Desenhista, pintor, gravurista, ceramista e escultor. Um dos maiores
mestres da arte brasileira. Uma vida dedicada ao amor e à solidariedade.
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90 YEARS OF ABELARDO DA HORA: LIFE AND ART
11 de agosto a 27 de setembro de 2015
Curadoria
Renato Magalhães Gouveia
CAIXA Cultural Recife
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A CAIXA é uma empresa pública brasileira que prima pelo respeito à diversidade, e mantém comitês internos atuantes para promover entre os seus empregados campanhas, programas e ações
voltados para disseminar ideias, conhecimentos e atitudes de respeito e tolerância à diversidade de
gênero, raça, orientação sexual e todas as demais diferenças que caracterizam a sociedade.
A CAIXA também é uma das principais patrocinadoras da cultura brasileira, e destina, anualmente,
mais de R$ 60 milhões de seu orçamento para patrocínio a projetos culturais em espaços próprios e
espaços de terceiros, com mais ênfase para exposições de artes visuais, peças de teatro, espetáculos de dança, shows musicais, festivais de teatro e dança em todo o território nacional, e artesanato
brasileiro.
Os projetos patrocinados são selecionados via edital público, uma opção da CAIXA para tornar mais
democrática e acessível a participação de produtores e artistas de todas as unidades da federação,
e mais transparente para a sociedade o investimento dos recursos da empresa em patrocínio.
A exposição “Abelardo da Hora 90 anos: vida e arte” celebra a trajetória do renomado escultor
pernambucano, considerado pela crítica especializada o maior escultor expressionista do Brasil.
Trata-se da primeira retrospectiva após seu falecimento ocorrido em setembro de 2014, que apresenta ao público esculturas, esboços, estudos, pinturas e maquetes, dispondo de maneira didática
seu processo criativo e convidando o espectador a entender as motivações do artista de vanguarda,
educador e militante.
Desta maneira, a CAIXA contribui para promover e difundir a cultura nacional e retribui à sociedade brasileira a confiança e o apoio recebidos ao longo de seus 154 anos de atuação no país, e de
efetiva parceira no desenvolvimento das nossas cidades. Para a CAIXA, a vida pede mais que um
banco. Pede investimento e participação efetiva no presente, compromisso com o futuro do país, e
criatividade para conquistar os melhores resultados para o povo brasileiro.
Caixa Econômica Federal
Caixa Econômica Federal
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CAIXA is a Brazilian state-owned company that stands out in its respect to diversity, keeping
internal committees with employees and carrying out campaigns, programs and actions aimed at
disseminating ideas, information and a respectful and tolerant attitude towards diversity of gender, race and color, sexual orientation, and all the other differences embedded in a plural society.
CAIXA is also one of the main sponsors of Brazilian arts and culture, and invests over 60 million
reais annually in cultural projects, presented either in its own venues or elsewhere, with an emphasis on exhibitions of visual arts and Brazilian handicraft, theater plays, musical concerts, as
well as theater and dance festivals all over the country.
Projects are selected on a competitive and public process, an option CAIXA has made not only
to democratize access by producers and artists from the whole country, but also to give transparency to the use of the company’s funds.
The exhibition “90 years of Abelardo da Hora: Life and Art” celebrates the career of renowned
artist from Pernambuco, considered by critics the greatest expressionist sculptor of Brazil. This is
the first retrospective after his death occurred in September 2014, presenting to the public sculptures, sketches, studies, paintings and models, offering in a didactic way his creative process
and inviting the viewer to understand the avant-garde artist’s motivation, educator and militant.
With this project, CAIXA contributes to promote and disseminate Brazilian culture as means of
retribution to Brazilian society for the trust and support granted to CAIXA over its 153 year long
history of presence in the country and effective partnership in the development of our cities. For
CAIXA, life asks for more than just a bank: it asks for investment and participation in the present,
commitment to the future of the country, and creativity to achieve the best results for Brazilian
people.
Caixa Econômica Federal
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A exposição das obras do artista Abelardo da Hora oferece ao visitante a oportunidade de sentir a força que provem de uma Obra de Arte
em toda sua grandiosidade. Nela não se encontrará sequer o sinal do
progresso utilíssimo da tecnologia que tanto bem vem fazendo à humanidade, muito embora a rapidez com que se desenvolve chega a anestesiar os malefícios que junto, por ventura, possam estar nos trazendo.
A Arte que, em boa hora, a Caixa Econômica Federal hoje está apresentando, coloca o espectador diante de uma realidade que já completou 5.000 anos de existência.
A obra de Abelardo é por demais conhecida neste e em muitos países.
É forte e, ao mesmo tempo, carregada de uma delicadeza indescritível. Basta ver “A Fome e o Brado” e “Os Meninos do Recife”, fazendo
par com a sensibilidade das linhas da “Copacabana”. Os primeiros são
uma denúncia do mundo absurdo em que vivemos e não só o de hoje.
No entanto, a figura alongada, pele acetinada da “Copacabana” ou os
desenhos com a alegria dos “Hora de Brincar” nos remetem à linda
visão do futuro que todos almejamos.
O íntimo da obra do artista aqui se revela não apenas nesses exemplos
contraditórios apresentados. Esta exposição quer contá-lo como personagem completo: educador por excelência, desenhista, pintor, gravador. Na escultura segue o mesmo trajeto e ainda vai ao barro, reproduz
no gesso, faz com suas próprias mãos as fôrmas, atinge ao destino
multidimensional, desenforma, chega até o bronze, corrige imperfeições da fundição, prepara as pátinas negras, douradas, esverdeadas e
a obra de Arte se faz viva.
Quantas lições se tiram disso... Trabalha só, incansavelmente, mais
de oitenta anos de vida sem interrupção, caminha em linha reta em
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direção ao objetivo. E alcança de tal maneira que, ao findar, até ele se
sente agradecido e feliz.
Nesta exposição se procurou mostrar poucas peças dentre as centenas que já produziu. Realçou os caminhos que percorreu, interessou
fazer com que o público se dê conta de que, ao ver uma escultura de
bronze ou cimento, há um longo percurso que foi trilhado. Na vida, para
que permaneça, nada se faz num piscar de olhos. É preciso ser como
Abelardo, ter objetivo sempre, lutar por ele que a Obra surgirá.
Que esta exposição tenha além da visão das peças, o mérito de buscar
um sentido educativo: apresentar a obra de Arte e o caminho para se
chegar lá.
Reafirma-se, antes de tudo, o grande educador que Abelardo foi, conforme atestam seus acompanhantes.
Agradecimento à Diretoria da Caixa Econômica Federal que está mostrando ao público a Obra de Arte e, oportunamente, acrescentando a
preocupação com a visão educadora que tanto nos tem faltado.
Renato Magalhães Gouveia
São Paulo, 5 de fevereiro de 2015.
The exhibition of pieces from the artist Abelardo da Hora offers the visitors an opportunity to feel the strenght coming from a Work of Art in all
its grandiosity. In it you will not find any signs of the very useful technological progress, that is so good to humanity, though the swiftness
in which it develops is able to anesthetize the harms that might come
along with it.
This exhibition aimed to show few pieces among hundreds he produced. It highlighted the paths he went to, and wanted to get the audience to realize that by seeing a brass or cement sculpture, a long way
was traveled. For something to remain in life, it cannot be done in a
flash. One has got to be like Abelardo, to always have a goal, fight for it
and the Work will come.
The Art that, in good time, Caixa Econômica Federal presents today
puts the spectators before a reality of 5000 years of existence.
May this exhibition have, besides the viewing of the pieces, the merit of
pursuing an educational sense: introduce the work of Art and the path
to get there.
Abelardo’s work is well known here and in many other countries. It is
strong and, at the same time, filled with indescribable delicacy. Just see
“A Fome e o Brado” and “Os Meninos do Recife”, matching the sensitivity of the lines of “Copacabana”. The first are a denunciation of the absurd world we live in and not only today’s world. However, the elongated
figure with satin skin of “Copacabana” or the joyful sketches of “Hora de
Brincar” (Playtime) refer to the beautiful vision of future we all wish for.
The intimate part of the artist’s work is revealed here not only in these
contradictory examples. This exhibition aims to depict him as a full character: educator by excellence, designer, painter, engraver. In sculpture
he follows the same path and also uses clay, reproduces on plaster,
makes the molds with his own hands, reaches the multidimensional
destination, unmmolds, gets to brass, corrects imperfections in casting,
prepares the black, golden, greeny patinas and the work of Art is then
alive.
It reaffirms, first and foremost, the great educator Abelardo was, as attested by his followers.
Our thanks to the Board of Caixa Econômica Federal that is showing
the Work of Art to the public and has timely added the concern of an
educational view, something we miss dearly.
Renato Magalhães Gouveia
São Paulo, February 5th, 2015.
So many lessons we can learn out of all this... He works alone, restlessly, over eighty years of life without interruptions; he walks a straight
line towards his goal and reaches it in a way that in the end, makes him
feel thankful and happy.
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Faço a minha arte respondendo a uma necessidade vital. Como
quem ama ou sofre, se alegra ou se revolta, aprova ou denuncia e verbera. Fruto das coisas que a vida ensina. Reflexo da
convivência social e fixação de elementos sedimentados pela
cultura da humanidade no seu itinerário histórico-social. Tenho
compromissos fundamentais com a cultura brasileira e com o
povo da minha terra.
A minha arte é feita dos meus sentimentos e de meus pensamentos: nunca os separo. A marca mais forte do meu trabalho
tem sido, entretanto, o sofrimento e a solidariedade. A tônica é
o amor: o amor pela vida, que se manifesta também pela repulsa violenta contra a fome e a miséria, contra todos os tipos de
brutalidades, contra a opressão e a exploração. Arte pela vida
em favor da vida. Às vezes grito violentamente nos ouvidos dos
brutos e dos antropoides monstruosos que forjam as guerras
e as discriminações. Mas às vezes canto: as vitórias da minha
gente, o amor da minha gente, as belezas da vida.
Não faço arte para os colegas verem nem para os críticos. Faço
arte para mim e para a minha gente. Acho que o grande apelo
atual da humanidade é a paz, o entendimento, a solidariedade
e o amor, enfim. Pretendo que a minha arte seja mais uma voz
a reforçar esse apelo.
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I do my art in response to a vital need. Like someone who loves
or suffers, gets happy or rebels, approves or denounces and
punishes. It is the result of the things life teaches us. A mirror of
the social consciousness and the fixation of elements sedimented
by the culture of mankind in its social-historical itinerary. I have
essential commitments to the Brazilian culture and the people
from my homeland.
My art is made of my feelings and my thoughts: I never tear
them apart. The strongest feature of my work has been,
however, the suffering and solidarity. Love is the core: love for
life, also expressed by the violent repulse against hunger and
misery, against all sorts of brutalities, against oppression and
exploitation. Art for life in favor of life. Sometimes I yell violently
in the ears of the brute and of the monstrous anthropoids that
forge wars and discriminations. Nevertheless, sometimes I sing:
I sing the victories of my people, the love of my people, the
beauties of life.
I don’t do art for my peers to see nor for the critics. I do art for
myself and for my people. I think the great current appeal of
mankind is peace, understanding, solidarity and finally, love. I
intend my art to be one more voice strengthening this appeal.
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O menino Abelardo
Era 31 de julho de 1924 quando a Vida resolveu expor uma das suas
obras mais inquietas: Abelardo Germano da Hora, quarto entre os sete
filhos do casal Severina e José Germano da Hora.
Nascido na Usina Tiúma, em São Lourenço da Mata, zona canavieira de Pernambuco, Abelardo mudou-se para o Recife ainda criança,
quando seu pai foi trabalhar como chefe de tráfego na Usina São João
da Várzea, de propriedade de Ricardo Brennand, um industrial que viria
a ser de grande importância para sua carreira profissional.
Após o curso primário, Abelardo pensou em estudar Mecânica na Escola Industrial (hoje Etepam - Escola Técnica Estadual Professor Agamenon Magalhães), mas como não havia vagas, terminou inscrito em
Artes Decorativas, juntamente com o irmão Luciano. Logo no primeiro
ano, destacou-se ao ponto de chamar a atenção do famoso professor
Álvaro Amorim, que bradou ao colega Edson de Figueiredo: “venha
ver um verdadeiro escultor”.
Este episódio foi o seu passaporte para uma bolsa de estudos na Escola de Belas Artes.
Escola de Belas Artes
Aos quinze anos, formado em Artes Decorativas, Abelardo matriculou-se no curso de Escultura da Escola de Belas Artes, ministrado pelo
professor português Casimiro Correia, que o convidou a trabalhar em
sua empresa de estuques, especializada em forros para tetos, onde
executou inúmeras peças de adereços e ornamentos para igrejas e edifícios particulares da cidade.
Foi também aluno de Fédora do Rego Monteiro, Antonio Baltar e Murillo La Greca, a todos surpreendendo pela precocidade e desenvoltura.
Um ano antes de ser formar, Abelardo foi eleito presidente do Diretório
Estudantil, onde desenvolveu o gosto pela política, o que o fez pensar
que um artista não podia deixar de refletir sobre a realidade à sua volta.
Sendo assim, pleiteou junto à direção uma nova forma de estudar Desenho e Pintura, através de excursões a diferentes pontos da cidade,
para que os alunos pudessem estabelecer contato com novas figuras,
lugares e paisagens. Vamos acabar com esse negócio de ficar só
desenhando e pintando dentro da escola e vamos desenhar e pintar a vida lá fora – bradava Abelardo.
Uma de suas últimas excursões foi à Usina São João da Várzea, do
doutor Ricardo Brennand. Um passeio que mudaria a sua vida.
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Usina São João da Várzea
Na Usina São João da Várzea, antigo local de trabalho de seu pai,
um grupo de estudantes desenhava às margens do açude, quando um
Buick preto estacionou. De dentro dele saiu doutor Ricardo Brennand,
curioso com toda aquela movimentação.
Apresentando-se como estudante e presidente do Diretório Estudantil
da Escola de Belas Artes, Abelardo cumprimentou o empresário, que
achou o seu sobrenome familiar. Ao ouvir o nome de José Germano,
Ricardo Brennand, além de reconhecer o ex-funcionário, viu também
que aquele rapazote tinha algo de especial, ao ponto de prometer construir uma oficina de cerâmica artística para Abelardo desenvolver jarros
e pratos decorativos.
Em janeiro de 1942, três meses depois do encontro, o motorista de
Ricardo Brennand foi à sua residência avisar que “a oficina de Abelardo estava pronta”. Seu José Germano foi informado que seu filho,
a partir daquele momento, passaria a morar na Usina, dividindo um dos
quartos da Casa Grande, com três dos quatro filhos de Ricardo: Cornélio, Jorge e Francisco – este último, influenciado pelo novo hóspede,
viria a se tornar um artista renomado.
Novas andanças
Após quatro anos com os Brennand, no início de 1946, foi para o Rio
de Janeiro, onde trabalhou em uma fábrica de manequins de lojas. Durante o período, usava a garagem de Abelardo Rodrigues para produzir
a obra que intencionava inscrever no Salão Nacional de Belas Artes: a
peça A Família representava a saudade dos familiares que ficaram em
Pernambuco.
Infortunadamente, o Salão, que acontecia desde o Império, foi suspenso por ordem do presidente Eurico Gaspar Dutra. Críticos de arte
e jornalistas, com quem Abelardo se encontrava no Vermelhinho, bar
vizinho ao Museu Nacional de Belas Artes, começaram a esbravejar
contra o governo, que estava dando as costas para um importante programa cultural.
Aquilo ficou marcado na cabeça de Abelardo e o cancelamento do
evento fez com que decidisse voltar ao Recife. O seu descontentamento ficou registrado na primeira página do Jornal do Brasil: Escultor de
Pernambuco volta decepcionado com a não realização do Salão
Nacional de Belas Artes.
Com um novo ânimo, o retorno ao Recife trouxe uma firme decisão:
organizar os artistas locais para cumprir o livre exercício da arte.
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Primeira exposição
Três meses após o seu retorno ao Recife, em janeiro de 1947, Abelardo já se articulava com o meio intelectual, engajava-se em ações do
Partido Comunista Brasileiro (PCB) e começava a preparar as esculturas expressionistas da sua primeira exposição individual, entre elas A
Fome e o Brado, na qual mãe e filhos miseráveis agonizam, enquanto
uma mão erguida clama por mudança.
A exposição aconteceu em abril de 1948, na Associação dos Empregados do Comércio de Pernambuco, localizada no centro do Recife.
O local transformou-se em ponto de encontro de poetas, escritores,
jornalistas, professores etc., tamanha a repercussão política do evento,
trazendo a Abelardo o reconhecimento como artista e comunista.
E foi na sua primeira exposição que Abelardo conheceu Margarida,
uma jovem estudante de Direito. Seu sincero interesse pelas obras fez
com que o artista lançasse mão de um convite: Aqui era para ter mais
um trabalho meu, mas eu ainda estou terminando. Você quer ir lá
na minha casa? É aqui pertinho.
Margarida foi e deixou dona Severina ansiando por uma nora tão encantadora. Seis meses depois os dois estavam casados e viveram juntos por 62 anos, até a morte de Margarida em 17 de novembro de 2010.
Abelardo, o mestre
Em 1952, já pai de três meninas, Abelardo concebe o Atelier Coletivo com o propósito de promover cursos livres de desenho, música e
teatro, que rompiam com os padrões acadêmicos vigentes na Escola
de Belas Artes. O Atelier transformou-se em um formador de vários artistas da época, consolidando Abelardo como Mestre de uma geração
e influenciando nomes como Gilvan Samico, José Cláudio, Wellington
Virgolino e Aluísio Magalhães, entre outros.
Em uma sala emprestada do Liceu de Artes e Ofício, Abelardo ensinava de graça e sonhava em formar desenhistas, pintores e escultores
com consciência política, propagadores de uma arte com raízes brasileiras. Como ele mesmo dizia: Na luta de trabalho constante no seio
do povo, a gente aprende e a gente transmite.
Muitas foram as casas do Atelier, até que em 1954 Abelardo mudou-se para a Rua do Sossego, 307, tornando o local sua residência e
oficina-escola. Este mesmo endereço, em 2004, daria espaço ao Instituto Abelardo da Hora, OSCIP credenciada pelo Ministério da Justiça
e Ministério da Cultura, com o objetivo de preservar e disponibilizar ao
público a obra do artista, promovendo a cultura em todas as camadas
sociais – bandeira que levantou durante toda a sua vida.
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Movimento de Cultura Popular
A década de 60, apesar das adversidades, trouxe também o Movimento de Cultura Popular, que Abelardo, agora pai de sete filhos (cinco
meninas e dois meninos), ajudou a criar quando era chefe da Divisão
de Parques e Jardins e da Guarda Municipal, na primeira gestão de
Miguel Arraes na Prefeitura do Recife.
Com suas novas atribuições, as atividades do Atelier Coletivo foram
transferidas para o MCP, que tinha como proposta “ampliar a politização das massas, despertando-as para a luta social”, o que ia de encontro ao sonho de Abelardo de alcançar um maior número de pessoas
com o seu trabalho de educador de arte, tendo sempre como fim o
bem-estar social.
Abelardo fazia parte do conselho da direção, junto com o maestro Geraldo Menucci e o teatrólogo Luiz Mendonça. Eles representavam a
área de formação cultural. O trabalho de alfabetização de crianças e
adultos tinha à frente o jovem educador Paulo Freire, um dos idealizadores do MCP.
Em 1962, no auge do MCP, que contava ainda com intelectuais e artistas como Francisco Brennand, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho,
José Cláudio e Aloísio Falcão, Abelardo criaria “Meninos do Recife”,
uma série de 22 desenhos a bico de pena, que retratava a situação de
miséria das crianças de rua, eternizadas em um poema escrito por ele,
poeta bissexto:
MENINOS DO RECIFE
São habitantes anônimos
Dessa cidade alagada,
De limo e pedra formada
Sob marés
Submersa.
Em lodo, em lama inconsistente,
Consubstanciada.
Vasto poço de afogados,
Habitação de mitos e de fantasmas.
Imenso pasto de pestes.
Cidade desabrigada.
Habitantes desse pântano,
Sem escrituras, sem títulos.
Submetidos ao ócio
que gera a fome e o vício
E um calendário implacável
De misérias e imprevistos.
São apenas habitantes
Dessa cidade alagada,
Atirados sobre a lama,
Sob as marés da desgraça.
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A volta e a despedida
Com o Golpe de 1964, Abelardo é afastado da Prefeitura e detido mais
uma vez - foram mais de 70 prisões políticas ao longo da vida. Só não
foi morto porque era cunhado de Augusto Lucena, que tinha sido eleito
vice-prefeito do Recife, na chapa de Pelópidas Silveira e, com a cassação do titular, assumido a Prefeitura.
Depois disso, a situação de Abelardo no Recife ficou insustentável. A
falta de condições de trabalho fez com que fosse morar em São Paulo - lá atuou como cenógrafo da TV Tupi, indicado pela amiga Lina Bo
Bardi, casada com Pietro Maria Bardi, diretor do Museu de Arte de São
Paulo (MASP).
Em 1968, de volta ao Recife e aos braços de sua Margarida e dos
filhos, começa a trabalhar na empresa de pesca do irmão Luciano. Os
anos foram passando e, aos poucos, Abelardo retoma as suas atividades no ateliê e conclui o curso de Direito na Faculdade de Olinda – ele
nunca exerceu a profissão de advogado. Ao retornar ao circuito de exposições, espalha a beleza de sua arte em diversas cidades brasileiras
e no mundo.
Em plena atividade artística e ainda comemorando os seus 90 anos,
Abelardo da Hora é internado em agosto de 2014, com um quadro
grave de pneumonia, vindo a falecer na manhã de 23 de setembro.
Abelardo deixa um acervo demais de 1.800 obras, entre esculturas,
tapeçarias, cerâmicas e desenhos, e um conselho a todo jovem artista:
Faça da sua arte um meio de vida fundamental. Como a alimentação. Ele tem que fazer arte constantemente. Não pode parar, é feito
bicicleta, se parar, cai.
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Abelardo, the boy
On July 31st, 1924 Life decided to show one of its most restless works:
Abelardo Germano da Hora, the fourth of seven children of Severina
and José Germano da Hora.
Therefore, he requested that the Board allowed for a new way of studying Design and Painting, with tours to different areas of the city, so that
students could be in contact with new figures, places and landscapes.
Let’s put an end to sketching and painting only inside the School
and let’s sketch and paint life outdoors - exclaimed Abelardo.
Abelardo was born at Tiúma Mill, in São Lourenço da Mata, a sugarcane-growing region in the state of Pernambuco and then, in his childhood, he moved to Recife while his father worked as a head of traffic at
São João da Várzea Mill, whose owner Ricardo Brennand, a manufacturer, would be very important for his professional career.
In one of his last tours, they visited São João da Várzea Mill. It belonged
to Doctor Ricardo Brennand. That tour would change his life.
After middle school, Abelardo considered studying Mechanics at Escola
Industrial (currently called Etepam - Technical State School Professor
Agamenon Magalhães), but as there were no vacancies, he ended up
enrolled in Decorative Arts, along with his brother Luciano. Right in the
first year, he stood out so much to the point that he caught the attention
of famous professor Álvaro Amorim, who exclaimed to his colleague
Edson de Figueiredo: “come and see a true sculptor”
At São João da Várzea Mill, the place where his father used to work, a
group of students was sketching by the dam, when a black Buik parked
there. From inside, Doctor Ricardo Brennand came out curious about
all that stir.
This episode was his passport to a scholarship at Escola de Belas Artes
(Fine Arts School).
Escola de Belas Artes
At the age of fifteen, with a degree in Decorative Arts, Abelardo enrolled
in the Sculpture course of Escola de Belas Artes, taught by the Portuguese professor Casimiro Correia. Mr. Correia invited him to work in
his stucco company, specialized in lining for ceilings, where he made
countless finery and ornament for churches and private buildings in the
city.
He was also a student of Fédora do Rego Monteiro, Antonio Baltar and
Murilo La Greca, surprising them all with his precocity and resourcefulness. One year before getting his degree, Abelardo was elected president of the Students’ Union, where he developed his appreciation for
politics and made him think that artists could not escape reflecting upon
the reality that surrounds them
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São João da Várzea Mill
Introducing himself as a student and president of the Students’ Union of
Escola de Belas Artes, Abelardo greeted the entrepreneur, who found
his last name somewhat familiar. When he heard the name of José Germano, Ricardo Brennand recalled his former employee. He also noticed
something special about that lad, to the point of promising to build a
workshop of decorative pottery so that Abelardo could create jugs and
decorative dishes.
In January 1942, three months after they met, Ricardo Brennand’s driver went to his house to tell him “Abelardo’s workshop was ready”.
Mr. José Germano was informed that from that moment on his son was
going to live in the Mill, sharing one of bedrooms of the Main House with
three of the four children of Ricardo: Cornélio, Jorge and Francisco - the
latter, influenced by the new guest, would become a renowned artist.
New horizons
After four years living with the Brennands, in the beginning of 1946, he
went to Rio de Janeiro, where he worked at a factory of shop mannequins. During this time, he used Abelardo Rodrigues’ garage to produce
the work he intended to submit at Salão Nacional de Belas Artes (Fine
Arts National Exhibition): the piece called A Família (The Family) represented the longing feeling from his family in Pernambuco.
Unfortunately, the Exhibition, that had occurred since the Empire years,
was suspended by order of President Eurico Gaspar Dutra. Art critics
and journalists who Abelardo used to meet at Vermelhinho, a bar next to
Museu Nacional de Belas Artes (National Museum of Fine Arts), started
to vociferate against the government for it was turning its back to such
an important cultural program.
That really affected Abelardo and the cancellation of the event made
him return to Recife. The front page of Jornal do Brasil newspaper registered his dissatisfaction: Pernambuco sculptor to return home disappointed with the cancellation of Salão Nacional de Belas Artes.
With renewed cheer, his return to Recife also brought a firm decision:
organize local artists for the free exercise of art.
First exhibition
Three months after returning to Recife, in January 1947, Abelardo was
already in touch with the intellectual milieu. He engaged into actions of
the Brazilian Communist Party (PCB) and prepared expressionist sculptures for his first individual exhibition, among them A Fome e o Brado
(The Hunger and the Cry), in which a mother and her miserable children
agonize, while a raised hand cries for changes.
The exhibition took place at Associação dos Empregados do Comércio
de Pernambuco (Association of Commercial Employees of Pernambuco), located downtown Recife, in April 1948. The place became a meeting point for poets, writers, journalists, professors etc. given the political
repercussion of the event, which resulted in Abelardo’s recognition as
an artist and a communist.
Moreover, it was during his first exhibition that he met Margarida, a
young Law student. Her honest interest for his pieces of work made
him invite her: “I was supposed to have another piece here, but I
am still finishing it. Would like to go to my house? It’s near here.”
And so Margarida went and caused dona Severina to long for such a
lovely daughter-in-law. Six months later they were married and lived
togheter for 62 years, until Margarida’s death on November 17th, 2010.
Abelardo, the master
In 1952, Abelardo, then father of three girls, creates the Atelier Coletivo
(Collective Studio) in order to promote free courses of sketching, music
and drama, that broke with the current academic standards from Escola de Belas Artes. The Atelier became a place were many artists from
that time studied, consolidating Abelardo as Master of a generation and
influencing names such as Gilvan Samico, José Cláudio, Wellington
Virgolino and Aluísio Magalhães, among others.
In a borrowed room from the Liceu de Artes e Ofício (School of Arts and
Craft), Abelardo used to teach for free and dreamed of educating designers, painters and sculptors with political awareness, disseminators
of art with Brazilian roots. As he used to say: In the constant struggle
of work in the middle of the people, we learn and we transmit.
The Atelier had many different addresses, until Aberlardo moved to Rua
do Sossego, 307, in 1954, and made it his home and studio-school.
This very address, in 2004, would host Instituto Abelardo da Hora (Abelardo da Hora Institute), an OSCIP (Public Interest Non-Governmental
Organization) accredited by the Ministry of Justice and the Ministry of
Culture, aiming to preserve the artist’s work and make it available to the
public, promoting culture in all social levels - something he advocate for
Popular culture movement
Despite its adversities, the 60’s also brought the Movimento de Cultura
Popular - MCP (Popular Culture Movement), that Abelardo, now father
of seven children (five girls and two boys), helped create when he was
Head of Parks and Gardens Division and of the City Guard, in the first
administration of Miguel Arraes as mayor of Recife.
Because of his new attributions, the activities of Atelier Coletivo were
transfered to MCP, that proposed to “broaden the politization of the
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masses, awakening them for the social struggle”, something that matches Abelardo’s dream of reaching a greater amount of people with his
work as art educator, aiming social welfare.
Abelardo was part of the Board of Directors, along with conductor Geraldo Menucci and playwright Luiz Mendonça. They represented the
area of cultural education. The young educator Paulo Freire, one of the
creators of MCP, led the work related to literacy of children and adults.
In 1962, in the peak of MCP, which also counted with intellectuals and
artists such as Francisco Brennand, Ariano Suassuna, Hermilo Borba
Filho, José Cláudio and Aloísio Falcão, Abelardo created “Meninos do
Recife” (“Boys of Recife”), a series of 22 sketches made with pen and
ink. They portrayed the miserable situation of homeless kids, eternalized for him in a poem that he, an occasional poet, wrote:
BOYS OF RECIFE
Anonymous inhabitants
Of this flooded city,
Made of slime and stone
Under tides
Submerged.
In sludge, in inconsistent
mud,
Embodied.
Vast well of drowned ones,
Dwelling of myths and ghosts.
Immense pasture of plagues.
Homeless city.
Inhabitants of this swamp,
With no deeds, with no titles.
Submitted to the idleness
that leads to hunger and addiction
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And a ruthless calendar
Of miseries and unforeseen events.
They are just inhabitants
Of this flooded city,
Shoved against the mud,
Under the tides of misfortune.
The return and the farewell
With the Coup of 1964, Abelardo is dismissed from the City Hall and
is arrested once again - he was arrested for political reasons over 70
times throughout his life. They did not kill him just because he was the
brother-in-law of Augusto Lucena, who had been elected vice-mayor of
Recife, in the list of Pelópidas Silveira and who, with the impeachment
of the main candidate, was sworn in as mayor.
Later, Abelardo’s situation in Recife became untanable. The lack of
working conditions made him go to São Paulo to live - there he worked
as set designer at TV Tupi, thanks to a reccomendation of his friend
Lina Bo Bardi, who was married to Pietro Maria Bardi, director of MASP
(São Paulo Museum of Art).
In 1968, back to Recife and in the arms of his Margarida and children,
he begins to work at his brother’s fishing company. The years went
by and, little by little, Abelardo resumes his activities at the studio and
finishes his Law studies at Faculdade de Olinda (Olinda College) - he
never worked as a lawyer. Back to the exhibition circuit, he spreads the
beauty of his art in many different cities in Brazil and abroad.
While still working full time as an artist and also still celebrating his 90th
birthday, Abelardo da Hora is hospitalized in August 2014, with severe
pneumonia. He died in the morning of September 23rd. Abelardo left a
collection of over 1800 pieces of work, including sculptures, tapestry,
pottery and sketches, and a piece of advice to every young artist: Turn
your art into an essencial livelihood. Just like nutrition. He must
do art constantly. He cannot stop, just like riding a bicycle, if you
stop, you fall.
TESTIMONIALS
19
ABELARDO E GUAIANASES
É notável como Abelardo da Hora incentivou a formação de
artistas em nosso estado, principalmente nas décadas de 40, 50
e 60, períodos que abrigaram a Sociedade de Arte Moderna de
Pernambuco, o Atelier Coletivo e o Movimento de Cultura Popular,
todos com a marca desse mestre em seus alicerces. Estou certo
de que, sem as iniciativas de Abelardo, vários talentos teriam se
perdido. Esse norte tenaz beneficiou gerações de artistas em nosso
estado.
O exemplo das iniciativas de trabalho em conjunto e as reuniões
em torno de um determinado interesse artístico continuaram,
nas décadas seguintes, beneficiando o surgimento e a formação
dos novos artistas em Pernambuco. Entre as mais importantes
eu destaco a Oficina Guaianases de Gravura, que funcionou
primeiramente em Recife e, depois, em Olinda.
Partindo de um ateliê de litografia próprio, muito bem equipado e
ativo, os artistas João Câmara e Delano abriram generosamente
as portas do espaço para os que quisessem conhecer, aprender e
desenvolver os recursos dessa técnica. Naquele tempo, eu tinha
18 anos. Essa oportunidade foi definitiva no peso da minha escolha
profissional e no desenvolvimento do meu trabalho.
A convivência com poéticas diferentes da minha, artistas mais
experientes e suas relações no circuito institucional, o mercado de
arte e tudo mais começou pra mim na Oficina Guaianases.
GIL VICENTE
ABELARDO E GUAIANASES
It is remarkable to see how Abelardo da Hora encouraged the
education of artists in our state, mainly in the 40’s, 50’s and 60’s.
Such periods held the Sociedade de Arte Moderna de Pernambuco
(Pernambuco Modern Art Society), the Atelier Coletivo and the
Movimento de Cultura Popular, all of them with the imprint of this
master on their foundations. I am sure that, without Abelardo’s
iniciatives, many talents would have been lost. This tenacious
beacon benefitted generations of artists in our state.
20
His example of joint work initiatives and the meetings around
a certain artistic interest continued in the following decades,
benefitting the appearance and education of new artists in
Pernambuco. Among the most important ones, I would like to
highlight Oficina Guaianases de Gravura (Guaianases Engraving
Workshop), that opened first in Recife and, later, in Olinda.
The artists João Câmara and Delano kindly opened the of their
own well-supplied and active litography studio for those who
wanted to know, learn and develop the resources of this technique.
Back then, I was 18. That was my definite chance in the weight of
my professional choice and development of my work.
Living with inspirations different from mine, with artists more
experienced than I and following their relations in the institutional
circuit, the art market and everything else started for me at Oficina
Guaianases.
GIL VICENTE
TATUAGEM NA ALMA
Ele foi um homem que amou as mulheres e as homenageou
divinamente em enormes esculturas de concreto armado, plenas
de sinuosidade, sensualidade e beleza. Essas mulheres gigantes
e voluptuosas ficavam espalhadas pela cidade e tatuaram minha
alma já na infância.
Sua obra também tem uma grande preocupação social e cultural.
Ele retratou divinamente a dignidade e dor dos mais fracos,
assim como exaltou maracatus, passistas, bumba meu boi, ricos
personagens da nossa cultura pernambucana.
Em 2008, tivemos o prazer de fazer a cenografia do carnaval do
Recife em sua homenagem. Ele foi generoso em abrir sua obra
e me conceder total liberdade de interpretação. Pude mergulhar
nas suas criações para criar minhas próprias versões de cada
personagem seu, sem qualquer tipo de restrição.
Meu viva a Abelardo da Hora!
JOANA LIRA
A TATTOO IN MY SOUL
He was a man who loved women and he paid a divine tribute to
them with enormous sculptures made of reinforced concrete that
were full of sinuosity, sensuality and beauty. These giant and
voluptious women were spread all over the city and tattooed my
soul back in my childhood.
His work also brings a great social and cultural preoccupation. He
portrayed divinely the dignity and pain of the weakest, as well as
exalted maracatus (a performance related to a carnival tradition),
dancers, bumba meu boi (a folk theatrical tradition) and other rich
characters of Pernambuco’s culture.
In 2008, we had the pleasure of creating Recife’s carnival
scenography in a tribute to him. He was generous enough to open
up his work and give me total freedom of interpretation. I could
then delve into his creations in order to make my own versions of
each of his characters, with no restrictions.
Cheers to Abelardo da Hora!
JOANA LIRA
Sempre admirei em Abelardo da Hora sua vocação e capacidade
de trabalho em toda extensão do fazer artístico. Do barro ao
bronze, do papel ao nanquim, da argamassa à pátina. Abelardo
tudo dominava e o fazia com paixão e energia de jovem, mesmo
quando já maduro e carregado da sabedoria da muita idade. E
não era só um artista. Era um Mestre e um Humanista, no sentido
de que ensinava, organizava ações culturais públicas e políticas,
solidarizava-se com movimentos de resgate e justiça social.
Sua invenção e criatividade alongavam-se num arco capaz de
cobrir desde o retrato denunciador da feiura econômica e amoral
da exploração do homem até a beleza poética das formas vivas
sensuais.
Nesse contínuo de humanidade, viveu Abelardo e nele inscreveu
o legado de sua arte honesta, sincera e generosa.
I have always admired Abelardo da Hora, his calling and ability
to work to the full extent of artistic practice. From clay to brass,
from paper to India ink, from mortar to patina. Abelardo mastered
everything and worked with the same passion and vitality of when
he was young, even in his mature and full of wisdom years. And
he was not just an artist. He was a Master and a Humanist, in
a sense that he taught, organized public and political cultural
events, sympathized with rescue and social justice movements.
His invention and creativity stretched into an arch that was able to
cover from the accusing portrait of economic and amoral ugliness
of the exploitation of a man to the poetic beauty of sensual living
shapes
Abelardo lived in this continuo of humanity and imprinted in it the
legacy of his honest, sincere and generous art.
JOÃO CÂMARA FILHO
ABELARDO DEPOIS DE MORTO
A sua presença é mais forte agora do que quando estava vivo.
Hoje mesmo queria abandonar um quadro que não conseguia
resolver a contento e o ouvir dizer: “valoriza teu trabalho” E isso
só tem força por vê-lo trabalhar incansavelmente, sem nenhuma
queixa, muitas vezes em condições adversas, até sem um
mínimo de espaço físico para trabalhar. Como quando esculpia
na pedra a belíssima figura que vi muitos anos depois na casa
de Cid Sampaio, no Monteiro. Não posso desmerecer essa
confiança, além de um desrespeito a mim próprio. “Levanta o
pé!”.
Fico sem ter idade, nos meus oitenta e três anos, que só existem
no calendário, como os noventa dele. Abelardo nunca teve
velhice, nunca teve doença, nunca teve morte.
Ele costumava dizer que antes de ele morrer descobririam a
eliminação da morte, uma espécie de vacina. Mal sabia ele que já
estava vacinado, que a morte, com ele, topou foi osso!
JOSÉ CLÁUDIO
JOÃO CÂMARA FILHO
21
ABELARDO AFTER HIS DEATH
His presence is stronger now than when he was alive. Today I
felt like giving up on a paiting that I could not solve satisfactory
and I could hear him saying: “treasure your work”. And this is
only meaningful because I saw him work restlessly, with no
complaints, often times under adverse conditions, even without
any minimum physical space to work. Just like when he sculped
out of the stone the marvelous figure I saw many years later in
Cid Sampaio’s residence, in Monteiro. I cannot demerit such
trust, besides it would be desrespectful to myself. “Stand up!”.
I get ageless, in my eighty-three years of life, which exist only in
the calendar, just like his ninety. Abelardo never got old, never got
sick, never got dead.
He used to say that before he dies someone would discover the
elimination of death, a kind of vaccine. He hardly knew he was
already vaccinated, that death had a hard time with him!
JOSÉ CLÁUDIO
ABELARDO DE TODAS AS HORAS
Criei este título, em 1988, quando organizei e fui curador, como
Coordenador do Patrimônio Histórico e Preservação do Acervo
Cultural da Fundação de Cultura Cidade do Recife, de uma
exposição retrospectiva, comemorando 40 anos de atividades
artísticas de Abelardo da Hora, na Galeria Metropolitana de Arte
Aloísio Magalhães.
Junto com o jornalista Ronildo Maia Leite, editamos um livro com
esse mesmo título e lançamos no final da exposição.
Em toda a história da cultura pernambucana, provavelmente não
encontraremos alguém com um caminhar tão coerente como o
de Abelardo da Hora que, ao contrário da maioria dos artistas,
que tendem a se acomodar com a consagração, Abelardo era
de todas as horas, estava sempre disposto a colaborar com
os movimentos culturais de Pernambuco, sendo fundador/
participante da maioria deles: Sociedade de Arte Moderna do
Recife, Atelier Coletivo, Galeria de Arte do Recife, Movimento
22
de Cultura Popular, Clube da Gravura e Associação dos Artistas
Plásticos Profissionais de Pernambuco, entre outros. Abelardo de
todas as gerações e das lutas pela democratização da cultura em
nosso Estado.
PAULO BRUSCKY
ABELARDO OF ALL TIMES
I came up with this title, in 1988, when I organized and was the
curator, as Coordinator of Historical Heritage and Preservation
of the Cultural Collection of Fundação de Cultura Cidade do
Recife (Cidade do Recife Cultural Foundation), of a retrospective
exhibition, celebrating the 40th anniversary of artistic activities
of Abelardo da Hora, at Galeria Metropolitana de Arte Aloísio
Magalhães (Aloísio Magalhães Metropolitan Art Gallery).
Along with journalist Ronildo Maia Leite, we published a book with
this very same title and launched it at the end of the exhibition.
We will probably not find anyone in the entire history of
Pernambuco’s culture with such a coherent path as Abelardo
da Hora. Differently from most artists, who tend to settle with
success, he was Abelardo of all times, always willing to collaborate
with the cultural movements of Pernambuco, being founder/
participant in most of them: Sociedade de Arte Moderna do Recife,
Atelier Coletivo, Galeria de Arte do Recife (Art Gallery of Recife),
Movimento de Cultura Popular, Clube da Gravura (Engraving
Club) and Associação dos Artistas Plásticos Profissionais de
Pernambuco (Association of Professional Plastic Artists of
Pernambuco), among others. Abelardo of all generations and all
struggles for the democratization of culture in our state.
PAULO BRUSCKY
23
24
Retrato de Margarida
Aguada de nanquim sobre papel, 1950
Autorretrato
Aguada de nanquim sobre papel, 1950
Portrait of Margarida
Chinese ink on paper,
1950
Self-portrait
Chinese ink on paper,
1950
Torre de Iluminação
Cinética da
Praça da Torre
Projeto de
escultura, 1959
Kinetic lighting tower
(sketch), 1959
Com o golpe militar, uma de suas obras pioneiras do espaço
dinamismo do Brasil – a Torre de Iluminação Cinética do bairro
da Torre – foi considerada subversiva e destruída pelos militares, que o acusavam de introduzir “mensagens ocultas” e de
ter recebido dinheiro pela peça. O mensageiro, nas palavras de
Abelardo a um coronel, era o vento e a obra havia sido doada
à Prefeitura.
With the military coup, one of his pioneer pieces from the space
dynamism in Brazil - the Torre de Iluminação Cinética (Kinetic
Light Tower) in Torre neighborhood - was considered subersive
and was destroyed by the military, who acused him of introducing “hidden messages” and of being paid for the piece. The
messenger, in the words of Abelardo to a colonel, was the wind
and the piece had been donated to the Municipality.
Maquete da Torre de
Iluminação Cinética da
Praça da Torre
Model of kinetic light
tower
25
Incêndio no Pátio do Paraíso
Xilogravura, 1953
Fire in Paradise Courtyard
Wood engraving, 1953
Bestas
Desenho, 1969
Beasts
Drawing, 1969
Grupo de Frevo
Desenho, 1973
Frevo group
Drawing, 1973
Enterro de Camponês
Gravura em gesso, 1953
26
Burial peasant
Plaster engraving, 1953
Vestais
Projeto de
escultura, sem data
Vestal
Sculpture project,
undated
Casal Dançando
Desenho, década
de 80
Couple dancing
Drawing, the 80’s
Mulher Encostada
Desenho, sem data
Woman leaning
Drawing, Undated
Mulher Sentada
Desenho, sem data
Seated Woman
Drawing,
Undated
27
Série Meninos do Recife
Bico de pena, 1962
Children of Recife, Series
Pen and ink, 1962
28
Série Danças
Brasileiras de Carnaval
Bico de pena, 1963/1966
Brazilian CarnivalDances, series
Pen and ink, 1963/1966
Série É Hora de Brincar
Aguada de nanquim e acrílica
sobre papel, 2004
Time to play, series
Chinese ink and acrylics
on paper, 2004
29
A Fome e o Brado
Bronze, 1947
Hunger and Shout
Bronze, 1947
Menino do Mocambo
Bronze, 1969
Shanty boy
Bronze, 1969
Mãe com Filho Doente
Cimento com banho de
ácido, 1979
Mother with sick son
Polished concrete, 1979
30
Estela para Mulheres e
Crianças Abandonadas
Cimento com banho de
ácido, 1978
“Estela” for women and
abandoned children
Polished concrete, 1978
Mãe com Filha Morta
Concreto com banho de
ácido, 2013
Mother with
dead daughter
Concrete with acid bath,
2013
31
O Artilheiro
Bronze, 1991
The Striker
Bronze, 1991
Menino do Pirulito
Bronze, 1962
Lollipop Vendor
Bronze, 1962
32
Volúpia
Bronze, 1949
Voluptuousness
Bronze, 1949
Casal
Bronze, 2013
Couple
Bronze, 2013
Aurora II
Bronze, 1994
Aurora II
Bronze, 1994
33
Mariane
Bronze, 1975
Nega Fulô
Bronze, 1952
Nega Fulô
Bronze, 1952
34
Mariane
Bronze, 1975
Mulher de Bruços
Bronze, 1973
Breaststroke woman
Bronze, 1973
Aurora I
Bronze, 1975
Mãe-d’água
Bronze, 1996
Mother of the waters
Bronze, 1996
Aurora I
Bronze, 1975
Figura de Mulher
Bronze, 1983
Figure of woman
Bronze, 1983
35
36
Abelardo, mestre mestríssimo
Aberlardo, master great master
Assim o definiu Gilberto Freire, e não poderia ter feito de outra maneira.
Uma das principais características de um mestre é conhecer profundamente o seu ofício e só assim poder transmiti-lo aos demais.
That is how Gilberto Freire defined him and it could not have been
any different. One of the main features of a master is acquiring a deep
knowledge of his craft and only then be able to transmit it to others.
Esse homem, apesar de franzino, construiu uma obra gigantesca - em
todos os sentidos. Para cada peça um esboço, seguido de uma maquete em barro. A miniatura vinha sempre acompanhada de uma ampliação, ainda em barro, sobre um esqueleto de madeira normalmente
feito de travas. Nele montava-se o barro, que era esculpido durante
dias até conseguir a curva perfeita, o olhar mais dengoso, as linhas
mais expressivas.
This man, though thin, built a giant work - in all senses. For every piece
a sketch, followed by a clay model. The miniature was always followed
by a larger model, still in clay, under a wooden structure normally made
with beams. On it, he set the clay that was sculpted for days until he
achieved the perfect curve, the most captivating look, the most expressive lines.
Desse processo todo Abelardo era o autor. Seu ajudante de muitos
anos, Carlos, se encarregava de bater os pregos, preparar o barro e
mantê-lo úmido durante os dias em que a obra estava sendo trabalhada pelo mestre. Depois o ajudava a montar a fôrma e retirá-la. Quase
sempre em gesso. A matriz em barro muitas vezes era destruída. Pesar? Não. Era parte do processo, tudo ainda estava em construção.
No molde as enormes mulheres ou seus monumentos grandiosos ganhavam um novo esqueleto, agora mais robusto, para suportar o peso
que lhes aguardava. Eram feitos de ferro, dobrados e serrados, lá mesmo em seu ateliê, sob os olhos dele, para não escapar nada de seu
controle. Depois de devidamente armadas, as fôrmas cobertas de cera
recebiam o cimento e esperavam o tempo para saírem de seus casulos
de gesso.
Depois de prontas em cimento, Abelardo as lixava, acertava as imperfeições e as encerava até ficarem perfeitas. Algumas eram banhadas
em ácido para que o acabamento ressaltasse a expressividade de sua
obra.
Abelardo was the author of the entire process. Carlos, his assistant for
many years, was in charge of hitting nails, preparing the clay and keeping it moist during the days the work was being made by the master.
Then, he would help him set up the mold and remove it. It was usually
in plaster. The matrix in clay was often times destroyed. Sorrow? No. It
was part of the process. Everything was still under construction.
In the mold the huge women or their grand monuments gained a new
structure, now more robust, in order to bear the weight that was to
come. They were made of iron, were folded and sawed there in his
studio, under his eyes, so that nothing would go out of his control. After
being duly reinforced, the molds covered in wax would receive the cement and wait the necessary time to come out of their plaster cocoons.
After they were ready in cement, Abelardo would sand them, correct imperfections and polish them until they were perfect. Some were bathed
in acid so that the finish would highlight the expressiveness of his work.
He was a craftsman artist, like few others. And, like few others, he
taught his artistic practice.
Era um artista artesão, como poucos. E, como poucos, ensinou o seu
fazer artístico.
37
Presidenta da República | President
Dilma Vana Rousseff
Ministro da Fazenda | Ministry of Economics
Joaquim Levy
Presidenta da CAIXA | CAIXA President
Miriam Belchior
Ficha Técnica | Technical Sheet
Produção | Production
Instituto Abelardo da Hora
Transportadora | Transportation
Transportadora Fink/Frey
Produção Executiva / Coordenação Geral
Executive Producer / General Coordinator
Abelardo da Hora Filho
Projeto de Seguro | Insurance Project
Afinitté Corretora de Seguros
Curadoria | Curator
Renato Magalhães Gouveia
Acervo | Collection
Instituto Abelardo da Hora
Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães MAMAM
Direção de Arte | Art Direction
Daniel da Hora
Design Gráfico | Graphic Design
Luciana Oliveira
Cenografia | Scenography
Eduardo de Souza
Textos | Texts
Creatto Comunicação Estratégica
Tradução | Translation
Rita Felippi
Fotografia | Photography
Henrique Santos | Thomas Baccaro
Assessoria de Imprensa | PR
Aponte
38
Seguradora do Projeto | Insurance
ACE Seguros S/A
Impressão | Printing
Companhia Editora de Pernambuco
CEPE
39
CAIXA Cultural Recife
Avenida Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife,
Recife/PE - CEP: 50.030-150
Galeria 1
Fone: (81) 3425-1915 / 3425-1900
Codigo ISBN
Produção
40
Apoio
Patrocínio
Distribuição gratuita. Comercialização proibida.
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