ganhos com exportação na Índia: a proporção de exportação de software para a exportação total de bens cresceu de números insignificantes em 1990 para 18% no biênio 2002-03. Apesar de apresentar um desempenho exportador relevante, o setor de software possui uma participação global no PIB de menos 3%, contribuindo também para uma baixa quantidade proporcional de empregos gerados. O número corresponde a 500.000 nos anos de 2002-03. O mercado doméstico para TI, embora crescente, é pequeno e a indústria não possui ligações com setores da economia do país. Apesar desses fatores, os serviços de software representam um dos setores de mais rápido crescimento na economia indiana, tendo sido responsável por 28% do crescimento do PIB daquele país entre os anos de 2000 e 2002 (Athreye, 2005). O paradoxo do sucesso indiano na indústria de serviços de tecnologia quando a economia em si encontra-se em um estágio tecnologicamente atrasado estimula o debate nos meios empresariais e acadêmicos, renovando esperanças de um sucesso replicável em outras economias em desenvolvimento. A tabela a seguir apresenta a evolução de exportações, vendas para o mercado doméstico e as receitas totais da indústria de software indiana. São apresentadas duas colunas que demonstram o crescimento em relação ao período anterior e outra com o percentual que as vendas domésticas representam em relação às exportações. Crescimento Crescimento Vendas das Vendas do mercado Receitas domésticas/ Ano Exportações exportações domésticas doméstico totais Exportações 1987-88 52 - 74 - 126 142% 1990-91 128 146% 115 55% 243 90% 1991-92 164 28% 122 6% 286 74% 1992-93 225 37% 165 35% 390 73% 1994-95 485 47% 339 51% 824 70% 1995-96 735 52% 487 44% 1222 66% 1996-97 1110 51% 712 46% 1822 64% 1997-98 1790 61% 981 38% 2771 55% 1998-99 2650 48% 1203 23% 3853 45% 18 Crescimento Crescimento Vendas das Vendas do mercado Receitas domésticas/ Ano Exportações exportações domésticas doméstico totais Exportações 1999-00 4000 51% 2195 82% 6195 55% 2000-01 6230 56% 2173 -1% 8403 35% 2001-02 7680 23% 2420 11% 10100 32% Tabela 2.2: Evolução da indústria indiana de software (em Milhões de US$) Fonte: Adaptado de (Veloso, et al., 2003) Se calcularmos uma média direta dos crescimentos das exportações e do mercado doméstico, obtemos os valores de 54% e 36% respectivamente. Conclui-se assim que apesar de o último (mercado doméstico) ter auferido um rápido crescimento no período, o primeiro (exportações da indústria indiana) apresentou um crescimento ainda mais acelerado, superior em aproximadamente 50% ao último. O grande sucesso e o crescimento acelerado da indústria indiana de software tornamse de grande relevância quando se considera que a Índia é um país pobre, com um nível de analfabetismo por volta de 33%. A questão que surge nesse momento é: quais fatores explicariam tais resultados? A primeira explicação concentra-se no diferencial salarial entre a Índia e os principais países demandantes de software no mundo desenvolvido. Esse argumento explica parcialmente os resultados, pois inicialmente tal diferencial pode ter representado de fato uma grande fonte de lucratividade para as empresas indianas, mas ao longo dos anos, detecta-se que os níveis salariais dessa indústria sofreram um crescimento mais acelerado do que aquele verificado em outras indústrias daquele país. Uma segunda explicação estaria relacionada com o sucesso das políticas de liberalização da economia indiana executadas no início da década de 1990, após duas décadas de investimento por parte do governo central em capital humano no período de substituição de importações. Como é possível verificar na tabela 2.2, o grande impulso da indústria indiana de software, de fato ocorreu em meados da década de 1990, mas por outro lado, é possível constatar que a indústria já apresentava números significativos nos anos de 1987-88, conduzindo a uma conclusão de que muitos dos atores importantes para esse mercado já estavam estabelecidos. Um terceiro argumento utilizado estaria relacionado à grande disponibilidade de capital humano. Não há evidências que sugiram que o governo indiano tenha desenvolvido o capital humano particularmente para equipar a indústria de software. As conquistas da Índia na educação terciária em meados dos anos 1980 resultaram de um 19 superinvestimento em educação com vistas a preparar sua força de trabalho para sua política de substituição de importações, que não ocorreu. Ao fim da década de 1980, os engenheiros formados nesse processo eram uma massa desmoralizada, preparada para um mercado que não desejava pagá-los o suficiente (Athreye, 2005). No aspecto do elevado preparo da força de trabalho indiana, um aspecto conta fortemente a favor do desenvolvimento dessa indústria: a educação e treinamento na língua inglesa a qual todos os engenheiros daquele país foram submetidos (Arora, et al., 2001). Uma quarta linha de argumentação estaria relacionada à contribuição dos expatriados indianos existentes, principalmente nos EUA. Os engenheiros indianos que migraram para os EUA durante as décadas de 1960 e 1970 parecem ter constituído uma relevante fonte de financiamento, assistência técnica e inteligência de mercado para as companhias indianas. Essencialmente, tais engenheiros constituíram o que se convenciona chamar atualmente networks. Eles estabeleceram relações entre clientes potenciais nos EUA e fornecedores em seu país. A questão que se coloca nesse aspecto é: por que então os expatriados optaram por investir no setor de software? Argumenta-se que o investimento nesse setor não requer grandes quantias; muitos dos expatriados que retornaram dos EUA trouxeram consigo técnicas mais avançadas de gestão, vivência em uma cultura estrangeira, e novos hábitos de trabalhos que lhes permitiram trabalhar sob o regime de body shop 4 de software como uma forma de negócio; esse setor permite aos indianos estar em contato direto com os avanços mais recentes na área, uma vez que os links via satélite lhes facultam tal acesso e facilitam o contato com clientes remotos (Balasubramanyam, et al., 1997). É possível dizer que a evolução da indústria indiana e os resultados apresentados decorram de uma série de políticas públicas adotadas a partir da década de 1970. A tabela seguinte nos traz um breve resumo das principais políticas adotadas pelos vários governos indianos no sentido de estimular sua indústria de informática. 4 O regime de contratação body shop é comumente utilizado na área de informática. Nesse regime de trabalho uma empresa demandante, nesse caso cliente, contrata uma terceira empresa, nesse caso fornecedora, que lhe atribui um funcionário para atender uma determinada demanda de trabalho. A diferença com o regime tradicional de trabalho é que apesar desse funcionário trabalhar para a empresa cliente, seu vínculo profissional é estabelecido com a empresa terceira. Há uma clara desvinculação da gestão do trabalho do empregado e a gestão de sua relação contratual de trabalho. 20 Ano 1972 Política adotada Esquema de exportação de software 1976 Detalhamento da Política Importação de hardware permitida com propósito de desenvolvimento de software desde que o valor do equipamento fosse recuperado através de ganhos com receitas de exportações dentro de um período de cinco anos. Liberalização adicional das Taxa sobre importação de hardware reduzida de 100% para 40%; desembaraço aduaneiro mais ágil para exportação de políticas para a indústria aplicações de software; exportadores de software poderiam se beneficiar de incentivos de Zona de Processamento de de software Exportações; indianos não-residentes poderiam importar hardware com o propósito de exportação 100% do software produzido. 1981 Controle mais rígido sobre Tarifas alfandegárias sobre o hardware são elevadas, mas governo concede permissão para as empresas utilizar as importações hardware para o desenvolvimento de software para o mercado doméstico assim como para a exportação. Os exportadores de software também podem importar computadores “emprestados”. 1984 Nova política de Tarifas de importação para hardware e software são reduzidas de 135% para 60% para o hardware e de 100% para 60% computadores para o software; o software é reconhecido como uma indústria e os procedimentos de licenciamento são simplificados; a isenção no imposto incidente sobre os ganhos líquidos de exportação são reduzidos de 100% para 50%. 1986 Política de exportação, As importações de hardware e software são ainda mais desregulamentadas; qualquer um pode importar a uma tarifa de desenvolvimento e 60%. Para as unidades de produção de software 100% orientadas a exportação, há uma isenção total na tarifa de treinamento em software importação de hardware; as firmas indianas obtêm permissão para vender software estrangeiro, ou seja, podem tornarse distribuidoras. 1988 Parques Tecnológicos de Criação dos Parques Tecnológicos de Software para a produção de software para exportação. Software (STP em inglês) 1991 1992 Programa de ampla Redução nas cobranças para os links de satélites; redução das tarifas de importação de software em 1994 para 20% liberalização da economia para aplicações de software e 65% para sistemas de software e em 1995 para 10% em ambos os casos. Reforma das políticas de As exportações de software são enquadradas no Ato de Isenção de Impostos isentando os exportadores de imposto de tributação renda; a confirmação de tal status passou a ocorreu anualmente até 1995 quando se torna sem prazo de término. Tabela 2.3: Principais políticas adotadas na Indústria Indiana de Software Fonte: Adaptado de (Veloso, et al., 2003) 21 Apesar de todo o sucesso que a Índia vem obtendo no mercado mundial de offshoring, há dores inevitáveis associadas a esse processo. Entre os trabalhadores desse segmento há uma rotatividade de aproximadamente 50% ao ano, que gera aumentos de custos superiores à inflação indiana. Independente da grande população indiana, o contingente de profissionais de TI é limitado e o grande volume de exportações já torna notável a falta de trabalhadores qualificados. Somados a esses aspectos, há outros fatores que trazem grandes desafios a serem enfrentados pela Índia tais como (Gil, et al., 2007): i) A diferença de fuso horário de 11 horas com Nova York que inicialmente era vista como vantagem tornou-se uma barreira para que a Índia possa subir na cadeia de valor do software e oferecer produtos mais sofisticados do que somente a correção do “bug do milênio”. Aplicações mais complexas demandam uma interação maior entre programadores, arquitetos de sistemas e gerentes de projetos; ii) A distância entre os mercados comprador e fornecedor se traduz em vôos de aproximadamente 30 horas de duração, fator que inibe uma maior interação entre as partes, dificultando a prospecção de novas oportunidades; iii) As diferenças culturais afetam aspectos importantes ligados principalmente à segurança: a. Concentração de todos os trabalhadores de off-shoring em um único fornecedor mundial; b. Presença de conflitos históricos entre países e etnias de grande violência e difícil controle. 22 2.1.4. A Indústria de Software na China Descreve-se a indústria chinesa de software como enigmática, assim como a China do passado. Seu estado atual é difícil de descrever e de se prever dado seu estágio incipiente e forças que variam de forma considerável (Tschang, et al., 2005). A indústria de software da China data da década de 1990. Exceto por um grande número de integradores de sistemas que tendem a fazer trabalhos de baixo valor agregado, a emergência de empreendimentos de software que fazem a combinação de programação e desenvolvimento de sistemas é recente (Veloso, et al., 2003). O tamanho do setor é estimado em US$ 12,3 bilhões, sua receita agregada representou por volta de 0,5% do PIB no ano de 2006. Apesar de seu pequeno tamanho, o segmento de software e serviços ganhou um lugar de destaque na indústria chinesa de TI devido ao tamanho potencial do mercado doméstico e o foco especial do governo para promovê-lo. Estima-se que o setor partiu de US$ 2,4 bilhões em 2000 para US$ 12,3 bilhões em 2006, uma taxa de crescimento anual de 31%. O mercado doméstico é representado por 86% das receitas totais de software e serviços de TI, estimado US$ 10,5 bilhões em 2006. Estimou-se um crescimento de 19,5% para o segmento no ano de 2005. É previsto que no período de 2006 a 2010, o segmento doméstico cresça a uma taxa anual de 18,3% e ultrapasse a cifra de US$ 20 bilhões em 2010 (NASSCOM, 2007). A China, assim como Brasil e Índia, perseguiu uma estratégia de independência tecnológica desde 1949. Tal estratégia foi concentrada em setores militares e todas as atividades de ciência e tecnologia foram planejadas e coordenadas pelo Estado de forma centralizada até 1977. Na medida em que o planejamento central começou a ser substituído gradualmente por políticas mais orientadas ao mercado na década de 1980, o software começou a tomar importância na agenda política (Veloso, et al., 2003). Estima-se que haja entre 8.000 e 10.000 empresas operando no setor de software e serviços de TI na China. Dessas, a grande maioria é formada por pequenas empresas com menos de 50 empregados cada, com operações predominantemente restritas à suas respectivas cidades ou províncias. Calcula-se que as exportações chinesas de software teriam alcançado US$ 1,4 bilhão em 2006 e que esse número alcance US$ 7 bilhões em 2010 (NASSCOM, 2007). A tabela descreve de forma resumida as políticas adotadas por sucessivos governos para fomentar a indústria de software (Veloso, et al., 2003). 23 Ano 1986 Política adotada Programa “863” do Ministério da Ciência e Tecnologia 1988 para um amplo conjunto de tecnologias, não somente software. Programa “Torch” do Financiamento de 2.742 projetos até 1999 com 29 milhões de yuans e 52 zonas de alta tecnologia foram Ministério da Ciência e estabelecidas (para um conjunto amplo de tecnologias e não somente software). Em 2000, 80% das vendas Tecnologia para desenvolver de software vieram de 2.100 empreendimentos localizados dentro de 19 parques de software estabelecidos zonas industriais de alta pelo programa. O programa “Torch” funcionou melhor para as maiores empresas que tinham conexões no tecnologia 1992 Detalhes Financiamento de 5200 projetos e 230 tópicos até 2000 com 10 bilhões de yuans de fundos governamentais governo. Ministério da Ciência e Tecnologia declara Pequim, Xangai, Zhuhai como bases de software 1993 Reconhecimento do papel principal dos Dois integradores de sistemas, Legend e Founder, foram criados com base em resultados de pesquisas decorrentes dos projetos do Programa “Torch”. empreendimentos nãoestatais no ambiente orientado ao mercado 1997 15º Congresso do Partido Comunista aceita o empreendimento privado Fim dos 1990 Tratamento preferencial para Preferência em compras governamentais e acesso a crédito com baixas taxas de juros. todas as empresas domésticas designadas pelo 24 Ano Política adotada governo como Detalhes tecnologicamente avançadas 1999 Redução no pessoal do O pessoal demitido foi trabalhar em empresas privadas e os salários do pessoal remanescente foram Instituto de Software da aumentados substancialmente, reduzindo assim a rotatividade. Academia de Ciências Chinesa 1999 Agrupamento de medidas As medidas incluíram: fundos para inovação, tratamento preferencial em compras governamentais, dedução políticas para desenvolver as de gastos com P&D, isenção de impostos para todas as receitas decorrentes de transferência de tecnologia, empresas de tecnologia alíquota preferencial de 6% no imposto de valor adicionado para produtos de software desenvolvidos e produzidos na China, dedutibilidade de gastos em folha de pagamento para empresa de desenvolvimento de software. Início dos 2000 Comissão de Planejamento e Elas estavam localizadas em Pequim, Xangai, Dalian, Chengdu, Xi’an, Jinan, Hangzhou, Guangzhou, Desenvolvimento do Estado, Changsha e Nanjing. órgão responsável pela coordenação macroeconômica de políticas de longo prazo, anuncia dez bases de software em nível nacional para receber o apoio do governo central Tabela 2.4: Principais políticas adotadas na Indústria Chinesa de Software Fonte: Adaptado de (Veloso, et al., 2003) 25 Mais recentemente os gastos governamentais deram um novo impulso para o setor, em decorrência de dois eventos principais: a acessão da China à OMC e a preparaçã preparação do país para recepcionar os Jogos Olímpicos de 2008 e a Expo de Xangai em 2010. O primeiro pela necessidade de aumentar a produtividade das empresas de forma a permiti-las las concorrer em um ambiente de livre iniciativa e a última como uma prioridade clara do governo para a organização de tais eventos. Japão e Coréia do Sul constituem-se constituem se nos dois maiores mercados de exportação de software da China. Tais geografias responderam por aproximadamente 60% do total em 2005. A participação de exportações para os mercados mercados ocidentais (EUA e Europa Ocidental) vem crescendo continuamente desde 2003, passando de 15% naquele ano para 23% em 2005. A figura a seguir demonstra a evolução dos números de 2003 a 2005. softwares chineses Figura 2.2: Principais mercados para exportação de softwares Fonte: Adaptado de (NASSCOM, 2007 p. 16) 26 2.1.5. A Indústria de Software no Brasil Durante a década de 1990, o Brasil desenvolveu uma ampla e dinâmica indústria de software que experimentou taxas de crescimento de dois dígitos ao longo da década. A sua participação no segmento de Tecnologia da Informação foi aumentada, sobrepondo o hardware para se tornar, junto com os serviços, o mais importante segmento depois de 2000. Entre 1991 e 2001, sua participação no PIB mais que triplicou para 1,5% e o mercado brasileiro de software se tornou o sétimo maior do mundo, avaliado em US$ 7,7 bilhões, e comparável em tamanho aos mercados: indiano e chinês (Botelho, et al., 2005). Com a política de substituição implementada pelos governos brasileiros nas décadas de 1970 e 1980, em 1984 foi introduzida a lei do “similar nacional”. Sob a égide de tal legislação a importação de quaisquer equipamentos de hardware para os quais houvesse algum tipo de similar nacional, a importação estaria proibida. Esse arcabouço legal procurava proteger os segmentos voltados aos equipamentos de pequeno e médio porte. A lei de informática de 1984 garantia uma reserva de mercado, para os produtores locais pelos oito anos seguintes à sua promulgação, para a quase totalidade dos produtos e serviços relacionados às atividades de informática (Garcia, et al., 2004). A principal conseqüência para a indústria de software nesse período da reserva de mercado foi um aumento nos preços do hardware para os usuários finais, atrasando e reduzindo o escopo da difusão das inovações em TI e, bloqueando o desenvolvimento desses usuários como utilizadores sofisticados e maduros de software (Veloso, et al., 2003). Embora tanto Brasil quanto Índia tenha partido na década de 1980, em suas respectivas indústrias de informática, de uma política de substituição de importações, houve em 1974 um gérmen da futura diferenciação e consolidação da Índia como um grande exportador de software nos anos 2000. A partir de 1974, os vários governos indianos foram instituindo várias medidas que introduziam estímulos para o desenvolvimento da indústria de software, a partir de importação facilitada e barateada de hardware estrangeiro. Enquanto não havia nenhuma medida equivalente nas políticas protecionistas brasileiras (Veloso, et al., 2003). Mas de que forma essa política de reserva de informática pode ter condicionado a criação e a evolução inicial da indústria brasileira de software? A esse respeito podese afirmar que (Botelho, et al., 2005): 27 • O foco inicial, assim como na Índia, da política de informática esteve concentrado no desenvolvimento da uma indústria de hardware, mas esses esforços criaram uma base subseqüente para o desenvolvimento da indústria brasileira de software na medida em que aumentou a disponibilidade de profissionais formados em ciência de computação e áreas afins. • Embora a política de reserva de informática não tenha sido bem-sucedida em estabelecer uma indústria de TI competitiva, ela proporcionou às empresas de TI uma dimensão nacional, facilitou a aquisição de tecnologia pelas empresas locais através de alianças estabelecidas com firmas estrangeiras e gerou alguns nichos especializados tais como bancos e telecomunicações. • O mercado brasileiro de software alcançou a dimensão de US$ 1,1 bilhão em 1991, um terço da indústria total de TI. Em 1990 assume um novo governo com orientação liberal e que promove o completo desmonte a política de reserva de mercado para a informática. Tal desmonte ocorre em decorrência de pressões internacionais e nacionais sobre as lideranças do país. Nesse ano, a antiga e até então poderosa SEI é esvaziada, sendo transformada em um simples departamento do MCT. O fim efetivo da reserva ocorre em outubro de 1992, deixando não somente o setor de informática sem um arcabouço institucional mínimo, mas todo o complexo eletrônico. A Lei 8.248/91 promulgada em 1991 define as novas estruturas legais para o setor de informática, sendo regulamentada em 1993. Essa legislação elimina as restrições anteriores ao capital estrangeiro e define uma nova política de estímulo centrada na obrigatoriedade de esforços mínimos em P&D. No início da década de 1990, como parte integrante de um projeto maior denominado DESI, os seguintes projetos prioritários correlatos são lançados (Garcia, et al., 2004): • Rede Nacional de Pesquisa (RNP), com o propósito de implementar a infraestrutura para a Internet acadêmica. • Programa Temático Multiinstitucional em Ciência da Computação – ProTeMCC que visava articular projetos de pesquisa consorciados entre a comunidade científica e o setor privado. • Programa Nacional de Software para Exportação (SOFTEX) que tinha por objetivo ampliar a participação do software brasileiro no mercado internacional. Esse programa tinha por meta principal alcançar US$ 2 bilhões em exportações de software no ano 2000. • Sistema Nacional de Processamento de Alto Desempenho (SINAPAD) que visava criar centros prestadores de serviços de supercomputação no país. 28 A aplicação desta legislação resultou em acréscimos significativos investidos em P&D durante sua vigência. Esse tipo de política foi bastante diferente daquela empregada no período de substituição de importações. Os instrumentos de estímulo estão alinhados com um novo ambiente de economia aberta e relações comerciais internacionais intensificadas (Garcia, et al., 2004). No início da década de 1990, a indústria brasileira de software começou a crescer de forma acelerada. Como é possível visualizar na figura a seguir, de 1991 a 1996 a taxa de crescimento anual foi da ordem de 20%. Na segunda metade da década, apesar da grande crise vivida no país e da retração verificada no PIB, a indústria de software cresceu em reais a taxas de quase 30% ao ano (Botelho, et al., 2005). 30% 25% 20% 27% 23% 21% 19% 13% 15% 10% PIB (US$) 5% SW (US$) 5% SW (R$) 0% -5% TI (US$) 1991/1996 1996/2001 1991/2001 -10% -15% Figura 2.3: Crescimento anual médio do mercado de TI brasileiro Fonte: (SEPIN, novembro 2002). Taxa de crescimento para software somente baseados em produtos de software (excluso serviços); SW – software; Com o fim da vigência dessa lei, após amplo debate entre os parlamentares brasileiros, é aprovada a Lei 10.176/01 em dezembro de 2000 e sancionada em janeiro de 2001. Esse instrumento legal mantém os benefícios da lei anterior, ou seja, concede estímulos fiscais para investimentos internos às empresas em P&D. A nova “lei de informática” estende esses benefícios até 2009 e aprimora o arcabouço anterior, incentivando a descentralização do desenvolvimento (Garcia, et al., 2004). A indústria de software no Brasil possui uma grande participação de pequenas empresas. A publicação da ABES de 2007 traz um panorama dessas proporções. Atuam no mercado brasileiro de software 7.818 empresas, incluindo as multinacionais que detém a liderança nos segmentos de produtos e serviços, e um elevado número de empresas de controle nacional, em sua maioria de pequeno e médio portes. 29 Aproximadamente 53,6% das empresas fazem somente a distribuição de software, 22,22% são empresas de serviços e 24,2% desenvolvem software, incluídas as empresas de software produto e prestadores de serviços de desenvolvimento de programas para terceiros (ABES, 2007). Estudos recentes apontam que o Brasil possui atualmente condições simples e claras para lançar as bases para uma estratégia de transformação em plataforma de exportação de software. Nesse estágio, o país possui vantagens comparativas e problemas a resolver, descritos a seguir (Gil, et al., 2007): i) Vantagens comparativas a. Cultura e conhecimento de negócios; b. Mercado interno de TI amplo e diversificado; c. Fuso horário e ausência de desastres naturais; d. Ausência de conflitos étnicos/terrorismo; e. Sistema jurídico ocidental e democrático; f. Estabilidade econômica e política. ii) Problemas a resolver: a. Custo de mão-de-obra onerado por impostos; b. Formação de pessoal qualificado em volume suficiente e com proficiência em inglês; c. Estrutura de capitalização de empresas nacionais. 30 2.2. AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O SETOR DE SOFTWARE 2.2.1. A Vantagem Competitiva das Nações (Porter, 1993) Porter (1993) propõe em seu livro “The Competitive Advantage of Nations” um framework para a análise da vantagem competitiva das nações com a seguinte questão: “Por que um país obtém êxito internacional numa determinada indústria?” A seguir, o autor determina que quatro grandes atributos, denominados o diamante da vantagem nacional, estruturam o ambiente no qual as empresas competem e que promovem (ou impedem) a criação da vantagem competitiva: 1. Condições dos fatores. A posição do país nos fatores de produção, como trabalho especializado ou infra-estrutura, necessários à competição em determinada indústria. 2. Condições de demanda. A natureza da demanda interna para os produtos ou serviços da indústria. 3. Indústrias correlatas e de apoio. A presença ou ausência, no país, de indústrias abastecedoras e indústrias correlatas que sejam internacionalmente competitivas. 4. Estratégia, estrutura e rivalidade das empresas. As condições que, no país, governam a maneira pela qual as empresas são criadas, organizadas e dirigidas, mais a natureza da rivalidade interna. Figura 2.4: Diamante da Vantagem Competitiva Nacional Fonte: (Porter, 1993) 31 O autor define que o “diamante” é um sistema mutuamente fortalecedor. Assim, o efeito de um determinante é dependente do estado dos outros. Condições de demanda favoráveis, por exemplo, não poderão levar a vantagem competitiva se o estado de rivalidade não for suficiente para fazer com que as empresas respondam a elas. Vantagens num determinante também criam ou melhoram as vantagens em outros. A vantagem competitiva baseada em um ou dois determinantes do diamante é possível em indústrias dependentes de recursos naturais ou indústrias que envolvem pouca tecnologia ou competência sofisticada. Essa vantagem geralmente é insustentável, pois se modifica rapidamente e os competidores globais podem copiá-la com facilidade. Duas variáveis adicionais podem influenciar o sistema nacional de maneira importante: o acaso e o governo. O acaso representa-se pelos acontecimentos fora do controle das empresas, como as invenções puras, descobertas em tecnologias básicas, guerras, acontecimentos políticos externos e grandes mudanças na demanda do mercado externo. Tais acontecimentos já tiveram um papel importante na transferência da vantagem competitiva em muitas indústrias. O governo, por sua vez, pode melhorar ou piorar a vantagem nacional. Ao analisar cada um dos determinantes é possível identificar com maior clareza esse papel representado pelo governo. A política antitruste afeta a rivalidade interna. A regulamentação pode modificar as condições da demanda interna. Os investimentos em educação podem modificar as condições de fator. As compras governamentais podem estimular indústrias correlatas e de apoio. Políticas implementadas sem o exame da maneira pela qual influem em todo o sistema de determinantes podem tanto fortalecer quanto enfraquecer a vantagem nacional. Apesar de ter influência sobre a vantagem competitiva, o papel do governo é parcial. A política governamental falhará se continuar sendo a única fonte de vantagem competitiva nacional. As políticas bem-sucedidas funcionam nas indústrias onde os determinantes subjacentes da vantagem nacional estão presentes e onde o governo os reforça. O governo, pelo que indica o estudo de Porter, pode apressar ou aumentar as probabilidades e obter vantagem competitiva, mas falta-lhe o poder de criar a própria vantagem. A composição da demanda interna está na raiz da vantagem nacional, ao passo que o tamanho e padrão de crescimento dessa demanda podem ampliar tal vantagem, afetando o comportamento, a oportunidade e a motivação do investimento. Há uma 32 terceira maneira pela qual as condições de demanda interna contribuem, através dos mecanismos pelos quais a demanda interna se internacionaliza e impulsiona os produtos e serviços do país para o exterior. Se os compradores nacionais de um produto ou serviço forem móveis ou companhias multinacionais, cria-se uma vantagem para as empresas do país porque os compradores internos são também os externos. Os consumidores móveis, que viajam para outros países, constituem uma base de clientes muitas vezes fiéis nos mercados estrangeiros. A existência dessa base demonstra uma oportunidade de estabelecer no exterior a presença de uma empresa nacional e pode levar ao estabelecimento da empresa no estrangeiro. A internacionalização das empresas do país é vista muitas vezes com suspeita. Há quem veja inevitável dicotomia entre as necessidades do país e as necessidades das empresas. Se as empresas investem ou se abastecem no exterior, isso é considerado prova de prejuízo do país. O licenciamento de tecnologia para outros países é visto como a entrega dos segredos nacionais. A dicotomia entre os interesses do país e os interesses de suas empresas é falsa, quase sempre a longo prazo. A globalização da estratégia e o abastecimento do exterior de produtos e componentes menos sofisticados são fundamentais para o processo de tornar as vantagens competitivas mais elaboradas e aprimorar a economia. Numa economia em processo de aprimoramento, a internacionalização não ameaça os empregos locais, mas sim a produtividade. A dicotomia entre os interesses de longo prazo (da empresa e do país) é real quando as empresas se internacionalizam ou se deslocam para o exterior, não as atividades menos produtivas, mas aquelas altamente produtivas. Isso acontece quando o “diamante” nacional não é saudável, quando as empresas têm metas que não mantêm os investimentos contínuos ou há pouca pressão para inovar. Os países não se beneficiam com esse tipo de internacionalização nem as próprias empresas a longo prazo. 2.2.2. Política Industrial Políticas industriais e comerciais podem ser consideradas como ferramentas que são utilizadas para influenciar a velocidade do processo de alocação de recursos entre e dentro de setores industriais. Isso implica que as autoridades públicas podem não aceitar a forma com a qual o mercado aloca os recursos e realiza as principais mudanças estruturais. 33 Adicionalmente, políticas de ciência e tecnologia orientadas ao crescimento podem assegurar o fluxo de recursos socialmente suficiente. Pode haver também casos de subsídios para P&D em indústrias de alta tecnologia influenciadas por altos custos fixos. Portanto, a política industrial pode ser considerada como uma resposta positiva para as imperfeições dos mercados modernos, seja de capitais, trabalho ou produtos. Em contraste com a teoria tradicional de comércio, que trata os determinantes dos fatores de contribuição nacional e os desenvolvimentos tecnológicos nacionais como exógenos, argumenta-se que em muitos setores a vantagem comparativa reside na contribuição relativa do capital, que resulta de investimentos acumulados. As políticas governamentais podem alterar o processo de acumulação física e humana de capital ao longo do tempo para melhorar a posição estratégica do país na área de competição internacional. A política industrial pode ser aplicada em três níveis: política macroeconômica, política setorial ou política em nível de empresas. A política macroeconômica é a menos intervencionista e deixa o funcionamento dos setores industriais e das firmas para ser controlado pelo mecanismo de mercado. A política industrial é, portanto, vista como algo para melhorar a estrutura geral dentro da qual as atividades produtoras e consumidoras ocorrem e facilitam um processo automático de ajuste industrial. Políticas setoriais focalizadas em certos setores industriais justificam-se quando imperfeições de mercado ou “falhas de mercado” influenciam indústrias específicas. A razão precisa para a imperfeição ou falha de mercado deve ser identificada e uma política é desenhada para resolver o problema específico diretamente. A política industrial é, assim, vista como sendo capaz de prover mecanismos que não são de mercado para melhorar a resposta dada pelas forças existentes desse ente em uma indústria relevante. As políticas públicas são desenhadas crescentemente para produzir várias formas de ações dirigidas a empresas ou grupos industriais específicos. Políticas com o objetivo de atrair firmas estrangeiras ou desenvolver pequenos negócios locais são exemplos desse tipo de política (Bradley, 1991). Segundo o organismo de comércio e desenvolvimento da ONU (UNCTAD), os agentes criadores das políticas públicas de PEDs devem considerar o software e serviços de TI como uma importante oportunidade de construção de políticas pelas seguintes razões (UNCTAD, 2002): • A indústria de software é um setor de alto crescimento, em termos de rotatividade industrial, saídas e empregos. 34 • Há relativamente poucas barreiras de entrada no setor, particularmente em termos de requisitos financeiros e de capital. • Como tal, representa um das poucas oportunidades abertas para PEDs participar de uma indústria de alta tecnologia, baseada no conhecimento. • A indústria constitui-se em um importante elemento dentro da infra-estrutura do conhecimento de uma economia moderna. Provê um importante suporte e exerce um papel de facilitação para outras partes da economia. • Corretamente apoiada, a indústria provê consideráveis oportunidades para exportações e, por fim, investimento estrangeiro no exterior. • Adicionalmente, a indústria possui o potencial de oferecer um amplo leque de demanda por habilidades que variam desde os mais baixos com trabalhos de entrada de dados até os mais altos com sofisticados trabalhos de programação. Segundo o mesmo estudo, os agentes criadores das políticas públicas enfrentariam as seguintes barreiras e restrições (UNCTAD, 2002): • Para construir e desenvolver uma indústria é necessário um sistema educacional que forneça treinamento para força de trabalho potencial. • Requer identificação de um reservatório de atividades de software e serviços de TI através de um exercício de mapeamento e pessoal a partir do qual seja possível construir uma base industrial. • Muitas das atrações potenciais derivam de ser capaz de desenvolver e melhorar o passado, as atividades iniciais de baixo valor agregado de software. • Esse fator associa-se com a habilidade das empresas locais obterem e servirem sofisticados clientes no estrangeiro baseados nos PDs. • Acima de tudo, o desenvolvimento da indústria requer o comprometimento em termos de coordenação de uma ampla multiplicidade de agências e instituições para proporcionar o ambiente adequado para a indústria prosperar e crescer. 2.2.2.1. Falhas de mercado A intervenção ou não do governo na economia é um dos temas mais controvertidos do pensamento econômico. Economistas com orientação neoclássica são avessos a intervenções governamentais, enquanto que acadêmicos de diversas correntes toleram ou até mesmo estimulam variados níveis de ação governamental. 35 Na década de 1980, surgiu uma nova formulação teórica fundamentada no conceito de imperfeições de mercados e nos princípios de que as empresas e governos poderiam agir de forma a influir nos fluxos de comércio e na riqueza nacional (Hazard, 1989). Mesmo os órgãos que participaram da elaboração do chamado Consenso de Washington – como o Banco Mundial – admitem que as imperfeições de mercado abrem a possibilidade de atuação governamental (Lall, 2004). A nova economia da informação – cujo principal expoente é Stiglitz – é uma das teorias que justificam a intervenção do governo em caso de imperfeições na circulação de informações no mercado (Stiglitz, 2003) (Stiglitz, 2004). Os adeptos desta linha de pensamento defendem a intervenção governamental no sentido de apoiar atividades que i) gerem externalidades positivas, no âmbito de suas empresas, e ii) transfiram para a economia nacional ganhos de outras economias (Hazard, 1989). Afirma-se que mesmo que haja falhas de mercado, as intervenções devem ser consideradas de maneira cautelosa. Os benefícios estimados devem superar as eventuais desvantagens (Lall, 1995). A decisão de intervenção irá depender da proporção e dos custos das falhas de mercado, da capacidade dos mercados de desenvolverem suas soluções próprias e da habilidade do governo de desenhar e de executar as medidas cabíveis. Determinadas intervenções requerem uma elevada quantidade de informação e monitoramento, e conduzi-las de forma eficiente demanda habilidade e imparcialidade significativas dos agentes públicos. Lall (2004) classifica as falhas de mercado em dois tipos de mercados: de produtos e de fatores. O primeiro caso ocorre quando existem: economias de escala ou escopo, externalidades e custos de aprendizado, e a livre concorrência pode não levar a uma alocação ótima de recursos. O segundo caso aborda a carência de fatores como mãode-obra, crédito, infra-estrutura, habilidades e tecnologia. As falhas nos mercados de informação e de tecnologia podem advir de dificuldades no influxo do exterior e de atividades domésticas. Os mercados internacionais de tecnologia são conhecidos por suas várias imperfeições. Lall (1995) sugere que uma política para falhas desse tipo seria fortalecer as capacidades de empreendimentos locais de: selecionar, negociar e comprar tecnologias nos mercados estrangeiros. As falhas do mercado financeiro de países em desenvolvimento também são um fato marcante (Lall, 1995) (Stiglitz, 2003) (Stiglitz, 2004). Os intermediários financeiros podem sofrer por falta de informação, especialmente de pequenos tomadores e em projetos tecnológicos de risco elevado. As forças de mercado podem ser capazes de 36 fornecer algumas soluções, mas o governo pode ser chamado para fornecer seed money5, em alguns casos. Os críticos das imperfeições de mercado afirmam que dado que cada indústria compete por recursos com todas as demais indústrias, e os recursos fluem na economia buscando sua melhor alocação, a atuação governamental poderia distorcer o mercado e gerar graves desequilíbrios e ineficiências ao longo do tempo (Hazard, 1989 pp. 4-5). 2.2.2.2. A Política Industrial do Governo Federal Em março de 2003, o Governo Federal lançou a Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). Dentre os setores eleitos como prioritários, o setor de software foi eleito como um dos prioritários em função de sua importância estratégica para a economia brasileira (Gutierrez, 2007). Em um trabalho do BNDES, Júnior (2005) afirma que “...busca de caminhos que viabilizem o crescimento sustentado e regular da economia a taxas que garantam a geração de postos de trabalho quantitativa e qualitativamente compatíveis com as necessidades do país tem sido uma importante meta do governo. O caminho escolhido para atingi-la passa inexoravelmente pela ampliação do mercado interno e pelo aumento do fluxo de comércio internacional, dois itens que hoje, mais que nunca, implicam o atendimento a requisitos que emergem com gigantesca força neste início do século 21, tais como inovação, competitividade, produtos de maior valor agregado, capacitação gerencial e tecnológica e presença forte nos fóruns de comércio internacional. Isso se traduz em uma nova ‘matéria-prima’ chamada ‘conhecimento’, que viabiliza maiores taxas de desenvolvimento a partir das mesmas quantidades de capital e trabalho.” (Junior, 2005 p. 18) Diferentemente da maior parte de seus congêneres latino-americanos, o Brasil logrou sucesso em constituir uma base industrial extremamente diversificada. Ao longo dos últimos 15 anos, com a abertura comercial, o país trilhou um caminho em busca de maior qualidade e competitividade para seus produtos. Tal trajetória acabou por 5 Segundo o sítio de Venture Capital da Finep (www.venturecapital.gov.br), seed money ou capital semente são recursos usados para o investimento inicial em um projeto ou empresa nascente, para validação do conceito, pesquisa de mercado ou desenvolvimento do produto. 37 influenciar positivamente a participação relativa de bens e serviços na pauta de exportações. Contudo, nesse sentido ainda há grandes desafios a serem enfrentados pelo país. China e Índia têm conseguido modificar de maneira relevante os pólos dinâmicos de suas economias, buscando desenvolver novos produtos através da utilização de novas tecnologias e processos associados ao conhecimento (Junior, 2005). Com o objetivo de alinhar o comportamento competitivo do país com aquele apresentado por seus parceiros do BRIC, o Governo Federal procurou desenvolver a PITCE que prioriza alguns setores que demonstram um efeito multiplicador de benefícios para a sociedade brasileira. Para evitar a concentração regional dos benefícios dessas políticas foram previstas estímulos para o fortalecimento dos arranjos produtivos locais. Por fim, para evitar uma eventual perda de eficiência por parte das empresas que venham a se beneficiar desse programa, os incentivos possuem uma duração limitada somente para igualar condições de financiamento disponíveis para suas concorrentes internacionais (Junior, 2005). Como linhas de ação, a PITCE contém princípios que devem ser adotados pelos órgãos públicos no direcionamento de suas atividades e também nos relacionamentos com o setor privado. Os princípios adotados são: i) inovação e desenvolvimento tecnológico; ii) modernização industrial; iii) aumento da capacidade e escala produtiva; e iv) inserção externa. Os setores de fármacos e medicamentos, software, semicondutores e bens de capital foram considerados estratégicos pela PITCE. Argumenta-se que as razões para tal escolha dos setores foram: • Dinamismo crescente e sustentável. • Intensidade em pesquisa e desenvolvimento. • Relacionamento direto com a inovação de processos, produtos e formas de uso. • Efeito indutor de melhorias em outras cadeias produtivas. • Potencial para o desenvolvimento de vantagens comparativas dinâmicas. Para a formulação específica do setor de software, foram levadas em conta a dimensão do mercado interno brasileiro e as competências desenvolvidas pelas empresas locais no atendimento desse mercado. Na ocasião, as exportações nacionais de software eram estimadas em US$ 100 milhões e estavam bastante distantes do país exemplo nesse segmento, a Índia. 38 As ações planejadas pela PITCE buscavam atender um conjunto de metas, dentre as quais estavam (Gutierrez, 2007): • Ampliação do mercado interno e aumento da participação da tecnologia nacional. • Fortalecimento das empresas brasileiras e promoção de sua internacionalização. • Instalação no país de centros cativos com vistas a gerar grandes volumes de exportações. • Criação de programas de certificação de empresas em modelos e normas de qualidade. • Adequação do marco regulatório brasileiro às atividades de produção e comercialização de software; • Aumento da qualificação de recursos humanos especializados. • Racionalização das compras governamentais de software com o objetivo de impulsionar a indústria nacional. O autor do trabalho sobre a Política Industrial de 2003, por fim, estabelece que: “A PITCE tem se caracterizado como uma intervenção salutar do Estado na economia, de forma a promover o desenvolvimento do país focado no aprimoramento tecnológico, na geração de postos qualificados de trabalho, na redução da dependência externa de insumos, no aumento do valor agregado na pauta de exportações etc.” (Junior, 2005 p. 27) 2.2.3. O Programa Softex O Programa Softex 2000 foi concebido no âmbito de um projeto mais amplo, o Projeto de Desenvolvimento Estratégico da Informática (Desi). O DESI, por sua vez, surgiu como parte do escopo do II Plano Nacional de Informática (II Planin), que definia alguns objetivos para o desenvolvimento da informática no Brasil, dentre os quais destacam-se os seguintes: • Estimular a criação de programas de cooperação entre empresas, universidades e centros de pesquisa, com o propósito de desenvolver tecnologia para design, produção e uso de produtos e serviços de informática. • Direcionar os programas de cooperação internacional para a realização de atividades pré-competitivas de P&D em áreas estratégicas de informática. • Exportar 20% dos resultados do setor de informática como um todo até 1995. 39 • Empresas nacionais alcançarem 50% do mercado interno de software até 1995. • Empresas de software auferirem 30% de seus negócios por intermédio de exportações até 1995. O documento a partir do qual se originou o Projeto DESI, aponta que as principais razões que levaram à sua criação foram6: • A necessidade de articular e implantar um plano de longo prazo para o desenvolvimento estratégico da informática no Brasil, que traduzisse as diretrizes e os objetivos do II Planin em termos concretos; • A necessidade de articular as atividades e iniciativas de diversas instituições as quais atuassem em papéis-chave na informática no Brasil, mas sem nenhuma sinergia entre elas. A formalização e assinatura do Projeto de Desenvolvimento Estratégico da Informática (DESI) ocorreu em 2 de fevereiro de 1993, como fruto de uma parceria entre o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério das Relações Exteriores e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (Stefanuto, 2004). A concepção do Programa Softex 2000 teve origem no centro de pesquisas do Sistema Telebrás (CPqD), em agosto de 1991, quando ocorreram discussões internas sobre o potencial de exportação brasileiro de software utilizado em telecomunicações, uma vez que 80% do valor das centrais telefônicas (Centrais Trópico) se referia ao software que lhes era agregado (Melo, et al., 1997). O Programa Softex 2000 foi oficialmente criado em fevereiro de 1993, como um dos programas do DESI, tendo como principal objetivo a promoção da exportação do software desenvolvido no País. A meta principal do Programa era de alcançar 1% do mercado mundial de software no ano 2000 (que, naquela ocasião, estimava-se em US$ 2 bilhões). De 1993 a 1996, o Programa concentrou suas ações na construção de bases operacionais, para o desenvolvimento das ações desse Programa. As ações estavam localizadas principalmente na preparação e na sensibilização dos empresários para exportação de software. Para alcançar tais propósitos empreendeu-se uma série de atividades, que iam desde a capacitação em novas tecnologias até a realização de contatos no exterior. 6 Documento do Projeto PNUD/BRA92/019 40 A partir das reflexões e conclusões do Planejamento Estratégico da Softex, em 1996, houve o início de um movimento de busca por maior foco, maior ênfase em resultados e busca por uma identidade própria. Em 3 de dezembro de 1996, foi criada a Sociedade Brasileira para Promoção da Exportação de Software (Softex), uma instituição de direito privado sem fins lucrativos, que passou a atuar como gestora do Programa Softex 2000 a partir de 2 de janeiro de 1997 (Weber, 1997). A partir da criação da Sociedade Softex, o principal objetivo do Programa (alcançar 1% do mercado mundial em 2000) foi modificado para conter seis metas permanentes: • Posicionar o Brasil entre os cinco maiores produtores e exportadores de software do mundo. • Alcançar padrão internacional de qualidade e produtividade em software. • Melhorar continuamente a capacitação gerencial, mercadológica e técnica das empresas de software no Brasil. • Consolidar a imagem do Brasil (marketing) como produtor e exportador de software, tanto internamente como no exterior. • Dispor de recursos financeiros para desenvolver negócios voltados à produção e exportação de software, de fontes similares às existentes nos Estados Unidos e na Europa. • Reduzir os custos brasileiros para a produção e exportação de software. Apesar do objetivo de repassar o controle do Programa para o setor privado, tanto do ponto de vista operacional, político ou mesmo em termos de financiamento, o setor privado não “comprou” completamente a idéia do Programa Softex (Stefanuto, 2004). Em 1998, a Sociedade Softex renomeou o Programa Softex 2000, para os fins de comunicação, planejamento e gestão de sua operação, como Programa Softex, e, em 2000, a própria Sociedade Softex modificou sua razão social: de Sociedade Brasileira para Promoção da Exportação de Software para Sociedade para Promoção da Excelência do Software Brasileiro. O modelo de implantação do Programa Softex 2000 inicialmente previa a criação de dois tipos de unidades operacionais: os Núcleos Regionais e os Escritórios Internacionais. Em um momento seguinte, criou-se um terceiro tipo, os Centros Gênesis. Para sediar um núcleo Softex, a cidade candidata necessitava cumprir um conjunto de requisitos: possuir parceiros locais interessados em investir no Núcleo e nas empresas de software associadas a ele; possuir universidades com cursos de pós-graduação em ciência da computação ou áreas correlatas; comprovar que a região possuía vocação 41 para o desenvolvimento de software, nomeando as empresas desenvolvedoras da região, a existência de um pólo tecnológico ou interesse do governo regional de apoiar o setor (Ferraz Filho, 1998). Uma vez aceita a proposta colocada pela cidade, o Programa comprometia-se com a alocação de R$ 1 milhão, realizada na forma de bolsas do CNPq, no prazo máximo de três anos. Entre 80 e 90% de recursos do CNPq deveriam ser repassados às empresas de software, para incentivar projetos que visassem à comercialização de produtos no exterior. O Programa também dotou os Núcleos Regionais com hardware e software para uso compartilhado pelas empresas associadas, as quais, assim, podiam contar com ferramentas de desenvolvimento no estado da arte, à semelhança das empresas do exterior. Simultaneamente à criação dos Núcleos, foi criado o primeiro Escritório Internacional, o US-Outpost, em Miami, Flórida (EUA), sendo a localização definida de acordo com percepção dos criadores do Programa como promissora porta de entrada para a comercialização de produtos e serviços de software brasileiros. A partir de 1997, descontinuou-se o US-Outpost e criaram-se novos escritórios nos EUA e também em outros países, seguindo os mesmos critérios da coordenação do Programa, nos EUA, na Alemanha e na China. Em 2000, parte desses escritórios foi descontinuada e a atuação internacional do Programa Softex passou a ocorrer através de uma maior interação com embaixadas e agências de comércio internacional nos países-destino. O terceiro tipo de unidade operacional foram os Centros Softex Gênesis, que eram basicamente incubadoras acadêmicas, na maioria das vezes criadas dentro de universidades. Essas unidades foram criadas para eliminar os gargalos da formação fortemente técnica e com escassa visão de mercado dos jovens empreendedores de software. A atuação dos Núcleos Gênesis ocorria em colaboração com as universidades, buscando fomentar uma cultura de empreendedorismo e gerar novas empresas de software a partir da ação de jovens recém-graduados nas universidades brasileiras, tendo o planejamento dos negócios como fio condutor. A tabela a seguir apresenta os investimentos realizados diretamente no Programa. 42 Tabela 2.5: Investimentos no Programa Softex – 1992 a 2000 Fonte: Sociedade Softex, 2003; (*) Os recursos da Lei 8.248/91 foram empregados em sua maioria na compra de equipamentos Houve também a criação e o fortalecimento de micro e pequenas empresas inovadoras a partir dos Centros Gênesis. Entretanto, o destaque dessas empresas no mercado brasileiro foi muito mais restrito do que o das empresas apoiadas pelos Núcleos. A tabela a seguir mostra os volumes investimentos e as receitas de exportações de software gerado no período entre 1994 e 2000. Tabela 2.6: Recursos investidos e exportações - Softex (1994 a 2000) Fonte: (Stefanuto, 2004) É importante também observar que, do ponto de vista objetivo, dos cinco resultados diretos previstos no documento do Projeto DESI, quatro foram atingidos. Em 2000 havia o seguinte cenário: • Havia por volta de 800 empresas de software que se beneficiavam diretamente das ações do Programa Softex versus 100 empresas previstas no documento original. • Havia 19 Núcleos Softex versus seis previstos. • Mais de 30 estudos sobre a exportação de software versus 30 previstos inicialmente. • Havia seis Escritórios Internacionais e dois agentes comerciais atuando no exterior versus um Escritório Internacional previsto originalmente. O quinto objetivo que seria composto pela geração de US$ 250 milhões de exportação de software até 1995 e o objetivo de se alcançar 1% do mercado mundial de software ficou distante do previsto inicialmente. E por ter sido esta a principal meta divulgada e utilizada para legitimação do Programa, os resultados obtidos na exportação passaram a se constituir no maior oponente desse Programa. 2.2.4. O BNDES e o Prosoft O mercado brasileiro de software é o sétimo do mundo e apresenta taxas de crescimento superiores às do PIB, mas contém uma forte característica de importação, fator que prejudica a composição do saldo da balança comercial. Nesse setor a competição é muito intensa, e países em desenvolvimento, como Índia, Israel, Irlanda, China, Rússia e México, têm aumentado sua presença no mercado mundial, saindo da 43 posição de azarões para tigres (Arora, et al., 2005). O software brasileiro, apesar de sua demonstrada criatividade, sofre uma vez que as empresas não possuem escala. As soluções nesse setor passam pela promoção da participação das empresas brasileiras no mercado interno e pela tentativa de ampliar a sua escala (fusões e aquisições) e de difundir a utilização do software nacional na base da economia (Junior, 2005). O programa Prosoft foi criado em dezembro de 1997 marcando o início do relacionamento do BNDES com o setor de software brasileiro. O objetivo inicial do programa era apoiar micro, pequenas e médias empresas desenvolvedoras de software com a concessão de empréstimos diretamente à empresa. Ao longo dos anos, o programa sofreu várias alterações para adequá-lo às necessidades do setor. A última reformulação ocorreu, em abril de 2004, como forma de alinhar o programa à PITCE (Gutierrez, 2007). Dentre as alterações presentes na última reformulação, foi abolida a restrição de acesso ao Prosoft pelas grandes empresas do setor, nacionais ou multinacionais, uma vez que o crescimento das empresas brasileiras de software passou a ser o alvo preferencial do programa. O elemento principal que contribuiu para a mudança de diretriz foi o fato de que seria necessário que a ampliação do porte das empresas. Além disso, a PITCE passou a estimular a atração de multinacionais para a implantação de plataformas globais de desenvolvimento de software (Gutierrez, 2007). Para operacionalizar a estratégia delineada, o Prosoft passou a ser constituído de três subprogramas: • Prosoft Empresa – concessão de financiamento aos planos de negócios das empresas de software e serviços de TI. • Prosoft Comercialização – concessão de financiamento à comercialização no mercado interno de produtos de software de tecnologia nacional e serviços relacionados. • Prosoft Exportação – concessão de financiamento às exportações de software e serviços nas modalidades pré e pós-embarque. 44 A carteira do Prosoft, até junho de 2007, contava com 132 operações aprovadas ou contratadas, que representavam um comprometimento total de recursos da R$ 681,8 milhões, levando em contas os valores originais dos momentos de contratação dos empréstimos. Desse montante, R$ 435,3 milhões correspondem a operações do Prosoft Empresa, que deu continuidade ao antigo Prosoft, R$ 28,4 milhões no Prosoft Comercialização e R$ 218,1 milhões no Prosoft Exportação. Estão credenciadas até junho de 2007 no Prosoft Comercialização 485 empresas desenvolvedoras de software. Em decorrência de uma avaliação interna feita pelo BNDES, optou-se pela extensão do Prosoft até 31 de julho de 2012 (Gutierrez, 2007). 45 2.3. AS TEORIAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO 2.3.1. O modelo da escola de Uppsala O processo de internacionalização das empresas é associado mais freqüentemente com o modelo criado na década de 1970 na Universidade de Uppsala. Esse modelo parte de uma base analítica em que foram realizados estudos em quatro empresas suecas (Sandvik, Atlas Copco, Facit e Volvo), sendo que pelo menos dois terços de seus volumes de vendas eram auferidos no exterior e possuíam estruturas produtivas em mais que um país estrangeiro. Dessa forma, o modelo busca definir o processo de internacionalização das empresas naquele país (Johanson, et al., 1975). Esse modelo procura distinguir quatro modos diferentes de entrada no mercado internacional em que sucessivos estágios representam graus mais elevados de envolvimento internacional: Estágio 1 Nenhuma atividade regular de exportação Estágio 2 Exportação feita via representantes ou agentes independentes Estágio 3 Estabelecimento de uma subsidiária de vendas no estrangeiro Estágio 4 Unidades no estrangeiro de produção ou manufatura Os autores acreditam que esses estágios são importantes, pois: a. Eles são diferentes com relação ao grau de envolvimento da firma no mercado. b. Eles são freqüentemente referenciados pelas pessoas nos negócios. Há dois aspectos sobre o grau de envolvimento. Os quatro estágios significam comprometimento de quantidades sucessivamente maiores de recursos e eles também conduzem a experiências de mercado muito diferentes e informações para a firma. O primeiro significa que a empresa não comprometeu recursos com aquele mercado e que ainda lhe falta um canal regular de e para aquele determinado mercado. O segundo significa que a firma possui um canal para aquele mercado através do qual consegue manter um fluxo regular de informações sobre os fatores que influenciam as vendas. Isso pode ser interpretado como uma forma de comprometimento com o mercado. O terceiro significa um canal controlado de informações com o mercado, provendo à firma a habilidade de direcionar o tipo e a quantidade de informações que fluem do mercado para a firma. Durante esse estágio a firma também obtém experiência direta sobre os fatores que influenciam os recursos. O quarto estágio significa um comprometimento de recursos ainda maior. A essa seqüência de estágios, os autores convencionam chamar de cadeia de 46 estabelecimento. Para que tal cadeia exista não é necessário que a firma percorra todos os seus estágios (Johanson, et al., 1975). Os autores afirmam que a ordem de conquista de novos mercados obedece a lógica do conceito de distância psíquica entre os países de origem e destino. Assim, a distância psíquica é definida como o somatório dos fatores que previnem o fluxo de informações de e para o mercado. Exemplos disso são as diferenças de língua, educação, práticas de negócios, cultura e desenvolvimento industrial (Johanson, et al., 1977). O conceito de distância psíquica não é constante. Ele muda devido ao desenvolvimento do sistema de comunicação, trocas e outros tipos de trocas sociais. Assume-se que as mudanças ocorrem em um ritmo lento (Johanson, et al., 1975). Em muitos dos estudos sobre internacionalização, os conceitos de distância cultural e distância psíquica são utilizados de forma intercambiável. Por mais que sejam conceitos que guardem entre si alguma intimidade, eles não podem ser colocados como se fossem sinônimos um do outro. A distância cultural reflete uma diferença em valores culturais entre países que deve ser avaliada em nível ou de cultura ou de país. A distância psíquica baseia-se nas percepções individuais e deve ser avaliada nesse nível. Essa distinção se faz importante para gerentes e pesquisadores. Ao avaliar a distância psíquica em nível individual, é possível tomar os passos apropriados para reduzir a distância psíquica do gerente em relação aos mercados estrangeiros. Embora a firma possa tratar as conseqüências da distância psíquica, isso não ocorre com a distância cultural, que está fora do controle da firma (Sousa, et al., 2006). No âmbito do modelo de Uppsala propõe-se um modelo dinâmico que relaciona os conceitos de conhecimento do mercado e comprometimento com o mercado. Nesse modelo as saídas de um ciclo de eventos servem como entradas para o seguinte. A principal estrutura é descrita pela distinção entre o estado e os aspectos de mudança das variáveis de internacionalização. Os aspectos de estado são o comprometimento com um mercado, descritos pelo comprometimento de recursos com os mercados estrangeiros, e o conhecimento sobre os mercados estrangeiros e as operações. Os aspectos de mudança são decisões de se comprometer recursos e desempenho das atividades de negócios atuais. Esse mecanismo é descrito brevemente pela figura a seguir (Johanson, et al., 1990). 47 Conhecimento de mercado Decisões de comprometimento Comprometimento com o mercado Atividades atuais Figura 2.5: O processo de internacionalização da firma Uma premissa básica do modelo é que o conhecimento e comprometimento com o mercado influenciam tanto as decisões de comprometimento quanto a forma como as decisões atuais são executadas, e, assim, por sua vez, a mudança no conhecimento e comprometimento de mercado. Com base nesses quatro conceitos, e assumindo uma premissa incremental, o modelo prevê que padrão básico de internacionalização das firmas é: a) iniciar e continuar a investir em somente um ou em poucos países vizinhos, ao invés de investir em vários simultaneamente; e b) que os investimentos em um país específico são executados cautelosamente, seqüencialmente e concorrentemente de acordo com o aprendizado das pessoas que operam a firma naquele mercado. Supõe-se que as firmas entrarão em novos mercados com distâncias psíquicas sucessivamente maiores e que os investimentos nos mercados se desenvolvem de acordo com a cadeia de estabelecimento. O conceito de comprometimento de mercado é composto por dois fatores: a quantidade de recursos comprometida, operacionalizada através do tamanho do investimento no mercado, e o grau de comprometimento, referindo-se à dificuldade de encontrar um uso alternativo aos recursos e transferi-los para tal uso alternativo. Afirma-se que o estado em que as atividades negócios atuais representam a principal fonte de experiência (Johanson, et al., 1977). O segundo aspecto seriam as decisões de se comprometer recursos com as operações estrangeiras. Há três exceções para a regra que define que os comprometimentos adicionais com o mercado serão feitos em pequenos passos incrementais: i) as firmas que possuem amplos recursos experimentam pequenas conseqüências de seus comprometimentos e podem dar passos mais largos em seus processos de internacionalização; ii) quando as condições de mercado estão estáveis e homogêneas, o conhecimento relevante de 48 mercado pode ser ganho através de outras formas que não a experiência; e, iii) por fim, quando a firma possui uma considerável experiência de mercado com condições similares, ela pode generalizar essa experiência para qualquer mercado específico (Johanson, et al., 1990). No início dos anos 2000, ocorreu um grande debate a respeito das mudanças que as empresas ligadas a Internet trariam a economia e também os economistas discutiam se essas mudanças de fato estariam criando uma “nova economia”. Em face, desse novo cenário, os autores proponentes do modelo de Uppsala, após algumas décadas de testes e críticas ao seu arcabouço teórico, decidiram testar seu modelo com o processo de internacionalização de quatro empresas suecas de TI, ligadas à nova economia. Dessa forma, foram selecionadas quatro empresas de e-commerce e quatro consultorias em Internet (Vahlne, et al., 2002). Para tornar a comparação mais específica com as firmas que foram para o exterior em um momento anterior e não estavam envolvidas com as questões colocadas pela “nova economia”, os autores revisitaram o estudo sobre o processo de internacionalização das quatro empresas suecas. Esses casos foram utilizados como entradas empíricas para a formulação do processo de internacionalização (Johanson, et al., 1975). No caso das empresas de TI estudadas, a ordem de entrada nos mercados estrangeiros, seria similar àquela observada anteriormente: iniciando pela entrada em mercado com pequena distância psíquica da Suécia e prosseguindo gradualmente para mercados mais distantes desse ponto de vista. Haveria algumas exceções: uma linha de produtos de alta tecnologia ou circunstâncias que eliminam a distância psíquica influenciando a ordem de entrada nos mercados. Os autores concluem que a distância psíquica é um conceito importante, mas que possui por si só pequeno poder explicativo quando considerada a ordem em que as companhias suecas entraram nos mercados da Europa Setentrional. Também é importante ressaltar, segundo esses autores, que o papel desempenhado pela distância psíquica não é peremptório nos casos específicos mais antigos como se assume freqüentemente (Vahlne, et al., 2002). Em comparação com a extensão geográfica desse estudo com estudos anteriores parece que a velocidade agora seria maior do que no passado. O processo parece se iniciar mais cedo, logo após o estabelecimento da empresa e seguir mais rápido. Os autores afirmam, contudo, que essa diferença pode ser discutida. Eles afirmam que as firmas Sandvik e Volvo tinham planos para um rápido processo de internacionalização 49 desde o início e que também perceberam tais planos da mesma forma que as empresas de TI o fizeram. A empresa Atlas Copco foi uma iniciante mais lenta, enquanto que a Facit, depois de ser uma empresa doméstica por muitos anos, rapidamente começou sua internacionalização na década de 1930 (Vahlne, et al., 2002). Na segunda dimensão do processo de internacionalização, representados pelo modo de entrada e subseqüente aumento de comprometimento com o mercado, há uma variação entre os grupos de companhias estudados. As empresas do estudo original (Johanson, et al., 1975) tipicamente entraram através de exportação regular e depois fizeram da exportação uma atividade regular, freqüentemente confiando em um importador ou um agente. As empresas de e-commerce entraram nos mercados estrangeiros através de investimentos greenfield7 e queimaram etapas da alternativa de trabalhar o mercado estrangeiro a partir de seu país de origem. A essas empresas foram concedidos os recursos para que se realizasse o marketing local e também foram adotadas outras medidas para tornar mais forte a base de clientes. As agências de consultoria em Internet tipicamente entraram nos mercados através de aquisições, fornecendo recursos a essas subsidiárias para que pudessem crescer organicamente. Algumas das aquisições foram precedidas pela demanda de clientes por serviços. Houve também algumas entradas greenfield baseadas em relações anteriores com profissionais competentes. Quando comparado com o estudo das quatro empresas suecas, as novas firmas parecem ter aumentado seu comprometimento em cada mercado mais rapidamente. Elas aumentaram seus investimentos em mercados estrangeiros em velocidades muito diferentes (Vahlne, et al., 2002). Em uma revisão final do estudo, após o estouro da bolha da Internet em 2001, os autores identificaram que muitas empresas de Internet já não existiam e que muitas das firmas pesquisadas em seu estudo haviam retrocedido em seu processo de internacionalização. Esse retrocesso foi associado pelos autores como uma confirmação de seu modelo, pois nesse arcabouço conceitual as atividades atuais seriam críticas uma vez que o conhecimento experiencial seria construído sobre tais atividades que por sua vez fortalecem o comprometimento. Segundo os autores, essas firmas não executaram quase nenhuma das atividades atuais nos mercados estrangeiros. Dessa forma, as empresas não aprenderam nada sobre os clientes e os mercados, assim como os clientes não tiveram oportunidade de aprender nada sobre 7 Investimentos do tipo greenfield são aqueles realizados pelas empresas com abertura de novas plantas em um determinado país. 50 tais firmas. Nos tempos áureos da Internet, as firmas se expandiram rapidamente a fim de explorar aquilo que elas acreditavam ser uma vantagem daqueles que chegavam primeiro em um determinado mercado. Contudo, tais vantagens não se confirmaram, pois as empresas não lograram investir nos relacionamentos com seus clientes no estrangeiro (Vahlne, et al., 2002). 2.3.2. As redes de empresas Em um trabalho de revisão, Johanson e Vahlne (1990) discutem as deficiências do modelo proposto e introduzem o conceito das redes industriais. Os autores afirmam que pesquisas empíricas demonstraram que as firmas em mercados industriais estabelecem, desenvolvem mantém relações de negócios duradouras com outros atores de negócios (Hallén, et al., 1987), (Hakansson, 1982), (Turnbull, et al., 1986). A pesquisa demonstrou que os relacionamentos se desenvolvem através de interações em que as partes constroem confiança mútua e conhecimento, e que a interação significa um forte comprometimento com os relacionamentos (Ford, 1979). Em um estudo sobre a internacionalização de empresas de software, Bell (1995) reconhece os méritos da abordagem de redes. Essa aceitação fica evidenciada pela afirmação: “Evidências de interesse dos clientes e indicações de que algumas empresas iniciaram suas atividades de exportação devido a contatos com fornecedores estrangeiros oferecem uma explicação plausível de como e porque as empresas de software com tais redes se internacionalizaram” (Bell, 1995 p. 72) Define-se que uma rede é um vasto número de elos existentes entre as organizações que atuam direta ou indiretamente em um determinado mercado (Cunningham, 1985). Resulta de processos interdependentes e cumulativos de investimentos em relacionamentos pelas empresas que integram a rede. A posição de cada empresa na rede é definida pelas funções que exercem em relação aos outros integrantes, função da solidez de suas relações, sua importância ou dominância e pela identidade das empresas com as quais possui relacionamentos diretos ou indiretos (Mattsson, 1989). As redes em um país podem se estender para além de suas fronteiras. Assume-se que há diferenças entre os países assim como a extensão internacional das redes em um país. Espera-se então que a extensão internacional dessas redes possua fortes implicações para a internacionalização da firma. Assim, em relação à internacionalização da firma, a visão de rede define que a internacionalização da organização ocorre inicialmente em uma rede que é principalmente doméstica. Em termos de redes, a internacionalização significa que a 51 firma desenvolve relacionamentos de negócios em redes de outros países. Isso ocorre através de: i) estabelecimentos de relacionamentos nas redes dos países que são novas para as firmas (extensão internacional); ii) desenvolvimento de relacionamentos em tais redes (penetração); e iii) conexão de redes em diferentes países (integração internacional) (Johanson, et al., 1988). As atividades na rede permitem que a firma estabeleça relacionamentos, que a ajudam a ganhar acesso a recursos e mercados. Uma premissa no modelo de rede é que a firma requer recursos controlados por outras firmas, que podem ser obtidos através de suas posições na rede. Johanson e Mattson (1988) definiram quatro categorias de firmas: Early Starter, The Lonely International, Late Starter e The International Among Others. A primeira categoria do Early Starter é aquela da firma com poucos relacionamentos internacionais, cujos competidores e fornecedores estão também na mesma posição. Por conseqüência, o iniciante precoce possui pouco conhecimento dos mercados estrangeiros e pouca oportunidade de adquirir tal conhecimento a partir de seus relacionamentos no mercado doméstico. A segunda categoria de The Lonely International é aquela em que a firma é altamente internacionalizada, mas está em um ambiente de mercado que possui uma orientação doméstica. De fato, esse tipo de empresa sozinha possui as capacitações para promover a internacionalização do mercado. A terceira categoria de Later Starter é aquela na qual a firma está em um ambiente de mercado que já é internacionalizado. Por conseqüência, a firma possui relacionamentos indiretos com redes de negócios estrangeiros através de seus fornecedores, clientes e competidores. Possuir tais vínculos impulsiona a empresa a se internacionalizar. A empresa nessa categoria possui desvantagens em relação aos seus concorrentes, pois eles possuem mais conhecimento e é mais difícil para um novo entrante penetrar o mercado. A quarta categoria de The International Among Others se concentra em empresas altamente internacionalizadas que operam em um ambiente que também é altamente internacionalizado (Johanson, et al., 1988). Do ponto de vista de efeito da indústria para um conhecimento institucional sobre o estrangeiro, é provável que as indústrias, que são mais internacionalizadas, possuam especialistas em gestão dos serviços de informação de exportações como parte de uma estrutura de associação da indústria ou atraiam uma maior atenção governamental na forma de apoio com informações sobre exportação. 52 Um estudo estabelece uma relação entre o modelo de redes e programas de assistência à exportação, especialmente quando se sabe que o conhecimento é um fator determinante no processo de internacionalização. Afirma-se que a operacionalização do modelo de redes provê um caminho para melhorar e focalizar os programas de assistência à exportação. Formas anteriores de classificação das empresas geralmente concentravam-se em quais problemas estavam associados com os diferentes estágios de internacionalização. Ao examinar as dimensões da rede, o estudo identificou níveis distintos de conhecimento institucional sobre o estrangeiro dentro dos grupos de firmas similarmente internacionalizadas (The Internacional Among Others e The Lonely International) (Hadley, et al., 2003). Johanson e Vahlne (1990) afirmam que a entrada de uma empresa em um mercado específico poderia ocorrer como decorrência da ação de outras empresas pertencentes a uma rede em um país específico. Contudo, para algum ator já integrante da rede, as chances de interação seriam maiores. Assim, a internacionalização seria ampliada de uma visão isolada para uma visão integrada no qual atuariam inúmeras empresas. A expansão de uma rede para além das fronteiras domésticas influenciaria a internacionalização de suas empresas integrantes. A recepção de pedidos espontâneos, que representaria o ponto de partida para uma atuação internacional, possuiria uma probabilidade maior de ocorrência do que se a empresa estivesse isolada. Em decorrência, os autores mencionaram que a própria empresa poderia ser pressionada para se internacionalizar por sua rede doméstica e não somente suas relações na rede poderiam facultá-la o acesso a outras redes. Em um estudo sobre quatro empresas manufatureiras na Nova Zelândia, o modelo de Johanson e Mattsson (1988) é testado. Cada uma das empresas se enquadra em cada uma das categorias descritas no estudo anterior. Segundo o trabalho, as características da firma e do executivo-chefe influenciam como a firma irá responder a iniciativas de sua rede de relacionamentos. Em pequenas e médias empresas, o gerente exerce um papel importante na identificação de estímulos para internacionalização. É o gerente que decide se a firma irá perseguir as oportunidades de internacionalização quando elas surgirem. Um gerente pode inibir esse processo ainda que a rede deseje conduzir a firma para a internacionalização (Chetty, et al., 2000). Outro estudo propõe um modelo de redes desenvolvido para novos empreendimentos baseados em tecnologia com crescimento gerado internamente, um foco no crescimento inicial dentro um produto / base tecnológica simples e em um mercado 53 com condições de demanda não limitadas. O modelo é composto por um framework de quatro estágios (Kazanjian, 1988): • Estágio I – geração conceitual, aquisição de recursos e desenvolvimento tecnológico. • Estágio II – start-up relacionada a produto e comercialização. • Estágio III – crescimento de vendas e problemas organizacionais. • Estágio IV – estabilidade e lucratividade. Há estudos que apontam as redes como uma resposta para solucionar os problemas de mercado relacionados à exportação em pequenas e médias empresas de países em desenvolvimento (Ghauri, et al., 2003). 2.3.3. As empresas nascidas globais O surgimento e a conseqüente identificação de empresas que não seguem o padrão tradicional de internacionalização por estágios passaram a desafiar de uma maneira mais convincente as teorias baseadas comportamentais baseadas em estágios. De maneira contrária ao esperado essas empresas têm por objetivo atuar nos mercados internacionais ou até mesmo no mercado global desde sua fundação. Há indicações de que o fenômeno das empresas nascidas globais tenha se iniciado com as firmas estabelecidas depois da 2ª Guerra Mundial, com as atividades de exportação se tornando bem-sucedidas e tais organizações passando a exportar mais rapidamente do que aquelas organizações estabelecidas antes da guerra (Madsen, et al., 1997). Coletivamente foram estudados casos que indicam que as empresas nascidas globais8 são um fenômeno importante. Os estudos indicam a formação desse tipo de organização em mais de dez países em todas as partes do mundo, sugerindo que as forças globais podem estar promovendo o desenvolvimento dessas firmas. Os empreendimentos estudados estavam presentes em negócios de alta tecnologia, serviços e até mesmo em culturas aquáticas, fator que sugere que as empresas nascidas globais estejam representadas em uma ampla gama de setores industriais (Oviatt, et al., 1994). 8 Tradução livre do inglês Born Globals. A literatura utiliza como denominações intercambiáveis: International New Ventures (McDougall, et al., 1994), Born Globals (Rennie, 1993), (Knight, et al., 1996), High Technology Start-ups (Jolly, et al., 1992) e Global Start-ups (Oviatt, et al., 1994). Esse trabalho utilizará sempre a expressão “empresas nascidas globais”. 54 Um importante questionamento que se faz na literatura é: “por que esse fenômeno ocorre?” Há três fatores principais que explicariam o surgimento das empresas nascidas globais: i) novas condições de mercado; ii) desenvolvimento tecnológicos nas áreas de produção, transporte e comunicação; e iii) capacitações mais elaboradas das pessoas, incluindo o fundador / empreendedor que inicia uma empresa desse gênero. Todos os fatores, contudo, são inter-relacionados (Madsen, et al., 1997). Define-se uma empresa nascida global como uma organização que desde sua concepção procurar criar vantagens competitivas significativas do uso de recursos e da venda de suas saídas produtivas em múltiplos países. A característica distintiva de tais organizações é que suas origens são internacionais, demonstrável por um comprometimento de recursos significativo e verificável em mais de um país. O foco principal está na idade com a qual a empresa se torna internacional e não em seu tamanho. Ao contrário das empresas que evoluem gradualmente de uma atuação do ambiente doméstico para o internacional, esses empreendimentos possuem uma estratégia internacional proativa. Contudo, o investimento direto no exterior não é um requisito. Alianças estratégicas podem ser estabelecidas para utilizar recursos estrangeiros tais como capacidade fabril ou marketing (Oviatt, et al., 1994). Em estudos sobre firmas australianas, européias e norte-americanas, as seguintes características foram definidas como as principais para as empresas nascidas globais (Knight, et al., 1996): • São pequenas em quantidade de funcionários (menos de quinhentos) e em vendas anuais (menores do que US$ 100 milhões). • Empregam tecnologia avançada em inovação e desenvolvimento de produtos diferenciados, na maior parte das vezes com uso industrial. • São conduzidas por empresários visionários, que vislumbram um mercado em que as fronteiras nacionais inexistem desde os primórdios da organização. • Exportam pelo menos 25% do total produzido, geralmente em um prazo de até dois anos a partir de sua criação. As vantagens competitivas das empresas nascidas globais estão embutidas em seus conhecimentos sobre suas indústrias. A habilidade de recombinar conhecimento atual para desenvolver novos produtos torna a base de conhecimentos dessas empresas dependente de suas redes de relacionamentos, codificada e difícil de imitar (Sharma, et al., 2003). 55 Figura 2.6: Elementos mínimos para uma empresa nascida global sustentável Fonte: Adaptado de (Oviatt, et al., 1994) Oviatt e McDougall (1994) propõem um framework teórico, conforme indicação da figura anterior, que se utiliza dos conceitos de análise dos custos de transação, imperfeições de mercado e a internalização internacional de transações essenciais para explicar a existência EMN. Contudo, o framework também incorpora idéias dos pesquisadores adores de empreendedorismo sobre como as empresas obtém influência sobre recursos vitais sem detê-los los e de pesquisadores de gerenciamento estratégico sobre como a vantagem competitiva é desenvolvida e sustentada. Esses sses elementos em conjunto descrevem as empresas presas nascidas globais como um tipo especial de EMN. O framework tem início com uma caixa no canto esquerdo, que representa o conjunto de todos os tipos de transações econômicas. Quatro elementos necessários e suficientes, que são enumerados dentro das setas setas mais largas, progressivamente distinguem subconjuntos de transações. Element 1: Internationalization of Some Transactions distingue as transações que tomam lugar nas organizações daquelas que são governadas pelos mercados. Do conjunto de todas as organizações, organizações, Element 2: Alternative Governance Structures separa o conjunto de transações associadas com os novos empreendimentos daquelas ocorridas em firmas já estabelecidas. A seguir, Element 3: Foreign Location Advantage distingue o subconjunto de transaçõ transações que constituem novos empreendimentos internacionais daqueles que constituem novos empreendimentos domésticos. Por fim, Element 4: Unique Resources se diferencia do 56 subconjunto de novos empreendimentos internacionais sustentáveis daqueles que provavelmente possuem vida curta. As caixas concêntricas hachuradas ressaltam o fato de que as caixas interiores descrevem subconjuntos progressivamente mais estreitos (Oviatt, et al., 1994). Como as empresas nascidas globais não possuem rotinas fixas para selecionar e entrar em mercados estrangeiros, essas organizações avaliam cada proposição individualmente e entram em alianças e empreendimentos cooperativos para servir a mercados estrangeiros. O processo de internacionalização dessas empresas é conduzido pelo conhecimento fornecido por suas ligações em suas redes industriais. Ligações fracas fornecem a essas empresas um conhecimento que é heterogêneo e as leva a considerar um processo de busca e avaliação do conhecimento que se baseia no improviso. As oportunidades são avaliadas em seus próprios méritos e isso as faculta adaptarem-se às necessidades de seus clientes. A adaptação se torna possível, pois as empresas nascidas globais não estão presas a conhecimentos específicos e experiências de decisões bem-sucedidas tomadas no passado (Sharma, et al., 2003). Poucas atividades coordenadas nos países (Logística Primária) I - Startup de exportação e importação II - Negociante multinacional III - Startup focada geograficamente IV – Empresa nascida global Coordenação de atividades da cadeia de valor Muitas atividades coordenadas nos países (Logística Primária) Número de países envolvidos Figura 2.7: Tipos de Empreendimentos Internacionais Fonte: Adaptado de (Oviatt, et al., 1994) Os autores classificam as empresas nascidas globais em quatro grupos conforme indicado na figura anterior. A figura demonstra que há diferentes tipos de empresas nascidas globais que podem ser distinguidas pelo número de atividades na cadeia de valor que são coordenadas e pelos números de países nos quais possuem presença. 57 A figura identifica tipos particulares de firmas nos dois extremos de um continuum, mas tipos mistos podem aparecer como elementos intermediários, e ao longo do tempo os novos empreendimentos podem mudar de tipo ao coordenar mais ou menos atividades e ao operar em mais ou menos países. Os quadrantes de números I e II são compostos pelos construtores de novos mercados internacionais. São tipos de empresas com idades mais elevadas. Os importadores e exportadores lucram ao transferir bens entre nações produtoras e demandantes. As atividades mais importantes na cadeia de valor são os conhecimentos dos sistemas logísticos. As transações que envolvam outras atividades tendem a ser controladas por estruturas alternativas. A vantagem de localização de tais empresas reside na arbitragem de recursos entre nações, criando mercados. O quadrante III é composto pelas startups geograficamente focadas que são organizações cujas vantagens são obtidas ao servirem bem necessidades especializadas de uma região em particular do mundo através do uso de recursos estrangeiros. O quadrante IV é a mais radical manifestação de empresas nascidas globais, pois elas obtêm vantagem competitiva significativa de uma coordenação extensiva entre múltiplas atividades organizacionais. Tais firmas respondem não somente a mercados em globalização, assim como atuam proativamente em oportunidades para adquirir recursos e vender suas saídas produtivas onde quer que haja um maior valor no mundo (Oviatt, et al., 1994). Afirma-se que a situação das empresas Late Starters e The International Among Others é similar àquela de uma empresa nascida global. Argumenta-se que uma abordagem de redes industriais para o processo de internacionalização oferece uma alternativa valiosa para analisar tais empresas. Além disso, a abordagem de redes reforça que as atividades atuais e as decisões das firmas devem ser muito dependentes do histórico passado de uma firma (Madsen, et al., 1997). Em um estudo realizado com empresas israelenses intensivas em conhecimento constatou-se que o processo de internacionalização de firmas nascidas globais pode ser caracterizado pelo comprometimento gradual com mercados estrangeiros, embora não necessariamente esteja de acordo com a teoria clássica de estágios. O estudo argumenta que quando o processo de internacionalização das empresas nascidas globais é estudado não somente antes, mas também depois da entrada no primeiro mercado estrangeiro, ele pode ser caracterizado pelo comprometimento gradual incrementado aos mercados no exterior (Hashai, et al., 2004). 58 Figura 2.8: Comprometimento com mercados estrangeiros Fonte: Adaptado de (Hashai, et al., 2004) O estudo afirma que essencialmente a diferenças mais relevantes entre o processo de internacionalização das empresas nascidas globais intensivas em conhecimentos e das grandes EMNs reside na importância de seus respectivos mercados de origem e velocidade relativa de internacionalização. Essa visão é descrita na figura anterior. De acordo com a teoria de estágios, o comprometimento com os mercados estrangeiros das EMNs em seus primórdios é muito baixo. Esse comprometimento aumenta no decorrer correr do tempo. Por outro lado, o comprometimento com mercados estrangeiros das empresas nascidas globais intensivas em conhecimento se inicia desde a concepção dessas organizações e é muito mais rápido. O trabalho propõe também um framework dinâmico conceitual ceitual baseado em três dimensões do processo de internacionalização de empresas nascidas globais intensivas em conhecimento apresentados na Tabela 2.7. 2. A principal conclusão do trabalho relativa ao desenvolvimento internacional das empresas nascidas globais ais intensivas em conhecimento é que elas não representam um fenômeno único como argumentação utilizada em artigos anteriores sobre as empresas nascidas globais. Os resultados demonstram que essas empresas exibem um processo de internacionalização que é similar, similar, embora não idêntico, a aquele das grandes EMNs. Tais resultados contradizem as conclusões de Bell (1995) que afirmou que empresas de software pequenas, intensivas em conhecimento não necessariamente iniciam seus processos de internacionalização entr entrando em mercados mais próximos e que encontrou algo entre 30% e 50% em sua amostra de empresas que não seguiam o modelo de estágios (Hashai, et al., 2004) 2004). 59 Dimensões de internacionalização Complexidade do modo de servir ao mercado estrangeiro Atividades de valor adicionado internacionalizadas Principais mercados objetivados Estágio 1 Exportação através de agentes / distribuidores Nenhum Estágio 2 Estabelecimento de subsidiárias "greenfield" Marketing Estágio 3 Fusões e aquisições Produção / P & D Entrada em mercados Aumento da participação Entrada em mercados estrangeiros próximos em mercados estrangeiros estrangeiros psicologicamente psicologicamente próximos psicologicamente distantes (e continuação das vendas nos mercados próximos psicologicamente) Tabela 2.7: Estágios de internacionalização em firmas born global intensivas em conhecimento Fonte: Adaptado de (Hashai, et al., 2004) 60 2.3.4. Internalização A ênfase nessa abordagem é colocada na eficiência como são organizadas as transações entre as unidades produtivas. Afirma-se que a abordagem só teria utilidade em trabalhos empíricos se fosse operacionalizado um modelo trabalhável com custos de transação, cujas variáveis consideradas significativas fossem a regularidade de transações entre as partes e a sofisticação da troca tecnológica. Nessa abordagem a estrutura de mercado de produtos finais seria de interesse secundário. A ênfase primária estaria na maximização dos lucros através da troca eficiente de produtos intermediários, ao invés da eliminação de concorrentes potenciais no mercado final de produtos. Dessa forma, seus teóricos consideravam como alternativas para a produção internacional o licenciamento de uma firma local ou a exportação a partir de um determinado país (Cantwell, 1991). Atribui-se a origem da teoria da internacionalização ao artigo seminal de Coase (1937). Para o autor, o empreendedor seria uma força de integração que garantiria o crescimento da diferenciação econômica, uma vez que o autor acreditava que a firma resultaria da complexidade crescente na divisão do trabalho. Como alternativa ao empreendedor haveria o mecanismo de preço. Por fim, o autor acreditava que os trabalhadores do conhecimento poderiam obter receitas do engajamento ativo na produção e também da venda de conhecimento ou aconselhamento (Coase, 1937). A teoria de internalização foi formalmente proposta por Buckley e Casson (1976). Eles consideravam a ascensão da empresa multinacional (EMN) um dos fenômenos mais notáveis do pós-guerra. Esse é o tipo de empresa que possui e controla atividades em diferentes países. Os autores consideraram que a teoria da competição imperfeita, deveria ser reformulada e estendida antes de ser aplicada às EMNs. Esperavam ainda que sua teoria constituísse base para uma política econômica racional a respeito das EMNs, buscando preservar seus benefícios e restaurar o controle social e político sobre suas operações. Os autores identificaram como características mais notáveis dessas empresas a sua alta incidência entre empresas muito grandes. Havia também características comuns na distribuição dessas firmas, por indústria, sendo que elas se concentravam mais nos setores descritos como de alta tecnologia, na qual os gastos com P&D, a presença de uma mão-de-obra qualificada, os serviços de fábrica e equipamentos produtivos possuíam um papel de extrema relevância para a obtenção de acréscimos na eficiência produtiva. Por fim, os autores encontraram ainda uma forte correlação entre penetração estrangeira e concentração industrial (Buckley, et al., 1976). 61 Buckley e Casson ressaltaram que as duas premissas principais da teoria econômica ortodoxa eram a maximização do lucro e a competição perfeita. Segundo eles, tal teoria teria ficado obsoleta, uma vez que os negócios modernos executam outras atividades além da rotina de produção de bens e serviços tais como marketing, P&D, treinamentos, montagem de times gerenciais, finanças, entre outros. Essas atividades são interdependentes e conectadas por fluxos de produtos intermediários. A teoria dos autores foi construída com base em três postulados (Buckley, et al., 1976): • As empresas maximizam lucros em um mundo de mercados imperfeitos. • Na situação em que os mercados de produtos intermediários são imperfeitos, surge um incentivo para que ocorra um desvio dos mesmos e se crie os mercados internos. • A internalização de mercados através de fronteiras geográficas gera EMNs. Afirma-se que a internalização ocorreria até o ponto no qual os benefícios se igualassem aos custos. A estratégia de localização de uma firma integrada verticalmente seria determinada pela inter-relação de vantagens comparativas, barreiras ao comércio e incentivos regionais para a internalização; a empresa seria multinacional sempre que tais fatores tornassem ótimo o estabelecimento de estágios produtivos distintos em países diferentes. Ainda segundo os autores, a comunicação atuaria como um fator que atenuaria a “eficiência” das empresas devido a um fluxo maior de informações, as necessidades de confidencialidade e a importância de verificar a informação através de visitas locais caras (Buckley, et al., 1976). Ietto-Gillies (1997) criou uma abordagem, denominada de neoclássica, que incluía a teoria da internalização de Coase e de Buckley e Casson, uma vez que ambas se preocupariam mais com as trocas do que com a produção e estariam ligadas à maximização dos lucros e eficiência. Tal resultado poderia ser alcançado tanto via realocação de capitais através das nações – teoria neoclássica tradicional – quanto através do balanço entre alocação interna e alocação através do mercado – teoria da internalização. Na teoria da alocação interna, a maximização do lucro seria obtida através de economias nos custos de transação. As transações de mercado seriam onerosas, uma vez que as partes necessitariam buscar as melhores oportunidades do ponto de vista de qualidade, confiabilidade, preços, entre outros critérios (Ietto-Gillies, 1997). A teoria da internalização detém limitações que reduzem seu poder explicativo sobre o comportamento dos negócios internacionais. Acredita-se que a maior restrição, talvez 62 seja a que estabeleceria a minimização de custos como a principal causa da internacionalização, o que poderia ser visto como uma tremenda simplificação do real funcionamento dos negócios internacionais. Aponta-se ainda que a teoria se concentraria nos processos produtivos da firma, mas ignoraria o poder de mercado do produto final no processo de internacionalização, uma vez que tal mercado não poderia ser internalizado na estrutura organizacional da empresa (Mtigwe, 2006). 2.3.5. O Paradigma Eclético da Produção Internacional Indica-se que tanto o Paradigma Eclético da Produção quanto a teoria de internalização foram desenvolvidos no mesmo local, Universidade de Reading e mesma época, 1970 (Weisfelder, 2001). Outro teórico afirma que o Paradigma Eclético traria um refinamento e uma ampliação da teoria da internalização (Mtigwe, 2006). O Paradigma Eclético proveniente dos trabalhos de Dunning procurou explicar a decisão de produzir ou não em um mercado externo. O autor entendia que falhas de mercado tais como custo de informação e transação, oportunismo dos agentes e especificidade de ativos conduziriam a organização a utilizar o investimento direto, ao invés de licenciamento ou exportação como forma de entrada em um mercado externo (Dunning, 1977) (Dunning, 1980) (Dunning, 1988). O processo de internacionalização das empresas envolveria duas instâncias principais: i) o atendimento de mercados externos via exportações; ii) o investimento direto no exterior, seja para a instalação de representações comerciais, seja para a implantação de unidades produtivas. Acredita-se que o paradigma eclético deve ser entendido como “uma estrutura de trabalho holística através da qual se tornaria possível identificar e avaliar a importância dos fatores que influenciariam tanto o início da produção no exterior pelas empresas, quanto o crescimento dessa produção” (Dunning, 1988 p. 1) O paradigma seria definido como “eclético” de forma que possa transmitir a noção de que vários aspectos da teoria econômica são explorados e que o envolvimento econômico internacional pode acontecer através de diversos canais. Dunning acreditava que haveria vários motivos para que uma firma buscasse internalizar um mercado de insumos ou de produtos. Sua motivação poderia estar associada à percepção da existência de riscos e incerteza; à obtenção de economia de escalas; ou ao fato de uma transação de bens ou serviços poder produzir custos e benefícios externa à transação, não refletindo assim nos termos acordados entre as partes. Dessa forma, uma firma que optaria pela internalização para obter economias 63 de escalas ou reduzir custos de transação e coordenação, resultantes da incerteza e da existência de externalidades (Dunning, 1988). Segundo a abordagem eclética de Dunning, para se internacionalizar as empresas deveriam possuir certos tipos de vantagens sobre os seus competidores, que justificassem o investimento direto no exterior. Uma empresa poderia contar com três tipos de vantagens diferenciais: as de localização, propriedade e internalização. Afirma-se que apesar da prioridade atribuída por Dunning à internalização sobre a teoria da firma do poder de mercado seria incorreto tornar o paradigma eclético sinônimo da abordagem de internalização (Cantwell, 1991). Outro teórico estabelece que a principal contribuição do Paradigma de Dunning foi aumentar a consciência de que uma empresa precisaria construir e manter vantagens competitivas para ser bem sucedida em mercados internacionais (Mtigwe, 2006). Recentemente, Dunning afirmou que a motivação para a expansão em mercados estrangeiros poderia influenciar o processo de seleção para o modo de entrada, apesar da percepção das vantagens de propriedade, localização e internalização. As motivações poderiam incluir a busca por mercados, recursos, tecnologia, redução de custos e perseguição das atividades do cliente (Dunning, 1993). Nos Estados Unidos, a maioria das empresas de software parece ter a mesma motivação para a entrada em mercados estrangeiros, a busca por mercados. A busca por recursos e tecnologias tendeu a não motivar o investimento estrangeiro no passado, pois os produtores norte-americanos de software eram os mais adiantados em termos tecnológicos no mundo e o seu mercado costumava ter a maior força de trabalho e os recursos melhor treinados nessa indústria. Na medida em que essa indústria vem se desenvolvendo ao redor do mundo, é possível que os fatores motivacionais pela busca de mercados possam ser alterados (Brouthers, et al., 1996). 2.3.5.1. Vantagens específicas de propriedade As vantagens de propriedade, ou de capacidades próprias desenvolvidas pela organização, são as que lhe permitiriam se posicionar relativamente melhor no mercado estrangeiro quando comparada com os produtores locais ou estrangeiros. O que diferenciaria as empresas multinacionais de países desenvolvidos daquelas de países em desenvolvimento, seria justamente a composição das vantagens de propriedade, que envolveriam em grande parte: diferentes tipos de recursos naturais e qualificação de sua mão-de-obra, diferentes níveis de capacitação tecnológica e políticas de governo. 64 Há dois tipos possíveis de vantagens específicas de propriedade: i) vantagens estruturais que se referiam a ativos que a empresa multinacional deteria com exclusividade frente aos produtores locais, como por exemplo, a posse de uma tecnologia superior que permitiria a diferenciação do produto; e ii) vantagens de transação que estariam ligadas aos benefícios ou redução de custos auferidos pela empresa multinacional em suas transações, resultantes da gestão conjunta de seus ativos espalhados em diferentes países. 2.3.5.2. Vantagens de internalização As vantagens de internalização indicariam que se os custos de incorporação e organização produtiva forem menores do que os custos de transação associados à transferência dessas capacidades a um produtor local, a firma investiria na produção nesse mercado. Elas constituiriam-se, assim, na capacitação da empresa multinacional de transferir vantagens específicas de propriedade dentro da própria organização, mas cruzando as fronteiras nacionais, ao invés de comercializá-las ou possibilitar seu uso por empresas locais, com licenciamento, por exemplo. As razões que fariamm com que as empresas internalizassem mercados seriam: i) garantir do fornecimento de recursos essenciais; ii) assegurar a qualidade de seus bens; iii) proteger direitos de propriedade tais como marcas e patentes; iv) controlar preços e; v) diluir custos fixos. Em resumo, as vantagens de internalização seriam exploradas como forma de reduzir riscos e incertezas e obter economias de escala produtiva. 2.3.5.3. Vantagens de localização As vantagens de localização seriam aquelas oferecidas por um dado país ou região. Várias seriam as razões que têm levado as empresas a investirem em plantas produtivas em países estrangeiros tais como as barreiras alfandegárias levantadas por governos nacionais, custos de transportes e outras imposições. Assim, as vantagens de localização decorreriam da utilização conjunta dos fatores de produção a disposição em outros países. Essas vantagens podem ainda ser divididas em duas categorias: i) estruturais que se referem às diferenças em custos fatores incorridas de um país para outro e; ii) de transação que são relativas a utilização de oportunidades disponíveis no mercado, redução de riscos e condições de contratos firmados entre clientes e fornecedores. 65 2.3.6. Críticas às Teorias de Internacionalização 2.3.6.1. Críticas aos Modelos de Uppsala, Redes Industriais e Born Globals Os modelos da escola de Uppsala foram bastante testados e criticados desde a publicação do artigo das quatro empresas suecas em 1975. O estudo de Sullivan e Bauerschmidt (1990) procurou testar a tese de Johanson e Vahlne (1977). Os autores procuraram desafiar a hipótese de que os gerentes das firmas de diferentes âmbitos internacionais teriam diferentes percepções da influência de barreiras e incentivos inibitivos e catalíticos para internacionalização, ou seja, os autores desejavam verificar se a firma no comando de um maior conhecimento dos detalhes intrincados dos negócios internacionais estaria ou não mais envolvida nos mercados mais distantes física e psíquicamente (Sullivan, et al., 1990). Os autores desse estudo propuseram que firmas com diferentes escopos de internacionalização deveriam julgar as barreiras e incentivos à internacionalização de formas distintas. Eles identificaram que a dispersão geográfica seria uma medida válida no escopo de internacionalização. Sendo assim, essa definição operacional levaria a uma segmentação de sua amostra em seis grupos. O escopo de internacionalização variava de leve, para as firmas que estavam envolvidas somente em mercados adjacentes, a extensivo, para firmas que desenvolveram um horizonte global. A análise proposta pelos autores buscou conectar cada escopo internacional das firmas com sua sua apreciação de barreiras e fatores de incentivo e então testar as diferenças entre os seis grupos. A análise não descobriu uma diferença significativa entre quaisquer grupos de firmas. Em todas as permutações, nem os fatores sensíveis às questões de conhecimento, vantagens específicas de firma, nem as condições ambientais foram vistas diferentemente entre as firmas com diferentes escopos de internacionalização. Ao avaliar tais resultados, os autores procuraram identificar alguns pontos fracos da hipótese de Johanson e Vahlne (1977). Os autores apontaram que o estudo seminal concentrava-se somente em investigar poucas empresas suecas operando em poucos segmentos econômicos, sendo produtos florestais um deles. A filosofia “exportação ou morte” comum nesse segmento industrial e especialmente intenso na Europa poderia ter introduzido um viés sistemático. A concentração dos estudos nas empresas suecas, apesar de estarem concentradas em um único país, sugerem a possibilidade de que fatores específicos de nações possam moderam o processo de internacionalização. Um terceiro aspecto seria aquele de que as diferenças nacionais 66 em visões etno e geocêntricas9 dos gerentes poderiam influenciar esse processo de formas inadequadamente explicadas pelo modelo de internacionalização escandinavo. Por fim, esses resultados colocavam uma questão relativa: se a noção de distância psíquica e sua lógica subjacente de “pensamento por analogia” seriam representativas da decisao dinâmica de internacionalização. Em alguns outros estudos, autores afirmavam a necessidade de se fazer estudos específicos sobre o processo de internacionalização para países em desenvolvimento, pois o comportamento das firmas dessas países seria distinto daquele verificado em países desenvolvidos e cada vez mais esses países têm representado uma parte mais significativa do comércio mundial (Leonidou, et al., 1996). Rocha, Silva e Silva (2007) afirmam que não haveria estudos específicos sobre o modelo do processo de internacionalização de Uppsala para a América Latina e, portanto, seu estudo concentra-se em verificar a validade desse modelo no contexto de empresas brasileiras exportadoras de bens manufaturados. Tal estudo utiliza dados longitudinais de três pesquisas com exportadores brasileiros. Os dados foram coletados nos anos de 1978, 1999 e 2005, da mesma amostra de empresas exportadoras de bens manufaturados brasileiros. A distribuição de firmas em cada um dos anos é apresentada na tabela a seguir: Ano Exportadores sobreviventes Empresas domésticas sobreviventes 1978 152 100,0% - 1999 62 40,8% 28 2005 60 39,5% 25 - Empresas falidas - - 18,4% 62 40,8% 16,4% 67 44,1% Tabela 2.8: Distribuição de firmas exportadoras na pesquisa Esse estudo concluiu que há um suporte muito restrito ao modelo da escola de Uppsala como uma teoria preditiva para os padrões de internacionalização das empresas exportadoras brasileiras. Segundo o autores, é importante considerar que há algumas questões que podem ter introduzido vieses em tal resultado. Nas décadas de 1970 e 1980, o Governo Brasileiro com o propósito de expandir as exportações brasileiras aumentou as recompensas e reduziu os riscos envolvidos na entrada das 9 A visão etnocêntrica do mundo é aquela de quem considera o seu grupo étnico, nação ou nacionalidade socialmente mais importante do que os demais. Por outro lado, a visão geocêntrica é aquela que tem como ponto de referência o centro da Terra. 67 firmas nas atividades de exportação. Isso poderia explicar parcialmente porque algumas empresas foram de mercados de baixa para alta distância psíquica nos primeiro e segundo anos de exportações na década de 1970. Outro fator relevante a ser considerado estaria relacionado com a crise da dívida vivida pelas países latino-americanos, incluso o Brasil, na década de 1980. Os governos foram forçados a reduzir substancialmente os incentivos para exportação, fazendo com que um grande número de empresas abandonassem ou reduzissem drasticamente suas atividades de exportação. Esse acontecimento poderia explicar parcialmente a razão que levou as empresas a alcançar na média no ano de 1999, mercados com distância psíquica menor do que aqueles verificados na pesquisa de 1978 (Rocha, et al., 2007). A crise especulativa que atingiu a Ásia em 1997 teve suas repercurssões também na América Latina. Naquela ocasião a moeda brasileira, o Real, sofreu fortes ataques especulativos, uma vez que o regime de câmbio fixo, acabou por produzir uma moeda sobrevalorizada. Nos anos anteriores de moeda forte, as empresas exportadoras aproveitaram para atualizar seu parque fabril, importando máquinas e equipamentos mais novos. No início de 1999, o Governo Brasileiro cedendo às pressões do mercado, desvalorizou fortemente a moeda nacional. Assim, a partir de 1999 teve início um boom nas exportações brasileiras, com as empresas mais experientes incrementando suas intensidades de exportações e novas empresas entrando nessa atividade (Rocha, et al., 2007). O modelo de redes de Johanson e Mattson (1988), que descreve quatro categorias de empresas no processo de internacionalização, também possui algumas fraquezas. Seria possível nomear sete delas: i) os critérios utilizados para diferenciar cada uma das matrizes não seriam distintintivos e, por isso, se sobreporiam; ii) o modelo não discutiria a importância do tomador de decisão e as características da firma para assumir as oportunidades de penetração internacional, extensão e integração que surgiria das redes; iii) o modelo não discute como as firmas contornariam os problemas experimentados na internacionalização através de suas redes de relacionamentos; iv) o modelo exclui a influência de certos fatores externos que propulsionariam a empresa a se internacionalizar tais como competência interna, pedido não solicitado ou políticas governamentais; v) o modelo não diz como as empresas poderiam mudar suas posições na matriz; vi) somente considera relacionamentos que evoluiriam de forma orgânica; e vii) por fim, os casos estudados ilustram que haveria outras dimensões para a rede tais como clientes e governo que 68 poderiam levar a empresa a se internacionalizar ao invés de somente considerar a produção líquida enfatizada no modelo (Chetty, et al., 2000). Afirma-se que “o fenômeno empresas nascidas globais ainda é novo e não tão bem definido como uma área de pesquisa e por essa razão as amostras de estudos individuais são muito diferentes e não completamente comparáveis. Além disso, muitos dos estudos são puramente descritivos sem uma estrutura teórica de referência bem desenvolvida.” (Madsen, et al., 1997 p. 565) Outro estudo que nem o trabalho de Johanson e Vahlne (1977) e nem o desafio colocado pelo trabalho de Oviatt e McDougall desenvolvem completamente é uma das implicações normativas em relação ao tempo da internacionalização. De fato, Johanson e Vahlne excluíram explicitamente esse aspecto do desenvolvimento de sua teoria enquanto que Oviatt e McDougall estavam preocupados em explicar o fenômeno das empresas nascidas globais ao invés do efetivo gerenciamento de tais organizações. Por essa razão, acredita-se que há um gap remanescente em termos de desenvolvimento das implicações normativas para as empresas nascidas globais, assim como no desenvolvimento de frameworks de praticantes orientados ao planejamento para a implementação de uma internacionalização precoce e rápida (Autio, 2005). 2.3.6.2. Críticas ao Paradigma Eclético e Internalização De acordo com Johanson e Vahlne (1990) uma vez que o paradigma eclético busca explicar a amplitude, a forma e o padrão de produção internacional, ele possui uma orientação a produção. Por outro lado, o modelo descrito pelos autores procura explicar o padrão e o modo de estabelecimento das transações orientadas ao mercado. Levando em conta somente o conceito de distância psíquica, definido no modelo de Johanson e Vahlne, a organização inicialmente entraria nos mercados que lhe parecessem mais próximos e iria incremental expandindo seu processo de internacionalização para mercados mais distantes psicologicamente. Johanson e Vahlne sustentam que de acordo com pesquisa empírica realizada, seu modelo teria um poder de explicação maior para empresas nos estágios iniciais de internacionalização, ou seja, seriam firmas com menor experiência nesse processo. Por sua vez, o paradigma eclético teria um poder explicativo maior quando aplicado a empresas com atuação em partes distintas do planeta e estaria mais alinhado com firmas com um maior nível de experiência. Outra questão levantada por Johanson e Vahlne refere-se a incorporação de variáveis explicativas. Os autores argumentaram que “não é nossa intenção aumentar o número 69 de variáveis explicativas, dado que nosso objetivo é contribuir para a compreensão da natureza incremental do processo de internacionalização. O paradigma eclético, por outro lado, tem por objetivo proporcionar uma explicação geral das operações da firma no exterior com base em todos os fatores exploratórios relevantes.” (Johanson, et al., 1990 p. 17) Por fim, o modelo de internacionalização de Johanson e Vahlne (1990) teria um caráter dinâmico, uma vez que levaria em consideração as mudanças na variáveis independentes ao longo do processo enquanto que o paradigma eclético seria um modelo de natureza estática. Afirma-se que o escopo descritivo e explicativo das teorias econômicas pode ser criticado, por assumir que não há restrições à racionalidade e que decisões consideradas “ótimas” poderiam ser obtidas no processo de internacionalização da firma. Essas teorias ignorariam perspectivas de aprendizado e o papel do tomador de decisão, negligenciando as relações entre os entes de um mercado, como se as empresas fossem tomar suas decisões de modo autônomo (Whitelock, 2002). Outro teórico estabelece que as teorias econômicas possuem duas limitações centrais (Räisänen, 2003): • Redução da lógica de tomada de decisão de uma empresa somente ao aspecto de otimização de transações. • Suposição de que as empresas tomam decisões racionais e fazem as melhores escolhas entre alternativas em determinados momentos. Outros autores também tecem o mesmo tipo de crítica às teorias econômicas. Para esses autores, as teorias econômicas se focam em empresas muito grandes ou com presença internacional significativa, como única referência empírica válida (Rialp, et al., 2005). Dessa forma, falhariam em analisar a evolução seguida por pequenas empresas em seu processo de internacionalização. Mitgwe (2006) acredita que por muitas décadas os negócios globais foram considerados como exclusivos das grandes multinacionais e a teoria mais tradicional de negócios internacionais era desenvolvida para explicar o comportamento dessas empresas. Apesar de as teorias econômicas não desempenharem um papel central nesse trabalho é relevante ressaltar sua importância para a análise do processo de internacionalização das empresas de software e a influência das políticas públicas nesse processo. Parece haver algumas características desses processos que seriam explicadas pelo Paradigma Eclético. 70 2.3.7. Estudos sobre a internacionalização de empresas brasileiras A trajetória brasileira demonstra que o país concentrou-se ao longo de sua história na produção e exportação de bens primários com pouco ou nenhum valor agregado, constituídos em sua maioria por commodities agrícolas. Em decorrência desse traço econômico e das políticas de substituição de importações implementadas a partir da década de 1950, o país esteve muito tempo fechado, sem que houvesse a promoção de uma política de diversificação e ampliação da pauta nacional de produtos para exportação. Verifica-se que os primeiros esforços de incremento na pauta de exportação brasileira ocorrem na década de 1970. Com a crise da dívida externa ocorrida no início da década de 1980, os subsídios e outras formas de estímulo foram abandonados pelo Governo Federal como forma de se concentrar na solução do problema central de endividamento externo do país naquela ocasião. Como consequência desse cenário de fechamento ou pouco estímulo à exportação e internacionalização de empresas brasileiras, os primeiros estudos sobre esse tema ocorrem somente no final de década de 1970, com uma concentração maior na década de 1980 (Rocha, et al., 2002). Especificamente, sobre a internacionalização do setor de software no Brasil, há poucos estudos. Os primeiros remontam à década de 1990. Um estudo realizado recentemente como fruto de uma parceria estabelecida entre a Fundação Dom Cabral e a Universidade de Columbia concluiu que o cenário de baixa internacionalização das empresas brasileiras parece estar se modificando. O volume de investimento direto no exterior vem aumentando de maneira consistente, tendo alçado o Brasil à posição de segundo maior investidor dentre os países em desenvolvimento no ano de 2006 (FDC / CPII, 2007). As seções seguintes discorrem sobre alguns dos principais estudos brasileiros sobre internacionalização de empresas de setores diversos, incluindo um deles que é específico sobre a área de produção de software. 2.3.7.1. A internacionalização das empresas nacionais (Brasil et al., 1996) Os autores desse estudo enviaram um questionário para 160 empresas com atuação fora do Brasil, considerando um enfoque de internacionalização como investimento e presença física no exterior. Do total, 57 empresas responderam aos questionários. Considerou-se presença física dentro da seguinte classificação: 71 • Escritório de venda, subsidiária, assistência técnica e/ou agência. • Depósitos. • Unidades de produção própria ou em associação. • Centro ou grupos de pesquisa. • Escritórios de compra. As empresas consideradas na amostra concentram-se em sua maior parte na América Latina, seguidas de Estados Unidos, México e Canadá (Nafta), Europa e Ásia. Dentre os aspectos determinantes na expansão internacional, dois aspectos principais permearam esses fatores: a) Iniciativa das lideranças – evidenciou-se que a iniciativa de internacionalização e a origem européia dos principais executivos das empresas, a maioria deles fundadores, foram fatores desencadeadores no processo de globalização das empresas. b) Alianças e parcerias – em geral, elas ocorreram por questões de acesso à tecnologia, conhecimento do mercado, perfil da concorrência e necessidade de superação das barreiras culturais. Foram três os principais obstáculos à internacionalização apontados pelo estudo: i) O primeiro deles é de caráter interno e relaciona-se com aspectos burocráticos e de legislação no país. Tal forte encarece os investimentos para implantação de unidades no exterior; ii) o segundo obstáculo relaciona-se a dificuldade de acesso a recursos financeiros mais baratos no exterior; iii) por fim, as questões culturais foram colocadas como um fator relevante para dificultar o processo, uma vez que os procedimentos e instituições são distintos em países com históricos distintos do brasileiro, como por exemplo, os países saxões (Brasil, et al., 1996). 2.3.7.2. Processos, pessoas e networks no Investimento Direto no Exterior (Barreto, 1998) O estudo de Barreto (1998) teve por objetivo investigar a internacionalização das empresas em um momento particular: a decisão de realizar o investimento direto no exterior. O autor desdobrou três perguntas de pesquisas em conjunto de proposições. Para verificar as proposições derivadas das perguntas de pesquisas, o autor analisou o caso de dez empresas brasileiras nas quais o processo de internacionalização encontrava-se no ponto de realização do investimento direto no exterior. Dentre as empresas nove delas eram manufatureiras e a outra prestadora de serviços médicos. 72 a) Conclusões sobre os processos de internacionalização e o comportamento das firmas investigadas As duas primeiras proposições referem-se ao i) gradualismo da internacionalização das empresas; ii) seqüência dos modos de entrada nos mercados do exterior. Segundo o autor, "os resultados obtidos pelo estudo levaram à identificação de cinco seqüências alternativas de modos de entrada. No entanto, seis dos dez casos são adequadamente descritos pela primeira proposição, enquanto nenhum dos outros casos – cada qual sua seqüência – corresponde à segunda proposição.” (Barreto, 1998) A terceira proposição afirma que o processo de internacionalização não segue passos planejados, mas em essência depende de características dos tomadores de decisão. A análise dos casos indica que a internacionalização de todas as empresas possui elementos fortuitos, não planejados, que sobrepõe decisões racionais de investimento direto no exterior. Assim, os resultados apóiam completamente a proposição. A quarta proposição relaciona o conhecimento do mercado ao comprometimento com o mesmo. Segundo o autor, o ciclo conhecimento-comprometimento de Johanson e Vahlne (1990) foi detectado em sete dos dez casos investigados. O processo de aquisição de conhecimento é visto, em muitas das firmas, como elemento estratégico na internacionalização. Dessa forma, é possível concluir que os casos apóiam empiricamente a quarta proposição. As proposições cinco, seis e sete relacionam-se à: i) ordem de entrada em um mercado e distância psicológica; ii) alta percepção de distância psicológica e baixo comprometimento de recursos; iii) relação diretamente proporcional entre distância cultural e a probabilidade de escolha de uma joint venture, ao invés de uma aquisição. A distância psicológica demonstrou ser um artefato relevante à compreensão da ordem cronológica de entrada das empresas estudadas em alguns dos mercados. Assim, parte das evidências empíricas sustenta a quinta proposição. Contudo, há exceções ao padrão clássico de aumento da distância psicológica dos mercados selecionados na medida em que a empresa aumenta o grau e a amplitude de internacionalização. Tais exceções são explicadas pelo “efeito network”, ou seja, as empresas são convidadas a participar de mercados internacionais por outras empresas que fazem parte de sua rede. Assim, o “efeito network” seria visto como um atenuador do impacto da distância psicológica. 73 No caso da sexta proposição, os dados não são conclusivos, mas não parece existir sustentação empírica para ela. A freqüência de investimento direto em países de cultura latina é maior do que em países de culturas mais distantes. Para a sétima proposição, os estudos indicam não haver um suporte empírico. Dos seis casos de investimento direto para países culturalmente mais distantes, que foram os realizados na Alemanha, EUA e Iraque, quatro foram ocorreram através de aquisição e dois através de joint ventures. As proposições oito, nove e quatorze relacionam-se à: i) utilização de investimento direto como forma de entrada e existência de vantagens específicas da firma e necessidade de protegê-las; ii) possibilidade de explicação do processo de internacionalização por vantagens da firma tais como: propriedade, internalização e localizacionais; iii) vantagens específicas da firma, sua natureza e relevância. Somente um dentre os casos investigados forneceu evidências que apoiaram a oitava proposição. Em uma empresa o desinteresse por parcerias estava explicitamente associado à vontade de proteger um know-how percebido como vantagem competitiva, cuja proteção era mais importante para a empresa do que a obtenção de capitais de terceiros para investimentos em outros países. Quanto a nona e décima quarta proposições, conforme as definições do paradigma eclético de Dunning, não foram encontradas evidências empíricas que as suportassem. Nem as vantagens de propriedade, nem de internalização ou de localização pareceram estimular a forma com a qual as empresas tomaram suas decisões de investimento direto no exterior. É importante ressaltar que o paradigma eclético de Dunning se propõe a explicar o comportamento de empresas multinacionais e as empresas estudadas se encontram em estágios muito incipientes desse processo (Barreto, 1998). b) Conclusões sobre as características dos tomadores de decisão e o comportamento das firmas investigadas A décima proposição relaciona continuidade da empresa na atividade internacional e seu tamanho. No estudo não se obteve evidências empíricas que apoiassem ou não tal proposição. A décima primeira proposição relaciona uma maior atuação em áreas geográficas distintas no mercado doméstico com uma maior probabilidade de internacionalização. Todas as empresas estudadas possuíam atuação extra-regional no mercado doméstico. Nesse sentido, houve um pleno suporte a proposição de número onze. 74 A décima segunda proposição relaciona as motivações para internacionalização de uma empresa com estágio de internacionalização, tipo da empresa e regularidade de atividade internacional. Foram identificados diversos motivos para ingresso e continuidade na atividade exportadora. Nesse sentido, o estudo deu pleno suporte a atual proposição. As proposições de números treze, quinze, dezesseis e dezessete relacionam-se à: i) influência das características dos tomadores de decisão no processo de internacionalização; ii) influência da exposição dos executivos, o tamanho e os conjuntos de mercados considerados; iii) espaço de ação dos tomadores de decisão, cujo raio corresponde ao âmbito de procura de novas oportunidades; iv) engajamento da empresa são determinados por atitudes, experiência, motivação e expectativas do tomador de decisão. Em oito dos dez casos estudados, o papel do executivo-chefe na internacionalização relevou-se essencial para o entendimento de tal processo. Dessa forma, ainda que os casos levantados não permitam identificar em que medida fatores tais como “atitudes, experiência, motivação e expectativas” teriam afetado o engajamento das empresas, seria possível afirmar em linhas gerais que haveria apoio empírico para a proposição de número dezessete. Características individuais dos líderes empresariais e a natureza de suas empresas seriam tão intrinsecamente ligadas que em geral separá-las representaria um grande desafio. Sendo assim, seria possível concluir que há um suporte empírico para a proposição de número treze. Houve identificação da proposição de número quinze em alguns casos. Em duas empresas, a vivência no exterior do executivo-chefe parece ter influenciado de maneira decisiva a escolha dos mercados. Tais casos acabariam por dar suporte à essa proposição. O processo pelo qual há a ocorrência desse fator se daria através do mecanismo de distância psíquica. Associa-se também a décima sexta proposição que sugere a identificação da área de atuação da empresa no mercado internacional como um tipo de “mapa cognitivo” do executivo. Tal traço ficou evidente em somente uma das empresas estudadas (Barreto, 1998). c) Conclusões sobre o papel das redes de empresas e o comportamento das firmas investigadas As proposições de números dezoito, dezenove, vinte, vinte e um, e vinte e dois relacionam-se à: i) ocorrência do ingresso na atividade internacional por redes; ii) reflexos da expansão das redes na internacionalização da firma; iii) pressão por 75 internacionalização feita pela rede doméstica; iv) decisão de exportar, aumento de comprometimento e experiência coletiva da rede da empresa; v) relacionamentos e contatos pessoais e estímulo ao processo de internacionalização das empresas. O estudo identificou evidências que suportam todas as proposições relativas ao papel das networks na internacionalização das organizações. Foram encontradas evidências em dois casos nos quais consórcios de empresas locais tiveram um papel de alavancar a atividade internacional Tais casos dão suporte às proposições de números dezoito e vinte e um. Em relação a décima nona proposição foram encontradas duas situações de influência das networks na internacionalização. No primeiro caso, a internacionalização de um grande cliente norte-americano para Canadá permitiu que sua fornecedora brasileira fosse estimulada a acompanhá-lo. No segundo caso, a internacionalização de uma empresa brasileira permitiu um movimento de internacionalização inward10 para seus fornecedores. No caso da vigésima proposição se forem excluídos os termos: “pressionada” e “doméstica” é possível dizer que em muitos casos, as empresas estudadas foram levadas a ingressar em determinados mercados para acompanhar sua rede. Por fim, os estudos dão um forte suporte à proposição de número vinte e dois. Grande parte das empresas estudadas utiliza-se de relações pessoais como forma de conectar-se e prospectar novas formas de negócios. Em duas das empresas o uso das relações interpessoais foi considerado fundamental para seu processo de internacionalização (Barreto, 1998). 2.3.7.3. Internacionalização de Empresas Brasileiras no Mercosul: Estudo de Caso (Pinto, 1998) O trabalho deste autor investigou o processo de internacionalização de uma empresa brasileira no âmbito do Mercosul enfocando os fatores comportamentais e econômicos 10 O termo internacionalização inward traduzido literalmente significaria uma internacionalização “para dentro”. Ocorre quando uma firma se internacionaliza e nesse processo traz do exterior recursos, técnicas ou outras empresas que atuem como fornecedoras para desenvolver seus processos, produtos ou recursos em sua matriz. Esse tipo de internacionalização permite construir relacionamentos com atores estrangeiros e desenvolver a organização. 76 que podem influenciar a tomada de decisão relativa à internacionalização e a definição do modo de entrada da empresa no exterior. Devido ao caso desse trabalho referir-se a uma empresa de serviços, as duas principais escolas de pensamento: o modelo do processo de internacionalização e os modelos de inovação, parecem não se adequar completamente para explicá-lo no que tange a seqüência de estágios e ao aumento da distância psíquica dos novos mercados nos quais a empresa entra. Pelo fato de que é uma empresa de soft services 11 , a Amil não teve como exportar seus serviços ou como percorrer as seqüências de estágios que a literatura propõe. Como a empresa optou por entrar no mercado argentino através do investimento direto, que é considerado o estágio final nas principais seqüências, não foi possível enquadrá-la em nenhum modelo específico. A questão da distância psíquica não ficou claramente definida no estudo. Contrariando o que sugeriria o modelo da escola de Uppsala, a Amil optou inicialmente por se internacionalizar no mercado norte-americano em uma área de atuação distinta da sua original. Depois desse movimento é que a Amil decidiu ir para o mercado argentino operando em sua área de atuação original no Brasil, atenuando assim o papel desempenhado pelo constructo da distância psíquica. O Paradigma Eclético e a Análise de Custos de Transação, mais relacionados aos aspectos econômicos da internacionalização, proporcionaram melhores explicações para o processo da Amil. O estudo revelou a existência de vantagens específicas de propriedade, internalização e localização ligadas ao Paradigma Eclético. O trabalho evidenciou ainda características descritas pela Análise dos Custos de Transação tais como: i) especificidade de ativos; ii) incerteza interna e externa; iii) inseparabilidade da produção e consumo dos serviços; e iv) importância dada ao valor da marca. Tais características justificaram a opção pelo investimento direto como modo de entrada da Amil no Mercosul. 2.3.7.4. Estudos sobre a Promoção de Exportações via Internacionalização (BNDES, 2005) Segundo (Alem, et al., 2005), há três aspectos que definem as principais motivações para a criação de empresas multinacionais brasileiras: 11 Soft services são aqueles serviços cuja separação entre sua produção e seu consumo é de difícil execução. Os serviços de produção de software são considerados hard services. 77 1. No início dos anos 1990, somente as 420 principais empresas multinacionais foram responsáveis por mais da metade da produção mundial. 2. O grande crescimento da participação das exportações das empresas transnacionais no total exportado no mundo (no início dos anos 1990, as multinacionais eram responsáveis por volta de 75% do comércio mundial). 3. As firmas multinacionais têm sido a principal fonte não governamental de financiamento à pesquisa e desenvolvimento, dominando suas transações com tecnologia. Esses autores acreditam que a internacionalização deve ser vista como um meio essencial para o aumento da competitividade internacional das empresas, promovendo o desenvolvimento dos países facilitando: i) o acesso a recursos e a mercados; ii) a reestruturação econômica. Em resumo, a internacionalização das empresas seria importante para assegurar e expandir mercados para os seus bens e serviços. O acesso a mercados maiores fortaleceria a competitividade das empresas multinacionais pelas economias de escala, efeitos de especialização e de aprendizado e pelo fornecimento de uma maior base financeira para reinvestimentos e desenvolvimento tecnológico. Indica-se que as dificuldades relacionadas com a obtenção de informação são mais generalizadas e representativas dos problemas enfrentados pelas firmas investidoras. As dificuldades relacionadas com o financiamento também são representativas para outro conjunto de empresas (Iglesias, et al., 2002). Segundo esses autores financiamento e seguro contra riscos do investimento podem ser políticas necessárias para a internacionalização produtiva das firmas. Para essa atividade é necessário contar com: a) o desenvolvimento de ativos específicos ou proprietários, o que implica em um grau importante de desenvolvimento tecnológico; b) a construção de capacidades para obter diferenciação em termos de produtos e serviços associados ao fornecimento desses produtos; e c) um forte contexto competitivo no mercado doméstico que obrigue as corporações nacionais a aumentar sua eficiência e a buscar novos mercados. Portanto, políticas horizontais de desenvolvimento tecnológico, que propiciem a melhor adaptação de tecnologias existentes e permitam a criação de novos produtos e processos, juntamente com políticas regulatórias que aumentem o grau de concorrência nos mercados domésticos, parecem ser mais adequadas para facilitar a internacionalização das empresas de um país. 78 Menciona-se que há vários exemplos internacionais de governos que apoiaram e ainda apóiam a expansão internacional de suas empresas. No caso norte-americano, seu governo criou uma agência denominada Overseas Private Investiment Corporation (OPIC), que financia operações de investimento no exterior e oferece também garantias e seguro contra risco político, fornecendo adicionalmente um conjunto de serviços de apoio ao investidor americano no exterior (Iglesias, et al., 2002). Os requerimentos que deve cumprir uma operação financiada pela OPIC são: a) rentabilidade econômica e financeira; b) impactos neutros ou positivos no emprego nos Estados Unidos; c) impactos neutros ou positivos no desenvolvimento americano e do país receptor; e d) respeito ao meio ambiente e às normas trabalhistas. Os investimentos financiados pela OPIC em um determinado país não devem substituir exportações americanas em terceiros mercados nem podem aceitar incentivos do país receptor relacionados com o comércio que poderiam danificar o comércio exterior americano. 2.3.7.5. “Multinacionalização”12 das empresas brasileiras (FDC / CPII, 2007) Um estudo realizado realizado em 2007 como fruto de uma parceria estabelecida entre a Fundação Dom Cabral (FDC) e a Universidade de Columbia em Nova York através de uma iniciativa denominada The Columbia Program on International Investment (CPII) aponta uma mudança no cenário de internacionalização das empresas brasileiras. As principais conclusões de tal estudo mencionam que: • “As vinte principais multinacionais do país possuem 56 bilhões de dólares13 em ativos no exterior, o equivalente a mais da metade do estoque de IDE brasileiro. • As vinte empresas principais produzem e vendem bens e serviços que valem aproximadamente US$ 30 bilhões e empregam 77 mil pessoas no exterior. • Cerca da metade concentram o foco na América Latina, onde estão representadas no maior percentual de países. 12 A palavra “multinacionalização” está colocada entre aspas, pois se constitui em um neologismo na língua portuguesa. Ainda assim, será utilizando no âmbito desse trabalho como forma de expressar um comportamento recente das empresas brasileiras. 13 Os valores foram convertidos em dólares americanos usando a média do ano de 2006 do FMI (Fundo Monetário Internacional). 79 • A internacionalização das empresas brasileiras aumentou rapidamente durante os últimos anos, abastecida principalmente por empresas que atuam com exploração de recursos naturais; estas empresas representam cerca de dois terços dos ativos no exterior das 20 maiores empresas. A Vale lidera o ranking de multinacionais, que também inclui vários grupos industriais, empresas de construção pesada e de alta tecnologia como Embraer e Itautec. • Apesar da concentração geográfica do IDE brasileiro, um número crescente de empresas, incluindo várias pequenas e médias, estão se tornando multinacionais”. O estudo descreve uma tabela (Tabela 2.9) que aponta as principais variáveis de internacionalização das vinte maiores multinacionais brasileiras. Dentre elas, metade encontra-se localizada em São Paulo. Todas elas, exceto a Petrobrás, são privadas. A Vale e a Petrobrás, são as duas maiores empresas desse ranking (ambas de recursos naturais) e representaram em 2006 mais de dois terços dos ativos estrangeiros das vinte maiores multinacionais. Um segundo grupo de empresas que fornecem insumos para outras indústrias, representa mais de 19%. As multinacionais brasileiras que produzem bens acabados e empresas de serviço representam cerca de 6%, respectivamente, deixando menos de 1% para a única empresa de bens de consumo (Natura). Ainda segundo esse estudo, as informações sobre as vintes maiores empresas devem ser analisadas sob a perspectiva dos fluxos totais de IDE para o Brasil e do país para outras regiões do globo. Pela primeira vez desde que estatísticas oficiais foram disponibilizadas, o fluxo de saída em 2006 (US$ 28 bilhões) foi maior que o de entrada (US$ 19 bilhões). Não há garantias de que isso se torne um padrão no futuro. Tal resultado fez com que o Brasil se tornasse o segundo maior “exportador” de investimentos entre os países em desenvolvimento, atrás de Hong Kong (China) em 2006, e o maior exportador de investimentos da América Latina. Boa parte desses fluxos converteu-se sob a forma de fusões e aquisições, mas investimentos greenfield também foram importantes. O IDE brasileiro está sendo concretizado por 885 multinacionais sediadas no Brasil, mostrando que há muitas pequenas e médias empresas brasileiras que estão iniciando esforços de internacionalização (FDC / CPII, 2007). 80 Ranking # Índice de transAtivos no nacionaexterior lidade Nome 1 2 Companhia Vale do Rio Doce 2 18 Petrobrás 3 1 Gerdau 4 6 Embraer 5 24 Grupo Votorantim 6 13 CSN 7 9 Camargo Corrêa 8 5 Grupo Odebrecht 9 23 Aracruz 10 7 WEG 11 4 Marcopolo 12 11 Andrade Gutierrez 13 8 Tigre 14 31 Usiminas 15 17 Natura 16 15 Itautec 17 19 América Latina Logística S/A 18 26 Ultrapar / Grupo Ultra 19 3 Sabó 20 22 Lupatech Ativos no Receita no Empregados Índice exterior / exterior / no exterior / de trans- Países ativos receita empregados nacionacom Setor totais total totais lidade operação Mineração 46 46 24 29 10 Petróleo e gás 12 12 11 12 9 Siderurgia 39 54 46 46 11 Indústria Aeronáutica 45 12 13 23 5 Diversificado 5 9 4 6 12 Siderurgia 18 28 3 16 2 Diversificado 26 13 18 19 12 Construção e petroquímico 15 20 47 27 12 Papel e polpa 19 n.d. 1 7 5 Eletromecânico 24 30 11 22 12 Indústria Automobilística 30 30 22 27 7 Diversificado 4 7 41 17 8 Construção 27 17 17 20 7 Siderurgia 1 n.d. n.d 0.3 0 Cosméticos 22 3 15 14 7 Tecnologia da Informação 19 20 6 15 8 Transporte e logística 2 11 23 12 1 Diversificado 2 2 3 2 2 Auto-peças 16 43 27 29 11 Eletromecânico 10 4 7 7 2 Tabela 2.9: Classificação das 20 maiores multinacionais brasileiras Fonte: FDC-CPII 2007 Ranking of Brazilian MNEs 81 Referências Bibliográficas ANEXO I - REFERÊNCIAS A decolagem das multinacionais brasileiras [Conferência] / A. 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