OPINIO
Revista de Ciências Empresariais, Políticas e Sociais
No 28 - Jan./Jun. 2012
ISSN 1808-964X
Presidente
Adilson Ratund
Vice-Presidente
Jair de Souza Junior
Reitor
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Vice-Reitor e
Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários
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Pró-Reitor de Administração
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Pró-Reitor de Graduação
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Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Erwin Francisco Tochtrop Júnior
Pró-Reitor Adjunto de Graduação
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Capelão Geral
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OPINIO
Indexador:
Indexador:
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Comissão Editorial
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Conselho Editorial
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Paulo Schmidt (UFRGS)
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP
O61
Opinio: Revista de Ciências Empresariais, Políticas e Sociais /
Universidade Luterana do Brasil. N. 1 (jan./jun. 1998).
Canoas : Ed. ULBRA, 1998- .
v. ; 27 cm.
Semestral.
ISSN 1808-964X
1. Ciências sociais aplicadas periódicos. 2. Direito. 3.
Ciências econômicas. 4. Serviço social. 5. Administração.
6. Ciências políticas. 7. Ciências contábeis. I. Universidade
Luterana do Brasil.
CDU 65:3(05)
Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero
Sumário
2
Editorial
Artigos
3
Novas formas de gestão educacional: construção da socialização e ação
interativa da pós-graduação na modalidade a distância
Andrea de Azevedo Eick, Erwin Francisco Tochtrop Júnior, Selma F. S. Costa
12
Políticas de proteção à infância: o mito da proteção integral
Ana Patrícia Barbosa Dutra
24
Violência doméstica e relações sociais: um convite ao diálogo
Douglas Marques
38
Clima organizacional: comunicação em tempos de mudança
Luciane Krum de Arruda, Ivonisa Maria Castagna de Abreu, Gilfredo
Castagna, Patrícia Ennes da Silva Lima
58
Circuito da cultura verde: apontamentos sobre o marketing verde e novos
valores culturais
Raquel Amsberg de Almeida, Camilo Darsie, Cristianne Maria Famer Rocha
73
Mulheres evoluídas: um estudo sobre a recepção da campanha da Bombril em
2011
Mara Cristina Soares Mendonça, Deivison Moacir Cezar de Campos
90
A recepção do uso da imagem de Luciano Huck nas campanhas da marca
Living Construtora
Charlana Lopes de Oliveira, Mirian Engel Gehrke
112
Vestidos de mídia: consumo de música na internet por jovens negros
Deivison Moacir Cezar de Campos
124
Comportamento do consumidor no processo da decisão de compra no
comércio eletrônico
Robson Dalenogare Lazzari, Adi Regina Kaercher, Gabriela de Bem Fonseca
Igor Roberto Borges, Jorge Steyer
Editorial
A edição nº 28, jan./jun. 2012 da revista Opinio contempla nove artigos
perpassando as áreas de educação, políticas públicas, comunicação organizacional,
desenvolvimento sustentável, marketing e comportamento do consumidor, mantendo
sua característica multidisciplinar.
Esta edição se inicia com o artigo dos autores Andrea de Azevedo Eick, Erwin
Francisco Tochtrop Júnior e Selma F. S. Costa, que enfocam a educação a distância, um
dos temas mais atuais no campo da educação. No segundo artigo, a autora Ana Patrícia
Barbosa Dutra analisa as políticas de proteção à infância a partir das transformações
jurídicas dadas através dos novos arranjos políticos, econômicos e sociais, nas estruturas
do Estado brasileiro. O autor Douglas Marques, no terceiro artigo, aborda a violência
doméstica e suas mediações na produção das relações sociais na contemporaneidade,
com vistas ao (re)conhecimento das suas manifestações e repercussões no cotidiano.
No quarto artigo, os autores Luciane K. Arruda, Ivonisa M. C. Abreu, Gilfredo
Castagna e Patrícia E. S. Lima analisam a comunicação e o clima organizacional, e
sua influência em equipe da segunda divisão do futebol gaúcho. No quinto artigo, os
autores Raquel Amsberg de Almeida, Camilo Darsie e Cristianne M. F. Rocha propõem
uma reflexão acerca do desenvolvimento sustentável e as estratégias de marketing verde
enfocando também as atuais discussões acerca das formas como os valores culturais são
estabelecidos. O tema do sexto artigo também é o marketing, em que os autores Mara
C. S. Mendonça e Deivison M. C. Campos apresentam um estudo sobre a percepção
por homens e mulheres da campanha Mulheres Evoluídas da Bombril em 2011. No
sétimo artigo, também sob o enfoque do marketing, os autores Charlana L. de Oliveira
e Mirian E. Gehrke avaliam a percepção de consumidores sobre o uso da imagem de
Luciano Huck nas campanhas da LivingConstrutora. No oitavo artigo, o autor Deivison
M. Cezar de Campos analisa as relações estabelecidas pelos jovens entre música e
internet, buscando verificar como as informações sobre música são consumidas por
jovens moradores da Grande Cruzeiro em Porto Alegre. Por último, os autores Robson
D. Lazzari, Adi R. Kaercher, Gabriela Fonseca, Igor R. Borges e Jorge Steyer analisam
o comportamento do consumidor no processo de decisão de compra na internet.
Com isso, a presente edição da revista proporciona aos seus leitores temas
relevantes e atuais.
Boa leitura!
Comissão Editorial
Novas formas de gestão educacional:
construção da socialização e ação interativa
da pós-graduação na modalidade a distância
Andrea de Azevedo Eick
Erwin Francisco Tochtrop Júnior
Selma F. S. Costa
RESUMO
Diferentes contextos educacionais são observados na modalidade a distância que podem
ser identificados como parte do binômio educação-tecnologia, que caracteriza a atual revolução
tecnológica com a construção, aplicação de conhecimentos e informação. A gestão educacional
realizada nesta dimensão promove novas formas de planejar, organizar, acompanhar e avaliar
a informação para a geração de conhecimentos. Nesse contexto, as Tecnologias da Informação
e Comunicação (TICs) não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a
serem desenvolvidos e, uma vez que usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa, os
usuários podem assumir o protagonismo da tecnologia como no caso da Internet. Este relato de
experiência foi elaborado a partir da ideia de situar o trabalho educacional realizado na EaD no
campo da pedagogia social objetivando analisar as concepções metodológicas do exercício da
ação gestora dessa modalidade de ensino a partir dos conceitos de globalização, ciberespaço e
cibercultura, relacionando-os ao esquema conceitual construído para atender às práticas pedagógicas
evidenciadas na pós-graduação EaD. As contribuições visam mostrar a importância das relações
de cooperação entre universidade e polos para a demonstração da atuação direta das atividades da
rede e modalidade, por meio de duas ações interorganizacionais: a construção da legitimização de
coordenação e a institucionalização de processos de cooperação com vistas à especialização de
novas gerações profissionais.
Palavras-chave: Gestão educacional. Educação a distância. Pedagogia socializadora.
New ways of educational management: building interactive action
and socialization of postgraduate distance-learning methods
ABSTRACT
Different educational settings are seen in e-learning that may be identified as part of the
binomial education and technology, which characterizes the current technological revolution with the
construction, application of knowledge and information. The Educational Management conducted
in this dimension promotes new ways to plan, organize, monitor and evaluate the information to
generate knowledge. In this context, Information and Communication Technologies (ICTs) are
Andrea de Azevedo Eick – Coordenação de Pós-Graduação EaD da ULBRA. E-mail: [email protected]
Erwin Francisco Tochtrop Júnior – Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da ULBRA. E-mail:
[email protected]
Selma F. S. Costa – Assessoria de Pós-Graduação EaD da ULBRA. E-mail: [email protected]
Opinio
Canoas
n.28
p.3-11
jan./jun. 2012
not simply tools to be applied, but processes to be developed and, once users and developers may
become the same, users can assume the leading role of technology as in the case of the Internet.
This experience report was developed starting from the idea of placing the educational work
done in the field of distance education in social pedagogy, aiming to analyze the methodological
conceptions of the exercise of this type of management action learning concepts of globalization,
cyberspace and cyberculture, relating to the conceptual framework built to meet the pedagogical
practices highlighted in the Post-Graduate Distance Education. The contributions aim to show the
importance of cooperative relations between the university and poles to demonstrate the direct
action of the network activities and modality, through two inter-actions: the construction of the
coordination of legitimation and the institutionalization of cooperation processes in order to help
to create expertise in new generations of professionals.
Keywords: Educational Management. Distance-Education. Social Pedagogy.
1 INTRODUÇÃO
O divisor de águas entre o mundo antes e depois da informatização aponta a
década de 1950 como a era da propagação da tecnologia nos meios de comunicação.
A Educação a Distância – EaD, disseminada enfaticamente a partir dos anos noventa,
evidencia uma larga discussão de fazeres em educação que estão alterando as concepções
de aprendizagens.
Todo o aparato tecnológico que permeia a modalidade traz consigo a justificativa
de ser meio para ajudar a efetivar novas formas de aprendizagem e de conhecimento.
Logo, a tecnologia da informação é a coadjuvante que deve contribuir para a aquisição
e aplicação dos conhecimentos que surgem a partir de novas formas de aprender.
Castells (2008) enfatiza que as Tecnologias da Informação e Comunicação
(TIC) não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem
desenvolvidos e, uma vez que usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa, os
usuários podem assumir o controle da tecnologia como no caso da Internet tornando-se
protagonistas das ações promotoras de construções imbricadas que surgem em todas as
áreas do conhecimento expressando as necessidades humanas do presente.
Se a tecnologia, ao aproximar-se da educação, promoveu alterações significativas
de modos e processos de se aprender, a ciência da educação, por sua vez, se modificou
de forma ainda pouco explicada. Somente com o passar dos anos poderá haver uma
análise mais pontual sobre as transformações observadas entre essas ciências, que se
unem e dão origem a novas ações, frutos de reflexões diferenciadas, por conterem
significados concretos, atualizados e voltados para uma agilidade e temporalidade
antes não conhecidas.
Este relato de experiência apresenta uma proposta de trabalho educacional realizada
na EaD no campo da pedagogia social com a proposição de analisar as concepções
metodológicas do exercício da ação gestora dessa modalidade de aprendizagem a partir
dos conceitos de globalização, ciberespaço e cibercultura.
4
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
2 EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA
Esta nova realidade social de aprendizagem promove discussões atualizadas
sobre as maneiras de formar cidadãos com desafios inusitados a serem vencidos,
em meio a esses contextos tecnológicos, informacionais e digitais que fazem parte
dos processos de construção do conhecimento, de forma efetiva daqui por diante.
Observando-se o panorama de mudanças presentes na nova sociedade da informação,
a educação assume um papel fundamental na produção de conhecimentos através do
uso das tecnologias.
As novas tecnologias de informação e comunicação surgem acentuadamente como
um meio em todas as esferas sociais, inclusive na Educação. Ao tratar dessa perspectiva,
Brennand e Guimarães (2007) ressaltam a necessidade de se praticar uma educação
tecnológica voltada à integração entre tecnologia e humanismo, que não mantenha o foco
apenas na relação educação/produção econômica, mas, principalmente, na formação
integral do indivíduo, em que as culturas também sejam valorizadas. Vista assim a
EaD, como principal referência ao binômio educação-tecnologia, se insere diretamente
nos propósitos defendidos pela pedagogia social em busca de garantias dos direitos
humanos, em especial àqueles que explicam as necessidades de realização, por meio
de respostas para o avanço da humanidade em todas as áreas do conhecimento.
Nesse sentido, a EaD é sinônimo de novas possibilidades de busca, troca e
consolidação de saberes, pautadas na coletividade e no respeito às pluralidades sociais
e culturais. As transformações nessa área trouxeram para o presente a utilização do
computador e das redes digitais que potencializaram consideravelmente os modos de
conceber e praticar essa modalidade de ensino. A “distância” praticada pela modalidade
passou a ser presença e a configurar como uma questão pedagógica, relegando a questão
geográfica à uma análise secundária, visto que longe se tornou um lugar que não mais
existe, uma vez que o mundo digital potencializou as possibilidades de contato e subtraiu
as distâncias entre os sujeitos que constituem a EaD.
3 GESTÃO EDUCACIONAL EM EAD
A gestão educacional realizada nesta dimensão promove novas formas de planejar,
organizar, acompanhar e avaliar a informação para a geração de conhecimentos, para
tanto existe a necessidade de se reconhecer os processos que a envolvem.
Muitos teóricos dedicam-se à análise do significado da dimensão de trabalho
com pessoas no âmbito acadêmico especificando que a “Informação”, “Revolução da
Informação” e “Sociedade da Informação” estão diretamente ligadas a transformações
sociais (CASTELLS, 2003). Para o autor, o processo de revolução da informação
está associado a revisões no processo capitalista de produção, sendo a década de
1970 considerada um marco em relação a estas transformações. E ainda caracteriza a
atual revolução tecnológica na universidade não como o centro de conhecimentos e
informação, mas a aplicação dos dois elementos para a geração de conhecimentos no
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processo comunicação/informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a
inovação e seu uso.
Pochmann (2002) aponta que os componentes formais de um modelo de gestão
de pessoas se definem por princípios, políticas e processos que determinarão as
diretrizes para as relações humanas no interior das organizações. Destaca-se, dessa
análise, a ênfase que é dada ao curso previamente determinado por processos, que são
instrumentalizados por um ou mais subsistemas de gestão, tais como: processos de
trabalho, acompanhamento de equipes e pessoas e inovações que surgem para suprir
necessidades recorrentes. Na universidade estas questões podem ser amplamente
discutidas.
D’Antoni (2006) ressalta que o ambiente acadêmico atual se caracteriza
por mudanças velozes, imprevisibilidade e fatores contingenciais intensivamente
cambiantes. Nesse sentido, as organizações da área tecnológica também sofrem a
influência da cultura da qual fazem parte, embora as prescrições para suas práticas
estejam difundidas por meio de um discurso próprio generalizado. Os principais
elementos que compõem essa narrativa se afirmam, principalmente, pelos seguintes
aspectos: heterogeneidade na composição dos grupos de trabalho; criatividade;
teletrabalho; flexibilidade de horário; trabalho em equipe; formação variada; ênfase
na competência pessoal; menor rigor hierárquico; e equipes multifuncionais com alto
poder decisório (MARTIN, 2000; ANDRADE, 2002; OLIVER, 2002).
Como compromisso de assumir a continuidade e o atendimento de novos
profissionais que necessitam possuir aprofundamento em suas áreas de conhecimento
a pós-graduação na modalidade a distância surge como um desejo de se buscar novos
horizontes na universidade.
Na realidade de cursos de pós-graduação lato sensu os processos de gestão
procuram se afinar em busca de metas que atinjam a qualificação de um lado, do
professor que atua na modalidade e dos colaboradores que devem possuir conhecimentos
sobre a TI e, de outro do aluno que deve se mostrar interessado em saber pensar
criticamente com demonstração de autonomia, inovação e responsabilidade.
A proposição de gestão educacional na pós-graduação traz em si novos desafios,
tendo em vista que o paradigma de gestão de pessoas contemporâneo convida ao
exercício de formas flexíveis de gestão, descentralização de funções, redesenho de
estruturas e criatividade em seus recursos humanos. Para tal, torna-se importante que os
gestores dessa modalidade estejam preparados para enfrentar as mudanças sucessivas,
com vistas à qualidade e maior pro atividade de suas ações, através de estratégias
gestoras capazes de gerar resultados crescentes em uma área competitiva como vem
demonstrando ser os programas de pós-graduação na modalidade a distância.
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4 PROTAGONISTAS RESPONSÁVEIS
Drucker (2000) é enfático: aquilo que chamamos de revolução da informação é,
na realidade, uma revolução do conhecimento e quem a protagoniza são os profissionais
da rede. Como protagonistas desse processo, devem ser valorizados como o principal
capital da organização.
Nas organizações da área tecnológica (especificamente da área de informática
e telecomunicações), as considerações de Drucker (2000) adquirem peso, já que em
grande parte da atividade de tais organizações o conhecimento do trabalhador será
de fundamental importância para o sucesso do negócio. Nesse contexto as pessoas
devem ser consideradas o principal fator estratégico da organização de alta tecnologia,
ou seja:
(...) nas E-organizações todos devem sentir-se responsáveis pela busca de
um ambiente adequado para o sucesso. As lideranças nessas organizações
assumem o papel de criar um ambiente propício para que o compartilhamento de
conhecimento seja alcançado e todos possam exercer seus papéis com harmonia,
buscando a satisfação dos clientes e sua própria. (ANDRADE, 2002, p.56)
O que pode ser compreendido que a dinâmica a ser observada nas equipes de
trabalho dessa modalidade deve expressar a eficácia e integração de processos de
gestão com pessoas, por meio de ações planejadas, implementadas pelos saberes das
áreas que envolvem os programas e cursos ofertados. Esses saberes devem ser o foco
de cursos que se desenvolvem para atualizar profissionais que atuam em ambientes de
alta competitividade.
Observando-se este contexto de atuação, os gestores devem demonstrar às suas
equipes seu espírito integrador, flexibilidade de decisões e o reconhecimento de sugestões
e proposições coletivas, para que o trabalho a ser proposto à comunidade interessada
possa ser socializado e impregnado de pensamentos coletivos e convergentes.
Em uma perspectiva similar, as contribuições atualizadas de Guimarães e
Brennand (2007) ressaltam a necessidade de se praticar uma gestão tecnológica voltada
à integração entre tecnologia e humanismo, que não mantenha o foco apenas na relação
educação/produção econômica, mas, principalmente, na formação integral do indivíduo,
em que as culturas também sejam valorizadas. É nesse sentido que a gestão educacional
em EaD, como principal referência ao binômio educação-tecnologia, se insere
diretamente nos propósitos defendidos pelos estudos da pedagogia socializadora.
A concepção que fundamente a EaD pode ser assim expressa: estudantes e
professores estão em lugares diferentes durante todo ou maior parte do tempo em que
ambos aprendem e ensinam. Moore (2008) define a EaD como uma família de métodos
de instrução nos quais os comportamentos de ensino são executados em separado dos
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comportamentos de aprendizagem, de modo que a comunicação entre o estudante e o
instrutor precisa ser facilitada por dispositivos impressos, digitais e outros.
5 GESTÃO POR TERRITÓRIOS SOCIALIZADORES
Esta nova realidade social leva-nos a refletir sobre as maneiras de formar cidadãos
capazes de vencer os desafios desse contexto tecnológico, informacional e digital.
Mediante tal panorama de mudanças presentes na nova sociedade da informação, a
gestão educacional na pós-graduação é convocada a assumir um papel fundamental
na produção de conhecimentos.
Através do uso das tecnologias e de parcerias deve constituir um trabalho que
ultrapassa paredes e prédios em busca de territórios subjetivos capazes de oferecer
contribuições concretas para que essas tecnologias de informação e comunicação
estejam a serviço e presentes em todas as esferas da produção de conhecimento efetivada
nesta modalidade educacional.
Em nossa realidade existem tarefas estabelecidas que funcionam em forma de rede
para atender as demandas que surgem de forma contínua para suprir as transformações
inerentes à educação continuada proposta na modalidade nos seguintes segmentos:
Gestores – atuam de forma conjunta em busca de necessidades voltadas a contextos
profissionais, mercado, clientela, planejamento e avaliação sistemática de programas,
por meio de acompanhamento às ações e práticas efetivadas nos polos que possuem
turmas de pós-graduação.
Assessorias – trabalham para possibilitar a afinidade e interatividade entre
os protagonistas dos cursos: professores, alunos, tutores, coordenadores de polos e
colaboradores administrativos, por meio de assessoramento técnico e pedagógico
realizado nas ferramentas disponíveis na plataforma como emails e fóruns. A assessoria
pedagógica se responsabiliza em acompanhar o processo que envolve o planejamento
das disciplinas e o acompanhamento da netaula para a avaliação e aperfeiçoamentos
a serem efetivados.
Equipes operativas – ocupam-se em atender as demandas que envolvem
as disponibilidades e necessidades de TI, ou seja, lidam de forma efetiva com as
ferramentas e mídias administrativas manuseadas para atender os cursos, alunos, tutores,
professores e polos. Articulam as ações entre aluno/polo/professor, entre o aluno e a
TI para saneamento de informações.
Este trabalho pressupõe conhecimentos consistentes sobre os processos dinâmicos
e mutáveis observados na tecnologia da informação. Por isso, as equipes participam
peridiodicamente de capacitações organizacionais para a realização de atualização em
seus afazeres administrativos.
Territórios navegados – são espaços indeterminados por tempo e geografia, são
os chamados ciberespaços. Podem ser síncronos, ou assíncronos para a promoção
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do atingimento de objetivos propostos pelos protagonistas participantes em ações
administrativas e pedagógicas. Envolvem o acompanhamento aos alunos e polos por
meio do protocolo on line e da netaula, por meio do autoatendimento que possui as
ferramentas necessárias para o esclarecimento de dúvidas e troca de informações.
Concretizações e expectativas – são ofertas de cursos em EaD na pós-graduação
com a ajuda de recursos tecnológicos e equipes com demonstração de conhecimentos
específicos, além de habilidades técnicas conceituais em busca de um trabalho
diferenciado voltado para a “sociedade do conhecimento”. Para tal existe a necessidade
de contínuo aperfeiçoamento no perfil dos protagonistas, tendo em vista as constantes
transformações e possibilidades de mutações nas ferramentas utilizadas, fazendo
com que a gestão nessa modalidade seja predominantemente dinâmica e pacífica de
renovações.
Todas essas ações ocorrem em um território denominado de ciberespaço com
inúmeras subjetivações a serem decodificadas. Nesse espaço virtual é realizada a
comunicação aberta pela interconexão e memórias dos computadores, que guardam
dos dados administrativos e pedagógicos. Ciberespaço pode ser considerado o sistema
de comunicação mais rápido de todos os tempos. É um espaço de elos de congruência
presentes nos mais diversos aspetos do cotidiano, dando segmento à criação de uma
nova face cultural, a cibercultura (LÉVY, 2000)
As intervenções de gestão na pós-graduação partem de pressupostos que existem
conhecimentos sobre a cibercultura entre toda a equipe envolvida. Na experiência do
ciberespaço, esses conhecimentos podem ser construídos através da interação entre dois
atores, ou entre coletividades, manifestando sociabilidade, externalização, internalização
e combinação de saberes. O desafio para essa gestão do conhecimento a distância na
pós-graduação, passa pelo planejamento e aplicação de modelos de sistemas de educação
a distância baseados em orientações Legais no país. Essas manifestações demonstram,
mesmo que não pareça, aspectos de culturalidade, socialização e integração como eixos
necessários às atitudes resultantes da interação dos sujeitos teleinteratuantes.
Esse conjunto de ações, habilidades e responsabilidades da equipe gestora
envolvida promove uma trajetória contínua que se torna pacífica de transformações, na
medida em que a plataforma, enquanto sistema da modalidade, e as diversas ferramentas
utilizadas para a produção dos cursos ofertados indicam a necessidade de mudança
a cada semestre acadêmico. A articulação de pessoas, funções e utilização adequada
de ferramentas guiam a promoção de resultados satisfatórios ao final de cada curso
concluído.
6 CONCLUSÕES
O avanço tecnológico no campo da comunicação (TV, Internet) e a interdependência
mundial na economia fizeram do planeta terra uma “aldeia global”. Marshall McLuhan
já possua esta antevisão há mais de duas décadas.
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Ao descrevermos o processo de gestão realizado na pós-graduação da modalidade
EaD percebemos que trabalhamos com metas voltadas para a qualidade social, que
resulta da interação entre o indivíduo, grupos, instituições e o seu ambiente social como
base para seu desenvolvimento pessoal e social.
Portanto, a pergunta central é: quais condições precisam ser ainda criadas a cada
nível (protagonistas, cursos ofertados e instituições – polos e universidade) para que
possam participar e contribuir de forma efetiva para o desenvolvimento do todo da
modalidade (o ambiente social) e, de outro lado, quais condições devem ser criadas
em um processo gestor, para que se torne possível o desenvolvimento qualificado de
todos os envolvidos?
Pensávamos que o trabalho realizado no ciberespaço fosse um desafio para
buscar as relações virtuais entre sujeitos reais. No entanto, a prática vem demonstrando
novas possibilidades de promover experiências, possivelmente, similares às vividas no
cotidiano da gestão para pessoas feita de forma convencional, diferindo apenas em um
aspecto, o do uso de dispositivos digitais para o fomento da interatividade humana.
Imaginávamos que nossas ações fossem somente um rol de atividades para ajudar
a realização de cursos na pós-graduação em EaD. Porém, registrar nosso modo de
trabalhar reforçou a consciência sobre a subjetividade dos processos de sociabilização
vivenciados através de relações amplificadas na realidade virtual do ciberespaço.
Na trajetória deste relato, percebemo-nos frente às possibilidades ainda
inconscientes de incertezas em nossos fazeres cotidianos. Vimos revelados seres
‘aprendentes’ em nossas descrições que, incansavelmente, procuram horizontes
que apresentem possibilidades de demonstração de competências construídas com
responsabilidade.
Reconhecemos que a educação a distância na pós-graduação, desencadeia
a necessidade de compreensão de novos conceitos importantes para as alterações
de práticas educativas em educação continuada, como por exemplo, a gestão do
conhecimento.
Percebemos que as contribuições apresentadas evidenciam a importância das
relações de cooperação entre universidade e polos para a demonstração da atuação direta
das atividades da modalidade, por meio de duas ações interorganizacionais: a construção
da legitimização da gestão educacional na modalidade e a institucionalização de processos
de cooperação com vistas à especialização de novas gerações profissionais.
Mais do que nunca, precisamos de oportunidades de expressão sobre o que é vivido
profissionalmente para desejarmos a busca concreta de transformações que possam
elevar a gestão que se observa na educação a distancia a uma condição agregadora nos
currículos. Reconhecemos que estamos protagonizando o início de um tempo que ainda
terá muito mais a apresentar. Nossa tarefa no momento é estabelecer possibilidades para
a criação de laços virtuais que sigam auxiliando o trabalho daqueles que apostam em
um sistema de aprendizagem que seguirá se desenvolvendo nos anos a seguir.
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REFERÊNCIAS
ANDRADE, A. R. Comportamento e estratégias de organizações em tempos de
mudança sob a perspectiva da tecnologia da informação. Caderno de Pesquisas em
Administração. São Paulo, v.9, n.2, abr.-jun. 2002.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
D’ANTONI, S. (Ed.). The virtual university: models and menssges”. In: Lesson from
cases studies. Paris: Unesco, 2006.
DRUCKER, P. O advir da nova organização. In: MCGOWAN, W. (Org.). Revolução
em tempo real: gerenciando a tecnologia da informação. 2.ed. Rio de Janeiro: Campus,
2000.
GUIMARÃES, Jane Mary de Medeiros; BRENNAND, Edna G. de Góes. Educação a
distância: a “rede” eliminando fronteiras. João Pessoa: Editora Universitária, 2007.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: 34,
2000.
MARTIN, James. Ciberorganizações: Via obrigatória para a revolução. 2000.
Disponível em <http://www.centroatl.pt.edigest/edicoes/ed40id-tec.html.
MOORE, Michael G. Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo: Cengage
Learning, 2008.
OLIVER, R. Blueprint para el diseño de la organizacion del futuro. 2002. Disponível
em <http://ctv.es/USERS/gesworld/Art015.htm.
POCHMANN, Márcio. E-trabalho. São Paulo: Publisher Brasil, 2002.
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Políticas de proteção à infância:
o mito da proteção integral
Ana Patrícia Barbosa Dutra
RESUMO
O presente trabalho se propõe a analisar as políticas de proteção à infância, a partir das
transformações jurídicas dadas através dos novos arranjos políticos, econômicos e sociais,
nas estruturas do Estado brasileiro, que refletem na construção da cidadania e da proteção
integral de crianças e adolescentes. O objetivo é correlacionar o problema da exclusão-inclusão
social, às transformações doutrinárias na formação do Estado brasileiro e seus impactos nas
instituições voltadas ao atendimento de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa
de privação de liberdade, em especial na Fundação de Assistência Socioeducativa FASE/RS.
A problemática de pesquisa procura compreender a representação de cidadania, aplicada pelo
Estado brasileiro, a crianças e adolescentes, que refletem na construção da proteção integral dos
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade. Postula-se
que na prática há é uma estreita relação entre os modelos, evidenciando uma forma de pensar
a realidade cotidiana diretamente relacionada com a maneira como os indivíduos e grupos
criam sua bagagem cultural, através de seus códigos, símbolos, valores e ideologias, definindo
assim a representação social. A construção teórica respaldou– se na literatura especializada
sobre o tema, a saber: O conceito de Representação Social será abordado a partir da obra de
Moscovici (1989); A problematização acerca das categorias inclusão/exclusão social estará
ancorada em Martins (2008) e o debate acerca da cidadania e proteção integral estará em
sintonia com Carvalho (2011).
Palavras-chave: Representação Social. Inclusão/Exclusão Social. Proteção Integral.
Protection policies of childhood: the myth of full protection
ABSTRACT
The present work aims to analyze the childhood policies of protection, from legal
transformations provided through the new political, economic and social arrangements, in
structures of the Brazilian State, which reflect in the construction of citizenship and full protection
of children and adolescents. The objective is to correlate the problem of social exclusion-inclusion
to changes in doctrinal formation of the Brazilian State and its impacts on institutions focused
on assist adolescents under socialfreedon deprivation, particularly in Foundation of SocioEducational Assistance (“Fundação de AssistênciaSocioeducativa”) – FASE/RS. The issue of
research seeks to understand the representation of citizenship, applied by Brazilian State, to
children and adolescents, which reflect in the construction of full protection of adolescents
Ana Patrícia Barbosa Dutra é mestranda em Inclusão Social e Acessibilidade pela Universidade FEEVALE.
Especialista em Intervenção Familiar e Comunitária no Âmbito das Políticas Sociais pela Universidade
Luterana do Brasil – ULBRA. Terapeuta de Família, Casal e Individual pelo Instituto da Família de Porto Alegre
– INFAPA. Graduada em Serviço Social pela Universidade Luterana do Brasil. Docente do Curso de Serviço
Social da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA. End.: Av. Venâncio Aires, 134/1012 – 90040-190. E-mail:
[email protected]
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Canoas
n.28
p.12-23
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under social confinement. It is postulated that in practice, there is a close relationship between
the models, demonstrating a way of thinking about everyday reality, directly related to how
individuals and groups create their cultural heritage through their codes, symbols, values ​​and
ideologies, defining thus the social representation. The theoretical construction will be supported
by specialized literature about subject,videlicet: The concept of Social Representation will be
discussed from the Moscovici’s work (1989); the questioning regarding the inclusion / exclusion
categories will be based on Martins (2008) and the debate about citizenship and full protection
will be supported by Carvalho (2011).
Keywords: Social Representation. Social Exclusion / Inclusion. FullProtection.
1 INTRODUÇÃO
Na contemporaneidade, muito se tem falado sobre os direitos sociais de crianças
e adolescentes, principalmente após a criação, em 1990, do Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA, que instaura uma nova ordem jurídica e social, assegurando a este
segmento da população total e absoluta prioridade, por serem pessoas em condição
peculiar de desenvolvimento e sujeitos de direitos.
Apesar do ECA ser o principal instrumento para a garantia desses direitos,
torna-se importante analisar as transformações doutrinárias e seu impacto no âmbito
institucional, em especial na Fundação de Assistência Socioeducativa – FASE,
ocorridas com a passagem da Doutrina de Situação Irregular, que embasava o
Código de Menores, para a Doutrina de Proteção Integral, conforme determina o
ECA, pois estas não ao fruto apenas da atualidade, mas remontam diferentes tempos
históricos.
O processo de transformação doutrinária é marcado por conflitos gerados pelo
confronto de práticas cristalizadas no passado e as incertezas geradas no confronto com
a mudança. O “menor em situação irregular” passa a ser criança ou adolescente, e esta
simples mudança na terminologia representa uma imensa alteração em sua condição,
passando da condição de objeto para a condição de sujeito de direitos. No que se refere
às práticas institucionais, significa uma mudança que necessita de tempo de maturação,
tanto para adolescentes quanto para os agentes institucionais.
Este tempo de maturação requer uma mudança de valores culturais, sociais
e políticos, que ao longo dos anos marcam a história da infância, onde crianças e
adolescente sofrem diversas formas de maus-tratos, negligência, violência física,
psicológica, sexual, exploração do trabalho infantil, aliciamento, abandono, fome, que
violam seus direitos e que refletem a representação social deste segmento da população,
visto como um ser inferior, propriedade de seus pais e, em alguns momentos históricos,
propriedade do Estado.
As mudanças conceituais não significam uma transformação, ao mesmo tempo,
na realidade social, pois esta ainda não é afetada por novos conceitos, evidenciando
a força da estrutura na conjuntura social, como forma de manter condutas e valores
arraigados na sociedade brasileira.
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No interior do campo de transformações doutrinárias do Estado brasileiros
das últimas décadas, trona-se fundamental a compreensão das alterações das
práticas profissionais, nos atendimentos a adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa tendo em vista as representações de cidadania aplicada pelo Estado
brasileiro a esta população e a relação dos processos de exclusão-inclusão social, a partir
da criação de instituições voltadas a privação de liberdade de adolescentes, pois o que
se postula, na prática dos atendimentos, é que há uma estreita relação entre os modelos
doutrinários, evidenciando uma forma de pensar a realidade cotidiana diretamente
relacionada com a atitude civilizatória com a qual o Estado age no que se refere aos
indivíduos adolescentes infratores.
Sendo assim, a problemática da pesquisa procura questionar sobre qual a
representação de cidadania, aplicada pelo Estado brasileiro, a crianças e adolescentes,
a partir das transformações jurídicas dadas através dos novos arranjos políticos,
econômicos e sociais, nas estruturas do Estado, que refletem na construção da
proteção integral dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de
privação de liberdade, internos na FASE?Muito mais que dar respostas, o interesse
é pesquisar situações e acontecimentos contextuais, que são relevantes para retratar
a vida cotidiana dos adolescentes privados de liberdade, a partir das concepções de
cidadania.
O trabalho aponta para o processo de ressocialização de adolescentes infratores
desenvolvidos pelos profissionais da FASE, em seus diferentes modelos, como processos
tensionais que envolvem, por um lado, os dispositivos implantados pelo Estado, nas
últimas décadas, na garantia da cidadania para os segmentos mais vulneráveis da
sociedade brasileira e, por outro, a bagagem cultural, os códigos, os símbolos e os
valores que conformam estes segmentos sociais. O pano de fundo da pesquisa trata
dos dilemas que tais modelos enfrentam em suas tentativas de ressocialização de
determinados segmentos da sociedade brasileira nos valores de cidadania propagados
pelo Estado democrático brasileiro das últimas décadas.
2 AVANÇOS DOUTRINÁRIOS: OS REFLEXOS NA
CONTEMPORANEIDADE
Para abordarmos a temática central deste trabalho, que diz respeito à proteção
integral a infância, cabe resgatarmos historicamente o sistema de proteção existente,
que trata da questão da violação de direitos de crianças e adolescentes. Na atualidade,
o tema da infância ganha maior visibilidade, em especial pelo avanço na legislação,
a partir da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Porém, embora se tenha
em vigor uma das leis mais avançadas no que diz respeito à promoção da infância, por
si só ela não consegue promover uma transformação cultural, em padrões e valores
arraigados em nossa sociedade.
Ao longo dos anos, o sistema jurídico do país criou em série de leis, decretos, na
tentativa de atender a população infantojuvenil, porém, conforme demonstra a própria
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legislação, por muitos anos a preocupação principal não era a garantia de direitos, mas
sim, o controle e ajuste social.
Em 1823, a Assembleia Constituinte do Império, em seu primeiro projeto de lei,
referia-se ao menor escravo, mas considerando-o como uma forma de manutenção da
mão de obra escrava. O Código Criminal do Império do Brasil, de 1830, foi a primeira
legislação nacional a tratar de crianças, mas referindo-se aos “menores criminosos”,
imputando-lhe responsabilidade criminal pela prática de atos tidos como crimes,
considerando-se menor a pessoa até 21 anos incompletos.
A Lei Senador Silveira da Mora, de 1862, foi a primeira lei de proteção à criança
brasileira, assegurando-lhe o direito a convivência familiar. E, a Lei do Ventre Livre,
em 1871, assegura que os menores nascidos de mães escravas seriam considerados
livres. Porém, essas crianças passaram a constituir outra modalidade de escravidão,
uma vez que seus pais escravos não tinham condições de lhes dar sustento, educação e
cuidados. Juntaram-se essas crianças a menores criminosos, abandonados, fazendo-se
necessária a criação de instituições de acolhimento.
Em 1889 com a Proclamação da República, estabeleceu-se um novo paradigma
para o atendimento do “menor abandonado, desvalido ou pervertido”, sob a ótica
positivista de “Ordem e Progresso”. O Estado deveria intervir sempre que a ordem
física ou moral estivesse sendo ameaçada, visando à proteção da sociedade e do Estado
e não dos direitos das crianças e adolescentes.
Já em 1921, a Lei Federal nº. 4.242/21 introduziu o conceito de abandono e
regulamentou a suspensão e perda do pátrio poder através de processos especiais. Fixou
a idade de imputabilidade penal aos 18 anos e garantiu aos menores dessa idade um
processo especial, estabelecendo o cumprimento de pena em separado dos adultos e
considerando o menor de 14 anos como improcessável e irresponsável.
O Decreto nº. 16.272/23, de 1923, aprova o Regulamento da Assistência e Proteção
aos Menores Abandonados e Delinquentes. Em 1927, constitui-se o Primeiro Código
de Menores da América Latina, tendo por base a pedagogia corretiva e assegurando
ao Estado o dever de assistir aos menores desvalidos.
A Carta Brasileira de 1934 foi o primeiro documento a referir-se a todas as crianças
e adolescentes, à defesa e à proteção de seus direitos, proibindo todo o tipo de trabalho
ao menor de 14 anos. A Constituição de 1937 refere-se à garantia de acesso ao ensino
público e gratuito aos que não tivessem condições de pagar o ensino particular, sendo
esta dever dos Estados e Municípios. Essa garantia é reafirmada na Constituição de
1946 onde se amplia o dever estatal à proteção e assistência à maternidade, à infância
e à adolescência.
A partir de 1964, o país inicia o período da ditadura militar. Neste momento
histórico, cria-se a FEBEM (Fundação Estadual de bem Estar do Menor), órgão executor,
em nível estadual, das políticas implantadas em todo o país pela PNBEM (Política
Nacional de Bem Estar do Menor), que visava à gestão centralizadora e vertical.
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Em 1967, há um retrocesso na Lei Federal nº. 5.268/67, onde as infrações penais
sujeitavam os menores a medidas de proteção, assistência, vigilância e reeducação,
conforme entendimento do juiz, como era no extinto Código Criminal do Império. A
Constituição deste mesmo ano define que o ensino gratuito passa a ser para crianças
entre 7 e 14 anos e o trabalho passa a ser proibido aos menores de 12 anos. Em 1969,
a Emenda Constitucional garante às chamadas crianças “excepcionais” o direito à
educação, segundo suas condições.
O Segundo Código de Menores do Brasil, datado de 199, é dirigido aos menores
abandonados, vítimas de violência grave e infratores ou inadaptados, considerados em
“situação irregular”. Estabelecia uma política de controle social do Estado. Não eram
previstas políticas sociais de caráter emancipatório, mas sim políticas compensatórias
de caráter assistencialista.
A Constituição de 1988, chamada de “Constituição Cidadã”, reconhece, pela
primeira vez na história do Brasil, a população infantojuvenil como Sujeito de Direitos
e a Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, que cria o Estatuto da Criança e do Adolescente
– ECA inaugura uma nova ordem jurídica, priorizando os direitos de crianças e
adolescentes.
Assim, ao longo de 165 anos, percebe-se um longo caminho histórico, desde o
primeiro Projeto de Lei, até que se pensasse em crianças e adolescentes como sujeitos
de direitos. Porém, mesmo com a criação do ECA, ainda hoje se evidencia diversas
formas de maus-tratos, contrariando o que prevê o artigo 5º deste Estatuto ao referir
que: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade, opressão, punido na forma da lei
qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
O resgate histórico permite-nos analisar a influência das instituições jurídicas, que
podem determinar a forma estrutural da sociedade. Conforme Santos (2010), é a partir
de Weber que se pode analisar a influência de outras instituições, como as jurídicas e
religiosas, na estrutura social, contrariando Marx, que se referia apenas ao determinismo
econômico. Neste sentido, o mesmo autor refere sobre a criação do Estado brasileiro,
que antecede a formação da sociedade, e que se constrói fundamentalmente através
de base jurídica.
Dadas as características de nossa colonização portuguesa no século XV, teremos,
primeiramente, no Brasil, a criação do Estado e, posteriormente, a formação
da sociedade brasileira. De fato, o Estado, no Brasil, como uma importação
lusitana, configurou-se como uma entidade anterior, forte e robusta, que vai,
paulatinamente, amalgamando essa nova sociedade, portanto, criando-a.
(SANTOS, 2010, p.73)
Cada fase jurídica corresponde a transformações na sociedade e como refere Sorj
(2000), em cada tempo histórico, as narrativas passam a valorizar certas dimensões
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e atores esquecidos, como no caso de crianças adolescentes, conforme demonstrado
através das diversas formas legais de tratamento dado ao longo dos tempos. Percebese que os avanços legais são inegáveis, porém, não podemos deixar de analisar os
diferentes contextos históricos em que ocorrem e que se relacionam diretamente às
configurações sociais que os determinam.
Em especial o contexto de criação do ECA, relaciona-se ao momento em que o
Brasil avançava para a construção da cidadania e havia, conforme Carvalho (2011), um
grande entusiasmo cívico e uma crença de que a democratização, a partir do avanço
legal, representaria também um avanço nas instituições.
Na perspectiva de avanço institucional, cria-se a Fundação de Assistência
Socioeducativa, instituição que substitui a FEBEM, a partir do reordenamento do
ECA, sendo esta instituição voltada e capacitada para o atendimento de adolescentes
em cumprimento de medidas socioeducativas de privação de liberdade. Seu objetivo é
atender e priorizar a garantia de direitos, respondendo aos dispositivos da lei, tendo por
propósito romper com os paradigmas correcionais repressivos que orientava o Código
de Menores e que imperava no Serviço de Atendimento ao Menor – SAM, através
da Doutrina de Situação Irregular, que por muitos anos norteou as políticas públicas
direcionadas à infância e à juventude.
Porém, o avanço nos atendimentos, dados a partir da Doutrina de Proteção
Integral, que norteia a nova instituição (FASE), se dá rapidamente de forma legal,
mas lentamente na prática, tendo em vista que a história institucional carrega consigo
a mesma cultura da FEBEM, que por sua vez continuou a reproduzir a violência e o
desrespeito que imperavam no SAM.
Evidencia-se assim, a existência de práticas arraigadas desde a origem das
instituições voltas ao atendimento a adolescentes que praticam atos infracionais, sendo
que estas possuem mecanismos e características semelhantes, demonstrando uma
fragilidade do sistema institucional.
A história social, cultural e política do Brasil aponta para dois mecanismos ou
características da dinâmica de seu sistema institucional: por um lado, a fragilidade
e rápida obsolescência a que são condenadas as novas instituições pela tendência
de gerar vazios – na linha de comando, na aplicação efetiva de funções – ou
a decadência – por falta de recursos materiais ou políticos de sustentação ou
por uso patrimonialista – e, por outro lado, a enorme disposição e flexibilidade
na criação de novas alternativas, geradas muitas vezes para ocupar velhas
instituições. (SORJ, 2000, p. 24)
A Doutrina da Situação Irregular que norteava o Código de Menores tinha por
objetivo o ajuste social para àqueles que não seguiam as ordens e os padrões estabelecidos
pela sociedade. Neste momento histórico, o Estado passa a intervir nas questões sociais,
tomando para si a responsabilidade com a proteção social, através de políticas públicas
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formuladas para minimizar os impactos dos processos de industrialização, com ações
de cunho moralizante e abordagens paliativas.
Nesta perspectiva, embasando-se nas ideias de Carvalho (2011), a política social
é caracterizada por uma cidadania regulada, uma vez que é limitada por restrições
políticas, ou seja, se o sujeito não se ajustava a ordem pública, este era considerado
em situação irregular. Neste sentido, a privação de liberdade para as práticas de atos
infracionais, previstas no Código de Menores, atendia a esta conjuntura, na medida em
que isolava o adolescente que apresentava uma “patologia social”, utilizando medidas
correcionais repressivas.
Ao colocar o sujeito como único responsável por seus problemas, não são
analisadas as questões conjunturais que incidiam também sobre este sujeito. Para
Velho, (1985, p. 12), significa que “o mal estaria localizado no indivíduo, geralmente
definido como fenômeno endógeno ou mesmo hereditário”. O mesmo autor refere sobre
importância da análise funcional, a partir da obra de Merton:
O enfoque funcional, portanto, abandona a posição mantida por várias
teorias individualistas, de que as diferentes proporções de comportamento
divergente, nos diversos grupos e estratos sociais, são o resultado acidental
de proporções variáveis de personalidades patológicas encontradas em tais
grupos ou estratos. Ao invés, tenta determinar como a estrutura social e
cultural gera a pressão favorável ao comportamento socialmente desviado,
sobre pessoas localizadas em várias situações naquela estrutura. (MERTON
apud VELHO, 1985, p. 12)
A partir de uma lógica de controle social, com vistas a manter a ordem e o ajuste,
pode-se relacionar que há uma dimensão cultural, que abarca o conceito de exclusão,
sendo esta dimensão produtora de desigualdades sociais, tanto quanto a dimensão
econômica. Neste sentido, Martins (2008, p.11), refere que “a sociedade que exclui, é
a mesma que inclui e integra que cria formas também desumanas de participação, na
medida em que delas faz condição de privilégios e não de direitos”.
Tais apontamentos nos levam a refletir sobre as políticas públicas pautadas por
ideários democráticos, de igualdade e de garantia de direitos, pois estas precisam de
uma revisão nas categorias que embasam sua criação, de forma que não sejam mais
pautadas por teorias que não respondem a realidade atual, mas sim, ainda com ideários
positivistas de ajuste e controle social, a partir de um ideário de padrões de normalidade,
que constroem a nossa realidade social.
3 METODOLOGIA
O presente trabalho se propõe a analisar elementos históricos e culturaisda
construção da cidadania de crianças e adolescentes, a partir da formação do Estado
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brasileiro. A referida análise é balizada pela literatura especializada no assunto.
A fim de atingir tal objetivo, utiliza-se da metodologia de pesquisa bibliográfica
classificada por GIL (2010) como aquela elaborada por material bibliográfico já
publicado referente ao pensamento de determinado autor e analisar as posições
diversas com relação ao tema.
4 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE PRIVAÇÃO
DE LIBERDADE: REBATIMENTOS SOBRE A
REPRESENTAÇÃO SOCIAL
O presente trabalho tem como objeto de pesquisa o adolescente em cumprimento
de medida socioeducativa de privação de liberdade. Para este estudo, se propõe um
recorte buscando focar nas representações de cidadania aplicada pelo Estado brasileiro a
esta população e a relação dos processos de exclusão-inclusão social, a partir da criação
de instituições voltadas a privação de liberdade de adolescentes, evidenciando uma
forma de pensar a realidade cotidiana diretamente relacionada com a atitude civilizatória
com a qual o Estado age no que se refere aos indivíduos adolescentes infratores.
Na busca em compreender a relação indivíduo e sociedade, nos apoiaremos na
representação social, que é elaborada nas relações sociais e se manifesta no psiquismo
individual. Desta forma, ao analisarmos a representação de cidadania aplicada pelo
Estado brasileiro a crianças e adolescentes, nos aproximamos do conceito de Moscovici,
originário da sociologia de Durkheim:
Uma maneira de interpretar e pensar a realidade cotidiana, uma forma de
conhecimento da atividade mental desenvolvida pelos indivíduos e pelos grupos
para fixar suas posições em relação a situações, eventos, objetos e comunicações
que lhe concernem. O social intervém de várias formas: pelo contexto concreto
no qual se situam grupos e pessoas, pela comunicação que se estabelece entre
eles, pelo quadro de apreensão de fornece sua bagagem cultural, pelos códigos,
símbolos, valores e ideologias ligadas às posições e vinculações sociais
específicas. Em outras palavras, a representação social é um conhecimento
prático, que dá sentido aos eventos que nos são normais, forja as evidências
da nossa realidade consensual e ajuda a construção social da nossa realidade.
(2004, p.322)
Para o autor, significa que as representações sociais relacionam-se ao pensamento
simbólico que são perpetuados através dos discursos ideológicos, cumprindo a função
de dominação e reprodução social, que através de um sistema de valores orientam a
conduta da sociedade, a partir da ideia de que existem forças morais as quais comandam
os indivíduos e grupos sociais. Para Durkheim:
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[...] a formação de um ideal não constitui um fato irredutível, que escapa à
ciência; ele depende das condições que podem ser atingidas pela observação:
trata-se de um produto natural da vida social. [...] A sociedade ideal não se
coloca fora da sociedade real; faz parte dela. Não se pode participar delas
como dois polos opostos que se repelem, mas não se pode estar numa sem
estar na outra. Isto porque uma sociedade não é constituída simplesmente
pela massa de indivíduos que a compõem, pelo território que eles ocupam,
pelas coisas de que se servem, pelos movimentos que executam, mas, antes
de tudo, pela ideia que faz de si mesma. Ocorre, sem dúvida, que ela hesita
sobre a maneira pela qual deve se conceber: sente-se solicitada em sentidos
divergentes. Mas esses conflitos, quando ocorrem, tem lugar não entre o ideal
e a realidade, mas entre ideias diferentes, entre aquele de ontem e o de hoje,
entre o que tem a tradição como autoridade e o que está apenas em vias de
vir a ser. Pode-se certamente pesquisar a evolução dos ideais, mas, qualquer
solução que se de ao problema, não é menos certo que tudo se passa no mundo
ideal. (1989, p.170-171)
O autor considera que as representações coletivas têm leis próprias e, portanto,
exercem uma coerção sobre os indivíduos, conduzindo-os a pensar e agir de forma
homogênea. Mocovici (2004), ao resgatar a representação social, a partir de Durkheim,
relaciona o pensamento simbólico as representações sociais e que através das crenças
as pessoas ou grupos se relacionam, traduzindo estados de coletividade, a partir de
sua forma de constituição, de organização, de suas instituições religiosas, econômicas,
jurídicas, entre outras, que expressam a maneira institucionalizada de pensar e de
comunicar entre os indivíduos.
Sendo assim, ao retornarmos a proposta do presente trabalho que refere sobre
as representações sociais de cidadania aplicada ao adolescente em cumprimento de
medida socioeducativa de privação de liberdade, a partir do campo representacional
dos atores sociais, podemos remeter a dois caminhos distintos: o da superação da
condição de exclusão social ou o de uma prática excludente, tendo em vista os processos
estigmatizantes, que fazem com que sejam tratados primeiramente como autores de
atos infracionais, ante a condição de adolescentes, pois através dos rótulos, tais como
“delinquentes”, se tornam muito mais excluídos do que pela ameaça potencial que
representam.
O risco se torna ainda maior quando são colocados como únicos responsáveis por
seus problemas, não se analisando as questões conjunturais que incidem também sobre
estes sujeitos. Abordagens de cunho moralizantes, a partir de uma lógica de controle
social, com vistas a manter a ordem e o ajuste, são baseadas em modelos funcionalistas
e positivistas, que embasavam a Doutrina de Situação Irregular. O ato infracional,
neste sentido, deixa de ser uma circunstância na vida do adolescente e passa a ser a sua
representação perante a sociedade.
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Cabe refletirmos, que este adolescente não perde sua condição de sujeito de
direitos dado o ato infracional. O que o ECA estabelece são as diretrizes para a
responsabilização do adolescente infrator. Porém, o tratamento dado à infância no
Brasil, remonta séculos de práticas correcionais repressivas e apenas algumas décadas
com vistas à proteção integral, onde a efetivação de garantia de direitos ainda não foi
concretizada, permanecendo os princípios e a ideologia do Código de Menores e os
valores e as normas admitidos socialmente e incorporados às palavras, símbolos, ou
seja, as representações sociais.
Neste sentido, aproximamo-nos das ideias de Bauman (2009), ao referir que somos
incapazes de uma aproximação e por esse motivo traçamos fronteiras que resultam
no surgimento dos problemas sociais, pois ao definirmos espaços diferentes estamos
determinando que existem condições diferentes para ocupação de espaços, criamos
afastamentos e aproximações. Assim, podemos constatar o quanto esta forma de pensar
a realidade cotidiana está diretamente relacionada a forma como os indivíduos e grupos
criam sua bagagem cultural, através de seus códigos, símbolos, valores e ideologias,
definindo assim a sua representação social.
Este mesmo autor analisa que somos todos diferentes e, portanto, existimos a
partir das nossas diferenças, porém, algumas incomodam e então é preciso traçar as
fronteiras que separam estas diferenças. Nesta lógica, as instituições voltadas à privação
de liberdade, como o caso da FASE, passam a ser vistas muito mais a partir de uma lógica
de dissociar, do que de incluir, de forma de representar do que de ressocializar.
Aponta-se aí, a necessidade de rever as categorias de análise da sociedade, pois
se estamos falando e propondo, através de políticas públicas, a inclusão dos jovens
privados de liberdade, estamos falando na realidade de que tipo de inclusão, de incluir
em que, e ainda, quem é esse sujeito de inclusão? Antes de falarmos em inclusão é
necessária a compreensão das situações excludentes ou includentes que comportam
esses sujeitos e quais os critérios usados para incluí-los ou excluí-los, a partir de uma
leitura da realidade que se constrói no tempo histórico.
O tema da exclusão social não é novo no Brasil, pelo contrário, acompanha a
história desde a nossa origem. Conforme Martins (2008, p. 14), “a exclusão é e foi
própria das sociedades tradicionais, das sociedades estamentais, como foi a nossa,
aliás, durante todo o período colonial e no período imperial, e da qual sobrevivem
fortes vestígios”.
O mesmo autor refere que nossa cultura barroca de fachada, com base na conquista,
excluiu índios, camponeses, favelados, sem teto, dentre outros. Neste contexto, podemos
apontar para a história da infância no Brasil, aonde crianças e adolescentes vêm sofrendo
várias formas de discriminação, abandono, negligência, maus-tratos, violência, dentre
outros, que violam seus direitos enquanto cidadãos. Porém, dadas as transformações
na sociedade brasileira, cabe compreendermos o que Martins (2008) refere como o
renascimento de formas de diferenciação social que colocam determinadas pessoas em
lugares sociais não participativos, excludentes, como se não pertencessem ao mesmo
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gênero humano dos demais. Nesta lógica, a privação de liberdade para adolescentes
infratores atende a esta conjuntura, desde o Código de Menores, até a atualidade, com
o ECA.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo buscou refletir sobre a eficácia das leis relacionadas a proteção
a infância, em especial as medidas socioeducativas de privação de liberdade aplicadas
ao adolescente infrator.
Embora o avanço no embasamento doutrinário, no que diz respeito à privação de
liberdade, o que se percebe na prática, é uma estreita relação entre o modelo anterior
do Código de Menores e o atual do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez
que os adolescentes são colocados em situação de total segregação, pois privados de
liberdade, não há como falar em garantia de direitos, em dignidade e respeito, nem
sequer em inclusão social, tendo em vista a total exclusão a qual se encontram. Para
falar em inclusão precisamos minimamente de um estado de inclusão, que não condiz
com a privação de liberdade.
Em relação aos direitos previstos em lei, para os adolescentes autores de ato
infracional, embasamo-nos em Foucault (1993), ao referir que a prisão fabrica
delinquente, pois ao aplicar o isolamento, ao impor limitações violentas, todo o seu
funcionamento se desenrola no sentido de abuso de poder.
Sendo assim, o que se percebe, após 24 anos da Constituição de 1988, é um grande
desafio para profissionais envolvidos com a temática da criança e do adolescente, para as
instituições de atendimento e para a sociedade em geral, que é o de garantir a proteção
integral de crianças e adolescentes buscando contemplar os ideários democráticos que
embasam a Doutrina da Proteção Integral.
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SORJ, Bernardo. A nova sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
VELHO, Gilberto. Desvio e Divergência: uma crítica da patologia social. 5.ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
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Violência doméstica e relações
sociais: um convite ao diálogo
Douglas Marques
RESUMO
O artigo apresenta a sistematização teórica acerca da intervenção profissional sobre o tema da
violência doméstica realizada com mulheres e homens, por meio do processo de trabalho em grupo,
no município de São Leopoldo, durante o ano de 2009. Os debates sobre a violência doméstica
e o contexto das relações sociais onde esta se (re)produz são abordados primeiro pela literatura
especializada no tema e, segundo, mediado pelo fio condutor do diálogo com aqueles e aquelas que
são vítimas desta violência, mas também por sujeitos que pensam o cotidiano e, portanto, podem
transformá-lo. A referida experiência contou com a participação de 524 mulheres e 113 homens,
por meio de 20 oficinas descentralizadas em 3 regiões do município, possibilitando assim, para
além dos debates sobre a violência doméstica as problematizações sobre gênero.
Palavras-chave: Violência doméstica. Relações sociais. Diálogo.
Domestic violence and social relations: an invitation to the dialog
ABSTRACT
The article presents the theoretical systematization about the professional intervention on
the subject of the domestic violence carried out with women and men, through the work process in
group, in the São Leopoldo city, during the year of 2009. The discussions on the domestic violence
and the context of the social relations where if (criminal) produces are they boarded this one in first,
for the literature specialized in the subject and, in second mediated by the connecting thread of the
dialog with those and those who are victims of this violence, but also for men who think the daily
life and, so, can transform it. The above-mentioned experience counted with the participation of
524 women and 113 men, through 20 workshops decentralized in 3 regions of the local authority,
making possible so, besides the discussions on the domestic violence the discussions on type.
Keywords: Domestic violence. Social Relations. Dialog.
1 INTRODUÇÃO
Uma das primeiras constatações acerca da violência doméstica tem como
desencadeador a indagação: o que mobiliza e, portanto, torna necessário, na
contemporaneidade, as decorrentes abordagens sobre a violência doméstica? E
a referida indagação impulsiona outros desencadeadores pertinentes ao desafio de
Douglas Marques é mestrando em Inclusão Social e Acessibilidade pela Universidade FEEVALE. Especialista no
Pensamento Marxista pela Faculdade Porto Alegrense – FAPA. Graduado em Serviço Social pela Universidade
Luterana do Brasil – ULBRA. Assistente Social da Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo. End.: Av. Buenos
Aires, 217 – 93425-130. E-mail: [email protected]
Opinio
Canoas
n.28
p.24-37
jan./jun. 2012
apreender as mediações entre as relações sociais e a violência doméstica e a (re)produção
desta na contemporaneidade.
Em pesquisas a nível mundial, no âmbito da União Europeia, Kulakowska (2009)
aponta para o total de 600 mulheres mortas por ano em decorrência da violência
doméstica, perfazendo um total de quase duas mulheres por dia. Para os europeus de 16
a 44 anos, a violência doméstica se tornou a principal causa de invalidez e mortalidade,
superando os acidentes rodoviários e o câncer. Segundo dados do Banco Mundial
(2003), 70% dos incidentes de violência contra a mulher ocorreram no lar, praticados
por maridos, parceiros (ex-maridos, ex-parceiros), e 40% destes se caracterizam por
lesões graves.
Em nível nacional, segundo a Fundação Perseu Abramo (2002), cerca de uma
em cada cinco mulheres brasileiras declaram espontaneamente ter sofrido algum tipo
de violência. O índice de violência sobe para 43% quando estimuladas pela citação de
diferentes formas de agressão. Para além, segundo o último relatório da Organização
Mundial de Saúde (2000/2001), temos o diagnóstico em diferentes regiões do Brasil:
em São Paulo, 27% das mulheres de 15 a 49 anos sofrem violência doméstica, sendo
esta física. E na mesma faixa etária, 14% das mulheres sofreram violência sexual; em
Pernambuco, realizado pesquisa semelhante, com amostra da mesma faixa etária, e
temos que 34% das mulheres sofrem violência física e 10% dessas, violência sexual;
em Salvador, pesquisa realizada no Hospital Salvador – Urgência/Emergência (2001)
aponta que 46% das mulheres entrevistadas sofreram violência doméstica. Essa foi
responsável por 80% da violência física e 70% da violência sexual. A tipificação
psicológica da violência foi constatada por 78,3% dos entrevistados, sendo a mais
decorrente, seguida de violência física, com 34, 4%. Destas, 12, 9% com repercussões
graves à saúde da vítima.
Para elucidar a problemática brasileira, temos os resultados de inquérito realizado
em 15 capitais e no Distrito Federal e publicado na Revista Cadernos de Saúde Pública
(2006), o qual aponta que os maridos e companheiros foram os responsáveis por 87%
dos casos de violência doméstica contra as mulheres no Brasil. Essa violência começou
antes dos 19 anos de idade para 355 dessas mulheres e é uma prática de repetição para
28%, delas1.
Culminando a aproximação com a temática, temos a realidade do contexto
socioeconômico das mulheres leopoldenses vítimas de violência doméstica,
referenciadas pelo Centro de Referência – Centro Jacobina Atendimento e Apoio
à Mulher, da Prefeitura Municipal de São Leopoldo2. A sistematização dos dados
compreende os anos de 2006 a 2009, compreendendo um total de 890 mulheres
1
Para maior análise sobre o contexto da problemática, o leitor pode acessar: http://www.saude.rs.gov.br/
dados/1201108760733conteudo%20violencia%20site.pdf
2
O Centro de Referência é resultado de uma história de 25 anos de luta do movimento de mulheres do Município
de São Leopoldo. Em 19 de outubro de 2006, ocorre a sua inauguração. Hoje, mais precisamente em meados
de janeiro de 2009, constituiu-se a Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM, e o Centro Jacobina passa
a ser vinculado a esta.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
25
acolhidas institucionalmente. Assim, temos, com relação à escolaridade: 17% não
têm escolaridade; 35,5% têm ensino fundamental incompleto; 28% têm formação
em EJA; 25% têm ensino médio; 4% têm nível superior. Sobre o estado civil:
50% declaram-se solteiras; 28% casadas; 14% união estável; 13,6 divorciadas;
8% viúvas. Sobre o número do filhos: 21% das mulheres possuem 1 filho, 35,1%
possuem 2 filhos, 26% possuem 3 filhos, 27,3% possuem 4 ou mais filhos e 6,8%
não possuem filhos.
Quanto à renda, 263 mulheres declaram não possuir fonte de renda, 191 recebem
entre R$ 300,00 a R$ 450,00 e as demais variam seus ganhos financeiros. A profissão
desempenhada se concentra nas atividades do lar, seguidas pelo trabalho autônomo,
tais como faxinas e serviços gerais.
Com relação ao tipo de violência sofrida, a psicológica é a mais presente para
99,8% das mulheres, seguida da física, apontada por 64%, seguida das violências moral
com 61%, patrimonial 17%, sexual 6% e 0,8% social.
Com relação ao agressor, são companheiros, ex-companheiros, ex-namorados,
filhos e netos, entre outros. Este dado refuta a realidade capturada pelo Banco Mundial
(2003), conforme citado. A violência doméstica não tem distinção de raça, classe social,
grau de instrução ou idade.
Assim, diante do exposto, podemos avançar nas questões introdutórias e
norteadoras da problemática. Temos, como primazia, a necessidade de conceituar a
violência doméstica. Preliminar ao seu recorte teórico, temos nas palavras de Arrieta
et al. (2000, p.43), uma importante ressalva: “a violência não seria inata e sim a
predisposição para reagir (o sujeito) de modo violento diante de certas circunstâncias
da vida”. Sendo, a violência aqui não é abordada como um fenômeno natural, a priori
a constituição do ser social e tão pouco, como uma monocausalidade. Aqui, mais
importante que determinar o lugar, é entender os processos sociais que produzem e
permeiam a problemática.
Com base no dispositivo jurídico da Lei Maria da Penha, 11.340/07, no seu art.
5º, definimos violência doméstica como: “qualquer ação ou omissão baseada no gênero
que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial”. Este mesmo dispositivo ainda tipifica esta violência em: violência física,
violência psicológica, violência moral, violência sexual e patrimonial.
Assim, com o presente construto temos o objetivo de problematizar as
nuances da violência doméstica e suas mediações na produção das relações sociais
na contemporaneidade, com vistas o (re)conhecimento das suas manifestações e
repercussões no cotidiano. E para tanto, nos reportamos à realidade das mulheres
leopoldenses em situação de violência, durante o ano de 2009.
26
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
2 CATEGORIAS DE ANÁLISE: (RE)CONHECENDO A
REALIDADE
Para dar conta das mediações entre a violência doméstica e as relações sociais,
sendo essa relação nosso objeto, sugerimos algumas categorias analíticas que em diálogo
com o ‘vivido’ dos sujeitos em situação de violência buscam o sentido da produção
desta violência e a sua reprodução nas relações sociais.
Inicialmente, encontramos em Heller (1992) um ponto de partida fecundo
na sua contribuição sob o processo de imitação, campo da produção das relações
sociais mediadas pela violência. Temos um mundo já ‘feito’, a partir do qual
o uso da linguagem, a reprodução dos comportamentos atuam na lógica da
perpetuação do universo hostil e viril, por meio de uma violência simbólica,
inicialmente. Este é o campo das relações sociais onde a violência se expressa.
Em Heller (1992), temos:
A imitação manifesta-se sobretudo com a imitação dos usos. Em todos os estágios
do desenvolvimento social, o homem nasce num mundo já “feito”, numa estrutura
consuetudinária já “feita”. Deve então asssimilar esses usos, do mesmo modo
que assimila as esperiências do trabalho. Desse modo, toma posse da história
humana, “ingressa” na história, e esse é o marco em que o homem consegue se
orientar. (p.88)
E pensar em reprodução da violência doméstica é pensar na constituição do
masculino (BOURDIEU, 1998) do ser agente. Pensar na lógica que persiste no
pertencimento e na assinilação quase que ‘espontânea’ deste mundo hostil por parte do
masculino. Em Bourdieu (1998), esta lógica fica expressa na própria constituição da
natureza do masculina, que paradoxalmente transita nas relações sociais não movido
pela coragem, mas pelo medo de se ver (re)conhecido pelos atributos típicos da outra
natureza: o feminino. Assim, nas palavras do autor supracitado temos:
Certas formas de “coragem”, aquelas que exigem ou reconhecem os exércitos ou
as polícias (e muito especialmente as “tropas de elite” e os bandos de deliquentes
(...) encontram seu princípio, paradoxalmente, no medo de perder a estima ou
a admiração do grupo, de “perder a face” diante dos “camaradas” e de se ver
remetidos às categorias tipicamente femininas de “fracos” de “fracotes”, de
“afeminados”, de ”veados”, etc . (p.28)
Este masculino que se defronta com outras relações encontra no postulado
ideológico dos processos de preconceito (AZEREDO, 2007) a sua continuidade.
Um prejulgamento que é assegurado pelos filtros da linguagem, esta segue uma
processualidade que não se restringe a forma de pensar, mas que tem uma continuidade:
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
27
pensamento-palavra-ação. Complementar a ‘herança’ preconcebida, a palavra introjetada
pelo sujeito agrega um sentido. Azeredo (2007) esclarece:
O processo de produção do preconceito é muito complexo e começa muito cedo
em nossas vidas. Nascemos em um mundo povoado por discursos e palavras,
palavras que têm significado em contextos específicos, isto é, palavras que já
têm sentido para outras pessoas que nasceram antes de nós. A palavra começa
a fazer sentido para mim quando eu me aproprio dela, lhe dou minha intenção,
fala com meu próprio sotaque. (p.28)
E culminando na categoria cotidianidade (HELLER, 1992) entendemos que
esta clarifica o vir-a-ser, o ‘entrar em cena’ das concepções do mundo já ‘feito’,
da constituição do masculino e do preconceito. Em sintonia com uma dialética dos
processos históricos, autora em questão nos ilumina diante de qualquer antecipação
fatalista da produção das relações sociais. Assim, todo o processo de alienação que
produz a violência não é como tal na sua totalidade. Todo sujeito tem seu ‘ponto-limite’
no encontro com outro sujeito que pode problematizar a inserção neste mundo já ‘feito’.
Heller (1992) torna claro:
Mas sempre acontece que, na realidade, os homens não são manipuláveis
indevidamente e em qualquer direção, pois sempre existe um ponto limite, um
limes no qual deixam de ser objetos e se transformam em sujeitos: que existe um
ponto além do qual já não é mais possivel confundir os homens e os povos. Esse
ponto pode surgir em lugares diferentes quando se trata de homens diferentes,
ou seja, um homem pode ser arrastado a uma situação de desumanidade diante
da qual o outro já terá gritado: “basta”. (p.99)
Assim, sugerimos que as citadas categorias de análise podem, no avançar das
problematizações deste construto, contribuir para orientar o diálogo que nos propomos
a fazer.
3 METODOLOGIA
O presente artigo fora fruto da intervenção realizada junto ao Centro de Referência
– Centro Jacobina – Atendimento e Apoio à Mulher, da Prefeitura Municipal de São
Leopoldo, durante o ano de 2009 por profissionais de Serviço Social (um assistente
social e um(a) estagiário(a) do Serviço Social). Por meio do projeto de intervenção
“O porquê da violência”, realizaram-se 20 oficinas itinerantes descentralizadas com
os(as) usuários(as) referenciados(as) nos Centros de Referência de Assistência Social
– CRAS, totalizando 524 mulheres e 113 homens. A abrangência territorial do projeto
compreendeu as regiões leste, nordeste e norte do município. As oficinas tinham
28
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
como objetivos a prevenção e a problematização das causas e reprodução da violência
doméstica no cotidiano das famílias.
Para tal, nos utilizamos de pesquisa participante, definida por Gil (2010, p.43) como
“aquela que auxilia a população envolvida a identificar por si mesma os seus problemas,
a realizar a análise crítica destes e buscar soluções adequadas”. O planejamento da
execução das oficinas compreendia as seguintes etapas: 1) Acolhimento; 2) Apresentação
de um dispositivo para aproximação à temática; 3) Debate com os participantes sobre
a violência doméstica; 4) Problematização sobre os tipos de violência; 5) Avaliação
da atividade.
Para além, buscou-se aporte teórico por meio de consulta à bibliografia
especializada sobre o tema violência doméstica, bem como pesquisas na área a fim de
atualizar a realidade da problemática, com ênfase no contexto brasileiro. Grande parte
dos construtos incorporados nas análises e discussões deste fora fruto do relato e de
registros do vivido com as mulheres e homens leopoldenses, durante o ano de 2009,
por meio dos processos de trabalho em grupo.
4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Para além do significativo número de participantes, totalizando 637 entre
mulheres e homens, e a abrangência territorial do projeto do projeto de intervenção,
apontamos que qualitativamente os espaços grupais se constituíram por processos
de empoderamento, evidenciados estes nas falas dos(as) participantes3, assim, sobre
fortalecimento: “é importante pensarmos o dia a dia da violência tão divulgado na
televisão, como no caso da menina Isabela”; sobre cidadania, “é uma oportunidade
de falarmos das nossas coisas, falar sobre violência, saber sobre os direitos, cobrar
políticas publicas, pensar as nossas famílias”; sobre autonomia, “Eu quero dizer a
margarida4 que mande ele embora, eu fui mãe e pai e consegui. Hoje eles são casados
e estão bem”. A significativa participação da representação masculina na proposta
contribui para potencializar os debates sobre a violência doméstica, ampliando estes
para os desdobramentos e implicações de gênero.
4.1 Violência doméstica: algumas definições
A já referida Lei Maria da Penha, Lei 11340/06, entre seus avanços no
enfretamento à violência doméstica contra a mulher, esclarece, com relação à sua
tipificação: violência física: qualquer agressão que se dê sobre o corpo da mulher.
Dá-se por meio de empurrões, beliscões, queimaduras, mordidas, chutes, socos ou,
3
As falas dos(as) participantes foram transcritas durante a realização das oficinas itinerantes, entre os meses
de maio a dezembro de 2009, no município de São Leopoldo. Os respectivos nomes foram preservados de
identificação.
4
Nome fictício.
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29
ainda, pelo uso de armas brancas, como facas, estiletes, móveis etc., ou armas de fogo;
violência sexual: qualquer ato em que a vítima é obrigada, por meio de força, coerção
ou ameaça, a praticar atos sexuais degradantes ou que não deseja. Esse tipo de violência
também pode ser praticado pelo próprio marido ou companheiro da vítima; violência
psicológica ou moral: esse tipo de violência se dá no abalo da autoestima da mulher,
por meio de palavras ofensivas, desqualificação, difamação, proibições de estudar,
trabalhar, expressar-se, manter uma vida social ativa com familiares e amigos(as) etc.
Por não resultar em vestígios físicos e materiais, é de difícil detecção; porém, também
se constitui em violência, que pode ser denunciada e julgada; violência patrimonial:
qualquer ato que tem por objetivo dificultar o acesso da vítima à autonomia feminina,
utilizando como meio a retenção, a perda, o dano ou a destruição de bens e valores da
mulher vitimizada.
Tendo em vista as complexas nuances advinda da questão da violência, trazemos
para a reflexão outras interfaces da violência contra a mulher, tão presente em nosso
cotidiano: a violência social: incluem-se a violência doméstica contra as mulheres; a
violência no trabalho; a violência na rua; acidentes e negligências no lar; problemas
psicossociais advindos de vivências violentas (exemplo: exclusão social, desemprego,
pobreza, entre outros); violência simbólica: compreende do uso de um instrumental da
linguagem e do simbólico, com vistas à manutenção da dominação, que se exerce com a
cumplicidade tácita daqueles que a sofrem e também daqueles que a exercem; violência
espiritual: da utilização do “sagrado” como forma de alienação que condiciona a
vítima a uma situação de culpa e de pecado, legitimando assim a manutenção das
relações de opressão.
4.2 Violência doméstica a partir da tríade vítima, agressor e
testemunhas das agressões
Como primazia, é salutar o discurso que se propaga com o advento da
implementação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), que trata a violência contra
a mulher com o enfoque de uma política pública, na tentativa de superar discursos
fragmentados que a abordam como um debate feminino sobre a questão. O desafio a ser
compreendido é o desafio à igualdade, à justiça social e à liberdade de uma sociedade
que abarca relações sociais sob a lógica da dominação, de fragmentação, de exploração
e tantas outras.
Para dialogarmos com a proposta, procuremos analisar os elementos constitutivos
do ciclo da violência contra a mulher (CARMO; MOURA, 2010). Assim, temos três
fases complementares a fase da tensão, a fase da violência consumada e a fase da lua
de mel, como se vê na figura a seguir.
30
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
FIGURA 1 – Ciclo da violência contra a mulher.
Fase da tensão
Fase da lua de mel
Fase da violência consumada
Fonte: elaborado pelo autor.
Iniciamos pela primeira fase de tensão, na qual a relação é bombardeada de uma
violência que se desmembra em física e moral. Há constante presença de expressões,
termos e frases que ofendem, diminuem, fragmentam, aprisionam emocionalmente
a mulher. Logo, à vítima, por motivos múltiplos (medo da reação do companheiro;
constrangimento; baixo nível de confiança nas relações pessoais proximas e nas políticas
publicas, entre outras), cabe o silêncio e a manutenção dessa tensão como um fardo
atribuído, que é ‘seu’. Cabe ressaltar que nessa fase, em alguns casos, a vítima passa por
um processo de questionamento diante das investidas verbais violentas do companheiro
que, em seguida, pode desencadear na assimilação de atributos que foram incorporados
a partir dessa perturbação – a vítima passa a absorver e se perceber como aquilo que lhe
é “aferido” diariamente – a vagabunda, a que sai com outros homens, a que não presta
para nada... E, por fim, nessa primeira fase do ciclo da violência, temos uma grande
incidência de uma violência denominada parental,5 que se constitui na objetivação dos
filhos dessa relação como forma de abarganhar “vantagens”de forma simbólica, um
sobre o outro. A segunda fase, a violência consumada. O período que era de silêncio,
de angústia se potencializa com o uso da força por meio de empurrões, tapas, ameaças
de morte, restrição da liberdade, enfim, a manifestação física da violência. Por meio do
processo de trabalho acerca do enfrentamento da violência contra a mulher, o mesmo
tem nos mostrado que é nessa fase que a mulher busca apoio e inicia sua peregrinação
pelos serviços de acolhimento. O relato6 de uma participante dos grupos nos esclarece
este momento:
Gostei muito, pois eu já tinha marcado um atendimento lá e não pude ir. Eu sofro
violência moral todos os dias e meus filhos também. (se emocionou) A gente
sempre aprende. Eu vou falar para o pessoal do PAS.
5
Este processo deflagra na criança o “conflito da lealdade exclusiva” em que ela tem que escolher por um
dos pais. Dessa forma, a função parental e a função conjugal se mesclam e não são distinguidas com clareza
provocando uma confusão emocional na criança transformando-a em campo de disputa para o casal (FÉRESCARNEIRO, 2009). Por se tratar de um conceito ainda em construção, o mesmo pode ser melhor problematizado
em http://www.webartigos.com/artigos/alienacao-parental/65778/. Acesso em maio 2012.
6
Ver idem 3.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
31
E, por fim, a fase de lua de mel dar-se-á após a procura da vítima aos serviços
de acolhimento à temática. A vítima passa a se valer dos espaços de atendimento
psicossocial e passa a conhecer seus direitos. Diante disso, inicia-se um processo de
investida por parte do seu agressor. Este, na tentativa de resgatar o que “perdeu”, passa
a ofertar presentes, concessões que até então não eram realidade na relação. É uma fase
muito decisória na vida da vítima: do medo de apostar nesse momento que resgata “esse
novo homem”; que este possa se despir da gentileza a qualquer momento; da angústia
de (re)começar de novo, a considerar a presença dos filhos; da necessidade de uma
nova organização familiar e relacional; da apreensão diante do novo papel social que se
apresenta em todas as suas dimensões: mãe, mulher, trabalhadora, filha, estudante...
São alguns apontamentos acerca do ciclo da violência sob a ótica da vítima. Mas,
para avançarmos na proposta, evidenciamos outros atores implicados nessa relação: o
agressor e as testemunhas dessa agressão.
Ao se tratar do agressor, cujo papel tende ser legitimado a partir das formas de
reprodução e perpetuação da violência, considerando uma cultura machista que o
lapida a partir do seu tempo, das suas interações e do seu movimento histórico-político,
serão vistos alguns aspectos constitutivos do masculino, este partícipe dos processos
de violência. Parafrasenado Heller (1992), sugerimos que a natureza do masculino tem
sua inserção num mundo já ‘feito’, onde a imitação do deste universo viril perpassa
a imitação da linguagem que se desmembra em diferentes nuances de uma violência
que a priori é simbólica.
Ancorados na posição da autora, podemos atentar para aquilo que se faz inerente
ao traço de violência por parte do agressor: a sua constituição a partir desse universo
predeterminado e que lhe é reproduzido na cotidianidade sem nenhum processo de
reflexão e apreensão do seu papel social, nesse caso, de agressor. É nesse universo
hostil, viril, permeado pela transversalidade da violência descrito por Bourdieu (1998),
que o agressor se encontra, sendo este impulsionado paradoxalmente não pela coragem
que é peculiar ao masculino, mas no demaseado receio de ser remitido a categorias
tipicamente femininas.
Mas, considerando que nenhum sujeito é alienado na sua totalidade, mas a
partir de algumas circustâncias sociais, o papel de agressor, tem a possibilidade de
ser questionado. Acerca deste contexto, os debates sobre violência entre homens e
mulheres7, por meio dos grupos, qualificam nossa reflexão com a dialética do processo
entre a imitação e consciência deste masculino:
“O que algumas pessoas aprenderam hoje (com relação à presença masculina no
grupo) não vão colocar em prática... que foi pouco tempo. As pessoas que mais
precisam ouvir, faltaram”.
7
32
Ver idem 6.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
E, quando olhamos para a participação do agressor no processo de violência,
constatamos que as interfaces desse agressor são vastas e permeiam todos os papéis
sociais, dentre eles: de maridos, companheiros, namorados, amantes, filhos, netos,
chefes. Como fatores da dominação, fio condutor da relação vítima x agressor, temos: a
situação socioeconômica privilegiada do agressor; uma “pressão” das relações próximas
ao agressor que tensionam (e não raras vezes fomentam esse medo); o comportamento
‘controlador’ para com a vítima; a concepção da naturalização ideológico-sexista
que define os papéis vítima-agressor; a inexistência de espaços socioassistenciais de
acolhimento ao agressor.
E, por fim, contemplando a tríade, o papel exercido pelas testemunhas das
agressões: os filhos, que de forma alguma são passivos diante da exposição e das cenas de
violência, mas que introjetam a significação dessas cenas. Durante seu desenvolvimento,
as crianças, no seu percurso de lançar-se para as relações não mais fraternais, mais de
extensão, desencadeiam um processo de objetivação da significação do relacionar-se
com o outro a partir de uma interação violenta.
A sociedade traz, nas suas relações, discussões sobre a vítima e o agressor; no
entanto, pouco discute sobre as repercussões, as significações e as cisões para com o
infante testemunha das agressões. Com relação ao desenvolvimento da criança e do
adolescente, podemos apontar com relação aos processos permeados pelas relações de
violência: a criança cresce amedrontada e cindida: sente amor e ódio pelo pai; amor e
pena pela mãe; a criança se desenvolve tornando-se frágil diante da sua capacidade de
resiliência, para se defender dos destemperos de quem deveria só ensinar e proteger. A
criança ocular não é apenas passiva. Ela é ativa e reage de alguma forma ao episódio
de violência. E não poderíamos deixar de trazer para o centro do debate a interferência
determinante dos meios midiáticos na transmissão exaustiva de cenas de violência que
implicam o cotidiano, essas, reproduzidas sem um feedback do adulto, deixando de
lado a função também pedagógica desse adulto cuidador, acarretando a introspecção
instantânea da criança, da orientação a partir de interações violentas para com o outro.
E quanto ao futuro da criança exposta a um ambiente voltado para a violência, temos
uma incógnita: a criança pode se tornar violenta, apática ou insegura.
Segundo Hisgail (2007)8, podemos apontar alguns elementos que sinalizam para
a presença da violência entre as crianças expostas a essa última: baixo rendimento
escolar; distúrbios alimentares; descontrole urinário (complicações físico-biológicas);
pesadelos; relato verídico e, geralmente, na íntegra dos fatos. Esse último merece a
nossa maior atenção, dada sua implicação durante o diagnóstico de uma situação de
violência a que a criança esteja sendo exposta. O relato de alguma vivência de violência
por parte da criança deve ser sempre considerado, segundo Hisgail (2007), pois se
constitui na íntegra e sem a incorporação racional de um fator externo e/ou de alguma
utilização deste para benefício próprio. E a seriedade aumenta quando nos voltamos
para o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA, Lei 8.742/93), que aponta para a
8
Fani Hisgail, psicanalista, PUCSP.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
33
política de atendimento à criança e ao adolescente pelos serviços socioassistenciais.
No seu artigo 13, refere: “Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra
a criança ou adolescente serão obigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da
respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais”.
Diante dessa discussão, podemos constatar a necessidade do diálogo sobre a
violência doméstica e intrafamiliar para além da relação vítima x agressor.
4.2.1 A relação intrínseca: vítima x agressor
Cabe aqui trazer a relação dialética entre a vítima e o agressor. A relevância dessa
reflexão objetiva-se na apreensão sobre a existência de uma relação entre vítima e
agressor, entre dois sujeitos relacionando-se, embora impulsionados pelos pressupostos
da violência. Se denominamos relação, não podemos olhar para essa abordagem como
dualista: de um lado, o agressor; e de outro, a vítima.
Tratamos, pois, da mediação entre vítima e agressor por meio do próprio papel
social denominado de vítima. Esse é o seu papel social, reiteramos. Essa é sua inserção
social como ser que se reproduz pela significação atribuída e percebida pelas suas
relações. Mas, oportuno na nossa reflexão é nos perguntarmos: Qual seria um outro papel
social que desse conta de sua inserção, intercâmbio e reprodução social, que se poderia
distanciar da conotação vítima de violência? Logo, se a mulher se insere na relações
sociais a partir da representação social de vítima, objetiva-se que, do contrário, sem a
existência do seu papel social atribuído, ela seria relegada à invisibilidade? Um sujeito
descaracterizado socialmente? Quando dos relatos com os quais nos deparamos de
mulheres vítimas de violência que por um longo período vivem essa condição, necessária
se faz essa leitura, visto que nossa intervenção dar-se-á muito antes da aplicação de
um dispositivo legal da lei, mas do ser e suas possibilidades para além da vítima. O ser
vítima de violência não pode ser vítima da sua forma fragmentada de ser percebida.
A mulher vítima de violência tem de ser percebida na sua totalidade: trabalhadora,
estudante, mãe, cuidadora... E, mais enfaticamente, nossa natureza indivíduo-humana
é impactante; temos a necessidade de sermos percebidos. Contudo, a percepção de
vítima é tão vitimizante quanto a angústia de ser vítima da invisibilidade.
Outro aspecto presente nessa relação constitui-se na dicotomia dominante x
dominado. A atenuante do pressuposto da relação se potencializa na medida em que um
ser se “assujeita” ao outro ser. Sim, para haver um dominante, necessariamente, temos
que dispor de um dominado. E quanto maior for a permissividade de um para com o
outro, maior será a tirania. Para tanto, não podemos creditar que a potencialidade de
um dominador pode amplificar-se quando este tenta dominar um objeto, mas na medida
em que esse primeiro tem sob sua interação dominadora um sujeito que interage com
maior ou menor cumplicidade. Esse último evidenciará o seu grau de dominação. Essa
“cumplicidade” tem sua manisfestação nas relações por meio de pequenas concessões:
da perpetuação de uma linguagem viril, arrogante; da exposição do seu “destino”,
ficando esse lapidado aos arranjos sociais preestabelecidos por outrem... E esse contexto
34
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
se processa não apenas na sua fagmentação como sujeito vítima de violência, para além,
na dominação do outro e até mesmo nas dimenções mais ocultas, no pensamento, no
seu sentir, percorrendo, assim, uma dominação mais perversa: a que nega a si mesmo
como sujeito e passa a ser objeto do dominado.
A mulher que é vítima de violência também precisa de mediações que dão conta
da sua face violadora quando, diante de sucessivas situações de violência instauradas
sobre si, passa a violentar os filhos, quando negligencia proteção e assistencia a estes.
Também com relação às mediações violentadoras, o agressor, na percepção de quem
sofre a violência, pode ser bom, quando dá conta das necessidades materiais básicas
da vítima e dos filhos.
Mergulhando um pouco na interface da dimensão do agressor, nessa relação
poderíamos ser mais abrangentes ao abordarmos uma problematização acerca desse
com o fio condutor de sua alienação social. Contudo, a realidade e as diferentes
mediações do cotidiano nos indicam a necessidade de ir além dessa abordagem; temos
que correlacionar outros dispositivos. Podemos, sim, partir da concepção de que, em
uma perspectiva libertadora, esse sujeito, aqui substantivado como agressor, estaria
numa completa alienação. Junto a isso, pontuamos os processos de preconceito, pois,
sendo essa uma concepção superficial e preconcebida, também se constitui em alienação.
E o preconceito toma corpo sobretudo na linguagem. A palavra atualiza a herança
preconceituosa que herdamos. Quando nos reportamos para o preconceito do agressor
para com a mulher em situação de violência, ancorados em Azeredo (2007) chamamos
de um rol de discursos que nasceram antes de nós e ao passo que nos apropriamos nem
sempre de forma consciente, por isso de forma preconcebida.
Essa fala se faz importante, pois entendemos que é no solo fecundo da história
que a cotidianidade (HELLER, 1992) se materializa também por meio da linguagem,
essa enquanto projeção da palavra-fala-ação (HELLER, 1992), aliada a uma linguagem
simbólica. Esse processo suscita sua a processualidade negativa: processos de
preconceito, de alienação e de violência.
No entanto, Heller (1992) contribui significativamente para avançarmos diante
dessa constatação. Os processos de alienação, segundo a autora, não podem ser
considerados de forma linear, como absolutos. São, sim, impulsionados, perturbados
e lapidados por relações sociais e contextos sociais alienantes. Heller (1992) considera
que por essas mesmas relações e contextos sociais não serem alienados na sua totalidade,
a cotidianidade presente de forma constitutiva na vivência histórica de cada sujeito
perminte, sim, algumas possibilidades e alternativas de superação dessa condição de
alienação. Assim mesmo o agressor que nasce em um mundo ‘já pronto’, tendo o seu
masculino lapidado pelas motivações violentas e o proconceito, não é alienado na sua
totalidade e pode se deparar com uma outra relação que incida sobre o seu ‘pontolimite’.
A contribuição de Heller (1992) pode suscitar em nós outro ponto de partida: o
que tensionaria o vir a ser do ponto-limite em que esse homem não se constitui alienado
na sua totalidade? É um dispositivo de problematização que desencadeia em nós um
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
35
exercício de pensarmos um pouco além daquilo que se desenha nas entrelinhas das
relações sociais. Sim, pois, se até o presente, concebíamos o papel de agressor como
alienado na sua totalidade, podemos elucidar nosso olhar para essa possibilidade que a
referida autora nos coloca. Esse ponto-limite pode nos clarear quanto aos mecanismos
jurídico-legais, político-ideológicos, processos de (re)tomar a consciência, dos espaços
socioassinteciais que se debruçam sobre a temática da violência, das ferramentas
midiáticas que abordam essa temática, da apreensão da mulher enquanto sujeito de
direitos, entre outros.
Em relações sociais, tomadas por arranjos alienantes, somos tensionados diante de
processos sociais alienados, mas, nesse mesmo contexto, podem brotar relações sociais
“maduras” que processam a resistência àquilo que da alienação precisa ser superado.
O relato9 que segue, evidencia este princípio:
(...) Saber que temos direito, pois vivi 23 anos no meu 1° casamento violência
sexual... mas o meu 2° companheiro foi um “pai-drasto” para os meus filhos e
vale a pena preservar os filhos. E eu quero dizer à Rosa10 que mande ele embora,
eu fui mãe e pai e consegui, hoje eles são casados e estão bem...
Sendo assim, existirão relações sociais onde irão emergir sujeitos violentos/
alienados, mas esses mesmos sujeitos terão possibilidade de se defrontar com outro
sujeito que lhes dirá: Basta!
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em primeiro, a consideração de que a abordagem do tema violência doméstica tem
se tornado relevante socialmente no clarear das luzes do século XXI. A compreensão
por parte da sociedade de forma tardia ou não é impulsionada quando nos deparamos
com o contexto da violência doméstica, sendo este mundial, nacional ou local. O fato
de uma a cada cinco mulheres brasileiras serem vítimas de violência (Fundação Perseu
Abramo, 2002) e, para estas, 28% a violência tornou-se uma prática (Revista Cadernos
de Saúde Pública, 2006), nos atenta para um novo olhar.
A necessidade deste mesmo olhar ser ampliado se faz oportuno. O fenômeno
da violência doméstica deve ser aprendido para além da presença unilateral da vítima
passiva da violência. A sua abordagem pressupõe a dialética de relações e papéis sociais.
Para além da vítima, temos o agressor, que na sua totalidade não pode ser entendido
como um papel social alienado, mas que em contato com real vivido das relações, por
meio do solo do cotidiano e da imitação (HELLER, 1992), encontra pontos-limites,
contrapontos que perturbam esta alienação. O papel das testemunhas da violência, os
9
10
36
Ver idem 3.
Nome de participante fictício.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
filhos desta relação, mediante a exposição, não são passíveis a esta, introjetando de
forma calada uma violência que torna o seu desenvolvimento humano e social uma
incógnita.
E por fim, na relação direta vítima x agressor, sugerimos para as nuances e
mediações destes papéis sociais. A primeira, que não é vítima na sua totalidade, sendo
sujeito que se defronta com um campo de possibilidades; ao mesmo tempo, na sua
busca por um novo projeto de vida, defronta-se com um frágil sistema de proteção
subjetiva e social que, na reprodução do ciclo da violência, pode acabar violentando
aqueles que apenas deveriam receber afeto e cuidado: os filhos da relação. Já o segundo,
o agressor, pode ser tão dominador quando outrem assimilam esta dominação; embora
no cotidiano, as relações de dominação, por meio de um instrumental machista, lhe
confere “ser assim”, este mesmo cotidiano pode apresentar-lhe o instrumental do diálogo
e da mediação de um ‘outro’ ser que lhe diga: basta!
REFERÊNCIAS
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e seus reflexos na escola. Canoas: ULBRA, 2000.
AZERÊDO, Sandra. Preconceito contra a mulher: diferença, poemas e corpos. São
Paulo: Cortez, 2007. (Coleção Preconceitos)
BOURDIEU, Pierre. La domination masculine. Paris: Seuil, coll. Liber, 1998.
BRASIL. Lei Maria da Penha, Lei nº 11/340 de 07 de agosto de 2006. Brasília, DF:
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2008.
GIL, Antônio C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2010.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 4.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
KULAKOWSKA, E. Brutalité sexiste dans Le huis clos familial. Le Monde
Diplomatique, Paris, ano 2, n.18. Disponível em http://www.monde-diplomatique.
fr/2002/07/KULAKOWSKA/16705 . Acesso em jan. 2009.
SANTOS DO CARMO, Perla C.C; ANDRADE DE MOURA, Fernanda G.
Violência doméstica: a difícil decisão de romper ou não com esse ciclo. Seminário
Internacional Fazendo Gênero 9 Diásporas, Diversidades, Deslocamentos de
23 a 26 de agosto de 2010. Disponível em http://www.fazendogenero.ufsc.
br/9/resources/anais/1278278656_ARQUIVOVIOLENCIADOMESTICAA
DIFICILDECISAODEROMPEROUNAOCOMESSECICLO.pdf. Acesso em: abr.
2011.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
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Clima organizacional: comunicação
em tempos de mudança
Luciane Krum de Arruda
Ivonisa Maria Castagna de Abreu
Gilfredo Castagna
Patrícia Ennes da Silva Lima
RESUMO
Este estudo analisa a comunicação e o clima organizacional, e sua influência nos
colaboradores, à participação dos membros da empresa e aos critérios adotados no processo
motivacional do grupo no Riograndense Futebol Clube de Santa Maria, RS. Os objetivos deste
estudo foram: diagnosticar se a comunicação interna afeta o clima organizacional do Riograndense
Futebol Clube; estudar o clima organizacional entre os jogadores e sua relação com a diretoria;
propor um plano de ação para sanar as deficiências detectadas preenchendo as lacunas; aplicar
as técnicas de comunicação interna junto à equipe, entre outros. Para isso, foi tomada como base
a pesquisa bibliográfica, que serviu de alicerce para a formulação dos instrumentos de pesquisa
(questionário e entrevistas) aplicados junto aos colaboradores da organização, e desenvolvida uma
pesquisa de caráter descritivo, qualitativo e exploratório. Como resultado principal, verificou-se a
ausência de padrões na formalização e desenvolvimento dos processos de comunicação entre os
colaboradores e a alta direção do Riograndense, bem como a constatação da desmotivação, falta
de interesse, comprometimento e doação por parte dos jogadores.
Palavras-chave: Comunicação. Motivação. Valorização.
Organizational climate: communication in times of change
ABSTRACT
This study makes an analysis to the communication, to the organizational climate and their
influence on employees, to the participation of company members and the adopted criteria in the
group motivational process at Riograndense Futebol Clube in Santa Maria, RS. The objective
of this study was to diagnose if the internal communication affects the organizational climate at
Rio Grandense Futebol Clube, the organizational climate among the players and their relation
with the direction; propose an action plan to remedy the deficiencies detected fulfilling the gaps;
to apply the internal communication techniques team among others. To this, the bibliographical
research has been taken as a basis, which served as structure to the formulation of the research
instruments (questionnaires and interviews) applied to the organization employees, and a research
Luciane Krum de Arruda é Administradora de empresa. E-mail: [email protected]
Ivonisa Maria Castagna de Abreu é Mestre, Professora do Curso de Administração ULBRA Santa Maria.
E-mail: [email protected]
Gilfredo Castagna é Mestre, Professor do Curso de Administração ULBRA Santa Maria.
E-mail: [email protected]
Patrícia Ennes da Silva Lima é Mestre, Professora do Curso de Administração ULBRA Santa Maria.
E-mail: [email protected]
Opinio
Canoas
n.28
p.38-57
jan./jun. 2012
with descriptive, qualitative and exploratory characteristics has been developed. As main result it
has been verified the absence of formalization and development of the communication processes
among the employees and the direction of Riograndense, as well as the finding of total lack of
motivation, interest, commitment and donation on the part of the players.
Keywords: Communication. Motivation. Valorization.
1 INTRODUÇÃO
O futebol é um dos esportes mais populares em nosso país e um dos motivos de
orgulho da nação brasileira. Os clubes que atuam de maneira profissional constituem a
elite do futebol brasileiro e disputam campeonatos que podem ser estaduais, nacionais
ou internacionais. Para estimular a disputa entre estes clubes, criaram-se divisões, sendo
que as organizações futebolísticas pertencem à primeira, segunda ou terceira divisão,
conforme seu desempenho no ano corrente das competições.
À medida que um clube se destaca nas divisões inferiores, é alçado a uma
divisão superior, passando a disputar os campeonatos com times mais qualificados. O
contrário também se verifica, pois um mau desempenho no campeonato gera o chamado
rebaixamento. Assim, a disputa entre os clubes possui dois objetivos: não ser rebaixado
ou subir para uma divisão mais importante e conquistar os títulos daquelas divisões.
Parte importante do trabalho dentro da organização de futebol está na motivação
da equipe que disputa os jogos. Além dos incentivos oferecidos pelo clube, o clima
organizacional do time deve estar em consonância com seu objetivo maior, o de
conseguir as vitórias necessárias e, assim, a comunicação deverá ser o mais clara
possível, objetiva, de alcance de entendimento do grande grupo.
O Riograndense Futebol Clube, unidade deste estudo, é uma organização que
pertence à segunda divisão do Futebol Gaúcho. Sua sede está localizada em Santa
Maria, RS. No âmbito desta pesquisa, a atividade com os jogadores do Riograndense
Futebol Clube enfocou a comunicação interna. Assim sendo, o problema em estudo é:
a comunicação interna afeta o clima organizacional do Riograndense Futebol Clube?
Este trabalho tem como objetivo diagnosticar se a comunicação interna afeta o
clima organizacional do Riograndense Futebol Clube.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Clima organizacional
Alguns autores discorrem sobre clima organizacional, suas definições e a maneira
como influenciam o comportamento organizacional.
De acordo com Luz (2003, p.10):
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
39
Pode-se definir clima organizacional como sendo as impressões gerais ou
percepções dos empregados em relação ao seu ambiente de trabalho; embora nem
todos os indivíduos tenham a mesma opinião, pois não tem a mesma percepção,
o clima reflete o comportamento organizacional, isto é, atributos específicos de
uma organização, seus valores ou atitudes que afetam a maneira pela qual as
pessoas ou grupos se relacionam no ambiente de trabalho.
Para Lacombe (2005, p.236):
O clima organizacional reflete o grau de satisfação do pessoal com o ambiente
interno da empresa. Está vinculado à motivação, à lealdade e à identificação com
a empresa, à colaboração entre as pessoas, ao interesse no trabalho, à facilidade
das comunicações internas, aos relacionamentos entre pessoas, aos sentimentos
e emoções, à integração da equipe e outras variáveis intervenientes.
Os aspectos da transversalidade dos conceitos de clima dentro da tipologia das
organizações, preconizados por Luz (2003), giram em torno das seguintes premissas:
satisfação: relaciona-se direta e indiretamente com a intermediação do clima com o
grau de satisfação dos indivíduos que trabalham em uma empresa; percepção: condiz
na percepção que os colaboradores emanam sobre os diferentes aspectos que possam
influenciá-los positiva ou negativamente dentro da organização; cultura organizacional:
a cultura impacta nas atitudes dos colaboradores dentro da organização.
Conforme Kundu (2007), a referência mais antiga de Clima Organizacional foi
estudada por Lewin, Lippitt e White (1939). Seus estudos enfatizaram principalmente
o relacionamento entre estilos de liderança e Clima Social. Segundo o autor:
No Brasil, o estudo de clima organizacional iniciou na década de 70, com o
trabalho de Saldanha (1974), que discutiu a importância do bem-estar psíquico
dos indivíduos nas organizações, a função do psicólogo organizacional e salientou
a importância de estratégias que promovem uma atmosfera organizacional
favorável para o seu desenvolvimento. (KUNDU, 2007, v.12, p.99-108)
Como se pode perceber, durante muito tempo o clima organizacional foi tratado de
forma confusa e arbitrária. Na atualidade há uma clara distinção dos conceitos de clima
e cultura organizacional. O ambiente interno de uma organização está diretamente ligado
à motivação dos seus colaboradores e é refletido nas atitudes dos colaboradores.
De acordo com Lacombe (2005, p.236), “quando alguém é admitido numa
empresa, deixa de ser completamente livre para se comportar como bem lhe aprouver:
precisa aceitar os valores, as políticas e as normas da empresa”. Para que essas premissas
40
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
norteiem os colaboradores, é de suma importância que a qualidade do ambiente seja
adequada ao bem-estar de todos.
Pode-se mensurar a satisfação motivacional por meio de várias ferramentas,
como questionário, entrevistas, observação, diário de tarefas, sendo que todas essas
irão demonstrar um resultado, podendo esse ser positivo ou não.
2.2 Comunicação
2.2.1 Comunicação interna
Atualmente, as empresas têm dedicado atenção especial à comunicação exercida
no seu ambiente. Isso porque se acredita que o empregado desempenha um papel
fundamental no que se refere a sua imagem. O público interno deve estar bem informado
e inserido no contexto organizacional para que a comunicação interna funcione de
maneira eficaz. Por outro lado, as organizações devem permitir que a comunicação
interna tenha autonomia para se desenvolver de forma adequada às necessidades do
seu público (MEREU, 2006).
Robbins (2007, p.232) enfatiza que:
Nenhum grupo pode existir sem comunicação, ou seja, sem a transferência de
significado entre seus membros. Apenas através da transferência de significados
de uma pessoa para outra é que as informações e as ideias podem ser transmitidas.
A comunicação, contudo, é mais do que simplesmente transmitir um significado.
Ela precisa ser compreendida. Em um grupo em que um indivíduo fala
apenas alemão e os demais não sabem o idioma, ele não conseguirá ser bem
compreendido. Portanto, a comunicação precisa incluir a transferência e a
compreensão do significado.
Assim, o estudo da comunicação organizacional tem-se mostrado uma importante
contribuição à vida prática das organizações, ajudando no equilíbrio, desenvolvimento
e crescimento das empresas (DUARTE, 2003).
A comunicação tem a função de proporcionar maior aceitabilidade da ideologia
empresarial e pode contribuir também para aumentar a produtividade e reforçar a
economia organizacional. O seu conteúdo vai atingir não somente grupos isolados dentro
da organização, mas todos os integrantes da empresa. A comunicação organizacional
visa gerar consentimento e seus profissionais devem buscar produzir a aceitação dos
empregados. Os empregados, por sua vez, devem se sentir familiarizado dentro da
empresa a ponto de se expressarem de maneira agradável (REGO, 1986).
Os líderes responsáveis pelo pensamento estratégico, que leva a organização a
crescer e desenvolver-se, são os principais artífices da boa comunicação interna. Eles
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
41
devem entender a comunicação com uma área estratégica de resultados e adotar uma
postura exemplar, pois “o discurso empresarial não pode ser diferente da ação. Cabe
aos gestores, aos líderes, mostrar isso de forma objetiva e clara, em suas atitudes”
(MARCHESI, 2005, p.47).
Segundo Moreira (2001, p.7):
Geralmente, as organizações buscam atingir o desempenho ideal da comunicação,
provendo as pessoas de informações corretas, no lugar certo, no tempo exato e
na forma apropriada em todos os níveis, áreas e setores. Teoricamente, aquela
que não desenvolve essas funções de forma adequada tende a perder visibilidade,
transparência, oportunidades, novos canais de comunicação e negócios. Sob o
ponto de vista acadêmico, o uso da informação como ferramenta de gestão eficaz
defendido pela comunicação organizacional possui, no Brasil, um agravante:
além da dificuldade de implementação de política de comunicação dentro das
empresas, a produção nacional de comunicação organizacional ainda é escassa
se comparada à americana.
Pereira et al. (2003) é de opinião que a comunicação organizacional pode ser
definida por um conjunto de técnicas e atividades para facilitar e agilizar o fluxo de
mensagens entre os membros da organização ou entre a organização e o meio, “influindo
nas opiniões, atitudes e comportamentos dos públicos internos e externos da organização
para que esta cumpra melhor e mais rapidamente seus objetivos”.
Robbins (2007, p.233) enfatiza que “os canais formais são estabelecidos pela
organização e transmitem mensagens que se referem às atividades relacionadas com o
trabalho de seus membros”, as demais formas de mensagens existentes como pessoais
ou sociais são classificadas como sendo do canal informal. O canal informal é aquele
que surge de forma irrefletida a fim de responder as opções de cada indivíduo.
2.2.2 Comunicação interpessoal
Robbins (2007) descreve três formas que as pessoas de um modo geral utilizam
para a comunicação entre si, que são: comunicação oral: é o fundamental meio de
difusão de comunicação oral. Podem-se citar as palestras, debates entre duas ou mais
pessoas ou ainda em um grande grupo. A vantagem dessa modalidade é a presteza e
agilidade com que a mesma se faz, bem como a resposta é instantânea; comunicação
escrita: conglomera todas as formas escritas de comunicação, desde um simples bilhete,
passando por memorandos, e-mails, cartas, jornais e ou informativos internos e murais
da organização. Abarcam toda e qualquer forma escrita e ou de sinais que prestam
informações. É tangível e verificável e quase sempre emissor e receptor cultivam o
apontamento das mensagens que podem ser registradas por muito tempo; comunicação
não verbal: um olhar, um gesto, a linguagem corporal, um sorriso, um piscar de
42
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
olhos, movimentos provocantes do corpo são alguns exemplos. Existem autores que
apresentam suas teorias que a linguagem corporal transmite informações e pedidos,
como por exemplo, por um franzir de sobrancelhas leia-se repúdio, ou ainda, um olhar
mais demorado e firme pode ser entendido como um pedido de socorro, logo, entendese que não existe a necessidade e a obrigatoriedade de haver som e ou papéis para que
a comunicação se estabeleça.
2.2.3 Comunicação organizacional
De acordo com Robbins (2007), a comunicação nas organizações vem sendo
aprimorada e enriquecida pelas tecnologias da computação. Isto inclui o correio
eletrônico (e-mail), redes intranet e extranet, e a videoconferência. A velocidade com
que se envia e recebe mensagens utilizando as várias ferramentas dispostas na internet a
fim de promover a intensificação do seu uso e da diversidade de itens, e afins que se tem
a disposição, torna-se indispensável seu uso e imensurável os benefícios recebidos.
Conta-se ainda com informativos como jornais de maior circulação da cidade,
estado e do país todos dispostos em meio eletrônico, conteúdos diversos, livros, revistas,
jogos, diários oficiais dos órgãos governamentais, sites de pesquisas entre vários
outros utilitários que servem de referência para trabalho, estudos ou simplesmente
entretenimento.
2.3 Comunicação x clima
O clima de uma organização está diretamente relacionado com a cultura
organizacional, demonstrando assim a relação dos colaboradores, administradores e
frequentadores da empresa. Pode-se confirmar essa premissa com a autora Oliveira
(2006, p.31) que discorre “a cultura organizacional está intimamente retratada no que
chamamos de clima organizacional, o qual espelha e reflete, de certa forma, a relação
dos diversos sujeitos com esta cultura e estrutura organizacionais”.
Souza (1978, p.36) complementa que “cultura organizacional é o conjunto de
fenômenos resultantes da ação humana, visualizada dentro das fronteiras de um sistema.
Compõe-se de três elementos: os preceitos, a tecnologia e o caráter”.
O clima representa o sentimento das pessoas da empresa, como as mesmas
estão em relação ao trabalho desenvolvido, a forma de desenvolvimento desses, se as
coisas estão bem ou não. De acordo do Oliveira (2006), pode-se afirmar que o clima
é percebido por uma espécie de termômetro, que mensura quão “quente” ou “gelado”
andam o atendimento, as relações e o trabalho.
Para Souza (1978, p.37) “o clima organizacional é um fenômeno resultante da
interação dos elementos da cultura”. O clima é um indicador que ajuda a perceber e
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
43
analisar como as relações entre colegas e colaboradores e chefia está auxiliando no
entendimento do contentamento em relação ao trabalho e com a própria organização.
De acordo com Souza (1978, p.38) “o clima é uma resultante das variáveis
culturais. Quando estas são alteradas, ocasionam alterações no clima. Curiosamente, o
clima é mais perceptível do que suas fontes causais”. É importante salientar que cada
individuo é diferente um do outro, que cada pessoa reage de forma diferenciada perante
a mesma situação, sendo assim, é significativo que os administradores entendam a
posição que desempenha, como a faz e de que forma.
A comunicação é uma ferramenta, que pode ser considerada como uma das mais
importantes dentro de uma empresa. É o elo entre tarefas a serem executadas, vendas a
serem efetivadas, metas a serem conquistadas. A forma como uma pessoa se expressa
pode determinar se o clima do setor permanecerá igual, considerando que o mesmo seja
muito bom, ou ainda, pode ser responsável por desarmonizar toda a organização.
3 METODOLOGIA
A pesquisa é um estudo de caso com abordagem qualitativa, quantitativa e de
nível exploratório Na primeira etapa, o estudo de caso deu-se como sendo descritivo
quantitativo. Aplicou-se, para tanto, um questionário contendo 10 questões, sendo 1
aberta e as demais fechadas. Esse questionário foi entregue pelos autores deste estudo,
para os 36 colaboradores integrantes do Riograndense.
A segunda etapa caracteriza-se por ser um estudo exploratório qualitativo, sendo
que nessa etapa, o questionário foi substituído por entrevistas, que foram feitas com
aproximadamente 16 integrantes do Riograndense, sendo alguns colaboradores, outros
integrantes da diretoria e alguns simpatizantes.
Nesse estudo realizado no Riograndense, em sua primeira etapa, a população
completa respondeu ao questionário por ser uma população de 36 pessoas. Na segunda
etapa foram entrevistados apenas alguns colaboradores, diretores e simpatizantes da
organização, totalizando 16 pessoas, a fim de não comprometer por massificação de
respostas, evitando assim, tornar redundantes as respostas.
Esse estudo foi alterado em sua concepção de pesquisa na segunda etapa, passando
a ser qualitativo. Esse fato foi devido a fatores internos do Riograndense que atingiram
a todos que compõem a organização, como troca de diretoria, desclassificação do
mesmo no Campeonato no ano de 2010, substituição de vários técnicos, falta de apoio
financeiro para manter os jogadores que são os colaboradores dessa coordenação, bem
como uma serie de fatores que por ética e parcimônia não serão aqui mencionados,
mas que dificultaram assim a continuidade desse estudo.
A coleta de dados da pesquisa está organizada em duas partes. A etapa I, aplicada
no mês de maio do ano de 2010, utilizou-se de um questionário contendo 10 questões,
44
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
onde 36 colaboradores responderam as mesmas, num período de aproximadamente 15
dias. Na etapa II, foi utilizado um roteiro de entrevista sendo que foram aplicadas 10
perguntas, tendo como base as principais variáveis utilizadas para compor o questionário
da etapa I. Nessa etapa, 16 pessoas responderam as perguntas, dentre essas, alguns são
colaboradores, outros membros da diretoria e outros simpatizantes do clube.
4 RESULTADOS DA PESQUISA
Para uma melhor compreensão criou-se tabelas para cada uma das questões
aplicadas nesse trabalho e transcrição das entrevistas que foram gravadas para um
melhor entendimento e acompanhamento. Dessa forma, pode-se fazer a confrontação
entre ambas as etapas obtendo de forma translúcida um melhor resultado, e assim criar
um plano de ação de melhorias que venha a sanar os possíveis problemas apurados.
4.1 Etapa I – Questionário
A etapa I trata da aplicação do questionário que foi aplicada no mês de maio do
ano de 2010, com a finalidade de obter subsídios para estruturação de um plano de
ação a fim de impetrar melhorias no processo de comunicação entre os colaboradores e
direção da organização em estudo, contemplando um total de trinta e seis colaboradores
participantes do processo. A seguir, passa-se a demonstração dos resultados de todas
as questões que geriram o trabalho na organização em pauta.
TABELA 1 – As orientações que você recebe sobre o seu trabalho são claras e objetivas?
Alternativa
Sempre
Absoluto
Relativo
10
27,78%
Quase sempre
8
22,22%
Raramente
6
16,67%
Nunca
3
8,33%
Não tenho opinião
9
25,00%
Total 36
100%
Fonte: pesquisa realizada pelos autores.
Conforme observado na tabela 1, dos 36 colaboradores que participaram da
aplicação do questionário, 10 pessoas entenderam que as orientações recebidas sob seu
trabalho eram claras e objetivas, enquanto que 8 acharam que nem sempre as orientações
são claras, 6 responderam que raramente entendem, 3 compreenderam que nunca as
orientações são objetivas e finalizando, 9 não opinaram.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
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TABELA 2 – Na sua equipe de trabalho, pontos de vista divergentes são debatidos antes de se tomar uma decisão?
Alternativa
Absoluto
Relativo
Sempre
4
11,11%
Quase sempre
9
14,29%
Raramente
2
5.56%
Nunca
16
44,44%
Não tenho opinião
5
13,89%
Total 36
100%
Fonte: pesquisa realizada pelos autores.
De acordo com a tabela 2, constatou-se que as opiniões acerca do debate de
pontos divergentes dentro da equipe de trabalho variaram significativamente. Dos 36
colaboradores que participaram da aplicação do questionário, 4 pessoas entenderam que
os pontos de vista divergentes são sempre debatidos entre os integrantes da equipe de
trabalho, enquanto que 9 acharam que nem sempre esses pontos de vista são debatidos,
2 responderam que raramente há debate, 16 compreenderam que nunca debateram as
divergências encontradas no grupo e finalizando, 5 não opinaram.
TABELA 3 – Os gestores da organização têm interesse no bem-estar dos funcionários?
Alternativa
Absoluto
Relativo
Sempre
7
19,44%
Quase sempre
5
13,89%
Raramente
2
5,56%
Nunca
19
52,78%
Não tenho opinião
3
8,33%
Total 36
100%
Fonte: pesquisa realizada pelos autores.
Em consonância ao apresentado na tabela 3, 7 colaboradores entenderam que os
gestores da organização têm interesse no bem-estar da equipe de trabalho, enquanto que
5 acharam que nem sempre há este interesse por parte da alta direção. 2 responderam
que raramente os gestores demonstram interesse. 19 pessoas compreenderam que nunca
perceberam determinado grau de preocupação dos gestores do Riograndense Futebol
clube com o bem-estar dos colaboradores e finalizando, 3 não opinaram.
46
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
TABELA 4 – Você recebe o reconhecimento devido quando realiza um bom trabalho?
Alternativa
Absoluto
Relativo
Sempre
1
2,78%
Quase sempre
15
41,67%
Raramente
3
8,33%
Nunca
17
47,22%
Não tenho opinião
0
0,%
Total 36
100%
Fonte: pesquisa realizada pelos autores.
Em relação ao reconhecimento devido quando a equipe obtém um bom desempenho
dentro do ambiente de trabalho, a tabela 4 demonstra que dos 36 colaboradores que
participaram da aplicação do questionário, 1 deles entendeu que sempre recebeu o
devido reconhecimento, enquanto que 15 acharam que nem sempre são reconhecidos
pelo bom desempenho alcançado. 3 deles responderam que raramente existe alguma
forma de reconhecimento, já 17 colaboradores compreenderam que nunca obtiveram
o devido reconhecimento pelo bom trabalho desempenhado.
TABELA 5 – Você se sente a vontade para falar abertamente a respeito do trabalho com seu superior imediato?
Alternativa
Absoluto
Relativo
Sempre
8
22,22%
Quase sempre
4
11,11%
Raramente
12
33,33%
Nunca
5
13,89%
Não tenho opinião
7
19,44%
Total 36
100%
Fonte: pesquisa realizada pelos autores.
Os resultados levantados pela tabela 5 explana que 8 colaboradores entenderam
que se sentem a vontade para falar abertamente a respeito do trabalho com seu
superior imediato, enquanto que 4 acharam que quase sempre se sentem a vontade. 12
colaboradores responderam que raramente sentem-se a vontade em explanar abertamente
sobre o seu trabalho ao superior imediato. Já 5 pessoas compreenderam que nunca se
sentiram aptos e dispostos a debater assuntos relevantes ao trabalho com seus superiores
e finalizando, 7 não opinaram.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
47
TABELA 6 – Você tem ideia clara sobre o resultado que o seu superior imediato espera do seu trabalho?
Alternativa
Absoluto
Relativo
Sempre
7
19,44%
Quase sempre
7
19,44%
Raramente
2
5,56%
Nunca
3
8,33%
Não tenho opinião
17
47,22%
Total 36
100%
Fonte: pesquisa realizada pelos autores.
Reportando-se a percepção clara do colaborador em relação ao desempenho
esperado pelo superior imediato no ambiente de trabalho, a tabela 6 evidencia que sete
deles possuem visão clara dos objetivos esperados por seu superior na organização,
enquanto que outros sete acharam que quase sempre estes objetivos são claros. Dois
colaboradores responderam que raramente os objetivos esperados pelo superior imediato
no ambiente de trabalho são claros. Três pessoas compreenderam que os resultados
esperados pela alta direção do Riograndense Futebol Clube não são claros e dezessete
deles não opinaram.
TABELA 7 – O seu superior imediato incentiva o trabalho em equipe?
Alternativa
Absoluto
Relativo
Sempre
15
41,67%
Quase sempre
19
52,78%
Raramente
2
5,56%
Nunca
0
0%
Não tenho opinião
0
0%
Total 36
100%
Fonte: pesquisa realizada pelos autores.
Considerando o incentivo despendido pelos superiores imediatos à equipe de
trabalho, a tabela 7 demonstra que quinze colaboradores reconhecem que sempre
foram incentivados pelos gestores da organização, enquanto outros dezenove acharam
que quase sempre são incentivados. Dois colaboradores responderam que raramente
são incentivados no ambiente de trabalho e para as duas últimas opções não houve
respostas.
48
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
TABELA 8 – Você é recompensado quando apresenta excelentes desempenhos?
Alternativa
Absoluto
Relativo
Sempre
0
0%
Quase sempre
0
0%
Raramente
15
41,67%
Nunca
16
44,44%
Não tenho opinião
5
13,89%
Total 36
100%
Fonte: pesquisa realizada pelos autores.
Num panorama geral sobre a gratificação por excelentes resultados alcançados, a
tabela 8 explica que nenhum dos colaboradores apontou que sempre ou quase sempre
é recompensado. Entretanto, quinze pessoas compreenderam que raramente são
recompensadas belo bom desempenho alcançado no ambiente de trabalho. Dezesseis
colaboradores apontaram que nunca foram recompensados pelos bons desempenhos
e cinco deles não opinaram.
TABELA 9 – Seu superior imediato é receptivo às sugestões de mudança?
Alternativa
Absoluto
Relativo
Sempre
11
30,56%
Quase sempre
18
50,00%
Raramente
3
8,33%
Nunca
1
2,78%
Não tenho opinião
3
8,33%
Total 36
100%
Fonte: pesquisa realizada pelos autores.
Partindo-se dos dados levantados na tabela 9, dos 36 colaboradores que
participaram da aplicação do questionário, 11 pessoas entenderam que seu superior
é receptivo às sugestões de mudança, enquanto que 18 acharam que nem sempre os
gestores recebem suas ideias de forma receptiva. 3 colaboradores ainda responderam
que raramente suas sugestões são bem aceitas, enquanto que as de 1 colaborador nunca
foram aceitas pelos superiores. Finalizando, 3 pessoas não opinaram.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
49
TABELA 10 – Em sua opinião, para a melhor divulgação e comunicação da diretoria, funcionários e demais integrantes da equipe do clube, qual o canal de mais fácil acesso e preferência?
Alternativa
Absoluto
Relativo
MSN
2
5,56%
Orkut
0
0%
Murais
5
13,89%
Informativos do clube
21
58,33%
Torpedos SMS
0
0%
Twitter
2
5.56%
Outros
6
16,67%
Total 36
100%
Fonte: pesquisa realizada pelos autores.
Conforme a tabela da questão 10 percebe-se que do total de respostas obtidas, vinte
e uma se deram na escolha pelo informativo do clube e cinco escolheram os murais,
seis optaram por outros modelos de comunicação, que engloba reunião, comunicado
direto para cada jogador. Essa opção outros, é parte que deveria ser feita pelo gestor
de Recursos Humanos da organização.
A seguir têm-se as análises das tabelas e questões desenvolvidas e esplanadas
acima, o quadro com as principais variáveis apuradas nas tabelas e suas respectivas
respostas conforme parametrização descrita no capítulo da metodologia.
TABELA 11 – Apresentação das variáveis.
Variáveis
Satisfatório
Orientações
Insatisfatório

Discussão/debate

Interesse

Reconhecimento

Comunicação individual

Transparência

Incentivo

Recompensa
Sugestões


Fonte: pesquisa realizada pelos autores.
Quanto à última questão, por ser de opção variada, sendo a mesma uma pergunta
aberta, não se tabulou uma variável específica. Conforme pode ser visto na tabela 10,
a mesma aponta mais de uma resposta, e tem apenas caráter informativo no que tange
as redes sociais na comunicação. O exposto acima permite tecer algumas teorias sobre
a percepção em relação à qualidade das relações entre empregador e trabalhador.
50
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
Verifica-se que, permeia a organização a insatisfação proveniente da falta de apoio
e reconhecimento dos colaboradores, os debates e ou discussões perante assuntos de
relevância bem como a inexistência de recompensas. Essas podem ser financeiras, ou
ainda, de cunho de reconhecimento.
Contudo, ainda se tem como satisfatórios os quesitos de sugestões, incentivo a
equipe pelo superior direto (nesse caso é o técnico) e transparência no instante do que
se espera de cada um dos mesmos. Dessa forma entende-se que mesmo sendo mínima,
a comunicação em algumas linhas é existente.
A segunda análise está relacionada à entrevista já mencionada nesse estudo, que,
de conformação com a etapa I, comprovou a ineficiência nas linhas de staff.
O autor Tzu (1996) faz menção aos pontos fortes e fracos, enfatizando que se
deve procurar o maior ponto fraco e atacá-lo com o maior ponto forte. É sabido que
hoje, a guerra não esta mais relacionada apenas ao mundo bélico, ou, a grandes nações,
atualmente a maior guerra encontra-se nas empresas. As mesmas disputam ambiente,
clientes, melhores condições de trabalho e espaço na mídia.
Da mesma forma, a guerra está na disputa entre os melhores colaboradores, nesse
caso, os melhores jogadores. Assim, pode-se afirmar que para reter talentos, e, fazer deles
um ponto forte na organização, é necessário mantê-los informados e motivados.
4.2 Etapa II – Entrevistas
Nessa etapa, procurou-se, ao entrevistar, utilizar de comunicação simples,
direta, mais acessível possível e com perguntas que não auferissem duplo sentido,
possibilitando assim, a obtenção de respostas claras e objetivas.
Com relação aos entrevistados, foram utilizadas letras para identificar os
colaboradores, números para coligar os diretores e o caractere ® Registered Sign para
os simpatizantes que por mais tempo permanecem em contato com ambas as partes da
organização. As entrevistas seguiram um roteiro de dez questões abertas, sendo que
algumas obtiveram mais de uma resposta, buscando assim um comparativo entre os
colaboradores, diretores e demais presentes na organização.
Deu-se início as entrevistas, partindo-se da variável orientação, sendo essa em
relação ao trabalho desenvolvido. O entrevistado A, ao ser indagado sobre a facilidade
em entender as ordens recebidas oriundas do escalão maior, respondeu que: “a gente
faz o que pode, nem sempre se acerta, a gente tenta”. Ainda para o mesmo entrevistado,
perguntou-se se os meios informativos do Riograndense funcionam? Obteve-se a
resposta de que: “não existe jornal, nem panfleto, nada disso, a gente “tá” sempre por
aqui. Um liga pra o outro”. Partiu-se para a variável relacionada aos informativos da
organização estudada, obtendo-se a seguinte resposta: para o entrevistado B, em relação
à questão sobre os informativos, o mesmo afirma que: “nada do que foi falado pela
senhora aqui adiantou, e era isso”.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
51
Na variante relacionada a mudanças, questionado sobre as sugestões da mesma,
ou seja, se existia aceitação e boa recepção das ideias, o entrevistado 2 relatou que: “que
mudança que nada, jogador é uma raça braba, nada “tá” bom nunca”. Para o entrevistado
3, a resposta foi: “não se pode dar muita “cancha” porque ficam mal acostumados”. E
o entrevistado ® concordou dizendo: “faço da resposta dele a minha, e tenho dito”.
No quesito relacionado à recompensa e ou reconhecimento perante conquista de
bons resultados, o entrevistado D respondeu: “tomara ter o dinheiro na mão no final
do mês, imagina recompensa”. Perguntado se existe abertura para falar a respeito de
trabalho ao superior imediato, o entrevistado 5 afirmou explicitamente que: “sim, com
certeza, nunca tivemos problemas com isso”. Já os entrevistados D, E, F preferiram
não comentar, e os entrevistados A e C desabafaram: “capaz, a gente nem fala nada
“meu”, a coisa funciona como dá, eles fazem o que podem”. Contudo, o entrevistado 1
afirma: “estamos passando por uma excelente fase, os salários estão em dia, nada está
atrasando e com a ótima campanha estamos mantendo o bom andamento do clube. As
acomodações estão melhores, refeições fartas, tudo para que se contemple o retorno à
série A esta sendo feito”.
Indagado se existe clareza sobre o resultado que o superior imediato espera do
trabalho desenvolvido, o entrevistado E relatou que: “a gente sabe o que se deve fazer
em campo, só que nem sempre dá certo”. O entrevistado C declarou: “nem quero falar
nada, deixa quieto”, e os entrevistados F e G preferiram não responder retirando-se do
local. Questionado o entrevistado 3 afirmou: “eles sabem o que tem de fazer, se não
fazem é porque não querem”. Já o entrevistado 4 complementou: “porque tu achas
que eles não sabem o que se espera deles? Eles sabem que o negócio é jogar para
ganhar e que tem que se fazer de tudo em campo para isso, se não fizer... Tem que dar
o sangue!”.
Propositalmente, a questão do incentivo foi direcionada, a fim de se obter maiores
esclarecimentos. Quando perguntado se o superior imediato incentiva o trabalho em
equipe, o que vem a corroborar diretamente com a pergunta 7 do questionário, obtevese de um grupo de entrevistados a resposta a seguir: “claro, ainda mais agora com o
Bebeto a gente se acerta”.
Abordou-se a participação da equipe de trabalho no que diz respeito às diferenças
de opiniões e se as mesmas são discutidas antes da decisão final. O entrevistado F
declarou “mas nem se sabe o que acontece como se vai falar”, já o B ao ser ouvido disse
“capaz mesmo”, o entrevistado ® mencionou “aqui só se sabe o que é preciso; o resto é
o resto”, o entrevistado 1 citou que “tem episódios que não se pode levar adiante para
não haver interferência alheia, nem tudo pode ser tratado com o grande grupo. Tem-se
que observar bem o que se debate e com quem o se faz, impedindo dessa forma que
passe a existir maiores adivinhações.
Indagou-se sobre o bem-estar dos funcionários, se os diretores do Riograndense
mostram interesse, o entrevistado H avalizou: “não mesmo. É só olhar o vestiário pra
ver como é”. Já ouvindo o entrevistado C, o mesmo afiançou: “eu tenho casa, mas tem
colega que dorme aqui e parece uma “porquice” e falta tudo, ainda que tem isso “né”?”.
52
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
Para o entrevistado 5, a resposta foi: “nós fazemos o melhor possível para manter um
lugar bom, sossegado, a gente sabe que não é o melhor, mas é o que o clube tem como
manter e oferecer”.
Encerrando as entrevistas, questionou-se o que deveria ser feito por parte da
organização para que houvesse melhores condições de trabalho e que maior eficácia
na comunicação a fim de que as mensagens dos emitentes fossem melhores recebidas
e entendidas pelos receptores, e a resposta foi praticamente unânime: “parar com
“frescuras” e tratar a gente como igual”.
A insatisfação é fortemente percebida, porém, é tácita também a existência de
boicotes por parte dos colaboradores, boicotes esses que acarretam problemas na
organização. Problemas que podem conduzir a perda de jogos, desclassificação do
Riograndense nos campeonatos, rebaixamento da divisão atual para uma inferior, perda
de patrocinadores entre outros de maiores efeitos e consequências.
É possível intuir que tais problemas, podem e são ocasionados devido a equívocos
na comunicação, que abarcam o lado emissor e o receptor. Dessa forma, pode-se
perceber a importância de uma comunicação eficaz. A eficácia da mesma desempenha
dentro da organização, um divisor de águas, ou seja, proporciona vitorias e conquistas,
ou, perdas e derrotas.
Encerradas as análises anteriores, parte-se para a fase comparativa.
4.3 Etapa I x Etapa II
Após a análise das etapas, passa-se para o quadro comparativo (Quadro 1) entre
ambas, demonstrando com as mesmas variáveis trabalhadas, os pontos que foram
melhorados, ou não, posteriormente as ações que foram sugeridas e implementadas.
QUADRO 1 – Apresentação das variáveis – Comparativo entre as etapas 1 e 2.
Etapa 1
Variáveis
Orientações
Satisfatório
Etapa 2
Insatisfatório
Satisfatório

Insatisfatório

Discussão / Debate


Interesse


Reconhecimento


Comunicação individual


Transparência

Incentivo

Recompensa
Sugestões






Fonte: elaborado pelos autores.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
53
Percebe-se no quadro comparativo das etapas 1 e 2, que apenas a variável incentivo
(do técnico) manteve-se satisfatória, sendo que as variáveis discussão e debate, interesse,
reconhecimento e comunicação individual regrediram, passando de satisfatórias para
insatisfatórias. A variável sugestão passou de satisfatória para insatisfatória, sendo que
as demais seguiram como sendo insatisfatórias.
É perceptível a desmotivação e falta de comprometimento dos colaboradores
junto à organização. O clima desfavorável deve-se a falta de políticas salariais,
bônus, incentivos extras, melhores acomodações, reconhecimento, e, principalmente
a ineficiência comunicacional. Erros de comunicação entre o emissor e o receptor,
acarretam desprazer, aborrecimento, boicote, entre outros problemas que atingem toda
a esfera de uma empresa.
No instante em que se deseja manter um relacionamento de imparcialidade, que
abarque a todos sob o mesmo guarda-chuva, que se mantenha unida toda uma equipe,
a fim de seguir-se em equilibrada sintonia, alçando assim vitórias e conquistas, a
comunicação é peça chave para o sucesso. Logo, entende-se que no Riograndense a
comunicação, ou falta dela, afeta e significantemente a organização.
5 PLANO DE AÇÃO
Diante do estudo desenvolvido no Riograndense Futebol Clube, pode-se perceber
itens a serem trabalhados de melhor maneira, a fim de que a organização consiga
equilibrar-se de forma eficaz. Para tanto, são descritas a seguir, as ações propostas, em
relação aos problemas e melhorias que devem ser implantados no Riograndense.
Manual descrição de cargos e funções
Existem cargos que são ocupados por pessoas que não tem o conhecimento,
estudo, e, ou, habilidades para ocupá-los. Percebeu-se esse problema em mais de uma
função.
Sugere-se a elaboração de um manual de cargos e funções, a fim de que no
instante de uma nova contratação, possam ser observados os requisitos mínimos para
o cargo oferecido. Dessa forma, problemas futuros podem ser evitados, mantendo-se
assim uma padronização.
Organograma
Verificou-se problemas de comunicação entre os envolvidos na administração
da organização em estudo.
Alguns desses problemas deram-se, devido ao organograma antigo não ser mais
consultado. O mesmo é confuso e extenso. Alguns cargos já não existem mais, e outros
novos foram criados no passar dos anos.
54
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
Assim, desenvolveu-se um novo organograma para o Riograndense, que já está
em uso pela organização, moderno e funcional.
Jornal informativo
Com a proposta de melhor gerir as informações, propõe-se que seja instituído um
jornal informativo. Esse deverá conter as informações atualizadas da organização, bem
como normas, datas de aniversário, dias de jogos, treinos e demais informações que
forem julgadas necessárias para melhor comunicação e entendimento dos colaboradores,
direção e demais frequentadores do Riograndense.
Setor Recursos Humanos
Em virtude do alto índice de insatisfação e equívocos comunicacionais, percebidos
e apurados na etapa 1, e comprovados na etapa 2, sugere-se a contratação de um
profissional especializado no setor de Recursos Humanos. O mesmo, com as habilidades
e conhecimento desejado, promoverá na organização, a solução de conflitos existentes,
bem como evitará o surgimento de novos problemas nesse quesito.
Pagamento de verbas
O descontentamento dos colaboradores, no que diz respeito às verbas trabalhistas,
é percebido na maioria.
Acredita-se, que se os direitos salariais forem pagos no dia correto, evitar-se-á
o surgimento de fatores desmotivacionais, que, por conseguinte atrapalharão o bom
andamento da organização.
Comunicação acessível
Toda organização deve manter em sua estrutura, datas de reuniões e uma pessoa
responsável por esclarecer as dúvidas dos colaboradores.
A comunicação usada entre todos dentro do Riograndense, deve ser clara e
objetiva. A alta administração deverá usar de linguagem de fácil entendimento, visto
que, nem todos detêm da mesma capacidade intelectual.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estabeleceram-se parâmetros para a condução desse trabalho, bem como objetivos
delineados e pesquisados, no intuito de arguir dificuldades e propor melhorias. O
problema em estudo instigou se: a comunicação interna afeta o clima organizacional
do Riograndense Futebol Clube? Assim, desenvolveu-se um roteiro de estudo, onde se
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
55
entrevistou pessoas diretamente e indiretamente ligadas a organização. Foram aplicados
questionários no intuito de apurar respostas límpidas e transparentes para os objetivos
delineados nesse estudo.
Após o término deste estudo, pode-se afirmar que foram diagnosticados problemas
de comunicação no Riograndense, o que responde o primeiro objetivo desse trabalho.
Com o resultado do questionário e das entrevistas, ficou claro que se conseguiu estudar
o clima organizacional entre os jogadores e sua relação com a diretoria, atendendo assim
o segundo objetivo sugerido. Dessa forma, foi proposto um plano de ação para sanar
as deficiências detectadas e preencher as lacunas encontradas no decorrer do trabalho
no Riograndense. Sendo que alguns itens já estão prontos e em andamento.
Os resultados obtidos nesse estudo foram avaliados, explorados e em conformidade
com as possibilidades dessa organização, desenvolveram-se medidas necessárias a fim
de reabilitar a mesma nos problemas detectados. Pode-se afirmar que os objetivos foram
alcançados, que houve colaboração quase que plena da alta diretoria, dos colaboradores
e demais membros dessa associação. Encontraram-se obstáculos, que foram rompidos na
medida do possível no decorrer do trabalho. Esses se deram devido a forças aleatórias
a organização estudada, porém, os mesmos não impediram a continuidade da tarefa
proposta.
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OLIVEIRA, M. C. K. Indivíduo, trabalho e organização. Canoas: ULBRA, 2006. 77p.
(Caderno universitário; 316)
56
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
PEREIRA, C. A. et al. A gestão estratégica de clubes de futebol: uma análise da
correlação entre performance esportiva e resultado operacional. In: ENCONTRO DE
PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE, 2003, São Paulo. III
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REGO, F. G. T. Comunicação empresarial, comunicação institucional. São Paulo:
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ROBBINS, P. S. Comportamento organizacional. São Paulo: Pearson Prentice Hall,
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SOUZA, E. L. P. de. Clima e cultura organizacionais: como se manifestam e como
se manejam. São Paulo: Edgard Blücher; (Porto Alegre): Programa de Pós-graduação
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TZU, S. A arte da guerra. Coleção Leitura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
57
Circuito da cultura verde:
apontamentos sobre o marketing
verde e novos valores culturais
Raquel Amsberg de Almeida
Camilo Darsie
Cristianne Maria Famer Rocha
RESUMO
A partir das diversas discussões que envolvem a ideia de desenvolvimento sustentável,
têm tomado forma, nas últimas décadas, novas dinâmicas sociais, bem como novos valores
culturais. Entre tais transformações, pode ser apontado o surgimento de novas lógicas ligadas à
utilização de recursos naturais e às práticas de produção de bens de consumo. Além disso, essas
práticas de produção sustentáveis têm sido aproveitadas não apenas no âmbito da produção, mas,
principalmente, como diferenciais no que se refere à criação e divulgação de campanhas publicitárias
que visam promover tais marcas e seus produtos. Assim, o que se propõe no texto apresentado
aqui é uma reflexão acerca do atual fortalecimento de tais ideias, impulsionado pela aproximação
entre os princípios do desenvolvimento sustentável, as estratégias de marketing verde e as atuais
discussões acerca das formas como os valores culturais são estabelecidos.
Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável. Marketing Verde. Circuito da Cultura.
Green circuit of culture: notes about green
marketing and new cultural values
ABSTRACT
The various ideas about sustainable development creates, in last decades, new social dynamics
and new culture values. Among such transformations can be appointed the emergence of new logics
related to the use of natural resources and industrial production practices. Moreover, these sustainable
practices of production, have been utilized not only in production of products, but as a differential
with respect to the creation and dissemination of advertising campaigns to promote these labels
and their products. So, is proposed, in this text, a reflection about the current strengthening of such
Raquel Amsberg de Almeida é Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda
(ULBRA). Designer Gráfica na Editora Concórdia. Endereço para correspondência: Rua Domingos Martins, 780
apto. 301. Centro – CEP 92310-190 – Canoas, RS, Brasil. E-mail: [email protected]
Camilo Darsie é Doutorando e Mestre em Educação. Graduado em Geografia. É aluno e pesquisador do Programa
de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Departamento de PósGraduação em Geografia da Universidade de Minnesota. Endereço para correspondência: Rua Cabral, 1317,
apto. 904. Bela Vista – CEP 90440-090 – Porto Alegre / Brasil. E-mail: [email protected]
Cristianne Maria Famer Rocha é Doutora e Mestre em Educação (PPGEDU/UFRGS). Professora Adjunta da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde atua como docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva (PPGCOL/UFRGS) e do Curso de Análise de Políticas e Sistemas de Saúde/Bacharelado em Saúde
Coletiva. Endereço para correspondência: Rua Irmão José Otão, 170 – Apto. 905 – CEP: 90035-060, Porto Alegre,
RS, Brasil. E-mail: [email protected]
Opinio
Canoas
n.28
p.58-72
jan./jun. 2012
ideas approach between the principles of sustainable development, green marketing strategies and
current discussions about the ways in which cultural values are established.
Keywords: Sustainable Development. Green Marketing. Circuit of Culture.
1 INTRODUÇÃO
As atuais discussões sobre desenvolvimento sustentável estão induzindo novos
modos de se pensar a produção econômica, a partir da criação de estratégias alternativas
que possam garantir o desenvolvimento desejado, mas com a adoção de práticas de
produção e de utilização de recursos naturais de maneira ecologicamente correta.
Entre as transformações que estão ocorrendo, pode-se indicar o surgimento de
novas práticas de produção de bens de consumo (sobretudo em relação à utilização de
recursos naturais), que diversas marcas têm sido, de certo modo, condicionadas a se
submeterem como forma de garantirem espaço nos mercados locais e, em muitos casos,
globais. Além disso, essas práticas de produção sustentáveis têm sido aproveitadas
não apenas no âmbito da produção, mas, principalmente, como diferenciais no que
se refere à criação e divulgação de campanhas publicitárias que visam promover tais
marcas e seus produtos.
Essa tendência oportunizou o estabelecimento de técnicas de marketing
conhecidas como marketing verde – entre outros nomes utilizados para designar estas
práticas – que podem ser tomadas como ferramentas eficazes no que diz respeito
ao delineamento de novos valores culturais ligados à preservação da natureza, bem
como ao consumo de produtos. Assim, o que se propõe no texto que segue é uma
reflexão acerca do fortalecimento de tais ideias, a partir da aproximação entre os
princípios do desenvolvimento sustentável, as estratégias de marketing verde e as
atuais discussões acerca das formas como os valores culturais são estabelecidos na
sociedade contemporânea.
Para tanto, será apresentado uma breve explanação sobre o surgimento das
preocupações ligadas ao tema, seguido de uma apresentação sobre as noções de
sustentabilidade e de desenvolvimento. Logo após, serão discutidos os fundamentos das
estratégias de marketing verde e, dando continuidade, serão apontadas algumas reflexões
sobre as formas como tais elementos se tornaram tendências culturais, que se mantém
fortemente e se inserem em algo chamado aqui de “circuito da cultura verde”.
2 EMERGÊNCIA DAS PREOCUPAÇÕES COM O MEIO
AMBIENTE
Conforme aponta Blainey (2009), a primeira Revolução Industrial, também
conhecida como Revolução Industrial Inglesa, foi um acontecimento que alterou
significativamente os modos de vida das sociedades europeias e, na sequência, das
sociedades em nível mundial. Além disso, ela ajudou a constituir os moldes das relações
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
59
econômicas – e dos processos de produção de bens de consumo – que deram origem
às dinâmicas de mercado que conhecemos atualmente.
O autor refere que a partir dos primeiros esforços para aumentar a fabricação
de produtos, em quantidades até então indisponíveis, os proprietários das indústrias
puderam aumentar, também, a acumulação de capitais, fato que deu origem a novas
técnicas e a novos aparatos tecnológicos que garantiram um crescimento progressivo
relacionado à fabricação e à criação de diversos produtos. A partir disso, fortificou-se
a ideia de que o homem poderia se tornar independente das forças da natureza para
realizar as suas tarefas produtivas e, ainda, de que esta seria uma fonte quase inesgotável
de recursos para as necessidades humanas.
É importante ser destacado que esta situação não deve ser considerada o primeiro
episódio em que a espécie humana interferiu – de forma mais contundente – sobre os
fenômenos naturais. Nesta direção, cabe lembrar que muito tempo antes da Revolução
Industrial, partindo de uma visão antropocêntrica, as diversas sociedades buscaram
reordenar elementos da paisagem natural que, de certo modo, representavam um
contraponto à noção de civilização. Gregos e romanos, por exemplo, construíram cidades
e criaram dinâmicas urbanas a partir do controle dos elementos naturais – florestas,
rios, pântanos, etc. – os quais eram, na medida do possível, modificados com o objetivo
de se amenizar situações que pusessem em risco os padrões estéticos, organizacionais
e salutares da época (DIAMOND, 2011; SANTOS, 2009; ALIATA; SILVESTRINI,
2008; MACHADO; RIPOLL, 2008; TUAN, 2005).
No entanto, o que diferenciou esse momento dos anteriores, no que se refere ao
uso e à manipulação da natureza, foi a capacidade – e a necessidade – de intervenções
cada vez maiores e mais bem sucedidas, do ponto de vista de quem buscava por
recursos, para dar conta de sustentar a crescente produção industrial. A utilização em
larga escala de matéria prima e de fontes de energia foi intensificada como forma de
suprir as novas necessidades industriais, provocando profundas alterações no meio
ambiente natural (DIAS, 2005). Além disso, as cidades industriais foram acometidas
por consequências relacionadas ao crescimento da produção e do número de habitantes
que impactaram o meio natural, quais sejam, a poluição dos rios e do ar, a devastação
de áreas verdes, a proliferação de doenças, entre outros. Tais questões, com o passar
dos anos, deram início a uma série de preocupações ligadas à manipulação ambiental
e ao desenvolvimento econômico de forma a se estabelecer atividades que causassem
impactos mais amenos sobre as vidas das populações e sobre a natureza (DIAMOND,
2010; BLAINEY, 2009; MUMFORD, 2001).
Nesta direção, pode ser dito que em meados da década de 1960, começaram a
se tornar mais significativas e mais estruturadas as discussões que, até os dias de hoje,
articulam os temas da economia e do meio ambiente. Conforme refere Dias (2006), três
acontecimentos devem ser considerados fundamentais no que diz respeito ao início dos
debates em nível internacional sobre o que chamamos de sustentabilidade ambiental: a
formação do Grupo de Roma, a Conferência Intergovernamental de Especialistas sobre
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Opinio, n.28, jan./jun. 2012
as Bases Científicas para Uso e Conservação Racionais dos Recursos da Biosfera e a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano.
O Grupo de Roma foi formado em 1968, a partir de cientistas, industriais,
políticos e representantes da sociedade civil, que se reuniram na cidade que nomeou
o Grupo, em prol da criação de alternativas de produção menos danosas ao meio
ambiente. Os objetivos dessas pessoas incluíam, principalmente, discussões acerca de
questões relacionadas ao crescimento econômico e à utilização dos recursos naturais
de forma moderada. Neste mesmo ano, organizada pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), ocorreu em Paris, a
Conferência Intergovernamental de Especialistas sobre as Bases Científicas para Uso
e Conservação Racionais dos Recursos da Biosfera, na qual foram abordados assuntos
exclusivamente ligados à sustentabilidade ambiental, fato que a diferenciou de outras
conferências ocorridas até então (DIAS, 2006). Anos mais tarde, em 1972, realizou-se
a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, também conhecida
como Conferência de Estocolmo, por ter acontecido na capital sueca. Nesta Conferência,
foi elaborado um documento – Declaração do Meio Ambiente Humano – no qual são
indicados os princípios acerca da preservação ambiental que devem ser seguidos pelas
diversas nações associadas à Organização, no sentido de que passassem a ser reguladas
as formas de produção industrial no que se refere aos impactos ambientais.
No entanto, de acordo com Dias (2006), o maior ganho da realização da
Conferência foi tornar visível os desafios que teriam que ser vencidos, pois foi marcante
a contrariedade entre as perspectivas apresentadas pelos países desenvolvidos e pelos
países em desenvolvimento. Enquanto os países desenvolvidos – que contavam com
estruturas industriais já organizadas e em funcionamento intenso – apresentavam
preocupações ligadas aos efeitos da devastação ambiental e propunham estratégias
internacionais voltadas para a conservação dos recursos naturais, os países em
desenvolvimento demonstravam insegurança pelo fato de se encontrarem prejudicados
pela falta de recursos econômicos e pela necessidade de estabelecerem ações de produção
que pudessem reverter esta realidade. Portanto, os países menos industrializados
argumentavam em prol de estratégias de desenvolvimento econômico que pudessem
ser mais ‘rápidas’ em lugar daquelas menos agressivas ao meio ambiente.
A partir disso, outros diversos encontros e conferências, de grande importância,
passaram a acontecer, com a finalidade de se garantir que os princípios fundamentais,
propostos oficialmente em 1972, continuassem sendo lembrados e adaptados às
transformações que ocorriam/ocorrem mundialmente, bem como às diferentes
necessidades das nações envolvidas. No entanto, os posicionamentos relativos ao
apoio ou à contrariedade demonstrados às novas propostas variam significativamente
de acordo com as necessidades específicas, ligadas aos processos industriais, de cada
nação e, portanto, nos dias de hoje, não seria possível identificar facilmente, a partir
dos diferentes níveis de desenvolvimento e de industrialização, quais nações apoiam
determinadas práticas em detrimento de outras (SANTOS, 2004).
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
61
Cabe lembrar, no entanto, que os debates e as discussões ocorridos em tais
eventos foram e são promovidos devido à necessidade de se pensar e de se praticar
atividades que garantam o desenvolvimento das nações de forma sustentável. Dessa
forma, as discussões realizadas buscam garantir a diminuição dos estragos em nível
ambiental, ao mesmo tempo em que consideram fundamental a necessidade de se
assegurar o desenvolvimento econômico dos mais diversos países. Por este motivo,
é importante compreender as noções de desenvolvimento e de sustentabilidade que
envolvem tais discussões. Na próxima seção, serão apresentados alguns apontamentos
sobre tais conceitos que são centrais no contexto dos discursos sobre desenvolvimento
sustentável.
3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SEUS
PRINCÍPIOS
Partindo-se de uma visão mais próxima dos ideais modernos, pode-se dizer que
uma nação desenvolvida seria aquela que conseguisse alcançar certo nível de progresso
econômico. Esse progresso seria medido, por exemplo, pelo produto nacional bruto
ou pela renda per capita. A partir desta perspectiva, aspectos como equidade social,
distribuição dos frutos do crescimento econômico entre toda a sociedade, ou qualidade
ambiental não seriam contemplados (GUTBERLET, 1998). Contudo, é importante
se atentar para o fato de que este conceito – desenvolvimento – foi sendo alterado a
partir dos impasses ocasionados pela articulação entre as preocupações ligadas a ele e
à necessidade de se adotar práticas que levem em conta a noção de sustentabilidade.
Assim, nas discussões mais recentes, podem ser apontadas ao menos cinco
dimensões associadas à ideia de desenvolvimento: a dimensão social, a dimensão
econômica, a dimensão espacial, a dimensão cultural e a dimensão ecológica
(GUTBERLET, 1998; SACHS, 1993). Pensar em desenvolvimento, atualmente,
significa levar em consideração aspectos ligados à melhoria da qualidade de vida das
sociedades, a partir de indicadores mais amplos do aqueles meramente econômicos,
ou seja, é preciso considerar os indicadores socioculturais (saúde, educação, emprego,
entre outros). Associado a isso, significa, também, fazer investimentos no progressivo
aumento dos indicadores econômicos como forma de se oportunizar a melhoria das
taxas relativas às diversas áreas ligadas ao bem-estar das populações.
Além disso, é importante, ao se pensar em desenvolvimento na contemporaneidade,
direcionar olhares sobre estratégias ligadas à organização dos espaços urbanos e rurais,
de modo a se garantir a qualidade dos processos produtivos e, neste contexto, a
preservação das identidades culturais locais, bem como a aproximação destas ao nível
global. Por último, e foco deste texto, torna-se fundamental levar em conta os impactos
que tais questões – considerando que todas elas devem ser pensadas e operadas de
forma articulada – podem exercer sobre a natureza.
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Afinal, a operacionalização e a própria constituição dessas dimensões (sociais,
econômicas, culturais, ambientais) estão ligadas à ideia de sustentabilidade que, segundo
Dias (2001), deve ser entendido como uma característica, de um processo ou estado,
que pode manter-se indefinidamente. Para Rosa (2007), sustentabilidade é o resultado
de um processo histórico que passou a questionar a produção industrial bem como a
organização das sociedades industriais. Este autor refere ainda que tal conceito foi
originado na área dos estudos ecológicos e ainda precisa ser, de fato, incorporado de
forma mais responsável pelas sociedades para que possa gerar resultados efetivamente
positivos. A partir disso, condutas moderadas, relacionadas à utilização dos recursos
naturais, poderiam vir a garantir que a espécie humana aproveite os benefícios da
natureza, desfrute dos benefícios do desenvolvimento econômico, eleve os níveis de
qualidade de vida, entre outras coisas, sem que seja necessário extinguir os recursos
naturais e, consequentemente, a própria espécie (SCHWEIGERT, 2007).
Neste contexto, emerge uma outra noção muito importante, a do desenvolvimento
sustentável, que postula que as práticas desenvolvimentistas precisam respeitar os
limites do meio ambiente, sendo manejadas de forma sustentável. É preciso, para isto,
se encontrar uma forma de desenvolvimento que se mantenha indefinidamente, ou seja,
que não prejudique o meio ambiente a ponto de esgotar seus recursos e que não cause
prejuízos econômicos (SCHWEIGERT, 2007; SACHS, 1993).
Sobre isso, Camargo (2003) explica que o desenvolvimento sustentável consiste
em um processo no qual a exploração dos recursos naturais, o uso de ferramentas
tecnológicas e o direcionamento de investimentos é feito a partir de estratégias que
levem em conta o presente e o futuro. Nesta direção, é fundamental criar novas
organizações produtivas e novas formas de entendimento a respeito do processo de
produção como um todo, pois deve-se levar em conta os impactos positivos, bem
como aqueles negativos, que envolvem a exploração, a reposição e o gerenciamento
de matéria prima utilizada para produção de bens de consumo. A partir disso, ainda
segundo Camargo (2003), é possível se contemplar, de forma mais inteligente e mais
segura, as necessidades humanas.
Tais questões estão se tornando, cada vez mais, foco de atenção e investimento de
empresários contemporâneos, pois além de assegurarem as condições de produção e de
manutenção das próprias indústrias, elas se configuram, de certa forma, como um dos
incentivos ligados à oferta de produtos em escala mundial. Afinal, a adoção de práticas
ecológicas sustentáveis, dada a sua importância na ordem discursiva mundial, garantem
uma importante estratégia de marketing junto aos possíveis clientes que se preocupam
com a preservação da natureza. Tais questões têm se tornado mais significativas de
alguns anos para cá, e pode ser argumentado que são resultado da aproximação entre
os discursos resultantes das preocupações com o meio ambiente e aquilo que passou
a ser chamado de marketing verde, ou seja, as estratégias publicitárias que diferentes
marcas passaram a utilizar ao se inserirem nestas discussões.
Guimarães (2007) argumenta que a adesão às causas ambientais é oportunizada
por produções culturais. Assim, as marcas que adotam este discurso (e as práticas
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preservacionistas) não apenas colaboram com o meio ambiente, mas também encontram
uma forma de aumentar a venda de seus produtos através do engajamento de seus
consumidores a essas causas. Para melhor elucidar estas práticas, a seguir será feita
uma explanação sobre os princípios do marketing verde para que, na sequência, seja
apresentada uma reflexão sobre a forma como tais assuntos circulam na sociedade atual,
dando forma a uma espécie de cultura de engajamento ecológico.
4 APONTAMENTOS SOBRE O MARKETING VERDE
Nas últimas cinco décadas, houve um grande fortalecimento no que se refere às
preocupações e às ações ligadas ao desenvolvimento econômico e à sustentabilidade
ambiental. Tais esforços moldaram a noção de desenvolvimento sustentável, conforme
conhecemos hoje, e têm oportunizado transformações significativas nas formas de
produção, nos perfis de consumo e, ainda, nas campanhas publicitárias criadas por
diferentes empresas e indústrias que anunciam suas marcas e produtos. Dentre estas
transformações, podemos destacar a emergência do marketing verde, também conhecido
como marketing ambiental, publicidade verde, propaganda verde, entre outros.
Para Johr (1994), operar sobre a perspectiva do marketing verde consiste em
vender produtos a partir de argumentos ecologicamente corretos. O autor refere que
essa estratégia de marketing busca, nas discussões sobre o desenvolvimento sustentável,
argumentos convincentes para atrair clientes e, na medida do possível, adaptar processos
de produção que enfatizem a adoção de tais práticas. Polonsky (1997) argumenta que o
marketing verde não deixa de ser uma estratégia de marketing como qualquer outra, cujo
objetivo é vender produtos, marcas e ideias, mas se diferencia pela operacionalização
de ideias ligadas aos princípios de preservação da natureza e de seus recursos. Além
disso, o autor chama a atenção para o fato de que fazem parte desta estratégia de
vendas, necessariamente, a reformulação de embalagens, as modificações relativas aos
produtos e, principalmente, as diversas alterações que podem ser aplicadas aos seus
processos de fabricação.
Além disso, a noção de marketing verde leva em conta, sobretudo, novas redes
de relacionamento comercial, nas quais as indústrias estabelecem parcerias com
fornecedores, transportadoras, revendedores e outros serviços que compartilhem
os mesmos princípios de sustentabilidade. Não se trata, portanto, de uma estratégia
individual, mas sim coletiva, a partir da qual as redes de colaboração comercial incluem
no processo novas empresas que não estariam engajadas na dinâmica, mas que, em
função da possível perda de mercado, necessitariam reorganizar suas estratégias de
produção e de prestação de serviços (POLONSKY, 1997).
Dashefsky (2001) refere que diversas empresas foram obrigadas, nos últimos anos,
em decorrência da constituição da noção de desenvolvimento sustentável, a adotarem
campanhas publicitárias nas quais são apresentados os esforços e as ações que são
colocados em prática para garantir a preservação do meio ambiente e, da mesma forma,
se manter ou aumentar a simpatia de clientes em relação às suas marcas. De acordo
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Opinio, n.28, jan./jun. 2012
com Teixeira (2007), o principal objetivo desta forma de propaganda é apresentar aos
consumidores a ideia de que os artigos produzidos por determinadas indústrias passam
por processos ecologicamente corretos, ou seja, que são produtos fabricados a partir de
técnicas menos danosas ao meio ambiente. Um outro aspecto a destacar é que a estratégia
de marketing, além de vender os produtos que anunciam, também responsabiliza os
consumidores no que se refere aos preceitos do desenvolvimento sustentável, a partir
das escolhas que faz, implicando-o em uma espécie de consumo consciente.
Dias (2008) e Teixeira (2007), no entanto, referem que o marketing verde consiste
em um conjunto de políticas e estratégias de comunicação que são pensadas para se
obter uma vantagem de venda para os produtos ou serviços em relação às marcas
concorrentes. Portanto, muito mais do que uma preocupação ligada aos princípios do
desenvolvimento sustentável, essa forma de publicidade tem como eixo a sensibilização
dos consumidores a partir de um apelo que fortalece a participação destes no que tange
à preservação dos recursos naturais e os incentiva a consumir tais produtos – por vezes
mais caros – em detrimento de outros.
É importante destacar, além disso, que apesar de diversas pesquisas indicarem um
aumento no número de consumidores que se importam com tais questões no momento
em que adquirem um produto qualquer, as empresas precisam considerar também o
grande número de consumidores que não parecem se preocupar com isto. Assim, antes
de elaborarem qualquer estratégia de marketing verde, as indústrias precisam levar
em conta os interesses de seus potenciais clientes e, se for necessário, engajá-los nos
princípios de desenvolvimento sustentável (TEIXEIRA, 2007).
Por outro lado, considerando-se que os processos de produção ecologicamente
sustentáveis demandam custos maiores do que aqueles que não seguem os preceitos
da sustentabilidade, as estratégias de venda desses produtos necessitam convencer
os consumidores no que se refere ao pagamento de valores maiores em prol da
sustentabilidade (TEIXEIRA, 2007; SCARPINELLI; RAGASSI, 2003).
Nesta direção, Scarpinelli e Ragassi (2003) apontam que um dos propósitos do
marketing verde é pautado na reeducação da sociedade a partir de iniciativas oriundas
de indústrias e empresas privadas, de órgãos estatais e de organizações diversas. Para
esses autores, os programas de conscientização oferecidos pelas diversas marcas
que fazem uso do marketing verde servem como uma importante ferramenta para a
transformação social, pois inserem os sujeitos no centro das ações de preservação
ambiental. Para eles, assim como para Rosa (2007), tais ações, mesmo que inseridas
em uma lógica de vendas, ajudam a estabelecer novas formas de pensar que podem
auxiliar, de forma marcante, a formação de sociedades mais comprometidas com o
desenvolvimento sustentável. Além disso, os autores chamam a atenção para o fato de
que, como forma de endossar suas estratégias de marketing verde, muitas empresas
estabelecem alianças com organizações não governamentais (ONGs) que se mostram
comprometidas com a defesa do meio ambiente. Estas alianças agem no sentido de
fortalecer todos os envolvidos e isso colabora para a disseminação de ideias ligadas à
sustentabilidade.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
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Tais questões apontam, conforme referido anteriormente, para uma transformação
que, nos últimos anos, vem ajudando a constituir consumidores mais atentos aos
preceitos da sustentabilidade ambiental. Trata-se aqui, portanto, de uma transformação
cultural, oportunizada pela aproximação entre a necessidade de venda de produtos e a
necessidade de preservação do meio natural que tem moldado uma determinada posição
de consumidor, ou seja, aquela de consumidor ecologicamente consciente. Isso seria
garantido, de fato, a partir da formação de sujeitos ecologicamente engajados e, portanto,
parece que tais questões podem se encaixar naquilo que estudiosos como Woodward
(2004) nomeiam como sendo um circuito da cultura. Nesse caso, da cultura verde.
4.1 Circuito da cultura verde
A cultura representa grande importância no que se refere à estrutura e à organização
da sociedade contemporânea, aos processos de desenvolvimento do meio ambiente
global e à disposição de seus recursos econômicos e materiais (HALL, 1997). Para o
autor, os meios de produção, de circulação e de troca cultural têm se expandido, através
das tecnologias e da revolução ocorrida em termos de compartilhamento de informações.
Appadurai (2005) indica que os meios de comunicação mais recentes oportunizam uma
grande e relevante circulação de ideias, de costumes e de novidades que acabam por
engajar diferentes pessoas em causas e discussões diversas, desta forma fortalecendo
aquilo que Harvey (2001) chamou de compressão espaço-tempo.
De acordo com Appadurai (2005), são justamente os aparatos tecnológicos, em
especial as mídias eletrônicas, que oportunizam a sensibilização dos indivíduos em
relação a diversas questões locais e globais. A partir disso, preocupações relacionadas,
por exemplo, a muitos movimentos ambientais que, em outros tempos, estariam restritos
a um limitado raio de alcance adquirem adeptos em diversos lugares do mundo e,
portanto, se multiplicam, se fortalecem e alteram dinâmicas locais, rapidamente, se
tornando parte da cultura daqueles que são interpelados por eles.
Nesta direção, é importante chamar a atenção para o fato de que a noção de cultura
adotada aqui não está associada aos conceitos, digamos, mais clássicos abordados
por disciplinas distintas. Diferentemente disso, leva-se em conta toda a variedade de
significados e de mensagens sociais que constituem as nossas formas de pensar. Hall
(1997) e Woodward (2004) argumentam que, para se obter a compreensão de um texto
ou de um artefato cultural, é necessário se analisar os processos de representação, de
identidade, de produção, de consumo e de regulação que formam a dinâmica conhecida
como circuito da cultura.
Tais elementos se encontram articulados de forma complexa e, a partir deles, se
torna possível analisar diferentes questões, partindo-se de qualquer um destes processos.
De acordo com os autores, a representação refere-se aos sistemas simbólicos – textos ou
imagens visuais – tais como os envolvidos, por exemplo, nas estratégias de marketing
verde acerca da fabricação e comercialização de diferentes produtos. Esses sistemas
simbólicos agem no sentido de produzirem significados, não apenas sobre tais produtos,
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mas, sobretudo, sobre o tipo de pessoa que os utiliza. Dessa forma, produzem sujeitos
com determinadas identidades culturais.
Partindo disso, as noções acerca dessas identidades e dos produtos com os quais
elas estariam associadas devem ser entendidas como produções resultantes de técnicas
específicas associadas a tendências culturais. Essas práticas de produção cultural –
no caso desta discussão, aquelas ligadas ao marketing verde – seriam operadas para
atingir consumidores que, motivados por elas, compram os produtos com os quais se
identificam. Cabe ser dito ainda, que um produto, da mesma forma que uma campanha
publicitária que anuncia os benefícios do desenvolvimento sustentável, tem efeitos sobre
a regulação da vida social em decorrência das formas pelas quais é representado, das
identidades com as quais ele é associado e da articulação entre sua forma de produção
e o perfil de seus consumidores (WOODWARD, 2004).
Assim, levando-se em conta o fato de que as questões que envolvem a noção
de desenvolvimento sustentável são discutidas desde meados da década de 1960, mas
se tornaram mais potentes apenas nos últimos anos, cabe ser pensado que as novas
formas de marketing, de comunicação e de troca de informações colaboraram para o
fortalecimento de seus preceitos, instituindo uma espécie de circuito da cultura verde.
Esse circuito seria constituído pelos diversos discursos que envolvem a preservação do
meio ambiente, pelas formas como esses são divulgados e pelo empenho de empresas
e de organizações diversas no sentido de fortalecer esses princípios.
Considerando que tais discursos circulam em diferentes tipos de mídias, este
circuito, além de fortalecer a si mesmo ao utilizar tais mídias, fortalece também um
conjunto de processos e procedimentos que Hall (1997) descreve como o fortalecimento
das indústrias culturais. Sobre isso, ele refere que a mídia é a responsável por sustentar
e por delinear as relações econômicas das quais depende todo o movimento mundial
de informação, de conhecimento, de capital, de investimento, de produção de bens, de
comércio de matéria prima e de marketing de produtos e ideias. Assim, a mídia age
como a principal divulgadora das ideias que cercam e que dão forma, entre outras coisas,
à noção de desenvolvimento sustentável e, a partir disso, colabora na construção de
novos hábitos de consumo – e de vida – praticados por sociedades diversas.
Grande parte desse processo é potencializada pelas estratégias ligadas ao
marketing verde, pois conforme defendido por autores como Scarpinelli e Ragassi
(2003) e Rosa (2007), essa seria, justamente, a intenção de tais estratégias. Pode ser
pensado, portanto, que as reestruturações ligadas aos modos de produção às quais foram
sujeitadas as empresas contemporâneas, bem como suas estratégias de marketing, têm
operado no sentido de transformar culturalmente os modos de vida dos sujeitos e suas
práticas de consumo.
Além disso, podem ser citadas e associadas a esse processo, as inúmeras
organizações, principalmente, as não-governamentais (ONGs), que desenvolvem
atividades e praticam ações intervencionistas no sentido de assegurar a sustentabilidade
ambiental. Considerando que tais ONGs, de certo modo, vendem ideias, seria coerente
se pensar que elas também praticam uma espécie de marketing verde. Questões
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nesta direção foram discutidas por Darsie (2006) ao apontar aspectos relacionados
ao processo de construção de subjetividades oportunizados pelas campanhas de
prevenção de doenças. Para ele, tais campanhas, por mais bem intencionadas que
sejam, operam no sentido de instituir novas maneiras de se pensar e, para tanto, fazem
uso de recursos publicitários dinâmicos os quais instituem as formas ‘mais corretas’
de portar-se e de comportar-se socialmente. Da mesma forma, cabe ser dito que em
relação ao marketing verde, as estratégias publicitárias não necessitam se encontrar
associadas diretamente a produtos que estão disponíveis para serem consumidos, mas
se direcionam ao estabelecimento de dadas escolhas, feitas por diferentes pessoas,
pautadas no entendimento de que seria mais correto optar por alternativas de consumo
ecologicamente sustentáveis.
Elementos como estes, pertencentes ao universo do marketing verde, reforçam
aquilo que Carvalho (2009) apresenta como uma cultura ambiental que se encontra
articulada a questões éticas. Tais pressupostos éticos que envolvem essa cultura
ambiental legitimam determinados tipos de relação com a natureza – mesmo que isso
signifique a escolha de determinados produtos em lugar de outros. Para a autora, tais
dinâmicas compõem uma espécie de guia a ser seguido no sentido de se estabelecer
sociedades ecologicamente sustentáveis.
Arini e Ferreira (2008) argumentam também que toda esta movimentação em
torno da noção de sustentabilidade ambiental tem gerado influências sobre os valores
sociais e, consequentemente, sobre os hábitos das pessoas. Rosa (2007) e Dias (2006)
referem, neste contexto, que as pessoas têm aprendido que podem fazer a sua parte para a
conservação ambiental através dos produtos que compram ou deixam de comprar. Assim,
antes de adquirirem um produto ou serviço, uma parcela cada vez mais significativa de
consumidores tem comparado produtos de marcas diferentes e se informado sobre suas
procedências bem como sobre as formas como são produzidos. Esse comportamento,
segundo os autores, estabelece um tipo de conduta ligada ao consumo conhecida como
prática de consumo sustentável.
A expressão “consumo sustentável” envolve, antes de mais nada, os consumidores
que estariam preocupados com a sustentabilidade ambiental e que podem agir através
de suas compras, preferindo os produtos considerados ambientalmente saudáveis e,
assim, evitando os que não são (OTTMAN, 1994). Tais consumidores optam por
produtos que causam menor impacto ao meio ambiente e estão dispostos a pagar
mais caro por eles, pois foram interpelados por tais argumentos e, portanto, possuem
condições de compreenderem os benefícios individuais e coletivos gerados por suas
escolhas.
Dentro desta lógica, ligada ao desenvolvimento sustentável, nos últimos anos,
emergiram – tanto a partir de trabalhos teóricos quanto de campanhas publicitárias –
possíveis classificações acerca dos comportamentos relacionados ao consumo. Ottman
(1994), por exemplo, classificou os consumidores em cinco ‘tons de verde’: os Verdes
Verdadeiros, com fortes crenças ambientais que se refletem nos hábitos de consumo,
os Verdes do Dinheiro, que apoiam a ideia de sustentabilidade ambiental através da
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Opinio, n.28, jan./jun. 2012
doação de dinheiro, os Quase-Verdes, descritos como aqueles que se preocupam com o
meio ambiente, mas acreditam que pouco podem fazer para colaborar, os Resmungões,
que pouco fazem pelo meio ambiente, pois acreditam que outras pessoas também
não fazem e jogam a culpa nas empresas, e os Marrons Básicos que acreditam que as
ações individuais não colaboram muito. Por sua vez, Dias (2008), mais recentemente,
identifica três grupos de consumidores: os ecologicamente ativos, que procuram
fazer o possível pelas causas ambientais, os que podem ser ecologicamente ativados,
pois possuem grande consciência ecológica apesar de não se envolverem em causas
ambientais, e os ecologicamente passivos, que possuem pouca ou nenhuma consciência
ecológica e, portanto, não estão dispostos a pagar mais por este valor agregado aos
produtos.
Levando-se em consideração as colocações apresentadas até o momento, sobre
os tipos de consumidores e, principalmente, sobre as noções de circuito da cultura e
de marketing verde, pode ser proposto que tais classificações operam, de certo modo,
no sentido de estimular os sujeitos a ascenderem em direção a uma posição que
privilegia práticas mais corretas, do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, e,
assim, a assumirem determinadas identidades culturais ligadas a essas escolhas. Tais
classificações fazem parte de um processo de regulação social a partir da cultura, ou
seja, as pessoas são identificadas a partir de suas escolhas e dos produtos que consomem
e, em função disso, agem da maneira como delas se espera, em um circuito que não
termina nunca.
Sabe-se, por um lado, que os efeitos destas práticas podem ser bastante positivos.
No entanto, é relevante ser problematizado o fato de que não se tratam de estratégias
inocentes do ponto de vista mercadológico. Retomando as ideias de Guimarães
(2007), Appadurai (2005) e Hall (1997), tais entendimentos e subjetivações acerca
da constituição das práticas e das escolhas ‘mais verdes’ estão inseridas em padrões
culturais que são definidos a partir da necessidade que as empresas têm de serem
identificadas como organizações que se preocupam com o consumo consciente.
Pois, é justamente a relação entre a noção de desenvolvimento sustentável, mídia
e economia que dá sustentação para o fortalecimento de novos comportamentos, de
novos critérios para a escolha de produtos e de novas formas de marketing que giram
em torno da constituição de identidades culturais cada vez mais ‘verdes’. Nesta relação,
é importante ser dito, nenhum dos elementos deve ser negligenciado, pois é justamente
a dinâmica engendrada entre eles que garante uma verdadeira transformação cultural
que envolve o engajamento social ligado ao desenvolvimento sustentável.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista as colocações apresentadas no texto, é possível apontar que
as preocupações relacionadas aos modos de produção industrial e às estratégias
de preservação do meio ambiente não são recentes. Esta articulação vem sendo
desenvolvida há, pelo menos, cinco décadas através de discussões oportunizadas por
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diferentes grupos e organizações, privadas ou estatais, que buscam garantir formas de
desenvolvimento econômico para as diferentes nações a partir de técnicas que sejam
menos arriscadas no que se refere ao desequilíbrio e ao esgotamento dos recursos
naturais.
Em função disso, a antiga noção de desenvolvimento que desconsiderava os
princípios da sustentabilidade foi transformada e fortemente associada aos princípios de
preservação do meio ambiente. Assim, se o desenvolvimento de uma nação, no passado,
era avaliado a partir dos números positivos acerca de sua produção e distribuição de
produtos; contemporaneamente, essa avaliação contempla, além das somas relacionadas
às dinâmicas econômicas, os processos ligados ao desenvolvimento humano, cultural,
espacial e ecológico. Tal transformação age no sentido de garantir a manutenção da
própria dinâmica daquilo que conhecemos como desenvolvimento sustentável, pois
vislumbra uma forma de crescimento econômico que vise o futuro e não apenas o
presente no que se refere ao acesso aos recursos naturais necessários para a produção
de bens de consumo.
Tais mudanças em relação ao tema faz com que diferentes marcas reavaliem os
processos de produção e de comercialização de seus produtos. Isso obriga as empresas
a se encaixarem nessa tendência mercadológica pautada pelo desenvolvimento
sustentável. Assim, as condições para a formação de estratégias publicitárias que
constituem o marketing verde encontram uma brecha relevante para que se desenvolvam
e, de certo modo, estabeleçam novas formas de pensar o tema. Vale lembrar que esta
modalidade de marketing, ao fazer uso de ideais ecologicamente corretas para a venda
de diversos produtos, potencializa os discursos que envolvem a preservação do meio
ambiente e inserem os consumidores no processo.
Por outro lado, a associação entre os princípios da sustentabilidade ambiental e
as estratégias de marketing verde, impulsionados pelas diferentes mídias, atravessam
diferentes sociedades e, a partir disso, formam consumidores culturalmente engajados
em uma espécie de ética ambiental. Desta forma, pode ser dito, para além de se oferecer
produtos, as dinâmicas que envolvem tais elementos operam no sentido de constituírem
identidades culturais ligadas ao desenvolvimento sustentável.
Tais dinâmicas operam no sentido de criar uma espécie de circuito da cultura
verde, formado por todo aparato de ferramentas utilizadas pelas indústrias e pelas
organizações que agem em prol da preservação do meio ambiente as quais sustentam
uma transformação cultural ligada à necessidade de se fazer escolhas ecologicamente
corretas. Portanto, não seria correto afirmar que apenas alguns dos fatores envolvidos
– noção de desenvolvimento sustentável, marketing verde e o papel das mídias na
produção de subjetividades – operam como os responsáveis pelas atuais tendências
de consumo que levam em conta a preservação do meio ambiente. Seria mais
prudente se pensar que é justamente a dinâmica estabelecida entre tais dimensões que
garante o fortalecimento de todas elas, assim como uma significativa transformação
cultural ligada aos princípios da sustentabilidade ambiental e do desenvolvimento
econômico.
70
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
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Opinio, n.28, jan./jun. 2012
Mulheres evoluídas: um estudo sobre a
recepção da campanha da Bombril em 2011
Mara Cristina Soares Mendonça
Deivison Moacir Cezar de Campos
RESUMO
A sociedade tem passado por constantes transformações nas relações entre homens e mulheres,
principalmente depois de movimentos sociais, como o hippie e o feminista. A partir de suas
reivindicações, abriu-se um novo campo dentro dos estudos culturais, voltado aos estudos de gênero,
no qual esta pesquisa está referenciada. Atenta às mudanças que vêm ocorrendo, a publicidade procura
reproduzi-las na mídia a fim de aproximar-se de seu público-alvo. Desta forma, no ano de 2011, a
Bombril lançou a campanha Mulheres Evoluídas, com o slogan Bombril, os produtos que evoluíram
com as mulheres. Com o objetivo de investigar sua recepção por homens e mulheres, foi realizada
uma pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, por meio de um grupo focal. Os dados diretos
foram coletados através de um questionário por escrito, seguido da apresentação dos comerciais
da Bombril, fomentando as discussões a respeito de suas impressões sobre a campanha Mulheres
Evoluídas. Conforme a amostra, a leitura da audiência identificou a proposta dos comerciais como
um reforço de estereótipo do machismo, rejeitando a troca de papéis percebida na campanha.
Palavras-chave: Bombril. Mulheres Evoluídas. Identidade de Gênero. Campanha
Publicitária. Recepção.
Women evolved: a study of the reception
of the campaign Bombril in 2011
ABSTRACT
The society has passed through constant transformations in the relation between men and
women, mainly after social movements, such as hippie and feminist. From their claims opened a new
area in cultural studies, focused on gender studies in which this search is referenced. Attentive about
the changes that has been occurring, advertising seeks to reproduce them in the media in order to get
closer to your target audience. Thus, in 2011, Bombril launched the Women Evolved campaign, with the
slogan Bombril, products that evolved with women. In order to investigate its media reception by men
and women, was conducted an exploratory research with qualitative approach through a focus group.
The direct data were collected through a wrote questionnaire, followed by the presentation of Bombril
commercial, fostering discussions about their impressions of the campaign Women Evolved. According
to the sample, the audience reading identified the proposal of the commercials as a reinforcement of
stereotypes of machismo, rejecting the perceived exchange of roles in the campaign.
Keywords: Bombril. Mulheres Evoluídas. Gender Identity. Publicity Campaign. Media
Reception.
Mara Cristina Soares Mendonça é Graduanda do Curso de Comunicação Social, habilitação em Publicidade
e Propaganda da Universidade Luterana do Brasil. E-mail: [email protected]
Deivison Moacir Cezar de Campos é Mestre em História. Jornalista. E-mail: [email protected]
Opinio
Canoas
n.28
p.73-89
jan./jun. 2012
1 INTRODUÇÃO
A figura da mulher foi representada até as últimas décadas do século XX como
dona de casa e a quem cabia a responsabilidade de cuidar dos filhos. Com o advento
da industrialização e a crescente oferta de empregos, a mulher passou não só a cuidar
da casa, mas também a dividir espaço no mercado de trabalho com os homens. A
partir dos anos 60, com os movimentos hippie e feministas, essas mudanças foram
aceleradas, gerando significativas transformações nas relações sociais (GEOMUNDO,
2004; WANG et al. 2006).1
Esse processo gerou identidades culturais descentradas distintas das antigas, que
eram mais fixas. Atentos ao contexto, profissionais de comunicação, especialmente
da área publicitária, focam seus objetivos nessas mudanças e passam a reproduzi-las
na mídia como forma de se aproximar do público-alvo, com a intenção de criar uma
identificação entre o produto e o consumidor, como no caso da Bombril.
A empresa lançou a campanha Mulheres Evoluídas, criada pela a agência
DPZ, em março de 2011. Com o slogan2 Bombril, os produtos que evoluíram com
as mulheres, o objetivo é ser bem-humorado e conquistar um público feminino mais
jovem (BLOG CLIC RBS, 2011). Para isso, o garoto propaganda Carlinhos Moreno foi
substituído pelas humoristas Marisa Orth, Mônica Iozzi e Dani Calabresa. Nas peças
produzidas para a campanha, as atrizes interpretam personagens caricatos, vestindo
roupas masculinas, adotando uma postura machista, sugerindo que, agora, quem está
no comando são elas.
Considerada a marca do século e reconhecida por suas campanhas bem humoradas,
a Bombril, em abril de 2011, alcançou a segunda posição entre as marcas mais lembradas
em comerciais de TV, com a campanha Mulheres Evoluídas (FERREIRA, 2011). Além
dos comerciais de TV, ações no Twitter, Facebook e Orkut, foi criada a plataforma
interativa Associação das Mulheres Evoluídas (AME) pela Repense. Totalmente
integrada a estas redes sociais, o site recebeu o prêmio Lâmpada de Ouro no Festival
Brasileiro de Publicidade, como campanha Digital Interativa, e o prêmio bronze como
case de Rede Social (MORAES, 2011). Apesar do sucesso alcançado, o Conselho
Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) registrou a representação
de 300 pessoas, sendo 94% de homens que se sentiram ofendidos com a campanha.
O “número é um dos recordes de reclamações já feitas na história do órgão” (Veja.
com, 2011).
Em Publicidade, iniciativas como essa expõe a marca ao risco, fazendo com
que os públicos assumam posições capazes de decidir o sucesso ou o desastre de uma
campanha. No caso da Bombril, o conceito escolhido remete a uma discussão sobre
1
Para reduzir o tamanho das referências da web, para todos os links apresentados neste artigo, foi utilizado o
programa http://migre.me/
2
Fórmula concisa e marcante, facilmente repetível, que resume o conceito ou diferencial – racional ou emocional
– do produto/serviço ou da marca, e o comunica em linguagem publicitária, de modo a aproximá-lo do público-alvo.
(HOFF; GABRIELLI, 2004. p. 62).
74
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
identidade de gênero e as relações de poder entre homens e mulheres, adotando uma
linha criativa humorística, porém polêmica. Por isso, o presente trabalho tem por
objetivo investigar como foi a recepção, da campanha da Bombril Mulheres Evoluídas,
veiculada no ano de 2011. Para isso, é necessário descrever as ações, vislumbrando a
trajetória publicitária da marca, e analisar sua recepção a partir das discussões sobre
identidade de gênero.
A pesquisa constitui-se num estudo de recepção, sob a perspectiva dos Estudos
Culturais, pois se preocupa com a leitura da audiência em relação ao que está sendo
produzido e comunicado pela mídia, neste caso, na televisão e na web.
Os estudos de recepção
(...) estão preocupados em situar suas leituras e práticas dos meios de
comunicação dentro de redes complexas de determinações, não apenas dos
textos, mas também daqueles determinantes estruturais mais profundos, como
classe, gênero e, ainda, em menor grau, raça e etnia. Estes estudos também
iluminam os caminhos em que se intersectam e são vividos os discursos do
público e privados, nas práticas rotineiras e íntimas da vida cotidiana. (GRAY,
1999 apud ESCOSTEGUY, 2001, p38)
Neste sentido, Johnson (2006, p.85) diz que “as narrativas ou imagens sempre
implicam ou constroem posição ou posições a partir das quais elas devem ser lidas ou
vistas”. O que corrobora para um estudo mais aprofundado sobre o comportamento
feminino e masculino e as relações de gênero, a partir do que a campanha Mulheres
Evoluídas sugere.
Os estudos de gênero incluem outros recortes, como raça e etnia, porém, o que
será abordado, aqui, refere-se às relações sociais e de poder entre homens e mulheres.
Segundo Rubin (1975 apud SCAVONE, 2008, p.179), a questão de “gênero é uma
divisão dos sexos imposta socialmente e produzida nas relações sociais da sexualidade,
as quais compõem o que ela denomina sexo/gênero”.
Haja vista a importância de se investigar os papéis sociais atuais que se criaram
a partir dessas relações, reproduzidos na campanha, é necessário abordar a questão de
identidade conforme o conceito baseado nas concepções de sujeito pós-moderno, que,
para Hall (2000), não tem
(...) uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma
celebração móvel: formada e transformada continuamente em relação às formas
pelas quais somos representados ou interpelados (HALL, 1987). É definida
historicamente e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes
em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um
“eu” coerente. (p.12-13)
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
75
Outros pesquisadores têm discutido a questão de gênero através da recepção,
como Piaia (2008), que analisa as influências causadas pelo seriado americano, Sex in
the City, na audiência feminina. Conforme Piaia,
O sucesso da série, compreendido através das teorias e das respostas da própria
audiência, é motivado pela fantasia das telespectadoras em torno da vida das
personagens em que almejam algo parecido para suas vidas: a felicidade e
o sucesso profissional. Outro aspecto é a nova forma de apresentar a mulher
na mídia, quebrando paradigmas até então apresentados, expondo a mulher
contemporânea como ela é ou então, em alguns casos, como gostaria de ser.
(2008, p.18)
Buzatto (2011) realizou estudos sobre a campanha da Bombril, Mulheres
Evoluídas. Sua pesquisa investigou a representação social da mulher no discurso das
personagens femininas da campanha.
A publicidade mostra características diferentes, enaltecendo a mulher,
apresentando-a como um ser “evoluído”. Ao analisar os discursos, porém, é
possível perceber a manutenção da tradicional representação social feminina:
mulher = dona de casa. (p.1)
O método de pesquisa é exploratório (GIL, 1989), com abordagem qualitativa.
Desta forma, foi realizada uma coleta de dados diretos, por meio de um grupo focal.
Primeiramente, foi aplicado um questionário individual, com o objetivo de traçar o perfil
dos entrevistados, assim como utilizá-lo no cruzamento de dados. Em seguida com a
apresentação dos comerciais da Bombril, fomentou-se uma discussão entre os membros
do grupo a respeito de suas impressões sobre as peças. Conforme o público-alvo da
campanha foram convidados quatro homens e três mulheres, solteiros, dentre eles um
casal, com idades entre 22 e 35 anos. Todos os entrevistados são graduados e estudantes
que trabalham fora, estão presentes nas redes sociais e assistem TV diariamente.
O artigo está dividido em três seções, sendo que, inicialmente será abordada
a trajetória da marca Bombril, passando pela nova estratégia de trocar o garoto
propaganda por três mulheres humoristas. A segunda seção refere-se a um estudo sobre
os movimentos feministas e suas implicações nas relações de gênero. Já na terceira
parte, apresenta-se a leitura da audiência a partir das impressões do grupo focal sobre
a campanha Mulheres Evoluídas.3
3
Os vídeos e imagens da campanha que foram utilizados para a realização da pesquisa estão no CD em
anexo.
76
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
2 QUEM AMA ADESTRA
A Bombril foi pioneira, no Brasil, em desenvolver a lã de aço em 1948. Além de
polir panelas, o produto limpava vidros, louças, azulejos e ferragens. Por isso, ganhou
o conceito de múltiplas possibilidades de uso, traduzido pelo slogan 1001 utilidades,
tornando-se sinônimo de categoria de produto. O conceito de um produto é desenvolvido
a partir de uma promessa básica, que é o seu diferencial, algo com o que o consumidor
se identifica. Conforme Hoff e Gabrielle,
Reconhecemos os produtos pela imagem que temos deles, que são conceitos
construídos ao longo de muitos anos de presença na mídia. Associamos
produtos a alguma qualidade que a propaganda veicula como a mais
importante. (2004, p.20)
A empresa possui três complexos industriais, localizados nas cidades de São
Bernardo do Campo [SP], Abreu e Lima [PE] e Sete Lagoas [MG], e emprega cerca de
2.500 funcionários, que produzem 250 mil toneladas de produtos por ano. Atualmente,
tem um portfólio de mais de 400 itens, dividido em 28 marcas (BOMBRIL, s/d).
Com a criação do Garoto Bombril, há mais de trinta anos, suas campanhas são
conhecidas por abordar temas do cotidiano e acontecimentos marcantes, seguindo
uma linha humorística. O ator Carlinhos Moreno, que deu vida a personagem, “entrou
para o Guiness Book como o garoto propaganda mais antigo e que mais vezes gravou
comerciais para uma única empresa” (BOMBRIL, s/d).
O publicitário Washington Olivetto (ADNEWS NA TV, 2011) conta que a
“biografia” do Garoto Bombril surgiu em 1978, a partir de observações das mudanças
de comportamento das mulheres e a expectativa da linguagem que a mulher queria
da propaganda. Na época, uma personagem da novela Gabriela, vivida por Marcos
Nanini, que tinha aparência muito frágil, encantava as mulheres e, também naquele
ano, “a mulherada do mundo inteiro” se interessava mais por inteligência do que por
músculos.
Nestes mais de trintas anos, os comerciais de TV e anúncios da Bombril, criados
pela W/Brasil, abordaram temas do dia a dia relacionados às donas de casa, como
família, signos, sátiras a personagens políticos, de novela, cantores e ainda parodiando
outras campanhas publicitárias.
O planejamento de uma campanha publicitária é uma ferramenta estratégica,
realizada por agências de publicidade, para ajudar o cliente, no caso a empresa, a vender.
Para isso, o trabalho é feito em equipe e exige conhecimento do produto ou serviço, da
empresa, do mercado e principalmente do público-alvo. Na campanha publicitária, são
definidos quais tipos de peças serão produzidos, os veículos, o tempo de veiculação e
a praça onde será veiculado o material. Para Sampaio (2003), uma campanha
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
77
(...) pode ser definida como a soma de diversos esforços publicitários integrados
e coordenados entre si, e realizados para cumprir determinados objetivos de
comunicação de um anunciante, tais como: lançamento de uma nova marca no
mercado, promoção de uma liquidação, sustentação das vendas e da imagem
de um produto ou serviço já existente, esforço de caráter institucional e muitos
outros exemplos, que podem ser observados todos os dias. (p.260)
Sem perder o foco na mulher, em 2011, a Bombril resolveu investir no público
feminino mais jovem, mudando um pouco sua estratégia. O ator Carlos Moreno foi
substituído por três atrizes, que representariam mulheres contemporâneas. A dona de
casa jovem, inteligente, que também trabalha fora e que, enfim, “está no comando”. As
campanhas da empresa sempre acompanharam o contexto, utilizando uma abordagem
retórica de aproveitamento de oportunidade4. Neste mesmo ano, uma mulher havia
sido eleita à presidência no Brasil e o assunto “mulheres no poder” se encontrava em
evidência.
Neste processo de transformações, foi lançada a campanha Mulheres Evoluídas,
protagonizada pelas humoristas Marisa Orth, Mônica Iozzi e Dani Calabresa. Com
o slogan Bombril, os produtos que evoluíram com as mulheres, foram criados pela
DPZ, além de spots e mídia impressa, seis comerciais para serem veiculados na TV e
na web, gerando buzz5 nas redes sociais. Nos comerciais, as atrizes aparecem vestidas
com roupas masculinas, demonstrando um comportamento autoritário, ditando regras,
aconselhando as telespectadoras de como mulheres evoluídas devem agir com seus
namorados ou maridos, criticando e ridicularizando o gênero masculino.
Visando relacionar-se com a nova consumidora que vive e interage com o ambiente
digital, na campanha estavam incluídas ações no Twitter, Facebook e Orkut. A agência
Repense foi responsável por desenvolver uma plataforma interativa online chamada
Associação das Mulheres Evoluídas [AME], totalmente, integrada a estas redes sociais
(Repense Blog. MORAIS, Mariane, 2011).
No site6, é possível brincar com algumas ferramentas que ensinam as mulheres
a “adestrar seu homem,” como o Control Man, um controle remoto para comandar as
tarefas que elas gostariam que ele realizasse, por exemplo, fazendo com que ele saia
da frente de sua tevê e vá lavar a louça. Ao acessar a primeira página, é ativada uma
introdução com um vídeo de Carlos Moreno, seguido pelas humoristas, dando boasvindas e conversando com as consumidoras que visitam o site. As atrizes explicam
que naquele espaço as mulheres irão encontrar todas as ferramentas para atingir o seu
objetivo, que é fazer “o seu homem” evoluir também.
4
Abordagem que faz o produto, serviço ou empresa “pegar carona” em um fato específico, tendência ou moda
do momento (SAMPAIO; ELSEVIER, 2003. p.44).
5
O buzz marketing consiste em criar um boca-a-boca positivo em torno de um produto transformando consumidores
selecionados em veículos espontâneos de mensagens. (SALZMAN; MATATHIA; O’REILLY, 2003. p.15).
6
Esta plataforma não está mais disponível este ano. O endereço www.mulheresevoluidas.com.br atualmente
direciona para sua fanpage no Facebook.
78
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Ao pular a introdução, ainda na primeira página há, na parte superior do site, um
menu horizontal com as abas: Campanha TV, Dowloads, Fale Conosco, Site Bombril.
Logo abaixo deste menu, há outro [vertical] com uma lista de produtos da AME. Ao
clicar em um dos produtos, a consumidora é direcionada à outra página, em que uma
das atrizes explica, com bom-humor, o uso da ferramenta e, a partir de então, basta
seguir as instruções e interagir. Na primeira página, também há um link de serviço de
atendimento, para enviar dúvidas e reclamações sobre namorados ou maridos, chamado
Serviço de Atendimento a Consumidoras de Homens SAC(h). Para completar, uma das
brincadeiras, disponível logo no início, está em um link com o título O homem como
deveria ser, em que as visitantes podem trocar o rosto de um homem que lava, passa
e realiza outras funções domésticas [sempre utilizando os produtos Bombril], pelas
fotos de seus respectivos pares.
Como as atrizes divulgam na plataforma que “homem não tem hora para mijar
fora do pinico”, é oferecido outro “produto” chamado Educarpet for Man, para ser
utilizado no banheiro. Caso ele faça algo errado, levará um choque. As peças remetem
à discussão de gênero, já que, tanto a imagem quanto a narrativa propõe uma troca de
papéis estereotipada e incita a um determinado tipo de comportamento. A consequência
disso é que “através de um discurso mascarado a mulher ao invés de ‘evoluir’ e
ocupar novas funções sociais, se mantém padronizada em interesses preconceituosos
e machistas” (BUZATTO, 2011, p.24).
Contrariando a proposta da campanha, o que se viu em sites e blogs naquele
período, foram muitos homens, e até algumas mulheres, reclamando dos comerciais,
reivindicando que também usavam os produtos de limpeza da marca, e criticando o
machismo que as atrizes reproduziam na TV. Afinal, este é realmente o comportamento
pós-moderno do homem e da mulher “evoluída?”
3 A INDEPENDÊNCIA MASCULINA A PARTIR DA
FEMININA
Os lugares sociais reservados a homens e mulheres permeiam as discussões sociais
e acadêmicas sobre identidade de gênero, afinal as diferenças entre o sexo masculino
e o feminino sempre foram motivo de desigualdade social. Por estar inserida em uma
sociedade de organização patriarcal, a mulher foi condicionada à submissão e, durante
muito tempo, essa relação de poder determinada pelo gênero manteve-se estável. No
entanto, presente no mercado de trabalho assalariado, desde o final do século XIX, mas
em atividades consideradas femininas, as mulheres enfrentaram inúmeras dificuldades
e preconceitos (BOURDIEU, 2002; NARVAZ; KOLLER, 2006; MORAIS, 2007).
A situação fomentou a criação de grupos, levando ao surgimento dos movimentos
feministas. A partir de meados do século XX, estes movimentos tornaram-se expressivos,
questionando a condição feminina, os padrões tradicionais, reivindicando e conquistando
direitos, como votar, trabalhar sem precisar do consentimento do marido, a liberação
sexual, a contracepção e o divórcio (CORRÊA, 2001; SCOTT, 1989).
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
79
Nos anos oitenta, iniciou a chamada terceira fase do feminismo que enfatizava
“análise das diferenças, da alteridade, da diversidade e da produção discursiva da
subjetividade. Com isso, desloca-se o campo de estudo sobre as mulheres e sobre os
sexos para o estudo das relações de gênero” (NARVAZ; KOLLER, 2006, p.649). Hall
(2000) também defende a importância do movimento para construção da noção de
gênero. Segundo o autor, o feminismo
(...) também enfatizou, como uma questão política e social, o tema da forma como
fomos formados e produzidos como sujeitos generificados. Isto é, ele politizou a
subjetividade, a identidade e o processo de identificação (como homens/mulheres,
pai/mãe, filhos/filhas). (HALL, 2000, p.45)
Portanto, o movimento feminista constitui-se numa questão importante para os
estudos culturais, propondo um novo paradigma a ser discutido como a identidade de
gênero, englobando os papéis sociais e as relações de poder. Inicialmente, a definição
de gênero era baseada nas diferenças biológicas. Os sexos, masculino e feminino, eram
representados pelos gêneros, masculino e feminino respectivamente.
Enquanto “sexo” descrevia os aspectos biológicos, “gênero” compreendia a
construção cultural que ocorria sobre as diferenças entre homens e mulheres,
com base nas diferenças biológicas. (NARVAZ; KOLLER, 2006, p.650)
A masculinidade era associada a características de força, a feminilidade, à
fragilidade. Desta forma, o mais forte domina o mais fraco e, o papel social de oferecer
proteção e segurança era do homem. À mulher, cabia cuidar dos filhos e submeter-se ao
mais forte, deixar-se ser protegida. Os estudos de gênero eram dirigidos neste sentido,
pela distinção dos sexos.
A partir da terceira geração do feminismo, o gênero passou a ser entendido como
relação primordialmente política, que ocorre num campo discursivo e histórico de
relações de poder (SCOTT, 1986 apud NARVAZ; KOLLER, 2006, p.650). Deste modo,
muda-se o foco, e os teóricos passam a estudar a questão do gênero a partir da articulação
entre homens e mulheres, afinal, suas experiências estão inter-relacionadas.
Para Scott,
“Gênero”, como substituto de “mulheres”, é igualmente utilizado para sugerir
que a informação a respeito das mulheres é necessariamente informação sobre
os homens, que um implica no estudo do outro. Este uso insiste na ideia de que
o mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é criado dentro
e por esse mundo. Esse uso rejeita a validade interpretativa da ideia das esferas
separadas e defende que estudar as mulheres de forma separada perpetua o mito
80
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de que uma esfera, a experiência de um sexo, tem muito pouco ou nada a ver
com o outro sexo. Ademais, o gênero é igualmente utilizado para designar as
relações sociais entre os sexos. O seu uso rejeita explicitamente as justificativas
biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum para várias
formas de subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e que os homens
têm uma força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira de
indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente social das ideias sobre
os papéis próprios aos homens e às mulheres. (1989, p.7)
As transformações acarretadas pelos movimentos feministas, no decorrer da
história, afetaram a sociedade como um todo, refletindo no cotidiano não só das
mulheres, mas principalmente dos homens, que atualmente passam por uma crise de
identidade.
Em uma análise mais empírica, antes o homem não precisava lavar, passar, cuidar
de si. Havia a mulher que se dedicava exclusivamente a ele e aos filhos. Primeiramente,
a mãe era responsável por ele, e assim que se casasse, a esposa continuaria exercendo
o mesmo papel. Agora, com a emancipação feminina, o homem pós-moderno precisou
tornar-se mais independente da mulher, pois ela tem outras prioridades, como trabalhar
fora e estudar. O resultado disso é que, o homem passa por uma fase de renovação,
precisando agregar conhecimentos e práticas que antes não faziam parte do seu papel
(WANG et al. 2006).
Ao mesmo tempo em que é preciso se adaptar aos novos tempos, a tradição
permanece presente e, desenvolver atividades que, antes, eram consideradas femininas
descentra a masculinidade.
Um estudo dirigido por Silva et.al. (2007), com o objetivo de investigar as
representações sociais de homens sobre seu papel social, é possível perceber nos
discursos dos entrevistados algumas mudanças que tem ocorrido,
(...) com relação à divisão de tarefas no âmbito privado: “ser homem atualmente é
assumir novas atitudes, dividir tarefas, com as quais não estamos familiarizados, as
quais nossos pais dificilmente concordariam em realizar” (P7). Em concordância
com essa ideia o P21 acrescenta: “Hoje em dia, com a independência, o homem
deve ajudar a mulher nos serviços domésticos. Ela trabalha fora, então sobra
menos tempo para limpar a casa e cuidar dos filhos”. (p.85)
Para os autores,
O novo contexto social, diversificado, globalizado e mutante, demarca o início de
novas formas de ser homem e situa a masculinidade com menos rigidez e maiores
possibilidades de transitoriedade no que, há tempos, eram consideradas apenas
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
81
características pertencentes ao mundo feminino, vislumbrando-se a construção
de uma sociedade mais plural e mais igualitária. (2007, p.83)
Por sua vez, a mulher pós-feminista, desfrutando das transformações, prioriza
sua formação, qualificando-se para o mercado de trabalho, casando-se e tendo filhos
cada vez mais tarde. Para Piaia (2008),
A mulher pós-feminista é aquela disposta a ir à busca de seus anseios individuais,
deixando de lado a conquista e a reivindicação da igualdade, como era feito pelas
feministas. De acordo com Macedo e Amaral (2006, p.1), pós-feminismo se
identificaria mais com uma agenda liberal e individualista do que com objectivos
colectivos e políticos, considerando que as principais reivindicações de igualdade
entre os sexos foram já satisfeitas e que o feminismo deixou de representar
adequadamente as preocupações e anseios das mulheres de hoje. (p.11)
Contudo, percebe-se que não houve uma troca de papéis e, sim, uma equivalência,
pois nenhum dos dois gêneros deixou de exercer os que lhe eram atribuídos, apenas
passaram a incorporar atividades que, antes, eram exclusivas do sexo oposto. No
entanto, na campanha da Bombril, o conceito de mulheres evoluídas, pressupõe que
a mulher contemporânea trocou de lugar com o homem, mantendo a desigualdade e
simplificando o conceito de feminino.
4 DIVIDINDO AS TAREFAS E ATÉ O CONTROLE DA TV
Para investigar a recepção da campanha Mulheres Evoluídas e analisar a
identificação do público-alvo com o que foi veiculado na mídia, a pesquisa foi
realizada (Apêndice A) com um grupo formado por quatro homens e três mulheres,
jovens adultos com idades entre 22 e 35 anos, sendo um casal e o restante solteiros
que moram sozinhos. Entre eles, havia um músico, uma professora pós-graduada em
psicopedagogia, profissionais e estudantes de comunicação, que trabalham fora e estão
presentes em redes sociais, além de assistir TV diariamente.
A criação de um comercial é feita a partir da captação (absorção) das coisas que
acontecem no mundo real, na cultura em que se está inserido, para reproduzi-las a
fim de falar a mesma linguagem que o receptor, gerando identificação com o mesmo.
Deste modo, intencionalmente, cria-se um texto direcionado para se obter êxito
junto ao público-alvo, tentando criar uma leitura preferencial de audiência. Apesar
de haver controle sobre a produção, não há como controlar as várias possibilidades
de interpretações que serão feitas, podendo-se produzir o efeito contrário do que se
pretendia. “Logo, uma leitura preferencial nunca é completamente bem-sucedida:
é apenas o exercício do poder na tentativa de hegemonizar a leitura da audiência”
(HALL, 2003, p.366).
82
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
Na campanha da Bombril, a leitura preferencial passa pela intenção de ser bemhumorada e atingir o público feminino mais jovem (BLOG CLIC RBS, 2011). Desta
forma, ao substituir Carlinhos Moreno por três atrizes reconhecidamente humoristas,
a marca tenta aproximar-se deste público, brincando com situações do dia a dia,
satirizando as relações entre homem e mulher. A partir desta estratégia, entende-se
que o resultado esperado é que mulheres mais jovens “comprem a ideia” e passem a
conhecer e consumir toda a linha de produtos da Bombril.
Porém, mesmo percebendo que a proposta é vender, utilizando-se do humor, as
peças foram rejeitadas a priori pelos pesquisados. S.M (casada, 23 anos) comenta que
“pra mim, não vende.” A leitura do grupo coloca o humor em segundo plano e foca,
principalmente, nas relações sociais, discutindo as questões de igualdade e a troca de
papéis, que reforça o estereótipo do machismo.
O grupo adotou um posicionamento contrário às relações de poder apresentadas
nos comerciais, percebendo que a personagem estava representando um comportamento
machista ao trocar de lugar com o homem. A forma como a campanha aborda a evolução
da mulher, colocando os homens em uma posição de submissão, mostra-se desconectada
com o que os participantes vivenciam. L.B (solteira, 26 anos) critica a proposta das
peças ao observar que “aí só inverte o papel!”
Se no passado a sociedade se organizava por um sistema patriarcal e machista,
atualmente esses padrões comportamentais são considerados antiquados. As relações de
gênero pós-modernas se estabelecem a partir da busca pela igualdade. Há uma tendência
a rejeitar atitudes que remetam ao passado. Inverter os papéis não caracteriza mudanças,
apenas retoma os mesmos princípios. Conforme Alves (2000), uma das características
mais evidentes da Modernidade, “está na oposição entre presente e passado, com uma
procura acentuada do novo e a consequente rejeição do antigo” (p.233).
Por serem independentes e desejarem parceiros que compartilhem dos mesmos
objetivos, a troca de papéis, mantendo a relação de poder, gera estranheza nos
entrevistados. Por outro lado, não é comum, ainda, ver o homem se dedicando ao
lar enquanto a mulher se responsabiliza pelo sustento da família. Contudo, alguns
participantes relataram que conheciam homens que optaram por serem donos de
casa. M.B (solteiro, 23 anos) argumenta que não seria sustentado por uma mulher.
Algumas mulheres do grupo também não simpatizam com a possibilidade de serem
sustentadas.
Apesar de suas manifestações convergirem para a questão da igualdade, algumas
reações demonstram que concepções antigas ainda estão presentes de alguma forma
no comportamento, gerando um conflito de identidade. Exemplo disso se nota no
comentário de M.B (solteiro, 23 anos), ao criticar um dos comerciais, exclama “O cara
também não é cachorrinho, meu! Não tão mandando também, né?! Só um pouquinho!”
Essa oscilação, segundo Wang (et al., 2006), demonstra que,
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
83
Neste novo estágio da modernidade, o homem está sendo levado a repensar os
limites de seus próprios direitos e obrigações e, mais do que isso, a repensar
suas necessidades individuais para além dos estereótipos instituídos pela
lógica patriarcal. Está sendo levado, enfim, a repensar as bases de sua própria
identidade. (p.59)
A inversão de papéis apresentada pela campanha serve para reforçar o machismo
que, para todos os participantes, está intimamente ligado ao passado. Os depoimentos
revelam a crença de que as pessoas mais antigas, do interior ou que têm menos acesso
à informação são as mais parecidas com o estereótipo identificado. Para M.K (solteira,
34 anos), a diferença entre ela e seu namorado mais velho é muito clara. Ao afirmar
que ele é machista, comenta que, além de estudar, trabalha o dia inteiro e, mesmo
assim, ao chegar em casa, tem que lhe dar atenção especial. Diz ainda que “ele quer
casar e é daquele tipo de homem que a mulher tem que ficar em casa mesmo e ele é
que trabalha. Assim eu não caso!”
Para o grupo, a autonomia conquistada por homens e mulheres reflete outros
valores que, diferentemente do passado, não inclui ditar regras dentro de casa, mas
sim, cultivar uma relação de troca. Há a consciência comum de que é preciso cada um
fazer sua parte para a manutenção da harmonia na convivência entre os gêneros. Ao
dividir o mesmo espaço, atualmente o comportamento é outro, pois percebem suas
relações com mais igualdade e por isso defendem a divisão das tarefas e das despesas.
Conforme M.B (solteiro, 23 anos) afirma, “tem que ser tudo dividido, na verdade. Mas
não pode mandar, também! Não exageremos!” Inseridos no mesmo contexto, ao se
inter-relacionarem, o homem evolui junto com a mulher.
Scott (1989) defende que, considerando os estudos de gênero, “o mundo das
mulheres faz parte do mundo dos homens”. Desta forma, todas as mudanças que vem
ocorrendo na sociedade transformaram as relações. Assim, a evolução da mulher
é atribuída às suas conquistas e necessariamente leva o homem a transformar-se e
adaptar-se, evoluindo também no sentido da igualdade.
O humor que, há mais de trinta anos já faz parte dos comerciais da Bombril,
continua presente na campanha Mulheres Evoluídas, como referido, mas apenas tomou
forma para o grupo ao conhecer a plataforma interativa da Associação das Mulheres
Evoluídas [AME]. Conforme reações observadas, a proposta do site aproximou-se
mais do objetivo se comparado à recepção dos comerciais. É possível perceber uma
reivindicação por igualdade a partir de alguns comentários, como por exemplo, o
momento em que L.B (solteira, 26 anos) questiona em tom de brincadeira, “ué, não
tem calendário de mulher? Por que não pode ter de homem?”
Os produtos Educarpet for Man e Control Man remeteram a situações do cotidiano,
como a do homem que costuma urinar fora do vaso. T.R (solteiro, 33 anos) afirma que
convive com isso diariamente no trabalho, “os caras, não levantam a tampa do vaso.”
Ainda assim, apesar de algumas manifestações mais descontraídas frente às peças, as
84
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impressões foram a de estar reforçando o estereótipo do machismo, o preconceito e a
inversão de papéis.
Mesmo adotando uma linha criativa humorística, a campanha Mulheres Evoluídas
expôs a marca ao risco, abordando um tema polêmico como as relações de poder entre
homens e mulheres. Apesar do sucesso obtido e das premiações recebidas, logo no
início de seu lançamento, muitas foram as reclamações em sites, blogs e, inclusive no
Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária [CONAR]. Manifestações
como essas ocorrem, conforme Kellner (2001),
Quando as pessoas aprendem a perceber o modo como a cultura da mídia
transmite representações opressivas de classe, raça, sexo, sexualidade, etc.
capazes de influenciar pensamentos e comportamentos, são capazes de manter
uma distância crítica da mídia e assim adquirir poder sobre a cultura em que
vivem. (p.11)
No presente estudo, não foi diferente, pois as leituras obtidas na amostra
tomaram outra direção, principalmente negativa, havendo rejeição à campanha, o que
provavelmente influencia no consumo dos produtos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A recepção da campanha da Bombril, Mulheres Evoluídas, veiculada no ano de
2011, obteve uma leitura diferente da sua proposta, entre as pessoas que participaram
da pesquisa de grupo focal. Apesar de buscar tratar o assunto com humor, as relações
de poder acabaram sendo destacadas pelos pesquisados. Essa ênfase resultou em uma
percepção negativa, pois foram destacadas questões como a troca de papéis.
Conforme aponta o estudo, homens e mulheres pós-modernos têm mais autonomia,
procurando dividir as tarefas, sem precisar subjugar o outro. As relações de gênero
tornaram-se mais igualitárias, sendo assim, os pesquisados entenderam que a troca de
papéis, sugerida na campanha, serviu como um reforço de estereótipos do machismo.
Mesmo percebendo que o humor faz parte da linha criativa da campanha, o fato de os
entrevistados possuírem um grau de instrução maior, com mais acesso à informação,
os torna mais críticos, focando sua atenção no papel social da mídia.
A partir de alguns autores, pode-se constatar que as transformações acarretadas
também por movimentos sociais, principalmente pelo feminismo, foram responsáveis
por mudanças significativas não só no mercado de trabalho, mas também nas relações
sociais. O conceito de gênero engloba tanto o sexo feminino quanto o masculino, mas
não mais baseado no fator biológico e sim social, pois não é possível estudar a mulher
sem se preocupar com o homem, que estão inter-relacionados (SCOTT,1989).
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Assim, o homem que passou a dividir o mesmo espaço com a mulher, precisou
adaptar-se e mudar suas antigas concepções para conviver em harmonia. Atualmente,
o machismo é ligado a comportamentos do passado e as relações de poder entre os
gêneros, aos poucos, deixam de fazer parte do seu cotidiano. Esse processo acarreta
em um conflito de identidade para o gênero masculino, pois ao mesmo tempo em que
foi ensinado segundo estereótipos instituídos, convive com novos padrões.
Deste modo, a Bombril que há mais de três décadas aborda temas relacionados
ao dia a dia da dona de casa, embora tenha captado as mudanças no contexto atual,
ao abordar a evolução da mulher, arriscou-se ao representá-la vestida com roupas
masculinas e ensinando suas telespectadoras a “adestrar seu homem.” Este tipo de
comportamento provavelmente geraria polêmica e insatisfação, principalmente por
parte dos homens, que também compram seus produtos. Mesmo sendo uma sátira ao
comportamento machista, este assunto parece ser tratado de forma descontraída só em
reuniões de amigos, em mesas de bar.
Pode-se concluir, portanto, que quanto mais acesso às novas tecnologias, à
informação e à educação as pessoas têm, mais esforço será preciso na publicidade
para aproximar-se de seu público. Conforme Kellner (2001), só assim é possível ter
controle sobre o que a mídia veicula. Em função disso, este público está cada vez mais
crítico e seletivo. Desta forma, a publicidade precisa se reinventar para não provocar
leituras contrárias ao conceito, o que pode impactar negativamente em seus objetivos
mercadológicos.
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A recepção do uso da imagem de
Luciano Huck nas campanhas da
marca Living Construtora1
Charlana Lopes de Oliveira
Mirian Engel Gehrke
RESUMO
O presente artigo estuda a recepção do uso da imagem de Luciano Huck nas campanhas da
Living Construtora. O objetivo principal é analisar esta recepção. Os objetivos específicos são:
verificar a associação que o consumidor faz entre o apresentador e o empreendimento anunciado;
investigar se o consumidor gosta da imagem de Luciano Huck na campanha e se confia nas
indicações desta celebridade; analisar se o uso da celebridade faz com que o consumidor vá buscar
mais informações a respeito do produto no plantão de vendas e avaliar como seria a recepção, se
fosse usada outra celebridade. Os conceitos estudados são comunicação publicitária, através de
Gomes (2001 e 2003), Perez (2008) e Muniz (2005); campanha publicitária, com base em Sampaio
(1997), Sant’Anna (1998) e Lupetti (2000); e celebridade em campanha publicitária, a partir de
Zyman (2003) e Pena (2002). A pesquisa tem caráter qualitativo, nível descritivo e delineamento
definido por levantamento. A coleta de dados foi realizada através de entrevistas face a face com
vinte pessoas, escolhidas por acessibilidade. Os principais resultados indicam que a utilização de
Luciano Huck fez com que o consumidor prestasse atenção às mensagens da Living associando
positivamente a imagem da celebridade à marca; mostram que a escolha foi assertiva e que há
identificação entre Huck e a marca.
Palavras-chave: Comunicação publicitária. Campanha publicitária. Celebridade em
campanha publicitária.
Reception of the use of the image of Luciano Huck
campaigns at the Living Construction’s advertising
ABSTRACT
This abstract examines the use of images and brand of Luciano Huck at the Living
Construction’s advertising. The main objective is to analyze how the general public receives
the Huck’s brand and how is their reception. The specific objectives are: verify the consumers
association between the presenter and enterprise announced; investigate if the consumer likes the
Luciano Huck’s image and relies on indications of this celebrity, to analyze if celebrities advertising
makes the consumer get more information about sales and to check how the customers’ reception
Charlana Lopes de Oliveira é Graduanda. E-mail: [email protected]
Mirian Engel Gehrke é Professora e coordenadora do curso de Comunicação Social da Universidade Luterana
do Brasil – Habilitação em Publicidade e Propaganda. Mestre em Comunicação e Informação pelo PPGCOM da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
1
Artigo realizado em 2012/1, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Comunicação Social
– habilitação em Publicidade e Propaganda, pela Universidade Luterana do Brasil, sob orientação da professora
Mirian Engel Gehrke ([email protected])
Opinio
Canoas
n.28
p.90-111
jan./jun. 2012
would be if were used another celebrity. The concepts studied are advertising, by Gomes (2001;
2003), Perez (2008) and Muniz (2005); advertising campaign based on Sampaio (1997), Sant’Anna
(1998) and Lupetti (2000), and celebrity hype from Zyman (2003) and Pena (2002). The research
is qualitative, descriptive level defined by survey and design. Data collection was conducted
interviewing twenty people face to face, chosen by accessibility. The main results indicate that the
use of Luciano Huck’s brand has made consumers pay attention to the Living messages, making
a positive associating with the image of the celebrity brand, showing that the people’s choice was
assertive and there is identification between Huck and the Living’s brand.
Keywords: Advertising. Advertising campaign. Celebrity hype.
1 INTRODUÇÃO
Em 2006, devido à expansão do mercado imobiliário, a incorporadora Cyrela
Brazil Realty criou a marca Living, para atuar especificamente no segmento de imóveis
econômicos. Em 2009, Luciano Huck foi contratado como garoto propaganda das
campanhas publicitárias da marca Living, para fortalecê-la. A escolha do apresentador
ocorreu por ele representar a “conquista” e esta marca quer ser conhecida como a grande
facilitadora de uma das conquistas mais desejadas pelo povo brasileiro: a compra da
casa própria. Atualmente, a Living atua em quatorze estados brasileiros e está presente
em 48 cidades (CYRELA, 2011).
Na comunicação publicitária, uma das estratégias para conquistar a atenção do
consumidor é a utilização de celebridades em campanhas publicitárias. Com o mercado
imobiliário não seria diferente. Além de Luciano Huck na Living, a atriz Giovana
Antonelli foi contratada, em 2010, para estrelar um comercial de um empreendimento
da Cyrela Brazil Realty; a modelo Gisele Bündchen participou de campanha da Gafisa; a
cantora Ivete Sangalo anunciou empreendimento da Rossi Residencial e a apresentadora
Ana Maria Braga da Goldfarb.
A partir da constatação do amplo uso desta estratégia no mercado imobiliário, o
objeto de estudo deste artigo é a recepção do uso da imagem da celebridade Luciano
Huck nas campanhas da marca Living Construtora e o objetivo principal é analisar esta
recepção. Os objetivos específicos são: verificar a associação que o consumidor faz
entre o apresentador e o empreendimento anunciado; investigar se o consumidor gosta
da imagem de Luciano Huck na campanha e se confia nas indicações desta celebridade;
analisar se o uso da celebridade faz com que o consumidor vá buscar mais informações
a respeito do produto no plantão de vendas e avaliar como seria a recepção, se fosse
usada outra celebridade.
O artigo se justifica por buscar compreender se o endosso de celebridades em
campanhas publicitárias da construção civil é uma estratégia eficaz, pois o segmento
de imóveis econômicos é um mercado relativamente novo, que teve crescimento
significativo de investimento em mídia, nos últimos anos. Conforme dados do Ibope
Monitor (PENTEADO, 2011), no primeiro semestre de 2011, o segmento de construção
civil foi um dos setores que ampliaram a aplicação de verba em mídia acima da média
geral, investindo R$ 1,41 bilhão. Por ser um segmento pouco estudado, este artigo
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
91
poderá servir como material de apoio para publicitários e acadêmicos do curso de
comunicação social que desejam conhecer mais sobre os resultados desta estratégia
no mercado imobiliário. Além disto, como a pesquisadora trabalha no departamento
administrativo da Goldsztein Cyrela, fusão das empresas Goldsztein e Cyrela Brazil
Realty, o estudo ampliará sua base de conhecimentos específicos, para melhor atuação
profissional.
Foi realizada uma pesquisa para averiguar a existência de trabalhos com o mesmo
tema nas instituições de ensino superior UFRGS2, PUCRS3, ESPM4, UNISINOS5 e no
site de buscas Google Acadêmico6, tendo sido encontrado um artigo científico com um
dos conceitos abordados neste artigo – celebridade –, mas não com o mesmo objetivo.
O referido artigo, realizado para o curso de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Goiás (SILVA, 2011), analisa a utilização de celebridades
como estímulo discriminativo no comportamento de compra de consumidores da
construção civil, pelos princípios da ciência comportamental, e é usado aqui como
fonte.
O problema de pesquisa do presente artigo é: como ocorre a recepção do público
em relação ao uso da celebridade Luciano Huck em campanhas da marca Living
Construtora? Para respondê-lo, foi realizada pesquisa qualitativa, de nível descritivo
e com delineamento estudo de caso. A coleta de dados da pesquisa foi feita através
de entrevistas com vinte pessoas, sendo a amostragem por acessibilidade, pois os
entrevistados foram selecionados dentre os que visitaram o plantão da Central de Vendas
Living7 nos dias 26 e 27 de maio, 07, 09 e 10 de junho de 2012,em Porto Alegre, RS.
Este artigo está estruturado em três seções teóricas, que estudam os conceitos
comunicação publicitária, campanha publicitária e celebridade em campanha
publicitária. Para estudar comunicação publicitária, são utilizados Gomes (2001 e 2003),
Peres (2008) e Muniz (2005); para conceituar campanha publicitária, as principais
referências são Sampaio (1997), Sant’Anna (1998) e Lupetti (2000) e como referência
para celebridade em campanha publicitária, os principais autores estudados sãoZyman
(2003) e Pena (2002).
2 COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA
No Brasil, em geral os termos “publicidade” e “propaganda” são tratados como
sinônimos. Mas há inúmeras diferenças entre eles, tanto históricas quanto técnicas,
conforme Gomes (2001). Por essa razão, esta seção inicia explicando cada um dos
conceitos.
http://www.lume.ufrgs.br/. Acesso em 25 mar. 2012.
http://www3.pucrs.br/portal/page/portal/biblioteca/Capa. Acesso em 26 mar. 2012.
http://sbe.espm.br/cgi-bin/gw/chameleon. Acesso em 26 mar. 2012.
5
http://www.unisinos.br/portal/busca. Acesso em 26 mar. 2012.
6
http://scholar.google.com.br/. Acesso em 26 mar. 2012.
7
Espaço onde são comercializados produtos da marca Living Construtora. Está localizado na Rua Ary Tarragô,
1640, bairro Jardim Planalto.
2
3
4
92
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
A publicidade surgiu da necessidade do homem de divulgar produtos e serviços
para estimular o comércio. Segundo Gomes (2003), o primeiro anúncio de que se tem
notícia possui cerca de 3.000 anos e anunciava a busca de um escravo perdido ou
fugitivo– escravos, na época, eram tratados como mercadorias. Originário de Tebas
encontra-se no Museu Britânico. Já no Brasil, a publicidade começou a surgir no século
XIX, através de um anúncio inserido na Gazeta do Rio de Janeiro, no ano de 1808,
também em busca de um escravo. Nos anos seguintes, multiplicaram-se os anúncios
classificados de compra e venda de escravos, bebidas, remédios e serviços diversos.
Quando a publicidade entrou nos tempos modernos, um dos seus principais componentes
passou a ser a persuasão, conforme a autora. Assim, Gomes (2003, p.102) define a
publicidade como “uma forma de comunicação que utiliza um conjunto de meios pagos,
e que influi no público e o persuade para a compra de mercadorias ou serviços”.
Este tipo de comunicação é caracterizado por promover a marca de um produto ou
uma empresa, visando interesses econômicos. Para Zyman (2003) a publicidade é mais
do que apenas comerciais de televisão. Ela inclui branding, embalagem, celebridades
como porta-vozes, patrocínios, propaganda, atendimento ao cliente com o objetivo
final de vender cada vez mais.Com a mesma compreensão, Perez (2008) afirma que
o objetivo da publicidade é exercer uma influência persuasiva com a finalidade de
induzir o mercado potencial ou real a preferir determinada marca, empresa ou produto.
Portanto, a publicidade é uma forma de comunicação de caráter comercial que procura
induzir o consumidor a adquirir o produto ou serviço anunciado.
Quanto à propaganda, a palavra é o “gerúndio latino do verbo propagare que quer
dizer: propagar, multiplicar (por reprodução ou por geração), estender, difundir. Fazer
propaganda é propagar ideias, crenças, princípios e doutrinas” (PINHO, 1990, p.20).
Diferentemente da publicidade, a propaganda tem caráter ideológico, ou seja, de levar
o receptor a mudar de ideia a respeito de algo. Para Gomes (2001, p.7):
A propaganda, no terreno da comunicação social, consiste num processo de
disseminação de ideias através de múltiplos canais com a finalidade de promover
no grupo ao qual se dirige os objetivos do emissor, não necessariamente
favoráveis ao receptor; implica, pois, um processo de informação e um processo
de persuasão.
Analisando os dois termos, são encontrados três elementos em comum. Dois são
iguais capacidade informativa e força persuasiva e um que se constitui o elemento que
diferencia publicidade de propaganda: o objetivo. Enquanto a publicidade possui caráter
comercial, a propaganda tem caráter ideológico, afirma Gomes (2001).
A interação das estratégias de publicidade e propaganda, para Muniz (2005), é
denominada “comunicação publicitária”, buscando atingir o consumidor tanto pela
informação – pela utilidade e pelos atributos do produto – como pela tentativa de
influenciar a opinião e a conduta da sociedade – através de elementos subjetivos,
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
93
emocionais – para promover o consumo do produto ou serviço anunciado. Assim, a
comunicação publicitária articula basicamente dois recursos, que são informação e
persuasão. Informa, repassando ao consumidor aquilo que julga necessário para que
ele adote a decisão de adquirir o produto ou serviço e persuade usando argumentos
que motivem, induzindo o consumidor à compra para satisfazer as suas necessidades
fisiológicas ou psicológicas, conforme afirma Gomes (2003).
É importante ressaltar que a comunicação, sozinha, não vende. Além da
criatividade, deve haver uma estratégia bem delineada, com objetivos claros e com os
valores que a empresa deseja partilhar com o consumidor, tanto da instituição quanto
do produto ou serviço oferecido, de acordo com Carreira (Id. 2007).
A comunicação publicitária torna marcas, produtos e serviços visíveis para os
consumidores através de mensagens publicitárias, os anúncios, que podem ser impressos,
eletrônicos, digitais e no media.
De acordo com Nakamura (2009), os anúncios impressos são aqueles que utilizam
materiais gráficos impressos para transmitir a mensagem, como por exemplo, os
jornais e as revistas. Possuem diversos formatos. Entre os mais comuns, estão: página
dupla, página inteira, meia página, contracapa (2ª capa), 3ª capa e 4ª capa e páginas
sequenciais.
Para o autor, os anúncios eletrônicos são aqueles que utilizam equipamentos
eletrônicos para chegar ao usuário, como televisão, rádio e cinema. Possuem diferentes
formatos: inserção de comercial, patrocínio de programas ou parte da programação,
merchandising editorial, entre outros. Para a televisão e o cinema, os principais formatos
são comerciais com duração de 15, 30, 45 e 60 segundos. Para o rádio, os principais
formatos destacados são: spot, jingle, vinhetas e trilha musical, geralmente com duração
de 15, 30, 45 e 60 segundos.
Os anúncios digitais são aqueles que utilizam a internet e os dispositivos móveis,
como por exemplo, o celular, para chegar ao consumidor. Carniello e Assis (http://
paginas. ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/7o-encontro-2009-1/Formatos%20da%20
publicidade %20 digital.pdf . Acesso em: 24 abr. 2012) destacam vários formatos,
entre eles:
▪ banner: propaganda de exposição, em formato retangular. O objetivo é que
a pessoa clique e obtenha mais informações sobre o produto ou serviço. Há
variações desse formato, que são: banner rotativo; banner estático; banner
segmentado; banner ROS (run-of-site); keyword banner; áudio ou vídeo
banner; banner expansível;
▪ botão: em formato retangular, normalmente com espaço suficiente apenas para
exibição da logomarca do anunciante;
▪ patrocínio (sponsoring): associação entre uma marca e um site. O objetivo é
associar o conteúdo oferecido na página ao patrocinador desta;
94
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
▪ link patrocinado (search): pagamento aos sites de busca para os resultados
aparecerem no topo dos resultados, a partir de palavras-chave;
▪ e-mail marketing e newsletter: ferramentas de database marketing. Objetiva
criar relacionamento com os clientes;
▪ classificados: formato reduzido e padronizado, veiculados em portais, lojas
virtuais e outros sites de conteúdo;
▪ rich media: propagandas que utilizam recurso multimídia (streaming);
▪ indicação de clientes (referrals): é um programa em que um site ou loja virtual
são remunerados quando um visitante clica em um anúncio que o remete ao
site do anunciante;
▪ propaganda em local determinado (slottingfee): veiculação em local determinado
(topo, meio do texto, centro da página), com formatos diversificados;
▪ hot-site: sites temporários, com finalidade publicitária, que divulgam produto ou
serviço. Muito usados em campanhas promocionais. São sites “pequenos”;
▪ pop-up: janela independente que se abre quando o internauta visualiza
determinada página de um site;
▪ floater ou layer: peça de tamanhos diversos que fica “sobre” a página do
site;
▪ advergame: jogo como ferramenta para divulgar um produto ou marca;
▪ skyscraper: banner vertical;
▪ supersticial: peça publicitária carregada em background enquanto o modem
está ocioso e só aparece para o usuário quando está 100% carregado. Pode ter
sua frequência e tempos de repetição limitados.
Nakamura (2009) destaca que no media são as peças publicitárias que não
utilizam veículos de comunicação propriamente ditos. Atualmente, são as ações de
ponto de venda (PDV) e de consumo, através de banner, cartaz, folders, flyer, volantes,
catálogos, adesivos de chão, faixas de gôndola, móbiles, woobler, ação de sampling:
degustação ou demonstração de produtos. Alguns destes materiais também podem ser
distribuídos em vias públicas ou diretamente ao público-alvo, através de mailing ou
outros sistemas.
O uso de diversas peças publicitárias em conjunto pode constituir uma campanha
publicitária, que é o tema da próxima seção.
3 CAMPANHA PUBLICITÁRIA
Uma campanha publicitária diferencia-se do anúncio isolado por conter diferentes
peças de comunicação, unificadas pela existência de um tema de campanha, um conceito
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
95
que traduz as ideias do posicionamento, visando atingir os objetivos de comunicação,
conforme Sampaio (1997).
Para Muniz (http://www.eloamuniz.com.br/arquivos/1188171185.pdf, 30 mar.
2012), os objetivos de comunicação que devem ser atingidos através de uma campanha
publicitária, de uma forma geral, devem responder a três necessidades básicas
estabelecidas pelo planejamento, que são: informar, persuadir e lembrar. Por outro lado,
de acordo com a autora, as campanhas podem ter objetivos específicos, tais como:
Ajudar a introduzir o produto no mercado; manter o mercado atual; ajudar
a conseguir estabelecimentos adequados e qualificados para a respectiva
comercialização; preparar o caminho para os vendedores; informar dos novos
produtos disponíveis e do seu uso; conseguir o contato com consumidores
potenciais; vender a imagem de marca; instalar uma melhor disposição para a
compra.
Os objetivos da campanha publicitária podem ser quantitativos, se dispõem de
instrumentos de medição adequados, ou qualitativos, quando o que o anunciante deseja
atingir não é mensurável. Para serem atingidas com a campanha, as metas devem estar
bem claras no briefing, especificando a imagem que deve ser transmitida, como será
fortalecida e como será apresentada. No mesmo documento, deverão constar: público
a ser atingido, prazo e orçamento, bem como os aspectos específicos, o âmbito geral
da campanha, a duração estimada, o volume de investimento e os principais veículos
que se pretende utilizar, de acordo com Perez (2008).
Segundo Lupetti (2000), a estratégia de comunicação é o caminho que a empresa
deverá percorrer para executar seu objetivo. Dentre muitas alternativas, algumas
estratégias são apresentadas pela autora:
▪ de informação – caracteriza-se pela informação de um produto ou empresa,
priorizando sua funcionalidade, vantagem e benefícios;
▪ de testemunho – aplicada para dar credibilidade ao produto. Usar celebridades
pode trazer um bom retorno à campanha, afirma Lupetti (2000), pois seu
testemunho serve para comprovar o fato;
▪ de comparação – compara os atributos de um produto com o do seu concorrente,
no entanto, sem denegrir a imagem da concorrência;
▪ ofensiva – caracteriza-se pela ousadia, pois mostra o lado frágil da concorrência.
Para isso, Lupetti (2000) afirma que é necessário conhecer muito bem o seu
concorrente;
▪ de defesa – usada como forma de repelir um ataque, sendo utilizada
aproveitando forças empresariais;
96
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
▪ indiferenciada – não prioriza as vendas, mas a imagem da marca;
▪ de posicionamento/reposicionamento – usada para destacar a marca na mente
do consumidor.
Para Lupetti (2000) a definição do tipo de campanha é tão importante quanto a
definição das metas e estratégias, pois todos os elementos devem expressar a mesma
linguagem. Desta forma, há vários tipos de campanhas publicitárias, dentre as quais:
▪ institucional – é aquela que divulga a empresa como um todo, conceituando-a,
fixando a sua imagem e objetivando o reconhecimento da sua marca;
▪ de propaganda – é responsável pela divulgação do produto, informando seus
benefícios e atributos, com objetivo de tornar a marca conhecida e levando o
consumidor à ação de compra;
▪ guarda-chuva – mescla características da campanha institucional e de
propaganda, pois conceitua a empresa, fixando sua imagem, informando sua
linha de produtos, objetivando o estabelecimento e o reconhecimento de marca
da empresa e dos produtos;
▪ de promoção – tem como característica a interatividade com o consumidor.
Além de divulgar o produto, tornar a marca conhecida e levar o consumidor a
comprar, é responsável por acelerar as vendas, ter um retorno rápido e contato
direto com o consumidor;
▪ de incentivo – é interna. Incentiva o aumento das vendas entre os vendedores
de empresas e os lojistas, melhorando o relacionamento;
▪ de promoção de vendas – é voltada à redução de preço através de liquidação,
dentre outras formas. Faz parte de um processo mercadológico em que a
agência que planeja e executa a comunicação publicitária não interfere, pois
é uma decisão exclusiva do anunciante;
▪ cooperada – é típica das empresas de varejo, pois dá destaque ao nome do
varejista que anuncia diversos produtos, incluindo em uma mesma peça
publicitária marcas concorrentes, com o objetivo de promover o giro do estoque,
além de levar o consumidor ao ponto de venda.
Com os avanços tecnológicos, as campanhas contemporâneas estão cada vez
mais criativas e inovadoras, propondo mudanças gerais de comportamento. Diante
desse cenário, Abrantes (2012) mostra que as redes sociais são tendências para as
novas campanhas publicitárias, mas salienta que entender tudo sobre as redes não é
suficiente. É preciso que os profissionais da área e as agências de comunicação dominem
técnicas, como edição de vídeo e fotografia; entendam este mercado, alinhando a ele
os objetivos do cliente, além de analisar o comportamento do público-alvo na internet.
Essa informação é confirmada por pesquisa da Nielsen (2012) realizada em 2009, que
consultou voluntários pela internet – foram ouvidas mais de 25 mil pessoas em mais de
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
97
50 países – para saber sobre suas atitudes em relação à confiança, valor e envolvimento
com comunicação publicitária. Um dos índices mostra que TV e jornal são os meios
de maior confiança, pois os dois meios atingiram 61% da confiança dos consumidores
globais e 37% das pessoas consultadas confiam na publicidade em redes sociais ou
em vídeos online. Outro aspecto indica que a confiança em banners subiu 7% – na
comparação com os dados de 2007 – e atingiu 33%. Sobre os anúncios em ferramentas
de busca, a credibilidade é de 41%. Já as opiniões dos consumidores on-line atingiram
70% da confiança.
Para além de campanhas publicitárias, cada vez mais vêm sendo usadas outras
abordagens aos consumidores, como ações de marketing como onetoone, campanhas
sociais e vínculos com organizações do terceiro setor, utilização de banco de dados,
entre outras.
O tema da próxima seção é o uso de celebridades em campanhas publicitárias
uma estratégia comumente usada e que tem crescido no Brasil.
4 CELEBRIDADES EM CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS
A fundamentação teórica desta seção foi estruturada através de reportagens e
artigos em jornais e revistas considerados fontes idôneas8, pois não há livros ou autores
brasileiros que abordem especificamente este assunto.
Celebridade, de acordo com dicionários da língua portuguesa (FERREIRA, 2008;
MICHAELIS, 2012), é uma pessoa que tem grande fama, notoriedade. As celebridades
usadas em campanhas publicitárias, atualmente, são atores e atrizes famosos, jogadores
de futebol, apresentadores de televisão e artistas em geral. De acordo com Pena (2002),
a mídia produz celebridades – através de revistas de fofocas, programas de televisão,
reality shows, entre outras maneiras – como forma de “autoalimentação” e enfatiza:
“as celebridades tornaram-se o polo de identificação do consumidor-ator-espectador do
espetáculo contemporâneo. São elas que catalisam a atenção e preenchem o imaginário
coletivo” (p.3). O autor as classifica como celebridades instantâneas, afirmando que
acabam se sobrepondo às estrelas criadas pela mídia através das formas tradicionais
de entretenimento, como o teatro e o cinema.
Castro refere que, conforme pesquisa realizada pelo Data Popular, muitos
consumidores brasileiros fazem suas compras influenciados por alguma celebridade:
cerca de 33% das classes C, D e E (ver Figura 1) formam sua opinião graças às
estrelas que estampam os anúncios, sendo as mulheres mais influenciáveis do que
os homens (http://mundodomarketing.com. br/ultimas-noticias/17492/celebridadesinfluenciam-33-das-intencoes-de-compra-da-baixa-renda.html, 01 maio 2012). O
autor também afirma que um dos preferidos é Luciano Huck, que transmite imagem
de família.
8
98
Portal Exame, Revista Famecos e Jornal Propaganda & Marketing.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
FIGURA 1 – Dados sobre influência de pessoas famosas que aparecem na TV em compras.
Fonte: Data Popular, 16 abr. 2012, p.5.
Para Mauricio Salles, Diretor de Incorporações da Goldsztein Cyrela, “Luciano
Huck passa muita credibilidade, ele conversa de igual para igual com todos os tipos de
público, em todas as classes e o mais importante, sem ser hipócrita ou prepotente. A
linguagem dele é simples e objetiva”. Leonardo Raymundo, coordenador de marketing
da Living, complementa e explica o porquê da escolha do Huck: “gostaríamos que
o garoto propaganda da Living fosse mais que um ator. Precisávamos de um grande
comunicador que tivesse afinidade direta com o nosso público. E, com certeza, o Luciano
foi uma escolha assertiva” (CYRELA, 2009).
De acordo com Zyman (2003), campanhas publicitárias com celebridades fazem
com que os consumidores associem a imagem e os valores do famoso ao produto ou
serviço anunciado. O autor afirma que uma empresa contrata pessoas célebres com o
intuito de chamar atenção, dando relevância ao produto anunciado, podendo ganhar
reconhecimento mais rápido.
Em vista disso, no Brasil, aproximadamente 25% das campanhas publicitárias
utilizam celebridades como porta-vozes para a divulgação de produtos e serviços, de
acordo com Amorim (2012), mas, para o autor, os conceitos que estas personalidades
transmitem aos consumidores e a percepção do público em relação a este tipo de
estratégia são pouco estudados.
Já para a escolha do famoso a ser utilizado em uma campanha, a empresa de
consultoria Ilumeo disponibiliza ao mercado brasileiro um método de análise chamado
Persona, de acordo com Valerio (2011, p.120), constituído através de pesquisas
quantitativas trimestrais e acompanhamento da repercussão sobre as celebridades
na mídia. Neste serviço, a empresa se dedica a entender a influência dos famosos
na percepção dos consumidores sobre as marcas, possuindo um banco de dados das
personalidades pesquisadas em que o anunciante pode escolher um grupo específico
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
99
de seu interesse. Para os idealizadores do projeto, a ideia é otimizar os investimentos
e tornar a comunicação mais eficiente.
Yassuda (2012) relata que a mesma consultoria disponibilizou uma lista com
as celebridades que mais apareceram em peças publicitárias no período entre 2008 e
2010 (ver Figura 2).
FIGURA 2 – Top Celebridades mais recorrentes em propaganda (2008 a 2010).
Fonte: Ilumeo Brasil, 19 maio 2012.
No planejamento de uma campanha que utilize esta estratégia, antes de definir
a celebridade é importante fazer um levantamento da sua reputação para saber qual o
impacto que a sua imagem provoca, afirma Cordioli (2012), pois a personalidade em
questão deve ter uma postura ética ao longo da sua carreira e ser ­­­avesso a polêmicas,
considerando que tais atributos associam a imagem utilizada à da marca. De acordo com
o autor apud MARTINS, “o vínculo do famoso com a marca deve parecer o mais natural
e autêntico possível. Além disso, a personalidade escolhida deve ter características de
responsabilidade com a sua imagem e carreira, para que o risco de um escândalo seja
minimizado”.
Shimp (2002) afirma que as empresas esperam que as celebridades influenciem
positivamente atitudes e comportamento dos consumidores em relação ao produto ou
serviço oferecido. Neste sentido, Lima destaca os resultados positivos da utilização de
100
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
celebridades (http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0866/noticias/o-magoque-virou-marca-global-m0081717, 24 abr. 2012):
Quando as duas marcas (a da celebridade e da companhia) convergem sem arestas,
o resultado é esplêndido. Estudos feitos pela consultoria Marketing Management
Analytcsmostram que os comerciais realizados com pessoas famosas podem
trazer três vezes mais retorno do que as campanhas convencionais, feitas sem
estrelas, no mesmo tipo de mídia.
Por esta razão, anunciantes estão dispostos a pagar valores altos para contratá-las.
De acordo com Sobral (2012) hoje é possível contratar famosos internacionais pelo
mesmo preço ou por valores inferiores ao que se pagaria às celebridades brasileiras
(ver tabela 1).
TABELA 1 – Valores dos cachês cobrados por celebridades nacionais e internacionais.
Inflação verde-amarela
Cachês cobrados por celebridades nacionais e internacionais (em dólares)
Gisele Bündchen
1 300 000
Ivete Sangalo
1 250 000
Kiefer Sutherland
1 000 000
Selton Mello
625 000
Sarah Jessica Parker
600 000
Rodrigo Santoro
400 000
Pierce Brosnan
400 000
Wagner Moura
375 000
Richard Gere
300 000
Lázaro Ramos
250 000
Fonte: Portal Exame, 08 maio 2012.
De acordo com matéria veiculada no site Negócios & Empreendimentos (2012),
em todo investimento existe um risco; em relação à contratação de celebridades para
as campanhas publicitárias não seria diferente. Neste caso específico, o risco é a falta
de identificação entre o consumidor e a campanha, podendo refletir negativamente na
imagem da empresa, podendo levar a queda das vendas.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
101
Assim, estudada a relevância do uso de celebridades no mercado publicitário
brasileiro, na próxima seção é apresentada a pesquisa que analisa a recepção do uso
da imagem de Luciano Huck nas campanhas da marca Living Construtora.
5 A RECEPÇÃO DO USO DA IMAGEM DE LUCIANO
HUCK EM CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS DA MARCA
LIVING CONSTRUTORA
A pesquisa relatada nesta seção foi realizada para atingir o objetivo do artigo,
que é analisar a recepção da imagem de Luciano Huck em campanhas publicitárias
da marca Living. Para melhor conhecimento sobre a Living Construtora, é importante
acrescentar outras informações às já dadas na introdução deste artigo. Assim, em
2011 a empresa possuía 39 canteiros de obras, 306 colaboradores nos escritórios
e 2.298 nas obras, sendo entregues 3.485 unidades habitacionais em todo o Brasil
(CYRELA, 2011). Conforme relatório trimestral de resultados disponível no site da
Cyrela (2012), no primeiro trimestre de 2012, as vendas originadas da Living somaram
R$383,9 milhões, registrando crescimento de 16,7% em relação ao primeiro trimestre
do ano anterior. Ao final de março de 2012, a construtora contava com 89 canteiros
de obras distribuídos em todo o Brasil, tendo sido entregues 4,2 mil unidades, em 14
empreendimentos.
As peças que normalmente compõem as campanhas da Living são comerciais
de televisão, anúncios nos jornais, outdoor, flyers, materiais de divulgação no plantão
de vendas, entre outros. Algumas das peças utilizadas podem ser vistas no Anexo A
deste artigo.
Quanto à celebridade pesquisada neste artigo, Luciano Huck, o apresentador
estreou em televisão em 1995, na TV Bandeirantes, no programa Circulando. Huck
cursou Publicidade e Propaganda em São Paulo e estagiou nas agências W/Brasil,
DM9 e Talent. De 1996 a 1998, comandou o programa H, através do qual conquistou
o público jovem e lançou o bordão: “loucura, loucura, loucura”. Em 1999, estreou na
TV Globo com o Caldeirão do Huck, programa que continua apresentando. Neste,
apresenta quadros em que ajuda pessoas de baixa renda a realizarem seus sonhos,
seja da casa reformada por uma equipe de profissionais do ramo, com o Lar Doce
Lar,ou do automóvel velho transformado em novo, através do Lata Velha (2012).
Considerando o primeiro, Antônio Guedes, diretor geral da Living Construtora
em São Paulo, afirma que a parceria entre o apresentador e a marca é oportuna:
“Assim como o Lar Doce Lar, a Living permite às pessoas transformarem o sonho
em realidade, com uma casa de qualidade. Nós não encontraríamos oportunidade
melhor para mostrar o que fazemos. É muito bom proporcionar esta realização”
(http://www.s2publicom.com.br/imprensa/ReleaseTextoS2Publicom.aspx?press_
release_id=26667, 20 jun. 2012).
102
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
Em 2004, Luciano Huck casou-se com a também apresentadora Angélica, com
quem tem dois filhos e estão à espera do terceiro. A esposa, em entrevista, conta que
Luciano é um pai dedicado e ajuda muito na educação dos filhos (http://revistaquem.
globo.com/Revista/ Quem/0,,EMI92634-9530,00-LUCIANO+HUCK.html, 06 jun.
2012).
Huck também é fundador do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias,
ONG idealizada por ele em 2003 que “tem como missão promover o desenvolvimento
profissional, social e pessoal de jovens por meio do audiovisual” (http://www.
institutocriar.org/capa/ institucional/quem-somos/18, 06 jun. 2012).
O apresentador foi o primeiro brasileiro a atingir a marca de um milhão de
seguidores no Twitter, afirma Sbarai (2012) − o que aconteceu em 2009. Em março
deste ano, conforme relata Jardim (2012), o apresentador atingiu a marca de 11 milhões
de seguidores, sendo 6 milhões no Facebook e quase 5 milhões no Twitter.
Huck está presente nas campanhas de diversas marcas, que “vão do setor bancário
(Itaú) a produtos para cabelos (Niely Gold), passando pela área de ensino (Estácio de
Sá), construção (Living), comércio varejista (Ricardo Eletro), vitaminas (Centrum)
e telefonia (Vivo)”, entre outras, conforme dados da Associação de Dirigentes de
Empresas do Mercado Imobiliário – ADEMIRJ (2012).
Quanto à pesquisa propriamente dita, a coleta de dados foi realizada através de
entrevistas semiestruturadas com vinte pessoas. O critério para seleção dos entrevistados
foi os que visitassem o plantão de vendas da construtora. As entrevistas aconteceram no
plantão da Central de Vendas Living, em Porto Alegre, RS, nos dias 26 e 27 de maio,
07, 09 e 10 de junho de 2012. Cada entrevista durou, em média, nove minutos.
Com relação ao gênero dos entrevistados, 70% dos respondentes foram mulheres.
Os entrevistados estão na faixa etária entre 25 a 34 anos, 90% com nível de escolaridade
superior, 80% entre solteiros e casados, com 70% com renda inferior a R$ 5.000,00.
O roteiro das entrevistas é composto de oito questões dissertativas e quatro
objetivas. O questionário foi elaborado com termos técnicos da área de publicidade e
propaganda simplificados – como a substituição de “peça publicitária” por “propaganda”
– para ser facilmente compreendido por leigos. As questões sobre idade e renda mensal
familiar seguiram modelo aplicado pela própria empresa Living Construtora para
pesquisas de potencial de demanda. Antes da aplicação das entrevistas, foi feito teste,
para averiguar se as questões estavam claras e se as respostas proporcionam que seja
alcançado o objetivo da pesquisa. Foi constatado que o instrumento de coleta de dados
estava adequado, não sendo necessárias alterações.
Com relação às duas primeiras questões que indagam se os entrevistados viram
alguma propaganda do empreendimento visitado e onde, todos afirmaram ter visto,
sendo que 55% viram na televisão, 25% em outdoor e 20% no rádio. É possível
afirmar, em comparação com a pesquisa realizada pela Nielsen (2012) há três anos, que
a televisão continua sendo um canal de comunicação confiável. É possível constatar
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
103
também, a eficácia da propaganda na divulgação dos produtos de uma empresa para os
consumidores, pois não possui apenas uma peça publicitária e sim, uma comunicação
publicitária bem delineada, através de campanhas estruturadas, com diversas peças,
que permitem atingir o público que a organização deseja, conforme visto por Zyman
(2003).
Na terceira questão, quando perguntados se lembravam quem fazia a propaganda
dos anúncios dos empreendimentos da construtora, 80% dos entrevistados responderam
que é Luciano Huck e 20% não se recordaram. Foi possível observar que a imagem
do apresentador na campanha chamou a atenção do consumidor, dando relevância à
marca anunciada (ZYMAN, 2003) e mostrou a eficácia desta ação, pois grande parte
dos entrevistados acertou a resposta, mostrando que a estratégia cumpriu a função
de associar a imagem da celebridade à marca. Ainda, o alto percentual de pessoas
que lembraram de Huck na campanha pode indicar que foi seu uso que fez com que
houvesse também a lembrança das campanhas levantada nas duas questões anteriores,
fazendo a marca se destacar em meio a grande volume de informações comerciais do
dia-a-dia dos consumidores.
Quando questionados sobre o que mais chamou atenção na propaganda do
empreendimento, os entrevistados responderam que foram as condições de pagamento
do imóvel (parcelamento e financiamento) e o projeto em si, como, por exemplo, a
localização e a infraestrutura proposta. Através das respostas a esta questão, somadas
às das anteriores, é possível depreender que a imagem de Luciano Huck pode ter
influenciado a ida do cliente ao plantão de vendas, e não a venda propriamente dita,
pois,diferentemente dos demais produtos que o apresentador anuncia, imóveis são
bens de alto valor, sendo escolhidos pela análise racional de diversos elementos:
metragem, funcionalidade, localização, preço, financiamento, entre outros. Também,
a compra de um imóvel exige que o consumidor o conheça materialmente. Desta
forma, os entrevistados foram atingidos pela comunicação publicitária que, conforme
visto com Muniz (2005) atua através de aspectos subjetivos/emocionais – o apelo da
celebridade usada – e pela informação, com a apresentação dos atributos do produto,
ambos levando possíveis consumidores à ação de visitação, que eleva muito as chances
de concretização da venda.
Quando perguntados se gostam da participação de Luciano Huck em propagandas
de apartamentos, 70% responderam que sim, pois acham que ele transmite credibilidade,
é confiável e chama a atenção. Estas informações mostram que os entrevistados
associaram os valores de Luciano Huck aos que o anunciante deseja ver associados
à sua marca, como Zyman (2003) afirma que ocorre quando há uso de celebridade
em campanhas publicitárias.Esta associação é bastante positiva para a Living,
principalmente porque ter credibilidade e ser confiável, para uma incorporadora, são
valores fundamentais.
Sobre se confiam nas indicações de Luciano Huck, quinze dos entrevistados
responderam que sim, que acreditam que ele zela pelo seu nome, que transmite
confiança ao consumidor e que não usaria a sua imagem em algo que acredita que não
104
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
é idôneo. É possível afirmar que estas respostas confirmam a importância da escolha
da celebridade que irá representar uma marca estudada na fundamentação teórica
deste artigo. De acordo com Cordioli (apud MARTINS, 2012), a empresa, ao escolher
o famoso, deve verificar como ele lida com a sua imagem e carreira. Neste caso, o
apresentador conquistou a confiança dos entrevistados por sua postura ética ao longo de
sua carreira e pelos projetos que desenvolve, tanto no seu programa de televisão quanto
fora dele. A imagem de sucesso, de família feliz, de seriedade e responsabilidade que
ele transmite faz com que as pessoas se identifiquem e acreditem que ele não envolva
seu nome e sua imagem em algo que não transmita idoneidade, conforme visto com
Pena (2002). Estes dados mostram que a escolha da celebridade foi assertiva, pois
influenciou positivamente à imagem da marca.
O restante dos entrevistados, 25%, responderam que ele não influencia na sua
escolha e que não representa garantia de compra. Nestes casos, por se tratar de um
imóvel, os entrevistados preferem ter certeza dos benefícios reais que o produto poderá
trazer, não sendo influenciados por elementos emocionais e sim, pelos atributos do
produto.
Na questão que busca saber se a utilização de Luciano Huck em campanhas
publicitárias faz o entrevistado prestar mais atenção ao produto anunciado, 85%
dos entrevistados responderam que sim, pois acham ele carismático e, por estar em
evidência na mídia e representando várias marcas famosas, chama a atenção para o
produto em questão. Em relação à marca Living, é possível afirmar que a imagem
de Huck desperta o interesse para o imóvel vendido. No caso desta empresa, são os
benefícios tangíveis que definem a aquisição do produto, o imóvel, sendo necessário,
então, levar o consumidor até ele, para que haja possibilidade de concretizar a venda.
Portanto, chamar a atenção de 85% dos entrevistados é resultado bastante positivo e
confirma que a celebridade certa pode garantir, no mínimo, a atenção do consumidor
para o anúncio do produto e sua marca.
O fato de o apresentador estar presente em diversas campanhas de marcas famosas
também é positivo para a empresa, pois reforça a confiança do consumidor, que transfere
os valores que credita ao apresentador à marca, conforme visto com Zyman (2003).
Em contrapartida, 15% dos entrevistados responderam que ele possui carisma,
mas que não comprariam em função dele. É possível observar que não ocorreu falta
de identificação, mas sim que a imagem dele não foi o elemento principal que os
clientes levam em consideração na definição da compra de um imóvel. Além disto,
estas respostas foram além do perguntado, que dizia respeito à atenção despertada
pela celebridade para aquilo que está sendo anunciado, e não se referia à compra
propriamente dita.
Na questão seguinte, os entrevistados deveriam classificar os itens mais
importantes para a decisão de compra de um imóvel em ordem de importância,
numerando-os de 1 a 5, sendo o 1 o mais importante. Os resultados mostram que
24% informaram o preço, seguidos de 23% que se importam com a confiança na
marca; 22% elegeram a localização como item mais importante para a compra de
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um apartamento; 18% o tamanho dos apartamentos e 8% as vagas de garagem.
Tais respostas demonstram o esperado: a compra de um imóvel se fundamenta em
aspectos concretos. Assim, os entrevistados consideraram elementos objetivos das
campanhas publicitárias, de acordo com Gomes (2003), as informações necessárias
para, possivelmente, adquirir o produto anunciado. Assim, a imagem de Luciano
Huck contribuiu, como visto nas questões anteriores, para chamar a atenção para
o produto e para o item “confiança na marca”, qualidade atribuída anteriormente
ao apresentador, ajudando a levar o consumidor à etapa seguinte, que é levantar
informações necessárias à decisão de compra. As empresas, ao utilizarem celebridades
como forma de chamar atenção para sua marca, produtos e serviços, esperam que
tais famosos influenciem positivamente atitudes e comportamento do consumidor
em relação ao que foi anunciado, conforme Shimp (2002), é o que ocorre com a
presença de Huck nas campanhas da Living, estimulando o consumidor a buscar mais
informações sobre os imóveis anunciados.
A pergunta seguinte questiona se o uso de Luciano Huck em uma campanha
publicitária faz com que os entrevistados tenham mais simpatia pelo produto anunciado.
Dezesseis entrevistados responderam que ele “chama a atenção”, que “não faria nada
para abalar a sua integridade”, é “carismático”, “tem linguagem popular” e acreditam
que Luciano Huck não usaria sua imagem para “enganar o povo”.
Tais respostas mostram que a postura do apresentador é muito importante, pois a
confiança atribuída a ele foi algo construído com o passar do tempo, através das suas
atitudes pessoais e profissionais. O diretor de Incorporações da Goldsztein Cyrela,
Mauricio Salles, afirmou que o apresentador, por possuir uma linguagem clara e objetiva,
se relaciona bem com todos os tipos de público. Nos quadros Lata Velha e Lar Doce
Lar do seu programa, isto fica bem visível, através da forma como se dirige ao seu
público, além da simplicidade que externa através da forma como se veste e de sua
postura com todas as pessoas simples com quem se relacionou, ao longo da existência
do Caldeirão. Em acréscimo, o fato de ajudar quem precisa e, ainda, com senso de
justiça – Huck seleciona, para os quadros, famílias que demonstram valores positivos em
sua vida real, como trabalho, afetividade no relacionamento familiar, responsabilidade,
solidariedade, entre outros. Assim, os valores atribuídos a Huck vieram da soma de
todos estes elementos e acabam sendo transferidos para o anunciante que utiliza sua
imagem, fazendo com que os entrevistados associem estes atributos à marca, conforme
visto anteriormente com Zyman (2003).
Ainda em relação a esta questão, quatro dos entrevistados não souberam responder,
limitando-se, apenas, a dizer que gostam dele. Estas respostas também podem ser
interpretadas como as anteriores, ressalvando que os valores associados à Huck não
são claros para os respondentes, embora sejam positivos.
Quando questionados se acham que um apartamento anunciado pelo Luciano Huck
é melhor que outro, 80% dos entrevistados responderam negativamente, afirmando que
ele apenas chama atenção ao produto e que só está fazendo propaganda para uma marca.
Nesta questão, fica claro, de novo, que o uso da celebridade funcionou para capturar a
106
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atenção dos entrevistados e não atuou como um elemento determinante para a compra
do produto, por se tratar de imóvel.
Para a pergunta “você acha que as propagandas da construtora deveriam ter outra
pessoa”, quinze entrevistados responderam que não. Dois responderam que poderia
ter a família de Luciano Huck e três responderam que poderiam ter famílias comuns,
que realmente pudessem morar lá. Diante destas respostas, novamente é possível
perceber que a escolha da celebridade foi correta pela empresa, pois teve empatia dos
entrevistados devido à sua postura e ao seu comportamento. Como visto anteriormente
com o coordenador de marketing da Living, Leonardo Raymundo, o apresentador
cumpre com o que a empresa esperava do seu garoto-propaganda. Prova disto é que
Luciano Huck assume esta função há aproximadamente três anos e isto mostra que
quando a empresa e a celebridade possuem os mesmos propósitos o resultado é positivo,
para ambas as partes, conforme visto com Lima (24 abr. 2012). É preciso salientar que
o perfil de família que o apresentador transmite é importante para a marca, pois reforça
a identificação entre os entrevistados e a celebridade, exercendo influência sobre suas
atitudes e o seu comportamento de compra.
Sobre os sentimentos que mais se assemelham ao que Luciano Huck transmite em
relação ao empreendimento visitado, as respostas foram as seguintes: 19% responderam
“credibilidade”, seguidos de 18% de “realização”; “família” foi citado por 16% dos
entrevistados e “solidez” atingiu 11%. Também foram citados “qualidade de vida”, com
8%, “segurança” e “confiança”, com 7%, e “modernidade”, com 5%. Estes sentimentos
podem ser entendidos como associações entre atributos que a celebridade transmite e o
que o consumidor deseja ao adquirir o produto, construídas através de uma comunicação
bem delineada, de acordo com Carreira (2007), que permite que a empresa transmita
seus valores ao seu consumidor através das mensagens publicitárias. Está associação
é muito importante para uma construtora, pois associar tais sentimentos à venda de
imóveis é o primeiro passo para construir um relacionamento com o cliente, transmitindo
segurança e confiança para conquistá-lo e, posteriormente, realizar a venda.
A credibilidade está ligada à confiança que os consumidores atribuem à
celebridade. Os sentimentos relacionados entre o apresentador e a marca sinalizam que a
celebridade usada é admirada por suas características pessoais e está em harmonia com
os sentimentos que a marca objetiva transferir aos consumidores para satisfazer as suas
necessidades. Ao vê-lo na figura de pessoa física, e não interpretando um personagem
nas campanhas, os entrevistados podem adquirir o produto querendo parecer-se com
a celebridade, almejando seu exemplo de sucesso. Tais atributos podem influenciar na
decisão de compra e no comportamento dos consumidores.
6 CONCLUSÃO
A imagem da celebridade Luciano Huck foi bem recebida pelo público
entrevistado, uma vez que a maioria se identifica e gosta da imagem que o apresentador
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transmite ao público, seja pelas suas atitudes, sua postura e a forma como conduz a sua
vida, tanto pessoal quanto profissional, sendo um modelo almejado.
A associação feita pelo consumidor entre o apresentador e o empreendimento é
muito vantajosa para a marca Living, pois impulsionou a mensagem da marca, através dos
valores atribuídos ao artista utilizado. Para uma incorporadora, transmitir credibilidade
é um dos fatores fundamentais para conquistar o cliente. Atribuir sentimentos como
confiança e segurança a uma marca é um dos passos determinantes para se concretizar
uma venda e a marca Living conseguiu identificar os principais anseios do seu público
alvo e, através do seu garoto propaganda e de campanhas direcionadas, transmitiu ao
consumidor que é possível através da empresa, concretizar um dos seus projetos de
vida, que é a compra da casa própria.
A maioria dos entrevistados gosta do apresentador, confia nas suas indicações.
Mas, como o produto da Living é diferente dos demais que ele anuncia, por requerer
um investimento financeiro alto, os entrevistados são criteriosos e não compram por
impulso. Assim, a celebridade foi o elemento atrativo para o produto e a marca, sendo
possível afirmar que sua imagem pode ter influenciado a ação de visitação ao plantão de
vendas, onde podem ser comprovados os benefícios tangíveis que esta compra poderá
trazer. A imagem já cumpriu a função de despertar o interesse e pode, ainda, influenciar
a ação de compra, no sentido de produzir identificação do consumidor com a celebridade
quanto à realização de sonhos de sucesso e bem-estar pessoal e familiar.
Por fim, avaliando como seria a recepção, se fosse usada outra celebridade, não
havendo indicação de outra que não a própria família do apresentador – ou de pessoas
que não fossem célebres − foi possível concluir que a escolha da celebridade foi muito
apropriada, está em harmonia com os propósitos que empresa pretende externar aos seus
consumidores, transmitindo segurança e podendo influenciara busca de informações e
o seu comportamento de compra.
Assim, ao final deste artigo, é possível concluir que o uso de celebridades em
campanhas publicitárias é uma estratégia cada vez mais comum na publicidade porque
gera resultados positivos para os anunciantes, embora ainda seja assunto pouco estudado.
Isto, por um lado, dificultou a fundamentação teórica sobre o assunto, no entanto, por
outro, demonstrou como é necessário pesquisá-lo. Este estudo foi válido e relevante
para a pesquisadora, pois foi possível entender melhor como funciona a estratégia e
sua recepção pelo público-alvo do anunciante.
Em termos de pesquisas futuras, pretendo aprofundar o estudo sobre a influência
que as celebridades exercem sobre os consumidores de diferentes marcas. Isto é
fundamental para as empresas poderem escolher qual personalidade se adequa melhor
aos seus interesses.
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Opinio, n.28, jan./jun. 2012
111
Vestidos de mídia: consumo de música
na internet por jovens negros
Deivison Moacir Cezar de Campos
RESUMO
O artigo tem como objetivo apontar relações estabelecidas pelos jovens entre música e
internet, buscando verificar como as informações sobre música são consumidas por jovens moradores
da Grande Cruzeiro em Porto Alegre. Trata-se de um estudo de campo, utilizando referenciais
dos Estudos Culturais latino-americanos e ingleses e da Geografia social. As informações obtidas
na internet são vestidas simbolicamente pelos jovens para construir ou fortalecer um estilo, que
encontra na música seu elemento mais visível.
Palavras-chave: Grande Cruzeiro. Território. Consumo. Música. Internet.
Dresses media: consumption of music on internet by young black
ABSTRACT
The article aims to point the relationships established by young people between music and
the internet, seeking to check the information on music are consumed by young residents of Grande
Cruzeiro in Porto Alegre. It is a field study using benchmarks of Latin American Cultural Studies and
English and Social Geography. The information obtained on the internet are dressed symbolically
by young people to build or strengthen a style, which is in the music his element more visible.
Keywords: Grande Cruzeiro. Territory. Consumption. Music. Internet.
1 INTRODUÇÃO
A música ocupa um importante espaço na construção da identidade negra na
diáspora. Fruto da ressignificação de inúmeras culturas africanas, desterritorializadas
durante o período colonial, as identidades afro-referenciadas foram geradas a partir de
uma indeterminação linguística superada pela musicalidade. A estratégia possibilitou
que, no período pós-escravista, os negros se reorganizassem em torno de batuques e
cantos seguidos de coros, com conteúdo sagrado ou profano.
Em decorrência dos sucessivos processos de desterritorialização locais, as
identidades afro-brasileiras têm se construído a partir da ressignificação, construção
e tradução destes elementos simbólicos reorganizados. No entanto, ao contrário de
outras formas de representação,
Deivison Moacir Cezar de Campos é jornalista. Doutorando em Ciências da Comunicação pela Unisinos.
Especialista em História Contemporânea e mestre em História Social. Coordenador do curso de Jornalismo
da ULBRA.
Opinio
Canoas
n.28
p.112-123
jan./jun. 2012
A identidade negra não é meramente uma categoria social e política a ser utilizada
ou abandonada de acordo com a medida na qual a retórica que a apoia e legitima
é persuasiva ou institucionalmente poderosa. [...] Embora seja sentida muitas
vezes como natural e espontânea, ela permanece o resultado da atividade prática:
linguagem, gestos, significações corporais, desejos. (GILROY, 2001, p.209)
Os jovens têm a música como principal produto de consumo cultural (DAYRELL,
2005), constituindo a partir dela diferentes estilos. Os estilos vão determinar as práticas
a serem adotadas para sua representação. No entanto, outros símbolos percorrem a
vivência musical, principalmente tratando-se da cultura negra. Para Glissant (1989),
Não é nada novo declarar que para nós a música, o gesto e a dança são formas
de comunicação, com a mesma importância que o dom do discurso. Foi assim
que inicialmente conseguimos emergir da plantation: a forma estética em nossa
cultura deve ser moldada a partir dessas estruturas orais. (apud GILROY, 2001,
p.162)
A música afro-brasileira tem características híbridas, apresentando referências
identitárias de ser [percussão] e devir [combinação com novas sonoridades], propostas
por Hall (1996) para o estudo das identidades negras na diáspora. A ambiência afro
constrói um território geográfico de fluxo que surge e desparece pela intervenção de
um dispositivo de mídia sonora.
O artigo resulta de uma pesquisa que teve como objetivo traçar as relações
estabelecidas pelos jovens entre música e internet, verificando os usos da internet
para consumo da música e os usos feitos pelos jovens desse conteúdo em sua prática
cotidiana. O texto insere-se numa investigação ainda incipiente de como os jovens
negros estão construindo seu pertencimento étnico a partir do consumo da música
urbana afro-brasileira. O consumo, neste caso, não somente das letras e sonoridades,
mas das ambiências e vivências experimentadas e possibilitadas pela música.
A amostragem utilizada constitui-se num grupo de nove jovens, com idade entre
15 e 22 anos, moradores da Grande Cruzeiro, pertencentes a famílias da classe C e
D. Oito dos jovens são negros e um branco, sendo seis homens e três mulheres. A
abordagem foi aleatória, mas a seleção sistemática. Os jovens foram contatados por
estarem junto às escolas José Loureiro da Silva, rua Capivari, e Brigadeiro Silva Paes,
na avenida Cinco de Novembro.
A definição da amostragem não propõe restringir a pesquisa a “jovens negros
pobres”, um dos estereótipos mais presentes nos discursos sociais estereotipados.
Trata-se apenas de um dos grupos de jovens que serão trabalhados. Por outro lado,
buscou-se contextualizar as entrevistas numa região considerada de negros, buscando
refletir sobre a multiterritorialidade [espaço geográfico, espaço social, territorialização
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e desterritorialização simbólica, fluxos] existente nesse espaço e de como a experiência
comunicacional mediada e vivida ocorre neste contexto.
O marco teórico estabelecido é os estudos de recepção, a partir dos Estudos
Culturais latino-americanos (CANCLINI, 1996) e ingleses (GILROY, 2003). Também
os estudos da Geografia Social (SANTOS, 1996; HAESBAERT, 2004), para discutir
a questão da territorialidade.
O trabalho dividiu-se em dois momentos para o levantamento de dados. No
primeiro, foi aplicado um questionário com sete questões abertas, a partir dos quais foram
realizadas as análises. a partir da oralidade temática (MEIHY, 1998). Os questionários
foram analisados considerando também o método indiciário (GINZBURG, 1990),
buscando indicações e sintomas que funcionam como “chaves para o conhecimento
de realidade, minúsculas partes singulares, tradicionalmente menosprezadas por
predomínio de hábitos e reflexos condicionados” (SANTORO, 2002).
O texto está organizado em dois momentos. Inicialmente, discute-se a construção
de uma leitura hegemônica da Grande Cruzeiro como um território negro e como a
música, através de dispositivos midiáticos, tem produzido territórios de fluxo. Na
segunda parte, discute-se como os jovens têm se utilizado desse lugar de fluxo para
construir seu estilo e também seus pertencimentos, neste caso a uma identidade étnica
afro-brasileira.
2 MÚSICA E AFRO-BRASILIDADE NA GRANDE
CRUZEIRO
A região denominada Grande Cruzeiro, em Porto Alegre, agrega 29 vilas entre
os bairros Santa Teresa e Nonoai, iniciando próximo ao centro e estendendo-se até a
zona sul da cidade. A vila Grande Cruzeiro tem uma população estimada em 200 mil
habitantes. Esses se caracterizam pelo reduzido nível de escolaridade e exclusão do
mercado de trabalho. Aproximadamente 30% dessa população é formada por negros
(OBSERVA, 2008). Esse número indica que, enquanto espaço geográfico, a região
possui uma população majoritariamente branca. No entanto, o espaço social apresenta
características de um território negro.
A Grande Cruzeiro começou a se estruturar no século XIX quando as charqueadas
e sítios ali localizados, então periferia de Porto Alegre, começaram a ser loteados. O
processo de urbanização, dinamizado em torno da metade do século passado, empurrou
muitos moradores da região do Segundo Distrito1 para áreas mais distantes do Centro. O
aterramento de parte do Rio Guaíba, a construção da primeira Perimetral e a mudança
1
O Segundo Distrito compreendia a região da rua Baronesa do Gravataí até a avenida 13 de Maio [atual Getúlio
Vargas] e, no sentido norte-sul, da rua 28 de Maio [continuação da Ipiranga antes das obras de assoreamento
do arroio] até a José de Alencar. Nas áreas próximas ao Dilúvio havia grandes áreas sem ocupação e sem ruas
definidas, constituindo-se num prolongamento do território negro. Nesta área, localizava-se principalmente a Ilhota,
que ficava isolada pelo arroio, tendo como único acesso a Travessa Batista (PESAVENTO, 1999). Atualmente a
região constitui os bairros Menino Deus, Cidade Baixa e Praia de Belas, principalmente.
114
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do leito do Dilúvio descaracterizam espacialmente o antigo território negro, que se
tornou valorizado do ponto de vista imobiliário. As obras acabaram com a Ilhota e
transformaram o Areal da Baronesa (CAMPOS, 2006), levando muitos a se instalarem
no Morro Santa Teresa, marco inicial da Cruzeiro.
O deslocamento da população do antigo Segundo Distrito fez com que a leitura
hegemônica sobre a Grande Cruzeiro a caracterizasse como um território negro não
tradicional2. Para Leite (1996), “o território negro integra o corpus de representações
partilhadas pelo grupo, geralmente associado a um lugar, a uma experiência”. Defende
também que o território constitui-se por uma experiência que constrói subjetividade
numa trajetória temporal que perfaz a história do grupo.
Essa trajetória tem sido marcada por sucessivos movimentos espaciais,
conceituados por Gilroy (2001) como diásporas. A diáspora pode ser compreendida,
em síntese, como um movimento de desterritorialização e reterritorialização de uma
população fora de seu lugar de origem e, portanto,
[...] é um conceito que ativamente perturba a mecânica cultural e histórica do
pertencimento. Uma vez que a simples sequência dos laços explicativos entre
lugar, posição e consciência é rompida, o poder fundamental do território
[espacial] para determinar a identidade pode também ser rompido. (GILROY,
2001, p.18)
O movimento de desterritorialização e reterritorialização, provocado pela
transferência dos territórios tradicionais, retoma o movimento espacial da diáspora
global. Como uma reprodução em menor escala do deslocamento desencadeado pelo
escravismo colonial, o negro perde seus referenciais de espaço, tendo que adaptar sua
rede de significações e representações em outro território que não o lugar em que foram
construídos, caracterizando uma diáspora local (CAMPOS, 2009). Neste caso, a Vila
Cruzeiro tornou-se o destino dos moradores do antigo Segundo Distrito.
A década de 60 marca no Brasil uma aproximação entre as populações rurais e
urbanas, segundo o IBGE3, passando de 55,9%, em 1970, para 81,2% em 2000. Neste
cenário, o “espaço urbano capitalista-fragmentado” articula-se a partir de símbolos e
campos de lutas (CORREA, 1995) e estrutura-se em centros comerciais, financeiros,
industriais, residenciais e de lazer. As desigualdades sociais da paisagem urbana, assim
como as novas e diferentes temporalidades e as multiterritorialidades também provam
o sentido de fragmentação da cidade. Desta maneira,
2
Denomino território negro não tradicional aqueles que surgiram depois do período da primeira diáspora local;
ou seja, quando os negros tiveram que desocupar as áreas povoadas no período pós-abolição.
3
Tendências Demográficas, 2000. IBGE, 2001.
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115
(...) compreender a cidade e explicar a produção do espaço urbano implica entender
esse espaço como relacionado à sua forma (a cidade) mas não se reduzindo a ela,
à medida que ela expressa muito mais que uma simples localização e arranjo de
lugares, expressa um modo de vida. Esse modo de vida não está ligado somente
ao modo de produção econômica, embora sofra seu constrangimento, mas está
ligado a todas as esferas da vida social: cultural, simbólica, psicológica, ambiental
e educacional. (CAVALCANTI, 2001)
As relações de poder estabelecidas pelos modos de vida geram os territórios que
são “uma construção coletiva, um espaço de representações e de ações que combinam
os territórios históricos, os territórios vividos e os territórios projetados e que, por sua
vez, a rede é um artefato técnico que se sobrepõe ao território” (MUSSO apud UEDA
in HEIDRICH, 2008, p.78), seja ela pessoal ou mediada. Esses diferentes territórios
formam o que Haesbaert (2004) vai denominar multiterritorialidade que se realiza,
para o indivíduo, ao “experimentar vários territórios ao mesmo tempo e [...] a partir
daí, formular uma territorialização efetivamente múltipla”.
Essa multiplicação do vivido por uma comunidade constrói a territorialidade,
possibilitando que os homens vivam, ao mesmo tempo, segundo Raffestin (1993), o
processo e o produto territorial através de um “sistema de relações existenciais e/ou
produtivistas”, geradas no conjunto formado pela sociedade, espaço e tempo, sendo a
“’face vivida’ e a ‘face agida’ do poder”. Nesse processo, percebe-se a constituição de
“uma nova espacialidade urbana que depende de redes desterritorializadas e fronteiriças”
(UEDA in HEIDRICH, 2008, p.82).
Os territórios negros tradicionais, neste caso o Segundo Distrito, haviam
criado dinâmicas internas – éticas, estéticas e estruturais – próprias, considerando
a invisibilidade frente ao público. O processo de desterritorialização provocou a
“dessocialização dos grupos étnicos”, que se constitui na transformação dessas
comunidades em grupos culturais simbólicos, estruturados a partir de marcas de
identidade esvaziadas, a territorialidade espacial. Segundo Schneider,
É precisamente quando as minorias deixam de viver em colônias e se acham
diretamente confrontadas com os outros grupos que suas especificidades
culturais tornam-se fonte de mobilização coletiva e que se desenvolve o que
Gans denominou de etnicidade simbólica. (apud POUTUGNAT; STREIFFFENART, 1998, p.71)
A etnicidade simbólica provoca outro movimento espacial denominado diásporas
relacionais (CAMPOS, 2010). Marcado por redes de relações desterritorializadas
[fluxo], proporciona elementos de identificação e de espacialidade, como, por exemplo,
nos cultos afro brasileiros.
116
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Isto que dizer que não se trata apenas de um artifício técnico no contexto da
musicalidade, mas de uma configuração simbólica que, conjugada a dança,
constitui ela própria um contexto, uma espécie de “lugar”, ou de cenário
sinestésico e sinergético, onde ritualisticamente algo acontece [...] a reatualização
dos saberes do culto simultânea à inscrição do corpo do indivíduo num território,
para que se lhe realimente a força cósmica, isto é, o poder de pertencimento a
uma totalidade integrada. (SODRÉ, 2006, p.214)
Os dispositivos midiáticos têm exercido um efeito semelhante à territorialidade
negra produzida pela roda (CAMPOS, 2010), construindo outras ambiências a partir
de elementos simbólicos, pois territorializar-se “significa também, hoje, construir e/
ou controlar fluxos/redes e criar referenciais simbólicos num espaço em movimento,
no e pelo movimento” (HAESBAERT, 2004).
A circulação e apropriação de estilos, ideias e histórias, baseados em referenciais
africanos reelaborados, tem ocorrido por transferência de formas culturais, políticas
e estruturas de sentimentos, respaldadas em discursos políticos de cidadania, justiça
racial e igualdade. O fluxo comunicacional nessa nova espacialidade tem sido facilitado
por um fundo comum de “experiências urbanas, pelo efeito de formas similares – mas
de modo algum idênticas – de segregação racial, bem como pela própria memória
da escravidão, um legado de africanismos e um estoque de experiências religiosas
definida por ambos” (GILROY, 2001, p.175). O consumo cultural torna-se então um
importante lugar de troca social e de construção de pertencimento, possibilitando o
acesso aos diferentes estilos.
Nesse movimento, os elementos simbólicos locais e diaspóricos de constituição
de afro-brasilidades têm circulado, principalmente, através de estratégicas estéticas,
fazendo com que a música ocupe um importante lugar de visibilidade, pois o mercado
tem se apropriado de sonoridades geradas nesses territórios negros em busca de
novidades para o consumo (KELLNER, 2001). Os usos da internet, relacionadas à
música, pelo grupo pesquisado, combinadas com outros suportes, como o videoclipe,
servem para a construção do efeito de presença desses jovens e, a partir dele, formas
comunicativas de constituição de pertencimento.
3 O USO DO SIMBÓLICO MEDIADO NO VIVIDO
A relação entre a música e a juventude, segundo Dayarell (2005) é uma construção
histórica, que se iniciou no século passado com o jazz. Na década de 70, ocorre uma
expansão e diversificação de estilos. Também verifica-se a ampliação da possibilidade
dos jovens tornarem-se produtores musicais, com a popularização da aparelhagem
eletrônica. Os jovens pobres também se inserem no mercado de trabalho, gerando a
ampliação do consumo juvenil, principalmente na moda e no lazer, e criando espaços
próprios de diversão nas periferias dos grandes centros, como os bailes e sons.
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Como principal produto cultural consumido pelos jovens, a música está integrada
ao cotidiano das cidades, oferecendo “a possibilidade de conjugar a trama de um
caminho de busca existencial com os signos de uma pertença coletiva” (DAYRELL,
2005, p.37). Os signos de identificação acabam por constituir as chamadas subculturas
juvenis, ligadas aos diferentes estilos que surgem a partir das preferências musicais.
O estilo, neste contexto, é a “manifestação simbólica das culturas juvenis expressa em
um conjunto mais ou menos coerente de elementos materiais e imateriais que os jovens
consideram representativos da sua identidade individual e coletiva” (p.41).
As subculturas tornam-se uma forma de territorialidade em meio a globalização,
pois “quanto mais globalizado, mais fragmentado o mundo reaparece. Nesse globalizarse-fragmentar-se grupos e grupelhos afloram. A vizinhança passa a ser uma escala
geográfica importante na vida das pessoas.” (CANCLINI, 1996, p.31). Partindo desta
perspectiva, buscou-se uma amostragem que compartilhasse as características de
grupo.
Os jovens do grupo pesquisado na Grande Cruzeiro ouvem principalmente
pagode e funk4, utilizando-se de símbolos dos estilos musicais no cotidiano. Desta
maneira, além da própria ideia de juventude ser “uma condição social e uma
representação” (DAYRELL, 2005, p.21), buscam outros lugares de representação. Os
meios de comunicação, enquanto esfera socializadora, tem oferecido elementos para
a construção desses estilos, reforçando a tendência de estetização da vida cotidiana
(FEATHERSTONE, 1995, 100). No que tange a música, Canclini (1996) diz que a
circulação de músicas étnicas tem contribuído para reproduzir e renovas os imaginários.
Mesmo que as músicas de preferência dos jovens não sejam étnicas, apresentam
características afro-brasileiras, combinando formas vernaculares africanas [batuque]
com novas sonoridades.
Além do pagode e do funk, um dos jovens referiu outro estilo musical afrodiapórico – o hip-hop. Os três estilos apresentam as características de hibridização que
tem sido, no processo dinâmico do mercado musical, recombinado das mais diferentes
formas. As batucadas, que “adaptaram os padrões sagrados às exigências seculares”
(GILROY, 2007, p.246), podem ser ouvidas nos estilos indicados, mantendo um diálogo
sempre reatualizado com os elementos considerados africanos. No entanto, a “África
que vai bem nesta parte do mundo é aquilo que a África se tornou no Novo Mundo, no
turbilhão violento do sincretismo colonial, reforjada na fornalha do panelaço colonial”
(HALL, 2003, p.40).
Os grupos referidos nas entrevistas seguem essa combinação. Três jovens
apontaram o Bom Gosto como preferido, seguido pelo Exaltasamba, com duas
referências. Com essa sonoridade [híbrido de samba e pop], também foram citados, uma
vez cada, Sorriso Maroto, Rodriguinho, Grupo Zoeira e Pura Cadência. Zói di Gato foi
O funk é uma derivação do rap. No entanto, suas letras são cantadas e não faladas. As temáticas das letras
estão ligadas aos cotidianos de pobreza, violência e principalmente a sexualidade. As letras são consideradas
alienadas pelos músicos do rap e pelo movimento social negro (DAYRELL, 2005).
4
118
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o único MC de funk apontado. Representando a música afro-diaspórica, foram citados
as cantoras Beyonce e os rappers Boy e Soldier. Sobre a musicalidade de artistas da
diáspora negra, Gilroy (2001) vai dizer que
Os ritmos irreprimíveis do tambor, outrora proibido, muitas vezes ainda são
audíveis em seu trabalho. Suas síncopes características ainda animam seus desejos
básicos – serem livres e serem eles mesmos – revelados nesta conjunção única
de corpo e música da contracultura. (p.163-164)
Canclini (1996) também aponta uma nova constituição social em que
as esferas de cidadania, meios de comunicação de massa e consumo estão
aproximados, sendo necessária a criação de novos patamares e modelos de
cidadania. Os estilos, evidenciados pelos gostos musicais, são uma das estratégias
utilizadas pelos jovens para as negociações pessoais e coletivas, obtendo esses
referenciais de representação através do consumo de bens culturais. O consumo,
para o autor, “é o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a
apropriação e os usos dos produtos” (p.77).
A internet, enquanto meio convergente, possibilita que os jovens experenciem a
música a partir de vários formatos – áudio, vídeo, texto, letras, imagens, etc. Ao mesmo
tempo, oferece a oportunidade de que os jovens encontrem espaços de relacionamento
com pessoas da mesma subcultura. Para Sodré (2006), as novas tecnologias do social
possibilitam a “emergência de uma nova Cidade humana.” Este lugar, é um espaço
privilegiado para o processo de territorialização do simbólico.
Do grupo pesquisado, sete dos nove jovens tem acesso mais frequente à internet.
Um diz acessar pouco e um não acessa. Cinco dos oito jovens acessam a internet em
casa, quatro referem acessar a internet em lan house.5 Desses, dois coincidem com os
que acessam de casa e dizem ir às casas que comercializam o acesso a internet para
encontrar os amigos. Dois entrevistados disseram acessar a internet no “curso” e um
utiliza o computador no serviço.
A navegação se dá principalmente em sites de relacionamento. Os oito possuem
conta na página de relacionamento Orkut e quatro utilizam o Messenger (MSN). Com
esses acessos, buscam essencialmente relacionar-se com amigos. Afirmam não falar
diretamente sobre música, mas conversam principalmente sobre as festas que frequentam
ou que irão frequentar e também sobre cantores e shows. O jovem que referiu ouvir
hip-hop participa de comunidades que tratam dessa cultura.
Seis dos jovens dizem navegar em outros sites, buscando notícias sobre seus
artistas preferidos e letras das músicas. Com isso, conseguem cantar as músicas
durante as festas e em “rodas de samba”. As informações sobre cantores serão alguns
O papel das lan houses como lugar de interação pessoal nas regiões populares ainda não foi devidamente
pesquisado.
5
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119
dos assuntos discutidos quando estiverem com os amigos ou nas festas. Acessar o site
do Youtube para assistir e baixar videoclipes de funk, pagodes e hits americanos, foi
referido por sete jovens.
A internet, portanto, serve para construir e manter redes desterritorializadas, que
se territorializam em determinados lugares, como nas festas, por exemplo. Por outro
lado, servem de fonte de informações que serão utilizadas nos momentos de interação
pessoal e para buscar elementos para a identificação de símbolos para a construção do
seu estilo. “Logo, devemos admitir que no consumo se constrói parte da racionalidade
integrativa e comunicativa de uma sociedade” (CANCLINI, 1996, p.56).
Os jovens homens consomem informações, imagens e sonoridades na internet
para, principalmente, observar como os cantores se vestem, buscando adaptar as
roupas para o uso cotidiano e nas festas. Também os gestos e posturas dos cantores.
As mulheres estão atentas principalmente ao jeito das cantoras dançarem e como estão
penteadas. Todos referiram que, em síntese, buscam novidades para cada nova festa e
para “atualizar o visual”.
Os lugares frequentados pelos jovens são as que tocam os estilos referidos. Os
mais citados são a quadra da Banda da Saldanha e da escola de samba Imperadores, a
cervejaria Chopp1, o Delmar e o Risca Faca6. Nestes locais, os elementos simbólicos
apropriados pelo consumo são levados ao vivido. As jovens apresentam novos
penteados e passos de dança apropriados dos músicos também na internet. Referem
que assistir ao clipe na televisão não oferece a possibilidade de repetição para
aprender as coreografias, levando-os à internet. Os jovens observam os gestuais e a
maneira de parar e caminhar dos cantores preferidos, construindo a partir deles sua
performance.
A performance faz do corpo o “âmbito de convergência das práticas culturais”
(FILHO, 2009), tornando-o elemento central para o efeito de presença. Nesse lugar,
a convergência da experiência de corporidade, ao som das músicas híbridas afrobrasileiras, com o efeito de presença – apropriado e ressignificado a partir do consumo
–possibilita um reforço da representação do estilo ao qual estão ligados. Também nessa
ambiência, no caso estudado, acontece a construção de um território negro de fluxo, em
que são oferecidos elementos para uma experiência de afro-brasilidade. Para Gilroy,
Os músicos, dançarinos e artistas negros do Novo Mundo difundiram reflexões,
estilos e prazeres através dos recursos institucionais das indústrias culturais
colonizadas e capturadas por eles. Essas mídias, principalmente a gravação de
som, têm sido apropriadas às vezes com propósitos subversivos de protesto e
afirmação. (GILROY, 2007, 159)
6
Os dois últimos locais da lista ficam na própria Vila Cruzeiro. Funcionam durante o dia como sinuca e secos
e molhados, respectivamente. À noite, os salões são esvaziados e transforma-se em baile funk. Dos nove
entrevistados,sete afirmaram frequentar os locais.
120
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Essa afirmação se dá com base numa tradição que está em permanente movimento,
pois “as culturas negras não são estáticas [...] são constantemente construídas e
reconstruídas” (SANSONE, 2007), num movimento espaço-temporal ainda múltiplo.
Ao territorializar elementos simbólicos de estilos afro-brasileiros, os jovens também
experimentam uma vivência negra.
4 CONSIDERAÇÕES
A análise da relação estabelecida, pelos jovens pesquisados, entre música e
internet indica que esta não se dá de maneira direta. Ao navegar, os jovens buscam
relacionar-se com os amigos, tendo as festas que frequentam um importante tema de
conversa. Também buscam adquirir informações que possam ser utilizadas nas suas
interações pessoais e para construir ou fortalecer um estilo, que encontra na música
seu elemento mais visível.
As informações obtidas na internet são vestidas simbolicamente. Os jovens
homens buscam referencias de roupas a usar e expressões gestuais. As mulheres estão
mais atentas aos penteados e a novos passos de dança. O uso desses bens simbólicos
apropriados não se dá somente no ambiente específico da festa. São levados ao cotidiano,
visando fortalecer a representação do estilo escolhido.
O grupo utilizado na amostragem pertence a famílias das classes C e D e, por
isso, fortalece a representação simbólica por não terem acesso a todos os produtos que
produziriam os mesmos sentidos em nível material. Pode-se observar que, além da
adaptação de roupas ao estilo, compartilham expressões de fala e utilizam gestos dos
mestres de cerimônia de funk e cantores de pagode.
Os jovens indicaram consumir principalmente músicas afro-brasileiras, com
destaque para o pagode. No entanto, em nenhum momento referiram as letras. A
atenção está nas sonoridades e na manifestação expressiva. Pode-se inferir com isso
que enquanto a primeira produz o estilo, a segunda gera a possibilidade de vivência
de um pertencimento étnico.
A ambiência musical produzida pela intervenção de um dispositivo de mídia
sonora perturba o cotidiano, construindo uma territorialidade geográfica negra que, como
referido, por ser simbólica, é desterritorializada. O uso dos elementos simbólicos do
estilo e a apropriação de elementos negros durante as interações pessoais, ainda devem
ser aprofundados em pesquisas posteriores, estando aqui apontados que ocorrem.
Inicialmente, a pesquisa buscava refletir sobre as possibilidades de investigação ao
se construir uma territorialidade negra de fluxo [festa, roda de conversa] num território
geográfico negro [Grande Cruzeiro]. Observou-se, no entanto, que a territorialidade
negra por constituir-se a partir do simbólico independe de um espaço geográfico
específico, podendo realizar-se em outros lugares.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
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Opinio, n.28, jan./jun. 2012
123
Comportamento do consumidor
no processo da decisão de compra
no comércio eletrônico
Robson Dalenogare Lazzari
Adi Regina Kaercher
Gabriela de Bem Fonseca
Igor Roberto Borges
Jorge Steyer
RESUMO
Este artigo tem a finalidade de analisar o comportamento do consumidor no processo da
decisão de compra na internet, ou seja, o processo business to consumer (B2C), com vistas a
detalhar o comportamento evidenciado e os perfis de consumo. A pesquisa evidenciou que o preço,
a segurança, as informações detalhadas do produto e a garantia são itens críticos para a decisão
de compra pela internet. Também evidenciou a importância que o cliente dá para um código de
rastreamento do pedido, devido à grande necessidade de “acompanhar” a entrega, monitorar
diariamente o status e os horários de pico de consumo na internet, pois os consumidores não possuem
um horário específico para realizar suas compras. Quanto à avaliação do perfil do e-consummer,
pode-se afirmar que quanto maior o índice de escolaridade, maior é o percentual de participação
nas compras on-line. Nesse sentido, o mercado virtual é uma oportunidade gigantesca para os
administradores, disso ninguém mais duvida.
Palavras-chave: Comportamento do consumidor. Decisão de compra. E-commerce.
Consumer behavior in the process of buying decision in commerce
ABSTRACT
This article aims to analyze consumer behavior in the purchase decision process on the
Internet, the process business to consumer (B2C), in order to detail the behavior evidenced and
Robson Dalenogare Lazzari é graduado em Administração pela ULBRA Gravataí/RS.
Adi R. Kaercher é graduada em Administração pela ULBRA. Especialista em APD – Administração e Planejamento
para Docentes pela ULBRA. Doutoranda em Marketing Internacional pela Universidad de León na Espanha.
Professora na ULBRA Gravataí/RS. E-mail: [email protected]
Gabriela de Bem Fonseca é graduada em Ciências Contábeis pela ULBRA. Pós-graduada em Gestão Contábil
com Ênfase em Tributos pela Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Professora do Curso de Administração da
ULBRA. E-mail: [email protected]
Igor Roberto Borges é graduado em Administração pela ULBRA. Especialista. Mestrando em Engenharia da
Produção pela UNISINOS; Coordenador do Curso de Administração e professor na ULBRA Gravataí/RS. E-mail:
[email protected]
Jorge Steyer é graduado em Administração pela Faculdade de Economia da UFRGS. Graduado em Ciências
Contábeis pela Faculdade Administrativas e Contábeis Paulo Eiro. Especialista em Finanças pela PUC/RS. Mestrado
em Ciências Empresariais pela Universidade Fernando Pessoa no Porto/Portugal. Professor da Administração
da ULBRA. E-mail: [email protected]
Opinio
Canoas
n.28
p.124-144
jan./jun. 2012
consumption profiles. The research showed that the price, safety, detailed product information and
warranty items are critical to the buying decision online. It also highlighted the importance that the
client gives to a tracking code of the application, due to the great need to “keep up” delivery, monitor
the status and daily peak hours of consumption on the Internet, because consumers do not have a
specific time to make their purchases. Regarding the evaluation of the profile of e-consummer, it
can be stated that the higher the level of education, the higher the percentage of participation in
online shopping. In this sense, the virtual marketplace is a massive opportunity for administrators,
no one doubts that.
Keywords: Consumer behavior. Purchase decision. E-commerce.
1 INTRODUÇÃO
Segundo Leiner et al. (2010), na década de 1960, no período da Guerra Fria,
quando dois blocos ideológicos e politicamente contrários exerciam fortemente controle
e influência no mundo, um ataque russo às bases militares americanas poderia tornar
os EUA vulneráveis. Foi idealizado, então, um modelo de troca e de compartilhamento
de informações que permitisse certa descentralização. A partir de pesquisas militares,
nascia a Internet.
Dessa forma, sem grandes pretensões, surgiu a Internet que registrou uma evolução
nunca vista antes pela sociedade, culminando até os dias atuais. É o único meio de
comunicação que, em apenas quatro anos, conseguiu alcançar cerca de 50 milhões de
pessoas. Durante a década de 1990, a evolução da Internet em nível mundial era mais de
cem por cento (100%) ao ano, com uma explosão de acréscimo entre 1996 e 1997.
O volume de negócios realizados pela rede mundial explode a cada ano e conquista
adeptos interessados em utilizar seu ambiente como plataforma de negócios.
O comércio eletrônico apresenta inúmeras vantagens em relação ao comércio
convencional. De maneira geral, proporciona produtos e serviços mais baratos. Nessa
modalidade, também se encontram mais opções de escolha de produtos e serviços e
pode-se consumir 24 horas por dia, sete dias por semana, todos os dias do ano e a partir
de qualquer ponto do planeta.
Segundo o Ibope NetRatings, existem 79,9 milhões de internautas no Brasil, sendo
este o 5º país mais conectado. De acordo com a Fecomércio-RJ/Ipsos, o percentual
de brasileiros conectados à internet aumentou de 27% para 48%, entre 2007 e 2011
(IBOPE NIELSEN, 2012).
Analisando este cenário, observa-se que o mercado atual necessita de gestores
preparados para identificar as potencialidades das empresas e conhecer os passos
necessários para a geração de novos negócios através de ações, independente do porte
e/ou segmento de atuação. Entender o comportamento do consumidor no processo de
decisão de compra virtual é fundamental para que os gestores possam direcionar esforços
a fim de garantir uma experiência única e satisfatória para ambos os envolvidos.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
125
Portanto, como objetivo de estudo, pretende-se analisar o comportamento do
consumidor no processo da decisão de compra na internet, ou seja, o processo business
to consumer (B2C), evidenciando, dessa forma, os perfis de consumo.
2 O CENÁRIO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO
BRASILEIRO
Para Welch (1999, apud Siegel, 2000, p.20), diretor presidente da General Electric,
todas as empresas devem dar total atenção ao e-business; a internet é agora prioridade
número 1, 2, 3 e 4.
Lembram Deitel e Deitel (2004) que o e-business e o e-commerce têm aumentado
a velocidade e a facilidade das transações comerciais e, como resultado, a competição
tem sido imensa. Assim, sugere que as empresas precisam ajustar-se constantemente
às novas tecnologias, integrando sistemas mais modernos e mais rápidos e atendendo
às necessidades das pessoas. Explica que existem muitos benefícios em se levar um
negócio para a internet. Um e-business pode oferecer personalização, serviço de alta
qualidade ao cliente e um melhor gerenciamento da cadeia de suprimentos, ou seja,
o gerenciamento de forma estratégica dos canais de distribuição e também todos os
processos que os sustentam.
Até recentemente, o e-commerce era viável apenas para grandes companhias.
Porém, a internet tem viabilizado para as organizações de médio e pequeno porte a
entrada nesse mercado; agora elas podem e devem fazer negócios no esquema 24/7
(24 horas ininterruptas e sete dias por semana) em todo o mundo.
O e-commerce brasileiro cresceu quarenta por cento (40%) no 1º semestre de 2010
se comparado ao mesmo período de 2009, atingindo faturamento de R$ 6,7 bilhões e
tíquete médio de R$ 379,00. No fechamento de 2010, o faturamento ultrapassou R$
14,3 bilhões. Outra característica marcante do primeiro semestre de 2010 foi o alto
tíquete médio: R$ 379,00. No mesmo período de 2009, o valor era de R$ 323,00, um
acréscimo nominal de dezessete por cento (17%). A explicação para esse aumento
considerável é a maior regularidade na venda de produtos de maior valor agregado em
2010, explica Guasti (2010, p.12).
3 BUSINESS TO CONSUMER (B2C)
Afirmam Clinton e Gore (1997) que poucas inovações na história da humanidade
reúnem tantos potenciais de inovação quanto o comércio eletrônico, seja por sua
interatividade fundamental com o consumidor, por atingir um mercado aberto de
milhões de clientes e, obviamente, por estarem sempre utilizando a tecnologia de ponta
disponível no mercado.
126
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
Catalani (2006) avalia que o Business to Consumer (B2C) provavelmente
seja o modelo mais clássico, baseado na possibilidade de uma empresa vender para
consumidores finais pela internet.
O modelo B2C apresenta aos consumidores um modelo de praticidade,
conveniência, com grande velocidade e um relativo custo minimizado. É possível
realizar transações comerciais todos os dias do ano. Sendo assim, esse modelo
proporciona que os consumidores tenham acesso a informações de forma rápida e
eficaz, fazendo com que possam comparar os melhores produtos ou serviços e aguardar
por uma entrega ágil e veloz.
Alguns modelos de comércio eletrônicos mais bem-sucedidos utilizam o modelo
vitrine on-line.1 Os sites B2C geralmente possuem um carrinho de compras eletrônico
que permite aos clientes visitar a loja, fazer compras e fornecer dados para a entrega
dos produtos.
Os benefícios do B2C são inquestionáveis, conforme Albertin (2001). Por meio
de um contato direto, rico em detalhes de informações com os clientes do comércio
eletrônico, pode--se melhorar a promoção de produtos. Devem-se direcionar produtos,
serviços, banners e todo o marketing conforme o perfil do cliente.
O ciclo de comercialização de novos produtos ou serviços na internet é algo
jamais visto até então pela humanidade. Quando uma empresa virtual disponibiliza um
novo produto ou serviço, é a que mais se beneficia com as margens e com o volume
de vendas, proporcionados pelos primeiros clientes.
Esclarece Albertin (2001) que a habilidade em prover respostas de forma
on-line para problemas, por meio de guia de solução, arquivos de problemas
normalmente encontrados, interação com correio eletrônico e também suporte
via áudio e vídeo, disponibilidade 24 horas por dia e 365 dias por ano, constrói a
confiança e a retenção do cliente. Monitorar como os clientes utilizam o ambiente
da Internet é uma boa estratégia, pois provê informações que podem contribuir para
melhorar os produtos atuais. Além disso, fornece uma lista de aspectos criticados
de produtos a qual pode ser fonte significativa de realimentação para novos projetos
de produtos.
Para Patel e Mccarthy (2001), é imprescindível que a empresa virtual “pense
diferente”. Essa diferenciação pode ser efêmera, mas certamente de grande valia.
Uma das maiores empresas que comercializa produtos via internet liderou o mercado
de CDs musicais por muito tempo. Quando uma segunda organização percebeu
que os clientes muitas vezes compravam o CD devido a uma, duas, ou três faixas
musicais no máximo, começaram a disponibilizar o serviço de gravação de músicas,
em que os clientes escolhiam as músicas que gostariam de ter compiladas em um
único CD. O sucesso foi estrondoso e, por ser pioneira nesse mercado, a organização
Vitrine on-line: É um site para exposição de produtos e serviços, em que estes são apresentados em detalhe,
com descrição, foto e demais características. A vitrine on-line apenas divulga as lojas, produtos e serviços. A
comercialização se faz por meio de contato pessoal: telefone, fax, correio, e-mail ou visita ao estabelecimento.
1
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
127
atendeu uma fatia gigante dos usuários inovadores, que estão sempre atentos a novos
serviços prestados e a novas tecnologias disponíveis. A primeira empresa rapidamente
implantou o mesmo serviço em sua loja virtual, mas apenas conseguiu atender os
usuários tardios. Assim, obviamente, sua comercialização nesse tipo de serviço foi
mínima.
Ao argumentar sobre o trabalho pioneiro das empresas no e-business, Patel e
McCarthy (2001, p.20) afirmam que: “Você deve fazer algo diferente para se destacar,
determinando novas regras do jogo a fim de forçar aqueles que o seguem a ceder-lhe o
seu espaço, enquanto eles tentam encontrar os próprios parâmetros. Não há participantes
secundários bem-sucedidos no e-business.”
3.1 E-consumer
Para Guasti (2010), no ano de 2010, o número de consumidores que realizou pelo
menos uma compra através da internet aumentou consideravelmente, chegando a mais
de trinta por cento (30%) em relação a 2009, conforme Figura 1.
Os e-consumers ou clientes on-line podem ser divididos em dois tipos: os
consumidores individuais, que recebem grande atenção da mídia, e os compradores
organizacionais, que são responsáveis pela movimentação de grandes pedidos na
internet, despertando assim um interesse bastante elevado por parte das empresas.
FIGURA 1 – Evolução do número de e-consumers.
25
Evolução do número de e-consumers
Milhões
20
23
17,6
15
13,2
9,5
10
7
5
2
2,6
3,4
4,8
0
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Fonte: Adaptado de Guasti (2010).
128
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
2008
2009
2010
Os compradores organizacionais compreendem governos, corporações privadas,
revendedores e organizações públicas. Geralmente as aquisições realizadas nesse âmbito
servem para agregar valor ao produto ou ao serviço comercializado, embora também
possam comprar produtos para revenda sem qualquer modificação.
Em 1858, Hebert Coleridge pediu à população inglesa para ajudá-lo a reunir
material para a elaboração de um novo dicionário. Ele colocou anúncios nos jornais,
solicitando palavras na esperança de receber cem mil correspondências, para completar
o projeto em dois anos. Sessenta anos depois, após serem enviadas mais de seis milhões
de correspondências, foi publicada a primeira edição do Oxford English Dictionary.
Coleridge não viveu tempo suficiente para ver o grande trabalho. Como ele imaginara,
a maioria das contribuições veio de voluntários não remunerados. Opina Siegel (2000)
que se Coleridge ainda estivesse vivo, poderia ter organizado seu dicionário em meses,
não em anos, com o auxílio dos e-consumers. Acredita que as pessoas gostam de
participar e estima que, quando você vê a foto de um grupo, você sempre procura o
seu rosto primeiro; quando examina uma página de preços de ações, sempre localiza
em quais se investe primeiramente; na web, não poderia ser diferente, pois o desejo
das pessoas é mais do que uma mera vaidade. As pessoas preferem naturalmente
colocar-se como âncoras em sua própria estrutura de referência, explica.
Siegel (2000) investiga a afirmação de que as pessoas também se veem como se
fossem outras. Justifica que, em um site que focaliza os cuidados com o pré-natal, os
visitantes preferem ver nas páginas iniciais mulheres grávidas ao invés de obstetras.
Esclarece que esse relacionamento catalisador é raro nos negócios do velho mundo, e a
energia pessoal é uma das maiores fontes de energia da web. No ano de 2000, mais de dez
milhões de pessoas possuíam homepages pessoais, e são necessários tempo e dinheiro
para construí-las e mantê-las. As pessoas dedicam recursos para suas homepages
pessoais porque querem expressar-se e encontrar pessoas semelhantes.
3.2 Comportamento de e-consumer
A necessidade de consumo não surge do nada, tem como origem a motivação que
automaticamente vai gerar a necessidade e que, por sua vez, irá despertar o desejo. Esse
processo desencadeia a preferência de atender à motivação inicial; logo, o consumidor
tende a escolher um produto ou serviço que corresponda a sua necessidade.
Mowen e Minor (2003) referem-se ao comportamento do consumidor como um
modelo que envolve cinco composições bases que formam os estudos deste assunto.
São eles: a unidade compradora, o processo de troca, a estratégia do vendedor, os
influenciadores individuais e os influenciadores do ambiente.
Os clientes que buscam produtos, serviços, ideias e experiências são representados
pelas unidades compradoras e estão diretamente ligados ao vendedor por uma relação
de troca. Essa unidade poderá ser composta por um indivíduo, uma família ou uma
organização que toma a decisão de compra.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
129
Comentam Mowen e Minor (2003) que o termo vendedor é muito utilizado
no modelo. O vendedor aqui poderá ser a empresa que comercializa a mercadoria
ou o serviço, uma organização sem fins econômicos, um órgão governamental ou
ainda qualquer indivíduo que deseja vender algo. Ele busca criar uma troca com os
consumidores, colocando em prática um plano de marketing a fim de garantir suas
metas e lucros em longo prazo.
As empresas operam dentro de um mercado cada vez mais globalizado e
competitivo, por isso a necessidade de entender o comportamento dos clientes é
fundamental para levá-los a efetivar a aquisição de produtos ou serviços. Descobrir e
reter os clientes são fatores decisivos para o sucesso de qualquer organização, seja ela
off-line ou on-line, justifica Turban e King (2004).
Conceituam Turban e King (2004) que existem algumas variáveis que impactam
no ambiente de compra. Essas podem ser classificadas em:
a. Variáveis sociais: a sociedade exerce imensa influência no processo de decisão
de compra do indivíduo e pode se dar através da família, de amigos ou de
colegas de trabalho. Grande parcela desse entusiasmo se deve às comunidades
da internet, nas quais o consumidor busca opinião e experiência de quem já
adquiriu tal produto/serviço.
b.Variáveis culturais / de comunidade: a organização deve levar em conta se o
consumidor mora no Vale do Silício, na Califórnia ou nas montanhas do Nepal.
Conseguir compreender os costumes culturais é um instrumento precioso para
garantir um relacionamento sadio e duradouro.
c. Outras variáveis ambientais: diz respeito a regulamentações governamentais,
impedimentos legais ou barreiras comerciais, lembram Turban e King (2004).
4 METODOLOGIA DA PESQUISA
O método utilizado para o estudo foi uma pesquisa descritiva, objetivando
identificar quais características do business to consumer (B2C) influenciam o
comportamento do consumidor frente ao processo de tomada de decisão de compra. A
pesquisa descritiva tem como objetivo identificar a descrição de algum tema, geralmente
características ou funções de mercado, reflete Malhotra (2006).
Para Roesch (1999), os estudos descritivos, também chamados pesquisas ad-hoc,
descrevem situações de mercado a partir de dados primários, obtidos em entrevistas
pessoais ou em discussões em grupo, confirmando as hipóteses levantadas na definição
do problema de pesquisa. Deste modo, após a coleta dos dados, estes foram analisados
e descritos para esclarecer que atributos do business to consumer (B2C) influenciam
o comportamento do consumidor frente ao processo de tomada de decisão de compra
no mercado virtual.
130
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
Quanto ao método de apoio ao estudo, trata-se de uma pesquisa quantitativa. A
pesquisa realizada através da internet teve a intenção de revelar os principais fatores
de consumo na rede e observar as decisões adotadas durante o processo de compra no
ambiente virtual. O questionário foi construído com 18 (dezoito) questões, objetivando
colher os dados dos participantes. O levantamento dos dados foi realizado através de
uma página disponibilizada no site e-generation.com.br (2010)2.
A pesquisa gerou interesses de órgãos ligados ao tema que, por sua vez, auxiliaram
na divulgação da pesquisa. O Conselho Federal de Administração (CFA) publicou uma
nota da pesquisa em sua página de notícias, assim como a Associação Brasileira das
Agências Digitais (ABRADI) veiculou a notícia em seu site. Após análise dos dados,
a ABRADI solicitou o trabalho para enviar a seus associados. As informações obtidas
através da pesquisa ficaram hospedadas de maneira segura em servidores da organização
Google Inc. para posterior análise.
A população-alvo é constituída por 850 pessoas e, destas, 448 responderam o
questionário (tamanho da amostra); as estimativas de parâmetros dessa população têm
margem de erro máximo de 3,18 % com 95% de confiança.
5 RESULTADOS DA PESQUISA – PROCESSO DE
DECISÃO DE COMPRA
A primeira questão objetivou identificar o local onde as pessoas acessam a Internet.
Os resultados da pesquisa são apresentados na Tabela 1 e no Gráfico 1.
TABELA 1 – Onde você acessa a Internet?
Entrevistados*
Frequência (%)
Restaurantes / Bares / Parques
22
2%
Lan House
41
5%
Escola / Universidade
127
14%
Trabalho
295
33%
Casa
397
45%
8
1%
890
100%
Outros
Σ
Fonte: Resultados da pesquisa, 2011.
* Observa-se nesta questão que o total de respostas é maior que o total de entrevistados, visto que é uma
questão de múltipla escolha.
2
Nota: Página disponibilizada na internet para o levantamento de dados – http://www.e-generation.com.br/.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
131
GRÁFICO 1 – Gráfico de locais de acesso à internet.
Fonte: Resultados da pesquisa, 2011.
Quarenta e cinco por cento (45%) das pessoas acessam a internet a partir de suas
casas, bem como trinta e três por cento (33%) de seus postos de trabalho. As escolas e as
universidades são utilizadas por quatorze por cento (14%) dos entrevistados, enquanto
que serviços de Lan House ficam com cinco por cento (5%), Vale ressaltar também a
representação de acessos, compostos pela escolha Restaurantes/Bares ou Parques, que
representa um por cento (1%) das escolhas, como se pode observar na tabela.
Para Guasti (2010), a conveniência se afirma com relação aos locais onde os
usuários acessam a internet. Uma das questões mais estudadas pelos administradores é o
motivo que leva os consumidores a praticarem a compra de forma virtual. É incontestável
que dois são os fatores mais relevantes, o preço e a comodidade.
A Tabela 2 e o Gráfico 2 demonstram os resultados da pesquisa sobre
“Conveniência” e a comodidade de as pessoas acessarem a internet.
TABELA 2 – Conveniência.
Entrevistados*
Frequência (%)
Casa / Trabalho
692
78%
Restaurantes / Bares / Parques
22
2%
Lan House
41
5%
Escola / Universidade
127
14%
8
1%
890
100%
Outros
Σ
Fonte: Resultados da pesquisa, 2011.
* Observa-se nesta questão que o total de respostas é maior que o total de entrevistados, visto que é uma
questão de múltipla escolha.
132
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
GRÁFICO 2 – Comodidade ao acessar a internet.
Fonte: Resultados da pesquisa, 2011.
De acordo com os resultados da pesquisa, setenta e oito por cento (78%) dos
entrevistados buscam conforto, acessando o comércio eletrônico de casa ou do trabalho.
Em seguida, destaca-se Escola ou Universidade com quatorze por cento (14%) da
amostra.
A terceira questão objetivou identificar os motivos para a decisão de onde comprar
na internet. Os resultados da pesquisa são apresentados na Tabela 3 e no Gráfico 3.
TABELA 3 – Quando busca um produto, o que leva em consideração na decisão de onde comprar?
Entrevistados
Frequência (%)
Compro pelo melhor preço.
169
38%
Na maioria das vezes, compro na mesma loja por
saber que meus produtos sempre chegam.
164
37%
Nunca comprei pela internet.
92
21%
Outros
23
5%
Σ
448
100%
Fonte: Resultados da pesquisa, 2011.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
133
GRÁFICO 3 – Motivos para decisão de onde comprar na internet.
Fonte: Resultados da pesquisa, 2011.
Iniciando a análise do comportamento do consumidor virtual, ou e-consummer,
foi questionado que aspecto é levado em consideração na decisão de onde comprar,
ou seja, em qual loja virtual. Para trinta e oito por cento (38%) dos entrevistados, o
melhor lugar é onde está o melhor preço, enquanto que trinta e sete por cento (37%)
compram nas mesmas lojas por terem experimentado um caso de sucesso e sentem-se
seguros por saberem que seus produtos sempre chegam. Cinco por cento (5%) dos
compradores escolheram outros motivos, conforme exemplos abaixo.
“Melhor preço e confiabilidade no site. Só o melhor preço não é determinante.
Saber que um site tem expressão ou que alguém já comprou nele, e o produto
chegou, ajuda.”
“Um conjunto de fatores, como prazo de entrega, confiabilidade da loja/vendedor,
preço, etc. Dependendo do produto, algum fator pode prevalecer em importância
frente aos outros.”
A imagem da organização perante o público também é citada como fator de
decisão de onde comprar.
“Reputação da loja, através de pesquisas nos meios eletrônicos.”
134
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
O preço é citado como fator determinante da compra mais uma vez, seguido da
credibilidade que os clientes têm na loja analisada em questão. Os consumidores pagam
determinado valor por um produto ou serviço a fim de terem seus desejos atendidos.
Essa é a questão que se necessita entender: proporcionar uma experiência prazerosa é a
missão das organizações. Se houver preço adequado e serviços alinhados com o desejo
dos consumidores, setenta e cinco por cento (75%) dos entrevistados serão potenciais
clientes no mercado virtual.
A quarta questão objetivou identificar os motivos para comprar pela internet. Os
resultados da pesquisa são apresentados na Tabela 4 e no Gráfico 4.
TABELA 4 – O que o motiva a comprar pela internet?
Entrevistados
Frequência (%)
Segurança
17
2%
Garantia
34
5%
Oferta de modelos
122
16%
Comodidade
205
27%
Preço
276
37%
Nunca comprei pela internet
92
12%
Outros
7
1%
753
100%
Σ
Fonte: Resultados da pesquisa, 2011.
GRÁFICO 4 – Motivos de compras pela internet.
Fonte: Resultados da pesquisa, 2011.
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
135
Conforme resultados da amostra, trinta e sete por cento (37%) dos consumidores
escolheram o preço como fator de argumentação para a compra virtual, enquanto que
vinte e sete por cento (27%) alegam ter a comodidade como fator de decisão. A oferta
de modelos de produtos e serviços atrai dezesseis por cento (16%) dos participantes da
pesquisa. Cinco por cento (5%) afirmam que a garantia que encontram no e-commerce
é fator primordial para o consumo.
A segurança é avaliada por dois por cento (2%) dos respondentes como ponto
de decisão para comprar no e-commerce, o que denota um ponto de vista interessante,
uma vez que um dos grandes vilões do comércio eletrônico é justamente essa questão.
Ressalta Kovacs (2004) que os consumidores os quais compram bastante pela internet
apresentam uma percepção de menos riscos com questões de segurança do que os que
nunca compraram por esse meio.
Outro ponto que visa a identificar o comportamento do consumidor on-line, no
que diz respeito ao motivo que este compra em lojas físicas, é: Mesmo sabendo que
um produto de R$ 900,00 é dez por cento (10%) mais barato na internet, por que você
compra na loja física pagando mais caro?
A quinta questão objetivou identificar os motivos para comprar mais caro em lojas
físicas. Os resultados da pesquisa são apresentados na Tabela 5 e no Gráfico 5.
TABELA 5 – Motivos para comprar mais caro em lojas físicas.
Entrevistados
Frequência (%)
Neste caso, compraria pela internet.
229
51%
Gosto de comprar e sair com o produto em mãos.
81
18%
Preciso ver e tocar o produto, e na internet não posso
fazer isso.
75
Tenho medo de pagar e não receber o produto.
63
14%
Σ
448
100%
17%
Fonte: Resultados da pesquisa, 2011.
136
Opinio, n.28, jan./jun. 2012
GRÁFICO 6 – Motivos para comprar mais caro em lojas físicas.
Fonte: Resultados da pesquisa, 2011.
De acordo com os resultados da pesquisa, cinquenta e um por cento (51%) dos
respondentes comprariam pela internet devido ao menor preço prático por venda na
internet (10% mais barato na internet). Para dezoito por cento (18%) da amostra, comprar
e levar o produto em mãos é mais importante que a diferença de valor. Como não é
o medo de comprar na internet que faz com que as pessoas comprem em loja física,
observa-se que provavelmente são compras não planejadas, realizadas por impulso,
pois os consumidores deixam de receber um desconto de dez por cento (10%) em
função do tempo de espera do produto. Dezessete por cento (17%) argumentaram que
precisam explorar o sensorial, ou seja, ver e tocar o produto, e a compra pela internet
não possibilita isso.
Para quatorze por cento (14%) dos entrevistados, o medo de pagar e não receber
o produto é maior que a vantagem do desconto de 10%. Desse modo, avalia Catalani
et al. (2006, p.73) sobre o medo de comprar na internet:
Uma das maiores resistências para comprar on-line é o medo de se colocar o
cartão de crédito na internet. Muito embora os varejistas, as operadoras de cartão
e a indústria de TI tenham feito um enorme esforço para minimizar esse medo
das pessoas, investindo em marketing, tecnologia e processos de segurança, há
uma enxurrada de notícias sobre vírus e problemas de segurança na internet, o
que dificulta a quebra da resistência cultural, especialmente entre as pessoas
pessimistas em relação à tecnologia.
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Somando os resultados dos respondentes que optaram por “Gosto de comprar
e sair com o produto em mãos” e “Preciso ver e tocar o produto, e na internet não
posso fazer isso”, trinta e cinco por cento (35%) da amostra preferem a compra nas
lojas físicas, prevalecendo sobre o desconto de dez por cento (10%) na compra pela
internet, seja na questão sensorial, na necessidade de manusear o produto e sentir sua
textura, composição, cheiro, tamanho, ou seja, na questão de comprar e logo sair com
o produto em mãos.
Disponibilizar informações variadas, combinações, fotos ilustrativas, aplicações
reais na rotina do usuário, depoimentos, vídeos, entre outros, auxilia na construção da
ideia de que o consumidor precisa criar para suprir sua necessidade sensorial ou de
pronta entrega para compras no ambiente virtual.
Afirmam Kotler e Armstrong (2003) que o processo de decisão de compra do
cliente apresenta variações quanto a sua complexidade. Quanto maior a importância
da aquisição para o consumidor, normalmente este envolverá mais participantes e
mais ponderações. No modelo apresentado, na Tabela 6, são evidenciados os tipos de
comportamento do consumidor com base em seu nível de envolvimento e também o
nível de diferença entre as marcas.
TABELA 6 – Quatro tipos de comportamento de compra.
Alto Envolvimento
Baixo Envolvimento
Diferenças significativas entre
as marcas
Comportamento de compra
complexo
Comportamento de compra em
busca da variedade
Poucas diferenças entre as
marcas
Comportamento de compra com
dissonância cognitiva reduzida
Comportamento de compra
habitual
Fonte: Adaptado de Kotler e Armstrong (2003).
Conforme a Tabela 6, no comportamento de compra complexo, o cliente está
bastante envolvido com a aquisição e percebe diferenças expressivas entre as opções
de marcas. Na maioria das vezes, esse maior envolvimento se dá devido ao valor
elevado da aquisição, ou quando envolve risco e a compra não é feita com frequência.
Normalmente, o consumidor tem muito que aprender sobre o produto ou serviço para
conseguir tomar a decisão mais cabível.
O cliente passará, então, por um processo de aprendizagem, a fim de desenvolver
primeiramente as crenças sobre a aquisição e logo em seguida suas atitudes com relação
a ela, para somente depois fazer a escolha de forma consciente, acrescentam Kotler e
Armstrong (2003).
Assim, as organizações precisam identificar se fornecem algum produto
enquadrado no comportamento complexo, com vistas a facilitar o acesso às informações
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para que os clientes, que buscam conhecer os atributos do produto ou serviço, não
enfrentem dificuldades no seu processo de aprendizagem.
Destacam Kotler e Armstrong (2003) que o comportamento de compra com
dissonância cognitiva reduzida ocorre quando os consumidores estão envolvidos num
processo de aquisição de um produto ou serviço caro, incomum, e que também envolva
risco, porém não evidenciam grandes diferenças entre as opções de marcas. Nesse caso,
por haver pouquíssimas diferenças entre as marcas, os consumidores pesquisarão o
que há disponível no mercado que atenda as suas necessidades e efetuarão a aquisição
de maneira relativamente rápida; poderão responder bem a um preço menor que a
concorrência.
Como o consumidor não percebe diferença entre as marcas nesse processo,
ele pode experimentar depois da compra uma dissonância pós-compra, que é o
desconforto após a aquisição. Conforme os autores, isso acontece quando eles
começam a perceber desvantagens na marca em questão, ou opiniões favoráveis
às outras marcas. Para conter essa dissonância, o e-commerce deve então oferecer
total apoio após a compra para que o consumidor se sinta bem com sua escolha de
marca.
No comportamento de compra habitual (quadro 1), o envolvimento com o processo
de compra é baixo e poucas são as diferenças entre as marcas. A decisão de compra
aqui se dá muito mais por hábito do que por fidelidade.
Segundo Kotler (2006), a organização precisa estar atenta se seus produtos ou
serviços estiverem classificados como uma decisão de compra de baixo envolvimento, ou
seja, no comportamento de compra habitual. Muitos produtos são comprados sob essas
condições e, nessa óptica, existe ausência de diferenças significativas de marca.
Justifica Kotler (2006) que o sal é consumido pela maioria das pessoas sem que
elas levem em consideração a marca. Isso se deve em grande parte pelo seu custo baixo
e aquisição frequente dos consumidores.
Para que a organização consiga converter um produto de baixo envolvimento
em um produto de alto envolvimento, algumas técnicas são indicadas. Vincular o
produto ou serviço a um problema que seja envolvente é um ponto chave. Segundo
Kotler (2006), o creme dental seria também considerado como um produto de baixo
envolvimento pelo seu valor e pela periodicidade em que se compra, mas a indústria
soube conectar seu serviço a um problema: as cáries. Observando esse novo aspecto,
os clientes estão em busca de um creme dental que combata de forma mais eficiente a
prevenção de cáries. Outra conexão possível é vincular o produto a uma determinada
situação pessoal. A indústria alimentícia, por exemplo, passou a enriquecer alguns
alimentos com suplementos de cálcio.
Turban e King (2004) agregam que o modelo de decisão de compra consiste de
cinco etapas primordiais.
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A primeira fase é a identificação da necessidade. Dá-se quando o consumidor se
depara com um desequilíbrio entre seu estado real e o desejado de uma necessidade
sua. A meta do profissional de marketing é fazer com que o consumidor perceba e
reconheça esse desequilíbrio, a fim de procurar o seu produto ou serviço para preencher
essa lacuna.
Após o reconhecimento da necessidade, o consumidor investiga informações sobre
as várias alternativas disponíveis para satisfazer essa necessidade. Em seguida, ocorre
um processo de análise das alternativas preferidas. A partir desse conjunto, o comprador
potencial fará uma avaliação mais profunda e, se possível, já inicia uma negociação
nas condições de compra. Ele utiliza as informações já coletadas para desenvolver um
elenco de critérios que o ajudarão a avaliar e a comparar as alternativas.
O consumidor então tomará a decisão de compra, combinando a melhor forma
de pagamento e entrega, negociando garantias e atributos que achar necessário. Existe,
assim, uma fase de pós-compra, em que o cliente irá ponderar se sua aquisição foi
satisfatória, se atendeu suas necessidades ou se não era o que estava procurando.
Discutem Ribeiro e Eustachio (2010, p. 94) que a marca consolidada de uma
organização não é quem define a decisão do processo de compra na sua totalidade.
Comentam que:
Ao longo do tempo, temos constatado que as pessoas se identificam e se
associam às marcas que admiram, mas se apaixonam por produtos. Alguns
segmentos de mercado têm investido dominantemente na mística da marca,
esquecendo-se de divulgar seus produtos e fazer deles objetos de desejo. Um
caso típico é o das marcas de produtos esportivos. Enquanto todo o esforço
de comunicação é direcionado à marca, os produtos são desconhecidos do
consumidor. Quem é capaz de se lembrar de um modelo de calçado esportivo,
entrar em uma loja e pedir aquele produto específico pelo seu nome? O resultado
é que admiramos as marcas, mas não desejamos nem temos urgência de comprar
nenhum produto especificamente. No marketing, a química perfeita é a que
junta o carisma da marca, que é a alma, ao corpo, que são os produtos. O brilho
da marca precisa ser substantivado em produtos que as pessoas conheçam e
queiram levar para casa. Uma marca carismática encanta, mas são os produtos
que apaixonam.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Internet tornou-se, há muito tempo, uma ferramenta fundamental para empresas
explorarem novos mercados e obterem novos clientes. Inúmeras empresas atingiram
índices inacreditáveis de crescimento, obtendo vantagens no emprego do comércio
eletrônico.
É possível vender produtos com menor preço, motivo esse mais apontado na
pesquisa para compras pelo e-commerce, visto que a empresa não possui custos como
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aluguel de um ponto comercial, decoração, vitrines, vendedores, segurança, entre
outros.
O administrador de um e-commerce ainda conta com uma vantagem, que até
hoje muitas organizações não se deram conta da real importância: o conhecimento
constante do perfil dos clientes, seus hábitos, suas preferências, as regularidades de
consumo e até suas opiniões.
Quando uma empresa utiliza essas informações, pode propiciar uma experiência
de consumo ainda mais encantadora. É como se o cliente entrasse em uma loja e o
vendedor soubesse seu nome, sua data de aniversário, onde mora, do que mais gosta,
quais foram suas últimas compras e, com base nisso, mostra-lhe produtos de acordo
com seu perfil.
Mas que mercado virtual é esse? Qual é a dimensão de tudo isso? Será que
realmente é possível comprar tudo pela internet? Afinal, sabem-se as lojas da cidade,
mas quais as que estão no mundo “virtual”?
Giglio (2005, p.193) faz referência a uma pesquisa realizada no Brasil:
Em 2002, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, foi realizada uma pesquisa
de mercado para saber se uma pessoa poderia viver sua rotina sem sair de casa, só
utilizando a internet. Dois jovens, um rapaz paulista e uma moça carioca, foram
colocados em um apartamento que só tinha as quatro paredes e um computador
conectado à internet. Eles tinham um cartão de crédito para comprar tudo o que
quisessem.
O que você compraria em primeiro lugar? Os itens de rotina, não é? Utensílios
de cozinha, uma cama, comida, produtos de higiene e limpeza. Foi o que eles
fizeram, com algum sacrifício, nos dois primeiros dias. Depois, vieram produtos
de facilidades, tais como fogão, geladeira, máquina de lavar e liquidificador.
Depois, os itens de conforto, tais como sofás, cadeiras, música, TV. Finalmente,
segundo relatos dos participantes, passaram aos itens de lazer, tais como aluguel
de fitas e aparelhos de ginástica. Quando os participantes estavam habituados à
sua rotina (aproximadamente vinte dias depois), o experimento foi encerrado.
A conclusão é que já é possível comprar tudo aquilo de que você precisa pela
internet. Tudo mesmo, até a companhia de outras pessoas.
Surgem constantemente novas tecnologias que podem ser adaptadas ao comércio
eletrônico para aumentar o volume de compra on-line. Pode-se citar o mobile commerce
(m-commerce), o comércio eletrônico móvel, no qual muitas lojas virtuais já adaptaram
suas plataformas para vendas através de celulares, sem contar os inúmeros serviços já
disponíveis. Pode-se comprar e vender ações, reservar hotéis, fazer o check-in de um
voo, tudo através do celular com acesso à internet.
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Outro meio que em breve criará novas oportunidades é o television commerce.
Até o ano de 2016, o Brasil deverá estar completamente integrado ao Sistema
Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) que permitirá fazer compras logo após
determinado comercial. Espera-se que uma das principais características dessa forma
de comércio eletrônico seja a redução de tempo entre um anúncio e uma venda, o
que certamente aumentará o volume de vendas do comércio eletrônico brasileiro.
Poder-se-á assistir a um comercial de uma marca de tênis e, logo após a inserção
do comercial, será possível fazer o pedido direto ao fornecedor, sem precisar-se
levantar do sofá.
Por tudo isso, faz-se necessário que o profissional da Administração entenda o
comportamento do consumidor no que diz respeito ao comércio eletrônico. O objetivo
da pesquisa foi exatamente esse, evidenciar o processo de decisão de compra on-line.
Os resultados da pesquisa apontam que o preço, a segurança, as informações detalhadas
do produto e a garantia são itens críticos para a decisão de compra.
O administrador precisa direcionar esforços para garantir um processo seguro,
a fim de oferecer uma plataforma de compra livre de riscos, bem como, dentro do
possível, praticar preços menores que as empresas que possuem estrutura física, visto
que esse é o principal motivador de uma compra on-line.
Também foi possível identificar, na pesquisa, a importância que o cliente atribui
para o rastreamento do pedido, devido a sua necessidade de “acompanhar” a entrega
e monitorar diariamente o status do seu pedido.
Outro objetivo cumprido com a pesquisa foi avaliar o perfil sócio-econômico do
e-consummer. Pode-se afirmar que quanto maior o índice de escolaridade, maior é o
percentual de participação nas compras on-line. Catalani et al. (2006, p. 69) interpreta
essa relação da seguinte forma: “Preocupados com suas carreiras, aceitam bastante o
risco e tipicamente comprarão na internet para ganharem tempo ou para se manterem
atualizados ou à frente das pessoas, buscando status”.
Que o comércio eletrônico é uma oportunidade para as empresas, ninguém
mais tem dúvida. Em tempos de crise ou de lucros cada vez menores, em função
de uma concorrência intensa, a internet desenha-se como uma saída, um novo
canal de vendas. Basta oferecer o que os clientes realmente desejam e proporcionar
experiências de compras diferenciadas dos canais de vendas convencionais (empresas
físicas).
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